Forma e Estrutura na obra de Eduardo Souto de Moura Oito tópicos de Arquitectura: a contradição como parte do projecto
“Cada pé da mesa que desenhei custava duzentos euros e aquele, um pé «barroco», custava apenas vinte e cinco euros. Aquilo que se pretendia simples e «standard», em aço inox, tinha afinal um custo muito maior do que um pé “barroco” vindo de uma fábrica em Braga, esse sim fabricado em série.”, Eduardo Souto de Moura in (Carvalho, 2007 p. 61)
Prova Final para Licenciatura em Arquitectura FAUP Ano Lectivo 2006 / 2007 1
Docente Acompanhante: Professor Doutor Carlos Manuel Castro Cabral Machado Seminário realizado sob docência do Professor Doutor José Quintão 2
Aos meus pais
À Maria João
A toda a família e amigos
Agradecimentos: ao Prof. Carlos Machado pelo acompanhamento interessado da prova; ao Prof. José Quintão pelo empenho demonstrado no Seminário “Linguagem Arquitectural”; à Maria João pelo apoio constante; ao colega e amigo Manuel Ramos Silva pela troca de ideias e opiniões; aos meus colegas e amigos Manuel Pagani, Maria João, Gil Silva e Joana Magalhães pela cedência das figuras 54, 111, 229 e 303 presentes nesta Prova Final. 3
4
Sumário 0. Abstract
7
1. Introdução
13
1.1. Tema e campo de estudo
13
1.2. Método expositivo
17
1.3. A problemática da contradição
21
2. Fragmento e Unidade
25
2.1. Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplástico
27
2.2. A cidade por fragmentos: a influência de Aldo Rossi
51
2.3. Mobiliário: unidade na arquitectura ou maneirismo
65
3. Maciço e Pontual
77
3.1. Do maciço ao pontual: o problema da pele
79
3.2. A estrutura parietal: do muro à caixa
87
3.3. O pilar isolado como complemento da estrutura parietal
97
3.4. Maciço e pontual: o contraponto de dois sistemas 4. Evidência e Dissimulação
101 109
4.1. Evidência e dissimulação de elementos estruturais no alçado
115
4.2. A dissimulação da verdade – ou a evidência da mentira
121
4.3. Evidência e dissimulação da obra no lugar
129
4.4. Evidência e dissimulação da fronteira interior/exterior
137
5. Artefacto e Natureza
145
5.1. A estratégia de implantação do Artefacto na Natureza
151
5.2. A ruína como estado de equilíbrio entre Artefacto e Natureza
157
6. Conclusão
167
7. Bibliografia
171
8. Índices
173
8.1. Índice de imagens
173
8.2. Índice de autores/arquitectos
177
8.3. Índice de obras/lugares
178
5
6
ABSTRACT
0. Abstract Sob o tema Forma e Estrutura propõe-se não só uma análise de obras de Souto Moura e outros autores, mas também a procura pessoal de referências; oito tópicos de arquitectura, contrapostos dois a dois – a estrutura do trabalho – criam as tensões que motivam as respostas.
FRAGMENTO E UNIDADE O Neoplasticismo é carácterístico na obra de Souto Moura (em particular nas obras de formação como o Mercado Municipal de Braga e a Casa das Artes) motivado pela flexibilidade da linguagem em relação aos programas (sobretudo o unifamiliar) num pós 25 de Abril onde tudo estava por construir, e pela disponibilidade de materiais – tradicionais e industriais – que permite a necessária criação de ambientes distintos numa obra cujo resultado se compõe por fragmentos (planos, texturas e materiais distintos) posteriormente integrados numa unidade espacial. Rossi demonstra a Souto de Moura que a leitura da cidade, dos monumentos e o discurso em torno da forma podem guiar a actividade dos arquitectos, promovendo a criação de referências pessoais. A interdependência entre teoria e prática, a obsessão por temas, a crença no tipo como invariante arquitectónica e o reconhecimento da obra como fragmento integrante da cidade-artefacto são pontos que aproximam os dois autores. O mobiliário, pelo seu desenho e posicionamento, pode surgir como projecto do arquitecto (em unidade com a arquitectura) ou como maneirismo do cliente (peças que vão sendo integradas na arquitectura com a passagem do tempo, resultantes da vontade de apropriação dos espaços por parte dos clientes) determinando a menor ou maior flexibilidade no uso dos espaços. Souto de Moura cria uma unidade como base (concebendo ou sugerindo as peças de mobiliário) para esta ser enriquecida com os maneirismos do cliente num processo que, agradando a ambos, Souto de Moura considera natural.
MACIÇO E PONTUAL Para Souto de Moura a construção em Portugal decorre do protótipo “Dom-Ino” de Corbusier, pelo que a pele é uma consequência inevitável. O problema não reside na sua existência, mas na desadequação entre ela e o seu suporte, resultante em sistemas contranatura, tornando o discurso em torno da pele num discurso sobre decoração. A torre do Burgo expressa uma recusa a esse discurso, trabalhando com a pele por obrigação mas convertendo-a numa pele estrutural. A obra de Souto Moura expressa a recuperação do sistema de construção maciço, relegando o sistema porticado para um menor número de obras. O maciço permite-lhe compor arquitectura do Neoplasticismo, relacionar-se com os muros que fazem parte do seu imaginário e da envolvente no Norte do País (onde começou a sua carreira) e aproximar-se afectivamente do tema da ruína (tema transversal na obra do arquitecto, desde o estágio, formação, até hoje. Essa
7
8
ABSTRACT
estrutura maciça manifesta-se de forma mais fragmentária em muros de materialidades distintas, separados por portas e planos de vidro, e de forma mais unitária onde as paredes são sujeitas a viragens e à continuidade, expressando uma maior contenção no uso dos materiais. À regra da parede maciça contrapõe-se o uso da excepção pontual – os pilares isolados, por vezes falsos pilares, aproximando Souto de Moura de Álvaro Siza. Esses elementos arquitectónicos pontuais ajudam a definir os espaços mas também surgem por motivos funcionais, compensando a estrutura e resolvendo a infra-estrutura. Forma e estrutura são entendidos como um único corpo. O Mercado Municipal de Braga não expressa uma regra/excepção, mas duas regras distintas e complementares: o sistema maciço, de presença dominante no exterior, estrutura os percursos; o sistema pontual (distinto do porticado, pela ausência de vigas e lajes aligeiradas), dominante no espaço interior, confere ordem à disposição do mobiliário interior.
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO Os actos de evidenciar e dissimular manifestam-se nas várias escalas do projecto, do objecto ao pormenor. Este, para Souto de Moura, deve ser mínimo para não se sobrepor à obra, desde que seja eficaz. O mínimo implica a dissimulação de sistemas complexos (e não a sua simplificação) que aparentem ser simples e naturais; para Souto de Moura (como para Donald Judd) o minimalismo deve ser encarado como um processo e não como um fim formal. Elementos estruturais nos alçados podem ser evidenciados ou dissimulados. Para Mies a evidência de falsos pilares nas fachadas-cortina representava um entendimento mais vasto da estrutura, ampliado à sociedade e relacionado com uma forma distinta de conceber a verdade: o falso pilar não significava uma mentira, mas a expressão da verdade construtiva do edifício. Já Souto de Moura dissimula os elementos estruturais sob peles, procurando a expressão mínima dos sistemas construtivos, peles essas que não colocam em causa o carácter maciço do edifício. Mies procurou a verdade sem a atingir; Souto de Moura não procura a autenticidade, mas a sua simulação (com o recurso à complexidade e a resistência à simplificação). A verdade e a mentira encontram-se presentes na obra de ambos os autores, relacionados com os actos de dissimular e ocultar: ocultar é mentir e não revelar a verdade, e dissimular é mentir e dizer a verdade ao mesmo tempo. Mostrar a mentira é um acto complementar à dissimulação da verdade, ambos decorrentes da impossibilidade em ser autêntico em arquitectura. A obra, enquanto objecto, pode ser evidenciada ou dissimulada no lugar. A opção é tomada por Souto de Moura em função do carácter que a obra tem que tomar – dissimulado, quando não pretende que a obra nova perturbe um equilíbrio preexistente (como na Casa das Artes) ou evidenciado, quando a obra surge para se tornar numa referência para o lugar (como o Mercado Municipal de Braga, no Café do Mercado e na Quinta do Lago). A evidência e dissimulação da fronteira interior/exterior, na obra de Souto de Moura, encontram-se relacionadas com o pormenor do contacto do plano de vidro com a testa da laje (pela sua repercussão na materialidade do vidro) e com a mobilidade dos caixilhos. A ocultação 9
10
ABSTRACT
da testa da laje, como meio de afirmação do muro, implica para o autor o recurso ao vidro espelhado (no exterior) – o que confere à fronteira interior/exterior uma dupla dimensão: permite a continuidade visual do exterior no interior (fronteira dissimulada) mas oculta o interior do exterior (fronteira evidenciada). A dissimulação é levada ao extremo em Tavira – à abolição da fronteira interior/exterior – mediante a ocultação da caixilharia de correr dentro das paredes exteriores, tornando o espaço exterior num prolongamento do espaço interior.
ARTEFACTO E NATUREZA Para Souto de Moura o sítio é um instrumento de projecto e também criação do arquitecto. O sítio não dita a solução mas informa-a, juntamente com as referências do autor. A solução é determinante na passagem do sítio ao lugar – que pressupõe a criação de um equilíbrio entre Artefacto e Natureza. A intromissão do Artefacto exige a transformação da Natureza, e no final esta já não prescinde do Artefacto – que alcança a naturalidade no lugar. A estratégia de implantação do Artefacto na Natureza, para Souto de Moura, decorre da distinção que o autor faz entre o norte e o sul do país. No norte os muros surgem como referência para o projecto e o edifício dissimula-se entre eles, conformando-se num só piso para melhor integração na envolvente; no sul é o edifício que se assume como referência, face à dimensão do território, fragmentando-se em vários volumes para melhor domínio da topografia e das vistas. O tema da ruína surge insistentemente na obra de Souto de Moura, que o reconhece como um método da Natureza responsável pela transformação do Artefacto em Natureza – entidades cada vez mais próximas entre si. A ruína é, consoante as situações, encarada como material físico de projecto (ruína operacional), é simulada como mecanismo de validação da obra nova no lugar (ruína inventada) ou é preservada, procurando a sua fixação no tempo (ruína como objecto de contemplação). O fascínio do tema para Souto de Moura decorre da sensação de tranquilidade que a ruína inspira, resultante da sua adequação à envolvente. Assim, o desenho da estrutura – a forma que resiste ao tempo – será a expressão futura da ruína, pelo que o arquitecto, ao começar, deve pensar nesse fim.
Nota: a ausência de referências à “contradição como parte do projecto” é intencional: nem tudo pode ser revelado no início. Elas surgirão naturalmente ao longo do texto e em particular na conclusão do trabalho. 11
.
12
INTRODUÇÃO
1. Introdução
1.1. Tema e campo de estudo estudo
A opção pela realização de uma Prova Final na qual estivesse presente uma leitura crítica de uma arquitectura foi tomada com um pressuposto em mente: que a prática arquitectónica não se faz sem a teoria, e que a teoria deve informar a prática. Surgia assim uma vontade expressa de abordar uma obra de autor que pudesse contribuir para a minha formação enquanto aluno finalista do curso de Licenciatura em Arquitectura e, sobretudo, enquanto arquitecto no início da sua prática profissional. Já Aldo Rossi havia escrito sobre esta necessidade de encontrar arquitecturas de referência para a construção da identidade própria de cada arquitecto a partir de dois campos – os monumentos1 e os mestres2. Foi com esse objectivo em mente que passei a encarar com maior interesse a possibilidade de aprofundar um trabalho realizado no ano anterior, na disciplina de História da Arquitectura Contemporânea; teria assim a vantagem de começar a Prova Final com um ano de trabalho e maturação seguindo a filosofia de Séneca, citada por Rossi:
“ (…) Séneca afirmava que o estúpido é aquele que sempre começa de novo desde o princípio e que não cuida de desenvolver de uma maneira contínua o filho da sua experiência própria”, Aldo Rossi in (Rossi, 1977)
O trabalho realizado nesse ano lectivo tinha como título “Forma e Estrutura: mutações e permanências entre Eduardo Souto de Moura e Mies van der Rohe” e procurava, conforme o título indica, estabelecer relações entre as arquitecturas de Souto de Moura e Mies – entre outros – tendo sempre a forma e a estrutura como tópicos centrais de interpretação. No entanto, a exigência de rigor na definição do título desta Prova Final levou inevitavelmente à sua reformulação: uma Prova Final com o título anterior exigiria um grau de desenvolvimento muito elevado, para além de um conhecimento profundo de toda a obra dos dois arquitectos, sendo por isso incompatível com os moldes de uma Prova Final. Para além disso, revelar-se-ia uma opção complicada considerar como campo de estudo toda a obra de
1 “ (...) este tipo de estudo e de análise dos monumentos deveria estender-se (...) deveríamos estar em condições de formular claramente de que arquitectura nasce a nossa arquitectura.”, Aldo Rossi in (Rossi, 1977 p. 206) 2 “Compararmo-nos com os mestres é uma forma de os reconhecer; eu creio ter poucos mestres (...) por ter estudado e seguido a esses poucos com constância e sem distrair-me nunca com pessoas ou coisas que acreditava serem inúteis (...) ”, Aldo Rossi in (Braghieri, 1997 p. 8)
13
14
INTRODUÇÃO
Eduardo Souto de Moura – pela sua extensão, mas também por se tratar de uma obra em mutação. Por isso, a escolha da obra deste arquitecto como objecto de estudo não se revelava uma escolha fácil: havia a consciência de que falar de uma obra de arquitectura do presente se revestia de particular dificuldade na medida em que o distanciamento necessário à elaboração de uma Prova Final com valor científico não existia ou, pelo menos, não era tão evidente (só o tempo e a História nos poderiam dar esse distanciamento). Assim, a resolução deste problema só se revelava possível mediante uma definição adequada do campo de estudo, através do qual se pudessem retirar conclusões lógicas e fundamentadas e com um acentuado grau de objectividade; porém, isto não significa que se recuse a subjectividade, antes pelo contrário – ela é parte integrante da construção do conhecimento, bem como da teoria e prática da arquitectura. Foi desta forma que optei por restringir o campo de estudo às primeiras obras de Souto de Moura, dando um relevo particular às suas propostas de habitação unifamiliar. Esta decisão permite estudar com rigor uma parte da sua obra na medida em que delimita claramente os objectos em estudo, evitando os objectos mais recentes. Estes, apesar de poderem aparecer numa ou noutra situação particular, não constituem o campo de estudo privilegiado nesta Prova pois, como o próprio arquitecto refere, ainda são experiências de uma possível nova linguagem3. Por outro lado, as suas primeiras obras já possuem um carácter consolidado, uma coerência amadurecida. É uma fase acabada4. É por essa razão que são precisamente essas obras que constituem o campo de estudo desta Prova Final. Há que chamar ainda a atenção para um último pormenor. Este trabalho não parte com o princípio de querer racionalizar o trabalho do autor – isto é, fazer juízos causa/consequência ou explicar as suas intenções (a não ser que sejam referidas pelo próprio, ou que tal pareça evidente)5; o trabalho pretende sobretudo observar, identificar características próprias, estudar uma obra a partir do que é observável no lugar e a partir das palavras do seu autor.
3 “O meu trabalho está numa fase em que me apetece experimentar coisas que nunca fiz e que creio que formam parte também do léxico da arquitectura.”, Souto de Moura in (Maza, 2004 p. 228) 4 Souto de Moura caracteriza essa fase como “uma linguagem do passado que já está consolidada e que cumpriu o que tinha que cumprir.”, in (Maza, 2004 p. 229) 5 Por vezes as intenções que vemos num projecto ou numa obra são diferentes das intenções reais do autor, ou por vezes alguns aspectos das obras não são atribuíveis exclusivamente aos seus desígnios.
15
16
INTRODUÇÃO
1.2. Método expositivo
A clarificação do método expositivo é importante para assegurar uma correcta transmissão das ideias. Assim, definimos 5 pontos sobre os quais assenta o método de exposição presente nesta Prova Final: Descrição, Comparação, Citação, Rodapé, Imagem.
1. Descrição O estudo de um conjunto de obras de arquitectura (subordinado ao tema da forma e estrutura) é o objectivo principal deste trabalho, pelo que a descrição das mesmas se reveste de particular importância. Essa descrição implica, a priori, a observação das obras – quer no lugar, quer através de desenhos de projecto ou fotografias – competência que nos parece fundamental para um arquitecto e que cabe aqui, também, exercitar. É também de referir que a descrição não possui importância por si só, mas integrada num processo mais complexo que envolve os restantes pontos já referidos.
2. Comparação O processo de observação/descrição das obras acima referido permite-nos estabelecer comparações entre obras do mesmo ou de autores distintos, identificando pontos comuns na obra do autor em estudo – as regras – bem como os seus momentos dissonantes – as excepções. Se a arquitectura se cria mediante processos de interpretação/cópia (não é por acaso que encontramos na caracterização que por vezes se faz dos arquitectos designações como “mestre” ou “discípulo”) a sua leitura crítica deve apoiar-se em processos comparativos; resulta assim importante perceber em que medida a arquitectura de Eduardo Souto de Moura absorve as várias influências e as incorpora nos projectos. Como Rossi, Souto de Moura acredita que pode colher na cidade imagens cujas formas poderão vir a integrar os seus projectos:
“ (...) [Rossi] fez-me compreender que posso viajar e ver a cidade tirando fotografias (...) e que essas imagens podem ser-me úteis para fazer logo outras coisas, dispondo-as noutro contexto (...) “ (Cecilia, et al., 2005 p. 16)
Há, no entanto, que ter precaução na definição dessas influências. Como Eduardo Souto de Moura refere, por vezes as influências são posteriores aos projectos6 e aos problemas7. 6 “Frequentemente as referências da minha arquitectura são posteriores ao projecto (...) como ocorreu com as casas pátio em Matosinhos nas quais os meus colaboradores destacaram uma parecença com um projecto de Sert (...) ”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 437) 7 “ (...) no edifício de habitação colectiva da Maia (...) era necessário resolver a fachada com um detalhe único, portanto os estores tinham que ser colocados em toda a fachada, tanto nas partes abertas como nas fechadas. É evidente que fui então ver Coderch.”, Souto de Moura in (Maza, 2004 p. 234)
17
18
INTRODUÇÃO
3. Citação A presença das citações nesta prova é determinante na medida em que permite justificar as afirmações. A maior parte dessas citações será colocada no seguimento do texto principal, dada a sua pertinência para a compreensão das ideias a transmitir; outras, pela menor relevância ou por se referirem a assuntos paralelos, serão colocadas em rodapé. As citações, em nosso entender, não significam ausência de pensamento – antes pelo contrário. Integrar no nosso pensamento uma expressão de outro autor revela-se, muitas vezes, mais difícil do que escrever recorrendo unicamente às nossas palavras. A presença das citações não invalida, ainda, a criação de um pensamento próprio.
4.Rodapé O rodapé é um recurso de uso comum que permite libertar o texto principal de informação que, ainda que necessária, é colocada em segundo plano. Determinadas citações, origens de informação e até mesmo algumas ideias – pela sua extensão ou carácter paralelo – serão colocadas em rodapé não só para tornarem o texto mais fácil de escrever, mas também de ler. À semelhança das imagens (como se verá no ponto seguinte) não concebemos o rodapé como um acessório dispensável, mas como um complemento essencial.
5.Imagem A importância das imagens nesta Prova Final é evidente. Consideramos que a imagem funciona como um complemento importante do texto, permitindo em simultâneo ler e constatar. A escolha e o tratamento das imagens – por exemplo, o uso da cor ou a opção por uma escala de cinzas – tiveram a mesma importância que a concepção do texto; a legendagem revestiu-se de igual atenção de modo a que a leitura das imagens se torne mais operativa, tendo sido criada uma formatação única para todas elas: Número de imagem, Autor da obra, Nome da obra, Lugar, Data, Descrição, Escala, Orientação. A Escala e a Orientação – elementos cujo conhecimento é fundamental para o entendimento das obras – foram colocados a posteriori, não só para unificar a apresentação mas também porque esses elementos nem sempre estavam presentes nos desenhos originais. Estes elementos surgem no final das legendas dos desenhos que deles necessitem8 chamando-se ainda a atenção para o facto da linha principal da escala gráfica corresponder, em todos eles, a 3 metros (poderá ser perceptível, consoante os casos, a subdivisão “ao metro”).
8 Consideramos que as plantas das obras de Souto de Moura em estudo não prescindem destes elementos.
19
20
INTRODUÇÃO
1.3. A problemática da contradição
A obra de Eduardo Souto de Moura, como a de outros arquitectos, não é redutível a uma única temática. Os temas existem, são vários e são necessários pois fixam as problemáticas a que os arquitectos procuram dar resposta. A realidade é complexa. De igual forma, a obra de um arquitecto só é compreensível quando inserida num contexto e na relação com outras obras de arquitectura da sua ou de outra autoria. Os processos mentais que conduzem à realização das obras são, também eles, complexos. Propõem-se assim oito tópicos de arquitectura que se assumem como estrutura principal do trabalho: Fragmento, Unidade, Maciço, Pontual, Evidência, Dissimulação, Artefacto e Natureza. Estes tópicos possuem a clareza necessária para permitirem a organização do conhecimento sem a tornarem demasiado rígida. A associação destes tópicos de arquitectura em grupos de dois fazia já parte da estrutura inicial do trabalho. Intencionalmente, foram colocados lado a lado tópicos contraditórios. Este conflito é necessário: evidencia os problemas e faz surgir as dúvidas. Se a realidade fosse pacífica, não existiria o desejo de a transformar.
“Quando não os há [problemas] e tudo parece correr bem, inventam-se dificuldades, cria-se um certo drama, senão... as maquetas ficam cinzentas cobertas pelo pó.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 61)
A poética do espaço Neoplástico e a noção de cidade Rossiana, transportados para a obra de Eduardo Souto de Moura, permitir-nos-ão explicitar a contradição patente no primeiro grupo – formado pelos tópicos Fragmento e Unidade. Será a presença do Fragmento determinante na sua obra, ou será antes a procura de uma Unidade? Fará o mobiliário desenhado pelo autor parte integrante dessa Unidade e, em caso positivo, de que forma poderá ser essa Unidade comprometida pela inclusão de novas peças de mobiliário resultantes do processo natural de apropriação do espaço doméstico por parte dos seus utentes? Será a cidade uma Unidade ou um conjunto de Fragmentos, e de que forma a obra de Eduardo Souto de Moura procura nela a sua integração? Já em relação ao segundo grupo – Maciço e Pontual – será dado relevo à questão da estrutura e da expressão da estrutura enquanto forma, estudando a recuperação que a obra de Souto de Moura faz do sistema construtivo Maciço (parietal) e o recurso (Pontual) ao pilar isolado, pontos que o aproximam da figura sempre presente de Álvaro Siza. Procurar-se-á também explicitar a questão da pele como consequência do protótipo “Dom-Ino”, determinando até que ponto uma pele pode ser estrutural. Estará o sistema maciço em contradição com o sistema Pontual, ou será o último um complemento determinante do primeiro? (uma excepção à regra?); poderão ambos os sistemas 21
22
INTRODUÇÃO
estar presentes, como duas regras, numa só obra? Qual a diferença entre sistema pontual e sistema porticado? O terceiro grupo – Evidência e Dissimulação – apresenta-nos tópicos, à partida, demasiado abrangentes; a particularização é necessária: assim, partindo da relação entre Souto de Moura e Mies van der Rohe explicitar-se-á, para ambos os arquitectos, a importância da visibilidade ou invisibilidade da estrutura (que estrutura?) na envolvente exterior dos seus edifícios – o que nos conduzirá imediatamente aos conceitos de verdade, mentira e autenticidade aplicados à obra de ambos os arquitectos. Deve a arquitectura dizer a verdade (o que é a verdade?) mentir, ou ambos? A lição de Álvaro Siza ajudará a formular esta problemática. Procurar-se-á também demonstrar a presença dos actos de Evidenciar e Dissimular como actos transversais a todas as escalas do projecto, desde a escala do objecto (estudando a Evidência ou a Dissimulação da obra no lugar) à escala do pormenor (estudando para esse efeito o plano de vidro amplamente utilizado por Eduardo Souto de Moura, quer na sua relação com outros elementos arquitectónicos (como a testa da laje) quer na sua própria materialidade (opacidade, reflexão); chegar-se-á eventualmente à conclusão de como estes factores intervêm na Evidência e Dissimulação da fronteira entre os espaços interiores e exteriores. Por último, o quarto grupo – Artefacto e Natureza – abordará a própria definição de ambos os tópicos, questionando a fronteira – demasiado vincada – que se estabelece entre um e outro; após o esclarecimento dessa questão, procurar-se-á explicitar, a partir da obra de Souto de Moura, a estratégia de implantação do Artefacto na Natureza – bem como o papel da ruína na relação entre ambos. Quatro grupos, oito tópicos de arquitectura em análise. Prescindirá, em cada um dos grupos, um tópico do outro diametralmente oposto? Será a contradição o resultado natural da complexidade da obra de Eduardo Souto de Moura?
23
[1] Le Corbusier, Ville radieuse : Immeubles a redents, 1935, planta (secção)
[2] Aldo Rossi, Feira Catena, Mantua, 1982, planta
[3] Aldo Rossi, Requalificação da Praça do Município e monumento aos Partisans, Segrate, 1965, desenho
[4] Eduardo Souto de Moura, Reconversão do Mercado Municipal, Braga, 1999, fotografia
24
FRAGMENTO E UNIDADE
2. Fragmento e Unidade Unidade
A História da Arquitectura é um importante instrumento para o entendimento do acto de projectar – seja o projecto uma casa, um museu, ou uma parte de cidade. Sobre a cidade foram preconizados, ao longo da História Contemporânea – sobretudo após a Revolução Francesa de 1789 – modos de actuação distintos, ora fazendo do lugar e da História “tábua rasa” como a Ville Radieuse de Le Corbusier [1] ou a Broadacre City de Wright, ora acreditando na cidade como um somatório de partes, aceitando o fragmento e a disparidade. Sobre esta última noção de cidade é importante o contributo determinante de Aldo Rossi, encarando a cidade como um Artefacto, um conjunto de fragmentos sedimentados em épocas diferentes – os quais carecem não de algo que os extinga mas antes que os integre. Não é assim de estranhar que a arquitectura de Rossi seja uma arquitectura baseada em processos aditivos, de junção de elementos simples relacionados com a História, veiculados ao processo fragmentário de construção da cidade no tempo. Também por fragmentos é composta a História da Arquitectura – não por ser incompleta, mas por ser o resultado do contributo de múltiplos autores e épocas; apostando numa melhor transmissibilidade dos factos surgem então as cronologias e os rótulos, pontos de situação necessários para gerar consensos, mas que devem ser tratados com cuidado: se as cronologias tendem a marcar com excessiva precisão factos muitas vezes desdobrados no tempo, os rótulos tendem a reduzir uma realidade que é, necessariamente, mais complexa. De ambos, o problema do rótulo é o que parece mais perigoso. Sob a égide de “Escola do Porto” reduziu-se a uma só voz actos e experimentações plurais; o mesmo se passou em relação ao Movimento Moderno, hoje entendido, porém, como um conjunto de manifestações plurais e não como um movimento unitário; mais importante ainda para o estudo em questão, e dentro do próprio Movimento Moderno, o Neoplasticismo – que encontrou na revista “De Stijl“9 o seu principal meio de difusão – foi ele próprio um movimento plural, continuamente (re)construído em virtude das contínuas discussões dos seus fundadores e seguidores – provenientes de várias áreas relacionadas com a Arte, como a Arquitectura, a Pintura e a Escultura. A teoria de Rossi e o Movimento Neoplástico, ambos referidos nos parágrafos anteriores, são os dois pontos centrais deste capítulo que pretende articular conceitos como continuidade e descontinuidade, fragmento e composto, cidade e História, entre outros. Pretende-se apurar de que forma a noção de cidade de Rossi e as influências Neoplásticas se manifestaram nas primeiras obras de Eduardo Souto de Moura – quer na teoria a elas subjacente, quer na prática. A relação entre a arquitectura e o mobiliário será, também ela, prontamente abordada.
9 “De Stijl” significa “O Estilo”, expressão que denuncia a ambição do movimento na construção de uma nova unidade não só das Artes, mas também da vida em geral.
25
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplรกstico
26
FRAGMENTO E UNIDADE
2.1. 2.1. Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplástico Neoplástico
O termo Neoplasticismo é relevante para a compreensão da obra de Souto de Moura na medida em que é um termo frequentemente referenciado às suas obras (até mesmo pelo próprio autor), em particular às suas obras iniciais – objectos de estudo preferenciais desta Prova Final. Esta referência é, no mínimo, insuficiente, dado que o Neoplasticismo não foi um movimento unitário. De facto, a corrente Neoplástica foi múltipla nos seus ideais, fruto do espírito interventivo dos seus fundadores e seguidores. Sinteticamente, podemos reduzir essa multiplicidade a uma dualidade essencial: um Neoplasticismo de formação, ligado à revolucionária natureza do manifesto e à personalidade de Theo van Doesburg, um dos fundadores da revista que daria o nome ao Movimento, e um Neoplasticismo consequente, mais ligado à realidade e menos à abstracção, reflectido na personalidade de Pieter Oud – um dos elementos centrais do Movimento – e em particular no seu texto “A minha trajectória em De Stijl”. Este último é um dos três textos essenciais para a compreensão desta divisão, ao qual se acrescentam os textos de Doesburg e Eesteren “Para uma construção colectiva” e “Para uma arquitectura plástica”. Como se confrontam, então, as posições destes autores?10 “Para uma construção colectiva”, de Theo van Doesburg e Cornelius van Eesteren, é um texto que refere a importância para o Movimento Neoplástico em encarar a construção como uma unidade plástica formada não só pela arquitectura mas por todas as artes, a indústria e as técnicas; “Para uma arquitectura plástica”, assinado apenas por Theo van Doesburg, reforça a ideia da concepção de uma arquitectura formada por elementos de construção num sentido mais lato; elementos tais como a função, a massa, a superfície, o tempo, o espaço, a luz, a cor e o material são encarados como elementos plásticos:
“A nova arquitectura é elementar (...) Elementos como: função, massa, superfície, tempo, espaço, luz, cor, material (...) são também elementos plásticos.”, Van Doesburg in (Conrads, 1973 p. 224)
Já o texto de Pieter Oud, “A minha trajectória em De Stijl” é um texto que conta, na primeira pessoa, a alteração que se deu no entendimento de Oud daquilo que deveria ser a natural evolução do Movimento Neoplástico, resultado de uma crítica pessoal aos seus fundamentos. Vejamos, então, os pontos de concórdia e discórdia expressos nestes três textos – reveladores de duas posições distintas. 10 Este esclarecimento parece necessário para entender, com rigor, a validade do termo Neoplasticismo aplicado à obra de Eduardo Souto de Moura.
27
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplástico
[6] Pieter Oud, Fábrica, Purmerend, 1919, alçados e planta
[5] Pieter Oud, Fábrica, Purmerend, 1916, alçado, corte transversal e planta(s)
[7] Pieter Oud, Fábrica, Purmerend, 1919, desenho
[8] Pieter Oud, Fábrica, Purmerend, 1920, desenho
28
FRAGMENTO E UNIDADE
O primeiro ponto refere-se a uma questão essencial: o conceito de arte e a proposta de união das várias artes. Para Theo van Doesburg e Cornelius van Eesteren, o próprio conceito de arte parece já não ser necessário na medida em que a arte e a vida já não constituem duas realidades diferenciadas, mas uma mesma entidade. Deixa por isso de ser necessária uma distinção das artes, com o objectivo de atingir uma nova unidade nascida da mútua cooperação:
“ (...) deixarão de existir estas distinções entre os praticantes das diversas artes.”, Van Doesburg e Van Eesteren in (Conrads, 1973 p. 223)
Este princípio de fusão das artes numa nova unidade parece ser aceite, pelo menos num primeiro momento, por Pieter Oud, mas esta aceitação seria logo colocada em causa pelo autor – que se apercebeu que esta universalidade preconizada pelo Neoplasticismo não respondia aos problemas da arquitectura moderna:
“ (...) pois a maioria das vezes o pintor, mesmo aquele que trabalha com talento neste terreno, carece da ideia que é inerente ao arquitecto: que tem que servir.”, Pieter Oud in (Oud, 1986 p. 39)
Como segundo ponto temos a recusa da subjectividade na concepção da obra de arte. Este parece ser um ponto de concórdia entre Doesburg e Eesteren com Pieter Oud. Os primeiros afirmam que:
“ (...) o gosto pessoal (...) não é de importância para a realização desta unidade da arte e da vida”, Van Doesburg e Van Eesteren in (Conrads, 1973 p. 222)
As preocupações ligadas ao método especulativo e à tentação do lirismo são recusadas por todos os autores – assim como a ornamentação, que consideram subjectiva e desnecessária. O terceiro ponto refere-se à necessidade de criação de equilíbrio e, mais importante ainda, aos meios necessários para a obtenção desse equilíbrio: a utilização do contraste, da conjugação de elementos distintos e contraditórios (recusando a simetria e a repetição) como forma de criar tensões que, contrapondo-se entre si, se anulem. Pieter Oud partilha desta vontade criadora de tensões ao referir a importância do contraste num projecto seu (Fábrica em Purmerend) em 1919
[5-8];
com efeito, confrontando o primeiro projecto de 1916 com o projecto
de 1919 verificamos que, de um projecto de matriz tradicional apoiado num forte eixo de simetria (visível quer em planta, quer na composição do alçado) Pieter Oud passou para um projecto mais relacionado com a corrente Neoplástica – recusando a simetria inicial e baseando o novo projecto no contraste entre cheios e vazios, entre volumes de tensão horizontal e vertical, e entre muros opacos e transparentes. No entanto, um ano depois, retornaria ao tradicional e simétrico.
