Ano 2/ nº 5/ Maio-Agosto de 2014
Revista de Literatura e Artes
A ARTE URBANA de
ENTREVISTA Sérgio de Castro Pinto nos fala sobre o seu livro A Flor do Gol
N
ão é fácil chegar à quinta edição de uma revista de literatura e artes no Cariri paraibano - região recorrentemente castigada pela seca e pelos maus políticos, que infelizmente não são poucos - em menos de dois anos, sem contar com a ajuda financeira do poder público. Foi preciso muita persistência, determinação, esforço, coragem e cara-de-pau pra cor rer atrás de patrocínios modestos, mas importantíssimos, algumas vezes negados. Mas chegamos lá, graças a Deus e à contribuição dos patrocinadores, assinantes e leitores. E é com satisfação, um pouco de cansaço e sentimento de dever cumprido que entregamos ao nosso querido público leitor mais uma revista que ora se encontra em suas mãos para seu inteiro deleite. Nossa equipe editorial recebeu e selecionou trabalhos de diversos lugares do Brasil, sobretudo da Paraíba. Não é uma tarefa fácil, é até muitas vezes inglória, porque, por conta do espaço limitado da revista, nem todos os bons trabalhos que nos chegam às mãos podem ser publicados, ficando alguns de fora ou à espera da edição seguinte; porque algumas vezes somos cobrados sobre os motivos de determinado texto não ter sido escolhido; e, finalmente, porque corremos o risco, dada a natureza também subjetiva da tarefa de selecionar esse tipo de material, de sermos injustos - e, a bem da verdade, em algum momento somos. Todavia, mesmo com nossas falhas e limitações, fazemos o possível para escolher os melhores trabalhos e contemplar o maior número de gêneros, do popular ao mais sofisticado, a fim de manter a qualidade e a diversidade do nosso produto. Ficamos satisfeitos em entregar-lhes o produto acabado em permanente acabamento e aperfeiçoamento, ainda com algumas imperfeições desejosas de críticas construtivas. Ele vem impregnado da cultura local e regional, e também globalizada. Contudo, o que realmente desejamos é que todos vocês esqueçam da parte maçante deste editorial sobre os bastidores da edição da revista e façam uma leitura cheia de agradáveis surpresas e descobertas, de forma que suas bocas fiquem escancaradas de satisfação e/ou inquietação.
André Sérgio Soares G. Trigueiro Editor da revista e professor
Revista Quadrimestral - ano 2 - nº5 Maio - Agosto 2014
EDIÇÃO: André Sérgio Soares G. Trigueiro andressgt@hotmail.com
Lizziane Negromonte Azevedo lizzianeazevedo@hotmail.com
Rosangela de Menezes rosangela_menezes02@hotmail.com
Mateus Quintans mateusquitans@gmail.com
REVISÃO: André Sérgio Soares G. Trigueiro e Lizziane Negromonte Azevedo DIAGRAMAÇÃO: Mateus Quintans e Rosangela Menezes CIRCULAÇÃO: Paraíba/Brasil IMPRESSÃO: Gráfica Monsenhor Rodas TIRAGEM: 300 exemplares ISSN: 2317-4781
CONTATOS: boca_escancarada@hotmail.com ou bocaescancarada1.blogspot.com.br ENDEREÇO: Rua Coronel João Santa Cruz, 326, Centro Monteiro - PB CEP: 58500-000
CAPA: Derlon FOTOGRAFIAS: Ivo Leonio ILUSTRAÇÕES: Hadassa Araújo Joheel Rodriguez Lucas Cordeiro Luíz Fernando Mateus Quintans Philipe Thayslon
COLABORADORES: Adriana de Fátima Meira Vital Amador Ribeiro Neto Amiel Nassar Rivera André Macedo Carolina Tavares Viana Cícero Émerson do Nascimento Daniele Ribeiro Eber Freitas Eltonn Moreira Felipe D’Castro Hadassa Araújo Costa Ìcaro Medeiros Jéssica Monteiro Joheel Rodriguez Jon Moreira José Lourenço José Pereira Josessandro Andrade Lizziane Negromonte de Azevedo Márcio dos Santos Gomes Matheus Lucas de Andrade Camara Mayara Porto Melchior Sezefredo Machado Paulo Gracino Pedro Soares Rafael Cal Rochelle Melo Pereira Thaiana Campos Viviane Santiago
Envie suas produções para: boca_escancarada@hotmail.com Os trabalhos serão avaliados e aprovados pela equipe do editorial antes da publicação. Os arquivos de textos devem ser compatíveis com o editor Microsoft OfficeWord (2003 ou superior) e se enquadrarem nas seguintes categorias: Poemas: devem ser enviados no máximo dois poemas, com duas páginas no total; Conto: poderá ser enviado apenas um conto com até cinco páginas; Crônica: poderá ser enviada apenas um crônica, com até cinco páginas; Ensaio: poderá ser enviado um ensaio sobre temas ligados à literatura e/ou demais artes, incluindo cinema, música, artes visuais e artes cênicas - sugerimos o máximo de cinco páginas. Os arquivos de ilustrações, desenhos ou pinturas devem ser enviados no formato JPG, contendo resolução mínima de 300 dpi. Devido às publicações serem impressas em tons de cinza, é preferível que o próprio autor avalie a conversão de materiais coloridos antes mesmo de submetê-los a apreciação, evitando distorções da idéia original da obra. Observação: Todos os materiais devem ser acrescidos de uma pequena biografia dos colaboradores.
