Cousas de marear

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Agrupamento de escolas n.º 4 de Évora Escola Secundária André de Gouveia

Biblioteca Escolar

Ficha técnica Professores: Isabel Gameiro Maria Couvinha Teresa Rodrigues Alunos: 7ºA; 11ºH1; 11ºH2; 12ºH1; 12ºH2


Cousas de marear Sexta, 6 de novembro 2015, 10h

deziam, foram trezentos mil cruzados, vindo o dia das vodas, se celebraram com muitas festas e grandíssimo fausto de riquezas e honras, a que foi junta grande parte da gente nobre desta cidade. Diogo Soares passou pela porta de Mambongoaa, pai da noiva, e ouvindo as grandes festas e regozijos que havia na casa, preguntou o que aquilo era e lhe foi respondido que casava Mambongoaa sua filha. Ele então, detendo o elifante em que ia, lhe mandou dizer que para bem lhe fosse aquele casamento, e que Deos os deixasse lograr e viver muitos anos, e outras palavras a este modo, e lhe fez de si muitos oferecimentos.

Biblioteca ESAG – 11º H2 (Ouve-se uma voz que vez chamando lá do fundo) - Fernão Mendes Pinto! Fernão Mendes Pinto! Fernão … mentes? - Minto… (O arauto desdobra um rolo de papel e anuncia) " Para que se saiba em que parou a prosperidade do grande Diogo Soares, que por alcunha se chamava «O Galego», governador deste reino do Pegu e capitão-geral do rei do Bramás, de quem recebia 200.000 cruzados, e o galardão que o mundo por fim costuma dar a todos os que o servem, como este serviu..." (Narração, a várias vozes, do episódio da Peregrinação) Havia nesta cidade de Pegu um mercador chamado Mambongoaa, homem rico e de nome na terra, quando Diogo Soares estava na maior força do seu mando e valia. Este mercador veio a tratar de casar uma filha que tinha com um mancebo, filho de outro mercador honrado e também muito rico que se chamava Manicamandarim. E concertados os pais dos noivos nos dotes que ambos deram a seus filhos, que, segundo

De que o velho, pai da noiva, se houve por tão grande e tão honrado, que não sabendo com que lhe pagasse tamanha honra, tomou a filha pela mão, acompanhada de muitas mulheres nobres, e veio com ela até à porta da rua onde estava Diogo Soares, e despois de se lhe prostrar por terra com um muito grande acatamento, lhe deu por seu modo as graças daquela mercê e honra que lhe fizera. E tirando a moça por mandado de seu pai um anel rico que tinha no dedo, lho deu c’os joelhos em terra, a que Diogo Soares, em vez de guardar o decoro que se lhe devia em lei de nobreza e amizade, como era de condição sensual e desonesto, estendendo a mão, despois de lhe tomar o anel,pegou rijamente nela dizendo: - Nunca Deos queira que moça tão fermosa como vós se empregue em outrem senão em mim. O pobre velho do pai vendo pegar tão rijo da filha, e com um insulto tão afrontoso, levantando as mãos e c’os joelhos em terra lhe disse chorando: - Peço-te, senhor, por reverência do grande deos que adoras, concebido no ventre da Virgem sem mácula de pecado algum, que me não tomes minha filha, porque morro de paixão. E se quiseres o dote que lhe dei, com tudo o mais que me fica em casa, e a mim por cativo, eu to darei logo, contanto que me deixes minha filha ser mulher de seu marido, porque


