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1.
INTRODUÇÃO
Um dos valores buscados pela ordem jurídico-processual é o da segurança nas relações jurídicas, que constitui poderoso fator de paz na sociedade e felicidade pessoal de cada um. A tomada de uma decisão, com vitória de um dos litigantes e derrota do outro, é para ambos o fim das expectativas e incertezas que os envolviam e os mantinham em desconfortável estado de angústia. Parte da doutrina e da jurisprudência defende a relativização ou desconsideração da coisa julgada material, argumentado que a sentença somente fará coisa julgada se for justa e constitucional. A coisa julgada somente se revelará imutável nos limites da sua constitucionalidade.
Transgredindo
valores,
princípios,
garantias
e
normas
estabelecidas na lex máxima, deverá ser taxada de inconstitucional e, por conseguinte, inidônea e inapta à produção de efeitos jurídicos, da mesma forma como ocorre com qualquer outro ato que integra o ordenamento jurídico. Ademais, a mesma corrente doutrinária defende que uma possível relativização do instituto da coisa julgada promoveria a efetividade da idéia de justiça no caso concreto. Com fundamento de que a autoridade da coisa julgada teria sede infraconstitucional, regulada pelo Código de Processo Civil, ganha força a exegese defensora da proteção em cada caso específico, restringindo as ingerências indevidas do poder legiferante sobre pronunciamentos do Judiciário. O debate acerca de tais possibilidades estaria voltado, majoritariamente, para duas situações. A primeira consistiria na idéia de relativização do instituto da coisa julgada, com a discussão em torno da efetividade da justiça no caso concreto. A segunda estaria relacionada à abrangência dos efeitos da chamada coisa julgada inconstitucional, protegida pela Constituição, que no art. 5º, XXXVI, qualifica com a imutabilidade os efeitos da decisão judicial irrecorrível, ainda que tenha concluído contrariamente ao direito. Entretanto, há convergência quanto à coisa julgada ser instrumento jurídicoprocessual e político, que tem como escopo assegurar a paz social e garantir ao jurisdicionado a imutabilidade da decisão final dada à sua demanda, bem como a certeza jurídica de que a sentença será respeitada, inclusive pelo próprio Estado. A doutrina majoritária refere-se à coisa julgada como uma situação jurídica do conteúdo da decisão, norma jurídica concreta, individualizada, que disciplinará a
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situação submetida à cognição judicial; respeitados os limites subjetivos, isto é, quem se submete aos seus efeitos e os limites objetivos respondendo o que se subordina aos seus efeitos. Entendendo que numa sociedade em que se permitisse a revisão judicial das controvérsias advindas de uma mesma lide, nunca seria efetivada a sentença judicial, os conflitos se perpetuariam, provocando insegurança jurídica e a desestabilização social. Ressalvado o erro material, a coisa julgada produz o efeito negativo de impedir que a questão definitivamente decidida seja reexaminada como objeto principal em outro processo, mesmo que em se tratando de questão de ordem pública. O Código Civil Brasileiro, art. 471 declara que “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide”.
Por outro lado, alegando que a coisa julgada está regulamentada em lei ordinária e que a sentença deve ser justa, parte da doutrina e da jurisprudência pretende que a sentença quando for injusta não deverá fazer coisa julgada. A mesma corrente doutrinária e jurisprudencial sustenta que se a coisa julgada for inconstitucional não poderá manter as qualidades de imutável e indiscutível Pretendendo assim, desconsiderar a coisa julgada como se ela não tivesse existido. Afirma que, embora a Constituição preceitue que a coisa julgada não pode ser alterada por lei que lhe seja posterior, esse princípio não pode ser interpretado de forma a generalizar a amplitude da coisa julgada e fazer dela algo absoluto. Na atualidade, segmento significativo da doutrina e da jurisprudência debate a necessidade de repensar a garantia constitucional e o instituto processual da coisa julgada, consciente de que não é legítima a manutenção de injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas. A presente monografia pretende incursionar pelas teses de defesas das tendências doutrinárias e jurisprudenciais proeminentes, com vistas a expor os argumentos e conclusões.
2. A Coisa Julgada e a sua Eficácia
A finalidade da prestação jurisdicional do Estado é pôr fim aos conflitos de interesses e restabelecer a paz, através da sentença. Com o pronunciamento judicial, o Estado-juiz conclui a sua participação na lide que terá status de definitivo, cessando a controvérsia, depois de esgotados todos os recursos permitidos pelo ordenamento jurídico. Esta decisão, proferida pelo judiciário, tem o condão de
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garantir a estabilidade e a segurança sociais, pela qualidade de imutabilidade que encerram. A coisa julgada material, ainda que não assegure a justiça da decisão, os seus efeitos substanciais são definitivos. Quer se trate de sentença declaratória, constitutiva ou condenatória, quando o comando da parte dispositiva não comportar mais recurso ordinário ou extraordinário, torna-se imutável, passando a ser reconhecida pela ordem jurídica como a manifestação da vontade da lei. A coisa julgada tem o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional. Uma vez consumada, reputa-se consolidada no presente e para o futuro. Nenhum outro juiz ou tribunal poderá introduzir naquele processo outro ato que substitua a sentença irrecorrível. A garantia constitucional da coisa julgada diz que a lei não a prejudicará (art. 5º, inc. XXXVI). Assim, o legislador não tem o poder para dar nova disciplina a uma situação concreta, já definitivamente regrada em sentença irrecorrível. Os juízes, de igual forma, são proibidos de exercer a jurisdição novamente sobre o caso, e as partes, por sua vez, não mais dispõem do direito de ação ou de contestação, como meios de rediscutir em juízo a matéria que transitou em julgado. Esta é a essência da coisa julgada, sobre a qual Enrico Tulio Liebman, em Eficácia e Autoridade da Sentença se pronunciou, dizendo que ela consiste na imutabilidade do seu conteúdo e dos seus efeitos, o que faz dela um ato do poder público portador da manifestação duradoura da disciplina que a ordem jurídica reconhece como aplicável à relação sobre a qual se tiver decidir. Admitindo-se como correto o raciocínio liebniano em relação à autoridade da coisa julgada, concluí-se que a eficácia é a força que emana da sentença transitada em julgado, representada pela sua capacidade para produzir efeitos através de seus comandos. Enquanto a autoridade adquirida em face da estabilidade, torna a coisa julgada oponível erga omnes. O instituto da coisa julgada exerceria função análoga à da preclusão, à da prescrição e à da decadência, bem como do princípio da irretroatividade das leis, do caráter rígido da constituição e das clausulas pétreas nela contidas, uma vez que destinado a assegurar a estabilidade das relações jurídicas, demonstrando assim, o grau de importância destes institutos no convívio social.
