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Percepções e experiências sobre a gravidez e o parto entre lideranças femininas de movimentos sociais.
2015
Esta publicação foi produzida em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde - OPAS (carta acordo BR/LOA/1300090.001), com o objetivo de analisar experiências de lideranças femininas acerca da gravidez e do parto. Federação Democrática Internacional de Mulheres - FDIM Marcia Campos - Presidenta Lenice David Antunez - Secretária Executiva Coordenação do Projeto Maria Beatriz Pires da Rocha Alarcon Pesquisa Mirlene Fátima Simões Wexell Severo Fotos Gontzal Domingo Aldama Edição e Projeto Gráfico BN Editora e Publicidade LTDA ME
Percepções e experiências sobre a gravidez e o parto entre lideranças femininas de movimentos sociais.
Percepções e experiências sobre a gravidez e o parto entre lideranças femininas de movimentos sociais. FDIM – Federação Democrática Internacional de Mulheres. Coordenação: Maria Beatriz Pires da Rocha. Organização de Pesquisa Mirlene Simões Severo. São Paulo: BN Editora e Publicidade LTDA, 2015. ISBN: 978-85-66294-03-3 Inclui bibliografia 1. humanização do parto. 2. saúde da mulher gestante. 3. sistema único de saúde.
Lista de Abreviaturas e Siglas ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar CFM - Conselho Federal de Medicina FDIM - Federaçõ Democrática Internacional de Mulheres FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz MS - Ministério da Saúde OIT - Organização Internacional do Trabalho OMS - Organização Mundial da Saúde ONU - Organização das Nações Unidas ONU Mulheres - Organização das Nações Unidas para as Mulheres PAISM - Programa de Assistência Integral a Saúde da Mulher OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde PIB - Produto Interno Bruto PHPM - Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento SUS - Sistema Único de Saúde UNICEP - Fundo das Nações Unidas para Infância
Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Parte I 1. Sobre a gravidez, o parto, e o pós-parto: preâmbulo . . . . . . . . . . . 17 1.1. Breve histórico: Pré-Natal no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 1.2. Sobre o nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 1.3. Para que pós-parto? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2. Os programas de proteção e atenção à mulher gestante no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 3. A Humanização do Pré-Natal ao Nascimento e o subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). . . . . . . . . . . . 45 4. Valorização e respeito da maternidade: cesáreas e parto normal . . 57 5. Percepções de lideranças femininas sobre a gravidez e o parto . . . 63 6. Propostas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 Parte II 1. Oficina I Expressões das lideranças femininas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 2. Oficina II Diálogos: lideranças de movimentos sociais de mulheres e representantes do poder executivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
Primeira Oficina FDIM/OPAS
Apresentação É com muito orgulho que a Federação Democrática Internacional de Mulheres - FDIM, através de seu Centro de Estudos e Pesquisas ‘Mulher e Trabalho’, entrega para o movimento feminino brasileiro e internacional mais uma ferramenta que nos ampara e auxilia em nossa luta diária pela igualdade de direitos, pela promoção da mulher, pelo acesso a saúde integral, pública e de qualidade, pela plena emancipação da mulher que passa pela conquista e garantia do acesso ao trabalho em todas as categorias, com salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres, com educação, creches, lavanderias e restaurantes populares. Esta publicação, produzida em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde - OPAS (carta acordo BR/ LOA/1300090.001) possibilitou um amplo debate com as lideranças femininas acerca da gravidez e do parto, trouxe uma rica troca de experiências, não só com as mulheres engajadas nas diferentes frentes da luta, como também com técnicos e especialistas da área. Trouxe um aprofundamento das consciências, apontou as dificuldades do momento vivido para reverter a situação das cesáreas, como também da reivindicação para que o parto normal seja realizado em condições dignas e seguras para todas as mulheres brasileiras e, principalmente, elevou o compromisso de todas com a necessidade do con13
trole social e com a participação da mulher nos mais diversos fóruns para a garantia de seus direitos. A FDIM realizou o presente estudo em uma realidade em que a crise econômica destruiu de 2008 a 2013 cerca de 13 milhões de empregos para as mulheres em todo o mundo, além disso, em 2012, a proporção de mulheres em empregos vulneráveis foi de 50% (OIT, 2014). Além disso, desde 2011 a economia brasileira vem demonstrando sinais de recessão o que compromete as políticas sociais, principalmente as políticas necessárias para a emancipação econômica e para a saúde da mulher. Diante disso, a luta é diária para preservar e ampliar o investimento público no Sistema Único de Saúde - SUS, barrar os cortes que são cada vez maiores e mais frequentes e que penalizam sobremaneira as mulheres que dele dependem para cuidar de si mesmas e de suas famílias. Num tempo adverso para a emancipação econômica das mulheres no país, este estudo demonstrou que em um grupo de 75 países, o Brasil está entre aqueles que menos reduziram a mortalidade materna entre 2000 e 2013, com redução de 1,7%. As cesáreas corresponderam em 2012 a 55,6% dos partos realizados no país, enquanto a Organização Mundial de Saúde - OMS, recomenda que essa taxa seja de 15%. Os riscos associados ao parto cirúrgico e também a violência obstétrica, foram objeto de avaliação neste estudo, buscando junto às lideranças femininas brasileiras, respostas e sugestões de como o poder público e as mulheres podem enfrentar e superar os problemas apresentados. Unir e reivindicar junto ao poder público o direito à maternidade com ampla cobertura social, emocional e de saúde, desde o primeiro momento da gravidez, até o pós-parto, mobilizou a todas nos debates realizados ao longo da elaboração dessa pesquisa. A FDIM seguirá em frente, com o apoio de todas as fi14
liadas e amigas que participaram desse estudo, a qual agradece profundamente pela contribuição, com o desafio de aprofundar o conhecimento, buscando os elementos que possam apoiar e impulsionar as mulheres na direção de um mundo mais justo, igualitário, fraterno e humano para todos. Agradeço à OPAS e a Área Técnica da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, parceiros da FDIM, que através de seu patrocínio, viabilizaram a realização desse trabalho. Neste ano de tanta significância para a FDIM, entidade que em dezembro completa 70 anos de existência, a entrega de mais um estudo, com a participação ativa de lideranças femininas brasileiras dos movimentos sociais, estimula e aprofunda cada vez mais os conhecimentos sobre a realidade da mulher brasileira, sua qualidade de vida e o estágio de sua inserção na sociedade com igualdade e direitos.
Márcia Campos Presidente Federação Democrática Internacional de Mulheres - FDIM
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Parte I 1. Sobre a gravidez, o parto, e o pós-parto: preâmbulo A gravidez e o parto tem sido no Brasil, de forma mais acentuada desde a última década, preocupação crescente entre os setores da saúde e da sociedade civil, pois tem apresentado altos índices de cesáreas desnecessárias, óbitos neonatais e maternos. Este trabalho tem por objetivo dar destaque para a posição que os movimentos sociais de mulheres e as lideranças femininas entendem por maternidade. A gravidez é um período de grandes transformações para a vida da mulher e de sua família. Momentos de ansiedade e de dúvidas são constantes. Nos nove meses de gestação tanto o corpo da mulher quanto o bebê gerado, passarão por modificações lentas, até o momento do parto. Ao final da gestão o bebê estará com menos espaço na barriga da mãe e esta vai sentir que está próximo o nascimento. Este momento deve ser de muita tranquilidade e paciência, pois, esperar o tempo certo do bebê nascer é fundamental para a saúde da mãe e da criança. No pós-parto os cuidados continuam, mãe e criança devem ser acompanhados para que a saúde de ambos esteja ideal (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). 19
Toda gravidez é a preparação natural para a maternidade. Durante todo o período gestacional, do pré-natal ao pós -parto, a mulher tem o direito a exames de rotina e acompanhamento multiprofissional que possibilite tirar suas dúvidas. A cesárea deve ser indicada apenas quando mãe ou criança correm risco de vida. Mesmo com procedimentos claros e estabelecidos em leis, o Brasil tem sido recordista em cesáreas e é crescente o número de denúncias com relação à violência obstétrica. Ressalta-se que há uma disputa ideológica constante com relação à maternidade e nela os direitos das mulheres e das crianças geradas. Esta disputa baseia-se na ideia de que o sistema público de saúde no Brasil está desestruturado, falido, e que a alternativa e a segurança para se ter filhos é por meio da saúde suplementar. Nesta pesquisa mostra-se que mesmo na saúde suplementar mulheres e crianças não tem seus direitos preservados. Através das vozes das lideranças de mulheres que participaram da pesquisa apresentada neste livro, ressalta-se que os direitos das mulheres gestantes vêm, gradativamente, sendo subtraídos do sistema público, principalmente com a falta de recursos, e isso transformou a realidade de se ter filhos no Brasil. A maternidade se tornou um problema para mulheres e uma preocupação para as famílias brasileiras. Neste capítulo será apresentado alguns momentos desta construção em que a gravidez se tornou uma relação fragmentada entre mãe, filho, família e sociedade.
1.1. Breve histórico: Pré-Natal no Brasil Entende-se neste estudo que o parto é a culminação de um acompanhamento sistemático de todo o período pré-natal, única forma de se ter partos seguros para mulheres e crian20
ças. O adequamento de hospitais e posteriormente de maternidades só terão sucesso em seu objetivo, qual seja, atender de forma completa mães e filhos, se a gravidez tiver acompanhamento profissional. A história mostra que durante muito tempo a gravidez foi um domínio exclusivamente das mulheres, onde seu acompanhamento e posteriormente parto era observado, no máximo, por outras mulheres. Com a evolução das Ciências Biomédicas e de reflexões acerca da gravidez promovidos por diferentes setores organizados da sociedade, como o movimento de mulheres e o movimento pela democracia no sistema público de saúde, foi instituído o acompanhamento prénatal à gestante no Brasil (CRUZ et al, 2014). O pré-natal se tornou realidade no Brasil apenas na década de 1980, como dito, após intensos debates, que reivindicavam como condição de um bom parto o atendimento integral durante os nove meses de gestação, No Brasil, vem ocorrendo um aumento no número de consultas de pré-natal por mulher que realiza o parto no SUS, partindo de 1,2 consultas por parto em 1995 para 5,45 consultas por parto em 2005. [...] Apesar da ampliação na cobertura, alguns dados demonstram comprometimento da qualidade dessa atenção, tais como a incidência de sífilis congênita, o fato de a hipertensão arterial ainda ser a causa mais frequente de morte materna no Brasil, e o fato de que somente pequena parcela das gestantes inscritas no Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) consegue realizar o elenco mínimo das ações preconizadas (BRASIL, 2005, p.7). 21
Ressalta-se, portanto, que as ações para o parto seguro e com respeito aos diretos das mulheres e crianças tem que se associar plenamente ao pré-natal. De acordo com Cruz et al. (2014) a história do pré-natal no Brasil foi tardia e passou por momentos que refletiam avanços ligados à medicina ocidental e também às organizações sociais no Brasil que reivindicavam melhor atendimento na saúde. Para a autora esta história tem início com a vinda da comitiva real de Dom João VI, assim como descreve: No Brasil, a comitiva de D. João VI trouxe Joaquim da Rocha Mazarém, o primeiro professor de partos da Escola Médico-Cirúrgica no Rio de Janeiro, onde lecionou de 1809 a 1813. Durante esse período inicial, em que o objetivo maior era diminuir a alta mortalidade materna, destacou-se a primeira mulher diplomada pela então Escola de Medicina do Rio de Janeiro. Maria Josefina Durocher, formada em 1834, é ainda hoje considerada uma figura emblemática da especialidade. (CRUZ et al. , 2014, p. 90)
Cruz et al. (2014) destaca também a preocupação de José Bonifácio de Andrada e Silva com a mulher gestante trabalhadora, em especial com as escravas, motivo de discursos e propostas de lei para evitar a mortalidade materna, bastante acentuada neste período, Nessa mesma época, também se fez presente a preocupação com a carga de trabalho da gestante no país. Em agosto de 1822, o ministro José Bonifácio de Andrada e Silva já havia incluído um artigo sobre o trabalho da escrava gestante numa representação à Assembléia Constituinte. 22
Mas, os anglosaxões reivindicam para si o primeiro movimento oficial concreto para a proteção da grávida operária, que foi proposto por Peel, em 1840 (CRUZ et al. , 2014, p. 90)
Destaca-se ainda que em relação à grávida operária, em 1919 o Congresso Internacional do Trabalho realizado em Washington (Estados Unidos), indicou preceitos de proteção que influenciaram as legislações sociais posteriores, incluindo as leis brasileiras (CRUZ et al., 2014). Mas, foi somente em 1925, por responsabilidade do Prof. Raul Briquet, da Faculdade de Medicina de São Paulo (que posteriormente se tornará a Faculdade de Medicina da USP), criar e implementar o primeiro serviço do país que dava assistência pré-natal à gestante (CRUZ et al., 2014). Entre 1950-1960 avanços tecnológicos com relação à gestação foram crescentes o que marcou uma maior valorização da gravidez e do parto. E, como dissemos anteriormente, somente na década de 1980 que o pré-natal será instituído como política de saúde com vistas à promoção e garantias de direitos das mulheres e crianças. Importante destacar que em 1968, no Teerã (Irã), na I Conferência Mundial de Direitos Humanos, a Organização das Nações Unidas - ONU, instituiu os direitos reprodutivos como parte dos direitos humanos, mais um motivo para os direitos das mulheres gestantes brasileiras se estabelecerem. Em 1993, em Viena (Áustria), na II Conferência Mundial de Direitos Humanos, tem-se acesso a outro instrumento legal internacional: o reconhecimento dos direitos das mulheres como direitos humanos inalienáveis, universais e independentes. Estes recursos legais, associados às diversas bandeiras reivindicativas dos movimentos sociais no Brasil, objetivaram estabelecer no pré-natal três grandes tópicos, a saber: 23
a) prevenir, identificar e/ou corrigir as condições maternas e fetais que afetam adversamente a gravidez, incluindo os fatores socioeconômicos e emocionais, além das intercorrências clínicas e/ou obstétricas; b) instruir a paciente sobre a gestação, o trabalho de parto, o parto, a amamentação e o atendimento ao recém-nascido, além de orientar sobre os hábitos que podem melhorar as suas condições de saúde; c) incentivar o suporte psicológico adequado por parte do seu companheiro, sua família e daqueles que a têm sob seu cuidado, especialmente na primeira gestação, proporcionando à paciente uma melhor adaptação à gravidez e aos desafios que enfrentará ao criar uma família (CRUZ et al., 2014, p. 91).
