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FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE - FAINOR

Por: Josテゥ Bomfim de Souza Cruz

CIDADANIA E EXCLUSテグ SOCIAL

Vitテウria da Conquista - BA 2008


FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE - FAINOR

Por: José Bomfim de Souza Cruz

CIDADANIA E EXCLUSÃO SOCIAL

Monografia apresentada à Faculdade Independente do Nordeste – FAINOR como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito. Orientador: Valdir F. Oliveira Junior.

Vitória da Conquista - BA 2008


AGRADECIMENTOS

À minha família pela paciência nessa longa jornada de estudos.


Dedico este trabalho a todos aqueles que me acompanharam e me auxiliaram nessa jornada....


RESUMO

O tema cidadania e exclusão social acompanham o homem desde os primórdios da humanidade. Observa-se uma simetria permanente na base da pirâmide social que nunca se desfaz. O estado brasileiro atual adota políticas compensatórias insuficientes para a inclusão cidadã, sem efetividade e eficácia; estando o cerne do problema no âmbito educacional, onde a transformação a ser dada, está no nível de conscientização e participação dos indivíduos, transformando-os em sujeitos de direitos para as mudanças necessárias. O sistema possui suas próprias forças, que agem na contramão da inclusão do cidadão. No país, a desigualdade fundada na propriedade, no grande domínio rural, não podia subsistir sem a escravidão, e a abolição desta, não introduziu o princípio da igualdade nas relações sociais e econômicas, ao contrário, a dominação rural transportou-se para as cidades, passando a permear todas as relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Por tudo isso, a democratização em nosso país depende da possibilidade de mudança no costume e mentalidade, uma vez que, em uma sociedade tão marcada pela experiência do mando e do favor, da exclusão e do privilégio, a expectativa de mudança começa a surgir, se manifestando através da exigência de direitos e de cidadania ativa. Palavra Chaves: Cidadania, Democracia, Desigualdade, Exclusão Social.


ABSTRACT

The subject citizenship and social exclusion follies the man since the primaries of the humanity. A permanent symmetry in the base of the social pyramid is observed that never is gotten rid. The current Brazilian state adopts insufficient compensatory politics for the inclusion citizen, without effectiveness and effectiveness; being essence of the problem in the educational scope, where to be given transformation, is in the level of awareness and participation of the individuals, transforming them into citizens of rights for the necessary changes. The systems possess its proper forces that act in the contra hand of the inclusion of the citizen. In the country, the inequality established in the property, in the great agricultural domain, could not without the slavery, and the abolition of this, did not introduce the beginning of the equality in the social relations and economic, in contrast, the agricultural domination was carried to the cities, having started to all the social, economic relations, cultural politics and. For everything this, the democratization in our country depends on the possibility of change in the custom and mentality, a time that, in a society so marked by the experience of the control and the favor, the exclusion and the privilege, the change expectation starts to appear, if revealing through the requirement of rights and active citizenship. Keywords: Citizenship, Democracy, Inequality, Social Exclusion.


SUMÁRIO

CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO ...................................................................07 CAPÍTULO II...............................................................................................08 2.1 Contexto Histórico..............................................................................08 2.2 Hebreus................................................................................................09 2.3 Grécia...................................................................................................10 2.4 Roma.....................................................................................................12 2.5- Cristianismo........................................................................................15 2.6. Revoluções..........................................................................................18 2.6.1 - Revolução Inglesa..........................................................................18 2.6.2 - Revolução Francesa.......................................................................20 2.6.3. - Revolução Americana...................................................................22 2.7.- Brasil.................................................................................................24 2.7.1 - Período Colonial.............................................................................24 2.7.2 – Brasil Império.................................................................................25 2.7.3- Republica Velha...............................................................................27 CAPÍTULO III ............................................................................................29 CAPÍTULO IV ...........................................................................................35 CAPÍTULO V - CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.........................................................46


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CAPÍTULO I INTRODUÇÃO

O tema cidadania, um dos mais recorrentes nesse processo de efetividade e amadurecimento da democracia brasileira, começa-a se esboçar com maior preocupação a partir da aplicação do art. 5º da Constituição da República, especialmente no que se refere aos direitos fundamentais. O trabalho delimitou a esse tema, procurando fazer um pequeno estudo da cidadania e exclusão social pela história; começando pelos povos hebreus, gregos, romanos, pelo processo do cristianismo, idade moderna, Brasil colônia, Império, República, até o momento presente. Acredita-se que cidadania não tem sido levada a sério; uma vez que, os governantes de modo geral utilizam-se de um discurso demagógico e sem o menor compromisso com as causas sociais, e isto fica claramente constatado em todo o processo histórico, sendo as variações muito insignificantes; não trazem efetivação permanente ao processo de inclusão social, seus objetivos de fundo são sempre de interesses escusos. Os governantes alçam ao poder e mudam completamente os seus compromissos e suas práticas políticas. O artigo 5º da Constituição Federal, ultimamente, vem sendo objeto de muito interesse, devido à mobilidade social que está acontecendo, e com isso, aumentado a participação popular, que chega com um novo tipo de amadurecimento democrático. Novos movimentos surgem e cada dia; de trabalhadores, feministas, negros entre outros, eles tem dado outro rumo ao processo de inclusão social do país. Há um despertar dos seguimentos organizados da sociedade, após 300 anos de colonialismo e escravidão, no Brasil, acompanhados em seguida de uma República patrimonialista, individualista e atrasada, em que os direitos sociais eram desconhecidos e ignorados. Portanto é objetivo deste estudo, demonstrar que conciliando a participação efetiva dos indivíduos com projetos educacionais de inclusão, a transformação social se dará numa maior brevidade, transformando excluídos em incluídos socialmente; sendo que, este trabalho não tem intenção de propor nenhuma estratégia ou conceito novo


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CAPÍTULO II “A cidadania como elemento de inclusão social”

1 Contexto Histórico:

Para T.H Marshall, (1967, p. 63) o entendimento de cidadania ultrapassa a identificação do sujeito na posse de seus direitos políticos, de poder votar e ser votado. O conceito de cidadania aqui é discutido nesta perspectiva, ou seja, a cidadania compreende um conjunto de direitos civis, políticos e sociais, onde os direitos civis equivalem aos direitos necessários à liberdade individual, sendo eles, o direito de ir e vir, de imprensa, pensamento, fé, propriedade e justiça; os direitos políticos são os referentes à participação no exercício do poder político, investido de autoridade; os direitos sociais correspondem aos direitos a um mínimo de bem estar econômico e de segurança e ainda, ao direito de participar, por completo da herança social. Conforme Pinsky (2003, p.9), ser cidadão e ter direito á vida, á liberdade, á propriedade, a igualdade perante a lei: enfim ter direitos civis. Participar dos destinos da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos Na certeza que cidadania e exclusão social, andam juntas desde o inicio da humanidade, tentando estabelecer um momento inicial para a compreensão disso, sem necessitar definir o marco inicial original e acompanhando autores que aprofundaram sobre o tema, inicia-se então o estudo, a partir dos hebreus, século, XI a.C. É certo que a cidadania não nasce precisamente nesse momento histórico, e até ficaria difícil delimitar uma data precisa. Ela não existiu na mesma modalidade que a compreendemos hoje, já que atualmente, existe o estado que faz o contraponto entre exclusão social e cidadania, dando as diretrizes para a mesma.


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2 Hebreus

Segundo Jaime Pinsky (2001, p.25), a cidadania exercida pelos Hebreus, na época em que de início vivia em tribos nômades, era espontânea, restrita as orientações do próprio grupo, não havia a presença do estado, e nenhuma forma de sociedade organizada que pudesse interferir nas decisões do grupo. Ainda não havia o apego ao material, eles se limitavam a uma sobrevivência exclusivamente biológica, já que o intelecto ainda estava numa fase muito primaria. A exclusão na realidade não era social, pois não havia uma forma de sociedade ainda organizada, naquele momento, havia sim uma exclusão grupal por inadaptação, onde às relações eram definidas pelo grupo, ainda que de maneira bastante instintiva e sem nenhuma regra predeterminada. “Essas tribos, sem reis ou qualquer tipo de monarca, sem divisão de trabalho que implicasse hierarquização social, divisão apenas de tarefas, sem propriedade particular de bens de produção O

momento

histórico

desse

agrupamento

de

hebreus

sofre

uma

transformação significativa nas relações grupais e intergrupais com o surgimento da monarquia, onde em todo o sistema de bases comunitário sociológica predominava certa igualdade entre os membros das tribos e tendo sido alterado profundamente com a monarquia, onde tudo isso muda. Criando assim, não apenas a casa real, mas ainda, toda uma estrutura militar, burocrático, religiosa e ideológica em torno dela. Enquanto as coisas caminharam bem, o povo aceitava a monarquia. Quando eles próprios deixaram de se entender, dividiram-se em dois reinos, o de Israel e o de Judá, as coisas começaram a piorar. As pessoas comuns se perguntavam sobre qual o sentido de viver numa monarquia e se não séria melhor viver, como os antigos, numa estrutura grupal (PINSKY, Jaime, 2003, p 25) Os profetas começam a surgir como os porta–vozes da incompreensão das pessoas com relação aos novos tempos, com um gênero de vida que não tinham como compreender e aceitar. Havia a defesa pelo modo de vida simples de antigamente, época do nomadismo. Os pobres e os profetas presenciavam, entre os ricos e poderosos, uma vida de luxo de lassidão, de busca do prazer, dinheiro, de orgulho, distante, portanto, do que entendiam ser as formas justas de relacionamento. Paradoxalmente, esses reacionários, profetas tomaram a bandeira nostálgica das mãos da população mais


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pobre, e se tornaram, principalmente, grandes revolucionários. Pela primeira vez, desde o inicio dos tempos, ouve-se com intensidade o grito dos oprimidos e dos injustiçados. Estes profetas tiveram a coragem de dizer quais eram os caminhos que a sociedade deveria tomar para superar injustiças e criar uma sociedade com direitos individuais e sociais. Assim, segundo Pinsky (2003, p27), os Hebreus, povos vivendo dentro dessa estrutura social inicial, já sentiam as transformações de um sistema excludente, onde contradições na natureza do ser humano de ir sempre rumo à busca e persistência de uma igualdade. Surgindo assim, os primeiros ensaios da exclusão, com reações ás injustiças e aos direitos elementares.

