Revista BOCA ESCANCARADA - 4ª edição - PRÉVIA

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Revista Quadrimestral - ano 2 - nº4 Janeiro - Abril 2014

EDIÇÃO: André Sérgio Soares G. Trigueiro andressgt@hotmail.com

Lizziane Negromonte Azevedo lizzianeazevedo@hotmail.com

Rosangela de Menezes rosangela_menezes02@hotmail.com

REVISÃO: André Sérgio Soares G. Trigueiro e Lizziane Negromonte Azevedo

DIAGRAMAÇÃO: Mateus Quintans mateusquintans@gmail.com e Rosangela Menezes CIRCULAÇÃO: Paraíba/Brasil IMPRESSÃO: Gráfica Monsenhor Rodas TIRAGEM: 300 exemplares ISSN: 23117-4781

CONTATOS: boca_escancarada@hotmail.com ou bocaescancarada1.blogspot.com.br ENDEREÇO: Avenida Olímpio Gomes, 123, Centro, caixa postal 27, Monteiro-PB. CEP: 58500-000

CAPA: Jorge Elô FOTOGRAFIAS: Asley Ravel Mateus Quintans Rafael Vilarouca Rosangela Menezes ILUSTRAÇÕES: Mariana Sales Mateus Quintans Raphaell Mota Alves André (Zaca) Arruda COLABORADORES: Amador Ribeiro Neto Amiel Nassar Rivera Danilo Moveo Djinaldo Galindo Felipe Leite Flávio Magalhães Joelma Vieira José Gomes da Silva Josessandro Andrade Josy Lira Marcelo Medeiros da Silva Marco di Aurélio Márcio dos Santos Gomes Maria Teresa Coelho Nal Nunes Paulo Gracino Pricila Gunutzmann Rafael Cal Wanessa Denyelle Wellington Carlos Zito Jr.


Envie suas produções para: bocaescancarada@hotmail.com Os trabalhos serão avaliados e aprovados pela equipe do editorial antes da publicação. Os arquivos de textos devem ser compatíveis com o editor Microsoft Office Word (2003 ou superior) e se enquadrarem nas seguintes categorias: Poemas: devem ser enviados no máximo dois poemas, com duas páginas no total; Conto: poderá ser enviado apenas um conto com até cinco páginas; Crônica: poderá ser enviada apenas um crônica, com até cinco páginas; Ensaio: poderá ser enviado um ensaio sobre temas ligados à literatura e/ou demais artes, incluindo cinema, música, artes visuais e artes cênicas - sugerimos o máximo de cinco páginas. Os arquivos de ilustrações, desenhos ou pinturas devem ser enviados no formato JPG, contendo resolução mínima de 300 dpi. Devido às publicações serem impressas em tons de cinza, é preferível que o próprio autor avalie a conversão de materiais coloridos antes mesmo de submetê-los a apreciação, evitando distorções da idéia original da obra. Observação: Todos os materiais devem ser acrescidos de uma pequena biografia dos colaboradores.

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Q

ueridos leitores, este é o quarto editorial que escrevo para a Revista Boca Escancarada e é, sem dúvida, um dos mais difíceis. Sinto que o peso das boas lembranças embaça-me a vista, os sentidos todos, e a fluidez mesma das palavras ora postas neste papel. Não é fácil falar do que não existe mais, daquilo que não se recupera, que não se refaz. Quem dera que as palavras escritas tivessem o condão de transformar a realidade e trazer de volta o passado e sua beleza. Éramos três, eu, Raniel Quintans e Joelma Vieira. Três pessoas que se juntaram em torno de um sonho que se tornou real, graças a Deus e ao trabalho árduo que cada um de nós dedicou a este periódico. Apesar do pouco tempo de existência, esta revista nos trouxe muitas alegrias, sendo a primeira delas vivermos os três juntos intensamente por mais de um ano, compartilhando sonhos, planos, ideias, projetos, ações, VIDA. Mas, infelizmente, no dia 24 de dezembro de 2013, nosso grande amigo e companheiro, o poeta Raniel Quintans, despediu-se precocemente do cenário terreno deixando-nos atônitos e órfãos da sua intrepidez, coragem, sagacidade e criatividade. Apesar da tristeza que nos abate, não deixaremos de lutar com amor e dedicação por este periódico que é tão importante para nós e que, hoje, é uma referência para os nossos artistas, que veem na Boca Escancarada um lugar de repouso, de morada, de liberdade poética. Nesta primeira edição de 2014, apresentamos-lhes nossa nova marca e projeto gráfico, que marcam nossa busca por um produto cada vez melhor e mais representativo da arte e cultura. Além disso, essa edição traz nosso tributo, nossa homenagem ao nosso grande amigo e poeta Raniel Quintans, a quem dedicamos esta edição. Dentre as mudanças ocorridas, não poderíamos deixar de apresentar a nova equipe responsável pela revista, qual seja: Lizziane Negromonte Azevedo (Editora Geral); André Sérgio Soares Guedes Trigueiro (Editor Adjunto e revisor de textos); Mateus Quintans (Designer) e Rosangela Menezes (Designer e revisora de textos). Afora o meu, esses são os novos nomes da Revista Boca Escancarada, aqueles que travarão uma luta persistente e intransigente para a manutenção deste periódico, para a preservação, fomento e divulgação da arte e cultura. Portanto, aproveitem mais uma edição desta revista genuinamente monteirense e caririzeira! Lizziane Negromonte Azevedo Cofundadora e Editora da Revista Boca Escancarada Escritora e Advogada


