Mashup na Educação

Page 1

A estética do mashup em atividades ubíquas de ensino e aprendizagem Celso Augusto dos Santos Gomes1, Wanderson Gomes de Souza2, Simone de Paula Teodoro Moreira3. 1) Unis (Centro Universitário do Sul de Minas), Varginha, Brasil. celso@sabe.br 2) Unis (Centro Universitário do Sul de Minas), Varginha, Brasil. wanderson@unis.edu.br 3) Unis (Centro Universitário do Sul de Minas), Varginha, Brasil. simone@unis.edu.br

Resumo Na atualidade, a prática do copiar, cortar ou colar, no sentido da remixagem e do mashup, tem se mostrado como algo inerente à chamada cibercultura. Visualizando-se a necessidade de se pensar tal ação, suas aplicações e características no contexto educacional, este texto se baseia, sobre tudo, por uma reflexão interdisciplinar. Assim, conjectura-se que a história da arte, o design e estéticas tecnológicas a teoria da complexidade venham a oferecer, contudo, por subsídios para o pensar da práxis educacional no sentido de uma captação eficaz dos significados frente à tessitura não linear da realidade, cada vez mais complexa, que se mostra a nós. Nesse contexto, aqui se almeja por um pensar dessa prática aplicada por sobre recursos tecnológicos comunicacionais e que se mostrem como ferramentas eficazes para a extensão pervasiva e ubíqua de processos cooperativos de ensino e aprendizagem. Dessa maneira, objetiva-se neste trabalho por uma provocação para novos olhares frente ao planejamento, a práxis e a avaliação do processo de ensino e aprendizagem sempre de forma contextualizada com a realidade dos aprendentes.

Palavras-chave: aprendizagem – ensino – ubiquidade – cooperação – remix

1.

Introdução Tendo em vista a maneira de se entender a arte, tal como diz Sodré (2006: 86), uma

representação bem-sucedida e privilegiada, e que assim não esgota o objeto da estética. Se mostrando, na verdade, como "a arte de perceber", uma poética da percepção, portanto, um modo de conhecimento do sensível em sentido amplo, ou seja, a faculdade de sentir do sujeito humano. Tendo como bases tal concepção, busca-se aqui por uma convergência do pensar a educação com áreas que venham a contribuir para um eficaz desvendar de novos olhares para o processo de ensino e aprendizagem. Disso decorre que, segundo o pensamento complexo para a educação de nossos dias e dos que virão, a necessidade de: (...) se promover grande remembramento dos conhecimentos oriundos das ciências naturais, a fim de situar a condição humana no mundo, dos conhecimentos derivados das ciências humanas para colocar em evidência a multidimensionalidade e a complexidade humanas, bem como integrar a contribuição inestimável das humanidades, não somente a filosofia e a história, mas também a literatura, a poesia, as artes... (Morin, 2000: 48)

Essa convergência de diferentes áreas do conhecimento, não necessariamente pertencentes à mesma classe, neste texto visa à dilatação das fronteiras das áreas de


conhecimento de forma que haja um intercâmbio de métodos de uma área para outra, potencializando o emanar de novos conhecimentos e assim direcionar para o desenvolvimento de competências para uma unidade complexa e coerente. Competências essas que se mostram urgentes frente à complexidade com que a atualidade se apresenta à atual sociedade e sua dinâmica descontinuista, o que nos remete às palavras de Demo (2002: 9) ao entender da necessidade de se superar o conhecimento “disciplinarizado”, porque, reduzindo a realidade ao olhar de apenas uma disciplina, só pode ser deturpante; em vez de “construir” a realidade, “inventa-a”.

2.

