SEMAN A DA L EITURA
Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho
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Semana da Leitura 2016 Entre os dias 15 e 19 de fevereiro, decorreu, na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, a Semana da Leitura. Ao longo desse período, recebemos 4 jovens autores, de quem foi possível ouvir falar sobre o seu percurso criativo e com quem trocámos impressões e satisfizemos curiosidades suscitadas pelas obras e pelo ofício. Foi uma semana muito rica, proporcionando a todos os que nela participaram diversas experiências emocionais, tão díspares que puderam ir do riso ao choro. Se quiséssemos encontrar uma linha comum a todas as palestras, não andaríamos muito longe da verdade se disséssemos que esteve sempre presente a ideia de que se escreve e se lê para lutar contra o esquecimento e o poder aniquilador da morte. É nesta afirmação da vida e da memória que assenta a Cultura e é também por isso que chamámos ao Projeto de que esta Semana da Leitura é uma das iniciativas, “Ler é Cooltura”. Porque ler é cool e ler é cultura. O projeto, apresentado em 2014 ao Plano Nacional de Leitura, tem como objetivo central dar visibilidade à leitura na escola e lembrar, através de variadíssimas iniciativas, que não existe cultura sem leitura e que ler é cool, no sentido em que amplia, alarga e expande a nossa capacidade de ver e entender o mundo que nos rodeia. Como disse Alberto Caeiro, “eu sou do tamanho do que vejo / E não do tamanho da minha altura” e Albert Camus lembrava que “tudo o que degrada a cultura encurta os caminhos que conduzem à servidão”. Os textos que se apresentam nesta publicação são transcrições de trechos das obras dos autores convidados e testemunhos de alunos que assistiram e participaram nas palestras. São frescos, alguns na primeira pessoa, das vivências experienciadas. Acresce que são, também eles, antídotos contra o esquecimento. Esta é a nossa homenagem aos autores. Obrigado a todos os participantes! Paulo Moura Professor Bibliotecário
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Romance psicadélico? Raquel Domingues
atrícia Ribeiro, jovem escritora conhecida como Pat R, apresentou o seu novo livro Os homens nunca saberão nada disto na Biblioteca da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho. Patrícia Ribeiro é natural de Évora, onde residiu até aos 18, mudando-se, posteriormente, para Lisboa. Cresceu num ambiente altamente estimulante a nível artístico, desenvolvendo desde muito cedo a sua inclinação para a escrita criativa. Realizou o seu primeiro trabalho extenso aos 12 e publicou o primeiro livro, Inércia, em 2014, enquanto estudava Cinema. O título do mais recente proveio de um livro de recortes que o seu pai ia construindo com fotografias de amigos e familiares acompanhados de pequenos poemas. “Nós somos moldados por coisas de que não nos lembramos”, comentou a escritora ao responder à questão de onde surgira este seu gosto pela escrita. No seu novo livro, a autora explora o ponto de vista
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de cada um dos dezoito hipotéticos filhos que um casal poderia ter tido e a forma como estes se relacionam com a sua família. Segundo a escritora, “o livro foi escrito por instinto”, e elementos como a música, o tempo e vários símbolos esotéricos são fulcrais na arquitetura da sua obra. A acompanhar o livro, apresentou ainda um complemento, a que chamou de “Extras”, com ilustrações das personagens, criadas por artistas nacionais e estrangeiros, e um CD com temas inspirados nos Led Zepplin criados para que, quando o leitor os ouvisse, entrasse no ambiente que a própria história pretende criar. Já ouviram falar do Monte Shasta? Não? Mas no rock psicadélico dos Led Zepplin de certeza que já. Pois o Mount Shasta ficámos a saber que se situa na Califórnia e é lá que decorre a ação de Os Homens nunca saberão nada disto. Em combinação com a música da banda britânica dos anos 60, está criado o ambiente do romance de Pat R. Se a imaginação não vos acudir e a net estiver em baixo, podem pôr o CD a tocar e se se baralharem com as personagens (são muitas), podem consultar a árvore genealógica. Está tudo no Livro de Extras. Em suma, a experiência de leitura que a jovem autora de Évora nos propõe vai muito para além da história. É um filme à procura de realizador.
Nós Nunca Saberemos Nada Disto Johanna Hietala & Margarida Campos
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omo acontece todas as terças feiras, não me apetece ir à escola. Mas esta ainda é pior: temos uma palestra. Disseram-me que o livro era sobre dezoito hipotéticos filhos… Porque é que hipotéticos filhos haveriam de me interessar? Entrámos na Biblioteca e a autora é tão nova que podia ser eu! Bem, pelo menos tem um penteado giro. Foi então que ela começou a falar e a história ganhou interesse: um rapaz e uma rapariga conhecem-se e, nessa mesma noite, a rapariga engravida. A partir deste ponto, a história é contada por dezoito filhos que poderiam ter nascido, de trás para a frente, ou seja, do mais velho para o mais novo. À medida que Pat R avança, vejo um bocadinho de mim em cada um dos hipotéticos filhos: a inocência do rapaz que se achava um alien lembra-me a minha infância; as duas gémeas, com feitios opostos, lembram-me as discussões com a minha irmã; a personagem hippie fazme pensar nos momentos de preguiça, em que só me apetece isolar-me da sociedade; a miúda roqueira retrata o meu gosto musical. Enfim, apetecia-me ouvir mais da vida dessas personagens. Ao perceber que nas margens do livro aparecem sugestões para ouvir as minhas músicas preferidas, fiquei com mais vontade de ler o livro, tendo em conta que, para além da imaginação, esta obra apela a mais sensações. Agora, imaginem como fiquei ao descobrir que havia um livro de extras, com mais imagens e mais músicas. Depois disto, pudemos fazer perguntas à autora, através das quais Pat demonstrou a sua dedicação ao livro e integração no mundo das personagens. Quaisquer dúvidas que tínhamos sobre a qualidade do livro desapareceram neste momento. Com esta apresentação, Pat R conseguiu criar uma forma bastante criativa e apetecível de leitura, o que se repercutiu na quantidade de pessoas que quiseram imediatamente comprar o livro, incluindo eu!