29
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplástico
[9] Pieter Oud, Unidade de habitação Spangen Blok IX, Roterdão, 1919-1920, planta
[10] Theo van Doesburg, Unidade de habitação Spangen Blok IX, Roterdão, 1921, planta, (esquema de cores para o contorno do edifício ao nível da rua)
[11] Theo van Doesburg, Unidade de habitação Spangen Blok IX, Roterdão, 1921, alçado, (esquema de cores para o alçado da rua)
30
FRAGMENTO E UNIDADE
Em comum estão também as posições de Oud, van Doesburg e van Eesteren no que diz respeito ao quarto ponto: a necessidade de criação de leis capazes de reger a construção, tais como a economia, a matemática e a técnica, subordinadas à necessidade de uma normalização de forma a atingir a universalidade que o Neoplasticismo não parou de perseguir. O quinto e último ponto – deixado propositadamente para o final – prende-se com o mais importante ponto de discórdia entre Oud e Doesburg/Eesteren – que terá chegado mesmo a ditar o progressivo afastamento de Pieter Oud das ideias de Theo van Doesburg e Cornelius van Eesteren: a utilização da cor. Com efeito, para estes últimos, a utilização da cor – sempre pura e contrastante – desempenhava o importante papel de estabelecer a relação entre o espaço e o tempo, e de formar com estes os principais agentes da nova unidade:
“A nova arquitectura admite o uso orgânico da cor, como meio directo de expressão de suas relações no espaço e no tempo.”, Van Doesburg e Van Eesteren in (Conrads, 1973 p. 225)
No entanto, para Pieter Oud a cor – do modo como era utilizada por Theo van Doesburg – estava a conduzir a arquitectura a um fim destrutivo:
“ (...) a tendência destrutiva, que esta “pintura espacial” conferia à arquitectura, supunha um perigo para a mesma arquitectura (...) tinha tendência a proceder arbitrariamente, só em raras ocasiões contribuía para fortalecer a arquitectura com a qual tinha que colaborar. (...) Bem mais a debilitava e frequentemente a tornava mais confusa.”, Pieter Oud in (Oud, 1986 p. 39)
O projecto do bloco IX para a unidade de habitação Spangen, realizado por Oud e Doesburg, é elucidativo desta divergência: tendo desenhado a arquitectura entre 1919 e 1920
[9],
Oud viu-se confrontado, um ano mais tarde, com a intenção de Doesburg em aplicar um esquema de cores contrastantes que este havia definido para o edifício [10,11]; Oud revelou-se em desacordo não só com o projecto em si, mas também com os ideais de Doesburg11. Apesar desta incontornável divergência, Pieter Oud nunca se considerou afastado dos princípios basilares do Movimento Neoplástico. O próprio preferia pensar que esses princípios o haviam levado por um outro caminho: o da maturação e da adequação dos ideais iniciais do Movimento a algo mais controlado e adequado aos problemas que a realidade levantava. De seguida, compreender-se-á que a postura de Souto de Moura se manteve mais próxima da atitude realista de Oud do que da abstracção máxima de van Doesburg, e que essa posição se espelhou de forma evidente nas suas primeiras obras. 11 “ (...) he [Doesburg] ideally wanted to echo the articulation of the architecture in contrasting colours so as to define the entire space. He suggested that defining the colour provided the painter with a definitive architectural means, a means basically withheld from the architect. (...) Van Doesburg and Oud had a violent difference of opinion, no only about the design itself but also about the architect/painter relationship”, Cees Boekraad in (AAVV, 1983 p. 59)
31
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplástico
[12] Fernando Távora, Escola do Cedro, Vila Nova de Gaia, 1957-1961, fotografia
[16] Álvaro Siza, Casa Alves Costa, Moledo do Minho, 1964-1971, fotografia
[13] Fernando Távora, Pavilhão de Ténis da Quinta da Conceição, Matosinhos, 1956-1960, fotografia
[17] Álvaro Siza, Piscina da Quinta da Conceição, Matosinhos, 1958-1965, fotografia
[14] Fernando Távora, Casa de Férias, Ofir, 1957-1958, fotografia
[18] Álvaro Siza, Casa David Vieira de Castro, Famalicão, 1984-1994, fotografia
[15] Fernando Távora, Mercado Municipal, Vila da Feira, 1953-1959, fotografia
[19] Álvaro Siza, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1986-1996, fotografia
32
FRAGMENTO E UNIDADE
Fernando Távora, Álvaro Siza e Souto de Moura são, porventura, os três arquitectos responsáveis pelo fenómeno da “Escola do Porto”, designação que, como já foi referido, corresponde a uma ideia errada e castradora em relação à pluralidade das manifestações desta “Escola”. Siza refere que, entre os três arquitectos, sempre houve transmissão do saber e influências recíprocas, mas que isso nunca formou uma “Escola” nem tão pouco se manifestou de forma evidente na sua cidade:
“Podem-se falar de influências pessoais, da aprendizagem de um com os outros, mas não de uma escola, existem diversas pesquisas numa arquitectura que hoje é plural, com muitas afinidades; mas se se olha para a cidade, dizer “Escola do Porto” significa dar uma péssima definição.”, Álvaro Siza in (Esposito, et al., 2003 p. 9)
Fernando Távora, professor de Eduardo Souto de Moura no segundo ano do curso de Arquitectura, terá sido uma influência determinante para este último; se atendermos às palavras de Souto de Moura bem como às obras mais paradigmáticas de Távora (a Casa de Ofir, o Mercado de Vila da Feira, o Pavilhão de ténis da Quinta da Conceição e a Escola do Cedro [12-15]) encontramos uma relação visível entre as obras destes dois arquitectos:
"Comecei a estudar as suas obras em relação ao Siza apercebendo-me que o Távora tinha um método mais abstracto, não era plástico, fazia composições com diferentes materiais; uma casa para ele estava subdividida em paredes, portas, janelas (...) “, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 13)
De facto, nestas obras de Távora – que as distinguem, por exemplo, do carácter mais escultórico e do reduzido número de materiais presentes nas obras de Álvaro Siza
[16-19]
–
encontramos um jogo equilibrado de cores, texturas, materiais e elementos arquitectónicos – portas, janelas, vigas – que compõem os espaços e geram os ambientes. Fernando Távora foi, de facto, um homem sensível aos princípios compositivos do Neoplasticismo – dos quais nos parecem mais importantes os da continuidade espacial e da associação de elementos autónomos – sem perder a consciência da sua própria cultura portuguesa. Esta é uma importante lição dada pela arquitectura de Távora que Eduardo Souto de Moura não vai esquecer – o Moderno poderia dar os instrumentos e alguns materiais, mas estes teriam que ser validados segundo uma leitura própria do lugar, dos materiais e processos construtivos locais, da cultura e da história.12 12 Recorde-se a problemática em torno da casa à antiga portuguesa, uma suposta casa típica falseada pelo regime, e a resposta incisiva de Távora no seu texto sobre “O problema da casa portuguesa” acusando a primeira de revelar uma visão puramente decorativa e epidérmica daquela que deveria ser a verdadeira casa portuguesa: uma síntese do espaço moderno com a tradição local – “quanto mais local, mais universal.”, Fernando Távora citado por Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 435)
33
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplรกstico
34
FRAGMENTO E UNIDADE
Neste momento apercebemo-nos que a utilização dos princípios Neoplásticos por parte de Souto de Moura deve menos a uma vontade ideológica inspirada na teoria de “De Stijl” do que a uma necessidade real de responder adequadamente às condicionantes do país, do projecto, da sua própria noção de arquitectura. É no fundo, um prolongamento da “terceira via” que Távora referia como o caminho a seguir para a qualificação da arquitectura portuguesa. De que forma poderia, então, a linguagem Neoplástica responder às necessidades de um país que se encontrava em profunda alteração, e de que forma foi ela utilizada por Eduardo Souto de Moura nas suas obras? De forma sintética podemos encontrar seis pontos que justificam esta posição do arquitecto portuense: O primeiro ponto prende-se com o carácter abstracto da linguagem Neoplástica. Com efeito, se atendermos ao facto de que o país se encontrava em euforia pós-moderna, com toda a utilização indevida de linguagens históricas com pressupostos figurativos e narrativos que daí decorriam, verificamos que Eduardo Souto de Moura preferiu enveredar pelo caminho oposto, isto é, o da abstracção e o da autonomia da forma – a arquitectura deveria valer por si própria13. Já Rietveld, uma das personagens do Movimento Neoplástico, afirmava que para fazer algo em arquitectura não era necessário justificá-lo verbalmente – e que a forma arquitectónica sairia diminuída se fosse possível exprimi-la de igual modo através das palavras; Souto de Moura é peremptório: a composição arquitectónica deve ser abstracta, não deve ter a pretensão de comunicar alguma mensagem:
“Quem quiser ser narrativo, escreve! Não faz paredes de betão!”, Souto de Moura in (Dias, 2002 p. 24)
Se o primeiro ponto, atrás referido, revela uma convicção, o segundo revela uma incerteza: uma ausência de indicação sobre o que deveria ser a arquitectura.
"Portanto, no princípio da minha carreira achei como estratégia a criação de uma linguagem perante uma ausência de indicações do que deveria ser a arquitectura... Ou a ausência de meios para entender como deveria projectar. (...) Então desenvolvi uma arquitectura neoplástica que vive da fragmentação e composição dos seus elementos que possivelmente poderão dar a sensação ou as emoções de um espaço.”, Souto de Moura in (Barbosa, 2006 p. 95)
Com efeito a linguagem Neoplástica, pelo seu carácter fragmentário e compositivo, permitiu a Eduardo Souto de Moura resolver os problemas com uma arquitectura aberta (no sentido literal e figurado), de múltiplas possibilidades. 13 Aldo Rossi, num momento em que a arquitectura se socorria das ciências sociais para se autojustificar, também chamou a atenção para a necessidade urgente de autonomizar a arquitectura; o mesmo se pode afirmar em relação a Fernando Távora – professor de Eduardo Souto de Moura no seu segundo ano – que lhe revelou a importância do acto de desenhar perante a tentativa de primazia das ciências sociais.
35
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplรกstico
36
FRAGMENTO E UNIDADE
O terceiro ponto refere-se à adequação da linguagem Neoplástica às necessidades de um país em (re)construção. Com efeito, Souto de Moura considerava que as necessidades do país se equiparavam às necessidades de um país do pós-guerra: em ambos os casos era necessário construir, e era necessária uma linguagem prática e eficaz capaz de resolver o maior número possível de programas distintos. A linguagem Neoplástica, para o autor, era mais adequada para resolver esse problema14. O quarto ponto diz respeito ao problema da habitação unifamiliar – o campo de estudo primordial desta Prova, e o campo de estudo principal de muitos arquitectos que vêem nele uma grande abertura à experimentação. Eduardo Souto de Moura não foi excepção, e nas suas obras iniciais a habitação unifamiliar foi um programa sempre presente como laboratório de experimentações. A linguagem Neoplástica permitia uma grande flexibilidade de soluções, pelo que o arquitecto a considerava como uma linguagem adequada ao programa da habitação unifamiliar15. O quinto ponto refere-se à disponibilidade dos materiais. Com efeito, a adopção de uma posição próxima da “terceira via” sugerida por Távora reflecte-se (no que diz respeito aos processos construtivos presentes na obra em estudo de Souto de Moura) numa mistura entre tradicional e industrializado – resultado do sistema produtivo nacional de então. A linguagem Neoplástica permitia estas composições de formas e elementos soltos que se reuniam numa obra de arquitectura sem perderem a sua individualidade. A escolha dos materiais dependia, então, do ambiente pretendido e da sua disponibilidade no lugar, não tendo o arquitecto receio de confrontar a parede de betão rebocada a branco, característica do Neoplasticismo, com o muro de pedra tradicional – utilizada não como revivalismo, mas por ser o material disponível:
“O meu regresso à arquitectura em pedra não parte de um ponto de vista revivalista. A pedra é o material que temos à disposição.", Souto de Moura in (Gili, 1998 p. 127)
Apesar do muro de pedra não ter feito parte do léxico do Movimento Neoplástico, é inegável que o seu contraste com a superfície lisa da parede branca, que Eduardo Souto de Moura empregou com frequência, reforça uma das ideias basilares desse Movimento: a obtenção do equilíbrio pela diferença e pelo contraste, como indica Theo van Doesburg16: 14 “Não era uma arquitectura artificial, porque era a adequada, tanto por ser oportuna no tempo como por utilizar os meios disponíveis para reconstruir um país no qual tudo estava por fazer.", Souto de Moura in (Gili, 1998 p. 124) 15 “ (...) no princípio os programas com que trabalhava eram fundamentalmente de habitação, muita habitação unifamiliar (...) por isso aquela linguagem estava relacionada com o programa da habitação", Souto de Moura in (Maza, 2004 p. 229) 16 “ (...) a nova arquitectura oferece uma relação equilibrada entre partes díspares (...) de partes que se diferenciam umas das outras pela sua posição, dimensões, proporção e situação, em virtude das suas peculiaridades funcionais. A equivalência destas partes baseia-se no equilíbrio da sua desigualdade e não na sua igualdade.", Van Doesburg in (Conrads, 1973 p. 225)
37
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento NeoplĂĄstico
[20] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
[21] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
[22] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia aĂŠrea
[23] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
[24] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
38
[25] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 19801984, fotografia
FRAGMENTO E UNIDADE
Finalmente, o último ponto refere-se à necessidade sentida pelo arquitecto em criar ambientes distintos numa obra. Novamente, a linguagem do Neoplasticismo permitia – pela complexidade de uso de materiais e formas – criar estes mesmos ambientes de uma forma muito ligada à materialidade da própria arquitectura, às superfícies, às cores, às texturas. Os materiais surgem assim de uma forma clara, recusando a arbitrariedade na sua aplicação, sempre pensada de forma a resolver problemas concretos – como a relação com o sítio, a orientação solar ou a definição de hierarquias:
“ (...) os projectos desenvolvem-se a partir de uma complexidade de envolventes, de ambientes urbanos, ou mesmo quando não são urbanos, de envolventes preexistentes. (…) Assim surge essa estratégia que nos diz que o que aqui necessitamos é de fechar porque, se está orientado a norte e faz frio, há que levantar um muro de pedra; ou se, pelo contrário, necessitamos de sol, resolve-se com vidro; se a esta parte quero conceder uma importância menor porque é uma zona lateral de passagem e quero evidenciar uma hierarquia entre percursos, então utilizo o tijolo porque é um material menos nobre.", Souto de Moura in (Gili, 1998 p. 127)
Tendo em conta o que foi referido, e apesar de não serem habitações unifamiliares, duas obras do arquitecto merecem destaque pelo seu acentuado carácter Neoplástico; são obras de início de carreira nas quais, por esse motivo, mais transparece essa linguagem: o Mercado de Braga e a Casa das Artes. Do primeiro é reconhecível a imagem dos alçados nascente e poente
[20,21],
que nos
apresentam os remates de topo de dois extensos muros que percorrem o projecto ultrapassando os limites da caixa que define os espaços internos do edifício; planos que, pela sua extensão, visam atribuir ao edifício o carácter de rua, percurso de ligação entre dois pontos da cidade [22]. O plano é, por isso, tema central na composição do Mercado, aliado à diversa conjugação dos materiais. Os referidos planos longitudinais – a nascente e a poente – comportam duas materialidades distintas: um é um plano branco e abstracto, de betão, herdeiro directo da linguagem do Neoplasticismo; o outro é um tradicional muro de pedra. O jogo de contraste entre as cores, as texturas e as estereotomias traduz a materialização de um princípio Neoplástico outorgado, pela disponibilidade dos materiais, à realidade local. A completar a composição dos planos longitudinais encontram-se os planos transversais (perpendiculares aos primeiros) interceptando o percurso em momentos particulares do edifício. O contraste e a surpresa aumentam com a inclusão de uma sucessão de pilares [23] que, de um extremo ao outro do Mercado, marcam um ritmo e sucessão violentamente cortados pelos referidos planos transversais. Estes pilares são determinantes para a afirmação da linguagem do edifício na medida em que são os responsáveis pelo desprendimento do plano horizontal da cobertura em relação aos planos verticais que se apoiam no chão [24].
39
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplástico
[26] Eduardo Souto de Moura, Casa [27] Eduardo Souto de Moura, Casa das [28] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia Artes, Porto, 1981-1988, fotografia das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia
[29] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, planta do piso térreo
[30] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia
[31] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia
[32] Mies van der Rohe, Pavilhão Alemanha, Barcelona, 1929, fotografia
40
da
[33] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 19811988, axonometria
FRAGMENTO E UNIDADE
Este desprendimento é particularmente visível do exterior, pois os pilares brancos tornamse cinzentos quando em sombra, deixando a cor branca da laje de cobertura vibrar ao sol, em contraste. Tal não significa que, do interior, igual problema não tenha sido abordado: com efeito, a intenção de destacar os pilares em relação ao pavimento e à cobertura é indiciada pelos remates inferior e superior desses pilares – a base e o capitel estilizados – que, pela mudança de material e cor escura, actuam como juntas que permitem a resolução da questão estrutural do todo sem comprometer a lógica e a individualidade das partes [25]. A Casa das Artes é também uma obra muito influenciada pelo Movimento Neoplástico, sobretudo no uso dos materiais17. De igual forma, revela-nos a presença de planos longitudinais com remate de topo
[26],
à
semelhança do Mercado – se bem que neste caso o objectivo não tenha sido a indução de um percurso mas a simulação de um banal muro de separação de lote, em pedra, atrás do qual o edifício se desenvolverá de forma “anónima” [27]. Torna-se então evidente que os muros voltam, neste projecto, a ser um tema central para a caracterização do edifício: estes muros longitudinais comportam funções distintas: um encostase ao limite do lote; o outro, em pedra e tijolo rebocado, desenvolve-se paralelamente ao primeiro definindo uma largura para o edifício, desfasando-se no momento de chegada à porta de entrada principal
[28].
Esta é, em síntese, um plano de vidro espelhado que prolonga virtualmente os
muros do edifício e reflecte a paisagem, como que procurando a infinidade do espaço proposta por Doesburg. Transposta a entrada, a percepção é a de um espaço contínuo capaz de unificar a complexidade de formas e materiais presentes no espaço interno da obra
[30].
Um pesado muro
interior, em betão pigmentado de azul, aparece de forma insólita – transformado em divisória interior entre a zona expositiva e uma zona de serviço, garantindo a privacidade e independência das duas áreas sem comprometer a continuidade do espaço. Este é um muro que, refira-se, não só não toca o tecto como também se eleva do solo, apoiando-se apenas em pequenos elementos pontuais18. Para além deste, outros muros invadem o interior do edifício – muros perpendiculares em relação aos referidos muros longitudinais – gerando ambientes distintos através do uso de uma diversa gama de materiais, cores e texturas. Exemplo claro disto é o muro de pedra que vem fazer parte do cenário do auditório principal
[31],
juntamente com uma escada e uma conduta de
ventilação transformada em elemento escultórico e cenográfico. 17 "Depois foi trabalhá-lo com materiais em que o espaço (...) pudesse ter um conjunto de valores diferentes; até porque um dos objectivos não foi fazer uma solução unitária, mas (...) criar situações diferentes, daí usar materiais diversos, pertencendo a famílias diferentes: Nacionais, estrangeiros, bem acabados, mal acabados, do norte, do sul, com texturas diferentes.”, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 32) 18 "No interior há uma parede azul, que é um móvel, uma escultura; não toca o pavimento e nem o tecto, e assim evitei transformar a galeria num corredor e mantive legível o espaço único.", Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 77)
41
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplรกstico
[35] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, fotografia
[36] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, fotografia
[34] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, axonometria
[37] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, fotografia
42
FRAGMENTO E UNIDADE
Mas esculturas reais seriam três, pelo menos em projecto, que serviriam para ajudar a caracterizar os espaços:
"As esculturas (?) serão três. Independentemente da sua qualidade, importa-nos o seu sítio e a atitude no lugar que também fazem. São peças essenciais para a definição e codificação dos três sectores: o Auditório, a Sala de Exposições e a Cinemateca", Souto de Moura in (Trigueiros, 1990 p. 79)
Vem-nos imediatamente à memória o Pavilhão da Alemanha, em Barcelona (Mies van der Rohe, 1929). Também aqui a escultura serviu mais como complemento à arquitectura (pela marcação de um ponto de vista, de um remate e de uma escala, pontuando e articulando o espaço [32]) do que como objecto encerrado em si mesmo; recorde-se que Theo van Doesburg, com a síntese Neoplástica, havia proposto algo diferente e mais radical – a total dissolução das três artes. Por último, e não menos importante, a preocupação que Souto de Moura demonstrou pelo desenho do quinto alçado – a cobertura – da Casa das Artes19
[33]
recorda-nos um outro
princípio do Movimento Neoplástico: a igualdade de importância para todas as fachadas do edifício, incluindo a cobertura – facto por vezes negligenciado na prática arquitectónica:
“ (...) a nova arquitectura converteu as partes frontal, traseira, direita, superior e inferior em factores de igual valor.", Van Doesburg in (Conrads, 1973 p. 225)
Terminada a caracterização destes dois equipamentos, é altura de tratar igual temática subordinada ao tema da habitação unifamiliar – campo onde a linguagem Neoplástica demonstrou ser extremamente operativa num primeiro momento da sua obra. A Casa 1 em Nevogilde é a primeira habitação em análise. Nesta casa é a um plano que cabe fazer a divisão entre a zona de serviços da casa e a zona dos espaços servidos; este plano possui a particularidade de se estender nas suas extremidades
[35,36],
distinguindo-se assim do
volume mais compacto da casa. Importante, do ponto de vista da linguagem Neoplástica, é a estratégia das aberturas segundo uma lógica do “negativo/positivo” – ou tudo aberto, ou tudo fechado – que resulta em planos de vidro que se abrem da laje de pavimento à laje de cobertura, ficando estes enquadrados entre esses limites [37].
19 “ (...) um dos cuidados ao desenhar a cobertura da Casa das Artes foi desenhar todas as condutas de cobre e as máquinas porque é o alçado principal da casa que está ao lado. (...) Eu considero a cobertura a 5ª fachada.”, Souto de Moura in (Barbosa, 2006 p. 95)
43
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplรกstico
[38] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, fotografia
[39] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, corte vertical
[40] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, fotografia
[41] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, corte vertical
[43] Eduardo Souto de Moura, Casa em Miramar, Vila Nova de Gaia, 1987-1991, planta
[42] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, fotografia
[44] Eduardo Souto de Moura, Casa em Miramar, Vila Nova de Gaia, 1987-1991, fotografia
44
FRAGMENTO E UNIDADE
Este tema apresenta, na Casa 2 em Nevogilde, uma variante significativa em termos do apuramento da linguagem: os referidos planos de vidro já não se lêem, em alçado, como planos rematados por duas lâminas de betão nas suas extremidades, mas como planos aparentemente desprovidos de qualquer remate [38] – a resolução desse remate fica dissimulada entre o plano de vidro e a laje
[39].
Assim, o plano de vidro avança sobre a testa da laje ocultando-a, conferindo
aos alçados a leitura de uma composição feita por sucessivos planos de materiais diferentes ao invés de uma leitura de planos enquadrados por uma moldura de betão20. Este apuramento de linguagem beneficia não só esta leitura exterior do edifício mas também a interior, pois desta forma o plano de vidro da fachada desliga-se do plano do tecto desenvolvendo-se para além deste, reforçando a autonomia das duas partes e, com isso, o carácter Neoplástico do espaço interno. A junta é dissimulada também no interior. O muro compósito, seccionado no seu topo – que já havia aparecido na Casa das Artes – regressa, também, como tema de composição desta obra [42]. Na habitação de Miramar encontramos planos que, numa intersecção violenta, entram no volume regular da casa para resolver a torção entre a casa e o acesso, estendendo-se também, no sentido oposto, para o jardim – conformando espaços exteriores [43]. Especial relevo merece o muro de granito e betão que separa a sala da cozinha, um plano que revela duas faces, uma para cada um dos compartimentos. Os espaços são distintos, logo os ambientes – que devem à matéria a sua configuração – também o são. Um plano que se revela como mais um fragmento do espaço da sala, em adição aos fragmentos do pavimento, dos planos de vidro, do pilar isolado e do mobiliário fixo. Este último, pelo seu desenho, faz a separação entre o espaço da sala de refeições e o espaço da sala de estar de forma a não quebrar a continuidade espacial que existe entre ambos – responsável pela unificação dos fragmentos da(s) sala(s) [44]. No que diz respeito à estratégia de abertura de vãos, encontramo-nos novamente numa situação similar a Nevogilde 1 – planos de vidro inseridos entre lâminas de betão. A Casa em Baião recupera alguns temas da Casa em Miramar relativos a esta linguagem Neoplástica composta por elementos autónomos. Assim, o projecto desenvolve-se a partir de uma ruína e de um muro preexistentes, ambos de pedra. O muro, removido para no seu lugar ser colocado um plano de vidro [45] (a frente da casa) não desapareceu totalmente: foi antes sujeito a uma rotação de 90 graus, de forma a poder fazer parte da atmosfera interior da sala – mais um fragmento colocado numa situação de continuidade espacial21 [46]. É de notar o facto que, nesta habitação, todos os seis planos que compõem os seus limites são individualizados pela escolha do material – vidro para a única frente da casa, madeira para o plano dos armários (paralelo à frente da casa) pedra para os planos laterais, reboco para o tecto e tijoleira cerâmica para o pavimento. 20 Esta leitura verifica-se no vão da entrada, no topo do corredor de acesso aos quartos, e na cozinha; nos quartos [40,41] e na sala de estar a leitura é similar a Nevogilde 1, com os planos de vidro inseridos entre as lajes. 21 E um fragmento importante, pois reforça a separação entre a zona social e privada da casa.
45
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplástico
[45] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, fotografia
[46] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, fotografia
[47] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, fotografia
[48] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
[51] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
[49] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
[50] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
[52] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, implantação
46
FRAGMENTO E UNIDADE
A Casa em Moledo é uma casa muito próxima da de Baião. No entanto, em Moledo cozinha e sala são espaços distintos, e é nesta última que se observa a mesma intencionalidade relativa ao espaço contínuo e à leitura do espaço por planos de materiais visível também na sala de Baião. É relativo a este ponto que a casa ganha especial interesse, pois se Baião é uma casa com um plano de vidro voltado para a única frente disponível, Moledo é uma casa com duas frentes de vidro – correspondentes aos dois lados maiores do volume da casa, paralelos entre si, que permitem uma continuidade do espaço também no sentido transversal [47]. Esta continuidade encontra remate numa formação rochosa que actua como um novo plano da casa, exterior mas transposto – pela transparência do vidro – para o interior da mesma. A casa adquire assim mais uma textura, mais um material, mais um fragmento. A Casa em Alcanena é uma casa de referência obrigatória no que concerne à exaltação dos valores Neoplásticos. À semelhança de algumas obras anteriores, constatamos a presença de diversos planos que, fazendo parte da atmosfera interior da casa, não se limitam a ela – estendendo-se também para o espaço exterior. Cada plano revela uma materialidade distinta em cada uma das suas faces – seja em betão rebocado, em tijolo ou em pedra. É revelada assim a necessidade de criação de atmosferas interiores distintas das exteriores22 [48-50]. A importância dos materiais – bem como da parede composta por duas faces com materialidades distintas – revelou-se condicionante da própria implantação do edifício, que se viu obrigado a rodar 45º em relação à orientação original
[52].
O fundamento desta rotação prendeu-
se com a necessidade de conferir à casa uma orientação capaz de permitir as vistas desejadas23:
“Observando a maqueta dei-me conta que a entrada axial não permitia o ponto de vista que mais me interessava, portanto rodei a implantação da casa 45° em relação aos alinhamentos do vinhedo (...) ”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 143)
Refira-se ainda que estas paredes compostas possuem a importante qualidade de não se tocarem entre si, evitando as intersecções e as viragens, o que contribui de forma positiva para a consolidação da sua individualidade e afirmação como planos soltos e autónomos, herdeiros da poética Neoplástica. A ligação entre esses planos – essencial para a criação de espaços interiores – é feita com recurso a mudanças de material e de elementos arquitectónicos – como portas e planos de vidro – que, permitindo a permeabilidade para a paisagem, actuavam como juntas – ligando o todo sem retirar a autonomia às partes.
22 O que não invalida que, pontualmente, a parede exterior possa entrar no espaço interno – como ocorre no momento de entrada na habitação: uma parede com duas faces, uma de betão e outra em tijolo, entra no interior da casa com o propósito de garantir a privacidade necessária para o corredor de distribuição dos quartos [51]. 23 A rotação também serviu para evidenciar a “verdade construtiva” do edifício revelando, a partir do caminho de acesso à casa, uma parede dual em escorço – de forma a mostrar o reboco e indicar que o edifício não é só em pedra.
47
Fragmentos de uma unidade espacial: o Movimento Neoplástico
[53] Eduardo Souto de Moura, Casa na Avenida da Boavista, Porto, 1987-1994, fotografia
[54] Aldo Rossi, Capela Funerária Molteni, Giussano, 1980, fotografia
[55] Aldo Rossi, “Dieses is lange her / Ahora esto se há perdido”, 1975, desenho
[56] Aldo Rossi, Unidade de habitação Gallaratese, Milão, 1969-1970, desenho
48
FRAGMENTO E UNIDADE
A Casa na Avenida da Boavista será a última obra referenciada sob este tema relacionado com a poética Neoplástica; no entanto, pareceu mais interessante utilizar esta obra como uma ponte para o ponto seguinte. A razão é um muro de pedra e betão que se projecta em direcção à porta de entrada no lote. Este seria um muro semelhante aos já referenciados em obras anteriores – a mesma expressão compósita, a mesma preocupação com a criação de um ambiente distinto em cada uma das suas faces, a mesma projecção do muro para além da caixa da casa – não fosse a inclusão, na face em pedra, de fragmentos de uma antiga ruína existente no local – fragmentos descontextualizados e utilizados como material de projecto
[53].
A capela
funerária de Molteni, em Giussano, de Aldo Rossi, apresentava anos antes uma concretização semelhante24 [54]. Também Rossi reconhecia o valor do fragmento, propondo uma composição aditiva de elementos e partes incompletos – fragmentos ou restos de um passado irrecuperável mas ao mesmo tempo imprescindível: basta ver a Unidade de Habitação em Gallaratese
[56],
de Aldo
Rossi, para perceber o impacto que a introdução do tema do fragmento num edifício pode ter – e Gallaratese é, em realidade, um edifício violentamente partido em dois. O conhecido desenho de Rossi, “Ahora esto se há perdido”
[55],
revela o desejo do
arquitecto em manipular fragmentos distintos e juntá-los nessa realidade mais vasta que não é unitária mas antes fragmentária; se Doesburg colocava em prática uma poética elementarista (a construção de um equilíbrio dinâmico entre elementos de um todo) que dependia posteriormente da continuidade espacial (entidade mais vasta capaz de aglutinar os elementos dispersos presentes numa obra singular), Rossi contrapunha uma poética baseada na História e nos fragmentos, que encontrava na cidade a entidade capaz de reunir fisicamente edifícios e espaços de épocas distintas, com diversos desenhos e programas. Os edifícios, esses, deveriam ser capazes de acomodar novas funções ao longo da sua vida – adequando-se assim à lógica evolutiva da cidade, entidade viva e sempre em mutação.
24 Apesar de, neste caso, os fragmentos serem desenhados e não peças de uma ruína.
49
A cidade por fragmentos: a influĂŞncia de Aldo Rossi
50
FRAGMENTO E UNIDADE
2.2. A cidade por fragmentos: a influência de Aldo Rossi
A Casa na Avenida da Boavista pareceu uma obra interessante como ponte para Rossi, cuja relação com Souto de Moura consideramos importante para perceber a obra deste último. Aldo Rossi é, pela sua teoria, uma influência determinante para Souto de Moura (leiam-se as múltiplas referências ao texto “Arquitectura para os museus” – mas também o é pela sua prática, que nos primeiros projectos do arquitecto português se revela inclusive como uma influência figurativa – veja-se a sucessão de pilares no Gallaratese e no Mercado de Braga. A teoria de Rossi é, para Souto de Moura, uma referência fundamental para a sua forma de pensar o projecto e a cidade. Mas a importância de “Arquitectura para os museus” estende-se para além deste autor, ao ponto de se tornar num dos textos que melhor interpreta a condição da arquitectura do século XX e que, simultaneamente, aponta com maior clareza um caminho a seguir pelos arquitectos que ainda hoje se questionam sobre a permanência ou o fim do Movimento Moderno: recorde-se que, para Souto de Moura, o Movimento Moderno permanece como continuação do classicismo, mas com novos materiais e técnicas:
“ (...) entendi o Movimento Moderno como uma continuidade do Classicismo (...) discurso de continuidade com meios técnicos e intenções diferentes, mas com um campo comum: as proporções, a relação da estrutura com a forma, a linguagem depurada.”, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 31)
Assim, à semelhança do que ocorreu com os textos sobre o Movimento Neoplástico caracterizados há pouco, é necessária a compreensão deste texto de Rossi para a compreensão da teoria e obra de Souto de Moura. Em “Arquitectura para os museus” Rossi procura os fundamentos de uma teoria de arquitectura e uma teoria de projectação que guie, como já foi dito, a acção dos arquitectos em continuidade com a história, incluindo o Movimento Moderno. Se atendermos ao carácter fragmentário deste – carácter que na arquitectura contemporânea se dilatou – compreendemos que Rossi pretende transmitir aos arquitectos os instrumentos necessários para que a sua prática não se perca no meio de tanta disparidade. O texto começa por afirmar a importância e a necessidade da formação de uma teoria de projectação como o objectivo principal e a razão de ser das escolas de arquitectura. Para Rossi estas teorias são parcas ou, quando existem, surgem mais como racionalizações a posteriori das acções realizadas em projecto; para o autor não deveria haver distinção entre um antes e um depois, entre um pensar e um projectar. Apesar disso, Rossi acredita que os artistas mais importantes se detiveram mais na teoria do que na prática, decorrendo daí a importância que Rossi atribui à primeira. A teoria não pode
51
A cidade por fragmentos: a influĂŞncia de Aldo Rossi
52
FRAGMENTO E UNIDADE
ser confundida com o método, a seu ver, pois esse foi o erro do Movimento Moderno que o conduziu ao Eclectismo do pós-guerra. O que permite antecipar a emergência da necessidade da criação de uma teoria, segundo o autor, é a obstinação dos arquitectos por determinados temas – eleições dentro da arquitectura, procurando resolver sempre os mesmos problemas. Rossi refere, de seguida, o que entende por arquitectura – essencialmente um facto colectivo, uma manufactura humana, indissociável da vida e da sociedade, um facto universal e permanente cujas características mais estáveis são a criação de um ambiente propício à vida e a intencionalidade estética. Rossi procura então delinear uma possível teoria de arquitectura e de projectação referindo, como condição fundamental, a redução da arquitectura a si própria, isto é, que se procure a sua autonomização em relação às outras áreas do saber. Como conclusão, Rossi refere três pontos fundamentais para a sua teoria de projectação: a leitura dos monumentos, o discurso sobre a forma arquitectónica, e a leitura da cidade. O primeiro é importante na medida em que, promovendo a meditação do arquitecto sobre factos passados, o faz reconhecer “de que arquitectura poderá nascer a sua arquitectura”25, ou seja, promove a criação de referências e a necessidade de optar ou por uma, ou por outra. Para Rossi a capacidade de optar é uma competência fundamental do arquitecto.26 O segundo ponto – o discurso sobre a forma arquitectónica – é importante na medida em que esta é encarada como um signo concreto, colocado na realidade e vinculado a um enunciado lógico, signo esse capaz de influenciar gerações futuras. O terceiro e último ponto refere a importância do estudo da cidade e da sua construção no tempo – como manufactura – dando importância à análise da sua formação, dos seus fenómenos e da sua natureza. Surge a ideia da cidade na qual os monumentos representam os pontos fixos da criação humana e a residência se torna no problema concreto da vida do Homem, encontrando-se a definição da estrutura da cidade decorrente de ambos. Uma última consideração é efectuada por Rossi neste texto, respeitante ao que o autor denomina por “elemento subjectivo”, relacionando-o com a criação da “autobiografia do artista”: é, no fundo, o cruzar das referências e dos exemplos que cada artista considera relevantes (de novo, a capacidade imprescindível de optar) com a expressão de uma vontade própria, distinta e pessoal, porventura mais subjectiva. “Repetir nunca é repetir”27.