Os textos ou fragmentos de textos, quando reproduzidos, devem ter suas referências (autoria e lugar de origem da obra) devidamente citadas, conforme preconiza a legislação vigente no Brasil acerca dos direitos autorais (Lei nº 9610/98). As opiniões emitidas nos textos são de responsabilidade exclusiva dos autores. Não nos responsabilizamos em caso de plágio ou outrem acerca das narrativas submetidas aos editores, devendo ser responsabilizados, exclusivamente, pelos ônus das acusações de plágio e sanções legais cabíveis, apenas os autores das obras.
POEMA
6 AOS BAMBAS POEMA MANANCIAL 6 7
POEMA
MAIS UM CASO CARDÍACO MATEMÁTICO
7
POEMA
POÉTICA DO SENTIMENTO UNIVERSAL
POEMA
8 PARES MÍNIMOS 8 9
POEMA
O FIO E AS MIÇANGAS CONTO
A APOSENTADORIA DA MULHER GATO
12
POEMA
CÁRCERE
DOCUMENTÁRIO
ARTE COM BARRO NO CARIRI: 13 MULHERES MOLDANDO FORMAS
17
POEMA
ANTÍTESA
POEMA
O GRITO DE UM SILÊNCIO
17 MÚSICA & LITERATURA A NAVALHA DE CAZUZA 18 ILUSTRAÇÃO 19 CAZUZA 20
ILUSTRAÇÃO
JOÃO NA TERRA DA INFÂNCIA NÃO VIVIDA CONTO
MESA 21APÓLOGO DA CONTO 23 TRÊS CRIANÇAS CONTO 25 CÃ
26
CRÔNICA
COLCHA DE RETALHOS DO SENTIR ILUSTRAÇÃO/ POEMA
27 ZÉ DA MULESTA EM: SORTE OS PASSARIN CRÔNICA 28 VAGA DE EMREGO 30
POEMA
A AFLIÇÃO DO PRESIDIÁRIO EM POLVOROSA
30
POEMA
O BARDO E A MUSA
POEMA
GALOPE A BEIRA MAR POEMA
31
STEREO TIPO
32 UM VERSO SÓ 32 POEMA LANCE 33 POEMA
CONTO
A APOSENTADORIA DA MULHER GATO
CAPA
33
DERLON
34 SERPENTE 36
POEMA POEMA
LADEIRA DE FRANCISQUINHO
37 POR TRÁS DA MAQUIAGEM 39 POEMA VEREDAS 40 POEMA MARES 40 POEMA ETERNO 40 POEMA POEMA SEM TÍTLO 1 41 POEMA REFLAXÃO DE UM MENDIGO 42 CONTO TEMPO 45 POEMA
POEMA
UM PAÍS HISTÓRICO CHAMADO BRASIL POEMA
CARNEIROS E SONHOS
53 REINVENTANDO CAEIRO 54 POEMA CÂNTICO 54 POEMA
ENTREVISTA
COM SÉRGIO DE CASTRO PINTO
ILUSTRAÇÃO
CÁRCERE
POEMA
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POEMA SEM TÍTULO 2
60
56
52
POEMA
AOS BAMBAS Por Mayara Porto Ao que me consta Não há decretada lei Que nos obrigue a ser feliz Pois a tristeza é companheira Ontológica ao aprendiz. Melancolia é agonia que alivia Quando expressa dores puras Sob alegres melodias. Daí o samba ser esse eco partilhado Num turbilhão de harmonia. Não digo que “quem não gosta de samba, Bom sujeito não é”, Só me compadeço De quem se priva Dessa síncope de fé Que comunga do mexido Cabeça, cintura e pé!
MANANCIAL Por Mayara Porto As águas correm no barro, a margem O rio que nunca é o mesmo, sucessivas viagens. O rebento: em queda, em onda, em maré A lama metamorfoseando o massapé. O azul, o verde, o encardido O sal que sara a injúria com o ardido. Inodora? Insípida? Incolor? O sol que eleva o que a nuvem precipitou. Fonte fecunda represada Força na fuga desenfreada!
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A APOSENTADORIA DA BATGIRL para titia
Por Márcio Gomes
“- O
próximo !!!” Depois de bradar a frase, Tunico viu sentar-se à sua frente aquela senhora. Estagiário em sua primeira semana de trabalho na repartição, o rapaz viase assoberbado por fichas, telas de computador, crachás, andares do prédio, tapinhas nas costas e sorrisos amarelos dos colegas de trabalho, que viram seus amigos serem reprovados no concurso para o cargo que agora ocupava. - “Pois não, em que posso ajudá-la?” - “Quero me aposentar”, disse a senhora. - “A senhora precisa de certidão de recolhimento do imposto previdenciário para poder comprovar que trabalhou pó no mínimo trinta anos, a senhora a trouxe?” - “Eu não tenho isso” respondeu a mulher arregalando os olhos, alterando a voz e espremendo os músculos da face, com certo ar de irritação. Tunico se espantou. - “Como não? Todo trabalhador tem. A senhora não trabalhou em nenhuma empresa?” - “Sim, eu trabalhei também para empresas, em geral nos fins de semana, pois meu ofício não podia ser conhecido pela população. Por isso, obviamente para proteção da minha identidade secreta, eu não aceitei nenhum comprovante que pudesse me comprometer.” - “Sem comprovante de trabalho a senhora não pode dar entrada na aposentadoria” - “Mas eu prestei enormes serviços à população!!!!” Ao dizer isso ela aproximou-se de Tunico e sussurrou baixinho junto ao seu ouvido: “Eu sou a Batgirl”. - “Quem?” perguntou o estagiário. - Com uma voz que mais parecia um trovão, aquela mulher enorme, com roupas coladas que denunciavam um corpo que outrora devia ter chamado atenção de muitos homens, agora de pé frente ao estagiário, com os braços abertos bradou “A Batgirl menino !!! Nunca ouviu falar de mim? Desde os anos cinqüenta eu venho livrando o mundo dos bandidos, dos crimes, das injustiças..... só que agora quero me aposentar.” EducadamenteTunico lhe voltou a palavra. - “Tudo bem senhora, sente-se, por favor. Eu vou tentar lhe explicar. Para se aposentar a senhora precisa comprovar que trabalhou, mas já que a senhora não trouxe o documento comprobatório, eu tenho uma sugestão: eu faço as perguntas que vão aparecendo aqui na tela e a senhora vai respondendo. No final, a gente vê quais são as exigências para abertura do processo e a senhora tenta providenciar, se for o caso.Vamos começar.A senhora dava serviço onde?” - “Ah difícil dizer..... estava em todos os lugares.... e .... quando não estava nos lugares estava em trânsito..... viajando.... pra cá.... pra acolá....num 9
