27ª Bienal de São Paulo (2006) - Guia / Guide

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The international enthusiasm over the Bienal de São Paulo during its period of significance was inspired within the general spirit of social experimentation that marked an era of democratic leadership in Brazil. In 1954, as part of the celebrations of the 4th centennial [of the city of São Paulo], the first Bienal offered South America and the world its first retrospective exhibitions of works by artists such as Mondrian, Klee, Munch, Picasso, Marini, and Moore. For a decade, the Bienal established Brazil as a center of free cultural life in South America, exerting an influence on local artists and promoting exchanges of crucial information. When the 1964 military junta began to lead the Bienal and increasing instances of social freedom down the paths of dictatorial repression, Brazilian artists responded by working more directly with environmental contexts. In 1968, General Montana excluded some of these works from a set of Brazilian art pieces destined for the Paris Biennale, beginning a campaign of total censorship that now accounts for the imprisonment of many individuals. The most recent incident, last February, involved the arrest of thirty young architects who had dared pose a social solution for Brazil’s urban problems. It is public knowledge that freedom of expression no longer exists in Brazil, which is to say that the Bienal and free communications in this country have been sentenced to death. Given that all institutions and individuals are under the dictatorship, it would seem gratuitously foolish to think about organizing an “independent” exhibition there, in September. Instead of advocating the claim of the free exchange of public information, the works to be shown in São Paulo shamefully will lend importance to this totalitarian government and their allies. For their greater part, those artists that Jorge Glusberg has invited to take part in the Bienal de São Paulo have already announced their intention to withdraw their work, thus upholding the 1970 boycott. This is an expression of support to those who have risked or even sacrificed their lives for Brazil’s liberation, and also their hope for a free alternative to develop in Chile or elsewhere, thus creating a strategic forum in which artists can show their work again in a disencumbered exchange with the peoples of South America. In my contact with concerned artists from Brazil, I realized the importance of taking a stance against the situation over there. I have also taken the initiative to send excerpts of this letter for publication in the political column of Art Forum. Thus far, Carl Andre, Robert Morris, Walter De María, Michael Heizer, Hans Haacke, Mel Bochner, Dan Graham, Richard Serra, Keith Sonnier, Vito Acconci, Lee Jaffe, Christo, Terry Fox, and Les Levine have expressed their intention to not send their work to São Paulo.


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

27a. Bienal de São Paulo : Como Viver Junto : Guia / [editores Lisette Lagnado, Adriano Pedrosa]. — São Paulo : Fundação Bienal, 2006. “7 de outubro a 17 de dezembro de 2006, Pavilhão da Bienal, Parque do Ibirapuera, São Paulo” Ed. Bilíngüe: português/inglês. 1. Arte - Século 21 I. Lagnado, Lisette. II. Pedrosa, Adriano. 06-6627

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Índices para catálogo sistemático: 1. Arte : Século 21

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capa [cover] Guy Tillim Supporters of Jean-Pierre Bemba line the road as he walks to a rally from the airport, Kinshasa, election [Partidários de Jean-Pierre Bemba alinham-se na Estrada, enquanto ele caminha para um rally do aeroporto, Kinshasa] 2006 fotografia [photograph] 81,3 x 123,0 cm ed. 5 cortesia [courtesy] Michael Stevenson Gallery, Cidade do Cabo [Cape Town] contra capa [backcover] Simon Evans Switzerland [Suíça] 2006 técnica mista sobre papel [mixed media on paper] 71,1 x 130,8 cm detalhe [detail] cortesia do artista e [courtesy the artist and] Jack Hanley Gallery, São Francisco orelhas [cover and backcover gatefolds] Facsímile de carta de Gordon Matta-Clark sobre a 11a. Bienal de São Paulo, datada de 19 de maio de 1971 [Facsimile of Gordon Matta Clark’s open letter concerning the 11th Bienal de São Paulo, dated May 19th, 1971] p. 1 e [and] p. 276 Tradução para o inglês da carta de Gordon Matta Clark [English translation of Gordon Matta Clark’s letter] p. 4 Florian Pumhösl Foto de pesquisa para o projeto de filme para a 27a. Bienal [Research photo for the 27th Bienal film project] 2006 câmera Hannes Böck coordenação [coordination] Camila Sposati p. 6 Tomas Saraceno Flying garden [Jardim voador] 2005 instalação [installation] detalhe [detail] cortesia [courtesy] Galleria Pinksummer, Gênova e [and] Andersen_s Contemporary Art, Copenhague foto Sillani p. 8 Taller Popular de Serigrafía Banderas del movimiento por la jornada laboral de 6 horas [Banners for the 6 hour working shift movement] 2004 pintura sobre tela [painting on canvas] 190 x 255 cm/180 x 275 cm foto Archivo TPS p. 10 Jarbas Lopes Sem título da série Cicloviaérea [Untitled from the series Aerial cycle way] 2001–04 caneta esferográfica sobre papel [ballpoint pen on paper] 31 x 21 cm cortesia [courtesy] A Gentil Carioca, Rio de Janeiro e [and] Millan Antonio, São Paulo foto Marssares p. 12 Francesco Jodice São Paulo city tellers [Contadores de história de São Paulo] 2006 c-print, acrílico, alumínio [c-print, plexiglass, aluminum] 180 x 240 cm cortesia [courtesy] Galería Marta Cervera, Madri

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27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA [GUIDE]



Fundação Bienal de São Paulo

Francisco Matarazzo Sobrinho (1898 –1977) Presidente Perpétuo [Perpetual President] Conselho de Honra [Honorary Board] Oscar P. Landmann Presidente [President] Membros do Conselho de Honra constituído por Ex-Presidentes [Members of the Honorary Board, composed of ex-Presidents] Alex Periscinoto Carlos Bratke Celso Neves † Edemar Cid Ferreira Jorge Eduardo Stockler Jorge Wilheim Julio Landmann Luiz Diederichsen Villares Luiz Fernando Rodrigues Alves † Maria Rodrigues Alves † Oscar P. Landmann Roberto Muylaert Conselho de Administração [Management Board] Miguel Alves Pereira Presidente [President] Elizabeth Machado Vice-Presidente [Vice-President] Membros Vitalícios [Lifetime Members] Benedito José Soares de Mello Pati Ernst Guenther Lipkau Giannandrea Matarazzo Gilberto Chateaubriand Hélène Matarazzo João de Scantimburgo Jorge Wilheim Manoel Ferraz Whitaker Salles Oscar P. Landmann Pedro Franco Piva Roberto Duailibi Roberto Pinto de Souza Rubens José Mattos Cunha Lima Sábato Antonio Magaldi Sebastião de Almeida Prado Sampaio

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Membros Não Vitalícios [Members] Adolpho Leirner Alex Periscinoto Aluízio Rebello de Araujo Álvaro Augusto Vidigal Andrea Sandro Calabi Angelo Andrea Matarazzo Antonio Bias Bueno Guillon Antonio Henrique Cunha Bueno Arnoldo Wald Filho Áureo Bonilha Beatriz Pimenta Camargo Beno Suchodolski Carlos Alberto Frederico Carlos Bratke Carlos Francisco Bandeira Lins Carlos Ramos Stroppa Cesar Giobbi David Feffer Decio Tozzi Eleonora Mendes Caldeira Elizabeth Machado Emanoel Alves de Araujo Evelyn Ioschpe Fábio Magalhães Gian Carlo Gasperini Jens Olesen Julio Landmann Manoel Francisco Pires da Costa Marcos Arbaitman Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa Miguel Alves Pereira Pedro Aranha Corrêa do Lago Pedro Cury Pedro Paulo de Sena Madureira René Parrini Ricardo Renzo Brentani Roberto Muylaert Rubens Murillo Marques Thomaz Farkas Wolfgang Sauer

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Fundação Bienal de São Paulo

Diretoria Executiva [Executive Board] Presidente [President] 1a. Vice-Presidente [1st. Vice-President] Diretores [Directors]

Diretores Representantes [Representative Directors] Ministro das Relações Exteriores [Minister of Foreign Affairs] Ministro da Cultura [Minister of Culture] Secretário de Estado da Cultura [State Secretary of Culture] Secretário Municipal de Cultura [City Secretary of Culture]

Manoel Francisco Pires da Costa Eleonora Mendes Caldeira Carlos Ramos Stroppa Maria Leonor de Castro Bastos

Embaixador Celso Amorim Gilberto Gil João Batista de Andrade Carlos Augusto Calil



27a. BIENAL DE SÃO PAULO COMO VIVER JUNTO [HOW TO LIVE TOGETHER]

curadora geral [chief curator] co-curadores [co-curators]

curador convidado [guest curator]

Lisette Lagnado Adriano Pedrosa Cristina Freire José Roca Rosa Martínez Jochen Volz

7 de outubro a 17 de dezembro de 2006



Apresentação [Foreword] Gilberto Gil Ministro da Cultura

O individual e o coletivo sempre estiveram próximos nas questões da arte. Reunir as duas perspectivas em uma Bienal representa um sopro oportuno para o atual momento histórico que transcende o estético. Faz do viver a arte maior da convivência. A primeira novidade da 27a. Bienal de São Paulo, intitulada “Como viver junto”, é o fim do segmento tradicional das representações nacionais. Essa mudança exprime a sua atualização e o seu vigor num mundo globalizado, onde a arte rompe fronteiras e continua a propor uma leitura crítica dos acontecimentos contemporâneos. Nada é mais atual do que discutir o Viver-junto — para usar um termo de Roland Barthes, inspiração do título desta 27a. Bienal — sobretudo num país com tamanha diversidade e dimensão do Brasil. Esta temática reforça o debate acerca do multiculturalismo/interculturalismo e reflete o seu significado em termos da convivência com o outro e do respeito às diferenças. Nesse sentido, o Brasil tem um papel singular no mundo. Sua grandeza econômica, cultural e ecológica se concretiza como base de sustentação de um projeto pacifista, hoje amplamente representado nas expressões artísticas e culturais do país. Porque uma cultura forte se consolida com integração. Porque não há cidadania sem uma escuta cultural das diferenças. Porque, hoje, o grande desafio não é mais a tolerância e a aceitação, mas o compartilhamento e a convivência. O Ministério da Cultura parabeniza a Fundação Bienal pela realização de mais uma edição deste evento. Ressaltamos, especialmente, o engajamento nas questões sociais e políticas propostas pelo conceito curatorial que muito sintoniza com as nossas políticas públicas. Pela cultura estamos comprometidos com mudanças no conjunto da sociedade e na atitude individual. Para que o viver junto possa significar realmente um conviver solidário pela arte de bem viver e, principalmente, para que mais gente possa ser sujeito da própria história, com condições e oportunidades de expressar sua cultura e sua arte. Mudando a vida de todos e, portanto, de cada um.

Individuality and collectiveness have always been essential issues for art. To bring together these two perspectives in a single edition of the Bienal is like a breath of fresh air for the historic moment we are experiencing, which transcends aesthetics. It makes living the greater art of living together. The first novelty of the 27th Bienal, titled “How to live together”, is the end of the traditional segment of the national representations. This change evinces the Bienal’s upto-datedness and its vigor in a globalized world, where art breaks through borders and continues to propose a critical interpretation of contemporary events. Nothing is more current than to discuss Living-together — to use an expression by Roland Barthes’s, the inspiring figure of this 27th Bienal — especially in such a diverse and vast nation as Brazil. This theme reaffirms the debate on multiculturalism/interculturalism and reflects its meaning in terms of living together with the other, and the respect for differences. In this sense, Brazil has a singular role in the world. Its economic, cultural and ecological greatness provides a real basis of support for a pacifist project, today broadly represented in the country’s artistic and cultural expressions. For a strong culture consolidates itself through integration. For there is no citizenship without a cultural listening to differences. For, today, the great challenge is not to tolerate or accept, but to share and to live together. The Ministry of Culture congratulates the Fundação Bienal on the realization of another edition of the Bienal. We would like to emphasize most especially the engagement in the political and social issues proposed by the curatorial concept, which is also shared by our public policies. Through culture we are committed to changes both in society and in individual attitude. So that living together can really mean an understanding sociability through the art of living well, and mainly so that more people are able to take history into their own hands, with the conditions and opportunity to express their culture and their art. Changing the life of all, and thus changing the life of every one.



Apresentação [Foreword] Manoel Francisco Pires da Costa Fundação Bienal de São Paulo, Presidente

O compromisso da Fundação Bienal de São Paulo de disseminar o conhecimento é mais uma vez reafirmado com a edição desta obra. O livro, repleto de entrevistas com os artistas participantes da 27a. Bienal de São Paulo, é uma efetiva contribuição para o avanço cultural da sociedade brasileira e transcende o mundo das artes. Os textos são densos, acompanhados de informações sobre as obras e seus autores. Certamente é um trabalho fundamental para os historiadores da arte. A sua realização se deve ao empenho e ao apoio recebido de inúmeras instituições de arte espalhadas pelo mundo. A publicação é mais uma inovação da Fundação Bienal que, já na 26a. mostra, decidiu pela democratização do acesso à arte, com a decisão de não mais cobrar ingresso em seus eventos. O nosso trabalho não seria possível sem as parcerias da Bienal com empresas dos setores privado e público, o entendimento da importância da mostra para a sociedade brasileira pelo diversos governos, e a colaboração decisiva da bancada paulista na Câmara dos Deputados.

The commitment of the Fundação Bienal de São Paulo to disseminate knowledge is reaffirmed once again by the publication of this book. The guide, composed of interviews with the 27th Bienal de São Paulo participating artists, is a true contribution for the cultural progress of Brazilian society and goes beyond the art world. The texts are complex and are followed by information on the artworks and their authors. Most certainly it is a fundamental work for art historians. Its realization is due to the effort and support given by various art institutions all over the world. This publication is another innovation of the Fundação Bienal, which decided on the democratization of access to art by adopting the entrance free of charge as in the 26th edition. Our work would not have been possible without the Bienal’s partners, from both the private and public sectors, coupled with the understanding of the importance of the exhibition for Brazilian society by the various governments, and the decisive collaboration of the São Paulo representatives at the Chamber of Deputies, in Brasília.


27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA [GUIDE] ÍNDICE [CONTENTS]

16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 90 92 94

Introdução [introduction] Lisette Lagnado Adel Abdessemed Ahlam Shibli Akram Zaatari Alberto Baraya Ana Mendieta Andrew McLeod Ann Lislegaard Antal Lakner Antoni Miralda Armando Andrade Tudela Atelier Bow-Wow Aya Ben Ron Barbara Visser Bregtje van der Haak Brendon Wilkinson Cao Guimarães Claudia Andujar Cláudia Cristóvão Damián Ortega Dan Graham Detanico & Lain Diango Hernández Didier Faustino Dominique Gonzalez-Foerster Eloisa Cartonera Esra Ersen FASTWURMS Felix Gonzalez-Torres Fernando Ortega Florian Pumhösl Francesco Jodice Gerry Schum Gordon Matta-Clark Goshka Macuga Grönlund/Nisunen Guy Tillim Haegue Yang Héctor Zamora Hélio Melo


96 98 100 102 104 106 108 110 112 114 116 118 120 122 124 126 128 130 132 134 136 138 140 142 144 146 148 150 152 154 156 158 160 162 164 166 168 170 172 174

Ivan Cardoso Jack Smith Jardim Miriam Arte Clube — JAMAC Jane Alexander Jarbas Lopes Jaroslaw Kozlowski Jean-Luc Godard Jeanne Faust João Maria Gusmão + Pedro Paiva Jorge Macchi Juan Araujo Julio Bressane Konono no.1 Kristina Solomoukha Lara Almarcegui Lars Ramberg Laura Lima Lawrence Weiner Len Lye León Ferrari Lida Abdul Long March Project Loulou Cherinet Lu Chunsheng Lucia Koch Mabe Bethônico Marcel Broodthaers Marcellvs L. Marcelo Cidade Marcos Bonisson Marepe María Galindo María Teresa Hincapié Marilá Dardot Mario Navarro Marjetica Potrc ˇ Mark Bradford Martinho Patrício Marwan Rechmaoui Mauro Restiffe

176 178 180 182 184 186 188 190 192 194 196 198 200 202 204 206 208 210 212 214 216 218 220 222 224 226 228 230 232 234 236 238 240 242 244 246 248 250 252

Meschac Gaba Michael Snow e [and] Carl Brown Miki Kratsman Minerva Cuevas Monica Bonvicini Mustafa Maluka Narda Alvarado Nikos Charalambidis Ola Pehrson Pages Paula Trope Pepón Osorio Pieter Hugo Raimond Chaves & Gilda Mantilla Rainer Werner Fassbinder Randa Shaath Renata Lucas Rirkrit Tiravanija Rivane Neuenschwander Roman Ondák Sanghee Song Servet Kocyigit Shaun Gladwell Shimabuku Simon Evans Superflex Susan Turcot Tacita Dean Tadej Pogac ˇar Taller Popular de Serigrafía Thomas Hirschhorn Tomas Saraceno Vangelis Vlahos Virginia de Medeiros Vladimir Arkhipov Wang Youshen Yael Bartana YOUNG-HAE CHANG HEAVY INDUSTRIES Zafos Xagoraris


Introdução [Introduction] Lisette Lagnado

A 27a. Bienal de São Paulo propõe uma abordagem inovadora dentro da tradição da Fundação Bienal, excluindo as chamadas representações nacionais, sem colocar-se sob a legislação da grande máquina geopolítica que rege as decisões dos gabinetes culturais. É uma tendência visível nas últimas edições, que combinavam as indicações dos países com convidados do curador. Mesmo assim, permanecia uma espécie de hierarquia entre o “artista oficial” e o “artista convidado”. A 27a. Bienal olha para cada participação como uma peça fundamental dentro de um projeto coeso, intitulado “Como viver junto”. Com esta mudança, a Bienal ganha autonomia e afirma sua independência institucional, cultural e politicamente. Trata-se de um “evento propositor”. Na expressão de Mário Pedrosa, “O Brasil é um país condenado ao moderno”. Moderno, nesta visada, significa a reinvenção permanente. Para esta tarefa convidei curadores brasileiros e estrangeiros que partilharam comigo cada etapa, desde a afinação conceitual do meu anteprojeto até a discussão da planta museográfica. A assinatura é coletiva e provém de um comitê curatorial: Cristina Freire, Rosa Martínez, José Roca, Adriano Pedrosa e eu. Ainda convidei Jochen Volz para curar o bloco “Marcel Broodthaers”. “Como viver junto” é um título emprestado dos cursos e seminários ministrados por Roland Barthes no Collège de France (1976 – 77); surgiu para amalgamar as questões apresentadas no primeiro esboço teórico que entreguei à Fundação Bienal em 9 de maio de 2005. O conceito geral foi paulatinamente se adensando por meio de discussões acirradas. Só um debate intelectual livre e aberto permite abarcar o dissenso como um dispositivo necessário para o embate entre idéias heterogêneas. Nesse sentido, o título acabou sendo auto-reflexivo para o próprio processo curatorial. Como resposta a um “novo enfoque”, solicitado na carta-convite do presidente Manoel Francisco Pires da Costa, pedimos a todos artistas para preparar projetos inéditos para a mostra, dando singularidade à 27a. Bienal perante a proliferação de exposições internacionais nas quais se verifica uma certa redundância das mesmas obras, e a presença de “suspeitos habituais”. Esta edição aposta em nomes pouco ou nada conhecidos, colocando-os no mesmo patamar que históricocontemporâneos como Broodthaers, Gordon Matta-Clark, Ana Mendieta, Felix Gonzalez-Torres, León Ferrari e Dan Graham. Cada artista exibe mais de um trabalho, permitindo uma compreensão melhor da abrangência de sua obra. O conceito da 27a. Bienal situa-se no cruzamento de duas linhas de pensamento que estão na base do Programa

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Ambiental de Hélio Oiticica: o sentido de “construção”, próprio da experiência neoconcreta brasileira, e um “adeus ao esteticismo”. Na exposição, desenhada em parceria com a arquiteta Marta Bogéa, estas linhas se traduzem em “Projetos construtivos” e “Programas para a vida”. O sentido de construtividade não foi reduzido à mera geometria espacial e formal. Esta vertente, capaz de abarcar vários “ismos”, implica a discussão de qualidade de vida. Operar na dimensão social e dar uma resposta pública aos acontecimentos políticos são características das práticas artísticas contemporâneas. Chega-se a um impasse conhecido: quando o artista coloca seu talento a serviço do ambiente, participando da configuração da vida cotidiana, qual a diferença residual entre arte e vida, representação e realidade? A plataforma desse enorme trabalho contou com um Projeto Educativo, coordenado por Denise Grinspum, capaz de compreender que, num país como o nosso, convidar a população ainda é pouco; é preciso ir até as salas de aula e capacitar professores nas áreas periféricas. A 27a. Bienal foi inaugurada de modo inédito, em janeiro, com um seminário, e não em outubro, com a abertura da mostra. Seis seminários são organizados e compreendidos como uma estratégia para dilatar um evento pontual e tornar pública a discussão de seus conteúdos simbólicos. Além dessa extensão temporal, o programa de Residências Artísticas, coordenado por Marcos Moraes, teve como objetivo conferir uma extensão geográfica ao projeto. Dez artistas estrangeiros vieram confrontar aqui sua “imagem-Brasil”, como diria Hélio Oiticica, mesclando suas experiências com descobertas locais. A matéria-prima do Brasil — o látex de Rio Branco, o açúcar de Recife, a paisagem de São Paulo — aparece nessa troca de vivências. Esta “expansão territorial” pode ser conferida nas obras fora do Pavilhão: no Parque Ibirapuera; nas intervenções urbanas; na comunidade do Jardim Miriam; nas páginas do livro, com edição de Adriano Pedrosa e design gráfico de Rodrigo Cerviño, que acolheram projetos artísticos; na Quinzena de Filmes, realizada no Cine Bombril e no Museu Lasar Segall. Em dezembro, a 27a. Bienal se encerra com a apresentação do grupo Konono no.1 no Auditório Ibirapuera, celebrando as influências da música africana no repertório brasileiro. Quero registrar meus agradecimentos a todos envolvidos na construção, organização e patrocínio da 27a. Bienal, em particular à equipe de produção, e sobretudo aos artistas, sem os quais a Bienal não seria possível.

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The 27th Bienal de São Paulo proposes an innovative ap- Hélio Oiticica’s Environmental Program: the meaning of proach within the tradition of the Fundação Bienal, doing “construction”, particular to the Brazilian neoconcrete exaway with the so-called national representations, attain- perience, and a “farewell to aestheticism”. In the exhibiing freedom from the great geopolitical machine ruling the tion, designed in partnership with architect Marta Bogéa, decisions of the cultural bureaucracy. This has been a vis- these lines are translated into “Constructive projects” and ible trend in the last editions, which combined the countries’ “Programs for life”. The notion of constructivity has not nominations with artists invited by the curator. Still, a cer- been reduced to mere spatial and formal geometry. This aptain hierarchy between the “official artist” and the “invited proach, embracing several “isms”, implies a discussion of artist” remained. The 27th Bienal looks at each participation quality of life. To operate in the social sphere and to give a as a fundamental piece in a cohesive project titled “How to public answer to political events is a feature of contempolive together”. With this shift, the Bienal gains autonomy rary artistic practices. Here we reach a well-known impasse: and affirms its independence institutionally, culturally and when the artist puts his or her talent at the service of the politically. It is a “propositive event”. In Mário Pedrosa’s environment, participating in the configuration of everywords: “Brazil is a country condemned to the modern”. day life, what is the residual difference between art and life, Modern, in this viewpoint, signifies permanent reinvention. representation and reality? The platform of this enormous For this task I have invited foreign and Brazilian curators work was supported by an Educational Project, coordinated with whom I shared every step, from the project’s concep- by Denise Grinspum, which understood that, in a country tual refinement to the discussion of the museographic plans. like ours, merely inviting the public to the exhibition is not The authorship is collective and emerges from the curatori- enough. It is necessary to reach out to classrooms and to caal team: Cristina Freire, Rosa Martínez, José Roca, Adriano pacitate teachers in the periphery. Pedrosa and myself. I have also invited Jochen Volz to cuFor the first time, the 27th Bienal opened in January with rate the “Marcel Broodthaers” section. a seminar, and not in October with the exhibition itself. Six “How to live together” borrows its title from Roland seminars are organized and understood as a strategy to exBarthes’s courses and seminars taught at the Collège de pand an event previously restricted to a few months, and France (1976 – 77), and merges the issues presented in the to provide for a public discussion of its symbolic contents. first theoretical draft which I presented to the Fundação Besides this expansion in time, the program of Artistic Bienal on May 9th, 2005. The general concept was increas- Residencies, coordinated by Marcos Moraes, aimed at lendingly rendered more complex through heated discussions. ing a geographic extension to the project. Ten foreign artists Only a free and open intellectual debate allows and embrac- came to confront their “image-Brazil”, in Oiticica’s words, es dissent as a necessary mechanism for the confrontation of bringing their experiences to local discoveries. Brazil’s raw heterogeneous ideas. In this sense, the title ended up being materials appear in these new experiences — Rio Branco’s self-reflexive for the curatorial process. As a response to a latex, Recife ’s sugar, São Paulo’s cityscape. The territorial “new focus”, requested by the president of the foundation, expansion may be seen in works situated outside the Bienal Manoel Francisco Pires da Costa, in his letter of invitation, Pavilion: in Ibirapuera Park; in urban interventions; in the we asked all artists to prepare new works for the exhibition, Jardim Miriam Community; on the pages of the book, edgiving singularity to the 27th Bienal among the prolifera- ited by Adriano Pedrosa and designed by Rodrigo Cerviño, tion of international exhibitions, where there is a certain which hosted projects by artists; at the Film Fortnight, at redundancy of the same works and the presence of “usual Cine Bombril and at Museu Lasar Segall. In December, the suspects”. This edition proposes new or little-known names, 27th Bienal closes with a concert by Konono no. 1 at the placing them next to historical contemporary figures, such Auditório Ibirapuera, celebrating the influences of African music in the Brazilian repertoire. as Broodthaers, Gordon Matta-Clark, Ana Mendieta, Felix I would like to express my thanks to all involved in the Gonzalez-Torres, León Ferrari and Dan Graham. Each artconstruction, organization and support of the 27th Bienal, ist presents more than one piece, thus allowing for a better in particular our production team, and above all the artists, understanding of the significance of their work. The concept of the 27th Bienal is situated at the cross- without whom the Bienal would not be possible. roads of two lines of thought which are at the basis of


ADEL ABDESSEMED Constantine, Argélia, 1971; vive em [lives in] Paris [courtesy] Galerie Kamel Mennour, Paris

Vou mostrar Wall drawing [Desenho de parede]: nove círculos de arame farpado cortantes como navalhas, que encontramos sobretudo em Guantánamo. O diâmetro de cada círculo corresponde à minha altura (1,72 m). Para mim, o número 9 é a queda… como em meus sonhos. Foi por isso que intitulei Wall drawing; é como a queda do muro… também haverá Bourek, o avião que achatei e enrolei. John Cage, assim como Gerhard Richter, trabalharam com base no conceito do atlas. A idéia é que certos povos vão com o vento: o Oriente… e outros, contra o vento: pensa-se no Ocidente… e no nascimento do avião… [Hou Hanru] Qual é o seu projeto para a 27a. Bienal?

Você utiliza uma linguagem e formas muito diferentes, como o vídeo e as instalações murais, que são quase readymade… Como você estabelece esse vínculo? Você cria uma espécie de mundo inteiro que acaba correspondendo ao espaço? Atualmente estou preparando uma exposi-

ção que se chama Practice zero tolerance [Pratique tolerância zero]. Tento pôr em crise diversos materiais, como a cerâmica, o mármore, o desenho, o vídeo etc… Utilizando todas essas ferramentas, não desejo criar um quebra-cabeça nem uma desconstrução, mas sim questioná-las e confrontálas… pois acho que não estamos num mundo puro e higiênico. Estamos no caos… Com a era global, a aldeia global, estamos no centro de um ciclone… nos afogando… Essa vertigem se traduz na imagem de Schnell [Rápido] (2005)? Schnell redesenha a queda da câmera que joguei de

um helicóptero a 700 metros acima de Berlim. Jogando a câmera, eu quis acabar com a imagem filmográfica e com o vídeo. Por outro lado, um curador me disse que na Romênia a palavra “schnell” evoca os filmes pornográficos alemães do tempo da Guerra Fria.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Schnell [Rápido/Fast] 2005 vídeo cortesia

[Hou Hanru] What is your project for the 27th Bienal? I will show Wall drawing, nine circles of razor-sharp barbed wire, mainly found in Guantánamo. Each circle’s diameter corresponds to my height (1,72 m). To me, number nine is the fall… like in my dreams. That is why I titled it Wall drawing, it is like the fall of the wall… There will also be Bourek, the plane I flattened and rolled. John Cage, like Gerhard Richter, worked on the concept of the atlas. The idea is that some nations go with the wind: the East… others, against the wind: one thinks of the West… and the birth of the plane… You use a very different language and very different forms, like the almost readymade videos and mural installations… How do you set up that link? Do you create a kind of whole world that ends up corresponding to space? I am

currently preparing an exhibition called Practice zero tolerance. I try to set on crisis various materials such as ceramics, marble, drawings, videos, and so on. By using all these tools, I don’t wish to create a puzzle or a deconstruction, but to question and confront them… for I think we aren’t in a pure and hygienic world. We are in chaos… With the global era, the global village, we are at the center of a cyclone… drowning… Is that vertigo translated into the image of Schnell [Fast] (2005)? Schnell redraws the fall of the camera I threw

from a helicopter 700 meters over Berlin. By throwing the camera, I wanted to terminate the printed film image and the video. On the other hand, a curator told me that in Romania the word “schnell” evokes Cold War German pornographic films.

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AHLAM SHIBLI Arab al-Shibli, 1970; vive em [lives in] Haifa Eastern LGBT, n. 24 [Leste LGBT, n. 24] 2006 foto digital [digital print] 37 x 55,5 cm cortesia da artista e [courtesy the artist and] Sommer Contemporary Art, Tel-Aviv

[Fulya Erdemci] Suas fotos anteriores foram desafiadas a revelar as condições de vida do povo palestino, forçado a deixar sua terra natal pelas tropas israelenses em nome da “redenção” do território depois da criação de Israel, em 1948. Evitando qualquer tipo de estetização e drama e mediante fotos silenciosas e simples, você está criando um enorme contraste com o que postula nas fotos que, por sua vez, reforçam ainda mais o impacto e os resultados de uma experiência extremamente melancólica para o observador. O que distingue suas fotos da foto documental? Há

uma relação narrativa que liga essas séries. Essa relação é intensa até chegar à idéia pretendida. Enfim, é uma relação funcional. Nessas séries, o que diferencia a seqüência entre as fotografias da função e da missão documental é a relação que se estabelece entre o objeto fotografado e o outro que existe fora da foto. Nas minhas fotos, há um espaço especial para separar o lugar do outro do lugar do objeto fotografado. Minhas fotos não têm ligação com o outro, há nelas uma posição que insiste em que o outro não deve delimitar a existência ou a inexistência da coisa, não deve delimitar ao objeto o seu direito de existir no espaço e no tempo. O objeto é aquilo que se pretende e a posição em relação ao objeto é o meio de alcançá-lo. Não há também uma objetividade relacionada com a recepção do objeto pelo outro, por isso imaginar tal objetividade é comprová-la. “Como viver junto” soa muito próximo ao seu trabalho. Quais são seus projetos para 27a. Bienal? O primeiro trata

do tema de emigrantes transexuais do Oriente Médio. Minha preocupação é a casa e o lar: alguém sente que ele(a) não está em casa em seu lugar imediato, em seu próprio corpo. Em sua terra natal, entretanto, esses indivíduos não podem mudar seu corpo e torná-lo sua casa, em vista da repressão social. Eles têm de imigrar para lugares mais liberais ou onde não são conhecidos. Isso significa que eles devem abrir mão de sua casa, do ponto de vista social, para criar sua casa num nível mais individual. Minhas fotografias falarão das contradições ligadas ao desejo de pertencer que são irreconciliáveis. O segundo projeto trata de um sábado do mês de novembro, em Turim. Bem cedo, a mercadoria usada é exposta e vendida, e o que sobra é distribuído e deixado para trás. Os vendedores na sua maioria são imigrantes e os compradores vêm de todo lugar. As mãos se cruzam e os olhares se misturam à procura do melhor do que está disponível. Apesar do intenso barulho que se forma nesse dia, ainda ficarão situações de silêncio.

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[Fulya Erdemci] Your previous photos were challenged to unfold the living conditions of the Palestinian people who were forced to leave their homelands by the Israeli troops in the name of “redemption” of the land after the foundation of Israel in 1948. By avoiding any kind of aestheticizing and dramatizing accent, and rendering your photographs quiet and simple, you are creating a severe contrast with what you posit in the photographs which, in turn, further strengthens the impact and results in an overwhelmingly despondent experience for the beholder. What distinguishes your photos from documentary ones? There is a

narrative thread relating all these series. This relation is intensified to the point of reaching the proposed aim. In other words, it is a functional relation. In these series, the distinction between functional photos and documentary photos is in the relation established between photographed object and the other that exists outside the photo. In my photos there is a special place in which to separate the other’s place from the place of the photographed object. My photos are not in any way linked with the other; there is this stance in them that vehemently asserts that the other should not check the existence or the inexistence of something; the other should not restrain the object’s right to exist in space and time. The object is what we wish for it to be and our positioning in relation to the object is the way to reach it. Further, there is no objectivity in relation to the reception of the object by the other, therefore to imagine such objectivity is to undertake to prove it. “How to live together” sounds closely related to your work. What are your projects for the 27th Bienal? The first ad-

dresses the subject of Middle Eastern transgender immigrants. My central concern is the house and the home: somebody feels that he/she is not at home in his/her immediate place, in his/her own body. In their home countries, however, these individuals cannot change their body and make it their home due to social repression. They have to emigrate to more liberal places or just to places where nobody knows them. This means that they have to give up their home on the social level in order to create their home on the individual level. My pictures will talk of contradictions connected to the desire of belonging that are seemingly irreconcilable. The other project features a Saturday in November in Turin. Early in the morning, the second-hand merchandise is displayed for sale. The leftover goods are distributed or left behind. The majority of vendors are immigrants and buyers come from all over. Rummaging hands and scrutinizing gazes search for the best deals. Notwithstanding the bustling hubbub, there are situations of silence. 20



AKRAM ZAATARI

Saida, Líbano,1966; vive em [lives in] Beirute

[Christine Tohme] Em seu trabalho, você tem levantado questões ligadas à sexualidade, algumas vezes implicitamente, outras, explicitamente. Como procede em relação a essas duas opções? Quando lido com a sexualidade como

tema, abordo-a direta e explicitamente, sobretudo em meu estudo de práticas sexuais Crazy of you [Louco de você] (1997) e How I love you [Como eu te amo] (2001). Esses dois trabalhos focalizados nos homens descrevem o modo como eles fazem sexo e referem-se aos detalhes de seus encontros sexuais — com homens (Crazy of you) e com mulheres (How I love you). Aquilo que você designa como representações implícitas da sexualidade é evocado na maioria de meus outros trabalhos por meu interesse em representar/captar traços de um desejo transitório e isso é, por natureza, implícito e sutil. Por exemplo, um rapaz desafia outro a mascar um chiclete já mascado por um terceiro (Red chewing gum [Goma de mascar vermelha], 2000). Esse gesto não é explicitamente sexual, mas relaciona-se a um desejo de compartilhar um chiclete moldado pela boca de alguém a quem se deseja. Você vem coletando imagens de militares (indivíduos e grupos), sobretudo combatentes. Isso tem alguma conexão com o desejo? Uma imagem de um combatente com

uma arma é uma imagem de um “herói”. No Líbano e na Palestina, por exemplo, onde os exércitos nacionais não possuem um registro histórico glorioso, imagens de grupos de resistência adquirem um status icônico a mais. Nos anos 1970, os fida’iyin palestinos eram os heróis de toda uma geração e lutavam contra o exército israelense na fronteira do Líbano com Israel. Mais tarde, nos anos 1980, essa imagem foi substituída pela de combatentes libaneses, oriundos de partidos políticos seculares e, mais tarde, da resistência islâmica: o Hizbollah. Quando capturado enfrentando uma câmera, um(a) combatente fala em favor da causa pela qual ele/ela está lutando, e em nome do partido a que ele/ela pertence, a tal ponto que nós, freqüentemente, esquecemos que homens e mulheres da resistência — é também o caso dos prisioneiros políticos — são indivíduos que têm medos, hesitações e fraquezas, bem como fantasias e desejos. Nós os encaramos como as instituições querem que eles sejam encarados — como combatentes, quando não como armas de um poder mortífero. Quer morram em operações suicidas, quer no fogo cruzado com o inimigo, os combatentes da resistência dificilmente mostram sinal de individualidade em suas imagens públicas, o que considero muito triste. É por isso que tenho coletado e estudado imagens de homens armados — e, algumas vezes, de mulheres —, na esperança de entender esse fenômeno, de ser capaz de acrescentar algo à sua imagem ou revelar algo escondido neles. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

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In this house [Nesta casa] 2005 DVD 30 min

[Christine Tohme] You have raised issues of sexuality — sometimes implicitly, other times explicitly — in your work. How do you negotiate between the two? When I dealt

with sexuality as a subject, I dealt with it directly and explicitly, particularly in my ongoing study of sexual practices in Crazy of you (1997) and How I love you (2001). These two works focused on men describing the way they like to have sex, and about the details of their sexual encounters — with men (Crazy of you), and with women (How I love you). What you designate as implicit representations of sexuality are evoked through most of my other works because of my interest in representing/capturing traces of fleeting desire, and that is by nature implicit and subtle. For example, a young man challenges another to chew a piece of gum that has already been masticated by a third (in Red chewing gum, 2000). This gesture isn’t explicitly sexual, but relates to a desire to share a piece of gum molded by the mouth of someone you desire. You have been collecting images of military individuals and groups, particularly male fighters. Does this have any connection with desire? An image of a fighter with a gun is

an image of a “hero”. In Lebanon and Palestine for example, where national armies do not have a glorious historical record, images of resistance groups acquire a further iconic status. In the 1970s, Palestinian fida’iyin were the heroes of an entire generation, fighting against the Israeli army on the Lebanese/Israeli border. Later, in the 1980s, this image was replaced with that of Lebanese fighters, from secular political parties, and later from the Islamic resistance: the Hezbollah. Whenever captured facing a camera, a resistance fighter speaks for the cause he/she is fighting for, and speaks in the name of the party he/she belongs to, to the extent where we often forget that resistance men and women — as is also the case with political prisoners — are individuals who have fears, hesitations and weaknesses, as well as fantasies and desires. We view them as their institutions want them to be viewed — as fighters if not as weapons of deadly power. Whether they die in suicidal operations or exchange of fire with an enemy, resistance fighters hardly show any sign of individuality in their public images. I find this very sad. This is why I have been collecting and studying images of armed men and sometimes women hoping to understand this phenomenon, and hoping to be able to add to their image, or reveal something hidden in them.

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ALBERTO BARAYA Bogotá, 1968; vive em [lives in] Bogotá Latex tree project [Projeto de árvore de látex] foto-documentação [photo-documentation] Rio Branco, Acre 2006 foto Alberto Baraya

[José Roca] Em seu Herbário de plantas artificiales você desloca o personagem do botânico naturalista, parodia seu desempenho, questiona a objetividade de seus métodos, e seu próprio tema de investigação — a planta — é substituído por algo que evoca o original… É um proje-

to que tem sua origem em um gesto espontâneo, aprendido nas aulas de biologia, no ensino elementar. Ao recolher algumas flores de plástico na rua, comporto-me como aquele cientista que a educação dispensada pelo Ocidente espera que venhamos a ser um dia. Alterando as metas de uma tarefa tão simples como aquela, resisto a esse “destino”. Naquele momento todos os pressupostos são questionados, até mesmo a história. Poder-se-ia dizer que é possível reescrever a história a partir de sua própria práxis e experiência, mediante um simples gesto de resistência. Você também adotou a estratégia de penetrar literalmente no território, como os cientistas europeus e americanos nos séculos XVIII e XIX. O que o motivou a seguir os passos dos etnobotânicos Richard Evans Schultes e Wade Davis?Até 2004 o projeto Herbário tinha sido desenvolvido

em áreas urbanas. À medida que cresceu minha coleção, deime conta de que, sob vários aspectos, eu estava copiando aquelas grandes expedições científicas, as quais, com suas hierarquias sociais bem estabelecidas e seus pressupostos prontos, deram-me uma estrutura para minhas próprias excursões. Em 2004 participei como documentarista de uma viagem ao Rio Putumayo. Ela se apoiava — pelo menos potencialmente — numa vontade científica. Levei para lá os instrumentos do cientista (tesouras e alicates) e do documentarista (máquina fotográfica, câmera de vídeo, cadernos de anotações para fazer desenhos e observações), bem como tinta e pincel para criar paisagens “romântico-exóticas”. Adquiri também um exemplar de One river (1966), romance de Wade Davis. Quase imediatamente vi-me profundamente envolvido com a longa saga dos exploradores viajantes. A expectativa de encontrar ou não flores de plástico na Amazônia gerou certo receio, pois implicava a questão ecológica relacionada ao destino das derradeiras fronteiras de resistência à “civilização” e ao “progresso”. O fato de deparar com elas acabou sendo uma espécie de confirmação daquilo que eu denominaria “as leis da decoração”. Até mesmo os lugares mais “naturais” precisam ser ornamentados, custe o que custar. Ainda, a globalização penetra nos lugares mais remotos do mundo e evidencia uma ruptura das fronteiras culturais. Ao recolher aqueles “táxons” (espécimes) de plástico, proponho, do meu jeito, uma forma alternativa de conhecimento social ou científico.

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[José Roca] In your Herbário de plantas artificiales [Herbarium of artificial plants] you displace the character of the botanical naturalist, parody his practice, question the objectivity of his methods, and his subject matter itself — the plant — is replaced by a stand-in for the original… It is a project that comes from a spontaneous gesture

learned in biology class at elementary school: by picking up some plastic flowers on the street, I behave like the scientist that Western education expects us to become. By changing the goals of this simple task I resist this “destiny”. In that moment all assumptions are put into question, even History. It could be said that you can rewrite history from your own praxis and experience, with a simple gesture of resistance. You have also taken the strategy of literally entering the territory, like European and American scientists in the 18th and 19th centuries. What motivated you to follow the path of American ethnobotanists Richard Evans Schultes and Wade Davis? Until 2004 the Herbário project had been done

in urban areas. As my collection grew, I realized that in many ways I was copying those grand scientific expeditions, which with their built-in social hierarchies and their readymade assumptions on scientific truth gave me a structure for my own excursions. In 2004 I participated as a documentarist in a trip to the Putumayo River. This trip was thus supported — at least potentially — by a scientific will. I brought with me the tools of the scientist (scissors and pliers), and of the documentarist (photo and video camera, notebooks for making drawings and observations), and also paints and brushes for making “exotic-romantic” landscapes. I also brought a copy of Wade Davis’s novel One river (1966): almost immediately I became enchained to a long saga of traveler-explorers. The anticipation of finding or not plastic flowers in the Amazon generated a certain fear, because it implied the ecological question regarding the fate of the last frontiers of resistance to “civilization” and “progress”. Actually finding them ended up being a sort of confirmation of what I would term “the laws of decoration”: even the most “natural” places need to be ornamented by any means. Also, that globalization penetrates even the farthest corners of the world, the evidence of a break of cultural frontiers. By collecting these plastic “taxons” (specimens), I propose, in my own way, an alternative form of social or scientific knowledge.

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ANA MENDIETA Havana, 1948 – Nova York, 1985 Alma silueta en fuego (Silueta de cenizas) [Silhouette soul in flames (Ashes silhouette)] 1975 filme 8 mm transferido para DVD [8mm film transferred to DVD] 3 min 30 s coleção espólio de [collection estate of] Ana Mendieta cortesia [courtesy] Galerie Lelong, Nova York

[Linda Montano] Quando foi que você fez suas primeiras gravuras? Vim de Cuba para os Estados Unidos aos 12 anos

de idade. Minha irmã e eu estávamos sozinhas, não falávamos inglês e nos colocaram num orfanato católico dirigido por freiras, em Iowa. Foi uma experiência arrasadora, pois me senti distante de tudo e absolutamente deslocada. Foi um choque cultural. Assim, a tentativa de encontrar um lugar na terra e de definir-me surgiu daquela experiência de descobrir diferenças. Em 1973 realizei meu primeiro trabalho numa tumba asteca invadida por ervas daninhas e mato — o crescimento daquelas plantas me levou a lembrar do tempo. Comprei flores no mercado, deitei-me sobre a tumba e cobri-me com flores brancas. A analogia era a de que estava coberta pelo tempo e pela história. Você sente que existe um imaginário católico em seu trabalho? Fui criada no catolicismo e não posso negar minha

origem. Gosto muito da idéia da história e reconheço que a religião católica teve uma rica contribuição cultural ao mundo, mas também destruiu muitas coisas. Quando comecei a trabalhar desse modo, senti uma ligação católica muito forte, mas à medida que meu trabalho prosseguia, senti-me mais próxima do neolítico. Agora acredito na água, no ar e na terra. Todos são divindades. Eles também dizem que tenho ligação com a deusa da água doce — este foi o ano dela e está chovendo muito. Essas coisas é que são poderosas e importantes. Não sei por que as pessoas se distanciaram dessas idéias. Qual é a importância do lugar em que você se situa? É fundamental. Existem muitos lugares a que retorno apenas por me sentir conectada com eles. Se, porém, estou trabalhando numa cidade que não conheço, costumo sair por aí até encontrar um lugar com o qual possa identificar-me. Ao deparar com esse lugar, tenho o que fazer ali — são os rituais de trabalho. Por exemplo, visto roupas confortáveis, uso instrumentos especiais e insisto em trabalhar sozinha. Não posso desconcentrar-me. Preciso de privacidade porque me apodero do território, como um cachorro que urina no chão. Para mim, agir assim é algo que potencializa todo o lugar. O que seu trabalho lhe ensina? O trabalho continua a ensinar-me tudo. Ele sempre esteve adiante de mim e somente depois de alguns anos é que tomo consciência do que se tratava. O trabalho me fortalece, me define.

[Linda Montano] When did you first do imprints? I came to this country from Cuba when I was twelve. My sister and I were alone, without speaking English, having been placed in a Catholic orphanage run by nuns in Iowa. It was a very devastating experience because I felt alienated and totally misplaced — a culture shock. So, trying to find a place on the earth and trying to define myself came from that experience of discovering differences. In 1973 I did my first piece in an Aztec tomb that was covered with weeds and grasses — that growth reminded me of time. I bought flowers at the market, lay on the tomb, and was covered with white flowers. The analogy was that I was covered by time and history. Do you feel that there is Catholic imagery in your work? I was raised Catholic and can’t deny my heritage. I like very much the idea of history, and I admit that the Catholic religion has made a rich cultural contribution to the world, but they’ve also destroyed a lot of things. When I first started working this way, I felt a very strong Catholic connection, but as I continued to work, I felt closer to the Neolithic. Now I believe in water, air, and earth. They are all deities. They also speak. I am connected with the goddess of sweet water — this has been her year, and it is raining a lot. Those are the things that are powerful and important. I don’t know why people have gotten away from these ideas. How important is your site? It’s crucial. There are many places that I’ve gone to time and time again just because I feel connected to them. But if I’m working in a city that I don’t know, I usually drive around until I find a place that I can respond to. When I find the site, I have things to do there — work rituals. For example, I wear comfortable clothing, have special tools, and insist on working alone. I cannot be distracted — I need privacy because I claim territory somewhat like a dog, pissing on the ground. Doing that charges the whole area for me. What does your work teach you? The work continues to teach me everything. It has always been ahead of me, and I learn what it is about years later. Work makes me strong — it defines me. Edited excerpt of interview published in Linda Montano (ed.), Performance artists talking in the eighties, Berkeley and Los Angeles, University of California Press, 2000.

Trecho editado de entrevista publicada em Linda Montano (org.), Performance artists talking in the eighties, Berkeley e Los Angeles, University of California Press, 2000.

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ANDREW MCLEOD Rotorua, Nova Zelândia, 1976; vive em [lives in] Auckland A quiet paralasys [Uma paralasys silenciosa] 2003 impressão jato de tinta sobre papel [ink-jet print on paper] 160 x 120 cm coleção particular [private collection], Auckland

[José Roca] Você fez amplo uso de texto em seu trabalho — por exemplo, Frankenstein, de Mary Shelley, ou as palavras de um crítico sobre suas próprias criações. Embora o texto seja tratado como matéria visual que permeia as linhas de seus desenhos, a escolha do tema parecer sugerir uma pista para a leitura do trabalho. Você também escreveu sobre um artista emergente, fictício, que reflete sobre o processo de fazer arte, o que também sugeriria um ponto de vista cínico em relação ao mundo da arte. Qual é o papel que o texto desempenha em seu processo de desenhar? Comecei usando plantas arquitetônicas e ilustrações

diagramáticas pelas oportunidades estéticas que vislumbrei nelas. Pareceu-me natural usar também o texto que ali existia. Gosto das “comoções” criadas à medida que o olhar flui da imagem para a linguagem, sobre a superfície, bem como do lembrete dos limites de uma comunicação puramente visual que a inesperada aparição do texto pode comportar. Uma influência sobre minha escolha do texto é o fato de meus escritores de ficção preferidos não serem amplamente considerados relevantes para a prática artística, embora muitos filósofos do século xx sejam vistos como essenciais. Recorro a escritores como Mary Shelley no esforço de compensar esse desequilíbrio. O texto que escrevi refletiu minha antítese sobre a expectativa segundo a qual os artistas têm de escrever sobre seu trabalho. Assim, minha escrita é uma paródia das colocações de um artista. Interessava-me o fato de como eu poderia usar a intervenção visual para elaborar esse conto fictício em torno de uma limitação artística. Pode falar sobre o projeto que está desenvolvendo para a 27a. Bienal? Meu trabalho para São Paulo relaciona-se

com minhas impressões digitais e meus livros de artista, na medida em que me restringi a trabalhar com linhas e texto negros sobre uma superfície branca, com pouca gradação tonal. Essa restrição também me leva ao emprego de um programa gráfico vetorial, que produz um tipo de linha associado a uma ilustração didática. Espero que os trabalhos possam ser impressos para que apareçam diretamente sobre a parede, talvez numa escala de cerca de 2 metros de altura por, mais ou menos, 7 metros de comprimento. As imagens são de interiores domésticos, e essa escala, de tamanho natural, criaria uma interessante dinâmica entre uma leitura minuciosa do texto, feita bem de perto, e uma percepção a distância da composição.

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[José Roca] You have made extensive use of text in your work — for example Mary Shelley’s Frankenstein, or a critic’s words regarding your own works. Although text is treated as visual matter that pervades your line drawings, the choice of subject seems to suggest a clue to the reading of the work. You have also written about a fictional emerging artist who muses about the process of making art, which would also suggest a cynical standpoint regarding the art world. What role does text play in your drawing process? I started out using architectural plans and

diagrammatic illustrations for the aesthetic opportunities I saw in them, and it seemed natural to use the text that was there as well. I like the “thought eddies” created as the eye flows from image to language over the surface, and the reminder of the limits of a purely visual communication that the unexpected appearance of text can afford. An influence on my choice of text is the fact that many of my favorite fiction writers are not widely considered as relevant to artistic practice, whereas many 20th-century philosophers are considered essential, and my use of such writers as Mary Shelley is my effort to redress this imbalance. The text I wrote myself reflected my antithesis towards the expectation that artists must write about their work. So my writing is a parody of an artist’s statement. I was interested in how I could use visual intervention to elaborate this fictional tale of artistic woe. Could you talk about the project you are developing for the 27th Bienal? My work for São Paulo relates to both my digi-

tal prints and my artist’s books in that I have restricted myself to working with black lines and text on a white surface with little tonal gradation. This restriction also lends itself to my use of a vector-based graphics program which produces a certain type of line associated with instructional illustration. I am hoping that the works can be printed so that they will appear to be directly on the wall, perhaps at a scale of about two meters high by around seven meters long. The imagery is largely of domestic interiors, and this life-size scale would create an interesting dynamic between close-up reading of text and from-a-distance perception of composition.

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ANN LISLEGAARD Tonsberg, Dinamarca, 1962; vive em [lives in] Copenhague e [and] Nova York Crystal world (after J.G.Ballard) [Mundo de cristal (segundo J.G. Ballard)] 2006 dupla projeção, animação [double projection, animation] I-YouLater-There [Eu-Você-Depois-Lá] 2000 instalação de som e luz [sound and light installation] 12 min

[Agustín Pérez Rubio] Interessa-me especialmente assinalar as relações que você estabelece entre diversos espaços habitados em seu trabalho, sobretudo no que concerne a espaços domésticos ou locais de trabalho. Sobre esses espaços e com base nessa suspensão/dilatação do espaço/ tempo, que papel cada um desses espaços desempenha e como eles se inter-relacionam finalmente? Quando as-

[Agustín Pérez Rubio] I am especially interested in pointing out the relations you establish between diverse inhabited spaces in your work, above all with regard to domestic spaces or workplaces. About these spaces and based on this suspension/dilatation of space/time, what role does each of these spaces play and how do they finally interrelate? When I first saw the film Jeanne Dielman (1976) by

sisti ao filme Jeanne Dielman (1976), de Chantal Akerman, o impacto que ele exerceu sobre mim foi tremendo. O filme é um registro quase perversamente detalhado dos movimentos e das ações de uma mulher num ambiente doméstico. Poder-se-ia dizer que a essência do cinema é organizar movimentos no tempo e no espaço. No entanto, ao focalizar exclusivamente o espaço doméstico, com grande conseqüência e vigor, e ao usar o tempo reflexivamente — tomadas muito longas —, a sensação que se tem é a de que estamos vendo esse ambiente pela primeira vez. Ele se torna cinemático (real) de maneira muito subversiva. Chantal Akerman definitivamente pode ser vista como uma influência para minhas instalações sonoras. Porém, minha abordagem do tempo é muito diferente da dela, pois eu utilizo estruturas em loop com frases e sons sendo repetidos, sobrepostos, multiplicados e duplicados até o ponto em que os espectadores não têm certeza se há um, dois ou mais personagens. O que me interessa é também um espaço imaginário, entendido quase literalmente, já que minhas instalações sonoras oscilam entre a luz e a escuridão e podem ser comparadas com assistir um filme sem imagens. Isso me remete a sua pergunta sobre o espaço doméstico versus o espaço da arte. Estou interessada nas implicações feministas do espaço doméstico e no espaço da arte como uma moldura física. Os trabalhos sonoros a que você se refere podem ser vistos como uma espécie de oscilação — um ir-e-vir — entre esses dois campos.

Chantal Akerman it made a tremendous impact on me. The film is an almost perversely detailed rendering of a woman’s movements and doings in a domestic environment. One could say that the core of cinema is organizing movements in time and space. But by focusing exclusively on the domestic space, with great consequence and vigor, and by using time reflexively — very long takes — it feels as if we see this realm for the first time. It becomes cinematic (real) in a very subversive way. Chantal Akerman can definitely be seen as an influence for my sound installations. However, my approach to time is very different from her, since I use loop-like structures with sentences and sounds being repeated, layered, multiplied and duplicated to the point where the viewer is not sure whether there is one, two or more characters. What I am interested in is also an imaginary space, understood quite literally since my sound installations flicker between light and darkness and can be compared to watching a film without images. Which brings me back to your question about the domestic space vs. the art space. I’m interested in the feminist implications of the domestic space and the art space as a physical frame. The sound works you refer to can be seen as a kind of oscillation — a going back and forth — between these two realms.

Que novas idéias, juntamente com trabalhos anteriores, de que já temos conhecimento, você irá desenvolver para a 27a. Bienal? O título provisório de meu trabalho para São

Paulo é Science fiction [Ficção científica]. Trata-se de uma animação em duas telas, vagamente inspirada no romance The crystal world [O mundo de cristal] (1966), de J.G. Ballard. Ainda não tenho certeza, mas o cenário será uma edificação ou um hotel nos trópicos. Um espaço cristalino onde o tempo está desordenado. Formas brancas passam por mutações, duplicam; o tempo se dissolve, e os espaços se transfiguram em seqüências labirínticas. Ocasionalmente pode-se ouvir uma voz na trilha sonora ambiental e abstrata. Uma voz feminina sussurra textos extraídos do livro de Ballard — fragmentos de uma jornada ao mundo de cristal.

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What new ideas, along with earlier pieces as we already know, are you going to develop for the 27th Bienal? The

preliminary title for my work for São Paulo is Science fiction. It’s a two-screen animation loosely built on the novel The crystal world (1966) by J.G. Ballard. I’m not sure yet, but I think the mise en scène will be a building or hotel in the tropics. A crystalline space where time is out of joint. White forms mutate and duplicate, time dissolves and spaces transfigure in labyrinth-like sequences. Occasionally a voice can be heard on the otherwise ambient and abstract soundtrack. A woman’s voice whispers text pieces generated from Ballard’s book — fragments from a journey into a crystal world.

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ANTAL LAKNER Budapeste, 1966; vive em [lives in] Budapeste e [and] Paris INERS — elevator stretching [INERS — alongamento de elevador] 2006 instalação com som [installation with sound] 240 x 250 x 160 cm cortesia do artista [courtesy the artist] foto Julio Grinblatt

[Agustín Pérez Rubio] Você vem desenvolvendo, nos últimos anos, um trabalho complexo, denominado INERS, máquinas que transformam uma atividade humana aparentemente significativa — as fases individuais de processos repetitivos de produção — em esforços físicos desprovidos de sentido, em atividades de lazer e de entretenimento, ao mesmo tempo que torna o próprio trabalho imaterial. No início, esses tipos de aparelhos se destinavam mais a corpos passivos, relacionavam-se com um simples exercício, mas agora você está levando a idéia de treinamento do INERS para espaços móveis. Quais eram as idéias que estavam por detrás de sua estruturação, a partir dos primeiros trabalhos até chegar às últimas obras mostradas em Nova York e na 27a. Bienal? Interessei-me recentemente

pela interação, nas metrópoles contemporâneas, entre um tipo de espaço público humano e especial, mas usado com freqüência. Refiro-me aos interiores de espaços modernos móveis, como trens do metrô, cabines de elevador, veículos projetados para transportar multidões em alta velocidade, entre lugares imobilizados. Milhares de pessoas circulam numa situação que priva seus corpos de sua própria capacidade de movimento. Comecei a desenvolver um treino especial, como parte de meu projeto INERS . Esse programa de treinamento — por exemplo, espreguiçar-se num elevador — ajuda a evitar essa passividade mental e corporal e a desenvolver a consciência do corpo durante aquelas viagens. Em sua opinião, em que sentido suas novas obras se inserem no conceito geral da 27a. Bienal? Meu projeto Training

for moving spaces [Treinamento para espaços móveis] oferece um novo modo de comportamento em espaços públicos e sinto que existe um vigoroso relacionamento entre este conceito e o conceito geral da mostra, sobretudo com o segmento “arte e arquitetura”. Você está falando sobre o conceito de espaços móveis em nossa sociedade contemporânea. Você acha que São Paulo, uma das cidades mais importantes e vibrantes do mundo, constitui um “interior”, caso você seja um habitante dela ou um turista? Que idéia tem desta cidade e como acha que ela poderia ser interessante para desenvolver seu trabalho? Jamais estive em São Paulo, mas essa cidade

tem uma das maiores populações do mundo e estou certo de que as pessoas passam muito tempo nos espaços verticais e horizontais do sistema público de transportes. Penso que meu projeto seja apropriado e pode ser útil para os passageiros passivos da cidade de São Paulo.

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[Agustín Pérez Rubio] During the past few years, you have been developing a complex work titled INERS, machines transforming seemingly meaningful human activity — the individual phases of repetitious production processes — into meaningless physical exertion, leisure activities and entertainment, while immaterializing the work itself. At the beginning, these kinds of devices were more for passive bodies, and more related to a simple exercise, but now you are putting this idea of INERS training in moving spaces. What were all of the ideas behind its development from the first works to the last pieces for New York and the 27th Bienal? Recently I have become interested in the

interaction between a human and a special — but frequently used — type of public space in contemporary metropolises. By that I mean interiors of modern moving spaces like subway cars, elevator cabs and cars engineered to transport masses of people at high speed between immobilized sites. Thousands of people are circulating in a situation which dispossesses their bodies of their own capability of movement. I started to develop special training as a part of my INERS project. This training program — like elevator stretching — helps to avoid this mental and bodily passivity, and to develop the body awareness during those trips. In which sense do you feel that your new works are inserted into the general concept of the 27th Bienal? My project

Training for moving spaces offers a new mode of behavior in public spaces and I feel there is a strong relationship between that concept and the general concept of the show mostly with the “art and architecture” section. You are talking about the idea of moving spaces in our contemporary society. How do you feel that São Paulo, as one of the most important and more energetic cities in the world, is in itself an “iner” if you are a citizen or tourist? What is your idea about this city and how do you think that the city could be interesting for developing your work? I have never been to São Paulo, but this city has one

of the largest populations in the world and I am sure people spend a lot of time in the spaces of the — vertical and horizontal — public transportation system. I think my project is appropriate and can be useful for the passive passengers of São Paulo city.

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6/9/2006 23:23:58



ANTONI MIRALDA Barcelona, 1942; vive em [lives in] Barcelona e [and] Miami Urban culinary topography [Topografia culinária urbana] Havana, 2006 colagem fotográfica [photographic collage] dimensões variáveis [dimensions variable] foto Food Culture Archive

[Julieta González] Em seu trabalho, as palavras “sabor” e “saber”, assim como as diferentes acepções de “língua”, parecem entrelaçar-se, resultando em uma espécie de investigação antropológica e poética sobre a incidência da comida nas diferentes culturas. De onde vem esse interesse pela comida em seu trabalho? Pela comida consigo en-

[Julieta González] In your work there seems to be a mingling of the words sabor [flavor] and saber [knowledge], as well as of the distinct meanings of lengua [tongue/language], resulting in a sort of anthropological and poetic investigation with respect to the part played by food in different cultures. Why this interest in food in your work?

volver todo tipo de gente e espaços que não pertencem ao meio artístico. Isso acontece desde meados dos anos 1960. A partir dessa experiência, não tem sido fácil consumir a arte sem comida, ou seja, sinto que me afasto da realidade se a comida não está presente.

Since the mid-1960s food has enabled me to bring into my work every type of person and space outside the context of art. As a result I have found it difficult to take in art without food, that is to say, one feels disassociated from reality when there is no food.

Você esteve em Nova York nos anos 1970 e 1980, envolveu-se e colaborou com artistas como Muntadas. Poderia nos contar sobre esse período do seu trabalho? Minha pri-

You were in New York in the 1970s and ‘80s, when you were involved with artists such as Muntadas, who you worked with. Can you tell me something about this period of your work? Muntadas and myself first worked together

meira colaboração com Muntadas foi em Sangría 228 West B’way (1972). Consistia em possibilitar que as pessoas conhecessem nosso espaço privado e profissional, abrindo-o ao público e conectando-o em seguida ao universo público, ou seja, à rua. Foi como se tivéssemos alimentado, apaziguado o espírito urbano. Outras colaborações se realizaram por meio de artistas instalados em Nova York, que nos absorveram com suas produções, como Jean Dupuis, Juan Downey ou Charlotte Moorman. Seu projeto Sabores y lenguas (desde 2002), já executado em várias cidades da América Latina, será apresentado na 27a. Bienal. Aparentemente é uma maneira de colecionar artefatos culturais para seu Food Culture Museum (desde 2002). Como você vê o projeto de Sabores y lenguas nesta cidade? Como você o vincula às suas especifi cidades e à sua história, em particular à tradição neoconcreta no Brasil, e como explica sua ênfase na participação do espectador na sua obra? O projeto Sabores y lenguas é, antes

de mais nada, uma aproximação da cidade, de sua complexidade, diversidade e caos. A cidade é como um prato que contém todos os gostos do país, sua memória coletiva e portanto a vivência e as histórias de seus diversos cidadãos. Os vínculos com a tradição neoconcreta podem ser estabelecidos pela participação coletiva, que é o esquema básico do projeto Sabores y lenguas, presente tanto na idéia da louça imaginária (acumulativa e itinerante), quanto na lousa aberta ao público. São ambos ingredientes coletivos, que se integrarão, ao final, no arquivo do Food Culture Museum. Este arquivo é como se fosse o estômago do museu; é nele que se guarda e se digere a informação que encontramos ao nos aproximarmos de cada cidade.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

on Sangría 228 West B’way (1972) which consisted of opening up to the public our private space and working space, and subsequently connecting it to public space, to the street, as if to feed/pacify the urban spirit. Other collaborations happened with artists living in New York, who connected us to their activities, such as Jean Dupuis, Juan Downey or Charlotte Moorman.

Your project Sabores y lenguas [Flavors and tongues/languages] (since 2002), which has already been exhibited in several cities of Latin America and is about to be presented at the 27th Bienal apparently represents one of the ways in which you collect cultural artifacts for your Food Culture Museum (2002). How do you see the project Sabores y lenguas in that city and how do you associate it with what is particular about the local specificities and its history, in particular, with the neoconcrete tradition in Brazil with its emphasis on viewer participation in a work of art? The project Sabores y lenguas is, above all, a means

of getting closer to the city in all its complexity, diversity and chaos; the city as a plate containing the country’s every taste; a vessel of collective memory and, consequently, of the experiences and backgrounds of its various citizens. Links to this neoconcrete tradition can be established through collective participation, which represents the underpinning of the project Sabores y lenguas, both in the idea of the imaginary crockery (accumulative/itinerant) and in the case of the blackboard open to the public, which represent collective ingredients and which will finally become a part of the archive of the Food Culture Museum. This archive is like the museum’s stomach where information taken in as we approach each city is stored and digested.

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ARMANDO ANDRADE TUDELA Lima, 1975; vive em [lives in] Lima e [and] Londres Transa 2005 capas de disco [record covers] dimensões variáveis [dimensions variable] Tate Collection, Londres cortesia [courtesy] Counter Gallery, Londres foto David Lambert Fragmentos de escultura [Sculpture fragments] 2005 compensado [plywood] dimensões variáveis [dimensions variable] coleção particular [private collection], Lisboa cortesia [courtesy] Counter Gallery, Londres e [and] Annet Gelink Gallery, Amsterdã [Adriano Pedrosa] Qual é o seu interesse na arquitetura modernista? Em 2001 tentei fotografar casas em um dos

[Adriano Pedrosa] What is your interest in modernist architecture? In 2001 I tried to photograph houses in one of

primeiros subúrbios de Lima. Estava interessado em como a organização e o conceito do subúrbio colocavam-se como tecido estrutural e como o catálogo dos elementos habitacionais diferenciados fazia o conceito do subúrbio morder seu próprio rabo: as grades perfeitas estavam saturadas pela diferença e pela individualização. Ao contrário de Homes for America [Lares para a América] (1966–67), de Graham, pensei que um enfoque fotográfico poderia falar mais acerca da impossibilidade de regulamentação e consenso que dos clássicos “padronização e controle”. Mas as fotografias não chegaram a dar certo, então comecei a focar mais, quebrando as imagens em padrões e concentrando-me nos elementos dentro delas, finalmente percebendo que forma e diferença, nesse contexto, eram os panos de fundo complementares da informalidade coletiva. Cheguei então a um enfoque mais escultural, o que é como sempre a conseqüência de algo que vi antes e que é geralmente composto de materiais que tiveram vida bidimensional anterior. E quanto ao modernismo tropical e à Tropicália? Se eu dissesse que a América Latina sofreu a síndrome-da-modernidade-atrasada, eu estaria estimulando um terrível erro conceitual: poetas peruanos cantavam a beleza da máquina nos anos 1920 e 1930. Então parece que a parte mais audaciosa da história de nossa modernidade sempre se revela como uma história de dissoluções. Meu interesse no modernismo tropical, ou até mesmo no mais complicado modernismo peruano, é como procurar meu lugar numa cadeia de eventos, de pensamentos e de negócios inconclusos que parecem tão fugidios quanto problemáticos. Tentar me posicionar numa cadeia aparentemente rompida é o que dirige minha consciência para esse aspecto específico do desenvolvimento do modernismo, e isso é algo que desperta meu interesse na Tropicália. A idéia de uma “história de dissoluções” não parece aplicar-se ao Brasil, e a prova disso é que no núcleo da Tropicália você tinha mpb, poesia concreta e música, Cinema Novo, Antropofagia, jogos vernaculares e sabedoria pop: um congresso de posturas aparentemente diversas que ziguezagueiam pela história do Brasil moderno. Sua posição no relato da cultura brasileira era de fato mais de arranque e aceleração que de oposição improvisada. Em outras palavras, meu interesse no movimento da Tropicália é tanto no que fizeram — suas performances, transgressões, o som distinto de sua música — quanto no entendimento de como — e, por extensão, de “como fazer para” — modular uma máquina precisa que processe referências e as adiantem no conceito e no tempo.

the first suburban districts in Lima. I was interested in how the organization and concept of suburbia was laid out as a structural fabric and how the catalogue of differentiating housing elements made the concept of suburbia bite its own tail: the perfect grids were saturated by difference and individualization. As opposed to Graham’s Homes for America (1966–67), I thought that a photographic approach could talk more about the impossibility of regulation and consensus than about the classic “standardization and control”. But the photographs never worked so I started zooming-in, breaking the images in patterns and concentrating on the elements inside them, finally realizing that form and difference, in this context, were the complementary backdrops of collective informality. I then arrived at a more sculptural approach, which, as always, is a consequence of something I’ve seen before, and usually composed by materials that have had a previous bi-dimensional life. And in tropical modernism and Tropicália? If I said that Latin America suffered from the late-arrival-of-modernity-syndrome I’d be fostering a terrible misconception: Peruvian poets where singing to the beauty of the machine in the 1920s and ‘30s. So it seems as if the boldest part of our history of modernity always discloses itself as a history of dissolutions. My interest in tropical modernism, or even the more complicated Peruvian modernism, is like trying to find my place in a chain of events, of thoughts and of unfinished businesses that seem as elusive as problematic. Trying to position myself in a seemingly broken chain is what drives my awareness to this specific aspect in the development of modernism, and that’s also what triggers my interest in the Tropicália movement. The idea of a “history of dissolutions” doesn’t seem to apply to Brazil, and proof of this is that at the core of the Tropicália you had mpb [Brazilian pop music], concrete poetry and music, Cinema Novo, Antropofagia, vernacular antics and pop wisdom: a congress of seemingly diverse postures that transverse, in slalom, the history of modern Brazil. Their position in the recounting of Brazilian culture was indeed one of rapture and acceleration rather than of improvised opposition. In other words, my interest in the Tropicália movement is as much about what they did — their performances, the transgressions, the distinctive sound of their music — as it is about understanding how they — and by extension, “how to” — modulate an accurate machine to process references and push these forward conceptually and in time.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

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ATELIER BOW-WOW Fundado em [founded in] 1992 por [by] Yoshiharu Tsukamoto e [and] Momoyo Kaijima; baseado em [based in] Tóquio Monkey way [Caminho do macaco] 2006 construção em madeira [wooden construction] 22 x 12 x 5,5 m cortesia [courtesy] Atelier Bow-Wow foto Atelier Bow-Wow

[Ana Elena Mallet] Embora sua formação seja em arquitetura, vocês se envolveram recentemente com o mundo da arte. Como tem sido essa transição? A arte nos ofere-

[Ana Elena Mallet] Although trained as architects, recently you have been involved in the art world. How has this transition been? Art offers us a good occasion to investigate

ce uma boa ocasião para investigarmos o comportamento humano no espaço público e realizarmos a experiência de como uma estrutura pequena ou uma mobília de grande porte podem intervir nele. A questão do espaço público e o cânone do comportamento são interesses comuns para a arte e a arquitetura nos dias de hoje. O que mais os impressionou no Brasil? O vigor físico das pessoas. Árvores gigantescas, carregadas de energia. O espaço público sob a marquise do Parque Ibirapuera. A arquitetura de Lina Bo Bardi. A paisagem urbana criada pela repetição de edifícios genéricos.

human behavior in the public space and to experiment how small structure or large furniture can intervene there. The issue of public space and the canon of behavior are shared interests for art and architecture today.