Livro de Extras
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Semana da Leitura
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Maria Martins
os dias 16, 18 e 19 do passado mês de fevereiro, realizou-se, na nossa escola, a Semana da Leitura. Numa altura em que o número de leitores jovens tem vindo a diminuir, esta iniciativa só podia ser benéfica. A forma mais eficaz de cativar os alunos passa por dar-lhes a conhecer a essência do livro, ou seja, o autor. Das quatro, pude assistir a duas, Os homens nunca saberão nada disto, de Pat R, e Tia Guida, de André Fernandes. Apesar desta última ter sido a mais marcante em termos emocionais, a primeira foi, a meu ver, uma introdução fascinante a um novo conceito de leitura. A autora começa por falar de si, contando uma breve passagem da sua vida. Fala-nos do curso de cinema que frequentou por pouco tempo, de como a escrita esteve sempre presente, da forma como decidiu dedicar-se exclusivamente a essa atividade, de como foi escrever o livro e toda a revolução que criou à volta dele, reunindo artistas pelo mundo fora. Quando um grupo de adolescentes é confron-
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tado com tamanha realização pessoal, é difícil desligar-se. Trata-se de uma fonte de esperança. Se ela conseguiu, eu também consigo; afinal, nem tudo é impossível. Na parte de trás do romance da autora podemos ler: “Numa ejaculação, há entre 200 a 400 milhões de espermatozoides”. É a partir daqui que Pat R nos transporta para um mundo com 200 a 400 milhões de possibilidades por explorar, tantas que a nossa efemeridade poderia considerar infinitas. Destas tantas, dá-nos a conhecer dezoito. Cada uma destas dezoito possibilidades representa um hipotético filho de Ian e Jeannette, contando a história da família através do tempo. Como se esta ideia original não fosse o bastante, a autora deixou uma marca mais profunda no seu livro. Aliou a escrita às sensações auditivas e visuais, oferecendo uma experiência única. Foi nessa altura que me decidi: tinha de adquirir o livro. E assim o fiz, ansiosa por mergulhar nesse mundo, fruto da mente de Pat R.
Jovens consumistas, ou talvez não
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Joana Coutinho
um dia aparentemente normal, entro na escola e sou rapidamente guiada pelos meus colegas para a Biblioteca – o meu professor tinhanos informado sobre uma semana dedicada à leitura, a famosa Semana da Leitura. Tinha então, nesse dia, de ir ouvir alguém falar sobre o livro que escrevera e que, posteriormente, nos iria persuadir a comprar, afinal “os jovens são um alvo tão fácil da sociedade de consumo”, dizem. Os livros vivem muitas vezes fechados, capa contra capa, esmagados numa estante às vezes durante muito tempo, pensei eu antes de entrar. Para quê escrever ainda mais livros, que se lêem uma vez e fim, ficamos satisfeitos, e que uns tempos mais tarde, quando alguém nos pergunta, “Já leste esse livro? Gostaste?”, ”Sim já li, mas não me lembro do que tratava”. Entro então neste local, pelo qual sinto algum carinho, sento-me, e observo.
Vejo então uma rapariga, calma e serena que, após alguns segundos, inicia o seu discurso. Pat R, através do seu discurso jovem e limpo, fala sobre o seu livro, uma história moderna cujos episódios se passam num tempo futuro e diferente. Diferente? Sim, diferente é a primeira palavra que associo a este livro, um livro que cativa a atenção e que, segundo a autora, é um livro que “deve ser tocado alto”, uma obra cujos estados de espírito que transmite estão muitas vezes ligados à musica que Pat R faz questão de identificar nas suas páginas. E é neste momento, após uma apresentação mais generalizada do livro, que me torno uma simples espetadora e perco a noção do essencial. Lanço então um último olhar para fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem de facto uma crónica, e é neste momento que a autora começa a falar na verdadeira história do romance. A obra retrata a vida de […] 18 personagens diferentes que vão atraindo progressivamente o nosso interesse, cujas personalidades que vão deixando transparecer permitemnos de uma forma quase mágica associar a alguém que conhecemos, como se fossem criadas por cada um de nós. A qualidade da obra foi demostrada pela quantidade de livros que a autora conseguiu vender, incluindo a mim. Pensando bem, talvez tenham razão quando dizem que somos, de facto, um alvo fácil da sociedade de consumo.
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A força de acreditar Carolina Ferreira
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apresentação de Pat R foi repleta de surpresas: primeiro, o estilo da autora sobressaía em todo aquele espaço conservador que é a biblioteca da escola; depois, à medida que abordava o conteúdo do seu livro, mostrava-nos ilustrações (que integram o livro) cujos temas se centravam na sensualidade, na música e em ambientes nostálgicos, que despertou o interesse do público. Não pude deixar de admirar a astúcia da escritora, que, ao seu livro, juntou uma coletânea de ilustrações (elaboradas por artistas de várias nacionalidades), que pretende «adornar e enriquecer o enredo», segundo a própria e, obviamente, persuadir os ouvintes a adquirirem o livro, dado os temas “tabu” (presentes em algumas ilustrações) que sempre aguçaram a curiosidade dos jovens. A obra destina-se, claramente, a um público jovem, não só pelo que referi anteriormente em relação às ilustrações, mas também devido ao enredo, que relata a história de dezoito hipotéticos filhos que poderiam ter resultado da relação entre um guitarrista e a sua namorada. Cada um destes
“filhos” apresenta uma personalidade única, influenciada pela época que experiencia. Por fim, confesso que o que mais me fascinou foram as vivências de Pat R. A escritora revelou ter crescido no seio de uma família vocacionada para as artes que, de certa forma, influenciou as suas escolhas. Após terminar o secundário, estudou Cinema, contudo, não concluiu a licenciatura por não se sentir realizada, optando por se dedicar exclusivamente à escrita. É de louvar esta atitude, uma vez que a atual sociedade desvaloriza os que não são licenciados, independentemente das suas competências, e Pat R ultrapassou esta barreira, prosseguindo o seu sonho. Esta palestra despertou-me duas questões. Até que ponto a nossa personalidade e escolhas são influenciadas pelos nossos pais? Como, aos 18 anos, poderei ter alguma certeza se o curso que seguirei será o ideal? Bom, em relação à primeira, não sei, quanto à segunda, tenho noção que não podemos tomar nada como certo e, por isso, seguindo o exemplo de Pat R, torna-se essencial a criação de um plano B em prol da felicidade.