CONTO
canto... noutro canto.... sempre defendendo o bom nome da repartição.” - “Certo.... certo...., mas o seu local de trabalho, qual era? A senhora não tinha ponto fixo? Não batia o ponto em algum lugar?” - “Tinha ..... tinha um ponto fixo sim..... era Gotham City: a cidade de Deus e Deus lá era eu. Bandidos e forasteiros não tinham vez na minha cidade. Comigo lá não tinha esse negócio de lei não.... se mijasse fora da bacia eu capava..... podia ser quem fosse.....prefeito, juiz, promotor ou delegado” ao dizer isso fez um gesto passando a lateral da mão espalmada pelo pescoço.... o que dava a entender que não sabia a diferença entre capar e degolar..... - “Muito bem dona Batgirl.... deixa eu ver.....ahm..... A senhora cumpria sua carga horária de oito horas de trabalho por dia no serviço nos cinco dias da semana?” - “Não, claro que não. Eu trabalhava muito mais do que isso. Gotham City era a minha vida e eu vivia vinte e quatro horas para ela, sete dias por semana 365 dias por ano e as noites também.” - “Eu tô perguntando porque aqui diz.... ahm..... deixa eu ler pra senhora: Na falta dos papéis o requerente à aposentadoria terá de poder comprovar o exercício da atividade em local com residência xa e o seu comarecimento cinco vezes por
POEMA
CÁRCERE Por André Macedo Minh'alma agoniada se debate em meu corpo, seu Cáucaso, em gritos que a dor e o barulho dos atritos minh'alma liberte e meu corpo, mate! Que a força usada no seu combate não torne os seus horizontes finitos Que o rudimentarismo dos conflitos sua centelha divina, não ate! Um dia, o meu cárcere carnal há de perecer, pois tudo perece e minh'alma, ser incompreendido será liberta de mim, afinal, trilhando os horizontes que merece como se jamais tivesse sofrido!
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ARTE COM BARRO NO CARIRI:
MULHERES MOLDANDO FORMAS Por Adriana de Fátima MeiraVital
O
solo é um meio colorido. É um retalho de cores, texturas, consistências, estruturas, cujo surgimento se dá a partir da ação dos elementos climáticos sobre a rocha-mãe, com influência do relevo, dos organismos vivos, no tempo de Deus - centenas, milhares ou milhões de ano. São as energias do elemento masculino e feminino agindo no milagre da vida desde o princípio, promovendo o fendilhamento, a desagregação e a transformação da rocha-mãe em solo, num processo continuado, chamado na Ciência do Solo de intemperismo. É assim, nesse processo de constante transformação, que são originados os mais diversos tipos de solos: alguns com cores mais avermelhadas, amareladas ou alaranjadas; outros em tons mais escuros, brunados, pretos, cinzas, brancos. Surgem até, sob certas condições, solos azulados ou esverdeados para o encanto dos apreciadores. É a Natureza que tinge com um colorido todo especial esse recurso natural, sustentáculo da vida sobre aTerra. Quando a gente se detém na manipulação deste material, complexo pela própria natureza, é possível sentir suas diferentes texturas: alguns mais grosseiros ao tato, os arenosos, outros de uma sedosidade incomparável, traduzindo os teores de silte ou limo e por fim os que têm a maciez da argila. Como tudo na Natureza carece de tempo para se firmar, há os solos mais jovens, com pouca profundidade, de formação incipiente, como a própria adolescência, onde a presença de pedregosidade denuncia a necessidade de cuidados para que possam amadurecer convenientemente e há os mais velhos ou mais profundos, que já perderam grande parte de suas aquisições iniciais e por isso mesmo reclamam igualmente a conservação de sua capacidade produtiva; há solos 13
ARTESANATO DO LIGEIRO DE BAIXO I
por Ivo Leonio
secos e alagados, férteis ou pobres em nutrientes, os que se prestam ao uso agrícola para saciar a fome dos homens e animais e os que necessitam da proteção destes. Os solos são muito importantes em nossa vida. Deles dependem todas as atividades humanas. O solo é o grande reservatório dos segredos da vida.A relação do homem com o solo remonta aos primórdios da própria agricultura, quando o homem passou de coletor a cultivador. Da mesma forma o uso não agrícola do solo se perde na poeira dos tempos quando o homem aprendeu na lida diária e em meio às muitas necessidades surgidas, a transformar os duros fragmentos do minério em utensílios para o trato com a terra, as pedras comuns na edificação de abrigos para sua proteção e a usar o solo na confecção de utensílios para o preparo dos alimentos. Dentre as inúmeras possibilidades de uso do solo, destaca-se a atividade artística, sendo uma de suas aplicações as esculturas e cerâmicas em argila. As ceramistas locais ou "loiceiras" são pessoas que atuam direta e regularmente na modelagem de cerâmica utilitária para venda. Nessa atividade a predominância feminina é marcante na produção das peças: a escolha dos recursos cerâmicos e a modelagem dos vasos são atribuições majoritariamente femininas, cujo aprendizado é passado por mulheres, em geral pelas mães.
