FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE FAINOR
GRAZIELE LIMA DA SILVA LEITE
A LEI MARIA DA PENHA E SUA EFETIVIDADE
VITÓRIA DA CONQUISTA – BAHIA 2013
GRAZIELE LIMA DA SILVA LEITE
A LEI MARIA DA PENHA E SUA EFETIVIDADE
Monografia apresentada à Faculdade Independente do Nordeste – FAINOR, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Prof.ª Kathiuscia Gil Santos
VITÓRIA DA CONQUISTA – BAHIA 2013
L533e
Leite, Graziele Lima da Silva A efetividade da Lei Maria da Penha. / Graziele Lima da Silva Leite._ _ Vitória da Conquista, 2013
41f. Monografia (Graduação em Direito) Independente do Nordeste - FAINOR Orientador(a): Prof.ª. Kathiuscia Gil Santos
Faculdade
1. Violência doméstica 2.Lei Maria da Penha 3.Violência contra a mulher IT. Direito CDD 345.1025
Catalogação na fonte: Biblioteca da Fainor
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Rubens e Néia, razão da minha existência e responsáveis pela formação da pessoa que sou. Ao meu irmão, Ruan, pelo carinho e atenção. Ao meu noivo, Matheus, pelo incentivo e paciência. À Minha orientadora, Kathiuscia Gil Santos, pela orientação serena e apoio que me auxiliaram no desenvolvimento do trabalho. À Dr. Clarindo Lacerda e Manuela Ferraz pelos ensinamentos e compreensão. Às minha amigas de longas datas, Karol, Lígia, Monize, Kátia e Luana, pela companhia e amizade. Aos professores que me auxiliaram, transmitindo conhecimentos e compartilhando experiências.
“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”. (Jean Paul Sartre)
A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA
Monografia apresentada à Faculdade Independente do Nordeste como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Monografia aprovada em _____/_____/_____
BANCA AVALIADORA
Orientador: Prof.ª Kathiuscia Gil Santos
1º Avaliador: Prof.º Luciano Tourinho
2º Avaliador: Prof.º Gésner Lopes Ferraz
Coordenador do Curso: Prof. Dr. Sebastião Martins Lopes
RESUMO
A presente monografia tem como objeto de estudo a Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, a qual foi sancionada em 07 de agosto de 2006. Essa lei foi criada com o objetivo de penalizar os agressores, praticantes da violência contra a mulher, de uma forma mais rigorosa. Desta forma, o presente trabalho busca verificar as causas e consequências que a problemática desse tipo de violência vem causando nas suas vítimas. Visa, sobretudo, a compreensão do procedimento, classificando as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, identificando o agressor e expondo as medidas protetivas presentes na lei. O que se pretende com esse trabalho, em sentido amplo, é demonstrar que a violência doméstica contra a mulher ocorre diariamente e que é um problema social que precisa ser sanado, pois causa danos irreparáveis nas mulheres, podendo gerar
problemas
biopsicossociais para o resto da vida. Buscou-se, também, verificar a forma como as autoridades lidam com tal tipo de violência, desde as autoridades policiais, passando pelo Ministério Público, até os Juizados Especiais ou Varas Criminais, conforme o caso, afirmando sempre o respeito á dignidade da pessoa humana frente ao Estado Democrático de Direito, vigente no Brasil.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência Doméstica. Violência contra a mulher.
ABSTRACT
This monograph has as its object of study Law 11.340/2006, popularly known as the Maria da Penha Law, which was enacted on August 7, 2006. This law was created with the aim of penalizing offenders, practitioners of violence against women, in a more strict. Thus, this study aims to verify the causes and consequences of problems of this type of violence is causing in the victims. Aims mainly to understand the procedure, classifying forms of domestic violence against women, identifying the perpetrator and exposing the protective measures in the present law. The aim with this work, in a broad sense, is to demonstrate that domestic violence against women occurs daily and is a social problem that needs to be remedied, because it causes irreparable damage to the women, which may cause problems for the rest of the biopsychosocial life . We attempted to also check out how the authorities deal with such violence from the police, through the prosecutor, to the Special Courts or Criminal Courts, as applicable, stating always will respect human dignity against the democratic rule of law in force in Brazil.
Keywords: Maria da Penha Law. Domestic Violence. Violence against women.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................10 1 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER..........................12 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5
Breve histórico da violência contra a mulher...............................................................12 Conceito de Violência .................................................................................................13 Formas em que se manifestam a violência contra a mulher.........................................15 Causas da violência doméstica.....................................................................................17 Consequência da violência doméstica..........................................................................18
2 A LEI MARIA DA PENHA – LEI 11.340/2006....................................19 2.1 Origem da Lei...............................................................................................................19 2.2 A Constituição Federal e a Lei Maria da Penha...........................................................21 2.3 Inovações ocorridas na legislação brasileira com o advento da Lei 11.340/2006..................................................................................................................23
3 A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA................................26 3.1 Competência para julgamento dos crimes cometidos com violência doméstica.....................................................................................................................27 3.2 O Atendimento pela Autoridade Policial.....................................................................29 3.3 O Procedimento Judicial..............................................................................................31 3.4 Das Medidas Protetivas de Urgência...........................................................................32 3.5 A Atuação do Ministério Público................................................................................35 3.6 Da Assistência Judiciária.............................................................................................35 3.7 Necessidade de representação e possibilidade de renúncia.........................................35
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................38 REFERÊNCIAS............................................................................................40
10
INTRODUÇÃO
Esse trabalho tem como finalidade precípua investigar os meios de proteção em favor da mulher, vítima de violência doméstica, bem como os de punição para os agressores, observando as peculiaridades da lei processual penal. O principal objetivo é o estudo da violência doméstica e familiar contra a mulher, com base na Lei 11.340/2006, em vigora mais de seis anos, criada com a intenção de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar o problema que aflige parte da população feminina no Brasil, tornando mais rigorosa as punições para os agressores. O problema da violência doméstica é universal e se confunde com a própria história da família. Em tempos passados a mulher nascia para obedecer ao pai e depois ao marido. Sem ter qualquer direito, estava proibida de votar e ganhar a própria renda, exercendo as atividades subalternas, tais como cuidar dos filhos e da casa. Com todo esse histórico, ficou submissa ao marido, o qual está incumbido de trabalhar e prover o sustento da mulher e dos filhos, exercendo assim o poder sobre a família, o pátrio poder. Desta forma, no decorrer deste trabalho monográfico, procura-se responder aos questionamentos, tais como: quais as causas ou fatores de risco aos quais a mulher está submetida? Quais as consequências provocadas nas mulheres e filhos? Quais as principais modificações ocorridas na legislação brasileira com o advento da Lei 11.340/06 no combate à violência doméstica? Para organizar a pesquisa, foram estabelecidos objetivos divididos em geral e específicos. Tais objetivos estabelecem o que se pretende conhecer e provar, além do resultado a ser alcançado no decorrer da pesquisa. O objetivo geral é analisar a problemática da violência doméstica contra a mulher nos seus aspectos sociais e jurídicos, contextualizando-o com a relevante aplicação da Lei 11.340/06. Como objetivo específico tentaremos analisar os avanços trazidos, e ainda fazer uma breve análise da efetiva aplicação da Lei pelos órgãos responsáveis pela assistência judiciária. A pesquisa foi realizada com o método hipotético dedutivo, de forma que defende o aparecimento de um problema, apresenta soluções provisórias, passando, em um momento posterior, a criticar a solução com o objetivo de eliminar o erro.