CONTO

6 A TRAVESSURA DE SEBASTIÃO MICROCONTO 8 INSÔNIA POEMA MEDO? 9 POEMA SAUDADE 9 CRÔNICA O ARCO DO CUPIDO 10 POEMA CASAL EM AQUARELA 10 12

LITERATURA COMENTADA

A DUPLA CHAMA: AMOR E EROTISMO EM ABELARDO PEREIRA DOS SANTOS

19

CORDEL

90 ANOS DE ENCANTOS DE UM PAVÃO MISTERIOSO MICROCONTO

22 DESEJO 23

POEMA

{POEMA SEM TÍTULO

23

POEMA

INGRID(ENTES)

24 26

POEMA

PRATO DO CHEFE

POEMA

PORTO QUE AFOGOU MARIA

28 30

CONTO

SÍSIFO FRAGMENTADO

27 28

POEMA

PARTIDA

CONTO

A ÁRVORE RESENHA

A GEOPOÉTICA DE EUCLIDES DA CUNHA


FOTOGRAFIA

ENSAIO RESQUÍCIOS

31 VÁRIOS TRABALHOS 32

ILUSTRAÇÕES

PRIMEIRAS PALAVRAS PARA UM ÚLTIMO ADEUS

35

LITERATURA COMENTADA

O DUPLO EM AGONIA: ‘DESABITAÇÃO’ E ‘APARÊNCIA’ NA POÉTICA DE RANIEL QUINTANS

POEMAS DE RANIEL QUINTANS

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CORRUPÇÃO

43 AMNÉSIA 43

CANTO LIBERTÁRIO ÍNDOLE

45

CAMINHOS ERMOS

ESPECIAL

44

46

MÚSICA & LITERATURA

47

CAETANO: NEOBARROCO E ZELOSO NA CONSTRUÇÃO DAS RIMAS

POEMAS EM HOMENAGEM À RANIEL QUINTANS

DESABAFO SE...

53

52

UM QUASE POEMA SOBRE UMA BOA E BREVE MORTE

54 HOMENAGEM DE NAL NUNES 55 TERCETO 57 “RANIELANDO” POR AÍ... 58 ATRAVÉS DE TUAS RETINAS 59 PRAÇA RANIEL QUINTANS 60


ILUSTRAÇÃO CALIGRAFIA LÍQUIDA por Mateus Quintans

A TRAVESSURA DE SEBASTIÃO

CONTO Por Lizziane Negromonte Azevedo

E

u não sei quem foi que inventou escola!

- Sebastião, tá na hora de tomar banho pra ir

Qualquer dia desses eu pergunto pra professora. Isso é

pra escola, menino! Vem logo, senão você vai chegar

uma chateação danada! Ano passado eu vivia solto pelas

atrasado!

ruas, brincando de bola, pião, jogo de botão. Nunca

-Tá bom!

nem ouvi falar em escola. Não sei o que aconteceu pra

No caminho pra escola, vejo meus ami-

tudo isso mudar. Acho que fiz alguma coisa errada e

guinhos que ainda brincam na rua, livres. Eles mal

meus pais não me disseram. Porque todas as vezes que

sabem que existe esse negócio de escola. Que pena!

fiz alguma traquinagem fiquei de castigo. Será que

Eu queria tanto voltar a brincar com eles, sem ter que

escola é um castigo também? Todo dia minha mão é

ir pra escola.

obrigada a caminhar na mesma trilha da caligrafia. Ô

“Aaaa, Bbbb, Cccc....”

coisa chata! Tão querendo treinar minha mão, sabe?

-Vamos parar um pouquinho, turma.

Mas ela é muito desajeitada, faz o caminho da caligrafia

- Sebastião, porque que você não está lendo as

igual a um bêbado que passou aqui na rua essa semana.

letrinhas com seus amigos?Vamos tentar mais uma vez?

Vai pra lá e pra cá sem acertar a linha.

“Aaaa, Bbbb, Cccc...”

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Não bastasse ficar naquele repeteco durante

sorvete, que comprei com o troco. Aí pronto, o açúcar

a aula, a professora ainda passou um monte de tarefa pra

não existia mais! Foi por isso que levei a palmada.

casa. Tinha cópia, leitura, ditado, conta... Ufa! Um

– Ronaldo, tu é um gênio!

livro cheio de coisas pra estudar. Mas quando cheguei

– Por quê?

em casa, logo depois do almoço, resolvi fazer logo a

–Vou furar meus livros e também meu caderno.

tarefa todinha pra poder ir pra rua brincar. Só não saí

– Por que você vai fazer isso?

mais rápido porque minha mãe me ajudava muito de...