Precedentes à prática do mashup Uma das principais características de várias tendências artísticas do século passado e

que se pode dizer que pode ser vista nas recentes e constantes mudanças operadas pelas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) é, contudo, o que se conhece por mashup. Para nos direcionarmos a definição de mashup, se faz necessário entender que, genericamente, muitas culturas tem inerente a sua constituição, a prática da apropriação e consequente remodelação de elementos estilísticos de outras culturas. Essa remodelação também é denominada por „remistura‟ e que se origina do termo inglês: „remix‟. A Roma antiga „remodelou‟ a Grécia Antiga; a Renascença „remodelou‟ a antiguidade; a arquitetura de européia do século XIX „remodelou‟ muitos períodos históricos inclusive a Renascença; e hoje os desenhistas gráficos e de moda „remodelam‟ formas culturais históricas e locais em grande número, do Manga Japonês à roupa tradicional da Índia. (Manovich, 2005)

Um exemplo precedente e semelhante à prática da „remistura‟, o que pode ser chamado de uma „proto-remistura‟, é o que o compositor romântico francês Charles Gounod, em 1859 fez ao escrever a melodia de sua Ave Maria. Arranjada inicialmente para piano e violoncelo e depois adaptada para voz e piano no inserir do texto cantado da oração Ave-Maria a essa melodia. Entretanto, pode-se observar que foi com os experimentos artísticos dos movimentos como o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo, o grupo Fluxus e a pop art que as técnicas do fragmento se consolidaram. Dentre as técnicas mais utilizadas e a que se pode considerar como a precursora dessa poética do fragmento na arte moderna, tem-se o que se chama de coller. Esse termo, oriundo do francês e que significa 'colar', foi cunhado por Georges Braque e Pablo Picasso no movimento do início do século XX chamado cubista. Outra técnica utilizada para essa remistura é a bricolagem. Derivada do francês bricoleur e que se refere a uma pessoa versátil, ou seja, que tem habilidade para fazer vários tipos de trabalhos manuais. Semelhante ao coller, essa técnica é marcada pela natureza


improvisada frente à utilização dos materiais que geralmente se são circunstancialmente escolhidos. Mais uma técnica que exprime a natureza da remistura é, contudo, a paródia. Utilizada no mundo literário essa técnica se mostra, ao lado do coller e da bricolagem, como a opção para se aplicar a remistura em textos. Assim, se pode entender essa técnica como um recurso intertextual, ao entender-se que tal noção “surgida na década de 60, se constitui em um modo de pensar sobre textos e de ler textos, nascido da proposta desconstrucionista abraçada pelos teóricos e críticos pós-estruturalistas (Dias, 2000). Entretanto a paródia não se restringe apenas ao fazer textual, nas artes visuais, a obra L.H.O.O.Q.1 de Marcel Duchamp se mostra como um marco. Ao adicionar um bigode e um cavanhaque à figura do quadro de Leonardo daVinci, Mona Lisa, Duchamp satiriza tal obra em sua busca pelo significado de o que realmente é arte. Também presente na chamada sétima arte – o cinema – a prática da remistura se mostra desde o cinema mudo, onde se praticava a colagem entre takes para que se pudesse obter o resultado narrativo a que o diretor se propunha. Um exemplo desse entrar em cena revolucionário é o que os DJ’s impulsionados pelos equipamentos de samplers2 fazem desde o final da década de 1960. Eles sobrepõem trechos de melodias cantadas ou instrumentais de diferentes músicas sobre bases compostas por frases rítmicas geralmente constituídas por um loop composto com bateria eletrônica ou acústica, baixo elétrico ou sintetizado e outros sons eletronicamente produzidos ou „sampleados‟ de outros instrumentos ou voz humana.

3.

Somos ‘remistura’? Dessa forma pode-se entender que constituímos, a nós mesmos e nossas produções, em

uma realidade onde nada é totalmente novo. Onde nós mesmos e qualquer ideia nossa é, na verdade, um elo de uma corrente em construção histórica. Assim, como nós pela natureza, nossas produções são construídas a partir de outras precedentes e remisturadas com outras. No contexto da cibercultura, na internet e sua tendência a se dissolver com outros meios eletrônicos como os dispositivos móveis, essas remisturas acontecem, principalmente no sentido de um (re)significar do conceito de autoria. Há uma também remixagem no papel de autor como os papéis de leitor, o que remete, contudo, às teorias literárias de “morte do autor” que refletem, ao fundo, a nostalgia exacerbada de autores soberbamente autônomos, mantendo os leitores como subalternos passivos (Demo, 2007). 1 Quando as letras L.H.O.O.Q. são pronunciadas em francês uma após outra, tem-se algo parecido com “elle a chaud au cul”, ou seja, “ela tem o rabo quente”. 2 Aparelho que grava e permite a manipulação de amostras sonoras. Com o sampler, compor tornase também na música pop a arte de combinar sons e trechos de músicas.