11
Em razão do exposto, para alcançar os objetivos propostos, esta monografia se apresenta estruturada da seguinte forma: No primeiro capítulo será analisado o conceito de violência, o histórico da violência contra a mulher, abordando suas formas, causas e consequências. O segundo capítulo aborda os antecedentes históricos da Lei nº 11.340/06, criada em 7 de agosto de 2006. Esse capítulo nos permitirá uma melhor contextualização das inovações e alterações realizadas na legislação brasileira. No terceiro capítulo, a abordagem se dará em torno da fiel aplicação da Lei, analisando sua efetividade, avanços, procedimento e medidas eficazes ao combate à violência doméstica e familiar, bem como a atuação da Autoridade Policial, do Ministério Público e das Varas Criminais. Por fim, este trabalho pretende abordar a efetividade da aplicação da Lei Maria da Penha, iniciando com uma análise da violência doméstica e familiar, interligada com os novos conceitos e avanços trazidos pela lei, e finaliza-se com o alcance dos objetivos formulados para esta monografia.
12
CAPÍTULO I VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
1.1 Breve histórico da violência contra a mulher
As mulheres, na antiguidade, eram vistas como coisas. Tais como os escravos, móveis e imóveis, faziam parte do patrimônio familiar. Pesquisas apontam que a primeira base de sustentação da hierarquização masculina em relação a mulher e sua consequente subordinação, possui cerca de 2.500 (dois mil e quinhentos anos), indo desde Platão, que defendia a ideia de que a mulher pouco possuía capacidade de raciocínio, além de ter alma inferior a do homem, até Aristóteles, que posicionou o homem com superioridade e divindade em relação a mulher, já que esta se compunha como um ser emocional, desviado do tipo humano. Assim, a alma tem domínio sobre o corpo, a razão sobre a emoção, e o masculino sobre o feminino. Diante dessa visão deturpada, a sociedade veio se desenvolvendo ao longo dos séculos, tornando existente uma cultura de subordinação da mulher em relação ao sexo masculino. Nos tempos do Brasil colonial, existia uma lei que permitia ao marido castigar a esposa com chibatadas. O uso de agressões físicas contra a mulher podem ser consideradas como herança, deixadas pelos colonizadores europeus, e que se incorporaram a cultura local. Na década de 70, apesar da legislação brasileira não conter autorização legal para que maridos traídos ou supostamente traídos matassem suas esposas, a justiça brasileira e a sociedade assistiam a homicídios praticados contra as mulheres, e praticamente todos os homens eram absolvidos alegando legítima defesa da honra, mesmo que para isso tivesse que denegrir a imagem de suas próprias mulheres, que eram muitas vezes acusadas de sedução, luxúria, infidelidade, e até de serem elas mesmas responsáveis pelo desequilíbrio emocional de seus parceiros. No Brasil, a violência contra a mulher cresceu assustadoramente, tomando gigantescas proporções, e hoje apresenta um cenário que merece ser enfrentado de forma emergencial, já que provoca sérias consequências à saúde física e mental dessas mulheres, quando não as levam a um fim trágico.
13
O país passou um longo e tênue processo, para então chegar a uma nova era, que tem a imagem da mulher distinta daquela estereotipada pela história, que possui valores e busca a sua dignidade. Essa busca se deu de forma incessante até ser criada a Lei Maria da Penha, que evidenciou o conceito de Direitos Humanos em relação ás mulheres, vítimas de violência doméstica.
1.2 Conceito de violência
Primeiramente,analisaremos a violência em seu conceito geral, para depois conceituar e diferenciar a violência contra a mulher da violência doméstica e familiar, as quais são empregadas como sinônimas diariamente pela sociedade e meios de comunicação. Define-se como violência qualquer comportamento ou conjunto de comportamentos que visem causar dano à outra pessoa, ser vivo ou objeto. É um vocábulo que deriva do latim violentia, que por sua vez deriva do prefixo vis e quer dizer força, vigor, potência ou impulso. Na análise de Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti (2007, p.29), a violência assim se define: È um ato de brutalidade, abuso, constrangimento, desrespeito, discriminação, impedimento, imposição, invasão, ofensa, proibição, sevícia, agressão física, psíquica, moral ou patrimonial contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e intimidação pelo medo e terror.
Segundo estudos da Organização Mundial de Saúde – OMS – a violência pode ser dividida em três espécies: a) Violência interpessoal: pode ser física ou psicológica. Nesta modalidade destacamse a violência entre jovens, violência doméstica, violência praticada contra crianças e adolescentes e a violência sexual. b) Violência contra si mesmo: também denominada violência auto infligida. São os suicídios, as ideações de se matar e de se automutilar; c) Violência coletiva: que pode ser subdivida em duas outras espécies: violência social (ocorre em razão das desigualdades socioeconômicas em países desenvolvidos e subdesenvolvidos) e violência urbana (ocorre nas cidades seja em forma de crimes eventuais ou em razão do crime organizado).
14
A violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, político, econômico ou perda patrimonial, tanto no âmbito público como no privado. Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto (2007, p.24) definem a violência contra a mulher como: Qualquer ato, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meios de enganos, ameaças, coações ou qualquer outro meio, a qualquer mulher e tendo por objetivo e como efeito intimidála, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos papeis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, moral, ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais.
A violência doméstica contra a mulher, na maioria das vezes, é praticada pelo marido, companheiro, namorado, ex-companheiro, filhos ou pessoas que residem na mesma casa. Inclui diversas práticas, como a violência contra a mulher, maus-tratos contra idosos e ainda a violência sexual contra o parceiro. Na simples leitura do art. 5º da Lei 11.340/06, temos o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher:
Art. 5º Para os efeitos dessa Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer ralação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. (BRASIL, 2012, p. 1319).
Conforme se depreende da leitura do artigo acima, a violência doméstica é a que envolve membros de uma mesma família, aqui entendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram parentes, unidos por laços naturais, como os de pai, mãe, filha etc., civil, como o marido, padrasto ou outros, e por afinidade ou afetividade, como os primos ou tio do marido, amigo ou amiga que mora na mesma casa. E ainda existe a violência em qualquer relação íntima de afeto, como no namoro. A violência é uma forma errônea de resolução de problemas, onde prevalece o mais forte sobre o mais fraco. Tal forma de resolver conflitos acaba por acarretar uma série de problemas e que, muitas vezes, podem causar consequências drásticas, tais como o medo,
15
angústia, revolta, insegurança, os quais podem levar a mulher ao isolamento, o que pode vir a causar uma das formas de depressão ou até mesmo doenças de ordem psíquica e/ou física. Por fim, podemos resumir que a violência sofrida pela mulher representa uma ameaça à sua vida. Tal violência é produto de um sistema social que subordina o sexo feminino. É um problema de grande intensidade porque sua origem está no nosso sistema social e cultural, o qual é bastante influenciado no sentido de que o homem é superior à mulher e que esta deve assumir uma postura de subordinação e respeito àquele aceitando, muitas vezes, ser vítima de discriminação e da violência.