não tenho já outro bem neste mundo, nem o quero enquanto viver. - Mata, mata este perro. E arremetendo o turco com um treçado para o matar, o coitado do velho lhe fugio e deixou a filha toda escabelada nas mãos de Diogo Soares. E porque também o mancebo, esposo da moça, pegou nela chorando, o mataram logo ali a ele e a seu pai com outros seis ou sete parentes seus. Já neste tempo a grita das mulheres que estavam na casa era tamanha que metia medo, e a terra e os ares tremiam, ou, por dizer melhor, clamavam a Deos do pouco temor da sua justiça com que se fez este tamanho insulto e desatino. E perdoe-se-me não contar por extenso as particularidades que houve neste feio caso: basta que a moça se afogou com um cordão que trazia cingido antes que o sensual galego a pudesse ter consigo. Deste dia em que isto passou, há quatro anos, nunca ninguém vio o pai desta moça afora de sua casa, mas, para mostrar o se grande sentimento, vestido num pedaço de esteira rota, pedia esmola aos seus mesmos escravos de que comia, debruçado com o rosto no chão. Vendo ele que já então no reino havia outro rei, se saiu de sua casa com aqueles pobres vestidos com que andava e se foi a um templo que estava no meio de uma grande praça e tomando o ídolo do altar onde estava, se saiu com ele nos braços à rua, bradando três vezes em vozes mui altas: - Ó gentes, gentes, saí como raios por noites chuvosas a bradar com vozes e gritos tão altos que rompam o Céo, para que a orelha piedosa do alto Senhor se incline a ouvir nossos gemidos, e saiba por eles a razão que temos de lhe pedir justiça deste estrangeiro maldito, e lhe despedace as carnes no meio da noite. El-Rei ouvindo aquelas vozes e gritas, chegou a uma janela e espantado daquela tamanha novidade, lhes perguntou o que queriam, a que todos a uma voz responderam, com brados tão altos que pareciam que rompiam o Céo:

- Justiça, justiça de um maldito infiel que por nos roubar nossas fazendas nos matou nossos pais, filhos, irmãos e parentes. O chircá da justiça se foi logo a casa de Diogo Soares e lhe disse que el-rei o mandava chamar. E chegando com grande aflição à vista de um pagode onde el-rei o mandava levar, dizem que quando vio tanta gente que pasmou e despois que esteve assi um pouco suspenso, olhando para um Português que lhe consintiram que fosse com ele par o animar e esforçar na Fé, lhe disse: - Jesu, todos estes me acusam diante de el-Rei? Tanto que chegou a todo cima, Mambongoaa que tinha o ídolo nos braços, incitando o povo com brados muito altos, lhe disse: - O que por honra deste deos da aflição, que tenho em meus braços, não apedrejar esta serpente maldita, os miolos de seus filhos se consumam no meio da noite, porque bramindo por pena de tamanho pecado se justifique neles a direita justiça do alto Senhor. Após as tais palavras foram tantas pedradas sobre o padecente Diogo Soares, que em menos de um Credo ficou soterrado debaixo de uma infinidade de pedras e seixos, os quais se arremessavam com tanto desatino que muitos dos que as tiravam ficaram também escalavrados. E desta maneira acabou o grande Diogo Soares, que a fortuna tanto tinha alevantado naquele reino de Peguu.


Cousas de marear Terça, 10 de novembro 2015, 10h

Biblioteca ESAG – Leitura dramatizada por alunos do 7º A O Gato e o Escuro, conto de Mia Couto PRIMEIRO NARRADOR - Vejam, meus filhos, o gatinho preto, sentado no cimo desta história. Pois ele nem sempre foi dessa cor. Conta a mãe dele que, antes, tinha sido amarelo, às malhas e às pintas. Todos lhe chamavam o Pintalgato. Diz-se que ficou desta aparência, em totalidade negra, por motivo de um susto. Vou aqui contar como aconteceu essa trespassagem de claro para escuro. O caso, vos digo, não é nada claro. Aconteceu assim: O gatinho gostava de passear-se nessa linha onde o dia faz fronteira com a noite. Faz de conta o pôr do Sol fosse um muro. Faz mais de conta ainda os pés felpudos pisassem o poente. A mãe se afligia e pedia: MÃE GATA - Nunca atravesse a luz para o lado de lá. SEGUNDO NARRADOR - Essa era a aflição dela, que o seu menino passasse além do pôr de algum Sol. O filho dizia que sim, acenava consentindo. Mas fingia obediência. Porque o Pintalgato chegava ao poente e espreitava o lado de lá. Namoriscando o proibido, seus olhos pirilampiscavam.