25 " (...) deveríamos estar em condições de formular claramente de que arquitectura nasce a nossa arquitectura.”, Aldo Rossi in (Rossi, 1977 p. 206) 26 Também para Souto de Moura a referência auxilia o desenho: “ (...) desenhar do zero é um fenómeno de estupidez, porque é perder um legado de informação disponível.”, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 32) 27 Título do primeiro capítulo de “Imaginar a evidência”, de Álvaro Siza.
53
A cidade por fragmentos: a influĂŞncia de Aldo Rossi
[57] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
[58] Eduardo Souto de Moura, ReconversĂŁo do Mercado Municipal, Braga, 1999, fotografia
54
FRAGMENTO E UNIDADE
Assim, é no cruzar desta subjectividade necessária com a objectividade própria da disciplina que está o caminho da arquitectura. Esta, na sua forma mais evoluída – criadora de peças de museu – só faz sentido inserida num processo histórico, resultado de uma época, vencedora das barreiras do tempo e da função. De que forma é a teoria de Aldo Rossi visível na obra inicial de Eduardo Souto de Moura? Em primeiro lugar, tal como Rossi, Souto de Moura não cria uma fronteira intransponível entre a teoria e a prática arquitectónica: se a teoria lhe fornece os instrumentos para melhor enfrentar a prática, é esta última que constantemente volta a informar a sua teoria, numa espécie de relação dialéctica e contínua que extravasa os limites de uns projectos para os outros; assim, a obra em execução é continuamente colocada em causa pela visita do arquitecto ao estaleiro, e as alterações à mesma não são encaradas como meras correcções de projecto mas antes como a única forma de o dominar na totalidade:
“A obra, o tosco esperado, é a grande maqueta à escala natural onde finalmente o animal pode ser domesticado.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 61)
Esta vocação por trabalhar o projecto no lugar terá surgido muito cedo na obra de Souto de Moura – numa das suas primeiras casas, em Nevogilde – de uma forma ocasional28. No desenrolar da sua obra este “acidente” ter-se-á transformado numa maneira própria de enfrentar os projectos – como na Casa em Alcanena, onde durante a execução se optou por retirar uma torre de água e criar uma cave, e por alterar o material dos caixilhos de ferro para alumínio à cor natural; ou como na reconversão do Mercado de Braga, onde a manutenção dos pilares foi uma decisão tomada em obra após a remoção da cobertura que neles apoiava, e após a observação do efeito pictórico produzido por esses mesmos pilares (que se transformavam em autênticas “árvores minerais”, fruto da exposição da armação interna em cabos de aço [58]). A segunda preocupação que aproxima Eduardo Souto de Moura da teoria de Rossi é a sua obsessão por temáticas da arquitectura que o arquitecto deliberadamente opta por colocar em confronto nas suas obras. Dentro dessas temáticas destacam-se: a adopção dos princípios compositivos do Movimento Moderno em contraposição com a adopção de materiais e práticas construtivas tradicionais por necessidade de adaptação às realidades locais do País; o artificial (manufactura humana) em contraposição com o natural (que também é, cada vez mais, manufactura humana); o projecto novo em contraste com a ruína (que também é encarada
28 "Fiz um primeiro projecto para pedir a licença de construção, procedimento que, geralmente dura um ano; pensava que durante a espera faria a maqueta e o projecto de execução. Porém, graças à influência do cliente, a licença chegou num mês, talvez numa semana, e começamos a construir imediatamente (...) tinha que assumir muitas decisões directamente na obra (...) “, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 142)
55
A cidade por fragmentos: a influência de Aldo Rossi
[59] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, desenhos
[60] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, desenho
[61] Álvaro Siza, Unidade de habitação em S. Victor, Porto, 1974-1979, planta
[62] Álvaro Siza, Unidade de habitação em S. Victor, Porto, 1974-1979, axonometria
[63] Álvaro Siza, Unidade de habitação em S. Victor, Porto, 1974-1979, desenho de interior
[64] Álvaro Siza, Unidade de habitação em S. Victor, Porto, 1974-1979, fotografia
[65] Álvaro Siza, Unidade de habitação em S. Victor, Porto, 1974-1979, fotografia
56
FRAGMENTO E UNIDADE
como facto natural, uma arquitectura desgastada pela Natureza e pelo Tempo que pode ser manipulada pela mão humana); os fragmentos e a sua articulação com a espacialidade contínua – entidade capaz de os reunir (note-se que entendemos os fragmentos não só como diferentes materialidades dentro de um projecto, mas também como projectos autónomos, fragmentos compositores de uma realidade mais vasta – a cidade); e a importante temática da abertura de vãos, segundo uma estratégia Neoplástica negativo/positivo (tudo aberto ou tudo fechado, de laje a laje) em contraposição com a operação matérica de retirar massa a uma parede – a abertura de janelas, temática que o arquitecto resolveu enfrentar numa fase mais avançada da sua carreira29. Como terceiro ponto em comum, e como Rossi aconselhava, Souto de Moura cria arquitectura para a cidade, redescobrindo em cada obra o papel do lugar e integrando-o como material de projecto. Não existem soluções pré-concebidas: um equipamento tanto pode servir para, de forma marcante, lançar a malha de uma cidade em expansão – como o Mercado de Braga
[59]
– ou, inversamente, para não perturbar uma ordem preexistente – como a Casa das
Artes [60]. Tudo depende do lugar e da leitura que se faz dele e da cidade. E a leitura da cidade é sempre uma leitura de fragmentos, de estratos sobrepostos, de ambientes distintos, que informam e ajudam a conformar os projectos. Sobre este ponto é conveniente referir a importância da passagem de Souto de Moura pelo atelier de Álvaro Siza, sobretudo pelo projecto SAAL de S. Victor
[61-65]
que o então jovem
estudante de arquitectura teve oportunidade de acompanhar (o projecto de requalificação da Quinta da Conceição, de Távora, também será oportunamente referido). Siza partilhava a mesma compreensão da cidade. Para ele, tal como para Rossi, a cidade era composta por fragmentos e intervir na cidade deveria ser compreender e integrar essas porções de História nos projectos, como atesta Álvaro Siza, citado por Alexandre Alves Costa:
"É um problema essencial ser capaz de juntar coisas diferentes, como na cidade de hoje, que é, na realidade, feita de fragmentos muito diversos”, Álvaro Siza in (Trigueiros, 1997 p. 26)
O projecto de S. Victor levou Souto de Moura a uma experiência de grande complexidade, quer pelo panorama político e social em que todo o processo se desenrolou, quer pelas próprias particularidades do projecto que terão, inclusive, influenciado o percurso de Eduardo Souto de Moura, nomeadamente no interesse pela ruína. Com efeito, S. Victor foi um exemplo de como intervir no existente, recuperando um muro e as paredes em ruína de algumas casas – tratando-as como material de projecto; terá sido exemplar também pelo confronto do pictórico muro de pedra existente com os volumes “verde água” da nova intervenção, e pela concepção
de
uma
espacialidade
contínua
nas
quatro
habitações
que
foram
recuperadas/reconstruídas no âmbito do mesmo projecto [65].
29 Temática que – embora possa ser referida como contraponto – pela sua proximidade temporal e afastamento em relação às obras iniciais do autor não faz parte do campo de estudo desta prova final.
57
A cidade por fragmentos: a influência de Aldo Rossi
[66] Fernando Távora, Pavilhão de Ténis da Quinta da Conceição, Matosinhos, 1956-1960, fotografia
[70] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia
[67] Capela na Quinta da Conceição, Matosinhos, fotografia
[71] Marques da Silva, Vivenda neoclássica no recinto da Casa das Artes, Porto, fotografia
[68] Antigo Claustro Matosinhos, fotografia
[72] Pórtico no recinto da Casa das Artes, Porto, fotografia
na
Quinta
da
Conceição,
[69] Tanque na Quinta da Conceição, Matosinhos, fotografia
[73] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia
58
FRAGMENTO E UNIDADE
Assim, o tema da ruína assume, no projecto de S. Victor, diferentes dimensões: a demolição (de construções em ruína); a recuperação (de habitações existentes); a utilização como material de projecto (no aproveitamento de fundações e de muros demolidos, num misto de recuperação/reconstrução); e a oposição (das ruínas preservadas em relação às novas construções). A lição de Távora na Quinta da Conceição terá sido igualmente importante: não se tratando da fragmentação de uma cidade, mas da fragmentação de uma quinta, a intervenção demonstrou como era possível ligar peças isoladas, antigas e novas, através de um novo projecto, de forma a atingir um equilíbrio de momentos, de percursos e de enfiamentos. As peças novas – como o Pavilhão de Ténis
[66]
– não colocam em causa as existentes
[67-69],
e mesmo
estas últimas são, quando necessário, transportadas de um lugar para o outro, manipulando o existente de uma forma tão natural que tal acção se torna imperceptível no lugar. Eduardo Souto de Moura revelou a mesma vontade na Casa das Artes, ao evitar que a peça nova – o seu projecto [70] – colocasse em causa as antigas – o jardim e a Casa de Marques da Silva
[71],
e na
Casa em Moledo – onde à primeira vista nos encontramos perante uma casa naturalmente encaixada num socalco existente, quando na realidade o terreno (a peça antiga) foi totalmente manipulado e os socalcos transformados para o dobro da altura original para que a pudessem acomodar. Souto de Moura não procurou criar a autenticidade mas uma simulação dessa autenticidade capaz de transmitir, como Távora, um equilíbrio entre Arquitectura e Natureza. Finda esta pausa, retornamos aos pontos de contacto entre a obra Rossiana e a obra de Eduardo Souto de Moura. O quarto ponto da teoria de Rossi refere que os fundamentos da arquitectura constituem invariantes fixas da história: as questões colocadas à arquitectura são sempre as mesmas, o que varia são as respostas dos arquitectos. Analogamente, nas habitações unifamiliares de Souto de Moura em estudo, o tipo é algo que se mantém mais ou menos constante, como o próprio refere:
" (...) a estrutura da família também não mudou assim muito. (...) a tipologia não é uma coisa sobre a qual me interesse fazer uma grande investigação.", Souto de Moura in (Jordão, 2002 p. 15)
Daqui se depreende que o tipo, para o arquitecto, não é algo que se possa inventar de ânimo leve – mas um dado fornecido pela história do qual o arquitecto se deve socorrer. A permanência dos tipos poderá ser explicada pelo facto destes constituírem uma resposta eficaz ao problema de habitar de uma determinada cultura ou lugar, problema esse também invariante ao longo do tempo. Em síntese, a constância de uma cultura leva à constância de uma forma de habitar, que por sua vez poderá conduzir à constância dos tipos30.
30 O tipo arquitectónico é, segundo a definição de Carlos Martí Arís, “um conceito que descreve uma estrutura formal (...) enunciado lógico que se identifica com a forma geral dos (...) objectos”, Martí Arís in (Arís, 1993 p. 16); a tipologia, palavra que Eduardo Souto de Moura utiliza, não é mais do que o estudo dos tipos.
59
A cidade por fragmentos: a influência de Aldo Rossi
[74] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, planta
[75] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, planta
[79] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, planta
[76] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, planta
[77] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, planta
[78] Eduardo Souto de Moura, Casa em Miramar, Vila Nova de Gaia, 1987-1991, planta
60
[80] Eduardo Souto de Moura, Casa em Nogueira, Maia, 19901993, planta
FRAGMENTO E UNIDADE
Pensemos na habitação unifamiliar de Souto de Moura no Norte do país. A cultura é a mesma, facto que motiva Eduardo Souto de Moura a eleger um tipo – uma escolha que o arquitecto faz conscientemente, cruzando a cultura do Norte de Portugal com a admiração que sente por Mies van der Rohe. Este tipo pode ser definido, de forma muito geral, como uma casa térrea projectada para o exterior:
“A tipologia, quase sempre só com um piso (integra-se melhor) varia com as geografias.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 92)
No entanto, a questão fundamental não nos parece ter a ver com a definição deste tipo enquanto regra, mas antes com a sua capacidade em se adaptar às situações concretas, alterando-se sem perder a sua identidade. O tipo dá assim origem a duas variantes fundamentais: a casa térrea aberta nas suas frentes mais extensas (longitudinais) e a casa térrea aberta nas suas frentes de menor dimensão (transversais). Estas duas variantes estão profundamente relacionadas com o lugar: a casa aberta nos seus lados maiores é uma casa que se abre para a paisagem: não existe aqui qualquer tipo de contradição: a paisagem é extensa e a casa abre-se o mais possível para a poder receber; por outro lado, a casa aberta nos seus lados menores é uma casa urbana, entre muros, que contém em si a contradição de se abrir para um espaço fechado – o lote. A reconversão de uma ruína no Gerês
[74]
e as casas em Baião
[75]
e Moledo
[76]
pertencem à variante das casas abertas nos seus lados maiores; a paisagem longínqua – uma encosta, um rio, uma quinta fortemente arborizada – entra de forma franca nas habitações, transpondo os planos de vidro; a Casa 2 em Nevogilde
[77]
e a Casa em Miramar
[78]
pertencem
também a esta variante, mas com algumas diferenças: já não se tratam de casas de férias, mas de residências permanentes que se abrem para espaços exteriores – relvados – mais contidos e privados; nestas duas casas a complexidade do programa é maior – bem como as exigências de privacidade – pelo que não é de estranhar que a abertura para o exterior, ainda que feita nos lados maiores, seja mais contida, garantindo assim uma maior privacidade: já não encontramos um extenso e imperturbável plano de vidro (Moledo) mas antes uma sucessão de planos de vidro de menores dimensões (Casa 2 em Nevogilde) ou um plano de vidro seccionado em três momentos distintos – serviços, sala e quartos – por dois muros transversais (Casa em Miramar). Por outro lado, a Casa 1 em Nevogilde
[79]
e a Casa em Nogueira, na Maia
[80],
correspondem à variante das casas abertas nos seus lados menores. As duas casas são semelhantes – a da Maia é um redesenho de Nevogilde 1, como o autor afirma 31 – encontrandose ambas inseridas num lote estreito e comprido, característico das zonas urbanas da cidade; as
31 “A casa partiu do redesenho de uma outra (...) por analogia de programa, orientação e dimensão do lote.”, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 156)
61
A cidade por fragmentos: a influĂŞncia de Aldo Rossi
62
FRAGMENTO E UNIDADE
casas não se abrem para a paisagem longínqua, mas para espaços exteriores contidos, criados entre muros (um mais pequeno relacionado com os quartos e um maior, que inclui a piscina, relacionado com a sala) ao passo que os acessos se fazem de forma lateral, evitando desta forma perturbar a privacidade dos compartimentos principais das habitações. As duas variantes são, então, a expressão da flexibilidade do tipo eleito por Souto de Moura. Concluindo: Souto de Moura não desenha sempre casas diferentes, mas também não desenha casas totalmente iguais32. O que existe é uma maneira própria de encarar o problema da tipologia que se traduz num determinado número de soluções tidas como adequadas que são articuladas conforme as necessidades dos lugares, do programa, e dos clientes. Regressemos aos pontos em comum entre a teoria de Rossi e Souto de Moura – em concreto ao quinto: este ponto tem a ver com a imprescindível capacidade do arquitecto em escolher as suas referências. Como já foi dito, Eduardo Souto de Moura não tem qualquer problema em mostrar as suas referências (inclusive nas memórias dos projectos). Recorde-se que para Eduardo Souto de Moura não são as influências que geram as situações, mas a procura da resposta às situações que gera as influências. O sexto e último ponto em discussão diz respeito à questão dos monumentos. Para Rossi o monumento é, como já foi referido, uma peça de museu resultante de uma época e inserida num processo histórico que a tornou perene na cidade. O processo histórico retira assim a função original ao objecto para lhe conferir uma outra – a função de monumento, de elemento reconhecível da cidade, de objecto de referência. O Mercado de Braga, uma das primeiras obras de Souto de Moura, alcançou esse estatuto de monumento – apesar do próprio arquitecto ter antes referido que preferia a morte digna do edifício. Construído com o objectivo de propor uma malha para a cidade, acabou asfixiado pela mesma. Passados 20 anos, com a cedência da cobertura e a inadaptação do programa de mercado ao ar livre às novas exigências da cidade, o Mercado Municipal de Braga acabou convertido em espaço de passagem, jardim, e em Escola de Dança. Morria Rossi e o Mercado (re)nascia33, fruto da sua importância para a cidade – um edifício tornado rua.
32 “Embora sempre iguais, são diferentes, porque os sítios e as pessoas assim o merecem.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 92) 33 “Hoje morreu Aldo Rossi. Não posso deixar de falar do seu texto, base para este projecto, da inversão de uso, de escala (...) “, Souto de Moura in (Maza, 2004 p. 177)
63
Mobiliário: unidade na arquitectura ou maneirismo
[81] Mies van der Rohe, Pavilhão da Alemanha, Barcelona, 1929, fotografia (pormenor de mobiliário)
[82] Mies van der Rohe, Pavilhão da Alemanha, Barcelona, 1929, fotografia (mobiliário: cadeira “Barcelona”)
[83] Mies van der Rohe, Pavilhão da Alemanha, Barcelona, 1929, fotografia (mobiliário: canapé da cadeira “Barcelona”)
[84] Mies van der Rohe, Casa Farnsworth, Illinois, 1945-1950, fotografia
[85] Mies van der Rohe, Casa Farnsworth, Illinois, 1945-1950, fotografia (pormenor de mobiliário)
64
[86] Mies van der Rohe, Casa Farnsworth, Illinois, 1945-1950, fotografia (pormenor de mobiliário)
FRAGMENTO E UNIDADE
2.3. Mobiliário: Mobiliário: unidade na arquitectura ou maneirismo
A presença do mobiliário na arquitectura é uma das formas através da qual se manifesta a apropriação dos espaços por parte dos seus utilizadores. Tais objectos servem não só para ajudar a caracterizar funções – uma cama ajuda a definir um quarto, um sofá uma sala34 – mas também, pelas suas dimensões e posicionamento, podem induzir percursos, zonas de paragem e de circulação, enfiamentos e perspectivas privilegiadas, que tanto podem dizer respeito a espaços interiores como a espaços exteriores. No entanto, a presença do mobiliário tanto pode ser resultado da acção dos utilizadores como da intervenção dos arquitectos. Interessa, então, abordar a inclusão do mobiliário na obra de arquitectura tendo em conta três pontos fundamentais: os agentes da acção (resumidos ao arquitecto e ao cliente), o intuito dessa acção (a proposta do mobiliário em unidade com a arquitectura ou o mobiliário como maneirismo) e o resultado dessa acção (a menor ou maior flexibilidade na utilização do espaço). Uma relação parece, a priori, válida: quanto mais o mobiliário, pelo seu desenho, se aproxima do desenho arquitectónico – o que sucede frequentemente quando é o arquitecto a desenhar um e outro – mais ele tende a perder essa qualidade maneirista35, aproximando-se e conformando, em conjunto com a arquitectura, a referida unidade. Quando tal sucede, a arquitectura pode tornar-se pouco flexível – isto é, incapaz de aceitar, sem perder qualidades próprias, a inclusão de novas peças resultantes da vontade de apropriação do espaço por parte dos seus utentes, motivada pela passagem do tempo. Basta imaginar um Pavilhão da Alemanha com mobiliário barroco no lugar daquele proposto por Mies van der Rohe [81-83]. No entanto, não é só pelo seu desenho que o mobiliário pode tornar uma arquitectura inflexível. Quanto maior for a intenção arquitectónica subjacente ao mesmo (recorde-se o que foi referido há pouco sobre a capacidade de tais objectos como indutores de percursos e zonas de paragem/circulação) mais dependente se tornará a arquitectura da conformação do mobiliário e menos flexível será a condição deste último. Nestas circunstâncias, retirar uma peça de mobiliário da sua posição original poderá comprometer seriamente a utilização de um espaço, pelo menos segundo a forma como ela foi pensada pelo arquitecto. A Casa Farnsworth (Mies van der Rohe, 1945-1950) é um exemplo claro desse problema: organizada em torno de um núcleo fixo de serviços
[84],
o arquitecto atribuíu exclusivamente ao posicionamento do mobiliário a definição
das restantes funções da casa [85,86]. Numa coerente contradição, o mobiliário perde assim a sua mobilidade face às exigências da arquitectura. 34 Embora não possamos considerar isto como uma verdade absoluta. 35 Propõe-se a distinção entre unidade e maneirismo como hipótese de estudo; na realidade, tal não significa que todo o mobiliário introduzido a posteriori pelo cliente quebre necessariamente a unidade da arquitectura.
65
Mobiliรกrio: unidade na arquitectura ou maneirismo
[87] Mies van der Rohe, Casa Farnsworth, Illinois, 1945-1950, planta
[88-90] Mies van der Rohe, Casa Farnsworth, Illinois, 1945-1950, planta (pormenores)
[91] Mies van der Rohe, Casa Farnsworth, Illinois, 1945-1950, fotografia
66
[92] Mies van der Rohe, Casa Farnsworth, Illinois, 1945-1950, fotografia
FRAGMENTO E UNIDADE
Esta inflexibilidade da arquitectura, motivada por uma leitura do mobiliário como parte da unidade arquitectónica e não como peça autónoma e manipulável pelo utilizador, é precisamente uma das críticas que podem ser apontadas a Mies van der Rohe:
“Para Mies o desenho da caixa e do seu conteúdo é levado ao extremo, e os seus objectos parecem ter, à partida, destino marcado. Mudar um objecto de sítio é retirar clareza ao projecto. (...) Pensemos na casa Farnsworth. Feita de vidro e aço pintado de branco, a casa aspirava a relacionar os seus habitantes com a natureza envolvente – de forma evidente, como o demonstram os amplos envidraçados nas suas fachadas, garantindo a transparência necessária. Atentando na planta, observamos a cuidada modulação – na estrutura, na estereotomia do pavimento, na colocação do mobiliário
[87-90].
Com efeito, o mobiliário – desenhado pelo próprio arquitecto – faz parte da
controlada atmosfera interior, mediante a sua escala e posicionamento. As suas formas precisas conferem-lhe um sentido artístico e até mesmo escultural. Se, no Pavilhão de Barcelona, Mies colocou a escultura
[91]
num sítio preciso36, com o objectivo de criar relações espaciais perceptíveis, porque
não inferir o mesmo para a casa Farnsworth, assim como para outras suas obras, considerando as peças de mobiliário autênticas esculturas? Não podemos, no entanto, cometer o erro de generalizar – até porque o próprio Mies defendia que, para um edifício funcionar, tinha que permitir ao seu utilizador a liberdade para organizar o espaço interno; parece no entanto, que em determinadas obras – como a Farnsworth – o seu grau de perfeição e detalhe (na organização do espaço e na colocação do mobiliário daí decorrente, como refere Shankland37) torna-a resistente à mudança.” 38
De facto, a vontade expressa em Mies ao desenhar arquitectura e mobiliário como elementos indissociáveis entre si, criava uma unidade entre espaço e objectos, coerente mas pouco flexível – situação particularmente dramática nos programas de habitação unifamiliar (em habitação colectiva ainda se admite algum grau de inflexibilidade decorrente da lógica de repetição e do standard inerente a este tipo de programa, justificável, até, por um maior distanciamento, ou mesmo anulação, das relações entre arquitecto e cliente39). A relação arquitecto/cliente é precisamente o que nos leva a Donald Judd, figura também ela importante para a compreensão desta questão em torno do mobiliário como maneirismo ou, pelo contrário, integrante de uma unidade espacial proposta pelo arquitecto. 36 O pedestal já se encontrava no lugar antes da escultura de Kolbe ter sido lá colocada [92]. Como provocação quase poderíamos afirmar que qualquer escultura serviria, desde que respeitasse a sua posição e escala. 37 “I think that there are not many different ways in which one could live in one of your houses. Even the way furniture is arranged is something which flows directly from the plan of the buildings, and the open planning principles do impose a certain way of living in a house.”, Shankland in (Carter, 1999 p. 180) 38 Citação do trabalho final de História da Arquitectura Contemporânea, do mesmo autor – ano lectivo 2005/2006. 39 Sob outro ponto de vista, uma relação difícil entre arquitecto e cliente também pode conduzir à inflexibilidade do mobiliário.
67
Mobiliรกrio: unidade na arquitectura ou maneirismo
[93] Donald Judd, 101 Spring Street, Nova Iorque, 1968, fotografia
[94] Donald Judd, 101 Spring Street, Nova Iorque, 1968, fotografia
[95] Donald Judd, 101 Spring Street, Nova Iorque, 1968, fotografia
[96] Donald Judd, Biblioteca da Casa Chinati, Texas, 1973, fotografia
68
FRAGMENTO E UNIDADE
Judd, um arquitecto que mais tarde se tornaria arquitecto-escultor, desistiu da ideia de ter um cliente para a sua obra, preferindo, ele mesmo, tornar-se o seu próprio cliente40. Assim, como refere, o seu trabalho nunca poderia ser um acto de comunicação dada a inexistência de um receptor específico para além da sua própria pessoa. Desconhecendo o seu público e cliente, o trabalho apenas teria que fazer sentido para si, na expectativa – mas não na obrigatoriedade – que o fizesse também para os outros41. Sem cliente específico, o arquitecto-escultor possuía a liberdade que pretendia – inclusive a liberdade para criar uma relação muito particular entre objectos escultóricos – alguns peças de mobiliário – e a arquitectura envolvente – numa unidade inflexível onde um determinado espaço “pedia” determinado tipo de objectos e, reciprocamente, determinados objectos só faziam sentido quando expostos num determinado contexto arquitectónico42 [93-96]. Esta unidade proposta por Judd resultaria, evidentemente, de difícil apropriação e/ou manipulação por parte dos utilizadores domésticos de um espaço, se de tal espaço efectivamente se tratasse. A posição de Donald Judd, por tudo isto, aproxima-se e distancia-se da de Mies van der Rohe; ambos procuraram criar uma unidade entre o espaço e o seu conteúdo – mobiliário ou não – tornando um decorrente e dependente do outro. Para ambos os autores o posicionamento dos objectos – obras de arte (em particular esculturas) ou peças de mobiliário – bem como as qualidades intrínsecas ao desenho e material dos mesmos deveriam estar sempre em relação com as qualidades dos espaços arquitectónicos nos quais esses objectos se inseriam. Em ambos os casos poder-se-ia falar de inflexibilidade. No entanto, Judd possuía o álibi de não ter um cliente para além de si próprio, e de estar a conceber instalações de arte (de arquitectura mais escultura) ao invés de um programa arquitectónico. Assim, os fenómenos ligados à apropriação dos programas domésticos por parte dos seus utentes eram problemas que não afectavam a materialidade das suas realizações pois a
40 De forma similar, Souto de Moura afirma que quando projecta uma casa se torna, também, no seu próprio cliente: “Eu faço uma casa para mim, mas eu tenho muitos heterónimos (...) como se fosse para eu lá viver.”, Souto de Moura in (Monteiro, 2001 p. 28) 41 “I could never consider my work as communication since I had no idea of with whom I was communicating. To consider a public at the beginning of your work is impossible, and almost later too. I made my work to be intelligible to me, with the casual assumption that if it made sense to me, it would to someone else.”, Donald Judd in (Noever, 2003 p. 25) 42 Esta vontade unificadora havia sido motivada pelas críticas de Judd ao ciclo expositivo dos museus contemporâneos, os quais ditavam uma circulação constante das obras de arte de lugar em lugar que, muitas vezes, se revelava incapaz para as receber – prejudicando a leitura das mesmas. Como Rudi Fuchs refere, citando Judd, “it was unnatural to the artworks (...) and certainly unnatural to sculpture, to continually haul them around, to and from exhibitions. (...) What was actually much worse was to constantly have to follow your work around, exhibition after exhibition, to then see it badly placed in often inappropriate spaces, in a cluttered, unclear environment, often in bad light.”, Donald Judd in (Noever, 2003 p. 85)
69
Mobiliรกrio: unidade na arquitectura ou maneirismo
[97] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, fotografia
[98] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, fotografia
70
FRAGMENTO E UNIDADE
sua conformação física estava encerrada, a priori, pela mão do seu artista – ao contrário do que sucede nas obras de arquitectura (em particular nas habitações, onde a apropriação emotiva dos espaços vem, também, acompanhada pela transformação física do lugar: uma pintura que se coloca na parede, novas peças de mobiliário que substituem as antigas, ou a simples reorganização das peças existentes). O projecto construído é fixado pela objectiva do fotógrafo, e sai em revistas. Depois entra o cliente e essa imagem deixa de fazer sentido. Através dele, o projecto entra numa fase maneirista. Assim, com a passagem do tempo e com a vontade de apropriação do espaço, o suporte mantém-se mas o conteúdo vai sofrendo alterações43. O Minimalismo em Eduardo Souto de Moura reflecte por isso, mais do que uma moda ou imagem, este mesmo princípio: o suporte deve ser mínimo [97] para poder receber os maneirismos dos clientes [98]:
“Nós devemos fazer a base, e as pessoas é que devem aderir. O minimalismo não me interessa como objectivo, mas como meio. (...) é preciso ter (...) um bom suporte, fazer o essencial e a partir do essencial há uma disponibilidade que é usada pelos utentes”, Souto de Moura in (Monteiro, 2001 p. 26)
Essa disponibilidade que refere não é, a seu ver, um processo contranatura, mas antes um processo normal resultante do já referido desejo de apropriação dos espaços por parte das pessoas, situação particularmente visível nos programas de habitação unifamiliar:
“O suporte tem de ser extremamente simples (...) e ter a capacidade de receber maneirismos e adiposidades (...) As casas acabam por ser maneiristas, não feitas por mim, mas pelas pessoas; isso é uma actividade complementar e natural.”, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 31) Eduardo Souto de Moura propõe, assim, uma arquitectura que, segundo o próprio, deve revelar a capacidade de receber os maneirismos introduzidos, ao longo do tempo, pelos clientes. Mas de que é composta essa arquitectura? Será uma arquitectura flexível, isto é, capaz de resistir à consequente introdução dos maneirismos por parte dos clientes sem perder as qualidades originais do espaço? E, admitindo como hipótese que a arquitectura projectada pelo arquitecto seja, com o decorrer do tempo, comprometida pelos maneirismos ocasionais introduzidos pelo cliente, será que esta é uma questão que preocupa o arquitecto portuense? Uma outra consideração torna a questão ainda mais complexa: Eduardo Souto de Moura define a posição – e por vezes desenha – o mobiliário das casas que projecta, criando assim uma unidade entre ambos. Será ela compatível com a aprovação dos maneirismos dos clientes? 43 Se podemos concordar com a alteração do conteúdo, o mesmo não se pode dizer em relação à alteração do suporte que acontece com alguma frequência, destruindo muitas vezes a coerência de uma obra de arquitectura. Não é preciso ver a janela para saber que uma janela na Casa 1 em Nevogilde não faz qualquer sentido segundo a lógica inicial do projecto.
71
Mobiliário: unidade na arquitectura ou maneirismo
[99] Eduardo Souto de Moura, Casa em Miramar, Vila Nova de Gaia, 1987-1991, fotografia
[101] Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil, 1984-1989, plantas
[100] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, fotografia
[102] Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal, 19942002, plantas
72
[103] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 19871992, plantas
FRAGMENTO E UNIDADE
A unidade que transparece na obra de Souto de Moura decorre, como é visível nos seus projectos, de uma cuidada relação entre a arquitectura e o mobiliário que lhe dá suporte, criando as condições necessárias para que o cliente se aproprie do espaço; essa unidade é desenhada ou, pelo menos, sugerida: por vezes o arquitecto aconselha a compra de novas peças de mobiliário, ou simplesmente auxilia no processo de organização de peças antigas já possuídas pelos clientes. Em todo o caso, o mobiliário desempenha, não raras vezes (e independentemente do seu desenho) uma função organizadora dos espaços arquitectónicos, como é visível na Casa em Miramar – onde um móvel fixo é colocado na sala, de forma a melhor diferenciar a área de estar da área de jantar
[99];
de facto, em alguns casos, o mobiliário fixo – como um roupeiro ou
um aparador – ajuda a organizar o espaço, fazendo parte da própria arquitectura, acentuando assim a unidade entre ambos. Podemos, então, afirmar a existência de uma certa inflexibilidade nesta obra de Souto de Moura: remover o móvel da Casa em Miramar poderia transformar o espaço de jantar da casa num espaço residual pois, sem o filtro proporcionado por essa peça de mobiliário, o espaço de jantar perder-se-ia no “choque” directo com o espaço de estar da sala; já na Casa em Moledo reparamos que o espelho que dá o remate ao móvel da sala [100], facilitando a sua relação com o pano de vidro da fachada, é outro elemento – que podemos considerar mobiliário – que não pode ser retirado do lugar: a reflexão aí introduzida cria uma percepção espacial que, apesar de falsa, parece fazer parte da ideia do projecto – como se fosse possível percorrer a casa, em toda a sua extensão, junto a ambos os planos da fachada. Apesar destes exemplos não podemos, no entanto, generalizar: cada obra é um caso. Podemos afirmar, também, que o percurso que Souto de Moura tem vindo a percorrer o está a conduzir progressivamente a uma maior flexibilidade entre a arquitectura e o mobiliário:
“Nas casas que tenho feito, está tudo determinado, pontos de luz que marcam os móveis (...) ”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 93) [101-103] “Desenhei um ou dois móveis, mas não gosto de decorar as casas porque penso que seja uma escolha pessoal (...) nascem discussões intermináveis.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 93)
A renovação de um apartamento em Nevogilde revê-se na primeira afirmação – luminárias colocadas em franca relação com o mobiliário (o desenho da casa já estava feito...). A segunda afirmação contradiz completamente a primeira. Corresponde, porém, a uma alteração de posição por parte do arquitecto. A contradição surgiu naturalmente, não foi forçada nem tão pouco evitada. Pode, em última análise, corresponder a um processo de maturação. A contradição não surge, por isso, de um dia para o outro: não nos podemos esquecer, regressando às afirmações de Souto de Moura, que entre a primeira afirmação (que se refere às suas primeiras obras – campo fundamental de estudo desta Prova Final) e a segunda (referente a uma obra mais recente – cujo estudo aprofundado parece, ainda, inoportuno) decorreu uma grande mudança na forma de projectar do arquitecto, aqui exemplificada pela releitura da noção
73
Mobiliário: unidade na arquitectura ou maneirismo
[104] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
[105] Eduardo Souto de Moura, Reconversão do Mercado Municipal, Braga, 1999, fotografia
[106] Mies van der Rohe, Pavilhão da Alemanha, Barcelona, 1929, fotografia
[107] Mies van der Rohe, Pavilhão da Alemanha, Barcelona, 1929, fotografia (reconstrução de 1981-1986)
74
FRAGMENTO E UNIDADE
do mobiliário, que de elemento inflexível projectado pelo arquitecto, criado em unidade com a arquitectura, passou a ser visto como elemento flexível introduzido pelo cliente, reflexo de uma necessidade de apropriação do espaço satisfeita mediante o recurso ao “gosto” e à decoração. Em síntese, apesar desta mudança de atitude de Eduardo Souto de Moura, as suas obras continuam a apresentar um desenho onde arquitectura e mobiliário são pensados como uma unidade – não tanto pelas qualidades do desenho do mobiliário em si, mas antes pela sua articulação com a arquitectura: haverá maior exemplo dessa articulação do que rasgar a arquitectura, deixando que a luz da Natureza defina com precisão a posição do mobiliário44?