3 Grécia

Saindo do marco inicial da sociedade grupal e posteriormente monárquica dos Hebreus, observa-se um segundo momento nesse contexto histórico, agora na Grécia, lembrando que: [...] não podemos falar de continuidade do mundo antigo, de repetição de uma experiência passada e nem mesmo de um desenvolvimento progressivo que unisse o mundo contemporâneo ao antigo. São mundos diferentes, com sociedades distintas,nas quais pertencimento, participação e direitos tem sentido diversos (GUARINELLO,Luiz Roberto,2003,p.30)

Quanto às dificuldades de comunicação que pudesse fazer a interconexão entre os povos, a cidadania e exclusão tinham características próprias de cada região, de cada povo, ainda que fosse de distâncias não muito longas. De acordo Luiz Guarinello (2003, p.30), o mundo grego, naquela época foi estruturado através de Cidades Estado, pequena unidade territorial, abrigando nunca mais que cinco mil habitantes, todos envolvidos com atividades rurais, quando maiores, essas cidades não passavam de vinte mil habitantes. Estas cidades surgiram num quadro de crescimento econômico e social, sendo fator primordial o desenvolvimento da propriedade privada da terra. Só tinha acesso á terra quem fosse membro da comunidade. Individuo e comunidade se integrava numa relação dialética. Pertencer então a uma comunidade das Cidades Estado não era, portanto,


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algo de pouca monta, mas um privilegio guardado com zelo, cuidadosamente vigiado por meio de registros e conferido com rigor. Como ressaltava o filosofo grego Aristóteles, “fora da cidade estado não havia indivíduos plenos e livres, com direitos e garantias sobre sua pessoa e seus bens”. Pertencer a uma comunidade era, portanto, participar de todo um ciclo de vida cotidiana, com seus ritos, costumes, regras, festividades, crenças e relações pessoais. Entende-se, assim, que o fechamento da cidade estado implicava, necessariamente, a exclusão daqueles, que participavam da sociedade com seu trabalho e recursos, mas não se integravam ao conjunto dos cidadãos De acordo com Guarinello (2003, p.32), já havia uma definição bastante clara, dentro desses grupos sociais, dos espaços para o exercício da cidadania, estratificada, na ocupação da terra, que era o meio de produção e subsistência mais importante, já dividida em pequenos, médios e grandes produtores, aspecto notável nessa situação era o do escravo, que eram regidos por regras privadas, sem nenhum direito na esfera pública. Eles eram tidos como propriedade particular. As cidades estados, já se apresentava de forma clara com grupos incluídos e excluídos, na medida em que a complexidade social aumentava, o processo de exclusão tornava mais agudo. Para Guarinello (2003, p.37), da imensa diversidade que marca a história fragmentada dessas cidades poderia ser citadas três fontes de diferenciação interna: primeiramente no que se refere ao gênero: a posição das mulheres era variável em cada cidade, em cada âmbito cultural, elas permaneceram à margem da vida pública, sem direito a participação política, tuteladas e dominadas por homens que consideravam o lar, o espaço doméstico, como o único e apropriado ao gênero feminino. As mulheres eram membros menores. Nesse sentido havia evidentemente uma exclusão natural e já cultural de segregação da mulher, já se equiparando a condição dos escravos que, também, encontravam-se numa condição de excluídos. Para ele, o segundo elemento de conflito dizia respeito à distinção entre jovens e velhos. As cidades estados estavam legitimadas no passado; havia um forte domínio dos mais velhos sobre os mais jovens, um forte apego as tradições manifestado na maneira de legitimar a ordem social e de projetar futuros possíveis Essa posição de conflito entre jovens e velhos, foi de certa maneira um ponto de conflito nas gerações, já que os mais novos defendiam transformações mais avançadas, impedidas pelos anciãos que controlavam toda as esferas de poder daquela


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sociedade. o terceiro e mais importante elemento de conflito tem suas origens na propriedade privada da terra, principal meio de produção, nas relações de trabalho no interior da comunidade. As cidades estados aparecem marcadas por profundas clivagens sociais: grandes, médios e pequenos produtores proprietários, sendo os pequenos no limiar da subsistências; camponeses sem terra que alugava sua força de trabalho para o grande senhor; Assim sendo, em Guarinello (2003,p.41),ai já estava presente o núcleo embrionário que iria ao longo dos séculos sedimentar o processo de exclusão social de camadas menos beneficiadas da sociedade, já naquele momento histórico com forte presença de uma relação de poder, explicita na disputa pela terra e propriedade, fruto de toda a desigualdade. Além, de a desigualdade social estar presente nessa estrutura de produção e participação, a abertura do espaço público, como espaço de conflitos, tornou mais clara ainda, a oposição entre ricos e pobres. O desenvolvimento das trocas comerciais pelo mediterrâneo e a crescente importância dos escravos fez aumentar cada vez mais as desigualdades no interior das cidades estados. Os séculos IV, III e II a.C. foram em particular, agitados por intensas demandas sociais Portanto, fica evidente a desigualdade e exclusão na sociedade grega, com privilégios explícitos a uma classe exclusiva e cidadã, esse marco se arrasta ao longo de muitos séculos, com aprofundamento desses desníveis, sempre sendo realimentado por novas ordens sociais.

4 Roma

Em (FUNARI apud PINSKI, 2005, p.49), Cícero, pensador romano do século I a.C. afirmava: que recebemos de nossos pais a vida, o patrimônio, a liberdade, a cidadania. Para ele, recebemos a vida ao nascer; a herança, como educação enquanto crianças, o que nos permitirá alcançar a liberdade individual e coletiva na vida adulta. Para os gregos havia primeiro a cidade, polis, e só depois o cidadão, polites. Para os romanos era o conjunto de cidadãos que formava a coletividade. Para os gregos havia cidade e Estado, politeia. No sentido moderno, o conceito de cidadania deriva da Revolução Francesa (1789) e designa o conjunto de membros


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da sociedade que têm direitos e decidem o destino do Estado. Hoje, cidadania está ligada à opinião pública, aos anseios e clamores de todos os cidadãos. Pedro Paulo Funari (2001, p.49) diz ainda que, a cidade de Roma foi fundada em 753 a.C. e caracterizou-se desde o início pela diversidade de povos e costumes. Um fator determinante na história foi à chegada dos etruscos. Eles nunca formaram um único estado, mas foram fundamentais para o desenvolvimento das estruturas sociais de Roma. A sociedade etrusca era formada , pela nobreza que formava o conselho de anciãos, e o restante da população sem direitos a cidadania, em posição subalterna. Essa bipartição social foi transferida a Roma na consolidação de dois grupos sociais, os patrícios detentores da nobreza de sangue e os plebeus. Os patrícios formavam a oligarquia de proprietários rurais mantinham o monopólio dos cargos públicos e religiosos .Eram, assim, os únicos cidadãos de pleno direito. O restante da população romana era formada por subalternos excluídos da cidadania. Sobre os patrícios temos ainda: A família patrícia formava uma unidade econômica, social e religiosa, encabeçada pelo pai de família (pater famílias), dotado de autoridade moral (autoritas) e pode discricionário (imperium) sobre os outros membros da família: esposa, filhos,, escravos. Para além da dicotomia entre patrícios e pebleus havia mais dois grupos: os clientes e os escravos. Clientes obedeciam ao patrício; escravos eram basicamente domésticos (FUNARI, Pedro P. apud PINSKY, 2001, p. 50).

Assim, para Funari, (2001, p.51), observamos uma divisão social bastante explicita, de cidadãos reconhecidos pela comunidade organizada e de não cidadãos; essa divisão operada no plano social, econômico, cultural, religioso, naquele momento criava a matriz de uma estrutura piramidal permeada ao longo de muitos séculos, com momentos mais acentuados de divisão, e momentos menos acentuados, porém sempre prevalecendo essa divisão entre excluídos e incluídos socialmente. Na classe dos plebeus eles preocupavam com os direitos políticos e sociais:queriam ocupar cargos,votar no senado e até mesmo casar com os patrícios,o que lhes era vedado. Apesar dos interesses diversos, os plebeus não tiveram dificuldades para unir-se contra o patriciado na luta pela cidadania O autor afirma ainda, que medidas paliativas eram adotadas pelos governantes atendendo a pressões de grupos mais conscientes, o que representou grande


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avanço na cidadania romana, tais medidas como: reforma agrária, através de limitação do tamanho da propriedade, garantindo aos camponeses sustento e independência, abolição de servidão por dívida, determinada pela lei Poetelia Papirade 326 a.C. Até então os cidadãos não tinham direito a manter a própria liberdade. Quanto ao processo eleitoral, em Roma, isto foi outro grande tesouro da cidadania. Os comícios por tribos, onde eram eleitos questores, edis, tribunos militares e tribunos da plebe; diferente das cidades gregas, em que o voto foi restrito, Lá passaram a votar pobres e ate mesmo libertos. Foi construído por César um edifício, no Campo de Marte, para as eleições populares de 25 mil metros quadrados para comportar 70 mil pessoas. Outra conquista daquela época pra os romanos, foi à adoção do voto secreto. Outro aspecto importante da participação na vida pública consistia nos jogos de gladiadores, espetáculos importantes na afirmação da cidadania; tinham desde o início um aspecto religioso, onde celebravam a vitória da vida sobre a morte. Constituía a luta da civilização contra a barbárie, o humano contra o animal, o justo contra o injusto, um meio público de mostrar que a sociedade domina as forças da natureza e da perversão social. Subjacente ao direito de cidadania encontra-se a própria noção de liberdade, definida como a não submissão ou sujeição a outra pessoa, conceito esse que será fundamental para as formulações dos fundadores da cidadania do mundo moderno. Esse amor a liberdade estava na base da cidadania romana. A moderna cidadania, na base mesma da democracia, funda-se na distinção romana da chamada liberdade negativa, ou seja, a liberdade de não se submeter à vontade de outrem. Gaio, (personagem bíblico, amigo do apostolo João), cita nas institutas uma passagem bem ilustrativa para reflexões atuais. “Perante a lei, as pessoas são escravos ou livres. Alguns são independentes (personae sui iuris), outras estão submetidas a outrem (alieno iuri subectae). Destas pessoas submetidas, algumas estão sob poder (in potestate), sob o domínio material (in manu) ou sob servidão (in mancipio). Examinemos as pessoas submetidas, pois, se soubermos quem é subordinado, saberemos quem é independente. Vejamos primeiro os que estão no poder de outrem. Os escravos estão no poder de seus senhores. Este poder baseiase no direito dos povos”. Os pensadores modernos verão nesta definição os fundamentos da liberdade individual. Se, numa sociedade civil, somos todos ou livres ou subordinados, então


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um cidadão livre deve ser aquele que não está sob o domínio (in potestate) de nenhuma outra pessoa e é, portanto, capaz de agir segundo seu próprio juízo e direito. O direito romano consiste, portanto, em fundamento essencial das reflexões modernas sobre a cidadania. A consolidação do direito romano deu-se, por primeira e decisiva vez, no principado. O direito romano baseava-se no sistema de processo por fórmulas. Uma queixa podia ser feita ao pretor que designava um ou mais juízes. Ainda segundo Funari (2003, p.75) desde o final da república, dominavam os procedimentos os estudiosos do direito, chamados de jurisconsultos, podendo emitir pareceres jurídicos, verdadeiras respostas a consultas legais, (reponsas). No ano de 212, o imperador caracalla, estendeu a cidadania romana a todos os homens livres do mundo romano, prenunciando a generalização dos direitos de cidadania entre milhões de pessoas”. Assim sendo, para muitos estudiosos do século XX, a república romana foi encarada como uma oligarquia corrupta, uma aristocracia endinheirada. Nas últimas décadas, entretanto, estudiosos têm mostrado que a vida política romana era menos controlada pela aristocracia do que se imaginava, de certa maneira, Roma apresentava diversas características em comum com as modernas noções de cidadania e participação popular na vida social. A invenção do voto secreto, em Roma, tem sido considerada a pedra de toque da liberdade cidadã. O Fórum pode ser considerado o símbolo maior de um sistema político com forte participação da cidadania. Os romanos tinham um conceito de cidadania muito fluido, aberto, aproximando-se do conceito moderno de forma decisiva.