Vanessa Neves é uma das ilustradoras que colaboraram no livro de extras de Os homens nunca saberão nada disto de Pat R
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Um exemplo
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Marta Santos
xiste, atualmente, muita divulgação literária, tanto na televisão, como em anúncios de rua ou simplesmente porque, como alguém disse, todos nos sentimos fascinados por aquele objeto cujo conteúdo, até ser desvendado, é um mistério. Nunca houve tantos livros escritos como hoje, pois a literatura é, acima de tudo, uma arte cumulativa, englobando tudo quanto o tempo permite conservar. Com tal abundância é mais do que óbvio, previsível até, que existam conteúdos melhores que capas e capas melhores que conteúdos. Os verdadeiros artistas são aqueles que conseguem capas e conteúdos igualmente excelentes. O livro Os homens nunca saberão nada disto é um excelente exemplo em que a capa e o conteúdo se fundem numa harmonia perfeita. A palavra-chave do livro encontra-se nos símbolos e no misticismo associado ao mito de uma montanha considerada por muitos como “mágica”. Com diversas imagens e ilustrações, o livro representa, não só os ideais da autora, pois um livro nunca é totalmente independente do seu autor, mas também diferentes formas de
pensar resultantes de diferentes personagens, que sujeitas a condições de vida semelhantes, seguiram caminhos muito diferentes. Ao longo do livro, a autora disponibilizou também uma playlist, influenciada claramente pelo seu gosto musical, de modo a embrenhar ainda mais o leitor nesta história alucinante. Pat R, autora do romance, é um exemplo de vida para todos os que, jovens ou não, desejam seguir o caminho literário. Em resposta a algumas perguntas pessoais e revelando uma sinceridade invejável, confessou que sempre se sentiu atraída por esta arte e que agora, após alguns anos de trabalho árduo, conseguiu finalmente dedicar-se a 100% ao seu sonho, contando sempre com o apoio dos familiares. Revela, no entanto, que a arte de escrever exige muito do autor, exige sacrifícios mentais, físicos e psicológicos que a levaram a abdicar, por vezes, da vida social para corresponder às suas próprias exigências artísticas. “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”, uma filosofia de vida que se adequa, sem sombra de dúvida, a este caso.
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ara que escreve um homem senão para agradar a uma mulher? Todas as palavras escritas por um homem têm sempre dentro uma mulher. Só a mulher transforma no homem a tristeza em melancolia e a alegria no desejo de percorrer um caminho virtuoso. Sem esse travo de melancolia e ausente esse desejo imenso, nada mais é o homem que um poema deixado a meia cozedura.
ma vez que me vejo vinculado para com os desenvolvimentos do pecado, devo então passar a seguinte informação. Já não conseguia o homem mais. Aborreceu-se, aborreceram-no. Sempre a mesma casa, sempre as mesmas caras, sempre as mesmas caras na mesma casa. Sempre o mesmo problema e sempre a mesma falta de palavras, sempre o mesmo problema a despoletar a mesma falta de palavras (tenho dúvidas sobre a pertinência da palavra despoletar, talvez pensando mais profundamente encontrasse uma melhor, que mais se adequasse, a verdade é que não me dei ao trabalho).
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inceramente não sei se vale a pena ter manias, um apelido mais chique, um casaco caro, escrever um livro, tudo isso manias. Mentiras de costas voltadas e desfazemo-nos em lágrimas, ao menos as lágrimas partilhamos, somos a tristeza uns dos outros.
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À Os excertos são retirados de Bem vindos a esta noite branca de Gonçalo Naves e podem ler em https://www.facebook.com/ profile.php?id=100008690539373&fref=ts
s vezes as noites ganham asas e nunca acabam mas não faz mal porque entendi finalmente que o tempo é a única coisa que acontece a todos, desmorona-se sobre nós e dissolvemo-nos nele, revolve-nos as fundações como se fôssemos uma casa de madeira seca e não é que afinal de contas somos mesmo uma casa de madeira seca, apodrecemos-lhe aos pés e apesar de não consentirmos e procurarmos evitar o tempo entretém-se connosco e faz-nos pedinchar e suplicar e implorar e depois tanto se lhe dá como se lhe deu, dissipa-nos e desvanece-nos e oblitera-nos e então nós em sabe-se lá que lugar, o tempo é as orquídeas e os plátanos e as buganvílias mas é também o colchão demasiado bolorento e um buraquinho no estore pelo qual mil aragens e um bocado nosso abandonado para sempre.
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ue será de mim quando se acabar o dia e a noite me trouxer a incerteza de todas as horas? O tempo esvazia-nos de tudo, só de tormentos nos vai enchendo. Por mais que demore, e que pensemos que não, chega sempre a altura de não esperarmos mais nada, de sermos só nós com nós mesmos.
