Se ao menos os arbustos crescessem da noite para o dia.

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Se ao menos os arbustos crescessem da noite para o dia Bruno Miguel da Silva Carvalho Moreira

No decurso da nossa vida – académica e não só – ouvimos frases como “os opostos atraem-se” ou “a excepção confirma a regra”; se nos cingirmos à Arte, à Arquitectura, redescobrimos o significado dessas frases, envolvidos em processos compositivos que mexem com ritmos, simetrias, assimetrias, eixos, homogeneidades, heterogeneidades, continuidades, rupturas. Não podemos falar do Pavilhão Carlos Ramos sem ter em conta duas premissas fundamentais: primeiro, que mesmo ao lado, e do mesmo arquitecto, encontramos a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, construída posteriormente; segundo, que entre ambos se estabelece uma relação muito particular, nomeadamente ao nível dos percursos (fig. 1). Há que deixar claro, logo à partida, o objectivo desta pequena reflexão: centrada no Pavilhão dedicado ao homem que impulsionou o movimento da “Escola do Porto” – o “Mestre Ramos” (fig. 2) – dar a entender o mesmo como peça de excepção1 dentro do complexo conjunto de edifícios da F.A.U.P., também eles de distinto carácter entre si; para concretizar tal objectivo será necessário manusear conceitos como “linguagem(s)”, “percursos”, “perspectivas”: uns como pontes de ligação entre eles, reforçando a coerência do conjunto; outros como meios de distinção, expondo a individualidade das partes. Mas, se como se disse acima, “a excepção confirma a regra”, desde logo nos apercebemos que a criação do particular é um meio de reforçar a coerência do geral. Poderia agora começar a falar, como dita a tradição, do geral para o particular, em sucessivas aproximações aos conteúdos; mas, recordando Fernando Távora, compreendemos que “em arquitectura, felizmente, o contrário também é verdade”. E tal aplica-se não só ao projectar2 mas também ao acto de interpretar/aprender. Invertamos, então, a lógica e comecemos do particular para o geral – afinal de contas, assim (re)nasceu a Escola: um primeiro Pavilhão, em relação estreita com um contido jardim, “objecto solitário, numa implantação que parece só dele e do seu conteúdo depender”3 (fig. 3). O Pavilhão Carlos Ramos é um edifício em forma de “U”, definidor de um pátio entre os seus braços, que o apertam, aprisionam, protegem, ao mesmo tempo que apontam para uma árvore secular. O pátio é intimista, como é aliás o carácter da sua envolvente – o “aperto” é controlado e nem mesmo o facto do edifício possuir dois pisos e da torção dos braços ser bastante pronunciada consegue transformar este “aperto” em “sufoco” (figs. 4 e 5). Estar no pátio é estar confortável, é sentir que se faz parte de algo – de uma Escola também ela intimista, protectora, autónoma. Do pátio apercebemo-nos de tudo quanto se passa no interior do edifício que a ele se dá de forma franca e despreocupada. Os planos de vidro, embora limitados na sua dimensão, abrem-se de 1 2

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Como uma pequena jóia que escondemos na caixa protectora, para não se estragar. Sítio e programa podem dar origem a projectos totalmente díspares entre si – mas coerentes e válidos.

Alexandre Alves Costa, “Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto”, in Manuel Mendes, “Edifício da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto: Percursos do projecto”, Porto, FAUP Publicações, 2003, pág. 28.


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