5 Cristianismo

A literatura corrente costuma aduzir cinco razões para o que chama de vitória do cristianismo: o martírio, a santidade, os milagres, a evangelização e mais modestamente a criação de uma rede associativa populações marginalizadas. Não serão aqui objeto de analise as quatro primeiras razões, pois assim estaríamos fugindo ao tema central de nosso assunto. A última razão invocada para vitória do cristianismo dá-se em decorrência de um grupo significativo da população ter sido negligenciado pela administração romana.


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Assim, dessa maneira foi criado uma rede associativa que cobre essa área social totalmente negligenciada. Transformada essa rede de associados, numa luta organizada pela cidadania. Dessa maneira o cristianismo surge, também, como um grande articulador da cidadania. Os textos que colocam em cena pessoas ou grupos armando estratégias na linha da cidadania não são muito comentados. Contudo, eles existem. Exemplos são Paixão de perpétua, felicidade e o pastor, de Hermans. De modo geral tudo que foi produzido nesse período o foco da cidadania fica de fora, as comunidades são de certa forma desconsideradas. Há predominância de uma leitura institucional do cristianismo. Conforme avança o movimento cristão a situação tende a piorar. a patrística, empolgada com as discussões cristológicas e teológicas, só lançam de vez em quando um olhar distraído sobre a vida das comunidades. Nem a historiografia romana nem a cristã mostram interesse com o que se passa no mundo de escravos e libertos, mulheres e crianças,, sejam eles cristãos ou não. Desnuda uma sociedade socialmente fechada, cínica e interesseira, que defende os interesses dos que vivem do tesouro imperial por meio do fisco e de outros instrumentos. Não defende os direitos básicos de incontáveis pessoas, dos escravos, das mulheres e das crianças. (HOORNAERT, apud BROWN,2003, p.8) Para o filosofo Isócrates, o fato fundamental da sociedade romana é a convicção de que existia uma distância social intransponível entre os notáveis “bem nascidos” e seus inferiores, sendo solidificada, de forma discreta e firme, pela educação moral das pessoas de classe A que, além de manter distância dos escravos, tinham que demonstrar um controle emocional capaz de impressionar as pessoas das classes inferiores”. O direito romano expressa de forma crua como funciona a sociedade romana e como a escravidão está firmemente ancorada na mentalidade de seus cidadãos, que a consideram perfeitamente natural. Segundo ele, a indigência nasce da preguiça, e o crime da indigência. Dar trabalho ao indigente significa educá-lo. Os pobres trabalham não para ter uma vida mais elevada, mas para que a miséria não os incite ao vicío e ao crime.


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Dentro dessa mentalidade fechada, o estado romano dispensa-se de providenciar serviços sociais propriamente dito. Para pelo menos 80% da população do imenso império, a vida é trabalho, sofrimento e violência. Além, de vida curta para os escravos que não viviam mais que 25 anos de idade; onde apenas 4% dos homens conseguiam alcançar a idade dos cinqüenta anos, sendo menor ainda para as mulheres, em razão, sobretudo dos perigos do parto. (HOORNAERT, apud BROWN,2003, p.8)

Outro ponto que merece ser focado na sociedade romana no período do cristianismo é o processo de emancipação de um escravo. Aqui o direito romano apresenta uma face liberal, pois prevê algum beneficio para que o liberto possa sobreviver, seja a cessão de um terreno, de uma renda, ou de um ponto comercial. Mas, além dessa vantagem financeira, não se deve ter ilusões sobre o status do liberto, afinal de contas, permanece escravo, não sai da casta dos escravos. A emancipação na sociedade romanaé antes um gesto simbólico do que uma mudança efetiva de situação social. A aristocracia não tolera ascensão social. Socialmente, a emancipação não é nada. Traz certa independência financeira, nada mais. A sociedade romana é definitivamente uma sociedade de castas. Os escravos libertos ou não, não podem aspirar a ascender efetivamente á posição de cidadãos, senadores ou patrícios romanos. O cristianismo nem por um momento pensou em abolir a escravidão. As comunidades cristãs viviam imersas nos seguimentos da sociedade que não tomavam decisões políticas, nem faziam leis. A escravidão permaneceu, no seio do império romano, como uma evidência social sancionada por uma ordem jurídica e definitivamente ratificada pela mentalidade reinante. O mínimo que se fez em favor da cidadania se processa dentro de um imaginário fundamentalmente religioso. No mundo escuro em que vive o escravo, a religião é a única luz, a última trincheira de luta, o último recanto da identidade. Se for verdade que o teatro, o circo, a arena exercem especial atração sobre o escravo, fazendo-o esquecer de sua desgraça por alguns momentos, a religião exerce um papel igualmente importante. Situa-se ai o cristianismo Compreende-se que o cristianismo, tenha recebido em relativamente pouco tempo um sólido apóio popular por onde se espalha. Esse apóio, se traduz, posteriormente, em avanços jurídicos, poder político e prestígio cultural. O cristianismo venceu por uma atuação persistente e corajosa na base do edifício social e político da sociedade. Constituiu-se numa “utopia que funciona” no seio do


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submundo romano. Conseguiu para muitas pessoas e para muitos grupos uma cidadania real, embora bastante limitada e bastante modesta quanto aos resultados em termos de sociedade global. 6 Revoluções 6.1 Revolução Inglesa A revolução Inglesa é um grande marco para a passagem para a idade moderna, onde há a transição do feudalismo ao capitalismo. Surge a partir desse momento uma nove visão de mundo de forma progressiva. Os processos de secularização, racionalização e individualização foram jogando por terra o tradicionalismo embutido na milenar percepção teológica das coisas, alimentada pela igreja católica romana. O homem a partir dessa mudança paradigmática passa a ser dono de seu destino, traçando-o e tendo capacidade para explicá-lo. A decadência da noção de predestinação orientou, em grande medida o avanço irresistível da modernidade, emoldurada pelos acontecimentos que se desenrolaram entre a crise da sociedade feudal no século XIV e XVIII. O saber científico com sua força crítica, e racional, ultrapassou o primado resignador da fé. Um acontecimento mais significativo dessa passagem deu – se justamente com uma consciência histórica da desigualdade. A diferenciação natural existente entre os homens não implica a existência da desigualdade entre eles. A historização da desigualdade serviu de instrumento para uma das mais importantes transformações acontecidas na trajetória da humanidade: a do citadino – súdito para o citadino cidadão. O fato habitar uma cidade, de ser citadino não basta mais ao homem. Os novos tempos exigem que este passe a ter também direitos nessa mesma cidade e não mais somente deveres. A obscuridade de uma era dos deveres abre espaço para uma promissora era dos direitos. A história do desenvolvimento dos direitos do citadino, a evolução da cidadania na Europa, transcorre a pelo menos três séculos de acirrados conflitos sociais, relacionada à conquista de três conteúdo de direitos, diversos entre si: os direitos civis, no século XVIII; os direitos políticos no século XIX; e os direitos sociais, no século XX. Entretanto, o indiscutível ponto de partida para o desenvolvimento dos direitos da cidadania tem sua localização no século XVII. Foi quando um pais se


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envolveu naquela considerada a primeira revolução burguesa da história. A revolução Inglesa, que dá origem ao primeiro pais capitalista do mundo. A concepção moderna de revolução tem como condição indispensável precisamente a consciência de que o novo é fruto de um ato de liberdade, da vontade livre, de uma experiência de livre arbítrio de pensar o homem como sujeito da história e não mais como objeto de desejos exteriores a ele. O termo revolução passou a ser associado a toda e qualquer forma de mudança brusca do ritmo normal da história. Nada poderia estar mais distanciado do significado original da palavra revolução do que a idéia que se apoderou obsessivamente de todos os revolucionários, isto é, que eles são agentes num processo que resulta num fim definitivo de uma velha ordem, e provoca o nascimento de um novo mundo (MONDAINE apud ARENDT, 2003, p. 118)

A cidadania liberal, pensar a mesma e refletir sobre o significado dos direitos de cidadania no âmbito restrito do pensamento liberal, implica discutir o seu valor universal para a totalidade dos seres humanos e as suas limitações históricas de classe. É preciso de uma vez por todas que as liberdades individuais sejam apropriadas como uma conquista universalmente válida, inserindo – se suas várias formas (liberdade de pensamento e expressão, liberdade de ir e vir, tolerância religiosa, hábeas copus, direito á privacidade). No conjunto do patrimônio civilizacional mundial. Isso devido ao fato de terem tais “liberdades civis” passado a ser do interesse dos indivíduos como um todo, independentemente da sua extração social. Com o desenvolvimento histórico, a luta particular de uma classe social acabou transformando – se numa conquista universal, que ao lutar pela realização da sua vontade particular, uma classe social levou a cabo a efetivação de uma vontade geral. Não se pode ocultar, por outro lado, o fato de essas liberdades terem sido durante muito tempo associadas exclusivamente ao critério exclusivo de ser proprietário. O artigo 11, da carta dos direitos já falava dos jurados que tomam decisões referentes á sorte das pessoas como devendo ser “livres proprietários de terras”. O poder político dos liberais foi, pelo menos até o final do século XIX, uma prerrogativa associada à posse de bens materiais. O direito à representação política, a possibilidade de fazer representar em um dos três poderes que se tornarão


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clássicos com o filosofo francês Montesquieu, (executivo, legislativo e judiciário), era vedada aos não proprietários. [A cidadania liberal foi, pois, uma cidadania excludente, diferenciadora de cidadãos] Ativos e cidadãos passivos, cidadãos com posses e cidadãos sem posses. A cidadania liberal, no entanto , foi um primeiro e grande passo para romper com a figura do súdito que tinha apenas e tão somente deveres a prestar. Porem, seus fundamentos universais (todos são iguais perante a lei) , traziam em si a necessidade

histórica de um complemento fundamental: a

inclusão dos

despossuídos e o tratamento dos “ iguais com igualdade” e dos “desiguais com desigualdade.” Para tal fim, por uma liberdade séculos vindouros a luta por igualdade

positiva, é que virá a tona nos

política e social,

tarefa árdua a ser

conquistada não mais pelos liberais, mas regularmente contra eles, pelas forças democráticas e socialistas.

