CHAVES um olhar sobre o património arquitectónico e arqueológico

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Ant贸nio Alves Chaves, Dinis Ponteira, Jorge Gualdino, NordesteAFL

Chaves Um olhar sobre o Patrim贸nio Arquitet贸nico e Arqueol贸gico

Chaves - 2015


Ficha Técnica Título: Chaves – Um olhar sobre o Património Arquitetónico e Arqueológico Autores / Fotografia: António Alves Chaves, Dinis Ponteira, Jorge Gualdino, NordesteAFL Textos: António Augusto Joel, Carlos Magno Logótipo: Arranjo gráfico Joana Coelho Propriedade, Edição e Distribuição: Câmara Municipal de Chaves Praça Camões, 5400-362 Chaves www.chaves.pt

Impressão: Gráfica Sinal Tiragem: 1000 exemplares Depósito Legal: 393191/15 ISBN: 978-972-97158-7-7 Outubro de 2015

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“A fotografia é uma forma de ficção. É ao mesmo tempo um registo da realidade e um auto-retrato, porque só o fotógrafo vê aquilo daquela maneira”. Gerard Castello - Lopes

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Prefácio A salvaguarda dos valores históricos, artísticos e patrimoniais do centro histórico de Chaves, constitui um dever incontornável da câmara municipal, dos flavienses e da população que o visita. Importa hoje que não se ponha em causa o que se considera fundamental preservar para o futuro, mas deve ter-se sempre presente que, em comunhão com o que é identitário, se deva afirmar o presente. A ideia que temos para a cidade, é uma ideia que não esquece a sua história, antes a utiliza como forma de ancorar uma matriz urbana e cultural que se quer ampliada. Sabemos que a memória coabita com as constantes mutações que se vão operando. Impõe-se, assim, utilizar o passado como alavanca de projeção para uma cidade de futuro. Se a clara identidade flaviense de base romana é uma evidência que nos marca, então utilizemos esse ponto de partida para que novas abordagens possam ser motor de progresso. Através da publicação deste livro pretendemos sensibilizar os flavienses e os visitantes para a importância do centro histórico e dos seus valores patrimoniais. António Cabeleira Presidente da Câmara

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Pedaços de um real momentâneo Perante o sentir de um espaço geográfico habitado, que é do nosso gosto pessoal, e confrontados com os mistérios que o mesmo encerra e que a história teima em fazer persistir, publicamos o nosso olhar desta cidade através da lente que nos serve de filtro e que, simultaneamente, nos permite matizar uma observação mais intimista. O mistério que esta envolve não nos leva obrigatoriamente a desvendá-lo, porque estamos certos que essa atitude lhe tiraria encanto e seguramente nos levaria a vagas definições que, por si só, pecariam por efémeras. Pretendemos, isso sim, viajar por tortuosas ruelas, becos e travessas que nos adros se humanizam, e permitir que nos acompanhem, no olhar peculiar, seguramente subjetivo, que as nossas câmaras e o posfácio do António Joel vos proporcionam. Este real apresenta-se-nos como porto de abrigo de uma identidade que nos formatou e que, ainda hoje, nos traz à memória inúmeras estórias contadas e por contar. Poderá a fotografia ajudar-nos a entender as raízes da cultura do povo que somos e a amálgama cultural que nos dá forma, mostrando quase sempre o sonho que a realidade nos esconde? Marcel Proust dizia que a fotografia transmite material bruto sem o definir. O nosso desejo é que essa definição possa partir do contemplador, adquirindo significado através da imagem da memória deste território ancestral, em que a história se reflete nas cores do edificado e a luz, ao trespassá-lo, emana o espírito dos povos que nos antecederam. A compilação que realizámos, e que entendemos por melhor, reveste-se de novos enquadramentos, tantas vezes limitados por uma modernidade que lhes confere uma nova utilização. Esta é uma cidade que é vista enquanto monumento histórico e espaço com vida, que ficará registada em pedaços de um real momentâneo que vos é oferecido nesta obra, que esperamos seja do vosso inteiro agrado. À nossa proposta de realização deste trabalho, correspondeu a Câmara Municipal de Chaves com a sua pronta anuência, pelo que são justos e elementares os nossos sentidos agradecimentos. António Alves Chaves Dinis Ponteira Jorge Gualdino Nordeste AFL