“
[...] a certeza de que sua arte contribui para o resgate do saber de sua gente e valorização do solo em que se pisa e que mantém a vida.
”
No Cariri paraibano, a fabricação de objetos de cerâmica da comunidade do Ligeiro de Baixo é voltada para a geração de trabalho e renda, centrando o foco nas determinações de sua existência social como produção, distribuição e comercialização. A matéria-prima, o barro, é obtida em áreas próximas, em região de serra. A retirada e o transporte, em sacos nas costas ou em lombo de burro, são de modo geral tarefas que cabem aos homens, embora muitas mulheres também delas se ocupem, mas a escolha do local de coleta é sempre da mulher, num processo de identificação que sugere uma ligação íntima da mulher com a Natureza, que é mãe também. Quem se detiver em acompanhar o dia de trabalho dessas mulheres, vai poder se enriquecer de seu saber-fazer. Elas se vão em meio à Caatinga, mulheres algo divinas, heroínas, fadas com uma varinha na mão, não de condão, mas de marmelo, para ouvir o solo tinindo, num sussurro mágico que somente elas conhecem, como a dizer que ali está guardado o tesouro da modelagem das peças pretendidas. 14
Seguem a passos rápidos Quitéria, Elizabete, Maria José, Fátima e Veralúcia, olhos que veem e ouvidos que ouvem, acostumados que estão com o som do barro que lhes empresta o sustento. Andam apressadas, como se soubessem exatamente onde encontrar o precioso recurso. No ambiente catingueiro nada lhes passa despercebido; tudo lhes é familiar. Há um quê de cumplicidade, de sintonia, de pertencimento. Sorriso nos lábio, chegam ao local e, como que reverenciando o solo, abaixam-se, agacham-se para ouvir os gemidos da terra. Batem a vara, escutam o eco; apanham um punhado de barro, esfregam entre as mãos. Cheiram. Reconhecem o material. É o local da coleta.
Essas mulheres, cheias de encanto e sabedoria, apreendida em meio a lida com a terra, que também é mulher e mãe, fazem seus objetos de cerâmica através de técnicas tradicionais, nas quais não aplicam nenhum mecanismo de industrialização. Tudo é simplicidade, cuidado, desvelo, exigindo delas paciência, pois barro é preparado em sucessivas etapas: depois de coletado no campo, o barro seco, antes de ser armazenado e molhado, é quebrado em pequenos pedaços, para isso elas usam um mão de pilão ou barrote de madeira para socar, em seguida, peneiram, acrescentando água. O barro então é amassado e re-amassado até que as artesãs, em sua vivência mágica com a arte de dar forma a terra, entendam que a pasta está pronta. A vivência diária lhes permite descobrir “coisas” na sua arte e um passo essencial, nesse processo, consiste em despinicar, isto é, tirar as impurezas; outras vezes, é necessário misturar barros diversos para se obter uma boa liga. 15
ARTESANATO DO LIGEIRO DE BAIXO I
por Ivo Leonio
A NAVALHA DE
Por Amador Ribeiro Neto Cazuza descobriu o Brasil. Escancarou a cara do país. A golpes de lâmina, é claro. Como convém a um poeta. A navalha de sua “músicapoesia” cortou fundo. Deixou uma cicatriz para as cobaias de Deus continuarem seu (dele/delas) caminho. Afinal, ele disse: “o tempo não pára”, “a burguesia fede” e “o nosso amor a gente inventa”. Cazuza foi farol na praia de uma geração que mal conhecia o blues, ignorava a prevenção da Aids e vivia porraloucamente a 'abertura política' (promovida de cima pra baixo – e por militares). O garoto rebelde e insatisfeito com a vida burguesa que herdara não hesitou em colocar sua dor e seu tesão nas paradas de sucesso. Ao som do blues e colado ao corpo da amada ele pede: “me avise quando for a hora”. Gritando um rock primitivo desafia: “Brasil, mostra tua cara”. Nos anos 80 ele é a voz e poesia de uma geração que tivera na Tropicália sua última escalada sócio-poético-musical. Um jovem bonito e cheio de vontades mete o dedo na ferida dos corações aflitos e das mentes politicamente insatisfeitas. Une amor e política no mesmo palco. Sem sucumbir à pieguice política de uma certa corrente 'engajada' da MPB, surgida à época dos festivais, mantém-se atento às denúncias e avanços do melhor do rock internacional. Mas não se descuida da excelente MPB dos anos 20, 30 e 40, não sem razão conhecida como “Época de Ouro”. Antenado com o ontem e o agora, nunca hesitou em expor as dores de um eu-lírico dilacerado pelo desamparo, pela falta de amor, pela inadequação ao mundo: “você me quer? / você cuida de mim? / mesmo que eu seja uma pessoa / egoísta e ruim?” ele pergunta sem dissimulações, mergulhado na poeticidade da linguagem infantil de um certo Bandeira. Mas se no poeta pernambucano o lado frágil e criança emerge em situações bem-humoradas (como em 'Madrigal tão engraçadinho'), em Cazuza o adulto volta à infância através da (fratura) da carência afetiva (exposta). Talvez por isto mesmo um de seus discos se intitule “Só se for a 2”, o que aponta para a inclusão do outro no projeto deste sujeito primeiro. O outro aparece como possibilidade do eu safar-se do inferno. O outro é figura fundante e fundamental. É a possibilidade do céu na terra.Ainda que provisoriamente. Mas quem é este outro? É o homem, a mulher, o governo, a família, a 18
religião, a droga, o sexo; enfim, os cambau. O outro é complemento de aproximação e repulsa. Motivo de amor e escárnio. O outro é, de fato, complemento indispensável. Tanto a solidão pessoal como a marginalidade social são inimigos combatidos pela evocação do outro. A não segregação entre indivíduo apaixonado e prática política é uma das metas mais almejadas pelos artistas. Infelizmente a maior parte sucumbe a um ou outro polo. Com Cazuza não. Ele sente e sabe. Canta: “Meu partido é um coração partido”. Que deve ser entendido também como “Meu partido é um coraçãopartido”. Por isto o eu de suas composições ama sobre jornais: retratos e representações da vida cotidiana. Política, lazer, economia, esporte, cultura, classificados. Todas as notícias, todos os assuntos, todos os temas se amalgamam em Cazuza Assim, Rimbaud e Dolores Duran passeiam por suas letras e músicas de mãos, copos, drogas e corpos dados. Noel Rosa e Mick Jagger, idem. Lupicínio Rodrigues e Jack Kerouac são companheiros de estrada na busca desenfreada por sentidos para a vida nonsense. A busca por uma estabilidade emocional e sóciopolítica deste eu aflito encontra em Fassbinder e em Glauber Rocha a violência/virulência de imagens cinematográficas neobarrocas. Os ambientes soturnos de Fassbinder e o sol enlouquecedor de Glauber refletem-se/reverberam-se nos artifícios das letras e dos acordes de Cazuza. Viva Cazuza!mãos o barro se transforma.A depender delas, a arte da loiça de barro será preservada.
