Fitos e interfaces na fitoterapia

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REPORTAGEM

Fitos e interfaces CRISTINA MONTE

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lantas, ervas, frutas, vegetais de onde se extraem caules, folhas, frutos, óleos e mais - os princípios ativos -, que são substâncias largamente utilizadas na área medicinal pela fitoterapia. Entretanto, outras áreas como a da beleza (bem-estar) e a da alimentação vêm utilizando os recursos botânicos em suas fórmulas, o que tem culminado no lançamento de linhas de produtos e alimentos mais naturais e saudáveis se comparados aos produzidos sinteticamente. O maior beneficiário é o consumidor que dispõe de mais opções de produtos a preços competitivos. Mas, isso só foi possível graças às benesses da natureza, a qual nos ofertou uma vasta diversidade de espécies florestais, que se desenvolve conforme as características de cada região considerando o clima, a temperatura, a umidade relativa do ar, entre outros fatores. A riqueza da flora brasileira é incomensurável a começar pela Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo. Acredita-se que há na Amazônia cerca de 35 mil espécies de plantas, porém, dentro

deste imenso universo, apenas um número ínfimo de espécies farmacológicas e de valor econômico foi identificado. E apesar de o Brasil ser detentor de aproximadamente 20% da biodiversidade mundial, o nosso acervo científico não ultrapassa 1%, conforme entrevista concedida nesta edição pela Coordenadora-Geral de Biodiversidade do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Ione Egler. Demonstra-se assim que há um imenso mercado a ser explorado, mas para que isso ocorra há uma série de ações a serem implementadas: levantamento e mapeamento de todos os recursos florestais, implantação de programas e projetos que garantam a exploração sustentável, inserção das comunidades no processo produtivo propiciando aumento na geração de emprego e renda, investimentos em P&D e provavelmente o mais importante – a aplicação prática dos dispositivos legais já elaborados e aprovados, os quais garantam a saúde humana, a Propriedade Intelectual e a proteção dos ativos da floresta. Dessa forma, poderemos efetivamente desenvolver a bioindústria nacional na área de fitos, T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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modelo econômico promissor ao Brasil, dada sua riqueza em insumos e outras vantagens competitivas. É o momento de revertermos possibilidades em crescimento socioeconômico.

Como surgiu o chá e afinal ele é fitoterápico ? Há várias lendas sobre o surgimento do chá, no entanto, a mais popular provém da China, onde o imperador Shen Nung ficou conhecido como o “Pai do Chá”, já que por meio da observação ele descobriu ao acaso o processo de infusão, quando algumas folhas caíram no momento de fervura da água e produziu um agradável aroma. Para que o processo acontecesse bastava ferver a água e misturar alguns tipos de “plantas” e o resultado era uma bebida saborosa e que promovia o bem-estar. A invenção teria acontecido há alguns séculos antes da era cristã. Após a valiosa descoberta e dando continuidade aos seus experimentos, Shen escreveu diversos documentos sobre a utilização das plantas medicinais, nos quais afirmava que para cada enfermidade havia um remédio natural oriundo de alguma planta. Depois vieram os egípcios que utilizavam as ervas aromáticas na cosmética, culinária e medicina. Eles já usavam plantas que são comuns no nosso dia-a-dia: cebola, coentro, cominho, papoula, tominho e alho. Os sumérios da Mesopotâmia detinham receitas consideradas preciosas pelo povo, por isso elas eram de conhecimento apenas dos sábios sacerdotes e feiticeiros, os quais as guardavam na memória e só as repassavam aos mais novos por ocasião da velhice. O chá chegou ao Japão pelos monges budistas no século IX e foi naquele país que ele passou a ser introduzido na cultura e educação por meio do Chanoyu ou cerimônia do chá. Ou seja, ele incorporou-se aos meios poéticos, artísticos, filosóficos e religiosos. Inclusive, pode-se dizer que a China e o Japão colaboraram sobremaneira para a divulgação do líquido ao mundo. T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