1.3 Formas em que se manifestam a violência contra a mulher
Para Maria Berenice Dias:
A violência, para os efeitos da lei, é aquela contra a mulher, seja de ação ou omissão, que encontre base no gênero (gênero masculino ou feminino, criação de natureza social, não biológica), que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, de dano moral ou patrimonial, desde que realizada no âmbito da unidade doméstica, ou seja, o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou semvínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, ou no âmbito próprio da família, como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa, e por último, sempre independentemente de orientação sexual, também se compreende as decorrentes da relação íntima de afeto quando o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida (DIAS, 2007, p. 298, grifo do autor).
Existem cinco formas de violência contra a mulher, descritas na Lei 11.340/2006, a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral, as quais serão analisadas separadamente. O legislador inseriu no art. 7º as modalidades de violência mais comumente praticadas contra as mulheres no âmbito familiar e doméstico, sendo essas as que mais aparecem nos relatórios e pesquisas nacionais e internacionais sobre a violência de gênero, vejamos:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e a autodeterminação; III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
16
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que o force ao matrimônio, a gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta configure calunia, difamação e injúria. (grifos meus).
A violência física, tratada no inciso I, é aquela praticada com o emprego de força, mediante empurrões, agressões com socos, pontapés, arremesso de objetos, queimaduras ou qualquer tipo de atitude que tenha como objetivo atingir a integridade ou a saúde da vítima, que venha ou não a deixar marcas aparentes. Os crimes assim descritos são tipificados pelo Código Penal Brasileiro, especialmente em seu artigo 129, § 10, o qual traz em sua redação causa de aumento de pena de 1/3 (um terço), aos crimes praticados contra as pessoas elencadas no §9º do mesmo artigo, que traduz ocorrência de violência doméstica. A Violência psicológica, tratada no inciso II, é também conhecida como agressão emocional. Tão grave e frequente quanto a violência física. Se,apresenta de forma subjetiva, até pela dificuldade que se tem de ser identificada como tal. A vítima nem sempre se atenta que está vivenciando este tipo de violência, deixando-se levar pelas agressões verbais, que provoca uma baixa em sua autoestima, levando-a a acreditar que é culpada pelas agressões que sofre. A violência sexual, tratada no inciso III, implica na conduta de constranger, forçar ou obrigar a mulher à prática ou à abstenção relativa à sexualidade. No Código Penal Brasileiro, vem tipificado nos artigos 213 à 234, que cuida dos crimes contra os costumes, e liberdade sexual, mais especificamente. A violência patrimonial, tratada no inciso IV, pode ser conceituada como a apropriação agressiva de bens contra a vontade dos donos. Para Maria Berenice Dias, a Lei Maria da Penha: [...] reconhece como violência patrimonial o ato de “subtrair” objetos da mulher, o que nada mais é do que furtar. Assim, se subtrair para si coisa alheia móvel configura o delito de furto, quando a vítima é mulher com quem o agente mantém relação de ordem afetiva, não se pode mais reconhecer a possibilidade de isenção de pena. O mesmo se diga com relação à apropriação indébita e ao delito de dano. É violência patrimonial “apropriar” e “destruir”, os mesmos verbos utilizados pela lei penal para configurar tais crimes. Perpetrados contra a mulher, dentro de um contexto de ordem familiar, o crime não desaparece e nem fica sujeito à representação (DIAS, 2010, p.52-53).
17
A principal consequência deste tipo de violência é a subordinação da mulher ao seu agressor, já que impede que a mulher se torne independente e possa se sustentar sem a ajuda do companheiro. A violência moral, tratada no inciso V, é entendida como qualquer conduta que configure em calúnia, difamação ou injúria. São tipos que ocorrem concomitantes à violência psicológica. Da análise do artigo 7º da Lei, depreende-se que o rol exposto não é exaustivo, de forma que outras formas de violência podem ser inseridas como violência doméstica e familiar.
1.4 Causas da violência doméstica
Diversos fatores podem ser apontados como causas da violência doméstica, que na maioria das vezes é praticada por homens contra suas esposas, mães de seus filhos. Dentre os fatores de risco mais apontados pela doutrina estão os individuais, comunitários, pessoais, econômicos, de relacionamento e culturais. O álcool é uma das causas mais elencadas pelas pesquisas realizadas. Funciona como um fator provocador da prática da violência, sendo considerado um elemento situacional, aumentando em muito a probabilidade de violência ao reduzir e inibir a capacidade da pessoa de interpretar os sinais.Algumas pesquisas apontam também como causa da violência, a junção do álcool com o uso de outras drogas, que são capazes de transformar a mente do agressor, deixando-o com um estado psíquico fora do habitual. Stela Valeria Soares de Farias Cavalcante (2011, p.33), em seus estudos sobre violência doméstica conclui que: Embora o álcool, as drogas ilegais e o ciúme sejam apontados como principais fatores que desencadeiam a violência doméstica, a raiz do problema está na maneira como a sociedade valoriza o papel masculino nas relações de gênero. Isso se reflete na forma de educar meninos e meninas. Enquanto os meninos são incentivados a valorizar a agressividade, a força física, a ação, a dominação e a satisfazer seus desejos, inclusive os sexuais, as meninas são valorizadas pela beleza, delicadeza, sedução, submissão, dependência, sentimentalismo, passividade e o cuidado com os outros.
Estudos apontam que o índice de violência praticada contra a mulher é maior quando há histórico do homem ter apanhado quando criança ou ter presenciado a sua mãe sofrendo este tipo de violência. Apesar dos homens que abusam fisicamente de suas esposas
18
normalmente apresentarem um histórico de violência, nem todos os meninos que testemunham violência, sofrem abuso, tornam-se perpetradores de abusos quando crescem. Pode-se afirmar que o fator mais consistente para o aparecimento da violência doméstica é o conflito presente nos relacionamentos, pois o casal ao iniciar uma discussão, agride-se verbalmente, essa agressão vai se intensificando, culminando com a agressão física, devido ao nível de estresse, ciúme, desgaste emocional, imaturidade a que se expõe o relacionamento, tornando quase impossível a resolução dos problemas. Existe, ainda, a questão cultural do homem se sobrepor a mulher como fator determinante da prática de violência doméstica.
1.5Consequências da violência doméstica
As principais consequências da violência doméstica são físicas, psíquicas e fatais. São físicas as consequências que deixam marcas visíveis, que lesionam a integridade física da mulher, como fraturas, cicatrizes deformantes, mutilações, hematomas, problemas ginecológicos, infecções, gravidez indesejada, aborto induzido e espontâneo. São consequências de ordem psíquicas a depressão, isolamento, estresse, ansiedade, pânico e rejeição familiar. Por fim, são consequências fatais mais comuns o homicídio e o suicídio. As consequências não atingem só as vítimas diretas do agressor, mas também os filhos, que presenciam as cenas de discussões e de agressões. São eles os atingidos com problemas de trato psicológico, com maiores chances de desenvolver doenças crônicas, crescerem retraídas e de possuir um grau elevado de agressividade. O problema da violência contra a mulher, apesar de ser muito antigo, nos dias atuais parece ter encontrado um mecanismo mais eficaz para solucioná-lo. Em verdade, todos os meios existentes no ordenamento jurídico brasileiro no intuito de resolvê-lo, demonstram que não será de forma simples a obtenção de um padrão normativo e de conduta no combate a esse tipo de violência.
