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Apresentação
Um dos temas mais tratados pelos jornalistas franceses é o da possível restauração monárquica. Conscientes da oposição que os Estados Unidos não deixariam de manifestar perante uma tentativa de derrubar o jovem regime republicano, raros são os observadores que se declaram abertamente em favor de um regresso do antigo regime. Entre eles, pode-se destacar Le Figaro e Le Gaulois. O primeiro, entrevista um membro da colónia brasileira em Paris e insere também um longo artigo apologético sobre a ex-família reinante, exilada em França; o segundo, que vai à residência dos condes de Eu, faz o mesmo com o duque de Nemours e com um velho diplomata brasileiro. Os dois quotidianos parisienses, que tomam os seus desejos por realidades, falam do filho de D. Isabel, herdeira do trono, como se já fosse imperador! Um outro jornal, o católico La Liberté, que, no entanto, censura duramente a marinha por ter causado enormes sofrimentos ao povo brasileiro, continua a esperar o regresso da monarquia.
Le Journal de dia 20 de novembro faz uma análise muito concreta da situação no que diz respeito ao regresso dos Bragança. Na sua opinião, uma restauração iria provocar uma outra guerra civil e o eventual príncipe podia ter o mesmo fim que Maximiliano no México em junho de 18672. Mesmo o conservador Journal des Débats, acaba por reconhecer que o país não está maduro para o restabelecimento dos antigos governantes. Acrescentamos que a proclamação, por parte de Custódio de Melo em dezembro de 1893, do jovem
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2 No entanto, é o mesmo diário que publica a notícia, desmentida 24 horas depois, da partida do jovem príncipe para o Brasil.
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D. Pedro imperador do Brasil, é vista sobretudo como uma tentativa de angariar apoios.
São sobretudo Le Radicale La Justice, jornais de esquerda, que defendem com afinco o executivo do Rio de Janeiro. Sublinham que os rebeldes estão em sérias dificuldades, estigmatizam a revolução no Rio Grande do Sul, opõem-se à atribuição do estatuto de beligerância aos insurretos, não acreditam numa possível restauração monárquica e acusam algumas fontes de divulgar falsas informações para denegrir Floriano Peixoto. O primeiro chega a afirmar que são os Bragança e a Alemanha que estão por trás da revolta da marinha brasileira; o segundo, publica um artigo muito lisonjeiro sobre o Marechal de Ferro que, segundo La Justice, até obteve um doutoramento em ciências! À semelhança do que acontece com os periódicos americanos e britânicos, alguns jornais parisienses manifestam uma atitude crítica para ambos os contendentes. Esta luta, que prejudica a economia do país, afirmam esses jornais, continua sem que haja nenhum resultado concreto. Trata-se de um conflito entre dois ambiciosos que, no entanto, não se expõem muito: é por isso que parece ilusório prever um fim a breve prazo desta guerra intestina. Le Temps— que não dá razão a nenhuma das duas fações — formula um desejo que pouco tem a ver com a política brasileira dos finais do século XIX: o surgir de uma terceira força que possa fazer prevalecer o interesse nacional.
Durante a III República francesa, período de lutas políticas muito renhidas, com a política estrangeira muitas vezes utilizada nos debates de política interna, a guerra civil brasileira não podia deixar de suscitar algumas
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polémicas jornalísticas. A 12 de janeiro de 1894, o Journal de Débats articula todo o seu editorial a partir de uma falsa notícia, a suposta demissão de Floriano Peixoto. Depois de ter implacavelmente atacado o detestável regime militar, vangloria-se mesmo de ter sido o único órgão de informação na Europa a ter previsto tal desfecho. Este artigo provoca a resposta de Le Radicalque, por sua vez, sublinha o facto que só ele desmentiu a notícia da saída da cena política do chefe do governo brasileiro. Ataca a seguir os seus colegas do Journal de Débats, mas também os de Le Figaroe de Le Matin, por terem acreditado, sem nenhum espírito crítico, nas demissões do Marechal de Ferro.
