Revista Boca Escancarada - Prévia nº 5

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COLCHA DE RETALHOS DO SENTIR Por Jéssika Monteiro Cordeiro

E

CRÔNICA

u visto a roupa da emoção, costuro o sentir. Sibilo de forma rápida e inquieta porque não me convém usar palavras, todo sentir se faz notório em minhas vestes. Eu mesma corto cada sentimento, escolho suas cores e costuro todos como na colcha de retalhos que é o meu coração. Procuro usar ternura em tudo que faço, em cada laço que dou, cada ponto que findo. Lavo meus dedos macios e calejados com perfume de alecrim e procuro não remendar muito a colcha de retalhos porque coisa velha sempre dá trabalho, pode virar furo e todos sabem o quanto os furos na nossa colcha do sentir doem. Incomoda quando olho e percebo que alguns laços estão se desfazendo e outros perdendo a cor. Corro lá com minha caixa de costura e logo dou meu jeitinho. Eu procuro sempre fazer tudo direito, não errar, porque se a linha fica fora do lugar, a qualquer momento tudo pode se soltar. Passo noites em claro tentando repor os espaços que estão furados, tentando remendar o que já foi danificado e colorir o que já desbotou. Minha vida é baseada na eterna fabricação da colcha. Tem vazio que eu olho e fico sem saber se ainda merecem receber alguma costura, alguma revisão. Eu também me pinto, me bordo.Tem dias que acordo vestida no cetim do amor e espalho carinhos por toda parte. Outras vezes me visto com toda a graça de um palhaço e tudo fica leve, breve.Vêm os sorrisos e vão-se as tristezas. Recorto a felicidade alheia e colo nos buracos que ainda estão aqui. E se me aventuro um pouco mais, perco a linha e viro a mãe, a tia, a amiga, a namorada postiça, a psicóloga, a conselheira. E no fundo é isso que eu amo: cuidar de pessoas. Tenho uma alma sensível demais para não me compadecer de qualquer olhar que pede acalanto, qualquer falar que pede um colo. Sou amante do sentir, do servir. Eu gosto de sugar o que as pessoas têm de melhor.Todos têm algo para me mostrar, algo para acrescentar à minha coleção de minúcias, de renúncias, de histórias. Nunca achei alguém que não tivesse um mínimo tesouro para me contar. Eu já vi gente dura feito pedra dar uma flor, já vi gente mal humorada sorrir com fervor. Eu me apaixono pelo que as pessoas têm de melhor para me dizer. Por isso eu amo ouvi-las, sinto necessidade de fazê-las ficarem bem nem que seja por 5 minutos. E tudo isso me deixa leve, feliz. É como se eu ganhasse o mundo e o perdesse toda vez que o fim do dia chega e todos os dias eu tenho que reconquistar esse mundo. Tenho que dar afeto de novo, distribuir amor e salvar o dia mais uma vez, o meu dia. É assim que eu quero continuar a coser minha colcha de retalhos do sentir. É assim... 26


SOBRE O AUTOR

Joheel Rodriguez Desenhista, Pintor,Artista plástico, Músico, Editor Digital. Inicialmente autodidata posteriormente formado em Artes visuais. Oficinas e aulas de Desenho, Pintura e Artes. “Minhas obras têm por prioridade combater a desinformação de todos os tipos”. “Dedico-me particularmente a produzir, pesquisar e divulgar, as melhores formas de artes através Exposições, Oficinas, Mini - cursos, vídeo aulas, Intervenções artísticas, visuais e sonoras.” “Meu estilo é livre, não me restrinjo a uma só escola acadêmica.” “Meu trabalho recebe diversas influências de artistas Internacionais, Nacionais e Locais”. CONTATO: joelrodrigues83@yahoo.com.br

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VAGA DE EMPREGO Por Viviane Ferreira Santiago