6.2 Revolução Francesa

O século XVIII é por várias razões, o mais diferenciado. O século do iluminismo. A Revolução Francesa surge como fundadora dos direitos civis. O homem a partir desse momento começa a tomar consciência de sua situação na história. A consciência histórica que vai se formando não será exclusiva do intelectual, mas também da classe ascendente, a burguesia, que percebe sua importância nas transformações sócio políticas, econômicas e mesmo culturais que estão sucedendo. “O homem só pode pensar na felicidade como um projeto de sociedade, isto é, como uma possibilidade para todos os que nela vivem, quando criou os meios de fazer com que a educação, a produção de alimentos, a fabricação das coisas de que precisava - tecidos, roupas, máquinas, aumentassem a tal nível que deixassem de ser um privilegio de poucos para ser uma possibilidade de todos.” Nilo Odália, pág. 160 contexto 2001. A partir do século XVIII, com a Revolução Industrial, foram criados os instrumentos necessários para produzir em abundância os bens de que dependia para viver mais confortavelmente. O sonho de uma nova sociedade, na qual, a miséria, a pobreza, o analfabetismo e a doença pudessem ser reduzidos e o projeto


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de uma sociedade feliz pudesse ser pensado e imaginado não só sob a forma de utopia, mas como uma realidade a ser construída. A convicção de que era possível constituir-se uma sociedade de abundância levou filósofos, cientistas e pensadores do século XVIII a imaginar que uma sociedade

igualitária,

em

que

as

diferenças

entre

os

homens

fossem

progressivamente desaparecendo. Liberdade, igualdade e fraternidade. São esses os direitos que vão sintetizar a natureza do novo cidadão e essas as palavras de ordem dos que se amotinaram contra as opressões das quais a século padeciam. Antes da elaboração da nova Constituição Francesa, (Nobres, Clero e Terceiro Estado), proclama a Declaração dos Direitos do Homem, de 17 artigos, por seu caráter universal, é um passo significativo no processo de transformar o homem comum em cidadão, cujos direitos civis lhes são garantidos por lei, ela não deixa de ser, como acentua o historiador francês, Albert Soboul, uma obra de circunstância. O artigo primeiro da Declaração estabelece que “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” são direitos naturais e imprescritíveis e cabe a toda e qualquer associação política a sua defesa e conservação. Esses direitos consistem na liberdade, no direito de propriedade, na segurança e na resistência a opressão. O novo homem que daí nasce é intrinsecamente um cidadão, cuja liberdade deve estar também assegurada, entendendo liberdade como “o direito de fazer tudo que não prejudique os outros”. Em artigos seguintes da Declaração, a liberdade é mais bem elucidada, ao ser adjetivada- liberdade da pessoa, liberdade individual- ou por erigir barreiras a certos procedimentos que a ofendessem como as acusações e prisões

arbitrarias,

e

como

conseqüência

lógica

desses

pressuposto:

a

pressuposição da inocência. A Declaração não se restringe a assegurar direitos civis do cidadão, ela estabelece também seus limites. Se ao cidadão é assegurado o direito de falar e escrever, imprimir e publicar, não lhe cabe o direito de ofender ou desobedecer ao que é normatizado pela lei. A Declaração nascida de uma revolta popular e sangrenta que incendiaram a imaginação dos europeus fossem eles pobres ou ricos ignorantes ou intelectuais, trazendo consigo manifestações de júbilo em prosa ou verso, nas artes plásticas, no teatro e na música. Um novo período histórico se abria para eles. Quando falamos, escrevemos ou pensamos sobre a cidadania, jamais podemos olvidar que ela é uma lenta construção que se vem fazendo a partir da


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Revolução Inglesa, no século XVII, passando pela Revolução Americana e Francesa e, muito especialmente, pela Revolução Industrial por ter sido esta que trouxe uma nova classe social, o proletariado a cena histórica. Herdeiro da burguesia, o proletariado não apenas dela herdou a consciência histórica do papel de força revolucionária como também buscou ampliar, nos séculos XIX e XX, os direitos civis que ajudou a burguesia a conquistar, por meio da Revolução Francesa. E com isso abre-se o leque de possibilidades para que as chamadas minorias possam ser abrangidas pelos direitos civis. Contudo, essa é uma história que ainda se escreve. Tem um grande passado, mas esperemos que tenha ainda um maior e melhor futuro.

6.3 Revolução Americana

Após a revolução americana. A Declaração de Independência afirma que todos os homens foram criados iguais e dotados, pelo Criador, de direitos inalienáveis, como vida, liberdade, busca da felicidade. Tem ainda a consagrada expressão no início da Constituição, (Nós, o povo dos Estados Unidos). São termos coletivos sem traços de limitação, escrita e jurídica. O caráter da Constituição está ligado á luta contra a Inglaterra na guera de independência. “Se trata antes de tudo, de garantir a esfera do privado como espaço do cidadão, em detrimento da tirania externa”. (JANNSKI apud KARNAL, 2003, p. 143). Observados na forma da lei, os Estados Unidos da América tinham criado a mais ampla possibilidade de democracia do planeta na época de sua independência. As emendas da Constituição estabelecem uma quase absoluta liberdade de expressão, o direito do cidadão comum de portar armas, a necessidade de julgamentos abertos e com júri, proibição de penas cruéis e outras liberdades. Houve o estabelecimento da simetria e equilíbrio dos poderes como preconizou Montesquieu, presidente eleitos regularmente. Uma constituição escrita com princípios de liberdade muito sólidos. Porem, o orgulho americano de seu sistema e a admiração do mundo pelo mesmo ocultavam um dado importante. A cidadania e a liberdade criadas com a


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independência e a constituição estavam extremamente limitadas. Para o padrão americano, a democracia do fim do século XVIII e início do século XIX era muito restrita. Mulheres e braços pobres não votavam da mesma forma, os ideais de liberdade conviviam com a instituição da escravidão. Para autores mais críticos, “o estado de forma idealista vê o homem de maneira abstrata, e não o homem e a mulher numa sociedade de classe, com o Estado como um reflexo desta sociedade e guardião da classe dominante”.(KARNAL apud APTHEKER,2003,p.143).Na verdade, o termo cidadania foi criado em meio a um processo de exclusão. Dizer quem era cidadão ao contrario de hoje, em que supomos tratar da maioria, era uma maneira de eliminar a possibilidade de a maioria participar, e garantir os privilégios de uma minoria. Os fundadores da Republica podiam falar de igualdade e liberdade em meio a seiscentos mil seres humanos escravizados. Era uma cidadania de cunho liberal, o que representa obter igualdade política para um grupo determinado. Para outros grupos, como os indígenas norte americanos, a independência representou uma sensível piora. O avanço sobre as terras indígenas cresceu enormemente com a independência americana. A busca de liberdade dos colonos foi o inicio de uma dolorosa “trilha de lagrimas” para os indígenas. A independência trouxe aos fazendeiros e comerciantes o controle político do pais, sem alterações específicas do status quo. Os princípios de liberdade expressos na Declaração e na Constituição passaram a ser invocados exatamente pelos que não se sentiram beneficiados na pratica. Assim, não deveria ser desprezado o caráter revolucionário da expressão “todos os homens foram criados iguais”, pois foi em busca desse princípio que os movimentos de ampliação da cidadania passaram a ocorrer. “Apesar da perseguição aos indígenas, a liberdade religiosa, a liberdade de imprensa, o voto universal masculino e a educação pública seduziam o mundo. A idéia da sedução da liberdade dos EUA atraia muitos visitantes.” (KARNAL apud TOQUEVILLE, 2003, p.150) A sua análise trazia as angustias que muitos norte americanos apresentavam. Como tratar a liberdade individual em meio ao coletivo! Como assegurar e equilibrar as limitações que a vida na sociedade de massa impõe com a existência do particular! A questão central da cidadania era garantir a liberdade individual contra a falta de igualdade social.


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7 Brasil 7.1 - Período Colonial

O Brasil já surge desde o seu descobrimento com a sua organização política traçada em moldes, onde predomina os traços da exclusão dos indivíduos. “As relações coloniais foram fundadas na organização do latifúndio, de caráter predatório e extensivo, baseado no trabalho escravo, ressalta-se a organização do engenho. Esta unidade produtiva constituía um organismo completo que se bastava a si mesmo. Tudo se produzia no engenho, desde as condições materiais para a reprodução de seus habitantes, como alimentação diária e a madeira para a produção da mobília das habitações, para a construção das moradias e para a elaboração dos apetrechos do engenho, até as condições ideológicas para a reprodução das relações de dominação colonial, através da capela e da escola”. José Carlos Barreiro, pág. 30, CNPq. Assim, desse patriacarlismo formado à sombra do engenho, surge à figura incontestável do proprietário, que fazia predominar sempre a sua vontade. O principio da autoridade indisputada que define a família colonial brasileira fornecerá a idéia mais normal de poder, de respeitabilidade, de obediência e da coesão entre os homens. Assim, passa a predominar em toda a vida Social, sentimentos próprios a comunidade doméstica, naturalmente particularista e anti-política. Se a cidadania pressupõe a participação integral do homem na sociedade e a redução das diferenças, quem no Brasil pode ser considerado cidadão, em plena posse de seus direitos! Conforme Sérgio Adorno (2006, p.44) “O Exercício pleno da cidadania têm sido privilégio dos senhores. Construído ao longo de nossa história, edificado sobre as relações de trabalho que, tanto na escravidão quanto no assalariamento, pautaram-se pelo direito privado de dispor da mão de obra.” Era evidente que essa mão de obra além de ser escrava seu custo era muito barato, assim o patriarcalismo e o patrimonialismo constituíram e se formaram no Brasil ao longo de seus quinhentos anos, sendo uma memória sócio- cultural muito forte em nossa matriz social. Maria Célia Paoli,(2003,p.44) Estudando a questão da cidadania e da democracia na sociedade brasileira, onde espaço político exclui a dimensão pública,


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entende que “as raízes para essa inversão encontram-se no passado colonial. Autoridade exercida arbitrária e hierarquicamente ao longo de três séculos de escravidão, permaneceu após introdução do trabalho livre. As relações de trabalho continuaram pautadas por instituições de caráter privado, apenas ajustadas às formulações políticas do estado liberal. Esse ajuste favoreceu a manutenção das desigualdades sociais, justificadas por um pensamento conservador que concebia as classes populares como imaturas desintegradas entre si, incapazes de ação coletiva. Aos fracos e desamparados cabiam as instituições de caridade, a assistência e o favor, mas não os direitos. Aos inconformados com as desigualdades, perigosos, portanto, a mais severa repressão”. Segundo Darci Ribeiro (2006,p.41) o Brasil nasceu do entrechoque e caldeamento do invasor Português com índios silvícolas, e campineiros e com negros africanos aliciados como escravos. Podemos constatar que o paradigma da descoberta foi o da violência civilizadora do ocidente com relação aos negros e aos nativos colocados em marcha por meio de uma independência monárquica, oligárquica e conservadora, situação que criou todas as condições para que dentro do Brasil se constituísse uma “nova elite colonizadora” que encontrou apóio em nações Anglo Saxões para continuar o massacre de negros, índios e descendentes até os dias de hoje. São mais de trezentos anos de colonialismo, econômico, social e cultural. O reflexo na sociedade atual é significativo e desastroso, sendo um ponto de fortalecimento da desigualdade e da exclusão muito demorado, especialmente para a população negra que ficou submetida à escravidão por todo esse período, por isso a reparação torna-se imprescindível e urgente. Os reflexos da exclusão são extensivos a toda classe de trabalhadores. O Brasil foi vergonhosamente o último pais do ocidente a abolir a escravidão.