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Retrato Ă?ntimo da cidade exposta Carlos Magno

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A fotografia é a arte da caça. Ouvi esta frase ao próprio Cartier Bresson que, num largo gesto, acrescentou: Mas não a caça com espingarda. A fotografia é a arte da caça com arco e flecha por causa do enquadramento . Evoco esta imagem do velho mestre da fotografia porque há neste livro muito arco e muita flecha a capturar o coração dos flavienses. Bresson sublinhava sempre que enquanto a caçador matava as suas presas, o fotografo lhes dá vida. Fixa os objetos fotografados no espaço e prolonga-os no tempo. Chaves foi caçada neste livro e é por isso que a nossa cidade voa livremente nestas páginas de quatro fotógrafos que decidiram disparar em grupo como se não tivessem assinatura reconhecida. E são grandes caçadores de imagens, realmente. A distância inventa cidades, dizia José Cardoso Pires no seu Livro de Bordo sobre Lisboa. Confesso que não consigo distanciar-me de Chaves para fazer dela uma cidade imaginária. Sou demasiado íntimo destas ruas para deixar de lhes sentir a realidade, mesmo vivendo longe das suas pedras, praças, ruelas, ladeiras e avenidas. Porque fazem parte da minha biografia e nelas descubro sempre o meu percurso. Posso, aliás, garantir-vos, por exemplo, que no meu imaginário há uma avenida secreta de Chaves até ao Porto. E que quando regresso pelo asfalto da autoestrada me sinto sempre a viajar pelos fotogramas do velho rolo do Alvão. O fotógrafo, obviamente. No preto e branco de todas as cores que fazem de Chaves uma cidade sóbria. E deste livro um clássico moderno.

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Tudo isto porque foi com um grupo de fotógrafos do Porto - o Grupo IF (sigla de ideia e forma) – que aprendi, há mais de 40 anos, a ver a minha outra cidade pela objectiva das suas gloriosas máquinas reveladoras. Foram esses fotógrafos dos anos 70 que andaram pelas mesmas ruas do Alvão e do Beleza dos anos 30 e 40 a disparar sobre os mesmos ângulos dos séculos anteriores e a procurar os mesmos enquadramentos na atualidade que hoje já é século passado. Chamaram-lhe “Esquinas do Tempo”, fizeram um catálogo com um texto de Agustina para a sua exposição no Museu Soares dos Reis e Vasco Graça Moura acabaria, depois, por escrever um belo poema para uma secreta namorada a quem mostrou essas fantásticas fotografias. Recordo o grupo IF porque cada cidade tem os fotógrafos que merece e este grupo que fotografou Chaves está ao nível da cidade que nós amamos. Este livro não é só deles. É do nosso olhar. E da cumplicidade com que eles nos desafiam a olhar as esquinas do tempo. Deste tempo. Deixe-me, por isso, que lance o meu próprio olhar sobre a cidade onde fiz o liceu e de onde parti como homem que se fez flaviense por opção no meu Porto de adopção. Retomo a tese de José Cardoso Pires. Há cidades que se resumem a um ponto no mapa e outras que se transformam numa marca da metrópole que lhes deu o nome. Mas há paradoxos fantásticos como Chaves que é pequena de espaço e cosmopolita de história, resistente no tempo e persistente na memória. Na geografia da atualidade Chaves é o ponto geométrico de Nadir que abre todas as fronteiras. Não é uma cidade tipicamente portuguesa nem quase espanhola.