C

hegando hoje para me

os maiores mestres poderiam

candidatar

uma

me ensinar o dom da escrita

vaga de emprego, me deparo com a questão: por que você deve

que vive em mim. Eu deveria ser escolhida

ser escolhida? Eu pensei por

pela manhã que me acorda as

a

menos de um segundo e me pus a

sete, me leva ao topo do que

responder: Devo ser escolhida entre

nunca sonhei amontoada entre

tantos

porque

anda,

pobre,

na

alegria,

na

infância

tantos em um trem que não mas

rasteja

com

a

fome,

tristeza,

sabedoria de quem entendi que

entre

sorrisos

estou lendo meu novo romance,

beijos

pela chegada ao sonho que me

molhados escrevi. Entre braços que jurei

escancarados

carrega entre os dedos, pelas

amor

eterno,

e

e

manhãs

solitárias de novembro eu me

broncas que me inspiram, mal sabem eles... Nada importa

se

me

fiz palavras em versos mal

deixam escrever quieta em meu

moldados, que com suor, sonho

canto. Pela escola que não me

e valsas me educaram e levaram a uma intocável perfeição que

cansa, mas me trás a certeza

busco com a certeza de que nem

de que um dia valerá à pena. Escola de escrita? Sim, escola

SOBRE A AUTORA

de

escrita,

os

burocráticos costumam chamar

Viviane Santiago Natural de Minas Gerais e vive atualmente em São Paulo, é estudante de jornalismo e escreve contos, poemas e crônicas. Foi vencedora do Concurso de Poesias Nacional do Paraná em 2013. Vencedora do concurso ''Jornalista Valacir Cremonese'' categoria crônica 2013 Ela resume escrever: ''Escrever é poder ter mil vidas camufladas em uma só''.

de jornalismo. Devo ser escolhida, pelo sentido que minha vida toma, escrever é minha vida, e sem a escrita não há a tal vida. Que a escolha seja doce, como tudo que transpiro, e o resultado ainda doce me façam rir entre estes dígitos.

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ILUSTRAÇÃO por Philipe Thayslon


A AFLIÇÃO DO PRESIDIÁRIO EM POLVOROSA

POEMA

Por Hadassa Araújo Costa Em estando a minha pessoa Em completo êxtase e medo, Eu me vi sobre teu segredo Numa superfície que voa. Em desespero me perdi, As tuas mãos escorregaram Eu iria apanhar a ti, Mas teu segredo m'avia atado. Preso nos grilhões de tua mente Percebi ser eu teu segredo, Então conclui que tão somente Apartar-me-ia de mim mesmo Por que me escondestes de mim? E me deixastes isolado? De tão pronto entreguei-me a ti, E me fizestes presidiário?

ILUSTRAÇÃO por Hadassa Araújo Costa

O BARDO E A MUSA Por Hadassa Araújo Costa Teu amor é a fineza de um baile, Junto à devastação de grande guerra. Ouço-te declamar liras. – Meu bardo, És tal como um ser celeste na Terra. – Molde-me à teu peito com um abraço, Corte meu fôlego com teu suspiro, E que o timbre de tua voz, cogito, Trague-me, então, num derradeiro laço. Qu'eu te pertença em atos e palavras, Enquanto o poder dessa canção nutres, Não mais há liberdade qu'eu desfrute, Não mais há vida qu'eu ande solitária. Enquanto eternizas a intensidade, Para mim, já não mais há liberdade. ti, E me fizestes presidiário?

ILUSTRAÇÃO por Hadassa Araújo Costa

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POEMA

GALOPE À BEIRA MAR Por Eltonn Moreira

Nas águas tão turvas como uns despautérios Insanos cardumes vão vociferando. Uníssonos gritam quase suplicando Aos homens que lancem os seus impropérios. À noite é o luar que esconde os seus mistérios, Sentado na areia eu fico a contemplar Buscando a canção que vem do marulhar Que toca e acalenta centenas de ouvidos Mas passam silentes pelos meus sentidos E eu canto um galope na beira do mar. As ondas dementes arrastam os seres Que vagam sem vidas quando esterilizam Feridas abertas que não cicatrizam, Mas nascem no cerne dos tolos prazeres Povoando o meu ego almejando os poderes De um dia sobre as águas poder passear, Ser como o vento, poder velas soprar E o mar não passará de um rio profundo. Eu vou decifrando os segredos do mundo Cantando um galope na beira do mar. De longe só ouço mais um eco escabroso Do vento que sopra na beira do cais Tangendo bravio as brisas matinais Criando as procelas do mar tenebroso. Distante um navio parece assombroso Nas grandes tormentas que fingem cessar E as belas sereias começam cantar Causando desgraças pra lá de insolúveis Até inebriar certas ondas volúveis Nos dez de galope na beira do mar.

SOBRE O AUTOR

Eltonn Moreira: “Nasci em Serra Branca no dia 24 de março de 1985. Sempre fui interessado em literatura principalmente José Lins do Rêgo, Guimarães Rosa e Machado de Assis. Na infância tive contato com os violeiros de meio de feira e sempre" fui admirador da arte do repente e da poesia popular. Aos 15 anos tomei contato com a poesia de Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos dentre os quais devorei profundamente. Sou estudante de letras pela UEPB, trabalhei como professor de literatura brasileira e colaborador de uma pequena e extinta revista de poesia intitulada Racha Quengo em 2008.” CONTATO: eltonnapiceformidavel@hotmail.com

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O mar adormece, controlam-se os medos E a brisa retorna acalmando as marés. Na beira eu passeio molhando os meus pés, Tecendo na areia meu linho de enredos. O meu tino revela os insanos segredos, Requintes que a terra insiste em cultivar E a musa gestante deixou de esperar O que foi gerado com dor e alegria, Nasceu uma filha chamada poesia E o pai é Netuno, senhor desse mar.


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