Outro exemplo. Em abril de 1894, cinco semanas depois da derrota e da fuga dos revoltosos na baía da capital carioca, o mesmo jornal de esquerda ataca ironicamente o Journal des Débatspor este já não escrever nada sobre o Brasil e, sobretudo, por ter sempre respaldado os insurretos, tendo definido a frota de Peixoto como puramente teórica comparando-a com a verdadeira de Custódio de Melo e de Saldanha da Gama. Na realidade, nota satisfeito Le Radical, esta «revolução» que tinha do seu lado antigos ministros e uma classe dirigente das mais inteligentes do mundo, foi derrotada e os poderosos navios só serviram a transportar fugitivos!
A capitulação do chefe da revolta perante o almirante Benham a 29 de janeiro de 1894 desencadeia uma série de comentários na imprensa parisiense. A primeira reação é de surpresa e quase de incredulidade. O Journal desDébats afirma que deve ter havido algo de grave para que da Gama agisse dessa maneira, prejudicando a vitória e criando um novo e poderoso inimigo. O
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monarquista Le Gaulois fica também surpreendido e tem a impressão que os dois almirantes (da Gama e Benham) tenham combinado tudo de antemão. Estes dois jornais atacam os Estados Unidos que intervêm num conflito que não lhes diz respeito, apesar da doutrina Monroe. Na sua opinião, há dois motivos na origem de tal atitude: por um lado, a permanência de Peixoto no poder é uma garantia que o tratado comercial entre os dois países continue em vigor; por outro lado, uma derrota da marinha rebelde seria um golpe fatal para os paladinos da restauração monárquica.
Os jornais de esquerda falam de simulacro de combate e, tal como Le Gaulois, de uma espécie de plano elaborado entre os dois comandantes, para que da Gama, sem nenhuma esperança de triunfo, possa render-se aos americanos, salvando desse modo a sua pele.
Dois outros diários analisam o acontecimento. Le Temps— que descreve o episódio num tom sarcástico como se falasse de uma opereta — não acredita que tenha havido uma rendição por parte do almirante brasileiro, que só reconheceu a superioridade do adversário. Por conseguinte, a guerra continua, realça o jornal, segundo o qual Benham contribuiu para prolongar o conflito, porque impediu os rebeldes de esfomear os apoiantes do vice-presidente! Le Figaro, que também não consegue entender o motivo desta louca decisão do comandante da revolta, espera que este breve confronto tenha pelo menos uma consequência positiva e que possa beneficiar toda a gente, nomeadamente o comércio francês.
Depois de seis meses de conflito, os chefes dos revoltosos fogem abandonando a luta a 12/13 de março de 1894. Para os jornalistas que sempre os
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apoiaram, é um choque, uma pílula amarga, nomeadamente para Le Gaulois — que tem muitas dificuldades em admitir a derrota — mas, sobretudo, para o Journal des Débats.O seu editorialista, que deplora profundamente o desfecho do conflito, justifica a decisão de Saldanha da Gama de abandonar a luta no Rio porque não estava em condições de enfrentar uma frota muito superior. Todavia, o diário parisiense afirma que a luta continua no sul do país e espera que os rebeldes se mantenham unidos para preparar o combate terrestre decisivo. O mesmo jornal revela toda a sua imparcialidade quando afirma que esta vitória governamental não vai alterar nada, sendo o próprio executivo incapaz de tirar proveito deste resultado. Além disso, afirma que se um triunfo dos insurretos teria posto um ponto final à agitação no Brasil, esta vitória de Floriano Peixoto não vai impedir que a guerra civil prossiga em outros pontos do país, o que prejudica, no seu ver, o futuro e os interesses de todos.
Se Le Radicale La Justicese felicitam pela derrota da revolta, Le Figaroe Le Temps dão uma opinião mais matizada. O primeiro publica dois artigos de Georges Héroult, redator de L’Écho do Brésil,expulso do país no outono de 1893. Héroult explica que a vitória de Peixoto— que lamenta porque a marinha é francófila, contrariamente ao exército — é devida à divisão entre os adversários, à rivalidade entre os dois chefes da insurreição e à passividade dos monárquicos brasileiros. Constatando que os Estados Unidos obtiveram no Brasil o que não lhes foi possível no Chile, espera que esta luta lamentável, que continua no Rio Grande do Sul e que faz perder muito dinheiro, nomeadamente ao comércio europeu, acabe.
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