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Conforme o prevê o art. 468 do Código de Processo Civil: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”, ou seja, a
imutabilidade da sentença seria a expressão social da autoridade da coisa julgada, dotada da força e autoridade. O fenômeno da imutabilidade da decisão judicial protege os elementos objetivos e subjetivos do processo a ponto de não permitir a rediscussão da sua parte dispositiva dentro do mesmo processo ou em outra relação jurídico-processual, “A coisa julgada é resultado de uma opção política do legislador, que entre a permanente possibilidade de revisão dos julgados, e a segurança e estabilidade das relações jurídicas, preferiu a última”; como ensina de Hugo de Brito Machado, (MACHADO, 1995, p.20). Seguindo o
mesmo raciocínio, o doutrinador Cândido Dinamarco ensina que: Sendo um elemento imunizador dos efeitos que a sentença projeta para fora do processo e sobre a via exterior dos litigantes, sua utilidade consiste em assegurar estabilidade a esses efeitos, impedindo que voltem a ser questionados. A garantia constitucional e a disciplina legal da coisa julgada recebem legitimidade política e social da capacidade que têm de conferir segurança às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença.
(DINAMARCO, 2004. p. 221).
Substituída que foi a justiça privada pelo Estado-juiz, a sociedade tem a expectativa de que o Poder Judiciário propicie a solução eficaz, estável e definitiva sobre os litígios ajuizados para que predomine a paz. O autor que venceu não pode ser perturbado no uso, gozo e fruição do bem que fora objeto da controvérsia jurídica e a parte adversa que perdeu, não pode reclamar em futuro processo. Sobre a coisa julgada, dispõe o art. 467 do Código de Processo Civil Brasileiro: “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. O CPC entende a coisa
julgada não como um efeito da sentença, mas a sua própria eficácia, como lei inter partes. Induz, conseqüentemente, a concluir que o manto da coisa julgada é um dogma jurídico intransponível, impossível de desconstituição por qualquer meio legal. No entanto, doutrinadores divergentes entendem que o rigorismo formal pelo mero escopo da segurança, não deve se sobrepor aos princípios da finalidade, da instrumentalidade e da busca da verdade. Ainda que a coisa julgada seja primado constitucional, o Direito, enquanto ciência tem a missão de realizar a pacificação dos conflitos, com justiça. “Os princípios
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existem para servir à justiça e ao homem, não para serem servidos como fetiches da ordem processual” (DINAMARCO, 2000). Para Cândido Rangel Dinamarco, a imutabilidade
atribuída aos efeitos da coisa julgada não é absoluta, excepcionalmente poderá ser afastada quando o equilíbrio do ordenamento jurídico o exigir. Apesar das divergências doutrinárias quanto à fundamentação jurídica da autoridade da res iudicata, a teoria de Liebman, adotada pelo Código de Processo Civil Brasileiro, ensina que a coisa julgada não é um dos efeitos da sentença, mas uma qualidade que imuniza seus efeitos. Para que se torne plenamente eficaz, a sentença judicial precisa ultrapassar todos os instrumentos legais capazes de impugná-la. Concomitantemente, Liebman defende a tese de que: autoridade da coisa julgada não é efeito ulterior e diverso da sentença, mas uma qualidade de seus efeitos e a todos os seus efeitos referentes, isto é, precisamente a sua imutabilidade. Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutável, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato.
De forma semelhante, também Humberto Theodoro Junior assim declarou: Apresenta-se a res iudicata, como qualidade da sentença, assumida em determinado momento processual. Não é efeito da sentença, mas a qualidade dela representada pela imutabilidade do julgado e de seus efeitos.
(HUMBERTO, 2005)
2.1. A Coisa Julgada Formal e Material.
A coisa julgada apresenta-se sob duas modalidades: a coisa julgada formal e a coisa julgada material. A distinção é necessária a fim de que se entendam as conseqüências jurídicas provenientes de cada relação jurídica processual e substantiva. O instituto da coisa julgada formal está previsto em nosso ordenamento jurídico na Lei de Introdução ao Código Civil, que define a coisa julgada como sendo
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a decisão judicial de que já não cabe mais impugnação dentro do processo em que foi proferida; impossibilitando a interposição de recurso por esgotamento das alternativas ou pela preclusão do prazo. A coisa julgada formal repercute apenas dentro do processo em que a decisão foi prolatada, nada impedindo a renovação do pleito em outra demanda, desde que a nova pretensão afaste a mácula que impôs a extinção prematura da causa, isso porque não houve julgamento da lide. Nessa hipótese, o objeto pretendido pelo autor da ação judicial e a resistência do réu à sua pretensão, não foi apreciado pelo juiz, que até esse momento não cogitou da procedência ou improcedência do feito, portanto, não solucionou o conflito de interesses entre as partes. Em síntese, a coisa julgada formal consiste na imutabilidade da decisão judicial endoprocessual, impossível de impugnação no processo em que foi proferida, pelo esgotamento dos recursos ou por preclusão do recurso cabível. Confirmando, Tesheiner (2001, p.72/73) define a coisa julgada formal como “a sentença que não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, transita formalmente em julgado. Há imutabilidade restrita ao processo em que foi proferida”
A coisa julgada material, que pressupõe a formal, é a indiscutibilidade da decisão judicial no processo em que foi prolatada e em qualquer outro intentado. A sua eficácia, endoprocessual e extraprocessual, tem início no momento em que o Estado-juiz, substituindo a vontade das partes encerra o litígio com a prestação jurisdicional exauriente, pacificando o conflito de maneira definitiva. O Fredie Didier Junior, comenta que: Para que determinada decisão judicial fique imune pela coisa julgada material, deverá ser uma decisão jurisdicional; o provimento há que versa sobre o mérito da causa; o mérito deve ser analisado em cognição exauriente e tenha havido coisa julgada formal. (DIDIER, 2007).
Sobre o tema, o professor SILVA, Ovídio A. Batista esclarece que:
O art. 467 do CPC define a coisa julgada material como ‘a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recuso ordinário ou extraordinário’. Com tal definição, de certo modo ambígua, pretendeu o legislador indicar que a imutabilidade que protege a sentença, tornando-a indiscutível nos processos futuros, somente poderá ter lugar depois de formar-se sobre ela a coisa julgada formal; ou seja, a coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal. Por outras palavras, para que haja imutabilidade da sentença no futuro, primeiro é necessário conseguir-se sua indiscutibilidade na própria relação jurídica de onde ela provém. Não há
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coisa julgada material sem a prévia formação da coisa julgada formal, de modo que somente as sentenças contra as quais não caibam mais recursos poderão produzir coisa julgada material. (SILVA,2006).