O que pensam sobre trabalhar num país onde a arquitetura tem sido mais importante como monumento à modernidade do que solução para os indivíduos? Soubemos que a

sociedade brasileira é muito dividida entre ricos e pobres, e a arquitetura sempre exerce um papel de produzir ou reproduzir essa espécie de relacionamento social. Nosso interesse é como a subjetividade das pessoas participa no interior da prática do espaço. Gostaríamos de estimular as pessoas a partir de sua própria prática espacial. Nesse sentido, encontramos uma contribuição ideal nas obras de Lina. Vocês acham que a arquitetura em São Paulo se relaciona de algum modo com as idiossincrasias das pessoas? Sim.

A arquitetura é totalmente a produção da sociedade. Em relação a “Como viver junto”, quais são suas reflexões sobre a “vida coletiva” que os paulistanos desenvolvem? O

futebol é muito importante ao unir os paulistanos. Eles vivem juntos as mesmas glórias, lembranças e expectativas do futebol brasileiro. O carnaval é também uma poderosa ocasião para o desenvolvimento da “vida coletiva”. Por outro lado, a Bienal pode oferecer ocasiões mais cotidianas e sutis para as pessoas se conscientizarem do valor de seu próprio estilo de vida. Tivemos a impressão de que as grandes árvores e a vegetação frondosa da cidade são companheiras muito importantes em relação à vida cotidiana. Algumas espécies de plantas tropicais que temos em Tóquio, consideradas apenas belas “plantas de interior”, crescem em todos lugares, na cidade. Assim, propomos um projeto de interação com as árvores existentes nos arredores do Pavilhão da Bienal. O que acham das fronteiras entre os espaços públicos e privados em São Paulo? Bares em cada esquina das ruas do

centro são espaços sociais muito interessantes. São espaços que pertencem a particulares, mas seu serviço relaciona-se profundamente com o estilo de vida paulistano e também se tornam parte da vida de cada indivíduo. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

What were the most impressive things you found in Brazil?

People ’s physical strength. Giant, energetic trees. Public space under the canopy of Ibirapuera Park. Lina Bo Bardi’s architecture. The cityscape created by the repetition of generic buildings. What are your thoughts about working in a country where architecture has been important more as a monument to modernity rather than as solutions for individuals? We

learned that Brazilian society is very much divided between rich and poor, and architecture always plays a role to produce or reproduce this kind of social relationship. Our interest is how people ’s subjectivity participates within the practice of space. We would like to stimulate people from inside their spatial practice. In this sense, we found an ideal contribution in Lina’s works. Do you feel that architecture in São Paulo relates in anyway to people’s idiosyncrasies? Yes. Architecture is totally

the production of society. Thinking of “How to live together”, what are your thoughts on the “collective life” which the Paulistanos have developed? Football is very important for Paulistanos to be

bonded together. They are living together within the same glories, memories and expectations of Brazilian football. Carnival is also a powerful occasion to develop the “collective life”. For its part, the Bienal can offer more daily, subtle occasions to make people realize the value of their own lifestyle. We had the impression that big trees and the powerful vegetation in the city are very important companions for daily life. Some species of tropical plants that we have in Tokyo as pretty “interior plants” grow everywhere in the city. Therefore we are proposing a project to interact with existing trees next to the Bienal Pavilion. What did you think of the boundaries between private and public spaces in São Paulo? Bars at every corner of down-

town streets are very interesting social spaces. They are privately owned spaces but their service is deeply related to the Paulistano lifestyle, and then they also become part of each individual’s life.

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AYA BEN RON Haifa, 1967; vive em [lives in] Tel-Aviv Facsímile de página do livro [Facsimile of a page from the book] First aid [Primeiros socorros] 2003 14,5 x 20 cm ed. 450 numeradas e assinadas [numbered and signed]

[Cristiana Tejo] Parece que você aborda o horror, a opressão, a incapacidade e a solidão de maneira abstrata, pessoal, à medida que são ocultados os principais problemas da sociedade contemporânea. Qual é o papel da política em nossos dias? Acredito que, nos dias de hoje, uma das

questões mais significativas e interessantes da política é lidar com o reconhecimento ou com um sentimento profundo e crescente de que o movimento da social-democracia ainda não conseguiu provar que é relevante em Israel, na Europa, bem como em outros lugares. Direciono meu trabalho mais para um pensamento social do que político. Interessa-me como a sociedade lida com o fracasso da democracia, com a ascensão do nacionalismo e suas implicações sobre o indivíduo. No entanto, minha preocupação maior é mostrar, tornar visível, o atual mecanismo de não sermos capazes de enxergar ou compreender com clareza a realidade. Acredita que seus comentários podem ser compreendidos universalmente? Acredito que sim, pois não estou usan-

do mitos ou símbolos locais que pertencem unicamente à sociedade israelense. Sociedades pós-traumatizadas, como Albânia, Kosovo, Argentina, África do Sul e outras, podem identificar-se diretamente com meu trabalho. Além do mais, soldados uniformizados ou figuras mutiladas, com bandagens, não pertencem unicamente ao território geográfico em que foram originalmente “produzidas”. Essas visões são universais, da mesma maneira que, por exemplo, o Holocausto. Na escola aprendemos que o Holocausto pertence aos judeus, e que o próprio termo “Holocausto” estava sendo usado para se referir unicamente ao holocausto dos judeus. Anos mais tarde compreendi que o holocausto pertence a todo mundo. Fale-me sobre o trabalho que você apresentará na 27a. Bienal. A obra baseia-se nos manuais de primeiros socorros do

exército. As figuras e os trechos de textos foram extraídos dos manuais originais e recombinados de uma nova forma para criar as imagens. Eu uso a linguagem verbal e visual dos manuais, que demonstram soluções técnicas e imediatas para acidentes, para intensificar o absurdo da situação. As figuras são, ao mesmo tempo, as que produzem os “ferimentos”, as que são feridas e as que deveriam salvar os feridos. Que referências você tem sobre a cultura ou a sociedade brasileiras? Um amigo meu esteve em São Paulo há alguns

anos e trouxe-me de dois maços vazios de Marlboro. Em um deles havia a imagem de um bebê numa incubadora e, no outro, dois médicos aplicando respiração artificial em um homem de meia-idade. Ainda guardo os maços em meu estúdio, gosto da maneira como as imagens forçam meu medo, em relação a meu prazer. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

[Cristiana Tejo] It seems that you treat horror, oppression, disability and solitude in your abstract way, as the main problems of contemporary society are hidden. What is the role of politics nowadays? I think that one of the

most significant and interesting issues of politics nowadays is dealing with the acknowledgment, or deep and increasing feeling, that the social democratic movement has not managed to prove itself as relevant in Israel, in Europe, and in other places as well. I aim my work toward social rather than political thinking. I’m interested in the way society is dealing with the failure of democracy, with the rise of nationalism and its implications on the individual. However, my first and main concern is to expose, to bring into view the actual mechanism of not being able to see or to comprehend reality clearly. Do you think your comments can be understood universally? I believe that my work can be understood universal-

ly as I am not using local myths or symbols which belong only to Israeli society. Posttraumatic societies such Albania, Kosovo, Argentina, South Africa and others can straightforwardly identify with my work; moreover, soldiers in uniforms, or mutilated-bandaged figures do not belong only to the geographical territory they were originally “produced” in. These sights are universal, in the same way, for example, that the Holocaust is. In school we learned that the Holocaust belongs to the Jews, even the word “Holocaust” itself was being used only regarding the Jew’s holocaust. Years later I understood that holocausts belong to everyone. Tell me about your work for the 27th Bienal. The piece is based on the army First-Aid booklets. The figures and the extracts of texts were taken from the original manuals and recombined anew to create the images. I use the visual and verbal language of the manuals, which demonstrate technical and immediate solutions for casualties, to intensify the absurdity of the situation. The figures are at the same time, the ones that produced the ‘wounds’, the ones that are wounded and the ones that suppose to rescue. What kind of references do you have about Brazilian culture or society? A few years ago a friend of mine was in

São Paulo and brought me from there two empty Marlboro packages. On one of them, there was an image of a baby in an incubator, and on the other, two doctors applying artificial respiration to a middle-aged man. I still keep the packages in my studio; I like the way the images compel my fear in regard to my pleasure.

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BARBARA VISSER Haarlem, 1966; vive em [lives in] Amsterdã Two projections [Duas projeções] 2005 vista da instalação [installation view] diapositivos e projeção DVD [slides and DVD projection] 30 min cortesia [courtesy] Annet Gelink Gallery, Amsterdã foto Misha de Ridder

[Tanya Leighton] De modo geral, seu trabalho parece se relacionar com a posição a partir da qual uma pessoa fala. Em resumo, tem a ver com o “como” da representação.

[Tanya Leighton] Your work in general seems to relate to the position from which one speaks, with the “how” of representation. There are two sides to the coin of repre-

Existem os dois lados da moeda da representação: “o drama da distorção”, o entendimento de que é verdadeiramente impossível transmitir qualquer coisa — intelectual, social, visual ou audível — sem perder e/ou alterar a informação; e a “alegria da distância”, na qual é possível abarcar a contínua mudança por que cada mensagem passa e aceitar que cada etapa cria uma nova forma de autenticidade. Pessoas, acontecimentos e fatos estão sendo compactados para serem conservados, lembrados e, freqüentemente, transformados em “histórias” simplificadas, inevitavelmente moldadas pela época em que são “inscritas”. A representação molda o mundo e a memória que temos dele, de um modo que possa tornar a vida interessante ou que nos leve a acreditar nisso.

sentation: “the drama of distortion”, the realization that it’s truly impossible to transmit anything — intellectual, social, visual or audible — without losing and/or altering the information; and “the joy of distance”, where you can embrace the continuous change any message goes through, and accept that every stage creates a new form of authenticity. People, events and facts are being compressed in order to be conserved and remembered, and often turned into simplified “stories”, that are inevitably shaped by the time they are “written” in. Representation shapes the world and our memory of it, in ways that can make life interesting, or make us believe so.

O cinema, a televisão, o vídeo não são simplesmente instrumentos de representação, mas, conforme observa Jean-Luc Godard em Histoires du cinéma, “forma(s) que pensa(m)”. Essa frase também se aplica ao seu trabalho, na medida em que você se refere à própria linguagem e ao mistério da comunicação, em muitos e diferentes níveis. Em que medida isso se complica ainda mais, diante de sua decisão de apresentar seus experimentos por uma mídia que se baseia no tempo? Esses trabalhos constituem

acima de tudo uma maneira de explorar as possibilidades de diferentes espaços e também se relacionam com diferentes sentidos, por exemplo, o som. O som é incrivelmente importante, pois opera em um nível mais subconsciente, sobretudo quando faz parte de um trabalho audiovisual. A maior parte de seu trabalho parece dar prioridade a permutações sem fim, jamais se fixa numa forma singular, definitiva, focalizando o aspecto performático da comunicação oral. Pode me falar sobre esse impulso inerente a re-encenar e re-representar continuamente roteiros?

Meus trabalhos possuem, com freqüência, um caráter serial, e também a idéia de múltiplas perspectivas sobre determinado tema está presente em muitas obras. É um efeito caleidoscópico, que circula em torno de uma questão. Interessa-me realmente o fato de que os espectadores se tornem parte da obra por meio de sua percepção, desestabilizando as intenções do artista. Trabalho com conceitos preconcebidos do que as coisas significam ou do que se supõe que signifiquem, e também com sistemas de crença, dos quais dependemos para tornar mais fáceis nossas experiências e comunicações diárias. Um de meus motos é aquilo que Robert Filliou afirmou nos anos 1960: “O propósito da arte é mostrar que a vida é mais interessante do que a arte”. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Cinema, television, video are not simply instruments of representation, but rather, as Jean-Luc Godard remarks at the end of his Histoires du cinéma: “form[s] that think”. This phrase also holds true for your work, in that you address language itself, and the mystery of communication, at many different levels. How is this further complicated by your decision to present your experiments within timebased media? These works are mainly a way to explore the

possibilities of different spaces, and also address different senses, for instance, sound. Sound is incredibly important, since it operates on a more subconscious level, especially when part of an audiovisual work. Much of your work seems to prioritize endless permutations, never settling into a singular, definitive form; it focuses upon the performative aspect of oral communication. Can you talk about this inherent drive to continually re-enact and re-perform scripts? Often my works have a

serial character; also the idea of multiple perspectives on one subject is present in many pieces — a kaleidoscopic effect, circling around one issue. The fact that the audience becomes part of the work through their perception, destabilizing the intentions of the artist, really interests me. I’m working with preconceived notions of what things mean, or are supposed to mean, and with belief systems that we depend on to make our daily experiences and communications easier. One of my mottos is something Robert Filliou said in the 1960s: “The purpose of art is to show that life is more interesting than art”.

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BREGTJE VAN DER HAAK Utrecht, 1966; vive em [lives in] Amsterdã 2004 DVD interativo [interactive DVD] 2 x 60 min

[Solange Farkas] Há um direcionamento temático que parece unir várias peças suas, com questões relacionadas a transformações nas sociedades contemporâneas e ao impacto sobre a população, como Two of a kind [Dois de um tipo] (1998) e Lagos wide and close [Lagos ampla e próxima] (2004), baseados na pesquisa dos arquitetos Rem Koolhaas e Philip Johnson, e também às novas configurações da família como resultado da inserção das mulheres no mercado de trabalho, como nos filmes Saudi solutions [Soluções sauditas] (2006) e Life & work [Vida e trabalho] (1999). Como surgem esses temas? Há um método de pesquisa específico para tal abordagem? Você tem razão em

dizer que meu maior interesse se concentra nas mudanças sociais, culturais e econômicas de longo prazo na sociedade e como lidamos com essas mudanças individualmente. Muito embora eu esteja fazendo documentários, minha formação é em ciências sociais, portanto, tenho uma tendência em combinar uma abordagem pessoal, intuitiva e visual baseada em vasta leitura e pesquisa sobre dados estatísticos. Entendo que seja importante abranger mudanças sociais de longo prazo, pois somos todos afetados por elas, e também porque nossa mídia privilegia “notícias” de curto prazo, ou então fatos atemporais sobre pessoas extraordinárias e suas histórias insólitas. Meu interesse é pelo que é comum, normal e geral, pelas mudanças lentas, porém abrangentes, que se desenvolvem durante mais ou menos uma geração inteira. Por que minha vida é diferente da vida da minha mãe? Quais as novas opções e os novos estilos de vida? Que novas sensações e limitações lhes são inerentes? Como teve acesso ao filme e quais as dificuldades que enfrentou para filmar na Arábia Saudita? Fomos a primei-

ríssima equipe com permissão para filmar a vida diária das mulheres na Arábia Saudita. Acho que fomos os únicos a conseguir permissão porque a Dra. Tomador Hassoun fazia parte da nossa equipe. Ela é uma socióloga síria respeitada, com dezoito anos de experiência em pesquisa sobre a Arábia Saudita. Em segundo lugar, acho que era o momento certo, e conseguimos convencer os representantes do governo saudita de que teríamos a mente realmente aberta e com poucos pré-conceitos ao pesquisar a vida das mulheres que trabalham. Expliquei que queríamos ir ao país deles para aprender com os sauditas e para ouvir o que tinham a dizer, não para julgá-los.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Lagos wide and close [Lagos ampla e próxima]

[Solange Farkas] There is a thematic direction that seems to link several of your pieces, of questions related to the transformations in contemporary societies and the impact of that on the population. Like for example, in Two of a kind (1998) and Lagos wide and close (2004) that were based on the research of the architects Rem Koolhaas and Philip Johnson, and the new configurations of the family as a result of the insertion of women into the work market seen in films like Saudi solutions (2006) and Life & work (1999). How do these themes appear? Is there a specific method of research for this approach? You are right that

my main interest is in the long-term social, cultural and economic changes in society and in how we deal with them as individuals. Even though I am working as a documentary filmmaker, my background is in social science, and as a result I tend to combine a personal, intuitive, visual approach with extensive reading and research into statistical data. I think it is important to cover long-term societal change, because we are all affected by it and because much of our media are focused on either short-term “news” or on timeless features about extraordinary people and their unusual stories. I am interested in the ordinary and the usual, the general, slow but massive changes that develop over a generation or so. What makes my life different from that of my mother? Which new options and lifestyles arise? And with which new feelings and limitations do they come? How did you get access to film, and were there difficulties with filming in Saudi Arabia? We were the very first crew

that was allowed to film the daily lives of women in Saudi Arabia. I think the reason we got the permission which nobody else got is first of all that Dr. Tomador Hassoun was on our team. She is a respected Syrian sociologist with 18 years of research experience in Saudi Arabia. Secondly, I think the timing was right and we could convince the Saudi officials that we wanted to explore the lives of working women with a truly open mind and few preconceptions. I explained that we wanted to come into their country to learn from and to listen to Saudis, rather than to pass judgment on them.

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BRENDON WILKINSON Masterton, Nova Zelândia, 1974; vive em [lives in] Auckland Pile of illusions [Pilha de ilusões] 2002 técnica mista [mixed media] 120 x 150 x 95cm coleção [collection] Wallace, Auckland

[Miguel Amado] Você é conhecido por suas maquetes — projetos que se situam entre a escultura e a pintura. Quan-

[Miguel Amado] You are recognized by your models, projects between sculpture and painting. As a child I built a lot

do criança, construí muitos modelos e pintei. Continuei fazendo isso durante todos esses anos. Na verdade, ambas as atividades foram uma extensão das brincadeiras infantis. Assim como a arte, brincar é um modo de interpretar o mundo. Minhas esculturas em diorama são um tipo de pintura tridimensional, já que o processo muitas vezes é similar: acrescenta significados.

of models and painted, and over the years I have continued to do so. Both were really just an extension to playing. Like art, playing is a way of making sense of the world. My diorama sculptures are a type of 3-d painting in that often the process is similar: the same adding of meaning.

A ciência é uma das principais influências sobre seu trabalho, além de escritores tais como J.G. Ballard e a pintura histórica. A ciência é outra janela para o mundo, e eu

other window to the world; and I like to read scientific stuff, especially biology books — some of it sticks. Ballard’s writings are like paintings; he has such a visual understanding of reality that you can’t forget it, as it’s kind of stuck there. Most paintings in general, but particularly Piero di Cosimo, Goya and the surrealists, are also important to me.

gosto de literatura científica, especialmente livros de biologia. Tem sempre algo que fica. Os escritos de Ballard são como as pinturas; ele trazem tamanha compreensão visual da realidade que não dá para esquecê-la, parece indelével. A maior parte das obras de pintura em geral — e as de Piero di Cosimo, Goya e os surrealistas, em particular — também é muito importante para mim. Não raro você cria cenas violentas em seus dioramas, como em Sem título (2000), An arm and a leg [Um braço e uma perna] (2001) ou Pile of illusions [Pilha de ilusões] (2002). Há uma sensação de entropia que permeia a sua prática… Estou tentando restituir para o mundo al-

gum significado que, a meu ver, a mídia, a propaganda e os governos retiraram dele. Assim, as imagens mais fortes são as de transgressão. O animal humano tem consciência disso. Ainda que não gostemos de violência, a idéia é atraente. O primeiro trabalho consiste em uma casa Maori recoberta de lava. Ali eu pensei em degradação física e social. O segundo trabalho foi inspirado na estação de trem Mount Eden, hoje irreconhecível depois de reformada. Há uma sensação de antecipação, de existência de algo que, porém, não está completamente formado; é como tentar lembrar de um sonho. O terceiro trabalho baseia-se em uma foto da famosa Stahl House (1960), de Pierre Koenig; aqui, ao apresentar o contrário do bem-viver, eu expressava minhas dúvidas permanentes sobre a arquitetura internacional. O que você preparou para a 27a. Bienal? Uma grande escultura construída sobre a estrutura da minha velha cama de casal. Eu vinha pensando nesse trabalho há cerca de cinco anos. Trata-se de uma paisagem inóspita que tem por base meu próprio corpo, do qual pretendo tirar um molde. O trabalho incorpora uma estrutura de estilo institucional-militar e muitas figuras pequenas. Nele serão utilizados madeira, fibra de vidro, tinta e materiais para moldagem — além da areia que arranjei depois de chegar a São Paulo.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Science is one of your major influences, as well as writers such as J.G. Ballard and historical painting. Science is an-

You often depict violent scenes in your dioramas, such as in Untitled, 2000, An arm and a leg, 2001, or Pile of illusions, 2002. A feeling of entropy pervades your practice…

I’m trying to regain some meaning to the world that I believe the media, advertising, and governments have taken. The human animal is tuned into this; we may not like violence, but the idea is appealing. The first work consists of a Maori house covered by a lahar; I was thinking of social and physical degradation. The second work is based on the Mount Eden train stop, which has since been unrecognizably renovated; it conveys a sense of anticipation, the sensation that something is there but not quite formed, like trying to remember a dream. The third work derives from a photograph of Pierre Koenig’s famous Stahl House (1960); presenting a flipside to good living, I was expressing my lingering doubts about international architecture. What have you prepared for the 27th Bienal? A large sculpture constructed upon the basis of my old double bed; I’ve been thinking about this work for five years or so. It is a barren landscape based around my own sleeping body, of which I will take a mold. It incorporates a military/institutionalstyle structure as well as numerous smaller figures and it employs wood, fiberglass, paint and modeling materials — and also sand, which I sourced after my arrival in São Paulo.

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CAO GUIMARÃES

Belo Horizonte, 1965; vive em [lives in] Belo Horizonte

[Lisette Lagnado] Por que esta predileção por personagens à margem da sociedade? Ermitão ou andarilhos — ambos parecem fugindo de alguma coisa. Seus filmes reafirmam opções radicais diante de uma insustentabilidade de viverjunto. Sempre desconfiei de uma visão positivista do mundo,

esquematizada segundo regras que pretendem delimitar as potencialidades do ser humano. Não critico a existência de regras na vida em sociedade, mas essas regras não podem ser inibidoras das particularidades de cada indivíduo nem entabular categorias como as do bem e do mal, instituindo conceitos e pré-conceitos relacionados a uma noção perversa de poder. Muitos têm a tendência de se acomodar no lugar-comum ditado pelos diversos sistemas de poder. Meu trabalho se pauta na observação permanente de situações, personagens e atitudes que se distanciam desse lugar-comum. E note que esse distanciar não é um movimento racional, programado, mas fruto de uma necessidade. Meus heróis são trágicos, não necessariamente românticos. Existe uma necessidade de redimensionamento da vida que me encanta, no eremita Dominguinhos, no andarilho Waldemar, como também em Rimbaud ou Dostoiévski, Raskolnikov ou Riobaldo. A experiência de novas formas do viver, promovidas pela necessidade, se não traz algumas respostas, promove sempre novas perguntas. Eremitas e andarilhos não estão fugindo de alguma coisa. Melhor pensar que estão em busca de alguma coisa. Nós é que pensamos mecanicamente que eles estão fugindo de alguma coisa. Se estão fugindo, estão fugindo do que pensamos sobre eles, do que desejamos deles, do que delimitamos para eles. Melhor pensar que não existam nem nós nem eles, que somos todos também andarilhos e eremitas buscando e fugindo sempre de uma mesma coisa — o amor. Acho que a questão do viver-junto deve ser balizada pelo seu contraponto (aliás, único lugarcomum possível): estamos juntos condenados a morrer-sozinhos. E vivemos em uma sociedade que faz de tudo para mascarar esse fato. O inconsciente coletivo tem medo da morte. O inconsciente coletivo tem medo desse lugar, comum a todos nós. E o viver-junto se sustenta muito mais por essa cumplicidade no medo do que pela sincera curiosidade pelo outro, pelo espaço dialético que se forma quando nos confrontamos um e outro. Mas o outro vem colocar certezas em risco. Viver-junto é um sutil movimento interno do ser, quando sentimos um leve deslocamento de um iceberg dentro de nós. Esse movimento tectônico é saber viverjunto como também saber morrer-sozinho.

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Andarilho [The drifter] 2006 filme 35mm

[Lisette Lagnado] Why this predilection for characters on the fringes of society? Hermits or drifters — both seem to be fleeing something. Your films present radical options when faced with the unsustainability of living together.

I’ve always been wary of positivist views of the world, organized according to rules designed to delimit human potential. I’m not criticizing the existence of rules in society, but these rules should not inhibit the particularities of each individual or suggest categories such as good and evil, instituting understandings and prejudices related to a perverse notion of power. People often resign themselves to the commonplaces dictated by different power systems. My work is based on the constant observation of situations, characters and attitudes that move away from such commonplaces. And note that this movement is not rational, or programmed, but born of a need. My heroes are tragic, not necessarily romantic. I am enchanted by this need to reshape life, which one sees in the hermit Dominguinhos, in the drifter Waldemar, as there also is in Rimbaud or Dostoyevsky, Raskolnikov or Riobaldo. While the experience of new ways of living heralded in by necessity does not provide answers, it always poses new questions. Hermits and drifters are not fleeing something. I prefer to think of them as in search of something. We are the ones who mechanically think they are fleeing something. If they are fleeing, it is from what we think of them, what we want from them, the limitations we set them. A better way to look at it would be to break down the distinction between us and them, and think that all of us are also drifters and hermits eternally seeking and fleeing the same thing — love. I think the issue of living together should be determined by its counterpoint (actually, the only commonplace possible): all of us together are condemned to die-alone. And we live in a society that does everything to conceal this fact. The collective unconscious is afraid of death. The collective unconscious is afraid of this place, common to us all. Living together is sustained much more by this shared fear than a sincere interest in the other, by the dialectical space that is formed when we face one and the other. But the other puts certainties at risk. Living together is the subtle internal movement of a being, when we feel the slight dislocation of an iceberg inside ourselves. This tectonic movement is knowing how to live together as well as knowing how to die-alone.

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CLAUDIA ANDUJAR Neuchâtel, Suíça [Switzerland], 1932; vive em [lives in] São Paulo Da série Marcados [from the series Marked] Comunidade de Erico, Roraima, 1980–83 fotografia [photograph] 50 x 60 cm cortesia [courtesy] Galeria Vermelho, São Paulo

[Helouise Costa] Há algum ponto de partida que você possa sugerir para alguém que esteja entrando em contato com o seu trabalho pela primeira vez? Ao longo dos anos

[Helouise Costa] Can you suggest a point of departure for someone coming into contact with your work for the first time? Over the years my work has transformed naturally as

o meu trabalho veio se transformando naturalmente em virtude de certos desafios, mas o fundamental é que ele se constitui em uma reflexão a respeito das condições de vida do ser humano. É isso que me dá razão de viver. A arte privilegia a busca de uma linguagem autoral e a tentativa de entender o mundo. Espero que o meu trabalho propicie algum tipo de resposta para quem entra em contato com ele pela primeira vez.

a result of certain challenges, but the main thing is that it is a reflection on the living conditions of human beings. This is what gives me a reason to live. Art privileges the search for an authorial language and an attempt to understand the world. I hope my work provides some kind of answer for those coming into contact with it for the first time.

Você poderia descrever o projeto que apresentará na 27a. Bienal? São imagens de índios Yanomami, feitas entre 1981

between 1981 and 1983, in communities that had little contact with the world around them. When their territory was invaded in the 1970s, health concerns came to be of utmost importance. In order to implement a basic project for vaccination and the prevention of illness, data on the Indians had to be recorded on registration forms. On this occasion I took on the task of accompanying some doctors and photographing the Indians with their identification numbers. Since they don’t have names in the Yanomami culture, this was how we managed to get around the problem. These are the portraits I present to the Bienal audience.

e 1983, em comunidades que tinham pouco contato com o mundo ao seu redor. Quando nos anos 1970 seu território foi invadido, a preocupação com a saúde tornou-se fundamental. Para um projeto básico de prevenção e vacinação era preciso registrar os dados coletados sobre os índios em fichas cadastrais. Nessa ocasião assumi a tarefa de acompanhar alguns médicos e fotografar os índios com números de identificação. Como os Yanomami, por cultura, não têm nome, essa foi a maneira que encontramos de contornar o problema. São esses retratos que apresento ao público da Bienal. Essas imagens lembram registros policiais ou de campos de prisioneiros. Você justifica, no entanto, que elas não tratam de invasão, mas de resgate. Elas remetem a duas si-

tuações: resgate e invasão. Era uma forma de controle sobre a morte e, ao mesmo tempo, uma invasão cultural em relação às pessoas. Não se trata, porém, de gente prestes a ser sacrificada. Se suprimirmos os números das imagens, não temos uma visão de agressão. Qual o objetivo de expor na Bienal um tipo de fotografia que tinha a função original de controle? Essas imagens têm

um significado simbólico forte. Nesse momento da nossa história é fundamental colocar em discussão o respeito à diversidade, o respeito pelo outro. Muitas atitudes que nos norteiam com relação aos outros precisam ser questionadas. Espero conseguir algum tipo de reflexão sobre o modo como podemos viver juntos. Talvez essa seja a pergunta mais significativa que se possa formular hoje. No caso de populações como os Yanomami, será que querem viver junto? De que maneira? Será que são respeitados em sua diversidade cultural e necessidades de vida? É uma provocação que faço.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Could you describe the project you’ll be presenting at the 27th Bienal? They are images of Yanomami Indians, taken

These images remind one of mug shots or photos of people in prison camps. You state, however, that they are not invasion, but rescue. They suggest both situations: rescue

and invasion. It was a way of controlling the death toll, but at the same time a cultural invasion as far as the people were concerned. They weren’t, however, people about to be sacrificed. If we were to suppress the numbers in the images, we would not have a vision of aggression. What is your objective in showing at the Bienal a kind of photography the original purpose of which was control?

These images have a strong symbolic meaning. At this moment in our history it is fundamental that we put respect for diversity and for the others on the agenda. Many attitudes that guide us with respect to others need to be questioned. I hope to encourage some kind of reflection on how we can live together. This is perhaps the most significant question one can ask today. In the case of populations like the Yanomami, do they really want to live together? In what way? Are they respected in their cultural diversity and basic needs? This is my provocation.

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CLÁUDIA CRISTÓVÃO Luanda, 1973; vive em [lives in] Amsterdã El diablo en el ojo [The devil in the eye] 2003 vídeo dimensões variáveis [dimensions variable] Full Circle [Círculo cheio] 2005 vídeo dimensões variáveis [dimensions variable] cortesia da artista e [courtesy the artist and] Gallery Lumen Travo, Amsterdã

[Cristiana Tejo] Seu trabalho transmite uma preocupação grande com a ética e a atuação individual e coletiva no espaço público. Qual seria o papel do artista e da arte atualmente? Interessam-me muito as questões relativas aos

limites do espaço público e ao modo como, individual ou coletivamente, reagimos às expectativas que esse espaço coloca. A dimensão ficcional do modo como vivemos e comunicamos é perversa: sobrepõe-se mesmo à consciência. Se só a solidão nos liberta da performance de um papel qualquer, onde começa e acaba a “atuação” permanente a que olhares onipresentes nos obrigam? E que estratégias de submissão/ subversão entram em funcionamento? Creio que a arte é esta tentativa de viver num tempo e simultaneamente ver para além dele; o papel do artista é propor dúvidas, plantar ambigüidades onde as coisas parecem simples, claras. A arte não serve para confirmar as nossas imagens do mundo, serve para questionar e sugerir, para lançar uma discussão para além até do verbalizável, do racionalizável. A questão da identidade cultural nas ex-colônias portuguesas na África é tema de trabalhos seus. Como você avalia a situação do Brasil, ex-colônia que passou pela transição um século e meio antes e não enfrenta os mesmos questionamentos dos demais países? De fato, só um dos meus

projetos toca, tangencialmente, nessa questão: a instalação de vídeo Fata Morgana (2005–06), que é precisamente sobre pessoas que (re)construíram as suas biografias fora das ex-colônias. O trabalho fala da tensão entre memória e realidade, e da criação de países semificcionais. Como partiu da minha própria biografia (nasci em Angola, onde nunca cheguei a viver), há uma referência às ex-colônias portuguesas, “África” — um continente que é ele próprio uma ficção… Daí o título deste trabalho, Fata Morgana: “miragem”. Sobre o Brasil, infelizmente não conheço o suficiente. Você escolheu trazer um conjunto representativo de suas pesquisas para a 27a. Bienal. Fale sobre ele. Apresento três

grupos de trabalhos: o primeiro consiste em três vídeos que exploram short stories entre a realidade e a ficção no espaço público; o segundo é o projeto Fata Morgana, apresentado pela primeira vez na Bienal de Dakar; e o terceiro é um projeto novo, The file project [O projeto de arquivo] que parte do estudo de uma sociedade de hipervigilância, onde certo grau de atuação invade todas as esferas da vida coletiva e privada, mascarando significados e questionando o poder da memória. O fio condutor de todos os trabalhos é essa investigação do território ambíguo que não pertence nem ao documental nem ao ficcional, e que no entanto existe e é (por nós) habitado.

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[Cristiana Tejo] Your work conveys great concern with ethics and individual and collective efforts in the public sphere. What is the role of an artist today? I am very inter-

ested in issues related to the limits of the public sphere and the way in which, individually or collectively, we react to the role expectations that this sphere imposes. The fictional dimension of the way we live and communicate is perverse: it even superimposes itself on the conscious. If only solitude is able to free us from performing a particular role, where does the permanent “role playing” that omnipresent eyes oblige us to fulfill start and finish? And which strategies of submission/subversion come into play? I believe art to be this attempt to live in an era and simultaneously see beyond it; the role of the artist is to pose questions, plant ambiguities where things appear to be simple and clear. The purpose of art is not to confirm our notions of the world, but to question and suggest, to start a discussion that goes beyond what can be verbalized and rationalized. The issue of cultural identity in the former Portuguese colonies in Africa is the theme of some of your work. How do you see the situation of Brazil, a former colony that underwent this transition a hundred and fifty years previously and is not going through the same questioning as the other countries? Actually, only one of my projects hints at this

issue: the video installation Fata Morgana (2005–06), which is about people who (re)construct their biographies outside of the former colonies. This project speaks of the tension between memory and reality, and the creation of semi-fictional countries. Since I used my own biography as a basis (I was born in Angola, where I never actually lived), there is a reference to Portugal’s former colonies and “Africa”— a continent that is a work of fiction in itself… Hence the title, Fata Morgana: “mirage”. Unfortunately I don’t know enough about Brazil. Tell me about the representative set of your researches you are bringing to the 27th Bienal. I am presenting three

kinds of projects: the first is a set of three videos that explore short stories set between reality and fiction in the public sphere; the second is the project Fata Morgana, presented for the first time at the Dakar Biennial; and the third is a new project entitled The file project, which is based on the study of an overly-vigilant society, where a certain degree of role playing invades every sphere of community and private life, masking over meanings and questioning the power of memory. The common thread in all of these works is this investigation of the ambiguous territory that belongs neither to the documentary nor to fiction, but exists, and is inhabited (by us). 52

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DAMIÁN ORTEGA Cidade do México, 1967; vive na [lives in] Cidade do México Composición concreta [Concrete composition] 2002 2 de 6 c-prints [2 of 6 c-prints] 40 x 50 cm cada [each] ed. 5, 2 PA [AP] cortesia do artista e [courtesy the artist and] kurimanzutto, Cidade do México Mampara 2004 metal e concreto [metal and concrete] 150 x 260 cm coleção particular [private collection], Lisboa cortesia [courtesy] Galeria Luisa Strina, São Paulo foto Edouard Fraipont

[Adriano Pedrosa] O que você vai expor na 27a. Bienal? Do lado de fora vou montar Spirit and matter [Espírito e matéria] (2004), que é uma série de módulos ou espaços delimitados, feitos com material de segunda mão. É uma espécie de vila de autoconstrução ou de assentamento irregular. Os materiais são muito variados: madeira, mdf, lâminas. Meu interesse era criar um espaço onde o mais importante fosse a experiência física do visitante. Trata-se de algo parecido com um labirinto, onde às vezes se perde a referência do que é interior ou exterior. A materialidade da obra faz com que a relação do visitante seja muito corporal e curiosa, já que provoca o envolvimento com o espaço. As pessoas podem se sentir envolvidas pela obra assim como nos Penetráveis, de Oiticica. No entanto, existe uma outra relação importante, que é a visão que se tem da obra a distância. Das janelas do prédio da Bienal é possível ter uma vista aérea da obra. É uma imagem clara, através da qual pode-se perceber que cada um dos módulos forma uma letra e o conjunto, a palavra “spirit”. Essa é uma leitura mais conceitual, fria. A idéia era tomar distância de uma experiência e criar uma memória a seu respeito. Ter uma visão interna e outra externa, estar dentro ou próximo de uma situação para, depois, compreendê-la à distância. Como se fosse uma relação entre matéria e espírito, daí o título da obra. Vou expor também seis fotografias que fiz na rua, de diferentes padrões geométricos formados em calçadas quando as ruas são abertas para consertos no subsolo e recobertas com diferentes tipos de concreto. O resultado são composições abstratas que resgatei para construir painéis ou biombos dispostos na vertical como muralhas. É algo parecido com a subversão da realidade, a transformação do plano em algo tridimensional. A história dessa obra nasceu há muito tempo. Quando eu era criança ouvi dizer que, quando os Sandinistas entraram nas ruas de Manágua, utilizaram as pedras do pavimento soltas nas avenidas para fazer as barricadas e defender-se dos disparos, levantando muros com as pedras do piso. Qual o seu interesse na geometria abstrata e na arte contemporânea brasileira? Tenho interesse pela diferença que

se pode estabelecer, por exemplo, com o minimalismo, que parece ter um sentido mais norte-americano e protestante de entender a realidade. Assim como tendem a ser as leituras colonialistas, parece agora que o minimalismo detém a patente única da arte geométrica. Por sorte, a história da geometria é tão extensa como a história da matemática, da astronomia ou da pintura. Nos anos 1990, a demonstração do mínimo se converteu em lugar comum, assim como foi o kitsch nos anos 1980.

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[Adriano Pedrosa] What will you show in the 27th Bienal?

Outside I will show Spirit and matter (2004), a series of modules or bounded spaces made with second-hand materials. It is a kind of self-built village or squatting. Materials vary: wood, mdf, sheets. I was interested in creating a space where the visitor´s physical experience would be the most important thing. It is akin to a labyrinth, where one sometimes loses the reference of what is inside or outside. As it elicits involvement with space, the work´s materiality causes the visitor´s rapport to be largely corporeal and curious. People may feel wrapped up in the work as in Oiticica´s Penetrables. Yet there is another important relationship, which is the view of the work from afar. It is possible to have an aerial view of the work from the Bienal building´s windows. It is a clear image, through which one can see that each module forms a letter and their set forms the word “spirit”. That is a cooler more conceptual reading. The idea was to distance oneself from an experience and create a memory about it. To have an internal view and an external one, to be inside or near a situation to understand it later from afar. As if it were a relation between matter and spirit, therefore the work´s title. I will also show six photos I took on the street, of different geometrical patterns on the sidewalks when streets are opened up for underground repairs and covered with different types of concrete. I took the resulting abstract compositions to build panels or screens uprighted like walls. It is something like the subversion of reality, like turning the plane into something threedimensional. This work´s history was born long ago. When I was a kid, I heard that when the Sandinistas broke into the streets of Managua they used the loose stones of the street pavement to make barricades and ward off the shots, erecting walls with paving stones. What interests you in abstract geometry and in Brazilian contemporary art? I am interested in the difference be-

tween it and minimalism, for instance, which seems to have a more American and Protestant way of understanding reality. Much like colonialists readings, minimalism now seems to own the sole patent on geometric art. Luckily, the history of geometry is as extensive as the history of mathematics, astronomy or painting. The demonstration of the minimal became a commonplace in the 1990’s, just like kitsch was in the 1980’s.

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DAN GRAHAM Urbana, Estados Unidos [United States], 1942; vive em [lives in] Nova York Swimming pool/Fish pond [Piscina/Lago de peixes] 1997 madeira, metal e vidro [wood, metal and glass] 31,8 x 106,7 x 106,7 cm coleção [collection] Patrick Painter Editions cortesia [courtesy] Marian Goodman Gallery, Nova York Yin/Yang pavilion [Pavilhão Yin/ Yang] 2001 vidro espelhado de dois lados, acrílico, chumbo, linóleo, pequenas pedras e água [two-way mirror, plexiglass, lead, linoleum, small stones and water] cortesia [courtesy] Marian Goodman Gallery, Nova York [Kitty Scott] Qual é sua história com o Brasil? Estive no Brasil três vezes. Um colecionador de Belo Horizonte convidou-me para criar um pavilhão, Bisected triangle, Interior curve [Triângulo bipartido, curva interior] (2002) e o realizei há uns dois anos. Vi a casa Kubitschek, projetada por Oscar Niemeyer. Naquela viagem, não cheguei a ir a São Paulo. O que é importante na casa Kubitschek? Ela é pequena. Oscar Niemeyer é bom quando trabalha em pequena escala. Entrei nela, era íntima e bela. Interesso-me também pela arquiteta ítalo-brasileira Lino Bo Bardi (1914–1992). [Dan vai buscar um livro sobre ela]. Boa parte de seus últimos trabalhos está voltada para o vernacular. Esta é uma imagem da Fábrica da Pompéia (1977–86). Era uma fábrica antiga, e ela a converteu em um centro comunitário. Isto aqui é uma quadra de basquete. É claro que as pessoas que trabalharam lá têm idéias nostálgicas sobre aquele lugar. Gosto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, projetada por João Batista Vilanova Artigas (1915–1985). Foi encomendada em 1961 e tem um grande sentido comunitário marxista. Você vai expor no prédio da Bienal projetado por Niemeyer? Sim, com exceção de um novo pavilhão, que se si-

tuará fora. Haverá uma mini-retrospectiva de meu trabalho no contexto de uma exposição maior. Os curadores queriam exibir Body press [Compressor de corpo] (1970–72), mas não tenho certeza se isso acontecerá. Mostrarei algumas maquetes novas, incluindo Double exposure [Dupla exposição] (1995–96), Swimming pool/Fish pond [Piscina/lago de peixes] (1997). Eles querem Homes for America [Lares para a América] (1966–67) apresentado sob a forma de slides projetados. Meu novo pavilhão possui curvas e muitas pessoas disseram que eu não deveria usá-las por ser uma referência óbvia demais a Niemeyer. Mas você sabe que eu gosto de arremedar, de parodiar e em seguida pôr tudo de cabeça para baixo. Meu pavilhão é muito mais barroco, com distorções anamórficas de um lado e diz muito respeito ao céu, enquanto o trabalho de Niemeyer tem mais a ver com o corpo. Este pavilhão será também muito orientado para a paisagem. Isso provavelmente se deve à influência de Dan Flavin, que se interessava pela Escola de Hudson River e por Casper David Friedrich. O “Americano Sublime”? Sim, é muito por aí.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

[Kitty Scott] What is your history with Brazil? I have been there three times. A collector from Belo Horizonte invited me to do a pavilion — Bisected triangle, Interior curve (2002) — and I went down there to site it about two years ago. I saw Oscar Niemeyer’s Kubitschek house. Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902–1976) was President of Brazil and during that time he oversaw the development of the new capital Brasília. On that trip I never made it to São Paulo. What is important about Kubitschek house? It is small. When Niemeyer works small he is good. I went inside, it was intimate and beautiful. I am also interested in the ItalianBrazilian architect Lina Bo Bardi (1914–1992). [Dan goes and gets a book on her.] Much of her later work is about the vernacular. This is a picture of the Fábrica da Pompéia (1977–86). It was an old factory and she converted it into a community center. This is a basketball court. Of course the people who worked there have nostalgic ideas about the place. I like João Batista Vilanova Artigas’s (1915–1985) School of Architecture at the University of São Paulo that was commissioned in 1961; it has a great sense of Marxist communiality. Are you exhibiting in Niemeyer’s Bienal building? Yes, with the exception of a new pavilion which will be sited outside. There will be a mini-retrospective of my work within the larger exhibition. The curators wanted to show Body press (1970–72), but I am not sure that will happen. I am going to show some models, including Double exposure (1995– 96), Swimming pool/Fish pond (1997). They want Homes for America (1966–67) as a slide projection. My new pavilion has curves and various people have said I shouldn’t use curves because it is too obvious a reference to Niemeyer. But you know I like to mimic and parody and then turn everything upside-down. My pavilion is much more baroque with the anamorphic distortions on one side, and it is very much about the sky, whereas Niemeyer’s work has more to do with the body. This pavilion is highly landscape-oriented too. This is probably due to the influence of Dan Flavin who was interested in the Hudson River School and Casper David Friedrich. The “American Sublime”? Yes, very much so.

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DETANICO & LAIN Caxias do Sul, Brasil, 1974 e [and] 1975; vivem em [live in] São Paulo e [and] Paris Pilha [Pile] 2003 sistema de escritura [system of writing] Antes de mais nada [Before anything else] 2003 tijolos [bricks] 100 x 360 x 10 cm cortesia [courtesy] Galeria Vermelho, São Paulo

[Fernanda Nogueira] Como começou a carreira artística de vocês? Como se tornaram uma dupla? Nós nos conhece-

[Fernanda Nogueira] How did your artistic career begin? How did you become partners? We met in our late teens. In

mos no fim da adolescência. Na metade dos anos 1990, nos mudamos para São Paulo, onde trabalhamos juntos com design gráfico. Enquanto um pesquisava a produção de sentido em textos verbo-visuais em um mestrado em lingüística e semiótica, outro se dedicava à produção tipográfica, desenhando fontes. Foi na tipografia que nos encontramos artisticamente, entre imagem e texto: nossos primeiros trabalhos foram fontes como Utopia (2001) ou Delta, projetos que nos permitiram articular as duas pesquisas que desenvolvíamos paralelamente. Ainda trabalhamos com as mesmas ferramentas que aprendemos a utilizar lá atrás. A diferença é que durante o processo passamos a nos interessar mais pela estrutura do que pela forma.

the mid-1990s we moved to São Paulo, where we worked together with graphic design. While one researched the production of sense in verbal-visual texts for a linguistics and semiotics master’s degree, the other was involved in typographic production and designed fonts. Typography was our artistic meeting point, between image and text: our first works were fonts like Utopia (2001) or Delta, two projects that allowed us to articulate the researches we developed in parallel. We still work with the same tools we learned to use back then. The difference is, in the process we began to watch more for structure rather than form.

Qual é o processo de criação de um projeto gráfico como o que apresentam no livro Como viver junto? Nossos tra-

balhos nascem de discussões. Conversamos muito antes, durante e depois da realização dos trabalhos. Em certo sentido, para nós a arte é uma decorrência de viver junto, de compartilhar observações, experiências, reflexões. Como se as idéias de um reverberassem, ganhassem amplitude no outro e fossem enviadas de volta, não como eco, mas como feedback, complementadas, modificadas, retrabalhadas. O processo é esse, independentemente da mídia em que o trabalho é realizado, seja um livro, um vídeo, uma instalação. Como lidam com as particularidades culturais e a recepção dos trabalhos em diferentes países do mundo? É uma

questão com a qual estamos trabalhando agora, preparando nossa participação na Trienal de Echigo-Tsumari, no Japão, em julho. Vamos apresentar Pilha Kana, a versão de Pilha para a língua japonesa. Pilha é um sistema de escritura que permite escrever com objetos; em vez de desenharmos as letras, “escrevemos” com pilhas de tijolos, de caixas de papelão ou borrachas, por exemplo. As letras se diferenciam pela altura das pilhas, cuja quantidade de objetos é determinada pela ordem alfabética. Assim, um tijolo corresponde à letra ‘a’, dois, à ‘b’, três à ‘c’… Há algum tempo, pensamos em como o projeto funcionaria para as línguas que não utilizam o alfabeto latino. O trabalho de adaptação significou entrar na cultura japonesa por meio de sua escritura, os silabários Hiragana e Katakana e os ideogramas Kanji. A versão “Kana” acabou ganhando um novo eixo para espelhar a tabela em que os japoneses organizam seus signos/sílabas: o empilhamento vertical determina os sons consoantes, e o horizontal distingue as vogais. A combinação dos dois constrói um sentido.

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What is the creative process of a design project like the one you present in the book Como viver junto [How to live together]? Our works spring from discussions. We talk a

lot before, during and after our work is done. In a certain sense, art is to us a consequence of living together, of sharing observations, experiences, reflections. As if one ’s ideas reverberated, gained amplitude in the other and were sent back, not as echo but as feedback, complemented, modified, reworked. This is the process, regardless of the medium the work uses, whether it is a book, a video, an installation. How do you deal with cultural particularities and the reception of the work in the different countries of the world?

It’s an issue we are dealing with right now, as we prepare our Echigo-Tsumari Triennial participation in Japan in July. We will show Pilha Kana [Kana pile], the Japanese version of Pilha. Pilha is a writing system which allows one to write with objects; instead of drawing letters, we “write” with piles of brick, cardboard boxes or rubber, for example. The letters are differentiated by the pile height, in which the object quantity is determined by alphabetical order. Thus one brick corresponds to ‘a’, two to ‘b’, three to ‘c’… Some time ago, we thought about how the project would work with non-Latin languages. The adaptation work meant entering Japanese culture through its writing, Hiragana and Katakana syllabaries, and Kanji ideograms. The “Kana” version ended up with a new axis to mirror the table used by the Japanese to organize their signs/syllables: vertical piling determines consonants, horizontal piling, vocals. Combining both builds a meaning.

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DIANGO HERNÁNDEZ Sancti Spiritus, Cuba, 1970; vive em [lives in] Trento e [and] Düsseldorf Drawing (My birds don’t want to come back) [Desenho (meus pássaros não querem mais voltar)] 2006 caixas de som, mesa, banco, desenho [speakers, table, stool, and drawing] 205,7 x 384 x 53,5 cm coleção particular [private collection], Lisboa cortesia [courtesy] Alexander & Bonin, Nova York, Galería Pepe Cobo, Madri e [and] Frehrking Wiesehöfer, Colônia [Cologne] foto Jason Mandella

[Ulrike Groos] Você nasceu em Cuba, e foi para a Europa em 2003, inicialmente para a Itália e a Espanha. Mora há um ano na Alemanha. Cuba e seu relacionamento com os Estados Unidos constituem um tema perene de seu trabalho. Como seu envolvimento com essa questão se modificou, desde sua ida para a Europa? Uma coisa é ser

[Ulrike Groos] You were born in Cuba and came to Europe in 2003, first of all to Italy and Spain, and for a year now you have been in Germany. Cuba and its relationship with the USA is a perennial theme of your work. How has your engagement with this subject matter changed since you have been living in Europe? One thing is to be a witness

testemunha e outra, espectador. A partir da Europa, tornei-me aquele espectador que tinha sido testemunha e, ao mesmo tempo, vítima, vítima de um conflito permanente e absurdo que marcou cada dia de gerações inteiras de cubanos. Esse conflito cubano-americano está no âmago da maior parte de minhas reflexões, pois me permite formular como as questões políticas internacionais podem modificar radicalmente nossas perspectivas de futuro. Como estou na Europa, minha percepção do conflito é mais dramática, agora posso me referir à escala dos prejuízos causados, sobretudo àqueles causados ao povo, porque, no final, um país pode ser reconstruído facilmente.

and another is to be a spectator; from Europe I became that spectator who has been once a witness and at the same time a victim, a victim of a permanent and absurd conflict that marked every single day of entire generations of Cubans. This Cuban-American conflict is at the core of most of my reflections because it allows me to formulate how the international politics issues can radically change our perspectives of the future. Since I am in Europe my perception of the conflict is more dramatic, now I can tell the scale of the damages done, especially the ones done to the people; because, in the end, a country can be easily rebuilt.

Sua investigação sobre a política e a sociedade encontra uma expressão metafórica em seu trabalho, no qual você estabelece a conexão entre objetos encontrados no campo da tecnologia da comunicação, tais como o rádio, altofalantes, antenas etc., com o som e a linguagem, a fim de criar obras poéticas delicadas. Política e poesia: como isso funciona? A fantasia é a única coisa que pode operar mila-

gres. A alteração mental de um fato real crítico poderia ser o ponto de partida para transformar a realidade mutante em algo melhor. A supersaturação das manipulações políticas, pelas quais passou minha geração, nos leva a criar histórias hilárias sobre presidentes, diplomatas, espiões etc. Sempre encarei a política como uma forma de poesia, pois na maior parte das vezes seu nível de irrealidade era muito elevado e surreal. Em meu trabalho desenvolvo essas espécies de arranjos políticos, absurdos, através de objetos encontrados, e no qual a “realidade” é deformada por uma única frase de cunho político. Fale sobre seu novo trabalho para a 27a. Bienal. Estou trabalhando na construção do intocável, uma área restrita, que está “preservando” algo que se assemelha a um desenho tridimensional vermelho. Trabalho também num vídeo sobre Laika, aquela cadela vira-lata que se tornou o primeiro ser vivo da Terra a entrar em órbita espacial. Foi uma das histórias políticas que nos levou a acreditar que a Rússia era o nosso ideal de futuro.

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Your research into politics and society finds metaphorical expression in your works in which you connect found objects from the field of communication technology — such as radio, loud speakers, antennae, etc. — with sound and language to create delicate poetic works. Politics and poetry: how does that function? Fantasy is the only thing that

can make miracles, the mental alteration of a critical real fact could be the starting point for changing reality itself into something better. The oversaturation of political manipulations that my generation experienced pushes us to develop hilarious stories about presidents, diplomats, spies, etc. I always saw politics as a form of poetry because their level of irrationality was in most cases very high and surreal. In my work I develop these kinds of political, absurd arrangements with found objects where “reality” is twisted by a single political phrase. What is your new work for the 27th Bienal like? I am working on the construction of the untouchable, a restricted area which is “preserving” something that is like a red three-dimensional drawing. Also I am working on a video about Laika, the Russian street dog that became the first living creature from Earth to enter orbit. One of the political stories that made us think that Russia was our ideal of the future.

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DIDIER FAUSTINO Paris, 1968; vive em [lives in] Paris e [and] Lisboa Les racines du mal [As raízes do mal/The roots of evil] 2006 vários materiais [various materials] encomenda pública do Ministério de Cultura e Comunicação, França [public comission of the Ministry of Culture and Communication, France] Centre National des Arts Plastiques

[Rodrigo Moura] Qual é o seu projeto para a 27a. Bienal?

[Rodrigo Moura] What is your project for the 27th Bienal?

Les racines du mal [As raízes do mal] é uma ilhota de reunião. Trata-se de um poste cuja base é feita de correntes de âncoras tentaculares. Estas formam uma cúpula virtual, sob a qual assentos e outras peças de mobiliário urbano podem ser colocados. Les racines du mal tem por objetivo estruturar um espaço público criando um microespaço público. Diferente de um poste, que tem uma base mínima, Les racines du mal tem uma base estendida, que forma uma ilhota dentro do espaço público. Ele gera um lugar para pequenas reuniões, ao mesmo tempo em que rejeita agrupamentos massivos.

Les racines du mal [The roots of evil] is an islet of gathering. It is a lamppost whose base is made of tentacular anchor ties. These form a virtual dome under which seats or other urban furniture can be set up. Les racines du mal aims at structuring a public space by creating a micro-public space. Unlike an ordinary lamppost, which has a minimal base, Les racines du mal has a sprawling base, which forms an islet within the public space. It generates a place for a small gathering while simultaneously preventing massive regrouping.

Existe alguma relação entre o seu projeto com o Pavilhão da Bienal e a arquitetura de Oscar Niemeyer? Sim, se con-

siderarmos o Pavilhão de Oscar Niemeyer pelo que é… um território propício à experimentação. Trabalhando como arquiteto e, portanto, com projetos, qual a importância do processo e da preparação no seu trabalho? É o tempo do diálogo, um projeto nunca é um

ato solitário. Você tem muitos projetos não realizados? Poderia comentar o papel que eles têm na sua obra? O valor de um projeto

é independente de sua concretização física, conta apenas sua capacidade de questionar nosso mundo… E, depois, para o que é a concretização de um projeto, eu acredito no que diz Samuel Fuller: “Apenas a ficção pode mudar o mundo…”. Como utopia e efetividade política se articulam no seu trabalho? Não há articulação possível, a utopia é uma noção

virtual: admiti-lo é aceitar fazer o que é possível com o que nos oferece o real. Como o seu trabalho se articula com o mundo (áreas públicas, a rua, a cidade) e o espaço específico voltado para a arte (galerias, museus, bienais)? Citando Hélio Oiticica, “museu é o mundo”? A arte se tornou hoje o laboratório

Does your project bear any relation with the Bienal Pavilion and Oscar Niemeyer’s architecture? Yes, if we

consider Oscar Niemeyer’s pavilion for what it is… a territory appropriate for experimentation. Having worked as an architect, and thus with projects, what is the importance of the process and the preparation in your work? It’s the time of the dialogue, a project is

never a lonely act. Do you have many nonexecuted projects? Could you comment on the role they have in your work? The value of a

project is independent from its physical realization; what counts is its capacity to question our world… Moreover, considering the realization of a project, I believe in what Samuel Fuller used to say: “Only fiction can change the world…” How do utopia and political effectiveness articulate themselves in your work? There ’s no possible articulation, uto-

pia is a virtual notion: to realize it is to accept to do things with the possibilities that the real can offer us. How does your work articulate itself with the world (public areas, the street, the city) and the specific space designed for art (galleries, museums, biennials) — to quote Hélio Oiticica, “museum is the world”? Today, art has be-

come the world’s laboratory.

do mundo.

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DOMINIQUE GONZALEZ-FOERSTER Estrasburgo, 1965; vive em [lives in] Paris 35mm 15 min cortesia [courtesy] Esther Schipper, Berlim

[Lisette Lagnado] Há três dias que você passeia pelos arredores do Pavilhão da Bienal e visita os diferentes edifícios do Parque Ibirapuera. Quais são suas primeiras impressões?

Vi o Pavilhão de Astrofísica, rodeado por tapumes. Está em obras, sem data para reabrir. Visitei também o Planetário, pois há muito penso programar o mecanismo de um planetário de outra maneira. Queria desviar este instrumento para um espetáculo completamente diferente… uma seqüência possível ao Cosmodrome (2001). Você descobriu um local, uma pergunta, para teu novo trabalho? Sim, há uma pergunta importante, quando se sabe

que o Auditório só foi construído recentemente. Será que um artista vivo — Niemeyer — pode retomar uma de suas obras quando ela já é pública? Acho que sim. Descobri também um espaço fabuloso no Auditório: uma porta gigantesca de 14 toneladas, que abre diretamente para o parque, como um filme panorâmico em três dimensões. Pode-se usar o palco dos dois lados! Abaixo do palco há uma escola, um programa social para criar um grupo sinfônico, com crianças músicas vindas de bairros desfavorecidos. O que mais a deixou empolgada no Pavilhão da Bienal?

O segundo andar. É uma lufada de adrenalina e de espaço. O exterior penetra em abundância. A marquise também me impressiona muito. É um espaço sem um dentro nem um fora, nem fechado nem aberto. Não consigo aproximá-lo a nenhum outro espaço conhecido. Você já está sabendo o que gostaria de fazer? Para a marquise, tenho várias proposições e não uma única. Isolar um “momento-situação”, quando a luz está de um jeito ou de outro. Um diálogo com a arquitetura. Há dois anos, decidi fazer uma pausa com exposições para trabalhar em profundidade. Estou de volta com esta Bienal. Mas ainda me interrogo muito, desvio cada vez mais em direção à arquitetura e ao cinema. Tenho problemas com o aspecto temporário da exposição, porém gosto dessa liberdade do espectador, que pode circular como quiser, sair quando quer. Este convite vindo do Brasil me agrada muito, mas é delicado. É como receber de volta uma encomenda: não se tropicaliza o tropical! Em 1999 eu havia criado Tropicale modernité, no pavilhão de Mies van der Rohe, em Barcelona. Agora o desafio é duplo, crucial até. O que fazer com/dentro do lugar que serviu de fonte para tantos projetos?

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Plages [Praias/Beaches] 2001 filme

[Lisette Lagnado] For the last three days you have been wandering about the Bienal Pavilion and visiting different buildings in Ibirapuera Park. What are your first impressions? I have seen the Astrophysics Pavilion, which is cur-

rently screened off and undergoing reconstruction, with no reopening date yet announced. I have also visited the Planetarium. For a long while I have been thinking about programming planetarium machinery in another way. I wanted to appropriate that instrument into a totally different spectacle… a possible follow-up to Cosmodrome (2001). Have you discovered a place, an interrogation, for your new work? Yes, given that the Auditório has been recent-

ly built, an important question arises. Can a living artist — Niemeyer, in this case — resume one of his works once it has been made public? I believe so. I have also found a fabulous space in the Auditório: a gigantic door weighing 14 metric tons that opens directly onto the park, like a 3-d panoramic movie scene. The stage can be used from both sides! What is more, under the stage there are classrooms used in a social program aimed at creating a symphonic band formed by youth performers coming from disadvantaged neighborhoods. What, inside the Bienal Pavilion, have you found to be most exciting? The second floor. It came as a gust of adren-

aline and space. The outside gushes in. The canopy is also quite impressive. It’s a space that has neither inside nor outside; it’s neither open nor enclosed. I cannot compare it with any other space I know. Have you decided on what you would like to do? For the canopy I have several proposals, rather than a single one. To freeze a “moment-situation” under different lightings. To engage in a dialogue with architecture. Two years ago I decided to set exhibitions aside temporarily to work more profoundly. I start showing again at this Bienal, but I am still asking myself many questions. I increasingly move towards architecture and film. I have trouble with the temporary aspect of exhibitions; I love the freedom of those spectators who circulate any way they please, and leave whenever they feel like it. This invitation to show in Brazil quite pleases me, though it is as touchy as a return to sender: one cannot tropicalize the tropical! In 1999 I showed Tropicale modernité at the Mies van der Rohe pavilion in Barcelona. Now the challenge is dual and even crucial. What to do with and in a place that has been the source of so many projects?

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ELOISA CARTONERA Fundado em [founded in] 2003 por [by] Javier Barilaro e [and] Washington Cucurto; baseado em [based in] Buenos Aires Capa do livro Masturbación [book cover] 2006 design Cuqui guache sobre papelão [gouache on cardboard] 15 x 21 cm cortesia [courtesy] Eloisa Cartonera, Buenos Aires

[Santiago García Navarro] Qual é a sua intenção ao levar o Eloisa Cartonera à Bienal? [ Javier Barilaro] Reproduzi-

[Santiago Garcia Navarro] Why did Eloisa Cartonera decide to take part in the Bienal? [ Javier Barilaro] Our in-

remos nosso projeto em São Paulo: faremos livros com os catadores de papelão paulistas, publicaremos escritores brasileiros, tudo isso diante do público. Funcionaremos tanto dentro do pavilhão, quanto fora dele, recebendo o papelão que os catadores trouxerem. Quando terminar a Bienal, uma “Eloisa Cartonera Paulista” continuará funcionando. Ampliaremos o alcance de nosso projeto construindo um espaço físico ideal para o Eloisa Cartonera. Assim como os livros, os materiais utilizados deverão proporcionar uma inclusão não só simbólica mas também concreta. A exposição fria dos livros, por mais que sejam lindos, não faria o projeto crescer, perderia sua intenção primordial de intercâmbio.

tention is to reproduce our project in São Paulo: we will be producing books in collaboration with the city’s cardboard collectors, publishing Brazilian authors, all of which will be performed in full view of the public. We’ll be operating from within the pavilion, exhibiting outside of it, gathering the cardboard brought to us by the street collectors. Once the Bienal is over a version of “Eloisa Cartonera Paulista” will continue to run. We will expand the scope of our project by constructing an ideal physical space for Eloisa Cartonera. As in the case of the books, the materials used should trigger not only a symbolic inclusion, but also a concrete one. The dry exhibition of books, however attractively presented, would not help the project to develop and would thus lose sight of the underlying purpose of an exchange.

Como você descreveria essa necessidade de construir uma escultura social? Quando começamos a fazer livros, era

uma iniciativa desconectada da situação urgente em que a Argentina se encontrava (2001). Foi então que surgiu essa idéia de utilizarmos o papelão do cartonero [catador de rua]. Com a experiência adquirida nos demos conta de que a escultura social se modela no tempo presente e que um refinamento conceitual, sem a participação real daqueles que de fato nunca chegariam a freqüentar uma aula de artes, seria antiestético para nós. No entanto, este é um projeto, e não um resultado preciso — cada limite é repensado no diaa-dia, inclusive as descobertas conceituais de si mesmo —, nem a estética proposta é solene… Como a sua rede é constituída e como se mantém? A rede de colaborações é ampla e difícil de sintetizar. Muitas pessoas participaram da formatação do projeto, de maneira espontânea e desordenada. Tudo se expõe, quem se interessa pode participar: escritores, catadores de papelão, artistas. Mas o que realmente nos sustenta é a diversão de participar do projeto. Como foi o processo de construção do Eloisa Cartonera nesses três anos? Começamos em março de 2003, Wa-

shington Cucurto e eu. Em agosto, veio Fernanda Laguna e ofereceu um espaço onde os cartoneros começaram a trabalhar. Tínhamos também uma quitanda onde organizávamos mostras. A segunda etapa foi quando o projeto editorial se consolidou sob a direção de Cucurto, com uma produtividade maior. E na terceira e atual fase, temos mais debates e uma menor produtividade em números, mas um investimento maior em tempo de produção e mais cuidado no acabamento de cada livro.

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How would you describe this need to generate a social sculpture? From the outset we considered the business of

producing books as somehow disconnected from the urgent situation in Argentina (2001), and we came up with this solution of making them out of cardboard collected by cartoneros [street collectors]. Once we’d gained experience we realized that social sculpture is modeled on a constant flow of present time and that a conceptual refinement without the meaningful participation of those who would never ordinarily set foot in an art gallery would be anti-aesthetic for us. However, this is a project, never an end result — each boundary is reconsidered on a daily basis, including conceptual discoveries of itself — nor is the aesthetic, as proposed, a solemn affair. How is your network generated and supported? The support network is extensive and difficult to summarize. Many people have taken part in setting up the project, in a spontaneous, haphazard sort of way. All is exhibited. Whoever’s interested takes part: writers, cartoneros, artists. Our main sustenance is the enjoyment that this activity gives us. What has it been like, setting up Eloisa Cartonera over these last three years? There is a background to this. It all

began in March 2003 with Washington Cucurto and myself. In August, Fernanda Laguna joined and provided a space where the cartoneros started to work. We even had a greengrocer’s where we held exhibitions. The second stage consisted of the consolidation of the plan to set up a publishing house, under the single-handed directorship of Cucurto, with a higher turnover. The third and current phase includes more discussion, less productivity in terms of numbers, greater investment of time spent on carrying it out, and greater care devoted to the finished product, the book. 66



ESRA ERSEN Ancara, 1970; vive em [lives in] Istambul e [and] Berlim If you could speak Swedish [Se você pudesse falar sueco] 2001 vídeo 23 min cortesia da artista e [courtesy the artist and] Moderna Museet, Estocolmo

[Juan Antonio Álvarez Reyes] O problema da emigração e suas repercussões sociais e individuais são muito relevantes em seus trabalhos. O Brasil foi um país de imigrantes e isso acarretou uma mudança estrutural. Você discute esse tema em Parachutist in third floor, birds in laundry [Pára-quedista no terceiro andar, pássaros na lavanderia] (2005). Poderia explicar-nos de que maneira isso ocorre?

[Juan Antonio Álvarez Reyes] The emigration problem and its individual and social repercussions are very relevant in your works. Brazil was an immigrant country, and this brought about a structural change. You discuss this subject in the video Parachutist in third floor, birds in laundry (2005). Could you explain to us in which way this happens? Whenever the topic of human rights is raised in

Sempre que se levanta a questão dos direitos humanos nos contextos europeus, a atenção é canalizada para o território do “terceiro mundo”. As discussões são dominadas por um olhar que se recusa a enfrentar a imperfeita auto-imagem dos países europeus e resignifica seus próprios problemas sociais pela exploração representacional dos Outros. Concentro-me no fato de como essa atitude escapista vem sendo exemplificada na democracia social sueca, um sistema administrativo que tem sido um dos modelos mais elogiados para a Europa. Tentei enfatizar o fato de que um sistema que pretende oferecer uma redistribuição igualitária de direitos e de liberdade transformou-se num complicado mecanismo de controle. Nesse esforço, tentei trazer para o primeiro plano as experiências das pessoas num universo micro, mais do que nos efeitos e nas conseqüências dessas políticas numa escala macro.

European contexts, the attention is channeled to the “third world” territory. The discussions are dominated by a gaze which avoids facing their faulty self-image and resignifies their own social problems through the representational exploitation of the Others. I concentrated on how this escapist attitude is being exemplified in the Swedish social democracy, an administrative system that has been one of the most praised models for Europe. I tried to underline the fact that a system claiming to offer an egalitarian redistribution of rights and freedom has turned into a complicated control mechanism. In this pursuit, I tried to foreground the microlevel experiences of people rather than the consequential effects of these policies on macro scale.

No vídeo This is the Disney World [Este é o mundo Disney] (2000) você segue um grupo de crianças de rua em Istambul. Como pensa que esse trabalho poderia ser percebido no Brasil, onde o fenômeno das “crianças de rua” apresenta tamanha magnitude em suas cidades? As mudanças

sociais têm se refletido sobre a imigração, acompanhando o rápido movimento da industrialização e da civilização. À medida que cresce o número de imigrantes, aumenta o desafio de dar conta da cidade. Durante esse processo surgem problemas, em vista da imigração. Problemas financeiros, ausência de educação e assistência social ou violência na família levam as crianças às ruas. A maioria delas é viciada em drogas e, ao usá-las, elas encontram um grupo, ao qual se integram. Elas conseguem lidar com as duras condições da rua e, portanto, podem divergir da realidade que encontram nessas ruas. Essas crianças são definidas como os aspectos criminosos da cidade e têm sido colocadas em prisões, sem que seja levada em conta a relativa importância de suas transgressões. Desse ponto de vista, não existe tanta diferença, no que diz respeito às crianças de rua no Brasil. Esse processo termina por considerar as crianças de rua culpadas, em vez de o próprio sistema. Livrar-se dessas crianças e higienizar as ruas é visto como solução para esses problemas, mas enquanto a raiz desses problemas não for resolvida, essa situação levará a muitas outras. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

In the video This is the Disney World (2000), you follow a group of street children in Istanbul. How do you think this work could be perceived in Brazil, where the “street children” phenomenon has such a big magnitude in the cities?

Social changes have reflected upon immigration with the rapid movement of industrialization and civilization, and, as the number of immigrants rises, the challenge of getting hold of the city increases. During this process, problems arise due to the fact of immigration. Financial problems, lack of education and social aid or violence in the family lead the children to the streets. Most of these children are drug addicts who, by using drugs, find a group to join. They can handle the harsh street conditions hence they can diverge from the reality of the streets. These children are defined as the criminal aspects of the city, and have been put in prison regardless of the relative importance of their offense. From this point of view, there is not much of a difference with the street children in Brazil. And this process ends up finding the street children guilty rather than the system itself. Getting rid of these children and cleaning the streets is seen as a solution to these problems, but as long as it is not solved from the roots it will lead to many other problems.

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FASTWURMS Formado em [formed in] 1979 por [by] Kim Kozzi e [and] Dai Skuse; baseado em [based in] Creemore, Canadá Telepathacats [Gatos telepáticos] 2003 vídeo 3 min 45 s

[Cristina Freire] Como vocês vêem a relação entre seus filmes e a arte pública e de performance? Quando estamos

[Cristina Freire] How do you see the relationship of your films with performance and public art? When we are in

no controle dos meios de produção e de exibição, as distinções de mídia desaparecem e nosso trabalho, baseado no tempo, torna-se uma mescla multidisciplinar, contígua a nossa arte pública e de performance.

control of the means of production and display, then media distinctions are erased and our time-based work becomes part of a multidisciplinary mix, contiguous with our performance and public art.