É romana e, por isso, europeia. Chaves é uma ideia de Europa com os cafés de que falava George Steiner quando definiu o velho continente como conteúdo de culturas. Uma combustão de raças e povos que por aqui passaram e vão passando nas feiras e nas festas. Cidade de mercadores. Cidade civil. Laica. Liberal. Burguesa. Tolerante. Irónica. Sarcástica, por vezes. Cidade onde, como diria o mais puro flaviense Eduardo Guerra Carneiro “isto anda tudo ligado”. E o mais fantástico é que os fotógrafos deste grupo conseguiram transmitir este clima. Esta química que as cores provocam. Mesmo quando as fotos são a preto e branco. E a primeira conclusão mais óbvia é que a cidade é mesmo uma bela modelo. Fotogénica. Fotografável de perto, de longe e a meia distância. Há fachadas que falam como se fossem rostos. E ruas onde o olhar tropeça de ternura. Tal como a margem que de ambos os lados do rio desenha uma espécie de skyline perpendicular às pontes. Paralela a si própria. Porque o traço do arquitecto Januário Godinho na Buvete das Caldas assim o determina. Nestas fotografias e na realidade o rio não tem margens. Só tem margem. A mesma e muito diferente dos dois lados. O Tâmega em Chaves não é rio. É poldras e passagem. Pontes há muitas. Mas o rio pede para ser atravessado. Sempre. Desde os romanos até à Polis do programa mais moderno. E depois há o céu de Chaves. Único. Interior. Um céu aberto. Azul quase sempre. Demasiado como diria o Francisco José. Mas em vez do Viegas vou citar Lúcio Costa, colega de Niemeier na construção de Brasília. “O céu é o mar de Chaves”. Neste livro não há ainda uma única foto da arquitetura de Siza a celebrar Nadir. Mas não faz mal. Ou me-

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lhor, ainda bem! Porque, no futuro, quando se folhear este livro virá a inevitável pergunta. Porquê? Porque é que não há ainda uma foto do magnifico edifício de Álvaro Siza. A resposta será simples. Linear. E esclarecedora. Porque este livro e o centro Nadir de Siza são contemporâneos. Foram feitos na mesma altura. E ambos foram feitos a pensar no futuro.


Praça de Camões.

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Jardim Público.

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Jardim Público.

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O Arrabalde visto da ponte de Trajano.

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Balneário Termal, ponte medieval e torre de menagem.

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Forte de S. Francisco.

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Forte de S. Francisco.

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Praça de Camões e Igreja Matriz de Santa Maria Maior.

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Praça de Camões e Paços do Concelho.

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Rua Dr. JĂşlio Martins, Centro de Artes Criativas e de Juventude.

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Terreiro de Cavalaria.

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Largo General Silveira, vulgo Largo das Freiras, Escola Secundária Fernão de Magalhães e Biblioteca Municipal.

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Ponte medieval, balneĂĄrio termal, e buvette.

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Rua da Pedisqueira, Forte de S. Francisco.

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Capela da Lapa vista do Alto da Pedisqueira.

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Casario e torre de menagem.

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Largo do Município.

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Poldras no rio Tâmega.

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O rio Tâmega e a ponte de Trajano.

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Rio Tâmega e a ponte de São Roque.

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Ruas 42 


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Largo do Arrabalde com as tĂ­picas varandas.

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Rua Direita.

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Largo do Arrabalde e rua de Santo António.

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Rua de Santo António.

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A rua 25 de abril e a rua do Tabolado, emoldurando o Grande Hotel.

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O Bairro da Madalena, visto da Ilha do Cavaleiro.

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Rua Direita.

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Travessa das Caldas.

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Rua dos Gatos.

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Rua da Misericódia.

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Travessa das Caldas.

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Travessa Cândido dos Reis.

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Rua de Santa Maria.

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Travessa das Caldas.

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Adega Regional do Faustino.

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Adega Regional do Faustino na Travessa Cândido dos Reis.

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Rua Padre Joaquim Marcelino Fontoura.

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Rua Padre Joaquim Marcelino Fontoura.

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Rua Bispo Idácio, antiga rua da Cadeia.

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Rua de Infantaria 19.

Rua General Sousa Machado, antiga rua do Correio Velho.

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Rua dos Ferradores.

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Largo do Arrabalde, visto da Ponte Romana.

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Escadinhas de D. Dinis.

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Rua General Sousa Machado, antiga rua do Correio Velho.

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Ladeira da Trindade.

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Ladeira da Trindade e rua de Santo António.

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Rua Direita e as suas sacadas.

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Rua Direita.

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Janelas no Largo do Anjo.

Rua Direita.

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Rua General Sousa Machado, antiga rua do Correio Velho.

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Rua de Santo António.

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Rua do Sal.

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Rua Direita.

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Largo e Travessa do Município.

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Rua Infantaria 19.

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Travessa do Município.

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Rua da Tulha.

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Rua do Postigo das Manas.

Largo do Arrabalde.

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Praça da República.

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Pelourinho.