Vê-se que o fundamento do pré-natal está presente em equipe que deve ser multidisciplinar, que trabalhe de forma coesa e identifique e resolva os problemas recorrentes da gravidez. Ao mesmo tempo, sabe-se que mesmo com o aumento da abrangência do pré-natal, desde a década de 1980, a qualidade no atendimento e a falta de profissionais distancia a gestantes desta importante etapa de cuidados para o nascimento. Os recursos e financiamento do sistema de saúde é um deles, que se associa a: a) seu custo (mesmo quando gratuito, devem ser computados gastos com transporte, perda de horas de trabalho, etc.); b) capacidade inadequada (qualidade, tempo etc.) da equipe de saúde; c) problemas organizacionais para oferecer o controle pré-natal; d) barreiras do tipo social e/ou cultural; 24
e) dificuldades de acesso geográfico ao serviço; f) ausência de credibilidade nos benefícios oferecidos pelo sistema de saúde e na necessidade de controle da gestação; g) falta de promoção do serviço nas comunidades e de aceitação da sua importância. (CRUZ et al., 2014, p. 92).
Compartilha-se com a proposta de Cruz et al. (2014) que para se alcançar um atendimento pré-natal universal, adequado a realidade de cada gestante é necessário: a) captação precoce da gestante na comunidade; b) atendimento periódico contínuo e extensivo à população-alvo; c) provisão de recursos humanos técnico e cientificamente preparados; d) área física adequada; e) provisão de equipamentos e instrumentais adequados; f) realização de exames laboratoriais obrigatórios; g) abastecimento e acesso aos medicamentos básicos; h) sistema eficiente de referência e contra referência; i) serviço de registro e de estatística; j) sistema de avaliação da efetividade das ações de assistência pré-natal (CRUZ et al., 2014, p. 92).
Lembra-se novamente que hoje o pré-natal no sistema público de saúde é pouco e, em algumas regiões brasileiras nada cumprido dada a falta de financiamento, médicos e equipe multidisciplinar. Este tema será retomado mais à frente. No próximo capítulo será esboçado como tais garantias foram concretizadas na assistência ao parto no Brasil. 25
1.2. Sobre o nascimento Recorda-se que no início do século XX a preocupação com mães e crianças tomou importante espaço de discussão no Estado e na sociedade, haja visto que até este momento o parto era realizado em domicílio, com os cuidados prestados à mãe e a criança provindo de familiares, parteiras e amigos. Lembra-se que: foram criadas leis voltadas para a proteção das mulheres e crianças; publicações destinadas ao público feminino buscavam levar conhecimento produzido por peritos, médicos e higienistas às mães, para que pudessem cuidar de seus filhos com base em preceitos considerados científicos [...] (CASTRO, 2015, p. 70).
Esta nova interpretação do parto no Brasil leva a uma mudança com relação ao nascimento, a partir da década de 1930 o parto em hospitais fora entendido como sendo mais seguro para mães e crianças e assim, o Estado, começa ofertar nos hospitais do país mais leitos obstétricos. Lembra-se que, anterior a este período, dar à luz em hospitais era apenas para mães solteiras, mulheres sem apoio social e familiar ou desprovida de recursos econômicos (CASTRO, 2015). Inicia-se assim uma fase de políticas especiais de saúde voltadas para a maternidade, que se desloca do espaço privado e domiciliar para o espaço público. Lembra-se que os primeiros leitos obstétricos no Brasil surgiram em 1884, no Rio de Janeiro, e uma década depois, em 1894, foi fundada a primeira maternidade de São Paulo, que, como relatado anteriormente, tinha por princípio atender gestantes desprovidas de recursos econômicos. Ressalta-se que São 26
Paulo também se tornou referência em parteiras diplomadas, vindas principalmente da Itália, que atendiam em residências, hospitais e centros de saúde. Esta prática possibilitou uma dinâmica diferente no atendimento e saúde da gestante, possibilitando novos conhecimentos e práticas. Neste período o médico era requisitado apenas por circunstâncias em que o parto poderia causar riscos à saúde da criança e da mãe. Destaca-se ainda que a cidade de São Paulo, no final do século XIX se tornou um pólo comercial, bancário, industrial, científico e cultural e, por isso, com novas demandas relacionadas à saúde. Desde o final do Império que a elite industrial e agropecuária paulista, preocupada em se situar como detentora da modernidade econômica do país, vinha promovendo junto ao governo da província uma série de iniciativas ligadas à Saúde Pública, voltadas especialmente aos problemas epidêmicos, ao socorro de urgência, e a novas práticas de saneamento (MOTT, 2007). Vale ressaltar que a maternidade inaugurada em 1894 em São Paulo, abrigou a primeira médica de São Paulo, Sra. Maria Rennotte, que promoveu junto a maternidade um espaço para o atendimento à mulher que não estava no período gestacional. A Maternidade de São Paulo foi também centro de pesquisa e de formação, inaugurando o primeiro curso de enfermagem voltado a obstetrícia e ginecologia, onde depois deu origem à Faculdade de Medicina, em 1917. Tanto os cursos de Medicina quanto de Enfermagem só deixaram o prédio da Maternidade de São Paulo quando inaugurou o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo na década de 1930. A importância da Maternidade de São Paulo está contida na história da saúde pública no Brasil, “[...] primeira da capital, talvez primeira do Brasil, se formaram e trabalharam centenas de parteiras, obstetrizes, enfermeiras obstétricas e médicos, que não só ajudaram mães a ter seus filhos, 27
como também a escrever a história da obstetrícia brasileira” (MOTT, 2011). Em 2003 a maternidade fechou por problemas financeiros. Foi vendida em 2011 para Casablanc Representações, ligada ao Banco Safra, dada sua localização, na Rua Frei Caneca, próximo à Av. Paulista, Pelos jornais verifica-se que a Maternidade de São Paulo fechou. Que da noite para o dia, uma biblioteca desapareceu. Todos sabem das condições precárias de atendimento ao pré-natal e falta de leitos nas maternidades na cidade e as consequências que isso tem para a mortalidade de mães e bebês. Mas aqui quero chamar a atenção para outro problema, para outras perdas além dessa: a da história social de São Paulo (MOTT, 2011).
Chegando aos 120 anos, a Maternidade de São Paulo foi demolida, um símbolo do descaso para com a maternidade no Brasil. Retoma-se o século XIX. Com a descoberta e utilização da anestesia e assepsia, grande parte dos problemas hospitalares foram resolvidos e, a partir desses novos procedimentos, a cesariana hospitalar começou ter um espaço maior de escolha ao nascimento, Nesse contexto, foi a partir do século XX, da década de 40, que ocorreu a hospitalização do parto, dando lugar, portanto, a medicalização e o controle do período gravídico puerperal [...]. Nesse momento, o parto passa a ser um “fenômeno médico”, orientado por um modelo médico-intervencionista, cujo apogeu é observado na 28
década de 1970 com aumento considerável do número de cesáreas e a oportunidade de associar o parto a laqueadura. O parto normal deixou de se configurar como a melhor maneira de parir e a cesariana ascende diante dessa situação, como parto rápido, indolor e seguro (SANTOS et al, 2015, p. 77).
Para alguns autores, tais como Santos et al (2015) os hospitais estavam preparados, assim como os médicos, para procedimentos cirúrgicos, e o parto foi entendido tal como um procedimento cirúrgico qualquer, sem suas particularidades. A partir dos anos 2000 o debate em torno desta interpretação se intensifica, enfatizado pelos movimentos de mulheres, pelos altos índices de mortalidade materna, pelos riscos cirúrgicos das cesáreas e pelos dados gerados por agências internacionais sobre a saúde da mulher e da criança (tais como ONU Mulheres, OPAS, UNICEF). Lembra-se que desde a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995 em Pequim, na China que se firmou um compromisso entre os estados membros da ONU em garantir direitos para as mulheres, entre eles a redução da mortalidade materna até 2015. No Brasil a taxa de mortalidade materna, até o fechamento dessa pesquisa, está em 64 por 100 mil, o que demonstra o tipo e a qualidade de assistência que se dá a gestante desde o pré-natal, no parto e no pós-parto. Os dados demonstram que ficamos atrás de países como Cazaquistão e Irã, ou seja, países com menores recursos de investimento em políticas de saúde e que passam por situações de guerra (MARTINS, 2015). Se o movimento de mulheres e de profissionais de saúde conseguiram, após décadas, a garantia do atendimento 29
ao pré-natal e parto, no pós-parto é distante a realidade. No próximo capítulo será abordado a situação do puerpério no Brasil.
1.3. Para que o pós-parto? O período pós-parto ou puerperal é o momento que tanto o fator físico quanto psicológico da mulher está voltando ao estado anterior à gravidez. Este período pode ser permeado de alegrias e novas convivências familiares mas, se a gravidez não foi acompanhada profissionalmente no pré-natal, e o parto foi uma lembrança traumatizante, o pós-parto pode se tornar um período de complicações. Lembra-se que o puerpério, de todas as fases da atenção à saúde da mulher gestante, é o que menor assistência tem por parte do Sistema Único de Saúde e da rede suplementar no Brasil. A atenção dada se baseia na orientação com relação à amamentação, ao planejamento familiar e cuidados com o bebê. Os aspectos ligados à saúde da mulher são pouco abordados: as mulheres indicam a necessidade de apoio durante o puerpério para enfrentar situações estressantes geradas pelas novas demandas surgidas na experiência (da maternidade). [...] Os relatos sugerem que as mulheres buscam a confirmação do que é considerado ‘normal’ para o puerpério em suas diferentes fases (ZOCCHE, 2014, p. 99).
Há, nas diretrizes do Ministério da Saúde quanto ao acompanhamento integral à saúde da mulher gestante, a “Primeira Semana de Saúde Integral”, que se trata de uma con30
sulta, para mãe e bebê, até o décimo dia após o parto. Nesta consulta, embora o contexto seja o atendimento mãe e filho, a concentração dos cuidados está mais voltado para a saúde da criança e pouco da mãe. Percebe-se que o ciclo puerperal não é tratado de forma integral para a saúde da mulher, assim como relata Andrade (2015): Em 1984, dentro do Programa de Assistência Integrada da Saúde da Mulher (PAISM), foi inserida a proposta de abordar a mulher como um sujeito de cuidado que deve ser percebida e, assistida em sua singularidade, não focando apenas os aspectos biológicos, mas também considerando suas outras dimensões (social, econômica, histórica, política e cultural). A partir de então, o puerpério passou a ser incluído como período que merece atenção especial dos serviços de saúde. Pontua-se que a atenção puerperal de qualidade [...] é essencial para a saúde materna e neonatal. E para tal, tornase preciso um olhar abrangente sobre processo saúde/doença, valorizando os aspectos subjetivos envolvidos na atenção, o estabelecimento de novas bases para o relacionamento entre os sujeitos envolvidos na produção de saúde, e a construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos (ANDRADE, 2015, p. 182).