– Tu é burro mesmo, né, Ronaldo? Ora por

va... gar, e, além disso, sempre pedia pra eu repetir a

que, por quê! Porque eu quero derramar cada letra

conta, escrever de novo uma palavrinha aqui outra ali.

deles até não sobrar nada. Assim, não vai mais existir

Aquele para... parale... paralepito... fez minha mãe

livro e caderno. E se eles não existirem, eu não preciso

ficar nervosa. Ela ainda gritou comigo:

ir pra escola! Escola não é pra aprender o que tem no

- “Paralelepípedo, menino! PA-RA-LE-LEPÍ-PE-DO, vê se não esquece agora!”

livro? Se não tiver nada no livro, não tem o que aprender, não é? Entendeu, ô gênio?

Não, eu realmente não queria minha mãe

– E tu tem coragem de fazer isso mesmo? Tu

como professora lá na escola. Ela é muito nervosa, nem

vai é levar uma bela surra da tua mãe, igual a que eu

parece com tia Rosinha. Ela é tão boazinha! Eu gosto

levei.

dela. Só não gosto mesmo é dessa chateação de escola, tarefa, decorar isso, decorar aquilo.

– Eu não vou deixar pista, não.Tá pensando o quê, menino? Eu sou esperto! Vou deixar as letrinhas

Assim que terminei a tarefa, guardei o

todas escondidas, pra minha mãe não perceber que fui

caderno e os livros todos na bolsa e fui correndo

eu. Mas é segredo, viu?! Não vá dizer nada pra ela, não!

procurar minha bola. Joguei a tarde toda com os

Senão você vai ter que se ver comigo!

meninos na rua; até brigar nós brigamos, mas a gente

Passei a noite pensando como colocar meu

não contou nadinha pra nossos pais. Se alguém abrisse o

plano em prática. No dia seguinte, assim que minha

bico, o castigo tava garantido. Ah, isso eu tenho certeza!

mãe saiu pro trabalho, fiquei no quarto procurando um

E ninguém queria isso não. Já no finalzinho do dia,

troço pra derramar letra por letra dos meus livros. A

enquanto a gente brincava com umas bolinhas de gude,

melhor arma que eu achei pro serviço foi um lápis de

fiquei conversando com o Ronaldo sobre a escola. Ele

madeira bem afiado. Eu olhei pra ele, mas o que vi foi

também não gostava de ir pra lá. A gente ficou falando

um monte de contas, ditados, cópias, contornos... Eca!

de um monte de coisas, até que o Ronaldo falou que

Agora... agora seria diferente. Ele vai ser minha arma.

semana passada a mãe dele pediu pra ele comprar um

Devagarzinho, girei, girei, girei, girei o lápis em cima

quilo de açúcar no mercado e levou uma boa palmada

do livro e, a cada página furada, saia um riozinho fino de

quando chegou em casa.

letras, que escorria pra dentro de uma caixa que eu

– Oxe, e tu levou a palmada só porque

deixei bem pertinho do livro. Não queria que nenhuma

obedeceu tua mãe, foi? Eu pensava que a gente só

letra bancasse a sabichona e caísse no chão. Já pensou se

apanhava quando desobedecia.

isso acontece? Eu seria descoberto na mesma hora!

– É que o saco do açúcar que eu peguei tava

Quando eu terminei o trabalho, guardei as

furado e, durante o caminho pra casa, ele derramou

letrinhas, todas molengas, debaixo da cama. Ali era

todo. Eu não percebi nada porque tava tomando um

meu lugar secreto. Depois, coloquei os livros e o

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caderno na bolsa e fiquei esperando minha mãe chegar

não ser ir pra escola. Quando cheguei pra aula, com

em casa pra me ajudar na lição, quando, então, ela ia ver

meus livros todos limpinhos, zerados de números e

o “milagre”... Rsrsrsrsrs.

letras, todos olharam pra mim com medo. Passei o

– Sebastião, traz o caderno e os livros pra

resto do dia sozinho, no canto da sala, enquanto os

gente fazer a lição de hoje.

outros se divertiam ouvindo as historinhas que a

– Hoje não tem lição não, mãe.

professora contava; fazendo seus nomezinhos trêmulos

– Como é? Traga aqui seu material que eu

repetidas vezes no caderno, ou, simplesmente, fazendo

quero ver isso.

contas, na maior competição, só pra ver quem

Espantada, olhando o caderno e os livros

respondia primeiro. Fiquei enciumado, também queria

todos branquinhos, sem uma letra sequer, mas com um

participar. Aquilo, pela primeira vez, parecia divertido.

furo enorme em todas as páginas, minha mãe gritou:

Mas, como eu poderia entrar naquela brincadeira? Eu

– Sebastião! Ô Sebastião! O que foi que

esvaziei meus livros, estavam todos ocos. Eram inúteis

você fez, moleque atrevido? Isso é arte sua, não é?

daquele jeito, brancos! Ah... mas, é claro! Havia uma

– Minha? Eu não sei o que foi isso não, mãe!