Já na Europa o chá chegou graças às expedições de Marco Pólo e ao português Gaspar da Cruz, mas a introdução no continente europeu se deu no início do século XVII, devido ao relacionamento comercial entre a Europa e o Oriente. Até os dias atuais, o chá é altamente apreciado pelos ingleses. O histórico do surgimento do chá e, conseqüentemente a sua disseminação, explica o motivo pelo qual há uma sabedoria que transcende as esferas religiosa e medicinal, já que o chá tornou-se mais do que a simples mistura entre água e folhas. É importante lembrar que no Brasil a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ligada ao Ministério da Saúde, por intermédio da Resolução de Diretoria Colegiada - RDC nº 48/04, deixou de renovar os registros de produtos até então registrados na forma da rasura vegetal, como é o caso das plantas para preparo de chás, os quais passaram a ser enquadrados como alimento, entretanto, por ser à base de plantas medicinais, essas devem ser registradas na Agência, conforme decretos.

Religião: chá e dependência química Até hoje, algumas seitas utilizam chás com o propósito de provocar alucinação ou curar pacientes. É o caso do ritual do Santo Daime, de tradição nas sociedades das populações indígenas e mestiças da Amazônia Ocidental, as quais utilizam um chá extraído de duas plantas alucinógenas: Banisteriopsis Caapi e da Psychotria Viridis. O chá “Daime”, como é conhecido, é usado nos rituais religiosos e mágicos com o propósito de evocar a divindade espiritual e assim conseguir orientação para comunicar-se com os espíritos da floresta e buscar a cura para as enfermidades, além de propiciar a interação social entre os praticantes. As alucinações provocadas pelo chá são chamadas de “mirações”, no entanto, apesar de os estudos continuarem, cientificamente o que se sabe é que há uma alta dependência psicológica. Inclu-


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sive, o uso do chá por seitas religiosas vem sendo tratado com reservas pelo Conselho Federal de Entorpecentes, em virtude da presença da substância Dimetiltriptamina (DMT), responsável pelos efeitos alucinógenos. No Japão, como o chá foi introduzido pelos monges, ele estava associado ao âmbito religioso, provavelmente pelo fato de as plantas medicinais interferirem no bem-estar físico e emocional, o que supunham advir da espiritualidade, por isso, nos rituais religiosos Zen Budista eram utilizados chás no cerimonial.

Fitoterapia: fitocomplexo ou fitofármaco ? A fitoterapia é uma palavra oriunda do grego “tratamento” (therapeia) “vegetal” (phyton) e tem por definição a utilização dos princípios ativos das plantas para o tratamento de doenças, além de estudar as plantas medicinais e suas aplicações na cura das enfermidades. No Brasil, a ANVISA regulamenta os produtos fitoterápicos, os quais têm sido largamente prescritos por médicos de diversas especialidades. São considerados produtos fitoterápicos as plantas medicinais que passam por processo farmacêutico, quando extraídas as substâncias que podem ser manipuladas de diversas formas, como por exemplo: extratos, tinturas, pomadas e cápsulas, desde que tenham efeito farmacológico. Mas, diferentemente da crendice popular, a qual prega o uso das plantas medicinais sem qualquer restrição, é importante lembrar que além dos princípios ativos terapêuticos, elas também podem apresentar elevado grau tóxico, o que pode resultar em reações alérgicas, contaminação devido ao uso de agrotóxicos ou por metais pesados e até desenvolver alguns tipos de câncer. Por isso, a sua utilização deve restringir-se à prescrição médica. Para entendermos o assunto com profundidade é importante ressaltarmos a diferença entre fitofármaco e fitoterápico: enquanto o primeiro é um princípio ativo com finalidade terapêutica e geralmente comercial, ele é isolado a partir de uma planta me-