ILUSTRAÇÃO CAZUZA
por Lucas Cordeiro
ILUSTRAÇÃO JOÃO NA TERRA DA INFÂNCIA NÃO VIVIDA
por Luiz Fernando
E
ra um dia de festa. Pessoas corriam de um lado para o outro arrumando os últimos detalhes da grandiosa recepção. Em todos os cômodos da mansão havia móveis que, sob vigilância da anfitriã, eram limpos cuidadosamente. Cada móvel foi reformado, polido, mudado de lugar. Enquanto os móveis riam, no auspício da nova roupagem que apresentavam, a mesa, mais reflexiva que o natural, no centro da sala, com olhares de estranhamento e aspecto descontente, permanecia intocada. Os demais móveis receberam nova coloração, espargiam perfume, alguns receberam toalhas e enfeites novos. Apenas ela, a mesa, permanecia com seu aspecto de sempre: a mesma cor desbotada, desperfumada, sem conserto. O riso e a felicidade dos outros passaram, aos poucos, a incomodá-la. Assomaramlhe: a sensação de inferioridade, a autocomiseração, o orgulho ferido. Não suportava, rancorosa que era, a sensação de que era vista como uma qualquer e passou a reclamar-se da vida triste e lamentável a que aqueles seres a submetiam. Quem aqueles móveis exibidos pensavam que eram? E onde estava a dona da casa que não a considerava em inestimável utilidade? Como poderia ficar calada diante de situação tão injusta? Sentia-se no direito de reclamar. Há anos servia à família que ali residia. Era esse o pagamento recebido por tanto anos de assistência? Imundos todos! Mereciam alimentar-se no chão, como animais, e não em sua reconfortante planície. Queria que todos morressem, que um incêndio destruísse a pompa daqueles móveis dados à alegria fácil, que uma enchente destruísse os risos daqueles seres tão frívolos! O ódio ergueu suas mãos em chamas e tateou-a com violência. Ela, se pudesse, tudo faria para destruir aquele contentamento que não lhe pertencia. Foi neste instante que gritou contra todos os móveis, e seus enfeites, as mais absurdas injúrias. Expôs os defeitos, as fragilidades, os insucessos dos companheiros com a intenção de fazê-los se sentirem por baixo, assim como ela se sentia. “Se eu não mereço ser bem tratada, ninguém mais merece!”, pensou. Disse tudo o que pensava e, sem se importar com a tristeza que poderia causar aos seus, rebaixou-os com as piores imprecações. Não se deu por vencida e passou a lamentar-se das vezes em que foi bondosa. Atirou sobre os que estavam ao seu derredor o quanto os tinha ajudado. Queria fazê-los perceber, não sem palavras contundentes, o quanto era vítima da falta de solidariedade e injustiça daqueles a quem ela só havia dado auxílios. e-mail: j.junioradv@bol.com.br
(83) 3351-2663/ 9972-5371 Av. José Galdino, nº 87, 1º andar, Centro - Monteiro/PB
Advogado - OAB/PB 17.183
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TRÊS CRIANÇAS
CONTO
Por Rafael Cal Eram três crianças no elevador. Sete ou oito anos, no máximo. Antes, no playground, algumas crianças brincavam. Elas três e outras. Não era possível saber quantas: eram muitas e corriam e gritavam, o que tiraria a concentração de qualquer observador. Naquela correria toda, o menino chamou a menina. Sua amiga. A melhor. Queria te pedir uma coisa, disse baixinho, com a boca meio fechada, olhando pra baixo. A menina tremeu: era apaixonada por ele. Ele pediria um beijo? A boca secou. Suava um pouco.Tentou disfarçar o nervosismo, olhou pros lados. Mas você tem que prometer que vai guardar segredo, ele seguiu. Não notou nada de diferente nela. Não percebeu a boca seca, a testa suada e nem os movimentos esquisitos da perna esquerda, que só poderiam ser fruto do nervosismo da situação ou de algum distúrbio neurológico. Ai, tô curiosa!, ela falou olhando pra cima. Ainda suava, tinha a boca seca e a perna descontrolada. Promete que jura?, ele tentou construir um compromisso altamente sigiloso. Ela prometeu, fala o que é!, insistiu, ele tenso, ela quase fechando os olhos e abrindo levemente a boca esperando pelo beijo, esperava pelo beijo, esperava por ele, esperava por ele e seus sete ou oito anos bem vividos. Mas quando a respiração dele não se aproximou, quando viu ele parado, paralisado, olhos no chão, boca meio fechada. O silêncio, grande, grande demais para seus sete ou oito anos. Foi num rompante, enfrentando aquele silêncio que o menino ergueu os olhos, abriu a boca e despejou tudo. Ela teve vontade de chorar. Sabe ela?, disse e apontou pra uma menina de sete ou oito anos em pé sobre um banco de madeira que tinha um laço rosa na cabeça, gosto dela, mas não consigo falar, você fala pra ela que eu quero casar com ela? Teve mais vontade de chorar. Ou cometer um homicídio. Ainda que, aos sete ou oito anos, o significado exato da palavra homicídio não estivesse muito claro pra ela. A menina do laço rosa ia embora no dia seguinte. As férias tinham acabado e o tempo na casa da avó também. Era hora de partir e o menino de sete ou oito anos estava completamente apaixonado. Sua pergunta tinha ficado sem resposta. Insistiu, como se não fosse nada, como se ela não estivesse ali, suada, com a boca seca, os lábios quase rachando, a perna descontrolada. Ela não conseguia responder. Queria chorar. Achava que ia ser pedida em casamento, que ficaria junto com o menino para sempre, com um casal de filhos, uma casa na praia e um cocker spaniel feliz correndo no quintal de uma casa no subúrbio. Mas não chorou. 23