solução! Eu ainda poderia me juntar aos meus colegas

Mas, já que não tem nada aí, não preciso ir pra escola,

da escola e fazer aquelas atividades! Alegre, corri pra

não é? Não tem nada aí pra aprender! Posso ir jogar bola?

casa assim que a aula terminou. Fechei a porta do

– Não vai pra escola? Jogar bola? Deixe de

quarto, joguei os livros em cima da cama e peguei a

ser atrevido e mentiroso, menino! Vá agora mesmo

caixinha onde eu havia trancado todos aquelas letras e

tomar banho que eu vou te deixar na escola, depois eu

números. Olhando pra eles dentro da caixa, fiquei em

vejo o que faço com seu material.

dúvida se os deixava sair. Pensei, pensei, até que resolvi

Aquilo estava errado. Como poderia ter

derramar letra por letra, número por número dentro

dado errado? Meu plano parecia genial. Se não tinha

daquele buraco que eu mesmo havia feito em cada livro.

nada escrito no caderno nem nos livros, eu não

Era mágico ver como cada um deles reconhecia seus

precisaria ir pra escola nem fazer lição de casa. Poderia

lugares e se grudavam nas páginas. Fiquei de queixo

brincar o dia todo. Droga! Eu não tinha o que fazer, a

caído, lendo-os em sua formação original.

M I C RO C O N TO

I

N

S

Ô

N

I

A

A noite em claro e o dia no escuro. Por André Sérgio

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Quem é que nunca ouviu Um dia alguém contar A história de um pavão, Que começou a voar Há mais de noventa anos E que nem pensa em parar.

Desta forma entendemos Que o “bicho” é real, Mas não só nesses dois mundos Que foi tão especial. Foi também no imaginário Do contexto cultural.

Ele é misterioso, Mas nunca foi encantado. Passeou no mundo todo E sempre foi bem lembrado, Por tudo que fez e faz E por onde tem passado.

Portanto, esse pavão Voou em três dimensões. Na escrita do cordel Com as fantásticas ações, Mas foi na vida real As grandes transformações.

Ele é o grande astro De um romance acontecido. Um romance de verdade, Daqueles bem aguerrido, Que já tem quase cem anos, E jamais foi esquecido.

Mas temos que nos lembrar De fazer um comentário Da cultura popular, Que compôs o seu cenário, Constituindo a História Do seu mundo imaginário.

José Camelo de Melo Resende, grande inventor. Não só inventou o bicho, Como também foi autor Deste tão belo romance, Fantástico e inspirador.

Como disse o poeta No mundo da ficção, O grande pássaro mecânico Em forma de um pavão Levantou seu voo na Grécia, Mas passeou no Japão.

Puxando pela memória E pela imaginação, Buscando na nossa História Alguma explicação, Vamos ver nessa viagem A mais pura sedução.

Fez um ninho na Turquia, Toda Europa percorreu, Deu um giro no Oriente, Voou, subiu e desceu, Mas sei que em Guarabira Foi a terra onde nasceu.

Vamos ver que o pavão Na ficção foi criado, Fazendo grande viagem Pelo mundo encantado, Mas foi no mundo real Onde mais foi explorado.

FIM

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POEMA

PARTIDA Por José Gomes de Silva - Professor Gomes (Monteiro - PB)

Já sinto com antecedência A saudade de te ver Ter que deixar-te e partir Pra onde e não sei pra quê. Quando me encontrar ausente Na mais longínqua paisagem Terei mil felicidades Ao recordar tua imagem. Dos teus cabelos ondulados Recordo as ondas do mar Tal qual o pousar da gaivota Quando para de voar. Tens no olhar a pureza De um semblante de criança Que guardarei com carinho Na mais eterna lembrança. Teu sorriso simboliza A certeza do Criador Pois jamais a natureza Faria com tanto amor. Se todos que nos rodeiam Tivessem um sorriso igual Esse mundo tão perverso Não seria assim tão mau

ENSAIO RESQUÍCIOS por RafaelVilarouca FOTO I (a baixo) FOTO IV (ao lado)