A estabilidade gerada pela coisa julgada material impede que a decisão de mérito seja modificada por qualquer dos Poderes da República. Após o trânsito em julgado, a decisão somente poderá ser desconstituída por ação rescisória no prazo decadencial de dois anos, como indicam artigos 485 a 495 do CPC. Resumindo, a coisa julgada material impede a propositura de ação idêntica que apresente as mesmas partes, a mesmo causa de pedir e o mesmo pedido. Como matéria de ordem pública é conhecível de ofício pelo magistrado pela sua qualidade de eficácia imutável, que nasce a partir do trânsito em julgado da decisão. Como mencionado, essa estabilidade tem como pressuposto a existência da coisa julgada formal e provimento versado sobre o objeto litigioso em cognição exauriente. Liebman afirmou que a natureza jurídica da coisa julgada material é uma qualidade da sentença, que produz os efeitos de segurança e pacificação social, com o encerramento completo da lide. A ação rescisória é o instrumento do processo civil adequado para desconstituir a sentença com a qualidade de coisa julgada, permitindo o reexame da matéria em outra demanda. Quando não for mais possível o seu ajuizamento, seja porque já proposta e julgada improcedente, seja pela preclusão do prazo, ocorre o que a Doutrina adjetiva de fenômeno da coisa soberanamente julgada. Humberto Theodoro Junior aponta que Superior Tribunal de Justiça vem, frequentemente e sem enfrentar diretamente o tema, admitindo a ação rescisória para desconstituir coisa julgada inconstitucional. Trata-se de hipótese envolvendo, em regra, o direito tributário em que a decisão judicial transitada em julgado se fundou em norma posteriormente declarada inconstitucional: “PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA - INTERPRETAÇÃO DE TEXTO CONSTITUCIONAL - CABIMENTO - SÚMULA 343/STFINAPLICABILIDADE - VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI (CPC, ART. 485, V) – FNTSOBRETARIFA-LEI 6.093/74 INCONSTITUCIONALIDADE (RE 117315/RS)-DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL SUPERADA - SÚMULA 83/STJ -PRECEDENTES. - O entendimento desta Corte, quanto ao cabimento da ação rescisória nas hipóteses de declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei é no sentido de que "a conformidade, ou não, da lei com a Constituição é um juízo sobre a validade da lei; uma decisão contra a lei ou que lhe negue a vigência supõe lei válida. A lei pode ter uma ou mais interpretações, mas ela
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não pode ser válida ou inválida, dependendo de quem seja o encarregado de aplicá-la. Por isso, se a lei é conforme à Constituição e o acórdão deixa de aplicá-la à guisa de inconstitucionalidade, o julgado se sujeita à ação rescisória ainda que na época os tribunais divergissem a respeito. Do mesmo modo, se o acórdão aplica lei que o Supremo Tribunal Federal, mais tarde, declare inconstitucional".(Resp 128.239/RS) - A eg. Corte Especial deste Tribunal pacificou o entendimento, sem discrepância, no sentido de que é admissível a ação rescisória, mesmo que à época da decisão rescindenda, fosse controvertida a interpretação de texto 21 constitucional, afastada a aplicação da Súmula 343/STF (Resp. 155.654/RS,D.J. de 23.08.99)” (RESP 36017/PE, 2ª T., Rel. Min. Francisco PeçanhaMartins, DJU 11/12/2000, p.00185). “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, CPC. DECLARAÇÃO DE”.INCONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE PRECEITO LEGAL NO QUAL SE LOUVARA O ACÓRDÃO RESCINDENDO. Cabível a desconstituição, pela via rescisória, de decisão com trânsito em julgado que "deixa de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional ou a aplica por tê-la como de acordo com a Carta Magna. Ação procedente.” (AR 870/PE, 3ª Seç., rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 13/03/2000, p.00123)
Segundo a teoria da relativização da coisa julgada, a regra é a inalterabilidade e a indiscutibilidade da decisão judicial, admitindo-se, porém, exceções em hipóteses excepcionais para modificar a decisão, mesmo depois de transcorrido o prazo para ação rescisória. Seria o caso de uma decisão que viesse a transgredir valores, princípios, garantias ou normas superiores à coisa julgada; não cabendo assim, a estabilização da decisão judicial que desconsidere a ordem jurídica a que está submetida. O exemplo mais comum utilizado pela Doutrina para justificar a relativização, está na hipótese da repropositura da demanda para a investigação de paternidade, com trânsito em julgado anterior ao advento do exame de DNA. Outra exceção está prevista no artigo 471, inciso I, do Código de Processo Civil, em se tratando de relação jurídica continuativa e sobrevindo modificação no estado de fato ou de direito, não haverá coisa julgada material, caso em que a parte poderá pedir a revisão do que foi estatuído na sentença. O exemplo clássico é a ação de alimentos. Havendo alteração fática na relação jurídica continuativa, ou seja, mudança no binômio necessidade e possibilidade, haverá alteração na causa de pedir, razão de fato e de direito, possibilitando que nova demanda seja proposta. Para a citada teoria, a coisa julgada e o principio da segurança jurídica não são valores absolutos e incontestáveis. Pelo contrário, todos os princípios e institutos, devem se submeter ao ordenamento jurídico pátrio, sobretudo à supremacia da Carta Magna. A segurança jurídica, como elemento do Estado
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Democrático de Direito, tem como finalidade a defesa da sociedade como um todo, por isso não pode ser interpretado isoladamente, argumentam os teóricos.
2.2 Limites da Coisa Julgada.
O Código de Processo Civil Brasileiro, art. 468, estabelece que “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.
O CPC, art. 458, declara que a sentença é dividida em relatório, fundamentos e o dispositivo. No relatório estão as principais informações e ocorrências do processo; nos fundamentos o magistrado analisa as questões de fato e de direito, e no dispositivo o juiz decide. O que transita em julgado são os efeitos da decisão judicial quanto aos pedidos. Para Liebman
É exato dizer que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença; a essa expressão, todavia, deve dar-se um sentido substancial e não formalista, de modo que abranja não só a fase final da sentença, como também qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido sobre os pedidos das partes.
Os motivos, a verdade dos fatos e a apreciação de questão prejudicial, não fazem coisa julgada por não constituir em comando da sentença. Somente decisões de mérito que certifiquem a existência ou inexistência de algum direito, adquirem a imunidade de coisa julgada. Fazem coisa julgada, as decisões proferidas com base no art. 269 do CPC: I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; 2 – quando o réu reconhecer a procedência do pedido; 3 – quando as partes transigirem; V quando o juiz pronunciar a decadência ou prescrição; V – quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.
A questão prejudicial não faz coisa julgada se for tratada como simples fundamento na demanda. Entretanto, fará coisa julgada se for requerida por qualquer das partes. Como já exposto anteriormente, o Código de Processo Civil, no art. 468, deixou claro que a força da res iudicata está limitada pela lide e pelas questões decididas. Porém, o art. 474 do mesmo diploma legal evidencia que se consideram deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que poderiam ser opostas.