7.2 Brasil Império

Para Darci Ribeiro (2006, p. 85), durante o século XVIII, a crise no Brasil, começou a se agravar de tal sorte que a mesma ficou insustentável, dado o seu caráter parasitário em que se encontrava. À medida que crescia a dependência de


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Portugal á colônia, crescia também o grau de subordinação do Brasil a Lisboa. Após trezentos anos de colonialismo o Brasil não possuía Universidade, era proibida a introdução da imprensa no pais, a importação de livros era controlada, os estudiosos não podiam percorrer o interior da colônia. De acordo Lopez (1997, p.46), o Brasil era uma atrasada colônia de uma das mais atrasadas nações européias. Possuía uma população de aproximadamente 3,6 milhões de habitantes, constituída em sua maior parte, de negros e mestiços que viviam na miséria ou muito próximo dela. Apesar da crise da economia escravista, trabalhavam nos campos e nas cidades brasileiras cerca de 1,5 milhões de cativos. Os mais importantes portos da costa eram centros urbanos medíocres, atulhados de mendigos brancos e negros, de ruas mal traçadas, sujas e raramente calçadas. O Estado Imperial, autoritário e centralizado brasileiro foi filho da escravidão. A Independência do Brasil deu-se, sobretudo segundo as necessidades dos interesses dos negreiros e escravistas nacionais. “O ideário republicano, separatista e federalista de setores sociais envolvidos na luta pela independência foram sacrificados em prol da ordem escravista.” (LOPEZ, 1997, p.09) Ainda de acordo Lopez (1997, p.10), os trabalhadores escravizados desconheceram ou acompanharam apaticamente os sucessos que levaram à independência. Temos notícias de senzalas que se agitaram inutilmente, pois a escravaria acreditava que com a ruptura com os vínculos com Portugal séria abolida também a escravidão. Entretanto, para as centenas de milhares de escravos das cidades e dos campos a vida triste e dura continuaria sem qualquer modificação. Os plantadores e grandes senhores eram vitoriosos: o Brasil emergia como nação soberana, mas as multidões de homens e mulheres cativos permaneciam na secular submissão. A Independência dera-se sem grandes sobressaltos sociais. Dessa maneira podemos compreender que esse período do Brasil império foi uma extensão do Brasil colônia sob o aspecto e o paradigma da exclusão. A exclusão social desses períodos histórico foi marcada por uma profunda divisão social, já que sua marca maior iniciada no período colonial foi à escravidão que se estendeu ao Brasil império. Essa divisão social reflete atualmente em nossas relações sociais, trabalhista, econômicas e culturais, trazendo em si a marca da exclusão.


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7.3 República Velha Para que a república se implantasse, o império precisaria se desgastar até as bases. E é importante frisar que quando tal desgaste aconteceu, a República foi implantada face ao vazio reinante nas terras brasileiras. Em 1889, o Império ruiu, por não contar mais com o apóio da sociedade, e não em razão da força empreendida pelos republicanos. Estes além de não serem maioria, ainda se achavam divididos. Assim, a República veio por falta de opção. No período final do império, ao lado das velhas elites de origem colonial formou-se uma nova classe latifundiária, de características mais empresariais e que substituiu o escravo pelo imigrante assalariado na lavoura- a classe cafeicultora paulista. ( LOPEZ, Luiz Roberto,1997, p.p11, 12)

Com a lei Áurea, veio a abolição total; no entanto os escravos não puderam se integrar como cidadãos em uma sociedade dita livre, pois não tinha instrução, oportunidade de emprego ou terra para trabalhar. A maioria dos ex-escravos foram jogados no subemprego ou marginalidade; até porque na nascente indústria os empregos 90% estavam com os imigrantes. Isso levou a Gilberto Freire a argumentar que sob a escravidão, o negro, pelo menos, tivera a “proteção patriarcal” do senhor. Tal foi o resultado da conciliação: uma liberdade que, não mexendo nas estruturas, não acarretou melhorias reais na condição do cativo. Muitos ex-escravos desempregados formaram uma Guarda Negra para proteger o regime contra os republicanos, o que desagradou aos militares. Fato notório nessa nova República que surgia foi o aparecimento no Nordeste da figura de Antônio Conselheiro, um pregador místico com muitos seguidores, muita gente simples que entendiam sua fala. O sertão era dominado pelo latifúndio e mantido pela passividade do clero. Conselheiro antagonizou a República, queimando publicamente, os editais da república que autorizavam os municípios a criarem mais impostos. Conselheiro foi contra a República; ele viu que aquela não era a república do povo, más um regime de senhores. A experiência de Canudos, local onde se deu o movimento, foi extraordinária. Foi implantado um modelo de comunidade coletivista: a produção pertencia a todos, a distribuição era feita pelo grupo dirigente, de acordo com as necessidades, e o excedente era comerciado com a vizinhança. Havia uma igreja, uma cadeia quase vazia e os casebres simples dos moradores. Tolerava-se uniões extraconjugais, más não o álcool. Crimes graves eram punidos com expulsão da comunidade.


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“Poderia a República de Prudente de Morais, tolerar isto! Certamente que não. E a resposta a esse movimento foi rápida. Liquidou-se com a comunidade de Canudos e Antônio Conselheiro, com seus trinta mil homens” ( LOPEZ, 1997,p. 15). Canudos, tal como outrora Palmares, era uma evidência desagradável de que as classes populares tinham capacidade de organizar-se por si mesmas e criar sociedades mais sadias, ainda que sem progressos da modernidade e com uma experiência simples e rústica. Nossa República, passado o momento inicial de esperança de expansão democrática, consolidou-se sobre um mínimo de participação eleitoral e a exclusão total no envolvimento popular no governo. Consolidou-se assim uma República de ideologia pré-democratica, sempre reforçada pelo poder olígárquico. As proposta alternativas de organização foram sempre rechaçadas e postas de lado. O povo sabia que a República não era pra valer. Estruturas comunitárias não se encaixavam no modelo do liberalismo dominante na política. Nesse sentido a expressão cidadã do povo através do processo participativo nas decisão mais importantes, ficavam sempre prejudicados.


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CAPÍTULO III ASPÉCTOS JURÍDICOS DA CIDADANIA

Seguindo o conceito de T.H. MARSHALL, (1967, p. 51), o vocábulo cidadania, é um gênero que alcança direitos políticos, civis e sociais, a nossa maior preocupação então passa a ser a garantia e efetividade desses direitos. Rui Barbosa, (apud SILVA p. 189, 2000), uma coisa são os direitos, outra as garantias, pois devemos separar. No texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias: ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito Para Sampaio Dória (2003, p.30), não nítidas, porém as linhas divisórias entre direitos e garantias, onde, os direitos são garantias e as garantias são direitos. Assim, deparamos com uma situação de certa dificuldade no exercício da cidadania no que se refere à segurança jurídica dos direitos, ou seja, a garantia dos mesmos. O estado os asseguram no medida da mobilidade social dos indivíduos interessados. A Constituição Federal traduz a segurança jurídica sob três aspectos: como princípio, como valor e como direito fundamental: •

“Segurança como princípio são verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade.”

“A Segurança como valor”, vem indicada desde o preâmbulo, quando a C.R. se refere à instituição de um Estado democrático de direito. “ assegurar.. a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. José Afonso da Silva, (1995,p.142)


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“A segurança

como direito fundamental” está

associada a valores como

liberdade, igualdade e segurança, expressões referenciadas diretamente á própria justiça. Para Miguel Reale, (1982, p. 60.), as garantias dos direitos fundamentais estão dispostas em dois grupos que para entendermos melhor estão separadas em garantias gerais e garantias constitucionais. Sendo as gerais, aquelas destinadas a assegurar a existência e a efetividade ( eficácia social) daqueles direitos, as quais se referem à organização da comunidade política, e que poderíamos chamar condições econômico – sociais, culturais e políticas que favorecem o exercício dos direitos fundamentais Segundo Peces Barba (2000, p. 28.), o conjunto dessas garantias gerais formará a estrutura social que permitirá a existência real dos direitos fundamentais, trata-se de estrutura de uma sociedade democrática de direito. As garantias constitucionais, que consistem nas instituições, determinações e procedimentos mediante os quais a própria Constituição tutela a observância ou, em caso de inobservância a reintegração dos direitos fundamentais. Os direitos e deveres do cidadão estão presentes do início ao fim do art. 5º da Constituição Federal Brasileira. Ela nos dá um critério para a classificação dos direitos que no art. 5º assegura a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança e a propriedade. O critério é o do objeto imediato do direito assegurado. Aí seriam os direito assegurados individualmente aos cidadãos, más teríamos também como extensão desses direitos os coletivos dentro da categoria dos direitos fundamentais, direitos tais como: acesso à terra urbano e rural, para nela trabalhar e morar, o de acesso de todos ao trabalho, o direito a transporte coletivo, à energia, ao saneamento básico, o direito ao meio ambiente sadio, o direito da melhoria a qualidade de vida, o direito a preservação da paisagem e da identidade histórica e cultural da coletividade, o direito às informações do poder público, os direitos de reunião, de associação e de sindicalização, o direito de manifestação coletiva, incluindo ai o de greve, o direito de controle do mercado de bens e serviços essenciais à população e os direitos de petição e de participação direta.