O puerpério como ação em favor da criança deve propiciar conceitos e conhecimento para que a mulher possa cuidar de si e do seu filho, “uma vez que é fundamental o papel das mães em relação aos cuidados com as crianças e que o desenvolvimento dessas é, diretamente, influenciado pelas condições das famílias nas quais vivem.” (ANDRADE, 2015, p. 182) 31
O acompanhamento puerperal além de identificar rapidamente problemas associados à criança e à mulher, também consegue identificar fatores de risco social da mãe e do bebê, tais como fatores socioeconômicos, Nesse sentido, é fundamental salientar que as adversidades e dificuldades socioeconômicas enfrentadas pela família, em especial pela mãe, constituem-se barreiras importantes. Assim, uma mãe sem condições de se alimentar adequadamente, pode produzir leite de qualidade, porém em quantidade insuficiente. Enquanto uma mãe com muitas preocupações pode ter tanto a sua produção quanto a sua liberação de leite prejudicada. Uma amamentação satisfatória requer alimentação, hidratação, tranquilidade, bem-estar, paciência, bem como vínculo entre mãe e filho. (ANDRADE, 2015, p. 183)
Quando o parto ocorre sem problemas, a mulher passa poucos dias na maternidade com seu filho, daí a importância da atenção básica para garantir que os cuidados indissociáveis para mãe e filho. Há de se destacar que a atenção puerperal, quase inexistente no sistema de saúde, está diretamente relacionada ao aleitamento materno, ao planejamento familiar e abaixa incidência da morbimortalidade materna e infantil (ANDRADE, 2015). Sabe-se que no sistema público de saúde os recursos destinados ao puerpério são escassos, tanto pela ausência de políticas públicas de saúde relacionadas diretamente com esta atenção, quanto pela falta de conhecimento de sua importância por parte das mulheres. Há poucos estudos com relação ao puerpério, faltam indicadores da rede suplementar, e na rede pública ainda as ações são tímidas. Com relação aos investimentos no 32
sistema único de saúde, retomaremos mais a diante. No próximo capítulo será abordado os programas relacionados à saúde da gestante que foram citados neste primeiro capítulo como marcos importantes na garantia de direitos da mulher no Brasil.
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2. Programas de proteção e atenção à mulher gestante no Brasil Entende-se neste estudo que, recentemente no Brasil, se alterou o sentido de humanização da gestação para humanização restrita ao parto. Após ouvir as lideranças femininas, concebe-se como proposta que o conceito de humanização deve estar presente desde o momento da concepção até o puerpério. Sabe-se que o conceito de humanização vem sendo utilizado ao longo de quatro décadas, com sentidos diversos mas ressalta-se aqui sua origem, qual seja, estar relacionado à atenção integral de mães e crianças desde o momento da concepção até o pós-parto. Sabe-se que o bom relacionamento entre profissionais de saúde e gestante é básico para a humanização do procedimento, desde o pré-natal, durante o parto até o pós-parto. Ou seja, não basta humanizar procedimentos médicos hospitalares no momento do parto, todas as etapas são decisivas e necessárias para que a saúde da mulher e da criança sejam preservadas, para que inclusive o parto seja um resultado positivo para mães e bebês. À frente, neste livro, serão apresentados os dados relacionados aos investimentos com relação à maternidade no Brasil. Vale ressaltar que, mesmo com esta compreensão recente de humanizar o parto, ou seja, humanizar restritamente 37
o nascimento, maternidades estão sendo fechadas. Na saúde suplementar os leitos obstétricos estão dando lugar a procedimentos ‘mais rentáveis’ aos planos, como por exemplo, os tratamentos oncológicos. Mais uma compreensão de que o nascimento é responsabilidade da família, isentando o Estado e os responsáveis pela saúde suplementar em acolher e proceder da melhor forma. Entende-se, então, que a compreensão de humanizar o parto está associada a uma relação ideológica de consumo e ao ‘mercado’ da área de saúde. Cada mulher, individualmente ou com suas famílias, utiliza de seus conhecimentos sobre gestação, conhecimentos estes muitas vezes superficiais, pois não há profissionais para tirar dúvidas, para poder ‘comprar’ pelo procedimento que ela achar melhor. Talvez este seja um dos motivos para que o número de cesáreas no Brasil seja excessivo, a morte materna esteja entre os maiores índices no mundo e as crianças passem por procedimentos desnecessários ao nascimento. Mas, e a mulher que não tem recursos financeiros para o acompanhamento gestacional? Ressalta-se: esta é uma parte da história das gestantes no Brasil, ou seja, mulheres e familiares somando recursos para que o processo gestacional seja mais seguro. Recorda-se que hoje no Brasil apenas 25% da população tem plano de saúde, então, 75% da população dependem do SUS (HORA DO POVO, 2014). Admite-se neste livro a defesa do Sistema Único de Saúde e a garantia de recursos suficientes para que a saúde não se torne mercadoria. A saúde e a vida são bens inalienáveis e, portanto, devem ter prioridade nas plataformas governamentais. Visto isso, tem-se como ponto de partida na regulamentação quanto aos procedimentos nacionais para o parto, o Programa de Assistência Integral à Saúde Mulher - PAISM. 38
Lançado em 1983, este programa foi um marco legal importante, pois foi estabelecido pela primeira vez responsabilidade pública relacionado à gestação e a fecundidade no Brasil, o PAISM foi pioneiro, inclusive no cenário mundial, ao propor o atendimento à saúde reprodutiva das mulheres, no âmbito da atenção integral à saúde, e não mais a utilização de ações isoladas em planejamento familiar. Por isso mesmo, os movimentos de mulheres, de imediato, passaram a lutar por sua implementação. Seu conteúdo inclui plenamente a definição de saúde reprodutiva adotada pela Organização Mundial da Saúde em 1988, ampliada e consolidada no Cairo em 1994 e em Beijing em 1995. Consequentemente, a adoção do PAISM representou, sem dúvida, um passo significativo em direção ao reconhecimento dos direitos reprodutivos das mulheres, mesmo antes que essa expressão ganhasse os diversos foros internacionais de luta (OSIS, 1998, p. 25)
Lembra-se que o conceito de atenção integral à mulher que surgiu neste programa supera a visão tradicional, até então estabelecido tanto pelo Estado quanto pela medicina, de se cuidar restritamente dos aspectos reprodutivos da mulher. Além disso, se estabeleceu oficialmente e também pela primeira vez no Brasil, um programa de planejamento familiar. Vê-se que os avanços deste programa abarcavam uma rede bastante diversa da saúde integral da mulher, “além disso, as próprias circunstâncias e as características do processo pelo qual se constituiu o PAISM fazem dele, ainda hoje - [...] e constatada a sua não implantação efetiva em todo o país constante objeto de estudo e discussão” (OSIS, 1998, p. 26). As diretrizes gerais do programa estabeleciam a capa39
citação do sistema de saúde focado no atendimento à mulher, concebia o conceito de integralidade do atendimento, e assim, mudava as relações institucionais e propunha práticas educativas, nesse contexto, a atenção à mulher deveria ser integral, clínico-ginecológica e educativa, voltada ao aperfeiçoamento do controle pré-natal, do parto e puerpério; à abordagem dos problemas presentes desde a adolescência até a terceira idade; ao controle das doenças transmitidas sexualmente, do câncer cérvico-uterino e mamário e à assistência para concepção e contracepção. (OSIS, 1998, p. 27).
Ressalta-se, assim como apresentado pelas lideranças de mulheres participantes dessa pesquisa que, a atuação do movimento naquele período foi efetiva para a discussão e implementação do PAISM, e mais, sabe-se que, quando o controle social parte das mulheres que estão no cotidiano do atendimento de saúde, as possibilidades para que as ações sejam realizadas da melhor forma são muito maiores. O PAISM teve um amplo significado social que estava em sintonia com o momento da redemocratização da sociedade brasileira, assim como relata uma das elaboradoras do programa, a médica sanitarista Ana Maria Costa: O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher surge em 1983, representando uma esperança de resposta ao dramático quadro epidemiológico da população feminina. Neste sentido grandes esforços foram empreendidos pelos movimentos sociais, particularmente o de mulheres, visando à implantação daquela 40
prática assistencial, convencidos de que aquele modelo assistencial proposto pelo PAISM é capaz de atender às necessidades globais da saúde da mulher (COSTA, 1992, p. 01 apud OSIS, 1998, p. 30).
O contexto de atenção integral à saúde da mulher expressa seu significado social e biológico, rompe com as intervenções médicas e com o ideal onde a saúde da mulher estava restrito a um momento da vida. Contemplava a saúde da mulher em seu âmbito geral, e a gravidez como parte de um dos momentos da vida da mulher (SANTOS et al, 2015). Em 1990 há a implementação do Sistema Único de Saúde - SUS, voltado para o Programa Saúde da Família, com normas específicas para a assistência à saúde. Com relação à mulher gestante se estabelece regras mínimas para que os municípios realizem o pré-natal e o puerpério. O Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento - PHPN, criado em 2000, pelo Governo Federal por meio do Ministério da Saúde surgiu com a intenção de aprimorar o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher - PAISM. Tanto o PAISM quanto o PHPN tinham como diretriz o atendimento integral da mulher desde a concepção até o pós-parto, com programas de assistência à saúde durante toda a gravidez. Com a retirada gradativa de recursos desses programas e com o abandono por parte do governo federal à política integral de saúde da mulher, rapidamente a lógica de assistência à gestante passou apenas para o parto. O PHPN surgiu com o sentido de dar base nacional ao atendimento com relação ao pré-natal, ao parto e pós-parto, objetivando uma atitude ética por parte dos profissionais de saúde e na garantia de direitos da gestante. Sua estratégia é 41
humanizar os procedimentos, desde o pré-natal até o parto e puerpério. Apresenta-se ainda no PHPN: [...] de forma geral, os seguintes componentes: Incentivo à Assistência Pré-Natal; Organização, Regulação e Investimentos na Assistência Obstétrica e Neonatal e Nova Sistemática de Pagamento da Assistência ao Parto [...] Estes componentes versam sobre o que compreende a assistência humanizada ao pré-natal, parto e nascimento; investimentos previstos para que a estrutura dos locais de atendimento ao parto esteja adequada; desenvolvimento de sistemática de referência e contra-referência; dentre outros pontos, detalhando o que deve ser feito para garantir uma assistência de qualidade nesta fase (Silva et all, 2011)
Como prioridade também é destacado “assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e puerpério às gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva dos direitos de cidadania” (BRASIL, 2004). Assim como demonstrado em estudos realizados pelo Ministério da Saúde (2006), compreender a gravidez como um processo integral da mulher, que envolve aspectos particulares da saúde de cada gestante é fundamental para que mãe e filho fiquem bem no momento do parto. A atenção pré-natal e puerperal devem ser realizadas com os seguintes parâmetros, estabelecidos no PHPN desde 2000: 1. Captação precoce das gestantes com realização da primeira consulta de pré-natal até 120 dias da gestação; 42
2. Realização de, no mínimo, seis consultas de pré-natal, sendo, preferencialmente, uma no primeiro trimestre, duas no segundo trimestre e três no terceiro trimestre da gestação; 3. Desenvolvimento das seguintes atividades ou procedimentos durante a atenção pré-natal: 3.1. Escuta ativa da mulher e de seus(suas) acompanhantes, esclarecendo dúvidas e informando sobre o que vai ser feito durante a consulta e as condutas a serem adotadas; 3.2. Atividades educativas a serem realizadas em grupo ou individualmente, com linguagem clara e compreensível, proporcionando respostas às indagações da mulher ou da família e as informações necessárias; 3.3. Estímulo ao parto normal e resgate do parto como ato fisiológico; 3.4. Anamnese e exame clínico-obstétrico da gestante; 3.5. Exames laboratoriais 3.6. Imunização antitetânica: aplicação de vacina dupla tipo adulto até a dose imunizante (segunda) do esquema recomendado ou dose de reforço em gestantes com esquema vacinal completo há mais de 5 anos; 3.7. Avaliação do estado nutricional da gestante e monitoramento por meio do SISVAN; 3.8. Prevenção e tratamento dos distúrbios nutricionais; 3.9. Prevenção ou diagnóstico precoce do câncer de colo uterino e de mama; 3.10. Tratamento das intercorrências da gestação; 3.11. Classificação de risco gestacional e detecção de problemas, a serem realizadas na primeira consulta e nas subseqüentes; 3.12. Atendimento às gestantes com problemas 43
ou comorbidades, garantindo vínculo e acesso à unidade de referência para atendimento ambulatorial e/ou hospitalar especializado; 3.13. Registro em prontuário e cartão da gestante, inclusive registro de intercorrências/urgências que requeiram avaliação hospitalar em situações que não necessitem de internação. 4. Atenção à mulher e ao recém-nascido na primeira semana após o parto, com realização das ações da “Primeira Semana de Saúde Integral” e da consulta puerperal, até o 42º dia pós-parto. (BRASIL, 2006, p. 11).