Qual é o papel das bruxas e dos gatos em sua narrativa mitológica? Como bruxas estamos criticamente envolvidos

What is the role of witches and cats in your mythological narrative? As witches we are critically involved with issues

em questões de auto-representação e na praga da política da identidade. Às vezes, por causa dos compradores, temos de traduzir essas questões para a língua do marketing e da lógica capitalista como um exercício de recriação de marca. Descubra a assembléia das bruxas. Forme o círculo. Cultive seus espíritos familiares. Celebre a mágica da elegância terrorista da “velha eskola”. Invista em Bast*. Faça do gatinho selvagem seu espírito familiar otimizado n. 1 em termos de animais de estimação matadores, sexy e superbonitinhos! É sempre um desafio para nossa assessoria de imprensa quando nossa identidade “autêntica” e nosso modo de vida se fundem com a propaganda criminal cristã, os contos de fada e as imagens da fantasia medieval do “eixo do mal”. Temos, sim, longos cabelos brancos, narizes compridos, pele branca e somos banguelas. Moramos no campo, numa casa velha perto de um pântano. Convivemos com morcegos, sapos, rãs, cobras, aranhas e urubus. Tiramos água do poço. Cultivamos gatária, artemísia, beladona e mandrágora. Amamos nossa família de espíritos familiares felinos: dois malhados, um calico, um cinzento e quatro ruivos. Assim, nossa mitologia só trata da representação e da positividade dos bruxos, é uma contranarrativa pagã feita para retomar, transformar o Mal fora de lugar de volta no Bem, convertendo o feio no aprazível. E se você não gosta dessas maçãs, talvez possamos fazer uma catapora bonita para você?

of self-representation and the plague of identity politics. Sometimes, for the sake of the shoppers, we have to translate these issues into the language of marketing and capitalist logic as a rebranding exercise. Discover the coven. Cast the circle. Cultivate your familiars. Celebrate the magic of “old skool” terrorist chic. Invest in Bast*. Let the witch pussycat be your # 1 optimized familiar for profitable super cute killer sexy pets! It’s always a challenge to our public relations campaign when our “authentic” identity and modus vivendi merges with criminal Christian propaganda, fairytales, and the medieval “axis of evil” fantasy images. We do have long white hair, long noses, white skin and missing front teeth. We live in the country in an old house next to a swamp. We fraternize with bats, frogs, toads, snakes, spiders and vultures. Our water comes from a well. We grow catnip, wormwood, belladonna and nightshade. We love our cat familiar family: 2 tabbys, 1 calico, 1 grey, and 4 orange ones. So our mythology is all about representation and witch positivity, a pagan counter-narrative about reclaiming, turning misplaced evil back into good, making ugly into nice. And if you don’t like those apples, perhaps we can make you a pretty pox?

Vocês usam a cinemateca como fonte para sua pesquisa de imagens? Sim. Crescemos fascinados pelo cinema e pela

televisão e ainda somos cativados pelas imagens em movimento. Achamos a cinemateca internacional um patrimônio comum, um tesouro pirata desenterrado e um recurso pós-produção.

Is the archive of films a source for your research of images? Yes. We grew up fascinated by cinema and television

and we are still enthralled by moving images. We think of the international archive of films as a commonwealth, a pirate treasure trove and postproduction resource. * Bast or Bastet: Egyptian goddess protector of cats. [E.N.]

*Bast ou Bastet: deusa egípcia protetora dos gatos. [N. do T.]

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FELIX GONZALEZ-TORRES Guáimaro, Cuba, 1957 – Miami, 1996 Untitled (couple) [Sem título (casal)] 1993 fios, soquetes e lâmpadas [cords, light sockets, light bulbs] dimensões variáveis [dimensions variable] cortesia [courtesy] Andrea Rosen Gallery, Nova York foto Peter Muscato © The Felix Gonzalez-Torres Foundation

[Tim Rollins] Você é uma pessoa envolvida com a política, porém preocupa-se muito com a forma e não se desculpa por isso. Amo questões formais. Elas, na verdade, possuem

[Tim Rollins] You are a political person yet you’re very concerned with form and you’re not apologetic about it. I love

formal issues. Actually they have a very specific meaning. um significado muito específico. As formas retiram seu sig- Forms gather meaning from their historical moment. The nificado de seu momento histórico. O exercício minimalis- minimalist exercise of the object being very pure and very ta do objeto, sendo muito puro e limpo, é a única maneira clean is only one way to deal with form. Carl Andre said, de lidar com a forma. Carl Andre disse: “Meus temas são “My subjects are masses and their subject is matter”. But afmassas, e o tema delas é a matéria.” Mas após vinte anos ter twenty years of feminist discourse and feminist theory de discurso e teoria feminista, acabamos por nos dar conta we have come to realize that “just looking” is not just lookde que “apenas olhar” não é apenas olhar, mas que o olhar ing but that looking is invested with identity: gender, soé investido de identidade: de gênero, status socioeconômi- cioeconomic status, race, sexual orientation… Looking is co, raça, orientação sexual… Olhar é investido de muitos invested with lots of other texts. Minimalist sculptures were outros textos. As esculturas minimalistas jamais foram re- never really primary structures, they were structures that almente estruturas primárias. Eram estruturas revestidas de were embedded with a multidisciplinary of meaning. I think uma multidisciplinaridade de sentido. Penso que dizer que that saying that these objects are only about masses is like esses objetos se referem unicamente a massas é como dizer saying that aesthetics is not about politics. Ask a few simple que a estética não trata de política. Faça algumas perguntas questions to define aesthetics: whose aesthetics? at what historical time? under what circumstances? for what purposes? simples para definir o que é estética. Estética de quem? Em and who is deciding quality, etc.? Then you realize suddenly que momento histórico? Em quais circunstâncias? Com que objetivos? E quem está decidindo a qualidade etc.? Então, and very quickly that aesthetic choices are politics. Are the works a metaphor for the relation between the inde repente e muito rapidamente, você se dá conta de que as dividual and the crowd? Perhaps between public and priescolhas estéticas são políticas. As obras constituem uma metáfora para a relação entre o vate, between personal and social, between the fear of loss indivíduo e a multidão? Talvez entre o público e o privado, and the joy of loving, of growing, of changing, of always entre o pessoal e o social, entre o temor da perda e a alegria becoming more, of losing oneself slowly and then being rede amar, crescer, mudar, de sempre se tornar mais, de se plenished all over again from scratch. I need the viewer, I perder lentamente e então voltar a ser inteiramente pleno, need public interaction. Without a public these works are a partir do zero. Preciso do espectador, preciso da intera- nothing, nothing. I need the public to complete the work. I ção com o público. Sem o público as obras não são nada, ask the public to help me, to take responsibility. To become nada. Preciso do espectador para completar a obra. Peço part of my work, to join in. I tend to think of myself as a ao público que me ajude, que assuma uma responsabilidade. theater director who is trying to convey some ideas by reinTornar-se parte de minha obra, juntar-se a ela. Tenho ten- terpreting the notion of the division of roles: author, public, dência a pensar a meu respeito como um diretor de teatro and director. Your question is more puzzling to me than I que está tentando transmitir algumas idéias reinterpretando had previously thought because, yes, an individual piece of o conceito de divisão de papéis: autor, espectador e diretor. paper from one of the stacks does not constitute the “piece” Sua pergunta me intriga mais do que eu imaginava anterior- itself, but in fact it is a piece. At the same time, the sum of mente, porque uma folha de papel de uma das pilhas não many pieces of the identical paper is the “piece”, but not constitui a “peça” em si, mas é de fato uma peça. Ao mes- really because there is no piece only an ideal height of endmo tempo, a soma de muitas peças de um idêntico papel é a less copies. As you know, these stacks are made up of end“peça”, mas não verdadeiramente, pois não existe peça, ape- less copies or mass-procuded prints. Yet each piece of paper nas uma pilha de infindáveis cópias. Como você sabe, es- gathers new meaning, to a certain extent, from its final dessas estantes são feitas de intermináveis cópias ou impressos tination, which depends on the person who takes it. produzidos em massa. Porém, cada papel, até certo ponto, Edited excerpt of interview published in Felix Gonzalezincorpora um novo significado, a partir de sua destinação Torres, Los Angeles, ART Press, 1993. final, a qual depende da pessoa que o pega. Trecho editado de entrevista publicada em Felix GonzalezTorres, Los Angeles, ART Press, 1993. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

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FERNANDO ORTEGA Cidade do México, 1971; vive na [lives in] Cidade do México Salto de Eyipantla [Fall of Eyipantla] 2001 vídeo transferido para DVD [video transferred to DVD] 2 min 33 s cortesia do artista e [courtesy the artist and] kurimanzutto, Cidade do México

[Ana Elena Mallet] Seu trabalho é caracterizado por presentear o espectador com um espaço de observação e reflexão sobre situações cotidianas que, em circunstâncias normais, não repararíamos. Com a intenção de revelar situações corriqueiras e propor novas soluções para a vida cotidiana, você acredita que hoje em dia o artista tem de assumir um papel de líder ou de crítico social? Eu gosto mais da idéia

[Ana Elena Mallet] Your work is characterized in terms of offering the viewer a space for observation and reflection on everyday situations which ordinarily would go unnoticed. Do you think that nowadays the artist should play a role as a leader or social critic, in the sense of bringing situations to the notice of the man in the street while suggesting new solutions for everyday living? I would be more

de um crítico social que traz à tona novas situações, do que daquele que dá soluções e permanece atado a elas.

in favor of a critic who restricted himself to bringing situations to light rather than one who offered solutions.

Como você definiria este “novo” papel da arte e a participação do artista na sociedade atual? Essencial/Oportunis-

How would you define the “new” role of art and the part played by the artist in today’s world? Essential/

ta/Irresponsável/Pertinente.

Opportunistic/Irresponsible/Relevant.

Nesse “viver-junto” que hoje em dia acontece, quase sempre, no entorno urbano, você acredita que as pessoas vivem ou sobrevivem? Quando ando de bicicleta, tanto vivo

In this current “living together” situation, which today almost always is about urban surroundings, do you think that we live or merely survive? When I ride my bicycle I

como sobrevivo.

both live and survive.

Você acredita que se adaptar ao “viver-junto” implica renunciar à liberdade? Desconfio da minha própria liberdade,

Do you think that adapting oneself to “living together” implies giving up one’s freedom? I’m wary of the notion of

para o bem e para o mal o homem se adapta a tudo.

my own freedom. For better or worse, a person adapts him or herself to everything.

Como você estabeleceria os limites para viver junto sem cair na repressão? Limites móveis que sirvam para um pri-

meiro ordenamento.

How would you set the limits for “living together” without descending into repression? By means of movable limits

Como é possível estabelecer os limites entre a arte e a realidade, já que hoje ambos se referem a situações cotidianas? Limitar algo para ter “controle e clareza” não deixa de

which might serve as a primary means of ordering.

ser uma situação bastante cotidiana.

something in order to obtain “control and clarity” is in itself a very everyday situation.

Como é possível encontrar a justa distância entre você e seu vizinho para que vivam em sociedade de maneira aceitável? Tendo convicções firmes, o resto não passa de acor-

dos e trâmites. Você acredita que o contexto latino-americano do viverjunto seja distinto do restante do mundo? A essência é a

mesma, não há culturas feitas sob medida. Em maior ou menor escala, o indivíduo se esforça e cede terreno. Você acredita que, devido à situação social e política da América Latina, o artista latino-americano deveria assumir um papel diferente daqueles artistas que vivem e trabalham nos Estados Unidos ou na Europa? O indivíduo é

quem dá sentido e direção à informação; a nacionalidade não deve ser um fator de condicionamento ou obrigação.

How is one to establish the limits between art and reality when today both refer to everyday situations? Demarcating

How would you go about finding the appropriate distance between yourself and your neighbor in order to make “living together” acceptable? By having firm convictions; the

rest is about agreements and procedures. Do you think that “living together” is different in a LatinAmerican context than in the rest of the world? Essentially

it’s the same. There is no such thing as a culture made to measure. The individual, to a greater or a lesser degree, tries hard before giving ground. Do you believe that the Latin-American artist, due to the social and political situation in Latin America, should assume a different role from those artists who live and work in the United States or Europe? The individual is someone

who gives meaning and direction to knowledge. Nationality should not act as something which conditions or obliges.

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FLORIAN PUMHÖSL Viena, 1971; vive em [lives in] Viena Animated map [Mapa animado] 2005 filme 16mm 4 min cortesia [courtesy] Galerie Daniel Buchholz, Colônia [Cologne] e [and] Krobath Wimmer, Viena foto Hannes Böck

[Sabine Breitwieser] Seu relacionamento e sua experiência com o hemisfério sul têm sido relativamente abrangentes e variados. A modernização e o colonialismo constituem questões importantes em seu trabalho. É verdade que sem-

[Sabine Breitwieser] Your relationship and your past experience with the southern hemisphere of our Earth have been relatively extensive and varied. Modernization and colonialism have been important issues in your work. It

pre me atraem lugares considerados periféricos pela historiografia ocidental. Entre 2000 e 2002 trabalhei numa série de instalações, cada uma das quais abordava a implantação ou a modernização de uma cidade da África Oriental e Madagáscar. Além disso, ter experiências com a arte conceitual exerceu sobre mim uma influência formadora, bem como a representação espacial em que a forma de representação não tem uma relação fixa com um possível objeto ou tema, mas é considerada parte de um processo em andamento.

is true that I have always been attracted by places that have been regarded as peripheral by Western historiography. Between 2000 and 2002 I worked on a series of installations, each of which dealt with the establishment or modernization of a city in east Africa and Madagascar. Furthermore, experiencing conceptual art had a formative influence on me; thinking about visual and spatial representation in which the form of depiction has no fixed relation to a possible subject or theme, but is considered part of the working process.

Você está realizando uma pesquisa sobre a Casa Modernista (1927–28), de Gregori Warchavchik. As primeiras

edificações de Warchavchik testemunham a transição entre várias influências modernas. Elas narram a história de uma cidade, que se lança com energia em direção à modernidade. Em São Paulo fiquei particularmente interessado em obras que revelaram uma mudança ou alteração de contexto ou até mesmo indicaram uma mudança de paradigma. Certa vez você declarou: “Sou artista e, portanto, trabalho em relação com a história da arte”. Em seus trabalhos recentes, incluindo filmes e pintura, você escolheu a linguagem da abstração. Certa vez descreveu a mudança realizada pela arte conceitual no papel da abstração da seguinte maneira: “… a idéia era descrever situações como abstratas, e não retratar o mundo visível de maneira abstrata”. Talvez esta seja uma das conquistas da arte con-

ceitual: hoje é possível olhar e usar a abstração como uma linguagem que evoluiu historicamente, não como um método para redesenhar o mundo. Na primeira metade do século XVII o pintor Frans Post seguiu uma companhia holandesa de comércio ao Brasil e pintou estudos de paisagem, que avaliou melhor ao retornar à Europa. Você disse que aquelas pessoas que transmitiam a impressão de desaparecer na natureza chamavam sua atenção… Foi uma cena fluvial de Pernambuco (pinta-

da em 1668). Nessa pintura, vê-se um grupo de pessoas no primeiro plano, que consiste em sua maior parte de um céu quase sem nuvens. Por causa do descolorido da pintura, elas parecem evanescentes, quase uma aparição, em comparação com o espaço que as rodeia, o qual, aliás, é pintado com cuidadoso detalhe. Esse efeito é muito fotográfico (quase uma dupla exposição) e confere à cena um caráter quase delirante. É o tipo de fenômeno a que já me referi: uma obra em que as coisas são transitórias e uma coisa emerge de outra.

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You are doing research about Gregori Warchavchik’s Casa Modernista (1927–28). Warchavchik’s early buildings bear

witness to the transition between various modern influences; they tell the story of the city energetically launching out into modernity. In São Paulo I was particularly interested in works which revealed a change or shift of context, or even indicated a paradigm change. You once said: “I am an artist and therefore work in relation to the history of art”. In your recent works, including films and painting, you have chosen the language of abstraction. You once described the change made by conceptual art in the role of abstraction as follows: “… the idea was to describe situations as abstract, not to depict the visible world in an abstract way”. Perhaps that is one of the

achievements of conceptual art: that today one can regard and use abstraction as a language that has evolved historically, not as a method for redesigning the world. In the first half of the 17th century, the painter Frans Post followed a Dutch trading company around Brazil and painted landscape studies which he evaluated on his return to Europe. You were struck by people seeming to disappear into nature… It was a river scene from Pernambuco

(painted in 1668): a group of people can be seen in the foreground of this painting, which consists largely of an almost cloudless sky — due to the bleaching of the paint they seem to be fading away, almost like an apparition, compared to the surrounding space which is otherwise depicted in careful detail. Its effect is very photographic (like a double exposure) and gives the scene an almost delirious character. This is the kind of phenomenon I was talking about earlier: a work where things are transitional and one thing emerges from another.

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FRANCESCO JODICE Nápoles, 1967; vive em [lives in] Milão São Paulo city tellers [Contadores de histórias de São Paulo] 2006 c-print, acrílico, alumínio [c-print, plexiglass, aluminum] 180 x 240 cm cortesia [courtesy] Galería Marta Cervera, Madri

[Helouise Costa] Você poderia falar do ponto inicial de seu trabalho? Minha pesquisa é uma investigação da capacidade

[Helouise Costa] Could you talk about the starting point of your work? My research is an investigation on the capacity

das pessoas comuns de assumir o controle e organizar suas próprias paisagens. Fui um dos fundadores da rede Multiplicity em 2000, e desde então faço experiências com todo tipo de pesquisa interdisciplinar. Compartilhar a concepção de projetos com arquitetos, economistas, antropólogos, sociólogos e jornalistas ajuda a produzir projetos de arte como pesquisa pelo conhecimento. Que meios você usa e como você os entende? É o sentido de um projeto que me diz se devo usar fotografia, cinema, cartografia ou outros meios. Uso cultura visual porque hoje as imagens são as ferramentas mais comuns para a interação entre as pessoas. Em meu trabalho, por exemplo, a fotografia é um dispositivo de detecção usado para elaborar questões apropriadas aos fenômenos que vivenciamos.

of everyday people to take control and organize their own landscapes. I was one of the founders of the Multiplicity network in 2000 and since then I have been experimenting with all kinds of interdisciplinary research. To share the conception of projects with architects, economists, anthropologists, sociologists, and journalists helps the production of art projects as research for knowledge. use photography, filmmaking, cartography or others. I use visual culture because images are nowadays the most common interface-tools used by people. In my work, photography, for instance, is a sensor device used to build proper questions to the phenomena we experience.

Você já tinha alguma referência do cotidiano urbano brasileiro antes do convite da 27a. Bienal? Durante minha es-

Did you have any Brazilian urban daily life reference before the invitation to the 27th Bienal? During the time I spent

Which media do you use and how do you understand them? It’s the meaning of a project that tells me if I should

tadia em São Paulo para minha “residência”, ouvia muita in São Paulo for my residence I heard so many people talkgente falar da violência como um problema importante. Mi- ing of violence as a main problem. My impression is that the nha impressão é de que o medo da violência é o problema fear of violence is the real problem. It’s a culture perspective. real. É uma perspectiva cultural. Fui criado em Nápoles, I was raised in Naples, a high-risk city because of Camorra uma cidade de alto risco por causa da Camorra e da violên- and street violence, but we are used to living within the cia nas ruas, mas estamos acostumados a viver dentro do problem — and if you are part of it, you are also part of the problema — e se você é parte dele, também é parte da so- solution. It looks like mental and physical isolation is the lução. Parece que o isolamento mental e físico é a solução most frequently applied solution in Brazil. Tell me about your project for the 27th Bienal. It is a documais freqüentemente aplicada no Brasil. Fale de seu projeto para a 27a. Bienal. É um teledocumentele-film, which will be shown in the Bienal Pavilion and tário, que será exibido no Pavilhão da Bienal e na televisão on Brazilian tv simultaneously. It talks about São Paulo as brasileira simultaneamente. Fala de São Paulo como para- a paradigm of self-organization in the contemporary megdigma de auto-organização da megalópole contemporânea. alopolis. I see São Paulo as a region-city, out of political Vejo São Paulo como região-cidade fora do controle político, control, that develops “local alternative rules” instead of que desenvolve “regras locais alternativas” em vez de “leis “government laws”. I’m going to do a video-art project and de governo”. Vou fazer um projeto de videoarte e colocá-lo place it into a commercial tv box to test its effects on both num formato de televisão comercial para testar seus efeitos the “art elite” and on “real” people. It’s an opportunity to tanto na “elite da arte” como nas pessoas “reais”. É uma experiment with an alternative political tool in art. It is still oportunidade de fazer uma experiência com a arte usando an art piece but it expands the number of users through tv uma ferramenta política alternativa. Ainda é um trabalho media. I try to make my project to “act politically” which de arte, mas expande o número de usuários através da mídia doesn’t mean it has to be about politics, but it must behave televisiva. Tento fazer meu projeto “atuar politicamente”, o politically. My investigative projects suggest to people that que não significa que trate de política, mas tem de compor- they re-think the necessity of looking at each other. tar-se politicamente. Meus projetos investigativos tentam sugerir às pessoas que repensem a necessidade de olhar um para o outro.

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GERRY SCHUM Colônia [Cologne], 1938 – Düsseldorf, 1973 Television exhibition II — identifications (Garry Kuehn, Untitled) [Exposição de televisão II — identificações (Garry Kuehn, Sem título)] 1970 filme 16 mm 1 min 18 s

[Data] Como você começou suas atividades na arte e na televisão? Não comecei com arte, mas com cinema e tele-

visão. Freqüentei uma academia de cinema que ensinava cinema e televisão tradicionais. Entrei em contato com a arte de vanguarda pela primeira vez em 1964. Entre 1964 e 1968 busquei uma nova possibilidade de mostrar arte na televisão. Eu estava insatisfeito com os programas de arte da televisão. Nesses programas, quando alguém falava sobre arte, sua fala era ilustrada com filmes que mostravam os artistas trabalhando em seus ateliês ou com seus próprios trabalhos. Em vez disso eu queria encontrar artistas que produzissem objetos de arte diretamente para a televisão. Seu primeiro trabalho foi Land art em 1969. Tentamos entrar em contato com artistas que já tinham experiência com cinema ou pelo menos com fotografia, artistas que tentavam se desvincular da pintura, que estavam experimentando novas possibilidades na arte. Eram principalmente os artistas da land art que procuravam novos meios por aqui. É claro que você não pode expor land art num museu. A televisão era portanto o melhor sistema de comunicação nesse caso. Mesmo assim não trabalhamos no filme Land art simplesmente como um mera equipe de câmeras. Oito artistas envolveram-se com essa exposição na televisão. Richard Long, Marinus Boezem, Jan Dibbets e Barry Flanagan, da Europa; e Dennis Oppenheim, Michael Heizer, Walter De Maria e Robert Smithson, dos Estados Unidos. O melhor exemplo é o objeto de Dibbets. Ele estava interessado na correção da perspectiva, uma idéia que só pode ser realizada por meio do cinema ou da fotografia. Dibbets desenhou um trapézio na praia e filmou o processo com um ângulo de câmara que fez o trapézio parecer um quadrado perfeito — um quadrado que só existia em termos fotográficos. Mas Dibbets também estava interessado em outra coisa. Ele queria mostrar um processo: a produção do trapézio e sua destruição pelo mar. E esse processo só podia ser apresentado num filme. Quais são as diferenças entre Land art e Identifications [Identificações] (1970)? Embora Identifications tivesse sido

especialmente desenvolvido para o meio televisão, ela era bem diferente do programa Land art. Reduzimos as fascinantes paisagens artificialmente desenvolvidas aos gestos de alguns artistas. Nossa idéia principal era mostrar a unidade dos conceitos e dos objetos. Não eram obras ativas no sentido de happenings mas de um conceito ilustrado por meio de um gesto. É por essa razão que em Identifications há muitos artistas conceituais — na falta de um nome melhor. Trecho editado de entrevista publicada em Data (Milão), março de 1972. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

[Data] How did you start your art and television activities?

I didn’t start out with art but with film and television. I attended a film academy doing traditional film and television training. I came into contact with avant-garde art for the first time in 1964. Between 1964 and 1968 I sought a new possibility of showing art on television. I was unsatisfied with the television programmes being made about art. In these programmes someone talks about art illustrating this using films that show the artists working in their studios or their works. Instead I wanted to find artists who did art objects directly for television. Your first work was Land art in 1969. We tried to make contact with artists who had experience in the medium of film or at least in photography, artists who tried to detach themselves from painting, who were trying out new possibilities in art. It was predominantly the land art artists who sought new media here. It is clear that you can’t exhibit land art in a museum. Television was therefore the ideal communication system here. Yet even in the Land art film we did not work merely as a simple camera team. Eight artists were involved in this television exhibition. Richard Long, Marinus Boezem, Jan Dibbets and Barry Flanagan from Europe and Dennis Oppenheim, Michael Heizer, Walter De Maria and Robert Smithson from the usa. The best example is Dibbets’ object. He was concerned with a correction of perspective, an idea which can be only realized through film or photography. Dibbets drew a trapezium on the shore and filmed this process at a camera angle that made the trapezium look like a perfect square — a square that existed only in photographic terms. But Dibbets was also concerned with something else. He wanted to show a process: the production of the trapezium and its destruction by the sea. And this process could only be presented in film. What are the differences between the Land art exhibition and the Identifications (1970)? Although the Identifications

exhibition was especially developed for the medium of television it was significantly different to the Land art broadcast. We reduced the fascinating, artificially developed landscapes to a few artists’ gestures. Our main idea was to show the unity of the concepts and the objects. It was not about action pieces in the sense of happenings but about a concept that was illustrated by means of a gesture. For that reason in the Identifications exhibition there are many concept artists — for want of a better term. Edited excerpt of an interview published in Data (Milan), March,1972.

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GORDON MATTA-CLARK Nova York, 1943–1978 Sous sol de Paris: L’Opera [Subsolo de Paris: a Ópera/Paris underground: the Opera] 1977 c-print 226,1 x 50,8 cm cada [each] cortesia do espólio de [courtesy the estate of] Gordon MattaClark e [and] David Zwirner, Nova York

[Donald Wall] Que critérios usa para selecionar um edifício? O melhor edifício que eu puder encontrar. Procuro es-

[Donald Wall] What criteria do you use in selecting a building? The best building I can find. I seek typical structures

truturas típicas com certos tipos de identidades históricas e culturais, mas que precisam ter uma forma social reconhecível. Uma de minhas preocupações é Non.u.menta, uma expressão de um lugar comum que se contraponha à grandeza das estruturas arquitetônicas e seus clientes que se autoglorificam. O fator determinante é o grau em que a intervenção pode transformar a estrutura em um ato de comunicação. É indesejável ter uma situação na qual a estrutura do espaço esteja muito arruinada para ser identificada como algo que passou por uma mudança ou uma situação em que eu competiria com uma desintegração factual.

which have certain kinds of historical and cultural identities. But the kind of identity for which I am looking has to have a recognizable social form. One of my concerns is the Non. u.menta — an expression of the commonplace that might counter the grandeur of architectural structures and their self-glorifying clients. The determining factor is the degree to which my intervention can transform the structure into an act of communication. It is undesirable to have a situation where the fabric of the space is too run down for it to be identified as ever having been changed, or a situation where I would be competing with factual disintegration.

Situando seu trabalho historicamente, ele tem mais a ver com preocupações dadaístas ou com a land art? A escolha

This brings up the placement of your work historically. Does it lie more within dadaist or land art concerns? The

de lidar com o meio urbano ou com edifícios específicos altera meu campo de referências e o distancia do grande tema do enorme vazio natural, que para os artistas da earth era literalmente como desenhar numa tela em branco. O mais importante é que escolhi não me isolar das condições sociais, mas lidar com elas, por uma implicação física, como ocorre com a maioria de meus trabalhos com edifícios, ou por um envolvimento comunitário direto. Quero ver o trabalho desenvolver-se no futuro assim. As diferenças de contexto constituem minha principal preocupação e um grande distanciamento da earth art. Trata-se da atenção prestada a áreas específicas e ocupadas da comunidade. O dadá é uma grande fonte de energia. Seu desafio à rigidez da linguagem, formal e popular, e nossa percepção das coisas, constitui agora uma parte básica da arte. A dedicação do dadá à ruptura imaginativa da convenção é uma força libertadora e essencial. Não consigo imaginar como o dadá se relaciona estilisticamente com meu trabalho, mas em espírito ele é fundamental.

choice of dealing with either the urban environment, or buildings specifically, alters my realm of reference and shifts it away from the grand theme of vast natural emptiness which, for the earth artists, was literally like drawing on a blank canvas. But more important, I have chosen not isolation from social conditions, but to deal directly with social conditions whether by physical implication, as in most of my building works, or through more direct community involvement, which is how I want to see the work develop in the future. Differences in context is my primary concern — and a major separation from earth art. It is the attention paid to specific occupied areas of the community. Dada has been a great source of energy. Its challenge to the rigidity of language both formal and popular, as well as our perception of things, is now a basic part of art. Dada’s devotion to the imaginative disruption of convention is an essential liberating force. I can’t imagine how Dada relates stylistically to my work, but in spirit it is fundamental.

Você se interessa unicamente pelas implicações sociais dos “cortes”? O ato de cortar através de um espaço pro-

Are you solely interested in the social implications of the “cuttings”? The act of cutting through from one space to

duz certa complexidade que envolve uma percepção em profundidade. Aspectos da estratificação provavelmente me interessam mais do que as inesperadas visões geradas pelas modificações — não a superfície, mas a camada fina, a superfície rompida que revela o processo autobiográfico de sua feitura. Existe uma espécie de complexidade advinda do fato de se enfrentar uma situação completamente normal, convencional, ainda que anônima, e redefini-la, retraduzi-la em leituras múltiplas e sobrepostas das condições passadas e presentes. Cada edifício gera sua situação, própria e única.

another produces a certain complexity involving depth perception. Aspects of stratification probably interest me more than the unexpected views which are generated by the removals — not the surface, but the thin edge, the severed surface that reveals the autobiographical process of its making. There is a kind of complexity which comes from taking an otherwise completely normal, conventional, albeit anonymous situation and redefining it, retranslating it into overlapping and multiple readings of conditions past and present. Each building generates its own unique situation.

Trecho editado de entrevista publicada em Arts magazine, maio de 1976.

Edited excerpt of an interview published in Arts magazine, May, 1976.

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GOSHKA MACUGA Varsóvia [Warsaw], 1967; vive em [lives in] Londres Picture room [Sala de quadros] 2003 instalação [installation] cortesia da artista e [courtesy the artist and] Kate MacGarry, Londres

[Jochen Volz] Você criou vitrines para objetos, artesanato e obras de arte, construiu uma biblioteca e várias estruturas expositivas, e neste verão inaugurará um grande museu temporário em Liverpool. O que é o museu ideal? Um

[Jochen Volz] You have developed displays for objects, crafts and artworks, built a library and various exhibition structures, and this summer you will inaugurate a large temporary museum in Liverpool. What is the ideal museum? One of my favorite museums is the Museum of

de meus museus preferidos é o Museum of Jurassic Technology, em Los Angeles, dedicado ao avanço do conhecimento e à fruição pública do período jurássico inferior, mas, na realidade, assemelha-se muito mais a um gabinete de curiosidades, no melhor sentido. Nunca se sabe de verdade se a narrativa desenvolvida pelo que remanesceu, documentos, objetos e ilustrações expostos — por exemplo, a gravura de Mary Davis que representa Saughall, uma mulher com um chifre —, é científica, fictícia ou ambas. O museu ideal descreve simultaneamente o universo, a natureza e o sobrenatural, o ser humano, o comportamento social, a cultura, os artefatos e o microcosmo e deixa ao espectador/a abrir passagens, seqüências de salas e alas completas, em direção ao desconhecido. Um exemplo fascinante poderia ser o Hermetic Museum (1997), um livro com a muito famosa coleção de textos sobre a alquimia, a ciência e as artes. No entanto talvez seja o Museu Do-Que-Está-Dentro-De-Sua-Cabeça, conforme a descrição de Toby Litt em seu conto Audioguide (2002), que nos permite partir em busca de obsessões associativas e de associações obsessivas.

Jurassic Technology in Los Angeles. It is dedicated to the advancement of knowledge and the public appreciation of the Lower Jurassic period, but in fact it resembles much more a cabinet of curiosities in its best sense. You never really know whether the narrative developed through the exhibited relicts, documents, objects and illustration — such as for example the etching of Mary Davis of Saughall, a woman with a horn — is scientific or fictive or both. The ideal museum describes the universe, nature and the supernatural, the human being, social behavior, culture, artifacts and the micro-cosmos all at once and leaves it to the spectator him — or herself to open passages, suites of rooms and complete wings to the unknown. A fascinating example could be the Hermetic Museum (1997), a book with the most famous collection of texts on alchemy, science and the arts. But maybe it is rather the Museum of Inside-Your-Head, as Toby Litt describes in his short story Audioguide (2002), which allows us to pursue associative obsessions and obsessive associations.

Você está curando o conteúdo do museu, uma série de salas que representam o céu e o inferno, a magia e a ciência, entre outros temas. Como você pesquisa, seleciona e agrupa animais empalhados, plantas artificiais, porcelana, vidro, obras de arte, arte popular etc.? A seleção de objetos

You are curating the content of the museum, a series of rooms representing hell and heaven, magic and science, amongst others. How do you research, select and group stuffed animals, artificial plants, porcelain, glass, artworks, folk art, etc.? The selection of objects is quite subjective,

é bastante subjetiva. Segue uma certa lógica pessoal mais interessada no conteúdo, forma e significado de um objeto do que em seu valor. Aqui, o conceito do ready made desempenha um papel relevante. Não importa se encontro os objetos a serem reunidos em meu museu numa loja de antiguidades, numa coleção botânica ou zoológica, nos estúdios de artistas amigos, numa biblioteca ou no British Museum.

it follows a certain personal logic that is interested in the content, the form and the meaning of an item, rather than in its value. Here the concept of the readymade plays an important role. It does not matter if I find the objects to be assembled in my museum in an antique store, a botanical or zoological collection, in the studio of artist friends, a library or the British Museum.

Em 1972 Marcel Broodthaers apresentou em Düsseldorf seu Musée d’Art Moderne, Département des Aigles, Section des Figures [Museu de Arte Moderna, Departamento das Águias, Seção de Figuras], que dali a alguns meses foi seguido pelo Mouse Museum [Museu do Rato], de Claes Oldenburg, em Kassel. Você se relaciona com essas manifestações históricas de crítica institucional? Claro que sim,

In 1972 Marcel Broodthaers presented his Musée d’Art Moderne, Département des Aigles, Section des Figures [Museum of Modern Art, Department of Eagles, Figure Section], in Düsseldorf, followed just a few months later by Claes Oldenburg’s Mouse Museum in Kassel. Are these historical manifestations of institutional critique something you relate to? Of course, but there are many more

mas existem muito mais exemplos de museus criados por artistas. Alguns são mais sistemáticos, outros menos do que os de Broodthaers ou Oldenburg. Eu, pessoalmente, jamais iniciei uma coleção baseado numa única iconografia comum.

examples of museums created by artists, some more systematic, some less so, than those of Broodthaers or Oldenburg. I personally never started a collection based on one single common iconography.

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GRÖNLUND/NISUNEN Turku, Finlândia, 1967 e [and] Helsinque, 1962; vivem em [live in] Helsinque Synagogue installation, Delme [Instalação Sinagoga, Delme] 2004 técnica mista [mixed media] 150 x 150 x 150 cm cortesia [courtesy] Centre d’Art Contemporain la Synagogue de Delme, França foto Tommi Grönlund LED-field, Helsinki [Campo de LED, Helsinque] 2000 técnica mista [mixed media] 600 x 300 x 100 cm cortesia dos artistas [courtesy the artists] foto Antti Viitala

[Agustín Pérez Rubio] Seu trabalho sempre envolveu o conceito de espaço e sua percepção. Com jogos visuais baseados em movimentos e mudanças de luz, bem como no som, em anos recentes vocês conseguiram expandir e ampliar os limites tangíveis de tempo e de espaço no campo artístico. Para a 27a. Bienal vão apresentar dois novos projetos. Um deles é uma instalação com LED, e o outro está sendo produzido para uma das linhas de metrô de São Paulo. Poderiam explicar-me em que consistem os dois projetos e a relação deles com os parâmetros artísticos com que atuam? A instalação com led consiste numa

[Agustín Pérez Rubio] Your work has always involved the notion of space and its perception. Through visual games based on movements and changes in lighting as well as sound, in recent years you have managed to expand and broaden the tangible limits of time and space in the artistic realm. For the Bienal you are presenting two new projects, one that is a LED installation, and another that is being produced for one of the subway lines of São Paulo. Could you explain to me what both projects consist of and the relation between them and the artistic parameters in which you move? The led installation con-

grande grade, uma rede feita de arame fino de aço e de semicondutores que piscam. Embora os leds pisquem separadamente, por si próprios, a diferença em sua fase é vista como movimento e como padrões rítmicos. Ao longo dos anos criamos várias instalações site-specific, que funcionavam ao acaso, usando essa mesma técnica. Nosso novo projeto surgiu durante nossa visita a São Paulo. Ficamos interessados nas estruturas escultóricas de concreto com que deparamos aqui e ali na região central da cidade. Essas estruturas, todas elas diferentes, mas que, obviamente, fazem parte da mesma família, são na realidade as torres de ventilação de uma linha do metrô. Nossa idéia é iluminar essas torres a partir de seu interior e transformá-las numa série de esculturas luminosas. Além de simplesmente assinalar uma interessante característica arquitetônica, este projeto quer mostrar a rede do metrô como parte de uma infra-estrutura, normalmente bastante invisível, que possibilita a uma cidade funcionar.

sists of a large grid structure made of thin steel wire and blinking leds. Although the leds just blink separately on their own, the difference in their phase is seen as movement and rhythmic patterns. Over the years we have made several site-specific randomly functioning installations using this same technique. Our new project came up during our visit to São Paulo. We got interested in the sculptural concrete structures that we ran across every here and there in the downtown region. These structures which are all different but obviously part of the same family turned out to be ventilation towers of a subway line. Our idea is to light these towers from inside and turn them into a series of light sculptures. Besides simply pointing out an interesting architectural feature, this project wants to show the subway network as part of a normally quite invisible infrastructure that makes it possible for a city to function.

Segundo parece, a idéia por detrás do novo projeto a ser desenvolvido é a cidade em si e o espaço cotidiano de uma grande cidade como São Paulo. Até que ponto vocês têm sido influenciados por essa cidade e o que ressaltariam nela como laboratório de experiências, espaços e sons?

Após uma única visita a São Paulo é claro que a conhecemos apenas superficialmente. Muitas coisas a que prestamos atenção podem, com toda probabilidade, ser encontradas em qualquer grande cidade. Nesse sentido, o projeto lida também com o urbanismo em geral. Por outro lado, encaramos este projeto como uma oportunidade de passar a nos familiarizar com São Paulo.

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It seems that the idea behind the new project to be developed is the city itself and the everyday space of a big city like São Paulo. To what extent have you been influenced by this city and what would you point out about it as a laboratory of experiences, spaces and sounds? After one

visit to São Paulo we of course know it from the surface only. Most things we paid attention to can most likely be found in any big city. In that way the project deals also with urbanism in general. On the other hand, we take this project as an opportunity to get to know São Paulo.

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GUY TILLIM Joanesburgo, 1962; vive na [lives in] Cidade do Cabo [Cape Town] Thulisile, eighth floor, San Jose, Olivia Street, Berea [Thulisile, 8o. andar, San José, Olivia Street, Berea] 2004 fotografia 43,6 x 65,5 cm ed. 5, 1 PA [AP] The roof of Sherwood Heights, Smit Street [A cobertura de Sherwood Heights, Smit Street] 2004 fotografia 43,6 x 65,5 cm ed. 5, 1 PA [AP] cortesia [courtesy] Michael Stevenson Gallery, Cidade do Cabo [Cape Town]

[Clive Kellner] Sua experiência é o fotojornalismo ou a reportagem, seus primeiros trabalhos eram em preto-ebranco, e sua recente transição para a cor permitiu ao seu trabalho, como disse David Brodie, “oscilar entre o documento social e o objeto de arte”… Suponho que o único

[Clive Kellner] Your background is in photojournalism or reportage, your earlier series of works were black and white images, your recent transition to color has enabled your work to, as David Brodie stated, “hover between social document and the art object”… I suppose the only way

meio de ver seus trabalhos como fotojornalista transformados em objetos de arte seja enxergar a própria intervenção, o ato de fotografar como obra de arte… Sem querer, se for realizado com alguma integridade, esse ato pode ser interpretado como arte. Não me cabe dizê-lo.

to see one ’s endeavors as a photojournalist transformed into an art object is to regard the very intervention, the taking of the photographs as a work of art… Unwittingly, if committed with some integrity, this act may be construed as art. Not for me to say.

Assuntos refletidos em seu trabalho, mais especialmente do ponto de vista da reportagem, retratam a fotografia de guerra, mas há outra dimensão que é mais a respeito dos vestígios do conflito e da devastação social produzida pela guerra. Será que na realidade suas imagens remetem mais à condição humana que à fotografia de guerra? To-

Themes reflected in your work, more especially from reportage vantage, depict war photography but there is another dimension that is rather about the traces of conflict and the social devastation that war produces. In fact, your images speak more of the human condition than war photography? All journalistic photos speak of the human con-

das as fotos jornalísticas falam da condição humana de algum modo, a pergunta é: até que ponto ela é bem descrita? Fotografias são fáceis de tirar, o que muitas vezes fica fora do retrato é o contexto, e o que muitas vezes está incluído são os clichês, nossos ícones comercializáveis do cotidiano. Como fotógrafos podemos apegar-nos a nosso status às vezes iconoclasta, mas a verdadeira força desse status está em como se vivencia o ato de fazer a fotografia, o que também revela sua fraqueza: sua expressão inadequada enquanto transmite uma realidade visual óbvia de maneira adequada, até mesmo exímia. É um problema de linguagem, de expressão e, no final, de caráter.

dition in some way or another, the question is how well is it described? Photographs are easy to take, what is often left out of the frame is context, and what is often included are clichés, our tradable icons of the everyday. As photographers we may cherish our sometimes iconoclastic status but the true strength of this status lies in how the act making the photograph is experienced, which also reveals its weakness: the inadequate expression of it while adequately, even expertly, conveying an obvious visual reality. The problem is one of language, of expression and in the end, of character.

Fale mais das séries de imagens que você vai apresentar na 27a. Bienal. Vou mostrar uma versão editada da série

Leopold e Mabutu. Também vou mostrar trabalhos novos de Kinshasa. Durante o pós-guerra, conferiram uma nova vida ao modernismo belga no Congo. No entanto, o fracasso do planejamento urbano moderno concebido pelo estado colonial está bem ilustrado no centro de Kinshasa e na reinvenção desses edifícios e espaços urbanos. A intenção desse ensaio fotográfico é explorar esses espaços reinventados, é usar o período do modernismo no Congo como janela para uma capital africana moderna que se move, embora moldada pela herança colonial, em direção a uma nova resolução e a um novo conceito de si mesma.

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Could you elaborate on the series of images that you are showing at the 27th Bienal? I’ll be showing an edit-

ed version of the Leopold and Mabutu series. I will also be showing new work from Kinshasa. During the postwar period Belgian modernism was given a second life in Congo. However, the failure of modernist urban planning as conceived by the colonial state is well illustrated in central Kinshasa in the reinvention of these buildings and urban spaces. The intention of this photographic essay is to explore these reinvented spaces, to use the period of modernism in the Congo as a window into a modern African capital that though shaped by colonial legacy, moves towards a new resolution and conception of self.

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HAEGUE YANG Seul, 1971; vive em [lives in] Seul e [and] Berlim Squandering negative spaces — chapter 6 [Espaços negativos desperdiçados — capítulo 6] 2006 vídeo 28 min cortesia [courtesy] Gallery Barbara Wien, Berlim foto © do artista [the artist] e [and] Gallery Barbara Wien, Berlim. Esta produção teve o apoio de [This production was supported by] BAK, basis voor actuele kunst, Utrecht

[Jochen Volz] Você completou uma trilogia de vídeos que examinam seu entorno — em Seul, Londres, Berlim e São Paulo — e que abordam questões relativas à socialização do indivíduo e à alienação. De que modo uma cidade afeta sua produção? A trilogia inclui Unfolding places [Lugares

[Jochen Volz] You have completed a trilogy of videos, which examine your environment — in Seoul, London, Berlin and São Paulo — while reflecting on a series of questions about the socialization of the individual and alienation. How does a city affect your production? The trilogy of video es-

que se desdobram] e Restrained courage [Coragem impedida] (2004) e Squandering negative spaces [Espaços negativos desperdiçados] (2006). Senti-me fortemente motivada por uma narrativa específica, que está além de uma questão comum hoje em dia, o “recurso à retórica”. Ainda que a maior parte de meu trabalho seja conduzida por uma voz do silêncio, ele envolve o “ato de falar” e se volta para um destinatário em potencial. É um diálogo entre “singularidades”, cuja localização é um tanto vaga, ao passo que a identidade delas, a de “desabrigados”, é definida, evocando o conceito de Bataille, quando ele se refere à “comunidade de ausência”. Mesmo que o material dos vídeos tenha sua origem em vários lugares, o trabalho não se subordina a quaisquer experiências de viagem. A narração se refere ao fato de estarmos perdidos, de nos perdermos constantemente, negando territórios definidos; fala da falta de coragem, enquanto se desdobram vários cenários urbanos informais, menores, bem como elementos encenados. Para Squandering negative spaces decidi fazer uma viagem ao Brasil. Meu objetivo foi o de encontrar um lugar desconhecido, às cegas, porém numa atitude de grande respeito. A falta de conhecimento impede que me sinta enfastiada, enquanto que o respeito cego reforça meu interesse pelos ambientes e capacita-me a compartilhar coisas, sem insistir naquilo que é comum.

says includes Unfolding places and Restrained courage (2004), and Squandering negative spaces (2006). I was strongly motivated by a specific kind of narrative beyond today’s ordinary “issue-addressing-rhetoric”. Even if most of my work is led by a voice of silence, it is engaging the “act of speech” with a potential addressee. It is a dialogue between “singularities”, whose location is rather vague whereas his or her identity of “homeless” is definite, remembering Bataille ’s concept of the “community of absence”. Even if the footage derives from various places, the work does not submit itself to any travel experiences. The voice-over is contemplating about being lost, constantly losing oneself, negating distinctive territories, lacking courage, while various minor informal urban scenarios as well as staged elements are unfolding. For Squandering negative spaces I decided to take a trip to Brazil. My objective was to find an unknown place with blind but strong respect. The absence of knowledge precludes me from weariness, while my blind respect reinforces my keenness on environments and enables me to share things without insisting on commonness.

Storage piece [Peça armazenada] (2004) é uma escultura em potencial, pessoal, exibicionista, unindo uma grande parte de sua produção artística anterior embrulhada e escorada em palhetas. Trata-se de uma pilha de pensamento conceitual. Embora haja um certo cinismo, há também algo humorístico? Storage piece nasceu de minha circunstância pessoal,

Storage piece (2004) is a critical and personal, exhibitionistic and potential sculpture, uniting a large amount of your earlier artistic production wrapped and stacked on palettes. With minimal precision you present a pile of conceptual thought. Although there is a certain cynicism, is it also humorous? Storage piece stemmed from my person-

al circumstance of being without a space to store my own works and so I used the gallery space as a makeshift out of “urgency”. This piece is based on urgent reality and it is not a satire. I understand that a sense of humor creates a smart do fato de estar sem um espaço onde armazenar minhas and reliable distance from reality, and again one has to figobras e, assim, usei o espaço da galeria como um substituto, ure out this distance from reality first in order to be able to motivada pela “premência”. A obra se baseia numa realida- operate a sense of humor. But that distance is currently not de premente e não é uma sátira. Entendo que um senso de detectable in my very personal and urgent relation to art. humor cria uma distância confiável e inteligente da realidade, Instead I am more interested in the embarrassingly vulnere a pessoa tem de imaginar qual é a distância dessa realida- able state of mind and “weak thoughts”, through which I de, a fim de ser capaz de agir com esse senso de humor. Mas believe that out of the alienation one can mobilize the unessa distância não é comumente detectável em minha relação, usual strength to sympathize with the others. muito pessoal e premente, com a arte. Em vez disso, estou mais interessada no estado da mente, constrangedoramente vulnerável, e em “pensamentos débeis”, pelos quais acredito que, a partir do distanciamento, é possível mobilizar uma força inusitada para poder compartilhar algo com os outros. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

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HÉCTOR ZAMORA Cidade do México, 1974; vive na [lives in] Cidade do México Paracaidista, Av. Revolución 1608 bis [Pára-quedistas, Av. Revolución 1608 bis/Parachutists, Av. Revolución 1608 bis] 2004 35 x 25 x 16 m coleção do artista [artist’s collection] foto Fernando Medellín

[Betti-Sue Hertz] Seu trabalho abrange várias disciplinas — arte, design, arquitetura e planejamento urbano. O que você acha interessante nestas intersecções? Ao desen-

[Betti-Sue Hertz] Your work bridges several disciplines — art, design, architecture and urban planning. What do you find interesting about these intersections? When I am de-

volver meus projetos, jamais penso em termos desses limites. O eixo de minha pesquisa é o espaço, que contém todas as disciplinas. Concentro-me em desenvolver uma linguagem pluralista, que encerre a possibilidade de provocar uma variedade de reações, de muitas e diferentes maneiras. Algumas dessas estratégias nascem daquelas disciplinas; nesse ponto da intersecção emerge algo, por meio de um processo orgânico que não é controlado diretamente por mim. A discussão estabelecida por meio dessas reações abre canais de comunicação e cria a possibilidade de entender fenomenologicamente o espaço, numa visão panorâmica.

veloping my projects, I never think in terms of those limits; the axis of my research is the space, which contains all disciplines. I am focused on developing a pluralistic language that has the possibility to provoke a variety of reactions in several different ways. Some of these strategies come from these disciplines; at this point of intersection something emerges through an organic process not directly controlled by me. The discussion established through these reactions opens communication channels and creates the possibility to understand the space phenomenologically in a panoramic view.

A Cidade do México possui uma longa e rica história social e arquitetônica. Nesse contexto, que papel podem desempenhar seus projetos, modestos e temporários? A vida co-

tidiana dos cidadãos da Cidade do México envolve muitas interações estressantes, tanto nos espaços públicos como nos privados (fora e dentro de casa), aumentando a insensibilidade e a apatia no contexto social. Alguns de meus projetos se inserem nessas dinâmicas. Ao modificar o espaço urbano por meio de experimentos tridimensionais, meu trabalho tenta revelar a possibilidade de romper com os padrões da inércia da vida de todos os dias. Não é minha pretensão resolver tais problemas, mas inserir uma alternativa naquele espaço, de tal modo que tenhamos a oportunidade de ver e refletir sobre as realidades do lugar em que vivemos. O “parasita” e o “abraço” em relacionamento com a arquitetura, organismos e relacionamentos humanos circulam em seus projetos. Por que introduzir essas formas de intimidade e contato no cenário urbano? Em minha lingua-

gem visual, lanço mão de muitos instrumentos, originários de vários campos do conhecimento, incluindo a biologia, a geometria estrutural e a semiótica. Ao se combinarem, eles geram um discurso formal e conceitual específico. As estruturas naturais que dispõem da melhor capacidade de colonizar e viver em condições espaciais extremas são os parasitas, que também pertencem a um conceito de organismo pioneiro. O tecido urbano de qualquer grande centro como a Cidade do México é um organismo ambiental agressivo e exige enorme capacidade de adaptação, para que se possa sobreviver a ele. As estratégias estruturais mais capacitadas (físicas e conceituais) para estabelecer interações com esse organismo são os parasitas. O parasita não é necessariamente algo agressivo e ruim para o ecossistema.

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Mexico City has such a long and rich social and architectural history. What role can your modest and temporary projects play within this context? The daily life of Mexico

City citizens involves lots of stressful interactions in both public and private space (outdoor and indoor), increasing insensitivity and apathy in the social context. Some of my projects are inserted into those dynamics. By modifying the urban space with three-dimensional experiments, my work tries to bring about the possibility of breaking the patterns of daily-life inertia. I’m not looking to fix these problems, but to insert an alternative into this space so that we have a chance to see and reflect on the realities of where we live. The “parasite” and the “embrace” in relationship to architecture, organisms and human relationships circulate in your projects. Why introduce these forms of intimacy and contact into the urban scene? In my visual language I use

multiple tools from several fields of knowledge — including biology, structural geometry and semiotics — that in combination generate a specific formal and conceptual discourse. The natural structures with the best ability to colonize and live in extreme space conditions are the parasites, which also belong to the pioneer’s organism concept. The urban fabric of any large city like Mexico City is a tough environmental organism and it demands an enormous capacity of adaptability in order to survive in it. The most capable structural strategies (physical and conceptual) to establish interactions with it are the parasites. The parasite is not necessarily something aggressive and bad for the ecosystem.

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HÉLIO MELO Vila Antinari, Acre, 1926 – Goiânia, 2001 Sem título [Untitled] 1984 nanquim e sumo de folhas sobre cartolina [Indian ink and leaves’ juice on cardboard] 38 x 52,5 cm Sem título [Untitled] 1984 nanquim e sumo de folhas sobre cartolina [Indian ink and leaves’ juice on cardboard] 30 x 45 cm ambos os trabalhos coleção [both works collection] Museu da Borracha Governador Geraldo Mesquita foto Edouard Fraipont

[Cristina Leite] Quando o senhor descobriu que tinha vocação para as artes? Desde os oito anos de idade, quando

[Cristina Leite] When did you realize you were gifted in the arts? At the age of eight, when I still lived on the rubber

ainda morava no seringal e tentava fazer algumas pinturas a lápis. Meus pais admiravam o trabalho e diziam que eu tinha tendência para ser pintor. Daí em diante passei a acreditar no meu talento, que é um dom dado por Deus. E também aprendi a tocar violino… E a pintura? Aí era porque eu tinha um desejo de escrever. Quando foi em 1975, fiz umas dez ou quinze páginas de um livro e mostrei para um filho meu. Ele disse: “Papai, não faça isso. O senhor não tem universidade e quer escrever um livro. O senhor só tem o terceiro ano primário e como é que quer escrever?” Eu cursei o terceiro ano lá no seringal. Aí eu parei. Quando foi em 1981, não me contive, não. Tanta coisa pros alunos aprenderem, que em livro não encontram. Você vai atrás de saber de história de seringueiro nas bibliotecas e não encontra. Eu fui buscar mais longe, fui buscar o caucho, que foi nossa primeira borracha. Eu escrevi essa história. Depois que comecei a pintar de verdade passei a retratar o homem do campo com todos os detalhes. Então, como aprendi sem professor, pode me chamar de pintor da floresta. Porque só quem viveu lá dentro é capaz de descobrir os mistérios da natureza através dos nossos irmãos índios, donos da floresta. O título do meu trabalho é selva amazônica. Isso porque tenho um estilo diferente de outros pintores. Se você prestar atenção, vai conhecer onde se encontra desenho de Hélio Melo, pois nunca mudei meu estilo. Quantos quadros o senhor já pintou? Pra lá de mil. A venda de quadros é a sua principal fonte de renda? Não. Sou soldado da borracha aposentado. Ganho dois salários. Pelejei para ter um ordenado melhor mas não consegui. Agora, quando vendo um quadro ganho um pouquinho mais. E quanto aos livros? Tão cedo não quero mexer com livros porque há uma grande dificuldade de publicar. Hoje meus livros estão esgotados e tenho recebido várias cartas pedindo exemplares. Livros feitos por mim um dia vão ser reconhecidos. Basta dizer que não tem universitário que consiga fazer um livro desse tipo, falando de uma experiência vivida, participando dos mistérios que a natureza nos oferece. Quais seus projetos para o futuro? Há uns dois anos que pelejo para fazer dois projetos. Um pedindo para reeditar livros e outro pedindo um computador, um scanner, uma impressora, uma máquina filmadora e uma câmara fotográfica de boa qualidade, profissional. Tenho vontade de deixar um documentário especial e outros materiais.

plantation and was trying to do some pictures in pencil. My parents admired my work and said I had talent as a painter. From then on I came to believe in my talent, which is a gift from God. And I also learned to play the violin… And what about painting? That was because I wanted to write. In 1975, I wrote ten or fifteen pages of a book and showed it to one of my sons. He said: “Don’t do that, Dad. You’ve never been to university and want to write a book. How is it you want to write if you only got as far as the third year of primary school?” I did third grade there on the rubber plantation. Then I stopped. In 1981 I couldn’t contain myself. So many things for students to learn that you can’t find in any book. If you go looking for stories about rubber tappers in the library you won’t find any. I went further afield, looking for caucho, our first kind of rubber. I wrote this story. When I really started painting I began to portray countrymen in detail. So, because I learned without a teacher, you can call me a forest painter. Because only those who have lived there are able to discover the mysteries of nature through our Indian brothers, lords of the forest. You can call my work Amazon jungle-style. This is because I’ve got a different style from other painters. If you pay attention, you’ll know when you see Hélio Melo’s work, because I’ve never changed my style. How many paintings have you done? More than a thousand. Is selling paintings your main source of income? No. I’m a retired rubber tapper. My pension pays me two minimum salaries. I tried hard to get a better pension but I didn’t succeed. When I sell a painting I get a little more. And what about books? I won’t be doing any more books so soon because it’s very hard to get published. These days my books are out of print and I’ve received many letters requesting copies. One day my books will be recognized. After all, there aren’t many university graduates out there who can write this kind of book, talking about the real experience of participating in the mysteries of nature. What are your projects for the future? I’ve been working hard on two projects for the last two years. One is to get my books republished and the other is to get a good quality computer, scanner, printer, video camera and still camera — professional ones. I want to make a documentary and other things.

Trecho editado de entrevista publicada em Outras palavras (www.ac.gov.br/outraspalavras). 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Edited excerpt of an interview published in Outras palavras (www.ac.gov.br/outraspalavras).

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IVAN CARDOSO

Rio de Janeiro, 1952; vive no [lives in] Rio de Janeiro

Heliorama 1978 filme foto Ivan Cardoso

[Alcino Leite Neto e Cássio Starling Carlos] Sua obra é pontuada por trabalhos com e sobre Hélio Oiticica. Como começou esse viver-junto de vocês? Eu era um estudan-

[Alcino Leite Neto and Cássio Starling Carlos] Your work is punctuated with work with and about Hélio Oiticica. How did this “living together” between you two come about?

te secundarista, em 1968, e dirigia o grêmio da escola, que promovia palestras de artistas. Em um desses eventos, convidamos o Hélio, que deu uma conferência na qual incentivou a platéia a pichar cartazes com mensagens militares na rua, pois aquilo seria uma obra de arte. Com essa proposta libertária, ele se transformou em nosso ídolo, e eu e alguns amigos passamos a freqüentar a casa dele diariamente. E como o cinema entrou na história de vocês? Um dia Hélio me disse: “Ivan, tudo o que lhe disserem que não pode ser feito, faça!”. O que me estimulou muito nas experiências com super-8, que eu estava começando a fazer. E o fato de sermos amigos funcionou como passaporte para o mundo dos artistas de vanguarda. Assim que eu, muito jovem, fui assistente de direção de Rogério Sganzerla no Sem essa, aranha, em 1969. E pude contar com Torquato Neto como protagonista do meu Nosferatu no Brasil, em 1971. Quando o filme foi violentamente atacado pelo grupo do Cinema Novo, com Cacá Diegues à frente, o Hélio e o Haroldo de Campos publicaram artigos em minha defesa.

I was a high school student in 1968, and in charge of the school guild, which brought in artists to give talks. At one of these events, we invited Hélio, who gave a talk in which he encouraged the audience to graffiti posters with military messages in the street, because that would be a work of art. With this libertarian proposition, he became our idol, and some friends and I began to visit his house on a daily basis. How did cinema come into the picture? One day Hélio said: “Ivan, do everything they tell you that can’t be done!” That stimulated me a lot in my experimenting with super8, which I was beginning to work with. And the fact that we were friends was like a passport into the world of the vanguard artists. Such that, at a very young age, I was director’s assistant to Rogério Sganzerla in his 1969 film Sem essa, aranha [No way, spider]. And I got Torquato Neto to be the protagonist of my Nosferatu no Brasil [Nosferato in Brazil], in 1971. When the film was violently attacked by the Cinema Novo group — led by Cacá Diegues — Hélio and Haroldo de Campos published articles in my defense.

Você focou trabalhos de Oiticica em três curtas. Como pensou captar esteticamente pelo cinema a obra dele? Eu

You’ve focused on Oiticica’s work in three short films. How did you conceive of aesthetically capturing his work on film? I’m a filmmaker, but I’m also his disciple, because I’ve

sou um cineasta, mas também um discípulo dele, pois sempre acreditei na multidisciplinaridade das formas, por isso meu cinema é híbrido. No caso específico do HO (1979), encontrei dificuldades que me forçaram a inventar soluções. A obra do Hélio estava toda encaixotada, então, eu não pude filmar os Penetráveis, nem a Tropicália. Filmei basicamente os Parangolés e, ao ver uma foto do Saco Bólide numa revista, percebi que aquilo era extremamente cinematográfico. Foi assim que tive a idéia do plano-seqüência de 5 minutos do Hélio dentro do Saco Bólide que fecha o HO. Ele colaborou também com soluções sobre a maneira de filmar seus trabalhos? Para o HO, ele insistiu para que eu

filmasse tudo que estava disponível e fez outros especialmente para serem filmados, como o Parangolé de rosto do Waly Salomão. Além disso, eu o registrei manipulando as obras. Aproveitei e acumulei bastante material. Muitas dessas imagens estão nos meus curtas posteriores à morte dele. E são também um bálsamo porque toda vez que quero ver o Hélio vivo assisto a meus filmes. Ali, eu escuto a voz dele, vejo a imagem dele e seu movimento, quer dizer, nos filmes ele não morreu.

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always believed in the multidisciplinarity of form. That’s why my films are hybrid. In the case of HO (1979), I ran into difficulties that forced me to come up with solutions. Hélio’s work was all boxed up, so I couldn’t film his Penetrables or Tropicália works. I basically filmed the Parangolés [capes] and when I saw a photo of the Saco Bólide in a magazine, I realized it was extremely cinematographic. That was where I got the idea for the five-minute sequence shot of Hélio inside the Saco Bólide that closes HO. Did he also provide solutions for filming his work? For HO, he insisted that I film everything available and produce other works especially to be filmed, such as Waly Salomão’s face Parangolé. Additionally, I recorded him manipulating his works. I took the opportunity and shot a lot of material. I used many of these images in my short films after his death. They are soothing, because whenever I want to see Hélio alive I watch my films. There I hear his voice and see images of him in movement, so in my films he is not dead.

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JACK SMITH Columbus, Estados Unidos [United States], 1932 – Nova York, 1989 jantes]1963 cartaz original do filme [original film poster]

Flaming Creatures [Criaturas flame-

[Sylvére Lotringer] Como você teve a idéia de realizar Flaming creatures [Criaturas flamejantes]? Comecei fazendo

[Sylvére Lotringer] How did you get the idea to make Flaming Creatures? I started making a comedy about ev-

uma comédia sobre tudo que eu achava engraçado. E era engraçada. Os primeiros espectadores riam do começo ao fim. Mas aí aquela escrita começou — e virou uma coisa sexual. Transformou o filme na edição de uma revista de sexo. Deram-no de comer para as revistas. Escritoras lésbicas ficavam roxas de tesão. Aí a coisa adubou Hollywood. Maravilhoso. Quando terminaram de lamber os beiços com o filme acabou a risada. Silêncio mortal no auditório. O filme foi praticamente usado para me destruir.

erything that I thought was funny. And it was funny. The first audiences were laughing from the beginning all the way through. But then that writing started — and it became a sex thing. It turned the movie into a magazine sex issue. It was fed to the magazines. Lesbian writers were finding purple titillations. Then it fertilized Hollywood. Wonderful. When they got through licking their chops over the movie there was no more laughter. There was dead silence in the auditorium. The film was practically used to destroy me. Did you actually mean anything through your film? No, I didn’t then. But the meaning has to come out in what is done with the art — is what gives it meaning. The way my movie was used — that was the meaning of the movie. You mean that meaning comes afterwards? What you do with it economically is what the meaning is. If it goes to support Uncle Fishook [was the name Jack Smith gave Jonas Mekas, director of the Film Anthology Archives in New York, whom he accused of having ripped off his film], that’s what it means. Movies are always made for an audience. But I didn’t make it that way. I was just making it completely for myself. At the time, that seemed like an intellectual experiment. But that point got lost. Do you consider your art political? I wouldn’t put any program out now unless it had an overtly political title.

Você realmente quis dizer alguma coisa com esse filme?

Na época não. Mas o significado tem que sair daquilo que se faz com a arte — isso é que dá sentido para a coisa. O jeito que usaram meu filme — esse foi o significado do filme. Você quer dizer que o significado vem depois? O significado é o que você faz economicamente com ele. Se ele vai sustentar o Uncle Fishook [é o nome que Jack Smith deu a Jonas Mekas, diretor do Film Anthology Archive de Nova York, a quem acusou de ter roubado seu filme], é isso que significa. Filmes sempre são feitos para um público. Mas eu não o fiz desse jeito. Eu só estava fazendo completamente para mim mesmo. Na época, parecia um experimento intelectual. Mas esse significado se perdeu. Você considera sua arte política? Eu não divulgaria nenhum programa que não tivesse um título explicitamente político. Que título você escolheria agora para Flaming creatures se você tivesse opção? Deixe-me pensar… Um novo

título… Tenho que pensar a respeito… Qual é o conteúdo… nunca teve conteúdo… “Ligando o açúcar com Hollywood”, talvez…

What title would you choose now for Flaming Creatures if you had a choice? Let me think, a new title… I have to

think about it… What’s its content… there never was any content. “Connecting sugar with Hollywood”, maybe… You mean your film was some sort of parody of Hollywood?

Quer dizer que seu filme era uma espécie de paródia de Hollywood? Tem muito a ver com isso, sim. Aconteceu

It has a lot to do with it, yes. It took place in a haunted movie studio. That’s why those people were coming and going like that.

num estúdio de cinema mal-assombrado. É por isso que as pessoas iam e vinham desse jeito.

Was Hollywood really on your mind when you made the film? Of course. My mind was filled with it. … Everybody

Você realmente tinha Hollywood na cabeça quando fez o filme? Claro. Eu estava com a cabeça abarrotada de

is filled with Hollywood.

Hollywood. Todo o mundo está. Socialismo é tentar achar meios sociais de compartilhar. Só isso. E substituir a dependência da autoridade pelo princípio da partilha. Porque é muito provável que sobraria milhares de vezes mais para todos, se as coisas fossem compartilhadas. Estamos vivendo como cães com toda essa concorrência.

O que você quer dizer com idéia socialista?

What do you mean by a socialistic idea? To me, socialism is to try to find social ways of sharing. That’s all. And to replace the dependence upon authority with the principle of sharing. Because it’s very likely that there would be Pthousands and more times for everybody if things were shared. We’re living like dogs from all the competing. Edited excerpt of an interview published in Semiotext(e), n. 2, 1978.

Trecho editado de entrevista publicada em Semiotext(e), n. 2, 1978. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

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JARDIM MIRIAM ARTE CLUBE — JAMAC Fundado em [founded in] 2003 por [by] Mônica Nador; baseado em [based in] São Paulo Paredes Pinturas [Wall paintings] 2005 dimensões variadas [dimensions variable] cortesia [courtesy] Galeria Vermelho, São Paulo foto Marcelo Zocchio

[Ivo Mesquita] Como se deu a passagem de sua pintura no ateliê para o trabalho no JAMAC? [Mônica Nador] A

[Ivo Mesquita] How did you go from studio painting to your JAMAC work? [Mônica Nador] My studio practice

minha prática no ateliê desdobra-se em diversos níveis. As repetições de gestos, tramas e veladuras que constituíam a pintura sobre tela aqui se desenvolvem num plano real: são diversas camadas de significantes e experiências que se sobrepõem nessa pequena comunidade e que apontam para novas possibilidades de percepção e transformação. O jamac agora é o meu ateliê. Mas com a moçada que vem aqui para diferentes atividades, procuramos construir um espaço que não conhecemos, mas que vai mais além de um processo de proposições em torno de artes visuais.

unfolds at various levels. The repetition of gestures, weavings and glazes that constituted my canvas painting is developed here on a real plane: several layers of meanings and experiences are superimposed in this small community and address new possibilities of perception and transformation. jamac is my studio now. But together with the young guys who come here for different activities, we try to build a space we don’t know, though it goes beyond a process of proposals about visual arts.

Quais são as possibilidades que você vê da prática da pintura nesse contexto? O jamac quer fazer o ateliê de artista

What possibilities do you see for the practice of painting within that context? jamac wants to make the artist’s stu-

funcionar como uma escola para o pessoal que vem aqui: um espaço de troca, aprendizado e sociabilização. É isso que eles esperam e querem. A participação da comunidade desde o início foi fundamental para que o clube não fosse uma invasão de artistas ao Jardim Miriam. Não se trata apenas de ensinar pintura, mas de pensar o sujeito e sua condição a partir da pintura. Nós fazemos coisas juntos, coletivamente, eles fazem coisas deles, e eu continuo o meu trabalho com telas, frisos, paredes, seja aqui na comunidade, seja em exposições. Atualmente estamos desenvolvendo uma cooperativa de estamparia com a expectativa de criar uma alternativa de renda para os participantes. Mas há também aqueles que buscam uma expressão mais pessoal, aprimoramento técnico e conceitual. Eu vim aqui com a idéia de pintar o bairro com a colaboração deles. Já fizemos algumas coisas, mas faltam recursos para viabilizar o projeto, qualquer projeto. Em todo caso, as pessoas já me identificam como a mulher que dá tinta para pintar a casa. Durante a Copa do Mundo, vários grupos pediram material para pintar as ruas. Há, portanto, muitas possibilidades de entrada e transformação. O jamac quer ligar arte com necessidades político-sociais de grupos desprivilegiados, mas já com alguma organização.

dio work as a school for the people coming here: a space for exchange, learning and socialization. That is what they expect and want. Community participation has been fundamental from the beginning, so that the club wasn’t the artists’ invasion of the district of Jardim Miriam. It isn’t just about teaching painting but about thinking on the person and his/her condition by way of the painting. We do things together, collectively, they do their stuff and I go on with my work with canvases, friezes, walls, whether here in the community or at exhibitions. We are currently developing a stamping cooperative aimed at creating an income alternative for its members. But there are also those who seek a more personal expression, a technical and conceptual improvement. I came here with the idea of painting the neighborhood with their collaboration. We ’ve already accomplished a few things, but we lack the resources to render the project feasible, any project. In any case, people already see me as the woman who gives them paint so they can paint their house. During the World Cup, several groups asked for materials to paint the streets. So there are many possibilities of access and transformation. jamac wants to link art to the political and social needs of underprivileged, albeit already somewhat organized, groups.

Como você pensa o desenvolvimento desse trabalho depois de quase três anos de atividades? Eu não estou

What do you think of the development of your work after almost three years of activity? I am not alone. There are

sozinha. Além da comunidade há também uns tantos colaboradores e apostadores no projeto. Mas sabemos que não podemos crescer muito, pois acabaríamos por perder na qualidade das relações. O legal seria se surgissem outras iniciativas, que o modelo fosse copiado. Hoje há muitas organizações e trabalhos nessa área, mas requerem muitos recursos para se efetivarem. Nosso maior risco é a falta de recursos. Estamos sempre procurando patrocinadores.

also those beyond the community who collaborate with and support the project. Yet we know we cannot grow too much, for we ’d end up losing in the quality of the relationships. It would be nice if other initiatives came up, if the model were copied. There are many organizations and works in this area today, but they need a lot of resources to get started. Our greatest risk is the lack of resources. We’re always looking for sponsors.