Certa vez, inspirou coragem e passou uma perna para o lado de lá, onde a noite se enrosca a dormir. Foi ganhando mais confiança e, de cada vez, se adentrou um bocadinho. Até que a metade completa dele já passara a fronteira, para além do limite. Quando regressava de sua desobediência, olhou as patas dianteiras e se assustou. Estavam pretas, mais que breu. Escondeu-se num canto, mais enrolado que o pangolim. Não queria ser visto em flagrante escuridão. Mesmo assim, no dia seguinte, ele insistiu na brincadeira. E passou mesmo todo inteiro para o lado de além da claridade. À medida que avançava seu coração tiquetaqueava. Temia o castigo. Fechou os olhos e andou assim, sobrancelhado, noite adentro. Andou, andou, atravessando a imensa noitidão. Só quando desaguou na outra margem do tempo ele ousou despersianar os olhos. Olhou o corpo e viu que já nem a si se via. Que aconteceu? Virara cego? Por que razão o mundo se embrulhava num pano preto? Chorou. (Em coro – 5 alunos) Chorou. E chorou. Pensava que nunca mais regressaria ao seu original formato. Foi então que ouviu uma voz dizendo: ESCURO - Não chore, gatinho. PINTALGATO - Quem é? ESCURO - Sou eu, o escuro. Eu é que devia chorar porque olho tudo e não vejo nada. PRIMEIRO NARRADOR - Sim, o escuro, coitado. Que vida a dele, sempre afastado da luz! Não era de sentir pena? Por exemplo, ele se entristecia de não enxergar os lindos olhos do bichano. Nem os seus mesmo ele distinguia, olhos pretos em corpo negro. Nada, nem a cauda nem o arco tenso das costas. Nada sobrava de sua anterior gateza. E o escuro, triste, desabou em lágrimas. Estava-se naquele desfile de queixas quando se aproximou uma grande gata. Era a mãe do gato desobediente. O gatinho Pintalgato se arredou, receoso que a mãe lhe trouxesse um


castigo. Mas a mãe estava ocupada em consolar o escuro. E lhe disse: MÃE GATA - Pois eu dou licença a teus olhos: fiquem verdes, tão verdes que amarelos. PRIMEIRO NARRADOR - E os olhos do escuro se amarelaram. E se viram escorrer, enxofrinhas, duas lagriminhas amarelas em fundo preto. O escuro ainda chorava: ESCURO - Sou feio. Não há quem goste de mim. MÃE GATA - Mentira, você é lindo. Tanto como os outros. ESCURO - Então porque não figuro nem no arco-íris? MÃE GATA - Você figura no meu arco-íris. ESCURO - Os meninos têm medo de mim. Todos têm medo do escuro. MÃE GATA - Os meninos não sabem que o escuro só existe é dentro de nós. ESCURO - Não entendo, Dona Gata. MÃE GATA - Dentro de cada um há o seu escuro. E nesse escuro só mora quem lá inventamos. Agora me entende? ESCURO - Não estou claro, Dona Gata. MÃE GATA - Não é você que me te medo. Somos nós que enchemos o escuro com nosso medos. SEGUNDO NARRADOR - A mãe gata sorriu bondades, ronronou ternuras, esfregou carinho no corpo do escuro. E foram carícias que ela lhe dedicou, muitas e tantas que o escuro adormeceu. Quando despertou viu que as suas costas estavam das cores todas da luz. Metade do seu corpo brilhava, arco-iriscando. Afinal? O espanto ainda o abraçava quando escutou a voz da gata grande: MÃE GATA - Você quer ser meu filho? SEGUNDO NARRADOR - O escuro se encolheu, ataratonto. Filho? Mas ele nem chegava a ser coisa alguma, nem sequer antecoisa. ESCURO - Como posso ser seu filho se eu nem sou gato?