dicinal e assim pode ser sintetizado, patenteado e produzido em escala industrial; o segundo, fitoterápico, é produzido a partir da planta inteira, ou seja, um grande número de moléculas distintas formam o fitocomplexo, que age no organismo do paciente. Atualmente, a ANVISA dispõe, sobre o registro de medicamentos fitoterápicos, por meio da RDC nº 48/04, e traz no regulamento algumas informações importantes, como por exemplo a definição de medicamento fitoterápico como sendo: “Medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias-primas ativas vegetais. É caracterizado pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade. Sua eficácia e segurança são validadas através de levantamentos etnofarmacológicos de utilização, documentações tecnocientíficas em publicações ou ensaios clínicos fase 3. Não se considera medicamento fitoterápico aquele que, na sua composição, inclua substâncias ativas isoladas, de qualquer origem, nem as associações destas com extratos vegetais”. Nesse aspecto, segundo o médico e fitoterapeuta (herborista) Luiz Carlos Leme Franco, há uma certa controvérsia entre os terapeutas (curandeiros, benzedeiros, entre outros) e médicos quanto à sua eficácia em virtude do processo de industrialização. “Para se diferençar do uso por terapeutas não graduados e médicos, estes últimos consideram que - e eu acho uma dicotomia desnecessária e inócua - tratamento com plantas medicinais é uma coisa e uso de fitomedicamento é outra. O primeiro é o que se realiza pela utilização de chás e é utilizado pelos terapeutas em geral e o segundo, mais sofisticado, vendido em embalagens industriais com bulas e orientações escritas, para uso alopático somente por meio de receita médica. Segundo quem faz uso de chás que utilizam parte ou a planta toda, diz que este processo é mais eficiente porque se absorvem todos os princípios ativos das plantas onde ou há uma sinergia ou algumas substâncias presentes anulam os efeitos deletérios de outras, já que a planta é completa. T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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No segundo caso, como se extraem alguns ou um só produto químico que a planta fabrica, esta ação conjunta estaria prejudicada e o medicamento seria um alopático comum, com princípio químico, embora natural, atuando isoladamente como um outro remédio qualquer, trabalhando, ás vezes, só os sintomas de doenças e não estas”, explica Luiz Carlos. É bom lembrar que cerca de 45% dos remédios usados pela medicina convencional são oriundos de substâncias extraídas dos vegetais, dado referente à reportagem publicada pela revista Veja, edição 1749.

Muito além da Fitoterapia Mas a utilização dos princípios ativos ou extratos vegetais não se restringe à área da saúde. Atualmente há outros dois setores que apresentam considerável destaque: alimentação e beleza (bem-estar). Na área da alimentação vem despontando uma nova ciência batizada de “Nutracêutica”, na qual, entre outros objetivos, estuda-se a utilização das plantas para a saúde humana, de modo a investigar os componentes das plantas e dos alimentos, isolando-se os seus bioativos, que formam um conjunto de substâncias capazes de prevenir e tratar o organismo humano de diversas enfermidades, como: câncer, diabetes e doenças cardiovasculares, e inserindo-os em outros alimentos ou cápsulas naturais. Segundo os cientistas, a tese é de que o poder dos bioativos, que geralmente são considerados importantes antioxidantes, é capaz de proteger a oxidação das células e portanto evitar as doenças degenerativas. Assim, busca-se a comprovação científica dos benefícios e efeitos terapêuticos das ervas para prevenir e tratar doenças. Nesse segmento, apesar de as pesquisas estarem em fase preliminar, algumas delas já despontam como promissoras para o trato de doenças, como é o caso de pesquisas do Instituto de Pesquisas Científicas do Amapá que vem pesquisando a pata-da-vaca para reduzir a quantidade de T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