19
CAPÍTULO II A LEI MARIA DA PENHA – LEI Nº 11.340/2006
2.1 Origem da Lei
Tudo começou em 29 de maio de 1983, quando Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica, foi atingida por um disparo de arma de fogo enquanto dormia, sendo que o autor desse disparo foi o seu próprio marido, o economista e professor universitário Marcos Antônio Heredia Viveiros, colombiano com naturalização brasileira. Em razão dessa crueldade, Maria da Penha ficou tetraplégica. Algum tempo depois, quando Maria da Penha ainda se recuperava do trauma e das consequências advindas do tiro que levara, passa pelo segundo ataque do seu marido, dessa vez enquanto tomava banho, sofrendo uma grande descarga elétrica e afogamento. Viveiros sempre negou a autoria do primeiro ataque simulando a ocorrência de um assalto na casa em que o casal morava, entretanto, as provas colhidas no Inquérito Policial o incriminaram e foram suficientes para embasar a denúncia. O agressor foi denunciado pelo Ministério Público em 29 de setembro de 1984, perante a 1ª Vara Criminal de Fortaleza. Prolatada a sentença de pronúncia em 31 de outubro de 1986, o réu vai a julgamento no dia 04 de maio de 1991 quando foi condenado a 15 anos de reclusão. A defesa então apelou da sentença condenatória alegando falha na formulação dos quesitos que o Juiz Presidente fez ao júri popular. Acolhido o recurso da defesa o acusado foi a novo julgamento em 15 de março de 1996, onde novamente foi condenado, recebendo uma pena de dez anos e seis meses de reclusão. Novamente a defesa insatisfeita com o resultado, faz novo apelo desta decisão, dirigindo recursos aos Tribunais Superiores. Após a apreciação de todos os recursos feitos pela defesa do réu, quase vinte anos após o cometimento dos crimes, no mês de setembro de 2002, o acusado finalmente foi preso, quando lecionava em uma faculdade no Rio Grande do Norte, cumprindo pena em regime fechado apenas por dois anos, o que fez Maria se revoltar com o Poder Público. Com a ajuda de ONGs, Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – Órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) – cuja principal tarefa consiste em analisar as petições apresentadas àquele órgão,
20
denunciando violações aos direitos humanos, assim considerados aqueles relacionados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica (CAMPOS E CORRÊA, 2011, p. 57). Em virtude desses fatos a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou em 16 de abril de 2001 o relatório 54/2001. Esse relatório trata-se de um documento de suma importância para o entendimento da violência contra a mulher no Brasil, e serve de base para a promoção das discussões acerca do tema, haja vista a grande repercussão do referido relatório, inclusive internacionalmente, o que provocou grandes debates que culminaram, cerca de cinco anos após, com o advento da Lei nº. 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, fazendo com que a violência contra a mulher deixasse de ser tratada como um crime de menor potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, englobando, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral (BASTOS, 2006, p. 102). No mencionado relatório são apontadas as falhas cometidas pelo Estado brasileiro no caso de Maria da Penha Maia Fernandes, pois na Convenção Americana, ratificada pelo Brasil em 1992, e a Convenção de Belém do Pará, ratificada em 2005, o Brasil assumiu perante a comunidade Internacional, o compromisso de implantar e cumprir os dispositivos desses tratados. Na análise do caso Maria da Penha a Comissão Interamericana de Direitos Humanos se manifestou nos seguintes termos:
A Comissão recomenda ao Estado que proceda a uma investigação séria, imparcial e exaustiva, para determinar a responsabilidade penal do autor do delito de tentativa de homicídio em prejuízo da Sra. Fernandes e para determinar se há outros fatos e ações de agentes estatais que tenham impedido o processamento rápido e efetivo do responsável; também recomenda a reparação efetiva e pronta da vítima e a adoção de medidas no âmbito nacional para eliminar essa tolerância do Estado ante a violência doméstica contra mulher.
Mesmo assim o Brasil permaneceu inerte, haja vista o fato de que por três vezes se omitiu a responder as indagações formuladas pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. A primeira solicitação, sem resposta, foi realizada em outubro de 1998, a reiteração do pedido foi realizada em outubro de 1999, novamente sem resposta, e em agosto de 2000 houve nova solicitação, e mais uma vez, sem nenhum esclarecimento. Diante dessas circunstâncias, a comissão concluiu que o Estado brasileiro agiu em total falta de compromisso, deixando de cumprir o previsto no Art. 7º da Convenção de Belém do Pará e nos artigos 1º, 8º e 25 do Pacto de São José da Costa Rica, já que deixou transcorrer
21
quase vinte anos sem que o autor do crime de tentativa de homicídio contra Maria da Penha fosse julgado e condenado. A partir daí, iniciou-se uma discussão no sentido de que fosse elaborado um projeto de lei que incluísse no ordenamento jurídico brasileiro, medidas de proteção à saúde e integridade física da mulher. Diante disso, criou-se um Projeto de Lei no Brasil, baseado no que preceitua o artigo 226, §8º da Constituição Federal de 1988:
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] §8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência contra a mulher na forma da lei específica;
Assim, em 07 de agosto de 2006 foi sancionada pelo Presidente da República a Lei nº 11.340/ 2006, entrando em vigor em 22 de setembro de 2006, para finalmente dar suporte às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, e para resguardar a saúde, moral e dignidade humana. Antes da Lei 11.340/2006, não existia no Brasil uma lei específica para tratar dos crimes cometidos com violência contra a mulher, sendo muitas vezes julgado aplicando-se a Lei 9.099/95, que regulamenta os Juizados Especiais Criminais. Segundo este diploma legal os crimes cujas penas máximas não ultrapassem 2 (dois) anos são considerados de menor potencial ofensivo, aos quais eram aplicados o procedimento da Lei 9.099 que prevê institutos despenalizadores. Assim, as penas aplicadas aos agressores muitas vezes eram pecuniárias, resumindo-se basicamente ao pagamento de multas ou cestas básicas.
2.2 A Constituição Federal e a Lei Maria da Penha
Foi com a Constituição Federal de 1988 que as mulheres tiveram reconhecidos os seus direitos, os direitos humanos e a cidadania plena. Essa conquista se deu, principalmente, por conta das manifestações realizadas pelas mulheres e direcionadas ao Congresso Nacional, apresentando emendas populares e articulando movimentos que desencadearam na inserção da igualdade de direitos, independentemente de cor, raça ou sexo. A partir disso, o Brasil assinou e ratificou tratados internacionais, quais sejam, a Convenção da Organização das Nações Unidas Sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
22
Erradicar a Violência Contra a Mulher, os quais tratam exclusivamente da defesa do direitos da mulher. Assim, a criação da Lei Maria da Penha tem seu alicerce firmado, principalmente, no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, in vebis:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – (...); II – (...); III – A dignidade da pessoa humana; (...).
Para Fausto Rodrigues de Lima, (...) a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental, atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhes são inerentes, em verdade estar-se-á lhe negando a própria dignidade. (LIMA, 2008, p.79).