Neste sentido, a Organização Mundial de Saúde - OMS, recomendou aos países membros procedimentos essenciais para a atenção pré-natal, perinatal e puerperal, que estão relacionados aos procedimentos indicados acima, mas que ainda não tem a qualidade almejada, assim como explica Polgliane et al (2014): A OMS preconiza que em todas as consultas devem ser realizados o cálculo da idade gestacional, a medida de altura uterina e as aferições de peso e de pressão arterial maternos. [...] No caso deste (estudo), o processo de assistência pré-natal foi inadequado para a totalidade das gestantes segundo os padrões da OMS, e para mais de 95% das gestantes, segundo os parâmetros do PHPN, reafirmando que a quantidade de consultas e a frequência de realização dos procedimentos não asseguram a adequação da assistência prestada (POLGLIANE et al, 2014, p.2005)
Como destacado anteriormente e como ficará expresso pelas lideranças de mulheres na segunda parte deste livro, ressalta-se que, embora as vezes é possível marcar as consul44
tas indicadas como essenciais para o bom acompanhamento gestacional, muitas vezes não há médicos suficientes, as consultas são rápidas, as dúvidas não são sanadas, os exames de rotina não são feitos e a possibilidade dessa mulher não voltar na próxima consulta é bem grande. Embora legalmente estes princípios sejam relevantes para que a mulher e a criança tenham asseguradas sua saúde e cidadania, o investimento para equiparar o PHPN à prática ficou aquém do desejado, [...] A maioria dos usuários do sistema público de saúde são mulheres, negras, residentes das periferias [...] e municípios do interior. A elas são negados direitos básicos como o atendimento ginecológico. Na gravidez não tem direito a parto [...] e atendimento especializado [...]. [...] quase R$10 bilhões deixaram de ser aplicados no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014. Foram previstos R$ 108,3 bilhões e executados R$ 99,2 bilhões As contas do Ministério da Saúde revelam que a saúde pública está longe de ser uma prioridade do governo [...]. Todos os anos, a saúde [...] sofre o contingenciamento de recursos para garantir a amortização e pagamento dos juros da dívida pública [...]. Com o corte previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a saúde perdeu até o momento R$ 325,6 milhões no ano, o que equivale a R$ 27,2 milhões por mês (AGUIAR, 2015).
Em 2015 os ajustes fiscais e orçamentários impostos pelo governo federal aprofundaram a falta de investimento no SUS, assim como será apresentado mais à frente nesta pesquisa, refletindo diretamente na qualidade do atendimento à gestante. 45
Em junho de 2011, o Governo Federal lançou o Programa Rede Cegonha. Este programa possui cinco diretrizes: 1) garantia do acolhimento com avaliação e classificação de risco e vulnerabilidade; 2) garantia de vinculação da gestante à unidade de referência e transporte seguro; 3) garantia das boas práticas e segurança na atenção ao parto e nascimento; 4) garantia da atenção à saúde das crianças de zero a vinte quatro meses; 5) garantia de acesso às ações do planejamento reprodutivo (BRASIL, 2011). Assim como aponta Silva et al (2011), o “Programa Rede Cegonha tem como objetivo dar atenção à saúde da mulher e da criança, com foco na atenção ao parto, nascimento e crescimento da criança, além disso também se propõe organizar a rede de atenção à saúde materna e infantil” (SILVA et all, 2011). Vê-se que o objetivo da Rede Cegonha é dar foco no atendimento ao parto, e por isso, desde a criação de tal programa que os dados relacionados a morte materna não reduziram, mesmo com a responsabilidade do Estado perante a Organização Mundial de Saúde - OMS, em reduzir tais índices até 2015. Ressalta-se novamente que a atenção à gestante deve se dar desde a concepção até o pós-parto, não somente no momento do parto. O que se verificou nestes programas (PAISM, PHPN e Rede Cegonha), é a ausência de investimentos, e a retirada gradual de recursos relacionados à saúde preventiva da mulher. O próximo capítulo apresentará estes dados.
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3. A Humanização do pré-natal ao nascimento e o subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS)
O artigo de Mendes (2015) apresentado abaixo revela o quanto nefasto tem sido a política de ajuste fiscal implementado pelo governo federal com relação a saúde pública no Brasil, No nosso país, faz 27 anos que se vivenciam intensos conflitos por recursos financeiros que assegurem o desenvolvimento de uma política pública universal da saúde, possibilitando o acesso integral à saúde da população brasileira. Isso é explícito no problema do financiamento do SUS, que se manifesta desde sua criação na Constituição de 1988. O Governo federal atual segue a mesma linha dos governos anteriores em que o SUS não foi considerado campo de investimento prioritário. De 1995 a 2014, o gasto com ações e serviços de saúde do Ministério da Saúde manteve-se praticamente o mesmo, em 1,7% do PIB, enquanto o pagamento de juros da dívida correspondeu, em média, a 6,5% do PIB. A continuidade da política econômica fundamentada no tripé - metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante -, adotada pelo governo federal desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), deu origem a constantes cortes de recursos impedindo o acesso à saúde pública, dada a situação de subfinanciamento que impõe ao SUS. Em 2014, mesmo se forem acrescidos ao gasto federal em relação ao PIB, o dos Municípios (1,1%) e dos Estados (1,0%), o país alcançaria 3,7%, 47
ainda insuficiente para ser universal e garantir o atendimento integral. Para que o Brasil alterasse essa situação, precisaria dobrar a participação do SUS em relação ao PIB, a fim de equiparar à média dos países europeus com sistemas universais (Reino Unido, Canadá, França e Espanha), isto é, 8,3%. A resposta do governo à crise econômica mundial, ao invés de promover uma diminuição no pagamento dos juros da dívida, resultou em um ajuste fiscal com um corte de recursos para a saúde de R$ 11, 8 bilhões, reduzindo o orçamento aprovado 2015, de R$ 103,2 bilhões para R$ 91,5 bilhões. Tal volume de recursos para o orçamento da saúde desse ano é menor que o gasto executado em 2014 que registrou R$ 91,9 bilhões. A situação para 2015 será ainda pior que o debilitado orçamento executado em 2014, que acabou por atrasar as transferências federais de dezembro a municípios, repassando-as apenas no final de janeiro deste ano. Toda explicação do governo para a adoção desse ajuste fiscal apoia-se na seguinte afirmação: não temos fontes fiscais específicas e com a crise o Orçamento Federal está « esgotado ». Sabe-se que o Orçamento da Seguridade Social (OSS), formado pela saúde, previdência e assistência social, vem demonstrando superávits há vários anos. Mais recentemente, registre-se: em 2012, R$ 82,7 bilhões e, em 2013, R$ 76,2 bilhões. Grande parte desse superávit vem sendo transferido pelo governo federal para o pagamento de juros da dívida, em respeito, como dissemos, à política de manutenção do superávit primário e corte dos gastos das políticas de direitos sociais, como a saúde. O mecanismo criado para isso, desde 1994 e ainda em funcionamento, é bastante 48
conhecido, intitulado Desvinculação das Receitas da União (DRU), em que 20% das receitas da seguridade social são retiradas e destinadas a essas finalidades. Os recursos retirados pela DRU foram: em 2012, R$ 58,1 bilhões e, em 2013, R$ 63,4. Entre 1995 a 2013, a perda de recursos para a Seguridade Social com a DRU correspondeu a cerca de R$ 641bilhões. Sabe-se que a continuação da DRU está garantida até 2015, quando possivelmente será colocada pelo governo federal a sua prorrogação, como o fez sistematicamente desde sua criação. [...] Por fim, comprometido com a valorização de políticas sociais voltadas para a sociedade brasileira, o governo federal poderia priorizar a adoção de mecanismos de tributação para a esfera financeira - responsável pela grande riqueza nos últimos 35 anos -, por meio da criação de uma Contribuição Geral sobre as grandes movimentações financeiras, especificamente para quem movimenta mais de R$ 2 milhões mensais, com alíquotas progressivas, sendo destinado à Seguridade Social, consequentemente para a saúde. Se não forem discutidas, de um lado, a alteração da política econômica priorizando o direito social à saúde e, de outro, a adoção de novas propostas para ampliar o financiamento do SUS, possivelmente, os brasileiros, terão um futuro com maior dificuldade de acesso integral à saúde pública. Aquilas Mendes Prof. Dr. Livre-Docente de Economia da Saúde da Faculdade de Saúde Pública Da USP 49
Do montante destinado à saúde, torna-se importante destacar o itens que compõem o orçamento do Ministério da Saúde, para isso, recorremos novamente a este autor: Em 2014, o gasto com ações e serviços de saúde correspondeu a: 12,3% com pagamento de pessoal; 50,1% com o atendimento da Média e Alta Complexidade (MAC); 17,8% com a Atenção Básica (AB); 9% com medicamentos, 5,4% com Vigilância em Saúde (sanitária, epidemiológica e ambiental); 1,8% com ações de saneamento; e, 3,6% com “demais ações”. (MENDES, 2015, II)
O que Mendes (2015, II) demonstra é que as reduções e os cortes orçamentários estarão ligados diretamente aos procedimentos de alta complexidade, aos medicamentos de distribuição gratuita e também no interior da atenção básica. Neste último item onde se realiza o pré-natal. Os cortes também indicam uma intenção do governo federal com relação à política pública de saúde: o subfinanciamento ausenta o governo federal de suas responsabilidades sob o sistema de saúde pública e fortalece o setor privado de saúde, apoiado sob a nova forma de participação das empresas estrangeiras (Lei n°. 13097/2015). Em nota pública, a Diretoria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp denunciou que o único critério utilizado para os ajustes fiscais ao setor de saúde é a falta de compromisso com 150 milhões de brasileiros que utilizam exclusivamente o sistema público de saúde, Precisamos unir forças contra o desmonte do SUS, que se acelerou neste ano de 2015 e está se concretizando ainda mais com a redução de 50
recursos alocados no Projeto de Lei Orçamentária da União ao Ministério da Saúde para 2016 [...]. Estimamos que a insuficiência orçamentária e financeira do Ministério da Saúde será de R$ 5,8 bilhões em 2015 e de R$ 16,8 bilhões em 2016; este cenário nas mãos de quem está interessado tão somente em usar o Ministério da Saúde para fins diversos daqueles do interesse público poderá materializar o discurso da oposição política conservadora de que o SUS não é viável num país pobre. Os gastos sociais, e da saúde em particular, podem ser cortados, mas nenhuma ação governamental é adotada para renegociar a dívida pública visando à redução das despesas com juros: eis o que é prioritário, eis os interesses que estão sendo garantidos pelo governo federal (SANTOS et al, 2015, p. 01)
Nota-se que os investimentos públicos em saúde no Brasil no ano de 2014, foram de 448,1 bilhões, o que equivale a 8,1% do PIB no ano, Desse total, 48,3% correspondem a gastos públicos com ações e serviços de saúde, apurados conforme os critérios da Lei Complementar 141/2012. Os R$ 216,2 bilhões de despesas públicas com saúde correspondem a 3,9% do PIB, sendo 1,7% referentes à União, 1,0% aos estados e 1,2% aos municípios (DOMINGUEIRA DA SAÚDE, 2015).
Demonstra-se assim, que os recursos do sistema público de saúde estão aquém da realidade demandada da população, distante da qualidade almejada no atendimento. Ressalta-se que o subfinanciamento e o descaso com a saúde pública atingiu de forma precisa também o atendimen51
to à gestante, assim previsto como obrigação tanto no PHPN quanto na Rede Cegonha. A tabela SUS, por exemplo, sofreu uma defasagem de até 60% em determinados procedimentos no período de 2008 a 2014, provocando ainda mais a baixa qualidade no atendimento, assim como é apresentado: Por procedimentos mais frequentes, como a realização de um parto normal, por exemplo, as unidades hospitalares receberam, em 2008, cerca de R$ 472 a cada Autorização de Internação Hospitalar (AIH) aprovada. Sete anos depois, o valor passou para R$ 550 - quase 60% inferior ao que poderia ser pago se corrigido por índices inflacionários como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Se o fator de correção fosse o salário mínimo, o montante chegaria a R$ 823 (CFM, 2015).