“(...) pontos de luz que marcam os móveis (...)”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 93)
Parece então contraditório que, nas suas obras, Eduardo Souto de Moura defina com precisão uma unidade entre a arquitectura e o mobiliário (resultando daí a inflexibilidade das obras em receber os maneirismos dos clientes) e, ao mesmo tempo, defenda esses mesmos maneirismos resultantes de um processo natural de apropriação do espaço pelos seus habitantes. Esta contradição surge de uma forma natural, tornando a arquitectura suficientemente flexível para agradar quer ao arquitecto (que projectou a unidade) quer ao cliente (que encontrou nessa unidade a base para receber os seus maneirismos); a ausência desta contradição é que seria prejudicial para arquitectura, pois significaria que um dos agentes se sobrepôs ao outro durante um processo que deveria ser, na realidade, construído por ambos. Terminada a base, o arquitecto dá por acabado o seu contributo: se o arquitecto se havia tornado cliente, agora é o cliente que procura tornar-se arquitecto:
“ (...) Desligo-me das obras, às vezes falam-me e faço modificações mais por respeito aos clientes. (...) No dia em que vejo aquela casa inaugurada, desligo, parto para outra, evito passar por lá, até me custa.”, Souto de Moura in (Monteiro, 2001 p. 26)
Souto de Moura projecta a unidade para ela ser enriquecida pelos maneirismos do cliente. Esta contradição é aceite pelo arquitecto com naturalidade. Podemos até comparar o facto aos processos naturais que conduzem um edifício à sua ruína: são processos necessários e inevitáveis. O arquitecto, ao aceitar a apropriação da sua obra está, na realidade, a aceitar a passagem do tempo como acto incontornável na vida dos seus edifícios [104,105]. Restam duas dúvidas que só o arquitecto pode esclarecer: se, apesar desse desprendimento, ele voltará mais tarde para ver as ruínas das suas obras; e o que pensa do Pavilhão da Alemanha
[106,107],
uma obra que parece ter vencido a batalha contra o tempo e a
Natureza – inclusive a Natureza humana – responsável pela sua destruição e renascimento.
44 Não nos podemos esquecer, no entanto, que atrás deste gesto “poético” da Natureza esteve o gesto racional do Homem: foi ele que escolheu o sítio onde iria “rasgar” a arquitectura...
75
[108] Le Corbusier, Protótipo “Dom-Ino”, 1914, desenho
[109] Le Corbusier, “Les cinq points d’une architecture nouvelle”, 1927, desenho
76
MACIÇO E PONTUAL
3. Maciço e Pontual Os Artefactos arquitectónicos constituem-se como formas na cidade, pelo que contribuem decisivamente para a construção da imagem desta. No entanto, a criação de um Artefacto passa por mais do que a simples criação de uma imagem: os Artefactos precisam de uma estrutura – que em última análise é o que resiste ao Tempo. Essa estrutura pode revelar-se como uma forma perceptível ou, por outro lado, dissimularse sob uma epiderme (lembrando assim outra questão – a da decoração – conotada com a ideia do desnecessário). Para Mies a estrutura de um edifício deve ser perceptível como forma, mas não precisa necessariamente de corresponder à estrutura real – basta ver os perfis metálicos colocados na cortina de vidro dos arranha-céus de Chicago para perceber que essa epiderme não corresponde a uma atitude decorativa mas a um acto necessário de expressão da estrutura real. Também na arquitectura portuguesa, segundo Alves Costa, a estrutura é determinante:
“O que a arquitectura portuguesa faz, é absorver, razoavelmente bem e com algum senso e algum sentido da realidade, os valores estruturais, muito mais que os valores epidérmicos. Só em certos momentos – no Manuelino, no Barroco de D. João V (...) O normal não é isso...”, Alves Costa in (Dias, 2002 p. 19) Como a pele se confunde muitas vezes com a decoração (entendida como elemento acessório) podemos afirmar que a pele com o propósito unicamente decorativo encarece a construção. Talvez por isso se justifique a afirmação de Alves Costa, fundamentada pela História: o Manuelino e o Barroco de D. João V que refere corresponderam a períodos de maior riqueza do país – permeáveis, portanto, a tais actos de ostentação decorativa. Alves Costa resume a realidade actual da construção em Portugal a duas únicas opções:
“ (...) ou fazes estruturas em parede contínua ou fazes estruturas em sistema pilar/viga!”, Alves Costa in (Dias, 2002 p. 24)
A importância da temática em torno da pele dos edifícios é devida a Mies mas também à invenção do protótipo “Dom-Ino”
[108]
(antes dos “5 pontos”
[109])
de Le Corbusier. Este foi uma
reinvenção do sistema pontual, surgido em plena mudança da sociedade motivada pelo desenvolvimento da indústria e potenciado pelo “novo” material – o betão armado. A obra de Eduardo Souto de Moura contradiz a proliferação das estruturas baseadas no “Dom-Ino” (que, segundo o arquitecto, é cada vez mais evidente no nosso país) recuperando o tema da parede portante, complementada por apoios pontuais isolados. A contradição é, como se verá, ainda mais evidente com a mistura, num só edifício, dos sistemas maciço e pontual (que será convenientemente distinguido do sistema porticado).
77
Do maciço ao pontual: o problema da pele
[110] Rogério Ramos, Estalagem do Picote, Miranda do Douro, 1955, fotografia
[111] Ruy d’Athouguia, Bairro das Estacas, Lisboa, 1949-1955, fotografia
78
MACIÇO E PONTUAL
3.1. 3.1. Do ma maciço ao pontual: pontual: o problema da pele. pele.
Em inícios do século XX Le Corbusier concebeu um protótipo – o “Dom-Ino” – baseado na conjugação de vários elementos: lajes planas, escadas em “U” comunicantes com os vários pisos, pilares verticais (recuados em relação aos limites das lajes) e fundações em sapata na prumada dos mesmos, sendo o betão armado o material eleito para conformar a solução. Este protótipo constituiu o prenúncio dos célebres “5 pontos”. Os “5 pontos”, além das possibilidades arquitectónicas – a possibilidade de separar os elementos estruturais dos elementos de compartimentação do espaço interno (a “planta livre”), uma maior liberdade na composição dos alçados possibilitada pela ausência de elementos estruturais no plano da fachada (a “fachada livre”) que permitia inclusive a abertura de vãos horizontais (“fenêtre en longueur"), a libertação do piso térreo mediante o recurso aos “pilotis” e a possibilidade de usufruto da cobertura dos edifícios (a “cobertura ajardinada”) – possuíam também premissas de ordem económica: a racionalidade construtiva permitia, assim, um maior controlo dos custos. Por sua vez, essas premissas de ordem económica influenciariam, naturalmente, a ordem social. Esta foi, portanto, uma sistematização que revolucionou o panorama global da Arquitectura na expressão material dos seus Artefactos. Eduardo Souto de Moura está consciente das dificuldades que o país atravessa no que diz respeito à arquitectura e à construção. Em relação à arquitectura, vai ao ponto de proferir uma declaração categórica, afirmando que em Portugal o Movimento Moderno nunca existiu:
“Quando comecei a trabalhar convenci-me que para ser arquitecto no 25 de Abril era necessário, antes de tudo, construir um país (...) e era preciso encontrar os meios para isso. Percebi então que o Movimento Moderno em Portugal nunca tinha existido.”, Souto de Moura in (Carvalho, 2007 p. 60)
Interpretando esta afirmação no seu sentido mais restrito, não poderia estar em maior desacordo: a visita ao “Moderno Escondido”
[110]
no Norte do país revela-nos a contradição
expressa na própria designação: o Moderno existiu, mas resumiu-se a intervenções pontuais como a cidade-jardim dos Olivais ou o Bairro das Estacas [111], em Lisboa, entre outros. A afirmação dura de Eduardo Souto de Moura, a conter esta dimensão contraditória do Movimento Moderno em Portugal, torna-se então mais apropriada. Jorge Figueira revela-se mais cauteloso, afirmando que a questão do Moderno em Portugal é uma problemática que ainda gera discussão, embora a contemporaneidade já revele a sua presença:
“ (...) ainda estamos a decidir se alguma vez fomos modernos, e já o “contemporâneo” nos entra em casa como um tsunami.”, Jorge Figueira in (Dias, 2004 p. 51) 79
Do maciรงo ao pontual: o problema da pele
80
MACIÇO E PONTUAL
No que diz respeito à construção, Souto de Moura revela-se igualmente crítico da situação que se vive no país:
“A construção civil em Portugal é um submundo de espécies clandestinas. Alguns com 20 anos vêm de Cabo Verde, onde já não chove há 20 anos, para fazer rufos nos telhados. “As pedras já não sabem ser pedras”, mas não vale a pena lamentarmo-nos.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 364)
Apesar de isoladas para melhor entendimento, arquitectura e construção funcionam como um todo. Arquitectura sem construção não passa de uma ideia, mas uma construção sem arquitectura não passa de um Artefacto que existe mas que nada acrescenta para além do cumprimento de uma função, em nada contribuindo para a transformação da realidade e da sociedade que podem ser, também, objectivos da arquitectura. Tal pode ser subentendido em Mies, que não só relacionava a arquitectura com a sociedade como distinguia estrutura de construção45. Para Souto de Moura, a construção em Portugal na actualidade deriva do protótipo “Dom-Ino”, do esqueleto. O esqueleto trouxe consigo economia – pois o tijolo ficava mais barato do que o betão – e ainda o problema da pele. A pele é uma consequência inevitável. Como Eduardo Souto de Moura refere, “as pedras já não sabem ser pedras” – isto é, elementos estruturais, maciços, como o foram ao longo da História passada. Os processos de erosão que a Natureza lhes incutia, gradualmente através do Tempo, transformaram-se em processos bruscos de compressão e tracção instaurados pelo Homem. Em consequência, as pedras, por vezes, partem, sobretudo as que se tornaram placagens, lâminas, peles com poucos centímetros de espessura. O problema da espessura não passou despercebido aos arquitectos: há arquitectos que a dissimulam, e as pedras já não são pedras embora o aparentem; há arquitectos que a evidenciam, e as pedras já não são pedras e não têm medo de o revelar. Há arquitectos que contam a mentira por necessidade e revelam a verdade por obrigação. O problema da pele, referido acima, reside precisamente no seu potencial: a diversidade de soluções que permite sobre uma mesma base, dando a impressão que, para um “Dom-Ino”, qualquer pele serve. Assim, discussões em torno da pele dos edifícios podem ultrapassar a esfera do arquitecto e rapidamente chegar aos clientes, nascendo assim debates sobre materiais, cores e texturas, todos eles escolhidos por catálogo, discutindo a pele à margem da concepção estrutural que necessariamente lhe serve de suporte físico.
45 Mies defendia que a arquitectura devia ser a expressão da sociedade; por trás desta expressão pode esconder-se, como se pode esconder por trás de qualquer obra de arte, o desejo de um mundo melhor e uma vontade transformadora da sociedade.
81
Do maciรงo ao pontual: o problema da pele
[112] Eduardo Souto de Moura, Projecto Burgo, Porto, 1990-1991, axonometria
[113] Eduardo Souto de Moura, Projecto Burgo, Porto, 19901991, corte vertical
[114] Eduardo Souto de Moura, Projecto Burgo, Porto, 19901991, corte vertical
82
MACIÇO E PONTUAL
Resolver a pele não é, portanto, resolver um problema de construção: é resolver um problema de lógica estrutural entre a pele, a estrutura e o funcionamento global do edifício. Podemos, de facto, ornamentar e manipular o nosso corpo, fazer exercícios ou cirurgias, mas em última análise são tudo alterações superficiais. O que é certo é que não podemos alterar a nossa estrutura. Podemos discutir sobre que luvas ou anéis usar, mas não podemos questionar a estrutura da nossa mão. Ela é o que é e tem que o ser para funcionar. Assim o foi com a fachada estrutural da Torre do Burgo
[112-114],
de Eduardo Souto de
Moura, um exemplo que permite transpor para a prática esta problemática. Muito condicionada pelos regulamentos, ao arquitecto cabia unicamente, segundo a sua interpretação, trabalhar com a pele do edifício:
“ (...) os bombeiros já tinham decidido as alturas, os consultores ingleses tinham estabelecido os módulos dos pilares e os engenheiros a espessura dos pisos. Com o núcleo do edifício definido pelas normas de segurança, a largura vem consequentemente pelo balanço permitido aos pisos (...) ”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 213)
No entanto, trabalhar com a pele trazia o risco referido há pouco: por se julgar que o problema da pele era um problema de decoração e não de construção, surgiam discussões que ultrapassavam a capacidade de decisão do arquitecto. A solução foi optar por uma fachada estrutural, imune a devaneios formais:
“Sendo a fachada estrutural, eu pude dizer aos clientes que muitos daqueles elementos tinham que existir e tinham que ser assim para não estar numa discussão supérflua sobre a «pele» (...) Quando o discurso é técnico e tem o suporte dos engenheiros: é assim porque aí há pilares e vigas... as pessoas não vão discutir (...) “, Souto de Moura in (Barbosa, 2006 p. 101)
O discurso em torno da pele, quando efectuado de forma desatenta e baseado apenas em critérios de “gosto”, é assim criticado por Eduardo Souto de Moura. Ao contrário do que se verificou com a questão do mobiliário – na qual o arquitecto, apesar de ainda o desenhar em franca relação com a arquitectura, vai reconhecendo o papel maneirista do cliente na transformação do espaço interno da sua habitação – no que diz respeito à envolvente exterior dos edifícios Eduardo Souto de Moura rejeita qualquer espécie de moda ou maneirismo – tornando a expressão da forma indissociável dos processos de construção que lhe deram origem. A forma torna-se, assim, “anónima”, quase independente da vontade do arquitecto.
83
Do maciço ao pontual: o problema da pele
[115] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
[117] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, planta
[116] Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil, 1984-1989, cortes verticais
[118] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, corte longitudinal
84
MACIÇO E PONTUAL
Pode então parecer que Eduardo Souto de Moura critica o recurso à pele, potenciado pelo abandono da parede maciça e a adopção do “Dom-Ino”; não é, no entanto, nem a pele nem o esqueleto como factos isolados que o arquitecto critica, mas antes a desadequação que se pode verificar entre um e outro – situação que resulta em sistemas contranatura, apesar de poderem ser construídos:
"Esta moda de fazer os edifícios metálicos para depois os cobrir de pedra, ou de madeira (…) é perverso (…) porque é contra natura. Estou convencido que se vai voltar à adequação dos materiais, dos sistemas construtivos e da linguagem, porque não são tão independentes.", Souto de Moura in (Maza, 2004 p. 231)
No entanto, a questão da pele, quando transposta para o campo de estudo desta Prova Final revela-se distinta: apesar de referir que a construção em Portugal é hoje o “Dom-Ino”, Eduardo Souto de Moura utiliza insistentemente, no programa de habitação unifamiliar, paredes portantes em betão armado. Aí a pele, quando existe, é uma pele distinta, não é aplicada sobre um “Dom-Ino” mas é antes uma pele aplicada sobre paredes maciças em betão com a intenção de criar diversas atmosferas exteriores e interiores, mediante o recurso aos diferentes materiais – como em Alcanena – ou com a intenção de, simplesmente, proteger o que é estrutural – como acontece na Casa da Quinta do Lago. Alcanena [115] é uma situação muito particular: aí a pele, constituída por pedra ou tijolo, é uma pele “pesada” devido à espessura dos materiais. Chamar pele a estas paredes poderá não ser totalmente correcto – também elas desempenham uma função estrutural – mas, dada a sua componente pictórica (a parede de betão bastaria para suportar o edifício – embora não para o proteger) pareceu-nos uma designação adequada, reveladora de uma contradição: elementos estruturais usados como se fossem uma pele. Na Quinta do Lago já podemos falar claramente de uma pele que é usada para proteger o edifício das infiltrações e da variação térmica: justaposto ao betão, pelo lado exterior, encontramos uma pele formada por várias camadas: cerezite, poliestireno, e uma rede acrílica sobre a qual é aplicado o reboco – a única face visível desta pele [116]. No entanto, na ruína do Gerês
[117,118]
não existe pele: as pedras da habitação existente
mantiveram-se como elementos estruturais visíveis no exterior – dada a vontade de fixar a ruína intacta no seu lugar, como objecto de contemplação. Nestes exemplos, e como na generalidade das obras de Eduardo Souto de Moura, o sistema construtivo é o mesmo, formado por paredes maciças de pedra ou betão – contradizendo o que o próprio afirma ser a realidade da construção no país.
85
A estrutura parietal: do muro Ă caixa
[119] Eduardo Souto de Moura, Casa em Nogueira, Maia, 1990-1993, fotografia
[120] Eduardo Souto de Moura, Casa na Avenida da Boavista, Porto, 1987-1994, fotografia
[121] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
86
MACIÇO E PONTUAL
3.2. A estrutura parietal: do muro à caixa
O sistema porticado não é determinante na obra de Souto de Moura – bem pelo contrário: um dos pontos característicos da sua obra reside na recuperação que faz da parede portante e da laje maciça, ambos em betão armado – ponto que o aproxima da obra de Álvaro Siza:
“O sistema construtivo é quase sempre o mesmo: parede, tecto e pavimento em contínuo, em betão armado (...) ”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 92)
A frase continua, mas ainda não é altura de a citar na totalidade. Esta primeira ideia é reveladora de uma leitura que Eduardo Souto de Moura fez da sua obra em 2001, em particular no que dizia respeito ao programa de habitação unifamiliar. Se atentarmos às obras que compõem o campo de estudo desta Prova Final reparamos que Eduardo Souto de Moura não utiliza, de facto, o “Dom-Ino”: as suas obras revelam antes o recurso a uma estrutura maciça e parietal, composta por paredes estruturais em betão armado ou em pedra consoante as situações a resolver. Por vezes, quando se trata de paredes de pedra, elas não são mais do que simulações de paredes de pedra, peles adossadas a outras paredes – essas sim estruturais – em betão; a pedra é, consoante as situações, tratada como elemento estrutural ou como elemento pictórico46 – como se verifica, respectivamente, na Casa da Maia [119] e na Casa na Boavista [120]. Quando a parede é de tijolo, normalmente é para rebocar – mas existem casos onde a parede é para ficar à vista, quer no interior quer no exterior, como acontece em Alcanena [121]:
“A segunda parede, para fazer a parede dupla, ou é em tijolo para rebocar, ou em pedra, conforme o ambiente. Hoje os muros são pictóricos, imagens minerais, porque o que protege e é eficaz, fica por trás, não se vê.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 92)
As razões por trás desta predilecção pelo muro, em detrimento da estrutura porticada podem ser interessantes de descortinar apesar de, em última análise, ser difícil retirar uma conclusão totalmente objectiva. Na verdade, é falacioso pensar que se pode ser totalmente objectivo, e o trabalho de um arquitecto não é excepção. Como um indivíduo que deve saber muito de Arquitectura e um pouco de todas as outras áreas que intervêm na concepção de um edifício, a posição do arquitecto é instável devido à necessidade de integrar diversas áreas do conhecimento, procurando a sua compatibilidade em favor do produto final – a obra de arquitectura. 46 Consideramos um muro pictórico mesmo que a pedra seja maciça, não grampeada – desde que exista, por trás, um outro muro de betão que lhe sirva de suporte.
87
A estrutura parietal: do muro à caixa
[122] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, alçado
[123] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Paços de Ferreira, 1978, alçado
[124] Eduardo Souto de Moura, Uma casa para Karl Friedrich Schinkel, Leça da Palmeira, 1979, alçado (parcial)
88
MACIÇO E PONTUAL
A compatibilidade conduz à cedência, e esta, por vezes, à contradição. Uma obra que não contenha em si a contradição não revela em si as marcas da cedência, nem tão pouco se preocupou com questões de compatibilidade. Será, necessariamente, uma obra redutora que esqueceu a crescente complexidade que vai envolvendo o campo da Arquitectura. Como refere Edgar Morin, frequentemente citado por Souto de Moura:
“Face ao incremento da complexidade, precisamos mais do que nunca de um pensamento simplificador; mas que não seja mutilante. Quando a realidade resiste à simplificação, temos de nos voltar para a complexidade.”, Edgar Morin citado por Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 93)
Podemos dar um exemplo para melhor explicitar a relação entre o que definimos como compatibilidade, cedência e contradição: imaginemos uma parede exterior, que pela adequação à envolvente e pelo material disponível tem que ser em pedra; não podendo ser uma parede maciça (por economia, e pela falta de espaço para o isolamento térmico) recorre-se a um muro de betão, caixa de ar com isolamento, e a uma placagem em pedra pelo exterior. Esta é uma solução de compatibilidade, e a cedência fê-la a pedra, que se viu obrigada a uma redução de espessura. O resultado é um muro que parece em pedra mas não é em pedra – uma contradição expressa num material estrutural que é usado como uma pele. Com isto em mente, podemos considerar a posição de Eduardo Souto de Moura – no que diz respeito à preferência do muro maciço em pedra e betão – como uma atitude de compatibilidade entre diversos factores, tanto objectivos como subjectivos. Em primeiro lugar, a linguagem dos muros Neoplásticos era, como já se viu, a linguagem que o autor considerava, no início da carreira, adequada para um país em construção; percebemos depois que esse início de carreira havia começado no Norte, onde a presença dos muros era uma constante – eles faziam assim parte do imaginário do arquitecto, habituado a vêlos no dia-a-dia; por isso, Souto de Moura via-se compelido a “trabalhar na transmutação, na transformação, na metamorfose”47 dos muros que transportava para a sua obra – situação particularmente evidente em Baião e Moledo onde os muros existentes foram manipulados e transformados para adquirirem a conformação que o arquitecto julgava a mais adequada; finalmente, um último factor, de ordem mais subjectiva, poderá também ter estado na origem da preferência pela utilização de uma estrutura de muros maciços – o fascínio que o tema da ruína, com os seus muros “belos pela sua estabilidade e precariedade”48 terá exercido no autor – novamente em início de carreira quando recebeu a encomenda de uma obra para a recuperação de uma habitação no Gerês [122]. Antes disso, no entanto, já havia experimentado o tema da ruína durante o estágio em projectos como a recuperação de uma ruína em Paços de Ferreira [123] ou o concurso “Uma Casa para Karl Friedrich Schinkel” [124]. 47 Herberto Helder, citado por Eduardo Souto de Moura. (Esposito, et al., 2003 p. 261) 48 Eduardo Souto de Moura em entrevista a Xavier Guell. (Gili, 1998 p. 124)
89
A estrutura parietal: do muro à caixa
[126] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia [125] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, planta
[128] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, fotografia
[127] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, planta
[129] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, fotografia
90
MACIÇO E PONTUAL
Como se manifesta, então, a estrutura maciça nas obras de Eduardo Souto de Moura em análise?
“ (...) quando eu pretendo o total isolamento dos muros e preciso de aberturas, as aberturas têm que ir até cima para diluir a laje. Mas depois existem dois defeitos: fica bem por fora e mal por dentro.” “E esse conceito do muro puro e duro isolado e com efeito pictórico poderia existir noutra maneira, e então daí as caixas.”, Souto de Moura in (Barbosa, 2006 p. 95)
49
Esta afirmação de Eduardo Souto de Moura é sintomática de uma recente alteração na sua obra: a passagem do muro – incluindo o de vidro – à caixa. As obras passam assim de uma composição baseada em muros soltos e maciços, compostos por estrutura e pele(s) que se evidenciam nos topos, para uma composição baseada em muros maciços sujeitos a viragens e à continuidade – que, juntamente com uma maior contenção no recurso aos materiais, conferem à obra final uma expressão de maior unidade e menor fragmentação. Como se verá em seguida, o campo desta Prova é constituído maioritariamente por obras que desenvolvem o primeiro tema – o muro isolado – associado à sua linguagem no início de carreira, a mesma que o próprio considera terminada e é, por isso, alvo deste estudo. No entanto, algumas excepções à regra já indiciavam uma pesquisa paralela em torno da caixa e da viragem dos muros. Refira-se, antes de começar a caracterização das obras, que entendemos serem as plantas dos edifícios os desenhos mais pertinentes para a abordagem desta questão, embora a relação dos planos de vidro com a laje da cobertura seja também importante50. Como primeira obra em análise, tomemos a reconversão de uma ruína no Gerês51. Aqui observamos a presença de um muro preexistente em pedra que vai sofrendo viragens nos cunhais, sendo apenas interrompido por um plano de vidro que faz a relação da casa com a paisagem [125]; a laje de cobertura cai como um “tampo” sobre os muros e o plano de vidro, que fica assim emoldurado [126]. A aparência final é, então, a de uma caixa. Em Nevogilde 1 a situação é mais complexa: a aparência exterior é a de uma caixa, mas o plano que separa a sala e os quartos dos espaços da garagem, cozinha e lavandaria assumese – pela sua altura e cor distinta [127],
[128]
– como um muro; de facto, atentando na planta da casa
reparamos que esse muro juntamente com outro, paralelo ao primeiro (ambos no sentido 49 Ambas as citações referem-se a uma entrevista efectuada por Joana Barbosa a Eduardo Souto de Moura,
presentes na Prova Final “O Detalhe Mínimo na Obra de Eduardo Souto de Moura”; apesar da segunda citação preceder a primeira, pareceu mais adequado optar por esta ordem de exposição. 50 Quando o plano de vidro sobre até à testa da laje de cobertura, dissimulando-a, consideramos que esse plano se expressa como muro; pelo contrário, quando o plano de vidro sobre até ao limite inferior da laje, pousando esta como um “tampo” sobre esse plano de vidro consideramos que o vidro emoldurado reforça a percepção de uma caixa. 51 Apesar de não poder ser entendida da mesma forma que as obras projectadas de raiz.
91
A estrutura parietal: do muro à caixa
[130] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, planta
[131] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, planta (secção)
[132] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, fotografia
[134] Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil, 1984-1989, fotografia
[135] Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil, 1984-1989, fotografia [133] Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil, 1984-1989, planta
[137] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
[136] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, planta
[139] Eduardo Souto de Moura, Casa em Nogueira, Maia, 19901993, fotografia
[138] Eduardo Souto de Moura, Casa em Nogueira, Maia, 1990-1993, planta
92
[140] Eduardo Souto de Moura, Casa em Nogueira, Maia, 19901993, fotografia
MACIÇO E PONTUAL
longitudinal) são os elementos essenciais da casa. No entanto, os planos de vidro dos topos sobre os quais pousa a laje da cobertura apresentam-se emoldurados, voltando a indiciar a presença da caixa [129]. A casa apresenta assim a contradição de pertencer a ambos os mundos. Na Casa 2 em Nevogilde a situação parece mais clara, se observada a planta da habitação [130]: aí verificamos a presença de muros soltos, ligados entre si por outros elementos – como as portas e os elementos de vidro – uma solução que garante a independência dos muros sem prejudicar a definição da fronteira interior/exterior52
[131].
O tema do muro é ainda acentuado
pelo facto deste não ser um muro unitário, mas antes um muro formado por várias camadas – pedra e tijolo – situação particularmente visível no interior da habitação
[132].
Na relação dos
elementos de vidro com a laje de cobertura a situação é mais complexa, dado existirem momentos onde o muro é acentuado e outros onde é antes a moldura e a caixa53. A Casa na Quinta do Lago [133-135] é um caso excepcional: a construção de uma casa no Sul não oferecia a Eduardo Souto de Moura, como matéria de projecto, os muros que este estava habituado a encontrar no Norte. Assim, não é de estranhar que esse tema não tenha tido expressão nesta casa que, pelo contrário, se afirma como uma caixa pelas razões inversas às já enunciadas a propósito dos exemplos das Casas 1 e 2 em Nevogilde. Já em Alcanena (e na Casa na Avenida da Boavista) regressaria o tema dos muros, como se pode observar na planta da habitação
[136].
Esses muros, para além de se estenderem na
paisagem recusando a definição da casa como um simples volume paralelepipédico, são compostos por sobreposições de materiais, por entre pedra, betão e tijolo, o que é ainda reforçado pela evidência dos diversos materiais nos topos. Além disso, os planos de vidro conformam-se, também eles, como muros de vidro que dissimulam a testa da laje, recusando assim a moldura e, consequentemente, a definição da caixa [137]. A habitação em Nogueira da Maia
[138]
apresenta, no que concerne à sua organização,
características semelhantes à Casa 1 em Nevogilde; no entanto, ao contrário da casa no Porto, na Maia o tema do muro aparece de uma forma muito mais explícita, como se pode constatar no muro de pedra (que é na realidade um muro duplo com caixa de ar54) que faz a divisória entre um percurso de acesso à habitação e a habitação propriamente dita; para além desse, outros muros, como o muro branco de betão e os muros de vidro
[140]
(que dissimulam a testa das lajes)
ajudam a reforçar a temática da casa em torno do muro distinguindo-a da Casa 1 em Nevogilde – uma casa que, pelas razões já anunciadas, é uma casa híbrida.
52 “O que sobra, o entre muros, é fechado a vidro, variando os vãos entre alumínio e madeira, conforme o gosto e a economia.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 92) 53 A evidência do tema do muro ou do tema da caixa tem uma relação directa com a dissimulação da testa da laje ou a sua evidência, como podemos constatar, respectivamente, nas figuras 239 e 240. 54 Situação dissimulada nos topos (que são rematados, por razões de estabilidade do muro, por blocos maciços de pedra [139]).
93
A estrutura parietal: do muro à caixa
[141] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, planta
[142] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, fotografia
[143] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, planta
[145] Eduardo Souto de Moura, Casa em Tavira, Algarve, 19911996, planta
[144] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, fotografia
[146] Eduardo Souto de Moura, Casa em Tavira, Algarve, 1991-1996, fotografia
[148] Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal, 1994-2002, fotografia
[147] Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal, 1994-2002, planta
94
MACIÇO E PONTUAL
Dois grupos de obras completam esta análise: um diz respeito a Moledo e Baião [141-144] e o outro a obras mais recentes de Eduardo Souto de Moura, situadas no limite do campo de estudo desta Prova Final: Tavira e Serra da Arrábida [145-148]. O primeiro grupo é de difícil caracterização, dada a essencialidade das próprias casas: podemos no entanto afirmar que, pela simplicidade volumétrica das mesmas, e pela ausência de muros soltos ambas parecem estar mais relacionadas com o tema da caixa do que com o tema dos muros – sobretudo a Casa em Moledo, pelo “tampo” – a laje de cobertura – que cai sobre as paredes maciças da casa emoldurando o plano de vidro do alçado principal da casa [142] – o que já não acontece em Baião, pois o envidraçado é um muro que dissimula a testa da laje [144]. As Casas em Tavira e na Serra da Arrábida apresentam o tema da caixa de uma forma evidente: as paredes de cor homogénea já não se apresentam soltas, como planos, mas antes como lados ou partes de volumes que sofrem torções e viragens
[145,147];
já não existem muros
de vidro, mas janelas [146,148] – um tema que Eduardo Souto de Moura ainda não havia resolvido enfrentar. Como resultado, estas habitações parecem menos abstractas – como o é a própria definição de plano – e mais próximas da arquitectura de Álvaro Siza55, figura sempre presente no percurso de Eduardo Souto de Moura.
55 Como se pode verificar pela estratégia subtractiva de retirada de massa das paredes para abrir as janelas, em ambas as casas, ou pelo lambrim exterior da casa na Serra da Arrábida.
95
O pilar isolado como complemento da estrutura parietal
[149] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia [150] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, fotografia
[152] Eduardo Souto de Moura, Casa em Miramar, Vila Nova de Gaia, 1987-1991, fotografia [151] Eduardo Souto de Moura, Casa em Nogueira, Maia, 1990-1993, fotografia
[154] Eduardo Souto de Moura, Silo Cultural, Matosinhos, 1998, fotografia
[153] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia
96
MACIÇO E PONTUAL
3.3. 3.3. O pilar isolado como complemento da estrutura parietal
É chegada a altura de revelar a totalidade da afirmação de Eduardo Souto de Moura, expressa no início do ponto anterior:
“O sistema construtivo é quase sempre o mesmo: paredes, tecto e pavimento em contínuo, em betão armado, e quando necessário um pilar metálico fora do contexto (ajuda a definir espaços).”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 92)
É assim que Eduardo Souto de Moura caracteriza o sistema construtivo que emprega na generalidade das suas casas: o arquitecto enuncia uma regra – a estrutura maciça em betão armado – e uma excepção – o pilar metálico. Note-se que esta regra e excepção, tal como são enunciadas, possuem já um carácter muito particular, dadas as referências aos materiais – o metal e o betão; no entanto, como é observável na obra do autor, parece-nos mais correcto afirmar como regra e excepção apenas as referências aos elementos arquitectónicos sem qualquer espécie de complemento posterior dado que, em determinadas obras, a estrutura maciça não é de betão mas em pedra e o pilar não é metálico mas em betão. Tal acontece na reconversão de uma ruína no Gerês: o esbelto pilar em betão [149] possui uma secção mínima – adequada, também, à dimensão mínima da casa – que corresponde à largura da parede divisória entre a zona de estar e a zona de dormir. Colocado no enfiamento dessa parede e sensivelmente à mesma distância das extremidades do plano de vidro da fachada, o pilar assume-se não só como um elemento de pontuação do espaço mas também como um reforço estrutural para a sustentação da laje de betão da cobertura. Situação idêntica ocorre na piscina interior da Casa 2 em Nevogilde: o pilar de secção rectangular
[150]
revelou-se necessário para resolver a falta de apoio da cobertura numa das
extremidades da sala, motivada pela presença do plano de vidro em “L”; já no piso inferior da Casa na Maia é a um pilar metálico [151] que cabe resolver o problema. Na Casa em Miramar encontramos mais do que uma situação pontual – mas que no entanto não nos parece suficiente para a considerar como uma regra: três pilares de secção circular [152] são dispostos em “L”, de novo para responderem à necessidade de sustentação da cobertura do edifício motivada pela presença de um extenso envidraçado. Por outro lado, num extremo do palco do auditório da Casa das Artes encontramos o que parece ser um pilar de secção circular
[153]
que serve, juntamente com uma escada e uma
parede, como elemento de composição de um cenário interior projectado pelo arquitecto. No entanto, esse pilar é, na realidade, uma conduta de ventilação (perceptível devido ao seu aspecto material e ao seu posicionamento em relação à estrutura maciça do edifício) situação que acontece também noutras obras, como no Silo Cultural [154]. 97
O pilar isolado como complemento da estrutura parietal
[155] Álvaro Siza, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1986-1996, fotografia
[156] Álvaro Siza, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1986-1996, fotografia
[157] Álvaro Siza, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1986-1996, fotografia
[158] Álvaro Siza, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1986-1996, fotografia
[159] Álvaro Siza, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1986-1996, fotografia
[160] Álvaro Siza, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1986-1996, fotografia
[161] Álvaro Siza, Casa Avelino Duarte, Ovar, 19801984, fotografia
[163] Álvaro Siza, Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela, 1988-1993, fotografia
[162] Álvaro Siza, Instituto Superior de Educação, Setúbal, 1986-1994, fotografia
98
MACIÇO E PONTUAL
Constatamos assim que Eduardo Souto de Moura recorre a elementos arquitectónicos pontuais para ajudar à definição dos espaços. No entanto, tais elementos surgem também por razões de ordem funcional – como elementos de suporte a lajes de cobertura ou elementos necessários ao sistema de ventilação do edifício.