Falo. Saiu rápido pra ele não perceber a lágrima brotando no olho. Foi em direção à menina de laço rosa e cochichou alguma coisa no ouvido dela. Nada sobre o menino. E voltou. Pronto. Ela disse o quê? Nada. Ela não tinha dito mesmo. Nada?, quase frustrado. Nada!, repetiu já deixando o aperto naquele coração de sete ou anos escapar um pouco. Mesmo?, insistiu, não acreditava. Ela não disse nada, tá? Ele estava frustrado. Achou que faria um pedido de casamento naquele dia, que ela não precisaria voltar pra casa, que eles ficariam juntos para sempre, com uma família grande, muitos filhos, uma casa na praia e um basset feliz correndo no quintal. Só o que houve foi a continuação da brincadeira e a gritaria no playground. Até às seis e o toque do sino da igreja na esquina. Eram, então, três crianças de sete ou oito anos no elevador. Em silêncio. Quarto andar. Saiu a menina com seu coração partido. Olhou para o menino no elevador, seu amigo, e acenou antes de correr pra que ninguém visse seu choro. Quinto, sexto e sétimo andares. O menino de cabeça baixa. A menina meio triste pelo fim das férias. Em silêncio. Ela gostava dele. Mas não tinha coragem de contar. Achava que, naquele último dia de férias, ele ia pedir sua mão, que ela não precisaria voltar, que eles ficariam juntos para sempre. Teriam três filhos, um gato siamês, um sítio com piscina e churrasqueira e morariam num apartamento perto da praia. Talvez fosse diferente se soubesse que ele gostava dela. Mas não sabia. Oitavo andar. Os dois saíram.A menina queria um beijo e um abraço de despedida. Ganhou dele um tchau rápido, numa tentativa de esconder o choro preso.Triste, abriu a porta da casa da avó e foi lavar as mãos para o jantar. Quase não mexeu na comida. No apartamento da frente, o menino olhava pela janela pras nuvens escuras no céu. No quarto andar, a amiga dos dois chorava deitada nas almofadas de bichinhos de pelúcia. Eram três crianças de sete ou oito anos. Sofrendo por amor.
SOBRE O AUTOR Rafael Cal Dramaturgo e professor e mora no Rio de Janeiro. É colaborador do blogsdoalem.com.br e publica sempre no fazendoumdrama.blogspot.com.
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CÃ
CONTO
Por Lizziane Negromonte Azevedo Já fazia muito tempo que coisa alguma chamava minha atenção. Na verdade eu até já estava acostumada àquela vida mesmerizada de dormir, acordar, estudar e trabalhar. Até meus pensamentos eram cíclicos! Parecia que nunca me aconteceria algo de extraordinário, que me fizesse perder o sono ou que tirasse minha atenção. Inquietação era uma palavra que não me ocorria e, na verdade, eu nem sabia se aquilo era bom ou ruim. Mas, tudo isso mudou de forma abrupta uma semana atrás. Na primeira vez que o vi não pensei que ficaria tão mexida. Afinal, eu sabia que uma hora ou outra esse encontro aconteceria. Eu estava preparada, sim, estava! E aquilo não poderia surpreender-me. – Era o que eu pensava. Mas, algo havia mudado dentro de mim desde então e eu demorei a perceber. A princípio achei que poderia flertar com ele sem maiores conseqüências, mas temi por saber que não ficaríamos somente naquilo. Então, decidi que o melhor seria ignorá-lo enquanto era cedo, fazer de conta que não o tinha percebido. Era impossível! Por mais que eu o evitasse, ele sempre aparecia diante dos meus olhos; fosse pela manhã, tarde ou noite e, às vezes, até nos meus pensamentos! Aquilo estava fora de controle! Comecei a ficar nervosa, não sabia como lidar direito com aquilo. Foi aí que passei a desejar aquela vida de antes, sem percalços, sem taquicardias, sem nada que me tirasse do eixo. Pensei em diversas formas de parar aquilo ou, pelo menos, diminuir a velocidade com que toda aquela mudança se projetava. Era impossível, impossível! – Dizia para mim mesma. Mas, de repente ocorreu-me uma ideia. Temi por sua execução, afinal eu nunca havia feito algo como aquilo antes. Passei alguns dias torturando-me com a ideia de eliminá-lo da minha vida, pensado se aquilo seria realmente o certo a fazer. Eu sabia, e era previsto, que outros surgiriam na minha vida e que eu não poderia eliminar a todos. Mas, eu tinha medo. Ele era o primeiro e eu não queria avanços. Angustiada, fitei-o determinada a não o ver mais, pelo menos por enquanto. E, sem dó nem piedade, arranquei aquele cabelo branco.