O fechamento de maternidades no Brasil é demonstrado em parte por esta defasagem no pagamento de serviços e atendimento prestados, e também, aos repasses de custos de manutenção, limpeza, energia elétrica, combustível, água, alimentação que não sofreram reajustes. Ressalta-se nesta pesquisa a importância das maternidades como ponto de apoio da mulher para ter um parto seguro, com respeito aos seus direitos e da criança. Assim como se apresentou no primeiro capítulo deste livro que a centenária Maternidade de São Paulo fechada por falta de investimentos, representava um símbolo do descaso com as mães e crianças no Brasil, verificou-se que do ano de fechamento desta maternidade, 2003, até novembro de 2014 foram fechadas, somente no estado de São Paulo, dezoito maternidades, 52
A falta de recursos para os leitos de maternidade, já que os repasses do SUS não recebem reajustes, [...], obrigam muitas famílias a pagar um convênio médico para terem o direito de dar a luz aos seus filhos. [...] A grave situação não é uma exclusividade daquela região. As usuárias do SUS estão cada vez mais reféns do sistema privado. [...] Além disso, análise do orçamento da União prova que nos últimos 13 anos (2001 a 2013) foram autorizados R$ 80,5 bilhões específicos para investimentos. No entanto, apenas R$ 33 bilhões foram efetivamente gastos e outros R$ 47,5 bilhões deixaram de ser investidos. Em outras palavras, de cada R$ 10 previstos para a melhoria da infraestrutura em saúde, R$ 6 deixaram de ser aplicados. (HORA DO POVO, 2014).
Demonstra-se mais uma vez que o SUS vem sofrendo ataques nunca antes sofridos em seus vinte e cinco anos de história: o agravamento com relação ao financiamento fora tão significativo aos hospitais, principalmente às maternidades que de acordo com o Conselho Federal de Medicina, de 2011 a 2014, 3,4 mil leitos públicos de obstetrícia foram fechados no Brasil (CFM, 2014). Estes dados revelam que determinadas regiões ficarão descobertas de atendimento obstétrico hospitalar pois, na maioria das maternidades fechadas concentravam grande volume de atendimento e internações, além do que se revelava, antes mesmo do fechamento, um déficit de leitos maternos, assim como demonstrado na pesquisa Nascer no Brasil, os resultados apresentados sublinham desigualdade geográfica na oferta de serviços hospitalares do SUS, sendo ainda mais acentuada entre os hospitais de maior complexidade, e indicam 53
vazios assistenciais que impõem deslocamento geográfico para a internação para o parto, em um contexto de baixo suporte à assistência à gestante; este fato pode aumentar a probabilidade de morte infantil, [...], além de apontar que a regionalização da assistência hospitalar ainda é um desafio (BITTENCOURT et al, 2014, S216)
Com relação às maternidades da rede suplementar, elas estão localizadas principalmente em capitais, próximos a centros financeiros e populacionais grandes, tem uma maior estrutura em equipamentos e são campeãs em cesáreas. Mesmo com isso, tais maternidades também tem tido redução no número de leitos dando lugar à doenças relacionadas à oncologia e doenças renais, que são melhores pagos no sistema. Além dos problemas de recursos alocados para as maternidades, outro problema se apresenta: a estrutura comprometida: “[...] inadequações da estrutura hospitalar que podem interferir na qualidade do processo de assistência ao parto e ao nascimento, com potencial para aumentar a ocorrência de desfechos desfavoráveis para as mulheres e os recém-nascidos.” (BITTENCOURT et al, 2014, S217) O CFM e a Associação de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) defendem, com relação às maternidades filantrópicas e públicas “medidas como ampliação e aperfeiçoamento dos instrumentos de custeio, descongelamento da tabela SUS, programas de refinanciamento e anistia de dívidas acumuladas” (CFM II, 2014). Se mesmo com a atual linha de ação governamental voltada para a saúde no momento do nascimento, depara-se com a realidade de precarização das maternidades, entende-se que na rede de atendimento à saúde integral da mulher gestante, os procedimentos deixaram de existir, tal com relatado pelas 54
mulheres participantes desta pesquisa: os exames laboratoriais obrigatórios, os ultrassons, os grupos de apoio à gestante com a equipe multiprofissional, e assim por diante. No próximo capítulo será abordado o quanto procedimentos mal feitos resultam em violência ao parto e nascimento e, por outro lado, o quanto as mulheres que pagam um plano de saúde são influenciadas a optarem por um parto cesárea.
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Primeira Oficina FDIM/OPAS 57
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4. Valorização e respeito da maternidade: cesáreas e parto normal Entende-se neste estudo que é fundamental para que a maternidade seja reconhecida e respeitada como um momento importante para mulheres e crianças e, assim, garantindo a integralidade do atendimento a gestante, é fundamental um acompanhamento pré-natal com todos os recursos profissionais e técnicos estabelecidos nos programas anteriormente apresentadas neste livro, bem como, a garantia pelo parto seguro, com o puerpério estendido para mãe, criança e família. Associada a isso, deve-se ter a valorização dos profissionais e a formação continuada para que fatos de violência ligados à maternidade se extinga no Brasil. Entende-se também que a rede suplementar de saúde é onde mais se realizam cesarianas e, como verificou-se no capítulo anterior, é a rede com maior oferta em infraestrutura hospitalar, mesmo assim, tais componentes não ajudaram a reduzir os óbitos infantil e maternos no Brasil, o que permite pensar, que a regulamentação dos planos de saúde com relação à gestação, principalmente no esclarecimento para mulheres e familiares sobre os agravamentos que podem vir acontecer em uma cesariana, são necessários e urgentes. Ainda com relação à cesáreas, tem-se os seguintes dados: 59
Em um grupo de 75 países, o Brasil está entre os países que menos reduziram a mortalidade materna entre 2000 e 2013, com redução de apenas 1,7%. Dados do Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC) indicam que, em 2012, as cesáreas corresponderam a 55,6% dos partos realizados no país, enquanto a OMS recomenda que essa taxa seja de 15%. Esse dado é um exemplo de prática intervencionista na qual a autonomia para a escolha da vida de parto é negada à maioria das mulheres que não têm acesso à informação sobre os riscos associados ao parto cirúrgico. A violência obstétrica tem sido denunciada em estudos recentes, estimando-se que atinja um quarto das mulheres (CASTRO, 2015, p. 70).
Algumas ações ao longo das duas últimas décadas resultaram em uma melhor assistência neonatal hospitalar, tais como: os Centros de Parto Normal, regulamentados pelo Ministério da Saúde (MS) em 1999; a elaboração do Programa Nacional de Humanização do Pré-Natal e Parto (PHPN) em 2000; e a aprovação de leis estaduais e federais que garantem o direito ao acompanhante no parto. Essas ações foram mantidas e atualizadas pela Estratégia Rede Cegonha em 2011. Nos textos do MS, é possível identificar a incorporação das reivindicações e os princípios norteadores do movimento [...] (CASTRO, 2015, p. 70).
Mas as cesáreas continuam sendo a principal forma de se nascer no Brasil, assim como é apresentado na pesquisa Nascer no Brasil: 60
Uma das tecnologias de saúde mais frequentemente usada de forma desnecessária é o parto cesário. Indiscutivelmente, essa intervenção cirúrgica beneficia a mulheres e crianças em situações específicas de risco; entretanto, o seu uso desnecessário, pode representar riscos adicionais para o binômio mãe-bebê, além de se construir em um dreno de recursos de saúde (Souza et al, 2014, p. S12).
A alta taxa de cesáreas indica a hipermedicalização da gestação no Brasil, e por outro lado, a preocupação das mulheres com a violência do parto e nascimento presente tanto na rede pública quanto na particular. A classificação de risco que deve estar presente desde o pré-natal, é fundamental para se conhecer os casos de necessidade de cesáreas O melhor caminho para a conquista de uma assistência mais adequada neste contexto, seria somar conhecimentos técnico e científico sistematizados e comprovados a práticas humanizadas de assistência ao parto e nascimento. [...] O cuidado tido como mais efetivo seria então, aquele que tivesse a parturiente como figura central do evento ‘parto’ e valorizasse suas necessidades em detrimento das exigências dos profissionais e/ou das instituições (MALHEIROS et al, 2012, p. 08)
A Organização Mundial de Saúde - OMS, recomenda que do total de nascimentos de um país, apenas 15% seja de partos cesáreos. Na rede suplementar, em 2014, foram realizados, do total de partos 80% cesáreos e na rede pública, quase 40% (BRASIL, 2015). As mulheres no Brasil tem mais 61
informação sobre o parto cesáreo do que o parto normal, isso se deve principalmente aos profissionais de saúde que assim foram ensinados.
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5. Percepções de lideranças femininas sobre a gravidez e o parto Esta pesquisa ouviu e aplicou questionários em dois seminários organizados junto a lideranças femininas de diferentes organizações, com o intuito de aferir se há uma relação entre as mulheres de organizações sociais quanto aos fatores apresentados anteriormente neste trabalho, tais como a garantia do orçamento à saúde pública, o acompanhamento desde o pré-natal ao pós-parto à mulher e à criança, a humanização no atendimento, o parto com respeito à criança, à mulher e à família. O primeiro seminário foi realizado em novembro de 2014, na sede da Associação de Mulheres do Paraisópolis/SP, representado por sua Presidenta Rejane Santos. Neste seminário, cem mulheres foram organizadas em quatro grupos de discussão com os seguintes temas: 1) parto normal e parto cesáreo; 2) violência ao parto e nascimento; 3) políticas públicas de saúde; 4) maternidades e estrutura hospitalar. Estes grupos contaram com o apoio e a coordenação de lideranças de movimentos sociais de mulheres que gravaram as discussões, aplicaram os questionários e promoveram o debate acerca dos temas propostos. Os relatos que seguem na próxima parte deste livro contou, portanto, com a atenção e dedicação das seguintes lideranças: Arlene Bittencourt Saboia, Eliane de 65
Fátima Souza, Denise Tonsig Garcia Teijeiro, Tarsila Tonsig Garcia Teijeiro. Muito do observado e analisado nas respostas das lideranças presentes neste primeiro seminário reforçam a relação expressa nos capítulos anteriores deste livro. Foi relatado casos em que foram feitos cortes desnecessários na mulher, aplicado força na barriga da mãe para a criança ser expelida. Em um caso especial uma liderança relatou que, dado a força que os profissionais de saúde fizeram na barriga da mãe a criança nasceu com a clavícula quebrada. Verificou-se a partir dos relatos deste primeiro seminário que o sistema público de saúde, principalmente aquele presente nas periferias das cidades, e também do interior do país, é recorrente a violência ao parto e nascimento, tendo origem no pré-natal que dificilmente é realizado por meio das consultas obrigatórias. Várias mulheres se colocaram na condição de pagar um plano particular, com acesso a uma cesárea para que não passassem pelos problemas da primeira gravidez ocorridos no sistema público de saúde. As cesáreas em geral foram atribuídas às laqueaduras, ou à facilidade do parto, sem maiores esclarecimentos por parte das mulheres sobre as repercussões e os traumas desta cirurgia. Esta afirmação remete a preocupação do número excessivo de cesáreas que o Brasil concentra na última década e indica que um dos motivos, fora a relação de consumo que se estabeleceu nos planos de saúde, onde ter um parto cesáreo pode também significar para a mulher o controle, a segurança, e estar livre da violência promovida institucionalmente, desde o pré-natal até nos hospitais e maternidades. Lembrou-se também que as políticas públicas para o pré -parto, parto e pós-parto envolvem a difusão de informações, a expansão da rede de atendimento como também das maternidades e a garantia de recursos para a infraestrutura destes espaços. 66
As lideranças ressaltaram também o incentivo a criação de casas de parto, ainda raras, não somente em São Paulo, onde se realizou este primeiro seminário mas também no país, assim como a existência de uma estrutura adequada para o parto normal dentro dos hospitais, de modo que ele se torne uma realidade. Foi lembrado também a falta de médicos e a necessidade da formação de médicos no Brasil assim como de profissionais da área da saúde específicos para a atenção ao pré-natal, parto e pós-parto. Nos quatro grupos foi referenciado pelas lideranças femininas a importância de se promover campanhas para a gravidez desejada, ainda um tabu para a maior parte das mulheres. Foi relatado também dar-se uma atenção especial às mulheres negras que tem fortemente marcado os maus tratos tanto por parte de funcionários quanto de médicos, por sua condição de ser negra e mulher. Outra preocupação por parte das lideranças de movimentos sociais foi a observação quanto a falta de acolhimento nos hospitais e maternidades, fazendo com que a dor do nascimento fique insuportável e que o parto não seja uma boa experiência. Foi também pedido a proibição dos fórceps, ainda uma realidade no sistema público de saúde de regiões mais empobrecidas das cidades brasileiras. Com relação ao segundo seminário, cinquenta mulheres lideranças de movimentos sociais participaram dos debates junto à convidados da rede pública de saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde. Este seminário foi realizado na sede da FDIM em São Paulo, em junho de 2015, e teve como objetivo aprofundar o debate promovido no primeiro seminário e relacionar as propostas com o segundo seminário. Propor enfim, que a experiência da gravidez se torne no Brasil uma experiência positiva no sentido de ser segura e com menos violência ao parto e pós -parto. 67