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JANE ALEXANDER Joanesburgo, 1959; vive na [lives in] Cidade do Cabo [Cape Town] [Anunciador com arco-íris] 2004 fotomontagem [photomontage] 45 x 55 cm

[Steven Matijcio] Há uma dialética que se estabelece entre ação e visão, traçando paralelos com o autismo: de Butcher boys [Garotos açougueiros] (1985 – 86) — destituídos de boca e orelha — e Bom boys [Garotos Bom] (1998) — com suas máscaras e vestes desconfortáveis — às personagens masculinas enfeitiçadas em Integration program: Man with TV [Programa de integração: homem com TV] (1995) e os recintos patrulhados e acorrentados, do seu mais recente trabalho. São figuras aprisionadas de diferentes maneiras, por limitações amorfas que lhes permitem ver, porém raramente falar. Você vê a perspectiva de uma síntese futura, ou esses pólos estariam se distanciando cada vez mais? Não sei. Prefiro não prever tendências futuras. Suas obras têm a história política de lugares como África do Sul e Alemanha como raízes, porém, revelam um esforço para transcender as leituras regionais e abordar o caráter abstrato da tragédia universal. Você já se utilizou de motivos clássicos e cristãos para integrar eventos localizados a discursos sociais mais abrangentes. Como mantém o equilíbrio que permite ampliar o impacto de seu trabalho sem se expor a interpretações equivocadas e/ou generalizações? Prefiro deixar a interpretação da obra às múltiplas

leituras do público, o que evidentemente a deixa vulnerável a interpretações equivocadas e à generalização. Porém, há elementos na obra que são explícitos e específicos, e que, no contexto em que são apresentados — e no contexto das minhas origens — podem ser identificados por meio de pesquisa se não evocarem associação imediata. O provável impacto ou a possibilidade de ampliar esse impacto não fazem parte do processo de desenvolvimento da minha obra. Conforme ressaltado por Rob Storr em sua bienal SITE Santa Fé, Disparities and deformations: Our grotesque [Disparidades e deformações: nosso grotesco], em 2005, o que tinha por objetivo perturbar pode muitas vezes se revestir de apelo estético. Algumas regiões da África têm se tornado vítimas freqüentes das qualidades exóticas da tragédia, e sua obra contém uma qualidade visual inegável que funde horror e sedução. Como você retém a integridade formal sem desconsiderar a gravidade do seu tema?

Não sei se faço, ou se posso fazer, ou se já fiz isso. Acredito que trabalhos meus anteriores refletiam um “horror” mais direto do que hoje, e eu tinha consciência de que isso poderia minar minhas preocupações. Não quero passar nenhuma mensagem redentora, tampouco é minha intenção perturbar ou desestabilizar o público. Pretendo evitar que o horror exerça uma sedução tão avassaladora que suscite apenas uma reação intuitiva, o que não corresponde ao meu interesse temático. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Harbinger with rainbow

[Steven Matijcio] From the mouthless, earless Butcher boys (1985 – 86) and masked, uncomfortably dressed Bom boys (1998), to the spellbound males in Integration program: Man with TV (1995) and the patrolled, chain-link enclosures in your most recent work, there is an ongoing dialectic between action and vision that draws parallels to autism. In various ways these figures are imprisoned in amorphous restraints that allow them to see, but rarely to assume voice. Do you foresee future synthesis, or are these poles moving farther and farther apart? I cannot say.

I wouldn’t attempt to predict future developments. Your work is rooted in the political history of places such as South Africa and Germany, yet there is an effort to transcend regional readings and tap into the abstract realm of universal tragedy. You have employed classical and Christian motifs to integrate localized events into larger social discourses. How do you maintain a balance that expands the impact of your work without opening it to misinterpretation and/or generalization? I prefer to leave

the interpretation of the work to the multiple readings of the viewer, which does leave it open to misinterpretation and generalization. However there are elements of the works that are explicit and specific, and which within the context they are presented — and the context from which I come — can be identified through research if they do not immediately elicit association. Whether the work has an impact, or one that can be expanded, is not part of the process with which I develop a work. As Rob Storr’s 2005 SITE Santa Fe Biennial — Disparities and deformations: Our grotesque — made clear, that which was intended to disturb can often assume aesthetic appeal. Regions in Africa have habitually fallen victim to the exotic qualities of tragedy, and your work contains an undeniable visual quality that merges horror with seduction. How do you retain formal integrity without slighting the gravity of your subject matter? I do not know if I do, or if

I can, or if I have. I think my earlier work reflected a more direct “horror” than it does now, and I was conscious that it could undermine my concerns. I haven’t any redemptive message to convey, nor is it my intention to specifically disturb or unsettle the viewer. What I hope to avoid is an overriding seductiveness of horror that elicits only an intuitive arousal, which is not where my interest in my subjects lies.

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JARBAS LOPES Nova Iguaçu, Brasil, 1964; vive no [lives in] Rio de Janeiro Cicloviaérea [Aerial cycle way] 2003 bicicleta e palha [bycicle and straw] 105 x 175 x 70 cm cortesia [courtesy] A Gentil Carioca, Rio de Janeiro e [and] Millan Antonio, São Paulo foto Moisés Alcunha

[Bojana Piškur] Suas intervenções públicas estão ligadas à crítica política e social diretas. O que você diria em relação a: A arte tem o poder de questionar tudo. A arte não tem poder algum? Ou…? Creio que a arte é pública, co-

[Bojana Piškur] Your public interventions are connected with direct political and social critique. What would you say in regard to the idea that art has the power to question everything? Art has no power? Or…? I think art is

letiva e socialista, e tem poder de equacionar tudo, inclusive seu próprio poder, o que faz de forma determinante. Todo o meu envolvimento se alimenta da dinâmica do cotidiano; as intervenções públicas são parte desse processo, elas são experimentações e realizações, mais independentes, em espaço aberto, e mediações imprevisíveis. Tenho aí um grande desejo de participar e trazer para esse movimento propostas que reforcem a idéia de relações livres. Penso, por exemplo, que seria muito bom ter todas as crianças na rua, as que estão soltas hoje dividiriam essa liberdade com as que estão presas e entretidas com as coisas do comércio, todas elas circulando mais livres garantiriam uma verdadeira intervenção social.

public, collective and socialist, having the power to solve with equations everything including its own power, which it does in determinate ways. All my involvement is fed with the dynamics from the everyday life, the public interventions are part of such process, they are more independent experiments and realizations, in open spaces and unpredictable places. I hold a great desire for participating and bringing to this movement proposals that give strength to the idea of free relations. I think, for instance, that it would be very good to have all the children in the streets, the ones that are free nowadays would share this freedom with the ones who are not free, but busy with adult tasks. All of them circulating with more freedom would guarantee a true social intervention.

A vitalidade das ruas, do encontro com outras pessoas, de conversar, de dividir comida, música, opiniões… Parece que essas coisas o afetam e, do mesmo modo, o que você faz em sua arte. Você estaria, de alguma forma, tentando estabelecer relações entre pessoas? Ou em outras palavras, você estaria tentando criar espaço de e para manifestações? Dá até para entender o instinto de se preservar,

perpetuar a espécie, dos animais que desconhecem o destino da morte. O jogo da caça com o predador vem se diluindo nas cidades graças ao dividir, e duvido se todos ou quase todos não querem se manifestar no ritual, sem determinações nem hierarquia. Somos ensinados a ver, sentir, nos comportar etc. Mudar essas coisas é, de fato, mudar o modo como percebemos a cultura. Isso poderia acontecer, por exemplo, ao dissolver as barreiras entre objetos, obra de arte, artista, participantes… criando uma dimensão do desconhecido que abre a imaginação? Podemos também desaprender tudo

a nossa maneira, individualmente; isso que estimula a diferença também está a nosso dispor. O esforço maior está exatamente em dissolver barreiras do campo coletivo, que são erguidas principalmente pelo medo do desconhecido. A era e a arte contemporâneas têm o privilégio da informação e acesso aos debates com as melhores experiências históricas; mesmo que ainda os fracos e covardes prefiram difundir a barbárie, a ciência está aí perto do sonho do teletransportar, assim como os que não acreditam na burocracia das máquinas há muito tempo também estão nesse empenho do demolir.

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Vitality of life on the streets, of meeting other people, of conversing, of sharing food, music, opinions… it seems these greatly affect you, and subsequently what you do in art. Are you in a way trying to establish relations between people? Or in other words, to create space of and for manifestation? One can even understand the instinct for

self-preservation, to perpetuate the species, by animals that are not aware of the destiny of death. The game of hunting with a predator is diluted more and more in cities, thanks to divisions, and I doubt all people or almost all do not want to manifest themselves in the ritual, without determinations or hierarchies. We are taught how to look, feel, behave, etc.; changing these is in a real sense changing the perceived culture. Could this happen, for example with blurring the borders between objects, works of art, artist, participants… creating a dimension of the unknown that opens up to the imagination? We can also unlearn in our own way, indi-

vidually; that which stimulates the difference is also at our disposal. The greatest effort is exactly in dissolving barriers of the collective sphere, which are built mainly for the fear of the unknown. The contemporary era and art have the privilege of information and access to debates with the best historical experiences, even though the weaklings and the cowards prefer to diffuse the barbarity, science is close to the teletransporting dream, just like those who have not believed in the bureaucracy of machines since long ago are also in an effort to demolish.

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JAROSLAW KOZLOWSKI Srem, Polônia, 1945; vive em [lives in] Poznan, Polônia 1995 instalação [installation] foto Jaroslaw Kozlowski

Gravity room [Sala da gravidade]

[Cristina Freire] Nos anos 1970, sua atividade artística foi muito importante para o movimento de arte conceitual na Polônia. O que você fazia naquela época? Além da prá-

[Cristina Freire] In the 1970s your artistic activity was very important for the conceptual art movement in Poland. What were you doing at that time? Besides art praxis and

xis da arte e da atividade teórica ligada à reflexão conceitual, eu estava envolvido com uma idéia denominada NET (rede), que introduzimos no início de 1971, junto com meu amigo Andrzej Kostolowski. O manifesto NET expressava nossa necessidade de contatos interpessoais e de intercâmbio de idéias entre os artistas contemporâneos, desprovidos de quaisquer esquemas de mediação, oficiais ou institucionais. Foi enviado com uma lista de endereços de aproximadamente 350 artistas do mundo inteiro, convidando todos eles a uma participação. Muito rapidamente recebi inúmeras respostas positivas, uma confirmação da necessidade que os artistas sentiam em relação a esse tipo de trabalho em rede. Decorrido um período, decidi compartilhar com alguns amigos o material do NET, que vinha de todos os lugares. Assim, convidei-os para participar da exposição de livros, catálogos, desenhos, fotos, idéias etc., organizada durante uma noite em meu apartamento. Infelizmente, eu não sabia que, entre eles, havia um informante da polícia política. A polícia apareceu dali a meia hora, revistou o apartamento e confiscou todo o material. Mais tarde a iniciativa foi tachada de anarquista, contra o Estado, e me causou muitos problemas. De todo modo, logo depois, decidi dar início a uma galeria alternativa, chamada Akumulatory 2, que esteve ativa durante dezenove anos e se baseava na lista do NET.

theoretical activity connected with conceptual reflection I was involved in an idea called NET which we introduced at the beginning of 1971 together with my friend Andrzej Kostolowski. The NET manifesto expressed our need for interpersonal contacts and exchanges of ideas among contemporary artists without any official nor institutional frame or mediation. It was sent together with an address list of approximately 350 artists from all over the world, inviting all of them to participate in it. Very soon I got quite a number of positive responses, a confirmation of the artists’ need for such kind of network. After a period of time I decided to share NET material that came from all over with some friends of mine. So, I invited them to join the exhibition of books, catalogues, drawings, photographs, ideas etc., which was organized for one evening at my private flat. Unfortunately, I didn’t know that there was a secret political police informer among them. Finally, the police appeared in half an hour, searched the whole flat and confiscated all the material. Later the case was called an anarchistic anti-state initiative; and caused me a lot of trouble. Anyway, shortly after that I decided to start an alternative gallery called Akumulatory 2, which was active for 19 years and was based on the NET list.

Como foi concebida sua recente obra United world: utopian version [Mundo unido: versão utópica]? Seis anos atrás

comecei a trabalhar numa série de instalações. Todas consistiam em mobiliário doméstico e se referiam à questão de diferentes sistemas políticos que funcionavam no contexto do postulado de uma unidade global. United world: utopian version, exposto em São Paulo, é o mais recente e provavelmente o último trabalho da série. É muito diferente de todas as outras versões. Elas eram muito sarcásticas, quando não pessimistas. Esta, ao contrário, parece muito mais positiva, quase otimista. Pelo menos expressa alguma esperança.

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How was your recent United world: utopian version conceived? Six years ago I began to work on a series of in-

stallations, all of which consisted of domestic furniture and referred to the question of different political systems functioning in the context of the postulate of global unity. United world: utopian version, shown in São Paulo, is the most recent and probably the last work of the series. It is very different from all the other versions. They were quite sarcastic, if not pessimistic. On the contrary, this one seems to be much more positive, almost optimistic. At least, it expresses some hope.

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JEAN-LUC GODARD Paris, 1930; vive na [lives in] Suíça [Switzerland] Sympathy for the devil: One plus one [Simpatia pelo demônio: Um mais um] 1968 filme 16 mm 100 min cortesia [courtesy] British Film Institute, Londres

[Thierry Jousse] Você produz seus filmes sozinho… Sim. Eu adoraria trabalhar com um produtor, mas eles têm uma tal formação que é complicado. Eu talvez seja um pouco só demais, mas as condições não são tão boas. Você ainda tem vontade de intervir na televisão? Essa época passou. Eu tenho a nítida impressão de que, se eu estivesse na televisão, eu não existiria, eu seria o nada. Duby escreveu: “Sabe, uma vez vi o nada, ele é mais magro do que parece” (risos). Não vejo diferença entre uma pessoa vista na televisão e os videogames; eu digo para mim mesmo que eles são mais bem feitos, só isso. Ficamos achatados, não somos projetados. Acreditamos falar e existir. É como a imagem que veremos nas telas de nossos telefones. Trecho editado de entrevista publicada em Cahiers du cinéma, n. 472, 1993.

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[Thierry Jousse] You produce your films alone… Yes. I’d love to work with a producer, but they have received such an education, that it’s very complicated. I’m maybe too lonely, but conditions are not really good. Do you still wish to intervene in television? That time is over. I have the real impression that if I were in television, I would not exist, I would be nothing. Duby wrote: “You know, once I saw the nothingness, and it is much more slender than one may think” [laughter]. I don’t see any difference between a person seen on television and in videogames, I always tell myself that they are better done, that’s all. We are flat, we are not projected. We believe we speak and that we exist. It’s just like the image we ’ll see on our telephone screens. Edited excerpt of an interview published in Cahiers du cinéma, n. 472, 1993.

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JEANNE FAUST Wiesbaden, Alemanha [Germany], 1963; vive em [lives in] Hamburgo Excuse me, brother [Dá licença, cara] 2006 filme S-16 mm transferido para DVD [S-16 mm film transferred to DVD] 6 min foto Jeanne Faust. Este filme teve o apoio da [This film has been supported by] Kodak, Hamburgo Interview [Entrevista] 2003 vídeo 9 min cortesia [courtesy] Galerie Karin Guenther, Nina Borhmann, Hamburgo foto Jeanne Faust

[Ulrike Groos] Você trabalha na área do filme e da fotografia. Tendo em vista suas realizações anteriores, isto é, Texas projekt (1999), andere wie mich [outros como eu] (2000) e la chance n´est pas du bonheur non plus [o acaso tampouco é a felicidade] (2000), você morou no exterior por um longo período para dar conta de seus projetos, em lugares que, embora estrangeiros, continham para você determinadas idéias e associações. Seu filme Interview [Entrevista] (2003), com Lou Castel, se diferencia bastante dos trabalhos anteriores. Qual foi seu conceito em relação a esse filme? Ao embarcar no projeto com Lou Castel,

pesquisei profundamente, antes de mais nada, o gênero do filme de entrevistas. A estrutura predeterminada (pergunta/resposta) parecia-me um sistema que permitia analisar hierarquias e o equilíbrio do poder, de inúmeras e diferentes maneiras. Na maior parte, a filmagem consistia em repetições de situações que surgiam durante os três dias que passamos juntos. Elas foram complementadas por elementos ficcionais que transmitiam nossas idéias sobre uma situação potencial de entrevista. Eu havia compilado fragmentos de diálogo e cenas que ocorreram entre nós em um roteiro, muito enxuto, combinando-os de tal maneira que pudessem atender a caracterizações de personagens, tais como “uma entrevistadora inoportuna” e “um companheiro de entrevistas irritado e fechado”. Quando transpusemos isso para um filme, interpretamos nós mesmos até certo ponto, e também até o ponto que consideramos uma representação bemsucedida da troca de posições de poder. Sou Jeanne Faust e a entrevistadora, Lou Castel é Lou Castel e um astro que está envelhecendo. Tudo acontece no apartamento dele e a absurda necessidade de autenticidade parece ter sido completamente mantida. Como surgiu a idéia de seu novo filme, Excuse me, brother [Dá licença, cara], exibido pela primeira vez na 27a. Bienal?

Deparei, por acaso, com as abrangentes coleções de insetos existentes em museus zoológicos belgas, franceses, ingleses e, em menor quantidade, alemães, por meio de meu interesse pela mobília colonial: elas têm uma expressa necessidade de colecionar, pesquisar, classificar e possuir. Excuse me, brother — este título deriva, assim como várias frases do diálogo, em forma alterada, de letras das canções dos Irmãos Mitchell — descreve, em dois cenários, a preparação de um louva-deus, filmada em estilo documental, bem como instruções relatadas por uma segunda pessoa (filmada em close-up, em estilo cinematográfico). A natureza cotidiana do diálogo que se desenvolve contrasta com as imagens, muito sobrecarregadas.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

[Ulrike Groos] You work in the fields of film and photography. For your earlier work, i.e., Texas Projekt (1999), andere wie mich [others like me] (2000) and la chance n’est pas du bonheurs non plus [chance is not happiness either] (2002) you lived abroad for long periods to accomplish your works, in places which, though foreign to you, were nonetheless ones which held particular ideas and associations for you. Your film Interview with Lou Castel (2003) differs a lot from this earlier work. What was your concept for this film? When embarking on the project with Lou

Castel, I researched the genre of the interview film thoroughly beforehand. The predetermined question/answer structure seemed to me to be a system within which one could analyze hierarchies and balances of power in a number of different ways. The shoot consisted for the most part of repetitions of situations arising during the three days we spent together. They were supplemented by fictitious elements which communicated our ideas about a potential interview situation. I had compiled sections of dialogue and scenes which had occurred between us in a screenplay in skeleton form and combined them in such a way so that they could fill out character groupings such as “importunate female interviewer” and “irritated, dismissive interview partner”. When we then translated it into film we played ourselves to a degree, and also to a degree what we considered to be a successful representation of changing positions of power. I am Jeanne Faust, and the interviewer, Lou Castel is Lou Castel and an aging star, the whole thing takes place in his apartment, and the absurd need for authenticity seems to have been completely sustained. How did the idea of your new film Excuse me, brother come about, shown for the first time at the 27th Bienal?

I rather chanced upon the comprehensive collections of insects held in Belgian, French, English and (to a lesser extent) German zoological museums via a concern for Colonial furniture: they show an express need to collect, research, classify and possess. Excuse me, brother — the title of which derives, as do various lines of dialogue in altered form, from lyrics from Mitchell Brothers’ songs — describes in two settings the preparation of a praying mantis filmed in documentary style, as well as instructions related by a second person (captured in movie-style close-up). The everyday nature of the unraveling dialogue contrasts itself with the loaded pictures.

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JOÃO MARIA GUSMÃO + PEDRO PAIVA Lisboa, 1979 e [and] 1977; vivem em [live in] Lisboa [Columbus’s column] 2006 fotografia 125 x 125 cm coleção [collection] Fundação PLMJ, Lisboa

[Miguel Amado] Seu trabalho ancora-se mais em afinidades intelectuais do que na resolução de problemas estéticos. O trabalho desenvolve-se em torno de “narrativas

verídicas”. Trata-se de uma expressão de Alain Badiou, referente a uma seqüência genérica de momentos históricos que inauguram procedimentos de averiguação empírica de uma verdade revelada pelo episódio “eventural”. O “evento” manifesta-se como uma ocorrência singular da ordem da descoberta que lança para o plano existencial algo de novo e que depende de uma aposta numa verdade “intotalizável”. Indicamos as mais marcantes para nós: o pensamento libertário que funde a patafísica de Jarry com a metodologia intuitiva de Bergson; a inversão do niilismo perspectivada por Nietzsche; a aventura ontológica/política de Badiou; o experimentalismo novecentista que aborda o enigma dos fenômenos, especialmente a relação dos efeitos incorporais com o desejo metafísico (o magnetismo, o espiritismo, o faquirismo), uma complexidade bastante presente na literatura, de Victor Hugo a Stanislaw Lem. São essas as referências de seu projeto expositivo e editorial Eflúvio magnético. Este projeto parte da descrição de

Hugo, em O homem que ri, de uma anomalia meteorológica: uma tempestade de neve negra no Canal da Mancha. As circunstâncias dessa descoberta, na sua acepção filosófica, enunciam uma ficção que respeita duas interdições categóricas: a hipótese de um fenômeno indiscernível produzido por influência magnética, a fusão da maré e do vento, e a qualidade de náufrago decorrente da intensidade aniquiladora daquela intempérie. Está-se perante uma ficção duplamente intransmissível no plano da narrativa: o eflúvio magnético é cognitivamente inacessível como fenômeno e a testemunha do acontecimento não pode partilhar sua experiência porque é vítima inevitável da tormenta. Trata-se de uma ficção existencial, onde o sublime é um enigma fenomenológico. Em seus filmes e fotografias, estranhos personagens protagonizam atos absurdos ou humorísticos. O absurdo e o

humor ocorrem como efeito de sentido e não como estratégia de estilo. Ao abordarem-se temas relacionados com categorias negativas, produz-se um paradoxo decorrente de uma inadequação, a saber, a incongruência de uma proposição negativa quando avançada pela obra de arte. A nossa pesquisa avança por um dispositivo do gênero do enigma: para que o enigma continue estruturado segundo a interdição implícita da sua essência e, contudo, se possa pensar acerca dessa natureza enigmática, é necessário o nome do enigma. Esse termo fixa a possibilidade inteligível de dar sentido a coisas que, aparentemente, não o têm. Todavia, é preciso estar desperto para as coerências das incoerências. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

A coluna de Colombo

[Miguel Amado] Your work is based on intellectual affinities rather than the resolution of aesthetic issues. The

work develops from “truthful narratives”. Alain Badiou used the term “truth-event” to denote the generic multiple of historical occurrences that inaugurate procedures for the empirical investigation of a truth revealed by the “evental” episode. The “event” takes place as a singular occurrence of discovery order that casts anything new onto the existential level and depends on a bet on an “untotalizing” truth. For us, the most impressive events included the libertarian thought that blends Jarry’s pataphysics and Bergson’s intuitive methodology; the inversion of nihilism as envisaged by Nietzsche; Badiou’s ontological/political adventure; the 20th-century experimentalism that addresses the enigma of phenomena and, in particular, the relations between incorporeal effects and metaphysical desire (magnetism, spiritualism, and fakirism); and a complexity widely found in literature, from Victor Hugo to Stanislaw Lem. So these are the references for the object and text parts of your project Eflúvio magnético [Magnetic effluvium]. This

project has sprung from Hugo’s description, in The man who laughs, of an anomalous meteorological phenomenon: a black snowstorm on the English Channel. In their philosophical denotation, the circumstances of this discovery enunciate a fictional creation that observes two unyielding interdictions: the hypothesis of an indiscernible phenomenon produced by magnetic currents in combination with raging winds, and the shipwreck condition resulting from the annihilating intensity of the tempest. What we have is a fiction doubly nontransmissible at the narrative level, where the magnetic effluvium is a cognitively inaccessible phenomenon, and its lived experience cannot be recounted because witnesses ordinarily become despondent storm casualties. What we have is an existential fiction in which the sublime is a phenomenological enigma. Your films and photos present strange characters in comical or absurd acts. Comedy and the absurd are effects of

meaning rather than part of a style strategy. By addressing themes related to negative categories, we produce a paradox that derives from inadequacy, namely the incongruence of a negative proposal featured in a work of art. Our research makes use of a device from the genre of enigma. In order for the enigma structure to go on observing the implicit interdiction of its essence and, at the same time, allowing the observation of its enigmatic nature, it must have a name. This condition establishes the intelligible possibility of attaching meaning to apparently meaningless things. Yet, one must remain alert to the coherences of incoherencies. 112



JORGE MACCHI Buenos Aires, 1963; vive em [lives in] Buenos Aires Speaker’s corner [Canto do orador] 2002 recortes de jornais [newspapers cuttings] 130 x 180 cm detalhe [detail] coleção [collection] Mauro Herlitzka, Buenos Aires foto Gustavo Lowry

[Carla Zaccagnini] Você já tinha realizado outras obras gráficas de grande circulação, como o pôster da 27a. Bienal? Já tinha feito outras peças gráficas. No ano passado fiz

a imagem do Festival Internacional de Buenos Aires e já fiz pôsteres para peças de teatro. Acho que propor uma imagem para uma peça ou um festival tem algum ponto de contato com minha atividade como cenógrafo: tanto uma peça gráfica como um desenho espacial, se bem pensados, ampliam a leitura de um espetáculo. Quais foram seus pontos de partida para a imagem do cartaz da Bienal? Em que sentido o conceito geral da exposição ou sua experiência da cidade de São Paulo serviram como base para isso? Quando penso a imagem de um pôs-

[Carla Zaccagnini] Had you already designed other high-circulation graphic works like the 27th Bienal poster? I had al-

ready done other artwork for events. Last year I created the image for the Festival Internacional de Buenos Aires and I’ve done posters for plays. I think that coming up with an image for a play or festival has something in common with my work as a set designer: both graphic and spatial designs, if well thought out, broaden people’s readings of a show. What was your point of departure when selecting an image for the Bienal’s poster? In what way did the general concept of the exhibition or your experience of the city of São Paulo serve as a basis for this? When I come up

ter procuro que ela não seja ilustrativa do evento, mas que estabeleça um diálogo com ele. No caso do pôster para a Bienal, utilizei a fotografia de um fragmento de uma obra minha, Speaker’s corner [Canto do orador] (2002), na qual a presença de aspas isoladas de recortes de jornal evoca uma convivência de frases e oradores. É uma imagem ambivalente: por um lado alude à convivência democrática dos discursos e, por outro, à sua vacuidade e paralisação.

with an image for a poster I try not to make it illustrate the event, rather, I want to establish a dialogue with it. For the Bienal poster, I used a photograph of a fragment of one of my works, Speaker’s corner (2002), in which a series of empty quotation marks from newspaper clippings conjures up a link between sentences and speakers. It is an ambivalent image: on the one hand it alludes to the existence of many discourses in democracy and, on the other, the emptiness and inertia.

Por que a escolha de uma reprodução ou releitura de uma obra anterior em vez de inventar algo totalmente novo para esse meio? A fotografia de um fragmento de uma obra

Why did you choose the reproduction or rereading of a previous work instead of inventing something completely new for this medium? A photograph of a fragment of a

não é a obra em si. Nesta imagem a qualidade do papel está muito presente, assim como a forma em que cada fragmento está pendurado e as aspas. Na obra em questão, o fato de que tudo isso ocorre dentro de uma caixa fechada por um vidro é muito importante. Vistos a uma distância considerável, todos os detalhes se perdem e fica somente uma sensação de movimento aquático. Só de perto se percebem os detalhes.

work of art is not the work itself. In this image the characteristics of the paper are very present, as well as the way in which each sentence is hung, and the quotation marks. In this work, the fact that all this takes place inside a closed glass box is very important. Seen from a considerable distance, all of the details are lost and one is left with the impression of aquatic movement. You only notice the details from up close.

Há algo interessante no processo de retirar os recortes do jornal, transformá-los quase em objetos e devolvê-los ao plano da impressão. O relevo que os recortes adquirem nas caixas de vidro volta a ser imagem no pôster. O que você pensa sobre isso? É verdade, volta a ser uma imagem

plana, mas na fotografia é visível o espaço e a característica do papel. Ao voltarem à bidimensionalidade, os fragmentos de papel não voltam a seu estado inicial no jornal. A fotografia conta a história desses recortes. Interessa-me o caráter escultórico que o papel adquire quando desaparece a informação de que era suporte.

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There is something interesting in the process of taking the newspaper clippings, transforming them into quasi-objects, then returning them to the printed plane. The relief that the clippings take on in the glass boxes once again becomes an image in the poster. What do you think about this? It’s true. It becomes a flat image once again, but

the space and the characteristics of the paper can be seen in the photograph. When they return to bidimensionality, the fragments of paper do not return to their initial state in the newspaper. The photograph tells the story of these clippings. I am interested in how the paper acquires a sculptural aspect when the information it conveyed disappears.

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JUAN ARAUJO Caracas, 1971; vive em [lives in] Caracas Libro Ponti [Ponti book] 2006 óleo sobre papel e madeira [oil on paper and wood] 31 x 22 cm coleção particular [private collection], Lisboa cortesia [courtesy] Elba Benítez, Madri foto Luís Asín Libro Casa de Vidrio [Glass House book] 2006 óleo sobre papel e MDF [oil on paper and MDF] 16,5 x 24 cm foto Carlos German Rojas

[Julieta González] A desconstrução dos mecanismos de representação da arte através do livro e da reprodução parecem uma constante em sua obra. Poderia falar um pouco do seu interesse pelo arquivo, pelo livro e pela reprodução? Meu trabalho consiste em criar mais um elo na

[Julieta González] The deconstruction of mechanisms of artistic representation through the medium of the book and the reproduction seem to be a recurring feature in your work. Could you say a few words about your interest in the archive, the book and the reproduction? My work

cadeia de alterações sofridas pela obra de arte, desde a sua reprodução nos livros ou catálogos de arte. Considero que a história da pintura também decorre da história de sua reprodução e que inevitavelmente a difusão de uma obra favorece a delimitação de sua apreciação real. Essa delimitação é um vasto tema para se desenvolver na pintura. O mesmo acontece no caso da representação da modernidade na Venezuela, onde as imagens com áurea de progresso que eu gosto de pintar tornaram-se objetos nostálgicos, devastados por uma realidade que os superou.

consists of creating one more link in the chain of alterations which a work is subjected to from the moment it is reproduced in books and art catalogues. I think that painting has also been a witness to the history of its reproduction, and that inevitably the diffusion of the work implies the limits of its actual appreciation. This limit has enormous scope for development in painting. A similar case could be made for the representation of modernity in Venezuela, where images with an aura of progress that I enjoy painting have become objects of nostalgia, devastated by a reality that has superseded them.

A escala é um aspecto importante em sua arte e ganha importância com relação ao seu trabalho sobre a modernidade na Venezuela, que obviamente teria uma vocação monumental. Qual a sua idéia a respeito disso? Os traba-

lhos acabam sendo pequenos porque me baseio sempre no formato da reprodução original. Objetos como livros contêm elementos estéticos fortemente ligados à realidade social e econômica de uma época, que nos servem como exemplo de uma tradição de poder e da visão de um país. Posso dar como exemplo uma série de livros-pinturas que realizei sobre a modernidade na Venezuela intitulada Jardines y parques de Caracas. baseada numa publicação de 1957, que promovia a obra cívico-militar realizada na cidade de Caracas durante o governo do ditador Marcos Pérez Jiménez. Esse livro mostrava o domínio que a arquitetura moderna e monumental exercia sobre a topografia das montanhas que circundam a cidade. O livro era não só uma propaganda política, mas também, por suas fotos, um claro exemplo do domínio visual da paisagem de uma cidade. Portanto, pintar esse livro era também uma maneira de relacionar diretamente suas imagens de poder com a história da pintura da paisagem na Venezuela. Em seu projeto para a Bienal, há algum vínculo específico com o contexto do Brasil? Vou mostrar uma série de pintu-

ras sobre a Casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, que fica em São Paulo, com algumas pinturas da casa El cerrito, de Caracas, que foi projetada pelo arquiteto italiano Gio Ponti, em 1954.

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Scale is an important aspect of your work. It is particularly interesting with respect to modernity in Venezuela, which obviously carries a message of monumental importance. What are your ideas on the subject? The works end

up being small because I always concentrate on the format of the original reproduction. Objects such as books contain aesthetic elements strongly related to the social and economic reality of an era of which they serve as examples of a tradition of the country’s vision and power. For example, a series of book-paintings which I have done on the theme of modernity in Venezuela entitled Jardines y parques de Caracas [Gardens and parks of Caracas] was based on a 1957 publication that promoted the civic-military works carried out in the city of Caracas during the mandate of the dictator Marcos Perez Jimenez. This book showed the power exercised by modern and monumental architecture over the landscape set against the mountains which surround the city. The book was not merely a form of political propaganda — its photos provided a shining example of the visual dominance of landscape on a city. Therefore painting this book was also a way of creating a direct link between its images of power and the history of landscape painting in Venezuela. Is there a link between the specific context of Brazil and your Bienal project? I will be exhibiting a series of paintings

about the Glass House by Lina Bo Bardi which is in São Paulo, together with some paintings of El cerrito, a house situated in the city of Caracas, which was designed by the Italian architect Gio Ponti, in 1954.

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JULIO BRESSANE Rio de Janeiro, 1943; vive no [lives in] Rio de Janeiro Matou a família e foi ao cinema [Killed the family and went to the movies] 1969 filme 16mm 80 min cortesia [courtesy] Cinemateca Brasileira, São Paulo

[Alcino Leite Neto e Cássio Starling Carlos] De onde você partiu para o tema de Matou a família e foi ao cinema (1969)? Ele foi escrito logo após meu primeiro longa, Cara a

[Alcino Leite Neto and Cássio Starling Carlos] What was your point of departure for Matou a família e foi ao cinema [Killed the family and went to the movies] (1969)? I

cara (1967). O entrecho eu mesmo inventei, mas era muito comum nas manchetes dos jornais populares da época.

wrote it right after my first feature-length film, Cara a cara [Face to face] (1967). I came up with the plot myself, but it was a common theme in the tabloid newspaper headlines at the time.

Ao ato de matar a família correspondia uma intenção de ruptura? O que importava para mim e muitos outros naque-

le momento era elaborar esteticamente uma postura a contrapelo da dominante. Foi o que eu quis fazer pela filmagem em 16mm, depois ampliada: obter uma imagem depravada, num processo brutalista. Uma violência incorporada até à imagem, portanto? Sim. Houve um problema na lavagem do negativo, e o filme ficou com uma série de impurezas na imagem. Esses acasos é que foram transformando o processo estético e constituindo o filme. A textura virou o protagonista. Quem me chamou a atenção para isso foi Hélio Oiticica. Ele sentiu uma proximidade da textura anômala com suas teias, suas maias. A textura me permitiu tornar visíveis os movimentos invisíveis por trás daquilo, seus movimentos emotivos, afetivos, o que provocou na época um abalo de transformação. Depois, vocês chegaram a trabalhar juntos? Tudo que é bom é fortuito. Em 1972, em Nova York, Hélio me mostrou tomadas que havia feito em super-8: uma menina na ponte, planos de uns manequins. Eu achei encantador porque não eram imagens de um cineasta, eram imagens de um homem que tinha uma sensibilidade visual muito elaborada e que estava buscando algo com aqueles movimentos. Foi essa diferença que me atraiu, pois eu estava naquele momento saturado do clichê. E ele era um artista plástico tentando fazer algo fora da ordem óbvia de harmonia das imagens industriais. Quando fizemos o Lágrima pantera (1972), foi para fugir da imagem, botá-la sob outra influência, rasgar o clichê. Para esse trabalho ele criou um objeto lindo, que desapareceu, como o filme, que também se perdeu. O cinema foi uma das maiores expressões coletivas do século passado. Hoje, cada vez mais restrito ao consumo privado, ele ainda tem algo a nos ensinar a como viver juntos?

Não sei se o cinema pode ensinar alguma coisa impossível. Mas o cinema tem o poder de ser um instrumento de autotransformação, é um organismo intelectual demasiadamente sensível que transpassa todas as ciências, todas as artes e a própria vida. Ele exige uma autotransformação, que é a chave para qualquer existência, a dois, em grupo ou sozinho.

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Does the act of killing one’s family correspond to an intention of rupture? What was important to me and many oth-

ers was developing an aesthetic stance that went against the grain. That was what I wanted to achieve by shooting in 16mm, then enlarging the image: to obtain a depraved image using a brutalist process. A kind of violence incorporated into the image itself, then?

Yes. There was a problem with the washing of the negative, leaving a series of impurities on the image. These twists of fate transformed the aesthetic process and became a part of the film. The texture became the protagonist. The person who drew my attention to this was Hélio Oiticica. He felt a proximity between the anomalous texture and his own artistic webs. The texture allowed me to render visible the invisible movements behind it, its emotive movements, which provoked an explosion of transformation at the time. Did you end up working together later? Everything good comes about by chance. In 1972, in New York, Hélio showed me some takes he had shot on super-8: a girl on a bridge, shots of mannequins. I found them enchanting because they were not the images of a filmmaker, but a man with a highly developed visual sensibility who was seeking something in those movements. This was the difference that attracted me, because I was fed up with clichés then. And he was an artist trying to do something outside of the obvious order of harmony of industrial images. When we made Lágrima pantera [Panther teardrop] (1972), it was to flee from the image, subject it to a different influence, destroy the cliché. For this work he created a beautiful object, which disappeared, like the film, which was also lost. The cinema was one of last century’s greatest collective expressions. Today, increasingly restricted to private consumption, does it still have something to teach us about living together? I don’t know if cinema can teach some-

thing impossible. But it has the power to be an instrument of self-transformation. It is an incredibly sensitive intellectual organism that goes beyond all of the sciences, arts and life itself. It demands self-transformation, which is the key to any existence, whether in pairs, in groups, or by oneself.

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KONONO no. 1 Formado nos anos 1970 por [formed in the 1970s by] Mawangu Mingiedi; baseado em [based in] Kinshasa, República Democrática do Congo Foto de divulgação [press photo] cortesia [courtesy] Divano Production © Vincent Kenis

[Jan Fjeld] Quando e como a banda começou? [Mawangu Mingiedi] A banda Konono no. 1 se apresenta nos subúrbios de Kinshasa, ao ar livre, há mais de trinta anos. Comecei nos anos 1960, quando cheguei na região de Ba Congo, divisa com Angola, fugindo da guerra civil. Tocar era uma forma de se manter vivo. O som é o resultado do que nós achávamos na cidade, são músicas tradicionais, as letras tratam da vida, do amor. Tenho entre 72 e 73 anos. Quando nasci os anos não eram importantes. A música é efêmera e o tempo também.

[Jan Fjeld] When and how did the band start? [Mawangu Mingiedi] The Konono no. 1 band has been playing outdoors in the Kinshasa suburbs for more than thirty years. I started in the 1960s, when I ran away from the civil war and got to the Ba Congo region near the Angola border. Playing was a way of staying alive. The sound is the result of what we found in the city; traditional forms of music, lyrics that speak of life, of love. I am 72 or 73 years old. When I was born, years were not important. Music is ephemeral and so is time.

Após a entrada no circuito ocidental, com duas turnês mundiais, incluindo uma apresentação no PercPan, em Salvador, em 2005, e ter recebido em 2006 o prêmio Revelação de World Music, pela BBC, o som da banda mudou com o acesso às novas tecnologias? O som da banda mu-

After you entered the Western circuit with two world tours — including a 2005 show at the Salvador PercPan — and received the BBC World Music Revelation Award in 2006, did the band’s sound change with your access to new technologies? The band’s sound changed a little with

dou um pouco com os sistemas de pa (playlist automática) das casas de shows da Europa e dos Estados Unidos, fazendo com que o som tenha menos feedback, ficando mais limpo. Mas vou continuar usando os likembés — uma espécie de miniteclado, “piano de dedo”, metálico e amplificado — e os megafones ou lance-voix (lançadores de voz) para manter o som mais original possível.

the automatic playlist systems of European and American show houses, which reduced the feedback and cleared the sound. But I will go on using the likembés — a kind of minikeyboard, a metallic and amplified “finger piano” — and the megaphones or lance-voix (voice caster) to keep the sound as original as possible.

Há então um som original, um conceito sonoro que o Konono no. 1 está buscando? Qual a ligação com o noise music, o techno ou o samba? Entenda, não é uma banda pop.

Konono é uma orquestra que toca música da tradição Bazombo. Pegamos o que achamos na rua para amplificar e fazer a música ser ouvida acima do barulho da cidade. O som é um esforço coletivo. Os instrumentos ainda são os mesmos do início do grupo?

Sim, mas o teclado likembé hoje é de metal e antes era de bambu. Ainda são amplificados por microfones feitos de sobras de autopeças e caixas de som deixadas pelos (colonos) belgas. As congas e a percussão são de panelas, potes e outros resíduos metálicos. Congotronics vol. 1 (2005) foi gravado com alguns microfones e um laptop Apple. O próximo álbum será em estúdio de última geração? Adoraria. Gravamos uma colaboração

com Björk, que ainda será lançada. Foi muito interessante, mas não tenho pressa. Nunca imaginei que poderia fazer parte desse tipo de música que é ouvido no mundo inteiro. Como você se prepara para um show? Não há propriamente uma preparação. Há uma concentração, uma abertura para trabalhar com o que acontece na hora, no lugar, a nossa volta.

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Is there an original sound then, a sound concept Konono no.1 is looking for? What is your connection to noise music, techno or samba? Understand, this no pop band. Konono is

an orchestra that plays music in the Bazombo tradition. We take what we find on the street, amplify it and make the music heard above the city noise. Sound is a collective effort. Are the instruments still the same as in the group’s beginning? Yes, but the likembé keyboard used to be made of

bamboo and is metal now. They are still amplified through microphones made of scrapped car parts and through boxes left by the Belgians (the colonists). Congas and percussion are made with pans, pots and other metallic leftovers. Congotronics vol. 1 (2005) was recorded with a few microphones and an Apple laptop. Will your next album be recorded in a state-of-the-art studio? I’d love to. We recorded

a collaboration with Björk, yet to be released. It was very interesting but I am in no hurry. I never imagined I could be a part of this kind of music heard all over the world. How do you get ready for a show? There is no real preparation. There is concentration, an opening to work with what happens at the time, in the place around us.

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KRISTINA SOLOMOUKHA Kiev, Ucrânia, 1971; vive em [lives in] Paris Spring [Primavera] 2006 aquarela sobre papel [watercolor on paper] 75 x 111 cm Winter [Inverno] 2006 aquarela sobre papel [watercolor on paper] 75 x 111 cm

[Agustín Pérez Rubio] Em seu trabalho, as diferentes idéias sobre os espaços públicos e privados são muito interessantes, como também as relativas à “habitabilidade”. Algumas partes de sua produção são completamente autônomas, tais como os desenhos e as animações etc., mas em Subjunctive hotel [Hotel subjuntivo], a instalação para a 27a. Bienal, o conceito de “privacidade” e “individualidade” parece a questão principal, mais do que a questão “coletiva” ou “pública”. Qual é o motivo dessa ruptura? É

precisamente este paradoxo que me interessa — o sentimento de extrema solidão que emana de lugares destinados ao uso público, seu caráter impessoal. Subjunctive hotel trata desses espaços de trânsito — os não-espaços, espaços intermediários entre o público e o privado, nos quais somos mais “passageiros” do que “habitantes”. Em seu trabalho, parece existir uma real conexão entre a arquitetura e seus moradores, especialmente no modo como engenharia, o design e outras disciplinas são incluídas como componentes de um novo conceito de arquitetura, e como essa definição ampliada opera na vida cotidiana das pessoas. Você acha que existem trajetórias concretas, nas quais essa “nova” arquitetura poderia desenvolver-se?

Não sei. É verdade que aquilo que eu considero “arquitetura” é muito mais do que apenas um ambiente construído e é uma disciplina que analisa fenômenos existentes, tentando entender sua formação, de modo a ser capaz de intervir e transformá-los. Em que sentido você acha que seu Subjunctive hotel poderia ser inserido ou relacionar-se com o conceito geral da 27a. Bienal? “Como viver junto”, título da Bienal, tam-

bém significa que, com os elementos de que dispomos, podemos criar um espaço possível ou um espaço que torne possível a coabitação, a vida comunitária. Esse trabalho não é uma resposta, é muito mais meu modo de formular uma interrogação. Você acha a cidade de São Paulo um bom exemplo ou uma referência para os principais temas que desenvolve em seu trabalho? Acho, sim, mas, como sempre, existe no iní-

cio um fascínio. A beleza brutal desta cidade foi, para mim, um choque incrível. Todas as minhas referências temporais foram profundamente abaladas. Tenho a sensação de que São Paulo está numa constante reativação do presente. Não há recuperação — as regiões que se degradaram ou foram demolidas ou simplesmente foram abandonadas, e então se reconstrói tudo a curta distância. Não existe futuro, nem passado. Tudo está aqui e agora.

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[Agustín Pérez Rubio] In your work, the different ideas about the private and public spaces are very interesting, and also those concerning “habitability”. Some parts of your production are completely autonomous, as drawings or animations, etc., but in Subjunctive hotel, the installation for the 27th Bienal, the idea of “privacy” and “individuality” seems to be the main issue rather than the “collective” or “public” one. What is the reason for this break? It

is precisely that paradox that interests me — that feeling of extreme solitude which emanates from places designed for public use, their impersonal character. In Subjunctive hotel, it is about these spaces of transit — nonspaces, intermediate spaces between the private and the public — within which we are “passengers” rather than “inhabitants”. In your work there seems to be a real connection between architecture and its inhabitants, especially in the way of how engineering, design and other disciplines are included as pieces of a new concept of architecture, and how this extended definition works in people’s daily lives. Do you think that there are real paths where this “new” architecture could develop? I don’t know. It’s true that what

I consider as “architecture” is much more than just a built environment and it is a discipline that analyzes existing phenomena, trying to understand their formation so as to be able to intervene and transform them. In which sense do you feel that your Subjunctive hotel could be inserted or related to the 27th Bienal’s general conceptual frame? “How to live together”, the title of the

Bienal, also means that, with the components that we have, we can create a possible space, or a space that renders possible cohabitation, communal living. This work is not a response, it is rather my way of asking that question. Do you find the city of São Paulo a good example or referent for the main themes you develop in your work? Yes, I

do, but as usual there is always, at the beginning, a fascination. The brutal beauty of this city was an incredible shock for me. All my temporal references were deeply disrupted. I have the feeling that São Paulo is in a constant reactivation of the present: one does not renovate — the districts that have become derelict are either razed to the ground or simply abandoned, and one just rebuilds a little way away. No future, no past; everything is here and now.

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LARA ALMARCEGUI Zaragoza, 1972; vive em [lives in] Roterdã Guia de terrenos baldios de São Paulo [Guide of waste lands of São Paulo] 2006 publicação [publication] Cavando, Amsterdã [Digging, Amsterdam] 1998 ação [action]

[Juan Antonio Álvarez Reyes] Você está passando uma temporada em São Paulo para realizar projetos específicos. Poderia descrevê-los? A idéia era passar um tempo

[Juan Antonio Álvarez Reyes] You are spending some time in São Paulo working on particular projects. Could you tell us something about them? The idea was to spend time dis-

descobrindo São Paulo, para então sugerir projetos que se covering São Paulo in order to come up with projects which ajustassem bem ao contexto. A surpresa foi que os proje- would be contextually appropriate. I was surprised to see tos que fiz em outras cidades também faziam sentido aqui that the projects I had carried out in other cities were also e ainda ficavam muito mais interessantes. Um exemplo é o relevant here, and moreover turned out to be even more cálculo do peso do patrimônio histórico de várias cidades interesting; for example, I had previously calculated the como Lund e Dijon. Por causa da escala, usar o mesmo con- “weight” of the historical quarters of several heritage cities ceito de cálculo em São Paulo seria um projeto impossível, such as Lund and Dijon. Due to scale, calculating the equivalgo alucinante. Outra proposta seria produzir um Guia de alent weight in relation to São Paulo becomes dauntingly Terrenos Baldios de São Paulo. Aqui há lugares vazios, pre- impossible, hallucinating. Another project is to produce a enchidos pela vegetação da Mata Atlântica que explode de Guide of Waste Lands of São Paulo. Here there are vacant forma selvagem entre os edifícios. Os descampados surgem areas with Atlantic rain forest vegetation which springs up e desaparecem de forma repentina, a uma grande velocida- between buildings, suddenly appearing, and just as suddende. E o último projeto consiste em simplesmente fazer uma ly, disappearing. The last project consists simply of digging escavação no Parque Ibirapuera, meses antes da Bienal. Fa- in Ibirapuera Park, months before the Bienal without letting ria em local bastante visível, não diria que era um projeto on that it was an artistic project and without inviting the artístico, nem convocaria o público. São esses os projetos public, but working in an extremely visible location. These em andamento. are the projects we have been working on. Quer dizer que a diferença está na escala? Já que se dedica a medir, pesar, classificar, você acredita que a escala modifica o contexto? Não acredito que a escala seja uma

So then the difference is one of scale. Do you think that concentrating on measuring, weighing and taking stock modifies the context? I don’t think that scale is an important part

parte importante do meu trabalho. Meu interesse maior é falar de fenômenos que escapam à percepção dos urbanistas. E nesse aspecto, como em tantos outros, São Paulo é mais interessante do que outras cidades em que trabalhei bastante. Por outro lado, gosto mais de falar de cidades do que de países: acho mais interessante falar de Roterdã do que falar da Holanda, e assim por diante. O que faz esse projeto concreto mais interessante? O melhor dessa história de calcular o peso de São Paulo é que o plano esbarra no impossível, e não só em termos conceituais mas também práticos. Ainda não sei se conseguirei medir a cidade, porque o sistema que usei em outras é manual, meço edifício por edifício e aqui isso é impossível por causa das dimensões. Tenho de inventar outro sistema, como por exemplo recolher dados de materiais produzidos e vendidos na cidade desde os anos 1950. Mas para que se tenha noção do que estamos falando, 65% das construções em São Paulo são ilegais, e nessa estatística não estão só inclusas autoconstruções e favelas, mas também arranha-céus superdimensionados. Como vou medir uma cidade assim?

of my work. I’m more interested in talking about phenomena which escape the attention of urban planners; and in this respect, as in several others, São Paulo is more interesting than other cities in which I’ve worked extensively. On the other hand, I’m more interested in talking about cities than of countries: for example, I find speaking about Rotterdam more interesting than speaking about Holland, etc.

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What is it that makes this concrete project more interesting? The best thing about calculating the weight of São

Paulo is the fact that the project borders on the impossible, not only on the conceptual but also on the practical level. As of yet I have no clear idea if I’ll be able to measure the city, since where other cities have been concerned, the system I have used was manual, measuring building by building. Here it is impossible due to sheer size. I have to invent another system, such as gathering data from materials produced and sold in the city since the 1950s. To give you an idea of what I’m talking about, in São Paulo 65% of all buildings are illegal, and these statistics do not consist exclusively of owner-built buildings and slum dwellings, but also sky scrapers of tremendous size… How am I going to be able to measure a city such as this?

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LARS RAMBERG Oslo, 1964; vive em [lives in] Berlim Palast des Zweifels [Palácio da dúvida, antigo prédio do parlamento da República Democrática Alemã em Berlim/Palace of doubt, former German Democratic Republic parliament building in Berlin] 2005

[José Roca] Seu trabalho aborda as dificuldades de viver junto: a questão de pertencer ou não a um território, as dúvidas que dizem respeito à nacionalidade e os perigos do nacionalismo. Você encara suas obras como antimonumentos que se posicionam como uma crítica a qualquer espécie de fundamentalismo? Meus projetos são críticos do

[José Roca] Your work has touched upon the difficulties of living together: the question of belonging or not to a territory, the doubts regarding nationality, and the dangers of nationalism. Do you see your works as anti-monuments that position themselves as a critique of any kind of fundamentalism? My projects are critical to the value of the

valor dos monumentos clássicos em termos de suas intenções de fixar ou fechar a história como algo objetivo e definido. A intenção dos monumentos é não deixar dúvida. Os meus têm o propósito de encorajá-la. Ainda assim eu tomaria cuidado em denominar minhas obras antimonumentos, já que isso limitaria minha crítica, no contexto de um paradigma dualístico. Assim como os satanistas são anti-Cristos ou os militantes antifascistas copiam os padrões daqueles a que eles se opõem e, em seguida, seguem implicitamente a mesma estrutura, não haveria uma nova perspectiva que não a de oscilar entre mais ou menos a mesma trajetória.

classical monuments in terms of their intentions of fixing or closing the history as something objective and defined. Monuments are meant to leave no doubt. Mine are meant to encourage it. Still, I would be careful about calling my works anti-monuments since that would limit my criticism within a dualistic paradigm. Like Satanists are Anti-Christs, or militant anti-fascists copy the pattern of their opposite and then implicitly follow the same structure, there would be no new perspective than oscillating between plus and minus along the same line.

No entanto sua instalação Palast der Zweifel [Palácio da dúvida] (2005) possuía uma monumentalidade que se vê com freqüência apenas em edificações urbanas comemorativas… Quando fiz Zweifel, uma obra monumental feita

no momento em que ocorriam em Berlim calorosas discussões sobre conservar ou demolir o antigo parlamento da República Democrática Alemã, a intenção era abordar as dúvidas e a falta de consenso não como uma desvantagem, mas como uma qualidade. O projeto Zweifel simula algumas características dos monumentos clássicos, pelo menos superficialmente, por seu tamanho, sua grandeza e posição simétrica. Ao contrário, porém, de muitos monumentos, que se apressam em objetivar a história, numa atitude iconoclasta, meu trabalho se recusa a qualquer consenso do tipo: “É assim que era”. Estou mais na linha do “Como era?” ou “Era?” e “O que era isto que foi?”. Nesse sentido, ele critica as ambições que quase todo monumento possui, sem proporcionar qualquer espécie de verdade alternativa. Gostaria que a história fosse reescrita repetidas vezes, mas sem a necessidade de esquecer ou suprimir versões anteriores. Mas então a dúvida pode ser encarada como uma estratégia em si? Eu gosto da complexidade da história, e então

por que não tentar conceder mais espaço para nossa leitura do tempo e permitir que documentações que comportam muitas camadas intervenham, como uma orquestra de opiniões divergentes? Essa seria uma história subjetiva, se você quiser. Portanto, para irmos além de qualquer pensamento linear — teses e antíteses — teríamos de encorajar o fato de que não sabemos todas as respostas e integrar a dúvida aos monumentos, à ciência, às religiões e a qualquer outro aspecto da sociedade. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Yet your Palast der Zweifel [Palace of doubt] installation (2005) had the monumentality often only present in commemorative urban works… When I made Zweifel, a mon-

umental work in the heart of Berlin’s heated discussions about keeping or demolishing the former parliament of the German Democratic Republic, the intention was to address the doubts and the lack of consensus not as a drawback but as a quality. The Zweifel project simulates some features of classical monuments — at least superficially — with its size, its grandeur and its symmetrical position. But unlike most monuments, which urge to objectify history as iconoclasm, my work refuses any consensus of the kind: “This is how it was”, it is more like: “How was it?” or: “Was it?” and, “What was what this was?”. In this sense it criticizes the ambitions that almost every monument has, without claiming to provide any kind of alternative truth. I would want history to be rewritten again and again, yet without the need to forget or erase earlier versions. So doubt can be seen as a strategy in itself? I like the complexity of history, so why not try to allow more space to our reading of time, and let multilayered documentations play as an orchestra of divergent opinions? This would be a subjective history, if you want. So to get above any linear thinking of theses and antitheses, we would have to encourage not knowing every answer. And integrate doubt into monuments, science, religions and every aspect of society.

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LAURA LIMA Governador Valadares, Brasil, 1971; vive em [lives in] Rio de Janeiro Ouro flexível — encontro [Flexible gold — encounter] 2005 caneta gel dourada sobre imagem de catálogo [golden pen on catalogue image] (François Clouet, 1515–1572) 16 x 22 cm coleção da artista [artist’s collection] cortesia [courtesy] A Gentil Carioca, Rio de Janeiro foto Paulo Innocêncio Costumes 2001 – 03 vestimentas em vinil [clothing made with vinyl] dimensões variáveis [dimensions variable] coleção da artista e coleções privadas diversas [artist’s collection and various private collections] foto Herver Perdriolle [Bojana Piškur] Existe um denominador comum em seus trabalhos: o emprego de corpos e animais (carne=pessoa) em diferentes e determinadas situações. Pode falar algo a respeito? Coisas que se movem, coisas vivas, que respi-

[Bojana Piškur] There is a common denominator in your works; the use of bodies and animals (fl esh=person) in different/given situations. Could you say something about that? Moving things, living ones, that breath, that

ram, que podem ter personalidade, incluídas ou não em um grupo, em um gênero, que são parte da sociedade e de seus tipos multifacetados, constituem fontes inexauríveis. Para homens, mulheres, animais e vegetais. Eu opero com uma matéria em pulsação, que pode perecer ou rebelar-se. Administro o risco que me fascina, por meio de um diálogo, muitas vezes entendido como a direção de uma imagem (Homem= carne/Mulher= carne) antes de que tudo aconteça, o que pode ocorrer pouco antes de uma estréia. Não há ensaios. A qualquer momento e em qualquer lugar a imagem surge, em sua plena realização, uma vez estabelecida uma situação: as pessoas, denominadas pessoas= carne, o aparato a elas relacionado e aquilo que tem de ser feito. Construo a imagem antes da idéia, determino a direção a ser seguida e, numa espécie de acordo entre as partes, surge a obra de arte, sendo realizada por outros corpos que não o meu.

may have personality, whether included in a group, genre or not, that are part of society and its multifaceted types, are inexhaustible sources. For men, women, animals and vegetables. I build with pulsating matter which can perish or rebel. I administrate the risk that fascinates me, through a conversation, many times understood as the direction of an image (Man= flesh/Woman= flesh) before it takes place, which can be a bit before an opening. There are no rehearsals, at any given time, any place, the image happens in its fulfillment, once the whole situation is given: people, called people= flesh, the apparatus related to them and what has to be done. I build the image before the idea, determine the direction to take and in a sort of deal among the parts the artwork takes place, being done by other bodies that are not mine.

Seu trabalho é “performance”, “happening” ou “participação”? A nomenclatura na arte não pode ser um beco sem

saída. Confirmar qualquer uma dessas opções é como jogar a toalha. Meu trabalho toca em alguns desses aspectos, mas não se encaixa confortavelmente em nenhum deles. Eu não parto da compreensão dessas opções para criar o que quer que seja. A moldagem de meu trabalho possui uma compreensão interna, como arte, que é sua energia fundamental. Costumo ter um glossário individual. De onde vem seu fascínio por “vestes”, indumentária, adornos corporais (“segunda pele”)? Existe uma divisão

interna em meu trabalho, que denomino Instâncias. Assim sendo, a questão das vestes assume um perfil diferenciado em cada Instância. Decorar galinhas com penas de carnaval, como ocorre com Galinhas de gala (2004–05), oferece uma poética evidentemente diferente de R hR (1999–2000), por exemplo. Existe, nesse último, uma construção que se sobrepõe à moldagem de um ser político, que junta e dissolve, constrói sua própria rede de palavras internas, um vocabulário de relacionamentos. O Drawing-uniform [Desenho-uniforme] é parte desse vocabulário, é a palavra-chave inicial que deve ser corrompida imediatamente. Costumes [Trajes] (2001–03) são adornos assumidos, construídos com o mesmo material, de diferentes formas com a mesma essência. A possibilidade do adorno é uma opção histórica, política, antropológica e filosófica de uma natureza muito rica e, portanto, tão fascinante para as artes.

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Is your work “performance” or “happening” or “participation”? The nomenclature in art must not be dead ends. To

affirm any of these modes is like throwing in the towel. My work touches on some of these aspects but does not fit comfortably in any of them. I do not come from the understanding of such modes to create nothing at all. The casting of my work possesses inner comprehension within itself as art, that is its fundamental energy. I’m used to having an individual glossary. Where does your fascination with “vestments”, clothing, bodily adornments (“second skin”) come from? There’s an

internal division in my work which I call Instances. Being so, the matter of the vestments take a differentiated profile at each Instance. Decorating chickens with carnival feathers, as with Galinhas de gala [Gala chickens] (2004–05), offers a different poetics than with RhR (1999–2000), for instance. In this one there’s a construction standing over a casting of the political being, the one that gathers and dissolves, builds its own net of internal words, a vocabulary of the relationships: the Drawing-uniform is part of this vocabulary, it’s the initial key-word that must be corrupted at once. But the Costumes (2001–03) are assumedly adornments, built with one same material, different shapes with the same essence. The possibility of adorning is a historical, political, anthropological and philosophical option of rich nature, therefore so fascinating for the arts.

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LAWRENCE WEINER Nova York, 1942; vive em [lives in] Nova York A second quarter 1975 filme 16mm 85 min produzido pelo [produced by] DAAD Berlim e [and] Moved Pictures, Nova York música Richard Landry e [and] AFFECTED AND/ OR EFFECTED engenheiro de áudio [audio engineer] Kurt Munkacsi cinematografia [cinematography] Helmut Wietz [Benjamin Buchloh] O caso mais evidente de um artista criticando a narrativa e a metáfora no início dos anos 1960 foi Warhol, especificamente nos filmes. Olhando para seu trabalho fílmico, sempre penso que ele deve ter sido uma figura importante para você. Você achava que a crítica de Warhol da narrativa em filme e na linguagem poderia ser radicalizada e estendida a outras práticas, como pintura e escultura? Essa é uma verdadeira questão. Warhol era um

[Benjamin Buchloh] The most evident case of an artist criticizing narrative and metaphor in the early 1960s was Warhol, specifically in his films. Looking at your own filmic work, I always thought that he must have been an important figure for you. Did you think that his critique of narrativity in film and language should be radicalized and extended into other practices, such as painting and sculpture? That’s a real question. Warhol was a real artist. I al-

verdadeiro artista. Sempre tive um grande respeito por ele, pelo qual parece que sempre fui atacado. Seu trabalho me dava muito prazer. Os filmes ou as pinturas? O trabalho, pois eu o via como uma obra. Se aprendi algo de Warhol foi como usar a estrutura para trazer à tona o que eu quisesse, em vez de fazê-lo de forma forçada. Ele sabia exatamente o que fazia e sabia como fazê-lo, mas não foi uma grande influência. Historicamente, sim, aceitavam-se artistas fazendo filmes depois de Warhol, mas se aceitavam artistas fazendo filmes antes — Kenneth Anger, Joseph Cornell. Warhol foi apenas mais um nessa linha, e acho que ele entrou nessa porque viu pessoas que admirava, como Cornell, fazendo filmes. Talvez eu também tenha entrado nessa porque finalmente vi pessoas que admirava, como Godard e Warhol, fazendo cinema.

ways had great respect for him, which everybody seems to have always attacked me for. I got a great deal of pleasure from his work. From the films or from the paintings? From the work, as I saw it as an oeuvre. If I learned anything from Warhol, it was how to use a structure to bring about what you wanted, rather than having to use a heavy hand. He knew exactly what he was doing, and he knew how to do it, but he was not that big of an influence. Historically, yes, people accepted artists making films after Warhol, but they accepted artists making films before — Kenneth Anger, Joseph Cornell. Warhol was just another person in that line and I think he just stepped into it because he saw that people he admired, like Cornell, were making movies. Maybe I stepped into it because I finally saw people whom I admired, like Godard, like Warhol, making movies.

E sobre o uso da linguagem em seu primeiro filme, A first quarter (1973)? É um filme bonito; é meu filme Godard. O que está acontecendo nesse filme em termos da minha questão sobre enquadramento narrativo tradicional? Os atores encontram-se em várias situações neuróticas e sociais e — em vez de diálogos — de repente fazem afirmações. A radicalidade dessa abordagem — ainda que tributária a Godard — o excede. Isso soa sexy. E se agora o

retirarmos de um instância agressiva para radicalizar o cinema? Meu maior diálogo era existencial: decidi fazer um miseen-scène que era mais próximo da existência de meu trabalho e, de fato, baratear seu valor dentro da sociedade. Eu fazia escultura para barateá-la até o ponto em que ela infiltrasse a sociedade e a vida das crianças. Deveria tornar-se uma norma na vida das crianças. É tudo o que a arte é, um ponto de observação para que outros seres humanos notem. Talvez você não concorde, mas pode-se dizer que A first quarter é tão distante de Warhol quanto de Godard? Con-

cordo plenamente. A única coisa que aprendi de Warhol foi que, se você quisesse fazer algo, deveria juntar tudo e ir em frente. Trecho editado de entrevista publicada em Lawrence Weiner, Londres, Phaidon Press, 1998.

What about the use of language in your first film, A first quarter (1973)? It’s a pretty movie; it is my Godard movie. What would you say is happening in this film in terms of my question concerning the traditional narrative framework? The actors are placed in various social and neurotic situations and — rather than speaking dialogs — they suddenly pronounce your statements. The radicality of that approach — while indebted to him — exceeds Godard. That

sounds sexy. What if now take it out of an aggressive stance to radicalize cinema? My major dialog was existential: I decided to make a mise-en-scène that was closer to where my work could exist, and, in fact, cheapen its value within the society. I was making sculpture to cheapen it to the point that it would infiltrate society and its children’s lives. It had to become a norm within children’s lives. That is all that art is, it is a point of observation for other human beings to notice. You might not agree, but could one say that A first quarter is as distant from Warhol as it is from Godard? I would

absolutely agree. The only thing I learned from Warhol was that if you wanted to do something, you just pulled it together. Edited excerpt of an interview published in Lawrence Weiner, London, Phaidon Press, 1998.

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LEN LYE Christchurch, Nova Zelândia, 1901 – Nova York, 1980 Rainbow dance [Dança do arco-íris] 1936 filme cortesia [courtesy] The Len Lye Foundation, The Govett-Brewster Art Gallery e o [and the] British Post Office

[Gretchen Weinberg] Você acha correto fazer figuras abstratas agirem como humanos, batendo e encostando uma na outra? Eu mesmo, não; porque isso para mim é literário,

[Gretchen Weinberg] Do you believe in making abstract figures act in human ways, such as hitting each other and nudging each other? For myself, no; because that’s literary

e só me interesso pelo lado puramente cinético e sensorial. Bem, na verdade, não sei pelo que me interesso, mas é mais ou menos como me parece.

to me and I’m interested only in the purely kinetic and sensory side. Well, really, I don’t know what I’m interested in, but that’s more or less how it seems to me.

Você tenta conscientizar o público de certas percepções sensoriais que ele tinha, mas não sabia? Bem, nunca ouvi

Do you try to make the audience aware of certain sensory perceptions in themselves that they were not aware of before? Well, I’ve never heard of an audience. I don’t know

falar de público. Não sei o que é um público. É um monte de gente que basicamente é uma versão única de individualidade como eu, então só me interesso por mim. Arte é uma questão de você ser eu.

what an audience is. It’s a whole lot of people who are basically a unique version of individuality like me, so I’m only interested in me. Art is a question of you being me.

Você não acredita que filmes experimentais como os seus são feitos para um público especial? Oh, céus, não. Só fo-

You don’t believe that experimental films, such as you have made, are made for any special audience? Oh, goodness, no.

ram feitos para mim, e se alguém gostar deles, ótimo. Eu só os faço por diversão. Isso se você parte com um espírito de investigação, como eu fiz, e ninguém o neutralizou. Meu entusiasmo na vida foi descobrir algo significativo para mim. Agora, como diabos posso desenvolvê-lo se precisa ser significativo para um público? É a última coisa que me interessa no mundo. A principal obsessão é achar algo significativo, não pensar: “Bem, gostaria de saber se esse cara vai gostar disso”. Que se dane! [Gargalhada]

They were just made for me, and if anybody likes’em, fine. I only get the kick out of making them. If you start out with an inquiring mind, like I did, and nobody has numbed it. My excitement in life was to discover something that’s significant to me. Now how the hell can I work it out if it has to be significant to an audience? It’s the last thing on earth I’d be interested in. The main obsession is to find something that’s significant and not to think: ‘Well, I wonder if so-andso’s going to like this’. The hell with that! [Big laugh]

Trecho editado de entrevista publicada em Film culture, n. 29, verão de 1963, pp. 40–45.

Edited excerpt of an interview published in Film culture, n. 29, Summer 1963, 40–45.

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LEÓN FERRARI Buenos Aires, 1920; vive em [lives in] Buenos Aires [The white house] 2004 vídeo 3 min 13 s

León Ferrari e [and] Ricardo Pons Caza blanca

[Santiago García Navarro] Como você define a dimensão política de sua obra? Nas obras de conteúdo político, uso a

[Santiago García Navarro] How would you define the political dimension of your work? In my political work, I use

arte para expressar uma opinião, para participar dos debates sobre temas como a intolerância, o anti-semitismo, o sexo.

art in order to express an opinion, to join the debate on intolerance, anti-Semitism and sex.

Há diferenças profundas entre essa obra política e a obra “abstrata”? Nas obras políticas, busco uma forma diferente

Are there any fundamental differences between this political work and your more “abstract” works? In the political

de fazer com que a “mensagem” desperte a atenção, para works, I explore different means of drawing attention to the que se entenda, por exemplo, que o suplício, divino ou hu- “message”, so that one can understand, for instance, that tormano, é um delito e que a ameaça de tortura também é uma ture, either divine or human, is a crime and that even the forma de tortura. Faço outras coisas sem intenção racional: threat of torture itself is also a torture. I do other things simplesmente desenho ou construo buscando novas linhas with no rational intention: I simply draw or construct by e cores, na tentativa de expressar a misteriosa atividade das searching for new rays and colors, in an attempt to express seivas, dos choques das substâncias químicas, dos neurônios, the mysterious activities of body fluids, chemical and neuou de qualquer outra coisa que dizem se desenvolver con- ron shocks, or of whatever they say is constantly developing tinuamente dentro de uma pessoa. Um terceiro grupo de within oneself. A third group of things, which were created trabalhos sugere algo sobre o que acontece ao nosso redor, with nothing specific in mind, end up suggesting something mesmo sem ter intenção de fazê-lo. which is happening around us. Por que o ataque ao catolicismo ganha o papel de protagonista em sua obra? Desde suas origens, o cristianismo

Why is the attack against Catholicism so prominent in your work? Christianity is a religion which, while shrouded

é uma religião que viola os direitos humanos, escudada no amor e na caridade: tanto nos extermínios relatados no Antigo Testamento — o dilúvio, Sodoma etc. — quanto nos castigos que anuncia o Novo Testamento — apocalipse, juízo final, inferno. Não deixa de me surpreender que os crentes achem minhas críticas agressivas. Não se dão conta de que estou questionando a agressividade de seus deuses e que minhas humanas palavras perderiam força se confrontadas com aquelas que anunciam o tormento eterno. Aliás, a ameaça do Novo Testamento aos incrédulos e judeus, aos que praticam sexo alternativo, aos adúlteros e hereges continua sendo o suplício eterno. No entanto, a igreja modificou de forma repentina, sem dar explicações, o tipo de castigo. Já não são mais as chamas retratadas na pintura de Fra Angélico, recitadas por Dante e visitadas pela Virgem de Fátima, Santa Teresa e Santa Faustina Kowalska. Como afirmou João Paulo II, agora o inferno não é um lugar, é um estado de terrível angústia causado pela ausência de Deus. Nós nos perguntamos se essa ameaça é ou não é uma violação da Declaração dos Direitos Humanos. E também: se não há inferno, onde vive o diabo?

in love and charity, has violated human rights since its foundation: both in terms of exterminations which go back to the Old Testament — the flood, Sodom, etc. — as well as in the punishments announced in the New Testament: the apocalypse, the last judgment and hell. It amazes me why it is that believers should find my criticisms harsh. They don’t realize that I’m questioning the aggression of their deities and that my human utterances would turn to dust confronted with announcements of eternal torment. Incidentally, the New Testament still threaten unbelievers, Jews and to those of different sexual orientations, adulterers and heretics with eternal torment. But all of a sudden, the Church changed the traditional form of punishment, without any explanation. No longer are there the flames depicted by Fra Angelico, narrated by Dante, and that the Virgin of Fatima, Santa Theresa and Santa Faustina Kowalska visited. As stated by John Paul II, now Hell is not a place, but rather a terrible state of anxiety brought about by the absence of God. One wonders whether such a threat is not a violation of the Declaration of Human Rights. Furthermore, if there is no Hell, where is it that the devil lives?

Quais são as marcas que ficaram dos seus anos no Brasil? O Brasil foi generoso com a minha família. Trabalhei

In what way have the years you spent in Brazil influenced you? Brazil has been generous to my family. Artists such

com artistas como Regina Silveira, Carmela Gross, Gerty Saruê, Julio Plaza, Marcello Nietsche, Hudinilson Jr. e Alex Fleming, bem como Aracy Amaral, Fabio Magalhães, Mauricio Segall e tantos outros foram bons e sinceros amigos. Obrigado, Brasil!

as Regina Silveira, Carmela Gross, Gerty Saruê, Julio Plaza, Marcello Nietsche, Hudinilson Jr. and Alex Fleming, as well as with Aracy Amaral, Fabio Magalhães, Mauricio Segall and many others, have been good and sincere friends to me. Thank you, Brazil!