Passadas as considerações acerca dos direitos humanos, mais especificamente sobre a dignidade da pessoa humana, previsto na legislação brasileira, o legislador da Lei Maria da Penha agregou á referida legislação, o reconhecimento dos direitos da mulher como equiparados aos dos homens, enquanto seres humanos e dotados de capacidades iguais. É com base nos direitos humanos que a lei 11.340/2006 traz em seus artigos 2º e 3º os direitos da mulher, in verbis: Art. 2º. Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Art. 3º. Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. § 1º. O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 2º. Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
23
Esses direitos previstos nos artigos supracitados já possuíam previsão na Constituição Federal, porém, se fazia necessário a criação de uma lei específica para positivar tais direitos e restar demonstrada a igualdade entre homens e mulheres. Nesse contexto de desigualdades entre homens e mulheres é que a Lei Maria da Penha vem buscar equilíbrio nas relações sociais, garantindo às mulheres, direitos inerentes à pessoa humana, quando feridas por indivíduos fisicamente superiores a elas. Desta forma, nada impede que o direito trate de forma desigual os juridicamente desiguais, porque a Constituição prevê igualdade entre homens e mulheres, mas na realidade fática o que deve prevalecer é a Lei, e esta obedece ao seu papel social. A própria Constituição Pátria prevê tratamento diferenciado em certas circunstancias, observando a realidade dos fatos e o posicionamento dos Tribunais, conforme se ver a seguir:
São admitidas as diferenças em decorrência do sexo, em limitações impostas para inscrição em concurso público (por exemplo, ingresso em Academia Militar de formação de oficiais combatentes das Forças Armadas), com fundamento em razões de ordem sócio-constitucional. (STF – RE 1120.305/RJ – 2ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio).
Assim, a legislação em favor da mulher não buscou apenas assegura-las de seus direitos fundamentais, já concebidos pela Constituição, mas principalmente garantir a efetividade do exercício desses direitos, com o apoio de políticas públicas, previstas em lei.
2.3 Inovações ocorridas na legislação brasileira com o advento da Lei 11.340/2006
A Lei Maria da Penha tem uma estrutura adequada e específica para atender a complexidade que é o fenômeno da violência doméstica, trazendo mecanismos de prevenção, assistência às vítimas, políticas públicas e punição mais rigorosa para os agressores. Não se trata de uma lei criada para punir. É uma lei que tem mais o cunho educacional e de promoção de políticas públicas e assistenciais, tanto para vítima quanto para o agressor, com o intuito de resguardar os direitos humanos das mulheres. A Lei 11.340/06 não criou nenhum tipo penal, mas fez alterações nos artigos 42, 43, 44 e 45 do Código Penal, Código de Processo Penal e na Lei de Execuções Penais criando circunstancias agravantes ou aumentando a pena de crimes relacionados à violência doméstica e familiar.
24
Com o surgimento da lei, criou-se também uma nova modalidade de prisão preventiva, assim, essa não mais se restringe apenas aos crimes punidos com detenção (o Art. 42 acrescentou inciso IV ao Art. 313 do CPP): “se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. A prisão pode ocorrer de quatro formas, conforme prevê o artigo 20:
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Desta forma, a partir da Lei Maria da Penha, os crimes punidos com detenção, como ameaça e a lesão corporal, inseridos no parágrafo 9º da Lei 11.340, preenchem o pressuposto da decretação da prisão preventiva do agressor, desde que seja para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Entretanto, mesmo nesta nova hipótese, a decretação está vinculada à demonstração da necessidade da medida, ou seja, é preciso demonstrar que a prisão está sendo decretada para que efetivamente as medidas protetivas sejam cumpridas, garantindo-se assim, a integridade da vítima, de seus familiares e testemunhas. A lei em comento, através do artigo 43, acrescentou no artigo 61, a alínea f, inciso II, do Código Penal, um novo tipo de agravante, quando o crime for praticado com violência contra a mulher, passando a ter a seguinte redação: Art. 61 – são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: [...] f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica.
Com o advento da lei federal, o artigo 44 alterou a redação do artigo 129 do Código Penal, o qual passou a viger nos seguintes termos: Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: [...] §9º - Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos. [...]
25
§11º - Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
As alterações também ocorreram na lei de execuções penais, podendo haver determinação, pelo juiz, de comparecimento por parte do agressor a programas de recuperação e reeducação obrigatórios. Assim, com o artigo 45 da lei Maria da Penha, a Lei 7.210/84 passou a ter a seguinte redação:
Art. 152 [...] Parágrafo único - Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.
Constata-se que a lei criou circunstância agravante ou aumentou a pena, fazendo com que essa espécie de delito tivesse a devida repressão, não atingindo entretanto, os fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, pois o art. 5º, XL, da Constituição federal veda a retroatividade da lei penal para prejudicar o réu. Portanto, ficou evidente, que a Lei 11.340/06, quando modificou diversos artigos da legislação brasileira tinha a finalidade de melhor proteger as vítimas da violência doméstica, dando-lhes uma melhor proteção jurídica ao trazer inovações com o intuito de intimidar os agressores.
26
CAPÍTULO III A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA
Há atualmente vários estudos sobre a Lei Maria da Penha, suscitando dúvidas, apontando
erros,
identificando
imprecisões
e
até
mesmo
contestando
a
sua
constitucionalidade. Todos esses ataques são motivos para tentar torná-la inviável, ao mesmo tempo em que tentam impedir a sua efetividade. Com quase sete anos de existência, a lei em comento tem provocado consideráveis mudanças no cenário nacional, e apesar das duras críticas sofridas, a lei tem produzido uma verdadeira revolução na forma de coibir a violência doméstica. Inúmeros são as pessoas satisfeitas e insatisfeitas com tal lei e os autores que comentam e discorrem sobre a mesma, como é o caso de Stela Valéria Soares Farias, que em seus estudos sobre a Violência Doméstica (2007, p.176) afirma que não há dúvida de que o texto aprovado constitui um avanço para a sociedade brasileira, representando um marco considerável na história da proteção legal conferida às mulheres. Entretanto, não deixa de conter alguns aspectos que podem gerar dúvidas na aplicação e, até mesmo, opções que revelam uma formulação legal afastada da melhor técnica e das mais recentes orientações criminológicas e de política criminal, daí a necessidade de analisá-la na melhor perspectiva para as vítimas, bem como discutir a melhor maneira de implementar todos os seus preceitos. Cabe ressaltar que a Lei ora em comento, visa a proteger a mulher nas mais diversas formas, contra a chamada violência de gênero, nos casos em que ocorrer qualquer das práticas elencadas no seu art. 5º. Tal proteção deve se dar de forma a evitar quaisquer novas agressões contra a mulher no decorrer de todo o procedimento e, inclusive, após o término deste, com o caráter retributivo que é inerente à pena cominada aos delitos que estão por ela abarcados.
3.1Competência para julgamento dos crimes cometidos com violência doméstica
É indiscutível que os benefícios trazidos pela lei são significativos, sendo seu principal avanço a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, conforme prevê o artigo 14:
27
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.
Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar possuem competência tanto criminal quanto cível. A opção por criar um juizado com uma gama de competências está vinculada à ideia de proteção integral à mulher vítima de violência doméstica e familiar, de forma a facilitar o acesso dela à Justiça, bem como possibilitar que o juiz da causa tenha uma visão integral de todo o aspecto que a envolve, evitando adotar medidas contraditórias entre si, como ocorre no sistema tradicional, no qual as adoções de medidas criminais contra o agressor são de competência do Juiz Criminal, enquanto que aquelas inerentes ao vínculo conjugal são de competência, em regra, do Juiz de Família (SOUZA, 2012). No que diz respeito à determinação de competência, o legislador adotou um critério que privilegia a vítima, pois deixa claro em seu artigo 15 que a indicação do critério a ser observado se dará por “opção da ofendida”: Art. 15 – É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta lei, o Juizado: I – do seu domicílio ou de sua residência; II – do lugar do fato em que se baseou a demanda; III – do domicílio do agressor.
Esta prerrogativa em favor da vítima é apenas mais uma ação afirmativa, que visa criar a tão almejada igualdade entre mulher – vítima – e o homem ou mulher que configure no polo ativo, para que possíveis dificuldades de locomoção não sejam usados como obstáculos à implementação dos objetivos da lei. Para o fiel cumprimento da lei, o ideal seria que em todas as comarcas fosse instalado de imediato um Juizado de Violência Doméstica e que toda sua composição (Juiz, Promotor, Defensor e Servidores) estivesse totalmente preparada para atender a demanda. Importante ressaltar que a lei prevê ainda que os Juizados poderão contar com uma equipe multidisciplinar com profissionais da área jurídica, de saúde e psicossocial, que desenvolverão trabalhos de orientação, encaminhamento e prevenção voltados para a ofendida, o agressor e seus familiares, conforme artigos 29, 30 e 31:
28
Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde. Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes. Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.
Segundo dispõe Didier Jr e Oliveira, a designação Juizado remete a um tipo de órgão jurisdicional e uma espécie de procedimento, exclusivo deste mesmo órgão. O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, embora tenha essa designação, não é um Juizado no sentido tradicional. Trata-se de uma vara especializada. Não há um procedimento específico para as causas que tramitam neste juízo, que deverão obedecer ás regras do Código de Processo Civil, Código de Processo Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Estatuto do Idoso, desde que não conflitem com as regras processuais especiais previstas na Lei Federal n. 11.340/2006. Frente a realidade brasileira, vige como disposição transitória o dispositivo segundo o qual, enquanto não forem estruturados tais juizados especializados, as varas criminais irão acumular as competências cível e criminal para conhecer e julgar tais causas de violência contra a mulher (artigo 33). Nesse diapasão, é nulo em sua totalidade o processo que tramitou em juízo distinto daquele determinado na Lei de Organização Judiciária, porque viola a competência absoluta, sendo, por isso mesmo, inadmitida a prorrogação. O Conselho Nacional de Justiça em sua recomendação nº. 09/2007 sugere aos Tribunais de Justiças dos Estados a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e a adoção de outras medidas, previstas na Lei 11.340/06, paraa criação das políticas públicas, que visem a garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares.
29
3.2O Atendimento pela autoridade policial
Quando da criação da lei, o legislador percebeu a necessidade que tem a vítima de recorrer às delegacias de polícia, quando atingidas pela violência doméstica, razão pela qual a lei valoriza muito a função policial no combate a esse tipo de violência, pois a mulher agredida ao tentar se proteger recorre de imediato à autoridade policial. A Lei Maria da Penha traz, expressamente, em seu bojo uma série de medidas que ficarão a cargo das polícias militar e civil para a efetiva aplicação das medidas de emergência, visando a garantia da integridade física, moral e patrimonial da vítima. O caput do artigo 10 estabelece a obrigatoriedade da instauração de inquérito policial tão logo a autoridade policial venha a tomar conhecimento da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Medida idêntica será tomada na hipótese de descumprimento de medida protetiva de urgência já deferida segundo o comando do parágrafo único do aludido artigo. Com o advento da lei, todo o procedimento policial em relação a vítima foi modificado. Hoje, a vítima comparecendo à delegacia para comunicar a ocorrência do delito deverá receber proteção policial.Quando necessário, ser encaminhada para receber atendimento médico, acompanhada para recolher seus pertences e ainda deverá receber transporte para abrigo seguro, quando houver risco de morte. Diversas providências passam a ser obrigatórias para a autoridade policial no caso de atendimento á mulher em situação de violência doméstica e familiar, com força no artigo 11 da presente lei, abaixo transcrito:
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica efamiliar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviçosdisponíveis.
Desta forma, são todas essas medidas de precaução importantes e necessárias, contudo certamente muitas delas esbarram na carência de recursos financeiros e na falta de material humano nas delegacias de polícia de todo o país.
30
O artigo 12 refere-se às formas e procedimentos a serem seguidos para a formação do inquérito policial, sendo, portanto, os atos que têm um caráter mais burocrático, como representações, requerimentos e adoção de medidas cautelares:
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. § 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. § 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. § 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.
Após a comunicação do fato à autoridade policial, esta deverá adotar três providências: lavrar o boletim de ocorrência; tomar a termo a representação da vítima, o qual será a peça inicial do inquérito; e, tomar a termo o pedido de medida protetiva solicitado pela vítima. Realizadas as diligências deverá a autoridade policial, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, remeter o expediente ao Juiz com o pedido das medidas protetivas solicitadas pela ofendida, a fim de que tais medidas emergenciais sejam aplicadas pelo Juiz competente, entretanto, esta medida não impede a instauração do competente inquérito policial, que deverá seguir seu rito normal, ou seja, o delegado terá o prazo de 30 dias para concluir as investigações, se o indiciado estiver solto, e 10 dias nos casos de indiciado preso. Maria Berenice Dias (2007) em seus estudos, afirma que a Lei Maria da Penha veio para corrigir uma perversa realidade em tudo agravada pela ausência de uma legislação própria, e também pelo inadequado tratamento que era dispensado à mulher que se dirigia à delegacia de polícia na busca por socorro. Pois o que se constatava anteriormente era que as
31
vítimas se dirigiam às delegacias e de lá saiam com um simples boletim de ocorrência, sem que nenhuma solução fosse apresentada para diminuir o quadro de violência apresentado.
3.3O Procedimento Judicial
Concluída a fase do procedimento policial, cabe aodelegado encaminhar as peças necessárias ao Juizado de Violência Doméstica, onde já houver sido instalado, ou ao fórum para a distribuição a uma das Varas Criminais, no prazo de 48 horas, mesmo que a maior parte das providências a serem tomadas versem sobre o direito de família, como ação de alimentos, separação de corpos, direito de visitas, pois a primeira providência a ser adotada é aquela que visa a proteção da vítima, a aplicação das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor. O expediente deverá estar composto, tão somente, do boletim de ocorrência lavrado na ocasião dos fatos, qualificação da ofendida e do agressor, nome e idade dos dependentes, descrição dos fatos e das medidas pretendidas pela vítima (artigo 12), sendo dispensável, nessa fase, demais documentos que demonstrem com maior clareza a veracidade das alegações. Recebidos os autos na vara criminal advindos da distribuição, serão autuados com a designação: “medida protetiva de urgência”, ou outra nomenclatura que permita ao juiz identificá-lo mais facilmente como um procedimento que envolva violência doméstica e familiar, pois essa designação servirá tanto para alertar quanto a urgência que o caso requer, quanto para o magistrado saber a dimensão da violência doméstica ocorrida no Estado, bem como ainda para chamar a atenção e lembrar que se trata de procedimento com direito de preferência, conforme previsto no parágrafo único do art. 33 da Lei. Recebidos os autos, o Juiz tem um prazo de 48 (quarenta e oito) horas para decidir acerca do pedido de aplicação das medidas protetivas de urgência requeridas pela ofendida à autoridade policial. O Magistrado poderá indeferi-las de imediato, aplica-las independente de realização de audiência, ou ainda, designar dia e hora para a audiência, a fim de dirimir quaisquer dúvidas que pairam sobre a situação de fato. Se o Juiz resolver pela realização da audiência, deverá intimar a ofendida, seu defensor, o Ministério Público e o agressor.