Participaram do segundo seminário o Dr. Adriano Bueno Tavares da Organização Pan Americana de Saúde - OPAS/ OMS; Miriam Bonomi do Departamento de Saúde da Mulher da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo; Silvana Granado Gama, pesquisadora da equipe do Projeto Nascer no Brasil, Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ; Carlos Lopes, psiquiatra e jornalista do Jornal Hora do Povo; Sandra Regina Cason, Enfermeira do Departamento de Saúde da Mulher da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo; Cristiane Kondo membro da organização Parto do Princípio e do Conselho Nacional de Direitos das Mulheres; Ana Lucia Keunecke, diretora jurídica da Organização Artemis, Gláucia Morelli, Presidente da Confederação das Mulheres do Brasil - CMB, além da presidenta da FDIM Marcia Campos, da secretária executiva da FDIM no Brasil Lenice David Antunez. Também presente a equipe que promoveu este projeto: coordenadora geral Maria Beatriz Pires da Rocha Alarcon, coordenadora de pesquisa Mirlene Simões Severo. Equipe técnica: Rosangela Zanon Monteiro, Ana Maria Rodrigues, Arlene Bittencourt Sabóia e Lucilene Giorgion. Este seminário apresentou um debate pormenorizado acerca do pré-parto, nascimento e pós-parto. Foi apresentado a importância do médico atender a gestante independente de quem estava acompanhando o pré-natal. Foi lembrado também que o bom parto não é exclusivo às mulheres de classe média. Ter um parto seguro e sem violência é sinal de saúde para mãe e filho e deve estar ao acesso de qualquer mulher independente de sua classe social, de sua opção religiosa, de sua condição etnica. Foi ressaltado que as dores também não podem ser vistas como exagero, nem por parte de outras mulheres, nem por parte da equipe que acompanha o parto. Tem-se que sensibilizar todos, homens, mulheres e equipes de saúde. 68
Em uma significativa parte do debate os participantes destacaram a importância em se alterar o conteúdo e a formação dos profissionais de saúde hoje. Demonstraram que os cursos da área de saúde estão muito apoiados por uma visão compartimentada do indivíduo, o que dificulta entender que mãe e bebê são parte integrante e que o momento de nascer passa por uma condição fisiológica entre mulher e criança, não precisamente da intervenção do profissional de saúde, que deve estar ao lado acompanhando o nascimento. Foi discutido também a Resolução 368 da Agência Nacional de Saúde que para alguns dos debatedores foi uma vitória pois as usuárias do sistema de saúde particular mesmo sendo regidas pelo código de defesa do consumidor, não tinham informações claras sobre os procedimentos prestados pelo hospital conveniado, nem pelo médico associado. Foi lembrado que o plano de saúde particular é uma relação de consumo e a maior parte das mulheres que pagam planos acreditam que a escolha é delas no momento do parto, mas isso não ocorre, tanto que 80% do total de partos da rede suplementar no Brasil ocorre por cesáreas. Foi referido que as mulheres de plano de saúde tem o pré-natal, o direito a vários exames, muitos ultrassons, mas ela não é alertada quanto aos problemas de uma cesárea, muitas vezes a mulher não sabe que vai realizar uma cesárea. Por fim, foi demonstrado que a resolução 368 é um avanço, pois as mulheres que pagam para serem bem atendidas durante a gravidez e o parto terão o direito de saber se o hospital e o médico realizam parto normal. Algumas participantes lembraram que a mesma resolução trouxe como princípio o preenchimento do partograma, que é a caderneta da gestante, o passo a passo do pré-natal, o acompanhamento de mãe e bebê para que no momento do nascimento qualquer médico tenha condições de acompa69
nhar o parto. Destacou-se que o partograma é previsto a muito tempo como condição para se perceber se a cesariana será necessária, está na rede de saúde pública há algumas décadas, portanto, ressalta-se mais uma vez o quanto o pré-natal é fundamental para um parto seguro e com saúde. Também foi destacado que, mesmo tendo este avanço com relação a resolução 368 da ANS, que a saúde é um bem, não pode ser mercadoria. Hoje no Brasil 25% da população tem plano de saúde particular, então 75% da população depende do SUS e, por isso, não dá para tratar o SUS de qualquer forma, com ajustes fiscais e impossibilidade de um pleno atendimento ao usuário. Foi lembrado que no município de São Paulo, assim como relatado neste livro, era previsto até o final de 2014 por meio da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura a inauguração de casas de parto nos bairros, de forma ser mais fácil para a gestante se deslocar. Sabe-se que poucos são os recursos para se estruturar e manter as casas de parto, haja visto que não precisam ter equipamentos de alta complexidade, mas até o momento nenhuma casa de parto foi inaugurada. E para complicar a situação da gestante, várias maternidades na capital de São Paulo foram fechadas, isso compromete o nascimento seguro, aumenta a peregrinação da gestante e a falta de atenção e acolhimento em um momento tão especial da mãe e do bebê. Destacou-se que a maternidade também é uma causa feminista, e deve ser bandeira de luta também dos movimentos sociais de mulheres. Deve-se articular propostas sobre a gravidez e o parto para ser levada até a Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres que será realizada em março de 2016 em Brasília. Ressaltou-se que em nossa sociedade, é constante a luta entre os detentores do poder econômico e aqueles que não 70
tem o poder econômico. Tem-se que lembrar que na escolha e na luta pelo pré-natal parto e pós-parto está se referenciando essa relação de força. Exigir que o SUS tenha mais recursos para a saúde da mulher, para a saúde da gestante em particular é também mostrar aos detentores do poder econômico que aqui no nosso país tem regras, e as mulheres podem escolher como deve ser sua gestação e como terão seus filhos. Nos dois dias de seminário foi ressaltado as condições de subfinanciamento que o SUS tem passado, os cortes orçamentários previstos no ajuste fiscal promovido pela pelo governo e o quanto isso compromete a atenção pré-natal e o nascimento com cuidados à mulher e a criança. Apresenta-se na próxima parte deste livro os relatos na integra dos participantes dos dois seminários. Antes, porém, apresenta-se como conclusão algumas propostas levantadas nestas discussões realizadas entre novembro de 2014 e junho de 2015.
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6. Propostas Esta pesquisa demonstrou como é a sensibilidade da mulher que é liderança de movimentos sociais frente às questões do atendimento da gestante, os aspectos relacionados à falta de infraestrutura da rede de saúde, a violência ao parto e nascimento. Após estudos, pesquisas, e a realização dos dois seminários, que contou com a presença de lideranças de movimentos sociais e de profissionais da rede de saúde pública, chegou-se a seguintes orientações para que a gestação e o nascimento se torne seguro e com saúde para mães e bebês:
• que a FDIM realize campanha nacional pela maternidade, tendo o apoio das entidades a ela associadas e do governo, possibilitando mostrar a importância pela escolha de se ter um filho e como o tê-lo com segurança e saúde; • que a FDIM coordene em nível nacional curso de formação à gestante, com linguagem fácil, e que chegue até a mulher de baixa renda, utilizando para isso as diversas entidades de mulheres, ressaltando a condição da mulher negra, muito mais frágil no atendimento ao pré-parto e parto; • exigir dos órgãos públicos competentes ações e políticas de financiamento efetivas para a rede de atendimento à gestante; 75
• formar e informar as mulheres sobre a gravidez segura; • qualificar e acompanhar as práticas sistematizadas pelos profissionais de saúde para que não sejam feitas em excesso e que respeitem o momento do nascimento; • realizar campanhas nacionais para que se associe a maternidade à humanidade. Exigir dos órgãos responsáveis a vinculação cotidiana dessa prática; • procurar respostas aos problemas da maternidade a curto e médio prazo, fazer com que as ações públicas se tornem respostas imediatas; • mudar o modelo de atenção obstétrico, através da mudança no ensino e formação dos profissionais; • pela aprovação do projeto de lei 7633/14 sobre o parto humanizado; • contra os ajustes fiscais e o subfinanciamento do SUS, mais recursos para mais saúde; • fazer campanhas de esclarecimento pela anticoncepção, assim como a laqueadura e a escolha por ter filhos; • denunciar as empresas que demitem mulheres em estágio probatório por terem engravidado; • realizar junto aos sindicatos campanhas de conscientização para a garantia da licença maternidade, da amamentação e dos direitos da mulher gestante.
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Parte II Considerações: Nesta parte segue as transcrições das falas dos participantes dos seminários. Lembra-se que tais transcrições seguem com correções ortográficas e que interjeições e palavras ou frases sem compreensão foram retiradas das transcrições. Ressalta-se também que não foi colocado as especificações das associações das lideranças presentes no seminário I, pois nem todas se apresentaram dizendo a associação que faziam parte.
1. Oficina I Expressões das lideranças femininas Arlene: tenho três filhos, um foi de parto normal e duas cesarianas, sinto que as mulheres se sentem desrespeitadas inclusive na hora do atendimento na sala de parto, ninguém as acolhe no sentido de amenizar sua dores até mesmo orienta -las sobre o que vai ocorrer neste momento, muitas vezes não são consultadas. A protagonista que deveria ser a mulher, fica a mercê deste sistema e estrutura que não são readequadas. 79
Terezinha: tenho três filhos tive duas cesarias mas a experiência chocante foi a do parto normal, foi para mim uma sensação de morte, muita dor, nada confortante, me faltava energia, e o atendimento não prepara a mulher neste momento tão sagrado. Para mim o parto normal se tornou um trauma, por isso fiz a opção de fazer os outros dois cesarianos. Já presenciei no interior que muitas mulheres morreram na hora do parto ou até mesmo o bebê, são casos que hoje não poderia ocorrer mais. Imagina ter que pagar hospital para ter filho, e quem não tem condições de pagar por hospital particular? Bom são casos chocantes, mesmo com tudo eu sou a favor nos dois casos cesaria e parto normal. Normaneide: eu tive seis filhos, cinco de parto normal todos foi realizados pré-natal com esse último bebê solicitei ao meu médico laqueadura. Eu mãe de seis filhos senti essa necessidade de falar com meu médico a qual tive o total apoio neste sentido, mas já vi casos que muitas vezes o médicos nega a paciente de fazer. Mesmo elas estando acompanhadas pelo planejamento familiar são negadas uma ou duas vezes e sempre com esse modelo de fazer o planejamento. Eu sinto que a mulher tem que ter autonomia de escolher o parto. A minha irmã que foi até o hospital e na hora de atender o médico estava dormindo e a avaliação dela não foi feita. Acho que médicos principalmente este de plantão não acolhe em nada e nem mesmo faz com que a mulher seja bem atendida neste momento essencial da vida dela. Vera: tenho dois filhos. Na época não tive dilatação e meu parto estava demorando muito então tive a intervenção e foi feita cesariana nesta época não existia cesárea mas como o meu primeiro filho demorou muito pra nascer ai foi feita a intervenção de cesárea. Já com a minha filha foi por causa da minha 80
idade e fiz cesárea. Com a minha filha presenciei totalmente um desrespeito muito grande por parte dos auxiliares ao atender ela por se tratar de jovem ela estava no momento sentindo a dor do parto e gritava a atendente disse a ela que não era para gritar. Isso é um descaso a mulher tem todo o direito de gritar pois este é o momento dela. As gestantes chega com medo no hospital e não sabe o que vai acontece neste momento de parto. Sinir: Sou mãe de sete filhos e seis partos normais, sentir dor de parto não é bom, nem fácil. No meu tempo, o meu prénatal na UBS, era feita por grupo de mulheres que nos orientava como deveríamos tratar o bebê ao nascer, desde a amamentação ao banho. Agora, com a privatização dos hospitais não há mais esse tipo de acolhimento e atendimento para as mães de primeira viagem, ou seja, mulher na primeira gestação, hoje a agente de saúde faz acompanhamento com a gestante, mas não tem na maioria das vezes espaço para tal atendimento e acolhimento, os exames são demorados. Conheço uma jovem que teve seis filhos, ela fez planejamento duas vezes para tentar operar, para não ter mais filhos, pois os médicos não operam no momento do parto. Os hospitais precisam de melhores estruturas, equipamentos, salas de cirurgias e capacitação continuada. Então a humanização tem que começar de cima para baixo. Miriam: percebi aqui que ainda não se falou sobre fórceps (o alicate que puxa a criança), tive filho com dezessete anos, fiz pré-natal no hospital Leonor Mendes de Barros, era hospital modelo, tinha curso para gestante, na época ganhava enxoval. Essa história de afirmar que a mulher tem pulsão, não é verdade, a mulher não tem, eu tinha dilatação, mas os médicos não queriam esperar, por ser madrugada, aceleraram o parto e para isso aplicaram o parto com fórceps, para não ter que esperar a madrugada inteira o bebê nascer, isso no primeiro parto. Optei 81