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LIDA ABDUL Cabul, Afeganistão, 1973; vive em [lives in] Cabul, Los Angeles e [and] Europa War games (what I saw) [Jogos de guerra (o que vi)] Cabul, 2006 filme16mm transferido para DVD [16 mm film transferred to DVD] 5 min cortesia [courtesy] Galleria Giorgio Persano, Turim

[ Rosa

[Rosa Martínez] A performance e o vídeo constituem seus principais instrumentos artísticos para analisar os efeitos da guerra e a situação das mulheres no Oriente Médio e, especificamente, em seu país, o Afeganistão. Embora se refira a experiências muito dolorosas, seu trabalho dá uma nítida ênfase à esperança e à reconstrução. Ele desperta e reordena o poder catártico da metáfora de curar o sentimento de perda, a dor do exílio ou a profunda tristeza em relação a arquiteturas devastadas que foram um dia abrigos. Você acredita que a arte pode agir como cura numa época em que os ideais de igualdade, respeito à diferença e justiça social parecem cada vez mais abandonados?

Martínez] Performance and video are your major artistic tools to analyze the effects of war and the situation of women in the Middle East, and specifically in your homeland, Afghanistan. Though they refer to very painful experiences, your works put a clear accent on hope and reconstruction. They awake and reenact the cathartic power of metaphor to cure the feeling of loss, the pain of exile or the deep sadness in regard to devastated architectures that one day were shelters. Do you believe that art can act as a cure in a time where the ideals of equality, respect of difference and social justice seem to be more and more abandoned? In my work I always attempt to sal-

Em meu trabalho sempre tento recuperar algo daquilo que parece irremediavelmente perdido. Ao ver as pessoas caminhando pelas ruas do Afeganistão rodeadas pelas ruínas das edificações, eu às vezes me sinto como se estivesse em outro século, perambulando por entre antigas ruínas. Sinto-me ao mesmo tempo perdida, com raiva e melancólica. Suponho que algum aspecto desse complexo de sentimentos se faça presente em meu trabalho. Penso que a única esperança que temos de curar as devastações internas das pessoas é pela metáfora, pelo trabalho da elaboração do luto, que deve ocorrer de duas maneiras: por meio de uma avaliação da destruição do Afeganistão e por meio de uma cuidadosa reabilitação da arte e da cultura, a fim de impossibilitar as conseqüências da destruição: a vingança e a contra-vingança. A arte pode ser uma cura para o que quer que tenha sido perdido, ao se colocar a ambigüidade poética como uma alternativa a tudo aquilo que procura recuperar o objeto perdido, destruindo outro objeto. Temos uma escolha?

vage something from what seems to be utterly lost. To see people walking in the streets of Afghanistan surrounded by the ruins of buildings I sometimes feel as if I am in another century and am walking amongst ancient ruins. I feel simultaneously lost, angry and melancholic and I suppose some aspect of this complex of feelings shows in my work. I think the only hope we have of healing people’s inner devastation is through metaphor, through the work of mourning which must take place in two ways: through an accounting of the destruction of Afghanistan and through a careful rehabilitation of art and culture in order to preclude the aftermath of destruction: revenge and counter-revenge. Art can be a cure for whatever has been lost by placing poetic ambiguity as an alternative to everything that seeks to recover the lost object by destroying another. Do we have a choice?

Disse que, para você, a arte é um pedido para que haja outro mundo. Como está atualizando e levando adiante suas idéias sobre arquitetura e identidade no novo trabalho que está apresentando na 27a. Bienal? Ignoro por que sinto

isso, mas vejo que a relação entre as pessoas e suas moradias está se tornando cada vez mais tênue devido a razões econômicas e psicológicas. Penso que a identidade será transformada, partindo de determinações nacionais, culturais e religiosas, em algo muito interpessoal e fluido. Algumas poucas pessoas criarão identidades e então possivelmente fracassarão. Essa nova mobilidade geográfica e psicológica fará surgir sua própria arquitetura e, é claro, a tecnologia exercerá um grande papel nesse processo. Uma tecnologia que conecta sem jamais conectar significativamente.

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You have said that for you art is a petition for another world. How are you updating and bringing further your ideas about architecture and identity in the new work you are presenting at the 27th Bienal? I don’t know why I

feel this but I see the relationship between people and their dwellings becoming more and more tenuous because of economic and psychological reasons. I think that identity will be transformed from national, cultural and religious determinants into something very interpersonal and fluid. A few people will create momentary identities and then possibly fizzle. This new geographic and psychological mobility will bring about its own architecture, and of course technology will play a great part in it. Technology that connects without ever connecting meaningfully.

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LONG MARCH PROJECT Fundado em [founded in] 1999; baseado em [based in] Beijing The great survey of papercuttings in Yanchuan County [Grande estudo sobre recortes de papel no município de Yanchuan] 2004 estudo de caso individual e exemplo de recorte de papel (autor Liu Jieqiong) [individual case study and papercutting sample (author Liu Jieqiong)] 27 x 36 cm cortesia [courtesy] The Long March Project, Beijing Discutindo diferentes estilos e desenvolvimento de recortes de papel [Discussing the different styles and development of papercuttings] foto The Long March Project [Cristina Freire] Quais são os objetivos e a origem do Long March Project? De 1934 a 1936, Mao Tse-Tung liderou

[Cristina Freire] What are the goals and origin of the Long March Project? From 1934 to 1936, Mao Tse-Tung led the

o Exército Vermelho, que se deslocou por mais de 10 mil quilômetros, do Sul ao Norte, desenvolvendo as estruturas ideológicas e organizacionais que acabariam servindo como base da República Popular da China. Hoje, a China está em uma nova Longa Marcha, em direção ao desenvolvimento. Iniciado em 1999, o Long March é uma metáfora, uma campanha e um complexo projeto de arte. Nossa nova Longa Marcha busca uma nova abordagem à arte contemporânea, usando a China como uma plataforma. Cada local passado, presente e futuro forma uma rede interligada, em que os participantes trabalham junto com comunidades locais para criar um novo conjunto de experiências e idéias para a arte. A metodologia do Long March é uma práxis curatorial e organizacional que enfatiza a adaptação a circunstâncias locais e temporais, continua a empenhar-se na implementação de seus objetivos, sobretudo em face de contratempos aparentemente insuperáveis, não enxerga limites entre a teoria e a realidade, e procura um diálogo com a história através do espaço, na crença de que o espaço possui uma memória.

Red Army over 6,000 miles from the south to the north, developing the ideological and organizational structures which would come to serve as the basis of the People’s Republic of China. Today, China is on a new Long March road to development. Initiated in 1999, the Long March is a metaphor, a campaign, and a complex art project. Our new Long March looks for a new approach to contemporary art, using China as a platform. Each past, present, and future site forms an interlinked network where participants work together with local communities to create a new set of experiences and ideas for art. Long March methodology is a curatorial and organizational praxis that stresses adaptation to local and temporal circumstances, continues to seek the implementation of its aims, particularly in the face of seemingly insurmountable setbacks, sees no boundary between theory and reality, and seeks a dialogue with history through space, believing that space has memory.

Como define o Great survey of papercutting [Grande estudo sobre recortes de papel] em Yanchuan? Trata-se de

signed and carried out by us. It is a social project mobilizing contemporary artists, grassroots cadres, and art officials to return to the villages, combining art with the methodologies of anthropology to conduct a comprehensive survey. It is also an artwork, whose authors include: chief curator Lu Jie, the Long March Project, the 25,000 Cultural Transmission Center (organizer), the Yanchuan county government, the authors of the 15,006 papercutting works collected by the survey, and the 180,000 people of Yanchuan county who were surveyed. The survey project takes art as its departure point, combining with it the methods of anthropology and social research. One county is used as the basic unit in which to carry out a thorough field investigation and in-depth analysis of case studies and samples collected to examine the existing condition of “folk art”, as well as to create a powerful and complex visual display within conventional and institutional contemporary art spaces. The project touches upon different levels of the contemporary Chinese social and organizational structure; breaking the inner borders of contemporary visual culture, and constructing a meaningful and profound link between the two macro-systems of “folk art” and contemporary art.

uma parte importante de uma série de projetos concebidos e empreendidos por nós. É um projeto social, que mobiliza artistas contemporâneos, segmentos populares e funcionários que trabalham no campo das artes para que retornem às aldeias, combinando a arte com as metodologias da antropologia, a fim de que se possa realizar um estudo abrangente. É também um trabalho de arte, cujos autores incluem o curador principal, Lu Jie, o Long March Project, o Centro de Transmissão Cultural 25.000 (organizador), o governo do município de Yanchuan, os autores de 15.006 recortes de papel colecionados pelo estudo e os 180 mil habitantes do município contatados. O projeto toma a arte como ponto de partida, combinando-a com os métodos da antropologia e da pesquisa social. Nosso município é usado como a unidade básica em que se desenvolve uma sólida pesquisa de campo e uma análise aprofundada de estudos de caso e das amostragens coletadas, a fim de que se possam examinar as condições existentes da “arte popular”, e também para criar uma mostra visual, complexa e vigorosa, em espaços de arte convencionais e institucionais da contemporaneidade. O projeto se dirige a diferentes níveis da estrutura social e organizacional da China contemporânea, anulando as fronteiras internas da cultura visual contemporânea e construindo um elo profundo e significativo entre os dois macrossistemas da “arte popular” e da arte contemporânea. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

How do you define the Great survey of papercutting in Yanchuan? It is an important part of a series of projects de-

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LOULOU CHERINET Gotemburgo, Suécia [Sweden], 1970; vive em [lives in] Estocolmo brancas] 2002 DVD 52 min coleção da artista [artist’s collection]

White women [Mulheres

[Helouise Costa e Lisette Lagnado] Você diria que White women [Mulheres brancas] (2002) é mais sobre sexismo ou mais sobre racismo? Eu diria racismo, mas pensando

[Helouise Costa and Lisette Lagnado] Would you assert that White women (2002) is more about sexism or more about racism? I’d say racism, but then again I usually

bem eu costumo misturar as coisas. Quem foi que disse que a “mulher é o crioulo do mundo”? Um branco, não foi?

mix things up. Who said that “woman is the nigger of the world”? A white man, wasn’t it? Is modernism a false question for African artists? I’m not sure I know what you mean by modernism as a question… But o.k., maybe your question suggests that modernism is an European reaction to an European context and therefore somehow does not belong in Africa? I’d say modernism has been wrongly perceived as modernity. Still, I know of very few “modern things” that do not affect Africa and that Africa does not affect. Modernism should be a good historical example. I can’t see Africa as some essentially different continent that does not, or should not as such, take part in modernity. Modernism, in terms of painting styles and how you approach your role as an artist, had a revolutionary influence in Ethiopian art due to the cultural exchange between artists such as Skunder Boghossian and Gebrekristos Desta with Europe. And for the record, cultural exchange beyond its borders was not introduced to Africa by its colonizers. Ideas travel, sometimes we spit, sometimes we swallow… Should African artists spit out modernism? Yes, I think I’d like that.

O modernismo é uma falsa questão para artistas africanos? Não sei se entendi o que vocês querem dizer com o

modernismo como uma questão… Mas tudo bem, talvez a sua pergunta pressuponha que o modernismo seja uma reação européia a um contexto europeu, e portanto de algum modo não tem lugar na África. Eu diria que o modernismo tem sido incorretamente entendido como modernidade. Mesmo assim, conheço muito poucas “coisas modernas” que não afetam a África e que a África não afeta. O modernismo deveria ser um bom exemplo histórico. Não consigo ver a África como um continente essencialmente diferente, que não possa ou não deva participar da modernidade. Em termos de estilos de pintura e de como lidar com o papel do artista, o modernismo teve uma influência revolucionária na arte etíope graças ao intercâmbio cultural artistas como Skunder Boghossian e Gebrekristos Desta e a Europa. E só para deixar claro, o intercâmbio cultural além de suas fronteiras não foi apresentado à África por seus colonizadores. Idéias viajam, às vezes cuspimos, às vezes engolimos. Será que os artistas africanos deveriam cuspir o modernismo? Sim, acho que eu gostaria disso. Os críticos costumam associar seu trabalho a sua biografia, ao fato de você ter um pai etíope e uma mãe sueca. Você acha esta questão realmente importante ou é um tipo de rótulo? Eu cavo debaixo de meus pés; é fácil rastrear-me em

minha obra, mas minha obra não é biográfica, portanto sim, acho que é um beco sem saída. A noção de nacionalidade é um inimigo poderoso. Às vezes seu trabalho tem um enfoque antropológico…

Sempre considerei antropólogos uma peste, mas eu também estudo ciências humanas e nós compartilhamos uma ênfase na relatividade cultural e no exame do contexto. Em Minor field study [Estudo de campo menor] (2004), fiz minha contribuição às comparaões transculturais na forma de uma tradução cultural bastante brutal baseada em material de pesquisa filmado pelo antropólogo congolês Billy Marius. Quando me pediram para escrever sobre Minor field study, fiz um texto chamado The allegory of the cock [A alegoria do galo], que não tem nada a ver com antropologia, mas fala de um cego, de referencial e enquadramento, e de epistemologia.

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Critics frequently link your work to your biography, to the fact that you have an Ethiopian father and a Swedish mother. Do you think it’s really a main question or a kind of label? I dig where I stand, it’s plain to trace me in my

work but my work is not biographical, so yes, I think it’s a dead end. The notion of nationality is a powerful enemy… Sometimes your work has an anthropological approach…

I’ve always considered anthropologists a pest but I do study Humanity and we share an emphasis on cultural relativity and examination of context. In the video installation Minor field study (2004) I’ve made my contribution to crosscultural comparisons in the form of a pretty brutal cultural translation based on research material filmed by the Congolese anthropologist Billy Marius. When I was asked to write about Minor field study I wrote a text called The allegory of the cock which is not at all about anthropology, it’s about a blind man, frame of reference and epistemology.

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LU CHUNSHENG Changchu, China, 1968; vive em [lives in] Xangai 2004 vídeo 29 min 27 s

[Betti-Sue Hertz] Você insere com freqüência indivíduos em determinada formação, em paisagens industriais ou naturais de escala monumental. Trata-se de rituais de crise ou é um dilema? As pessoas, no filme, encontram-se em

estado quase hipnótico, não conseguem controlar-se. Alguns acontecimentos são inevitáveis e precisam ocorrer. Isso nasce da idéia de que existem certas razões para que as coisas sejam como são e que estão escondidas nas profundezas. Elas são monumentais e não podem ser descritas. Não se trata de um ritual. Eu simplesmente uso meus próprios métodos para imaginar a qualidade das coisas. Seu trabalho possui uma aura mística. Qual é o relacionamento entre o que você denominou “uma espécie de condição do homem” e o atual (retardado) estágio econômico da industrialização na China? Os cientistas podem explicar

o mundo, mas para mim seria difícil fazê-lo. Existem certas coisas que não posso analisar. Em meu vídeo, intitulado The history of chemistry [A história da química] (2004), alguns homens entram num lugar denominado um “campo petrolífero”. Esse lugar possui seus próprios sentimentos. Quando aqueles homens se aproximam, o campo petrolífero tem a premonição de que algo está para acontecer. Por outro lado, o poder do campo assusta os homens. No final o capitão entra no campo. A química moderna deriva da antiga alquimia ocidental. A Ásia do Pacífico assemelha-se hoje à grande oficina de um alquimista. Foi por isso que escolhi esse título para meu vídeo. É claro que todas as idéias nascem de minha imaginação. Se eu tivesse de escrever um romance, ele seria algo quase semelhante à ficção científica. Quais filmes ou vídeos achou mais impactantes? Sinto que a diferença entre os trabalhos da China e os do Ocidente tornou-se menos nítida. A influência é mútua e, assim, é difícil afirmar quais tipos de trabalhos são mais influentes. Gosto muito dos filmes que as pessoas fazem, mas, de modo geral, gosto daqueles provenientes do Ocidente. Tenho entrado em contato com esses filmes nos dois últimos anos. Antes eu criava minhas próprias imagens, quase não tinha contato com obras de vídeo ocidentais. Conhecia algumas delas por meio de stills encontrados em livros e catálogos. Eu me empenho ao máximo para encontrar meu próprio método.

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The history of chemistry [A história da química]

[Betti-Sue Hertz] You often insert individuals in a set formation into monumentally scaled industrial or natural landscapes. Are these rituals of crisis or dilemma? The people

in the film are in an almost hypnotized state, they can’t help themselves. Some events are inevitable and must happen. This comes from the idea that there are some reasons for the way things are that are hidden in the depths. They are monumental and can’t be described. It’s not a ritual. I simply use my own methods to imagine the quality of things. Your work has a mystical aura. What is the relationship between what you have called “a kind of condition of man” and China’s current (delayed) economic stage of industrialization? Scientists can explain the world, but it would be

difficult for me to do this. There are some things I can’t analyze. In my video, The history of chemistry (2004), some men enter a place which is called an “oil field”. This place possesses its own feelings. In the process of their approach, the oil field has a premonition that something is about to happen. On the other hand, the oil field’s power scares the men. In the end the captain enters the field. Modern chemistry is derived from ancient Western alchemy. Pacific Asia today is like a big alchemist’s workshop, that’s why I selected this title for my video. Of course the ideas all come from my own imagination. If I were to write a novel, I would write one so that it was almost like science fiction. What films or videos have you found most compelling?

I feel that the difference between works from China and those from the West has become more blurred. The influence is mutual, so it’s difficult to say which types of works are most influential. I like a lot of people ’s films, but in general I like those coming from the West. My exposure to these films has occurred over the last two years. Before I made my own images, I had almost no exposure to contemporary video works in the West. I knew some of them through still images in books and catalogues. I try my best to find my own method.

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LUCIA KOCH Porto Alegre, 1966; vive em [lives in] São Paulo Painéis-filtro [Filter pannels] 2001 construção em Eucatex perfurado [construction with perfurated board] Museu de Arte Moderna de São Paulo dimensões variáveis [dimensions variable] coleção da artista [artist’s collection]

[Fulya Erdemci] Sua intervenções site-specific com luz sobre estruturas arquitetônicas já existentes deixam em suspenso nossa percepção familiar daquele espaço e propõem uma experiência espacial e sensorial diferente. Você pode comentar a relação do público com suas intervenções? Quando escolho trabalhar num lugar, considero-o

uma coisa viva, definida pelo uso que dele se faz, como a própria linguagem. Não se trata apenas de uma proposta sensorial, mas tem a ver com a compreensão de como você percebe e daquilo que pode ser modificado por você. As pessoas fazem especulações sobre outras possíveis alterações e algumas vezes tentam experimentá-las em seus próprios espaços. Embora seu trabalho intervenha formalmente nos espaços, ele também se relaciona com a cultura e a história, devido a características e identidades específicas das edificações e lugares que você selecionou. Pode comentar os processos de seleção dos lugares que escolhe para suas intervenções? O que importa não é apenas o aspecto arquitetônico

do lugar, mas seu uso cotidiano e a oportunidade de colocarme lá a fim de pertencer a ele durante algum tempo. Penso com freqüência nos espaços domésticos que são continuamente adaptados e transformados por seus ocupantes. Tudo ocorre mediante um convite. Pode ser a casa de um colecionador ou uma outra situada nas periferias mais pobres de São Paulo. Tenho alguns projetos acontecendo no Jardim Miriam, um bairro onde a autoconstrução e a constante reforma/ampliação dos espaços privados exibem uma espantosa vitalidade. Quando os moradores me convidam para fazer uma intervenção em sua casa, eu os visito muitas vezes para conhecer seus espaços e como eles habitam. Falamos sobre a iluminação e a circulação do ar, as áreas em torno, abertas e fechadas, os espaços individuais e comuns. Proponho, em geral, novas janelas ou clarabóias e acrescento materiais transparentes ou perfurados, como filtros que funcionam como recursos de comunicação (entre o exterior e o interior ou dos dois lados, ao mesmo tempo). Tudo é negociado: cores, configuração, dimensões etc. Nesse caso, os materiais devem ser baratos e disponíveis, de tal modo que os moradores possam usá-los para suas próprias intervenções em seus espaços, caso queiram. Qual é seu projeto para a 27a. Bienal? E se o lugar for inteiramente não-residencial e ocupado apenas por obras de arte? Para a Bienal, o projeto é trazer alguns desses recursos relacionais e materiais, que são usados em diferentes peças espalhadas pelo edifício: paredes que operam como filtros, a fim de se relacionarem com outros ocupantes nesse novo contexto e às vezes reagindo também à arquitetura original. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

[Fulya Erdemci] Your site-specific light interventions applied at already existing architectural structures suspend our familiar perception of that space and propose a different spatial and sensual experience. Can you comment on the relation of the audience with your interventions?

When I choose to work on a place, I take it as a living thing that is defined, as is language, by its use. It’s not just a sensual proposition, but has to do with the understanding of how you perceive and what can be changed by you. People speculate about other possible alterations and sometimes try to experience them in their own spaces. Although your work intervenes with the spaces formally, it also relates to culture and history due to the specific characteristics and identities of the buildings and places that you have selected. Can you comment on the process of selection of the places for your interventions? What counts

is not only an architectural aspect of the site, but its current use and the chance to place myself there in order to belong to it for some time. I think often about domestic spaces that are continuously adapted and transformed by their occupants. It happens by invitation: it can be a collector’s home or a house in the poorer peripheral districts of São Paulo. I have some projects going on in Jardim Miriam, a neighborhood where self-construction and constant renovation/ extension of the private spaces show an amazing vitality. When they invite me to do an intervention in their house, I visit them many times to get to know their spaces and how they live. We talk about light and air circulation, surrounding areas, open and closed, individual and common spaces. I usually propose new windows or skylights and add transparent or perforated materials as filters that work as communication devices (between inside/outside or two subjects on both sides). All is negotiated: colors, configuration, dimensions, etc. Materials in this case must be cheaply available, so they could use them for their own interventions in their spaces if they feel like it. What is your project for the 27th Bienal? But what if the place is completely nondomestic and occupied by artworks only? For the Bienal, the project is to bring some of these relational devices and materials to be used in different pieces spread across the building: walls operating as filters, in order to relate to other occupants in this context, and sometimes responding to the original architecture too.

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MABE BETHÔNICO Belo Horizonte, 1966; vive em [lives in] Belo Horizonte Maiores e menores formatos da coleção [Larger and smaller formats of the collection] 2004 textos de vinil e tinta sobre painéis [vinyl texts and paint on panels] dimensões variáveis [dimensions variable] coleção [collection] Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte foto Eduardo Eckenfels

[Jochen Volz] Você criou o museumuseu, uma instituição ficcional, em 2000. Ele atua em vários contextos, questionando e utilizando sistemas tradicionais de organização museológica. Como ele foi concebido e como funciona? O

[Jochen Volz] You created the museumuseu, a fictional organization, in 2000. It operates in various contexts, interrogating and making use of traditional museum organization systems. How was it conceived and how does it function?

museu surge do desejo de reunião de ações em um espaço onde é possível relacionar objetos, interceptar produções, recontextualizá-las; é um ambiente onde articulamos sentidos a partir de justaposições. Na amplitude estrutural constitutiva de um museu não há propriamente um lugar para autoria. Ao criar o museu, estabeleço outras relações com esse objeto ou lugar. É um campo para o exercício de funções como produção, administração, divulgação, curadoria. O museumuseu não funciona diariamente e sua constituição é apoiada por amigos do museumuseu. Nesse sentido, ele proporciona outra “reunião”, na medida em que clama pela participação de diversos autores a tempos diferentes.

The museum stemmed from a desire to bring together actions into a space that could serve for relating objects, intercepting productions, and putting them in a new context — it is an environment where juxtapositions articulate the senses. In the structural scope that constitutes a museum there is no room for authorship, so to speak. With the creation of this museum, I have established other relations with this object or place. It is a field for the practice of activities such as production, administration, publicity, and curatorship. The museumuseu is not open every day and its constitution is made possible by the “friends of the museumuseu”. In this sense, it promotes another “gathering” insofar as it calls for the participation of several authors, at different times.

Na 27a. Bienal você vai apresentar o museumuseu pela primeira vez numa tradução arquitetônica. Como você vai transformar uma instituição virtual, que fora da web se manifesta em várias formas mas nunca como todo, em uma situação espacial? A estrutura do trabalho, a partir de

quatro eixos, sugere uma discussão sobre museu: “há tempo no museu”, “palavra de museu”, “história no museu” e “além do museu”. Desse sistema derivam proposições que expandem e tensionam os eixos. São trabalhos em formatos de exposições, websites, objetos, intervenções etc., abordando uma trama de questões presentes numa estrutura gráfica, que é uma indicativa de leitura. O museu é fragmentário e sempre se apresenta como recorte. Experimentamos um espaço onde é possível transitar por cada um dos eixos, e um deles traz um mapeamento do todo, que está sempre em construção. Você falou várias vezes sobre seu desejo de invisibilidade. E realmente no museumuseu e também em relação a seu outro projeto grande, O colecionador, seu nome é ocultado, e só é revelado para aquele que fizer uma pesquisa sobre o assunto. Por quê? Interessa-me explorar um terri-

tório onde não se identifica imediatamente os limites entre um projeto autoral, a prestação de serviço da instituição, ou para a instituição. Esses serviços normalmente não são nomeados, e a assinatura museumuseu devolve o crédito ao campo institucional. Essa “fachada” reflete ainda uma realidade de produção coletiva possível, quando em alguns projetos atuamos em diferentes conformações e grupos. Freqüentemente não fica claro se o trabalho é um coletivo, um museu na realidade, uma invenção, um título ocasional.

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At the 27th Bienal you will be presenting an architectural translation of the museumuseu for the first time. How exactly are you going to transform into a spatial situation a virtual institution that is rendered, away from the Web, in various parts but never as a whole? The framework of

my project rests on four axes — namely, “for a long time in the museum”, “word of a museum”, “history at the museum” and “beyond the museum” — which proposes a discussion on museums. Such a system yields investigations that expand and stress these axes. They are works formatted as exhibitions, websites, objects, interventions, etc., all of which address a fabric of issues within a graphic structure that points to a reading. The museum is fragmentary; it is always presented as a cross-section. We experiment with a space in which we can move along each of the axes, and one of them features a mapping of the whole, which is always under construction. You have often mentioned your desire for invisibility. Indeed, as regards the museumuseu as well as your other major project, O colecionador [The collector], your real name is omitted and only revealed to those who research the subject. Why is that? I am concerned with exploring a

territory in which the limits between an authorial project and services rendered by and for the institution are not readily identifiable. By and large, these services go unnamed and the museumuseu signature gives credit back to the institutional field. This “façade” also reflects a reality of collective production made possible every time we present different groups and combinations in certain projects. Often it is not clear whether the work is a collective creation, an actual museum, an invention, or an occasional title. 146



MARCEL BROODTHAERS Bruxelas, 1924 –1976 à direita [right] Musée d’Art Moderne à vendre — pour cause de faillite [Museu de Arte Moderna à venda — por causa de falência/Museum of Modern Art for sale — because of bankruptcy] 1970 – 71 tinta e lápis sobre impressão offset [ink and pencil on offset print] 45,1 x 32 cm ed. 19 coleção [collection] Museu d’Art Contemporani de Barcelona abaixo [below] Entrevista imaginária com [Imaginary interview with] René Magritte publicada em [published in] Journal des arts plastiques, n. 30, 1967 cortesia espólio [courtesy Estate of] Marcel Broodthaers [Marcel Broodthaers] E se eu o entrevistasse para uma nova revista? [René Magritte] Eu gostaria, sim, mas qual é

[Marcel Broodthaers] What if I interviewed you for a new magazine? [René Magritte] Fine by me, but about what? I

o assunto? Tenho a impressão de que já disse isso.

believe I’ve already told you so.

Seria um assunto particular. Não seria para criar um artigo ou um livro como certas pessoas que desprezo. [X] (X está freqüentemente presente às entrevistas de Magritte. Dá a impressão de ser poeta. Às vezes interrompe a conversa de uma maneira sentenciosa. É um estilo que ele usa com habilidade e malícia.) Pessoas que escrevam para porteiros são necessárias. (Segue-se um silêncio preenchido pelos sinos dos relógios que o dono da casa parece colecionar. O amigo importuno, de visita, os ouve com uma espécie de respeito. Os relógios, desacertados entre si, a intervalos de 10 a 20 segundos, dão a impressão de atacar um concerto clássico. Todos olham para a parede. Para um quadro. Momento que se aproveita para observar que o rosto de Magritte se move, que seus traços têm uma escrita. É uma personalidade fascinante. Um olhar cinzento. Uma dicção que não deixa o interlocutor à vontade. Uma polidez exagerada, se não perfeita.) Então, o senhor quer entrevistar-me.

It would be a private matter. It wouldn’t be to write an article or a book like so-and-so I despise. [X] (X often attends Magritte’s interviews. He looks like a poet. X sometimes breaks the conversation sententiously. It is a style he wields with skill and mischief.) Indeed, people who write for doormen are necessary. (A silence here, filled by chimes from the clocks seemingly collected by the housemaster. His unbidden visiting friend listens to them with a kind of respect. The clocks, a ten- to twenty-second lag among them, feel ready for a classical concert. All look at the wall. At a painting. It is a moment fit to notice that Magritte’s face moves, that his features have a writing. He has a fascinating personality. A gray gaze. A diction that makes his interlocutor uneasy. An exaggerated, if proper, politeness.) So you wish to

É uma boa idéia. Seria ótimo se o senhor se dedicasse ao jornalismo. Há tantos imbecis no jornalismo. Nunca li nada em jornais que valesse a pena. Li sobre o senhor. De fato, certa vulgaridade. Ah! Veja… no entanto… é simples. Eu também gostaria de alguma coisa diferente.

Sim. Preciso ir buscar um gravador!

O que acha do seguinte: deixar de considerar os seus quadros em função dos títulos, que — aliás, o senhor disse isso várias vezes — causam estranhamento no espectador e transportam a imagem em seu espírito num nível em que ela se desvincula absolutamente de qualquer interpretação comum. Ao contrário, reencontrar os acontecimentos da vida, da sociedade… em suma, restabelecer em torno de suas obras o ambiente desaparecido. Nesse caso, elas apareceriam como testemunhos da atualidade, e não como poemas. Não entendo. Escute, isso não traduz exatamente minhas opções em termos de arte. Esse ponto de vista poderia ser interessante. Teria a finalidade de fundar uma crítica viva de suas imagens. Na minha opinião, nunca foi feita. É curiosa a sua lin-

guagem. É sociologia, não me interessa. Mas se o interessa… (ri)… não vejo inconveniente. O senhor gostaria de falar de outra coisa. Não é má idéia. Há muitos chapéus-coco em sua pintura. Por quê? Ah, sim. Em que época de sua vida o chapéu-coco o impressionou? Tem alguma lembrança de infância, referente a algum chapéu-coco? 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

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interview me. It’s a good idea. Yes. I should bring a tape recorder! You would do very well

to commit yourself to journalism. There are so many imbeciles in journalism. I’ve never read anything worth reading in a newspaper. I read about you. There is indeed a certain vulgarity. Ah, there you go… however… it’s simple. I would also like something else. What do you think of this: Not to consider your paintings according to titles which — you often stated it — complete the spectator’s displacement and carry the image into his/ her mind at a level in which it is absolutely detached from any common interpretation. On the contrary, to retrieve life’s and society’s events… in short, to retrace the vanished environment around your works. In which case they would appear as testimonies of current events, and not as poems. I don’t understand. Listen, this is not an exact translation of my options regarding art. This viewpoint could be interesting. It would be destined to found a living critique of your images. It has never been done, as far as I know. You use a curious lan-

guage. That’s sociology, I’m not interested. But if you are interested…(he laughs)… I have no problem. You’d rather we talked about something else. Not a bad idea. There are many bowler hats in your paintings. Why? Ah, yes. At which point in your life did the bowler hat impress you? Do you have any childhood memories concerning a bowler hat?

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MARCELLVS L.

Belo Horizonte, 1980; vive em [lives in] Belo Horizonte

3195 2005 vídeo 12 min 21 s

[Rodrigo Moura] Você grava na praia e na cidade. Como você se relaciona com os campos onde filma? pode existir

[Rodrigo Moura] You shoot at the beach and in the city. How do you relate to the locations? there may be a quest

a procura por um encontro. por um cavalo. pela história. por uma dúvida. por um quadro. mas cada momento gera um acidente à percepção. e por isso um mistério. onde tudo se confunde. escorrega. e produz novos sentidos. sem nenhuma saciedade ou cansaço o mundo se transforma. em cada momento posso entrar afirmando novos universos de valor. que produzirão sentidos por eles mesmos. imponderavelmente. sem diferença entre o que o trabalho fala e a forma como ele é feito. ventava. havia visto numa cidade próxima uma chaminé que produzia fumaça branca. não encontrei. voltando, entrei numa rua. alagada. parei. observando/participando do fluxo daquele tempo. liguei a câmera gerando espaços para vibrações. enquanto um homem atravessava a rua alagada, a bateria da câmera estava carregada, eu criava um segmento de imagem. de história. no presente do indicativo. da primeira pessoa do singular à primeira pessoa do plural. eu somos.

for an encounter. for a horse. for history. for a misgiving. or for a picture. yet each moment gives forth an accident for perception. a mystery, therefore. a place where everything is a jumble. where everything slips. and produces new meanings. the world is transformed tirelessly and inexhaustibly. i can assert new realms of value every moment. they’ll produce meaning on their own. imponderably. regardless of the work statement and the way in which it is carried out. it was windy. in a nearby town i had spotted a chimney belching white smoke. i could no longer find it. coming back i turned onto a street. it was flooded. i came to a halt. observing/taking part in that flowing time. i switched on the camera, creating vibrational spaces. a man waded the flooded street, the camera batteries were fully charged, so i shot a footage. of history. in the present. in the indicative mood. from singular person of the subject to plural verb. i are.

Seu trabalho segue preceitos aparentemente rígidos: um plano por vídeo, a câmera fixa. Por outro lado, você usa efeitos na captação e manipula o áudio — em parceria com um membro do coletivo musical pexbaA — embora use o som direto como base. vejo surdo um homem pescan-

do. associações (s)urgem imediatas. com a indiferença das estrelas seguimos algum caminho. podemos pensar numa supressão de freqüências agudas e médias. deixar o áudio chegar pelo chão. balançar com sua pressão. isso pode devir do encontro da maré com a areia ou/e de uma noção técnica específica. e aqui a câmera não está dissociada do computador. me interessa a força física dessas combinações. a política de uma duração que esqueceu dos minutos. o tripé que perdeu o chão tomado por uma subjetividade plena. isso tudo produz sentido enquanto se faz. atravessado. fundido. sobreposto. interrompido. construo um quadro rígido. objetivo. apoiado num barco preso à areia. deixo a maré encher e gradualmente entrego toda objetividade ao mar. cada método é um instrumento. é grande não ter jeito para viver. Você faz seus vídeos praticamente sozinho — grava, edita, copia, distribui. Para você, o que significa independência?

urgência. pode-se admirar a beleza do fogo. mas é preciso se queimar. sempre foi possível produzir com o que se tem. do it yourself. não é ser livre de algo. mas descobrir para que fim se é livre. todo ato estético é político e ético. por menor que seja, sendo espontâneo, afirma verdades mais reveladoras e explosivas do que quaisquer sistemas estabelecidos.

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Your work follows apparently strict prescriptions, such as the fixed camera and unedited, single-shot sequences by video. On the other hand, you resort to recording effects and manipulate the audio — together with a member of the band pexbaA — though still using direct recording for background. i deafly spot a man fishing. immediate asso-

ciations come up. as aloof as stars in the sky, we follow our path. we might consider a suppression of the high-pitched and medium sound frequencies. letting the audio come in through the floor. rocking with its vibration. this may arise from the encounter of tide and sand and/or from a specific technical notion. here the camera is not dissociated from the computer. i am interested in the physical strength of these combinations. a timing policy that ignores minutes. the tripod that is overwhelmed by subjectivity and loses its footing. all this produces meaning in the course of production. on a bias. mixed. juxtaposed. interrupted. i build a rigid picture. objective. leaning against a boat stuck on the sand. i wait for the rising tide, then gradually surrender all objectivity to the ocean. each method is a different instrument. it’s great not to have a regular way of living. You produce your videos practically alone. You record, edit, copy, and distribute them. What does independence mean to you? urgency. the ability to admire the beauty of fire. yet

coming out scorched. producing with the tools we have is always a possibility. do it yourself. the issue is not to free ourselves from something. but discovering what this freedom is for. every aesthetic act is political and ethical. no matter how small, spontaneous acts assert truths that are more revealing and bombastic than any established system. 150



MARCELO CIDADE São Paulo, 1979; vive em [lives in] São Paulo Escada parasita [Parasite staircase] 2006 alumínio [alluminium] 213 x 325 x 100 cm cortesia [courtesy] Galeria Vermelho, São Paulo foto Ding Musa

[Jens Hoffmann] Em seu trabalho, parece haver uma freqüente preocupação com o relacionamento entre o espaço público e o espaço privado. Será que você pode falar mais sobre esse elemento em sua criação, já que ele parece particularmente relevante quando se pensa no conceito geral da exposição? Minha principal preocupação, como ar-

tista, diz respeito à busca de uma posição individual em um ambiente coletivo. No meu caso, isso se liga a uma procura de outra percepção da cidade de São Paulo, onde moro. Interessa-me deixar claro que o espaço público apenas existe porque existe um espaço privado e meu trabalho existe exatamente nesse limite. O importante para mim é deixar claro que qualquer discussão sobre o espaço sempre é uma discussão política. Penso que, a partir dessas idéias, surgem muitas de minhas preocupações, tais como a tentativa de não seguir uma rotina diária e a criação de situações nas quais a realidade e a ficção se misturam e não se tornam claras para o espectador. Um dos trabalhos que você está planejando mostrar na 27a. Bienal é Direito de imagem, que vi em Farsites, em San Diego e Tijuana, no ano passado, e que parece descrever muito bem o que você acaba de dizer. No momento

planejo mostrar inúmeros trabalhos que se preocupam com o problema do espaço público e do espaço privado. Um deles será Direito de imagem, que é uma série de falsas câmeras de segurança, feitas de papelão. Serão montadas em várias paredes e espalhadas pela exposição. Que outros trabalhos pretende apresentar? Mostrarei um trabalho intitulado Escada parasita, uma escultura que instalarei na parede externa do espaço da mostra. Ela se parece a uma escada de emergência, mas sem ter essa função. Outro trabalho a ser mostrado é Intramurus, que se refere ao deslocamento de uma solução antiquada de um sistema de segurança que se encontra muito no Brasil. Tenho certeza de que você já o viu também em outros lugares. É feito de cacos de vidro, inseridos no cimento, numa disposição que não segue nenhum padrão, e em cima dos muros. Eles serão colocados em cima de algumas paredes dos espaços da exposição.

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[Jens Hoffmann] Your work seems often concerned with the relationship of private and public space, and I wonder if you could talk more about this element in your practice as it seems particularly relevant when thinking about the overall concept of the exhibition. My key concern as an

artist revolves around the search for an individual position in a collective environment. This is in my case very much connected to the search of another perception of the city of São Paulo where I live. I am interested in making clear that public space only exists because there is private space and vice versa and my works exist exactly on this border. What is important to me is to make clear that any discussion about space is always political. I think that out of these ideas many of my other concerns arise, such as the attempt of not having a daily routine and the creation of situations where reality and fiction are mixed and become unclear for the viewer. One of the works that you are planning to show in the 27th Bienal is Direito de imagem [Image rights], which I saw at Farsites in San Diego and Tijuana last year and which seems to describe what you spoke about quite well.

Right now, I am planning to show a number of works that are all concerned with the problem of public and private space. One piece will be Direito de imagem, which is a series of fake surveillance cameras made out of cardboard. They will be mounted to various walls and scattered throughout the exhibition. What other works are you planning to present? I will show a work titled Escada parasita [Parasite staircase], which is a sculpture that I will install on the outside wall of the exhibition space. It will look like an emergency staircase but without having this function. Another piece that I will show is Intramurus, which is about the displacement of an old-fashioned kind of security system that one finds a lot in Brazil. I am sure you have seen it elsewhere as well. It is made of pieces of broken glass that are inserted into cement in random patterns on top of a wall. The piece will be placed on the top of some of the walls of the exhibition spaces.

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MARCOS BONISSON

Rio de Janeiro, 1958; vive no [lives in] Rio de Janeiro

Héliophonia 2002 vídeo 17 min

[Lisette Lagnado] “Quase-cinema”, de Hélio Oiticica, era uma crítica ao audiovisual. A que fatores você atribuiria a crescente presença do cinema na instituição artística que, até recentemente, colocava a fotografia em salas segregadas? Conheci o Hélio no Rio em 1979, depois que ele vol-

[Lisette Lagnado] Hélio Oiticica’s “Quasi-cinema” was meant as a criticism of the audiovisual. To what factors would you attribute the growing presence of film in the art institution? I met Hélio in Rio, in 1979, after he returned

A proposição das Cosmococas é ativar o outro. “Quase-cinema” é uma crítica ao audiovisual porque o espectador é um participante que não precisa fi car sentado, imóvel e quieto, além de enfatizar a não-narração. Você não acha que estamos vivendo um momento contrário, isto é, muito narrativo? Isso que você diz de ativar o outro, como

Cosmococas proposition was to engage the other. His “Quasi-cinema” is a criticism of the audiovisual because the viewer appears as a participant that needs not remain seated, in addition to emphasizing non-narration. Would you say that we are living a reversed moment — a quite narrative moment? I find this engagement of the other that

proposição nas Cosmococas, é muito interessante. Acredito que essa foi uma das idéias fundamentais na elaboração dos Bloco-experiências in Cosmococa, que falam diretamente ao corpo, daí o aspecto sensorial e o sentido do espectadorparticipante. Vito Acconci reafirma isso no filme, referindo-se aos Ninhos de HO, na exposição Information de 1970. Quando ele faz a passagem do plano para o espaço, o maior deslocamento foi o do corpo, não o da retina. A questão da não-narração no “Quase-cinema”, bem complexa, não é apenas uma recusa ao sentido temático, relacionado a um cinema narrativo-literário. Está profundamente ligada a uma reflexão acerca do absurdo da linguagem. Podemos estar vivendo um momento narrativo, possivelmente como uma reação desesperada a um estado de incertezas, sei lá… Continuo interessado nas linguagens não-narrativas e no que é imanente. No meu filme Héliophonia, a idéia é apresentar o artista por ele mesmo, sem mediações, reunindo alguns de seus filmes inéditos feitos na época e utilizando pontualmente a fala-performance, verve de HO.

you describe as Oiticica’s intention with his Cosmococas to be quite interesting. I believe it was a fundamental idea behind the development of his Block experiments in Cosmococa, which speak directly to the body — hence the sensorial nature of the work and the meaning of the participating viewer. Vito Acconci reaffirms this by referring to HO’s Ninhos [Nests] in a film featured in the show Information, in 1970. When he shifted from a planar surface to three-dimensional space, the body — and not the retina — was subjected to the greatest displacement. The complex issue of non-narration in his “Quasi-cinema” is not simply a refusal of the thematic meanings related to narrative-literary film; it is deeply related to a reflection on the absurdity of language. We could be living a narrative moment, possibly as a desperate reaction to a state of uncertainties, who knows… I am still interested in non-narrative languages and in the immanent. In my film Héliophonia the idea is to have the artist present himself directly, without mediators: to bring together some of his unedited films shot in those days, and using with precision his performance-speech, HO’s verve.

from New York. I was a 21-year-old student at the art school tou de Nova York. Eu tinha 21 anos, freqüentava os cursos in Parque Lage and I was selected, together with other artde arte do Parque Lage e fui convidado, junto com outros, ists, to make proposals for the Program in progress events a apresentar proposições para o Program in progress, ideali- that Hélio planned for specific urban sites: Kleemania, in the zado por Hélio em espaços urbanos específicos: Kleemania district of Caju, in 1979, and Esquenta pro carnaval [Warm no Caju em 1979 e Esquenta pro carnaval no morro da Man- up for carnival], on Mangueira Hill, in 1980. I shot super-8 films that at some point were misplaced and then found again, gueira em 1980. Fiz filmes super-8 que se perderam e que a decade later. A few fragments were featured in Héliophonia. reencontrei uma década depois. Alguns fragmentos foram inseridos em Héliophonia. Fui para Nova York em 1981 e fi- I went to New York in 1981 and ended up staying nearly ten years. I think that from Man Ray/Duchamp to Jack Smith/ quei por quase dez anos. Penso que de Man Ray/Duchamp a Jack Smith/Gordon Matta-Clark, diferentes artistas fize- Gordon Matta-Clark, different artists experimented with ram experiências com filmes, disseminando outros sentidos, film, disseminating other meanings, and maintaining a toindependentemente do cinema industrial. O “Quase-cinema” tal detachment from the conventional film industry. Hélio’s de Hélio é um exemplo de um cinema-invenção convulsivo, “Quasi-cinema” is an example of a convulsive cinema-invention that reaches beyond criticism to the audiovisual. As que ultrapassa a crítica ao audiovisual. Quanto aos espaços for the institutional spaces, apart from trends, they should institucionais, à parte de modismos, cabe a função objetiva give voice and home to experimentation. de dar voz e abrigar a experimentação.

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MAREPE Santo Antônio de Jesus, Brasil, 1970; vive em [lives in] Santo Antônio de Jesus Trouxa IV [Bundle IV] 1995 técnica mista [mixed media] 60 x 60 x 55 cm cortesia [courtesy] Galeria Luisa Strina, São Paulo foto Edouard Fraipont

[Lisette Lagnado] Você costuma levar em consideração o título de uma exposição para fazer seu trabalho? Não. Às

[Lisette Lagnado] Do you usually take into account an exhibition’s title to produce your work? No. Sometimes I

vezes chego a esquecer o tema. “Como viver junto” é diferente. Apresento para a 27a. Bienal idéias que já estavam em andamento, mas todo o meu trabalho lida com a questão do “viver-junto”. Esse título toca na ferida do mundo. Duchamp foi fundamental no começo de sua carreira. Só Duchamp me deu a coragem de assumir a natureza do objeto. Ele foi por um caminho do design, enquanto o meu processo vem da cultura popular. Assim sendo, cada objeto é único porque é impregnado da experiência de cada pessoa, de sua necessidade, de seu trabalho. Quando terminei de ler o Marcel Duchamp ou o castelo da pureza (1968), de Octavio Paz, olhei para baixo da janela e vi uma mulher passando com uma trouxa quadrada — aquela de roupas passadas — na cabeça. Foi decisivo. Assim como observar os ambulantes mudou meu olhar em relação aos materiais artísticos. Todo objeto tem uma razão de estar naquele lugar. Como continuar depois de Duchamp? Que tal com Platão? A gente sempre vai passando por várias cavernas ao longo da vida, vários compartimentos que filtram. A arte é minha saúde mental. Você se considera um artista de sorte? Eu me considero uma pessoa de sorte. Tive infância, família, pai, mãe, amigos, acesso à escola e a alguns princípios como o respeito pelo outro… E não gosto de repetir um trabalho, o que é um privilégio. Como surgiu a imagem das assadeiras de alumínio? É um paralelo entre a vista aérea que a tv mostra dos corpos de detentos assados no sol e a organização dos biscoitos que minha mãe faz em toda festa. Essa violência entra em nossa casa. Imaginei alguém fazendo biscoitos e olhando para a tv; de repente, o sonho de paz é interrompido, e os biscoitos saem com imagens de ônibus, revólver, celular, cadáveres — como se fosse um erro de fabricação.

even forget the subject. “How to live together” is different. I am presenting to the 27th Bienal ongoing ideas, but all my work deals with the “living-together” issue. This title touches the wound of the world. Duchamp was fundamental to the beginning of your career. Only Duchamp gave me the courage to assume the object’s nature. He went by way of the design, while my process comes from popular culture. Thus, each object is unique for it is impregnated with each person’s experience, his/her need, his/her work. When I finished reading Octavio Paz’s Marcel Duchamp or the castle of purity (1968), I looked down through the window and saw a woman passing by with a square bundle — the kind used for pressed clothes — on her head. That was decisive. Just like watching street peddlers changed my look on artistic materials. Every object has a reason for being over there. How to go on after Duchamp? How about with Plato? One always keeps passing by many caves along one’s life, many filtering compartments. Art is my mental health. Do you consider yourself a lucky artist? I consider myself a lucky person. I had a childhood, a father, a mother, friends, access to school and to principles like respect for others… And I dislike repeating my work, which is a privilege. How did the image of the baking sheets arise? It is a parallel between the tv aerial view of the convicts’ bodies baking in the sun and my mother’s arrangement of biscuits at every party. That violence enters our home. I imagined someone baking biscuits and watching tv; all of a sudden, the dream of peace is interrupted and the biscuits end up looking like a bus, a gun, a cell phone, dead bodies — as if there were a manufacturing flaw.

Ao que remetem os guarda-chuvas enganchados uns aos outros? Guarda-chuvas são abrigos e um está abrigando o

another. The first image I saw was people leaving work on a rainy day. Moving umbrellas are beautiful. The hook is a strong symbol and there is the pendulum holding them all, seeking balance and some justice.

outro. A primeira imagem que eu vi foi de pessoas saindo do trabalho de bicicleta num dia de chuva. São bonitos os guarda-chuvas se deslocando. O gancho é um símbolo forte, e há o pêndulo segurando todos eles, tentando um equilíbrio, uma justiça.

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What is the reference of the umbrellas hooked onto one another? Umbrellas are shelters and they are sheltering one

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MARÍA GALINDO La Paz, 1964; vive em [lives in] La Paz Ladrona y sublevados [Ladra e revoltados/Woman thief and rioters] fotos de arquivo [archive photos] Colección Cordero, Bolívia, 1900–20

[Xabier Arakistain] Acho os dois pilares básicos desta Bienal extremamente sugestivos do ponto de vista da perspectiva feminista: a relação entre a arte e a sociedade, e a idéia de abordar o conceito de construção do ponto de vista crítico. Como você sabe, a afirmação de Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, foi fundamento para a teoria da construção cultural do sexo, do gênero e da sexualidade. No entanto, sabemos que a categoria mulher é uma construção cultural que o patriarcado prefere situar no campo do natural para perpetuar a inferioridade social das mulheres. Relacionando esses pensamentos com o mundo da arte, convido você a responder três questões. Se os Direitos Humanos são universais, por que os direitos das mulheres precisam ser subordinados às particularidades dos diferentes países e culturas? Qual sua percepção sobre esse assunto? Que relevância tem esse posicionamento no seu trabalho? Nós não trabalhamos a

[Xabier Arakistain] I find the two central concepts structuring this Bienal, i.e., the relationship between art and society and the idea of approaching the concept of construction from critical positions, extremely suggestive from the feminist perspective. As you know, Simone de Beauvoir’s statement, “One is not born a woman, rather one becomes one”, laid the foundations for the theory of the cultural construction of sex, gender and sexuality. Thus we know that the woman category is a cultural construction that the patriarchy prefers to situate within the terrain of the natural, to perpetuate the social inferiority of women. Relating these thoughts to the art world, I invite you to answer three questions: If Human Rights are universal, why must women’s rights be subordinated to the particularities of different states or cultures? How do you perceive this situation from your position? What relevance does that position have in your work? Our work is not

partir da ótica da reivindicação dos direitos das mulheres, based on demanding rights for women, in that we consider porque consideramos que a restituição do lugar das mulhe- that the restoration of women to their rightful places in sores nas sociedades, na condição de sujeito, supõe muito mais ciety presupposes much more than the simple conquest of a do que a conquista de alguns direitos. Implica questionar o few rights here and there. It presupposes the questioning of conjunto de valores que hierarquiza as sociedades em todos a set of values according to which societies are placed in a os sentidos — não se pode isolar o “sexo” do conjunto de hierarchy, in all senses of the word. It is not possible to sinelementos que estruturam a hierarquia da ordem patriarcal. gle out “gender” from a whole range of elements formed by Para meu trabalho, essa reflexão é a idéia central, que me dá patriarchal hierarchies. This reflection is crucial in terms of força e que me vincula a outras malucas. Somos todas, por my work in that it inspires me and gives me strength, which assim dizer, “índias”, “putas” e “lésbicas”, tudo isso junto, brings me into contact with others of a similarly eccentric revoltadas e irmanadas. Para nós interessa construir alian- disposition. We are in a sense all “Indians”, “whores”, and ças insólitas entre mulheres, alianças que estão proibidas e “lesbians” mixed up and thrown together. What we need to remexer em todas as regras ao mesmo tempo. A dor do ra- do is to build unusual, prohibited alliances between womcismo é tão grande quanto a dor da misoginia ou da vio- en while turning the whole social order upside down at the lência, porque seria um erro tremendo fazer um corte na same time. Racism irks us as much as misogyny and vioanálise e pensar que há interesses exclusivos das mulheres lence. It would be a tremendous mistake to simplify the que podem ser resolvidos separadamente, sem perturbar o analysis of the problem in such a way as to think that there conjunto de mandatos de opressão. Creio na necessidade de are interests which are exclusive to women, which can be criar espaços de contracultura feminista, e nós estamos tra- resolved separately and without subverting the system of balhando nisso há anos, fazendo-o com muita paixão, muito oppression as a whole. I believe in the need to create pocktrabalho de rua, muito trabalho de recuperação da criativi- ets of feminist counterculture, something we’ve been workdade como instrumento de luta, de recuperação da imagem ing on for years, passionately devoting ourselves to the task, e da palavra como campos vitais para as mulheres e para as which has involved a lot of working in the street, a lot of revoluções que possamos produzir. work aimed at salvaging creativity as a weapon as well as recovering the image and the word as vital fields for women and the revolutions that we may be able to bring about.

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MARÍA TERESA HINCAPIÉ Armenia, Colômbia, 1954; vive em [lives in] Bogotá Una cosa es una cosa [A thing is a thing] 2005 performance em igreja colonial [performance in a colonial church] cortesia [courtesy] Galería Alcuadrado, Bogotá El espacio se mueve despacio [Space moves slowly] 2004–05 performance 24h foto Leon Dario Peláez

[Ana Elena Mallet] O que acha possível realizar como artista que não possa fazer como atriz de teatro? O teatro,

[Ana Elena Mallet] What is it that you think you can achieve as an artist that you can’t achieve as an actress? Theater,

como qualquer outra manifestação artística, leia-se pintura, escultura, música ou dança, tem sido tudo para mim. A única diferença entre as artes plásticas e o teatro é que este ensina como nos colocamos no lugar do outro, e a arte mostra como ser você mesma.

like any other artistic manifestation, whether it be painting, sculpture, music or dance, has meant everything to me. The only difference for me between the visual arts and the theater is that the theater teaches you how to put yourself in another person’s shoes, while the visual arts teach you how to be true to yourself.

É possível dizer que a arte conceitual (a performance) tem uma tradição, uma história na Colômbia? A América La-

Regarding conceptual art (performance) in Colombia, would you say that it has a tradition, a history? Latin America is

tina é um continente jovem, ou novo, se o consideramos uma ressonância da industrialização, da comercialização e do consumo. Aqui nós estamos apenas sentindo os efeitos do sistema, somos como um cavalo selvagem fadado a ser domesticado. A arte conceitual é jovem, a performance é jovem, mas não porque seja moda, mas porque é uma conseqüência da sociedade de consumo.

a young or new continent in the light of industrialization, commercialization and consumption. Here we are merely experiencing the effects of a system; we are like a wild horse which is destined to be tamed. Conceptual art is in its infancy, as is performance, but not because it appears as fashion but rather as a consequence of consumer society.

Como acha que sua arte será recebida no contexto brasileiro? Antes de sermos artistas, devemos ser excelentes se-

How do you think that your work will be received within the Brazilian context? Before becoming an artist one first

res humanos. Antes de qualquer coisa, sou um ser humano consciente da dor universal. O que acontece aqui está acontecendo no mundo todo. Não sou local, sou universal e nunca fiz nada inspirado em outros artistas. O que me faz atuar é a realidade de minha época, nada mais, não me interessa o que os outros fazem.

has to be a first-rate human being. I am first and foremost a human being aware of universal pain. What happens here is happening all over the world. I’m not local, I am universal and have never done anything which has been inspired by other artists; what motivates me is the time in which I live and nothing more. What others do does not interest me.

Como seu trabalho, gerado de uma maneira individual, afeta o coletivo? Acredito que para criar deve-se partir

How does your work, conceived in an individual way, affect the collective? I think that in order to be creative one

do pessoal em direção ao coletivo. Mas também creio que, na medida em que nos individualizamos, atingimos mais o coletivo e, quando estamos inseridos no coletivo, estamos mais conosco mesmos.

has to start with the personal and move towards the collective, but I also believe that as we become more individualistic we reach the collective, and when we find ourselves in the collective, we are closer to ourselves.

Você acredita que a mulher a que se refere em suas obras é a mulher global ou se limita à mulher latino-americana?

Do you believe the woman you refer to in your work is the global woman, or do you restrict yourself to the LatinAmerican woman? I don’t know, but I was born a woman

Não sei. Mas como nasci mulher, respondo como uma mulher de minha época. Não sou feminista. Acho que o homem de hoje perdeu o seu papel e eu, como mulher, reajo diante da perda do meu homem. E, diante dela, não sei ao certo se sou global ou latino-americana. Sou simplesmente uma mulher.

and I respond as a woman of my own time. I’m not a feminist. I believe that the man of today has lost his role, and as a woman I react to the loss of my man, and as far as this loss is concerned I don’t know whether I am global or LatinAmerican. I’m just a woman.

Podemos afirmar que sua obra apresenta certa resistência (a resistência latino-americana à modernidade) ao passar do tempo? Sim. Minha obra é uma ato de resistência. Mas

Would you say that your work offers a certain resistance (the Latin-American resistance to modernity) to the passing of time? Yes. My work is an act of resistance. But not

não só porque sou latino-americana, mas também porque sou um ser humano que testemunha a destruição de nossa era. O que vemos aqui se repete em qualquer cidade do mundo.

only because I’m Latin-American, but rather because I’m a human being, witnessing the destruction of our age. What’s happening here is happening in all cities of the world.

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MARILÁ DARDOT Belo Horizonte, 1973; vive em [lives in] São Paulo Entre nós [Between us] 2006 instalação [installation] 13 vídeos durações variáveis [duration variable] cortesia [courtesy] Galeria Vermelho, São Paulo

[Cristóvão Coutinho] Marilá Dardot aglutina palavras, o jogo, compromete-se com o fazer educar e o espectador estimulado a agir e a compreender que o sistema de produção artística é parte de uma multidisciplinaridade. De-

[Cristóvão Coutinho] Your work agglutinates words into a game, you are committed to promoting education. And the spectator is led to act and understand that the art production system belongs to a multidisciplinary context. I

sejo estabelecer com o outro uma relação de cumplicidade. Meu trabalho é influenciado pela literatura. Tenho vontade de compartilhar leituras, de provocar um interesse pelo hábito de ler. O jogo me interessa por ser relacional e lúdico. “Educar” não é pretensão minha, prefiro “provocar”.

wish to establish a complicity with the other. My work is influenced by literature. I feel like sharing readings as a way to stimulate a taste for the reading habit. I have an interest in the game because it promotes exchange and is fun. I do not purport to “educate”, I’d rather “provoke”.

Como artista participante deste “momento contemporâneo”, sua presença ativa neste jogo de palavras, que é seu principal interesse de trabalho, possibilita respostas públicas a uma melhor qualidade de vida? Aqui você usa um

As an artist who is taking part in this “contemporary moment”, would you say that your active involvement in word games — which is also the main focus of your work — provokes public answers that yield a better quality of life?

termo — qualidade — de definição complexa. Se entender- Here you are using a word — quality — that is hard to define. If we view “quality” as a power to produce sensations mos “qualidade” como potência de produzir sensações ou efeitos sobre o homem, é o que almejo com meu trabalho, or effects on the human being, then here is the objective of my work and my view of what art stands for: a capacity to e logo minha convicção do que é arte: capacidade de afetar impress the other, to stir sensibilities, to provoke changes o outro, tornar sensível, provocar mudanças — mesmo que no matter how very small, restricted, or simple. But the extalvez ínfimas, talvez restritas, talvez singelas. Mas o termo “qualidade de vida” pode ser entendido como slogan capita- pression “quality of life” may be viewed as a capitalist slogan: the greater the production, the greater the individual’s lista: com uma maior produção o indivíduo atingiria uma “melhor qualidade de vida” — um maior poder de compra, “quality of life” — the greater the purchasing power, which is a eulogy to consumerism. Ultimately, people work harder elogio ao consumismo. Trabalha-se mais para se comprar mais. O que me interessa é justamente ir contra esse modelo, so they can consume more. My interest is precisely in challenging this model by attempting to provoke a slower-movao tentar provocar um tempo mais lento, uma atitude mais contemplativa e até ociosa, um olhar atento para aconteci- ing time, a more contemplative and idler attitude, and an attentive gaze on commonplace events. mentos cotidianos. Seu trabalho na 27a. Bienal mostra um processo contínuoconstrutivo, os dados de letras e suas circunvizinhanças sugerem e verbalizam pensamentos complexos e íntimos.

Your work at the 27th Bienal reveals an ongoing constructive process. The letter dice and their surroundings are suggestive and verbalize intimate and intricate insights.

O trabalho foi criado para esta Bienal e reflete sobre o tema “Como viver junto”. Investiga o processo de construção de um diálogo, de uma convivência entre duas pessoas a partir do que lhes é dado pelo acaso e pelas circunstâncias — metáfora de um relacionamento em contínua construção. Utopicamente, esse jogo de dados não propõe competição entre os jogadores: a interação entre eles é de ajuda mútua para construir a melhor composição possível. A violação da intimidade dessa relação se dá quando o espectador do trabalho tem a sensação de “ver” o pensamento do outro na construção de cada palavra. Mas esse não atua como voyeur, pois se torna um terceiro jogador: tenta também compor palavras, enxerga aquelas possíveis, mas não compostas no timing do jogo — ou na cegueira própria àqueles que estão imersos no relacionamento.

This piece created especially for the Bienal is meant as a reflection on the theme “How to live together”. It looks into a dialogue construction process, the shared experiences of two people beginning from elements given to them by chance and by circumstances — a metaphor of a relationship undergoing permanent construction. From a utopian viewpoint, this game of dice does not incite a competition between players. Rather, the player interaction is one of mutual assistance with a view to achieving the best possible composition. The intimacy of this relationship is threatened the moment the spectator experiences the sensation of actually “seeing” the other’s thought as he/she constructs each word. Yet this viewer does not become a voyeur, he becomes a third player who seeks to build words and sees word possibilities that do not materialize during the game because of timing — or because of the lack of vision that affects players involved in the relationship.

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MARIO NAVARRO Santiago do Chile, 1970; vive em [lives in] Santiago do Chile The new ideal line (Opala) [A nova linha ideal (Opala)] 2002 desenhos de parede, madeira, lã, plástico e fotografias [wall drawings, wood, wool, plastic and photographs] dimensões variáveis [dimensions variable] cortesia [courtesy] Galería Gabriela Mistral, Santiago foto Francisca García

[Ana Paula Cohen] Fale-me sobre Opala. Opala foi um projeto de desenhos murais e objetos apresentado em uma galeria de Santiago em 2002. Para a sociedade chilena, o carro Opala representa o estereótipo do terror da ditadura e remete, sobretudo, à relação com a polícia. É uma imagem que sobreviveu ao passar dos anos e sofreu alterações principalmente na aparência, seja nos carros potentes e destinados à polícia, seja nos carros em desuso ou simplesmente lixo industrial. Eu me interesso pela relação com o que há de frágil na memória, porque continua sendo um carro que pode ser visto circulando nas ruas de Santiago. É o que eu chamaria de um objeto “transicional”, porque está simultaneamente em vários terrenos. Os desenhos na parede trazem a conotação política da pintura mural ligada às vanguardas históricas latino-americanas? Sim, sobretudo em relação ao que a esquerda fez no

Chile desde os anos 1970: trabalhos de propaganda escrita, grafites ou imagens muito efêmeras e muito incertas. Porque você usa uma técnica de escala urbana dentro do espaço da galeria? Porque os desenhos em murais me per-

mitiram abordar a enorme carga da memória com desenhos muito frágeis em sua materialidade. Eram feitos em carvão sem fixação, de forma que a obra podia borrar no decorrer da mostra. Você já sabe o que pretende fazer para a 27a. Bienal? Imagino concluir um projeto que estou desenvolvendo para a Bienal de Liverpool, relacionado com definições pessoais de transmissão e controle da informação. Estou trabalhando com investigações feitas no Chile nos anos 1970, sobre cibernética, nas quais se desenvolveu uma espécie de proto-internet, destinada ao controle da informação nas indústrias estatais. Tudo se materializou na construção de um protótipo de sala de operações, onde havia uma poltrona de controle. Fui a Liverpool pesquisar uma coleção de papéis, planos e cartas do presidente Allende e de engenheiros e técnicos ingleses que construíram a sala no Chile. A princípio qual a relação desse projeto com o Brasil? Basicamente é a percepção sobre a modernidade latino-americana. Quero ver de que maneira isso se manifestou no Brasil. Ou seja, a aspiração de uma sociedade futurista e da intercomunicação. Minha percepção é de que a noção de modernidade está quase exclusivamente na arquitetura de aparência que cobre as demais estruturas. No Chile, a criação da infraestrutura pública durante a ditadura abafou as informações sobre as atrocidades cometidas pela polícia.

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[Ana Paula Cohen] Tell me about Opala. Opala was exhibited at a gallery in Santiago in 2002 with wall drawings and objects. For Chilean society the Opala automobile represents the symbol of terror and dictatorship and is, above all, associated with the police. It is an image that has survived the passage of time, transforming its appearance as an efficient police vehicle into obsolete industrial scrap. What interests me is the connection with the fragility of memory, because it is a car that can still be seen being driven through the streets of Santiago. It’s what I would call a “transitional” object, as it exists simultaneously in different types of terrain. In this exhibition, wall drawings carry the political connotation of a mural painting linked historically with the Latin American avant-garde. Yes, above all in relation to what

the Left has done since the 1970s in Chile: works of written propaganda, graffiti or ephemeral and extremely contingent images. Why do you use the technique of urban scale in the space of a gallery? Because murals have allowed me to take on

the burden of memory with drawings which are extremely fragile in terms of material content. They were drawn using charcoal without a fixing agent, leaving the work subject to the possibility of being erased during the course of the exhibition. Have you decided what you intend to do for the 27th Bienal? I’m considering finishing a project which I’m work-

ing on for the Liverpool Biennial, related to personal definitions of the transmission of information and control. I’m working with investigations into cybernetics carried out in Chile in the 1970s, in which a sort of proto-Internet was developed, the purpose of which was to control information relating to state industries. Everything materialized in the construction of a prototype of an operations room with a control console. I went to Liverpool to investigate a collection of papers, plans and letters belonging to President Allende in conjunction with British engineers and technicians who built the control room in Chile. Initially, what is the connection between this project and Brazil? Basically it is a perspective on modernity in Latin

America. I want to see in what way it has manifested itself in Brazil, that is to say, as the yearning of a futurist society and intercommunication. My perception is that the notion of modernity is to be found almost exclusively in the architecture of appearance which covers everything else. In Chile the creation of a public infrastructure during the dictatorship was used informatively as a diversion from the atrocities committed by the police.

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MARJETICA POTRC Ljubljana, 1953; vive em [lives in] Ljubljana Versões de [versions of] Caracas: Dry toilet [Caracas: Banheiro seco] 2003 – 04 materiais de construção e infra-estrutura sanitária [building materials and sanitation infrastructure] no alto à esquerda [top left] foto fonte [source photo] André Cypriano, no alto à direita e embaixo à esquerda [top right and bottom left] foto Marjetica Potrˇc, em baixo à direita [bottom right] foto Timothy Barkley

Todo mundo se referia ao Acre como um lugar distante, um território desconhecido. Na verdade, São Paulo é que parecia, sim, distante, mas não necessariamente mais adiantado. Ao evitar os produtos da modernidade, tais como as auto-estradas e ferrovias, vastas regiões do Acre tiraram o melhor partido possível de seu relativo isolamento e nelas as pessoas são mais livres para pensar de maneira mais progressista, quando se compara o modo como as pessoas pensam em São Paulo. Abordei duas questões, a educação e o desenvolvimento de novos territórios. Nos últimos quinze anos grandes extensões de terra no Acre, incluindo territórios urbanos, foram concedidas a comunidades, tendo em vista a gestão sustentável. Aqueles que trabalham nesses territórios vêem na economia em pequena escala um instrumento para sua sobrevivência, bem como um novo modelo econômico, fundamental para a sobrevivência do planeta e da sociedade como um todo. O futuro do mundo dependerá do equilíbrio que os territórios localmente controlados e as economias em pequena escala podem proporcionar às forças globalizantes das companhias e organizações multinacionais? As pessoas com quem dialoguei pensam definitivamente que sim. A educação é outra grande questão. Acontecem, no momento, duas ações muito inspiradoras. Uma delas diz respeito à criação de escolas primárias em áreas remotas. É uma colaboração entre as comunidades locais e o governo. Uma escola típica é equipada com painéis de aquecimento solar e com uma antena parabólica, em outras palavras, os meios necessários para a energia e a comunicação. A outra iniciativa é a Universidade da Floresta, cujo objetivo é reunir o conhecimento dos seringueiros, índios, acadêmicos e cientistas, de modo a juntar o conhecimento local com a ciência ocidental. Isso faz sentido, já que o Brasil é um país com alta tecnologia, onde o conhecimento daqueles que vivem na floresta não é ensinado nas salas de aula, mas vivenciado diretamente. Os índios e os seringueiros, guardiões da floresta, não querem ser objeto de pesquisa. Desejam contribuir para o conhecimento comum numa base igualitária. [Luisa Duarte] Como foi sua experiência no Acre?

Qual o papel que a arte pode desempenhar nesse contexto? Bem, isso não depende unicamente de mim, mas tam-

bém de outros colaboradores ou parceiros, como quiser. A Bienal de São Paulo é, com toda a certeza, minha parceira, mas ela também não poderia se tornar parceira, por exemplo, da comunidade de Croa, que aspira à gestão de seu próprio território, no Acre, recorrendo a métodos sustentáveis? Poderão ser formadas novas parcerias? Espero que sim, com toda a certeza.

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[Luisa Duarte] How was your experience in Acre? Everyone was talking about Acre as a faraway place, an unknown territory. And indeed, São Paulo did seem far away, but not necessarily more advanced. By avoiding the products of modernity, such as highways and railways, large parts of Acre have made the best of their relative isolation and are free to think in more progressive ways as compared to how people think in São Paulo. I focused on two issues, education and the development of new territories. In the last fifteen years, large chunks of land in Acre, including urban territories, have been given to communities for sustainable management. Those who manage these territories see the small-scale economy both as a tool for their own survival as well as a new economic model that is crucial for the survival of the planet and of society at large. Does the future of the world depend on the balance that locally controlled territories and small-scale economies provide to the globalizing forces of multinational companies and organizations? The people I spoke with definitely think so. Education is another big issue. There are two inspiring collaborations taking place. One involves the creation of primary schools in remote areas; this is a collaboration between local communities and the government. A typical school is equipped with extensive solar paneling and a satellite dish, in other words, the means for energy and communication, respectively. The other initiative is the University of the Forest, the goal of which is to bring together the knowledge of rubber-tappers, Indians, academics and scientists, so as to yoke local knowledge with Western science. This makes sense, as Brazil is a hi-tech country where the knowledge of those who live in the forest is not taught in the classroom but experienced directly. Indians and rubber-tappers, the caretakers of the forest don’t want to be objects of research. They want to contribute to the common knowledge on an equal basis. Which role can art play in these processes? Well, this depends not only on me, but also on other collaborators, or partners, if you wish. The Bienal de São Paulo is certainly my partner, but can they also become partners of, for example, the Croa community, who aspire to manage their own territory in Acre using sustainable methods? Can new partnerships be formed? I certainly hope so.