32
3.4Das Medidas Protetivas de Urgência
O legislador reservou o Capítulo II especialmente para tratar das medidas protetivas de urgência asseguradas pela Lei 11.340/2006, medidas essas que buscam assegurar a manutenção da integridade física, moral, psicológica e patrimonial da mulher vítima de violência doméstica e familiar, garantindo-lhe dessa forma a proteção jurisdicional. Para garantir o cumprimento das medidas protetivas deferidas, o Juiz poderá requisitar o auxilio de força policial. Tais medidas ficam subordinadas aos requisitos constantes da Lei 11.340/06 e aos requisitos das medidas cautelares em geral. As medidas protetivas elencadas pela Lei Maria da Penha são divididas em duas partes: a) Medidas que obrigam o agressor, prevista no artigo 22:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. § 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. § 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso. § 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial. § 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).
Tal rol é apenas exemplificativo, não impedindo o magistrado de adotar outras medidas que entender cabíveis, analisando o caso concreto e suas peculiaridades.
33
Inicialmente, a respeito do inciso I, que trata da suspensão da posse ou restrição do porte de arma, Nucci esclarece que tal restrição é válida para evitar tragédia maior. Se o marido agride a esposa, de modo a causar lesão corporal, se possuir arma de fogo, é possível que no futuro cometa um homicídio. No que se refere o inciso II, que determina o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, será cumprido através de mandado, pelo Oficial de Justiça, com o auxílio policial. A legislação trouxe também a possibilidade de afastamento da ofendida, conforme art. 23, inciso III da Lei 11.340/06, porém essa não é a regra. A proibição prevista no art. 22, inciso III, letra „a‟, visa evitar uma aproximação entre vítima, seus familiares e o agressor, sendo que a distância mínima será determinada pelo Juiz. Não obstante a medida prevista na letra „b‟, do mesmo artigo trata de assegurar a tranquilidade da vítima, impedindo o agressor de manter contato com ela e seus familiares, por qualquer meio de comunicação. Nada impede que de acordo com o binômio necessidade/possibilidade o magistrado reveja as medidas aplicadas. b) Medidas que favorecem a ofendida, previstas nos artigos 23 e 24: Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV - determinar a separação de corpos. Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
A recondução da ofendida e seus dependentes ao domicílio após a retirada do agressor (art. 23, II) pressupõe um anterior afastamento destes do lar, seja porque saíram amedrontadas ou ameaçadas, ou mesmo por ter resolvido se afastar do lar, conforme previsão da lei, art. 23, III da Lei 11.340/2006.
34
Já o artigo 24, trata-se de tutela cautelar civil para proteção dos bens da mulher na sociedade conjugal ou em outras relações com o agressor, podendo o magistrado determinar a aplicação das medidas de forma incidental nas ações penais bem como na ação civil indenizatória por ato ilícito. As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, podendo ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados. As providências dos artigos não se excluem, são perfeitamente compatíveis. Como é sabido, não se faz necessário, para o deferimento das medidas, que os sujeitos da relação sejam de fato casados, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Em face do novo sistema constitucional, que, além dos princípios da igualdade jurídica entre os cônjuges e dos filhos, prestigia a “União estável”, como entidade familiar protegendo-a expressamente (artigo 226, §3º da CF), não pode o judiciário negar, aos que a constituem, os instrumentos processuais que o ordenamento jurídico legal contempla. A cautelar inominada (art.798 do CPC), apresenta-se hábil para determinar o afastamento do concubino do imóvel da sua companheira quando ocorrente tais pressupostos. (STJ, 4ª T. REsp 10.113-SP, Rel. Sálvio Figueiredo Teixeira, j. 04.06.1991. DJ 09.09.1991, p. 12.210)
Em princípio, mais precisamente no inciso II do artigo 12, determinou-se competência apenas à ofendida para o requerimento das medidas protetivas, porém, o artigo 19, traz em seu conteúdo a extensão da legitimidade ao Ministério Público, fiscal da lei, para também requerer tais medidas. Para não haver interpretação equivocada sobre tal previsão, é preciso ser coerente, concluindo que o Órgão Ministerial possui legitimidade para pleitear as medidas em caso de impossibilidade da vítima. Caso contrário, o pedido deve estar instruído com a representação da ofendida. No que se refere ao tempo de eficácia das medidas deferidas pelo Juiz, estas não estão sujeitas ao prazo de caducidade, previsto no artigo 806 do Código de Processo Civil, que exige a interposição de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias. Mesmo pacificado na jurisprudência, em sede de direito familiar, a medida não perde a eficácia, inclusive se não intentada a ação no prazo legal, ainda que se trate de prazo decadencial. O acordo celebrado entre ofendida e ofensor na esfera cível, não impede o prosseguimento da ação penal correspondente e a eficácia das medidas protetivas de urgência deferidas.
35
3.5 A Atuação do Ministério Público
Os artigos 25 e 26 da Lei Maria da Penha definem o rol de atividades típicas e complementares do Ministério Público, no caso o Promotor de Justiça atuante no Juizado ou nas Varas Criminais. O artigo 25 da Lei 11.340/2006 determina a intervenção do Órgão Ministerial nas causas cíveis e criminais relativas à violência doméstica e familiar contra a mulher, em que não seja parte e devendo-se entender essa participação na qualidade de fiscal da lei (custus legis), cumprindo a sua função constitucional. Sérgio Ricardo de Souza (2012, p. 155) em seus comentários à Lei de combate à violência contra a mulher, ao analisar o papel de Ministério Público, afirma que nesta lei a sua atuação está vinculada principalmente à defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
3.6Da Assistência Judiciária
Os artigos 27 e 28 da Lei 11.340/06 estabelecem que a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar sempre acompanhada de advogado ou, na ausência deste, pelo defensor público atuante na vara, em todos os atos processuais cíveis e criminais.