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Assim temos: Idealmente, uma Constituição será tanto melhor quanto mais facilidade se possam efetuar mudanças na vida social, sem que isso venha a abalar a mecânica do processo político. Sem dúvida, a ordem constitucional de um estado deve ser instituída para durar e sobre pairar aos entrechoques políticos e econômicos que compõem a tessitura da vida em sociedade (COMPARATO, Fábio K. P.1987, p.13)

Essa Constituição ideal terá que também, como já foi dito,, assegurar os direitos e dar efetividade aos mesmos. De que adianta uma carta onde são preconizadas as melhores formas do individuo se afirmar como cidadão, porém, isso não passar de mera formalidade expressa. Paulo Bonavides (1983, p 163), no seu método de interpretação constitucional. Esclarece que numa organização sócio-política heterogênea e pluralista, repartida em classes e grupos, os interesses são contraditórios e os conflitos inevitáveis. Nesse contexto, a Constituição, de regra, apresenta-se sob uma forma de um compromisso entre aspirações muitas vezes antagônicas. Não tem amparo histórico à crença na existência de uma vontade geral unívoca, como categoria autônoma e distinta da soma das vontades individuais. Nessa perspectiva o confronto social é permanente, valendo ressaltar que o nosso modo de produção é capitalista e excludente, onde existe um confronto irremovível, entre os proprietários dos meios de produção, e os proprietários da força de trabalho. A estabilidade e efetividade constitucional provêm de um equilíbrio entre os opostos. Com certa elasticidade, a Constituição deverá sustentar esta “tensão dialética”, fonte constante de mudanças, sociais e políticas. Por esses motivos as garantias individuais, estão em permanente processo de retrocesso naquilo em que a cidadania escapa do formal. Ai há uma tensão permanente onde se exige a vigilância permanente da maioria interessada. Seria ingênuo supor que uma sociedade marcada pelo autoritarismo anacrônico das relações políticas e sociais pudesse ter uma cidadania e uma Constituição definitiva. Esse é um processo permanente de mudanças, onde a afirmação cidadã inevitavelmente deve estar atenta. Afirma José Canotilho (1986, p. 28) que não é incomum a existência formal e inútil de Constituições que invocam o que não está presente, afirmam o que não é verdade

e

prometem o que não será e por mais de uma razão, determinada


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disposição constitucional deixa de ser cumprida. Em certos casos, ela se apresenta desde o primeiro momento como irrealizável. De outras vezes, o próprio poder constituído impede sua concretização, por contrariar-lhe o interesse político. E, ainda, um preceito constitucional frustra em sua realização por obstáculos opostos por injunções de interesses de segmentos econômica e politicamente influentes. As promessas que estão expressas em nossa Constituição para os indivíduos, “cidadãos brasileiros”, “capítulo da ordem Econômica e Social,” é de deixar qualquer ser humano surpreso e embevecido, segundo, Celso Antônio Bandeira de Mello, pois, entre a nossa realidade fática e aquilo que lá está expresso existe uma longa distância a ser percorrida; para Eros Roberto Grau,( 1985, p. 54): O ( art. 160, caput ); o trabalho é mais valorizado que o capital (art. 160, II ); que a propriedade tem uma função social ( art. 160, III), e, pois, inexistem latifúndios rurais e especulação imobiliária urbana; que existe repressão ao abuso poder econômico ( art. 160, V); que os trabalhadores percebem salário mínimo capaz de satisfazer às suas necessidades e às de sua família (art. 165, I), bem como participam regiamente dos lucros das empresas art. (165, V), sem falar em colônias de férias e clínicas de repouso ( art. 165, XVIII). “ Todas estas normas, que ressoam preciosamente inócuas, padecem de um mesmo mal: não são eficazes na prática, não se realizam efetivamente no diaa -dia da vida das pessoas. O ideário constitucional torna-se, assim, vazio e vão.

Desse modo a Constituição formal, a Constituição material e o cidadão, hão de ter de encontrar um meio mais eficaz de encurtar a distância que existe hoje, entre aquilo que está idealizado, e o que efetivamente está sendo aplicado na prática, sob pena de tornar-se uma obra de ficção para o nosso “cidadão” brasileiro. Por isso: A leitura jurídica progressiva, marxista ou não, já se supera o simplismo mecanicista de considerar o direito como mera superestrutura social, totalmente dependente das condições sócio – econômicas que lhe servem de base. De outro lado, a doutrina liberal já se encaminhou no sentido de que o fenômeno jurídico insere-se em dimensões bem mais vastas que aquelas do legalismo positivista. (CAPELLETI, Mauro. P.13, 1984)

Com efeito, afirma, Leon Duguit, (1984, p.101) O Estado é o produto histórico de uma diferenciação social entre os fortes e os fracos em uma determinada sociedade. e para Hermínio Carvalho (1980,p.38), as sociedades organizadas como


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expressão de domínio de uma determinada classe, portadora de interesses específicos que ditam o esquema normativo que adequadamente sirva à sua realização. Temos ainda em Gramsci (1980, p 108) que “O Direito não exprime toda a sociedade, mas a classe dirigente, que impõe a todo o grupo social aquelas normas de conduta que estão mais ligadas à sua razão de ser e ao seu desenvolvimento”. Estas citações ilustram e conduz a uma reflexão crítica ao direito, que em muitos momentos serve como instrumento ideológico a serviço das classes mais favorecidas, bem como ao Estado, que se omitindo de suas funções essenciais, não transforma em prática cidadã, aquilo que está expresso constitucionalmente, além de receber a pressão de grupos dominantes de interesses contrariados. Haveremos de entendermos o Direito como instrumento de justiça

social e de busca da

efetividade das práticas cidadã. Um Direito livre das peias de grupos de interesses escusos, que é o que tem predominado em nossa sociedade. Além de organizar o exercício do poder político, todas as Constituições modernas definem os direitos fundamentais dos indivíduos submetidos à soberania estatal. Embora existam dissensões doutrinárias, é possível agrupar os direitos fundamentais em cinco grandes categorias, que os repartem em: direitos políticos, direitos individuais, direitos sociais e direitos difusos, direitos virtuais. (SILVA,José A.1985,p.282.)

Os direitos de participação política, ou apenas os direitos políticos, abrangem o direito de nacionalidade e o direito de cidadania. Pelo primeiro, o individuo é incorporado na comunhão nacional para uma série de efeitos, que compreendem prerrogativas e deveres. Pelo segundo, se reconhece ao indivíduo, qualificado por certos requisitos, a capacidade eleitoral ( intervenção pelo voto na composição dos órgãos do Estado) e a capacidade eletiva ( participação pessoal na composição dos órgãos do Estado). Os direitos individuais, de origem marcada pelo jusnaturalismo, tiveram comoprimeira manifestação “ legislativa” a Declaração de Direitos Inglesa, de 1689. Não obstante, o seu ciclo de formação e aperfeiçoamento encontra-se mais ligado ao pensamento iluminista francês do século XVIII e à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

Os direitos individuais, freqüentemente

denominados de liberdades públicas, são afirmação jurídica da personalidade


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humana. Talhados no individualismo liberal e dirigidos à proteção de valores relativos à vida, à liberdade, à segurança e a propriedade, contém limitações ao poder político, traçando a esfera de proteção jurídica do indivíduo em face do Estado. São direitos próximos a real cidadania que se almeja, Direitos inerentes a individualidade, tidos como atributos naturais, inalienáveis e imprescritíveis, que, por serem de defesa e serem estabelecidos contra o Estado, têm especificidade de direitos negativos. .

Os direitos fundamentais de segunda dimensão, ou direitos sociais,

econômicos e culturais, fundados no princípio da igualdade, de alcance positivo, pois não são contra o Estado, más ensejam a garantia e a concessão a todos os indivíduos, por parte do poder público. Direitos fundamentais de terceira dimensão, ou direitos coletivos e difusos, meta- individuais direitos chamados de solidariedade, direitos cuja nota que o caracteriza é a de que titular não é mais o homem individual (tampouco regula as relação entre individuo e Estado), mas dizem respeito à proteção de categorias ou grupos de pessoas (famílias, povos, nação, entidades representativas), não se enquadrando nem no público, nem no privado. Haveria um quarto direito denominado de quarta dimensão, os chamados direitos novos ou “novíssimos”. São os direitos de bioética, com vinculação di reta com a vida humana, com reprodução assistida, transplante de órgãos, engenharia genética, contracepção e referentes ao direito à vida, que envolvem, inclusive, a eutanásia e o aborto. Nessa dimensão enquadram-se, como relativos à vida, o direito a um meio ambiente saudável e demais questões de natureza ambiental. Ainda, para finalizar os direitos fundamentais, teríamos os de quinta dimensão, referentes aos direitos virtuais, advindos da tecnologia da informação (informática), do ciberespaço e da realidade virtual em geral. Os direitos fundamentais têm sido vistos, numa dimensão referente ao individuo como sujeito de direito, logo numa dimensão subjetiva, como direitos subjetivos que adquire status de cidadania jurídico ou da liberdade, num determinado âmbito de existência. A inclusão desses individuo que está à margem desses direitos que se encontram expressos na C.R. é a luta permanente que estará sendo buscada para a efetivação dos mesmos. A mobilização social para sua efetivação é prática permanente e efetiva com o objetivo de estabelecer as garantias e segurança.