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MARK BRADFORD Los Angeles, 1961; vive em [lives in] Los Angeles Ridin’ dirty 2006 detalhe [detail] colagem de técnica mista sobre papel [mixed media collage on paper] 276,9 x 853,4 cm cortesia [courtesy] Sikkema Jenkins & Co., Nova York

[Betti-Sue Hertz] Nos anos de 1950 e 1960 os artistas affichistes de Paris criaram colagens de grande escala, a partir de anúncios de rua. Como você situa seu trabalho, ao recorrer a sistemas espaciais pós-modernos, em vez de modernos? Eu queria trabalhar com a pesada bagagem da

abstração, que faz parte da história da arte, ao mesmo tempo que justapunha um engajamento complexo com a subjetividade urbana contemporânea. Comecei a incorporar redes e mapas a meu trabalho, o que permitiu um ponto de partida para minhas abstrações. Espero que este procedimento se preste a diálogos que dizem respeito à produção do espaço, como resultado e território de acumulação de minha subjetividade. Embora eu esteja falando muito sobre Los Angeles, acredito que a condição da vida urbana é global, embora a fisicalidade do processo urbano mude de um local para outro. Para mim, a abstração tornou-se mais do que uma escolha formal ou uma citação histórica, é um modo de refletir sobre a experiência psicogeográfica. Como sua apropriação de localidades urbanas marginalizadas se relaciona com o estilo norte-americano de graffiti, como forma de resistência ao controle autoritário da visualidade da rua? Estou falando sobre a participação eco-

nômica e o modo como os setores formais controlam com freqüência os perímetros do comércio local. Todos os cartazes utilizados em Ridin’ dirty, a nova obra para São Paulo, provêm de um comércio local, que existe nas áreas cinzentas da informalidade, no que diz respeito a licenças e imigração. Certos setores de Los Angeles estão suficientemente distantes do braço da lei para permitir que seus moradores pratiquem um comércio que escapa ao centro de vigilância e controle da polícia. Boa parte daquilo que estamos vivenciando politicamente com a questão da imigração é um encontro do setor informal com o setor formal. Sim, acredito que esse palimpsesto de informações possa ser lido em boa parte como o graffiti, que lida com segredos. Andreas Huyssen escreve sobre os “espaços urbanos como espaços vividos que conformam os imaginários coletivos”. Ao usar cartazes informais como matéria bruta, você considera que está comunicando as aspirações de sua comunidade ou está construindo uma alternativa ao imaginário coletivo? Diria que estou usando os cartazes e os textos que

encontrei como ponto de partida para minha imaginação. Uso processos muito intricados de delinear e mapear, os quais propõem que nada existe lá, que não existe um tema autêntico para se delinear, apenas meus desejos por esse tema e os signos que poderiam provar sua existência.

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[Betti-Sue Hertz] In the 1950s and 1960s the affichiste artists in Paris created large-scale painterly décollages from torn street advertisements. How does your work compare using postmodern rather than modernist spatial systems?

I wanted to grapple with the heavy art-historical baggage of abstraction while juxtaposing a complex engagement with contemporary urban subjectivity. I began to incorporate grids and maps into my work, which gave me a departure point for my abstractions, and hopefully lends itself to conversations concerning the production of space as the result and terrain of the accumulation of my subjectivity. Although I am speaking a lot about Los Angeles, I believe that the condition of urban life is global, even though the physicality of the process of urbanity changes from location to location. For me, abstraction has become more than a formal choice or a historical citation but a way of thinking about psycho-geographical experience. How does your appropriation of marginalized urban localities relate to North-American-style graffiti as a form of resistance to authoritative control of the visuality of the street? I am speaking about economic participation and

the way in which the formal sectors oftentimes control the perimeters of local trade. All the signage from Ridin’ dirty, the new piece for São Paulo, comes from local businesses, which exist within the gray area of informality, in regards to licensing and immigration. Certain parts of Los Angeles are far enough from the arm of law to allow its inhabitants space to carve out trades, which are not in the center of surveillance and control of the police. Much of what we are experiencing politically with the immigration issue is a meeting of the informal sector and the formal sector. Yes, I think that this palimpsest of information can be read much like graffiti, which is about secrets. Andreas Huyssen writes about “urban spaces as lived spaces that shape collective imaginaries”. When using informal signage as raw material do you consider yourself communicating the aspirations of your community or are you constructing an(other) alternative collective imaginary? I would say that I am using signage and found text

as a point of departure for my imagination. I use very intricate processes of tracing and mapping which propose that there is no there there, that there is not an authentic subject to trace; only my desires for that subject and the signs that might prove its existence.

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MARTINHO PATRÍCIO João Pessoa, 1964; vive em [lives in] João Pessoa Brincar com Lygia [Playing with Lygia] 2005 madeira, papel laminado, linho e renda bico de cambraia [wood, coated paper, linen and bico de cambraia lace] dimensões variadas [dimensions variable] foto Flávio Lamenha

[Cristóvão Coutinho] Como você manipula princípios de religiosidade, de cultura popular e coisas concretas em seu trabalho? Tenho uma preocupação que não se cen-

[Cristóvão Coutinho] How do you manipulate principles of religiousness, of popular culture, and concrete things in your work? I am concerned not only with the develop-

tra somente no desenvolvimento da forma, mas na construção de significados. Isso existe desde que iniciei minha relação com a arte. Costumo dizer que os trabalhos que realizo guardam ligações entre si, formam um conjunto que, espero, não se cristalize em um conceito fechado. Portanto, são minhas necessidades interiores com relação à integridade da obra e seu deslocamento no tempo e no espaço que permitem pensar o emprego de conteúdos ativos em minha própria realidade, mas que, ao mesmo tempo, se mostram distantes e próprios do Outro.

ment of form, but also with the construction of meanings. This concern dates from my early relationship with art. I like to say that my works are interrelated; they form a set that — I hope — will not crystallize into a closed concept. Therefore, my inner needs in regard to the work’s integrity and its shifting in time and space are what lead me to use active contents from my own reality that, at the same time, appear as detached and belonging to the Other.

Os empréstimos, as cópias e a perda de originalidade compõem as aproximações entre o artista e o público. Conseqüentemente, as obras de arte são representação e realidade nos seus diferentes resíduos. Meu trabalho fun-

da-se na experiência cotidiana, na relação comum entre indivíduos, objetos, valores, rituais, costumes; os códigos sociais e culturais ativos. Então, me interesso pela junção e articulação de elementos do ambiente que vivencio em um modelo estrutural a ser construído; o que, na prática, quero dizer: possibilidades de alargamento dos significados desses elementos em uma forma nova, em um dado novo. Os desdobramentos do seu trabalho para a 27a. Bienal acompanha-se de exercícios neoconcretistas? O modo e a ação são particularidades de uma proposta construtiva?

Há um sentido de construtividade que opera a dimensão participativa do sujeito no espaço da obra; ou seja, como em um jogo, livre. O mais importante não é tanto a materialidade da obra e sim os sentidos emprestados a ela: o que vai de mim e o que vai do outro para o interior dela. Então, há uma correspondência direta com o público que permite que se atribua mais sentidos que não somente os meus previstos, potencializando a obra. Trata-se de uma proposta de construção coletiva do trabalho. Tenho em mente que nada pode ser estruturado nem apreendido sem que alguém esteja presente, por isso procuro dinamizar essa relação.

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Loans, copies and the loss of originality are what approximate artist and audience. As a consequence, works of art are both representation and reality in their different residuals. My work takes root in everyday lived experience:

ordinary relationships involving individuals, objects, values, rituals, and customs, along with effective social and cultural codes. I have an interest in joining and articulating elements taken from my everyday environment into a structural model yet to be built. In practice, this means looking into the possibilities of expanding the meanings of these elements into a new form, a new element. Are the developments of your work shown at the 27th Bienal related to neo-concrete practice? Are your means and form of action particularities of a constructive proposal? There is a constructive notion that informs the subject’s

participation in the work space; a free participation, as in a game. The materiality of the work is not as important as the meanings lent to each work through my contribution and the Other’s contribution to the work itself. Therefore, we have a direct interaction with the audience that adds more meanings to my works, giving them new power. What I propose is a collaborative construction. I believe that nothing can be set up or apprehended without the human presence; for this reason I seek to stimulate this relationship.

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MARWAN RECHMAOUI foto Marwan Rechmaoui

Beirute, 1964; vive em [lives in] Beirute

Scenes from Spectre [Cenas de Espectro] 2006

[Adriano Pedrosa] Fale-me do projeto do edifício Yackobian que você está preparando para a 27a. Bienal. Morei

[Adriano Pedrosa] Tell me about the Yackobian building project, which you are preparing for the 27th Bienal.

cinco anos no edifício Yackobian e me confrontava constantemente com o comportamento diferente dos moradores dessa estrutura massiva. Faz anos que saí daquele prédio, mas de algum modo não saía da minha cabeça a idéia de reproduzir um modelo dele em miniatura. Sempre me interessou essa liberdade chata que os moradores praticam um à custa do outro. E, já que sou notívago, eu costumava olhar esse animal adormecido à noite e imaginar como seria se todos partissem.

I lived for five years in the Yackobian building, and I was constantly confronted by the different behavior of the residents in this massive structure. I left that building years ago but somehow the idea of replicating a miniature model of it kept coming back to me. I had always been interested in that annoying freedom that the residents practice at each other’s account. And since I am a late-nighter I used to look at this sleeping beast at night and wonder what it would look like if everybody left.

Fale-me um pouco da história do prédio, como seu status transformou-se ao longo dos anos e o papel da guerra nisso. O prédio foi construído no início dos anos 1960, graças

Tell me a bit about the history of the building, how its status was transformed over the years and how the war played its role there. The building was erected in the ear-

a uma legislação votada na época no Líbano, que permitia vender separadamente as unidades de um dado edifício. Um grupo de cinco arquitetos fez pressão por essa legislação, por causa das grandes quantias transferidas para bancos libaneses que precisavam ser investidas, pelo medo de uma nacionalização do setor privado resultante da unificação da Síria com o Egito da era Nasser. O edifício Yackobian foi feito como um prédio modernista, luxuoso, o que de fato foi por um tempo, mas com a guerra civil do Líbano, deflagrada em 1975, suas condições começaram a se deteriorar. Com as mudanças na economia e na sociedade do Líbano, novos tipos de moradores vieram para o prédio, com uma atitude e prioridades diferentes em relação a suas condições de vida, e modificaram sua aparência física. Diferentes nacionalidades, árabes ou não, moraram no prédio durante sua história, assim como a grande migração rural para a cidade exibiu suas marcas na fachada e em seu interior. E em que vai consistir seu trabalho? O título de meu trabalho é Spectre [Espectro], e é uma recriação do prédio em miniatura, separando cada unidade para dar ênfase, algo como uma explosão mais gentil que violenta. A retirada de cada unidade chama atenção às linhas demarcatórias entre elas e ressalta seu funcionamento, como permitem a um grupo heterogêneo viver junto. Spectre recria cada detalhe ao longo dessas linhas fronteiriças. Examina os vestígios deixados pelas pessoas e explora como a vida urbana se imprime sobre a superfície da cidade. Ao mesmo tempo, ela se recusa a divulgar o que acontece com a vida das pessoas em seu interior.

ly 1960s due to a legislation that was passed back then in Lebanon, allowing the units of a particular building to be separated and sold. A group of five architects pushed for that legislation because of the large amounts of money that were transferred to Lebanese banks and needed to be invested as a result of unification between Syria and Egypt in Nasser’s era and the fear of nationalization of the private sector. The Yackobian building was made to be a deluxe, modernist building, which it was for a while, but with the outbreak of the civil war in Lebanon in 1975, the conditions of the building started to deteriorate. With the changes in Lebanese economy and society, new kinds of residents who had a different attitude and different priorities towards their dwelling conditions came to inhabit the building, and changed its physical appearance. Different Arab and nonArab nationalities resided in this building through its history, also the big rural migration to the city showed its marks on the façade and interior. And what will your work consist of? The title of my work is Spectre, and it is a recreation of this building in miniature, with each unit done separately for emphasis, something like a gentle rather than violent explosion. Pulling out each unit calls attention to the demarcation lines between them and highlights how they function; how they allow a heterogeneous group of people to live together. Spectre recreates every detail along these borderlines. It examines the traces people leave behind and explores how urban life is imprinted upon a city’s surface. At the same time, it refuses to divulge what goes on in those people’s lives inside.

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MAURO RESTIFFE São José do Rio Pardo, Brasil, 1970; vive em [lives in] São Paulo Empossamento # 4 [Inauguration # 4] 2003 fotografia [photograph] 70 x 100 cm cortesia [courtesy] Galeria Casa Triângulo, São Paulo Carpet 2004 fotografia [photograph] 125 x 200 cm cortesia [courtesy] Galeria Casa Triângulo, São Paulo

[Rosa Martínez] Suas fotografias de cidades, arquiteturas e pessoas vão além do fotodocumentário — são criações quase metafísicas. A granulação das ampliações, o uso particular de molduras e a variação de formatos numa mesma série diluem os limites entre pintura, fotografia, escultura e instalação. Você se considera um artista multidisciplinar?

A fotografia em preto-e-branco foi muito discriminada nas artes plásticas por sua natureza essencialmente fotográfica. Tento mostrar o contrário, enfatizando o “aspecto fotográfico” das imagens, mas insiro-as no contexto das artes visuais. Tento evitar vícios e tendências do meio fotográfico e opto por atender às exigências que cada projeto demanda em termos de soluções estéticas. Daí a granulação, a variação de tamanhos e molduras, que de certa forma desafia os princípios da fotografia. Sou um fotógrafo apaixonado pelas artes plásticas e um pouco frustrado com a fotografia. As séries sobre Brasília e Istambul questionam os estereótipos dessas cidades. Brasília é um conjunto racionalista, um paradigma da arquitetura moderna; é comum imaginá-la vazia. Istambul, com seu crescimento descontrolado, é uma metrópole que transborda. Parte de sua fascinação está justamente nessa densidade. Você fotografou Brasília tomada pelas multidões em 1º de janeiro de 2003, na posse de Lula. As imagens de Istambul foram feitas “em um dia normal” e revelam aspectos surpreendentemente modernos. Como se associam as duas séries? Minha maneira de trabalhar é

similar ao processo de edição cinematográfica. Quando fotografei a posse de Lula, minha intenção era criar um arquivo fotográfico que pudéssemos apreciar de novo em trinta anos, da mesma maneira com que hoje olhamos as fotografias de Thomaz Farkas sobre a construção de Brasília. Porém as imagens da série Empossamento (2003) já carregam um tom muito nostálgico e remetem a um tempo passado. Istambul é uma cidade impregnada de história, e o passado se mescla com o presente explicitamente. Achei interessante esse contraste. Comecei a ampliar paralelamente as duas séries e a enxergá-las como um corpo único que se complementava pelos opostos e pela negação da maneira preconcebida com que percebíamos essas cidades. Na junção dessas séries acontece uma dupla quebra de estereótipos. Permanece também uma tensão latente, como em Carpet (2004), que mostra o piso de uma mesquita totalmente vazio num momento, e, logo em seguida, repleto de fiéis. Ou como na seqüência da invasão da Esplanada dos Ministérios em Brasília, onde a ação de helicópteros e policiais remete às manifestações populares ocorridas nos anos 1960. Tais imagens parecem sempre retratar aquilo que não são ou aquilo que são mas que não pretendiam ser. Daí o aspecto metafísico de muitas delas. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

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[Rosa Martínez] Your photos of cities, architectures or groups of people, go beyond photodocumentary. They are almost metaphysical creations. The granulation of the enlargements, the special use of frames and the variation of format in one same series blur the limits between painting, photography, sculpture and installation. Do you consider yourself a multidisciplinary artist? Black-and-white

photography has been greatly discriminated in visual arts for its essentially photographic nature. I try to show the opposite, by emphasizing the “photographic aspect” of the images, but I insert them into the visual arts context. I try to avoid vices and trends of the photographic medium and I choose to meet the demands required by each project in terms of aesthetic solutions. Hence granulation, the variations in sizes and frame, which somehow goes against photography’s basic principles. I am a photographer in love with visual arts and a little frustrated with photography. The series on Brasília and Istanbul question the stereotypes of those cities. Brasília is a rationalist ensemble, a paradigm of modern architecture. One usually imagines it empty. Istanbul is an overflowing city, with an uncontrolled growth. Part of its fascination lies exactly in that density. You took pictures of Brasília when it was taken by the crowd on January 1, 2003, at President Lula’s inauguration. The pictures of Istanbul were taken on an “ordinary day” and reveal surprisingly modern aspects. How do these two series relate? My way of working is very simi-

lar to the cinema editing process. When I took pictures of Lula’s inauguration, I meant to create a photographic archive we could appreciate again in thirty years, in the same way we now look at Thomaz Farkas’s pictures on the construction of Brasília. Yet, the pictures of the Empossamento [Inauguration] (2003) series already bear a nostalgic tone and refer to a time that passed. Istanbul is a history-impregnated city and its past explicitly mingles with its present. I found that contrast interesting. I began to enlarge both series simultaneously and to see them as a single body complemented by opposites and by denying the preconceived way in which we perceived those cities. A double break of stereotypes occurs at the junction of both series. But there is also an ever-latent tension, like in Carpet (2004), that shows a mosque floor totally empty at first, and immediately afterwards filled with worshipers. Or like the sequence of the invasion of the Esplanade of the Ministries in Brasília, where helicopters and police operations remind us of the popular demonstrations in the 1960s. Such images always seem to portray what they are not, or what they are but did not mean to be. Hence the metaphysical aspect of most of them. 174

6/9/2006 23:24:02



MESCHAC GABA Cotonou, Benim, 1961; vive em [lives in] Amsterdã Sweetness [Doçura] 2006 técnica mista [mixed media] 500 x 900 x 50 cm coleção do artista [artist’s collection] cortesia do artista [courtesy the artist], Lumen Travo Gallery, Amsterdã e [and] Galleria Artra, Milão foto Jonathas de Andrade

[Lisette Lagnado] Qual é a história do Museu de Arte Contemporânea Africana? O projeto iniciou-se em 1997 em

[Lisette Lagnado] What is the history of your Museum of Contemporary African Art? The project began in 1997

Amsterdã, com a Sala Esboço, e terminei-o na Documenta II (2002), com o painel do Museu, Humanist space [Espaço humanista]. Eram bicicletas para aluguel, e o dinheiro obtido foi remetido a ongs do Benin. O Museu abrange outros setores, como a Biblioteca e a Loja.

when I showed the Draft room, in Amsterdam, and ended with the Humanist space, in Documenta II (2002). The latter involved renting bicycles, and the accrued rental money was sent to ngos in Benin. The museum comprises other parts such as the Library and the Museum shop.

Seu trabalho, concebido durante sua residência no Recife (Pernambuco), será feita de açúcar, e o açúcar representa para você uma metáfora do afeto. Onde está a crítica neste trabalho? O tema “Como viver junto” coloca muitas

The work to be shown in São Paulo, which you conceived during your artistic residence in Recife, will be executed in sugar, a substance that you view as a metaphor for affection. Where does criticism appear in this work? The

interrogações. Para que as pessoas possam viver juntas, é preciso harmonia, doçura e amor. Seria necessário a anistia, e a anistia é o perdão. Ao se alcançar a anistia, a paz poderia trazer a fraternidade, palavra temível, tabu. É melhor falar de tolerância, pois essa fraternidade é difícil. É necessário, porém, que ela seja cultivada para que os homens possam curar suas dores neste mundo de tolerância ilusionista. Não se poderia consumir o açúcar, nem diamante, quando estes são vistos na perspectiva da história de sua extração.

theme “How to live together” yields many interrogations. For people to live together there must be harmony, love, and tenderness. Living together calls for amnesty, and amnesty is forgiveness. Once amnesty is granted, peace could usher in fraternity, a dreadful word, a taboo. It’s better that we talk about tolerance, because such fraternity doesn’t come easy. However, it should be nurtured so as to allow the healing of man’s pains in this world of illusionistic tolerance. Neither sugar nor diamonds could be consumed if they were to be viewed from the perspective of the history of their extraction.

Comente esta frase: “É preciso aceitar o outro mesmo que ele venha em nossa casa para fazer a revolução.” Eu, ho-

nestamente, não conheço um imigrante que possa declarar a revolução numa terra estrangeira, para onde foi procurar asilo, devido a razões econômicas, políticas ou sociais. Tomo a França como exemplo. Os negros das periferias saíram nas ruas para defender sua casa. Ora, no momento, são os jovens franceses que estão nas ruas. Não se trata de uma revolução, mas de reivindicações sociais. Sou originário do Benin, que conheceu a revolução. Ela começa por nacionalizar tudo. A revolução é impossível a partir de um imigrante. É preciso mudar o mundo com doçura. E o que acha de uma Bienal sem representações nacionais?

No Benin, no que se refere ao nacionalismo, compreendeu-se que a revolução foi um fracasso. Hoje o Benin goza de uma democracia da qual me orgulho. O fim das representações nacionais, para São Paulo — trata-se de uma bienal internacional —, reflete a imagem do Brasil, país multicultural.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Comment on the following sentence: “We must accept the other, even if he comes to our homes to make revolution.”

To be honest, I don’t know of an immigrant that could declare a revolution in a foreign country where he has sought asylum for economic, political or social reasons. Let us take France as an example. The Blacks from the city environs have gone onto the streets to defend their homes. At this moment, however, it is the French young men and women who are on the streets. What we see is not a revolution, but social claims. I come from Benin, a country that has known revolution. It begins with widespread nationalization. Immigrants cannot start a revolution. World changes must be handled tenderly. What is your view on a biennial that has no national representations? As regards nationalism, in Benin the revolution

was perceived as a failure. Today Benin enjoys a democracy of which I’m proud. The end of national delegations in São Paulo — at an international art biennial — reflects the image of Brazil as a multicultural country.

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MICHAEL SNOW E [AND] CARL BROWN Toronto, 1928 e [and] Toronto, 1959; vive em [lives in] Toronto e [and] [lives in] Gores Landing, Canadá Triage [Triagem] 2004 filme 16mm projeção dupla com som [double projection with sound] 30 min música John Kamevaar

[Cristina Freire] De que trata seu filme Triage [Triagem] (2004)? Triage foi concebido como uma espécie de cadá-

ver esquisito. Carl Brown e eu combinamos fazer um filme para duas telas, em que cada um faria um filme de 30 minutos sem saber o que o outro estava fazendo. Pedimos, também, ao músico/compositor John Kamevaar para fazer duas trilhas ópticas para os dois filmes — a que ele jamais assistiu — e a que nunca assistimos juntos até a primeira exibição de Triage. Ficamos impressionados. Meu filme se baseia, essencialmente, em se ter uma imagem diferente para cada quadro. Muitas partes do filme são exclusivamente de “um quadro”, mas em cada parte há um “arranjo” que exige padrões específicos. Por exemplo, alternar dois quadros com certo tipo de imagem e um quadro de outro tipo, ou seja, 1, 2, 3, 2, 1, 2, 3, 2, 1 etc., ou então um quadro único para 12 quadros, e depois dois quadros de outra imagem etc. Meu filme tem um subtítulo: King Philip came over from Germany singing [Rei Felipe veio da Alemanha cantando], que é uma forma mnemônica para as categorias no sistema de classificação taxonômica: reino, filo, classe, ordem, família, tribo e espécie. Qual o foco de suas lentes, e qual a relação entre a sua parte do filme e a de Carl Brown? O filme foi feito com

fotos isoladas de todos os tipos de rochas e minerais, criaturas marítimas, peixes, insetos e aranhas, cogumelos, flores, anfíbios e répteis etc., assim como tomadas de um quadro apenas de páginas de jornais, listas telefônicas, superfícies coloridas de carros, luzes da cidade à noite, materiais eróticos e cores puras. São 24 quadros por segundo de tudo. Em 2001 terminei o vídeo/filme digital Corpus callosum, mas para Triage decidi que tentaria acrescentar algo a um método puramente cinemático, que não é vídeo, uma foto por quadro. A minha parte da tela é de um “realismo” condensado e de alta velocidade. A parte do Carl Brown, muito embora baseada totalmente em tomadas “realistas” de um bondinho em San Francisco, passou por uma vasta gama de transformações fotoquímicas — todas com alterações “orgânicas” em cada quadro. Há muitas coincidências rítmicas e vibrantes entre as duas telas, fortes oscilações e efeitos ópticos, mas elas continuam sendo simultaneidades paralelas. O lado do Brown é um “expressionismo orgânico” exibido ao lado do meu “realismo” estroboscópico. O som é uma collage eletrônica que de maneira muito peculiar faz um contraponto entre a “abstração” do filme de Brown e o “naturalismo” rápido do meu. Há antífonas que se cruzam de um lado para o outro, e também completas divergências, por vezes resultando em quatro percepções simultâneas.

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[Cristina Freire] What is your film Triage (2004) about?

Triage was made as a kind of exquisite corpse. Carl Brown and I agreed to make a two-screen film wherein each of us would make a 30-minute film without knowing what the other was doing. Similarly, we asked musician/composer John Kamevaar to make two optical tracks for the two films which he never saw — which we never saw together until Triage’s first screening. We were impressed. My film is built fundamentally on having a different image in each frame. Many sections of the film are purely “single frame”, but each section had a “score” that called for specific patterns. For example, alternating two frames of a certain type of imagery with one frame of another kind of imagery, or 1, 2, 3, 2, 1, 2, 3, 2, 1, etc., or a single frame for twelve frames then two frames of another image, etc. I subtitled my film King Philip came over from Germany singing, which is a mnemonic for the categories in the scientific classification system: kingdom, phylum, class, order, family, genus and species. What did you focus your lenses on and what is the relationship between your side of the film and Carl Brown’s?

The film is built on single photos of all the types of rocks and minerals, seashore creatures, fishes, insects and spiders, mushrooms, flowers, amphibians and reptiles, etc., as well as single-frame shooting of newspaper pages, phonebook pages, color surfaces of cars, city lights in the night, erotica and pure colors. It’s 24 frames a second of everything. In 2001, I finished the purely digital video/film Corpus callosum, but for Triage I decided to try to add something to what is a purely cinematic nonvideo method, one photo per frame. My side of the screen is a condensed, high-speed “realism”. Carl Brown’s side, though based entirely on “realistic” shooting of a San Francisco cable car, is subjected to a wide range of photochemical transformations, all of which have “organic” changes per frame. There are many vibratory, rhythmic coincidences between the two screens, powerful flickerings and optical effects, but they remain parallel simultaneities. Brown’s side is an “organic expressionism” running with my strobing “realism”. The sound is an electronic collage which in its own way doubly counterpoints the “abstractedness” of Brown’s film with the swift “naturalism” of mine. There are antiphonal crossovers from side to side and total divergences, sometimes making four simultaneous perceptions.

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MIKI KRATSMAN Buenos Aires, 1959; vive em [lives in] Tel-Aviv From the series Panoramas: Gilo [Da série Panoramas: Gilo] 2000 fotografia [photograph] 90 x 60 cm From the series Portraits: Wall paper Nablus [Da série Retratos: Wall paper Nablus] 2001 fotografia [photograph] 90 x 60 cm coleção do artista [artist’s collection] cortesia [courtesy] Chelouche Gallery, Tel-Aviv

[Christine Mello] O que significa para você o sentimento do território? E como vê sua situação, quando fala sobre a ocupação do território e, ao mesmo tempo, vive em Israel? Considero-me um israelense, mas isso não significa

[Christine Mello] What does the feeling of territory mean to you? And how do you see your situation of speaking about the occupation of territory while at the same time living in Israel? I consider myself an Israeli but that doesn’t

que concordo com o fato de como estamos nos territórios ocupados ou em comunidades miseráveis existentes no país. Meus trabalhos, relativos aos territórios ocupados, focalizam as agruras e os obstáculos da vida cotidiana que os palestinos enfrentam e a constante fricção entre eles e os israelenses, ambos envolvidos numa luta prolongada e sangrenta. As imagens que escolhi de Ofakim concentram-se na vida cotidiana e nas dificuldades com que as pessoas deparam naquela cidadezinha de fim de mundo, localizada no deserto, onde gente que veio da norte da África, da Etiópia e da Rússia tenta encontrar maneiras de coexistir.

mean I agree with how we are in the occupied territories or in godforsaken communities in the country. My works from the occupied territories are focused on the hardships and obstacles of daily life that the ordinary Palestinians face, and the constant friction between them and the Israelis locked together in a long and bloody struggle. The images chosen from Ofakim concentrate on the daily life and difficulties of people in this small godforsaken small town in the desert — where people who came from North Africa and Ethiopia and Russia are trying to find ways to coexist.

O que é o impulso pragmático contido no gesto poético de seu trabalho e qual é seu gesto político? Como a fotografia pode oferecer respostas às interrogações abordadas em seu trabalho? Tento, em meu trabalho, retratar “o ou-

tro”, não somente como crítico, mas também para mostrar seu infortúnio e, talvez, suscitar perguntas, conscientização e compaixão. Nesses últimos 14 anos venho enfatizando a realidade cotidiana da ocupação. Dei-me conta de que a difícil rotina da vida cotidiana, embora menos chocante visualmente, constitui o principal problema. Para mim, retratá-la é menos dramático, porém muito mais importante. Sempre receio não ser capaz de cumprir meu objetivo. Quanto à realidade, não enxergo uma ligação muito forte entre ela e a fotografia. Diante de fotos, todo mundo sempre tem sua própria interpretação, e existem algumas coisas que a imagem não consegue transmitir. Acredito que a fotografia é uma espécie de interpretação e instrumento para a crítica. É como um texto escrito. A câmera assemelha-se muito mais a um processador de texto do que a um gravador. Mais do que reunir imagens, você está escrevendo aquilo que tem a dizer. À luz da reflexão de Walter Benjamin, o que significa para você tornar o trabalho mais “distanciado” e/ou “próximo” em relação ao indivíduo? Em meu trabalho, lido o tempo

What is the pragmatic thrust in your work’s poetic gesture, and in its political gesture? How can photography offer answers to the questions dealt with in your work? In my work

I attempt to portray “the other”. Not only as a critic but also to show their plight and then perhaps raise questions, awareness and compassion. For the past fourteen years I have put emphasis on the everyday reality of the occupation. I realized that the difficult routine of daily life, although less shocking visually, is the main problem. It’s less dramatic but much more important for me to portray. I always fear that I will not be able to achieve my aim. I do not see a very strong link between photography and reality. With photographs, everyone always has their own interpretation, and there are some things that the image cannot transmit. I believe that photography is a kind of interpretation and tool for criticism. It is like a written text; the camera is much more like a word processor than a tape recorder. More than collecting images, you are writing what you have to say. In the light of Walter Benjamin, what does it mean to you to make the work more “distanced” and/or “closer” in regard to the individual? In my work I deal all the time with

the issue of my position according to Benjamin’s question of distance, since showing the “other” in a subject of conflict is to create a kind of self-portrait. It is a case of seeing yourself through the other.

todo com a questão de minha posição, de acordo com a reflexão de Benjamin sobre a distância, dado que mostrar o “outro” como sujeito de um conflito é criar uma espécie de autoretrato. É um exemplo de enxergar você através do outro.

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MINERVA CUEVAS Cidade do México, 1975; vive em [lives in] Cidade do México Palais de Tokyo ação pública e vídeo [public action and video]

Donald McRonald 2003 Paris,

[Fernanda Nogueira] Seu trabalho está baseado em intervenções em espaços públicos abertos. Como é o processo de exibição de uma obra num museu? As intervenções

[Fernanda Nogueira] Your work basically consists of interventions in open public spaces. What is the process of a work shown in a museum space? Interventions in public

em lugares públicos, como os do projeto Mejor Vida Corp. (www.irational.org/mvc), são uma reação ao contexto urbano. Elas acabam por ser ações anônimas em que não se pode prever totalmente quem terá contato com ela, o que é interessante para os próprios projetos. Esses tipos de ação podem provocar uma reação e ter um impacto concreto ou ser completamente nulos, um risco no caso de contextos urbanos grandes como a Cidade do México. A obra instalada num espaço cultural também é uma reação a um contexto (espaço expositivo, cidade, país), mas parte da investigação de alguma particularidade do entorno social, histórico ou econômico. Geralmente tenho que documentar uma particularidade desse contexto e me encontrar com especialistas no tema — essa parte do trabalho é a mais enriquecedora — para depois planejar e produzir a obra. No contexto do museu é necessário considerar que a obra será vista por um público específico, já relacionado ou que procura se relacionar com práticas culturais. Essa é uma situação privilegiada, já que as pessoas chegam dispostas a receber informações estéticas e intelectuais. Ambas são situações que se complementam se avaliamos minha obra em conjunto.

spaces, as for example those in the project Mejor Vida Corp. (www.irational.org/mvc), denote a reaction to the urban context. They end up being anonymous actions. You can not foresee who will come in contact with them, which is interesting. These types of actions may either provoke reactions and make a real social impact, or get nulified, a risk in the case of big urban contexts like Mexico City. The work presented in a cultural space is also a reaction to a context (exhibition venue, city, country), but it is rooted in the investigation of an element of the social, historical or economic environment. Usually, I research a particularity within a given context and then discuss the subject with specialists — I find this to be the most enriching part of the work — before setting out to plan and produce the piece. Within the context of a museum, we must bear in mind that the work will be seen by a specific audience that is either familiar, or seeking to become familiar, with cultural practices, this is a privileged situation, as these people look forward to receiving aesthetic and intellectual information. Both these situations are complementary in my work.

As questões socioeconômicas e a política são o eixo central de seus trabalhos? Não. Na verdade, ainda que fre-

qüentemente apareçam conteúdos de caráter político, meu objetivo é estético. Procuro criar uma interface social entre o espectador e a obra, deixá-lo exposto à informação, provocá-lo e fazer com que ele se pergunte sobre o contexto social que o rodeia. O objetivo é mais suscitar questionamentos que afirmações. Muitas vezes meus projetos acabam sendo experimentos culturais que partem das relações sociais (situações) que só a arte pode criar. Pessoalmente, tenho uma posição política definida e acredito que qualquer trabalho de tipo cultural ou estético o tenha — não é possível ser neutro. Todas as atividades humanas têm repercussões sociais. O eixo do meu trabalho é contribuir para uma mudança social positiva, e seria dessa forma se eu tivesse outra profissão. É por isso que, quando falo da minha prática como artista, prefiro me referir a uma ética.

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Do socioeconomic issues and politics provide the central axis for your works? Not really. In fact, although politically-

oriented content is often presented, the aim of my work is aesthetic. I seek to create a social interface between spectators and work, expose them to information, provoke them and lead them to question themselves about their surrounding social context. The objective is to generate questions rather than assertions. Very often my projects end up being cultural experiments that derive from social relations (or situations) that only art is capable of creating. I have a defined political position and believe that also any sort of cultural or aesthetic work has it — it cannot be neutral — all human activities have social repercussions. The axis of my work is the possibility to contribute to a positive social change and, even if I had a different profession, this orientation would be the same. It is for that reason that when I talk about my practice as an artist I prefer to refer to it as an ethical position.

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MONICA BONVICINI Veneza, 1965; vive em [lives in] Berlim Hammering out (an old argument) [Martelando (um velho argumento)] 1998 DVD 60 min cortesia da artista e [courtesy the artist and] Galleria Emi Fontana, Milão © Monica Bonvicini, VG-Bildkunst

[Rosa Martínez] Seu trabalho lida com o caráter sexuado da arquitetura e o modo como ele impõe uma hierarquia. Com seus vídeos, esculturas e instalações, você intensifica a consciência crítica de como a organização “funcional” dos espaços em que nos movemos determina o comportamento humano e, especialmente, o papel social das mulheres. Você afirmou que sente a premência de desconstruir a aparência da arquitetura modernista, para descobrir o que está por detrás de sua “racionalidade”. Sua posição fica clara pelas colocações irônicas e sarcásticas. A ironia é um instrumento válido para mudar os modelos herdados?

[Rosa Martínez] Your work deals with the sexed character of architecture and the way it imposes hierarchy. Through your videos, sculptures and installations you increase the critical consciousness of how the “functional” organization of the spaces in which we move determines human behavior, and, especially, the social role of women. You said you feel the urgency of deconstructing the appearance of modernist architecture to discover what lies behind its “rationality”. Your position is made clear through ironic and sarcastic statements. Is irony a valid tool to change the inherited models? I always found architecture theory sort of

Sempre considerei a teoria da arquitetura algo engraçado, humorous, probably because of its dryness and seriousness, provavelmente por sua aridez e seriedade. Recordo-me de I still remember an interview with Peter Eisenmann which uma entrevista com Peter Eisenman, que me fez rir. A te- made me laugh. Architectural gender theory in the 1990s oria do gênero na arquitetura, nos anos 1990, estava im- was impregnated with intellectually smart ironic statements pregnada de colocações irônicas e inteligentes (em Beatriz (in Beatriz Colomina, Leslie Kanes Weisman or the former Colomina, Leslie Kanes Weisman ou a ex-“trabalhadora “construction worker” Susan Eisenberg), which I valued da construção”, Susan Eisenberg). Eu os valorizei especial- especially, comparing them with the tradition of feminist mente, comparando-os com a tradição dos escritos femi- writings of the ’70s. My work deals a lot with a reading of nistas dos anos 1970. Meu trabalho lida bastante com uma history, and in order not to become a Unabomber, humor leitura da história, e para não me tornar uma Unabomber, is necessary to any critique. Many works of art I personally é necessário humor para encarar qualquer crítica. Muitas refer to or that have been important to me in different stagobras de arte a que me reporto pessoalmente ou que têm es of my production are packed with humor: a sort — to use sido importantes para mim em diferentes estágios de minha Robert Smithson’s words — of “cosmic sense of humor”. How has your art evolved ideologically and aesthetically produção são impregnadas de humor — usando as palavras from pieces like Hammering out (1998) or Destroy she said de Robert Smithson, de um “sentido cósmico de humor”. Como sua arte evoluiu ideológica e esteticamente desde obras como Hammering out [Martelando] (1998) ou Destroy she said [Destrua disse ela] (1998) até obras mais interativas como Never again [Nunca mais] (2005)? Criei

diferentes obras “interativas”, que encontram e finalizam sua “função” pela participação física dos espectadores. Por exemplo: A violent, tropical, cyclonic piece of art having wind speeds of or in excess of 75 mph [Uma obra de arte violenta, tropical, ciclônica, com asas, com velocidade de ou excedendo a 120 km/h], Plastered [Engessado], The fetishism of commodity [O fetichismo da mercadoria] e a recente Never again. Vejo essas instalações como performáticas, no sentido de que os espectadores têm a escolha de “usar” a obra, ter uma experiência física dela. Acho, porém, que essas instalações não tornam as coisas fáceis para os espectadores: eles têm de dar um passo consciente, entender que seus movimentos e suas ações no interior da obra estão provocando uma linguagem e uma leitura deles, da qual eles fazem parte integral. A maior parte dessas instalações lida com a “expectativa” de diferentes usuários em relação à arte e a seu sistema.

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(1998) to more interactive pieces like Never again (2005)?

I have done different “interactive” works, works that find and finalize their “function” through the physical engagement of the audience. A violent, tropical, cyclonic piece of art having wind speeds of or in excess of 75 mph, Plastered, The fetishism of commodity and the recent Never again, for example. I see these installations as being performative in the sense that the viewers have the choice to “use” the work; to have a physical experience of it. Though I think the works don’t make it easy for the viewers: they have to take a conscious step, to understand that their movements and action within the works is provoking a language and a reading of them, in which they are an integral part. Most of these installations deal with the “expectation” of different users towards art and its system.

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MUSTAFA MALUKA Cidade do Cabo [Cape Town], 1976; vive em [lives in] Cidade do Cabo [Cape Town] They are not my people [Eles não são o meu povo] 2005 óleo sobre tela [oil on canvas] 183 x 133 cm coleção particular [private collection] cortesia [courtesy] Michael Stevenson Gallery, Cidade do Cabo [Cape Town]

[Zayd Minty] Em seu trabalho, você se apóia bastante na cultura hip-hop, no graffiti, na arte pop e em influências sul-africanas. Pinta retratos dramáticos, em grande escala, com vibrantes elementos abstratos e usa figuras extraídas de revistas. Ao realizar meu trabalho, adoto uma aborda-

gem que compreende muitos níveis e que se reflete no modo como as pinturas são elaboradas. Como ponto de partida, apóio-me intensamente no “discurso acadêmico avant la lettre”. Em seguida procuro imagens de pessoas que gostaria de usar em meus retratos. Esse processo consome muito tempo. Busco imagens de pessoas que irradiem uma espécie de extrema autoconfiança, força e orgulho. Em minha pintura, as pessoas parecem que tiveram de enfrentar ou estão enfrentando algum tipo de luta. São tipos que representam os heróis invisíveis na maior parte das sociedades. Você tem um engajamento ativo numa comunidade hiphop global e politizada. Como é seu envolvimento com esses “coletivos virtuais”, que integram sua prática como artista? Em minha pesquisa, assumo a posição de observa-

dor participante. A internet tem ampliado meu conhecimento, não somente como prática criativa, mas também com informações de primeira mão. O que ela tem me mostrado são os modos pelos quais diferentes sociedades lidam com questões. Interagindo com jovens de grupos marginalizados ou nativos em todo o planeta, tomei conhecimento de que sua experiência de vida é muito semelhante, mas seus problemas — e, conseqüentemente suas soluções — se apresentam sempre num contexto específico. Essas interações diárias são fundamentais para minha prática, na medida que me alimento delas, mas também sou capaz de exercer um impacto real sobre a vida das pessoas com quem interajo on-line. A participação ativa é um fator definidor: o fato de ser uma testemunha não torna uma pessoa um insider. Um insider é, geralmente, alguém que possui não apenas informações confidenciais sobre fatos e procedimentos, mas também sobre os relacionamentos diários, operacionais, e a dinâmica das pessoas em grupos. Na maioria das atividades sociais humanas funcionam dois processos entrelaçados e simultâneos: “o modo como as coisas parecem” e “o modo como elas são realmente”. Examino a maneira como as pessoas entendem o ambiente em que vivem, como são moldadas por seus ambientes e como o condicionamento social afeta o modo como elas interagem com os “outros”. Ao usar um conhecimento de primeira mão como ponto de partida, desvelarei códigos e práticas sutis que são empregados quando se interage no contexto de diferentes situações sociais. Saber é Poder.

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[Zayd Minty] You draw heavily on hip-hop culture, graffiti, pop art, and South African influences in your work: painting large-scale, dramatic portraits with vibrant abstract elements, using figures sourced from magazines. In pro-

ducing my work, I have a multilayered approach, reflected in the ways the paintings are constructed. As a starting point, I draw heavily on “bleeding-edge academic discourse” as my subject matter. Then I search for images of people I would like to use in my portraits. This process is very time-consuming. I search for images of people who exude a certain kind of super-confidence, strength and pride. The people in my paintings appear to have had to endure, or are enduring, some kind of struggle. These are types that represent the invisible heroes within most societies. You have an active engagement in a global politicized hiphop community: how is your involvement in these “virtual collectives” integral to your practice as an artist? In

my research I take the position of participant observer. The Internet has broadened my knowledge, not only of creative practice, but it has also given me first-hand insider information. What it has shown me are the ways in which different societies deal with issues. Through interacting with young people from marginalized and indigenous groups across the planet, I have learnt that their experience of life is very similar but that their problems — and, consequently, solutions — are always context-specific. These daily interactions are critical to my practice in that I feed off them, but I am also able to make a real impact on the lives of the people I interact with online. Active participation is a defining factor: being a witness alone does not make a person an insider. An insider is usually one who is privy to not simply facts and procedures, but also the day-to-day working relationships and dynamics of people in a group. In most human social activities there are two simultaneous, intertwined systems or processes at work: the “way things seem” and the “way they really are”. I look at how people make sense of their lived environments, how they are shaped by their environments and how social conditioning affects the way they interact with “others”. In using inside knowledge as a starting point, I will flesh out subtle codes and practices that are employed when interacting within different social situations. Knowledge is Power.

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NARDA ALVARADO La Paz, 1975; vive em [lives in] La Paz Olive green [Verde oliva] 2003 vídeo-performance 4 min 30 s coleção da artista [artist’s collection] foto Juan Pablo Urioste, Patricio Crooker Del Atlantico con amor [From the Atlantic with love] 2003 vídeo-performance 8 min 10 s coleção da artista [artist’s collection] foto Edil Davalos

[Rosa Martínez] Você afirma que é artista porque não pode ser poeta. No entanto, suas irônicas vídeo-performances têm uma alta densidade metafórica e ideológica. Usam uma linguagem criativa que não se preocupa somente com a beleza abstrata, mas também com a forte exploração, às vezes impertinente e hilariante, das contradições absurdas nas quais se sustentam a ordem social e suas instituições. Um exemplo dessa postura é a produção Olive green [Verde oliva], na qual uma fila indiana de policiais bloqueia o tráfego de carros em uma avenida de La Paz para comer uma azeitona. E nada me parece mais poético do que o cerimonial militar de boas-vindas ao balde de água do mar trazido do Brasil. Ou ainda a ação Fire-men [Homens-fogo], onde uma mulher tenta acender um fósforo no peito nu de vários homens, questionando, de forma doce e subversiva, as convenções associadas à condição masculina. As coreografias sociais e rituais que você organiza podem ser alocadas, como você mesma definiu, nesse “”paraíso imperfeito onde nada é impossível”, nesse território de liberdade ao qual somente a arte e a poesia podem nos aproximar. Será que você não pode tranqüilamente se considerar uma poetisa? De jeito nenhum. O que eu faço são produtos para

[Rosa Martínez] You have said that you are an artist because you’re unable to be a poet, and yet the irony portrayed in your video performances is rich in metaphor and ideology. They draw on a creative language which does not concern itself solely with beauty in the abstract but through bold exploration, at times both impertinent as well as hilarious, of the absurd contractions underlying the social order and its institutions. Olive green, where an orderly line of police interrupts the traffic in an avenue in La Paz in order to eat an olive is a good example. And nothing strikes me as more poetic than the military welcoming ceremony in honor of the bucket of sea water which you brought from Brazil or the action clip Fire-men where a woman attempts to strike a match on the bare chests of several men, as if to question, sweetly, and at the same time subversively, the conventions associated with the male condition. Social and ritualistic choreographies which you arrange may well be situated as you yourself make clear, in this “imperfect paradise where nothing is impossible”, in this territory of the free accessible only via art and poetry. Do you still not think that you could easily call yourself a “poet”? No, not at all. What I do are

uma instituição e de poético isso não tem nada. Para mim é difícil conceber a idéia de um poeta envolvido com a burocracia do sistema da arte. “Fazer arte” soa pouco romântico.

products for an institution and this has nothing at all to do with poetry. I have difficulty conceiving of the idea of a poet enmeshed in the bureaucracy of the art establishment. “Producing art” somehow lacks a romantic resonance.

O que é e a que se deve seu projeto de projetar idéias?

A produção Good, regular and bad [Bom, regular e ruim] é uma materialização de um período de dúvida, confusão e crise artística. É fruto de uma overdose de arte de dimensões consideráveis, cujo impacto trouxe à tona essa urgência em repensar minha prática artística, diversificá-la e reconhecer meus verdadeiros interesses e minha posição política com relação ao meu trabalho. Falando especificamente desse projeto, trata-se de um conjunto de “idéias para obras de arte” de diferentes formas e sobre temas variados, classificadas entre boas, regulares e ruins. Foram desenhadas justamente com objetivo de esgotar meus próprios recursos, para que então eu passe a fazer algo diferente no futuro e desenvolva meu próprio vocabulário. Será que é possível fazer arte sem pensar em “fazer arte”? Será que posso modificar meu mecanismo criativo visando gerar outro tipo de obra? O fato de projetar idéias em vez de realizá-las as converte em “produtos” antes de serem “obras de arte”. Isso permite que o público se confronte com a realidade do meu processo artístico. Por exemplo, como não discrimino as más idéias, deixo por conta da apresentação e execução de uma “obra de arte” colocá-las na categoria “menos interessante”.

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What does your project of drawing ideas consist of and respond to? Good, regular and bad is the product of a period

of doubt, confusion and a creative crisis, due to an overexposure to art of considerable magnitude, the impact of which has laid bare the need to re-think the way I do art, by diversifying and recognizing where my real interests lie and where I stand politically in relation to my work. More specifically, it is a combination of “ideas for works of art” in different mediums and about different themes, classified under good, regular and bad. These were drawn with the purpose of exhausting my own resources in order to go on to something distinct at a later stage and to develop my own vocabulary. Is it possible to produce art without thinking about “producing art”? Will I be able to adjust my creative mechanism with the purpose of generating another type of artwork? Drawing ideas and not carrying them out turns them into products rather than into works of art. This allows the public to confront the reality of the artistic process. Failing to discern bad ideas for example, is an attempt to relegate the presentation and the execution of the only “work of art” to the category of “less interesting”.

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NIKOS CHARALAMBIDIS Limassol, Chipre, 1967; vive em [lives in] Atenas Protest banner [Faixa de protesto] 2002 faixa de tecido [fabric banner] 400 x 170 cm cortesia [courtesy] Nees Morfes Gallery, Atenas

[Christine Mello] Em seu trabalho você fala sobre um país e as barreiras nele existentes. Assim, para você, o que significa retirar as barreiras de Chipre e trazê-las para o Brasil? Quero que o mundo preste atenção a um forte desejo de

[Christine Mello] In your work you speak about a country and the barriers in it. So, for you, what does it mean to take barriers off from Cyprus and bring them to Brazil? I

unificação. As pessoas ainda estão tentando construir toda espécie de muros… O Brasil é muito distante de Chipre, mas os muros existem de formas diferentes, até mesmo lá.

want to make the world pay attention to the strong will of unification. People are still trying to build all kind of walls… Brazil is very far from Cyprus but the walls exist in different forms even there.

A você importa se seu trabalho for exibido em São Paulo ou em qualquer outro lugar? Meu trabalho é desmantelar

Does it matter for you, if your work will be shown in São Paulo or in any another place? My idea is to dismantle a

uma parte do muro que separa Chipre entre o Norte e o Sul, e transportar para São Paulo parte do duto com o qual ele foi construído. É como se eu estivesse transferindo o problema político de meu país natal para um país que nada tem a ver com a área geopolítica de Chipre. Muita gente acredita que o verdadeiro motivo da guerra em Chipre foi a crise do petróleo no Oriente Médio. É irônico pensar que os dutosbarricadas provisórios que têm dividido a ilha há mais de trinta anos foram repletos de petróleo, no passado. Decorrido tanto tempo, o problema internacional ainda é o mesmo e é um problema global.

part of the wall that separates Cyprus into North and South, and transport the barrels from which it was built to São Paulo. This is like I’m transferring the political problem of my homeland to a country that has nothing to do with the Cyprus geopolitical area. There are a lot of people who believe that the real reason for the war in Cyprus was the petroleum crisis in the Middle East. It’s ironic to think that the makeshift barrel-barricades that have divided the island for more than thirty years were once full of petroleum. After so many years, the international problem is still the same and it’s a global problem.

Pode explicar um pouco mais o que significam para você “formas híbridas de sobrevivência”? Nasci numa cidade

multicultural, onde havia árabes, ingleses, armênios, turcos e gregos, todos vivendo juntos e em paz. Nos dias de hoje um fenômeno como esse vem se tornando cada vez mais comum, especialmente nas grandes cidades, onde todo mundo pode vir de todos lugares, trazendo sua própria cultura, o que leva ao desenvolvimento de uma sociedade híbrida. Em sua opinião, o que seu trabalho oferece, em termos de consciência crítica, aos habitantes de Chipre? E para aqueles que desconhecem a realidade de Chipre ou não vivem lá? Meu trabalho baseia-se em minhas experiências au-

tobiográficas e na tragédia de Chipre, mas, no processo de realizá-lo, essas fontes primordiais de inspiração abordam questões universais, que envolvem a história, a mitologia, a arquitetura e outras questões sociais, de modo a interessar até mesmo aqueles que não têm familiaridade alguma com a realidade de Chipre. Não sou um artista engajado em propaganda e que tenciona direcionar as pessoas politicamente. O que tento fazer é desafiar a inércia civil e provocar a consciência das pessoas. Os espectadores deveriam participar ativamente dos esforços contra a guerra.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

Could you explain further what “hybrid forms of survival” mean to you? I was born in a multicultural town with Arabs,

English, Armenians, Turks and Greeks living peacefully together. Nowadays this phenomenon is becoming more and more common especially in big cities, where everyone could come from everywhere bringing his/her own culture, conducing to the development of a hybrid society. In your opinion, what does your work offer in terms of critical consciousness to the inhabitants of Cyprus? And for those who don’t know Cyprus’s reality or don’t live there?

My work is based on my autobiographic experiences and the tragedy of Cyprus, but in the process, these primary sources of inspiration address universal issues of history, mythology, architecture or other social issues so as to interest even those who are not familiar at all with Cyprus’s reality. I’m not a propaganda artist intending to direct people politically; what I try to do is to challenge civil inertia and provoke people ’s consciousness — visitors should actively participate in the efforts against the war.

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OLA PEHRSON Estocolmo, 1964 – 2006 Hunt for the Unabomber [Caçada ao Unabomber] 2005 objetos em técnica mista e vídeo [mixed media objects and video] dimensões variáveis [dimensions variable] coleção [collection] Moderna Museet, Estocolmo foto Åsa Lundén

[José Roca] Hunt for the Unabomber [Caçada ao Unabomber] (2005), vista na 9a. Bienal de Istambul em 2005, sublinha o caráter ficcional daquilo que consideramos um “documentário”. Você pretendia enfatizar o fato de que as imagens que conferem verdade a uma história são freqüentemente fabricadas e que, na ausência de um material real, os produtores recorrem a imagens genéricas, encenações e depoimentos para construir uma história que, na realidade, é um simulacro da verdade? Para esse trabalho recorri

a um documentário real, mantive a trilha sonora e substituí todas as imagens pelas minhas em vídeo, filmando acessórios e construções simples, além de interpretar os diferentes papéis dos entrevistados. Tentei empregar o menor esforço para que as coisas parecessem reais, aproveitando as indicações visuais das imagens originais, refazendo-as com materiais simples e objetos reciclados. A pessoa conhecida como Unabomber indignava-se com o mundo moderno e encarava a tecnologia como um mal. Então tentei fazer meu vídeo recorrendo à atitude e aos materiais mais básicos, procurando entender o mundo, como uma criança, pela imitação. Em São Paulo você pretende apresentar Economy news in the kitchen [Notícias da economia na cozinha], um novo trabalho que está preparando enquanto conversamos. Pode falar a respeito? O trabalho é um dvd escultórico, que

aborda a semiótica dos noticiários diários. Ainda não desenvolvi uma imagem visual precisa para este trabalho, mas em geral é uma escultura e um dvd, num estúdio, que apresenta um repórter que se relaciona emocionalmente com as notícias transmitidas. Tenho três grandes ambições: deve ser um “noticiário”; deve ser visualmente impactante; deve ser belo, triste e intrigante. É uma máquina de notícias e, ao mesmo tempo, um topos para a insanidade, como se fôssemos capazes de internalizar todo o horror que percebemos. De acordo com isso, minha própria presença irá variar. Ficarei atemorizado e surpreendido com os acontecimentos. Poderei chorar, rir ou demonstrar outras emoções indeterminadas. Terei empatia. No momento sinto-me muito atraído por notícias financeiras. Por exemplo, tenho uma seqüência de 20 minutos com uma análise sobre a economia brasileira. É algo muito frio e instrumental, compara o mercado brasileiro com outros mercados emergentes. É meu objetivo filmar essa cena em minha cozinha e interpretar os entendidos no assunto, usando a trilha sonora original.

[José Roca] Hunt for the Unabomber (2005), which was shown at the 9th Istanbul Biennial in 2005, underlines the fictional character of what we regard as “documentary”. Did you intend to highlight that the images that give truthfulness to a story are often fabricated, and that in the absence of real material producers recur to generic images, reenactments, and testimonials to construct a story that is in fact a simulacrum of truth? For this piece I took an actual

documentary, kept the soundtrack and replaced all the visuals by my own video images, filming simple props and constructions, and by playing the different roles of the people that are interviewed. I tried to use as little effort as possible to make things look real, taking the visual cues from the original images but doing them again with simple materials and recycled objects. The person known as the Unabomber raged against the modern world, and saw technology as evil. Therefore I tried to make my video with the more basic materials and attitude, grasping the world, as a child does, by mimicking it. For São Paulo you intend to present Economy news in the kitchen, a new work that you are preparing as we speak. Can you tell me about it? The work is a sculptural dvd,

which deals with the semiotics of regular news broadcasts. I have not developed a precise visual image for this piece yet, but in general it is a news studio sculpture and a dvd, which presents a newsperson who relates emotionally to the news presented. I have three main ambitions: it should be “news”; it should be visually striking; it should be beautiful, sad and puzzling. It is a news machine, and a topos for insanity at the same time. As if we were able to internalize all the horror we perceive. According to this, my own appearance will be varying. I will be scared and surprised by the events. I might cry, laugh or show other indeterminate emotions. I will have empathy. Presently, I’m quite attracted to the financial news. For instance, I have a sequence of twenty minutes with an analysis of Brazilian economy. It’s very cold and instrumental, comparing the Brazilian market with other emerging markets. My aim is to stage this scene in my kitchen and impersonate the experts, using the original soundtrack. This interview was composed from notes taken during a studio visit in Stockholm in September 2005, and email correspondence from January to March 2006.

Esta entrevista foi redigida com base em anotações feitas durante visita ao ateliê do artista em setembro de 2005, em Estocolmo, e em inúmeras trocas de e-mails entre janeiro e março de 2006. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

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PAGES Publicada desde [published since] 2004 por [by] Babak Afrassiabi e [and] Nasrin Tabatabai, baseada em [based in] Roterdã Pages magazine n. 3 capa [cover] setembro [September] 2004 © Pages Pages magazine n. 3 pp.80–81 setembro [September] 2004 © Pages

[Steven Matijcio] Como vocês avaliam o potencial ativista da Pages? O termo “ativismo” evoca a nostalgia da luta

[Steven Matijcio] How do you evaluate the activist potential of Pages? The term “activism” evokes nostalgia to ide-

ideológica e solapa as possibilidades de a arte atuar em várias condições. Ultrapassando esse fechamento político, nós procuramos “potencial produtivo”, em vez de “potencial ativista”. Temos a constante necessidade de lidar com possibilidades de produção complementares e contraditórias; a natureza bilíngüe (farsi e inglês) da revista e das colaborações realmente acumulam disposições múltiplas para a Pages. Nosso desejo é evocar “discursos cravados” que portam outros pequenos discursos dentro de si, coisas de suas condições específicas. Finalmente, essas podem passar de uma condição a outra, onde são (des)produzidas além de si mesmas.

ological struggle, and undermines the possibilities art has in working in various conditions. Surpassing this political closure, we look for “productive potential” rather than “activist potential”. We constantly need to deal with complementary and contradictory possibilities of production; the bilingual (Farsi and English) nature of the magazine and the collaborations do accumulate multiple dispositions for Pages. Our desire is to evoke “embedded discourses” that carry other smaller discourses with them, things from their specific conditions. Finally they may pass from one condition to another, where they are (de)-produced beyond themselves.

Como comprovado pelo seu programa de rádio Converted hearing [Audição convertida] (De Appel, Amsterdã, 2005), a circulação da linguagem é um interesse contínuo em seu trabalho. A esse respeito, o processo de tradução abre questões de alteração dentro da transmissão lingüística. Suas intenções já sofreram mutações ao viajarem através das arenas discursivas povoadas pela Pages? Isso é inevi-

As evidenced by your radio program Converted hearing (De Appel, Amsterdam, 2005), the circulation of language is an ongoing interest in your work. In this respect the process of translation opens up issues of alteration within linguistic transmission. Have your intentions mutated as they travel across the discursive arenas populated by Pages?

tável, embora a possibilidade de mutação ofereça um espaço onde podemos reexaminar nosso trabalho como editores e artistas. Freqüentemente lutamos com a ambivalência de sermos claros demais ou ambíguos demais. Ao trabalharmos num projeto relacionado com uma situação particular (Kish Island em Sunset cinema [Cinema do pôr-do-sol] — Württembergischer Kunstverein, Stuttgart, 2005, por exemplo), incluímos informações adicionais para contextualizar o projeto. Isso se tornou parte da retórica do projeto, ao trazer certo excesso que “des-localiza” o trabalho. As dimensões indefinidas do “processo-sobre-o-produto” estão em projetos como Kiosk # 947 (Kuntshalle Friedericianum, Kassel, 2005). Porém, em seu texto para a Manifesta 6, vocês observam como a fome iraniana por reformas no pós-guerra exauriu-se quando as intenções perderam sua influência. Como vocês pretendem manter o dinamismo desses projetos quando a resolução parece estar sendo perpetuamente postergada? A instabilidade sociopolítica

posterga a resolução, mas a arte nunca busca a resolução (ou a irresolução). A natureza indefinida do trabalho não é um meio de adiar resultados ou de estabelecer paralelos com a instabilidade de seus contextos, mas sim de deslocar o resultado para outro lugar. O dinamismo dos projetos mantémse pela constante desestabilização do assunto, pela qual se revelam discursos repudiados. Em Kiosk # 947, o disfarce de propor um design para bancas de jornais em Teerã levantou questões que tornaram impossível a proposta do design. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

This is inevitable, while the possibility of mutation offers space where we can re-examine our work as both editors and artists. We often struggle with the ambivalence of being too clear, or too ambiguous. When working on a project that is related to a particular situation (i.e., Kish Island in Sunset cinema — Württembergischer Kunstverein Stuttgart, 2005) we include additional information to contextualize the project. This has become part of the projects’ rhetoric, bringing a certain excess that “de-localizes” the work. The indefinite dimensions of “process-over-product” are in projects like Kiosk # 947 (Kunsthalle Friedericianum, Kassel, 2005). However, in your text for Manifesta 6 you note how the postwar Iranian hunger for reform eroded as intentions failed to register. How will you retain the dynamism of these projects when resolution seems perpetually deferred? Sociopolitical instability defers resolution, but

art is never after resolution (or irresolution). The indefinite nature of the work is not a way of delaying outcomes or paralleling the instability of their contexts, but rather a way of displacing the outcome elsewhere. The dynamism of the projects is retained through constant destabilization of subject matter, by which repudiated discourses are disclosed. In Kiosk # 947 the disguise of proposing a design for newspaper kiosks in Tehran recalled issues that made the design proposal an impossibility.

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PAULA TROPE Rio de Janeiro, 1962; vive no [lives in] Rio de Janeiro Da série Sem simpatia: Leandro de Paiva Adriano (Lê), aos 17 anos [From the series No sympathy: Leandro de Paiva Adriano (Lê), at 17] e [and] Estátua do complexo do Alemão, Morrinho [Statue of the Alemão complex, Morrinho] 2004 180 x 146 x 5 cm e [and] 54 x 126 x 10 cm fotografias com câmera de orifício [pinhole photographs] com a colaboração de [with the collaboration of] Leandro de Paiva Adriano cortesia [courtesy] Galeria Vermelho, São Paulo [Xabier Arakistain] Acho os dois pilares básicos desta Bienal extremamente sugestivos do ponto de vista da perspectiva feminista: a relação entre a arte e a sociedade, e a idéia de abordar o conceito de construção do ponto de vista crítico. Como você sabe, a afirmação de Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, foi fundamento para a teoria da construção cultural do sexo, do gênero e da sexualidade. No entanto, sabemos que a categoria mulher é uma construção cultural que o patriarcado prefere situar no campo do natural para perpetuar a inferioridade social das mulheres. Relacionando esses pensamentos com o mundo da arte, convido você a responder três questões. Se os Direitos Humanos são universais, por que os direitos das mulheres precisam ser subordinados às particularidades dos diferentes países e culturas? Qual sua percepção sobre esse assunto? Que relevância tem esse posicionamento no seu trabalho? Essa pergunta

[Xabier Arakistain] I find the two central concepts structuring this Bienal, i.e., the relationship between art and society and the idea of approaching the concept of construction from critical positions, extremely suggestive from the feminist perspective. As you know, Simone de Beauvoir’s statement, “One is not born a woman, rather one becomes one,” laid the foundations for the theory of the cultural construction of sex, gender and sexuality. Thus we know that the woman category is a cultural construction that the patriarchy prefers to situate within the terrain of the natural, to perpetuate the social inferiority of women. Relating these thoughts to the art world, I invite you to answer three questions: If Human Rights are universal, why must women’s rights be subordinated to the particularities of different states or cultures? How do you perceive this situation from your position? What relevance does that position have in your work? This ques-

é tão complexa quanto o próprio conceito de Direitos Humanos concebido para atender aos anseios e às necessidades da sociedade ocidental. O problema é que a noção de universalidade exclui a diferença e tem sido usada para justificar o exercício do poder assim como a subordinação religiosa, política e cultural em diferentes nações e culturas. Por outro lado, devemos reconhecer que o conceito de humanidade — comum a todas as culturas — apresenta variações. Esse é o caso dos direitos da mulher, sistematicamente violados em algumas culturas que adotam a mutilação sexual, o apedrejamento, e outras punições desse tipo. Esse assunto está muito longe de uma resolução. Como artista e mulher, noto grandes mudanças no Brasil. Temos que levar em conta que a legislação acompanhou muitas das conquistas das mulheres, especialmente na Constituição de 1988 e no Código Civil de 2002. Mas ainda há muito a ser feito. O ingresso da mulher no mercado de trabalho como uma força importante não foi acompanhada da infra-estrutura adequada que poderia aliviar suas tarefas de dupla jornada, especialmente entre os níveis mais pobres da sociedade. Além disso, cresce vertiginosamente o número de mulheres que são o único sustento da família. No meu país dizemos que a face da fome é uma mulher rodeada de crianças. São mulheres que mantêm suas famílias — ou tentam manter — em uma situação de extrema carência. Mães jovens, avós e bisavós que são os pilares dos humildes.

tion is as complex as the concept of Human Rights itself, conceived to meet the demands and needs of the Western society. The problem is that the notion of universality excludes difference. It has been used to justify the exercise of power as well as religious, political and economical subordination among different nations and cultures. On the other hand, we must recognize a variation on the concept of humanity, common to all cultures. This is the case of woman’s rights, systematically violated in some cultures which adopt sexual mutilation, stoning and similar punishments. This is an issue way too far from being resolved. As an artist and as a woman, I notice great changes in Brazil. We must take into consideration that legislation followed many of women’s conquests, mainly the 1988 Constitution and the Civil Code in 2002. However, there is lot to be done. Woman’s entrance in the marketplace as a major workforce was not followed by an adequate infrastructure which could alleviate her double-shift duties, mainly among the poorest levels of society. Besides that, the number of women who are the sole providers for their families is rampant. In our country we say that the face of hunger is a woman surrounded by children. These women are the ones who support their families — or try to — in a context of extreme need. They are young mothers, grandmothers, great grandmothers who are the pillars of the humble.

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PEPÓN OSORIO San Juan, Porto Rico, 1955; vive em [lives in] Filadélfia Trials and turbulence [Julgamentos e turbulência] 2004 instalação com [installation with] DVD câmera e edição [camera and editing] Wendy Weinberg edição [editing] Irene Sosa mobiliário da [furniture from the] First Judicial Court of Pennsylvania cortesia [courtesy] Ronald Feldman Fine Arts, Nova York foto Hermann Feldhaus

[Fernanda Nogueira] De que se trata o trabalho Trials and turbulence [Julgamentos e turbulência], apresentado na 27a. Bienal? É minha mais recente vídeo-instalação em

grande escala. Originalmente foi apresentada no Institute of Contemporary Art da Filadélfia, em 2004. É resultado de três anos como artista residente no Departamento de Recursos Humanos da Filadélfia. Trials and turbulence surge das conversas que mantive com Adrienne Stinson, uma jovem participante do programa Achieving Independence Center na Filadélfia. O trabalho primordial desta agência governamental é ajudar jovens adultos de lares de criação a minimizar sua dependência do sistema de bem-estar social público. O programa guia esses jovens adultos a desenvolver habilidades durante a transição para finalmente conseguirem uma independência total do sistema de ajuda pública. O tema central de Trials and turbulence gira entorno da decisão de uma juíza da vara de família de colocar essa menor em um orfanato. A instalação representa uma sala de tribunal. No vídeo, a jovem narra as conseqüências dessa sentença em sua vida. Adrienne viveu com várias famílias adotivas por dezoito anos, uma a cada ano. O banheiro que está ali, de acordo com a jovem, era o único lugar seguro ao qual ela podia recorrer. Ainda que invisível neste cômodo, a juíza se converte numa metáfora de poder. Sua decisão pode mudar totalmente o destino de uma criança. O que me interessa é recontextualizar o espaço de forma inalterada, mantendo assim uma pureza em sua arquitetura social. Remover uma parte da realidade cotidiana e transportá-la a um espaço artístico é uma tentativa de expor aquilo que sabemos que não funciona. Como a memória mobiliza a criação dos seus trabalhos? A memória ocupa um papel importante na construção de espaços que refletem eventos reais na vida pessoal dos indivíduos. Nos meus trabalhos recentes me interessa pesquisar a fundo a arquitetura social da obra. Tento criar, assim, a possibilidade de construir uma nova recordação e memória, transportando o espectador a um lugar onde a sociedade sustenta uma memória coletiva. Essas instalações recriam na sala de exibição espaços que cumprem funções específicas dentro da sociedade, como escritórios, barbearias, prisões, ou, nesse caso, um tribunal. As instalações permitem uma relação simbólica entre dois espaços: o original, de uso cotidiano e de função social específica, e o outro, o espaço artístico, de provocação e reflexão. A memória passeia entre esses dois espaços.

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[Fernanda Nogueira] Tell us about your work Trials and turbulence, presented at the 27th Bienal. It is my most re-

cent large-scale video installation. It was originally shown at the Institute of Contemporary Art in Philadelphia in 2004. It is the result of three years as a resident artist at the Philadelphia Department of Human Services. Trials and turbulence arises from conversations I had with Adrienne Stinson, a young member of the Philadelphia Achieving Independence Center program. The main work of this government agency is to help young adults from foster homes to minimize their dependency on the welfare system. The program guides these young adults through the development of transitional skills so that they can finally get total independence from the welfare system. The central theme of Trials and turbulence revolves around a Family Court decision to put this underage girl in a foster home. The installation represents a courtroom. In the video, the young girl tells the consequences of that verdict in her life. Adrienne lived in many foster homes for eighteen years, each year in a different one. That bathroom there, according to the young girl, was the only safe place she could resort to. Though invisible in that room, the judge turns into a power metaphor. Her decision can totally change a child’s fate. What interests me is to recontextualize space without any change, thus maintaining purity in its social architecture. To remove part of everyday reality and carry it to an artistic space is an attempt to expose that which we know doesn’t work. How does memory mobilize the creation of your works?

Memory plays an important role in the construction of spaces which reflect real events in personal lives. In my recent works, I have been interested in a deep research on the work’s social architecture. So I try to create the possibility of constructing a new recollection and memory, taking the spectator to a place where society upholds a collective memory. Those installations recreate spaces in the exhibition site which perform specific functions in society, such as offices, barbershops, prisons or, in this case, a courtroom. The installations allow a symbolic relation between two spaces: the original one, for everyday use, bearing a specific social function, and the other one, the artistic space, for provocation and reflection. Memory hovers over these two spaces.