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Significando com isso, que a coisa julgada material contempla o que foi deduzido, como também o deduzível. Não se confundindo esse comando legal com os pedidos não formulados pelo autor ou não apreciados pelo juiz no processo encerrado. Quanto ao âmbito de atuação, a coisa julgada tem como limite subjetivo as partes envolvidas, por isso não alcança terceiros para submetê-los ao seu comando. A imutabilidade e indiscutibilidade da sentença não podem prejudicar nem beneficiar estranhos ao processo, mas vale com respeito a todos, como ocorre com qualquer ato jurídico. Embora a autoridade da coisa julgada atue apenas para as partes, o estranho terá respeitá-la. Se for prejudicado pela sentença, poderá se insurgir judicialmente, ainda que haja ocorrido o trânsito em julgado. A impugnação da res iudicata por terceiro prejudicado pode ser feita na forma de exceção de coisa julgada ou por embargos de terceiro, na fase de execução de sentença. Liebman esclarece que a eficácia natural da sentença não faz distinção entre partes e estranhos à lide. Mas, adverte: a autoridade da coisa julgada atinge exclusivamente as partes envolvidas, exceto quanto às causas relativas ao estado das pessoas, quando então terá efeitos erga omnes, se todos os interessados tiverem sido citados no processo em litisconsórcio necessário, como dispõe o art. 472 do Código de Processo Civil.
2.3. A Relativização da Coisa Julgada
São duas as hipóteses em que atualmente se discute a proposta de relativização da coisa julgada: a primeira gira em torno da possibilidade de relativização da coisa julgada material, independentemente do uso da ação rescisória, ou seja, em casos de injustiça vista como inaceitável. A segunda hipótese se refere à chamada coisa julgada inconstitucional. A Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6º, § 3º, dispõe que coisa julgada é a decisão judicial que descabe qualquer recurso. O mesmo entendimento se depreende do art. 467 do Código de Processo Civil que, ao conceituar a coisa julgada, condicionam seu surgimento ao esgotamento de todos os recursos capazes de impugnar a sentença: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.
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Parte da doutrina entende que o CPC adotou a tese de Liebman, ao considerar a coisa julgada não como um dos efeitos da sentença, mas uma qualidade atribuída aos seus efeitos. A imutabilidade e indiscutibilidade do decisum fazem da coisa julgada a eficácia própria da sentença, como declara o artigo 468 do mesmo diploma legal: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.
O art. 471 do Código de Processo Civil, que impede a apreciação judicial de questões decididas, relativas à mesma lide, excepciona os casos de relação jurídica continuativa, em hipótese de modificação superveniente de fato ou de direito, mediante ação revisional. Para alguns interpretes, seria a autorização legal do reexame, pois tais decisões não se tornariam imutáveis e indiscutíveis pela coisa julgada material. Segundo o doutrinador Fredie Didier (DIDIER 2007): Trata-se de concepção equivocada, pois tais sentenças são aptas a produzir coisa julgada material. A coisa julgada não pode impedir a rediscussão do tema por fatos supervenientes ao trânsito em julgado, com a propositura de uma nova ação, com nova causa de pedir e novo pedido.
A revisão da coisa julgada material é admitida pelo ordenamento jurídico que dispõe de instrumentos próprios, como a Ação Rescisória, referida pelo art. 485 CPC, destinada a desconstituir a decisão de mérito transitada em julgado, maculada por vícios. A Querella Nulitatis, do art. 741, I, CPC, é alternativa oferecida pelo ordenamento jurídico para impugnar decisão proferida em processo no qual o réu não foi devidamente citado. A Exceptio Nullitatis, prevista no art. 475-L, I, do código processual é o meio para impugnar decisão em desfavor do réu em processo em foi revel decorrente de citação defeituosa, e por último, a impugnação de sentença inconstitucional, art. 475-L § 1º e art. 741, CPC. As divergências doutrinárias mais significativas, que versam sobre a admissibilidade de instrumentos capazes de revisar as sentenças de mérito protegidas pela res iudicata, diz respeito à interpretação do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. A análise do dispositivo constitucional citado, o qual integra os princípios da
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legalidade, da irretroatividade da lei e da não surpresa, leva a concluir que a pretensão do legislador constituinte visou impedir a criação de normas que modifiquem as decisões judiciais já transitadas em julgado. As sentenças de mérito transitadas em julgado não podem ser atingidas por lei posterior. O propósito é de salvaguardar a coisa julgada da atividade legiferante em cada caso específico. Constata-se, por meio da interpretação gramatical do texto constitucional, que a vedação refere-se à ingerência legal sobre a coisa julgada material e não ao instituto da coisa julgada. Não fosse assim, instrumentos como a ação rescisória e a revisão criminal seriam considerados contrários à Constituição Federal. No entanto, são institutos jurídicos com a finalidade precípua de revisar as sentenças de mérito transitadas em julgado. O legislador ordinário pode instituir instrumentos capazes de desconsiderar, desconstituir ou revisar a res iudicata, respeitados os limites do princípio de que a lei nova somente pode ter incidência sobre os casos posteriores à sua promulgação. Há no ordenamento jurídico instrumentos processuais destinados a promover a rescisão de sentenças de mérito transitadas em julgado. Um desses instrumentos é a ação rescisória, regulada pelos artigos 485 e seguintes do Código de Processo Civil. O ajuizamento da ação rescisória requer os pressupostos de admissibilidade e ainda, que a decisão judicial a ser rescindida seja uma sentença de mérito. Um dos fundamentos da teoria da relativização da coisa julgada relaciona a res iudicata à função de instrumento que o processo civil dispõe para tornar concreta a garantia constitucional de acesso à justiça. Concebe a citada teoria que a coisa julgada não sendo um fim em si mesmo, deve ser afastada a sua aplicação quando conveniente for para a efetivação de uma prestação jurisdicional. O processo judicial deve ser visto como um instrumento destinado a garantir a realização da justiça, através da atuação concreta do Direito.
______________ CPC, art. 458. “São requisitos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem”. CPC, art. 469 não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.
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No Estado Democrático de Direito os princípios e os institutos processuais compõem um sistema harmônico, de atuação vinculada à finalidade última do ordenamento jurídico. O contrário seria preterir o direito substancial em favor do formalismo processual. Visto assim, o instituto da coisa julgada, não representa um princípio absoluto. Para sua validade e aplicação deverá ter interpretação sistêmica, em harmonia. O doutrinador Eduardo Andres Ferreira Rodrigues ensina que: O manto da coisa julgada acobertando decisão que não realiza o verdadeiro direito material aplicável às partes litigantes e nem materializa os ideais de justiça prevalentes na sociedade em dado momento, não pode ser visto como valor absoluto. Concluir de forma diversa significaria fornecer uma dimensão exagerada às normas processuais, deixando o processo de ser instrumental em relação ao direito material e à composição das contendas.
(RODIRUGES, 2004).