MÃE GATA - E quem lhe disse que não é? SEGUNDO NARRADOR - E o escuro sacudiu o corpo e sentiu a cauda, serpenteando o espaço. Esticou a perna e viu brilhar as unhas, disparadas como repentinas lâminas. O Pintalgato até se arrepiou, vendo um irmão tão recente. PINTALGATO - Mas, mãe: sou irmão disso aí? MÃE DO GATO - Duvida, Pintalgatito? Pois vou-lhe provar que sou mãe dos dois. Olhe bem para os meus olhos e verá. PRIMEIRO NARRADOR - Pintalgato fitou o fundo dos olhos da sua mãe, como se se debruçasse num poço escuro. De rompante, quase se derrubou, lhe surgiu como que um relâmpago atravessando a noite.Pintalgato acordou, todo estremolhado, e viu que, afinal, tudo tinha sido um sonho. Chamou pela mãe. Ela se aproximou e ele notou seus olhos, viu uma estranheza nunca antes reparada. Quando olhava o escuro, a mãe ficava com os olhos pretos. Pareciam encheram de escuro. Como se engravidassem de breu, a abarrotar de pupilas. Ante a luz, porém, seus olhos todos se amarelavam, claros e luminosos, salvo uma estreitinha fenda preta. Então, o gatinho Pintalgato espreitou nessa fenda escura como se vislumbrasse o abismo. Por detrás dessa fenda o que é que ele viu? Adivinham? Pois ele viu um gato preto, enroscado do outro lado do mundo. FIM PRIMEIRO NARRADOR: Gonçalo Oliveira SEGUNDO NARRADOR: Miguel Ramos MÃE GATA: Paula Leitão ESCURO: Filipe Grenho PINTALGATO: Diogo Rosa (Aplausos!!!!! )


Cousas de marear Quinta, 12 de novembro 2015, 10h

Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais! E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topámos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E, quarta-feira seguinte, pela manhã topámos aves a que chamam fura -buchos.

Biblioteca ESAG – 11º H1/3º PTAV Excertos da CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA A EL-REI D. MANUEL SOBRE O ACHAMENTO DO BRASIL Senhor Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não deixarei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que - para o bem contar e falar -, o saiba fazer pior que todos. (…) A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março.(…) Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e as nove horas, nos achámos entre as Canárias, mais perto da Grã Canária, onde andámos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito de Pero Escobar, piloto.

Quarta-feira, 22 de abril: Neste dia, a horas de vésperas, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele: e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome: O MONTE PASCOAL e à terra: a TERRA DA VERA CRUZ. (…) E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos direitos à terra, indo os navios pequenos diante, (…) até meia légua da terra, onde todos lançámos âncoras em frente à boca de um rio. Dali avistámos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro. (…) Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijamente sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. (…) A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de


mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, do comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber. Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobre pente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. (…) Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. (…) Mostram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados. (…) Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. Domingo, 26 de abril: Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. (…) Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa

pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra. (…) Acabada a pregação, voltou o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcámos e fomos todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam indo, na dianteira, por ordem do Capitão Bartolomeu Dias … (…) Ali veríeis galantes, pintados de preto e de vermelho, e quartejados, assim nos corpos, como nas pernas, que, certo, pareciam bem assim. Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como eles, que não pareciam mal. (…) Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença. (…) Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim. Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que acostumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e fruitos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos. (…) Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. (…) Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão arvoredos. (…) Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve


ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. (…) E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo. (…) Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da vossa Ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha


Cousas de marear

VIOLA CHINESA

Sexta, 13 de novembro 2015, 10h

Ao longo da viola morosa Vai adormecendo a parlenda Sem que amadornado eu atenda A lengalenga fastidiosa.

Clepsydra

Camilo Pessanha

Sem que o meu coração se prenda, Enquanto, nasal, minuciosa, Ao longo da viola morosa, Vai adormecendo a parlenda. Mas que cicatriz melindrosa Há nele, que essa viola ofenda E faz que as asitas distenda Numa agitação dolorosa? Ao longo da viola, morosa... VIOLONCELO

Biblioteca ESAG – 12º H 1 e 2.

AO LONGE OS BARCOS DE FLORES Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranquila, - Perdida voz que de entre as mais se exila, - Festões de som dissimulando a hora. Na orgia, ao longe, que em clarões cintila E os lábios, branca, do carmim desflora... Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranquila. E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora, Cauta, detém. Só modulada trila A flauta flébil... Quem há-de remi-la? Quem sabe a dor que sem razão deplora? Só, incessante, um som de flauta chora...

Chorai arcadas Do violoncelo! Convulsionadas, Pontes aladas De pesadelo... De que esvoaçam, Brancos, os arcos... Por baixo passam, Se despedaçam, No rio, os barcos. Fundas, soluçam Caudais de choro... Que ruínas, (ouçam)! Se se debruçam, Que sorvedouro!... Trémulos astros... Soidões lacustres... —: Lemos e mastros... E os alabastros Dos balaústres! Urnas quebradas! Blocos de gelo... — Chorai arcadas, Despedaçadas, Do violoncelo.


FIM


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