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Largo do Arrabalde e rua da Ponte.

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Monumentos 92 


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Forte de São Neutel.

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Torre de Menagem e Museu Militar.

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Zona ribeirinha.

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Poldras no rio Tâmega.

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Forte de São Francisco.

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Igrejas 104 


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Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no Forte de São Francisco.

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Igreja de Nossa Senhora do Rosário.

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Igreja da MisericĂłrdia.

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Igreja da MisericĂłrdia.

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Igreja Matriz de Santa Maria Maior.

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Praça de Camões, Capela da Santa Cabeça e Igreja Matriz de Santa Maria Maior. Chaves - um olhar sobre o património arquitetónico e arqueológico

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Igreja Matriz de Santa Maria Maior.

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Real Convento, antigo Real Hospital Militar e Aula de Anatomia e Igreja de S. JoĂŁo de Deus, no Bairro da Madalena.

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Igreja de S. JoĂŁo de Deus, no Bairro da Madalena.

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Arqueologia 122 


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Base e fuste estriado de coluna romana. Museu da Região Flaviense, antigo Paço dos Duques de Bragança.

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Ara votiva dedicada a Vénus.

Ara votiva dedicada a Júpiter.

Marco territorial Coroc/Praen. Chaves - um olhar sobre o património arquitetónico e arqueológico

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Vista das termas medicinais romanas.

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Ninfeu.

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Noturnas 128 


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Manual de Memórias António Augusto Joel

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Ao longo dos séculos, construam-se alguns castros no topo de uns montes, implante-se um acampamento romano nas imediações de um rio, lance-se uma ponte sobre o Tâmega e edifiquem-se umas termas, também romanas, ergam-se muralhas medievais à volta de uma torre de menagem, protejam-se estas com duas fortalezas seiscentistas. Atente-se neste esboço e acrescentem-se-lhe, ao longe, por entre carvalhais, olmos e soutos, algumas velhas aldeias com ciprestes realçando as suas igrejas românicas, um punhado de torres senhoriais e alguns solares. Juntem-se-lhe, na veiga e na vila, igrejas, capelas e conventos. Anime-se este cenário, até à fundação da nacionalidade, com o quotidiano de galaicos, romanos, suevos, a que se pode acrescentar um lendário toque árabe, e medite-se no que Idácio, Fernão Lopes, e os mais recentes historiadores, sobre isto escreveram. Lembre-se o oitavo conde de Barcelos e primeiro duque de Bragança, D. Afonso, que em Chaves viveu e aqui consolidou e administrou a herança de seu sogro, D. Nuno Álvares Pereira, e seu pai, el-rei D. João I, para depois se especular sobre a desconhecida identidade dos tipógrafos e a misteriosa oficina onde, em 1489, estes terão imprimido o Tratado de Confissom. Enriqueça-se esta nossa delineação com as quinhentistas imagens da vila debuxadas por Duarte Darmas e a iconografia cristã dos inúmeros frescos da igreja de Nossa Senhora da Azinheira, em Outeiro Seco. Imaginemo-nos nas imediações desta povoação, vislumbrando ao longe, do outro lado da veiga, as terras de Nantes e Montenegro, que terão sido familiares a seus pais e avós, mas não a Luís Vaz, e façamos uma pausa deslumbrando-nos com os alegres campos, verdes arvoredos, claras e frescas águas de cristal e a formosura desta fresca serra e a sombra dos verdes castanheiros, o manso caminhar destes ribeiros, 140