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CAPÍTULO IV CIDADANIA E INCLUSÃO SOCIAL

A tradição brasileira tem como regra a exclusão social e uma não cidadania explicita especificamente nas classes baixa e de renda inferior. Nosso “feudalismo achamboado” na expressão de Euclides da Cunha - afirmou, desde sempre, com solidez e crueldade, uma desigualdade fundamental. Desigualdade fundada na propriedade, no grande domínio rural e não podia subsistir sem a escravidão. A abolição da escravidão não introduziu o princípio da igualdade nas relações sociais e econômicas. Ao contrário, a dominação

rural transportou-se para as cidades,

passando a permear todas as relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Tudo isso já foi analisado e discutido inúmeras vezes por todos que desejavam entender as raízes anti- republicanas e antidemocráticas no Brasil. A introdução

do princípio da

participação popular no governo da coisa

pública é, sem dúvida, um remédio contra aquela arraigada tradição oligárquica e patrimonialista; más não é menos verdade que os costumes

do povo, sua

mentalidade, seus valores, se opõem à igualdade – não é apenas a igualdade política, más a própria igualdade das condições de vida. Os costumes, não há como negar, representam um grave obstáculo à legitimação dos instrumentos de participação popular. Daí a importância da educação política como condição inarredável para a cidadania ativa – numa sociedade republicana e democrática. A democratização em nosso país depende, nesse sentido, das possibilidades de mudanças nos costumes e nas mentalidades, em uma sociedade tão marcada pela experiência do mando e do favor, da exclusão e do privilégio. A expectativa de mudança existe e se manifesta na exigência de direitos e de cidadania ativa. Antes de verificarmos dados extremamente importantes sobre indivíduos que vivem à margem da sociedade civilizada, procuraremos demonstrar inicialmente conforme pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE em 2003, sobre o perfil do eleitorado brasileiro, foram detectados dados alarmantes sobre o grau de desigualdade socioeconômica da população brasileira, destacando-se os elevados índices de semi- analfabetismo e analfabetismo. Dos 83 milhões de inscritos, 75% ganhavam menos de dois salários mínimos; 30% eram


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analfabetos; 20% desconheciam o nome do então presidente da República; 90% não eram sindicalizados. Há de destacar que neste universo, a presença de um eleitorado predominantemente jovem, 70% abaixo dos 45 anos, de empregados 67% e de moradores em centros urbanos 77%. Esses dados são decisivos para reforçar a necessidade urgente da educação política, principalmente quando se leva em conta a imensa parcela de desorganizados na sociedade brasileira. Como integrá-los à sociedade e à cidadania ativa, sem multiplicar os espaços públicos onde essa participação política é possível. Para Hannah (1986, p. 145), a existência desse espaço público é sem dúvida condição indispensável para a democracia, muito enfatizada, ela adverte que, para o ponto nevrálgico da questão somente a educação dos cidadãos pode dar um conteúdo substantivo de valor ao “espaço público.” Esta Paidéia não é primariamente uma questão de créditos e de livros para as escolas. É tornar-se conscientes de que a polis é também você e que seu destino depende também de sua opinião, comportamento e decisões; em outras palavras, é a participação na vida política. A distância que existe entre o povo e os órgãos de decisão nas sociedades contemporâneas contribui para o estabelecimento de uma relação autoritária entre governantes e governados. Essa relação tem provocado várias conseqüências negativas, desde a indiferença até a franca hostilidade do povo para com os políticos, em geral, e para os governantes em particular. Desse modo a institucionalização da prática de participação popular tem o apreciável mérito de corrigir essa involução do regime democrático, permitindo que o povo passe a se interessar diretamente pelos assuntos que lhe dizem respeito e, sobretudo, a se manter informado sobre os acontecimentos de interesse nacional. Uma recente pesquisa sobre, cultura política e consolidação democrática no Brasil, revelou um eleitor francamente hostil que aos

políticos, só querem se

enriquecer e ajudar os amigos e descrente das instituições, sobretudo do legislativo e

do

executivo.

Revelou

também,

contudo,

que

esse

eleitor

acredita

majoritariamente no regime democrático e espera do estado a solução para os graves problemas sócio econômicos. Do ponto de vista aqui defendido, as informações mais interessantes se referem à concepção da participação política onde segundo Gabriel Cohn (1988, p.45):


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[...] a maioria esmagadora concorda em que a política é tão complicada que a população não entende o que acontece” 78%%, por outro lado, 43% consideram que o povo tem capacidade para opinar sobre o que deve ser as leis no Brasil”; 51% discordam de que a política só deve ser por políticos profissionais e 61% se dizem propensos a participar de eleições mesmo que o voto não fosse obrigatório. No cruzamento das respostas, o dado mais impressionante, se refere à relação entre aos valores democráticos e a escolarização formal. No entanto, a participação da população nas decisões é vista com menos fervor pelos mais escolarizados do que os demais de baixa escolaridade. . Os de menor escolaridade valorizam a participação, mas acham que poucos influem na política, ao inverso dos altamente escolarizados, que também levam vantagem. E aqui se define o papel da escolarização formal nesse processo todo: ela equipa o cidadão para dar conta do crescente volume de informações e de exigências de decisão próprios à expansão das formas democráticas de vida, ainda que não garanta sua adesão substantiva a elas. Esses dados ilustram a situação dos indivíduos sob o aspecto político em nossa sociedade, como vem acontecendo a continuidade do processo de exclusão e de inclusão. A organização da nossa sociedade e seu processo de modernização contaram com determinantes internos e externos. É quase consenso dizer-se que internamente contamos com uma fraca cultura política, por causa da forma como se desenvolveu a nossa colonização, a formação de nossas elites, a instituição de nosso sistema político. Raimundo Faoro, em seu clássico, Os dono do poder mostra o peso da burocracia portuguesa na vida brasileira, cuja principal conseqüência cultural foram às relações patrimonialistas de poder que aqui se estabeleceram. Abriu-se caminho para uma aprendizagem perversa do nosso povo, acostumado à imagem do governo pai. A versão patrimonialista que revestiu nossa cultura acabou frustrando, em suas origens, idéias de autonomia, liberdade e cidadania. A concepção dominante é de que o estado é o doador, o fazedor da ordem e da justiça, do direito e do favor. A figura do “salvador da pátria” que, até hoje, aparece nos resultados de nossas eleições- tem raízes aí. O povo ainda espera pelo messias e identifica sua presença pela entonação de voz, o Andar, a gestualidade, os traços corporais.


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Aprendemos a conviver com autoritarismo, a aceitar o despotismo como uma forma natural de governo, desde que ele nos mantenha alimentados e empregados, nos dê segurança, faça aquilo que o povo deseja. Na dialética entre poder e dependente do poder

se forja uma cultura de dependência mútua, que inibe os

processos de autonomia, de crença na capacidade de resolver por si mesmos seus problemas, tão fundamentais para a autêntica cidadania. Em seu lugar, forjaram-se A arrogância das elites e a timidez, a insegurança e o ressentimento das classes populares. Um ressentimento como diria o filósofo Max Scheler (1958, p.29) “que implica auto-envenenamento e atrofia da vontade de crescer”, reforçando passividade e a aceitação da situação, negando assim as ações transformadoras do meio em que se vive. O casuísmo incrustado em nossa cultura procede da dinâmica da nossa formação política. Os compromissos sociais não visam à universalidade, mas sim a pequenos grupos. Entre nós, a formação do cidadão sofre muitas influências. A nossa República, em suas origens, contou com um poder paralelo ao Estado, o poder dos antigos coronéis, remanescentes dos antigos senhores de engenho ou de ricos comerciantes. No Brasil, este tipo de poder se materializa no fazendeiro e no senhor de engenho, Que sempre mantiveram relações pessoais acima de qualquer outra coisa. Isso imprime a marca do ressentimento em nossa cultura, uma submissão que camufla processos de resistência, permitindo aos subalternos enganar, fazendo parecer que estão sendo enganados. Foram formas criadas pela própria necessidade de sobrevivência. Essas formas de dominação ruralista desse senhor coronel difundiu-se do campo à cidade, da fazenda à máquina administrativa do Estado, constituindo nosso estilo de administrar a coisa pública. Em todos os locais podemos ver sua presença, metamorfoseada agora na figura do gerente de banco que seleciona os clientes visando a prestar os melhores serviços ao banqueiro; na diretora da escola que recusa o acesso a uma criança por motivos pessoais, alegando não ter vagas; no diretor do hospital que dá sempre um jeitinho para internar um amigo ou o amigo do amigo; no presidente da República que não pode negar os apelos da avó, admitindo no serviço público, sem concurso, a filha da empregada da sua mãe. Para Vitor Nunes Leal (1997, p. 18) Havia uma intricada rede de relações. Quem tem qualquer parcela de poder se imagina um “coronel” estabelece o favor


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discricionário e, sempre que pode, impede o direito. Isso permite dizer que o direito brasileiro nunca foi como o americanos, sob o imperativo da lei ( civil ou religiosa ). A privatização local, e até mesmo familiar, da política, prejudicou a idéia de uma cidadania universalizada, [...] “em face de esse sistema de relações políticas pessoalizadas, aqui se configurou uma superposição entre sociedade civil e Estado” (LEAL apud. LOPEZ, 1997, 85) Uma das conseqüências diretas de tudo isso é que o poder privado acaba se assentando no poder público, enquanto o Estado é levado a atrelar-se aos interesses do poder privado. Esse reforço do poder privado ofusca muitas vezes a força do poder público no sentido de avançar nos projetos que pudesse estabelecer uma efetividade e eficácia na inserção do individuo excluído a cidadão. Na formação da nossa ordem política está presente um processo perverso de excludência

das classes populares em tudo

que diz

respeito

à tomada de

decisões. Imersos numa sociedade agrária, o povo aqui se formou como que bestializado, organizando-se verdadeiros currais eleitorais para os donos do poder. Impediu-se dessa forma que se formassem coletividades a partir de fins comuns. Rousseau foi primoroso ao dizer: “ só na ordem da divindade o ser é absolutamente livre: sendo pleno em si mesmo, Deus de nada e de ninguém necessita. Aos homens só cabe o desafio da difícil conciliação entre seus próprios interesses e os interesses coletivos, suas necessidades e as necessidades dos outros”. A liberdade do homem está sempre tensionada

com

a presença dos

outros, com antagonismos, conflitos, luta por reconhecimento. Configurando-se num processo de perdas e ganhos, trocas e conquistas, acumulando alegrias e frustrações, fantasias e ressentimentos. Ser livre é compartilhar com os outros a chances de viver nossa história. É da essência da liberdade recusar a inércia, impulsionar o homem para o mundo. A única alternativa que resta ao homem, já que não somos deuses, e por natureza somos carentes, se nossa liberdade esbarra sempre na liberdade do outro, será conviver. Compartilhando espaços com outros homens, que podem ser nossos semelhantes ou não, amigos ou inimigos, patrões ou empregados; todos estão sempre

ali,

cobrando

a

nossa

presença,

impulsionando

nossas

ações,

compartilhando nossas emoções. A convivência social se desenvolve contando com determinantes econômicos, políticos, históricos e culturais. A vida cotidiana tem dimensões econômicas, mas


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também estéticas, religiosas, morais e políticas. Para a formação do cidadão todo esse elenco há de ser considerado. Aquele cidadão que precisa aprender a difícil arte de viver no espaço público. Conviver demanda reciprocidade, solidariedade, respeito ao próximo e, acima de tudo generosidade. É um péssimo cidadão aquele que não consegue ser generoso ao ponto de limitar, minimamente que seja seus próprios interesses diante de interesses coletivos. Numa educação para a cidadania é necessário se empenhar para expurgar de cada homem as crenças, as fantasias, as ilusões e, quem sabe, as paixões, que em nada contribuem para o desenvolvimento de uma consciência crítica. Sob esse enfoque, a ingenuidade, para não dizer a ignorância, é profundamente negativa, já que a

pessoa ingênua é

facilmente

enganada pelos detentores do poder.