CONTO

SÍSIFO FRAGMENTADO Por Felipe Leite

Q

ue não, que não, que não, que nunca entenderei esse negócio de morte, ele disse. Se, no fim, todo mundo morre, qual é a necessidade de viver?, esse cansaço todo, esse desgaste imenso, o vazio, esse vazio não deveria ser evitado? Na mesa, silêncio. Olhares constrangidos, enviesados. Troca de olhares. Inequívoco concordar plasmado ao unânime emudecer. Alguém, porque há muito, arrota – como que para reverter a dinâmica da quietude. Mas o silêncio, esse permanece. Permanecem, também, as pessoas, naquela mesa de bar, pensativas, anuladas. A angústia se denunciando até no rosto da criança – que tenta dormir no colo do pai. Decidem pedir outra rodada de cerveja e, sem vontade, bebem. Muitos querem ir para suas casas. A conversa, aos poucos, é retomada, agora com cuidado. E medo. Nada de profundidades, pensam, por terem na superfície o mais fácil. E eles não tencionam compreender o difícil. Mas ele, ele sim. Porque acredita que é discutindo a morte que se chega ao controle da própria vida. Porque o raso sempre lhe foi tão pouco. Morrer deve ser lindo, ele supõe - quase inaudível. O cala a boca que se segue vem monotônico. Alguns se levantam e vão, sem participar da divisão da conta. A criança chora, assustada. A mãe grita que ele enfie seus pensamentos no cu, de onde não precisavam ter saído. A criança chora. A proximidade entre os dois, ele e ela, se revela na gênese do afago. Ele esfrega as pontas comidas de seus dedos na franja rala e escura. O pai arrasta a filha para longe, mas os olhos da menina continuam grudados nele, que, já se fazendo confuso borrão na calçada imunda, lhe berra: pensar a morte, a pedra que se empurra para cima e, perto do ponto que se deseja atingir, rola até o lugar de onde se veio. A mãe para e suspira. Algo nela se rompeu. Ela sentiu aquele impacto. Mas ela não assume, ela aperta o braço da menina e impõe: é mentira. Suas mãos estão suadas. A menina se volta para ele e pisca.Agora, ela conhece o drama da condição humana. SOBRE O AUTOR

Felipe Augusto Silva Leite tem dezenove anos, cursa Letras-Português na UFBA e é ilheense, mas reside atualmente em Arembepe-BA. 26


PRATO DO CHEFE Por Amiel Nassar Rivera Para Azemar Jr. Você me excita como o cheiro do alho em óleo quente A receber o macarrão ao dente. Você me deixa como água para chocolate. Seus olhos lembram-me as jabuticabas a escorrer entre meus lábios os sumos da infância perdida. Suas lágrimas trazem o sal para não deixar insossos os temperos que preparo para a minha vida. Seus lábios são como os jambos que eu roubava da casa da vizinha. Tocá-los me deixa tonto como se eu tivesse provado cachaça e mel. O seu corpo me tenta como os tomates e o manjericão A cobrir a pizza quando estou faminto. Seu cheiro é a pimenta que o molho do meu corpo necessita. Pena que na cozinha de minha vida o prato que celebra o nosso amor esteja sendo marinado com suco ácido de limão ou preparado em banho-maria em fogão de pouca lenha. E que você seja apenas sonhos, suspiros.

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POEMA


PRIMEIRAS PALAVRAS PARA UM ÚLTIMO ADEUS

J

osé Raniel Gomes Quintans, Raniel ou, simplesmente, Raninho, como os mais próximos o chamavam. Um homem singular em sua forma de pensar e viver o mundo. Apaixonado pela poesia, música, filosofia e teatro, Raniel Quintans foi um dos grandes nomes que Monteiro já teve no que diz respeito às artes. Viveu pouco, porém intensamente. Seus abraços o imortalizaram – entre aqueles que tiveram o prazer de senti-los – como um homem que amava sinceramente aqueles que o rodeavam. Ainda sinto, com profundo pesar, a força do seu último abraço que, sem sabermos, reafirmava nossa amizade e, também, marcava nossa despedida. Prometemos uma ao outro, três dias antes de seu precoce falecimento, que trabalharíamos muito em 2014 para que a Boca Escancarada tornasse-se um marco, um verdadeiro patrimônio cultural paraibano. Hoje, a realidade que se nos apresenta não é das mais fáceis. Perdemos nosso querido e inestimável Raniel Quintans, mas herdamos sua perseverança, sua intrepidez em transformar sonhos em realidade. Não é fácil lembrar-se dele sem que o meu coração fique apertado e as lágrimas rolem pelo rosto. Como eu queria escrever algo diferente! A promessa está de pé, a luta continua, Raniel! Lizziane Negromonte Azevedo Cofundadora e Editora da Revista Boca Escancarada Escritora e Advogada

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O DUPLO EM AGONIA.

'DESABITAÇÃO' E 'APARÊNCIA' NA POÉTICA DE RANIEL QUINTANS. Por Márcio dos Santos Gomes

E

mil Staiger desenvolveu em dois livros que se tornaram clássicos da

teoria literária intitulados 'Conceitos fundamentais de Poética' (1946) e 'A arte da interpretação' (1955) um conceito de lírica que em muito se aproxima tanto da teoria filosófica dos idealistas quanto da consecução poética dos pré-românticos e românticos alemães. Segundo o pensamento do autor, a lírica se dá no momento em que ocorrer uma 'Verschmelzung' (amalgamento) entre o eu-lírico e o objeto que está servindo de mote para a construção poética, ou seja, no momento em que a realidade subjetiva, a que pensa o poema, e a realidade objetiva, lugar da representação dos objetos e sentimentos do eu-lírico que povoam o poema, se fundirem, se unificarem, se congraçarem num amálgama único, absoluto e inseparável. É um pensamento que ecoa uma tradição teórico-poética iniciada em fins do século XVIII com o Goethe da 'Teoria das Cores', com o Schiller nas 'Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade', que passa pelo conceito de 'Mito' de Hölderlin do 'Hyperion' e dos textos teóricos sobre poesia', que se desenvolve em especial do primeiro Friedrich Schlegel romântico e que toma forma filosófica no conceito de 'absoluto' do Hegel da 'Fenomenologia do Espírito' e na 'Filosofia da Mitologia' de Schelling e que parece retornar na discussão poética do século XX e XXI. Gostaria de retornar a esse conceito de 'Verschmelzung' usado por Staiger para pensar a lírica no intuito de, a partir dele, tentar aproximar-me da poética de Raniel Quintans, começando pelo poema 'Espelho'. Espelho Olhar este objeto inanimado. Olhar nele E enxergar o que há por trás. Não! Não o que está por trás, Mas, sulcos marcadores do tempo Que estão explícitos em sua frente, Estendidos em teu semblante. Verdades? Mentiras? Talvez camadas de cosméticos Aliciem os enganos, No entanto, As raízes da verdade sempre afloram. (Raniel Quintans)