2.4. A Supremacia da Constituição A Carta Magna, como estatuto jurídico fundamental da comunidade, estruturou a distribuição das competências para produção de normas e atos infraconstitucionais necessários à realização dos objetivos do Estado brasileiro, expressando os valores e princípios representativos da vontade soberana da Nação. Como norma suprema, instituidora do próprio Estado, a Constituição está situada no ápice da pirâmide jurídica, superior a todas as demais normas, sendo o fundamento de validade para o ordenamento jurídico. Como norma fundamental do sistema jurídico, os seus princípios e comandos delineiam a produção, a interpretação e aplicação normativa, impondo limites à atuação dos poderes públicos e dos particulares; não como norma pura, mas como norma em sua conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico. É de Hans Kelsen o modelo da pirâmide da hierarquia legislativa, onde as normas legais retiram validade das regras imediatamente superiores até chegar ao topo, lugar ocupado pela Constituição, que é o fundamento de todo ordenamento estatal. Desta maneira, a lei ordinária não pode conter dispositivo que contrarie a Constituição, nem o decreto ou portaria podem afrontar a lei ordinária. José Joaquim Gomes Canotilho, defendendo a hegemonia da Constituição no ordenamento jurídico, limitativo dos poderes estatais, afirma que todos os atos dos
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titulares do poder estão política e juridicamente vinculados à Carta Magna. (CANOTILHO apud THEODORO JÚNIOR e FARIA, 2006, p.157): A Constituição assume-se e é reconhecida como direito superior, como “lei superior”, que vincula, em termos jurídicos e não apenas políticos, os titulares do poder. Através da subordinação ao direito dos titulares do poder, pretende-se realizar o fim permanente de qualquer lei fundamental – a limitação do poder.
O Supremo Tribunal Federal manifestou-se em ADIn sobre os atos inconstitucionais, classificando-os como desprovidos de eficácia e aplicabilidade: O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da Constituição. Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos revestidos de menor grau da positividade jurídica guardem, necessariamente, relação de conformidade vertical com as regras inscritas na Carta Política, sob pena de ineficácia e de conseqüente inaplicabilidade. (STF, Pleno, ADin 652/MA, Rel. Min.
Celso de Mello, ac. unânime de 02.0.1992, RTJ 146/461, apud DIDIER JUNIOR, 2006, p. 162). 2.5 As Limitações do Poder Judiciário
Os atos jurisdicionais, como todos os atos dos demais poderes, estão sujeitos ao controle de constitucionalidade. O ordenamento jurídico prevê três formas para o efetivo controle interno jurisdicional da constitucionalidade dos atos do Poder Judiciário: por recurso ordinário; por recurso extraordinário e por ações autônomas de impugnação. O comando constitucional e os seus efeitos aplicam-se aos atos de todos os Poderes do Estado, inclusive a atividade jurisdicional, como condição de validade e existência. Admitir que decisões judiciais agridam a Constituição e, mesmo assim, adquiram a imutabilidade, constituí uma afronta ao princípio do equilíbrio entre os Poderes. Se for proferida decisão contra a Constituição Federal, o caminho é a impugnação através do recurso ordinário, no qual se requererá a anulação ou a reforma da decisão inconstitucional. Na hipótese de decisão de única ou última instância, a impugnação deverá ser pedida por Recurso Extraordinário ao STF. Quanto à decisão transitada em julgado, a impugnação será realizada por ação rescisória ou revisão criminal.
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O Supremo manifestou-se da seguinte forma: A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste – enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. (STF, ADin 293-7/600, rel. Min Celso de Melo, apud BARROSO, 2004, p.170)..
3. A Coisa Julgada Inconstitucional
A violação à Carta Magna poderá ocorrer por meio de afronta direta ou indireta à regra, princípio, ou garantia constitucional, bem como decorrente de aplicação de lei declarada inconstitucional ou quando o magistrado, sob o argumento de inconstitucionalidade, deixa de aplicar a norma constitucional. Em face do princípio da supremacia da Constituição, qualquer ato do poder público que viole a Lei Maior será nulo, e em razão disso, a decisão judicial contaminada pela inconstitucionalidade será inválida, da mesma maneira que acontece com a lei declarada inconstitucional. A mácula de inconstitucionalidade não permite que o decisum produza qualquer efeito, logo, há apenas aparência de coisa julgada; conseqüentemente a decisão não deverá subsistir. A ordem jurídica atribui ao Supremo Tribunal Federal o controle de constitucionalidade das leis através do controle concentrado e aos juízos de primeiro e segundo graus, o controle difuso ou incidental. Nestes termos, a existência de sentença judicial contrária aos princípios e normas constitucionais encontra no ordenamento jurídico um sistema de controle de constitucionalidade das decisões judiciais, realizado de maneira difusa, por todos os juízes e concentrada pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, após o trânsito em julgado da sentença inconstitucional e o término do prazo da ação rescisória, surge a dúvida sobre a possibilidade de relativização da coisa julgada material. Um dos argumentos usados de oposição a relativização da res iudicata, baseia-se na interpretação art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, tido como o guardião da intangibilidade da coisa julgada e cláusula pétrea, compondo os direitos e garantias fundamentais. Por esse entendimento, a defesa constitucional ao instituto da coisa julgada seria absoluta, de forma que as sentenças judiciais transitadas
em
julgado
estariam
qualificadas
pela
máxima
autoridade
e
intangibilidade, ainda que consistissem em desrespeito à ordem jurídica e à
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realidade fática. Na esteira desse raciocínio, também estaria vedada a instituição de mecanismos jurídico-processuais capazes de rescindir as sentenças de mérito transitadas em julgado ou qualquer espécie de mitigação da imutabilidade da coisa julgada. Por outro lado, há o entendimento de que o dispositivo constitucional tem como único escopo proteger a coisa julgada em cada caso específico, contra lei posterior que modifique a relação jurídica objeto da sentença já transitada em julgado. Esse posicionamento se compatibiliza com os princípios da legalidade e da irretroatividade da lei, que funcionam como escudo de proteção das sentenças de mérito transitadas em julgado, contra lei posterior. Assim, o objetivo do citado dispositivo constitucional seria de somente salvaguardar, contra a atividade legiferante, a coisa julgada em cada caso particular, e não o instituto da coisa julgada. A preocupação do legislador constituinte foi apenas a de colocar a coisa julgada livre dos efeitos de lei nova que contemplasse regra diversa de normatização da relação jurídica objeto da decisão, como garantia dos jurisdicionados. O art. 5º, XXXVI, CF, portanto, se dirige apenas ao legislador ordinário, na medida em que disciplina a edição de outras regras jurídicas, impedindo o Poder legisferante de prejudicar a coisa julgada. Ademais, argumenta ainda a citada corrente doutrinária, que, se a ratio legis do mencionado dispositivo constitucional fosse a imutabilidade absoluta do instituto da coisa julgada, instrumentos como a ação rescisória e a revisão criminal seriam considerados contrários à Constituição Federal. Comunga com este raciocínio o doutrinador Carlos Valder do Nascimento (apud ARMELIN, 2006, p.94), quando afirma que: Sendo a coisa julgada matéria estritamente de índole jurídico-processual, portanto inserta no ordenamento infraconstitucional, sua inconstitucionalidade pode ser questionada desde que ofensiva aos parâmetros da Constituição. Nesse caso estar-se-ia operando no campo da nulidade. Nula é a sentença desconforme com os cânones constitucionais, o que desmistifica a imutabilidade da res judicata.