“Tudo isto nos faz ver que Eduardo Souto de Moura, ao contrário de Mies, utiliza preferencialmente estruturas contínuas (...) e os apoios pontuais, quando existem, são de carácter excepcional, quase escultórico. (...) É visível neste gesto o antecedente próximo de Álvaro Siza, arquitecto com o qual Eduardo Souto de Moura trabalhou no início da sua carreira; já ele havia usado o pilar como complemento da estrutura parietal, assinalando nos seus edifícios momentos singulares na vivência dos espaços.” 56
Com efeito, não precisamos de nos afastar da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto para constatar esse facto: apesar da estrutura principal do edifício ser maciça em betão armado, vamos encontrando – pontuando os espaços – vários pilares com diversas secções: no átrio da secretaria no piso superior do bar
[157]
[155],
num dos átrios dos gabinetes dos docentes
e no remate – em novo átrio – da galeria de acesso às torres
[156], [158]
encontramos “normais” pilares de secção circular; porém, a relevância dada por Siza ao tema do pilar isolado é mais evidente ainda nos pilares de secção mais excêntrica, como o que encontramos no piso inferior do bar
[159]
e na rampa de ligação entre o átrio da secretaria e o
museu [160]. Para Álvaro Siza o valor destes pilares isolados ultrapassa a sua função estrutural: os pilares são alvo de um desenho cuidado, evidenciando a importância do tema para a caracterização dos espaços. É evidente a intenção de os integrar na linguagem da Faculdade: os pilares possuem, até determinada altura, um revestimento a mármore que os relacionam com os pavimentos e os lambrins, também no mesmo material. Em outras obras de Álvaro Siza o tema permanece visível: na Casa Avelino Duarte encontramos um pilar junto à lareira que mais parece fazer parte de um cuidado cenário projectado para o espaço da sala
[161];
no Instituto Superior de Educação, em Setúbal,
encontramos – tal com na Faculdade de Arquitectura – o tema do pilar isolado próximo do tema da escada, desta vez no átrio de acesso à cantina [162]; o tema volta a surgir no Centro Galego de Arte Contemporânea, como se pode ver no átrio principal do edifício [163]. Outras obras se poderiam apontar, mas a consideração essencial a reter é comum a todas elas: o pilar isolado aparece como complemento da estrutura parietal, propondo uma arquitectura na qual forma e estrutura são entendidas como um único corpo.
56 Citação do trabalho final de História da Arquitectura Contemporânea, do mesmo autor – ano lectivo 2005/2006.
99
Maciço e pontual: o contraponto de dois sistemas
[164] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
[165] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
[166] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia aĂŠrea
[167] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, axonometrias
100
MACIÇO E PONTUAL
3.4. 3.4. Maciço e pontual: pontual: o contraponto de dois sistemas
Os dois pontos anteriores explicitaram uma importante relação entre a forma e a estrutura na obra em estudo de Eduardo Souto de Moura; vimos, concretamente, que a utilização da estrutura maciça se manifestava, na obra do arquitecto, sob a forma de muros e caixas presentes em diversos graus, dependendo da obra em questão; como vimos, encontrámos obras onde o tema do muro era dominante mas também outras onde era a expressão da caixa que assumia maior relevância – e outras ainda que pertenciam aos dois mundos, consoante o ponto de vista, numa contradição natural e assumida pelo arquitecto. Vimos também que a utilização do pilar isolado correspondia quer a uma necessidade de reforço da estrutura, quer a uma vontade de caracterização dos espaços mediante o recurso a uma forma isolada no espaço; mesmo quando o pilar era, na realidade, um falso pilar – como na Casa das Artes ou no Silo Cultural – a função de marcar o espaço pela forma permanecia visível, apesar da função estrutural já não se encontrar presente57. A utilização da estrutura parietal enquanto muros e caixas bem como o recurso ao pilar isolado como complemento desta estrutura mostra-nos, de facto, que nos encontramos na presença de uma regra e de uma excepção à regra. A excepção funciona assim como elemento contraditório, apesar da excepção não ser suficiente para colocar a regra em causa. Qual será, no entanto, a maior contradição: a definição de uma regra e consequente reconhecimento do facto dela não poder prescindir de uma excepção (para se tornar mais evidente) – elemento que surge, por isso, a posteriori – ou a definição a priori de dois sistemas e de duas regras com igual relevância para o espaço, embora com reflexos distintos? Os dois sistemas e duas regras a que nos referimos são, evidentemente, o sistema parietal e o sistema porticado. No campo de estudo considerado, já reparámos que Eduardo Souto de Moura utiliza preferencialmente estruturas compostas por paredes maciças – situação particularmente clara no programa de habitação unifamiliar. O sistema porticado é praticamente inexistente, e quando encontramos um pilar não podemos afirmar que se trate efectivamente de um sistema – mas antes de um elemento isolado, uma excepção à regra. Não obstante, uma obra destaca-se do conjunto: referimo-nos ao Mercado Municipal em Braga, na altura em que a obra funcionava ainda com esse propósito. Nesta obra a estrutura parietal e maciça continua presente, sob a forma de extensos muros longitudinais e outros transversais, de dimensões mais reduzidas; os muros ainda não desenvolviam o tema das múltiplas faces, evidenciadas nos topos, mas mesmo assim o tema do muro possuía visibilidade e notoriedade próprios [164-167]. 57 Apesar da função estrutural não estar presente, está presente a função infraestrutural – não se trata, por isso, de forma pela forma.
101
Maciço e pontual: o contraponto de dois sistemas
[169] Eduardo Souto de Moura, Café do Mercado, Braga, 1982-1984, fotografia [168] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
[170] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, planta
[171] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, planta (secção)
[172] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, fotografia
[173] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, corte transversal
102
MACIÇO E PONTUAL
O muro no Mercado é um elemento estruturador dos percursos – relembre-se que o próprio Mercado surgiu como uma vontade de ligar dois pontos então isolados da cidade. Assim, é aos muros – em particular aos muros longitudinais – que cabe a tarefa de apontar uma direcção a seguir; um dos muros transversais – o do meio – também desempenha igual função, indicando um importante ponto de entrada no edifício (um ponto de transição entre as cotas principais do edifício [168]) ao mesmo tempo que aponta também para uma antiga construção agrícola que, em ruína, foi aproveitada para fazer um café
[169];
quanto aos restantes muros transversais, estes,
mais do que indicarem um percurso a seguir, indicam antes o limite físico do espaço do edifício. No entanto, o que torna o Mercado de Braga distinto das demais obras em estudo não é o tema dos muros – mas a rede definida pelo sistema pontual [170-172]. É conveniente esclarecer o que entendemos por sistema pontual, tanto mais que ainda há pouco referíamos um sistema porticado. Este último implica um pórtico, isto é, uma composição com base em pilares e vigas; o sistema pressupõe ainda lajes aligeiradas, compostas por vigotas, que completam o esqueleto; o sistema pontual é, na realidade, um sistema misto: as lajes são maciças, pelo que a presença das vigas, dada a inexistência de vigotas, já não se revela necessária; no entanto, os pilares mantêm-se como elementos estruturais, mas não formam o pórtico dada a ausência das vigas. Não é, portanto, nem um sistema maciço – pois não existem muros portantes – nem porticado – pois não existem pórticos, apenas pilares. À luz destas considerações, o protótipo “Dom-Ino” de Le Corbusier é, de facto, um sistema pontual devido à presença das lajes maciças em betão que dependem exclusivamente dos pilares para se suportarem, sem a presença de qualquer viga. O mesmo sucede no Mercado de Braga de Eduardo Souto de Moura. Assim, ao contrário dos exemplos vistos anteriormente que utilizavam o pilar isolado como complemento da estrutura parietal, o Mercado de Braga opta por colocar os dois sistemas – o maciço e o pontual – em confronto; nenhum dos sistemas surge como complemento ao outro mas ambos se assumem como sistemas autónomos e com propósitos distintos. Se o propósito do muro era o de indicar espaços para o movimento, o dos pilares era o de indicar espaços para a paragem; se do exterior a presença dos muros é dominante, no interior do Mercado o predomínio vai, pela sua forte presença, para o sistema pontual
[172]:
a rede de
pilares presente no Mercado de Braga – em especial a colocada à cota baixa – cria uma modulação do espaço produzindo uma regra que ordena e dá sentido à disposição das bancas58 [171]
– unificando arquitectura e mobiliário. Além dessa função espacial, a rede de pilares é
também estrutural – é ela que suporta a cobertura do Mercado, dividida em três tramos, encontrando-se os extremos em balanço
[173];
os muros, à excepção dos que definem os
compartimentos encerrados no piso inferior (no momento em que o Mercado passa de um a dois pisos) não chegam à cobertura.
58 “Por dentro é, ao passar, escolher entre os pilares.”, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 43)
103
Maciço e pontual: o contraponto de dois sistemas
[174] Mies van der Rohe, Pavilhão da Alemanha, Barcelona, 1929, planta (desenho preliminar de 1928)
[175] Mies van der Rohe, Pavilhão da Alemanha, Barcelona, 1929, planta (planta do pavilhão reconstruído entre 1981-1986)
104
MACIÇO E PONTUAL
Assim, sessenta e quatro pilares de secção circular – que podem ser lidos dois a dois segundo uma lógica de sucessão indiciada pela extensão do edifício, ou quatro a quatro se tivermos em atenção a disposição do mobiliário – marcam uma ordem que tem efectivamente repercussão na organização funcional do edifício: na primeira metade do edifício, como se pode ler na planta, a cada conjunto de quatro pilares que formam um módulo rectangular, de oito por seis metros e meio, correspondem seis bancas individuais dispostas em duas fiadas, sendo esta regra quebrada num ponto médio para permitir uma passagem entre elas – já que as fiadas se encontram fisicamente separadas por uma banca contínua; já na segunda metade do edifício a modulação imposta pela rede de apoios pontuais não tem tanto reflexo na disposição do mobiliário quanto o que tem na disposição das paredes de meação, transversais em relação à direcção dominante do edifício, que separam as distintas funções. Em síntese, constatamos que os muros e o sistema de pilares presentes no Mercado de Braga correspondem a duas regras que funcionam em paralelo, uma com a capacidade de gerar os percursos e outra com a capacidade de criar e diferenciar os vários momentos de paragem. Embora as duas regras possuam lógicas próprias e claras, é na sobreposição de ambas que surge, de uma forma natural, a “contradição como parte do projecto”. Reparemos agora no Pavilhão da Alemanha de Mies e nas palavras de Barry Bergdoll:
“While the freestanding walls channeled and directed space, the cruciform columns provided a palpable reading, a gauge or measure of space.”, Barry Bergdoll in (Riley, et al., 2002 p. 92)
Parece evidente o paralelo com o Mercado de Braga; também no Pavilhão de Mies os dois sistemas – maciço e pontual – parecem ser utilizados com propósitos distintos, mantendo cada um deles a sua especificidade e independência próprias – até porque a rede de pilares não surgiu em simultâneo com as paredes maciças [174], como indica Richard Padovan:
“The columns were slow to appear (...) The earliest surviving plans and sketches show quite recognizable versions of the design, with overhanging roof-slab, two courts containing pools, and a plinth approached by steps; but no columns.”, Richard Padovan in (Padovan, 2002 p. 164) A rede de pilares viria a surgir numa fase posterior da concepção da obra
[175]
e em
contraste com a disposição livre dos muros do Pavilhão, no que Padovan caracterizaria como uma “sobreposição de sistemas independentes mas contrapontuais” (Padovan, 2002 p. 164); a independência nascia, tal como o Mercado, das distintas tarefas atribuídas a um e ao outro: os muros do Pavilhão da Alemanha indicam os percursos, embora de uma forma mais livre do que a expressa no edifício de Braga, apontam a elementos importantes do projecto – como a estátua de Kolbe
[176]
– e servem como elementos pictóricos, como verificamos na parede em onyx; o
sistema de pilares, embora perceptível e cumprindo também um papel como elemento ordenador
105
Maciço e pontual: o contraponto de dois sistemas
[176] Mies van der Rohe, PavilhĂŁo da Alemanha, Barcelona, 1929, fotografia
[177] Mies van der Rohe, PavilhĂŁo da Alemanha, Barcelona, 1929, fotografia
106
MACIÇO E PONTUAL
e modulador do espaço, não tem a mesma presença da verificada na obra de Souto de Moura, talvez pelo reduzido número de pilares, pela sua secção mais esbelta, ou pela proximidade dos mesmos aos muros – salientando-se apenas uma excepção, junto à parede de onyx
[177]
em que o pilar ganha efectivamente maior visibilidade. O facto é também reconhecido
por Richard Padovan:
“The rationality of the pavilion’s structure was apparent only in plan; in three dimensions, the complete structural Bay defined by four columns was nowhere visible. The walls played an ambiguous role, threatening to usurp that of the columns.”, Richard Padovan in (Padovan, 2002 pp. 164-165)
No entanto, o que referíamos anteriormente continua a parecer válido: quer no Mercado de Braga de Souto de Moura, quer no Pavilhão da Alemanha de Mies, a estrutura maciça e a estrutura pontual são utilizadas como duas entidades complementares mas distintas, como duas regras que a dado momento se cruzam no projecto originando uma contradição natural.
107
108
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
4. Evidência e Dissimulação Dissimulação
Evidenciar e dissimular são duas competências fundamentais de um arquitecto. É o seu correcto exercício que permite, numa obra arquitectónica, revelar o que é essencial e dissimular tudo aquilo que, tendo que existir, não carece de tal exposição. Esta afirmação, mais do que uma lei precisa e imutável, corresponde a uma convicção pessoal do acto de projectar consolidada ao longo destes anos de formação académica. A evidência e a dissimulação atravessam as várias escalas do projecto, desde a percepção global ao pormenor. A resolução do pormenor na obra de Eduardo Souto de Moura é, de facto, um problema central, mas não pode ser encarado como uma obsessão formalista. O pormenor não é uma obsessão formalista como era para Mies. Para Souto de Moura os pormenores fazem parte integrante da obra e têm que ser resolvidos de forma a conferirem-lhe economia e coerência sem se sobreporem a ela, mesmo que para tal seja preciso omitir e dissimular o pormenor de forma a evidenciar a imagem global do projecto:
“O que eu quero é o detalhe eficaz, ou seja, não quero que a obra não tenha detalhe e fique grosseira nem que a obra tenha demasiado detalhe e fique pretensiosa. (...) É mínimo para ele ter suporte físico; se é mais mínimo... entra água, se é mais máximo pode afectar a leitura global da obra.”, Souto de Moura in (Barbosa, 2006 p. 94)
Essa redução traduz-se numa mentira, só possível mediante a resolução de pormenores construtivos para que sistemas complexos compostos por materiais obrigados a “massacres de espessuras” revelem, no exterior, uma imagem de simplicidade e naturalidade ao edifício – imagem possível mediante a dissimulação de “tudo aquilo que, tendo que existir, não carece de tal exposição”:
“A aparente simplicidade das imagens obriga sempre a soluções tortuosas, a massacres de espessuras, alterando os materiais. Como é que o mesmo muro interior pode sair para o exterior apresentando-se com o mesmo aspecto?”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 93)
Esta imagem simples e natural traduz um aspecto minimal precisamente por poucos elementos construtivos transparecerem para o exterior, mas é necessário algum cuidado na utilização do termo, não confundindo o processo da Minimal Art – que teve particular relevância na América – e que combateu o excesso de informação que imperava na arte, procurando o seu despojamento – com a utilização actual do minimal, que Souto de Moura classifica como um fenómeno de preguiça mental e uma moda de uma época, unicamente pictórica:
109
[178] Fundação Chinati, Texas, fotografia
[179] Donald Judd, Instalação permanente de obras em betão, Fundação Chinati – Texas, 1980-1984, fotografia
[180] Donald Judd, Instalação permanente de obras em betão, Fundação Chinati – Texas, 1980-1984, fotografia
[181] Donald Judd, Instalação permanente de 48 trabalhos na barraca de artilharia Sul, Fundação Chinati – Texas, 1982-1986, fotografia
[182] Donald Judd, Instalação permanente de 52 trabalhos na barraca de artilharia Norte, Fundação Chinati – Texas, 1982-1986, fotografia
[183] Donald Judd, Fundação Chinati – Texas, planta
110
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
“ (...) há uns anos o minimal tinha um sentido importante ideológico porque a arquitectura era excessiva (...) hoje, para mim, o minimal é sinónimo de falta de trabalho e de ideia.”, Souto de Moura in (Jordão, 2002 p. 17)
Donald Judd permanece como a referência central de Eduardo Souto de Moura no que diz respeito ao minimalismo como processo. Como arquitecto e cliente em simultâneo, Judd procedeu a intervenções arquitectónicas em edifícios ou conjuntos de edifícios preexistentes, de forma a adaptá-los à exposição de obras de arte. Judd era um crítico do papel que os museus estavam a desempenhar como mediadores entre a obra de arte e o público, considerando que o desrespeito pelas obras de arte compreendia factores como o seu manuseamento e transporte – no intensivo ciclo expositivo, entre museus – mas sobretudo uma inadequação total entre a obra e a arquitectura envolvente. Foi como resposta ao último problema que Judd interveio em Marfa, Texas – no que viria a ser a Fundação Chinati
[178-183]
– recuperando e alterando uma série de edifícios existentes de
forma a transformá-los em espaços para exibição de arte de uma forma mais permanente – escapando por isso ao ciclo temporal dos museus tradicionais – e, sobretudo, proporcionando aos artistas convidados – e a si mesmo, o principal cliente do projecto – uma maior liberdade na manipulação da relação entre a obra de arte e a arquitectura e paisagem envolventes. Esta vontade do artista desenhar o próprio espaço expositivo, para melhor adequar a sua obra à envolvente, havia sido bem expressa por Mies e pela sua exposição no Museu de Arte Moderna em Nova Iorque, em 1947
[184-186].
Com efeito, e como demonstra o texto de Terrence
Riley “Making History: Mies van der Rohe and The Museum of Modern Art”59, a exposição de Mies foi mais do que a exposição de alguns dos seus projectos – foi um projecto em si mesmo. Um projecto de fragmentos e unidade na composição espacial do recinto – de influência Neoplástica – de onde se destaca a presença de quatro planos soltos – fragmentos – que, em conjunto com a ordenação do mobiliário, delineavam o espaço sem recurso a elementos de compartimentação – unidade; Igualmente, um projecto de fragmentos e unidade no modo de apresentação das obras: de fragmentos por se exporem obras isoladas, devidamente identificadas e caracterizadas; de unidade, como constatava Riley60, pois a exposição de Mies não revelava preocupações de ordem temática, cronológica ou narrativa – preferindo encarar as suas obras como fragmentos, mas inseridas numa unidade mais vasta – à semelhança da concepção de cidade para Rossi.
59 Terrence Riley (Riley, et al., 2002) 60 “Mies’s presentation of his work should be judged not as a historical account but as a project in itself. Like many of his best projects, it was collagelike in appearance – a product of studied excisions and additions that must be looked at both as a whole and in part. Inasmuch as the design had no linear narrative, it had no beginning and no end; Mies unsurprisingly focused on the evolving nature of his work, rather than on an accounting or summation.”, Terrence Riley in (Riley, et al., 2002 p. 15)
111
[184] Mies van der Rohe, Espaรงo expositivo para o Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, 1947, planta
[185] Mies van der Rohe, Espaรงo expositivo para o Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, 1947, fotografia (Herbert Matter)
[186] Mies van der Rohe, Espaรงo expositivo para o Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, 1947, fotografia (Charles Eames)
112
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
Toda esta concepção evidencia uma adequação extrema entre os projectos apresentados e o espaço expositivo, também ele um projecto de Mies. A simplicidade que o arquitecto alemão empregou na concepção desta exposição faz-nos regressar a Donald Judd. Com efeito, a igual simplicidade de meios utilizada por Judd e a redução das acções ao mínimo, durante a transformação das estruturas existentes – e após uma atenção particular ao lugar, e às pré-existências – é o que caracteriza a sua acção enquanto arquitecto minimal, isto é, uma arquitectura minimal como processo e não como uma imagem a priori. É tendo em conta esta última consideração que se deve entender a atitude de dissimulação presente em Eduardo Souto de Moura, enquanto atitude minimal.
113
Evidência e dissimulação de elementos estruturais no alçado
[187] Mies van der Rohe, Casa Farnsworth, Illinois, 19451950, planta (pormenor)
[188] Mies van der Rohe, Casa Farnsworth, Illinois, 19451950, fotografia
[189] Mies van der Rohe, Crown Hall, Chicago, 1950-1956, planta (pormenor)
[190] Mies van der Rohe, Crown Hall, Chicago, 1950-1956, fotografia
[191] Mies van der Rohe, Chemical Engineering and Metallurgy Building, Chicago, 1945-1946, planta (pormenor)
[192] Mies van der Rohe, Commons Building, Chicago, 1952-1953, fotografia
[193] Mies van der Rohe, Seagram Building, Nova Iorque, 1954-1958, planta (pormenor)
[194] Mies van der Rohe, Seagram Building, Nova Iorque, 1954-1958, fotografia
114
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
4.1. Evidência e dissimulação de elementos estruturais no alçado
Os alçados de um edifício são muitas vezes a face da ideia arquitectónica subjacente à obra. A sua composição pode variar em função da ideia arquitectónica e das condicionantes presentes no lugar – variação que acontece não só entre obras distintas mas também dentro da mesma obra, expressa nos seus alçados. Um dos pressupostos desta Prova Final – motivado pelo conhecimento prévio da obra do arquitecto em estudo – prende-se com a importância que o mesmo atribui à concepção estrutural da obra arquitectónica. Surge imediatamente uma questão central, motivada por este pressuposto e pelo entendimento do alçado de um edifício como possível face de uma arquitectura: qual a relação entre os elementos estruturais e a composição dos alçados na obra de Souto de Moura? A relação da obra de Souto Moura com a de Mies poderá, por oposição, ajudar a esclarecer esta problemática:
“Mies, na casa Farnsworth, expõe a estrutura do edifício nos alçados exteriores: os perfis em I são colocados fora da “caixa”, a qual parece assim estar suspensa e não apoiada. [187,188] No edifício Crown Hall a situação é semelhante – a estrutura também é colocada fora da caixa: a presença do porticado na fachada produz um forte efeito de modulação no edifício, a presença das quatro asnas que se elevam sobre e suspendem a cobertura também se faz notar de forma evidente no exterior
[189,190];
os oito pilares que suportam estas asnas, de secção maior que os
restantes 64, também são perceptíveis do exterior. De facto, a necessidade de um espaço interno livre de pilares levou Mies a toda esta elaboração estrutural que depois não quis, naturalmente, esconder dentro da caixa. Por outro lado, no Commons Building e no Chemical Engineering and Metallurgy Building, a estrutura está a meio, entre a fachada e o espaço interno
[191,192].
Se atendermos à natureza dos
edifícios, construídos em tijolo, vidro e aço, percebemos que a atitude de Mies foi mais “terrena”, tornando os edifícios mais económicos do ponto de vista construtivo. Não nos podemos esquecer que esta foi a resolução empregue na maior parte dos seus edifícios no IIT, pelo que tinha necessariamente que ser a mais económica possível sem perder, contudo, a sua clareza estrutural. Finalmente, no Seagram Building, encontramos a estrutura principal ocultada dentro da “caixa” do edifício e embebida em betão [193]; a razão desta ocultação foi a resposta a duas questões distintas: por um lado, o cuidado desenho da fachada cortina
[194]
que os perfis estruturais – de
dimensões consideráveis – iriam deturpar61; por outro, a exigência da protecção da estrutura contra o fogo, bem presente nestes edifícios de elevada altura.
61 O que não impediu Mies van der Rohe de expor na fachada perfis verticais, de dimensões mais reduzidas, mas que não constituem a estrutura real (não tocam sequer no pavimento).
115
Evidência e dissimulação de elementos estruturais no alçado
[196] Mies van der Rohe, Seagram Building, Nova Iorque, 1954-1958, planta (pormenor)
[195] Mies van der Rohe, Seagram Building, Nova Iorque, 1954-1958, corte vertical
[197] Mies van der Rohe, Seagram Building, Nova Iorque, 1954-1958, fotografia
[199] Mies van der Rohe, 860 Lake Shore Drive, Chicago, 1948-1951, planta (pormenor)
[198] Mies van der Rohe, 860 Lake Shore Drive, Chicago, 1948-1951, corte vertical
[200] Mies van der Rohe, 860 Lake Shore Drive, Chicago, 1948-1951, fotografia
116
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
Tudo isto leva a crer que, para Mies, a questão da estrutura “dentro, entre, fora” não é mera variação formal, mas é antes resultante das exigências dos espaços e dos edifícios. No entanto, a presença dos perfis metálicos nas fachadas é constante, ainda que se trate de perfis secundários e a estrutura principal se encontre no interior.” 62
Os exemplos anteriores são explícitos no que diz respeito à relação da estrutura principal do edifício com o plano da fachada, mas o que dizer dos elementos estruturais sem função estrutural (os perfis falsos, colocados no exterior) que Mies expõe na fachada do Seagram? Para responder à última questão é necessário esclarecer – e ampliar – o conceito de estrutura segundo o entendimento de Mies van der Rohe. Para o arquitecto alemão estrutura não era apenas a estrutura física presente nos edifícios, garantia da firmitas Vitruviana, mas era também a estrutura da sociedade e da sua cultura sempre entendida de acordo com o seu espaço e tempo. Como refere Detlef Mertins, essa estrutura social era invisível – e a clarificação da mesma, para Mies, dependia de uma passagem do invisível ao visível, do dissimulado ao evidente, revelando a forma de uma época histórica, consolidando-a e convertendo-a em património futuro63, uma passagem que Mies procurou transpor para os seus edifícios e espaços públicos – testemunhos da sua época – mediante a actuação da arte, da ciência e da tecnologia – esta última convertida em “building art”64. Compreendido o parágrafo anterior, podemos inferir que a evidência dos falsos pilares nas fachadas do Seagram Building
[195-197]
pode representar este desejo de ordenar, de
representar num edifício a estrutura de uma sociedade industrial, fortemente regrada e ordenada, ligada a um espaço e tempo de grande desenvolvimento – a América. No entanto, a maior representação é a da estrutura real do edifício, que também é composta por perfis metálicos. Não se trata, portanto, de uma mentira mas de uma forma distinta de encarar a verdade. O Seagram, o Federal Center e os apartamentos Esplanade e Lake Shore Drive evidenciam estes elementos estruturais, conferindo aos alçados uma forte modulação; Lake Shore Drive apresenta ainda uma característica particular que o distingue dos outros: a cortina de vidro não é contínua, mas interrompida pelos elementos reais da estrutura
[198,199]
– os pilares e
as lajes – que são protegidos unicamente por uma chapa metálica de espessura reduzida; como resultado, o edifício evidencia nos alçados uma modulação principal (expressão da estrutura real) e uma secundária, expressa pelos perfis metálicos não coincidentes com a estrutura real do edifício [200]. Assim, a verdade parece mais evidente do que no Seagram Building. 62 Citação do trabalho final de História da Arquitectura Contemporânea, do mesmo autor – ano lectivo 2005/2006. 63 “For Mies, clarification might further be understood as a process of mediating the passage from the invisible to the visible (...) Clarifying “the spiritual and cultural inner connections” meant bringing the underlying form (…) of a historical epoch to visibility (...) ”, Detlef Mertins in (Lambert, 2001 p. 602) 64 “ (...) man’s spatial dialogue with his environment and demonstrates how he asserts himself therein and how he masters it.”, Mies van der Rohe citado por Detlef Mertins in (Lambert, 2001 p. 604)
117
Evidência e dissimulação de elementos estruturais no alçado
[201] Eduardo Souto de Moura, Casa em Miramar, Vila Nova de Gaia, 1987-1991, plantas
[202] Eduardo Souto de Moura, Casa em Nogueira, Maia, 1990-1993, plantas
[203] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, plantas
118
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
Em Eduardo Souto de Moura a situação é distinta, não sendo particularmente visível, nos alçados das obras em estudo, a evidência de elementos estruturais. Encontramo-nos perante uma atitude de dissimulação: a expressão exterior dos sistemas construtivos é reduzida ao mínimo essencial – uma mentira necessária para que, no final, as coisas complexas aparentem ser simples, como o próprio reconhece:
“ (...) há necessidade de mudança, da aparência simples das coisas, artificial porque condensa sistemas complexos e contranatura. Podemos adiar, forçar, mas um só muro unitário de pedra com 20 centímetros de espessura não pode responder ao comportamento diferente dos materiais no exterior, no interior, na pele e na estrutura, e há ainda a maldita ponte térmica a resolver, que nos obriga a mentir e estar sempre a mudar.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 365)
Assim, em vez de evidenciar o papel dos elementos estruturais – como Mies – Eduardo Souto de Moura opta pela sua dissimulação. O que vemos nos edifícios em estudo, a partir do exterior, são planos contínuos de materiais distintos sem a preocupação expressa na obra miesiana em criar uma modulação evidente no edifício, transmitida pela repetição regrada de elementos construtivos visíveis a partir do exterior. O que vemos são, por vezes, peles – que, embora não estabelecendo uma relação de contranatura com a estrutura principal do muro, a dissimulam:
“Hoje os muros são pictóricos, imagens minerais, porque o que protege e e eficaz, fica por trás, não se vê.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 92)
É no entanto possível arguir esta posição, defendendo que a estrutura se mantém, apesar de tudo, exteriormente evidente na obra de Souto de Moura. De facto, o sistema estrutural é, na sua maioria, composto por paredes portantes em betão (raras vezes em granito, como em Miramar
[201]
e na Maia
[202])
que, do exterior, revelam igualmente esse carácter maciço. A
verdadeira dissimulação ocorreria se, por trás desse aspecto exterior maciço, se encontrasse um sistema porticado – como se verifica na Casa das Artes
[203]
(apesar de considerarmos tal facto
irrelevante para a expressão material do edifício, que não deixa por isso de ser maciça). A razão porque consideramos que a estrutura se mantém, apesar de tudo, evidente no exterior é simples: da mesma forma que Mies não precisou de expor a estrutura real dos seus edifícios (evidenciando até uma falsa) para mostrar que eram edifícios com um esqueleto metálico, Souto de Moura não precisa de expor as paredes de betão (dissimulando-as sob peles) para mostrar que os seus edifícios são maciços. Evidenciar é mais do que tornar visível, e dissimular não significa esconder. A verdade em arquitectura não precisa necessariamente de ser uma verdade absoluta, como se verá em seguida.
119
A dissimulação da verdade – ou a evidência da mentira
[204] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, planta (secção)
[205] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
[206] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
[207] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 19871992, fotografia
120
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
4.2. A dissimulação da verdade – ou a evidência da mentira
“La parole a été donnée à l’homme pour déguiser sa pensée.”65 É precisamente a questão da dissimulação da verdade – ou a mentira arquitectónica – que será abordada de seguida. Mies, para Souto de Moura, foi um arquitecto que procurou alcançar a verdade na arquitectura – o seu arquétipo – mas que não a conseguiu atingir na totalidade – tendo que esconder, dissimular, criar estruturas falsas:
“Mies simulou a verdade: pilares de bronze que não são de bronze – são de betão que envolve pilares de aço no seu interior –, fachadas com pilares que não chegam ao solo, elevadores que parecem de mármore (...) ”, Souto de Moura in (Cecilia, et al., 2005 p. 18)
Mas, se para Mies a busca da verdade era o objectivo da sua arquitectura, para o arquitecto português a falta de autenticidade dos seus projectos não é algo que o perturbe, preferindo antes optar por uma simulação dessa autenticidade:
“Preocupa-me mais criar um sistema que pareça autêntico (…) a representação de uma autenticidade, não a autenticidade em si mesma. (…) não estou interessado no problema ético de ser autêntico (…) ”, Souto de Moura in (Cecilia, et al., 2005 p. 9)
Segundo esta lógica, se um muro não pode ser constituído unicamente de pedra, é concebido, como solução, um sistema no qual a pedra entre como um dos elementos. Se a simplicidade não funciona, por ser simplista, a solução é a complexidade – leia-se de novo Edgar Morin, muitas vezes citado por Eduardo Souto de Moura:
“É preciso andar sempre na direcção da simplicidade, mas se o mundo rejeita a simplicidade torna-se necessário voltar à complexidade.”, Edgar Morin citado por Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 436)
A esta concepção correspondem, precisamente, os muros da Casa em Alcanena 207].
[204-
Estes são muros que podem ser acusados de mentir. Parecem de pedra, mas não são
unicamente de pedra, são muros com uma dupla face: uma estrutural, outra pictórica. A autenticidade da pedra é, por assim dizer, simulada. Mas estará a verdade realmente escondida?
65 “A palavra foi dada ao Homem para disfarçar o seu pensamento.”, Charles-Maurice Talleyrand (Guimbretiere)
121
A dissimulação da verdade – ou a evidência da mentira
[208] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia
[209] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia
[210] Eduardo Souto de Moura, Projecto Burgo, Porto, 1990-1991, fotografia
[211] Eduardo Souto de Moura, Projecto Burgo, Porto, 19901991, fotografia
122
[212] Eduardo Souto de Moura, Projecto Burgo, Porto, 1990-1991, fotografia
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
Dissimular não é esconder. Só se mente, na realidade, se os outros acreditarem que estamos a dizer a verdade. A diferença entre esconder e dissimular prende-se essencialmente com a vontade do arquitecto em mentir, unicamente, ou mentir dizendo, também, a verdade. Na Casa das Artes, se tomarmos um ponto de vista perpendicular ao muro longitudinal do edifício que faz frente para o jardim, reparamos que esse muro é, aparentemente, em pedra [208].