Nesse conceito de autoria da cibercultura, percebe-se que a posição do leitor não é apenas a de receptor, mas sim a de alguém que também produz no seu inferir via interação e cooperação. Onde a característica de autonomia do sujeito, é significada muito mais que a simples independência, mas sim por uma interdependência. Com toda essa presença da remistura na realidade fora dos limites das instituições, observa-se, entretanto, que em contextos educacionais, emerge uma urgência. Essa urgência nos direciona a uma práxis educacional em que o processo de ensino e aprendizagem se adapte à complexidade dinâmica de nossa realidade. Como Moraes (1996) ressalta, a educação deve se aninhar com a nova visão de mundo. Visão essa que compreende o universo em contínua evolução, com seus fenômenos naturais em um todo interligado. Essa nova visão de mundo, cheia de esperanças, implica contudo, e consonância com Capra (1993) por uma necessária e coerente mudança de valores, substituindo a competição pela cooperação, a quantidade pela qualidade, a dominação pela parceria e consequentemente, da distribuição para a cooperação. Observa-se, contudo, por algumas ferramentas tecnológicas de comunicação com natureza cooperativa, como ferramentas de extensão de sala de aula no sentido da ubiquidade e pervasividade do processo de ensino e aprendizagem e que se mostram plataformas comunicacionais „remisturadoras‟ por natureza. Vale aqui destacar, contudo, que os termos pervasividade e ubiquidade se mostram, juntamente com senciente, como conceitos quase sinônimos. Essa ideia se mostra como algo que caracteriza a possibilidade de se acessar cooperativamente esses recursos comunicacionais via ciberespaço sem ou por fio. Assim, se entende a possibilidade de que a aprendizagem possa ocorrer via telefones celulares como os SmartPhones (telefones celulares com múltiplas funções comunicacionais como o acesso à internet), netbooks, tablets como o iPad e o Galaxy, notebooks ou em desktops como os localizados em lan houses, no trabalho, em hotéis, praças públicas, rodoviárias, aeroportos e outros locais com acesso a internet com ou sem fio. Assim se entende, segundo Santaella (2007: 234), “não é o equipamento que necessariamente define a mobilidade, mas o tipo de comunicação”. Dessa forma observa-se que os sujeitos envolvidos em processos educacionais possam, contudo, aprender e ensinar „remisturando‟ ideias cooperativamente para além dos limites temporais e espaciais de ambientes formais educacionais, ou seja, em seu cotidiano. Bons exemplos de „remisturabilidade‟ ubíqua em processos comunicacionais cooperativos via equipamentos sem fio ou com fio e que ocorrem em contextos cotidianos, são os serviços como o Twitter, o Facebook, o Foursquare, o Orkut. Esses serviços basicamente se apresentam como redes sociais em forma de microblogging bastante utilizados em ambientes empresariais e no cotidiano dos cibernautas. O que chama a atenção nessas redes é, entretanto, a


possibilidade de seus usuários enviarem e receberem mensagens de textos curtas, com links de vídeos, áudios, informações sobre localizações geográficas, e os mais diversos arquivos de seus seguidores. O que implica na possibilidade funcional desse recurso ser um instrumento remisturador-ubíquo para a criação de uma comunidade virtual de ensino e aprendizagem extensora de processos educacionais formais.

4.