açúcar no sangue. Outras ervas também estão em estudos: a quebra-pedra vem se mostrando eficaz na destruição de cálculos renais e a ginkgo biloba está sendo empregada para tratar a labirintite, por exemplo. Na área da beleza, a cosmecêutica (a cosmética terapêutica), emprega as ervas, vegetais, óleos essenciais, entre outros insumos para desenvolver seus produtos, como por exemplo: a cânfora, o mentol e a própolis. Vale lembrar que na área da cosmetologia um dos principais insumos empregados na fabricação de perfumes são os óleos essenciais extraídos das espécies vegetais. No Brasil, a Natura, há quarenta anos no mercado e a primeira brasileira no setor a se internacionalizar, vem investindo na sua linha “ Natura Ekos”, são sabonetes, xampus, condicionadores, sais e óleos de banho produzidos com matérias-primas extraídas da biodiversidade brasileira, sobretudo da Região Amazônica. Alguns dos principais componentes utilizados pela Natura são : andiroba, buriti, pitanga e cupuaçu.

Mercado em expansão Anualmente, o setor fitoterápico vem apresentando elevadas taxas de crescimento em todo o mundo - as cifras ultrapassam os 50 bilhões de dólares. Só o Brasil contribui com cerca de 500 milhões de reais, dados da Associação Brasileira de Fitoterápicos (ANFITO), em reportagem da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, edição nº 220, publicada em maio último. O Brasil, portador da maior biodiversidade vegetal do mundo por manter aproximadamente 55 mil espécies de plantas, o que representa cerca de 20% do total existente no planeta, tem tudo para expandir o mercado na área de fitos. Colabora para esse cenário promissor o baixo custo dos medicamentos se comparado aos sintéticos, proporcionado justamente pela facilidade de insumos, o que torna-se um atrativo na hora da compra. Por isso, provavelmente, as estimativas apontem que mais de 80% da população brasileira


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recorra a produtos à base de ervas. Além disso, a busca por um estilo de vida mais saudável e natural, além do componente cultural, oriundo dos povos tradicionais, faz com que mais consumidores procurem pelos produtos naturais. Se considerarmos que por volta de 2002 o Brasil era o quinto maior consumidor de remédios do planeta, o que na época representou a movimentação de 5,2 bilhões de dólares para a indústria farmacêutica, percebe-se que o mercado de fitoterápicos tem espaço para crescer. Mas, o fato mais importante que alavanca o mercado são as vendas internas, as quais vêm apresentando elevação anual de 15% contra os 4% apresentados pelos medicamentos sintéticos. Em virtude disso, os grandes laboratórios estrangeiros estão alerta, pois já dividem o mercado com os genéricos e não querem perder a concorrência para os fitoterápicos. Então uma saída estratégica é investir na área. Um exemplo partiu do laboratório alemão Boehringer Ingelheim que, em 2001, lançou no Brasil o produto Sonhare (marca registrada), o fitoterápico é destinado ao combate da insônia. Ele é composto a partir da associação das plantas medicinais de origem européia: a Valeriana Officinalis e a Melissa Officinalis. Mas, o País não fica atrás e uma prova de que o sucesso na área fitoterápica é possível vem da Região Sul do Brasil - especificamente da cidade de Colombo, no Paraná – a Herbarium, laboratório especializado na produção de fitoterápicos, fitomedicamentos, alimentos funcionais, vitaminas e produtos de auxílio à redução de peso, foi fundada em 1985, conta com 280 funcionários, além de 25 mil pontos de venda no Brasil e um faturamento de 50 milhões de reais em 2006. Para tanto, o laboratório conta com alguns diferenciais importantes, entre eles: manutenção de um canteiro de ervas medicinais para conhecimento e estudo por parte da comunidade e cursos para formação de leigos e médicos na área de fitoterapia. Já no segmento dos cosméticos as empresas têm investido principalmente em P&D para produção de linhas a base de fitocosméticos, o reflexo disso pode ser observado principalmente nos paí-

ses do primeiro mundo, como por exemplo nos Estados Unidos que em 2003 faturou algo em torno de 4,1 bilhões de dólares e desde então apresenta taxas de crescimento próximas aos 20% ao ano, em detrimento ao mercado de cosméticos convencionais que crescem 4% ao ano. Na Europa, entre 2003 e 2005, os europeus consumiram cerca de 450 milhões de euros em cosméticos naturais o que vem representando o crescimento do mercado por volta dos 16% ao ano. Se considerarmos que atualmente o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor de produtos cosméticos, perdendo apenas para os Estados Unidos e Japão - o segmento dos fitocosméticos aponta para um mercado em franca expansão.