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PIETER HUGO Joanesburgo, 1976; vive em [lives in] Cidade do Cabo [Cape Town] The honourable justice Julia Sakardie-Mensah, Botswana [A honorável juíza Julia Sakardie-Mensah, Botswana] 2005 impressão Lambda [print] 100 x 100 cm cortesia [courtesy] Michael Stevenson Gallery, Cidade do Cabo [Cape Town]

[Zayd Minty] Uma característica impactante em muitos de seus retratos, tirados no mundo todo, é o extraordinário diálogo que você mantém com as pessoas retratadas, por meio de um olhar freqüentemente direto e desafiador. O que o levou a essa abordagem? Desde muito cedo, em mi-

nha carreira de fotógrafo, eu me dei conta de que trabalhar na África, como uma pessoa branca, não me proporcionava o status de alguém que nada tinha a ver com aquela realidade. Ocorreu-me muitas vezes, quando trabalhava lá, que na verdade era eu que parecia deslocado, e muitas vezes percebi que estava sendo observado criticamente pelas pessoas que eu fotografava. Decidi adotar um formato maior e menos cômodo para minha fotografia, que exigia negociar o consentimento e o diálogo com a pessoa que estava sendo fotografada. É uma abordagem mais ponderada e contemplativa. Prefiro envolver-me diretamente com as pessoas que fotografo. O processo de obter a permissão de indivíduos e grupos, antes de fotografá-los, constitui um dos aspectos mais importantes daquilo que faço. Minha abordagem é muito franca, sem rodeios. Acredito que esse mútuo reconhecimento entre o fotografado e o fotógrafo constitua parte daquilo que confere às imagens uma presença que se impõe. Você planeja exibir na 27a. Bienal a série Hyena men of Nigeria [Homens hienas da Nigéria], um intrigante estudo sobre um grupo itinerante de artistas que percorrem o país com suas hienas, cobras e macacos. Essas imagens captam uma assombrosa beleza nos homens e em seus animais, seus relacionamentos mútuos e os que se estabelecem com sua sociedade. Preocupo-me com o que existe

na periferia da sociedade, particularmente na África, e interesso-me por contextos nos quais as nuances culturais de nossa época são ampliadas. Durante os últimos anos venho fotografando as pessoas em diversos contextos, através da África, pessoas que sinto ter uma presença e uma postura diferenciadas. O trabalho que apresentarei na 27a. Bienal será uma continuação dessa série. Seu trabalho recente, na África, inclui uma série de temas: advogados e coletores de mel em Gana, juízes em Botswana, lavadores de táxi, torcedores de futebol, sangomas brancos e jovens agricultores na África do Sul. Como fotógrafo, o que mais o intriga na África? A África, ao norte do

Rio Limpopo, é uma extensão de minha paisagem. Minha família vive na África do Sul há séculos. Preocupam-me os paradoxos, talvez uma conseqüência de crescer na África do Sul, e o que não falta, nesse continente, são situações paradoxais. Além disso, eu tenho sede de viagens, estou sempre curioso em relação ao que está além do próximo horizonte, da próxima fronteira. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

[Zayd Minty] A striking feature of many of your portraits, taken all over the world, is your extraordinary dialogue with your subjects through an oftentimes direct and challenging gaze. What brought you to this approach? I real-

ized early on in my photographic career that working in Africa as a white person did not afford me a fly-on-the-wall status. It occurred to me that often whilst working here, it was in fact myself that appeared to be out of place, and I often found myself critically scrutinized by the subject being photographed. I decided to switch to a larger and more cumbersome format for my photography, one that would require negotiating consent and dialogue with the person being photographed. A more sedate and contemplative approach. I prefer to engage directly with the people I photograph — the process of obtaining permission from individuals and groups before photographing them is one of the most important aspects of what I do. My approach is very forthright and direct. I believe that this mutual acknowledgment between subject and photographer is part of what gives the images a commanding presence. You plan to show the Hyena men of Nigeria series at the 27th Bienal, an intriguing study of an itinerant group of performers who travel around the country with their hyenas, snakes and monkeys. These images capture a haunting beauty in the men and their animals, their relationships to each other and with their society. I am concerned with

the peripheral in society, particularly in Africa, and I’m negotiating contexts where the cultural nuances of our time are amplified. Over the past few years I have photographed people in diverse contexts across Africa who I feel have a distinct presence and bearing. The work for the 27th Bienal will be a continuation of this series. Your recent work in Africa includes a range of subjects: barristers and honey collectors in Ghana, judges in Botswana, taxi washers, soccer fans, white sangomas and farm boys in South Africa. What about Africa most intrigues you as a photographer? Africa, north of the Limpopo, is an exten-

sion of my landscape. My family have lived in South Africa for centuries. I am preoccupied by paradoxes, perhaps a consequence of growing up in South Africa, and there are no shortages of paradoxical situations in Africa. In addition, I have wanderlust, I am always curious about what is over the next horizon and border.

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RAIMOND CHAVES & GILDA MANTILLA Bogotá, 1963 e [and] Los Angeles, 1967; vivem em [live in] Lima Documentation — Portrait of the traveling artists, Bogota [Documentação — Retrato de artistas viajantes, Bogotá] 2005 carvão sobre papel [charcoal on paper] 50,5 x 35,5 cm coleção dos artistas [artists’ collection] Documentation — Helado de paila [Documentação — Sorvete de panela de lataria/Tin pan ice cream] 2005 lápis colorido sobre parede [color pencil on wall] 270 x 200 cm

[Bojana Piškur] O desenho é um componente importante em sua obra e está muito relacionado a um ambiente social mais amplo. Todo mundo “brinca de desenhar” se-

[Bojana Piškur] Drawing is a major component of your work, very much connected to a wider social environment. Everybody plays the “game of drawing” with their

guindo suas próprias regras. É por isso o desenho é tão interessante e atraente para nós. Mas sobretudo consideramos o desenho uma ferramenta de conhecimento e um instrumento legítimo para fundir conhecimento e experiência.

own rules. This is why drawing is so exciting and appealing to us. But most of all we like to think of drawing as a tool of knowledge, and as a legitimate instrument to embrace knowledge and experience.

Como começam seu processo de trabalho em um lugar novo? [Gilda Mantilla] Consigo visualizar duas situações

possíveis: uma, que requer um envolvimento mais profundo com o contexto, como em Hangueando (2004), por exemplo; e a outra, mais independente, quando podemos nos distanciar um pouco da situação. Começamos nosso processo com pesquisa, porém, o conteúdo em si surge dos encontros e do contato direto. É, também, um processo muito intuitivo, e gostamos de suscitar a curiosidade das pessoas, muito mais do que impor nossa presença. [Raimond Chaves] Para mim, é cada vez mais difícil chegar a um lugar diferente e começar a trabalhar com as pessoas. Na verdade, é por essa razão que ultimamente estou deixando de fazer esse tipo de trabalho site-specific e de colaboração para um dado lugar. Atualmente, quando venho para um lugar novo, me sento, observo, ouço e converso com as pessoas. Não quero ser pressionado a ter que criar alguma coisa. Chegar a um lugar novo significa começar a trabalhar em esboços completamente novos, ter os lápis bem apontados e a mente aberta. Qual o objetivo de Dibujando Brazil [Desenhando o Brazil]? Temos um objetivo maior: continuar desenhando. Sa-

bemos, também, que sem um conhecimento prévio do Brasil pode ser pretensão começar a desenhar do zero. É por isso que queremos desenhar o Brasil a partir das fronteiras com o Peru e a Colômbia, na região amazônica, e trabalhar os conceitos com base nas imagens e nos estereótipos, nos préconceitos — bons e maus — que os peruanos e os colombianos têm em relação ao Brasil e aos brasileiros. O ponto de partida será uma viagem fluvial que queremos fazer, de Tarapoto, nos Andes, no leste do Peru, até Iquitos e Letícia/ Tabatinga, no Rio Amazonas. Outra questão importante é a nova estrada interoceânica que vai ligar o Atlântico ao Pacífico. Todos estes atritos entre vizinhos, a questão da madeira e do tráfico de drogas, do comércio ilegal de bebidas e dos sonhos de progresso — tudo isso aliado à questão das estradas se configurou como um bom ponto de partida para começarmos a desenhar. Vamos tecer comentários por meio dos desenhos, porém, nosso principal interesse é construir desenhos fortes, precisos e de boa qualidade. Nesse sentido, o desenho é o meio e o fim em si mesmo.

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How do you start your working process in a new place?

[Gilda Mantilla] I can identify two possible situations: one that requires a deeper involvement with the context, Hangueando (2004), for example; and the other more loose when we can take a little distance from the situation. We start our approach with some research but the real input comes from the encounters and direct contact. It is also a very intuitive process, and we mostly go for arousing people’s curiosity rather than imposing our presence. [Raimond Chaves] For me it is more and more difficult to come to a new place and start working with people there. In fact this is why lately I’ve been leaving this collaborative site-specific kind of work. Now when coming to a new place I sit and observe, read, listen and talk to people. I don’t want to have the pressure of coming out with something. When coming to a new place it is about having brand new sketchbooks, sharp pencils and open mind. What is the objective of Dibujando Brazil [Drawing Brazil]?

We have one main objective: to keep on drawing. Also we know that without a previous knowledge of Brazil it can be kind of pretentious to start drawing it from zero. This is why we want to draw Brazil from the Peruvian and Colombian borders in the Amazonian region, and work conceptually from the images and stereotypes, the good and bad preconceptions that Peruvians and Colombians have of Brazil and Brazilians. The starting point will be a river trip that we want to take from Tarapoto in the Andean Mountains in east Peru to Iquitos and Leticia/Tabatinga on the Amazon River. Another important issue is the new Interoceanic road that is going to link the Atlantic with the Pacific Ocean. All these frictions between neighbors mixed with wood and drug trafficking, bootleggers and dreams of economic progress related with roads made a good starting point where we began drawing. We will comment through drawings, but our main interest is to build powerful, precise and good drawings. In this sense drawing is the medium and the end in itself.

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RAINER WERNER FASSBINDER

Bad Wörishofen, Alemanha [Germany], 1945 – Munique,1982

[Christian Braad Thomsen] Até que ponto o seu filme Warnung vor einer heiligen Nutte [Precaução ante uma prostituta santa] (1970) tem algum caráter autobiográfico? Tudo

[Christian Braad Thomsen] To what extent is your film Warnung vor einer heiligen Nutte [Beware of a holy whore] (1970) autobiographical? Everything in this film is autobio-

nesse filme é de certa forma autobiografia. Mas isso não quer dizer que tudo ocorreu do jeito que o filme mostra. E o modo ditatorial de trabalhar do diretor? Há momentos em que eu sou muito ditatorial. Claro que fiz filmes que foram rodados de um modo diferente, mas quando a pressão se torna demasiado grande, eu viro um ditador. Quando o trabalho fica difícil, ou quando tudo corre mal, corremos o risco de que todos comecem a nos pisotear, e aí a única opção é a ditadura.

graphical in a way, but that doesn’t mean that everything happened as it does in the film. There are moments when I’m very dictatorial. I’ve made films that were shot differently, but when the pressure gets to a certain point, I become a dictator. When the work is difficult, or when everything’s going badly, there ’s a risk that everyone will start trampling on you, so the only option is dictatorship.

O diretor termina seu filme, e se desenvolve, mas seu comportamento tirânico não muda, não é verdade? O desen-

The director finishes his film, and he develops in the process, but his tyrannical behavior doesn’t change, does it?

volvimento positivo pelo qual passa o meu diretor consiste em que vai ficando claro para ele que o grupo não é um grupo, desistindo da idéia do coletivo. Ele perde suas ilusões e vê a situação como ela é. É possível fazer filmes de um jeito menos autoritário, mas é preciso dizer desde o início: eu sou o diretor, você é o câmera e vocês são os atores. Quando o trabalho está claramente definido, todos podem se concentrar em suas partes, em vez de todos dividirem tudo, porque desse jeito não se faz nada direito. Isso pode parecer ditatorial, mas a partir do momento em que tive clareza disso, fiquei bem menos ditatorial. O sonho de nosso grupo, tanto no filme quanto na realidade, era que iríamos dividir a responsabilidade e as tarefas, e que todos poderiam determinar quais filmes seriam feitos, como e por que seriam feitos. Infelizmente isso não deu certo. Não acho que seja impossível e ainda espero que possa sê-lo. Todos se deram conta de que, se eles não fizessem nada, eu teria que fazer muito mais para que o projeto pudesse terminar. E então passaram a confiar em mim cada vez mais. Durante a filmagem de Whity (1970) tudo veio abaixo, e de repente todos perceberam que aquilo que queríamos fazer nunca aconteceu. E Warnung trata, na verdade, da rodagem de Whity.

The positive development that my director undergoes consists of his realization that the group isn’t a group at all, giving up the idea of the collective. He loses his illusions and sees the situation as it is. It’s possible to make films in a less authoritarian way, but you have to say from the start: I’m the director, you’re the cameraman, and you’re the actors. When the work is clearly defined, everyone can concentrate on their part, instead of everyone sharing everything, because that means nothing gets done properly. That may sound dictatorial, but the moment I realized this I also became a lot less dictatorial. The dream of our group, in the film and in reality, was to share the responsibility and the tasks, and that everyone could participate in determining which films would be made, and how and why they should be made. Unfortunately that didn’t work out. I don’t mean to say it’s impossible, and I still hope that it’ll be possible eventually. Everyone realized quickly that if they did nothing, then I’d end up having to do a lot more if the project was to get finished, and so they relied more and more on me. When we were shooting Whity (1970) everything collapsed, and suddenly everyone realized that what we were aiming to do never happened. And Warnung is really about the filming of Whity.

Até que ponto vocês são um coletivo de trabalho? Vocês moram juntos e tentam viver juntos mesmo quando não há um filme sendo feito? Nós já moramos juntos numa

mesma casa, mas quando a gente filmava, a maioria pedia o seu cachê, e quando era para pagar o aluguel ou para fazer compras, era eu quem tinha que assumir, porque eu estava mais interessado do que os outros em que o grupo funcionasse. E só quando já era tarde demais eu percebi que era impossível. Warnung trata de mostrar e de perceber que a gente sonhou com algo que na realidade não existe, e que os sonhos nem sempre se realizam. As pessoas estavam mais interessadas em sua segurança pessoal, ter algo para comer, 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

And what about the director’s dictatorial way of working?

To what extent are you a working collective? Do you live together and do you try to live together outside of your film work? We all lived together in one house, but when

we were shooting, most of the people asked for their fee and then, when the rent was due and the shopping had been bought, I had to do it, because I was more interested than the others in making sure the group functioned. And I only realized it was impossible when it was too late. Warnung is about opening up and realizing that we ’d been dreaming about something that doesn’t exist and that dreams can’t always be turned into reality. People were more concerned 204


do que no projeto, que exigia seu engajamento. Quebravam muito mais a cabeça pensando em como assegurar a própria existência do que a existência do projeto. E para mim era exatamente ao contrário. Quase tudo a respeito do que se fala no filme são frases vazias. Um cara no filme fala em integrar os trabalhadores no filme, em fazer cinema político para os trabalhadores, mas esta é apenas uma dessas frases vazias, que não podem ser levadas a sério. O modelo para este personagem foi um de meus melhores amigos — ele tinha pego um discurso de esquerda, sem levar a sério suas próprias palavras. Ele evitava todas as conseqüências perigosas de suas próprias palavras, mas usava as palavras para seduzir as pessoas — com seus discursos ele conseguiu levar um trabalhador espanhol para a cama! Seu colega Alexander Kluge chamou a Warnung um filme incestuoso. É isso que o Dr. Kluge acha? Todos os meus

filmes são incestuosos. Os outros filmes têm o mesmo tanto a ver comigo e com a minha vida. Götter der Pest [Deuses da peste] (1969) é igualmente pessoal. O trabalho parece ser um tema importante na maioria de seus filmes. Muitas de suas personagens estão quebradas porque não têm trabalho e são arrancadas de um convívio significativo com outras pessoas. O trabalho talvez seja

o único tema. O que mais? A maioria das pessoas trabalha todos os dias, durante 50 anos, e quando chega em casa, também trabalha. Essas pessoas não têm nenhuma vida privada. Podemos dizer que seu trabalho é sua vida privada. As personagens de meus filmes são indivíduos quebrados porque não têm trabalho, mas vivem num mundo no qual é necessário trabalhar. Isso é o que os destrói. Vivemos numa sociedade na qual é preciso trabalhar para dar um sentido à vida, e muitas de minhas personagens não suportam seu trabalho. Por isso elas não têm onde se agarrar na vida, e acabam se arrasando. O que você faria se não pudesse fazer filmes? Não tenho a menor idéia. Quando terminei a escola, pensei sobre isso e cheguei à conclusão de que o teatro e o cinema, do jeito que a nossa sociedade é, garantem a maior liberdade pessoal. Por isso me decidi. Mas a pergunta mais importante hoje é: como se pode destruir esta sociedade? Quando a sociedade tiver mudado, a consciência das pessoas também terá mudado. Mas enquanto tudo se basear no princípio de que alguns precisam trabalhar para que outros possam lucrar, trata-se apenas de uma mudança dessas condições. © Christian Braad Thomsen, Copenhague cortesia Rainer Werner Fassbinder Foundation, Berlim

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about their personal security and having something to eat than about the project which needed their involvement. They were busier racking their brains about securing their own existence rather than that of the project. And for me it was exactly the opposite. Almost everything that’s discussed in the film consists of empty phrases. A guy in the film talks about integrating the workers in the film, making a political film for the workers, but it’s just another of those empty phrases that you shouldn’t take seriously. The model for this character was one of my best friends — he’d picked up certain left-wing clichés without taking his own words seriously. He ’d avoided any dangerous consequences that might result from his words, but he used the words to seduce other people — he managed to get a Spanish worker into bed using his empty phrases! Your colleague Alexander Kluge called Warnung an incestuous film. Is that what Dr. Kluge thinks? All of my films

are incestuous. The other films have just as much to do with me and my life. Götter der Pest [Gods of the plague] (1969) is just as personal. Work seems to be an important theme in your films. Many characters are broken because they don’t have any work and are torn out of any meaningful context with other people. Work is probably the only theme that exists. What else?

Most people work day and night, for fifty years, and when they get home they work too. They have absolutely nothing you could call a private life. Let’s put it this way, their work is their private life. The characters in my films are broken individuals, because they have no work, but they live in a world in which you have to work. That destroys them. We live in a society where you have to work in order to have a purpose in life, and many of my characters can’t stand their work. That’s why they have no hold in life and go to pieces. What would you do if you couldn’t make films? I’ve no idea. When I left school, I thought about that and came to the conclusion that in the way our society is organized, theatre and film guarantee the greatest level of personal freedom. That’s why I decided on it. But the key question today is: how can you destroy this society? If society is changed, people ’s consciousness will also change, but so long as everything depends on some people having to work so that others can profit from it, it’s just a question of changing these conditions. © Christian Braad Thomsen, Copenhagen courtesy Rainer Werner Fassbinder Foundation, Berlin

6/9/2006 23:24:03


RANDA SHAATH Filadéfia, 1963; vive no [lives in] Cairo Under the same sky, rooftops of Cairo [Sob o mesmo céu, coberturas do Cairo] 2002–03 fotografia [photograph] dimensões variáveis [dimensions variable] coleção da artista [artist’s collection]

[Xabier Arakistain] Acho os dois pilares básicos desta Bienal extremamente sugestivos do ponto de vista da perspectiva feminista: a relação entre a arte e a sociedade, e a idéia de abordar o conceito de construção do ponto de vista crítico. Como você sabe, a afirmação de Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, foi fundamento para a teoria da construção cultural do sexo, do gênero e da sexualidade. No entanto, sabemos que a categoria mulher é uma construção cultural que o patriarcado prefere situar no campo do natural para perpetuar a inferioridade social das mulheres. Relacionando esses pensamentos com o mundo da arte, convido você a responder três questões. Se os Direitos Humanos são universais, por que os direitos das mulheres precisam ser subordinados às particularidades dos diferentes países e culturas? Qual sua percepção sobre esse assunto? Que relevância tem esse posicionamento no seu trabalho? Quem disse que os

[Xabier Arakistain] I find the two central concepts structuring this Bienal, i.e., the relationship between art and society and the idea of approaching the concept of construction from critical positions, extremely suggestive from the feminist perspective. As you know, Simone de Beauvoir’s statement, “One is not born a woman, rather one becomes one,” laid the foundations for the theory of the cultural construction of sex, gender and sexuality. Thus we know that the woman category is a cultural construction that the patriarchy prefers to situate within the terrain of the natural, to perpetuate the social inferiority of women. Relating these thoughts to the art world, I invite you to answer three questions: If Human Rights are universal, why must women’s rights be subordinated to the particularities of different states or cultures? How do you perceive this situation from your position? What relevance does that position have in your work? Who claims

Direitos Humanos são universais? Sob que parâmetros? As diferentes culturas têm prioridades diferentes e definem os direitos humanos sob critérios diferentes. Mas você sugeriu uma resposta que domina nossas construções culturais — o patriarcado. Você me perguntou qual a importância para meu trabalho, e minha resposta é que, pessoalmente, não tem a menor importância para ele. Meu interesse é trabalhar em projetos em profundidade. Gosto e quero passar mais tempo em um lugar, com as pessoas, me dedicando ao meu tema, e onde eu possa aprender alguma coisa e tentar mostrar isso nas fotos. Estou interessada em seres humanos como indivíduos que fazem parte de uma comunidade e da sociedade. Para o tipo de trabalho que faço, é mais fácil ser mulher. Como mulher, também interessada nas questões das mulheres, estabelece-se um elo direto. Na maioria das culturas há uma separação entre os universos público e privado, entre a família e as ruas; sendo mulher e fotógrafa, tenho mais acesso aos dois universos. A única vez em que me senti em desvantagem foi quando trabalhei por um curto espaço de tempo em uma agência de notícias tentando fazer a cobertura dos mesmos eventos com muitos outros fotógrafos. Eu não era a mais forte, nem a mais alta, e nem a mais agressiva nos requisitos exigidos por esse tipo de fotojornalismo. Muito embora tenha aprendido muito com a experiência, não é o tipo de fotografia à qual quero me dedicar.

Human Rights are universal? According to what measures? Different cultures have different priorities, and they define human rights in different ways. You offered an answer that dominates our cultural constructions however, patriarchy. You asked me what relevance to my work, and my answer is personally it has no relevance to my work. I am interested in working on in-depth projects. I enjoy and want to spend more time in a place, with the people, with my topic, where I can learn something and try to show it in photos. I am interested in human beings, as individuals who are part of the community, part of society. In the type of work I do, it is easier to be a woman. As a woman, who is also interested in women’s issues, there is a direct link. In most cultures, there is separation between the private and the public domains, between the family and the street, being a woman photographer can often allow me a greater access to both. It was only when I worked briefly in a news agency, trying to cover the same news event with a lot of other photographers, that I felt disadvantaged. I was not the strongest, nor the tallest nor the most aggressive that this kind of photojournalism requires. Though I learned a lot from that experience, it is not that type of photography that I want to do.

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RENATA LUCAS Ribeirão Preto, Brasil, 1971; vive em [lives in] São Paulo Barravento, São Paulo, 2001 instalação com compensado e dobradiças [installation plywood and hinges] 4,2 x 3,6 x 10,2 m foto Rubens Mano Comum de dois [Common of two] 2002 instalação com tijolos e reboco [installation with bricks and plaster] 3,1 x 9,5 x 4 m Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo foto Mauro Chinen

[Carla Zaccagnini] Fale-me do uso que faz de materiais, procedimentos e escalas arquitetônicas. Meus trabalhos

[Carla Zaccagnini] Tell me about your use of materials, procedures and architectural scales. My works proceed from

partem de uma característica do lugar (forma, material, aspecto, uso) e constroem algo quase igual, porém diferente. É uma realidade se sobrepondo a outra em camadas de tempo; os eventos se embaralham, tornando-se mais ou menos reais. Trabalhos como Barravento (2001) ou Mau gênio (2002) usam materiais da arquitetura temporária, móvel, flexível e portátil. São elementos que se despregam e desdobram, propondo o amolecimento de estruturas rígidas, a sobreposição de uma incerteza sobre uma certeza. Em outros, como Comum de dois (2002) ou Atlas (2006), a fixidez do material busca mover posições já incorporadas, tingindo de ficção a imobilidade dos limites estabelecidos.

a characteristic of the place (shape, material, aspect, use) and build something almost alike, but different. One reality superimposed on the other in layers of time; events are shuffled, becoming more or less real. Works like Barravento (2001) or Mau gênio [Evil temper] (2002) use temporary, mobile, flexible and portable architecture materials. Those are elements which unhinge and unfold, proposing the softening of rigid structures, the overlaying of an uncertainty on a certainty. In others, like Comum de dois [Common of two] (2002) or Atlas (2006), the material’s fixity tries to move already incorporated positions, coloring the stillness of established limits with fiction.

Além das características físicas do espaço, a história e os usos dos lugares também estruturam seus trabalhos?

Aside from the physical characteristics of space, are your works also structured by the history and use of the places?

Acho difícil separar as características físicas e os usos de um espaço: porta, passagem, atravessar, seguir. Os verbos (a ação) estão ligados à conformação física dos lugares, o uso e a história são também material “escultórico”. A arquitetura é uma espécie de extensão do corpo, fala dos desejos e das necessidades deste, do tipo de comunicação ou sociabilidade que se pretende. É uma forma de reagir ao ambiente, criando espaços de proteção e organização.

I find it difficult to separate physical characteristics and space usage: a door, a passage, crossing, following. The verbs (the action) are linked to the places’ physical shaping, just as usage and history are also “sculptural” material. Architecture is a sort of body extension, it speaks of its desires and needs, of the kind of communication or sociability one aspires. It is a way of reacting to the environment, by creating spaces to protect and to organize.

Às vezes suas grandes construções parecem um detalhe, um protótipo para o resto do mundo, uma possibilidade que se concretiza em maquetes 1:1. As maquetes grandes

Sometimes your large buildings look like a detail, a prototype for the rest of the world, a possibility made concrete in 1:1 scale models. Large scale models are an excellent

são uma imagem excelente. Eu penso em pedaços de mundo como maquetes, mas tenho necessidade de produzir em escala real, preciso encontrar o trabalho no mundo. Essa realização física é fundamental, me incomodam as idéias irrealizáveis. Estou excessivamente cheia de fantasia, preciso ver as coisas feitas, com peso, medida e tamanho reais. Mas não tenho um modelo para o mundo: vou percebendo-o aos poucos e faço os trabalhos em reação a ele.

image. I think of world pieces as maquettes, but I feel the need to produce in real scale, I need to find the work in the world. This physical achievement is fundamental, unrealizable ideas bother me. I am excessively filled with fantasy, I need to see things done with real weight, measure and size. But I have no model for the world: I perceive it as I go along and make my works as I react to it.

De que observações partiu o seu projeto para a 27a. Bienal? A Bienal não é fácil. É uma arquitetura muito bem-su-

cedida, que propõe um modelo transparente de mundo: incorpora o espaço público e é visualmente acessível a ele, mistura-se com a paisagem, alça os visitantes à altura das copas das árvores. Mas se tornou um prédio intocável, avesso a intervenções e adaptações. Por vezes pensei que preferia uma casinha com gente dentro, escola, padaria, lugares onde as relações se dão cotidianamente. Daí parte meu assunto, mas ainda é cedo para dizer o que vou conseguir fazer entre a casinha, a Bienal e a árvore.

27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

What observations were at the basis of your project for the 27th Bienal? The Bienal is not easy. It is a very successful

architecture that proposes a transparent model of the world: it incorporates public space and is visually accessible to it, it mingles with the landscape, it raises visitors to the trees’ foliage. But it has become an untouchable building, averse to interventions and adaptations. At times I thought I’d rather have a little house with people inside, a school, a bakery, places where there is a daily rapport. Hence my subject, but it is still too early to say what I will be able to achieve between the little house, the Bienal pavilion and the tree.

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RIRKRIT TIRAVANIJA Buenos Aires, 1968; vive em [lives in] Nova York Untitled (the air between the chain-link fence and the broken bicycle wheel) [Sem título (o ar entre a cerca de correntes ligadas e a roda da bicicleta quebrada)] 2005 estrutura de vidro e aço com transmissor, estrutura de madeira com receptor e móveis, DVD player e dois monitores, duas antenas e papel de parede [glass and stainless-steel structure with transmitter, wood structure with receiver and furniture, DVD player and two monitors, two antennas, and wallpaper] cortesia [courtesy] Gavin Brown’s Enterprise, Nova York [Jochen Volz] O First Royal Thai Pavilion [Primeiro Pavilhão Real Tailandês] (1999) cita uma ação de Broodthaers, Hyde park speaker’s corner [Canto do orador do Hyde Park] (1973), um trabalho sobre o potencial da mudez. Qual é a importância do silêncio na vida, na arte e em seu trabalho?

First Royal Thai Pavilion tem muito a ver com o silêncio ou, estando em silêncio, ser colocado numa posição de não verbalização, de não fala… mas para tornar visível o que não foi ouvido (ou não foi visto) pela ensurdecedora mudez da representação… talvez seja apenas como uma imagem de uma manifestação apinhada de gente, e naquela vasta massa humana levanta-se uma mão, acima do mar de cabeças, com um pequeno cartaz em que se pode ler, a distância, “Freiheit kann man nicht simulieren” [não se pode simular a liberdade]… a arte aproxima-se bem perto da idéia ou idealismo de obter um espaço para discutir a liberdade… mas também seria preciso reconhecer que esse espaço está muitas vezes sepultado nas profundezas da mudez, pois tudo o mais que tenta com muito esforço existir está fazendo um bocado de barulho. A profundidade do silêncio é a clareza da alma. Trabalho para ser livre e vivo para gozar do trabalho. A demonstração, a plataforma, a cozinha, a estação e a estrada são elementos centrais de seu trabalho; passagens, transmissões ou pausas, e o oposto daquilo que poderia ser denominado lar, igreja ou museu. O que é, para você, um lugar ideal? Certamente a passagem como um lugar,

como um não-sítio ou como lar, significando mais a experiência como localização. Ser um álibi e não um devoto, um curioso e um transeunte, prosseguir sempre, ainda que com dificuldade, ser receptivo às diferenças e à deferência. Você adaptou, transformou e deslocou marcos da história da arquitetura moderna, como a Casa de Kings Road, de Schindler, a Casa de Vidro, de Johnson, e o Edifício Seagram, de Mies. Para a 27a. Bienal está desenvolvendo um projeto sobre a Casa Tropical, de Jean Prouvé. Qual é o significado, no contexto brasileiro, da arquitetura portátil de Prouvé, concebida como um instrumento colonial francês para o Congo? A Casa Tropical, que recorre à engenharia e

à arquitetura, deve ser reanimada por passagens da história e do tempo, pelas condições coloniais e pós-coloniais, pelo moderno, pelo pós-industrial e pelas visões apocalípticas do mundo. Enquanto o Congo recebia projetos habitacionais, faziam-se explosões no Atol de Bikini e o Brasil vem sobrevivendo “entre parênteses”, entre essas duas condições. Uma doença tropical, a Casa Tropical é um exorcismo arquitetônico da representação exótica da alteridade, acolherá eventos e exposições que versem sobre a vida biológica e o uso de palmeiras em todos os aspectos da cultura. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

[Jochen Volz] The First Royal Thai Pavilion (1999) quotes Marcel Broodthaers’ Hyde Park speaker’s corner (1973), a work about the potential of muteness. What is the importance of silence in life, art and your work? Concerning the

First Royal Thai Pavilion, it was very much about silence, or, having been silent, to be placed into a position of nonverbal, nonspeech… but to make the unheard (or unseen) visible through the deafening muteness of representation… perhaps it’s just like an image of a very crowded demonstration; there appears in this vast mass of humanity a hand held up high over the sea of heads, a little placard on which one can read from the distance, “Freiheit kann man nicht simulieren” [one can’t simulate freedom]… art comes close to the idea or the idealism of obtaining a space to discuss freedom… but one would also have to recognize that this space is often buried in the depth of muteness, since everything else that is trying very hard to exist is making a lot of noise. The depth of silence is the clarity of the soul. I work to be free and live to enjoy the work. The demonstration, the platform, the kitchen, the station and the road are central elements of your work; passages, relays or pauses, and the opposite of what could be called home, church or museum. What do you consider an ideal place? Certainly the passage as a place, as a non-site or as

home, meaning rather the experience as location. To be an alibi and not a worshiper, a bystander and a passerby, to always walk a dislocated joint and move the hips to differences and deference. You have adapted, transformed and dislocated landmarks of modern architectural history, such as Schindler’s Kings Road House, Johnson’s Glass House and Mies’ Seagram Building. For the 27th Bienal, you are developing a project around Jean Prouvé’s Tropical House. What is the significance of Prouvé’s portable architecture, conceived as a French-colonial tool for the Congo, in the Brazilian context? The portable engineered/architectural Tropical

House is to be reanimated through the passages of history and time, of colonial and postcolonial conditions, the modern, the postindustrial and the apocalyptic visions of the world. While the Congo received housing, the Bikini atoll was being blown up, and Brazil has survived in between these parenthetic conditions. A tropical malady, the Tropical House as an architectural exorcism of the exotic representation of otherness, will host events and exhibits concerning biological life and the use of palm trees in all aspects of culture.

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RIVANE NEUENSCHWANDER Belo Horizonte, 1967; vive em [lives in] Belo Horizonte […] 2005 instalação com máquinas de escrever modificadas, feltro, alfinetes, papel, mesas e bancos [installation with modified typewriters, felt, paper, pins, tables and benches] dimensões variadas [dimensions variable] cortesia [courtesy] Galeria Fortes Vilaça, São Paulo e [and] Stephen Friedman Gallery, Londres fotos Rivane Neuenschwander e [and] Giovanni Pancino

[Hans Ulrich Obrist] Fale sobre seu projeto para a 27a. Bienal e a maneira como ele está associado à arquitetura de Niemeyer. Fui convidada para fazer um projeto gráfico para

o livro Como viver junto, que se chama Canteiros/conversations and constructions. Trata-se de uma série de fotografias sobre situações que remetem claramente à arquitetura e ao urbanismo e são uma metáfora para “como viver junto”. Assim, Niemeyer é uma referência, mas não a única. Interesso-me pela constante transformação das cidades no Brasil, seja pela destruição sistemática de construções de época, seja pela proliferação de canteiros de obra. Imagino conversas triviais sobre temas complexos e que acontecem hipoteticamente em mesas de comida, lugar de convívio por excelência. E crio então pequenas situações relacionadas com a vida nos grandes centros urbanos, situações estas feitas com a comida do dia, seja o ovo, seja o macarrão, para falar do condomínio de luxo ou do processo e temporalidade das construções. Esse processo terá um fim? Há uma ligação direta entre o tempo de existência da obra e o tempo de realização da Bienal? Este é um trabalho fotográfico e, diferentemente de

[Hans Ulrich Obrist] Tell me about your project for the 27th Bienal and how it relates to Oscar Niemeyer’s architecture.

I was commissioned to make a project for the book Como viver junto [How to live together], which is called Canteiros/ conversations and constructions. It comprises a series of photographs featuring situations that clearly refer to architecture and urbanism, and are a metaphor for “how to live together”. So, Niemeyer comes forth as an immediate reference, but not the only one. I am interested in the constant transformation of the cities in Brazil, whether it be systematic destruction of historical buildings or the proliferation of construction sites. I imagine trivial conversations about complex subjects carried out at the dining tables, a gathering place par excellence. Then I devise trivial situations from everyday life in large urban centers — for example, situations involving the day’s fare, whether it be egg or pasta — and I use them to address luxury condominiums or the process and temporality of the buildings. Will this process ever end? Is the timeframe of the piece bound to the timeframe of the 27th Bienal? This is a pho-

outros projetos, independe da durabilidade da mostra. Alguns trabalhos, como […] (2005), que apresentei na Biennale di Venezia de 2005, têm sua vida estreitamente ligada à atuação dos visitantes, dentro de um contexto e tempo que lhes foi oferecido. Já outros trabalhos desdobram-se para além disso, contando ainda com toda sorte de protagonistas, como Eu desejo o seu desejo (2003). Em retrospectiva, este projeto da 27a. Bienal surge de outro, as Esculturas involuntárias (Atos de fala) (2001), baseado na série homônima de fotografias do Brassai. Nesse projeto, coletei pequenos objetos que as pessoas fazem durante conversas em bares e restaurantes. São objetos que encarnam um tempo e um espaço de outrem e que indicam aquilo que não é propriamente dito, articulando um discurso paralelo e silencioso, mas não menos incisivo.

tographic work, and differently from other projects, it is not dependable of the timeframe of the 27th Bienal. Some works, such as […] (2005), which I showed at the 2005 Biennale di Venezia, have their timeframe directly connected to the action of the visitors, within a context and time that was offered to them. Yet other projects unfold themselves beyond this, having all kinds of protagonists, such as Eu desejo o seu desejo [I desire your desire] (2003). Retrospectively, this project for the 27th Bienal is a direct development from my work Esculturas involuntárias (Atos de fala) [Involuntary sculptures (Speech acts)] (2001), based on the homonymous photographic series by Brassai. For this project, I gathered things that people make as they chat at bar and restaurant tables. They are objects that incarnate someone else ’s time and space, and that indicate what is not being said, articulating a parallel and silent discourse, though not less incisive.

E seus projetos ainda não realizados? São projetos utópicos ou aquilo que Yona Friedman chama de utopias concretas, ou se tratam apenas de projetos esquecidos, censurados ou deixados de lado por outras razões? Às ve-

What about your yet unrealized projects? Are they utopian projects or concrete utopias, as Yona Friedman calls them, or simply projects that have been forgotten, or censored, or unrealized for other reasons? Sometimes I wake

zes sou assaltada na madrugada por idéias que me tiram o sono, trabalhos efêmeros ou que requerem uma manutenção impraticável. Gostaria de fazer trabalhos que não tivessem fim, que estivessem em transformação permanente e que fossem feitos pelo e para o tempo e o público. Algumas manhãs acordo com a intenção de executar esses projetos. Normalmente à tarde percebo que alguns deles só podem existir no âmbito das idéias.

up in the small hours of the morning, suddenly assaulted by thoughts that literally render me sleepless, ephemeral works, or works that require unfeasible maintenance. I would like to execute endless works, ongoing works in permanent transformation, made by and for time and the public. There are mornings when I wake up with the firm intention of carrying out these projects. Then, in the afternoon, I realize they can only fully exist within the scope of ideas.

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ROMAN ONDÁK Zilina, Eslováquia, 1966; vive em [lives in] Bratislava Casting of antinomads [Seleção de antinômades] 2000 série de 120 fotografias [series of 120 photographs] 22 x 32,5 cm cada [each] ed. 5 cortesia do artista e [courtesy the artist and] Gallery Martin Janda, Viena e [and] gb agency, Paris

[Jens Hoffmann] Seus trabalhos apresentam, muitas vezes, sutis desvios ou discretos distanciamentos de elementos da vida cotidiana. Como você descreveria as principais preocupações presentes em seu trabalho? Como você

[Jens Hoffmann] Your works are often subtle twists or discreet shifts of elements of the everyday. I wonder how you would describe the key concerns of your work yourself? As you say, I am interested in twisting the everyday

diz, interessa-me operar desvios na vida do dia-a-dia e fazer incursões no cotidiano. Meu objetivo é deslocar nossa percepção dos códigos sociais, convenções, rotinas e limites existenciais. Existem milhares de situações aparentemente simples que influenciam imperceptivelmente nossa sociedade. Sinto-me fascinado por suas ambigüidades, bem como por criar as estruturas das relações, que tornam mais aparente a realidade em que elas se baseiam.

and making incursions into the quotidian. My aim is to shift our awareness of social codes, conventions, routines and existential limits. There are thousands of seemingly simple situations that imperceptibly influence our society. I am fascinated by their ambiguities as well as by making the structures of relations, which make the reality that this is based upon more apparent.

Como isso se manifesta em suas criações de forma concreta? Todos os meus trabalhos têm em comum o fato de ques-

What all of my works have in common is how they question the “real” of lived and the “potential” of imagined experiences. They evoke both physical and temporal displacement from lived reality to the world of provisional representation.

tionarem o “real” das experiências vividas e o “potencial” das experiências imaginadas. Eles evocam o deslocamento físico e temporal da realidade vivida para o universo da representação provisória. Talvez você possa aprofundar esse conceito falando sobre os trabalhos que apresentará na 27a. Bienal. Pretendo

apresentar dois novos trabalhos que, de certo modo, se entrelaçam. Um deles é uma série de fotografias chamada Casting of antinomads [Seleção de antinômades], que apresenta um grupo de pessoas com aquilo que eu chamaria de atitude contrária às viagens. Essas pessoas foram convocadas com o objetivo de publicar uma série de cartões-postais intitulados Antinomads. O segundo trabalho será uma série de cerca de cem desenhos feitos por meus amigos e parentes, a quem pedi que desenhassem uma megalópole futura anônima, baseados inteiramente em sua imaginação. A coleção de todos os desenhos será mostrada numa sala, junto com o Casting of antinomads. Sua justaposição formará várias tensões de tempo/espaço, que se estendem desde a atual e passiva resistência dos antinômades ao movimento e à mudança, no sentido de um antiprogresso, até a dinâmica da participação deles num processo de agrupamento, bem como à estrutura pseudo-urbana de uma megacidade imaginária do futuro. Você está sempre muito interessado no conceito do performático e fico imaginando como seu trabalho será interpretado no Brasil, com sua longa tradição de práticas performáticas. Embora meu trabalho possa assumir a forma

de uma instalação, performance ou intervenção no contexto em que é apresentado, o espaço performático ou a atividade baseada no movimento situam-se freqüentemente no fundo de tudo. Acredito que qualquer espaço pode proporcionar estímulos para uma leitura do sentido de meu trabalho, já que ele lida com a memória, a imaginação, a empatia e objetiva tocar universalmente nossa percepção. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

How does this manifest itself in your pieces concretely?

Can you maybe elaborate on this by talking about the works you will present in the 27th Bienal? I am planning

to show two new works that in a way intertwine with each other. One is a series of photographs called Casting of antinomads, which depicts a group of people with what I would call an anti-travel attitude. These people were cast for the purpose of publishing a series of postcards titled Antinomads. The second work will be a series of about one hundred drawings made by my friends and relatives, whom I will ask to draw for me an anonymous future megalopolis, based entirely on their imagination. The collection of all the drawings will be shown in one room together with the Casting of antinomads. Their juxtaposition will form various time/space tensions ranging from the antinomads’ current passive resistance towards movement and change in a sense of anti-progress, to the dynamics of their participation in a casting process, as well as the imagined future pseudo-urban mega-city structure. You are always very interested in the notion of the performative, and I wonder how you think your work will be read in Brazil with its long tradition of performative practices? Although my work might take the form of an installa-

tion, performance or an intervention in the context in which it is presented, performative space or movement-based activity is very often in the background of everything. I believe that any location can provide the stimuli for reading a sense of my work since it deals with memory, imagination and empathy, and aims to touch our perception universally.

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SANGHEE SONG

Seul, 1970; vive em [lives in] Seul

The firstlady A [A primeira-dama A] 2004 c-print 90 x 120 cm

[Cristina Freire] Em seu trabalho, qual é o relacionamento entre a educação e a política? Para mim, a experiência de

[Cristina Freire] What is the relationship between education and politics in your work? For me, the experience of

uma educação e de uma política internalizada é resultado da modernização da Coréia. Tentei enfatizar os traços emocionais e físicos da modernidade que são ensinados e internalizados pela sociedade. Meus trabalhos podem ser vistos no interior do espaço das regras do jogo feitas para a burguesia beneficiada por um sistema educacional de elite. Baseio-me em minhas próprias experiências.

internalized education and politics have resulted from the modernization of Korea. I have tried to emphasize emotional and physical traits of modernity that are taught to and internalized by society. My works can be within the space of game rules for the bourgeois class benefited by the elite educational system, based on my experiences.

Como se iniciou a série das Machines [Máquinas] e qual é o presente relacionamento entre elas e a mulher contemporânea da Coréia do Sul pertencente à classe média?

Estou interessada apenas em “mim”. O “mim”, aqui, se refere a uma mulher, nascida na classe média da Coréia do Sul, heterossexual, sem nenhuma deficiência. Em relação a isso, não se trata de um eu individual. É muito claro que o grupo a que pertenço é um estrato social distinto. É também claro que existe uma memória coletiva e um padrão de comportamento a serem compartilhados, bem como uma ética que diz respeito unicamente a esse grupo. Como membro desse grupo, questionei-me incessantemente. Por que você pensa e age dessa maneira? Depois de fazer tais perguntas, eu me dou conta de que certas coisas existem. São “sistemas”, tabus. Tais sistemas sempre criam enorme pressão sobre mim. Aqui surge outra indagação: quais são realmente esses sistemas e por meio de qual poder eles funcionam? Ao relacionar essas questões com minha própria pessoa, tento reverificar os sistemas. Esse procedimento de interrogar e verificar constitui meu trabalho. Afinal de contas, estou falando sobre minha “identidade”. Tenho acreditado que consigo levá-lo adiante em qualquer lugar. No entanto essa crença pode ser uma fonte de pressão e é bem possível que eu esteja pairando num vazio. Assim, nasce o desejo de manter-me firme em determinado lugar e esse desejo me leva a formular questões. Com a invenção destas Machines, quero falar de um mecanismo destinado à autotortura/autoreconforto que deveria levar-me a atingir a fantasia de ser uma “boa filha”. Esta é uma obsessão coletiva e uma fantasia comum que as mulheres de classe média têm, nascidas da ideologia da “boa filha” e da “mãe sábia e boa esposa”, que a sociedade patriarcal da Coréia impingiu nelas.

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How did the series of Machines first start and what is the actual relationship between them and the contemporary middle-class South Korean woman? I am just interested in

“myself ”. “Myself ” here refers to a woman, who was born in middle-class South Korea, straight, and without any disability. In this regard, I am not an individual me. It is very clear that the group to which I belong is a distinct social stratum. It is also clear that there is a collective memory and behavior pattern to be shared, and ethics that can pertain to this group only. As a member of this group, I have posed questions to myself ceaselessly. Why do you think and act that way? After asking such questions, I realize that there are some things in existence. They are “systems”, something like skeletons in the closet. These systems always create heavy pressure on me. Here another question is raised. What really are these systems, and by what power do these systems work? Relating these questions to myself, I try to re-verify the systems. This process of questioning and verifying is my work. After all, I am talking about my “identity”. I have believed that I can stand anywhere. But that belief itself may be a source of pressure, and it may well be that I have been floating in a void. Thus, I come to have a desire to stand up straight on a certain spot, and this desire leads me to ask questions. Through the invention of these Machines, I want to talk about a mechanism for self-torture/ self-comfort that should make me attain the fantasy of being a “good daughter”. This is a collective obsession and a common fantasy that middle-class women have, which arose from the ideology of the “good daughter” and “wise mother and good wife” that has been forced on them in the patriarchal society of Korea.

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SERVET KOCYIGIT Kaman, Turquia, 1971; vive em [lives in] Amsterdã e [and] Istambul grafia [ photograph] 120 x 120 cm

Twins [Gêmeos] 2005 foto-

[Fulya Erdemci] Em seus projetos você recorre a vários métodos e mídias, como a fotografia, o vídeo e a instalação. Ao assinalar justaposições acidentais ou a sobreposição de objetos e posturas comuns, banais e insignificantes no contexto da vida cotidiana, seu trabalho desvenda aquilo que é invisível ou que passa despercebido e, assim, propõe novos encadeamentos de significados. Sem fazer declarações ruidosas ou generalizar reivindicações, você insinua a estranheza escondida naquilo que é mais comum e familiar para nós. Em seus trabalhos recentes, como Blue side up [Lado azul para cima] (2005), você aprofundou sua investigação e, em vez de citar o que já existe, interveio com objetos reais, metamorfoseando-se em coisas híbridas, monstruosas, que se juntam para formar narrativas e metáforas visuais. Qual é o processo de seleção do meio e do método que você emprega em seu trabalho? A maior

[Fulya Erdemci] You employ diverse methods and media like photography, video and installation for your projects. Pointing out accidental juxtapositions or the overlapping of ordinary, trivial and insignificant objects and positions in the context of everyday life, your work unfolds what is invisible or which goes unseen, and thus proposes new chains of signification. Without bringing out any loud statements or generalizing claims, you hint at the eeriness hidden in what is most ordinary and familiar to us. In your recent works, such as Blue side up (2005), you furthered your inquiry and instead of quoting what is already there, you are intervening with readymade objects to metamorphose them into hybrid, monstrous things that come together to form visual narratives and metaphors. What is the process of selection of the medium and method that you employ for your work? I start most of the time from an

parte do tempo começo por uma idéia e, em seguida, escolho o método que pode ajudar-me a criar meu trabalho da melhor maneira possível. Por exemplo, o trabalho Sometimes I check the fridge ten times to see if it is really closed [Às vezes verifico a geladeira dez vezes para ver se está fechada de verdade] (2005), com base em um texto em crochê, aborda obsessões e neuroses domésticas. Essa paranóia se reflete na escolha repetitiva do meio crochê. A maior parte do tempo lido com a realidade em meu trabalho, e então escolho trabalhar com objetos reais, já que os objetos existentes têm suas próprias funções e significados embutidos neles. Recentemente comecei a viajar com mais regularidade e a trabalhar em diferentes países. A mobilidade levou-me naturalmente a usar mídias mais diretas e práticas do que a fotografia e o vídeo. Qual é seu projeto para a 27a. Bienal? Pode explicá-lo? Estou planejando expor uma seleção de meus trabalhos anteriores, bem como alguns novos, feitos para a Bienal. Embora cada trabalho possa ter uma existência independente e seja feito em diferentes momentos, eles se ligam de maneira conceitual. Todos mostram meu interesse subjacente em intervir por meio de situações reais, manipulando objetos reais para criar realidades alternativas. Eles assinalarão abordagens alternativas à reconstrução e reorganização de objetos, pessoas, situações e ambientes, resultando numa redefinição do espaço em que vivemos. Mostrarão meu interesse em usar tanto a linguagem quanto o humor.

idea and then choose the medium that can help me to create my work in the best possible way. For example the crocheted text work Sometimes I check the fridge ten times to see if it is really closed (2005), deals with domestic obsessions and neuroses, this paranoia is reflected in the repetitive choice of medium — crochet. Most of the time, I deal with reality in my work, so I choose to work with the real objects, since existing objects have their own functions and meanings embedded in them. Recently, I started to travel more regularly and to work in different countries; being mobile has naturally led me to using more direct, practical media like photography and video.

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What is your project for the 27th Bienal? Can you explain it? I am planning to exhibit a selection of my previous works

and some new ones made for the Bienal. Even though each work can exist independently and is made at different times, they are connected in a conceptual way. They all show my underlying interest in intervening with real situations, manipulating the real objects to create alternative realities. They will point out the alternative approaches to reconstructing and reorganizing objects, people, situations and environments, resulting in a redefining of the space we live in. They will show my interest in using language and humor as well.

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SHAUN GLADWELL Sydney, 1972; vive em [lives in] Sydney Double linework [Trabalho de linha duplo] 2000 vídeo cortesia do artista e [courtesy the artist and] Sherman Galleries, Sydney Storm sequence [Seqüência de tempestade] 2000 vídeo videografia [videography] Técha Noble som [sound] Kazumuchi Grime cortesia do artista e [courtesy the artist and] Sherman Galleries, Sydney

[Steven Matijcio] Você descreveu seu trabalho como “escultura funcional”. Entretanto, um dos aspectos mais intrigantes de seus vídeos é que a cultura de rua e o espaço público são ao mesmo tempo rarefeitos e funcionalmente subvertidos. De que maneira você organiza a interação entre gesto e espaço? Você a impulsiona para uma direção determinada? A idéia de “escultura funcional” foi um jogo

[Steven Matijcio] You’ve described your work as “functional sculpture”, yet one of the most intriguing aspects of your video is that street culture and public space are rarefied and functionally subverted. How do you organize the interaction between gesture and space? The idea of

As ações que você apresenta ou perform são efêmeras. Ainda assim, seu modo de apresentação remete à expansão do tempo que Michael Snow e Douglas Gordon realizaram com o objetivo de deslocar a duração para o campo da perspectiva. Por outro lado, suas pinturas são atos mais agressivos e viscerais. Qual é o papel do tempo em sua prática? Minha prática tem vários sinais indica-

the realm of perspective. Your paintings on the other hand are more aggressive, visceral acts. What is the role of time in your practice? My practice has various time signatures

“functional sculpture” was a play on the way urban practices extend the function of public space and civil architecture. I com as práticas urbanas e o modo como elas expandem a was thinking of Duchamp’s statement to “use a Rembrandt função do espaço público e da arquitetura civil. A frase de as an ironing board” as illustrating a logic of subversion to Duchamp “use um Rembrandt como tábua de passar roupas” specific urban activities. Right now, a million skateboarders, ilustra uma lógica de subversão, aplicada a atividades urba- if given the opportunity, wouldn’t hesitate to use a Donald nas específicas. Neste momento, um milhão de skatistas não Judd as a “grind box” or a Carl Andre as a “manual pad”. hesitariam em lançar mão, em suas pistas, de um Donald My work engages strategic misuse of space and objects Judd como grind box ou um Carl Andre como manual pad. while acknowledging the historical and cultural significance Meu trabalho emprega como estratégia o uso impróprio do of the “host” object, space and its method of misuse. espaço e de objetos, enquanto reconhece a significância his- The actions that you present/perform are ephemeral; yet your mode of presentation recalls Michael Snow and tórica e cultural do objeto “hospedeiro”, do espaço e seu Douglas Gordon’s expansion of time to move duration into método de utilização imprópria.

tivos de tempo, como numa notação musical. As pinturas e as performances em vídeo seguem diferentes cronologias, mas suas preocupações com a duração estão relacionadas. Ambas representam performances que são atos ostensivamente agressivos em sua confrontação das formas urbanas. Eu também as utilizo como registros de um processo similar ao do grafite, no qual uma presença é temporariamente imposta sobre outro território físico, cultural e histórico. Eles registram sinais indicativos de tempo, breves e dramáticos, que ficam suspensos num estado de reflexão perpétua. A especificidade cultural e geográfica fazem parte de sua obra, e você enfatiza que a relevância da “arte da rua” muda a cada projeto. Como pretende se envolver com São Paulo? Nesse estágio inicial do desenvolvimento do traba-

lho tenho mais certeza daquilo que não vou fazer: comprar um posto de gasolina desativado, como fez Kippenberger em 1986. Os trabalhos que ele realizou nesse local estão entre os interessantes e problemáticos (inclusive, me lembrei dele quando filmei um jogo de capoeira num posto de gasolina em Sydney, para Woolloomooloo night [Noite Woolloomooloo], 2004). Meus interesses pelos espaços público e privado me levam a atividades que reivindicam espaço e anunciam, ainda que brevemente, a propriedade simbólica. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

similar to musical notation. The paintings and video performances follow different chronologies, but their concerns with duration are related. They both represent performances that are ostensibly aggressive acts in their confrontation of urban forms. I also use them as records of a graffiti-like process, where a presence is temporarily imposed upon another physical, cultural or historical territory. They record quick and dramatic time signatures, which are then suspended in a state of perpetual reflection. Cultural and geographic specificity are integral parts of your work, and you emphasize that the relevance of “street art” changes with every project. How will you engage with São Paulo? At this early stage of the development of the

work, I’m more certain of what I won’t be doing: purchasing a disused Brazilian gas station as Kippenberger did, in 1986. The works that took place in this site are some of the artist’s most interesting and problematic (I even had this work in mind when recording capoeira in a Sydney gas station for Woolloomooloo night, 2004). My interests in public and private space lead me to activities that claim space and announce, however briefly, symbolic ownership.

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SHIMABUKU Kobe, Japão, 1969; vive em [lives in] Berlim Asking to “remix” my works about octopus to the repentistas Peneira & Sonhador [Pedindo aos repentistas Peneira & Sonhador para compor sobre meus trabalhos com o polvo] São Paulo, 2006 cortesia do artista [courtesy the artist]

[Ana Paula Cohen] Em trabalhos anteriores, muitas vezes você encontrou algo que realmente faz parte do funcionamento de cada contexto e conseguiu envolver o público local em todo o processo. De que forma você captura esses detalhes ocultos do cotidiano e encontra a chave certa para despertar a curiosidade das pessoas naquilo que está fazendo? A “chave certa” é uma boa expressão. Busco

a chave certa para abrir o coração das pessoas. Eu apenas procuro observar de perto a vida cotidiana das pessoas. Mas sou um viajante. Provavelmente vejo as coisas de maneira diversa da população local, até mesmo no Japão. Ao oferecer ao público esse ponto de vista de um estranho, você cria um interesse. Você é capaz de mostrar algo sobre São Paulo que eu não seria capaz de ver. Na realidade

eu estudo por meio de minha prática artística. Nesse sentido, sou como o público, observo os acontecimentos e aprendo com isso também. No caso do vídeo Then, I decided to give a tour of Tokyo to the octopus from Akashi [Então, decidi mostrar Tóquio ao polvo de Akashi] (2000), bastou que eu trouxesse o polvo à cidade para que o público começasse a interagir comigo. Ficarei satisfeito em saber que as pessoas ficam admiradas, mas é preciso que eu me sinta assim primeiro, para que elas então possam sentir-se assim. Às vezes chego a ponto de não fazer nada. Da primeira vez que estive no Rio de Janeiro, em 2000, me encantei com as pessoas. Senti que elas realmente sabem como buscar a felicidade, independentemente de sua condição social. Bastava eu aprender com elas. Ali eu não precisava criar arte para alegrar as pessoas. Em terra de gente sadia, falar de médico é piada! Você encontrou uma chave para começar seu trabalho no projeto em São Paulo? A questão do imigrante japonês é o

meu ponto de partida para ver São Paulo, mas preciso estudar mais. Não quero ser como alguns soldados que carregam tudo de seu país e por isso comem sempre o mesmo tipo de comida. Alguns chefs viajam levando consigo apenas uma faca, o que significa que eles gostam de usar os ingredientes locais. Quero encontrar alguma coisa especial para a estrutura de meu trabalho. Não apenas ingredientes: se a partir daí eu conseguir descobrir uma maneira totalmente nova de cozinhar, será ótimo.

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[Ana Paula Cohen] In your previous works, you often find something that really belongs to the functioning of each context, and manage to get its local people involved in the whole process. How do you proceed to catch these hidden details of everyday life, finding the right key to make people curious about what you are doing? “Right key” is a

good word. I look for the right key to open people’s hearts. I just try to see people’s daily lives very carefully. But I am a traveler. I probably look at things in a different way from local people, even if I am in Japan. You offer this outsider point of view to the audience, and that is the way you create an interest: you can show me something of São Paulo I could never see. I am actually

studying something through my art experience. In this sense, I am like the audience, I see what happens and learn from that too. In the video Then, I decided to give a tour of Tokyo to the octopus from Akashi (2000), I just brought the octopus to the city and people started to act and react to me. I will be glad if people are amazed, but I have to be amazed at first, and then people will also be. Sometimes I get to the point I do nothing. When I came to Rio de Janeiro for the first time, in 2000, I was so amazed by the people there. I felt they really know how to become happy, independently of their social condition. I just had to learn from them. I did not have to make art to make people happy there. If all the people are healthy, a doctor is a joke! Did you find a key from which to start the work for the project in São Paulo? The Japanese immigrant issue is my

starting point to see São Paulo, but I need to study more. I don’t want to be like some soldiers who bring everything from their own country, eating always the same food. Some chefs travel only with a knife, which means s/he likes to use local ingredients. I want to find something special for the structure of my work. Not only the ingredients; if I can find a totally new way of cooking from here, it will be great.

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SIMON EVANS Londres, 1972; vive em [lives in] Londres Local gestures [Gestos locais] 2005 técnica mista sobre papel [mixed media on paper] 29,5 x 42,2 cm 14 years [14 anos] 2005 técnica mista sobre papel [mixed media on paper] 29,5 x 42,2 cm cortesia do artista e [courtesy the artist and] Jack Hanley Gallery, São Francisco

[Jens Hoffmann] O que você faria caso não fosse artista?

Provavelmente escreveria poesia ou seria comediante. Como descreveria seu trabalho? O que mais faço são mapas, listas e diagramas. Uso materiais cotidianos, como fita durex, tipp-ex [liquid paper], folhas de papel, coisas que encontro em casa ou na rua, combinando-as com meus desenhos. Se tivesse de escolher uma palavra, eu diria colagem. É uma tentativa de satirizar sistemas existentes, combinada com meu desejo de criar um mundo. A idéia de mapas e diagramas se prestará muito bem às condições de São Paulo. O que fará para a 27a. Bienal?

[Jens Hoffmann] What would you do if you were not an artist? I would probably write poetry or be a stand-up co-

median. How would you describe your work? I mostly make maps, lists and diagrams. I use everyday materials such as Scotch tape, Tipp-Ex, scraps of paper, and things I find around the house or in the street, and combine these with my drawings. If I would have to choose one word, I would say collage. It is an attempt to satirize existing systems, combined with my own desire to create a world. The idea of maps and diagrams will lend itself well to the conditions of São Paulo. What will you do for the 27th Bienal? I have just come from São Paulo. I was fas-

Acabei de voltar de São Paulo. Fiquei fascinado com sua arquitetura e o trabalho que iniciei é uma planta baixa de um apartamento na região onde se situa meu hotel, próximo da Avenida Brigadeiro Luís Antônio. O trabalho intitula-se Privileged place [Local privilegiado] e é essencialmente um desenho humorístico. Penso no que é ser privilegiado em todos os sentidos, como, por exemplo, a leveza de estar numa cidade na qual você não mora, a pornografia da distância e, três semanas mais tarde, fazer desenhos sobre a América do Sul. Estou tentando empregar esse efeito ardiloso porque ele se encontra em todos os lugares, em São Paulo.

cinated by the architecture, and the work I’ve started is a floor plan of an apartment in the area where my hotel was, near Avenida Brigadeiro Luis Antônio. The work is called Privileged place and it is essentially a cartoon. I’m thinking about being privileged in every sense, like the lightness of being in a city you don’t live in, and the pornography of distance, three weeks later making drawings about South America. I’m trying to employ this wicked mosaic effect because it is everywhere in São Paulo.

Acho que se pode dizer que muitos artistas fazem o que fazem porque estão tentando afirmar sua posição no mundo. É interessante que você proceda assim de uma maneira aparentemente direta, usando tabelas, diagramas e gráficos que parecem científicos, mas que no fim se revelam um tanto absurdos. Quem sabe você concebe o mundo como um lugar absurdo? Penso que a maneira pela qual tentamos

I think it’s fair to say that many artists do what they do because they are trying to establish their position in the world. It is interesting that you do this in such an apparently straightforward way by using tables, diagrams and graphics that look scientific but in the end turn out to be rather absurd. But maybe you think of the world as an absurd place? I think the way we try to categorize and define

categorizar e definir o mundo pode ser absurda, bem como bela e mortífera. Concordo com você: os artistas fazem o que fazem porque estão tentando afirmar uma posição no mundo. Para mim, a verdade não está no título, mas no ato. De quais artistas se sente próximo? Gosto de poesia, de escritores como Frank O’Hara, Paul Blackburn ou Jack Spicer. Nas artes visuais, meu artista preferido é o Paul Klee, que causou um profundo efeito em mim. O trabalho dele me revelou que não é preciso escrever poesia para ser poético. Foi mais um sentimento do que um pensamento. Também sinto uma conexão com seus aspectos musicais. Vi a obra de Klee pela primeira vez faz oito anos e meu amor por ela só tem aumentado.

it can be absurd, as well as beautiful, and deadly. I agree with you that artists do what they do because they are trying to establish a position in the world. For me the truth isn’t in the title but in the act. What artists do you feel close to? I enjoy poetry; writers such as Frank O’Hara, Paul Blackburn, or Jack Spicer. When it comes to visual art my favorite artist is Paul Klee, who had a profound effect on me. His work told me that you do not have to write poetry to be poetic, it was a feeling more than a thought. I am also connected with its musical aspects. It has been eight years since I first saw Klee’s work, and my love for it has only increased.

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SUPERFLEX Fundado em [founded in] 1993 por [by] Rasmus Nielsen, Jakob Fenger e [and] Bjornstjerne Christiansen; baseado em [based in] Copenhague

[José Roca] er

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[José Roca]

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SUSAN TURCOT Montreal, 1966; vive em [lives in] Londres Acre: work in progress [Acre: trabalho em andamento] 2006 grafite sobre papel [graphite on paper] 100 x 70 cm cortesia [courtesy] Galerie Arndt & Partner, Berlim foto Rafael Assef

[José Roca] Você tem usado o desenho como uma forma de reportagem. Seu trabalho também pode ser designado como “desenho-como-compreensão”? Quando eu estava

[José Roca] You have used drawing as a form of reportage; could your work also be termed “drawing-as-understanding”? When I was doing research on the deforestation

fazendo pesquisas sobre o desmatamento em Quebec, somente quando fui lá e vivenciei o que a abertura de uma estrada provocava na floresta virgem do Norte é que entendi quão radical uma incisão pode ser. É desnorteante ter o que é (hoje) um raro encontro com uma entidade tão gigantesca e viva e testemunhar a separação que a estrada representa. Isso é bem ilustrado pelas renas, que se tornaram de tal modo desorientadas pela linha, que não conseguem atravessá-la literalmente. Assim, ela se tornou uma muralha. Estar no Acre significou entender a migração de pessoas do Sul e do Nordeste para o Noroeste, com a promessa de obterem terras. A monumentalidade da estrada br429, de São Paulo a Ouro Preto; o abandono das terras, em seguida à descoberta da pobreza do solo, após as extensas queimadas; fazendas gigantescas e improdutivas e o acúmulo da riqueza em mãos de particulares — tudo isso, por sua vez, levou os grupos locais e os índios a viver como invasores, tendo como conseqüência as ações violentas empreendidas contra eles.

in Quebec, it was not until I went there and experienced what road-making actually was in the virgin forest of the north that I understood how radical an incision it can be. It is baffling to have what is (now) a rare encounter with such a giant breathing entity, and to witness what a separation the road represents. This is well illustrated by the caribou, who have been so disorientated by the line that they literally cannot cross it — it thus becomes a wall. Being in Acre meant understanding the shift of peoples from the south and northeast to the northwest with the promise of land; the monumentality of the br429 road from São Paulo to Ouro Preto; land abandonment following the discovery of poor soil after extensive forest burning; giant unproductive ranches and private wealth accumulation — which in turn led to local and indigenous groups having to live as squatters, and ensuing violence towards them as a consequence.

Observando seus desenhos realizados no Acre, tem-se a sensação de que você foi além do registro do visual, incorporando cosmogonias e modos de ver característicos das pessoas e dos grupos culturais com os quais deparou…

Pelo desenho, realizo uma reportagem, na qual o pano de fundo da devastação se encontra presente como uma atmosfera, mas onde ainda existem escolhas, em vista do engajamento de muitos indivíduos com a paixão de preservar e proteger. A realidade é relativa. Tenho em mente que alguns grupos indígenas consideram a camada humana como um tempo transitório e que muito pouco daquilo que importa é visível. Imagino plataformas suspensas, nas quais diferentes comunidades são destacadas, conectadas simbolicamente entre si, de acordo com percepções relativas da importância. Este trabalho enfatiza os desafios colocados pelas novas estradas, que significarão um êxodo das comunidades rurais, bem como um aumento da economia das drogas e da violência. Para alguns ela significará obviamente uma melhoria de vida, mas para muitos significa um enorme corte simbólico. Quando Antônio Alvez, um historiador a quem conheci em Rio Branco, diz que o Acre é o começo ou o fim de uma cobra, cuja cabeça olha para o Ocidente, com as estradas, isso não acontecerá mais: a cobra perderá o rabo e a cabeça. A floresta encolherá, irá transformar-se em ilhas vulneráveis e não mais constituirá um todo.

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From your Acre drawings one has the feeling that you have gone beyond reporting on the visual, incorporating cosmogonies and ways-of-seeing proper to the people and cultural groups you have met… I am doing a drawing

reportage where the backdrop of devastation is present as an atmosphere, but where there are still choices due to the commitment of many individuals with a passion to preserve and protect. Reality is relative; I am keeping in mind that some indigenous groups consider the human layer as a between time — and that very little of what matters is visible. I imagine suspended platforms on which different communities are highlighted, connected to each other symbolically according to relative perceptions of importance. This work underlines the challenges posed by the new roads, which will signify an exodus from rural communities as well as an increase in drug economies and violence. For some it will obviously improve life, but for many it means an enormous symbolic cut. When Antônio Alvez, a historian I met in Rio Branco, says that Acre is the beginning or end of the snake whose head looks to the Occident, with the roads this will no longer be the case: the snake will loose its head and tail. The forest will shrivel up into vulnerable islands and will no longer be a whole.

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TACITA DEAN Cantuária, Reino Unido [Canterbury, United Kingdom], 1965; vive em [lives in] Berlim Section cinéma (Homage to Marcel Broodthaers) [Seção cinema (Homenagem a Marcel Broodthaers)] 2002 filme 16 mm 13 min 30 s cortesia [courtesy] Marian Goodman Gallery, Nova York e [and] Frith Street Gallery, Londres

[Kitty Scott] Você já foi a São Paulo ou à América do Sul? Dada a importância do ambiente moderno construído em seu trabalho, imagino que você tenha um grande interesse pela cidade. Sempre sonhei ir à Terra do Fogo ou encon-

[Kitty Scott] Have you been to São Paulo or South America before? Given that the modern built environment has played such a role in your work I imagine the city to be of great interest to you. I’ve always had a dream to go to

trar o vilarejo da costa argentina onde Donald Crowhurst fez sua parada ilegal. Colecionei cartões-postais de Brasília; acho que é um lugar que poderia me atrair bastante, já que adoro as construções de Oscar Niemeyer. São Paulo é uma cidade da qual sei muito pouco; seria uma descoberta.

Tierra del Fuego or find the small village on the coast of Argentina where Donald Crowhurst made his illegal stopover. I have postcards I have collected of Brasília; I think that is a place I might be very attracted to, as I love the buildings of Oscar Niemeyer. São Paulo is a city I know very little about; it would be a discovery.

O filme Section cinéma [Seção cinema] (2002), a ser exibido na 27a. Bienal, foi rodado no estúdio de Marcel Broodthaers, em Düsseldorf, hoje usado como depósito pelo Kunsthalle. Como você soube da existência desse espaço? Você sabia que ainda continha vestígios de seu ocupante anterior? Por que você decidiu fazer um filme a respeito?

O porão da Burgplatz nº 12, usado por Broodthaers como estúdio entre 1971 e 1972, foi de fato usado como depósito pelo museu da cidade, não pelo Kunsthalle, o que tornou ainda mais extraordinário o fato de guardarem cadeiras douradas e modelos de barcos ali. Foi graças ao contato entre Rita Kersting e Hans-Peter Feldman que encontrei o estúdio, e assim que entrei soube que queria filmar ali. Os vestigios de Section cinéma de Broodthaers ainda estavam sobre as paredes porque o espaço era seco e escuro. Não esperava mesmo encontrá-los, e foi um belo choque vêlos ali. Mas o verdadeiro presente foram todos os modelos de barcos em primeiro plano que eram tão absolutamente Broodthaers. Fiz o filme num loop, sem começo nem fim; é apenas contínuo. Até a porta para fora está fechada. Você conhece bem os filmes de Broodthaers? Seu La pluie (projet pour um text) [A chuva (projeto para um texto)] (1969) está atualmente em exibição no Centre Pompidou. É um curta-metragem belo e muito engraçado sobre a tentativa de Broodthaers de escrever um texto. Você assistiu?

Sim, adoro esse filme. Na realidade, quando exibi Section cinéma no Kunstverein, de Düsseldorf, pela primeira vez, apresentei-o com vários outros elementos relacionados a Broodthaers. Um era um díptico desenhado num quadronegro chamado Chère petite soeur [Cara irmãzinha] (2002), baseado em outro filme de Broodthaers.

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The film Section cinéma (2002), the work being shown in the 27th Bienal, was shot in Marcel Broodthaers’ Düsseldorf studio, which now functions as storage for the Kunsthalle. How did you learn of the existence of this space? Did you know it still contained traces of the former occupant? Why did you decide to make a film about it? The basement in Burgplatz 12 which Broodthaers used

as a studio between 1971 and 1972 was in fact used by the city museum for storage and not the Kunsthalle which is what made it all the more extraordinary that they were storing gilt chairs and model boats down there. It was through Rita Kersting’s contact with Hans-Peter Feldman that we found the studio and as soon as I entered, I knew I wanted to film there. The traces from Broodthaers’ Section cinéma were still on the walls because the space was dry and dark. I wasn’t expecting them at all and it was quite a shock to see them. But the true gift was all the model boats sitting in the foreground which were so absolutely Broodthaers. I made the film into a loop with no beginning or end; it’s just continuous. Even the door out is closed. Do you know Broodthaers’ films well? His La pluie (project pour un text) [The rain (project for a text)] (1969) is currently on display at the Centre Pompidou. It is a beautiful and very funny short film of Broodthaers’ attempting to write a text. Have you seen it? Yes, I love this film. In

fact when I first showed Section cinéma in the Kunstverein in Düsseldorf, I put it with various other elements that were made in relation to Broodthaers. One was a blackboard drawing diptych called, Chère petite soeur [Dear little sister] (2002) which was based on another Broodthaers’ film.