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COLCHA DE RETALHOS DO SENTIR Por Jéssika Monteiro Cordeiro
E
CRÔNICA
u visto a roupa da emoção, costuro o sentir. Sibilo de forma rápida e inquieta porque não me convém usar palavras, todo sentir se faz notório em minhas vestes. Eu mesma corto cada sentimento, escolho suas cores e costuro todos como na colcha de retalhos que é o meu coração. Procuro usar ternura em tudo que faço, em cada laço que dou, cada ponto que findo. Lavo meus dedos macios e calejados com perfume de alecrim e procuro não remendar muito a colcha de retalhos porque coisa velha sempre dá trabalho, pode virar furo e todos sabem o quanto os furos na nossa colcha do sentir doem. Incomoda quando olho e percebo que alguns laços estão se desfazendo e outros perdendo a cor. Corro lá com minha caixa de costura e logo dou meu jeitinho. Eu procuro sempre fazer tudo direito, não errar, porque se a linha fica fora do lugar, a qualquer momento tudo pode se soltar. Passo noites em claro tentando repor os espaços que estão furados, tentando remendar o que já foi danificado e colorir o que já desbotou. Minha vida é baseada na eterna fabricação da colcha. Tem vazio que eu olho e fico sem saber se ainda merecem receber alguma costura, alguma revisão. Eu também me pinto, me bordo.Tem dias que acordo vestida no cetim do amor e espalho carinhos por toda parte. Outras vezes me visto com toda a graça de um palhaço e tudo fica leve, breve.Vêm os sorrisos e vão-se as tristezas. Recorto a felicidade alheia e colo nos buracos que ainda estão aqui. E se me aventuro um pouco mais, perco a linha e viro a mãe, a tia, a amiga, a namorada postiça, a psicóloga, a conselheira. E no fundo é isso que eu amo: cuidar de pessoas. Tenho uma alma sensível demais para não me compadecer de qualquer olhar que pede acalanto, qualquer falar que pede um colo. Sou amante do sentir, do servir. Eu gosto de sugar o que as pessoas têm de melhor.Todos têm algo para me mostrar, algo para acrescentar à minha coleção de minúcias, de renúncias, de histórias. Nunca achei alguém que não tivesse um mínimo tesouro para me contar. Eu já vi gente dura feito pedra dar uma flor, já vi gente mal humorada sorrir com fervor. Eu me apaixono pelo que as pessoas têm de melhor para me dizer. Por isso eu amo ouvi-las, sinto necessidade de fazê-las ficarem bem nem que seja por 5 minutos. E tudo isso me deixa leve, feliz. É como se eu ganhasse o mundo e o perdesse toda vez que o fim do dia chega e todos os dias eu tenho que reconquistar esse mundo. Tenho que dar afeto de novo, distribuir amor e salvar o dia mais uma vez, o meu dia. É assim que eu quero continuar a coser minha colcha de retalhos do sentir. É assim... 26
SOBRE O AUTOR
Joheel Rodriguez Desenhista, Pintor,Artista plástico, Músico, Editor Digital. Inicialmente autodidata posteriormente formado em Artes visuais. Oficinas e aulas de Desenho, Pintura e Artes. “Minhas obras têm por prioridade combater a desinformação de todos os tipos”. “Dedico-me particularmente a produzir, pesquisar e divulgar, as melhores formas de artes através Exposições, Oficinas, Mini - cursos, vídeo aulas, Intervenções artísticas, visuais e sonoras.” “Meu estilo é livre, não me restrinjo a uma só escola acadêmica.” “Meu trabalho recebe diversas influências de artistas Internacionais, Nacionais e Locais”. CONTATO: joelrodrigues83@yahoo.com.br
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VAGA DE EMPREGO Por Viviane Ferreira Santiago
C
hegando hoje para me
os maiores mestres poderiam
candidatar
uma
me ensinar o dom da escrita
vaga de emprego, me deparo com a questão: por que você deve
que vive em mim. Eu deveria ser escolhida
ser escolhida? Eu pensei por
pela manhã que me acorda as
a
menos de um segundo e me pus a
sete, me leva ao topo do que
responder: Devo ser escolhida entre
nunca sonhei amontoada entre
tantos
porque
anda,
pobre,
na
alegria,
na
infância
tantos em um trem que não mas
rasteja
com
a
fome,
tristeza,
sabedoria de quem entendi que
entre
sorrisos
estou lendo meu novo romance,
beijos
pela chegada ao sonho que me
molhados escrevi. Entre braços que jurei
escancarados
carrega entre os dedos, pelas
amor
eterno,
e
e
manhãs
solitárias de novembro eu me
broncas que me inspiram, mal sabem eles... Nada importa
se
me
fiz palavras em versos mal
deixam escrever quieta em meu
moldados, que com suor, sonho
canto. Pela escola que não me
e valsas me educaram e levaram a uma intocável perfeição que
cansa, mas me trás a certeza
busco com a certeza de que nem
de que um dia valerá à pena. Escola de escrita? Sim, escola
SOBRE A AUTORA
de
escrita,
os
burocráticos costumam chamar
Viviane Santiago Natural de Minas Gerais e vive atualmente em São Paulo, é estudante de jornalismo e escreve contos, poemas e crônicas. Foi vencedora do Concurso de Poesias Nacional do Paraná em 2013. Vencedora do concurso ''Jornalista Valacir Cremonese'' categoria crônica 2013 Ela resume escrever: ''Escrever é poder ter mil vidas camufladas em uma só''.
de jornalismo. Devo ser escolhida, pelo sentido que minha vida toma, escrever é minha vida, e sem a escrita não há a tal vida. Que a escolha seja doce, como tudo que transpiro, e o resultado ainda doce me façam rir entre estes dígitos.