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em-vindos a Esta Noite Branca lê-se de uma penada mas eu recomendo moderação. Recomendo que se demorem nas frases, que as leiam várias vezes antes de mudar de página, sobretudo as preferidas, aquelas que vão querer que a memória não apague, e acreditem que serão bastantes. Possivelmente ficarão tão surpreendidos, como eu, com a maturidade da escrita do Gonçalo. Num estilo desafiante, que não esmorece, a leitura é estimulada pela complexidade da escrita e pelas múltiplas possibilidades de interpretação oferecidas pelo autor. O leitor não descansa, entrega-se. Márcia Balsa in http://planetamarcia.blogs.sapo.pt/bem-vindosa-esta-noite-branca-706053
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o passado dia 18 de Fevereiro, pelas 10 horas da manhã, a Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho teve o privilégio de receber André Fernandes, de 25 anos, durante uma semana muito interessante, a Semana da Leitura. Não sei se pela pequena diferença entre as idades do público e do autor, ou se pela delicadeza do tema, a verdade é que naquela palestra conseguimos rapidamente estabelecer uma relação de bastante proximidade com aquele rapaz que nunca antes tínhamos visto. O André começou a preleção com um breve resumo do livro e da mensagem que com este queria revelar, apresentando-nos durante este procedimento a grande protagonista da sua primeira obra publicada, a tia Guida. Durante a sua comunicação tentou sempre transmitir uma ideia positiva sobre o assunto abordado, suavizandoo quando necessário, o que levou a que praticamente todos os presentes se emocionassem. É “engraçado” o quão repentina a nossa vida pode mudar drasticamente. De um momento para o outro, tudo aquilo que conhecemos deixa de existir. O chão que pisamos e que nos serve de base desaba. E tudo aquilo em que acreditamos acaba por ser posto em causa. Porquê? Porquê eu? Porquê ela? O André fez-nos perceber que o importante não é o “porquê?”, mas sim o “para quê?”. Todas as dificuldades por que passamos são testes que nos são impostos pela vida, com o intuito de perceber o que conseguimos ou não aguentar. Se durante a luta contra um problema, seja ele qual for, “abanarmos mas não cairmos”, ou até mesmo se cairmos mas nos levantarmos, apesar de nem sempre percebermos instantaneamente, ficamos mais fortes e aptos a lidar com o resto das adversidades que nos irão ser apresentadas pela vida. O autor explicou-nos também que o amor é a força mais poderosa do mundo, e que sem ela a existência não faria sentido. Portanto, no final, aconselhou-nos a aproveitar as pequenas coisas da vida ao máximo e a demonstrarmos o carinho que sentimos uns pelos outros. Eu, particularmente, adorei a intervenção do André, e a maneira como este conseguiu chegar ao coração de todos, fazendo com que cada um refletisse sobre as suas preocupações, sendo todas elas, obviamente, diferentes. Patrícia Reis
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odeados pela majestade da Biblioteca que se erguia sobre nós, esperávamos pelo começo de mais uma apresentação no âmbito da Semana da Leitura – começa assim o segundo bloco de aulas dessa quinta feira, dia 18 de fevereiro de 2016. Um rapaz com os seus vinte e tal anos apresenta-se descontraidamente. André Fernandes é o seu nome e começa então a falar sobre o seu livro, Tia Guida. Este livro retrata a vida de uma mulher forte como muitas outras. Injusta e infelizmente, num certo dia, a vida desta mulher cruzou-se com o cancro. A morte da tia Guida foi então agendada para daí a 3 meses. Sem saber deste prazo, tia Guida prolongou a sua vida durante muito mais tempo do que se estava à espera. E assim viveram-se tempos de esperanças e tempos de recaídas. Depois desta luta incessante contra o cancro, quando a sua vida foi consumida pela dor, a tia Guida desistiu de sofrer (não de viver). Muito depois da apresentação, quando já estava a escrever esta crónica, apercebi-me de que André me tinha conduzido, inconscientemente, a uma conclusão: não devemos prolongar a dor de uma perda, mas sim eternizar a vida da “nossa tia Guida”. Muito para além da escrita, está a comunicação. O que dá algum significado a este livro é a interação com outros seres humanos desconhecidos, é a partilha de vivências comuns, é a libertação do sofrimento, é o despoletar de emoções. Nascemos para sermos felizes; a morte não é um adeus, é um até já e, se não for um até já, então terá de ser um “recordar-te-ei para sempre porque só o facto de pensar em ti me faz feliz”. André encontrou um meio de relembrar de forma feliz a tia Guida! Maria Delmar Fernandes
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o início da apresentação, André prometeu à sua plateia (jovem, devo sublinhar) que ali iriam apenas ouvir tudo “tal e qual como aconteceu”, e não assistiríamos a um “dourar a pílula”. Para jovens que, na realidade, ainda são tratados como crianças, a quem os pais evitam falar em certos assuntos com medo de ferir suscetibilidades, esta promessa ganhou grandes expectativas. No entanto, tal promessa não foi realizada. “Cancro” é uma palavra com a qual somos bombardeados quase todos os dias. Sim, aquela doença malévola que já tomou, a tantos de nós, entes queridos. Durante a apresentação, muitos dos presentes conseguiram-se identificar com a história relatada por André. Já eu, não. Não porque não tenha passado por situações semelhantes, mas porque não me agradou a abordagem do autor. O cancro não é suposto ser bonito. Esta doença não tem de ser fácil e muito menos devemos romantizá-la. Raramente as pessoas com estes casos clínicos têm um “viveram felizes para sempre”; então, porquê falar de amor se na maior parte do tempo, para estas pessoas, só existe dor? Uma tal dor que não se limita a atuar no paciente, mas também em familiares e amigos. À primeira vista, diria que o autor apenas pretendia vender o livro (talvez uma hipótese macabra de mais), mas numa segunda abordagem, ponderei se André não estaria a substituir tantas vezes a palavra “dor” pela palavra “amor” para resolver o conflito interior dentro de si mesmo, relativamente a este acontecimento da sua vida. Acabei a apresentação a questionar-me se André pensa como tantos outros adultos, que, por ainda não termos atingido a maioridade, somos frágeis de mais para lidarmos com as doenças e com a morte. Será que ninguém vê que todos nós precisamos de lidar com a verdade, nua e crua, para então podermos crescer e encarar a vida com mais conhecimento? Carolina Almeida Semana da Leitura 2016