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ˇ AR TADEJ POGAC Ljubljana, 1960; vive em [lives in] Ljubljana Street economy archive, Tirana [Arquivo de economia de rua, Tirana] 2005 c-print 50 x 70 cm Street economy archive, Tirana [Arquivo de economia de rua, Tirana] 2005 impressão a jato de tinta [ink-jet print] 40 x 58 cm cortesia do artista [courtesy the artist]

[Julieta González] Você se interessa por temas como a utopia, o informal (no que diz respeito à economia e ao espaço urbano), o documento e o arquivo. Seu trabalho parece constituir-se como um arquivo em construção, que “parasita” a estrutura do museu. Como articula estas idéias em seu trabalho? O p.a.r.a.s.i.t.e. Museum of Contempo-

[Julieta González] You have an interest in themes such as utopia, the informal (regarding economy and urban space), the document, and the archive. Your work seems constructed as an archive in progress that “parasites” the structure of the museum. How do you articulate these ideas in your work? In 1993 the p.a.r.a.s.i.t.e. Museum of

rary Art é uma instituição crítica paralela, implantada em 1993 como uma estrutura conceitual para minha atividade. A estratégia neste museu é denominada “novo parasitismo”. O museu legitima e reforça um mito de representação histórica objetiva, no qual o trabalho artístico assume o papel de um documento. Desde os meados de 1990, o trabalho envolve a pesquisa de vários fenômenos na cidade contemporânea e as políticas que tentam dar-lhe forma. Os modelos modernistas (utópicos) e os conceitos de urbanismo que se desenvolveram na Europa Ocidental são de nosso interesse. Temos interesse pelos vários conceitos da cidade e pela espécie de negociação cotidiana que ocorre entre seus usuários. Interessam-nos as transformações e as novas leituras da cidade. Estamos interessados nas comunidades marginais e nos modelos econômicos paralelos que elas desenvolvem.

Contemporary Art, a parallel critical institution, was established as a conceptual frame for my activity. The strategy we use in this museum is called “new parasitism”. The museum in Western societies continually legitimizes and reinforces a myth of objective historical representation, in which artwork assumes the role of a document. Since the mid-1990s, the work has involved research into various phenomena in the contemporary city and the policies that attempt to shape it. Modernist (utopian) models and notions of urbanism that developed in Eastern Europe are part of our interest. We are interested in the various concepts of the city and the kind of day-to-day negotiation that takes place among its users. We are interested in transformations and new readings of the city. We are interested in marginal communities and the parallel economic models they develop.

Sua documentação sobre economias informais, o projeto [Código: vermelho], assumiu diferentes formas e linhas de ação em cidades como Tirana, Zagreb, Nova York, Bancoc. Como espera relacioná-lo com as especificidades de São Paulo? Por que escolher os trabalhadores do sexo entre outras instâncias das economias informais?

Your documentation of informal economies the CODE: RED project which has taken different forms and courses of action in the cities such as Tirana, Zagreb, New York, Bangkok, and now for the 27th Bienal. How do you expect to relate it to the specificities of São Paulo? Why choose the sex worker amongst other instances of informal economies? CODE:RED is not a project about prostitution. It is

CODE: RED

não é um projeto sobre prostituição. É um projeto multidisciplinar contínuo, que enfoca principalmente a auto-organização das minorias urbanas marginalizadas e o tráfico global. Nessas duas áreas o Brasil possui uma história significativa e tem uma posição importante. Até mesmo em alguns países da União Européia as mulheres brasileiras assumem um papel de liderança como ativistas dos direitos civis dos trabalhadores do sexo. O projeto CODE:RED é um trabalho site-specific em processo que nasce do diálogo com organizações locais. Nossa prática é colaborativa. Afinal de contas, mesmo em termos ecológicos, o parasitismo pode funcionar unicamente como um relacionamento entre duas ou mais espécies. Mais do que simplesmente documentar a situação, estamos interessados em facilitar a produção do conhecimento, criando a mudança social e pesquisando a dinâmica entre os setores formais e informais (societários, econômicos etc.) como duas esferas complementares. As economias paralelas, as diferenças quanto aos níveis sociais e os princípios que os controlam e regulamentam tornaramse questões importantes em nosso trabalho.

CODE:RED

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an ongoing transdisciplinary project focused mainly on the self-organization of marginal urban minorities and on global human trafficking. In both these areas, Brazil has a significant history and holds an important position. Even in some EU countries, Brazilian women take a leading role as activists for the civil rights of sex workers. The CODE:RED project is a site-specific work-in-process that grows out of dialogue with local organizations. Our practice is collaborative — after all, even in ecological terms, parasitism can function only as a relationship between two or more species. More than simply documenting the situation, we are interested in facilitating the production of knowledge, creating social change, and researching the dynamic between the formal and informal sectors (societal, economic, etc.) as two complementary spheres. Parallel economies, differences in social levels and the principles that control and regulate these have become important issues in our work.

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TALLER POPULAR DE SERIGRAFÍA Fundado [founded in] em 2002; baseado em [based in] Buenos Aires de un crimen impune [A year after an unpunished crime] 2003 serigrafia [silkscreen] 27 x 16,5 cm

A un año

[Betti-Sue Hertz] Vocês poderiam explicar como as práticas coletivas do grupo conseguiram adaptar, de modo bem-sucedido, estratégias da esquerda cultural e política, que são específicas da Argentina e sua história recente?

[Betti-Sue Hertz] Can you explain how the groups collective practice has successfully adapted strategies of the cultural and political left that are specific to Argentina and its recent history? To form assemblies is a way to perpet-

Organizar as assembléias foi uma maneira de dar continuidade ao estopim político e social ocorrido em 19 e 20 de dezembro de 2001. Foi uma experiência importantíssima que nos reuniu. Com o evidente esgotamento da política estabelecida, os assuntos começaram a ser definidos em assembléias. Desse clima de autogestão, o Taller Popular de Serigrafía incorporou a estrutura horizontal e a possibilidade de pensamentos múltiplos. Trata-se de uma prática que busca criar as condições ideais para trabalhar. O formato do programa foi inspirado pela luta anticapitalista e a esquerda independente. Atualmente, o governo avança na intenção de apropriar-se dos espaços de protesto, operando no imaginário coletivo, tornando homogênea, por exemplo, a luta pela memória e pela justiça. Por trás dessa estratégia de legitimidade de faceta progressista, a desigualdade se instala. Grande parte da sociedade voltou a ficar anestesiada e os que continuam manifestando suas posições políticas são atacados pelos meios de comunicação e pelo Estado, através da perseguição judicial. Imersos nesse cenário, retomamos uma das primeiras idéias do ateliê: ensinar serigrafia, arte e desenho aos movimentos de pessoas desocupadas com quem nos vinculamos. Imaginamos montar no espaço onde trabalhamos — o prédio restaurado pela Assembléia de Palermo Viejo — uma escola de artes e ofícios, onde possamos ensinar tudo o que desejarmos, uma construção livre.

uate the political and social explosion that took place on December 19 and 20, 2001. It was a very important experience, which gathered us together. With the evident dismantling of established politics, issues started to be defined by assemblies. From this atmosphere of auto-management, the Taller Popular de Serigrafía incorporated a horizontal structure and the possibility of multiple thoughts. It is a practice that aims at creating the ideal conditions for work. The format for the program was inspired by the anti-capitalist fight and independent left. Nowadays, the government is even trying to take over these protest spaces as if they were its own, operating in the collective imaginary, turning, for instance, the fight for memory and justice into a homogenous thing. Behind this strategy of legitimacy of a progressivist look, inequality establishes itself. A great part of society has become numb again, and those who still manifest their political viewpoints are attacked by the media and the State, through lawsuits. Immersed in this scenario, we reestablished one of the first ideas of the studio: to teach silkscreen, art and drawing to those belonging to movements of unemployed people with which we associate. We wish to create, in the space where we work (a building renovated by the Assembly of Palermo Viejo), an arts and crafts school, where we can teach everything we want to in an open environment.

Quem são os colaboradores do grupo? O que está em seu arquivo? O impacto dos desenhos e dos procedimentos do

Who are the group’s collaborators? What is in your archive? The impact of the drawings and procedures of the

Taller foi possível porque houve uma necessidade de criar imagens que pudessem testemunhar e multiplicar o que estava acontecendo, que dessem conta do estado de espírito da sociedade. Nesse contexto de agitação social e questionamento do sistema político das democracias capitalistas, encontramos espontaneamente companheiros dispostos a se lançar em meio a um protesto de rua. O ateliê é, portanto, uma experiência coletiva de arte e mobilização, como forma de rebelião. Nosso trabalho insiste em uma ação direta e acumulativa: a produção de desenhos, slogans, frases, tipografias, idéias que são distribuídas principalmente pela serigrafia e pelas bandeiras, nas manifestações onde há a confluência de ações, com o movimento das assembléias, dos sindicatos, dos estudantes, ou onde há o contato com as fábricas recuperadas, com artistas e ativistas.

Taller was possible because there was a need to create images that could testify and multiply what was going on, that could speak about the state of mind of society. In this context of social agitation and questioning of the political systems of capitalist democracies, we found comrades willing to embrace protest in the streets spontaneously. The studio is, thus, a collective experience of art and engagement, a form of rebellion. Our work insists on a direct and cumulative action: the production of drawings, slogans, sentences, typographies, and ideas that are distributed mainly through silkscreens and flags, in protests where there is a confluence of actions with the movement of assemblies, labor unions, and students, or where there is a coming together with recovered factories, artists and activists.

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THOMAS HIRSCHHORN Berna, 1957; vive em [lives in] Paris Esboços preliminares para [preliminary sketches for] Restore now [Restaure agora] 2006 instalação com vários materiais e vídeo [installation with various materials and video]

[Lisette Lagnado] Spinoza, Gramsci, Bataille, Deleuze. Como você escolhe seus autores monumentais e qual é o dispositivo que cria para torná-los… ilegíveis? Eu os escolhi

[Lisette Lagnado] Spinoza, Gramsci, Bataille, Deleuze. How do you select your monumental authors and what is the device you create to make them… illegible? I have se-

porque sou fã deles. Amá-los significa engajar-se, amá-los não quer dizer usá-los nem os respeitar. Amá-los quer dizer agir como fã, não como historiador, especialista ou cientista. Ser fã me permite utilizar as formas — que amo — do mundo dos fãs. Ser fã me permite incluir o outro e trabalhar para um público que não é exclusivo. O que eu compartilho com o outro não é forçosamente Spinoza, Deleuze, Bataille ou Gramsci, mas compartilho o “ser fã” com outros fãs, compartilho-o com o fã de um time de futebol ou o fã de uma cantora de rock. Não quero tornar os autores ilegíveis, porém — num movimento de precipitação — quero ser corajoso e tocá-los. Quero ousar e confrontar-me com seu trabalho, sem distância e sem ser cerebral. Não tenho necessidade da filosofia para realizar meu trabalho de artista, necessito da filosofia para minha vida como ser humano.

lected them because I am a fan of theirs. To love them is to become engaged; to love them does not mean to use them or to respect them. To love them is to act as a fan, rather than historian, specialist, or scientist. Being a fan allows me to avail myself of resources — that I love — from the fan world. To be their fan allows me to include the other and work for an audience that is not exclusive. What I share with others is not necessarily Spinoza, Deleuze, Bataille or Gramsci, but with fans I actually share “being a fan” — a soccer team or a rock singer’s fan. I don’t mean to make these authors illegible; yet I wish — in a movement of impulsive haste — to have the courage to touch them. I wish to dare challenging their work from up close and not in a cerebral way. I don’t need philosophy to make my work as an artist; I need philosophy for my life as a human being.

Por que você não cria um monumento para Tom Jobim ou Ronaldo? Será porque a filosofia se reserva o direito ao hermetismo (como a cabala), ou você brinca de ser profano? Criei o “Monumentos” unicamente para aqueles qua-

Why don’t you create a monument to Tom Jobim or Ronaldo? Would it be because philosophy reserves itself the right to hermeticism (like the cabala) and you play the profane? I have created “Monuments” only to those four people

tro que foram mencionados. Isso não quer dizer que eu não ame outros. No entanto, por ter criado o Spinoza-Monument, o Deleuze-Monument e o Bataille-Monument, sei que sem a afirmação “amor”, eu não teria podido ir até o fim dessas experiências complexas, difíceis mas também magníficas. A série dos Monumentos é de um total exagero. Para mim, nem a arte nem a filosofia são herméticas, mas é preciso viver e manter a experiência arte — é um combate. Eu não brinco, eu brigo. Não fiquei satisfeita com a entrevista… Eu também não. Raramente me satisfaço com as respostas que dou numa entrevista. Mas dar uma entrevista não é tão importante para mim, pois quero que julguem meu trabalho, não minhas entrevistas! Entendo sua frustração, mas o que conta para mim é o trabalho, a forma. O que quero é, por meio do meu trabalho, dar forma às questões e às minhas questões.

we mentioned, which doesn’t mean that I have a distaste for the others. However, having created the Spinoza-Monument, the Deleuze-Monument and the Bataille-Monument, I know that without stating “love”, I could not have gone to the farthest edge of these complex experiences, which are at once difficult and magnificent. The Monument series is a gross overstatement. To me, neither art nor philosophy is hermetic; yet one must live to nurture the art experience — it is a combat. I don’t play, I struggle. I am not happy with this interview… Neither am I. I’m rarely satisfied with the answers I give during an interview. However, giving interviews is not that important for me, as I want my work to be judged, not my interviews! I understand your frustration, but work and form are what matter to me. What I wish to do, through my work, is give form to questions and to my questions.

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TOMAS SARACENO San Miguel de Tucumán, Argentina, 1973; vive em [lives in] Frankfurt On-air [No-ar] 2004–05 instalação [installation] PVC transparente, ar, pressão e turbinas [transparent PVC, air, pressure, and turbine] cortesia [courtesy] Galleria Pinksummer, Gênova foto Marchica, Balestrero

[Jens Hoffmann] A idéia de comunidades aéreas parece uma preocupação constante para você. Como a idéia surgiu pela primeira vez? Acho que de certa forma esta é uma

[Jens Hoffmann] The idea of airborne communities seems to be an ongoing concern of yours. Where did this idea come up for the first time? I think it is in a way an answer

resposta para minha vida pessoal. Nasci na Argentina, e depois de um ano meus pais se exilaram conosco na Itália durante onze anos. Em 1983, a Argentina estava novamente sob governo democrático, e minha família pôde retornar em 1986. Foi um choque: eu não tinha idéia de como era a Argentina. Anos mais tarde, tive a mesma experiência na Itália. Eu não conseguia saber a que lugar eu pertencia. Nos últimos sete anos, estive novamente sem residência fixa. Agora imagine: não seria perfeito ter uma casa voadora, que desconhece fronteiras, que é sua casa em qualquer lugar?

to my personal life. I was born in Argentina and after one year my parents exiled with us for eleven years to Italy. In 1983 a democratic government came back in Argentina and my family was allowed to return in 1986. It was a shock; I had no idea what Argentina was. Years later I had the same experience with Italy. It was hard to understand where I belonged. During the last seven years I was without a fixed home once again. Now just imagine, would it not be perfect to have a flying house that knows no boundaries and is home everywhere?

Quais idéias fundamentaram as cidades voadoras, que você chama Air-port-city [Cidade-aero-porto]? As Air-port-

What are your ideas behind the flying cities that you call Air-port-city? Air-port-cities are platforms or habitable cells

cities são plataformas ou células habitáveis feitas de cidades que flutuam no céu. Mudam de forma e se mesclam como as nuvens. Essa liberdade de movimentos é emprestada da estrutura ordenada dos aeroportos e permite a criação da primeira cidade internacional. Os aeroportos são divididos por zonas “aéreas” e “terrestres”; no lado “aéreo” estamos sob jurisdição da lei internacional. Toda e qualquer ação é julgada de acordo com as normas internacionais. A Airport-city é como um aeroporto flutuante; as pessoas poderão viajar pelo mundo legalmente, e ainda tirar vantagem dos regulamentos aeroportuários. Será uma migração sustentável e móvel. Estas cidades aéreas estarão sob constante estado de transformação, como se fossem cidades nômades. Afinal de contas, os ciganos nunca voltam ao mesmo lugar simplesmente porque o lugar muda sempre. A Air-port-city é como uma estrutura cinética gigante que se move em direção a uma transformação econômica de verdade. O movimento de uma “crença” pessoal para uma “crença” coletiva é o primeiro passo para a concretização dessa idéia.

made up of cities that float in the sky. These change form and join together like clouds. This freedom of movement is borrowed from the orderly structure of airports and it allows for the creation of the first international city. Airports are divided by “airside” and “landside”; on the “airside” you are under the jurisdiction of international law. Your every action is judged according to international norms. Airport-city is like a flying airport; you will be able to legally travel across the world while taking advantage of airport regulations. It will be a sustainable and mobile migration. These aerial cities will be in a permanent state of transformation, similar to nomadic cities. After all, gypsies never go back to the same place simply because the place is constantly changing. Air-port-city is like a huge kinetic structure that works towards a real economic transformation. Moving from a personal “belief ” to a collective one is the first step in the realization of this idea.

O que você acha das cidades voadoras construtivistas de Gregory Krutikov, ou do Instant city airship [Nave aérea cidade instantânea], de Archigram (1968)? Eu adoro os

I love Krutikov’s drawings. The first sketches for the work shown during my show at the Barbican Center in London were a kind of interpretation of his flying cities. Archigram had a big influence on me. I was studying with Peter Cook in Frankfurt, which was just fantastic. I always remember from him that architecture also has to be fun.

desenhos de Krutikov. Os primeiros esboços para o trabalho exposto durante minha mostra no Barbican Centre, em Londres, eram uma espécie de interpretação das cidades voadoras dele. Fui muito influenciado por Archigram. Eu estava estudando com Peter Cook, em Frankfurt — que foi fantástico! Dele, sempre me lembro que arquitetura também tem de ser divertimento!

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What are your thoughts on Gregory Krutikov’s constructivist flying cities or Archigram’s Instant city airship (1968)?

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VANGELIS VLAHOS Atenas, 1971; vive em [lives in] Atenas Brady Kiesling archive [Arquivo de Brady Kiesling] 2003 cartazes, livros, clippings de jornal, textos e fotos [posters, books, newspaper clips, texts and photos] dimensões variáveis [dimensions variable] US Embassy, Athens [Embaixada dos EUA, Atenas] (1:250, 1:200, 1:150), # 1 2003 maquetes, mesa e cartazes [models, table and posters] ambos os trabalhos [both works] coleção particular [private collection] cortesia [courtesy] The Breeder, Atenas fotos Vivianna Athanassopoulou [Adriano Pedrosa] Fale-me sobre seu enfoque no edifício de Gropius, projetado para a embaixada norte-americana em Atenas, sobre o qual você realizou três grupos de trabalhos. A embaixada foi projetada no final dos anos 1950

e é um marco da arquitetura modernista em Atenas. Embora concebida originalmente como uma estrutura “aberta”, que permitiria o livre acesso, hoje o edifício — que tem sido alvo de inúmeros protestos públicos e de ameaças de terroristas — tornou-se uma fortaleza, com cercas altas, trancas eletrônicas e equipamento de vigilância. Em termos gerais, meus projetos descrevem a transformação da embaixada em um alvo político. Cada arquivo que os acompanha focaliza um acontecimento histórico diverso, relacionado ao edifício. A embaixada, exemplo emblemático do modernismo arquitetônico, não pode ser vista fora de um contexto político e social mais amplo. Qual é o papel da pesquisa documental em seus projetos?

Em meus projetos, as edificações são definidas pelo contexto e conteúdo dos arquivos. Por exemplo, há o projeto no qual três modelos, em escala progressivamente menor, da embaixada dos Estados Unidos, são acompanhados de um cartaz e um arquivo sobre Brady Kiesling, conselheiro político da embaixada e o primeiro diplomata americano a pedir demissão, em protesto contra a política americana em relação ao Iraque, em 2003. A análise subjetiva e quase sentimental de Kiesling sobre a política exterior dos Estados Unidos, em sua carta de demissão, justapõe-se à construção neutra dos modelos em escala. O que existe de significativo quanto ao papel desempenhado pela arquitetura modernista e os edifícios altos nas mudanças que ocorreram em algumas capitais do Leste Europeu? Todos os arranha-céus, em New markets require

new structures [Novos mercados demandam novas estruturas] (2005), foram construídos sob o comunismo ou sob ditaduras no Leste Europeu. No entanto, seu estilo arquitetônico não se conecta com a Europa Oriental, porém está mais próximo do estilo internacional americano. O que eles possuem em comum é o contexto histórico e geopolítico no qual foram construídos e usados. A maior parte deles era propriedade do Estado até 1989 e após o colapso do comunismo foram vendidos para empresários do ramo imobiliário, que os reformaram e os venderam ou alugaram para companhias particulares. Como já tinham sido adaptados a uma aparência mais ocidental, antes das mudanças ocorridas na região, foi mais fácil para o novo sistema reformá-los e usá-los. No plano visual, essas edificações não nos dizem muito sobre seu contexto atual. As histórias que estão por detrás deles e seu uso revelam seu verdadeiro contexto… 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

[Adriano Pedrosa] Tell me about your focus on Gropius’s building for the North-American Embassy in Athens, about which you have made three groups of works. The em-

bassy was designed in the late 1950s and is a landmark for Athens’s modernist architecture. Though originally conceived as an “open” structure with public access, today the building — which has been the target of numerous public protests and terrorist threats — has become a fortress with high fences, electronic locks and surveillance equipment. In general terms, my projects describe the embassy’s transformation into a political target. Each accompanying archive focuses on a different historical event related to the building. The embassy, an emblematic example of architectural modernism, cannot be seen outside the broader political and social frame. What is the role of the documentary research in your projects? The buildings in my projects are defined by the con-

text and content of the archives. For example, the project where three progressively scaled-down models of the us Embassy are accompanied by a poster and an archive on Brady Kiesling, political counselor in the embassy and the first American diplomat to resign in protest over us policy towards Iraq, in 2003. Kiesling’s subjective and almost sentimental analysis of America’s foreign policy in his letter of resignation is juxtaposed to the neutral construction of the scaled models. What is significant about the role of modernist architecture and high-rise buildings in the changes that have occurred in some Eastern European capitals? All of the high-rise

buildings in New markets require new structures (2005) were built under communism or dictatorships in Eastern Europe. However, their architectural style is not connected to Eastern Europe, but is closer to the North-American international style. What they have in common is the historical and geopolitical context in which they were constructed and used. Most of them were state owned until 1989, and after the collapse of communism they were sold to private developers who renovated them and sold or rented them to private companies. Having already adapted a more Western look before the changes in the region, it was easier for the new system to develop and use them. Visually those buildings don’t say much about their actual context. The histories behind them or their use reveal their actual context.

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VIRGINIA DE MEDEIROS Feira de Santana, Brasil, 1973; vive em [lives in] Salvador Que o afeto saia que o teto caia [That affection may go away, that the roof may fall down] 2001 performance Studio Butterfly 2006 instalação [installation]

[Luisa Duarte] Fale sobre cada um destes três momentos que constam do seu processo de trabalho com o universo das travestis em Salvador: infiltração, negociação e mediação. Essas três etapas não foram elaboradas a priori. Elas

[Luisa Duarte] Tell me about each of these three stages of your work within the domain of transvestism in Salvador: infiltration, negotiation and mediation. These stages were

Como você vê a importância da dimensão da troca no seu trabalho? Só existe troca se existir a instância do afeto. A

How significant are the instances of exchanges in your work? Exchanges occur only when there is affection.

troca é o afeto, e sem afeto nunca poderia ter feito esta obra. Um afeto estabelecido não apenas com as travestis, mas que contagiou outros que participaram deste trabalho, Studio Butterfly, que nomeia um autor, mas deixa invisíveis tantos outros atores.

Exchange is affection, and without affection, I could never have made this work. The feelings of affection I have shared with transvestites have also spread to other participants in this project, Studio Butterfly — which names an author but renders invisible so many other players.

not planned in advance. They just happened. Only now, afaconteceram. Só depois de ter vivenciado toda a experiência ter having the experience, can I think about them — also as posso pensá-las. Inclusive como procedimentos para outros procedures to be adopted in other works. The ideas for this trabalhos. As idéias começaram a emanar a partir dos encon- project began to arise from my contact with different places tros com os lugares e as pessoas — mudança de bairro, cami- and people: moving to a different neighborhood, taking nhadas noturnas e o fascínio por um movimento à margem evening strolls, and nurturing a fascination for movements das normas, que desestabiliza e sabota qualquer tentativa de on the margin of the conventional that destabilize and sabocategorização. Foi assim que conheci Machelle, uma travesti tage any effort at categorization. This is how I met Machelle, que me intrigava. Gostava de perguntar as horas sempre que a transvestite that I found rather intriguing. I enjoyed askpassava por ela, nas madrugadas de volta para casa. Aquilo ing her the time as I walked by on my return home, way virou mais que um hábito. Uma obsessão. Sou tomada por past midnight. More than a habit, this routine became an essa personagem e, em um caderno, anoto as minhas pri- obsession for me. I became spellbound by this character and meiras impressões. Inicia-se o trabalho, que já aflorava em decided to jot down my impressions of her in a notebook. desenhos e pinturas, mas que ganhou outra dimensão pela And so my work began, initially as drawings and paintings, experiência vivida. A minha infiltração nesse universo ga- before achieving a different dimension through actual exnha a dimensão da gota d’água que, introduzindo-se pelos perience. My infiltration in this domain was analogous to interstícios de uma parede, de forma delicada e lenta, a põe the drop of water that slowly and delicately passes through abaixo e aproxima territórios. Nunca uma invasão. Entre- the interstices of a wall, permeating and dismantling it, and lacei-me nos comportamentos das travestis e me aproximei bringing territories close together. It is never an invasion. delas. O trabalho perde a materialidade e ganha a “fabula- I became closer to the transvestites’ behavior patterns and ção” da vida. Precisava partilhar meu ganho. Intermediei became their pal. My work lost materiality and turned into a conversas com familiares, namorados; problemas e sonhos. “fabulation” of life. I had a need to share my achievements. I Negociei um book — realizava ensaios fotográficos para as facilitated discussions with family members and significant travestis, objeto prático, mas também simbólico — em troca others, I listened to problems and dreams. I shot photos for de relatos pessoais e fotos de família. Aluguei uma sala num portfolios that were not only practical objects, but also symedifício comercial, no centro de Salvador, localizado numa bolical, and which I traded for personal accounts and family área onde vivem e trabalham as travestis. Montei ali um es- photographs. I rented an office in the downtown section of túdio para recebê-las, ornamentei uma poltrona à qual dei o Salvador where transvestites live and work. There I set up nome de “poltrona dos afetos”. Nela as travestis contavam a photo studio, complete with an armchair that I called “the suas histórias. Posicionei-me como mediadora de uma fala chair of affections”, on which transvestites sat to tell their que se encontra aprisionada por uma imagem estereotipada. stories. I became an advocate for a discourse that is confined Tive como desafio expressar a vida dessas travestis que atra- to a stereotyped image. My challenge was to represent the vessaram a minha vida, me fazendo experimentar um estado life of the transvestites that came into my life, leading me to de vibrações nunca antes sentido — me tornei travesti; com reach a state of vibrations I had never attained before: diftoda diferença que me cabe. ferences granted, I became a transvestite.

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VLADIMIR ARKHIPOV Ryazan, Rússia, 1961; vive em [lives in] Moscou Functioning forms [Formas que funcionam] 2005 instalação com objetos encontrados e feitos à mão e vídeo-projeção [installation from ready/hand-made objects and videoprojection] 1 000 m2 foto Josef Pausch

[Cristina Freire] Como se iniciou o museu de objetos feitos à mão? Em 1994 vi, na casa de campo de um conhe-

[Cristina Freire] How did the museum of hand-made objects get started? In 1994 I saw, at an acquaintance’s dacha,

cido, um cabide inusitado, no qual estavam dependuradas roupas. Era feito de uma velha escova de dente, sem cerdas, e evidentemente fora recurvado por meio do fogo. Houve algo de estranho no momento em que reconheci aquilo. A luz se fez imediatamente, por assim dizer, e lembrei-me de dezenas de coisas semelhantes que sabia pertencer a meus parentes, amigos, conhecidos ou conhecidos de conhecidos. Eu realmente não os havia notado antes. Então me pareceu que seria uma tarefa interessante juntar esses objetos e ver como seria sua aparência, quando tivesse um grande número deles (uma reunião de iguais). O primeiro na lista de candidatos foi meu pai que, segundo me lembro, tinha muitas coisas estranhas. Iniciei minha coleção por elas. Em seguida, comecei a trabalhar com meus primos, tias e tios. Então chegou a vez dos amigos, conhecidos e pessoas a quem eu não conhecia. Depois disso as coisas começaram a me encontrar elas mesmas. As pessoas que gostaram da idéia me telefonavam e continuam a fazê-lo, a fim de informar-me onde, o que e em qual lugar viram algo semelhante. Como é, para você, esse processo de coleta? Fica bem claro que o processo de procurar coisas possui sua própria lógica interna e apresenta um caráter altamente acidental. Assim, a descoberta de cada objeto é registrada neste livro, em ordem aleatória. Apresentarei apenas a nona parte de minha coleção. Em quase todos os casos, meu interesse por um ou outro objeto levou ao desejo espontâneo de que o autor do objeto começasse a contar-me como foi que aquilo surgiu. Dei-me conta de que seria um boa idéia registrar esses encontros. Comprei um gravador, uma câmera e comecei a documentar aquelas histórias e procedimentos. Às vezes eles me davam seus velhos retratos, nos quais, é claro, pareciam mais jovens. Por essa razão, variam os estilos dos retratos dos autores ou das testemunhas. Em alguns exemplos, não existem retratos porque, como acontece com muita gente, alguns dos autores não queriam que eles fossem divulgados. Além disso, algumas pessoas se recusaram a fornecer seus nomes, sobrenomes, profissões, locais de trabalho ou endereços residenciais ou pediram-me que não os mencionasse.

an unusual hook on which clothes were hung. It was made from an old toothbrush, without bristles, and had been bent; it was obvious, over a fire. There was something strange in the moment of the recognition of that thing. I immediately saw the light, as it were, and recalled dozens of similar things that I knew belonged to my relatives, friends, acquaintances, or acquaintances of acquaintances. I hadn’t really noticed them before. Now it seemed to me that it would be an interesting task to gather them all together and see what they would be like in a large number (a gathering of equals). The first in the list of candidates was my father who, as I remembered, had several strange things. I started my collection with them. Then I set to work on my cousins, aunts and uncles. Then it was the turn of friends, acquaintances and non-acquaintances. After that things started to seek me out themselves. People who like this idea called me, and continue to call, in order to inform me where, what, and at whose place they had seen something similar. How is this process of collecting for you? It’s clear that the process of searching for things has its own internal logic, and has a highly accidental character. Therefore, the discovery of each item is recorded in this book in a random order. You will only get acquainted with one ninth of my collection. Almost in all cases, my interest in some or another item led to the spontaneous desire of the author of the item to begin to tell me how it had all come about. I realized that it would be a good idea to record all of this. I bought myself a Dictaphone and a camera and began to document these stories and processes. Sometimes they gave me their old photos where they, of course, looked a lot younger. Because of this, the styles of the photos of the authors, or the witnesses, vary. In some cases, there are no photos because, like a lot of people, some of the authors didn’t want to have their photos published. Apart from this, a few people refused to give, or asked me not to mention, their names, surnames, professions, work places, or places of residence.

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WANG YOUSHEN Beijing, 1964; vive em [lives in] Beijing Washing [Lavagem] 2003 instalação [installation] room — Guangzhou [Câmara escura — Guangzhou] 2003 instalação [installation] 700 x 700 x 250 cm

Dark-

[Cristina Freire] Qual foi sua motivação primeira para criar Darkroom [Câmara escura]? Darkroom originou-se em

[Cristina Freire] What was your first motivation to do the Darkroom? The Darkroom originated in 1998 for a solo ex-

1998, tendo em vista uma exposição individual em Sydney. O pé-direito do espaço era alto e, naquela vastidão, obras de arte normais são facilmente negligenciadas. Eu estava interessado em fazer com que os visitantes se movimentassem e imaginei inicialmente abolir a sensação de tempo e espaço, suprimir o abismo entre a informação e os visitantes. Achei, assim, que Darkroom não seria má escolha. Na realidade, Darkroom é um espaço aberto e público. É possível ver nele o ciclo e os processos inerentes à imagem e, portanto, a informação em sua “constante construção e constante esquecimento.” Acredito que ele fará com que os visitantes vivenciem a realidade de uma situação de democracia e poder.

hibition in Sydney. The space was high and within the vastness of the space, normal artworks are easily neglected. I was interested in something to make visitors move and I first considered the idea of canceling the sense of space and time, to cancel the gap between information and the visitors. So I thought that the Darkroom would not be a bad choice. Actually the Darkroom is an open and public space. It is possible to see there the cycle and processes inherent to the image and therefore the information in its “constant making and constant forgetting”. I believe it will make visitors experience the situation of democracy and power.

Você acredita que o principal objetivo de suas imagens, em Washing [Lavagem] é mostrar ou ocultar? O quê? Mais

lavagem e mais exibição. As palavras-chave são: variação, imagem, informação e energia. Como vê o uso de imagens fotográficas (produção, circulação) em seu trabalho diário como diretor de arte de um jornal de Beijing e seu trabalho artístico? Para mim arte é

mídia. “Quando, o que, quem, onde, por quê, registro, edição, manufatura, gastos, feedback.” São essas palavras-chave que constituem a mídia, e elas constituem os fatores essenciais para que o trabalho possa fluir. Hoje a mídia já nos modificou, no que diz respeito à compreensão do mundo real e visível. A experiência da mídia é realmente uma experiência em si. Nossa cognição, tudo abrange a mídia. Apreciamos a mídia. Existe uma troca permanente entre nós e a mídia. Tudo é mídia e, para mim, isso tem um duplo significado: diz respeito a mim, já que a mídia é não apenas minha ocupação profissional mas também minha ferramenta artística. Encaro a mídia como uma transmissora básica da informação, o principal instrumento que indica processamento de informação e arte. Os trabalhos Darkroom e Washing, realizados desde 1989 e de modo contínuo, vêm prospectando os recursos proporcionados pelas imagens da mídia, nos quais as notícias são transmitidas como imagens. Uso o objetivo que a imagem indica não para persistir no emprego do equipamento técnico, na condição e na forma, mas para buscar e tentar restaurar sua essência e seus significados iniciais.

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Do you think the main purpose of your Washing images is to show or to hide? What? More washing and more showing,

the key words are: variation, image, information and energy. How do you see the use of photographic images (production, circulation) in your daily work as an art director in a newspaper in Beijing and your artistic work? For me art

is media. “When, what, who, where, why, record, edition, manufacture, expends, feedback”. These key words are the media constitution and the basic essential factors for the work to flow. Today, media has already changed us regarding the understanding of real and the visible world. The media experience is really an experience in itself. Our cognition, everything encompasses the media. We enjoy the media. There is a permanent exchange between us and the media. All is media, and for me it has a twofold meaning: it concerns me, as the media is not only my occupational work, but also my artistic tool. I take the media as the basic information carrier, the main body which indicates information processing and art. The works Darkroom and Washing, accomplished since 1989 and continuously, have been excavating the media image resources which news conveys as images. I use the goal that the picture indicates so as not to persist in the technical equipment, the condition and the form, but rather to search for and to try to restore its essence and the initial meanings.

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YAEL BARTANA Afula, Israel, 1970; vive em [lives in] Tel-Aviv e [and] Amsterdã Andromeda’s tree [A árvore de Andrômeda] 2006 vídeo-instalações cortesia da artista e [courtesy the artist and] Sommer Contemporary Art, Tel-Aviv

[Rodrigo Moura] Seu trabalho parece mesclar realismo/ imagens diretas com imagens manipuladas. Como essa articulação informa sua prática? O cinéma-vérité [cinema-

[Rodrigo Moura] Your work seems to blend realism/direct images with manipulated ones. How do you think this articulation informs your practice? Cinéma-vérité as a start-

verdade] como ponto de partida influenciou meus trabalhos durante 2000–04, mas quando chega a etapa da edição, eu processo e manipulo as imagens e o som a fim de criar minhas próprias narrativas e a interpretação da realidade. Meus trabalhos, a partir de 2005, são documentação de acontecimentos que encenei, porém, ainda estou tentando criar a sensação de que são acontecimentos reais. Outro método que emprego para romper com o estilo do cinéma-vérité é apresentar meus vídeos como instalações, um espaço onde o corpo do espectador é confrontado com a obra.

ing point influenced my works during 2000–04. But in the editing, I process and manipulate images and sound to create my own narratives and interpretation of reality. My works from 2005 are documentations of events that I staged, yet I am trying to create the feeling that they are real events. Another method I use to break the vérité style is presenting my videos as installations — a space where the body of the viewer is confronted with the work.

O espaço público, coletivo, como plataforma para a construção de identidades (treinamento militar, manifestação política, práticas religiosas), está muito presente em seu trabalho. Meu trabalho desenvolve-se com freqüência em

espaços públicos onde se manifestam o coletivo, o poder, o controle, mas também o jogo e as relações humanas. Estou interessada em espaços mentais, onde são criadas novas regras e ordens internas. A cidade e seus limites, a montanha, o mar, as estradas e fronteiras não são apenas espaços geográficos, mas também psicológicos. Em quase todos meus trabalhos existe um diálogo entre o individual e o coletivo, por meio de gestos físicos, mas também por palavras. Você está preparando um novo projeto para a 27a. Bienal?

Andromeda´s tree [A árvore de Andrômeda] é o título de meu novo vídeo, que será exibido pela primeira vez na Bienal. Ele retrata um homem que substitui uma bandeira israelense por uma oliveira que ainda está crescendo. A ação acontece no Rochedo de Andrômeda, ao longo do Mar Mediterrâneo, diante do porto marítimo de Jaffa. O protagonista se assemelha aos primeiros pioneiros israelenses que chegaram a Israel no início do século xx, fortes e prontos para trabalhar a terra. Dessa vez, porém, ele está desnacionalizando sua terra. Esse projeto, a exemplo de projetos anteriores, gira em torno de meu interesse por sistemas de valores e crenças da sociedade israelense. Aqui, uma das questões abordadas é o efeito de substituir um símbolo nacional por outro. Como projetos encomendados interferem em seu processo de trabalho? Durante os últimos seis anos, na maior

parte do tempo, venho produzindo projetos em Israel, que focalizo como uma espécie de laboratório para observação da sociedade. O ponto de partida dos vídeos é a vida cotidiana e seus rituais, relacionados às ações do Estado e à constante presença da guerra e da insegurança. Quando sou convidada a realizar um projeto fora de Israel é um grande desafio lidar com outras culturas e sociedades. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

The collective, public space as a platform for the construction of identities (military training, political demonstration, religious practices) is very present in your work. My

work often develops in public spaces where the collective, the power, the control, but also the game and the human relations are manifested. I am interested in mental spaces, where new rules and internal orders are created. The city and its limits, the mountain, the sea, the roads and the frontiers are not just geographical spaces but also psychological. In almost all of my works there ’s a dialogue between the individual and the collective, through physical gestures but also through words. Are you preparing a new project for the 27th Bienal?

Andromeda’s tree is the title of my new video work that will premiere at the Bienal. The work depicts a man replacing an Israeli flag with a young olive tree. The action takes place on Andromeda’s Rock along the Mediterranean Sea, set against Jaffa’s seaport. The protagonist resembles the first Israeli pioneers arriving in Israel at the beginning of the 20th century, strong and ready to work the land. But this time he is denationalizing his land. This project, as previous projects, evolves around my interest in the systems of values and beliefs of the Israeli society. Here, one of the questions is the effect of replacing one national symbol with another. How do commissioned projects interfere in your work process? For the past six years I’ve been mostly producing

projects in Israel — focusing on Israel as a kind of laboratory for observation of society. The point of departure for the video films is everyday life and its rituals related to the actions of the state and the constant presence of war and insecurity. When I’m invited to do a project outside Israel it’s a great challenge to deal with other cultures and societies.

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YOUNG-HAE CHANG HEAVY INDUSTRIES Fundado em [founded in] 1999 por [by] Young Hae-Chang e [and] Marc Voge; baseado em [based in] Seul Declaración de artista n. 45.730.944: el perfecto website artístico [Artist’s declaration n. 45.730.944: the perfect artistic website] 2002 animação em Flash on-line [online Flash animation] 4 min 39 s What now?/Quoi maintenant? [E agora?] 2005–06 animação em Flash on-line [online Flash animation] 3 min 22 s

[Tanya Leighton] Suas micronarrativas se referem à identidade cultural, ao nada, à incoerência, ao inclassificável, ao acaso, num estilo humorístico e críptico, um pouco como o “anti-romance” de Beckett, Como é (1961). Vocês vêem uma correspondência entre seu trabalho e o de Beckett?

Ambos tomamos um objeto estrangeiro — no caso de Beckett, o francês e, quanto a mim, o Flash — e aprendemos a executá-lo como se fosse um instrumento musical ou, em Beckett’s bounce [O salto de Beckett], como uma prostituta. Há outras referências literárias perceptíveis em nosso trabalho, temos Ezra Pound em Dakota (“E eles foram em direção aos navios” — Canto I); comparar com nosso Fucking waltzed out to the car [Até o carro numa puta boa], John Cheever em Saul, Jacques Derrida em Lotus blossom [O desabrochar do Lotus]. Mas os textos são construídos a partir de fragmentos literários ou a partir de suas próprias palavras? A partir de

nossas próprias palavras. The Sea [O Mar] alude a “Tenho mais de mil anos de recordações”, de Baudelaire, mas em seguida partimos para nossa criação. O tom de Jongno inspira-se na literatura barata coreana dos anos 1960, mas o que aconteceu na realidade foi que nos sentamos à mesa com um bandidão, que arrancou com os dentes um pedaço de seu copo e o mastigou. On the natural history of destruction [Sobre a história natural da destruição], de W. G. Sebald (2003), inspirou certos detalhes apocalípticos, em Operation Nukorea [Operação Nukorea], mas os detalhes se encontram em sites de analistas militares, na internet. Pao! Pao! Pao! imita simplesmente a histeria exclamatória de Céline. As convergências e disparidades entre as imagens digitais e o cinema são significativas para vocês quando cogitam sobre diferentes modos de apresentação e sobre a experiência do espectador? Sim. Sempre desejamos o maior, o

mais rápido efeito do browser para completar e fazer com que a ação áudio-visual flua, à semelhança dos filmes e da tv. No entanto, ao contrário deles, nosso trabalho dialoga com o espectador, muito na linha de um livro, como um momento intenso, íntimo, como um poema. Como vocês se relacionam com a questão da especificidade do meio? Não nos incomoda o fato de que muitos de

[Tanya Leighton] Your micronarratives refer to cultural identity, nothingness, incoherence, the unclassifiable, and chance, in a humorous and cryptic style; perhaps somewhat like Beckett’s “anti-novel” Comment c’est [How it is] (1961). Do you see a correspondence between your work and that of Beckett? We both take a foreign object —

Beckett French, we Flash — and learn to play it like a musical instrument or, in Beckett’s bounce, a whore. There are other easy literary references in our work, there ’s Ezra Pound in Dakota (“And then went down to the ships” — Canto I; compare to our Fucking waltzed out to the car), John Cheever in Saul, Jacques Derrida in Lotus blossom. So are the texts fashioned from literary fragments or from your own words? From our own words. The Sea kicks

off with Baudelaire ’s “I’ve more than a thousand years of memories”, but then we do our own thing. The tone of Jongno is inspired by 1960s Korean pulp fiction, but we actually sat at a table with a bad dude who bit off a piece of his glass and chewed it. W.G. Sebald’s On the natural history of destruction inspired certain apocalyptic details in Operation Nukorea, but the details themselves are from military analysts’ websites. Pao! Pao! Pao! merely imitates Céline ’s exclamatory hysteria. Are the convergences and disparities between digital images and film significant for you when considering different modes of presentation, and viewer experience? Yes.

We ’ve always wanted the biggest, fastest bang from the browser, to fill it up and stream audiovisual action, not unlike movies and tv. But unlike them, our work also speaks to the viewer much like a book, like an intense, intimate moment, a poem. How do you relate to the question of medium specificity?

We don’t mind that many of our works pass with difficulty between the Web and the exhibition space. Net art has uniquely satisfying qualities. Once it’s off your pc and into the art space it’s really no longer Net art, so it should be a different experience. It’s not for the sake of heavy lifting that we stacked nine Internet refrigerators, three on three on three, to create The gates of hell.

nossos trabalhos transitem com dificuldade entre a internet e o espaço de uma exposição. A net art possui qualidades satisfatórias únicas. Uma vez que ela sai de seu computador e vai para o espaço da arte, já não se trata mais de net art e, assim, deve ser uma experiência diferente. Não foi apenas para provocar um efeito visual que empilhamos, via internet, nove geladeiras, em grupos de três, para criar The gates of hell [As portas do inferno]. 27a. BIENAL DE SÃO PAULO GUIA

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ZAFOS XAGORARIS Atenas, 1963; vive em [lives in] Atenas Captação de som para o projeto Acre sound [Capturing the sound for Acre sound project] 2006 Testes para instalação de Acre sound em São Paulo [Tests for the installation of Acre sound in São Paulo] 2006

[Katerina Gregos] Seus projetos oscilam entre o som, a instalação, o desenho e a pintura. Como descreveria seu método de trabalho? Nos últimos cinco anos tenho traba-

[Katerina Gregos] Your projects hover between sound, installation, drawing and painting. How would you describe your working method? For the last five years I have been

lhado numa série de desenhos, eventos, dispositivos e arranjos, tentando identificar a amplitude de um recurso. Por exemplo, uma cerca criada por flechas, em torno de um arqueiro, materializa a amplitude, a capacidade de seu arco. A fim de examinar variações desse arranjo, eu desenho, descrevo ou instalo diferentes dispositivos/fontes capazes de criar condições semelhantes.

working on a series of drawings, events, devices and arrangements, trying to identify the range of a certain source. For example a fence created by arrows, around an archer, materializes the range, the ability of his bow. In order to examine variations of this arrangement, I draw, describe or install different devices/sources which are able to create similar conditions.

Nesse sentido, você recentemente inclinou-se cada vez mais para o “meio” mais imaterial do som. O que o levou a enfocar práticas e intervenções sonoras? Quando, por

In that sense, recently, you have moved increasingly to the more immaterial “medium” of sound. What drew you to focus on sonic practices and interventions? When a trav-

exemplo, um viajante caminha em direção a uma aldeia, existe certo ponto em que ele é quase capaz de ouvir o som distante do sino de uma igreja. Existe em torno daquele sino uma periferia virtual, certo espaço onde as badaladas são audíveis. Quando tentei criar situações semelhantes a esse exemplo, comecei a trabalhar com o elemento imaterial do som, materializando seus limites, manipulando suas possibilidades ou até mesmo revertendo seu volume.

eler walks, for example, towards a village, there is a certain point at which he is able to almost hear the distant sound of the church bell. Around this bell a virtual periphery, a certain space exists where the ringing is audible. Trying to create situations similar to this example, I began to work with the immaterial element of sound, materializing its limits, manipulating its capacities or even reversing its volume.

Em seu trabalho para a 27a. Bienal você levou em conta o conceito de geografia local. Pode falar um pouco mais sobre este projeto, como ele surgiu e como se manifestará?

O ponto de partida deste projeto foi o trabalho que realizei em Chipre, uma ilha dividida. Lá existem inúmeras aldeias ou comunidades abandonadas, muitas vezes rodeadas por cercas. Ali, em determinadas localidades, instalei temporariamente certos dispositivos sonoros, capazes de ampliar as condições existentes, transformando assim o sopro do vento ou uma janela que bate numa explosão. Acre sound [Som do Acre], meu trabalho para a Bienal, é baseado nos princípios de intensificação ou ampliação do som. O Acre é uma região geograficamente distante, onde começa a floresta amazônica e onde se encontram as fronteiras do Brasil com a Bolívia e o Peru. Numa tentativa de expandir aquela região, de expandir o “centro” de um conceito, seu som será transferido e transmitido em muitos lugares, no ambiente urbano de São Paulo. Os sons da floresta, a chuva, os urros dos animais ou as atividades humanas serão registrados, reproduzidos e, durante um período de tempo limitado, estamos planejando irradiá-los ao vivo. Essa instalação sonora pública irá ao ar nas ruas de São Paulo por toda a duração da 27a. Bienal.

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In your work for the 27th Bienal you have taken into account the local geography. Can you tell me a bit more about this project, how it came about and how it will be manifested? The starting point for this project is the work I

did in the divided island of Cyprus. In Cyprus there exists a number of abandoned villages or neighborhoods which are often surrounded by fences. There, in certain locations, I temporarily installed a number of sound devices, which were able to amplify the existing conditions, thus turning the blowing of the wind, or the crack of a window, into a blast. Acre sound, my work for the Bienal, is based on the same principles of sonic enhancement or amplification. Acre is a geographically remote area, where the Amazon forest begins and where the borders of Brazil with Bolivia and Peru meet. As an attempt to expand this area, to bring it closer to the notional “center”, its sound will be transferred and transmitted in many places within the urban environment of São Paulo. The sounds of the forest, rainfall, the cries of animals or human activities will be recorded, reproduced and — for a limited period of time — we are planning to broadcast live. This public sound installation will be aired on the streets of São Paulo for the duration of the 27th Bienal.

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Biografia dos autores [Author’s biographies]

Adriano Pedrosa é curador independente e co-curador da 27a. Bienal de São Paulo [is an independent curator an cocurator of the 27th Bienal de São Paulo]. Agustín Pérez Rubio é curador chefe do Museo de Arte Contemporáneo de Castilla y León [is chief curator of the Museo de Arte Contemporáneo de Castilla y León]. Alcino Leite Neto é jornalista, editor de moda da Folha de S. Paulo e editor da revista eletrônica Trópico [is a journalist, fashion editor at Folha de S. Paulo, and editor of the eletronic magazine Trópico]. Ana Elena Mallet é curadora independente e escritora na Cidade do México [is an independent curator and writer in Mexico City]. Ana Paula Cohen é co-idealizadora e curadora do projeto Istmo — arquivo flexível, em São Paulo [is co-organizer and curator of the project Istmo — flexible archive, in São Paulo]. Benjamin Buchloh é professor de história da arte no Barnard College da Columbia University, em Nova York [is Professor of Art History at Barnard College/Columbia University, in New York]. Betti-Sue Hertz é curadora de arte contemporânea do San Diego Museum of Art [is contemporary art curator of the San Diego Museum of Art]. Bojana Piškur é curadora de exposições no Museu de Arte Moderna de Ljulbjana [is exhibition curator at the Museum of Modern Art of Ljubljana]. Carla Zaccagnini é artista, curadora independente e crítica de arte em São Paulo [is an artist, independent curator and art critic in São Paulo]. Cássio Starling Carlos é jornalista e crítico de cinema da Folha de S. Paulo [is a journalist and film critic at Folha de S. Paulo]. Christian Braad Thomsen é professor, diretor de filmes e escritor em Copenhague [is a professor, film director and author in Copenhagen]. Christine Mello é crítica, curadora e professora em novas mídias em São Paulo [is a critic, curator and professor in new medias in São Paulo]. Christine Tohme é curadora e diretora da Associação Libanesa de Artes Plásticas, Ashkal Alwan, em Beirute [is curator and director of the Lebanese Association for Plastic Arts, Ashkal Alwan, in Beirut].

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é diretor da Johannesburg Art Gallery [is director of the Johannesburg Art Gallery]. Cristiana Tejo é coordenadora de artes plásticas da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife [is visual arts coodinator at Fundação Joaquim Nabuco, in Recife]. Cristina Freire é pesquisadora e curadora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e co-curadora da 27a. Bienal de São Paulo [is researcher and curator at the Museum of Contemporary Art of the University of São Paulo and co-curator of the 27th Bienal de São Paulo]. Cristóvão Coutinho é coordenador da galeria de artes da Universidade Federal do Amazonas, em Manaus [is the coordinator of the art gallery of the Federal University of Amazonas, in Manaus]. Fernanda Nogueira é mestranda do departmento de teoria literária e literatura comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo [is a Masters student at the department of literary theory and comparative literature of the Faculty of Philosophy, Literature and Humanities of the University of São Paulo]. Fulya Erdemci é co-curadora da 2a. Bienal de Moscou (2006) e curadora independente em Istambul [is co-curator of the 2nd Moscow Biennial (2006) and an independent curator in Istanbul]. Hans Ulrich Obrist é diretor de projetos internacionais e co-diretor de exposições e programas da Serpentine Gallery, em Londres [is director of international projects and co-director of exhibitions and programs at the Serpentine Gallery, in London]. Helouise Costa é curadora e pesquisadora no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo [is curator and reseacher at the Museum of Contemporary Art of the University of São Paulo]. Hou Hanru é curador da 10a. Bienal de Istambul (2007) e diretor de exposições e de programas públicos do San Francisco Art Institute [is the curator of the 10th Istanbul Biennial (2007) and director of exhibitions and public programs of the San Francisco Art Institute]. Ivo Mesquita é curador na Pinacoteca do Estado de São Paulo e professor do Center for Curatorial Studies, Bard College, Annandale-on-Hudson, Estados Unidos [is a curator at the Pinacoteca do Estado de São Paulo and professor Clive Kellner

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of the center of Curatorial Studies, Bard College, Annandale-on-Hudson, United States]. Jan Fjeld é jornalista e dirige a uol Megastore, um serviço online de download de música, em São Paulo [is a journalist and runs the uol Megastore, an online music download service, in São Paulo]. Jens Hoffmann é diretor de exposições do Institute of Contemporary Arts, em Londres. [is director of exhibitions at the Institute of Contemporary Arts, in London]. Jochen Volz é curador no Centro de Arte Contemporânea Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais, e curador convidado da 27a. Bienal [is a curator at Centro de Arte Contemporânea Inhotim, in Brumadinho, Minas Gerais, and guest curator of the 27th Bienal]. José Roca é curador na Biblioteca Luís Arango em Bogotá, e co-curador da 27a. Bienal de São Paulo [is a curator at the Luís Arango Library in Bogota, and co-curator of the 27th Bienal de São Paulo]. Juan Antonio Álvarez Reyes é crítico de arte e curador em Madri [is an art critic and curator in Madrid]. Julieta González é curadora independente e vive entre Caracas e San Juan, Porto Rico [is an independent curator living between Caracas and San Juan, Puerto Rico]. Katerina Gregos é diretora artística do Argos, centro de arte e mídia, em Bruxelas [is artistic director of Argos, center of art and media, in Brussels]. Kitty Scott é curadora chefe da Serpentine Gallery, em Londres [is chief curator of the Serpentine Gallery, in London]. Linda Montano é artista em Nova York [is an artist in New York]. Lisette Lagnado é curadora independente e curadora geral da 27a. Bienal de São Paulo [is an independent curator and chief curator of the 27th Bienal de São Paulo]. Luisa Duarte é curadora indenpendente no Rio de Janeiro [is an independent curator in Rio de Janeiro]. Miguel Amado é curador da Fundação plmj e co-programador da Arte Contempo, em Lisboa [is curator of Fundação plmj and co-idealizer of Arte Contempo, in Lisbon]. Rodrigo Moura é curador no Centro de Arte Contemporânea Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais [is a curator at Centro de Arte Contemporânea Inhotim, Brumadinho, Minas Gerais].

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Rosa Martínez é curadora do Museu de Arte Contemporânea de Istambul e co-curadora da 27a. Bienal de São Paulo [is curator of the Museum of Contemporary Art of Istanbul, and co-curator of the 27th Bienal de São Paulo]. Sabine Breitwieser é diretora artística da Generali Foundation, em Viena [is artistic director of Generali Foundation, in Vienna]. Santiago García Navarro escreve sobre questões de arquitetura, filosofia, política e arte, em Buenos Aires [writes on architecture, philosophy, politics and art, in Buenos Aires]. Solange Farkas é curadora do Videobrasil, em São Paulo. [is the curator of Videobrasil, in São Paulo]. Steven Matijcio é curador do Plug In Institute of Contemporary Art, em Winnipeg [is curator of Plug In Institute of Contemporary Art, in Winnipeg]. Sylvére Lotringer é professor de literatura francesa e filosofia na Columbia University, e editor da Semiotext(e), em Nova York [is professor of French literature and philosophy at Columbia University and the editor of Semiotext(e), in New York]. Tanya Leighton é curadora independente e editora, e vive em Berlim e Nova York [is an independent curator and editor living between Berlin and New York]. Thierry Jousse é diretor de curta-metragens e crítico de cinema, em Paris [is a short-film director and film critic, in Paris]. Tim Rollins é artista em Nova York [is an artist in New York]. Ulrike Groos é diretora do Kunsthalle Düsseldorf [is the director of the Kunsthalle Düsseldorf]. Xabier Arakistain é curador independente em Bilbao [is an independent curator in Bilbao]. Zayd Minty é produtor cultural independente e membro associado do Isandla Institute (centro de estudos urbanos), na Cidade do Cabo [is an independent cultural producer and associate of the Isandla Institute (center of urban studies), in Cape Town].

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Quinzena de Filmes [Film Fortnight] Cine Bombril out. 4 – 18, Cine Segall out. 8 – 21

Akram Zaatari Bregtje van der Haak

Cao Guimarães Dominique Gonzalez-Foerster

Fastwurms

Gordon Matta-Clark

Francesco Jodice / Kal Kallman Ivan Cardoso

Jack Smith Jean-Luc Godard Jeanne Faust Julio Bressane Lawrence Weiner

Len Lye

Loulou Cherinet Lu Chunsheng

Rainer Werner Fassbinder

Tacita Dean

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In this house [Nesta casa] 2005 30 min Saudi solutions [Soluções sauditas] 2006, 77 min Life and work [Vida e trabalho] 1999 50 min O andarilho [The drifter] 2006 80 min Atomic park [Parque atômico] 2004 9 min Ile de beauté [Ilha de beleza/Island of beauty] 1996 70 min Malus 2004 21 min 30 s Riyo 1999 10 min Central 2001 10 min Plages [Praias/Beaches] 2001 15 min Red of tooth and kaw 2001 27 min Soylent orange 2002 11 min Sous-sol de Paris [Subsolo de Paris/Paris underground] 1977 18 min 40 s Substraits, the underground dailies [Substratos, os diários do subsolo] 1976 30 min Office baroque 1997 44 min Hikikomori 2004 22 min Dr. Dyonélio 1978 13 min Hi fi 1999 8 min Heliorama 2004 14 min Flaming creatures [Criaturas flamejantes] 1963 45 min Sympathy for the devil: One plus one [Simpatia pelo demônio: Um mais um] 1968 100 min Interview [Entrevista] 2003 9 min Matou a família e foi ao cinema [Killed the family and went to the movies] 1969 80 min A first quarter 1973 85 min A second quarter 1975 85 min A color box [Uma caixa de cor] 1935 4 min Rainbow dance [Dança do arco-íris] 1936 5 min N or NW 1937 7 min Color cry [Lamento da cor] 1953 3 min Tradetattoo 1937 5 min Rhythm [Ritmo] 1957 1 min Free radicals [Radicais livres] 1979 5 min (versão revisada [revised version]) White women [Mulheres brancas] 2002 52 min The history of chemistry [A história da química] 2004 29 min 27 s The history of chemistry 2 — The new tool [A história da química 2 — O novo instrumento] 2006 66 min Warnung vor einer heiligen Nutte [Precaução ante uma prostituta santa/Beware of a holy whore] 1970–71 103 min The uncles [Os tios] 2004 77 min

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Seminários [Seminars]

MARCEL, 30 organização

ARQUITETURA [ARCHITECTURE] organização

RECONSTRUÇÃO [RECONSTRUCTION] organização

VIDA COLETIVA [COLLECTIVE LIFE] organização

TROCAS [EXCHANGES] organização

ACRE organização

jan. 27 – 28 Jochen Volz Dorothea Zwirner Jürgen Harten Lisette Lagnado Ricardo Basbaum Rirkrit Tiravanija Stéphane Huchet abr. 1 – 2 Adriano Pedrosa Ana Maria Tavares Beatriz Colomina Eyal Weizman Guilherme Wisnik Jessica Morgan Marjetica Potrˇ c jun. 9 – 10 Cristina Freire Jean-Marc Poinsot João Frayze-Pereira Minerva Cuevas Renato Janine Ribeiro Tony Chakar Viktor Misiano ago. 4 – 5 Lisette Lagnado Catherine David Celso Favaretto Jane Crawford Jeanne-Marie Gagnebin Peter Pál-Pelbart Yuko Hasegawa out. 9 – 10 Rosa Martínez Carlos Jiménez Ernesto Neto Maria Rita Kehl Nicolas Bourriaud Paulo Herkenhoff Renata Salecl nov. 10 – 11 José Roca David Harvey Francisco Foot Hardman Jimmie Durham José Meirelles Manuela Carneiro da Cunha Thierry de Duve


Fundação Bienal de São Paulo

Flávio Camargo Bartalotti Diretor administrativo e financeiro [Executive director and financial manager] GERÊNCIA GERAL [GENERAL MANAGEMENT] Maria Rita Marinho Angélica de Oliveira Divino Carlos Roberto Rodrigo Rosa Givonete Alves dos Santos José Leite da Silva José Lindomar Cabral Juliana Nascimento da Silva Lisânia Praxedes dos Santos Lucia Aparecida Rizzardi Maria da Glória do Espírito Santo de Araújo Marize de Almeida Nóbrega Martins COORDENAÇÃO DE PROJETOS ESPECIAIS [SPECIAL PROJECTS COORDINATION] Alessandra Effori Juliana Camargo ARQUIVO HISTÓRICO WANDA SVEVO [WANDA SVEVO HISTORICAL ARCHIVE] Adriana Villela Adriana Cristina Menezes Fuza Almeida Renata Cristina de Oliveira Maia Zago BANCO DE DADOS [DATA BANK] Jorge Lody ASSESSORIA DE IMPRENSA E COMUNICAÇÃO [PRESS OFFICE] Antonio Gaspar Filho Bruna Nogueira de Azevedo GERÊNCIA DE CONTROLE E CONTABILIDADE [AUDITING AND ACCOUNTING MANAGEMENT] Maurício Marques Netto Amarildo Firmino Gomes Emerson Pinheiro Brito Souza GERÊNCIA FINANCEIRA [FINANCIAL MANAGEMENT] Kátia Marli Silveira Marante Adriana Cristina de Lima Pereira Leonardo Marinho Gomes Marcos de Oliveira Martins Thiago José de Macedo

GERÊNCIA DE RECURSOS HUMANOS E MANUTENÇÃO [MAINTENANCE AND HUMAN RESOURCES MANAGEMENT] Mário Rodrigues Cleise Pereira Araújo Diógenes Miranda Silva José Fernando Ribeiro Josefa Gomes Orlando Ribeiro Silva Paulo Vieira da Silva Filho Tabajara de Souza Macieira Valdemiro Rodrigues da Silva Vanderlan da Silva Bispo Vinícius Robson da Silva Araújo CONSULTORIA ENGENHARIA ELÉTRICA [ELETRIC ENGINEERING ADVISORY] Manoel Lindolfo Batista ASSESSORIA JURÍDICA [LEGAL ADVISORY] AzevedoCesnikQuintino & Salinas Advogados Oliveira de Toledo & Advogados Associados INFORMÁTICA [COMPUTING SERVICES/SUPPORT] Anderson de Andrade PORTARIA/SEGURANÇA [RECEPTION DESK/SECURITY] Moreno & Rocha S/C Ltda. SERVIÇOS GERAIS [CLEANING SERVICES] Beta Brasil Limpeza e Conservação Ltda.


ASSITENTES DE CURADORIA [CURATORIAL ASSISTANTS] Iris Kaufmann Marcio Harum Quinzena de filmes [Film fortnight] Tobi Maier Estagiário [Intern] ARQUITETURA [ARCHITECTURE] Marta Bogéa Projeto museográfico [Architectural project] Colaboradores [Collaborators] Ana Helena de Assis Meirelles Villela Maria Julia de Castro Herklotz Assistentes [Assistants] Cristina Lino Gouvêa Denis Braido Marcus Vinicius Pereira dos Santos Penelope Blandino SINALIZAÇÃO [EXHIBITION GRAPHICS] Tacoa arquitetos associados Cássia Buitoni AÇÃO EDUCATIVA [EDUCATION PROGRAM] Denise Grinspum Curadoria [Education curator] Anny Lima Coordenação de capacitação de professores [Teachers training program coordination] Luciana Nobre Assistente de capacitação de professores [Assistant to the teachers training program] Christiana Moraes Coordenação de monitoria [Guided tours coordination] Claudinei Roberto Sub-coordenador de monitoria [Guided tours sub-coordinator] Guilherme Teixeira Coordenador centro-periferia [Center-periphery coordinator] Priscila Okino Sub-coordenadora centro-periferia [Center-periphery sub-coordinator] Valquiria Prates Coordenadora do material educativo [Educational material coordinator] Alessandra Effori Coordenação de produção [production coordination] Juliana Camargo Assistente [assitant] Supervisores [supervisors] Anderson Rei Daniela Canguçu Elaine Cristina de Carvalho Fontana Eurico Lopes Flavia Yue Karin Lima Marcela Vieira Marco Willians Patrícia Henna Paula Yurie Torelli Hijo

PRODUÇÃO [PRODUCTION] Jacopo Crivelli Visconti Gerente de exposições [Exhibition manager] Produtores [Producers] Bartolomeo Gelpi Efstathia Vourakis Flávia Abbud Iris Kaufmann Juliana Asmir Liliane Fratto Marcio Harum Mônica Shiroma de Carvalho Rinaldo Quinaglia Vânia Mamede C.de Shiroma Assistentes [Assistants] Eddyluz Sosa Gutiérrez Francesca Channing-Secco Estagiários [Interns] Fábio Padilha Neves Sila da Costa Pinto MONTAGEM [INSTALATION] Coordenação geral [General coordination] Nonai Gil Momo Gil Marcos Sarsano Sergio Pegora Montadores [Installation crew] Agostinho Zanon Alexandre Brasales Alexandre Furtado Cardoso Alexandre Moreira Ana Francisca S. Barros Ana Paula Lobo Andre Severo Andrea Souza Armando Athaide Carlos Pimentel Cesar Lopes dos Santos Claudio Gonsalves Neves Cristiano Filatro Daniel Coassolo Eduardo Ferreira Fábio Andrei Fabio Augusto Fábio Parreira Uchida Gerson Derivi Marques Guilherme Brandão Fonseca Haroldo Silva Alves Iano Ahmed


Fundação Bienal de São Paulo

Montadores [Installation crew] Ismael Rodrigues Joacyr Salles Joaquim Calmom Millan Juliana Russo Juliano Abrahão Leonardo Domingues Marcelo Moreira Marcos Gorgati Muhammad Baker Nelson Rosa Nelson Vilhela Paula Krause Correa Rafael Ramos Brasil Ricardo Pennino Ricardo Rosan Ricardo Ushida Roberto Kirk Sergio da Paz Walter Ribeiro da Costa CENOGRAFIA [SET DESIGN] Metro Dois Cenografia, Quindó Oliveira PROJETO LUMINOTÉCNICO [LIGHT DESIGN] Guilherme Bonfanti Assistentes [assistants] Camilo Bonfanti Fernanda Almeida Rodrigo Agostini Sergio Siviero TRANSPORTE [SHIPPING] Arte 3 Log, Ana Helena Curti Coordenação [coordination] Marcela Amaral Assistente [Assistant] G-Inter transportes, Artur Benedetti Jr. DESPACHANTES [CUSTOMS AGENTS] Carmine Orival Francisco Robson Calazans Salim ASSESSORIA DE IMPRENSA [PRESS OFFICE] Solange Viana Assistentes [Assistants] Silas Martí Bruna Azevedo Mauricio Horta RELAÇÕES COM CONVIDADOS [GUEST RELATIONS] Nathalie de la Chevalerie

SEMINÁRIOS [SEMINARS] Organização [Organization] Lisette Lagnado Adriano Pedrosa Cristina Freire José Roca Rosa Martínez Jochen Volz Coordenação de produção [Production coordination] Alessandra Effori Ana Gonçalves Magalhães Paula Alzugaray Juliana Camargo Assistente [Assistant] Gabriela Guimarães Produtora [Producer] Estagiárias [Interns] Geny Moreira Mila Zacarias Informática [Computing services support] Anderson de Andrade Transmissão [Broadcast] Fórum Permanente de Museus RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS [ARTISTIC RESIDENCIES] Artistas residentes [Artists in residence] Alberto Baraya Acre Armando Andrade Tudela São Paulo Florian Pumhösl São Paulo Francesco Jodice São Paulo Lara Almarcegui São Paulo Marjetica Potrˇc Acre Meschac Gaba Recife Minerva Cuevas São Paulo Shimabuku São Paulo Susan Turcot Acre Coordenação geral [General coordination] Marcos Moraes Fundação Armando Álvares Penteado Assistentes [Assistants] Bartolomeo Gelpi Rio Branco Cristiana Tejo Fundação Joaquim Nabuco, Recife Julia Rebouças Fundação Joaquim Nabuco, Recife Julia Rodrigues São Paulo Walkiria Raizer Fundação Elias Mansour, Rio Branco QUINZENA DE FILMES [FILM FORTNIGHT] Marília Perracini Produção [Production] SHOW DE ENCERRAMENTO [CLOSING CONCERT] Konono no. 1 Pena Schmidt Auditório Ibirapuera Marcos Boffa Produção [Production]


Publicações [Publications]

27a. Bienal de São Paulo: Como viver junto [How to live together] 27a. Bienal de São Paulo: Guia [Guide] 27a. Bienal de São Paulo: Seminários [Seminars] Organização e edição [Editors]

Lisette Lagnado Adriano Pedrosa

Projeto gráfico [Graphic design]

Rodrigo Cerviño Cássia Buitoni

Coordenação editorial [Editorial coordination] Produção gráfica [Graphic production]

Ana Gonçalves Magalhães Ana Elisa de Carvalho Silva

Tradutores [Translators]

Alberto Dwek Alison Entrekin Ann Robertson Bob Culverhouse Carlos Eugênio Marcondes de Moura Christopher Ainsbury George Sperber Ivone C. Benedetti Izabel Burbridge Luiz Roberto M. Gonçalves Michael Sleiman Odile Cisneros Regina Alfarano Susana Vidigal

Revisores [Copyeditors]

John Norman Regina Stocklen Rosalina Gouveia Tereza Gouveia

Correção das provas [Proofreading]

Pré-impressão [Pre-printing] CTP, impressão e acabamento [CTP, printing and binding]

Adriana Cerello Victória Murat Photostop Artes Gráficas Digital Imprensa Oficial do Estado de São Paulo A capa deste catálogo foi impressa em Papelcartão Royal 300 g/m² fabricado pela Ripasa em harmonia com o meio ambiente [The cover of this catalog was printed in Royal cardboard 300 g/m2 produced by Ripasa, in harmony with environment]

Publicado por [Published by]

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Fundação Bienal de São Paulo Parque do Ibirapuera Portão 3 04094-000 São Paulo SP Brasil www.bienalsaopaulo.org.br T 55 11 55767600 F 55 11 55490230

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Cooperação [Cooperation]













There is nothing in this letter to implicate or compromise anybody who believes he or she should carry out with their participation. But I exhort all to join together in this action and to send proposals and answers to myself, to the media, or to any place where they can be heard. Due to the dubious way in which Glusberg has manipulated this matter, the exhibition’s appeal, as he had proposed in Buenos Aires, has been seriously damaged. It has been suggested that instead of withdrawing work from both activities, there should be encouragement for a group to exhibit in Argentina at the same time that a firm collective manifesto be made against the situation in Brazil. My feeling is that Glusberg has the full intention of sending the works he receives to São Paulo, and that probably it is no easier to make political statements in Argentina than in Brazil. The idea of organizing an exchange with Chile, although complicated, is beginning to develop, and would express in itself a concern with the condition in South America. If the shipping and modest expenses could be funded by Chile, an important positive gesture of support would be made. Please be in touch with me in some way about these ideas or other ones you may have. Regards, Gordon Matta May 19th, 1971




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