Movendo-se no espaço das crenças e opiniões, ela não consegue discernir o foco de sua dominação e acaba aceitando o discurso hegemônico do interesse geral criado pelo consenso. Por subestimar a importância do seu papel no jogo político da sociedade, o ingênuo abre mão de participar na solução dos conflitos, nas tensões sociais. Assim, desse modo não chega a desenvolver a prática democrática necessária nas negociações desses conflitos, de modo geral

sufocando sua

insatisfação e descontentamento. A escola é vista como um espaço político onde se deve ministrar um conjunto de disciplinas de maneira que o jovem adquira o saber necessário para não se deixar enganar. O conhecimento intelectual é um suporte principal para a formação da cidadania, o instrumento básico para o salto qualitativo entre a consciência ingênua e a consciência crítica A educação para a cidadania não pode deixar que o jovem se feche num saber pautado em algumas noções essenciais, nem deve submetê-lo a práticas disciplinares desprovidas de sentido. Isso acaba enfraquecendo sua vontade, condicionando sua mente e endurecendo seu coração. De pouco adianta ir a museus, ler livros de historia ou participar de solenidades cívicas se essas situações não forem significativas, ou seja, não tiverem valor para os alunos. Além disso, não se pode esquecer que saber é poder. Para que possa ser usado convenientemente, precisa passar pelo crivo do julgamento. O bem agir, tão defendido pelos gregos antigos, vinculava o saber a uma prática: a formação de hábitos morais e de atitudes responsáveis, integradas com o fim da sociedade. O exercício do poder demanda, pois, um sentido moral, sem o


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qual se pode ter gênios sem caráter, cientistas sem ética e cidadãos desumanos. Pergunta, é possível

ensinar valores e como fazê-lo! Responde-se: não é nas

solenes declarações de princípios que se manifestam a solidariedade, a fraternidade, a lealdade, a responsabilidade. Não se aprende solidariedade a não ser sendo solidário de mil formas da vida cotidiana. É nosso dever fazer da sociedade um espaço humano onde a vida possa ser vivida dignamente, onde possa atuar democraticamente nos conflitos sociais, saber votar e exigir direitos sociais. A cultura política se desenvolve com uma tomada de consciência. Na educação para cidadania uma nova ordem ética terá que ser balizada. Iniciando-se pelo questionamento dos valores em que se sustenta a ordem social, realizando uma cobrança em que se esclareça em nome de que e de quem essa ordem pretende se perpetuar. Buscando assim, a legitimidade do sistema vigente. Se o discurso oficial afirma a democracia como um valor fundamental, é preciso verificar de que democracia está se falando, quais os seus pressupostos e como ela se materializa nas práticas sociais. Um regime que, apesar de se dizer democrático, exclui das conquistas sociais um contingente enorme de pessoas, deixando à margem da sociedade, que estabelece favores para impedir o direito, que cobra lealdade ao governo, que reclama de seus cidadãos obediência as leis e às regras, esse regime esta sob suspeita, também, sob suspeita esta o modo de entender democracia. Homens concretos vivenciam as conseqüências negativas dos sistemas de privilégios. Não se pode subestimar a inteligência humana, nem a capacidade de percepção das situações justas e injustas. Para Nilda T. Ferreira (1993, p.56), O belo não combina com rostos famélicos, com a visão de uma natureza degradada, de um planeta agonizando, de barracos sobre palafitas, de famílias morando nas calçadas de edifícios-garagem. É preciso que denuncie a irracionalidade dessa racionalidade e, para isso, é preciso sentir e querer, além de entender Quem duvida da importância da sensibilidade na cultura política, basta lembrar o quanto o nazismo manipulou as emoções do povo alemão a fim de integrá-lo a seu projeto político. Hitler soube trabalhar o inconsciente coletivo de maneira magistral, levando as multidões ao delírio. O nazismo conseguiu levantar o ânimo do povo, fazendo admitir que tivesse uma missão a cumprir. Quem aderiu àquela alucinação não foi um povo ignorante. Ao contrário. Foi um povo que


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desenvolvera um alto nível de conhecimento científico e que se supunha pilotado pela razão. Desse modo podemos afirmar que trabalhar com a sensibilidade pode levar a situações delicadas, possibilitando adesão a causas

pouco escrupulosas, e até

mesmo sectárias. Note-se, no entanto, que a sensibilidade, como faculdade de sentir, engloba tanto as sensações como afetividade. É pela via da afetividade que se pode remeter aos compromissos e engajamentos. É ela que permite identificar os signos do medo, da ternura, da ira ou da brincadeira, sem os quais a comunicação humana fica prejudicada. A sensibilidade permite identificar nossos semelhantes, nos ligar uns aos outros. Sem isso só existem os contrários, situações que contribuem com o afastamento dos homens entre si, o isolamento, a solidão. Em relação à formação para a cidadania não se pode querer partir para um rompimento com o senso comum, com as opiniões, ou até mesmo com as crenças do povo, para poder constituir um povo de cidadãos. A partir dessas crenças e ilusões é que se pode trabalhar o cidadão com projetos de uma sociedade melhor, forjando um homem com utopias. A partir do diagnóstico da crise em que vivemos: crise de valores, de âmbito nacional e internacional, crise nas crenças que sustentam uma sociedade descrente. Elas refletem o impacto das tecnologias nas sociedades, apontam a dificuldade que temos em assimilá-las, tanto em nível material como espiritual. Assim, o povo e a cultura se questionam sobre como uma democracia deve resistir a esses impactos, as mudanças a que ela pode levar. Não se trata aqui de formar cidadãos que pensem poder resolver sozinho os seus problemas, mas pessoas que percebam o quanto precisam caminhar junto com outras, aprender a negociar o seus conflitos, ganhar e seduzir seu companheiro para projetos que atendam aos anseios coletivos, onde deva prevalecer a reciprocidade. A

humanidade

continua

a

inventar

novas

formas

de

convivência,

principalmente desenvolvendo nos jovens a sabedoria para distinguir o que lhes é radicalmente necessário e aquilo que lhes é imposto. Muito do que a sociedade moderna foi capaz de tornar possível

é

indesejável. Por outro lado, é preciso

também ter discernimento para continuar querendo o impossível, aquilo que ainda não existe, mas que não impede que um dia venha a existir: a eliminação da fome, do desperdício, da violência, da dominação, do medo no mais amplo sentido.


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Assim, podemos dizer que a educação para a cidadania passa por ajudar o aluno a não ter medo do poder de Estado, a aprender a exigir dele as condições de trocas livres de propriedade, e finalmente não ambicionar o poder como forma de subordinar os seus semelhantes. Esta pode ser a cidadania crítica

que tato

almejamos. Aquele que esqueceu suas utopias sufocou suas paixões e perdeu a capacidade de se indignar diante de toda e qualquer injustiça social não é um cidadão, mas também não é um marginal. É apenas um nada que a tudo nidifica.


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CAPÍTULO V CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conclusão alcançada ao término desse trabalho, é que a exclusão social e conseqüentemente a não cidadania, acompanha o homem desde os primórdios da humanidade. A única evidência de uma sociedade onde houve a prevalência de igualdade nas relações econômico-sociais foi na sociedade, ainda incipiente, dos hebreus, naquele momento não havia ainda se instalado a propriedade privada, viviam num modo de vida nômade, sem residência determinada. Fora desse momento, passando por todos os estágios históricos da humanidade os traços da exclusão são bastante evidentes, para não dizer chocantes. A graduação e gravidade dessa exclusão é muito variável, tendo períodos mais acentuados, em outros um pouco menos, más sempre presente em todos os momentos da história. A um destaque especial para um estágio da humanidade que a esperança surgiu com maior força, más logo em seguida acompanhada de muita frustração, foi na saída da sociedade feudal para o capitalismo, ali parecia que estava surgindo à solução de todos os males que a sociedade estava vivenciando, tal não foi à decepção que logo começou a surgir às grandes contradições do capitalismo como um sistema de profunda força na sua exclusão social. Aqui no Brasil, pais ainda muito jovem, em relação aos outros a exclusão não se dá de forma diferente, eu diria que até com maior crueza devido ao nosso processo como se deu o seu descobrimento e colonização. Uma sociedade em que a sua marca deixada foi à própria exclusão no Brasil colônia, através da escravidão que deixou um profundo estigma nas gerações que foram se sucedendo ao longo de tantos anos. A exclusão e a não cidadania está aqui presente, portanto desde o seu descobrimento, e vem se arrastando pelo Brasil império, república até o nosso presente momento. Os índices não são nada satisfatórios. Há uma liderança negativa em todos os seguimentos sociais em comparação aos índices desejáveis e recomendados pelas as organizações internacionais. O analfabetismo ainda beirando os 15% da população, a desnutrição infantil e conseqüentemente a mortalidade nos primeiros anos de vida, a violência em todos os seguimentos sociais, o desemprego formal, o


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abandono do idoso, da criança, do excepcional e por ai vai esse desfiladeiro, e digo que as leis são as melhores com códigos modernos com uma visão de democracia muito avançada, porém a sua aplicação deixa a desejar. O ranço patrimonialista e conservador de nossa sociedade não foi ainda rompido para permitir estabelecer um maior equilíbrio, dando oportunidade e corrigindo as distorções históricas que estão presentes. A desigualdade aqui no Brasil, esta presente em grandes bolsões especialmente nos grandes centros. Por tudo isso, é que se considera a educação de um povo o seu maior patrimônio, por meio dela pode-se não somente criar as leis de inclusão social, mais ainda fazer valer as mesmas.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Legislação Republicana Brasileira, 1988. Disponível em: http:// senado.go.br//sf/legislação/legisla, acesso em 28 de outubro de 2008. CARVALHO, José M. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi.São Paulo: Cia das Letras, 1987. FERREIRA, Nilda T., Cidadania: uma questão para a educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. LOPEZ, Roberto Lopez, Uma História do Brasil : REPÚBLICA. São Paulo: Contexto, 1997 LOPEZ, Roberto Lopez, Uma História do Brasil: COLÔNIA. São Paulo: Contexto, 1997 LOPEZ, Roberto Lopez, Uma História do Brasil: IMPERIAL. São Paulo: Contexto, 1997. MARSHALL, T. H. Cidadania,Classe Social e Status. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1967. PAOLI, Maria Célia, Cidadania e Democracia: o pensamento nas rupturas da política. Revista Pesquisa, disponível em: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/, acesso em 08 de novembro de 2008. PINSKY, Jaime, PINSKY, Carla B., História da Cidadania, 2 ed,São Paulo: Contexto, 2003. RIBEIRO, Darci, A desconstrução da Identidade Nacional: uma utopia selvagem de Darci. Rio de Janeiro, 2006, disponível em: http://www.unigranrio.br/, acesso em 20 de outubro de 2008.


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