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ndré passou-nos uma mensagem muito bonita. As suas palavras tiveram efeito em muitos alunos que, atentamente, ouviam e aprendiam com o que o escritor dizia. A morte e a perda é algo por que todos nós já passámos ou vamos passar, e o público identificou-se com os sentimentos que o escritor expressou. […] esta apresentação foi muito emotiva e nutritiva porque, para além de me identificar com os sentimentos do jovem escritor, ganhei ferramentas para enfrentar de outra maneira a morte, que é um assunto delicado dentro de mim. Francisco Narciso
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uma normal aula de português, o professor anuncia que iremos assistir a palestras de escritores emergentes, algo que suscita a atenção… Passados uns dias, estamos na biblioteca, no foco das atenções encontra-se um jovem de olhos azuis, André Fernandes, entre outras coisas, o escritor do livro Tia Guida. Começa por apresentar-nos alguém que passou pelo mal do século: cancro. Imediatamente sente-se o ar da sala apertar; parece que quase todos pensam automaticamente em alguém. André leva-nos na viagem emocional, não da morte, mas da vida, como o próprio diz, da sua tia. É impossível ficar indiferente ao sentimento que o autor transmite tão bem. A sua segurança no discurso demonstra que já contou a mesma história repetidamente e, apesar de, por vezes, demasiado românticas, as suas ideias parecem gerar um sentimento geral de bem-estar na plateia. De repente, parece que ocorre uma catarse mental generalizada. Independentemente das motivações que podem estar por trás da palavra do escritor, a verdade é que este partilha ideias reconfortantes e, no final, é isso que preenche a generalidade das pessoas. Ana Raquel Bilro
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sta quinta feira, que ao início parecia um dia da semana idêntico aos outros, acabou por se revelar incrivelmente inspiradora e nostálgica para a maioria dos estudantes que se dirigiram à biblioteca da escola para assistir à conferência sobre o livro Tia Guida, escrito por André Fernandes. […]O seu discurso foi inovador, uma vez que não se baseou na promoção do livro em si, mas na comunicação sincera com todo um auditório interessado que, de alguma forma, conseguiu relacionar os sentimentos e palavras proferidas pelo autor com experiências já vividas. As palavras do jovem escritor fo-
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oi uma das melhores conferências a que eu fui assistir nessa semana. Éramos um grupo grande e o ambiente encontrava-se um pouco pesado. Eu penso que se trata de um assunto muito delicado para toda a gente. Para mim, foi muito difícil ouvir aquela apresentação, não por ser má, mas por ter pessoas na família que tiveram cancro ou outras doenças parecidas. Foi uma conferência muito pesada, mas ao mesmo tempo foi algo com que me identifiquei, aquele sentimento de ver a pessoa a sofrer e não poder fazer nada por ela, o sentimento de saudade. Foi muito bom ter assistido à conferência porque nos obriga a pensar nas coisas uma segunda vez, obriga-nos a pensar no sentido da vida e no papel que cada pessoa ocupa nela. Carolina Gonçalves
ram convictas, esperançosas, sábias… Naqueles minutos em que estivemos sentados a ouvir, ninguém ficou indiferente! Viajámos nas nossas lembranças – boas e más, consoante o que nos era transmitido –, fomos levados a refletir profundamente e, consequentemente, assaltados por várias emoções em catadupa […] O livro não só tinha o propósito de homenagear a tia e eternizá-la, do modo que só a escrita o pode fazer, como também a “missão” de apoiar e acompanhar aqueles que, tal como o autor, passaram (estão presentemente a passar ou irão) por uma situação semelhante, e tão desafiadora.
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aquela palestra, fomos mais do que um auditório e um orador. Fomos pessoas. Partilhámos vivências pessoais, escutámos colegas e professores, chorámos, consolámo-nos. Estivemos naquele espaço tão comum, onde nos debruçámos nas nossas memórias mais tristes e difíceis, frente a frente com pessoas com as quais nunca tínhamos falado anteriormente. Aprendemos. Aprendemos que não estamos sozinhos e que não somos os únicos a sofrer. Aprendemos que há um significado para a dor e também uma solução. Aprendemos que o Amor é a maior de todas as forças, transpondo, até mesmo, os limites da nossa efémera condição humana.
Naquele dia, nós conhecemos, não só o André ou o tio Jorge, mas também conhecemos a tia Guida. Conhecemola, apesar de ela já cá não estar. Mas, a verdade, é que está. E aprender isso foi maravilhoso e é algo que guardarei sempre para o resto da minha vida. No final, fomos para casa mais fortes, com mais amor por quem cá está e por aqueles que não ficaram. Percebemos que o mundo ou a vida não acabam aqui, a menos que o permitamos. As pessoas ultrapassam a sua condição e existência física e começam a viver em memórias, ensinamentos, e no coração de quem os ama. Ama, no presente, pois o amor não morre. Nem o amor, nem quem é amado. Mariana Nunes
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essa manhã, fui relembrada dos momentos maus e difíceis pelo quais passei na minha vida, tal como muitos outros colegas e amigos meus. Não estou a dizer que foi um momento mau, foi um momento estranhamente triste e confortável ao mesmo tempo. Digo isto, porque, apesar de tudo o que me aconteceu de mau me passar pela cabeça, eu sabia que não estava sozinha. Todos os outros também tinham passado por situações semelhantes. Eu sentia -me compreendida. Estes momentos, em que nos libertamos e deixamos os outros veremnos e perceberem pelo que estamos a passar, são raros, no entanto, essenciais. Naquela hora senti-me ligada a todos, principalmente ao autor, pois ele passou pelo que eu passei (não em relação ao cancro, mas em relação ao sofrimento de ver alguém próximo de nós passar por uma experiência tão dolorosa). Todos no mundo querem sentir que são compreendidos e que não estão sozinhos. Esta foi uma das razões pelo qual eu comprei o livro. Eu queria ler algo com que me identificasse.