Ainda que a imutabilidade da coisa julgada esteja sob a proteção constitucional, a relativização será possível quando a sentença agrida princípios constitucionais. A manutenção da imutabilidade de uma sentença judicial não deve se sobrepor à realização dos valores mais supremos da sociedade, por isso a intangibilidade da res judicata, deve ser proporcional e, se inidônea, deve ser
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relativizada objetivando a prevalência dos comandos constitucionais. Alexandre Freitas Câmara (2006, p.23), observa que ainda que considerada imutável, seria perfeitamente possível que norma infraconstitucional afastasse a aplicação de preceito ou princípio da Constituição, se em uma situação hipotética gerar agressões a valores constitucionais superiores ao princípio afastado. Humberto Theodoro Júnior (2006, p.166) afirma que o princípio da imutabilidade da res judicata significa essencialmente que a rescindibilidade da sentença transitada em julgado não pode mais ser feita através de recurso, até mesmo porque o trânsito em julgado pressupõe o exaurimento das oportunidades recursais ofertadas pelo ordenamento jurídico ou a preclusão de seus prazos. Entretanto, entende que nada obsta que a rescindibilidade da sentença acobertada pela coisa julgada seja feita por outras vias processuais. Argumento contrário à relativização defende que a mitigação da imutabilidade da coisa julgada representaria agressão ao princípio da segurança jurídica e ao Estado Democrático de Direito. Fundamentando que a estabilidade da res iudicata foi uma opção política do Estado brasileiro, que poderia ter escolhido outro sistema, no qual prevaleceria a sentença justa, em detrimento da segurança jurídica. A sentença justa e a segurança das relações sociais e jurídicas são o ideal maior do processo. Porém, o confronto entre esses dois valores é resolvido pelo sistema constitucional, que optou pelo valor segurança. Portanto, a coisa julgada deve prevalecer em relação à justiça, razão pela qual não se admite ação rescisória para corrigir injustiça da sentença. Entretanto, para o posicionamento favorável à relativização, no ordenamento jurídico não cabe princípios absolutos, todos têm a sua realização vinculada aos ditames constitucionais. Havendo conflito, prevalecerá aquele de maior valor reputado pela sociedade, após ponderação feita através da razoabilidade no caso concreto. Se a imutabilidade da coisa julgada for empecilho ao escopo maior, a res iudicata deve ser relativizada. Assim posto, a segurança e a certeza jurídica, através da imutabilidade da coisa julgada, podem convalidar atos contrários à legislação infraconstitucional, desde que conformes com a Constituição. No entanto, não podem convalidar atos contrários à Constituição sob o argumento da segurança e certeza jurídicas. A manutenção de decisões judiciais que agridam valores sociais incorporados à Constituição seria vetor de insegurança e instabilidade das relações jurídicas. A
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coisa julgada deve ser entendida como um instituto flexível, aplicado a depender da necessidade e conveniência de oferecer maior ou menor grau de estabilidade às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença. O propósito não seria a relativização da res iudicata por mera alegação de injustiça da decisão judicial, porque se assim fosse, permitiria que as partes sempre buscassem em juízo uma outra solução para o litígio, transformando o conflito em problema social infindável. José Augusto Delgado declarou sua posição sobre a manutenção da coisa julgada da seguinte forma: ... Não posso conceber o reconhecimento de força absoluta da coisa julgada quando ela atenta contra a moralidade, contra a legalidade, contra os princípios maiores da Constituição Federal e contra a realidade imposta pela natureza. Não posso aceitar, em sã consciência, que, em nome da segurança jurídica, a sentença viole a Constituição federal, seja veículo de injustiça, desmorone ilegalmente patrimônios, obrigue o Estado a pagar indenizações indevidas, finalmente desconheça que o branco é branco e que a vida não pode ser considerada morte, nem vice-versa. José Augusto
DELGADO. “Efeitos Constitucionais”.
da
Coisa
Julgada
e
os
Princípios
Uma hipótese seria a sentença amparada na aplicação de norma inconstitucional, que poderia ter sua imutabilidade mitigada porque a sentença judicial correspondente edificou-se sobre uma norma que já tinha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, através do controle concentrado. Outra possibilidade seria a sentença que aplicou uma norma considerada constitucional à época, mas que depois da prolação foi declarada inconstitucional pelo Supremo. A decisão amparada na indevida afirmação de inconstitucionalidade de uma norma é outra possibilidade de sentença inconstitucional. Há também sentenças que não sendo inconstitucionais no momento de sua prolação, declaram uma situação incompatível com a ordem constitucional. As ações investigatórias de paternidade são propícias à reflexão do tema, tendo em vista que os avanços da biomedicina tornaram possível apurar com alto grau de precisão a paternidade. Uma sentença declaratória de paternidade com base em prova exclusivamente testemunhal estaria suscetível de ser posteriormente desmentida por intermédio do exame de DNA. Da mesma forma, se Fazenda Pública fosse condenada em valores incompatíveis com a realidade e em fase posterior ao trânsito em julgado do decisum, se descobre a má-fé ou fraude, ou mesmo erro material na
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elaboração do laudo pericial, não seria justo que o contribuinte fosse sacrificado pelo desvio de conduta de agentes, somente porque esgotado o prazo decadencial da ação rescisória. A sentença que agride a Constituição tem existência quando transitada em julgado, porém é sentença nula, com a possibilidade de relativização da coisa julgada material. Como leciona Humberto Theodoro e Juliana Faria (2002, p.34), a sentença que viola diretamente a Constituição, apesar de nula, deve ser considerada existente se preencher as mínimas condições formais e processuais, podendo ser identificadas todas as características de uma decisão judicial. Entretanto, “contrapondo-se a exigência absoluta da ordem constitucional, falta-lhe condição para valer, isto é, falta-lhe aptidão ou idoneidade para gerar efeitos para os quais foi praticado”.
Nestes termos, não há exatamente coisa julgada material quando tais efeitos não tiverem condições jurídicas de se impor, visto que a sentença judicial violadora de princípios constitucionais é incapaz de surtir efeitos válidos no mundo jurídico. Sobre o tema, as opiniões de Câmara e Dinamarco convergem, como demonstram os textos transcritos: A inconstitucionalidade é o mais grave vício de que pode padecer um ato jurídico, não sendo possível aceitar a idéia de que o trânsito em julgado de uma sentença que contraria a Constituição seja capaz de sanar tal vício que é, a toda evidência, insanável” (CÂMARA, 2006, p.24). As sentenças inconstitucionais são “juridicamente impossível, não têm força para impor-se sobre as normas ou princípios que a repudiam”, de tal forma que “só aparentemente elas produzem os efeitos substanciais programados, mas na realidade não os produzem porque eles são repelidos por razões superiores, de ordem constitucional; (DINAMARCO, 2002).
