Belém, 13/04/2015
COMPORTAMENTO
Porque acreditar é fundamental Por: Lorena Filgueiras. Fotos: Dudu Maroja
O ano era 1996. Dezembro. Dia dez. A lembrança, quase dezenove anos depois, permanece intacta, inalterada. Uma artéria explodiu dentro do cérebro da neurocientista americana Jill Taylor. E o que ocorreu naquele momento mudaria sua própria história, além de influenciar incontáveis narrativas similares ao redor do mundo. Mas me permita voltar um pouco no tempo. Taylor é neuroanatomista e o diagnóstico de esquizofrenia do irmão mais novo foi determinante para definir a área de atuação dela. “Se eu tinha sonhos e podia conectá-los, de modo a torná-los realidade, por que meu irmão não conseguiria?”, declarou. Foi a partir daí que ela se aprofundou nos estudos sobre cérebro humano. Por isso, na manhã daquele dia 10 de dezembro de 1996, ela decidiu (ou seu cérebro decidiu por ela) que viveria a experiência de um AVC. Ela observava ma-ra-vi-lha-da o silêncio que ecoava do lado direito de sua cabeça, ao mesmo tempo em que o lado esquerdo (que regula o método e aspectos analíticos) a alertava a procurar ajuda. Pegou as chaves de casa, entrou no carro determinada a dirigir até o hospital, quando percebeu que o lado direito paralisara. “Uau, isso é tão legal! Estou tendo um AVC! Quantos neurocientistas têm a oportunidade e o privilégio de ter um AVC e estudar seus impactos de dentro para fora?” Se você ficou boquiaberto, sugiro que sente e respire, porque tem mais. Ela tentou usar o telefone, mas viu um aglomerado de símbolos que não faziam sentido. Depois de ligar para um colega de trabalho e ele não entender uma palavra do que ela dizia (e ela tampouco o compreendeu), a ambulância chegou. “Como um balão esvaziando, senti minha energia esgotar e meu espírito desistir. Naquele momento eu compreendi que não mais era a coreógrafa da minha própria vida”. “Ou os médicos me resgatarão e salvarão minha vida ou isto é o meu momento da ‘transição’”. E ela continua. “Acordei muito mais tarde e foi um choque perceber que eu ainda estava viva”. Jill relata que paradoxalmente se sentiu mais viva; sua energia estava liberta, “como um gênio fora da garrafa”. “Lembro de ter pensado: não conseguirei colocar esse meu eu, enorme e expansivo, dentro do meu pequenino corpo”. E foi quando ela concluiu: “se eu estou viva, se atingi meu nirvana, então qualquer um pode também!” Ao se dar conta de quão abençoada aquela experiência tinha sido, ela o definiu como “um derrame de ideias na vida”. E foi essa força surreal que a motivou a se recuperar. Duas semanas após esse episódio, Jill foi finalmente operada e o coágulo, “do tamanho de uma bola de baseball e que pressionava a minha área da linguagem”, foi retirado. Foram oito anos de recuperação que deixaram marcas muito mais profundas que a enorme cicatriz do lado esquerda da cabeça. “Nós somos a força motora do universo: temos o poder de decidir, a cada momento, quem somos e o como queremos ser”. Naturalmente que a experiência alterou completamente o modo como Jill via [e vivia] a vida, mas ela foi além e lançou um livro [“A cientista que curou seu próprio cérebro”] e, de quebra, ainda foi escolhida pela revista “Time” como uma das cem pessoas mais influentes do mundo, em 2008. A palestra motivacional de Jill Taylor no TEDx caiu “por acidente” nas mãos dos médico Alfredo Coelho, que ficou tão impressionado que foi atrás do máximo de mais relatos dela sobre o ocorrido.
Energias conectadas Estava tudo planejado. A dois dias do próprio aniversário, em setembro, tudo transcorria normalmente na vida do médico Alfredo Coelho. Na noite do dia 21 daquele mês, ele acordou e ao tentar levantar, o teto “girou” e ele caiu. Tentou se reerguer e caiu novamente. No chão, percebeu que seu lado direito inteiro estava paralisado. Usou o lado esquerdo para se levantar do chão e conseguiu chegar à porta do quarto para chamar a mãe. Ao tentar chamá-la, a voz não saiu.