Mafalda Ribeiro O marido da tia Guida, que estava presente e, por vezes, intervinha para complementar o discurso do sobrinho, que tão bem falou, agradeceu-nos dizendo: “os sentimentos que vimos aqui despertados não nos fizeram só o dia, como o mês”; demonstrando que foi uma manhã bem emocionante e especial para todos. Isabel Ramires
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apresentação emocionou-me. A vida de tio (quase pai) e sobrinho que me foram partilhadas por André são muito particulares. A verdade é que me identifico com a sua história, apesar de ser de uma maneira menos dolorosa. Gonçalo Fernandes
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efinitivamente, esta palestra foi dos momentos mais marcantes e emocionantes que vivi nas últimas semanas. Inicialmente, foi vivenciado com calma e, à medida que decorria, fui-me identificando cada vez mais com o autor, talvez pelo facto de ter vivido uma história semelhante. Acabei por ficar muito emocionada e, por momentos, foi como se tivesse voltado a viver tudo outra vez, o que foi uma situação um pouco difícil, mas que acabou por me mostrar outras formas de lidar com essas situações. Penso que foi uma boa experiência. Confesso que, no início, estava a espera de algo mais aborrecido, o que acabou por não acontecer. Penso que todos se sentiram envolvidos nessa história e, de facto, foi muito interessante. Fredimila da Silva
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ste livro fala-nos acerca do amor de um sobrinho pela sua tia e do quão difícil foi para ele despedir-se dela, após lhe diagnosticarem cancro. […] Quando soubemos sobre o que era a apresentação, eu pensei: “Mais um livro sobre cancro…”. De facto, este assunto tem sido um tema muito utilizado na literatura atual, o que é normal, considerando que cada vez mais pessoas sofrem desta doença. Por esta razão, pensei que, apesar de algumas pessoas ficarem comovidas, a maioria não ficaria, mesmo que tivessem experiências semelhantes à do escritor. Isto não se verificou. Na realidade, eu era uma ilha no meio de um mar de lágrimas. Ele conseguiu ligar-se ao auditório de uma forma extraordinária. As pessoas conseguiram reviver as suas próprias experiências através da história do André. Penso que foi isso que tornou esta apresentação diferente, a capacidade de fazer as pessoas reviver as suas memórias, por um lado esquecidas, por outro ainda tão vivas. Joana Fernandes
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livro em si pareceu-me bastante interessante, é uma excelente ferramenta que pode ajudar as pessoas a lidar com a doença do cancro, quer sejam elas que tenham a doença ou as pessoas que elas amam, e que pode prepará-las também para outro tipo de situações semelhantes, que provocam uma montanha-russa de sentimentos e emoções, e que infelizmente nem sempre terminam da maneira que desejamos. Durante o decorrer da apresentação, foi fácil perceber que muitas das pessoas presentes sentiam realmente o que era esta doença, provavelmente por já terem lidado ou estarem atualmente a lidar com ela, podendo estar a afetar os seus familiares ou amigos, sendo que tiveram de se ausentar por uns minutos para se poderem recompor. Para finalizar, quero dizer que a apresentação correu bastante bem, não foi apenas uma apresentação de um livro, mas também um momento de partilha e de aprendizagem para todos. RicardoPinto
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apresentação emocionou-me. A vida de tio (quase pai) e sobrinho que foram partilhadas por André são muito particulares. A verdade é que me identifico com a sua história, apesar de ser de uma maneira menos dolorosa. Gonçalo Fernandes
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o momento em que começou a falar, com a sua calma e doce voz, conquistou a atenção de toda a plateia. Todos bebíamos as suas palavras e todos nos emocionámos com a sua história. Tal era a emoção que, a meio da palestra, muita gente, com lágrimas nos olhos e a soluçar, teve de sair durante um pouco para se poder recompor. Toda a audiência partilhou a sua dor – tanto alunos, como professores (e, inclusivamente, eu mesma).[…] O tio Jorge, inclusivamente, fez algumas intervenções durante a palestra e partilhou também alguns momentos. Toda a gente gostou dele. Quer dizer, foi impossível não gostar dele! Eu só pensava: “O André tem uma sorte enorme em ter um tio assim, mas ele bem merece! Também quero um tio Jorge para mim!”. Tanto o tio Jorge como o André são simpaticíssimos e pessoas super simples. O André, inclusive, disse-nos que ficaria chateado se o tratássemos por “você”; foi logo “tratem-me por ‘tu’ por favor!”. Acho que não houve ninguém que não gostasse. Melhor palestra era impossível!
história da tia Guida fez-me ver o quão transitório é o ser humano, o quão efémero é o tempo que temos na Terra, e que, de certa forma, não o aproveitamos tão bem quanto queríamos ou não demos valor àquilo que deveríamos dar. A ideia de que o nosso fim está para breve coloca tudo aquilo que vemos e que temos noutra perspetiva, alterando por completo as nossas prioridades, revelando aquilo que realmente importa no fim de contas: aqueles que mais amamos. Esta história também é um grande exemplo de coragem, de determinação e que os grandes nunca serão esquecidos. Estarmos numa situação como aquela ou semelhante requer uma grande dose de coragem e de determinação para superar os obstáculos. Mesmo não tendo sido curada do cancro, mesmo não tendo superado esse obstáculo, a tia Guida lutou e superou a barreira dos 3 meses de vida. A garra com que se agarrou à vida é louvável e mostrou a todos que somos capazes de superar até o cenário mais negro das nossas vidas se acreditarmos que conseguimos. A tia Guida não venceu a sua batalha, mas decerto o seu exemplo ajudará muitos outros nas suas próprias batalhas.