por não ter mais filho, então na minha última gestação, iria fazer a laqueadura, no entanto, tive meu filho na sala de pré-parto as seis da manhã por não ter dado tempo de esperar, depois fui para sala de cirurgia as onze da manhã, onde fiz a laqueadura. Soraia: o parto dela (Miriam) não foi opção ela chegou no hospital as quatro da manhã e ficou no soro sem acompanhamento eu acho que mulher não deveria ir em busca de hospital e a mulher negra, por se tratar de negra muitas vezes o atendimento é violento, já vi caso de médico dizer que não precisa de anestesia. É necessário que se faça valer os direitos das negras. Cicera: tive três filhos um dos partos senti muita dor a enfermeira chegou e disse que não era nada, o problema era no momento que o bebê vier. Então a enfermeiras ao invés de auxiliar neste momento de dor colocou um sentimento de trauma, eu estava sozinha sem ninguém e com dores terríveis eu me senti violentada. No outro parto foi diferente teve mais acolhimento com atendimento das enfermeiras mas ainda vejo essa descriminação. Mariana: a minha terceira gravidez foi de alto risco, a placenta tinha um problema. Aí no dia do parto chamei uma viatura que me levou ao hospital e que ficou um longo tempo me esperando, não tinha ambulância nem hospital perto de casa. Disseram para mim que ainda não era hora, mas não queria ter que chamar de novo uma viatura e voltar para casa. Este processo levou 15 horas, até que eles decidiram pela minha cesárea. Falaram que a minha saúde em geral estava ruim e poderia também estar com o bebê. Juliana: me senti insegura quando fui ter minha filha porque o método usado no hospital é totalmente técnico, a mulher não tem a chance, nem tempo de opinar em nada, é 82
como se fosse uma indústria: faz isso, faz aquilo, agora deita, agora o soro. Mesmo no parto normal acontecem diversos tipos de violência, assim como eu vivi. Sandra: eu engravidei com 35 anos e não conseguia fazer os exames necessários mesmo sendo de conhecimento da rede de saúde que a minha gravidez era de risco. Aí um dia, comecei a perder liquido, procurei o hospital, o médico então passou a induzir o parto e estourou a bolsa ele próprio. Eu não pude comer durante todo o tempo que fiquei no hospital, passei por diversos exames de toque o que fez me sentir humilhada. O pai do meu filho foi proibido de entrar na sala e acompanhar os procedimentos. Por fim, disseram que o bebê estava em sofrimento e que seria necessário fazer cesárea, com medo de que algo acontecesse com o bebê, consenti com a cesariana. Eu me arrependo de ter procurado ajuda no hospital. Kátia: a violência pode acontecer na abordagem, ou seja, quando a mulher é recebida no hospital, eu, por exemplo, não fui bem recebida, pois era dia 31 de dezembro, disseram “isso é hora de ter bebê?”. Isto demonstra falta de respeito e de sensibilidade, uma vez que a mulher está com dor, ansiosa e contando com o apoio das pessoas. Ângela: no meu sexto mês de gestação a médica disse que era melhor “tirar” a criança porque ela estava sem vida cerebral, que o feto havia se tornado um vegetal isso porque eu tenho toxoplasmose. Decidi continuar a gravidez e hoje minha filha está com 10 anos de idade, mas foi muito difícil, não encontrei apoio na rede de saúde. Isabel: tenho quatro filhos, sendo que um foi cesárea. Acho que as mulheres não conhecem os direitos reprodutivos. 83
Devia existir mais agentes de saúde que educa, tira dúvida, ajudam. Se a mulher quiser fazer laqueadura, tem que ter esse direito, tem que brigar, trocar de médico. Tem que haver uma “humanização” da saúde de cima para baixo. Ilda: temos que nos mobilizar em defesa da saúde pública. É uma grande frustração o que vivem os funcionários da saúde, mais ainda para o usuário: falta de recursos de infraestrutura. Os altos juros pagos aos bancos retiram o dinheiro que deveria ser destinado à saúde. O SUS, é um dos poucos sistemas de saúde no mundo gratuito, igual no filme em que Denzel Washington faz um seqüestro para que seu filho receba um transplante, ele fez isso porque não tinha dinheiro para pagar o transplante, aqui pelo menos temos como exigir ser gratuito.
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2. Oficina II Diálogos: lideranças de movimentos sociais de mulheres e representantes do poder executivo Marcia Campos (Presidenta FDIM): pensar em parto humanizado é pensar em tratar o ser humano com respeito desde sua concepção. Somente o parto não pode ser humanizado, tem que ser humanizado desde o pré-natal, tem que ter esclarecimento da mulher, a maternidade é muito mais que só o momento do parto. Os nomes às vezes dificultam os papéis que temos que cumprir e por isso temos que aqui no seminário poder interagir com isso. A maternidade está mal assistida, o que nós, o que cada uma pode fazer? Toda vez que fazemos estes debates fico pensando na mulher trabalhadora, que tem regras rígidas no trabalho, e mesmo que ela tem direito ao pré-natal, muitas vezes ela não consegue fazer. Temos um carinho grande pela mulher trabalhadora, pois sabemos que ela vai para a produção e o trabalho não tem condições de receber esta mulher com as particularidades dela. Em Hanoi, na guerra o primeiro prédio público que caiu foi a maternidade. Fizemos uma campanha internacional pela paz para angariar fundos para reconstruir a maternidade de lá. As mulheres do mundo se uniram em torno disso, as crianças nascem na guerra também. Na Síria, estive lá em uma missão de 87
solidariedade, e fomos para a maternidade, a prioridade não era a saúde, mas claro é país em guerra. Em qualquer outro país que visito estou sempre comparando com o Brasil, eu sou brasileira, e penso como podemos trazer o que existe de melhor em outros lugares para o meu país. A mãe aqui é também em Angola, é também na Europa, e cada instrumento melhor que eu encontrar é parte deste humano que nos une no mundo, na hora de parir somos todas iguais. Eu estive agora no congresso nacional não podemos nos iludir, temos que ganhar a todas porque depois que perdeu no plenário, perdeu mesmo, este congresso hoje é retrógrado. Temos tudo, temos empatia de mulheres do mundo, tem a empatia da maternidade, e tem uma questão, viu Adriano, temos que fazer a OPAS sentir o que está acontecendo conosco agora, senão não vai entender que precisamos ter agilidade neste caso. Vou entrar com uma nova proposta na OPAS porque somos compromissadas com o país e temos que fazer novas atividades, aqui na FDIM temos a experiência de unir, nossa sala hoje é eclética, conseguimos falar com pares diferenciados e isso é uma felicidade para nós e para a OPAS que apoiou este trabalho. O país está em crise, crise maior ficará se não der atenção para o que a sociedade tem alertado. Não temos dinheiro para os próximos anos, então tira um pouquinho do banqueiro e coloca para a sociedade. Silvana Gama (FIOCRUZ): o direito de engravidar é uma opção da mulher e o pré-natal é um direito, o pré-natal está ruim, o parto está melhor que o pré-natal e o puerpério quase não existe. Somos campeões de cesarianas, e porque? Pesquisa Nascer no Brasil observou 266 hospitais em 191 municípios diferentes. Só 45% (24.000 mulheres entrevistas) das mulheres entrevistas disseram que engravidaram por que queriam e na adolescência é maior ainda. Gravidez tem que se querer, tem que se ter planejamento familiar. Tem que qualifi88
car o pré-natal, as mulheres estão indo ao pré-natal e porque os exames não estão sendo feitos, não estão sendo pedidos? Em 2014, 56% de nascimentos foi cesárea, na saúde suplementar 80% foram cesareanas. Os médicos que fazem parto normal no sistema particular sempre pedem taxa extra para acompanhamento. As boas práticas indicados pela OMS começaram a ser seguidos, tais como: caminhar, se alimentar, beber água. O risco não é motivo para se fazer uma cesariana. O medo da dor no parto é o motivo mais presente para as mulheres pedirem o parto cesário, isso porque tem muita intervenção e muito descaso com a mulher no momento do parto normal. O acompanhante é direito, é lei, em todas as etapas da gestação, desde o pré-parto. Mesmo no setor suplementar é muito baixo a presença do acompanhante. A mulher tem que saber para onde ela vai no momento do parto, e mesmo assim, a grande maioria não sabe e peregrina no momento do parto. Carlos Lopes (psiquiatra e jornalista): dois sistemas de saúde no Brasil um é para rico e outro para pobre, parecido com o que ocorre com os EUA. Se pensou com o sistema universal de atendimento público, mas o que fazer com o sistema privado que já existia? O sistema privado era pra ser suplementar porque ele ia ser menor que o sistema público universal de saúde, o sistema privado tinha convênio com o estado, era dependente do SUS. Era pra ser complementar e não maioria. Era difícil fazer na época uma estatização geral, e talvez na época não era justo. Mas, observem, o sistema neoliberal é referencial para cada vez mais aprofundar as diferenças, é uma tática para tornar a sociedade mais desigual. Para defender determinadas ideias, tais como as de interesse material particular ou defender o corte na saúde. A melhora da saúde não é apenas da área de saúde. O desenvolvimento social e econômico reflete na melhora da 89
Da esquerda para a direita: Silvana Gama, Márcia Campos, Miriam Bonomi, Gláucia Morelli, Adriana Tavares e Maria Beatriz Pires da Rocha na mesa de abertura da Segunda Oficina FDIM/OPAS
Silvana Gama
Gláucia Morelli
Mesa de abertura da Primeira Oficina FDIM/OPAS na Associação de Mulheres de Paraisópolis
Miriam Bonomi
Ana Lucia Keunecke e Sandra Cason
Arlene Saboia e Ana Lucia Keunecke
Cristiane Kondo 90
Dr. Adriano Tavares
Carlos Lopes
saúde. A saúde é um bem, não pode ser mercadoria e isso começou com a revolução de 1930. Mesmo na sociedade capitalista tem certas coisas que não pode ser mercadoria, a saúde e a vida não pode ser mercadoria, tem algumas ideologias que defendem isso. Hoje no Brasil 25% da população tem plano de saúde, então 75% da população dependem do SUS e por isso não dá para avacalhar o SUS. A privatização da saúde a partir de OCIPS e OS é transferência de recursos públicos à essas entidades. O governo deu 18 bilhões ao setor de saúde privado nestes últimos anos. Ou seja, o que não está sendo gasto com o setor público está sendo passado ao setor privado. O gasto privado tem sido superior ao gasto público de saúde. A maior causa de morte no SUS está relacionado a gravidez, parto ou puerpério. Maternidade tem que ficar fora dos hospitais, afinal gravidez não é doença. Tem que equipar as maternidades para que qualquer complicação que exista seja resolvido ali. A luta hoje é para não cortar verba da saúde, mas é possível pensar na solução de que a maternidade pode ser a referência da gestante, da saúde da mulher e da criança. UBS e UPA está em 95% das obras atrasadas, desde 2011, não tem hospital nestes recursos, nem maternidade. O estado do Rio fechou 25% dos leitos obstétricos nos dois últimos anos. Superávit primário é desvio das receitas primárias, ou seja, todas as que não são financeiras, como saúde, educação, infraestrutura. O governo é que determina o juro, e por que ele não reduz para pagar menos juros? Tem que baixar juro, senão fica sem saúde nenhuma. Está fechando leitos hospitalares, o setor de saúde é específico, não pode tratar da mesma forma que uma empresa. Dom Helder dizia que quanto mais escura é a noite mais próxima é a madrugada. Então, vemos que está bem ruim o quadro da saúde mas pode virar, depende da nossa intervenção e clareza para denunciar a situação atual, tem que chamar a luta. Tem que lutar sabendo as condições 91
que existem. O pior inimigo de qualquer coisa progressista é a ignorância, tem que estudar, ampliar o conhecimento. Adriano Tavares (OPAS): a violência no parto e nascimento é bastante enraizada no sistema de saúde. As lideranças femininas tem que apoiar estas mudanças e também para mudar o modelo de formação dos profissionais, senão não vamos avançar no atendimento. Na teoria você faz isso e depois na prática é incoerente, então precisa este esforço da sociedade organizada para pautar a mudança no modelo de formação. Este ano vai fazer uma mudança no currículo de formação dos profissionais de saúde, e os movimentos tem que estar atentos e participar desta discussão. Sou contrário ao nome ‘violência obstétrica’, porque personifica no médico obstétrico a violência e esta violência ela é institucional, vai desde o porteiro até a saída da mãe com o filho. Prefiro nominar esta violência como sendo a violência ao parto e nascimento. As organizações femininas podem sim melhorar o sistema de saúde, pode sim colocar este tema como principal para o debate. Arlene Saboia (FDIM): a questão do parto a forma como ele vem sendo tratado talvez explique o valor que se dá hoje a família e aos direitos fundamentais das mulheres e crianças. A sociedade não dá as condições para que possamos ser mães e cidadãs para realizar nossos sonhos. A forma que vem sendo tratado o parto a muitos anos é o reflexo da forma também como a mulher está sendo tratado na sociedade, um momento tão importante desse, você não ter o mínimo de respeito. Este debate pode trazer contribuições para que possamos dar encaminhamentos, a intenção é ouvir todos. Na primeira oficina em Paraisópolis nos relatos das mulheres que lá estavam uma dramaticidade do parto tão grande a ponto de pensarmos, e agora o que eu faço aqui, eu como liderança, 92