Legislação: controle de qualidade e produtividade Na esfera legal, os fitoterápicos no Brasil foram normalizados por ocasião da oficialização da profissão farmacêutica. Naquela ocasião, foram implantadas as primeiras regras nacionais para o setor de medicamentos. No entanto, os fitoterápicos ganharam destaque somente em 1967, quando da edição da Portaria nº 22, do extinto Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e da Farmácia. De lá para cá, houve a implementação de diversos instrumentos legais, entre os quais a Lei Federal nº 6360/1976, que estabeleceu uma reorganização no setor de medicamentos. Como na época os fitoterápicos tinham sua atuação restrita e pouco divulgada, a nova lei não fez referência à classe de produtos oriundos das plantas medicinais. O fato gerou confusão e a ausência de regras ao gerenciamento do emprego dos fitoterápicos facilitou o registro de alguns vegetais em categorias não condizentes às classificações pertinentes. Por isso, surgiu a necessidade de uma legislação federal a qual normalizasse a classe de produtos fitoterápicos, o que ocorreu com a edição da Portaria SVS nº 6/1995. A portaria considerou os fitoterápicos como medicamentos, estabeleceu um roteiro para novos reT&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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gistros, inclusive imputando a necessidade de estudos relativos à toxicidade, eficiência terapêutica e segurança. O setor produtivo, diante das novas exigências colocou-se contrário à portaria, solicitando sua revisão e flexibilização. Em 2000, a situação foi agravada devido a publicação da RDC nº 17/00, a qual trouxe novos critérios para o registro de medicamentos fitoterápicos, que impediram ou dificultaram o registro de plantas medicinais nacionais, em benefício às plantas estrangeiras. Em razão disso, as indústrias do setor foram obrigadas a importar matérias-primas, elevando os custos de fabricação em mais de 100%. A medida praticamente inviabilizou o setor, a taxa de desemprego ficou próxima aos 40% e a ociosidade do parque industrial em torno de 70%. Em 2003 foi a vez da implantação da RDC nº 134, a qual dispõe sobre a adequação dos medicamentos já registrados e determina que as indústrias devem comprovar a segurança, eficácia e toxicidade dos medicamentos produzidos, caso contrário terão seus registros cancelados por ocasião da revalidação. Desde 2004, tramita o Projeto de Lei nº 3381, que tem por objetivo regulamentar uma gama de produtos fabricados com base em plantas medicinais e outros componentes naturais. No momento, o projeto está na Câmara dos Deputados. Atualmente, o maior desafio para os que atuam no mercado fitoterápico envolve a esfera legal. “Temos uma legislação com muitas interfaces nebulosas que dão margem às subjetividades nas interpretações das regulamentações e são sem dúvida o principal entrave para aplicação de ações isonômicas por parte do setor regulatório”, explica a enfermeira e Presidente do Conselho Diretivo da Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (ABIFISA), Magrid Teske. Por isso, a aprovação da Lei é aguardada com ansiedade. “O futuro do setor está diretamente ligado às ações políticas por parte do governo. Continuar a produzir medicamentos fitoterápicos com matérias-primas importadas é uma afronta à riqueT&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

za botânica que tanto insistimos em ressaltar, mas que não pode ser utilizada em benefício da população de nosso país, já que as regulamentações atuais não favorecem este particular”, argumenta Magrid.