Mas se observarmos esse mesmo muro de topo reparamos que, afinal, esse muro não é um
muro composto unicamente por pedra mas também por tijolo (no seu topo)
[209].
É, portanto, um
muro de duas faces que Eduardo Souto de Moura opta por revelar. Assim, a mentira observável do jardim é prontamente denunciada pelo arquitecto: a real estrutura do muro não foi escondida, mas foi dissimulada. O arquitecto mente, mas diz a verdade. Em Alcanena a necessidade de denunciar a mentira passou pela rotação do edifício a 45º em relação à implantação inicial, que se apoiava na direcção do vinhedo existente. Se a entrada fosse axial e o muro de pedra a norte se apresentasse como um plano paralelo à entrada, o muro – e por consequência a casa – pareceriam de pedra; com a rotação o edifício passou a apresentar-se de escorço em relação à entrada, revelando a dupla face do muro norte – não só em pedra mas também em betão rebocado – e um dos ângulos do pátio exterior da casa – revelando um outro material: o tijolo. As palavras do arquitecto são elucidativas: “Se a entrada tivesse sido axial todos teriam pensado numa casa em pedra, e teriam tido uma falsa impressão; efectuando a rotação mostro o reboco, denuncio a fachada de pedra mas deixo perceber que a casa não é de pedra.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 143) A mentira evidenciada é um tema que tem vindo a interessar Souto de Moura. Mostrar a mentira aparece como resposta à falta de autenticidade dos objectos, motivada também por uma das conquistas do Movimento Moderno que o arquitecto, apesar de referir, não cumpre: “ (...) acabámos com a parede resistente por meio da estrutura Dom-Ino (...) e a substituímos por uma pele (...) falar de autenticidade não tem sentido.”, Souto de Moura in (Cecilia, et al., 2005 p. 9) É, por isso, um tema que surge naturalmente na sua obra – recorde-se uma conferência, em 2006, na qual Eduardo Souto de Moura se referiu à torre do Burgo precisamente no âmbito da mentira denunciada: de uma maneira sucinta, o arquitecto referiu-se à aparência externa do edifício como uma sucessão de peças empilhadas, em particular aos módulos de separação das janelas que pareciam extensos paralelepípedos que percorriam o edifício de um extremo ao outro [210]
– reforçando essa ideia de empilhamento; no entanto, essa autenticidade não corresponde à
verdade, pois esses módulos são peças com pouca espessura, integrantes da fachada estrutural mas que não invadem o espaço interno do edifício; a mentira, como o arquitecto refere, é denunciada pela porta
[211],
local onde esse elemento revela a sua verdadeira espessura
deixando perceber a real profundidade das restantes peças verdade, que parecia escondida, é antes dissimulada. 123
[212].
A mentira é evidenciada e a
A dissimulação da verdade – ou a evidência da mentira
[213] Álvaro Siza, Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela, 1988-1993, fotografia
[214] Álvaro Siza, Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela, 19881993, fotografia
124
[215] Álvaro Siza, Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela, 1988-1993, corte vertical
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
Álvaro Siza terá desempenhado um papel determinante para a compreensão, por parte de Souto de Moura, da importância de, numa obra de arquitectura que não pode ser autêntica, simular essa autenticidade sem esconder a verdade construtiva do edifício, dissimulando-a, evidenciando a mentira. Siza demonstra como um arquitecto pode mentir e, ao mesmo tempo, dizer a verdade: o acto criativo é em tudo semelhante a uma tragédia clássica: da protasis – introdução, vontade de ser autêntico – à epitasis – o conflito entre essa vontade e a sua impossibilidade –, passando pela katastasis – o clímax onde se é obrigado a mentir – culminando na katastrophe – o desfecho: a evidência da mentira. O edifício do Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela, constituiu, para Souto de Moura, uma verdadeira lição sobre esta arte de saber mentir: o aspecto do edifício revela uma robustez transmitida pela aparência de uma construção maciça em blocos de pedra
[213]
– protasis, vontade de ser autêntico; os cunhais do edifício, pontos críticos de
qualquer construção, revelam igual robustez, confirmando o carácter maciço dos blocos de pedra [214];
é, no entanto, uma robustez simulada: o edifício não é em pedra, é em betão revestido a
pedra – a epitasis, impossibilidade de ser autêntico; no entanto, o desenho das peças dos cunhais, “ângulos de pedra”, esconde essa verdade, fazendo crer que o edifício é mesmo composto por blocos maciços em pedra – a katastasis, a necessidade de mentir. A evidência da mentira encontra-se nas janelas [215] – atinge-se a katastrophe:
“Quando chega às esquinas faz “ângulos” de pedra, simulando a estereotomia. (...) Mas quando chega às janelas não faz assim e a pedra vê-se suspensa pela estrutura auxiliar. (...) Os ângulos estão muito bem dissimulados nas esquinas, mas nas janelas não lhe pareceu necessário. (...) a mim sim parecia-me necessário: acreditava que nesse edifício não se devia perceber a espessura real em nenhum momento. (...) escrevi-lhe um fax com uma citação de (...) Nietzsche que dizia assim: “A face que está dizendo a mentira, diz a verdade”. Essa inconsistência é a indicação que o edifício não é de pedra.”, Souto de Moura in (Cecilia, et al., 2005 p. 13)
Assim, só a um olhar atento é que o edifício revela o seu carácter, a sua natureza, as suas tensões internas; ao público em geral, alheio a estas questões, a tensão é dissimulada – até mesmo nos cunhais – para que a sensação de conforto e segurança não seja colocada em causa. Como refere Eduardo Souto de Moura, o público não se pode aperceber do “sofrimento do animal”:
“O que se procura é a naturalidade, a disposição certa, o porte do animal. Um bicho, nunca é uma massa mole dentro de uma silhueta, tem uma anatomia interior que o segura e faz mexer. Então chegam os Engenheiros, que trabalhando em equipa procuram esconder o esforço dos resultados. O público para gostar e se sentir bem não deve aperceber-se das dificuldades, sentir o esforço dos outros. O animal não pode gemer.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 61)
125
A dissimulação da verdade – ou a evidência da mentira
126
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
A propósito da contradição expressa no Centro Galego de Arte Contemporânea (a simulação da verdade nos cunhais e a evidência da mentira nas janelas) Álvaro Siza diz simplesmente:
“Bem, quero simular mas não quero mentir”, Álvaro Siza in (Carvalho, 2007 p. 63)
A
evidência
da
mentira
é,
assim,
um
acto
contraditório
e
complementar
à dissimulação da verdade, ambos decorrentes da impossibilidade de ser verdadeiramente autêntico em arquitectura. Autênticas são as ruínas – embora também o possam não ser, se forem inventadas. O tema será abordado adiante na Prova Final, embora o pudesse ser abordado também neste momento – mais uma evidência do carácter transversal dos temas na obra do arquitecto.
127
Evidência e dissimulação da obra no lugar
[216] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 19811988, fotografia
[217] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, implantação
[218] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, fotografia
[219] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, axonometria
128
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
4.3. Evidência e dissimulação da obra no lugar
É impossível desenvolver a temática da dissimulação da obra no lugar sem referir a Casa das Artes. Uma das condicionantes desta obra prendia-se com o lugar, que para Souto de Moura já estava consolidado. Qualquer intervenção corria, então, o risco de se sobrepor a uma ordem pré-existente, destruindo uma relação equilibrada entre o jardim e a casa pré-existentes66. A solução que o arquitecto encontrou para resolver o problema foi a dissimulação da obra no lugar. Esta necessidade pedia ao arquitecto que a obra se conformasse como um banal muro em granito, semelhante a todos os outros muros que, no Norte do país, ainda desempenham o importante papel de definir as propriedades; a banalidade de um muro deste tipo contribuía, assim, para a dissimulação da obra vista do jardim, como Souto de Moura refere:
“Não era necessário fazer nada, já estava tudo definido e equilibrado. (...) o edifício é anónimo, do jardim não se dá pela sua presença.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 77)
A Casa das Artes encontra-se dissimulada no seu lugar [216,217] – lugar esse que mantém um equilíbrio calmo e uma sensação de tranquilidade motivada por esta ausência de esforços e resultante da cuidada relação entre Artefacto e Natureza, como se verá adiante no ponto 5; nem a Casa de Marques da Silva, nem o jardim e as suas ruínas, nem a nova obra se debatem para se colocarem em evidência umas em relação às outras; o que existe é um silêncio, uma coexistência de objectos diferentes de tempos diferentes sem nenhum deles ambicionar o protagonismo. A habitação unifamiliar em Moledo do Minho é outro exemplo notável desta dissimulação da obra no lugar. Aqui, o lugar “é” os socalcos, e a obra é um socalco
[218,219].
Esta obra estaria
completamente dissimulada sob o terreno, se não fosse a presença de um plano de vidro, indispensável para a habitabilidade da casa. A concepção do percurso de entrada consolida este carácter dissimulado da obra: percorrendo a pé o extenso e íngreme percurso de acesso à casa, passada a ruína que nos surge a meio caminho entre a entrada e a casa [232], não nos apercebemos que a casa começa a surgir à nossa esquerda, no alto, escondida por entre a folhagem da ampla arborização existente no lugar. O plano de vidro da casa vai surgindo ao longe, por breves instantes, para ser novamente ocultado pela Natureza.
66 Esta obra foi abordada, sob outra perspectiva no ponto 2.2 desta prova final. Se até ao momento ainda não foi claro, começam-se agora a desfazer as dúvidas: a compreensão da obra de Eduardo Souto de Moura resulta incompleta se a reduzirmos a um só tema, pelo que o estudo global que se propõe nesta prova final é aquele que, no nosso entender, melhor se adequa à obra e ao autor.
129
Evidência e dissimulação da obra no lugar
[220] Mies van der Rohe, Casa Riehl, Neubabelsberg, 1907, fotografia
[221] Mies van der Rohe, Neubabelsberg, 1907, planta
[222] Álvaro Siza, Casa Alves Costa, Moledo do Minho, 19641971, fotografia
Casa
Riehl,
[223] Álvaro Siza, Casa Alves Costa, Moledo do Minho, 1964-1971, fotografia
[225] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, fotografia
[224] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, axonometria
Fig.226 – Casa em Baião (alçado principal), Eduardo Souto de Moura
130
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
É neste jogo de dissimulações e evidências que percorremos os socalcos, e atingimos a casa, animada por um percurso repleto de intermitências que, dessa forma, a protegem do exterior. Os muros – incluindo o da casa (socalcos) e o percurso são, em Moledo, os elementos de dissimulação da obra no lugar. Este é, porventura, o momento ideal para falar de Mies e da Riehl House (1907), uma das primeiras obras que o arquitecto realizou na sua carreira, ainda na Alemanha. Esta era uma casa que “vivia para dentro”, protegendo-se atrás de um extenso muro de delimitação do lote [220] que definia um também extenso jardim privado67. Mas, além do muro, o percurso de entrada na casa também havia sido concebido de forma a proteger a habitação do exterior68
[221].
Muro e
percurso, tal como na Casa em Moledo de Souto de Moura, referida há pouco, foram aqui usados como elementos de dissimulação da casa no lugar de forma a garantir a privacidade da casa e uma vida doméstica mais voltada para a família e menos para a representação social69. A relação da Riehl House com as outras casas presentes na envolvente próxima – “Italian Renaissance villas, turreted German Renaissance manses, even a towered villa with a frieze of Assyrian lions”70 – lembra-nos a Casa Alves Costa, de Álvaro Siza. Também ela, inserida mas destacada de uma envolvente repleta de casas “de ostentação”, preferiu a calma de se virar para dentro
[222],
configurando um pátio privado
[223]
onde a vida doméstica se desenrolaria de uma
forma distinta da proporcionada pelos amplos jardins de representação das casas envolventes, situados na frente destas e em franca exposição com a rua. A casa de Siza é, também ela, uma casa que adopta uma estratégia de dissimulação no lugar. A Casa em Baião é, como já se viu no capítulo anterior, uma casa muito próxima da de Moledo. Também aqui, no que diz respeito à sua dissimulação no lugar, essa relação é visível: como em Moledo, Baião é uma casa inserida sob o terreno, delimitada por vulgares muros de pedra que faziam parte do lugar, como muros de suporte
[224].
Apenas um plano de vidro
denuncia ambas as casas [226], que de outra forma permaneceriam completamente dissimuladas – carácter reforçado, em Baião, pela sua cobertura composta por vegetação espontânea [225] que ajuda a acentuar essa dissimulação na Natureza circundante. A Casa 1 em Nevogilde é um outro exemplo de dissimulação. Construída num lote regular, estreito e comprido – como muitos a Norte – a casa dissimulou-se por trás do muro de
67 “The Riehl House (...) turns away from the street toward its walled garden, its narrow gable end and peaked roof visible over a perimeter wall carefully calculated to hide the door from view (...)”, Barry Bergdoll in (Riley, et al., 2002 p. 68) 68 “ (...) a strategy in nearly all Mies’s German houses: the visitor is generally obliged to turn several times at right angles before the view is fully unveiled.”, Barry Bergdoll in (Riley, et al., 2002 p. 72) 69 “Rather than setting the house on a podium to be admired from the street (...) Mies bound house and garden together to form a podium that is only discovered once one is invited inside.” Barry Bergdoll in (Riley, et al., 2002 p. 71) 70 Barry Bergdoll in (Riley, et al., 2002 p. 68)
131
Evidência e dissimulação da obra no lugar
[227] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, fotografia
[229] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia
[228] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia
[230] Eduardo Souto de Moura, Mercado Municipal, Braga, 1980-1984, implantação
[231] Eduardo Souto de Moura, Café do Mercado, Braga, 1982-1984, fotografia
[232] Igreja dos Grilos, Porto, fotografia
132
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
cercamento da propriedade, protegendo a vida doméstica dos seus habitantes
[227].
Eduardo
Souto de Moura refere que as casas de um piso, por si só, se integram melhor – possivelmente referindo-se, também, à integração da obra na cidade salvaguardando a qualidade da distinção entre o público e o privado:
"A tipologia, quase sempre só com um piso (integra-se melhor) varia com as geografias. No norte, as casas são estreitas e compridas, com um longo corredor fechado para o exterior, por um muro que continua e define o perímetro do lote.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 92) Talvez o exemplo máximo da dissimulação na obra de Eduardo Souto de Moura seja precisamente a sua primeira obra, a reconversão de uma ruína no Gerês: do caminho, vê-se o que se via – a obra antiga, as pedras de um antigo celeiro abandonado: a obra nova está completamente dissimulada
[228];
do outro lado do rio a obra resulta, também, totalmente
dissimulada, apenas acusada por um plano de vidro – como em Moledo – que reflecte a paisagem natural envolvente. O vidro, através do reflexo, transfigura-se em Natureza [229]. No entanto, se existem obras que, pelas suas características, necessitavam de dissimulação, outras houve que, pelo contrário, precisavam de assumir uma posição de evidência no lugar. O Mercado de Braga foi uma das obras de Souto de Moura que mais necessitou dessa posição de evidência – evidência que hoje não se sente, pois tudo se tornou demasiado evidente. Mas o que importa reter é que na altura de construção do Mercado o lugar era um vazio entre duas porções de cidade, e a intervenção de Souto de Moura, além de completar esse vazio, iria desempenhar um papel de evidência na conformação da malha da cidade [230]:
“Quando (...) projectei o mercado a ideia foi criar uma rua aberta, um fragmento de cidade com condições de instituir uma malha urbana.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 76)
Pela proximidade à obra anterior, é de referenciar também o Café do Mercado: esta obra, dada a sua pequena escala comparativamente ao Mercado, passaria despercebida caso o arquitecto não optasse por evidenciar o plano branco da fachada, ampliando assim – ainda que artificialmente – a visibilidade do Café, marcando de forma clara a entrada
[231].
Esta estratégia,
no entanto, não preocupou Souto de Moura, que a considerava tipicamente portuguesa, amplamente utilizada na resolução das fachadas das antigas igrejas portuguesas [232]:
"Em relação ao Café, entendi que havia uma ligação muito forte, com a Geografia, com a colina, com o ribeiro que passava à frente, com a quinta; e que não devia fazer um "bonequinho" ali pousado. Tinha que ter uma certa dimensão. É fundamentalmente conseguir a escala pela fachada; que é uma actividade facial e pictórica, muito da Arquitectura Portuguesa (...) “, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 31)
133
Evidência e dissimulação da obra no lugar
[233] Eduardo Souto de Moura, Casa em Alcanena, Torres Novas, 1987-1992, fotografia
[234] Mies van der Rohe, Pavilhão da Alemanha, Barcelona, 1929, fotografia
[235] Mies van der Rohe, New National Gallery, Berlim, 1962-1968, fotografia
[236] Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil, 1984-1989, fotografia
134
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
A Casa em Alcanena foi outra obra que assumiu um papel preponderante no lugar. Construída no alto de uma elevação e no meio de um lote vazio e de dimensões consideráveis, o seu papel como marco do território resultava inquestionável71. A colina existente tornou-se assim numa espécie de podium natural sobre o qual a obra se implantou [233]. O conceito de podium volta a lembrar Mies van der Rohe, o Pavilhão da Alemanha [234] e a New National Gallery
[235].
O podium em Mies servia para evidenciar o edifício, assumindo-o
como a imagem de uma cultura que o próprio queria compreender e transmitir nos seus edifícios – ou o espírito de um lugar e de uma época. Se, como já foi visto, a evidência de elementos estruturais no alçado do Seagram ou de Lake Shore Drive correspondia a uma vontade de expressão da estrutura de uma sociedade, o recurso ao podium permitia evidenciar essa mesma estrutura, elevando o edifício, conferindo-lhe maior visibilidade72. O problema da visibilidade também era o problema da Casa na Quinta do Lago, em Almansil, Algarve, de Eduardo Souto de Moura. A extensão do terreno tornava, pelo conflito de escalas, a casa num elemento com pouca presença no sítio, apesar das suas dimensões consideráveis. A solução foi evidenciar o quinto alçado, a cobertura do edifício, acrescentando-lhe volumes correspondentes a figuras geométricas simples que, depois, influenciariam o espaço interno da casa, pontuando e diferenciando espaços individuais [236]:
“Quando desenhei a casa no campo de golfe percebi que a casa “desaparecia” na paisagem e quis evitar isso (...) Continuei a investigação e cheguei a Le Corbusier e ao projecto para Chandigarh na Índia. Os corpos da cobertura vêm daí.”, Souto de Moura in (Carvalho, 2007 p. 60)
Em síntese, podemos afirmar que o lugar e a relação do edifício com o campo ou com a cidade revelam-se determinantes na necessidade de um arquitecto evidenciar ou dissimular uma obra no lugar.
71 “Quase no meio uma elevação, quase no topo a construção.”, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 105) 72 É de notar que os dois edifícios citados – o Pavilhão da Alemanha e a New National Gallery – pelo seu programa, necessitavam de uma atitude distinta da que havia sido tomada por Mies na Alemanha quando teve que responder às exigências da habitação unifamiliar.
135
Evidência e dissimulação da fronteira interior/exterior
[237] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, corte vertical
[238] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, corte vertical
[239] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, 1983-1988, cortes verticais
[240] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, 1983-1988, cortes verticais
136
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
4.4. Evidência e dissimulação da fronteira interior/exterior interior/exterior
A relação entre interior e exterior é uma questão de projecto central em qualquer obra de arquitectura. Na obra de Souto de Moura ela está intimamente ligada com o desenho do contacto do plano de vidro com a laje dos edifícios (pela sua consequência na materialidade do vidro) e, inclusive, com a mobilidade dos próprios caixilhos. A dissimulação da testa da laje é uma das soluções de pormenor estudadas por Souto de Moura em algumas das suas obras iniciais. Esta solução resulta da necessidade de, em alçado, a composição ser constituída por cheios – os muros – e vazios – os planos de vidro – de tal forma que estes últimos aparentem não ter remate superior – uma nova mentira, pois essa articulação existe, mas encontra-se escondida. O vidro espelhado cumpre uma função vital nessa matéria por reflectir a paisagem, escondendo ao mesmo tempo a testa da laje, como refere o arquitecto:
“Eu precisava do espelho primeiro para esconder a laje porque não me interessava ter o vidro como “gato escondido com o rabo de fora”, Souto de Moura in (Barbosa, 2006 p. 96)
Nestas circunstâncias podemos, efectivamente, falar em ocultar e não em dissimular, pois Eduardo Souto de Moura não pretende revelar a verdade, talvez por achar que a solução não se encontra totalmente resolvida:
“ (...) quando eu pretendo o total isolamento dos muros e preciso de aberturas, as aberturas têm que ir até cima para diluir a laje. Mas depois existem dois defeitos: fica bem por fora e mal por dentro.”, Souto de Moura in (Barbosa, 2006 p. 95)
Tal é o caso da Casa das Artes. O plano de vidro da entrada principal vai até ao topo da laje, ocultando-a
[237],
e o vidro espelhado reforça a ocultação ao mesmo tempo que prolonga
virtualmente um dos muros do lote, também um dos muros da obra; uma ocultação semelhante ocorre nas aberturas que iluminam a zona dos serviços do piso superior [238]: a testa da laje – de dimensões consideráveis, dada a sua viragem para conformar a caleira – é ocultada por um plano de vidro que garante, assim, que o pormenor não interfira na leitura global da obra. A Casa 2 em Nevogilde é um laboratório de experimentações no que diz respeito à ocultação e à evidência da testa da laje de cobertura. Já descrita sucintamente no ponto 3.1.1. desta Prova Final, cabe agora analisar com maior profundidade. Nesta casa o pormenor da testa da laje ora é escondido, ora evidenciado, consoante as situações: a ocultação acontece na entrada, no topo do corredor, na cozinha e na copa
[239]
–
variações sobre o mesmo tema, adequadas à dimensão da testa da laje e à existência ou não da caixa de estore. Por outro lado, no banho principal, na sala e na piscina
[240],
a testa da laje é
evidenciada e a sua espessura não é escondida, mas acompanhada por um rufo. 137
Evidência e dissimulação da fronteira interior/exterior
[241] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, 1983-1988, cortes verticais
[242] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, 1983-1988, fotografia
[243] Mies van der Rohe, Glass Room, Estugarda, 1927, fotografia
138
[244] Mies van der Rohe, Glass Room, Estugarda, 1927, fotografia
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
Nos quartos
[241,242]
a situação é muito particular: a verdadeira testa da laje é ocultada,
mas ao mesmo tempo uma falsa testa de laje – ou uma platibanda –, em pedra, aparece evidenciada. O tema aqui abordado foi o da criação de uma ruína artificial, se bem que a resolução do pormenor também se tenha adequado à necessidade de ocultação de uma caixa de estore distinta da empregue na cozinha ou no topo do corredor: possivelmente pelas suas dimensões e peso, a caixa utilizada nos quartos teve que ser aplicada sobre a laje – e não entre a testa da laje e um plano de vidro, como sucedia na cozinha e no topo do corredor – o que levou a uma resolução distinta desse pormenor. A ocultação da testa da laje ocorre noutras obras de forma similar, como em Baião ou na Casa da Avenida da Boavista, pelo que a sua caracterização não parece necessária. Em síntese, a dissimulação da testa da laje por meio de um plano de vidro permite conferir ao edifício um aspecto exterior no qual a fachada se apresenta simplesmente como um plano de vidro – retomando a questão levantada pelo Movimento Moderno: o vidro, aplicado em grandes painéis, como uma conquista técnica capaz de induzir na arquitectura uma nova relação entre os espaços interiores e exteriores; no entanto, essa resolução implica, para Souto de Moura, o recurso ao vidro espelhado – para que a testa da laje não seja perceptível do exterior; o resultado é uma nova contradição: a fronteira interior/exterior assume duas faces: dissimula-se no interior, pela continuidade visual com a paisagem; evidencia-se no exterior, pois o plano espelhado esconde o interior do edifício, reflectindo a paisagem. A dissimulação ou evidência dessa fronteira decorre, respectivamente, da permeabilidade ou isolamento entre interior/exterior. O vidro espelhado garante privacidade e protege o interior da mesma forma que um material opaco protegeria – mas sem ter uma presença demasiado forte no exterior. Constatamos por isso que a materialidade do vidro tem repercussão na dissimulação ou na evidência entre interior e exterior; referir que Souto de Moura utiliza vidro é sempre uma afirmação redutora pois há que explicitar se o vidro é transparente, translúcido, ou reflector. Ao mesmo tempo, esses planos de vidro possibilitavam uma nova atitude compositiva em relação às aberturas nas paredes – que podiam deixar de se conformar como tradicionais janelas mas como interrupções nas paredes opacas, interrupções essas que podiam ser totalmente transparentes – transportando a Natureza para os espaços interiores e revelando os interiores no exterior –, translúcidas – dissolvendo a parede de vidro – ou reflectoras – revelando a Natureza no interior mas ocultando este da Natureza exterior. Um dos exemplos mais paradigmáticos da utilização das diferentes propriedades do vidro, em Mies, havia sido a Glass Room
[243,244],
para a exposição de Estugarda de 1927, uma
demonstração das possibilidades do vidro transparente, translúcido e colorido como agente criador de atmosferas interiores distintas e de diferentes graus de relação entre o público e o privado – como, por exemplo, a total transparência entre a sala de estar e o jardim de inverno, ou a enigmática translucidez do vidro presente no átrio da entrada, que ao mesmo tempo revela e dissimula a escultura de um torso feminino de Wilhelm Lehmbruck.
139
Evidência e dissimulação da fronteira interior/exterior
[245] Eduardo Souto de Moura, Café do Mercado, Braga, 1982-1984, fotografia
[246] Eduardo Souto de Moura, Café do Mercado, Braga, 1982-1984, desenho
[248] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, fotografia
[249] Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil, 1984-1989, fotografia
140
[247] Eduardo Souto de Moura, Casa das Artes, Porto, 1981-1988, fotografia
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
A utilização do plano de vidro por parte de Souto Moura também se reveste de igual cuidado, adequando o material às condicionantes do lugar e do programa. No café do Mercado, em Braga, o plano de vidro da fachada principal [245] revela um grau de transparência compatível com o programa público que encerra – além de favorecer a relação entre o espaço interno e uma eventual esplanada exterior
[246].
A privacidade não é, portanto, uma necessidade maior do
projecto; na Casa das Artes, por outro lado – e apesar do carácter público do edifício – o vidro utilizado é espelhado, pois a intenção de projecto havia sido a de o tornar “anónimo” no lugar, e o vidro espelhado ajudava a cumprir essa função – espelhando a Natureza, dissimulando o interior [247].
Com estes exemplos compreende-se que o problema da escolha do vidro espelhado ou
transparente não depende exclusivamente do carácter público ou privado dos edifícios. O programa da habitação unifamiliar requer, ao contrário dos edifícios públicos, maior garantia de privacidade. A habitação em Baião cumpre essa necessidade recorrendo ao vidro espelhado, mas este também fora utilizado para reflectir a Natureza envolvente e integrar melhor a casa no lugar
[248];
mas a Casa na Quinta do Lago apresenta, no alçado a sudeste, uma maior
complexidade: é possível distinguir, na fotografia, duas zonas distintas – uma mais transparente, visível na sala, e outra mais opaca, visível nos quartos
[249].
A diferença é causada por um
simples estore que se encontra corrido de forma a garantir privacidade. No entanto, não deixa de ser interessante o facto do plano branco do estore evidenciar o carácter reflector do próprio vidro. Esta última casa revela-nos que a questão das aberturas de laje a laje é mais complexa do que a simples referência à estratégia negativo/positivo empregue por Souto de Moura. De facto, o próprio refere-se a essa estratégia como um acto de extremos73 mas, na realidade já revelava alguma preocupação com os estádios intermédios que viria, mais tarde, a estudar com a substituição do plano de vidro pela abertura de um vão na parede. O último ponto em análise, no que diz respeito à evidência e dissimulação da fronteira interior/exterior, prende-se com a mobilidade dos caixilhos. Já vimos que a utilização do plano de vidro de grandes dimensões constituiu um marco histórico na dissimulação da fronteira interior/exterior; vimos também que as diferentes materialidades do vidro desempenham um papel fundamental na qualificação do grau dessa dissimulação, permitindo maior ou menor transparência ou mesmo a criação de imagens virtuais, reflexos da envolvente exterior, mediante o recurso ao vidro espelhado. Que dizer, então, do recurso à caixilharia de correr, uma caixilharia que encontramos frequentemente associada aos planos de vidro presentes na arquitectura de Eduardo Souto de Moura?
73 “ (...) a parede é parede, o vidro é vidro, existe sempre uma condição de luz, de transparência ou de opacidade, sem meios tons.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 436)
141
Evidência e dissimulação da fronteira interior/exterior
[250] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, planta
[251] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia
[252] Eduardo Souto de Moura, Casa na Quinta do Lago, Almansil, 1984-1989, planta (secção)
[253] Eduardo Souto de Moura, Casa em Tavira, Algarve, 1991-1996, fotografia
[254] Eduardo Souto de Moura, Casa em Tavira, Algarve, 1991-1996, planta (secção)
142
[255] Mies van der Rohe, Casa Tugendhat, Brno, 1928-1930, corte vertical
EVIDÊNCIA E DISSIMULAÇÃO
A caixilharia de correr permite, efectivamente, uma abolição física da fronteira interior/exterior. Acima de tudo, representa a flexibilidade de poder tornar um espaço exterior num prolongamento do espaço interior. O exemplo da reconversão de uma ruína no Gerês é claro: três planos de correr – dois planos de vidro e um plano opaco, divisória interna – que se encontram num ponto, reforçado pela presença de um pilar [250]. A partir desse ponto, os três planos podem ser recolhidos: o recuo do plano interior permite a unificação do espaço interno, e o recuo das caixilharias dos planos de vidro permitem nova unificação – da obra com a Natureza [251]. A caixilharia da sala de estar da Casa na Quinta do Lago, em Almansil, é composta por quatro planos de vidro que podem ser recolhidos até, no limite, ocuparem apenas – no plano da fachada – o espaço de um desses planos74, resultando na abolição parcial da fronteira entre o espaço interno da sala e o espaço externo ajardinado [252]. Nos exemplos anteriores a abolição da fronteira entre o interior e exterior é sempre limitada: os planos de vidro, apesar de terem a liberdade de correr, não são totalmente ocultados: existe sempre, pelo menos, um módulo da caixilharia que permanece visível – concentrando em si todos os planos de correr. A resolução deste problema foi testada, no limite, na Casa em Tavira75. Em algumas das aberturas da casa – aqui portas e janelas, ao invés dos abstractos planos de influência Neoplástica – é possível ocultar a caixilharia de correr (composta por três elementos: madeira, vidro e metal) dentro das próprias paredes exteriores
[253,254],
dando assim a hipótese
de eliminar por completo a fronteira interior/exterior, se desejável:
“Estudei um pormenor: no interior da parede dupla criei um vão que contivesse três janelas, uma de madeira para proteger, uma de vidro para iluminar e uma de grades para arejar (...) ”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 145)
O tema faz-nos pensar, de novo, em Mies. A Casa Tugendhat e a sua janela “afundável” [255]
e o Pavilhão da Alemanha demonstraram, no início do século XX, que a relação
interior/exterior na arquitectura iria sofrer, devido ao avanço tecnológico e cultural, alterações significativas, dando razão ao ponto 4 do Manifesto do Movimento Neoplástico, o qual apontava a vida exterior como um dos locais privilegiados para o despoletar de uma “nova consciência”.
74 Esta é uma situação limite: outras configurações são possíveis, dependendo da necessidade dos utilizadores. 75 Esta casa distancia-se do campo de estudo da prova final, mas parece inevitável a sua referência neste ponto do estudo.