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ILUSTRAÇÃO por Philipe Thayslon
A AFLIÇÃO DO PRESIDIÁRIO EM POLVOROSA
POEMA
Por Hadassa Araújo Costa Em estando a minha pessoa Em completo êxtase e medo, Eu me vi sobre teu segredo Numa superfície que voa. Em desespero me perdi, As tuas mãos escorregaram Eu iria apanhar a ti, Mas teu segredo m'avia atado. Preso nos grilhões de tua mente Percebi ser eu teu segredo, Então conclui que tão somente Apartar-me-ia de mim mesmo Por que me escondestes de mim? E me deixastes isolado? De tão pronto entreguei-me a ti, E me fizestes presidiário?
ILUSTRAÇÃO por Hadassa Araújo Costa
O BARDO E A MUSA Por Hadassa Araújo Costa Teu amor é a fineza de um baile, Junto à devastação de grande guerra. Ouço-te declamar liras. – Meu bardo, És tal como um ser celeste na Terra. – Molde-me à teu peito com um abraço, Corte meu fôlego com teu suspiro, E que o timbre de tua voz, cogito, Trague-me, então, num derradeiro laço. Qu'eu te pertença em atos e palavras, Enquanto o poder dessa canção nutres, Não mais há liberdade qu'eu desfrute, Não mais há vida qu'eu ande solitária. Enquanto eternizas a intensidade, Para mim, já não mais há liberdade. ti, E me fizestes presidiário?
ILUSTRAÇÃO por Hadassa Araújo Costa
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POEMA
GALOPE À BEIRA MAR Por Eltonn Moreira
Nas águas tão turvas como uns despautérios Insanos cardumes vão vociferando. Uníssonos gritam quase suplicando Aos homens que lancem os seus impropérios. À noite é o luar que esconde os seus mistérios, Sentado na areia eu fico a contemplar Buscando a canção que vem do marulhar Que toca e acalenta centenas de ouvidos Mas passam silentes pelos meus sentidos E eu canto um galope na beira do mar. As ondas dementes arrastam os seres Que vagam sem vidas quando esterilizam Feridas abertas que não cicatrizam, Mas nascem no cerne dos tolos prazeres Povoando o meu ego almejando os poderes De um dia sobre as águas poder passear, Ser como o vento, poder velas soprar E o mar não passará de um rio profundo. Eu vou decifrando os segredos do mundo Cantando um galope na beira do mar. De longe só ouço mais um eco escabroso Do vento que sopra na beira do cais Tangendo bravio as brisas matinais Criando as procelas do mar tenebroso. Distante um navio parece assombroso Nas grandes tormentas que fingem cessar E as belas sereias começam cantar Causando desgraças pra lá de insolúveis Até inebriar certas ondas volúveis Nos dez de galope na beira do mar.
SOBRE O AUTOR
Eltonn Moreira: “Nasci em Serra Branca no dia 24 de março de 1985. Sempre fui interessado em literatura principalmente José Lins do Rêgo, Guimarães Rosa e Machado de Assis. Na infância tive contato com os violeiros de meio de feira e sempre" fui admirador da arte do repente e da poesia popular. Aos 15 anos tomei contato com a poesia de Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos dentre os quais devorei profundamente. Sou estudante de letras pela UEPB, trabalhei como professor de literatura brasileira e colaborador de uma pequena e extinta revista de poesia intitulada Racha Quengo em 2008.” CONTATO: eltonnapiceformidavel@hotmail.com
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O mar adormece, controlam-se os medos E a brisa retorna acalmando as marés. Na beira eu passeio molhando os meus pés, Tecendo na areia meu linho de enredos. O meu tino revela os insanos segredos, Requintes que a terra insiste em cultivar E a musa gestante deixou de esperar O que foi gerado com dor e alegria, Nasceu uma filha chamada poesia E o pai é Netuno, senhor desse mar.
TI
E Odeiros ento ento E R ro Me rnam trum S TPor Íca um o or Ins nota lh a co pal me sm e a No ra o a m u a toc Seg ó toc nte lhe te E s ifere o não peten te Ind etorn com ausen ota é sg e O R nica idad se e ira Téc tentic tação insp o Au rpre o nã e to az Int itaçã sco men to Lim pira coa, e uipa timen o Sus não e do eq o sen nteúd r e o Voz pend lifica em c dade De amp o e s novi dade Pra ricad de, é quali do Fab s ven sem o Tu Ma som o Tip E o Stere Sai
PO
UM VERSO SÓ Por Ícaro Medeiros
Um verso só, só que nunca solitário e da batalha voluntário versus esse monopólio, com sua restrição de espólio que segue sempre a mesma trupe, porém, me recuso a me enquadrar pois amorfa é minha escrita e sua métrica limita quando nego a literatura, digo “arte e regra que loucura” e de repente quebro o texto sem mais nem menos faço rima com incesto a minha mão sem cabresto altera pontuação e o meu score é um milhão, trezentos e trinta e sete aí de repente tu vem com aquela fita K7 e a mesma programação para, em vão, extrair um inventário todo em código binário e minha mente deu um nó, vejo nada à minha frente a liberdade ou o caritó, mas é muito complicado prefiro a simplicidade do humilde Um ver so só. Sai StereoTipoTudo
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GRAFFITI por Derlon
BAZAR
QUINTANS
Travessa Pedro Pedrosa Amador, nยบ 33, Centro Monteiro - PB Tel.: 83 9857.7957
Sempre a primeira