Foi quando o médico “juntou as peças” e concluiu que estava tendo um AVC. A mãe veio ao encontro do filho e sugeriu que fossem imediatamente ao hospital, ao que o próprio Alfredo Coelho reagiu, com gestos manuais, que não iria a lugar algum. Inspirado pela neurocientista Jill Taylor, Alfredo Coelho decidiu que viveria, com a intensidade exigida, seu acidente vascular cerebral. Interrompo a narrativa e pergunto a ele se ele tinha consciência de que podia ter morrido ali e ele tranquilamente responde que “a única certeza que ele tem é de que um dia ele vai morrer”, mas que foi uma opção vivenciar com calma a experiência do AVC. Já internado, no quarto e sendo submetido a inúmeros exames, Alfredo pediu que o amigo colocasse o vídeo do TEDx de Jill Taylor para revê-lo. Neste meio tempo, saiu o resultado do exame: uma bactéria havia se instalado no cérebro e havia “comido” uma área significativa de seu hemisfério esquerdo: a que regulava a fala e os movimentos. Se a essa altura Alfredo Coelho não havia se desesperado, ele recebeu a notícia com muita tranquilidade. “Lorena – ele me conta –, já tive dores de cabeça muito mais insuportáveis que o próprio AVC”. E sorri. “Decidi vencer o AVC e suas sequelas e após ouvir o médico dizer que levaria quase dois anos para uma plena recuperação, eu determinei que voltaria a trabalhar em um mês. Em 15 dias estava na academia – até porque o exercício físico é fundamental à plena recuperação de qualquer estado alterado – e no começo do 29º dia, eu estava sentando aqui, na cadeira do meu consultório e com o dia tomado de consultas com meus pacientes”. Alfredo Coelho tem 43 anos e há 15 anos adotou um estilo de alimentação radical: sem açúcar, sem glúten, sem carnes e zero bebidas alcoólicas. E foi seu estilo de vida que o tornou o “paciente ideal”, segundo o médico que lhe atendera no Hospital Albert Einstein. “Não me considero melhor que ninguém e não estou contando essa história para impressionar, mas quero que todos saibam que é possível, sim, curar-se por meio de um rigoroso controle de seus hábitos e a constante observação do organismo”.
Curando o incurável O diagnóstico de Esclerose Múltipla, síndrome autoimune e, mesmo assim, mal sobre o qual a ciência pouco sabe, veio quando Laura ainda tinha 23 anos. Arquiteta de formação, exercia a profissão com alegria [embora, confessadamente, não fosse nada excepcional] e vivia uma crise no casamento. Melhor falando: sabia que o casamento estava acabando, mas temia isso e preferia não encarar a realidade. O corpo começou a mandar sinais em meio a esse cenário. Num primeiro momento, a visão periférica estava turva, borraa. Era o ano de 2006. Um dia, ao acordar, notei algo estranho. A visão periférica do meu olho esquerdo estava completamente borrada. Foi o primeiro sinal, e sem que eu sequer imaginasse, uma dolorosa saga teve início. Oftalmologistas, neurologistas, clínicos, exames, ressonâncias, tomografias… Em três meses minha vida transformou-se em visitas a laboratórios e consultórios médicos. E minha saúde só piorava. O que começou como um desconforto no olho esquerdo logo ampliou-se para a perda de visão periférica dos dois olhos. Os sintomas se sucediam: sentia câimbras que podiam durar de duas a três horas seguidas, dormências pelo corpo, sensações de choque, ardência e tremor interno, rigidez dos membros, às vezes falta de reflexos, falta de coordenação motora e confusão mental. Se em alguns dias o quadro era assustador, em outros dias, simplesmente não sentia nada. Vivia no descompasso da surpresa: um novo sintoma aparecia enquanto um outro estranhamente desaparecia. Buscava médicos ansiando uma resposta, mas ninguém dizia nada. Restringiam-se a prescrever doses cavalares de corticoides, mas nada explicavam. Após muita investigação, dores, desconfortos, finalmente uma médica apontou indícios de uma doença desmielinizante do sistema nervoso: esclerose múltipla”. Laura conta que, diante dessa dura realidade, entrou em completo desespero. “Era como uma sentença: chorei muito, mas não me entreguei. Sabia que não podia enfrentar tudo isso sozinha. Em plena crise conjugal, ajoelhei-me diante do meu marido e pedi que me ajudasse, que naquele momento não fosse embora, não me abandonasse. Num gesto de grande nobreza, Marcus colocou seus sonhos, desejos e crenças de lado e aceitou ficar comigo. Mais do que isso, tomou as rédeas da situação e começou a pesquisar, pela internet, pessoas e alternativas que pudessem me salvar. Como