eu com condições de entender o que está acontecendo, como eu faço para que isso mude? Então a gente quer ir além, não quer só denunciar, quer também sair com uma proposta para que esta realidade seja alterada. Esta questão tem uma série de implicações, mas isso é nosso compromisso. Por exemplo, a mulher ao deitar perde a força, então tem que andar, tem que ficar na posição que é melhor para cada mulher. O papel dos movimentos sociais, da FDIM é importante para mudar a realidade lá na ponta, para ter o atendimento com qualidade para todas as mulheres gestantes. O controle social é fazer que nossas entidades conduzam as queixas, não pode aceitar o corte na saúde. Os desafios que temos pela frente são grandes o ajuste fiscal impede o treinamento dos profissionais, onde fica a humanização? O que temos que fazer com todas as denúncias? Este processo não vai mudar se as entidades das mulheres não se envolver. A sociedade coloca toda a responsabilidade do nascimento sob as mulheres, e não pode ser assim. O controle social tem que ser feito por uma coordenação destas entidades, com a FDIM, para denunciar, não deixar passar, nós não fomos consultadas sobre estas mudanças, sobre o fechamento de leitos de maternidade. Queremos opinar sobre este tema, este tema é nosso, temos que exigir que haja recursos na saúde principalmente ao pré-natal, parto e pós-parto. Ana Lucia Keunecke (Organização Artemis): erradicar a violência obstétrica, esse é o objetivo da nossa entidade. A violência obstétrica é uma violação dos direitos humanos, qualquer procedimento feito a mulher sem seu consentimento é violação de direitos humanos. Caso emblemático é da Adelir em Torres no Rio Grande do Sul, a mulher foi obrigada a fazer uma cesariana por mandato judicial com força policial, o marido foi algemado. Ela é uma mulher humilde faz parte da comunidade cigana. Ela chegou no hospital e a médica disse que
faria a cesariana, ela não concordou e disse que iria para casa, a médica não deixou. Nesse dia a noite o caso chegou ao promotor e a juíza deu uma liminar para proteger a vida do nascituro. Denunciamos esse caso como violação de direitos humanos ao Ministério Público do Rio Grande do Sul e de outros estados. Esta foi uma violação forte mas curiosamente é bem comum, o caso da Aline Pimentel é a mesma história, só que a 12 anos atrás e o Brasil este ano foi condenado pela OEA neste caso. O parto humanizado é tido como frescura, ou coisa de classe média. Chamou a atenção de uma conduta muita antiga que a mulher passa comumente nos partos. Toda vez que a mulher se coloca no controle social, influenciar políticas públicas tem resultado. A resolução da ANS é isso, é uma ação das lideranças femininas de organizações, não foi uma ação da ANS. As conseqüências são degradantes, tais como a episiotomia, a manobra de kristeler, são formas degradantes de se tratar um ser humano, no caso a mulher. Alguns hospitais não seguem os procedimentos do Ministério da Saúde, não passam os dados de morte materna por exemplo. Tem criança nascendo com fórceps que fica com paralisia cerebral, é um tratamento desumano e degradante é violação dos direitos humanos. A incorporação de tecnologia, de acordo com nossa constituição, diz que tem que ter evidências científicas em cesárea antiga, como era feito antigamente, tem vários estudos que diz que não pode fazer e o médico faz. Em 28 de maio é o dia pela luta contra a mortalidade materna e a rede Brasil Atual apresentou relatos sobre os motivos da mortalidade materna estar tão alto. Foi entrevistado o gestor de saúde do município de São Paulo e ele disse que as mulheres morrem no parto porque elas insistem em ter filhos sem necessidade. Qualquer cirurgia tem que fazer um monte de exames e para fazer a cesárea não se faz, parto normal então não tem exame nenhum, nem de sangue, nenhum profissional te pergunta se você tem alergia, por exemplo, ou até mesmo a 94
Ilda Fiori, Presidente da Associação de Mulheres de São Paulo (de branco) acompanha debate da Primeira Oficina FDIM/OPAS
Entrega de certificados de participação da Primeira Oficina FDIM/OPAS
A esquerda: Denise Teijeiro, Diretora da CMB e Lídia Corrêa vice-presidente da CMB e Membro do Conselho Nacional de Direitos das Mulheres
Jussara Silva Lopes, Secretária de Mulheres da CGTB, Viviam Queiroz, Presidente Sintratel/Campinas e Mirlene Simões Severo
Lista de presença da Segunda Oficina FDIM/OPAS
Mariana Lettis, Doula
Gracielly Delgado da Associação de Mulheres do Distrito Federal
Elizandra Cerqueira da Associação de Mulheres de Paraisópolis
Eliani Souza, Presidente da Federação das Mulheres Paulistas
Ana Maria Rodrigues, Diretora da CMB e Mirian das Flores, da Organização Fala Negão 95
anestesia e tem mulheres que morrem assim, por conta da anestesia. Toda vez que o Brasil assina e ratifica um tratado internacional ele tem força de emenda constitucional, ele passa a fazer parte do ornamento jurídico do país. A gente precisa denunciar muito fortemente toda vez que acontece uma violência obstétrica como degradação dos direitos humanos, é uma reparação maior para a mulher. Tem que capacitar advogados, juízes e mulheres em direitos humanos e violência obstétrica. Qualquer mulher, de qualquer classe social, de qualquer religião, de qualquer etnia passa por violência obstétrica, temos que nos unir para virar este processo. Tem que mesmo organizar as mulheres, a FDIM tem que levar esta luta à frente. Cristiane Kondo (Rede Parto do Princípio): tem um certo incômodo dentro do movimento feminista sobre os relatos do parto, as feministas não veem como violência, era pouco visto como violação dos direitos humanos. Nosso papel daqui pra frente enquanto lideranças de movimentos sociais de mulheres é saber como vamos tratar esta questão do parto. Os procedimentos são feitos de forma indesejada, muitas vezes feito a força, e mesmo assim os parlamentares colocaram na lei sobre as formas de violência, colocaram contra a violência obstétrica. Esse tipo de violência não pode ser invisibilizado. Precisamos voltar para as organizações e perguntar para as mulheres como está sendo o pré-natal, o que está acontecendo e como é o parto. Tem que falar mais sobre o parto com as mulheres, criar espaços para organizar e ouvir estes relatos para que eles não se percam e possam se transformar em denúncias. Ficamos dez anos falando de humanização do parto e não resolveu e, por isso, colocamos a questão da violência obstétrica para poder o debate ir além da questão individual da mulher. O profissional tem que saber que ele vai trabalhar em equipe, as vezes ele nem sabe como é trabalhar em equipe no momento do parto. 96
Sandra Cason (Secretaria de Saúde Estadual/SP): o profissional de saúde não tem consciência que a mulher grávida tem que ter um acompanhamento diferente com relação a outras cirurgias. Tanto profissionais homens como mulheres. Na década de 1990 várias portarias e estudos que falam desses procedimentos errados e não mudou até agora. Por que humanizar o parto, o parto não é humanizado? Porque os profissionais ainda não entendem que é uma mulher e que ela tem passado por violações de direitos por isso estamos falando em humanização. A formação desses profissionais está sendo muito mecânico, vê o indivíduo de forma estática, o trabalho de parto foi suprimido do aprendizado dos profissionais de saúde. O acompanhante, algo bastante importante, os hospitais não estão adaptados com esta realidade para acolher o acompanhante. As atuais gerações questionam mais do que gerações anteriores questionavam. A profissional aprendeu que o que ela faz com a gestante é o melhor, ela entende que está salvando vida, ela aprendeu assim, mesmo sendo o procedimento errado. Temos que desconstruir esse método. Para isso é muito importante estas organizações sociais que estamos vendo aqui se envolverem nesse tema. A casa de parto é muito importante pois dá condições para que a mulher tenha um trabalho de parto, e a enfermeira obstetra é fundamental nesse modelo porque este enfermeiro não é intervencionista. O centro de parto normal não é divulgado porque alguns profissionais de saúde não concordam com este modelo, passou anos para que o governador fosse inaugurar este espaço no Hospital Leonor Mendes, por exemplo. O enfrentamento para mudar as condições de atendimento a gestante é também bastante forte por parte dos profissionais. Tem que ter enfrentamentos diários com os gestores, senão não vai existir humanização, estes profissionais não estão acostumados a conversar entre si. A saúde tem que ir além dos interesses políticos que se fazem em todas as esferas da saúde. O ambiente para a gestante faz diferença dentro do hospital. Os 97
protocolos não são de fato cumpridos com relação aos procedimentos de parto. A enfermeira obstetra é uma profissional importante para dar a virada no atendimento, tem que se investir mais com esta condição e formar mais enfermeiras obstetras. Viviam Queiroz (PRESIDENTA SINTRATEL/Campinas): sou presidente do sindicato das trabalhadoras em telemarketing de Campinas e Região, nossa categoria é composta por 76% de mulheres, mulheres jovens de 18 a 34 anos, mulheres em idade de reprodução, muitas trabalhadoras gestantes e mães. Somos parte das empresas terceirizados em telecomunicação. Somos dois milhões de trabalhadores no país, somos a terceira maior categoria do país. Muitas trabalhadoras em nossa categoria tem assédio moral e quando ela engravida para o empregador tudo é frescura, até as supervisoras que são mulheres dizem que a mulher tem corpo mole, cavam justa causa para que ela saia da empresa e possa substituí-la, temos entrado na justiça para que essa mulher tenha seu direito. É bastante triste, eu mesma já fui com as trabalhadoras na perícia do INSS, se você não se sente bem, depois da licença maternidade, não encontra apoio, já fizemos denúncias contra o INSS que não concede beneficio para essas trabalhadoras. O parto está muito parecido com uma produção em série, uma indústria. E a gente fica com muito receio, a indignação nossa tem que mesmo fazer com que passe além desse grupo aqui, através de informações você busca parceiros, e passa informação. Geralmente é manipulado quem não conhece seu direito. Maria Beatriz Pires da Rocha (FDIM): Este seminário poderá abrir frentes de luta sobre os direitos da mulher gestante, tema pouco lembrado no movimento de mulheres, mas que guarda sua relevância e todo seu carinho aqui em nossa instituição. Não dá mais para aceitarmos que mulheres gestantes morram por pressão alta, por hemorragias e diversos outros males que a 98
medicina já superou como forma de tratamento. É inadmissível que mulheres tenham suas vidas ceifadas por motivos tão simples de serem resolvidos e, portanto, como percebemos, por falta de atendimento adequado. Queremos que o parto seja no Brasil uma experiência boa e para isso é necessário ter atendimento adequado, mais infraestrutura e mais profissionais dispostos a tirar dúvidas, orientar e promover a saúde da mulher gestante. Mirlene Simões Severo (projeto FDIM/OPAS): para quem e por onde vamos caminhar, quais são as bandeiras e propostas que vamos sair daqui? Não temos maternidade para levar os primeiros anos dos cursos de saúde para conhecer e vivenciar uma maternidade, tem hospital, maternidade não, nem casa de parto. Não tem incentivo nenhum para a enfermeira se tornar obstetra, outro debate é que as grandes empresas de educação superior estão fazendo curso de obstetrícia a distância. A maternidade gota de leite de Araraquara foi fechada e o município teve que reabrir mas com condições precárias, não tem recursos. O aumento da cesárea é conseqüência da falta de atendimento adequado a mulher no parto normal. Tem que ter maternidade, tem que ter local que o marido possa ficar com a mulher. Cada mulher sabe o que é melhor pra si. A resolução da ANS que a mulher tem o direito de pedir ou saber quantas cesáreas foram feitas no hospital ou pelo médico. Pra quem nos estamos falando? Esta resolução não está falando para o público do nosso primeiro seminário, é outro público, as lideranças ali são outras, a peregrinação é constante, o pré-natal não existe. Não é foco do grande número de mulheres que estão tendo filhos no Brasil. Tem uma formação na área da saúde que é mecanicista, que vê o corpo em partes, não integral. Quando temos este modelo de saúde, vamos ter implicações. Gente não podemos mais esperar, não dá mais para ter tempo, como vamos fazer para que o tempo seja reduzido e mulheres tenham seus filhos com segurança e saúde? 99
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