Ainda segundo Dinamarco, a impossibilidade jurídica de sentenças inconstitucionais é um reflexo da própria impossibilidade jurídica do pedido. O Código de Processo Civil prevê a extinção do processo sem o julgamento de mérito quando o pedido for juridicamente impossível, como são aqueles que agridem a Constituição. A agressão frontal a ditames da Constituição pode ocorrer diretamente na sentença, como é o caso do reconhecimento de pedido juridicamente impossível, como pode ter sido efetuada durante os trâmites do processo e reflexos na sentença. Os fundamentos de sustentação teórica à relativização da res iudicata, quando a sentença se ampara na violação direta de normas constitucionais ou cujo
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dispositivo viola diretamente normas constitucionais, devem ser analisados considerando-se o equilíbrio entre os poderes constituídos. Através deste princípio o poder constituinte originário instituiu que todos os poderes constituídos são independentes e harmônicos entre si, não sendo admissível que apenas com o transcorrer do tempo, o Poder Judiciário, sobrepondo-se ao próprio poder constituinte originário, prolate uma decisão inconstitucional qualificada pela imutabilidade e intangibilidade. No princípio da constitucionalidade encontra-se a supremacia material e formal da Constituição, dotada de caráter normativo, cujos termos são requisitos de validade e existência jurídica das demais normas e dos atos jurídicos emanados dos poderes constituídos e dos particulares. Sobre o tema, Paulo Otero (apud THEODORO JÚNIOR e FARIA, 2006, p.161) manifestou-se: Admitir, resignados, a insindicabilidade de decisões judiciais inconstitucionais seria conferir aos tribunais um poder absoluto e exclusivo de definir o sentido normativo da Constituição. A Constituição não seria o texto formalmente qualificado como tal, seria o direito aplicado nos tribunais, segundo resultasse da decisão definitiva e irrecorrível do juiz.
Na presença de conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros e sempre em busca do verdadeiro significado texto constitucional com sua finalidade precípua. Os princípios constitucionais que têm maior influência no tema da relativização da coisa julgada são os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica. De acordo com o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, no Estado Democrático de Direito não existe lugar para princípios absolutos. Mesmo os princípios constitucionais são relativos em sua essência, porque um princípio não representa um fim em si mesmo. Não deverá ser aplicado quando significar obstáculo à consecução de valores considerados pela sociedade como superiores. Por esta razão, a imutabilidade da coisa julgada deve ser relativizada para que possibilite a conformidade do decisium com a Constituição. O princípio da segurança jurídica é fundamento do Estado Democrático de Direito, no entanto, não se trata de um princípio superior aos demais, e deve ser sopesado no contexto em que se insere. Diante da prevalência da supremacia da Constituição, não existem direitos, garantias ou princípios absolutos. Partindo da
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premissa de que os princípios constitucionais visam garantir ao homem melhor qualidade de vida, torna-se cogente o entendimento de que nenhum princípio seja capaz de negar os demais valores, sob pena de se tornar um empecilho jurídico frente às situações de fato. A manutenção de sentença inconstitucional, sob o argumento de respeito à segurança jurídica, teria como efeitos a instabilidade das relações jurídicas e subverteria o sentido de segurança jurídica dado pela na Constituição. Apesar de ser impossível a uniformidade de decisões, pelo o princípio da isonomia, o Poder Judiciário, em situações análogas, não pode reconhecer direitos de uns e negar de outros, decidindo diferentemente em situações idênticas. Sentenças judiciais inconstitucionais que transitem em julgado, adquirindo a condição de imutabilidade e intangibilidade, não se coadunam com a isonomia constitucional. Os aspectos formais do processo não podem prevalecer sobre os aspectos materiais, sobre o direito das partes ou sobre o bem da vida deduzido em juízo. Em síntese, a forma não pode prevalecer sobre o conteúdo. Com base nessa concepção, a coisa julgada não pode mais ser conceituada como absoluta sempre, há momentos em que sua relativização se faz necessária. O princípio da instrumentalidade do processo, a exemplo do instituto da coisa julgada, tem a sua existência justificada pelo objetivo precípuo de concretizar os direitos materiais e a justiça, respeitados os princípios e normas constitucionais. Não sendo um fim em si mesmo, o processo requer que a aplicação de seus institutos revista de racionalidade e submetam-se à finalidade para que foram criados. Eduardo Rodriguez (2004), sobre o tema, se posiciona da seguinte forma:
O manto da coisa julgada acobertando decisão que não realiza o verdadeiro direito material aplicável às partes litigantes e nem materializa os ideais de justiça prevalentes na sociedade em dado momento não pode ser visto, assim, como valor absoluto. Concluir de forma diversa significaria fornecer uma dimensão exagerada às normas processuais, deixando o processo de ser instrumental em relação ao direito material e à composição de contendas. (Rodriguez, 2004)
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3. Critérios para a Relativização Quando uma sentença transitada em julgado viola normas constitucionais, faz-se necessária a relativização da coisa julgada, com o propósito de conformá-la às normas e ditames da Constituição. Isso não significa defender a destruição do instituto da coisa julgada nem a banalização da sua relativização; o que seria inverter os valores e mitigar, sob qualquer pretexto, a segurança jurídica, relativizando a res judicata indiscriminadamente. Para Tereza Arruda Alvim e Garcia Medina “a relativização da coisa julgada se faz necessária para evitar a estabilização de situações indesejáveis, imposta por decisões definitivas do judiciário ao caso concreto”. (apud BRANDÃO, 2005). Os doutrinadores indicam dois
caminhos para relativizar a coisa julgada. O primeiro, reconhecendo que a coisa julgada seria inexistente porque emanada de um vício de origem, quando as sentenças forem prolatadas por não magistrado. Neste caso, o remédio processual cabível seria a ação declaratória de inexistência. O segundo caminho seria uma nova interpretação do artigo 485, V, do Código de Processo Civil, possibilitando que o violar literal disposição de lei, alcance os princípios constitucionais, pois uma violação a um princípio é muito mais nociva e prejudicial ao direito, porque potencialmente mais danosa. A pretensão seria adotar a relativização da imutabilidade da coisa julgada nos casos em que sentença judicial sofra vício insanável, como na hipótese excepcionais de agressão direta a princípio ou preceito da Constituição. A identificação dessas situações extraordinárias depende da análise dos casos concretos, através de uma atividade valorativa fundamentada na razoabilidade e proporcionalidade, capaz de sopesar os princípios que envolvem a questão posta ao julgamento do magistrado e melhor aplicar os ditames constitucionais. Cândido Rangel Dinamarco (2002), manifestou-se sobre o assunto da seguinte forma:
A linha proposta não vai ao ponto insensato de minar imprudentemente a auctoritas rei judicatae ou transgredir sistematicamente o que a seu respeito assegura a Constituição Federal e dispõe a lei. Propõe-se apenas a um trato extraordinário destinado a situações extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição – com a consciência de que providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência desses graves inconvenientes. Não me move o intuito de propor uma insensata inversão, para que a
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garantia da coisa julgada passasse a operar em casos raros e a sua infringência se tornasse regra gera.( DINAMARCO, 2002).
Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria (2006, p.177/181), sobre a relativização da coisa julgada inconstitucional, refletindo sobre os atos praticados e as relações jurídicas e direitos decorrentes da res iudicata, observam que nas ADINs e ADECONs, havendo razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, os efeitos da declaração devem ser apenas ex nunc, para evitar possível comoção social e preservar os atos realizados sob a égide da res iudicata relativizada.
Para contornar o inconveniente em questão, nos casos em que se manifeste relevante interesse na preservação da segurança, bastará recorrer-se ao salutar princípio constitucional da razoabilidade e proporcionalidade. Ou seja, o Tribunal, ao declarar a inconstitucionalidade do ato judicial, poderá fazê-lo com eficácia ex nunc, preservando os efeitos já produzidos como, aliás, é comum no direito europeu em relação às declarações de inconstitucionalidade. É o que se acha atualmente previsto, também no direito brasileiro, para a declaração de inconstitucionalidade, seja no processo de “argüição de descumprimento de preceito fundamenta.
(Lei n° 9.882/99, art. 11), seja na ação direta de inconstitucionalidade (Lei n° 9.868/99, art. 27). (THEODORO JÚNIOR e FARIA, 2006,
p.192):
A Doutrina contrária à relativização argumenta que a lide poderá se tornar ad infinitum, enquanto for possível se argüir a inconstitucionalidade da coisa julgada. No entanto, os artigos 471 e 473 do Código de Processo Civil, demonstram a inviabilidade da argüição infinita de inconstitucionalidade da sentença transitada em julgado, haja vista que, a impugnação de uma decisão maculada só será apreciada e decida pelo Judiciário uma única vez. Humberto Theodoro Júnior afirma ser errada a idéia de que determinada argüição de inconstitucionalidade de uma sentença possa ser feita reiteradas vezes. Segundo o doutrinador, o cerne da questão da relativização da coisa julgada inconstitucional tem como preocupação principal: A possibilidade de a coisa julgada formada em determinado momento representar barreira intransponível para a reparação de ofensas à Constituição que nunca chegaram a ser cogitadas na sentença que acabou assumindo a autoridade da coisa julgada. (THEODORO JÚNIOR,
2006, p.195).
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3.2. Desconstituição da Coisa Julgada Inconstitucional
A doutrina não condiciona a relativização da coisa julgada inconstitucional a remédios processuais específicos, entendendo a eleição da via processual “um problema bem menor e de solução não muito difícil” (DINAMARCO, 2002), que, após o prazo
duodecadencial de ação rescisória, pode ser resolvido através de qualquer instrumento processual capaz de impugnar a sentença maculada por nulidade. Neste sentido, Alexandre Câmara (2006, p.28) afirma que: A ineficácia da sentença inconstitucional transitada em julgado poderá ser reconhecida por qualquer meio idôneo, ou seja, por qualquer meio capaz de permitir que essa questão seja suscitada em outro processo, como questão principal ou como questão prévia.
Parte da Doutrina entende que é desnecessária a determinação de instrumentos processuais especiais para a relativização da coisa julgada inconstitucional. (DINAMARCO, 2002) sugere que a relativização pode manejada com “nova demanda em juízo sobre o mesmo objeto ou a resistência à execução, por meio de embargos a ela, ou mediante alegações incidentes ao próprio processo executivo”.
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CONCLUSÕES
A questão atinente à possibilidade de relativização da coisa julgada é de grande importância, tanto para o direito processual civil brasileiro, como para a sociedade em geral, tendo em vista o valor atribuído ao referido instituto e a crescente busca pela efetividade da prestação jurisdicional. A jurisdição não está imune a erros e desvios, e essa constatação deverá levar ao estudo de meios para evitar que provimentos viciados, causadores de sentimento de injustiça por parte dos jurisdicionados, prevaleçam. Em razão disso, a doutrina moderna vem aceitando a relativização da coisa julgada, tida como inconstitucional em face de violação de regra ou princípio expressamente previsto na Constituição Federal. Diante da preexistência de hipóteses positivadas para a relativização da coisa julgada, a discussão gira em torno da ampliação das possibilidades de relativização do instituto. O presente estudo pretendeu demonstrar o pensamento de alguns dos principais doutrinadores e a forma de interpretação da jurisprudência sobre o tema. A idéia da relativização da coisa julgada adveio do confronto entre duas correntes doutrinárias. Uma que defende a possibilidade da mitigação do instituto em detrimento da segurança jurídica, e outra, sustentando sua impossibilidade. A primeira referiu-se à idéia de mitigação do instituto da coisa julgada material, com a discussão em torno da efetividade da justiça no caso concreto. De outro lado, defendendo a possibilidade de relativização da coisa julgada, parte da doutrina entende que a rigidez do instituto da coisa julgada não poderia prevalecer diante da realidade dos fatos. Constatou-se que a possibilidade do Poder Judiciário emitir decisões contrárias à justiça, à realidade dos fatos e à lei, não poderia ser constituída como fundamentação para se relativizar a coisa julgada, uma vez que o próprio sistema parte da idéia de que o juiz não deve decidir desse modo, mas não ignora, que isso possa ocorrer, tanto é que previu a ação rescisória, cabível em casos tipificados pela lei. A segunda questão analisada tratou da abrangência dos efeitos da chamada coisa julgada inconstitucional e o alcance que a declaração de inconstitucionalidade de determinada lei pelo Supremo Tribunal Federal teria em relação à sentença
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transitada em julgado. Constatou-se ainda, que parte da doutrina entende que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade alcançam também as sentenças revestidas da autoridade da coisa julgada. Em sentido contrário, verificou-se que a coisa julgada não estaria sujeita aos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade, pois seria ela um limite à eficácia de tal decisão, uma ressalva expressa da retroatividade. Estabelecida a possibilidade de relativização da coisa julgada, mostrou-se pertinente a análise dos mecanismos processuais para sua rediscussão, pois seriam estes os meios pelos quais o pensamento doutrinário, suas indagações, divergências e análises teriam conseqüências na prática jurídica. O Código de Processo Civil dispõe as hipóteses legais, cuja ocorrência pode ensejar a rescindibilidade das sentenças transitadas em julgado. Assim, a ação rescisória surgiu como o instrumento processual adequado para a superação da coisa julgada material no que se refere ao vício acima referido. Já com relação à coisa julgada inconstitucional, admitida a hipótese de que a declaração de inconstitucionalidade de determinada lei pelo Supremo Tribunal Federal alcance a sentença transitada em julgado e que nela teria se fundado, verificou-se que o mecanismo processual para sua rediscussão não é pacífico. Foram encontradas três possibilidades de revisão do julgado: Uma delas defende que mesmo com a declaração da inconstitucionalidade da lei em que se baseou a sentença, esta deverá ser rescindida por meio da ação rescisória; a segunda possibilidade seria através da ação declaratória, uma vez que a sentença transitada em julgado é nula e por isso não poderia ser rescindida; e a última via sustenta que ante os efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade, a sentença não seria rescindível nem nula, mas inexistente, possibilitando o ajuizamento de outra ação ou a utilização da ação declaratória de inexistência.
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