os médicos não chegavam a um diagnóstico preciso, e percebendo que os tratamentos prescritos eram meros paliativos, e não ofereciam a possibilidade de cura, Marcus começou uma busca incessante de tratamentos mais eficazes e com chances reais de melhora. Entrou em contato com profissionais no mundo inteiro, e foi da Índia que tivemos a resposta mais alentadora: havia, sim, possibilidade de reverter meu quadro, mas a decisão deveria ser tomada logo. Conhecia a Índia, entendia um pouco daquela cultura, era um país que me fascinava. Mas nas condições físicas e emocionais que me encontrava, a perspectiva de uma viagem tão longa rumo ao desconhecido me aterrorizava. No entanto, aquela informação ficou bem guardada dentro de mim”. E assim, deu início a uma peregrinação: de igrejas a centros espíritas. Dos médicos tradicionais aos terapeutas alternativos. O tempo passava e a saúde de Laura só deteriorava. “Uma fadiga tomava conta de mim e em muitos dos dias eu mal tinha forças para andar. Às vezes passava tardes deitada, levantando só para ir ao banheiro ou à cozinha. Câimbras noturnas me arrancavam do sono, me fazendo trincar os dentes de tanto desespero. Era uma sensação terrível, como se os músculos das pernas e dos braços estivessem se rasgando. As juntas estalavam, truncavam, por vezes me paralisando. Mas dentre todos os sintomas, o mais assustador era a perda da visão, que ameaçava a cada dia. O tempo não era meu aliado, e um dia uma médica, especializada em esclerose múltipla, foi incisiva: ‘Laura, não tem mais como adiar. Vamos para o hospital providenciar sua internação para dar início à pulsoterapia’. Eu sabia o que estava por trás dessa palavra. Pulsoterapia é a administração de altas doses de medicamentos num curto espaço de tempo. Na esclerose múltipla, ela se faz com corticoides. Esta possibilidade me alarmou.
Temia os efeitos colaterais da medicação e temia mais ainda que, ao final, não houvesse nenhum resultado positivo. Ao medo profundo veio somar-se um desejo igualmente forte de cuidar de mim, de me curar. Fechei a porta do consultório, olhei para o Marcus e disse: ‘Vamos para a Índia’. Fomos imediatamente para a agência de viagem, compramos a passagem e em menos de 24 horas embarcamos rumo ao país”. E foi aí que a vida dela se transformou: quando ela se encontrou com seu verdadeiro ser. E usa uma metáfora interessante: “eu era como uma verdadeira lagarta, em sua fase mais difícil, apertada, desesperadora, arrastando-me por caminhos tortuosos, limitada, achando que o mundo era apenas aquilo. Achava que passava por meus últimos momentos de vida, de sobrevivência, mas era apenas um intervalo forte e intenso que me transformaria”. “O tratamento foi muito difícil, mas me entreguei de corpo e alma. Por mais que tudo aquilo fosse diferente da minha realidade, seguia todas, e no fundo sabia que aquilo era para sempre, que nunca mais seria a mesma pessoa. Massagens com óleos medicinais, limpezas intestinais intensas e diárias, com óleos ou chás de ervas se sucediam. A cada nova purgação sentia que, quanto mais meu corpo estava sendo limpo, mais minha alma ia se abrindo, se transformando. Chorava horas e horas após as limpezas. Sentia emoções e sensações inimagináveis. Deparei-me com mágoas, rancores, dúvidas, alegrias, emoções muito escondidas, grudadas no meu ser. Pouco a pouco percebia o quão doente minha alma estava. Não era só o corpo físico, mas a mente e o espírito também precisavam daquela atenção e cuidado. A partir de um certo momento, já nem me dava conta das condições precárias do local. O poder transformador da Ayurveda tomava conta do meu ser. Foram 21 dias de internação. Recuperei completamente a visão, mas só passei a andar normalmente, com firmeza, depois de cerca de um ano e meio”. A experiência também rendeu um livro. “Em busca da cura” relata a experiência da médica e foi escrito pelo ex-marido, Marcus Pessoa. A Ciência redescobre a fé Que a fé [ou acreditar que é possível] faz toda a diferença, há muito já sabemos. Uma crescente concepção de tratamento holístico tem influenciado profissionais da área médica a repensar a abordagem aos pacientes. Crença, prática religiosa e bons pensamentos são diferenciais poderosos em tratamentos. Jill, Coelho e Laura são exemplos de que quando se permite “sair da curva”, é possível visualizar que corpo físico e energético se misturam e passam a ser desassociáveis.
http://www.lealmoreira.com.br/revista/conteudo/porque_acreditar_e_fundamental