Catarina Alencar
Raquel Domingues
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stou convicto de que as palavras de André tocaram todos os ouvintes, quer aqueles que tiveram experiências relacionadas com esta doença quer os que não. Toda a plateia, formada maioritariamente por alunos de secundário, ficou em silêncio ao ouvir esta história, mostrando que todos estavam cientes da importância do assunto a ser apresentado. A partilha de André foi definitivamente um passo de libertação para mim e para outros ouvintes, na medida em que trouxe ao de cima sentimentos trancados dentro de nós que estão melhor fora. Não falo só daqueles que choraram e dei-
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xaram transparecer as suas emoções, mas de todos os que se sentiram mais aliviados depois de escutarem esta fantástica partilha. Resumindo, é um livro que eu aconselho a ler e uma palestra a que, caso tenham oportunidade, devem definitivamente assistir e escutar. Tia Guida é um livro fantástico, cheio de vida, que faz com que aqueles que passaram pelo mesmo se sintam compreendidos e não se sintam sós. Como o próprio autor disse, este livro não é para aqueles que têm cancro, mas para aqueles que estão do lado de fora, para aqueles que ficam quando a doença vence, é sobretudo um livro de partilha para nos podermos curar. João Prata
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biblioteca da nossa escola organizou, a seguir ao Carvnaval, uma semana dedicada à leitura, durante a qual vários autores apresentaram os seus livros. Um deles, André Fernandes, falou-nos sobre a sua obra Tia Guida. Um livro que relata a sua experiência pessoal com o cancro. Não só a doença, mas também os sentimentos que esta puxa, as memórias que traz de volta, as memórias que faz perder. E a morte. E a vida. E a importância dos momentos com aqueles que são tão importantes para nós, aqueles sem os quais nos custa viver. Foi numa sessão muito emocional e pessoal. Posso relatar que André Fernandes e o seu tio Jorge, marido da tia Guida, nos levaram numa reflexão profunda e que nos fez rever a nossa atitude em relação à preservação dos anos, dos dias e dos segundos até. Para finalizar, posso dizer que este foi um momento importante na história da nossa escola, pois aproximou cada um dos espetadores aos restantes. Cada história se relacionou, cada sentimento se integrou e se revelou. Foi, portanto, uma atividade bastante pertinente e, de acordo com a opinião geral da audiência, a repetir. Rita Atalaia
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e todos os talentosos escritores que passaram pela nossa escola, o que mais me marcou foi André Fernandes, que escreveu Tia Guida com todo o seu coração, onde
relata a luta da sua ‘mãe de amor’, mas também a luta de todos o que tiveram envolvidos neste processo. […] A sua apresentação emocionou todos os espectadores, principalmente o facto de conseguir falar deste processo e da morte de forma clara e sem complexos. Referiu a reação que teve quando soube da notícia e sobretudo da maneira como ele e o seu tio lidaram com a doença durante e após esta ter levado a sua tia para longe deles. Salientou também que o mais importante nestes momentos é viver com intensidade todos os momentos, pois aqueles podem ser os últimos e a vida é feita de pequenas coisas. […] Poderá parecer daqueles livros melancólicos em que a doença é um tabu e o sentimento principal é a tristeza e existe um medo enorme em apenas dizer a palavra CANCRO, mas André Fernandes conseguiu transformar a dura e longa batalha numa menos triste, tentando sempre passar uma mensagem positiva de esperança à sua tia, não falando concretamente no desfecho, deixando espaço para cada um refletir. Inês Pontes
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m primeiro lugar, queria apenas referir que acho muito interessantes estas apresentações a que tivemos oportunidade de assistir durante a Semana da Leitura, pois dão-nos a oportunidade de conhecer novos autores e as suas obras.
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urante a apresentação do André, notou-se que algumas pessoas estavam mais sensíveis que outras em relação ao que estava a ser contado. Penso que quem ficou afetado não foi tanto pela tia Guida, pois nós não tínhamos uma relação com ela, mas sim por alguém na sua vida que passou ou está a passar por algo parecido. Atualmente, o cancro é algo que afeta muita gente, assim como outras doenças deste tipo. Pessoalmente, ouvir a apresentação do André deu-me algum medo, devido ao desfecho da história; no entanto, todos nós temos este desfecho, apenas tentamos esquecê-lo e afastá-lo do nosso pensamento o mais possível. Digo que me deu medo, pois, não há muito tempo, descobriu-se um caso de cancro na minha família e, obviamente, é algo de que nós nunca estamos à espera e algo que nos leva a pensar neste desfecho. Como evitamos pensar no fim, temos também, por outro lado, esperança de que tudo se resolva com uma operação ou algo parecido e que o problema desapareça. A forma como o André falou da tia Guida e da maneira como ultrapassou isto acho que dá força a toda a gente que também precisa de ultrapassar essa dificuldade ou que tem alguém na sua vida que está doente, pois falou com uma grande naturalidade. A partilha final das vivências que cada um dos presentes quis contar também foi muito interessante, pois penso que nos fez sentir que estamos todos juntos. Joana Henriques
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ma história são pessoas num lugar por algum tempo. As margens da página, como o silêncio, estabelecem limites certos para que um conto não se confunda com o que não lhe pertence. Pode contar-se uma história enchendo uma caixa vazia ou desenhando paredes à volta de gente. Esta é uma história de portas adentro. Tudo se passa numa povoação encostada ao mar a alguns quilómetros de uma cidade média. De Inverno vivem ali pouco mais de dois mil habitantes, entre pescadores, gente pobre, famílias fugidas da urbe e alguns homens estranhos, apaixonados pelo mar ou desiludidos do resto. […]
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odo o segundo andar é ocupado por uma única família. Uma família quadrangular de pai, mãe, filho e filha. Bernardino, casado com Manuela, pais do Frederico e da Joana.
Bernardino trabalha num banco como subgerente. Espera ainda chegar a gerente antes da idade da reforma e talvez o consiga. Casou-se tarde com Manuela, depois da guerra, depois da universidade, depois de alguns enganos. Bernardino gosta de filmes de cowboys, de cozido à portuguesa, de whisky de malte e de olhar para o mar durante muito tempo. Não é o tipo de homem que questione a sua felicidade e por isso não tem respostas. Depois do almoço, levou os sogros à terra e, ao voltar, sentou-se no sofá para dormir em frente da televisão. Os intervalos de publicidade sobressaltam-lhe o sono e enchem-lhe os sonhos de música alegre e vozes histéricas. Manuela está na cozinha. É uma mulher bonita com rugas nos sítios certos. É doze anos mais nova do que o marido e dá aulas de Inglês numa escola secundária. Manuela pergunta-se por vezes se é feliz e habituou-se a responder com um sim. Tem dois filhos que ama e um marido que respeita e em quem arrumou uma necessidade de solidez que lhe vem da juventude. Quando era rapariga e as amigas falavam do que queriam ser, Manuela ficava calada e a pensar em branco. Mais tarde, ao lembrar-se das conversas, chorava no quarto sem saber porquê. Com a idade, o choro foi-se tornando mais frequente e chegava também pela manhã, sem que tivesse de recordar conversas. Quando conheceu Bernardino, deixou de chorar e poucos meses depois casou-se com ele. Bernardino e Manuela vivem pouco e não se importam. Os seus dias são só como dias, uns de trabalho, outros de pequenos passeios, compras no centro comercial, cinema duas vezes por ano, dias assim. Às vezes fazem amor, não muitas. É sempre ele quem começa, quando bebe um pouco mais ou depois de um filme atrevido, quando ela estreia um vestido curto e ele se lembra de repente de que é um homem e ela uma mulher. Bernardino adormece logo a seguir e Manuela fica feliz acordada. Frederico tem oito anos e fala pouco. Passa horas sozinho com os brinquedos ou a desenhar num caderno. Gosta de fazer cavalos e homens com espadas. mas nunca os junta. Uns são desenhos de guerra, outros não. Frederico vive num mundo próprio, como se desenhasse para dentro tudo o que vê: os pais, a irmã, a professora, os colegas da escola, os pássaros no céu, as nuvens, o mar. São traços feitos na cabeça e coloridos de olhos fechados. Depois inventa-lhes histórias que às vezes acontecem.