donde toda a tristeza se desterra... Deleitemo-nos de seguida com a leitura de La Gallega Mari-Hernández, ficando gratos a Tirso de Molina por esta terra surgir com tal destaque numa das suas melhores peças, e maravilhemo-nos com a perseguição de que foi alvo a Espantosa Fera de Chaves, conforme os setecentistas relatos da literatura de cordel. Recordemos as invasões francesas, a segunda em particular, as guerras liberais, a Revolta dos Marechais e a Convenção de Chaves, assinada em Casas Novas. Neste ambiente oitocentista, deambulemos pelo terreiro que viria a ser o Largo das Freiras e fiquemos perplexos por não encontrar nenhuma memória de Soror Margarida das Dores nem o mosteiro de clarissas de Nossa Senhora dos Anjos, onde Camilo a fez noviça. Já no século XX, relembremos as incursões monárquicas de 1912, o republicanismo dos flavienses, a entusiástica recepção a Humberto Delgado. Perpassemos depois o nosso olhar pelo naturalismo rural que Alves Cardoso deixou nas suas telas, apreciemos as palavras desenhadas e pintadas de João Vieira e o rigor geométrico das composições de Nadir Afonso. Acompanhemos ainda Torga nas suas digressões pelo Albufeirozóico, espreitemos os caminhos que as suas peles trilharam, de Soutelinho da Raia ao Cambedo e de Mairos a Segirei, indignemo-nos com as inanidades narradas por Sena em Os Salteadores, circunvaguemos desconsolados pelos adros das igrejas fechadas, como o visitante de Saramago, cruzemonos com o inspector Jaime Ramos numa das suas raras deslocações à cidade e sigamos com José Carlos Barros, pela estrada de Braga fora, até ao Barroso, em demanda da rosa d’ O Barão. Regressando da Terra Fria, com Bento da Cruz,


Branquinho da Fonseca e Ferreira de Castro, evoquemos também O Esqueleto e o Romanceiro atravessando Boticas, Vidago e Bóbeda, para reentrar em Chaves por entre arquitectura chã e anónima e deambular pelos edifícios de assinatura que, desde meados do século XX, Agostinho Ricca, Egas José Vieira, Graça Dias, Januário Godinho, João Grilo, Raul Lino, e Álvaro Siza Vieira têm vindo a legar à cidade. Cumprida esta presunçosa e erudita digressão pela História e pela ficção, ficaremos certamente convencidos de que temos já uma visão abrangente de tudo aquilo que constitui o essencial desta cidade. Puro engano. Para sentir a essência de Chaves é preciso viver as manhãs de neblina que transbordam do Tâmega, enfrentar os persistentes nevoeiros de inverno, onde noite e dia se perdem, tocar as incomensuráveis geadas que parecem cristalizar os vapores das Caldas. Mas também conhecer as inúmeras ribeiras e linhas de água que, mesmo no verão, entretecem uma líquida e brilhante malha e transformam a veiga num rumorejante bordado de luz e cor. Um bordado sonoro e feérico, pontuado pela sinfonia das rãs, o multicolorido voo das libelinhas, o desconcertante deslizar dos alfaiates, o urbano ziguezaguear dos zilros, o ensurdecedor canto das cigarras e a nocturna melodia do rouxinol, saindo das ramagens de choupos e amieiros. E serpentear por sinuosos caminhos vicinais até chegar à pequena mancha urbana da antiga vila medieval, para descobrir os rectângulos da primitiva delineação romana entretecidos com este imutável traçado de exíguas praças e íngremes ladeiras, estreitas ruas e acanhadas travessas. A mim, a imagem da cidade chega-me agora através da visão de um velho poeta ignorado, de olhar vesgo e aspecto enlouquecido, que passava as tardes dialo-

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gando consigo mesmo, na Travessa das Caldas. Ali lhe chegavam os sons dos canários das ruas vizinhas e o chilrear dos pardais que se abrigavam na palmeira de um sombrio jardim estrangulado entre altos muros. As empenas daquela casa ostentavam janelas cegas, onde o brilho do sol refulgia no revestimento da cal, deixando-se emoldurar pelo granito. Da rugosidade daquele granito nasceram em mim a luz e a sombra, a memória e a imaginação. E, mais tarde, o espanto perante o mistério da horizontalidade e o hermetismo da verticalidade, de onde emergiram pontes e poldras, torres e pelourinhos. Da consciência da magia que poderia emanar das calejadas mãos dos canteiros, nasceu também o fascínio pelas suas siglas e pelas reentrâncias das pedras que albergam o maravilhoso mistério das sombras em movimento. E veio então o assombro perante clarabóias e cataventos, portões e gelosias. E perante as varandas e as sacadas, e as ruas que, apesar de serem sempre as mesmas, nunca eram iguais. E perante o meu próprio olhar, que se estendia desde o Larouco até ao Brunheiro e depois se espraiava pela veiga. Assim cresceu em mim esta catedral interior que é a cidade, tendo por herege altar-mor uma janela da esquecida creche-lactário e o vermelho de um certo menino em ferro forjado.






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