3.7A Necessidade de representação e possibilidade de renúncia
Com o advento da Lei 11.340/06, os artigos do Código Penal e Código de Processo Penal que tratam da retratação passaram a ter um novo entendimento, de modo que a retratação nos crimes de violência contra a mulher passou a ser admitida, nos casos de ação penal pública condicionada a representação da ofendida, mesmo após o oferecimento da denúncia, e antes do recebimento da denúncia pelo Magistrado, conforme dispõe o artigo 16 da lei:
Art.16. Nas ações penais públicas condicionais á representação da ofendida de que trata esta lei, só será admitida a renúncia à representação perante o Juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
36
Após apresentada a representação pela ofendida à autoridade policial, esta poderá, posteriormente, através de petição feita por procurador ou pessoalmente, manifestar o seu interesse em desistir da representação feita contra o agressor. O Juiz ao tomar conhecimento da situação, designará dia e hora para ouvir a vítima em audiência, da qual será intimado a comparecer o Ministério Público. Importante ressaltar que tal desistência só poderá ocorrer antes do recebimento da denúncia. Havendo confirmação da vítima em desistir da representação feita contra seu agressor, deverá o Juiz homologar o pedido, tornando sem efeito as medidas protetivas anteriormente concedidas, devendo ainda, comunicar à autoridade policial responsável pelos procedimentos iniciais para que arquive o inquérito policial instaurado, já que o agressor teve extinta a sua punibilidade. Nesta audiência designada para ouvir a ofendida, o Promotor de Justiça funcionará na qualidade de fiscal da lei, podendo inclusive solicitar diligências para apurar as razões que levaram a ofendida a tomar tal decisão. O Juiz deve recusar o pedido de retratação caso tenha dúvidas quanto a vontade real da ofendida. O Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou em fevereiro de 2013, uma Ação Direita de Inconstitucionalidade na qual entende que os crimes de lesão corporal praticadas contra a mulher no ambiente doméstico, mesmo de caráter leve, atua-se mediante ação penal pública incondicionada. Na mesma oportunidade citou, ainda, que dados estatísticos demonstram que, em cerca de 90% dos casos, a mulher agredida acaba renunciando à representação. Desta forma, é que por decisão do Supremo Tribunal Federal nas ações penais públicas incondicionadas não poderá haver retratação, mesmo que ocorra antes do recebimento da denúncia. É importante mencionar que os termos renúncia e retratação possuem significados diferentes e são usados em momentos distintos. Na esfera penal o termo renúncia significa não exercer o direito, abdicar ao direito de representação. Trata-se de ato unilateral realizado antes do oferecimento da representação. Já a retratação é ato posterior, é desistir da representação já manifestada. Retratação é ato pelo qual alguém retira a sua concordância para a realização de determinado ato, que dependia de sua autorização. Importante ressaltar que o legislador cercou de garantias a decisão da vítima ao manifestar-se pela representação ou não, com a imposição legal de que a desistência ocorra em audiência, na presença do Ministério Público, além da possibilidade de estar beneficiada
37
pelas medidas de proteção elencadas nos artigos 22 e 23 da Lei 11.340, fato que dá à vítima maior liberdade e opção.
38
CONSIDERAÇÕES FINAIS A construção dessa monografia pretendeu demonstrar efetivamente a aplicabilidade da Lei 11.340/2006, a qual foi criada com o intuito de afirmar os direitos humanos das mulheres, trazendo em seus artigos as formas de proteção á mulher e os meios de punição àqueles que atentem contra os seus preceitos. A violência praticada contra as mulheres nas relações intimas é uma das formas mais contundentes da negação dos direitos á liberdade, integridade, saúde física, mental e da dignidade da mulher. Durante anos os agressores ficaram impunes ou foram absolvidos em nome da legítima defesa e dos crimes cometidos por paixão e ciúme, mas que em qualquer de suas formas atingiam o ceio familiar. É nesse contexto que surge a Lei Maria da Penha, para garantir às mulheres a dignidade da pessoa humana preenchendo as lacunas deixadas pelos diplomas legais anteriores, incapazes de solucionar, com efetividade, a questão da violência doméstica e familiar praticada contra as mulheres. Podemos dizer que seus efeitos são positivos, principalmente porque está sendo colocada em prática, já que as mulheres estão se assegurando dos seus direitos e buscando a proteção da Lei, uma legislação moderna, edificada sobre uma leitura do social e que trouxe garantias reais de proteção para a mulher. A pretensão da Lei 11.343/2006, criada em 07 de agosto de 2006, foi a de coibir e erradicar a violência contra a mulher. Trata-se de uma forma de conscientizar o agressor que os seus atos não são normais e que por esse motivo precisam ser punidos. Foi com o advento da Lei Maria da Penha que os crimes cometidos com violência contra a mulher deixou de ser considerado crime de menor potencial ofensivo, assim como deixou de ser da competência dos Juizados Especiais, passando a ser de competência das Varas Criminais, já que os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, previstos na Lei, ainda não foram criados na maioria dos Estados. As penas pecuniárias como as de multa, pagamento de cestas básicas não são mais admitidas. A pena de detenção foi aumentada. Importante destacar ainda a adoção Medidas Protetivas deUrgência, a serem impostas pelo Juiz ao agressor, medidas essas que englobam uma série de procedimentos a serem adotados, tanto na esfera policial como na Judiciária, visando dar uma maior proteção à mulher vítima de violência. Dentre essas medidas podemos destacar: afastamento do lar, impedimento de aproximar-se da ofendida e seus familiares, restrição ou suspensão de visitas
39
a dependentes menores, prestação de alimentos provisionais, podendo até mesmo levar o agressor à prisão, caso descumpra as determinações contidas nas medidas protetivas. A Lei 11.340/2006 tornou viável o que anteriormente parecia impossível de se concretizar, ou seja, tornou eficaz o combate á violência doméstica e familiar, através de punição aos agressores. Com a criação da Lei o Brasil avançou bastante, no entanto, necessita dar fiel cumprimento a todos os seus dispositivos para que ela possa ser capaz de promover a diminuição do número alarmante de casos de violência doméstica. Conclui-se, de acordo com tudo que foi exposto neste trabalho, que a Lei Maria da Penha, com todas as inovações trazidas ao ordenamento jurídico brasileiro, uma vez aplicada corretamente, pode ser capaz de promover a adequação entre as sanções aplicadas pelo Estado e a gravidade dos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, mudando radicalmente o modo de encarar essa e promovendo a diminuição do número alarmante de casos desse tipo de violência.
40
REFERÊNCIAS
Brasil. Constituição Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2012. BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher – Lei Maria da Penha: alguns comentários. ADV Advocacia Dinâmica, Seleções Jurídicas, nº37, dez. 2006.
CAMPOS, Amini Hadad e CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres. Curitiba: Juruá, 2011.Disponível em <www.jusnavigandi.com.br>. Acesso em: 23 de abril de 2013. CAVALCANTE, Valéria Soares de Farias. Violência Doméstica. Salvador: Ed.PODIVM. 2011. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica – Lei Maria da Penha (Lei 11340/2006) Comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. LIMA, Fausto Rodrigues de. A Renúncia das Vítimas e os Fatores de Risco à Violência Doméstica: Da construção á aplicação do artigo 16 da Lei Maria da Penha. Rio de Janeiro: Editora Lumem Júris, 2008. LIMA FILHO, Altamiro de Araújo. Lei Maria da Penha. São Paulo: Mundo Jurídico, 2007. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas.São Paulo, RT: 2011. SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentário a Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. 2ed. Curitiba: Juruá, 2012. A Aplicação da Lei 11.340/2006 á União Estável. Disponível em <www.cnj.jus.br>. Acesso em: 14 de maio de 2013. A Competência para julgamento dos crimes amparados pela Lei Maira da Penha. Disponível em <www.justiça.sp.gov.br>. Acesso em: 08 de maio de 2013.
41
Necessidade de Representação e Possibilidade de Renúncia. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 23 maio 2013.