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Quintans trabalha aqui a autofiguração, a construção da imagem de si a partir do ato realizado pelo sujeito-poeta de mirar-se a si mesmo no espelho. Podemos nos aproximar do poema se tomarmos como hipótese que ali existem dois movimentos poéticos complementares. Num primeiro movimento poético, o eu-lírico aponta para a existência de uma relação aparentemente dicotômica que se estabelece entre 'essência' e 'aparência' e que se explicita intrapoeticamente a partir de um choque semântico formado pelos verbos 'haver' e 'estar'. (Olhar nesse objeto inanimado e enxergar o que há por trás. Não! O que está por trás). A negação expressa exclamativamente, que o ato de ver a si realizado pelo eu-lírico concretiza, indica que o que ali está não é o que há, que o que se mostra na sua momentaneidade presente (o que está) não é o que ali se coloca de forma perene (o que há), não é o que existe ao resistir ao tempo. Subjaz a esse pensamento a idéia de que o que estou não é o que sou, ou seja, só sou no momento em que não estou, isto é, não sou isso que aparento ser quando me mostro na minha aparência presente. Apesar de mostrar-me na aparência sou aquilo que nela se furta, aquilo que dela se esconde e, dessa maneira, aquilo que com ela deixo transparecer. Pensado dessa maneira, ser e estar não se encontram mais em oposição, mas falam de uma mesma eclosão, de um mesmo aparecer. Nesse primeiro movimento poético, que vai explicitamente se tornando mais intenso verso a verso, o olhar que busca o que se esconde, o que foge, o que está por trás, o encontra, na verdade, no que permanece, no que está na frente, no que se mostra. Nesse sentido, o que o eu-lírico olha no que permanece é o que lhe foge, o que ele vê no se mostra é a ausência que assim se-lhe é revelada, que assim se carnifica na imagem do espelho que está diante de si. O espelho é a máquina de fazer aparências, portanto, aparecimentos, e o que ele mostra é o vazio que ali se presentifica, o que assinala é a presença de uma ausência, de uma pausa entre as notas que ressoam figurativamente nos ecos do vidro. Dessa forma, ambos, a aparência e o vazio são mostrados, concomitantemente, um em sua opulência plástica outro na ausência de sua presença. Sendo assim, o amálgama de que falava Staiger, que se singulariza no ato realizado pelo eu-lírico de ver a si na imagem do espelho realizado.

“O espelho é a máquina de fazer aparências, portanto, aparecimentos, e o que ele mostra é o vazio que ali se presentifica[...].” Se seguimos essa interpretação, notamos que o poema de Quintans implode com clareza a relação dicotômica existente entre ser e parecer e, dessa maneira, o poeta parece, num primeiro momento, querer desfiliar-se, mesmo que de forma aparentemente estranha, de uma tradição que pensa o mundo a partir de instâncias antitéticas excludentes, que pensa o sujeito a partir do ou 'é isso' ou 'é aquilo' e que pretende classificá-lo e esquartejá-lo para então engavetá-lo, reduzindo as suas possibilidades de ser a uma permanência fotográfica e eterna de um de seus modos de ser. No movimento de autocompreensão de si, de busca de si a partir do olhar no espelho, o poeta embaralha as demarcações antitéticas explícitas para pensá-las a partir da lógica do paradoxo.

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Ao instituir esse mundo fluido de conceitos complementares, as classificações antitéticas perdem, na visão do poeta, o seu valor. Verdades e mentiras são colocadas no mesmo plano uma vez que em sua aparência cosmética, forjada, artificial, mesmo ali, existe a eclosão da verdade como desvelamento daquilo que se esconde. O poeta caririzeiro instaura, dessa forma, nesse momento, uma verdade como desvelamento de um ser de SOBRE O AUTOR duplicidade, uma verdade que mesmo no erro se mostra como verdade, uma verdade que, Márcio dos Santos Gomes é professor-