Algumas considerações sobre o mashup em contexto educacional ubíquo e

cooperativo Vale destacar aqui que em atividades educacionais sob o viés do sócio-construtivismo, a simples junção de elementos de outros autores não leva à aprendizagem decorrente do que Piaget (1996) chama de assimilação e acomodação. Há de se buscar a dialogicidade como uma unidade simbiótica de duas lógicas, que simultaneamente se alimentam uma à outra, se concorrenciam, se parasitam mutuamente (Morin, 1977: 79). Nesse processo, inicialmente o aprendente entra em contato com o dado por um esquema já existente, o que se entende por assimilação. Em consequência, no processo de acomodação, o dado novo se mostra conflitante com os esquemas já formulados e então se cria um novo esquema acomodando este novo conhecimento tal como ocorre na concepção de Morin ao descrever o anel tetralógico em sua irreversibilidade espiralóide (Morin, 1977:73). Esse processo, de (re)construção de conhecimentos, no entanto se mostra afinado com a concepção que Manovich (2006) denomina por “remixibilidade profunda” onde os elementos usados para a remistura são usados, não como peças de um quebra-cabeças ou as peças Lego3, que se mostram apenas compatíveis com peças específicas. Essa remixibilidade profunda, portanto, remete-se ao conceito de mashup, pois, derivado do termo de origem jamaicano mash it up e que é empregado com o sentido de 'destruir, desconstituir para misturar isso' e que se refere, na cibercultura, à consolidação de uma prática de se combinar cooperativamente elementos customizados. No entanto, a estética do mashup, conflui para que as peças sejam modulares, ou seja, onde a customização seja possível para que o redimensionamento das peças potencialize por um encaixe flexível. Além disso, Manovich apud Santaella (2007) lembra que enquanto a modularidade pré-computacional levava à repetição e redução, a pós-computação produz diversidade ilimitada. Assim essa mesma autora destaca que a par de tudo isso, um dos caminhos mais recentes da estética do mashup vem se dirigindo para a cooperação, onde Barb 3

Peças em plástico injetado que se encaixam permitindo uma grande variedade de combinações e que compõem sistemicamente um brinquedo que permite múltiplas possibilidades de criação de objetos. (http://www.lego.com/).


Dybwad define tal procedimento onde os sujeitos extraem informações sejam, sonoras, visuais, verbais, onde se observa nas funcionalidades das ferramentas da Web 2.0 e dos softwares livres (Dybwad apud Manovich, 2005). Assim, pode-se concluir que há a necessidade de se pensar atividades educacionais didática e metodologicamente no contexto emergente dos dispositivos móveis de forma contextualizada com a estética do mashup, e que essa possa extrapolar os limites das instituições para o cotidiano dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, indo na direção de uma convergência entre educação informal com a formal. Essas atividades, entretanto, desafiam os educadores a concebê-las como plataformas para a aprendizagem crítica, onde se estimule o interpretar, para que os aprendentes possam, através de signos e seus significados, aprender com os seus encaixes (sempre citando as fontes) em construções cooperativas onde a dialogicidade e a síntese estejam sempre presentes.

5.

Referências Bibliográficas

Capra, F. (1993). O tao da física: um paralelo entre a física moderna e o misticismio oriental. São Paulo: Editora Cultrix. Demo, P. (2007). Novas (faltas de) oportunidades: chances e angústias virtuais. Boletim Técnico do Senac: a revista da educação profissional, Rio de Janeiro, v. 33, n.3, set./dez., p. 4-17. ______. (2002). Complexidade e aprendizagem: a dinâmica não linear do conhecimento. São Paulo: Atlas. Dias, M. (2000). Hipertexto - o labirinto eletrônico uma experiência hipertextual. Campinas, Dissertação (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de Campinas. Manovich, L. (2005). Remixability. Disponível em: <http://www.manovich.net>. Acesso em 09 jun 2010. _______. (2006). Interaction as an aesthetic event. Disponível em: <http://www.manovich.net>. Acesso em 09 jun 2010. Moraes, M. (1996). O paradigma educacional emergente. Tese (Doutorado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Morin, E. (1977). O Método I: A natureza da natureza. 2ª ed. Tradução: M. G. de Bragança. Portugal, Europa – América. ________. (2000). Os sete saberes necessários à educação do futuro, São Paulo: Cortez & UNESCO Piaget, J. (1996). Biologia e Conhecimento. 2ª Ed. Vozes : Petrópolis. Santaella, L. (2007). Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus. Sodré, M. (2006). Estratégias sensíveis: afeto mídia e política. Petrópolis: Vozes.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.