143
[256] Aldo Rossi, Monumento à Resistência, Cuneo, 1962, axonometria
[257] Aldo Rossi, Monumento à Resistência, Cuneo, 1962, planta
[258] Aldo Rossi, Monumento à Resistência, Cuneo, 1962, alçado
144
ARTEFACTO E NATUREZA
5. Artefacto e Natureza
As soluções arquitectónicas não dependem exclusivamente do sítio – se assim o fosse, as soluções arquitectónicas para esse sítio seriam idênticas, para não dizer iguais, mesmo que provenientes da mente criadora de arquitectos muito distintos; para além dele, um importante mecanismo existe como ferramenta projectual: o pensamento próprio do autor do qual faz parte a sua “autobiografia” – um processo de construção de referências apontado por Aldo Rossi. Mas sem sítio, a solução não pode existir: quando Rossi desenha o Monumento da Resistência, em Cuneo
[256-258]
– um monumento aos Partisans mortos na segunda grande
guerra – abre uma longa janela horizontal na direcção da montanha de Boves, enquadrando os campos de batalha onde esses soldados morreram. Para Eduardo Souto de Moura, o sítio não existe como ditador de soluções, mas antes como mais um instrumento de trabalho76. O papel do arquitecto é o de o (re)criar e cruzar com as suas referências. O sítio é, também ele, a criação do arquitecto, como refere Souto de Moura em “A Ambição à Obra Anónima”:
“Há coisas que ficam, que se alinham. O lápis fecha o vazio – o sítio surge.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 30)
A passagem de sítio a lugar implica uma transformação profunda do primeiro, um acto transformador essencialmente humano, como Souto de Moura reconhece, citando H. Helder:
“Trabalhar na transmutação, na transformação, na metamorfose; é obra própria nossa.”, Herberto Helder citado por Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 48)
Essa transformação é sempre uma revitalização efémera e consciente do seu limite, retomar do ciclo perpétuo do Tempo que aproxima o Artefacto da Natureza, transformando-a em ruína:
“Assiste-se à “ressurreição do que foi morrendo e morre e vai morrer – então o lugar é.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 60)
A criação de um lugar implica a construção de um equilíbrio entre o Artefacto e a Natureza – Natureza que Souto de Moura considera como: 76 “O sítio é um pressuposto. Não existe o sítio. O sítio é um instrumento (...) E o sítio é aquilo que se quer que ele seja (...) A solução está na cabeça das pessoas (...) O sítio é coisa mental. Portanto, o sítio é tão importante quanto as outras coisas que intervêm no projecto.”, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 30)
145
[259] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, fotografia
[260] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, axonometria
[261] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, corte transversal
[262] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, fotografia
146
ARTEFACTO E NATUREZA
“ (...) um conjunto de coisas naturais, nossa envolvente, que abarca desde o reino mineral, vegetal ou animal até aos próprios artefactos que passaram a ser elementos afectivos do nosso mundo quotidiano”, Souto de Moura in (Gili, 1998 p. 137)
Esta última ideia confere ao Artefacto a responsabilidade máxima de transformar o sítio em lugar, uma vez que a Natureza “já lá está” e possui, por vezes, um equilíbrio próprio. No entanto, a construção da obra, por si só, é incapaz de (re)criar esse equilíbrio – pois é sempre um corpo estranho que se sobrepõe a um equilíbrio pré-existente. Assim, só a manipulação do sítio, aliada à construção da obra, permite a (re)criação de um novo estado de equilíbrio. A Casa em Moledo do Minho
[259-262]
é um exemplo paradigmático: a manipulação do
sítio foi concebida em sintonia com o desenvolvimento do projecto da casa. Aqui o sítio ditou uma solução impossível, pois os socalcos existentes sugeriram mas não podiam corresponder à ideia; assim, o sítio foi profundamente alterado – os socalcos, apesar de existirem (e de terem, porventura, induzido parte da solução) viram a sua altura duplicada para melhor se relacionarem com o pé direito da casa77. Neste exemplo foi claro que a recriação mental do sítio contribuiu para a conformação da solução arquitectónica, mas o desenvolvimento desta também foi determinante na manipulação do sítio. Esta dialéctica relembra-nos a relação que Donald Judd estabeleceu entre as ideias e os materiais/técnicas envolvidas na criação de uma obra de arte. Para Judd:
“The ideas and qualities and the materials and techniques build each other. A red seems to have a particular quality of its own. In a work it retains that quality and yet it is altered and amplified by the context. Its original quality may have suggested the alteration. The idea or quality desired may have required the red.”, Donald Judd in (Noever, 2003 p. 24) Transposta a relação para o exemplo de Moledo, podemos afirmar que os socalcos possuíam já uma qualidade em si mesmo, qualidade que permaneceu com a alteração – sendo mesmo, utilizando o termo de Judd, “amplificada” (os socalcos ganharam uma maior evidência com a dupla altura); prolongando a relação, podemos concluir que a qualidade original – os socalcos – podem ter sugerido a alteração – a criação de uma casa como um novo socalco – mas também que a ideia de criar uma casa como um socalco pode ter requerido essa “qualidade original”, isto é, um terreno que pudesse potenciar a ideia. Assim, no final desta influência mútua, o lugar – resultado da relação equilibrada entre o Artefacto e a Natureza – já não prescinde desse Artefacto. Para Eduardo Souto de Moura, isso significa que a Arquitectura alcançou um estado de naturalidade:
77 “No caso de Moledo é um terreno com muros 1,5m que não davam para inserir uma casa. Portanto tive que transformar dois muros num só. Ao fazer isto consegui meter a casa ali.”, Souto de Moura in (Barbosa, 2006 p. 98)
147
148
ARTEFACTO E NATUREZA
“ (...) quando um objecto artificial simula uma permanência perene e comunica uma sensação de que aquele sítio intacto não poderia prescindir daquele objecto preciso, significa que a Arquitectura conseguiu o estatuto de “Natureza”, de coisa natural.”, Souto de Moura in (Dias, 2004 pp. 28-29)
De facto, em Moledo, o Artefacto não prescinde do lugar – ficaria descontextualizado – nem tão pouco o lugar prescinde do Artefacto – é ele que justifica o (re)desenho dos socalcos e o seu sobredimensionamento. Em síntese, podemos afirmar que toda a arquitectura precisa de um sítio para se implantar – a Natureza – e esses Artefactos, encarados no sentido mais lato, constituem essa mesma Natureza; contudo, a Natureza encarada no sentido mais lato é a própria cidade. Esta contradição é enunciada por Rossi:
“A arquitectura e a cidade destacam-se de qualquer outra arte ou ciência, porque se propõem como transformação da natureza, e são, por sua vez, elementos naturais.”, Aldo Rossi in (Rossi, 1977 p. 203)
A implantação do Artefacto vai destabilizar um equilíbrio pré-existente, pelo que construção do novo equilíbrio não depende exclusivamente do novo Artefacto, mas também da manipulação do que existe; é a conjugação destes dois esforços que torna o sítio, Natureza existente, no lugar, um novo equilíbrio entre Artefacto e Natureza - equilíbrio no qual o Artefacto não prescinde do lugar nem o lugar prescinde do Artefacto. Este último alcança, assim, um estado de naturalidade no lugar.
149
A estratégia de implantação do Artefacto na Natureza
[264] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, axonometria (secção)
[263] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, axonometria
[265] Eduardo Souto de Moura, Casa 1 em Nevogilde, Porto, 1982-1985, axonometria (secção)
[266] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, axonometria
[267] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, axonometria (secção)
150
ARTEFACTO E NATUREZA
5.1. .1. A estratégia de implantação do Artefacto na Natureza
No ponto anterior constatámos que a definição de Natureza já não faz sentido no seu sentido mais restrito, isto é, colocando fora do seu âmbito os Artefactos do Homem – expressos, na sua forma mais desenvolvida, como cidade. Quando um arquitecto se desloca ao sítio da obra, pela primeira vez, estabelece contacto com esta Natureza, construída também pelo Homem, e dela deve recolher os sinais para conceber um Artefacto que se integre de forma equilibrada na envolvente. A estratégia de implantação é determinante para a compreensão da arquitectura de Souto de Moura – devendo muito à distinção que o autor faz entre a envolvente no Norte e no Sul do país. Esta distinção não corresponde a uma mensagem ideológica – mas faz antes parte de uma constatação histórica sobre a perenidade dos tipos e culturas:
“A casa pátio mediterrânica que se usa no sul de Portugal existe desde a Mesopotâmia. As casas minhotas são todas viradas a sul com corredor nas traseiras. Os tipos de casa não variam muito porque a cultura dos povos também não varia muito.”, Souto de Moura in (Jornal Expresso)
A observação do programa de habitação unifamiliar permitirá extrair conclusões sobre a relação do Artefacto com a envolvente no Norte e no Sul, mediante a constatação das permanências. Natural do Porto, foi no Norte do País que Eduardo Souto de Moura começou a sua obra. No Norte, diz, há sempre uma referência, seja ela um muro ou uma árvore – Naturezas mineral ou vegetal – e a topografia molda as propriedades:
“ (...) é impossível não ter uma referência (...) existe sempre um muro, uma árvore, um penedo... A propriedade está dividida pela topografia, está cheia de muros de suporte (...) Lisboa tem sete colinas e não tem tantos muros.”, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 30)
A presença do muro como marcação do limite do lote e elemento auxiliar ao desenho da casa é uma constante nas casas a Norte. Na Casa 1 em Nevogilde
[263]
o muro exterior desenha o lote e é, também, desenhado
pela casa: repetindo a cércea desta, vai sofrendo pequenos acidentes para se articular com o volume da casa
[265],
com o muro da garagem que se projecta como uma lâmina, com a cércea
do portão de acesso à garagem
[264].
A casa conforma-se como um paralelepípedo que se
coloca no interior do lote, definindo um espaço exterior de entrada e um de logradouro, enquanto um outro volume paralelepipédico, mais extenso, se adossa a um dos limites do lote contendo em si as funções de serviço da casa.
151
A estratégia de implantação do Artefacto na Natureza
[268] Eduardo Souto de Moura, Casa na Avenida da Boavista, Porto, 1987-1994, axonometria
[269] Eduardo Souto de Moura, Casa na Avenida da Boavista, Porto, 19871994, axonometria (secção)
[270] Eduardo Souto de Moura, Casa em Nogueira, Maia, 1990-1993, axonometria
[271] Eduardo Souto de Moura, Casa em Nogueira, Maia, 1990-1993, axonometria (secção)
[272] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, axonometria
[273] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 1991-1998, axonometria
152
ARTEFACTO E NATUREZA
Na Casa 2 em Nevogilde
[266]
o muro também marca a sua presença como delimitador
da área do lote. No entanto, pela complexidade da habitação, as alterações de cércea que este vai sofrendo não se relacionam de forma tão evidente com os momentos da casa, como acontece em Nevogilde 1; apesar desse facto, a casa agarra a sua direcção principal à direcção de um dos muros do lote, e lança um braço que, no seu extremo – a garagem – se adequa à geometria do lote [267]. A Casa na Avenida da Boavista
[268]
é similar, tendo em conta os critérios de estudo
seleccionados, ao exemplo anterior: a conformação volumétrica da casa mantém a sua independência em relação à conformação dos muros de definição do lote, mas uma das direcções do lote é reinterpretada na casa sob forma de um extenso muro [269]. Em relação à Casa em Nogueira da Maia
[270],
esta apresenta semelhanças com as
Casas 1 e 2 em Nevogilde: com a Casa 1 tem em comum a estratégia de implantação, definindo dois espaços exteriores de privacidade distinta, agarrando a direcção principal da casa à direcção dos muros mais extensos do lote; com a Casa 2 tem em comum a definição de um volume secundário, correspondente também à garagem, que ao contrário do volume principal da casa – que se mantém regular e ortogonal – sofre torções motivadas por uma geometria mais irregular dos muros de definição de um dos extremos do lote [271]. Em Baião
[272]
e Moledo
[273]
a situação é distinta: já não são habitações urbanas, pelo
que os muros existentes não são muros de definição do lote mas muros de contenção de terras; não obstante, as casas aproveitam ou redefinem esses muros, aproveitando-os como frente para as casas – rasgando-os apenas para inserir os planos de vidro – que se conformam, a partir da direcção dos mesmos, como simples volumes paralelepipédicos inseridos sob o terreno. Podemos, então, concluir que o muro – quer pré-existente, quer construído de raiz – desempenha, nas casas a Norte, o papel principal como referência de projecto para Eduardo Souto de Moura; a direcção principal dos muros é, geralmente, transposta como direcção principal da casa, conformada como um volume paralelepipédico ou como um conjunto de planos; a casa vai ainda sofrendo alterações pontuais de forma a melhor se adaptar à geometria dos muros de definição dos lotes, quando estes existem. No Sul a situação é distinta: a estratégia de intervenção no Norte do País que Souto de Moura havia consolidado ao longo da sua obra revelava-se, aí, inadequada:
“ (...) num certo momento projectei uma casa no sul, onde faz muito calor, onde é impossível construir uma casa toda de vidro e onde, pelo tipo de mão-de-obra, pelos materiais, pelo sistema construtivo, pela paisagem, pelo programa, pelo clima, estava obrigado a desenhar portas e janelas.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 436)
153
A estratégia de implantação do Artefacto na Natureza
[274] Eduardo Souto de Moura, Casa em Tavira, Algarve, 1991-1996, fotografia
[275] Eduardo Souto de Moura, Casa em Tavira, Algarve, 1991-1996, planta
[277] Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal, planta
[276] Eduardo Souto de Moura, Casa em Tavira, Algarve, 1991-1996, alçado
[278] Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal, alçado
[279] Eduardo Souto de Moura, Casa na Serra da Arrábida, Setúbal, fotografia
154
ARTEFACTO E NATUREZA
Assim, as habitações unifamiliares no Sul revelam uma alteração na linguagem do arquitecto em função da nova envolvente, sugerida especialmente pela constatação da mudança de referências e por uma nova interpretação da topografia; se no Norte existiam muitas referências e a casa dissimulava-se por entre eles, no Sul é a própria casa que se evidencia como referência de forma a não se perder no território; se no Norte as casas eram constituídas, na sua generalidade, por um só volume de um só piso, no Sul as casas são constituídas por volumes fragmentados que se relacionam com a topografia e as vistas do terreno:
"O sul é diferente do norte. (…) os meus trabalhos no Porto e no Norte são mais simples. As casas são quase todas de um só volume (...) No Algarve sou influenciado pela cultura mediterrânica e as casas são brancas, mais plásticas, mais escultóricas.”, Souto de Moura in (Jornal Expresso)
As Casas em Tavira
[274]
e na Serra da Arrábida
[279]
são exemplos claros. Em Tavira o
processo de fragmentação volumétrica encontra-se relacionado com a divisão funcional da casa [275]:
três volumes paralelepipédicos ao baixo definem três zonas essenciais: a sala, a zona dos
serviços, onde se inclui a cozinha, e a zona dos quartos, onde se incluem os sanitários; além destes, dois outros volumes adoptam uma componente essencialmente vertical, correspondendo um deles à corette de exaustão da lareira da sala e outro a uma escada de acesso aos pátios da cobertura. Como esforço pioneiro, a experimentação da fragmentação volumétrica nesta casa é ainda limitada: apesar da planta dar a entender essa fragmentação, ela encontra-se presa à rigidez da ortogonalidade – limitando a individualidade dos volumes; de forma análoga, apesar de cada um dos volumes frisar a sua individualidade no que concerne ao pé-direito interior e cota de cobertura, todos eles se encontram implantados à mesma cota
[276]
– situação particularmente
visível nos alçados do edifício; por último, os volumes encontram-se adossados uns aos outros sem haver nenhum tipo de separação entre eles, fomentando o carácter compacto do conjunto. Na Casa da Serra da Arrábida estas limitações são resolvidas e o processo de fragmentação volumétrica assume uma maior visibilidade: os volumes soltam-se da regra ortogonal para sofrerem torções de acordo com os pontos de vista da paisagem que se querem privilegiar
[277];
se Tavira apresentava um aspecto compacto, como se todos os volumes
concorressem para formar um conglomerado, na Serra da Arrábida a compacticidade é quebrada pela inclusão de pequenas reentrâncias entre os volumes, ajudando ao processo de separação dos mesmos [279]; finalmente, a implantação a uma só cota presente em Tavira deixa de existir na Arrábida, para dar lugar a cotas de implantação distintas associadas a volumes distintos78
[278],
situação denunciada pelo lambrim oblíquo e pelos dispersos degraus de acesso a cada um dos volumes. Tudo isto pois a casa foi implantada não na estabilidade de um topo mas na inconstância de uma encosta – situação lúcida e premeditada de forma a provocar a instabilidade que Souto de Moura julgou necessária para que a nova linguagem se pudesse revelar. 78 No entanto, as cotas de cobertura dos vários volumes aproximaram-se – ao contrário de Tavira.
155
A ruína como estado de equilíbrio entre Artefacto e Natureza
[280] Eduardo Souto de Moura, Uma casa para Karl Friedrich Schinkel, Leça da Palmeira, 1979, planta
[281] Eduardo Souto de Moura, Uma casa para Karl Friedrich Schinkel, Leça da Palmeira, 1979, planta (parcial)
[282] Eduardo Souto de Moura, Uma casa para Karl Friedrich Schinkel, Leça da Palmeira, 1979, desenho
[284] Álvaro Siza, Piscinas das Marés, Leça da Palmeira, 1961-1966, fotografia
[283] Eduardo Souto de Moura, Uma casa para Karl Friedrich Schinkel, Leça da Palmeira, 1979, planta (parcial)
156
ARTEFACTO E NATUREZA
5.2. .2. A ruína como estado de equilíbrio entre Artefacto e Natureza
O tema da ruína é um tema que aparece insistentemente ao longo da obra construída de Souto de Moura, mas se recuarmos um pouco mais no tempo verificamos que o tema já despertava o seu interesse mesmo antes deste ter concluído o percurso académico. O projecto de “Uma Casa para Karl Friedrich Schinkel”, realizado no contexto de um concurso de 1979, é um exemplo claro dessa busca, e um motivo para referir a importância do arquitecto alemão para Souto de Moura, entre outros. Schinkel – personagem incontornável da História da Arquitectura que terá influenciado de igual forma outros arquitectos tais como Mies e Sullivan – defendia que a arquitectura deveria ser o prolongamento da actividade construtora da Natureza, e que a essência construtiva de um edifício deveria permanecer visível após a sua construção. Para Schinkel a arquitectura não devia, no entanto, limitar-se a seguir as formas da Natureza mas antes os seus métodos e princípios, como refere Detlef Mertins79. Em realidade, o processo que conduz um edifício à sua ruína é precisamente um dos princípios incontornáveis da Natureza – que progressivamente vai transformando o que é artificial numa Natureza que é, também ela, cada vez mais artificial. Da mesma forma que a cidade pode ser Natureza, a Natureza também pode ser cidade. Esta temática – da ruína como processo de passagem do artificial ao natural – é visível no projecto da Casa para Schinkel, partindo desde logo da leitura que o arquitecto fez do lugar: um momento de transição entre a cidade e o campo, conforme se vê em rodapé nas plantas do edifício [280]. Essa passagem do Artefacto à Natureza é fixada no projecto por intermédio de uma ruína inventada, desconstruída, simulacro da passagem do tempo pela arquitectura
[281].
O
tempo entra assim na obra como forma, pois as ruínas artificiais simulam as formas resultantes da passagem do tempo pela arquitectura – ao contrário do que Schinkel defendia. O projecto surge, ainda, como mais um fragmento adicionado ao lugar: um edifício de matriz clássica que choca violentamente com o carácter industrial da refinaria existente. A Casa para Schinkel é mais um objecto adicionado ao conjunto formado ainda pela Casa de Chá da Boa-Nova, por um farol e pelas Piscinas das Marés [282]. A influência desta última obra, da autoria de Álvaro Siza, é notória: tal como ela
[284],
a piscina da Casa para Schinkel é delimitada não só
pelo Homem (o muro circular) mas também pela Natureza – as rochas que entram no projecto, ajudando a conformar os espaços [283]. A Casa em Moledo reflectiria, mais tarde, igual temática.
79 “Like Schinkel, Sullivan (...) would contend that architecture was to follow not the forms of nature but her fundamental laws and methods. (...) Schinkel’s – that “architecture is the continuation of nature in her constructive activity” and “the whole essence of the construction of a building must remain visible” – came to underpin the sober expressionism of the Chicago School.”, Detlef Mertins in (Lambert, 2001 p. 594)
157
A ruína como estado de equilíbrio entre Artefacto e Natureza
[286] Álvaro Siza, Unidade de habitação em S. Victor, Porto, 1974-1979, fotografia
[285] Álvaro Siza, Unidade de habitação em S. Victor, Porto, 1974-1979, fotografia
[288] Aldo Rossi, Casas Pegognaga, 1979, fotografia
unifamiliares,
[287] Aldo Rossi, Casas unifamiliares, Goito, 1979, fotografia
[289] Álvaro Siza, Unidade de habitação em S. Victor, Porto, 1974-1979, fotografia
[290] Eduardo Souto de Moura, Café do Mercado, Braga, 1982-1984, fotografia
[291] Eduardo Souto de Moura, Casa na Avenida da Boavista, Porto, 1987-1994, fotografia
158
ARTEFACTO E NATUREZA
A figura de Álvaro Siza continuaria a influenciar o percurso de Souto de Moura. Já no seu atelier, ainda a terminar o curso, Souto de Moura terá tido a oportunidade de estudar a relevância do tema da ruína durante a execução do projecto de S. Victor, integrado no programa S.A.A.L., como já vimos
[285,286].
A aprendizagem realizada no âmbito do concurso da
Casa para Schinkel iria ser, assim, testada na prática. Em S. Victor aproveitaram-se pré-existências para integração no projecto: foi aproveitado um extenso muro, ruínas de casas, caminhos existentes. O projecto foi desenvolvido tendo em atenção estas particularidades mas também a ideia de projecto, o traço global:
“ (...) a nova regra nasce (...) por oposição, da pré-existência (...) “, Alves Costa in (Trigueiros, 1990 p. 102)
Este aproveitamento das pré-existências, em S. Victor, não esteve tanto ligado à questão da ruína enquanto tema arquitectónico mas foi antes um recurso necessário com vista à contenção dos custos do projecto, um projecto “pobre” para pessoas “pobres” – expressão de uma linguagem de pobreza mas dignidade, que faz lembrar Rossi e os seus projectos para habitação social em Goito [287] e Pegognaga [288]. Podemos considerar, então, que em S. Victor as ruínas existentes – em particular as quatro casas recuperadas
[289]
– se tornaram ruínas operacionais80, isto é, foram utilizadas
apenas enquanto material físico de projecto. A ruína operacional é uma das formas de conceber a ruína para Eduardo Souto de Moura. Aqui ela é encarada, pela disponibilidade no lugar, como material de construção utilizável na nova obra. Tal acontece no Café do Mercado, em Braga
[290]
– resultado de uma intervenção
sobre uma antiga construção agrícola em ruína81; na Casa da Avenida da Boavista / Rua Miguel Torga a ruína operacional surge como fragmentos soltos, como uma colagem de antigas pedras de uma ruína retiradas do seu contexto e aplicada de forma abstracta82 [291]. No entanto, se a ruína não existe no lugar, Souto de Moura cria uma falsa ruína, como se necessitasse de criar uma História capaz de justificar a presença da nova obra naquele lugar. A Casa 2 em Nevogilde é exemplo disso. Muros de pedra são construídos simulando processos naturais de degradação, revelando estereotomias aparentemente resultantes da acção do tempo e da Natureza
[292];
outras pedras aparecem tombadas no chão, perto do topo do corredor; a
mediar a relação entre a casa e o campo de ténis, encontram-se pilares de pedra – suportes 80 O termo operacional é utilizado por Souto de Moura, referindo-se à sua própria obra. 81 “Em relação ao café, é a ruína operacional (...) No café, a Obra não tem nada a ver com a ruína, mas tem a ver com o material disponível que dá para fazer uma Obra (...) “, Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 31) 82 “ (...) as molduras estão fora do lugar, a janela está ao contrário. Interessava-me só a forma abstracta das pedras e o procedimento de colagem.”, Souto de Moura in (Esposito, et al., 2003 p. 143)
159
A ruína como estado de equilíbrio entre Artefacto e Natureza
[292] Eduardo Souto de Moura, Casa 2 em Nevogilde, Porto, 1983-1988, fotografia
[293] Eduardo Souto de Moura, Reconversão do Mercado Municipal, Braga, 1999, fotografia
[295] Álvaro Siza, Casa Alcino Cardoso, Moledo, 1971-1973, fotografia
[297] Eduardo Souto de Moura, Casa no lugar do Porto Manso, Baião, 1990-1993, fotografia
160
[294] Eduardo Souto de Moura, Reconversão do Mercado Municipal, Braga, 1999, fotografia
[296] Álvaro Siza, Casa Beires, Póvoa de Varzim, 1973-1976, fotografia
[298] Eduardo Souto de Moura, Casa em Moledo, Caminha, 19911998, fotografia
ARTEFACTO E NATUREZA
verticais de carácter intensamente contraditório – podem os processos da Natureza degradar um Artefacto tendo em atenção questões ligadas ao ritmo, à repetição, à geometria, à gradação? Na reconversão do Mercado de Braga, a ruína é, também ela, inventada. A remoção da cobertura do Mercado deixou à vista os pilares e a sua armação, que assim foram mantidos como memória de uma preexistência
[293].
Junto às escadas de entrada, como no exemplo
anterior, pilares tombados simulam a ruína fixando-a no presente [294]. O tema da invenção da ruína em Eduardo Souto de Moura pode bem ter sido, também, uma influência directa de Álvaro Siza, como o qual Souto de Moura havia trabalhado no início da sua carreira. Na Casa Alcino Cardoso, a ruína inventada junto à piscina
[295]
– a qual foi já
apropriada pela própria Natureza – parece ter sido o mecanismo de validação da piscina naquele lugar, a criação de uma justificação para propor uma forma; na Casa Beires, Siza inventa a ruína num dos ângulos da casa, deformando com isso a conformação de muros e caixilharias – uma posição intencionalmente ambígua, contrapondo à imagem da desconstrução da ruína a aparência intacta de uma construção nova que ainda não sofreu o processo natural de degradação imposto pelo tempo [296]. A última variação sobre o tema da ruína refere-se à concepção desta como objecto de contemplação. Na Casa em Baião, apesar da vontade dos clientes, Souto de Moura não restaura a ruína, preferindo mantê-la no seu lugar
[297]
– como um jardim de Inverno – e construir a casa
ao lado, adossada a uma das paredes da construção existente. A ruína é preservada, mantendo a sua identidade – o estado terminal de uma obra de arquitectura no qual esta passa a fazer parte da Natureza. Talvez por isso se justifique o crescimento espontâneo da vegetação que ocorre nas paredes desta ruína, como se se tratasse da Natureza a retomar o que é seu por direito e que a arquitectura havia pedido emprestado – as pedras de uma ruína. Em Moledo, Souto de Moura também opta por preservar uma ruína, destacando desta vez por completo a construção existente da construção nova. Já foi referida a grande extensão do percurso, desde a entrada à cota baixa até à casa, na cota alta, o último dos socalcos. A ruína preservada em Moledo surge quase inesperadamente a meio desse percurso, como objecto insólito, propriedade da Natureza. Se em Baião a ruína ainda comportava uma função, em Moledo tal não acontece – a ruína não tem função específica, salvo, porventura, a marcação de um percurso alternativo de acesso à casa que tem o seu início nuns degraus encostados à ruína diante dos quais a Natureza colocou, teimosamente, uma árvore, como que reivindicando para si a posse da antiga construção83 [298]. No entanto, o exemplo mais paradigmático poderá mesmo ter sido a primeira obra de Souto de Moura, a reconversão de uma ruína no Gerês. Como primeira obra totalmente autónoma do arquitecto ela comportaria em si, simultaneamente, a visão lúcida do que viria a ser o
83 Visão “poética” e totalmente falsa. A Natureza terá sido, provavelmente, a primeira a chegar...
161
A ruína como estado de equilíbrio entre Artefacto e Natureza
[299] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia
[300] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia
[301] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia
[302] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia
[303] Eduardo Souto de Moura, Reconversão de uma ruína, Gerês, 1980-1982, fotografia da paisagem
162
ARTEFACTO E NATUREZA
desenvolvimento futuro da sua obra e a visão ingénua de quem, pela primeira vez, era confrontado com a História da arquitectura – personificada pela ruína – e a quem se incutia a dura responsabilidade da transformação. Com o conhecimento do quer seria a sua obra futura, podemos afirmar que essa transformação ficou marcada pelo fascínio que a ruína exerceu sobre Souto de Moura. As paredes exteriores de pedra foram como que cristalizadas e a ruína parou no tempo – como se o arquitecto pretendesse romper o ciclo responsável pela transformação do Artefacto em Natureza.
“ (...) a ruína é usada como meio de agarrar um espaço físico e/ou temporal, uma memória, mas não as memórias do passado, antes uma memória do presente, do momento em que se intervém na ruína, em que esta já existe em “convivência” e relação com os novos projectos.” 84
O novo projecto – a casa – foi construído no interior dessas paredes, dissimulando-se o mais possível na paisagem
[299]
– como o demonstra o recurso ao plano de vidro, que reflecte e
transporta a Natureza para o interior da casa ao mesmo tempo que a dissimula no exterior [300]; o tecto plano, indispensável para a conformação do espaço interno, foi colocado, também, de forma a ser totalmente imperceptível do exterior; a divisão interna, por meio de um plano e um pilar
[301],
confirma o carácter minimal da intervenção, resultante de um processo e não de uma
ideia formal concebida a priori. A reconversão desta ruína foi o primeiro passo de uma pesquisa lúcida sobre os processos da Arquitectura e da Natureza, e da sua compatibilidade, fixados neste projecto com o objectivo de “a obra ser anónima, que é o contrário de passar despercebida”85. O fascínio que o tema da ruína exerce sobre a arquitectura de Souto de Moura pode explicar-se pela sensação de tranquilidade que estas inspiram: um estado de equilíbrio entre o Artefacto e a Natureza, onde Artefacto passa a ser natural. Esse equilíbrio e tranquilidade são, para Souto de Moura, resultado de uma ausência de esforços entre a ruína e a sua envolvente:
“Acredito que as ruínas têm esse cenário ideal de serenidade e a gente passeia com gosto entre elas. (...) Quando estão rodeadas por uma paisagem serena, encontram-se bem, transmitem una noção de calma e tranquilidade. Essa serenidade procede da adequação da envolvente. Como não se requer nenhum esforço, a gente não apreende o esforço das energias que as envolvem.”, Souto de Moura in (Gili, 1998 p. 134)
84 Citação do trabalho de grupo de História da Arquitectura Contemporânea – ano lectivo 2005/2006. 85 Eduardo Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 34)
163
A ruĂna como estado de equilĂbrio entre Artefacto e Natureza
164
ARTEFACTO E NATUREZA
Se, como refere Perret, “o fim dos edifícios é serem boas ruínas”86, cabe ao arquitecto, ao projectar, ter plena consciência da efemeridade da sua obra – projectando não só “bons” edifícios, mas também futuras “boas” ruínas. A solução pode não estar no sítio, mas a ideia pode nascer dele: compreendê-lo é um acto necessário à concepção de um projecto. Um edifício que não compreenda o sítio não dará uma “boa” nem “tranquila” ruína, mas antes uma ruína oprimida e em esforço com a sua envolvente. Jorge Figueira, a propósito da intervenção de Eduardo Souto de Moura para a pousada de Santa Maria do Bouro, refere lucidamente:
“Souto Moura fixa a “caixa” remanescente do edifício, a sua “ossatura”, sublinhando a “forma que resiste ao tempo”, Jorge Figueira in (Dias, 2004 p. 52)
Talvez por este ponto de vista se compreenda melhor a insistência com o desenho da estrutura que Souto de Moura revela nos projectos – o exemplo do Burgo é claro nesse aspecto: quando o tempo ditar o fim do Artefacto, e a Natureza vencer mais essa batalha, não serão as peles, os objectos ou as entranhas dos edifícios que irão subsistir – será a estrutura, o betão, a pedra natural ou a artificial. São essas as formas que resistem ao tempo. Para as desenhar é preciso começar pelo fim.
86 Perret, citado por Eduardo Souto de Moura in (Trigueiros, 2000 p. 31)
165
166
CONCLUSÃO
6. Conclusão
Não cabe aqui efectuar um resumo de todas as questões levantadas ao longo do trabalho – tal já foi feito no Abstract. Esta conclusão visa focar uma questão em particular que foi sendo enunciada ao longo do texto, a qual merece agora o nosso destaque: referimo-nos à “contradição como parte do projecto”. A questão não é completamente original (já Robert Venturi a havia enunciado em Complexidade e Contradição em Arquitectura, em 1978) mas cremos existir uma diferença fundamental entre a posição de Venturi e a de Souto de Moura, que se prende com a naturalidade. Com efeito, Venturi impõe a contradição como objectivo de projecto, como o próprio expressa emotivamente:
“Gosto de complexidade e contradição em arquitectura (...) a arquitectura é necessariamente complexa e contraditória (...) Acolho com prazer os problemas e exploro as incertezas. Ao aceitar a contradição, assim como a complexidade, tenho em vista a vitalidade, tanto quanto a validade.”, Robert Venturi in (Venturi, 1978 p. 1) Verificámos que na obra de Souto de Moura a contradição está sempre presente mas de uma forma nunca forçada. Se existe contradição é porque ela surge naturalmente, em função da complexidade das questões a resolver. Surge naturalmente na adopção da linguagem do Neoplasticismo, que se conforma como fragmentos que carecem de um elemento complementar – a continuidade espacial, por vezes o espaço único – que os integre; surge na contraposição de materiais tradicionais e industriais, integrados nessa síntese Neoplástica. Em Rossi, Souto de Moura redescobre a contradição – o processo de aprendizagem de um arquitecto não é apenas cientificamente objectivo, mas encerra em si uma componente subjectiva responsável pela criação das auto-biografias, pela necessidade de optar. A objectividade e a subjectividade são contraditórias entre si mas fazem parte de um processo natural que Souto de Moura não recusa e expressa nas suas obras. Na relação da arquitectura com o mobiliário surge nova contradição: Souto de Moura projecta ambos numa unidade que se pode considerar inflexível, mas isso não o impede de aceitar os maneirismos dos clientes, expressos em novas peças que vão sendo acrescentadas ou que substituem as existentes. A contradição surge naturalmente pelo facto da arquitectura ter que agradar quer ao arquitecto, quer ao cliente. A relação entre pele e estrutura, na Torre do Burgo, expressa nova contradição: podendo unicamente projectar a pele do seu edifício, e querendo evitar discursos decorativos em torno da pele, Souto de Moura concebe uma pele que é em si mesmo estrutural.
167
168
CONCLUSÃO
A contradição surge, de novo, na contraposição da excepção pontual – o pilar isolado – à regra da parede maciça. A excepção contradiz a regra, embora não a coloque em causa. Maior contradição surge, não obstante, quando duas regras (o sistema maciço e o sistema pontual) são utilizadas em simultâneo – como no Mercado Municipal de Braga – consequência natural da necessidade de responder a objectivos distintos: direccionar percursos por fora, organizar o espaço por dentro. A dissimulação de sistemas complexos fazendo-nos crer na sua aparência simples revela nova contradição, natural e necessária pois a complexidade dissimulada é fundamental para resolver os problemas e a simplicidade aparente evita que a imagem global da obra seja prejudicada pelo excesso de visibilidade do pormenor. A verdade e a mentira são termos contraditórios mas a sua expressão em simultâneo numa obra de arquitectura é um acto natural para Souto de Moura: face à impossibilidade em se ser autêntico em arquitectura, resta ao arquitecto simular a autenticidade mentindo, mostrando a mentira, deixando perceptível a verdade. O recurso ao vidro espelhado, presente em vários edifícios de Souto de Moura, fruto da necessidade em ocultar totalmente a testa da laje (por sua vez resultante da necessidade em evidenciar o muro de vidro) provoca uma leitura contraditória da fronteira interior/exterior: se no interior a continuidade visual com a paisagem é evidente (a fronteira é dissimulada) no exterior o vidro espelhado oculta a imagem do espaço interior, oferecendo a da Natureza reflectida em seu lugar (a fronteira é evidente). No que diz respeito à implantação do Artefacto na Natureza, como a Casa em Moledo expressa, o sítio é profundamente transformado para acolher o objecto de tal forma que no final já não prescinde dele, face à naturalidade com que o Artefacto se integra e confunde com a Natureza – expressando esta a contradição de aparentar ter sempre sido o que nunca foi até à intromissão do Artefacto. Finalmente, a ruína apresenta também uma dimensão contraditória – quando é inventada, simulando os processos da Natureza, mas sobretudo quando é fixada, numa tentativa de a parar no tempo – como na ruína do Gerês ou em Baião – posição contraditória à própria definição da ruína. Por tudo isto cremos, e repetimos: a contradição na obra de Eduardo Souto de Moura não surge como um objectivo ou princípio a respeitar, mas é antes o resultado natural da complexidade inerente aos projectos de arquitectura. Um projecto que não contenha em si uma dimensão contraditória corre o risco de se tornar num projecto redutor, simplificador de uma realidade necessariamente mais complexa.