Conhecimento científico e tradicional : fortalecimento da indústria fitoterápica Há no Brasil, atualmente, segundo o biólogo, doutor em Biotecnologia Vegetal pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador em Propriedade Industrial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Alexandre Guimarães Vasconcellos, mais de 200 grupos de pesquisa atuando com plantas medicinais, sendo que a maior parte deles concentra-se nas universidades da Região Sudeste. Além disso, o País encontra-se entre os vinte com maior produção científica na área de farmacologia e toxicologia. A ciência, nas últimas décadas, tem proporcionado o avanço nas pesquisas, o que tem sido fundamental para desmistificar o uso da fitoterapia, ainda arraigada em razão da origem proveniente dos povos indígenas. O respaldo científico tem colaborado para mudar o preconceito em torno do assunto, já que antigamente a terapia se restringia ao uso de curandeiros e pajés, as ervas cresciam à beira dos jardins e seu uso não era muito bem visto pela classe médica, o que limitava o desenvolvimento de estudos científicos. Para Alexandre Guimarães, a questão está relacionada à falta de conhecimento. “Eu não vislumbro preconceito da classe acadêmica pelo conhecimento tradicional. Na verdade acho que existe um grande desconhecimento por parte dos pesquisadores sobre como acessar licitamente o conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos e, principalmente, no que tange a questões relacionadas à repartição justa e eqüitativa dos benefícios advindos das pesquisas com as comunidades tradicionais. O pesquisador fica com o receio de ser acusado de biopirata e muitas vezes


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prefere direcionar sua linha de pesquisa para áreas menos polêmicas. E isto é uma grande perda para o País. Acredito que deve ser feito um grande esforço para capacitar as instituições de ensino e pesquisa e as indústrias sobre o tema e, além disso, discutir formas para otimizar os procedimentos e trâmites para a requisição do acesso ao conhecimento tradicional, de maneira a aumentar a eficiência e a celeridade do processo. Em relação às comunidades tradicionais, relembro-me sempre da leitura de Paulo Freire no trecho do livro que dizia que ‘o oprimido não fala por si, falam pelo oprimido’. Nesse sentido, para podermos ser lembrados no futuro pelo trabalho em prol de uma sociedade mais justa e igualitária é fundamental dar voz a quem não tem. As comunidades têm todo o direito de participar ativamente deste processo e devem estar suficientemente informadas para deliberarem de forma livre e esclarecida sobre a realização de pesquisas em seu território e sobre a utilização de seus conhecimentos”, comenta o biólogo. O pesquisador enfatiza ainda sobre a distância entre a pesquisa e a comercialização de um produto fitoterápico. “Entre a pesquisa sobre o efeito biológico de um determinado extrato vegetal e a colocação efetiva de um novo fitofármaco no mercado existe um longo caminho que demanda, além de expertise, sólidos investimentos. Este é um ponto crucial para que o País consiga agregar valor aos produtos derivados de sua biodiversidade. Apesar de a maioria dos grupos de pesquisa sobre plantas medicinais estar concentrado em universidades, não adianta imaginar que as universidades sozinhas serão capazes de levar a cabo todas as etapas da pesquisa até a colocação do produto no mercado e, além disso, arcar com os custos dos testes pré-clínicos e clínicos da pesquisa. É por isso que a indústria é indispensável na cadeia de inovação. É fundamental que se estabeleça uma rede de sinergias entre a universidade e a empresa para que consigamos resultados mais satisfatórios no desenvolvimento de novos fitoterápicos e fitofármacos em nosso País. Para isso, é necessário que os marcos legais estejam afinados com este pro-

pósito, de maneira a estimular a pesquisa, a proteção patentária das invenções desenvolvidas e, ao mesmo tempo, coibir o acesso não-autorizado aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional a ele associado”, conclui o pesquisador. Logo, faz-se necessário que as interfaces, que envolvem o setor de fitos, caminhem numa mesma direção, de forma a possibilitar o pleno desenvolvimento do setor de fitos, e com isso todo o conjunto da sociedade possa se beneficiar, principalmente o Brasil – que de tantas possibilidades na área florestal não pode deixar seus ativos subutilizados.

T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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