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Quando há surpresas na vida de Frederico, coisas grandes que não sabe entender, fica confuso e sente qualquer coisa a arder por dentro, uma fúria de ar quente que cresce até lhe levar a razão. Os pais dizem que é dos nervos, que é muito sensível, mas ele sabe que a culpa é das histórias, porque foram por onde não deviam ter ido. A irmã costuma troçar dele, chama-lhe nomes e diz-lhe que é maluco, tenta até provocálo para o ver fora de si e se rir ainda mais. Frederico conhece-a bem e, nas suas histórias, ela faz de má e morre sempre antes do final. Joana não é má, mas é adolescente. Tem quinze anos e mamas que crescem. De inverno odeia viver ali, porque as ruas estão vazias, porque não vê os amigos, porque o vento lhe desarruma os cabelos. Joana estuda vagamente para uma carreira na saúde, quer ser médica mas contenta-se com a ideia de vir a ser enfermeira. Os seus amigos vivem na cidade, ela fala com eles durante horas ao telefone e pela Internet e, quando os pais batem à porta, abre o processador de texto e finge trabalhar. Tem um colega que também vive na praia, é um rapaz estranho que evita sempre que pode, mas que é bom aluno e, quando se aproximam os testes, Joana vai estudar com ele e partilham apontamentos. Joana já deu beijos pequenos em rapazes e raparigas, mas nunca teve um namorado.
desporto. As senhoras travam amizades através dos filhos que brincam juntos, da renda de muitas horas e da maledicência cúmplice, excitada por algum chapéu extravagante ou uma saia demasiado curta. Os equilíbrios são estabelecidos ainda antes do jantar, reconhecem-se as filiações políticas e as afinidades de classe. Alguns grupos restritos permanecem à margem — os franceses, os andaluzes, os businessmen, os militares e as senhoras sem companhia (mulheres que aguardam os maridos, viúvas e doentes crónicas). Ao segundo dia, já os hóspedes se dirigem cegos para as mesmas mesas, cumprimentam-se pelo nome e dão início aos gracejos que hão de manter durante toda a estadia. É também por essa altura que surgem as alcunhas e os petit noms. Durante a noite chegam os que não querem ser vistos, e deles as melhores gorjetas. Vêm sempre escondidos pelas golas levantadas, os chapéus enterrados até às orelhas ou os lenços abraçando o rosto até à altura dos olhos. Anunciam-se por nomes rápidos e tantas vezes falsos, têm pressa nos gestos e na voz, uma nota pronta, e seguem para os quartos com a pouquíssima bagagem que transportam. São homens que fogem de alguma coisa ou de alguém, de olhos acesos como se ardessem. Aceitam qualquer quarto e não fazem perguntas. À meia-noite arquivam-se as fichas de entrada, tranca-se a porta e prepara-se o dia que há-de vir. Em dois anos foram poucos os que chegaram depois dessa hora, mas houve alguns. Quarto 101
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Miguel, recepcionista
Professor Unrat e Fräulein Rosa Fröhlich
lguns logo pela manhã cedo, quase sempre os mais velhos ou famílias com crianças. Preenchem a ficha com vagar e vão fazendo perguntas. Depois sobem aos quartos e demoram-se em vistorias, sobretudo os alemães e os ingleses que chegam ao ponto de compilar uma lista com tudo o que não está conforme: a bacia lascada. o soalho gasto junto à porta, o espelho baço, a cama que range, a porta do armário ligeiramente empenada, os toalhões de banho puídos, o papel de parede descolado no canto. Alguns pedem que lhes seja reduzida a diária, nós dizemos que vamos consultar o patrão, mas não o fazemos. Os hóspedes esquecem em poucos dias e a vida prossegue no hotel.
Fuma caminhando em círculos pelo quarto, para de vez em quando, olha para a mulher que dorme, volta a caminhar e a fumar até o morrão lhe queimar os dedos desatentos. Acende outro cigarro, volta a olhar para a mulher, volta a caminhar.
Os madrugadores apaziguam-se com o almoço, tomam um café e um brandy no foyer e vão fumando e espreitando por cima do jornal quem vai entrando. Durante a tarde chegam os casais recém-casados, os viúvos, algumas famílias ricas do Norte, os políticos e diplomatas. São de outra estirpe, rapidamente depositam a bagagem no quarto, tomam ou não um duche e descem para um refresco ou um passeio pelos jardins. Os homens vão-se entendendo por olhares, oferecem cigarros, trocam convites para o bridge e comentam a política e o
A pulseira de pérolas brilha no pulso fino, brilha apesar da hora crepuscular. Gastou as suas últimas economias nesta viagem absurda a Portugal, só porque um conhecido actor de music-hall proclamou maravilhas nas páginas de um jornal: O clima, o glamour, uma atmosfera romântica que só o Sul da Europa soube preservar. A pulseira de pérolas autênticas (dessas que brilham mesmo no escuro) custar-lhe-ia pelo menos tanto quanto a viagem, talvez mais ainda. E estaca, lança o cigarro pela janela, acende outro, senta-se numa cadeira. Os pés nus da mulher, as pernas brancas até à fimbria do vestido, um ligeiríssimo tremor provocado pelo ar fresco ou por um sonho que ele nunca irá conhecer. Discutiram, ele discutiu, ela limitou-se a rir e a fazer-lhe festas na barba, o tom de troça enquanto lhe soprava nomes carinhosos em francês, a mão a afagar-lhe o peito e a raiva contida, desviada com o sangue para outras paragens. As longas unhas pintadas de um vermelho escuro, feitas para agarrar um homem e para o queimar. Os dedos esguios e a maldita pulseira em brilhos excessivos. Semana da Leitura 2016
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