mesmo na máscara de seu oposto, se coloca ontologicamente como existente para aquele doutor do CCHE/UEPBque tem a coragem de enfrentar o mirar profundo de si mesmo através da contemplação do Monteiro vazio que emerge junto com a superfície da própria face que o espelho oferece. É diante de superfície/profunda, desse brilho/opaco da cor que se furta no quadro, da sonoridade que se esgoela do momento de pausa, portanto, diante desse mostra-se de si por meio do que se esconde, que ele se espanta. É ante a essa verdade que se mostra como falsa que emerge a concepção desse eu que se olha e que celebra a duplicidade de seu ser afirmativamente, mesmo que para isso precise carregar os versos de tonalidade melancólica, de um fio de tragicidade que costura suas palavras, que une as pontas aparentemente soltas dessas pseudo-antíteses, dessas aparente-oposições. Vejamos especificamente. O verbo 'haver' do Português remonta ao verbo latino 'habere' que traduz uma idéia de posse, de propriedade. 'Haver' é, portanto, 'ter algo', 'ter posse de algo'. O substantivo 'habitus' originado da mesma raiz, cristaliza essa posse expressa por 'habere' alterando-o semanticamente sentido originário em palavras que

por Asley Ravel


POEMA

Tenho sempre o olho focando o materialismo, Crivo meus pés no vírus corrosivo Do querer mais e mais ilimitadamente. Valores que distinguia o homem Ficaram na poeira adormecida de outrora. A extorsão é a carta Entregue diariamente em minha mesa. Discursos piedando-me Aos sem tetos; Aos sem saúde; Aos sem trabalho...não importa! É apenas necessário que existam Para eu continuar tendo gravatas de seda E a ostentação a sublimar-me.

De

Raniel Quintans

CORRUPÇÃO

No país das maravilhas, Dependendo do montante adquirido, Palavras magistrais tão bem escritas no livro das leis Perdem seu próprio valor Nas bocas emudecidas dos senhores magistrados.

AMNÉSIA Na semana passada Os rádios comunicavam: Alguma rua ou avenida Está sendo lavada de sangue. Famílias trabalhadoras Que até então festejavam O domingo no parque, Subitamente encontravam-se Contando horas Na pancada de um pau de arara, Diante de monstros Com suas verves sujas E fardas de humanos, Proclamadores da desordem. Terrores, Torturas... O objetivo: Manter o sossego do rei!

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Nesta semana, Possivelmente Haverá sabatina de estória, Os alunos divertem-se Vendo bang-bang na televisão E ouvindo O excremento fonográfico Que fortalece Lobistas integrantes deste reinado.


CANTO LIBERTÁRIO Se a volúpia é pecado Não tenho outra alternativa: Fogueira ou crucificação! Mas vos dou o gosto do direito de me julgarem, Covardes! Que ficam esperando por um dia único e pobre Para exibirem suas carcaças de móveis humanos. Podem me queimar, Agora saibam que jamais Poderão liquidar meu pensar literário Pois é ele que me gera Me sustenta Me transcende Me faz Tocar em tua mão e valsar Pelos jardins da casa, rua, mundo Pelos jardins construídos em meu peito Aceso Limpo Largo Tranqüilo Enamorado... Tu, paradigma da humanidade Não tenhas medo destas palavras trôpegas Deixas apenas que elas misturem-se Com a brisa suave e que sussurrem em teus ouvidos, Beije tua tez e te cubra com o poema... A melodia dos versos trará flores aos teus dias inquietos E quebrarás as algemas que asfixia. Enfralda-te nos dias pobres datados E dormes em paz Porque a insônia paira sobre os imbecis.

FOTOGRAFIA por Rosangela Menezes

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Raniel Quintans

POEMA


pronome pessoal, como substantivo: um laço sintático-semântico de indivíduos e suas dificuldades. Uma rima pouco usual encontramos na canção “Qualquer coisa”, do disco homônimo, de 1975: Quero que você ganhe Que você me apanhe. Sou o seu bezerro Gritando mamãe. A rima soante dos versos 1 e 2 é usual: ganhe-apanhe. Tal como um bezerro “gritar” mamãe é incomum, e soa poético ao ressoar o sublime à la Manuel Bandeira, a rima acompanha este “estranhamento”: aproxima sonoramente “apanhe” de “mamãe”. O jogo de rimas em “Atrás do trio elétrico” (do disco “Caetano Veloso” – o já referido disco branco – de 1968) cria um jogo especular de sons e imagens que se desdobram e fecham na articulação dos fonemas: ... que é do outro lado Do lado de lá do lado Que é lá do lado de lá O jogo entre “do lado” e “lá do” permite que o “lá do” se converta em “lado“ e o “lado” em “lá do”. Tal recurso, em si, interessante, ganha mais ludismo ao ser cantado em ritmo do frevo e ao iconizar o movimento dos passos do dançarino. Em “De lá do lado que é lá do lado de lá” há uma confluência de aliterações e assonâncias que promovem o embate do choque das consonantais com a abertura das vogais num movimento dançante de imagens e sons. No compasso deste ludismo podemos construir, literalmente, um dado de papelão e imprimir em cada face “do” “outro” “lá” “do” “de” “lado”. Ao manipularmos o dado, materializamos a concretude da poesia e o ritmo da canção. Enfim, entramos no “carnaval” do trio elétrico “carnavalizando-o”, como propagou o grande estudioso da cultura popular, Mikhail Bakhtin. Não é uma rima tradicional: é um processo rímico que se dissolve em um recurso denominado palíndromo (quando se pode ler um texto, concomitantemente, da esquerda para a direita e da direita para a esquerda). É isto que acontece na canção que possui uma letra banal: “Irene”, gravada no mesmo “disco branco”:

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Eu quero ir minha gente Eu não sou daqui Eu não tenho nada Quero ver Irene rir Quero ver Irene dar sua risada Irene ri Irene ri

SOBRE A AUTOR Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e professor-doutor da UFPB

Irene ri O sorriso de Irene desenha-se da esquerda para a direita e da direita para e esquerda: IRENE RI. Vale destacar, como bem me lembrou Raniel Quintans, que “Irene” era o nome pelo qual Che Guevara apelidara sua metralhadora. No caso, a repetição de “Irene ri” seria a onomatopeia da metralhadora ao fazer disparos. Eis um pouco da poética caetânica. À memória de Raniel Quintans, um buarqueano que amava Caetano.

BAZAR

Advogado - OAB/PB 17.183

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POEMA

UM QUASE POEMA SOBRE A BOA E BREVE MORTE

In memoriam

por Djinaldo Galindo-Naldão - Arcoverde/PE À Raniel Quintans

Como um Antínoo ao modo Cariri Resolveu embarcar na barca de Caronte aos primeiros sinais do ocaso Ele é poeta e lucrou parcela que segundo pensadores sérios Da vida vale a pena ser vivida. Poeta na morte e não da morte. Deixou-nos, assim, sem despedida, Livrando-nos da laboriosa tarefa Das justificativas duvidosas e dos desmentidos fáceis. Fugiu à hipocrisia dos lamentos destinados aos que lentamente fenecem saltando gigantescamente a solidão Infinda daqueles que da existência Perdem o exato momento da perfeita partida - saindo à francesa da grande festa da vida. Como um punk à moda sertaneja Ele escolheu “queimar logo a ficar sumindo aos poucos” Escapou ao duvidoso drama (nosso, os que ficamos) Carpideiras modernistas De lágrimas frias, quase cibernéticas - este que escreve. Ele é poeta e não ensinou a viver! Ele é poeta e ensinou a morrer! (Mas não nos enganemos – este Que escreve – é bem possível Aprender a viver melhor Com a boa morte alheia) Ele morreu de morte morrida E não de morte temida. Nunca mais sujeito À ignomínia Humana: À indiferença dos grandes (digo dos financiadores da arte) Ao flagelo das secas (que mais de 450 anos perturbam O Cariri paraibano), Aos amores não correspondidos E correspondidos da mesma forma, Aos cansaços (do corpo e da psique), A desesperança das religiões E de toda sorte de superstições inúteis, Aos temores dos cânceres Da hemodiálise, do diabetes e da hipertensão,

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POEMA

HOMENAGEM DE NAL NUNES por Nal Nunes - Monteiro/PB O teatro anuncia Em letra preta o papel Fechando a cena da terra Abrindo a porta do céu Começa o novo espetáculo Na vida de Raniel.

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In memoriam

A (in)Previdência Social, Digo do SUS, Da circunstância do seu abdômen, Aos excessos das preocupações Com a higiene, Ao veneno das convicções ideológicas, Das discussões sobre alienígenas E do derretimento das calotas polares, Dos recicláveis e não recicláveis, Da questão de Israel e da Palestina, Da situação nas Coréias E sobre a bomba iraniana, Do dólar e da bolsa de valores, Do gênero que amanhece ao lado da nossa cama, Todos os vícios e seus juízos. Nunca mais nunca “mases” E até onde sei não haverá herdeiros E necessidade de inventários. A gravidadecessoudeesmagar O seu nariz em direção À terra extrema. Ele viveu como quem a morte conhecia. Ele morreu como quem a vida viveu.



POEMA

TERCETO tua amizade rápida teus projetos interrompidos vida dura morte prematura por Amador Ribeiro Neto - João Pessoa/PB Para Raniel Quintans

O NINHO INVISÍVEL por Rosangela Menezes

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ATRAVÉS DE TUAS RETINAS por Flávio Magalhães - Sertânia/PE À Raniel Quintans

As noites da cidade Eternos tédios A poesia Naquelas nuvens Do teu cigarro, Insistindo tua volta. Silêncio... A ausência Das tuas palavras A Boca Escancarada Foi amordaçada No final da rua, Onde tu recitavas Poemas para as estrelas. Silêncio... A garganta seca, inquieta Gritando em todos os lugares A tua imagem A tua voz O teu jeito. O silêncio, A mais triste poesia Sangra por noite adentro Na esperança de ouvir Tua risada Contra a mediocridade Desta sociedade Onde tu nos deste A liberdade De sermos visionários. Aqui, nunca será crime sonhar.

MATEUS QUINTANS ROSANGELA MENEZES 59

POEMA



Sempre a primeira


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