Pareceu igualmente natural eleger a contradição como tema de conclusão do trabalho; na verdade, a definição do subtítulo desta Prova Final foi das últimas decisões a serem tomadas. Mais do que certezas, surge uma dúvida, por enquanto sem resposta: qual o papel da contradição na Arquitectura Contemporânea, após a definição de Venturi de 1966? 169
170
BIBLIOGRAFIA
7. Bibliografia LIVROS
AAVV. 1983. Neo-Plasticism in Architecture : De Stijl. Delft : Delft University Press, 1983. Arís, Carlos Martí. 1993. Las variaciones de la identidad: ensayo sobre el tipo en arquitectura. Barcelona : Serbal, 1993. Barbieri, Umberto. Umberto. 1990. J.J.P. Oud. Bolonha : Zanichelli, 1990. Blaser, Werner. 2003. Eduardo Souto de Moura - Stein Element Stone. Basileia : Birkhauser, 2003. Braghieri, Gianni. 1997. Aldo Rossi - obras e projectos. Barcelona : Gustavo Gili, 1997. Carter, Peter. 1999. Mies van der Rohe at work. Londres : Phaidon, 1999. Conrads, Ulrich. 1973. Programas y manifiestos de la arquitectura del siglo XX. Barcelona : Lumen, 1973. Doesburg, Theo van. 1979. Scritti di arte e di architettura. Roma : Officina Edizioni, 1979. Esposito, Antonio e Leoni, Giovanni. 2003. Eduardo Souto de Moura. Barcelona : Gustavo Gili, 2003. Ferlenga, Alberto. 1992. Aldo Rossi. Barcelona : Serbal, 1992. —. 2000. Aldo Rossi - tutte le opere. Milão : Electa, 2000. Guell, Xavier, [ed.]. 1990. Souto de Moura. Barcelona : Gustavo Gili, 1990. Judd, Donald. 1992. Architektur. s.l. : Cantz, 1992. Khan, HasanHasan-Uddin. 2001. Estilo Internacional - Arquitectura Moderna de 1925 a 1965. Colónia : Taschen, 2001. Lambert, Phylis, [ed.]. 2001. Mies in America. Montreal : CCM, 2001. Moneo, Rafael. 2004. Inquietud teórica y estrategia proyectual : en la obra de ocho arquitectos contemporáneos. Barcelona : Actar, 2004. Moura, Eduardo Souto de. 2006. Eduardo Souto de Moura - Vinte e duas casas. Lisboa : Ordem dos Arquitectos, 2006. Neves, José Manuel das. 2004. Eduardo Souto de Moura: Habitar. Casal de Cambra : Caleidoscópio, 2004. Noever, Peter, [ed.]. 2003. Donald Judd Architecture. Ostfildern-Ruit : Hatje Cantz, 2003. Oud, J.J. Pieter. 1986. Mi trayectoria en De Stijl. Múrcia : Colegio Oficial de Aparejadores y Arquitectos Tecnicos, 1986. Padovan, Richard. 2002. Towards universality : Le Corbusier, Mies and De Stijl. Londres : Routledge, 2002. Peretti, Laura, [ed.]. 1998. Eduardo Souto de Moura: Temi di Progetti. Milão : Skira, 1998. Quetglas, Josep. 2001. El Horror Cristalizado - Imágenes del Pabellón de Alemania de Mies van der Rohe. Barcelona : Actar, 2001. Riley, Terence e Bergdoll, Barry. 2002. Mies in Berlin. Nova Iorque : The Museum of Modern Art, 2002. Rossi, Aldo. 1977. Para una arquitectura de tendencia - escritos:1956-1972. Barcelona : Gustavo Gili, 1977. SolàSolà-Morales, Ignasi de. 1993. Mies van der Rohe - El Pabellón de Barcelona. Barcelona : Gustavo Gili, 1993. Stankowski Foundation. 1993. Donald Judd : Kunst + design : Stankowski-Stiftung 1993. s.l. : Cantz, 1993. Távora, Fernando. 1982. Da organização do espaço. Porto : ESBAP, 1982. Trigueiros, Luiz, [ed.]. 1997. Álvaro Siza: 1954-1976. Lisboa : Blau, 1997. —. 2000. Eduardo Souto Moura. Lisboa : Blau, 2000. —. 1994. Eduardo Souto Moura. Lisboa : Blau, 1994. —. 1993. Fernando Távora. Lisboa : Blau, 1993. —. 1999. Mies van der Rohe: 1886 - 1969. Lisboa : Blau, 1999. Venturi, Robert. 1978. Complejidad y contradicción en la arquitectura. Barcelona : Gustavo Gili, 1978. Vieira, Álvaro Siza. 2000. Imaginar a evidência. Lisboa : Edições 70, 2000. Zevi, Bruno. 2002. A linguagem moderna da arquitectura: guia ao código anticlássico. Lisboa : Edições 70, 2002.
PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
Carvalho, Ricardo, [ed.]. 2007. Jornal Arquitectos #225: Infra-Estrutura. Lisboa : Ordem dos Arquitectos, 2007. Cecilia, Fernando Márques e Levene, Richard, [ed.]. 2005. El Croquis #124: Eduardo Souto de Moura - la naturalidad de las cosas. Madrid : El Croquis, 2005. —. 2000. El Croquis #68/69+95: Álvaro Siza - salvando las turbulencias: notas sobre la invención. Madrid : El Croquis, 2000. Dias, Manuel Graça, [ed.]. 2002. Jornal Arquitectos #208: A Condição Pós-Moderna. Lisboa : Ordem dos Arquitectos, 2002. —. 2004. Jornal Arquitectos #217: Livro do Desassossego. Lisboa : Ordem dos Arquitectos, 2004. Dupeyron, Christian, [ed.]. 1976. L'Architecture d'Aujourd'hui #185. Paris : Groupe Expansion, 1976. Gili, Mónica, [ed.]. 1998. 2G Revista Internacional de Arquitectura #5: Eduardo Souto de Moura - obra reciente. Barcelona : Gustavo Gili, 1998. Jordão, Pedro, [ed.]. 2002. Nu #1. Coimbra : Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2002.
171
Maza, Ricardo Merí de la, [ed.]. 2004. TC Cuadernos #64: Eduardo Souto de Moura - obra recente. Valência : Generales de la Construcción, 2004. Monteiro, José Charters, [ed.]. 2001. Arquitectura e Vida #19. Lisboa : s.n., 2001. Trigueiros, Luiz, [ed.]. 1990. Architécti #5: Revista de Arquitectura e Construção. Lisboa : Trifório, 1990.
TEXTOS EM PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
Costa, Alexandre Alves. Reconhecer e Dizer. in Architécti #5: Revista de Arquitectura e Construção. Lisboa : Trifório, 1990. Figueira, Jorge. Para Lá do "Contemporâneo" - Regressando a Rossi. in Jornal Arquitectos #217: Livro do Desassossego. Lisboa : Ordem dos Arquitectos, 2004. Moura, Eduardo Souto de, et al. 2002. Um Quadradinho a Menos. [mesa redonda] : s.n., 2002. in Jornal Arquitectos #208: A Condição PósModerna. Lisboa : Ordem dos Arquitectos, 2002.
ENTREVISTAS
Moura, Eduardo Souto de. 1993. A Ambição à Obra Anónima. [entrev.] Paulo Pais. Lisboa, Outubro de 1993. in Trigueiros, Luiz, [ed.]. 2000. Eduardo Souto Moura. Lisboa : Blau, 2000. —. 2005. A Naturalidade das Coisas. [entrev.] Luis Rojo de Castro. Porto, Primavera de 2005. in El Croquis #124: Eduardo Souto de Moura la naturalidad de las cosas. Madrid : El Croquis, 2005. —. s.d.. A Poética da Materialidade. [entrev.] Rui Barreiros Duarte e Pedro Prostes da Fonseca. s.l., s.d. in Monteiro, José Charters, [ed.]. 2001. Arquitectura e Vida #19. Lisboa : s.n., 2001. —. s.d.. A Transparência dos Gestos. [entrev.] Ana Dourado, Pedro Jordão e Susana Faria. s.l., s.d. in Nu #1. Coimbra : Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2002. —. 2004. Do Privado ao Público: Mudança de Escala. [entrev.] Ricardo Merí. Porto, 15 de Abril de 2004. in TC Cuadernos #64: Eduardo Souto de Moura - obra recente. Valência : Generales de la Construcción, 2004. —. 2006. Eduardo Souto de Moura - conversa com José Adrião e Ricardo Carvalho. [entrev.] José Adrião e Ricardo Carvalho. Lisboa, 24 de Outubro de 2006. in Jornal Arquitectos #225: Infra-Estrutura. Lisboa : Ordem dos Arquitectos, 2007. —. s.d.. Entrevista a Eduardo Souto de Moura. [entrev.] Xavier Guell. s.l., s.d. in 2G Revista Internacional de Arquitectura #5: Eduardo Souto de Moura - obra reciente. Barcelona : Gustavo Gili, 1998. —. 2006. Entrevista a Eduardo Souto de Moura. [entrev.] Joana Barbosa. Porto, 26 de Outubro de 2006. in Barbosa, Joana. 2006. O Detalhe Mínimo na Obra de Eduardo Souto de Moura. Porto : Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2006. Prova Final para Licenciatura em Arquitectura. —. 2002. Entrevista Biográfica. [entrev.] Monica Daniele. Porto, 15 de Dezembro de 2002. in Esposito, Antonio e Leoni, Giovanni. 2003. Eduardo Souto de Moura. Barcelona : Gustavo Gili, 2003. Távora, Fernando, Siza, Álvaro e Moura, Eduardo Souto de. 2002. s.t. [entrev.] Antonio Esposito e Giovanni Leoni. Porto, 20 de Outubro de 2002. in Esposito, Antonio e Leoni, Giovanni. 2003. Eduardo Souto de Moura. Barcelona : Gustavo Gili, 2003.
TESES E OUTRAS PROVAS ACADÉMICAS
Araújo, Tiago Rui Peixoto. 2006. Natural e Artificial na Obra de Eduardo Souto de Moura. Porto : Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2006. Prova Final para Licenciatura em Arquitectura. Barbosa, Joana. 2006. O Detalhe Mínimo na Obra de Eduardo Souto de Moura. Porto : Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2006. Prova Final para Licenciatura em Arquitectura. Castro, Carlos. 2006. Fragmento: Representação da Memória na Arquitectura. Porto : Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2006. Prova Final para Licenciatura em Arquitectura. Moura, Eduardo Souto de. 1980. Relatório de Estágio de Arquitectura de Eduardo Souto de Moura. s.l. : s.n., 1980.
DOCUMENTOS ELECTRÓNICOS
Guimbretiere,
Pierre.
Charles
Maurice
de
Talleyrand
Perigord
1754-1838.
[Online]
[Citação:
8
de
Agosto
de
2007.]
http://www.talleyrand.org/livres/la_girafe_jacques_brun.html. Jornal
Expresso.
A
Paixão
da
Arquitectura.
[Online]
http://www.primeirasedicoes.expresso.clix.pt/ed1365/r361/asp.
172
[Citação:
17
de
Fevereiro
de
2007.]
ÍNDICES
8. Índices
8.1. 8.1. Índice de imagens
Fig.1 – ROSSI, Aldo, A Arquitectura da Cidade, Lisboa, Cosmos, 1977, p.122 Fig.2 – FERLENGA, Alberto, Aldo Rossi: the life and Works of an architect, Cologne, Könemann, 2001, p.108 Fig.3 - FERLENGA, Alberto, Aldo Rossi: the life and Works of an architect, Cologne, Könemann, cop.2001, p.39 Fig.4 – TC Cuadernos nº64, Eduardo Souto de Moura – obra reciente, Valencia, Generales de la Construcción, 2004, p.176 Fig.5 – BARBIERI, Umberto, J.J.P. Oud, Bolonha, Zanichelli, 1990, p.46 Fig.6 – BARBIERI, Umberto, J.J.P. Oud, Bolonha, Zanichelli, 1990, p.48 Fig.7 – BARBIERI, Umberto, J.J.P. Oud, Bolonha, Zanichelli, 1990, p.48 Fig.8 – BARBIERI, Umberto, J.J.P. Oud, Bolonha, Zanichelli, 1990, p.49 Fig.9 – AAVV, Neo-Plasticism in Architecture : De Stijl, Delft, Delft University Press, 1983, p.68 Fig.10 – AAVV, Neo-Plasticism in Architecture : De Stijl, Delft, Delft University Press, 1983, p.68 Fig.11 – AAVV, Neo-Plasticism in Architecture : De Stijl, Delft, Delft University Press, 1983, p.69 Fig.12 – Fotografia pessoal Fig.13 – Fotografia pessoal Fig.14 – Fotografia pessoal Fig.15 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Fernando Távora – opera completa, Milão, Electa, 2005, p.104 Fig.16 – Fotografia pessoal Fig.17 – Fotografia pessoal Fig.18 – El Croquis nº68/69+95, Álvaro Siza1958-2000, Madrid, El Croquis , 2000, p.128-129 Fig.19 – Fotografia pessoal Fig.20 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.63 Fig.21 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.63 Fig.22 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.63 Fig.23 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.62 Fig-24 - TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.44 Fig.25 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.46 Fig.26 – Fotografia pessoal Fig.27 – Fotografia pessoal Fig.28 – Fotografia pessoal Fig.29 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.59 Fig.30 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.54-55 Fig.31 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.63 Fig.32 – SOLÀ-MORALES, Ignacio, Mies van der Rohe: el Pabellon de Barcelona, Barcelona, Gustavo Gili, 1993, p.63 Fig.33 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.52 Fig.34 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.97 Fig.35 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.45 Fig.36 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.45 Fig.37 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.95 Fig.38 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.78 Fig.39 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.79 Fig.40 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.47 Fig.41 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.79 Fig.42 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.81 Fig.43 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.123 Fig.44 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.125 Fig.45 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.148-149 Fig.46 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.134 Fig.47 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.139 Fig.48 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.102-103 Fig.49 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.105 Fig.50 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.105 Fig.51 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.107 Fig.52 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.105 Fig.53 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.128 Fig.54 – Fotografia cedida por Manuel Pagani Fig.55 – FERLENGA, Alberto, Aldo Rossi, Barcelona, Serbal, 1992, p.72 Fig.56 – FERLENGA, Alberto, Aldo Rossi – tutte le opere, Milão, Electa, 2000, p.46 Fig.57 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.62 Fig.58 – TC Cuadernos, Eduardo Souto de Moura – obra reciente, Valência, Generales de la construcción, 2004, p.178 Fig.59 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.11 Fig.60 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.13 Fig.61 – FRAMPTON, Kenneth, Álvaro Siza – tutte le opere, Milão, Electa, 1999, p.149 Fig.62 – TESTA, Peter, A Arquitectura de Álvaro Siza, Porto, Faup Publicações, 1988, p.138 Fig.63 – TESTA, Peter, A Arquitectura de Álvaro Siza, Porto, Faup Publicações, 1988, p.140 Fig.64 – Fotografia pessoal Fig.65 – Fotografia pessoal Fig.66 – Fotografia pessoal Fig.67 – Fotografia pessoal Fig.68 – Fotografia pessoal Fig.69 – Fotografia pessoal Fig.70 – Fotografia pessoal
173
Fig.71 – Fotografia pessoal Fig.72 – Fotografia pessoal Fig.73 – Fotografia pessoal Fig.74 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.16 Fig.75 – MOURA, Eduardo Souto de, Eduardo Souto de Moura, Vinte e duas casas, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2006, p.62 Fig.76 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.140 Fig.77 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.76 Fig.78 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.123 Fig.79 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.68 Fig.80 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.156 Fig.81 – KHAN, Hasan-Uddin, Estilo Internacional – Arquitectura Moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.86 Fig.82 – SOLÀ-MORALES, Ignasi de, Mies van der Rohe - El Pabellón de Barcelona, Barcelona, Gustavo Gili, 1993, p.61 Fig.83 – SOLÀ-MORALES, Ignasi de, Mies van der Rohe - El Pabellón de Barcelona, Barcelona, Gustavo Gili, 1993, p.61 Fig.84 – TRIGUEIROS, Luiz, (ed.), Mies van der Rohe: 1886 – 1969, Lisboa, Blau, 1999, sem página Fig.85 – TRIGUEIROS, Luiz, (ed.), Mies van der Rohe: 1886 – 1969, Lisboa, Blau, 1999, sem página Fig.86 – TRIGUEIROS, Luiz, (ed.), Mies van der Rohe: 1886 – 1969, Lisboa, Blau, 1999, sem página Fig.87 – KHAN, Hasan-Uddin, Estilo Internacional – Arquitectura Moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.156 Fig.88 – KHAN, Hasan-Uddin, Estilo Internacional – Arquitectura Moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.156 Fig.89 – KHAN, Hasan-Uddin, Estilo Internacional – Arquitectura Moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.156 Fig.90 – KHAN, Hasan-Uddin, Estilo Internacional – Arquitectura Moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.156 Fig.91 – SOLÀ-MORALES, Ignasi de, Mies van der Rohe - El Pabellón de Barcelona, Barcelona, Gustavo Gili, 1993, p.63 Fig.92 – SOLÀ-MORALES, Ignasi de, Mies van der Rohe - El Pabellón de Barcelona, Barcelona, Gustavo Gili, 1993, p.39 Fig.93 – JUDD, Donald, Architektur, s.l., Cantz, 1992, p.14 Fig.94 – JUDD, Donald, Architektur, s.l., Cantz, 1992, p.15 Fig.95 – JUDD, Donald, Architektur, s.l., Cantz, 1992, p.15 Fig.96 – JUDD, Donald, Architektur, s.l., Cantz, 1992, p.46 Fig.97 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.137 Fig.98 – Fotografia pessoal Fig.99 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.125 Fig.100 – Fotografia pessoal Fig.101 – MOURA, Eduardo Souto de, Eduardo Souto de Moura, Vinte e duas casas, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2006, p.33 Fig.102 – MOURA, Eduardo Souto de, Eduardo Souto de Moura, Vinte e duas casas, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2006, p.84 Fig.103 – MOURA, Eduardo Souto de, Eduardo Souto de Moura, Vinte e duas casas, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2006, p.39 Fig.104 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.62 Fig.105 – TC Cuadernos, Eduardo Souto de Moura – obra reciente, Valência, Generales de la construcción, 2004, p.178 Fig.106 – QUETGLAS, Josep, El Horror Cristalizado - Imágenes del Pabellón de Alemania de Mies van der Rohe, Barcelona, Actar, 2001, p.158 Fig.107 – KHAN, Hasan-Uddin, Estilo Internacional – Arquitectura Moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.87 Fig.108 – KHAN, Hasan-Uddin, Estilo Internacional – Arquitectura Moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.28 Fig.109 – KHAN, Hasan-Uddin, Estilo Internacional – Arquitectura Moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.32 Fig.110 – Fotografia pessoal Fig.111 – Fotografia cedida por Maria João. Fig.112 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.177 Fig.113 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.176 Fig.114 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.176 Fig.115 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.109 Fig.116 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.89 Fig.117 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.16 Fig.118 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.16 Fig.119 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.152-153 Fig.120 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.128 Fig.121 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.107 Fig.122 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.16 Fig.123 – Relatório de Estágio de Arquitectura de Eduardo Souto de Moura, s.l., s.n., 1980 Fig.124 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.75 Fig.125 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.101 Fig.126 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.101 Fig.127 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.68 Fig.128 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.67 Fig.129 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.95 Fig.130 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.76 Fig.131 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.76 Fig.132 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.81 Fig.133 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.87 Fig.134 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.104 Fig.135 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.102 Fig.136 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.109 Fig.137 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.108 Fig.138 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.156 Fig.139 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.156 Fig.140 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.156 Fig.141 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.140 Fig.142 – Fotografia pessoal Fig.143 – MOURA, Eduardo Souto de, Eduardo Souto de Moura, Vinte e duas casas, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2006, p.62 Fig.144 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.148-149 Fig.145 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.174 Fig.146 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.157 Fig.147 – 2G nº5, Eduardo Souto de Moura – obra recente, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.102 Fig.148 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.161 Fig.149 – Fotografia pessoal Fig.150 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.74 Fig.151 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.158 Fig.152 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.125
174
ÍNDICES
Fig.153 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.63 Fig.154 – TC Cuadernos, Eduardo Souto de Moura – obra reciente, Valência, Generales de la construcción, 2004, p.145 Fig.155 – Fotografia pessoal Fig.156 – Fotografia pessoal Fig.157 – Fotografia pessoal Fig.158 – Fotografia pessoal Fig.159 – Fotografia pessoal Fig.160 – Fotografia pessoal Fig.161 – El Croquis nº68/69+95, Álvaro Siza 1958-2000, Madrid, El Croquis , 2000, p.93 Fig.162 – El Croquis nº68/69+95, Álvaro Siza 1958-2000, Madrid, El Croquis , 2000, p.159 Fig.163 – El Croquis nº68/69+95, Álvaro Siza 1958-2000, Madrid, El Croquis , 2000, p.205 Fig.164 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.63 Fig.165 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.63 Fig.166 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.43 Fig.167 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.19 Fig.168 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 1994, p.63 Fig.169 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.62 Fig.170 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.19 Fig.171 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.19 Fig.172 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.44 Fig.173 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.42 Fig.174 – SOLÀ-MORALES, Ignasi de, Mies van der Rohe - El Pabellón de Barcelona, Barcelona, Gustavo Gili, 1993, p.10 Fig.175 – SOLÀ-MORALES, Ignasi de, Mies van der Rohe - El Pabellón de Barcelona, Barcelona, Gustavo Gili, 1993, p.29 Fig.176 – SOLÀ-MORALES, Ignasi de, Mies van der Rohe - El Pabellón de Barcelona, Barcelona, Gustavo Gili, 1993, p.63 Fig.177 – SOLÀ-MORALES, Ignasi de, Mies van der Rohe - El Pabellón de Barcelona, Barcelona, Gustavo Gili, 1993, p.24 Fig.178 – JUDD, Donald : Kunst + design : Stankowski-Stiftung 1993, sem lugar, Cantz, 1993, p.90/91 Fig.179 – JUDD, Donald : Kunst + design : Stankowski-Stiftung 1993, sem lugar, Cantz, 1993, p.112 Fig.180 – JUDD, Donald : Kunst + design : Stankowski-Stiftung 1993, sem lugar, Cantz, 1993, p.113 Fig.181 – JUDD, Donald : Kunst + design : Stankowski-Stiftung 1993, sem lugar, Cantz, 1993, p.94 Fig.182 – JUDD, Donald : Kunst + design : Stankowski-Stiftung 1993, sem lugar, Cantz, 1993, p.95 Fig.183 – NOEVER, Peter, Donald Judd : Architecture, Ostfildern-Ruit, Hatje Cantz, 2003, p.95 Fig.184 – RILEY, Terrence; BERGDOLL, Barry, Mies in Berlin, Nova Iorque, The Museum of Modern Art, 2002, p.12 Fig.185 – RILEY, Terrence; BERGDOLL, Barry, Mies in Berlin, Nova Iorque, The Museum of Modern Art, 2002, p.10 Fig.186 – RILEY, Terrence; BERGDOLL, Barry, Mies in Berlin, Nova Iorque, The Museum of Modern Art, 2002, p.13 Fig.187 – BLASER, Werner, Mies van der Rohe, Farnsworth House: Weekend House, Basel, Birkhäuser, 1999, p.28 Fig.188 – JODIDIO, Philip, Estilo Internacional: a arquitectura moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.156 Fig.189 – DAZA, Ricardo, Buscando a Mies, Barcelona, Actar, 2000, p.76 Fig.190 – LAMBERT, Phylis, Mies in America, Montreal, CCM, 2001, p.447 Fig.191 – BLASER, Werner, Mies van der Rohe, IIT Campus: Illinois Institute of Technology, Basel, Birkhäuser, 2002, p.41 Fig.192 – BLASER, Werner, Mies van der Rohe, IIT Campus: Illinois Institute of Technology, Basel, Birkhäuser, 2002, p.71 Fig.193 – LAMBERT, Phylis, Mies in America, Montreal, CCM, 2001, p.388 Fig.194 – JODIDIO, Philip, Estilo Internacional: a arquitectura moderna de 1925 a 1965, Colónia, Taschen, 2001, p.129 Fig.195 – LAMBERT, Phylis, Mies in America, Montreal, CCM, 2001, p.388 Fig.196 – LAMBERT, Phylis, Mies in America, Montreal, CCM, 2001, p.388 Fig.197 – CARTER, Peter, Mies van der Rohe at Work, Londres, Phaidon, 1999, p.60 Fig.198 – LAMBERT, Phylis, Mies in America, Montreal, CCM, 2001, p.386 Fig.199 – LAMBERT, Phylis, Mies in America, Montreal, CCM, 2001, p.386 Fig.200 – CARTER, Peter, Mies van der Rohe at Work, Londres, Phaidon, 1999, p.118 Fig.201 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.123 Fig.202 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.156 Fig.203 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.59 Fig.204 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.109 Fig.205 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.102 Fig.206 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.105 Fig.207 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.105 Fig.208 – Fotografia pessoal Fig.209 – Fotografia pessoal Fig.210 – Fotografia pessoal Fig.211 – Fotografia pessoal Fig.212 – Fotografia pessoal Fig.213 – Fotografia pessoal Fig.214 – Álvaro Siza: Expor on display, Porto, Fundação de Serralves, 2005, p.65 Fig.215 – El Croquis nº68/69+95, Álvaro Siza 1958-2000, Madrid, El Croquis , 2000, p.218 Fig.216 – Fotografia pessoal Fig.217 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.52 Fig.218 – Fotografia pessoal Fig.219 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.141 Fig.220 – RILEY, Terrence; BERGDOLL, Barry, Mies in Berlin, Nova Iorque, The Museum of Modern Art, 2002, p.69 Fig.221 – RILEY, Terrence; BERGDOLL, Barry, Mies in Berlin, Nova Iorque, The Museum of Modern Art, 2002, p.69 Fig.222 – Fotografia pessoal Fig.223 – Fotografia pessoal Fig.224 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.150 Fig.225 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.151 Fig.226 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.148/149 Fig.227 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.64/65 Fig.228 – Fotografia pessoal Fig.229 – Fotografia cedida por Gil Silva Fig.230 – 2G nº5, Eduardo Souto de Moura – obra recente, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.80 Fig.231 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.48 Fig.232 – Fotografia pessoal Fig.233 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.108 Fig.234 – CARTER, Peter, Mies van der Rohe at Work, Londres, Phaidon, 1999, p.25 Fig.235 – CARTER, Peter, Mies van der Rohe at Work, Londres, Phaidon, 1999, p.99
175
Fig.236 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.102 Fig.237 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.55 Fig.238 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.56 Fig.239 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.79 Fig.240 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.79 Fig.241 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.79 Fig.242 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.47 Fig.243 – RILEY, Terrence; BERGDOLL, Barry, Mies in Berlin, Nova Iorque, The Museum of Modern Art, 2002, p.354 Fig.244 – RILEY, Terrence; BERGDOLL, Barry, Mies in Berlin, Nova Iorque, The Museum of Modern Art, 2002, p.354 Fig.245 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.68 Fig.246 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.70 Fig.247 – Fotografia pessoal Fig.248 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.134 Fig.249 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.104 Fig.250 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.16 Fig.251 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.17 Fig.252 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.87 Fig.253 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.171 Fig.254 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.159 Fig.255 – CARTER, Peter, Mies van der Rohe at work, Londres, Phaidon, 1999, p.26 Fig.256 – BRAGHIERI, Gianni, Aldo Rossi – obras e projectos, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.22 Fig.257 – BRAGHIERI, Gianni, Aldo Rossi – obras e projectos, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.23 Fig.258 – BRAGHIERI, Gianni, Aldo Rossi – obras e projectos, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.23 Fig.259 – 2G nº5, Eduardo Souto de Moura – obra recente, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.45 Fig.260 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.141 Fig.261 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.140 Fig.262 – PERETTI, Laura, Eduardo Souto de Moura: Temi di progetti, Milão, Skira, 1998, p.96 Fig.263 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.97 Fig.264 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.97 Fig.265 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.97 Fig.266 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.101 Fig.267 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.101 Fig.268 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.121 Fig.269 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.121 Fig.270 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.155 Fig.271 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.155 Fig.272 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.150 Fig.273 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.141 Fig.274 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.175 Fig.275 – 2G nº5, Eduardo Souto de Moura – obra recente, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.24 Fig.276 – 2G nº5, Eduardo Souto de Moura – obra recente, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.25 Fig.277 – 2G nº5, Eduardo Souto de Moura – obra recente, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.102 Fig.278 – 2G nº5, Eduardo Souto de Moura – obra recente, Barcelona, Gustavo Gili, 1997, p.104 Fig.279 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.161 Fig.280 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.75 Fig.281 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.75 Fig.282 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.74 Fig.283 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.75 Fig.284 – Fotografia pessoal Fig.285 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Álvaro Siza 1954-1976, Lisboa, Blau, 1997, p.186 Fig.286 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Álvaro Siza 1954-1976, Lisboa, Blau, 1997, p.184 Fig.287 – FERLENGA, Alberto, Aldo Rossi: the life and works of an architect, Cologne, Könemann, cop.2001, p.86 Fig.288 – FERLENGA, Alberto, Aldo Rossi: the life and works of an architect, Cologne, Könemann, cop.2001, p.87 Fig.289 – Fotografia pessoal Fig.290 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.69 Fig.291 – TRIGUEIROS, Luiz (ed.), Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Blau, 2000, p.126/127 Fig.292 – WANG, Wilfried, Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 1990, p.49 Fig.293 – TC Cuadernos, Eduardo Souto de Moura – obra reciente, Valência, Generales de la construcción, 2004, p.178 Fig.294 – TC Cuadernos, Eduardo Souto de Moura – obra reciente, Valência, Generales de la construcción, 2004, p.176 Fig.295 – Fotografia pessoal Fig.296 – SANTOS, José Paulo, Álvaro Siza:obras e projectos 1954-1992, Barcelona, Gustavo Gili, cop.1993, p. 38 Fig.297 – ESPOSITO, Antonio; LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona, Gustavo Gili, 2003, p.133 Fig.298 – Fotografia pessoal Fig.299 – Fotografia pessoal Fig.300 – Fotografia pessoal Fig.301 – Fotografia pessoal Fig.302 – Fotografia pessoal Fig.303 – Fotografia cedida por Joana Magalhães
176
ÍNDICES
8.2. 8.2. Índice de autores/arquitectos
Alves Costa Alexandre, 57, 77, 159 Corbusier, Corbusier 7, 25, 77, 79, 103, 135 Doesburg Theo van, 27, 29, 31, 37, 41, 43, 49 Eesteren Cornelius van, 27, 29, 31 Figueira Jorge, 79, 165 Helder Herberto, 89, 145 Judd Donald, 9, 67, 69, 111, 113, 147 Marques da Silva, Silva 59, 129 Mies Mies, 9, 13, 23, 43, 61, 65, 67, 69, 77, 81, 99, 105, 107, 109, 111, 113, 115, 117, 119, 121, 131, 135, 139, 143, 157 Morin Edgar, 89, 121 Oud Pieter, 27, 29, 31 Perret, Perret 165 Rietveld Gerrit, 35 Rossi Aldo, 5, 7, 13, 17, 25, 35, 49, 51, 53, 55, 57, 59, 63, 111, 145, 149, 159, 167 Schinkel Karl-Friedrich, 89, 157, 159 Siza Álvaro, 9, 21, 23, 33, 53, 57, 87, 95, 99, 125, 127, 131, 157, 159, 161 Souto de Moura Eduardo, 1, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19, 21, 23, 25, 27, 31, 33, 35, 37, 39, 41, 43, 47, 51, 53, 55, 57, 59, 61, 63, 69, 71, 73, 75, 77, 79, 81, 83, 85, 87, 89, 91, 93, 95, 97, 99, 101, 103, 107, 109, 111, 113, 115, 119, 121, 123, 125, 129, 131, 133, 135, 137, 139, 141, 143, 145, 147, 149, 151, 153, 155, 157, 159, 161, 163, 165, 167, 169 Sullivan Louis, 157 Távora Fernando, 33, 35, 37, 57, 59 Wright Frank Lloyd, 25
177
8.3. 8.3. Índice de obras/lugares
Alcanena Casa em, 47, 55, 85, 87, 93, 121, 123, 135 Alcino Cardoso Casa, 161 Alves Costa Casa, 131 Avelino Duarte Casa, 99 Avenida da Boavista Casa na, 49, 51, 93, 139, 153, 159 Baião Casa em, 45, 47, 61, 89, 95, 131, 139, 141, 153, 161, 169 Beires Casa, 161 Braga Mercado Municipal de, 7, 9, 39, 51, 55, 57, 63, 103, 105, 107, 133, 161, 169 Burgo Torre do, 7, 83, 123, 165, 167 Café do Mercado, Mercado 9, 133, 159 Casa 1 em Nevogilde, Nevogilde 43, 61, 71, 93, 131, 151, 153 Casa 2 em Nevogilde, Nevogilde 45, 61, 93, 97, 137, 153, 159 Casa das Artes Artes, tes 7, 9, 39, 41, 43, 45, 57, 59, 97, 101, 119, 123, 129, 137, 141 Casa de Chá da BoaBoa-Nova, Nova 157 Casa para KarlKarl-Friedrich Schinkel, Schinkel 89, 157, 159 Cedro Escola do, 33 Centro Galego de Arte Contemporânea, Contemporânea 99, 125, 127 Chemical Engineering and Metallurgy Building Building, ing 115 Chinati Fundação, 111 Commons Building, Building 115 Crown Hall, Hall 115 Esplanade Apartments, Apartments 117 Estacas Bairro das, 79 Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto 99 Farnsworth Casa, 65, 67, 115 Federal Center, Center 117 Gallaratese Unidade de habitação, 49, 51 Gerês Reconversão de uma ruína no, 61, 85, 89, 91, 97, 133, 143, 161, 169 Glass Room, Room 139 Goito Habitação social em, 159 Instituto Superior de Educação de Setúbal, Setúbal 99 Lake Shore Drive Apartments, Apartments 117, 135 Miramar Casa em, 45, 61, 73, 97, 119
178
ÍNDICES
Moledo Moledo Casa em, 47, 59, 61, 73, 89, 95, 129, 131, 133, 147, 149, 153, 157, 161, 169 Molteni Capela funerária, 49 New National Gallery, Gallery 135 Nogueira Casa em, 61, 93, 153 Ofir Casa em, 33 Olivais Bairro dos, 79 Paços de Ferreira Reconversão de uma ruína em, 89 Pavilhão da Alemanha, Alemanha 43, 65, 75, 105, 107, 135, 143 Pavilhão de ténis da Quinta da Conceição, Conceição 33 Pegognaga Habitação social em, 159 Piscinas das Marés, Marés 157 Purmerend Fábrica em, 29 Quinta do Lago Casa na, 9, 85, 93, 135, 141, 143 Radieuse Ville, 25 Riehl Casa, 131 Seagram Building, Building 115, 117, 135 Serra da Arrábida Casa na, 95, 155 Silo Cultural, Cultural 97, 101 Spangen Unidade de habitação, 31 Tavira Casa em, 11, 95, 143, 155 Tugendhat Casa, 143 Victor Bairro de São, 57, 59, 159 Vila da Feira Mercado Municipal de, 33
179
180