Reprodução
Ecad
O controle da propriedade intelectual
Circulação Nacional
Pág. 8
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 9 • Número 425
R$ 2,80
São Paulo, de 21 a 27 de abril de 2011
www.brasildefato.com.br Nilton Cardin/Folhapress
Aeroportos
O voo raso da privatização Um relatório do Ipea aponta a morosidade do Brasil nas reformas em aeroportos para a Copa de 2014. O documento acelerou o debate sobre a privatização da infraestrutura dos terminais aéreos. A oposição pressiona e o governo sinaliza com a possibilidade de privatização no setor. A medida, no entanto, geraria aumento de taxas para os usuários, além da desnacionalização desse setor estratégico. Pág. 7
ISSN 1978-5134
A prostituição infantil no entorno da Vale Pág. 5
Opressão no Saara Ocidental ocupado
Págs. 10 e 11
Anita Leocádia Prestes
Altamiro Borges
Editorial
De quem é o legado?
Mídia quer sangue
Abril Vermelho
Luiz Carlos Prestes tornou-se a expressão máxima da luta revolucionária pelo socialismo e o comunismo no Brasil, pelas liberdades democráticas e pela emancipação nacional. Pág. 3
Dilma bem que tentou agradar o “deusmercado”, mas o capital financeiro é insaciável. Através de seus meios de comunicação, ele exige mais sangue – mais juros e cortes de gastos! Pág. 3
A sociedade brasileira já se acostumou a ver as manifestações de trabalhadores rurais em todo país na luta pela reforma agrária e em memória a Eldorado dos Carajás, no mês de abril. Pág. 2
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de 21 a 27 de abril de 2011
editorial
A luta pela reforma agrária continua A SOCIEDADE brasileira já se acostumou, desde 1997, a ver as manifestações de trabalhadores rurais em todo país na luta pela reforma agrária no mês de abril. As jornadas do “abril vermelho” inciaram com uma marcha epopeica realizada pelo MST, com apoio de todas as forças populares do país, em abril de 1997, que marcou o primeiro aniversário do massacre de Carajás e chegou a Brasília com mais de 100 mil manifestantes. Aquele 17 de abril foi a maior manifestação contra a política neoliberal do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso (FHC). De la para cá, todos os anos, os sem-terra, os trabalhadores em geral, retomam as ocupações de latifúndios, marchas, ocupações do Incra, e fazem diversas formas de luta pela reforma agrária. Mas o que mudou nesses 15 anos, desde o massacre em 1996? A classe trabalhadora derrotou os candidatos neoliberais nas eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010. Com isso, a política de repressão aos movimentos sociais passou a ser exercida mais abertamente pelos governos estaduais conservadores. E a mídia, antes condescendente com a luta pela reforma agrária, assumiu cada vez mais seu papel de porta-voz dos interesses do agronegócio e dos latifundiários. Até porque a maioria de seus proprietários também tem terra.
No caso do massacre de Carajás, apesar das mudanças no governo federal, nenhum responsável direto ou indireto por aquela chacina foi punido. Apesar da comoção gerada na sociedade na época (semelhante à que aconteceu agora com a tragédia de Realengo), infelizmente, a sociedade esqueceu, e o poder Judiciário, fiel escudeiro dos interesses conservadores e do poder econômico, engavetou. O Tribunal do Júri condenou o coronel Mário Colares Pantoja a 228 anos de prisão e o major José Maria Pereira de Oliveira a 158 anos e quatro meses de detenção. Os condenados ainda respondem em liberdade graças a um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Deram o direito de esperarem os recursos em liberdade... provavelmente até a morte natural. 15 anos de impunidade Na reforma agrária, apesar de oito anos do governo Lula, pouco mudou. O capital segue aplicando sua lógica e sua sanha de acumular permanentemente a propriedade da terra. E, nesses oito anos, a concentração da propriedade da terra aumentou ainda mais. Segundo os dados do último censo do IBGE, relativos a 2006, a concentração da propriedade da terra agora é maior do que em 1920, quando recém havíamos saído da escravidão.
Os pobres do campo são os mais necessitados de políticas públicas que universalizem os direitos sociais básicos, como educação para todos e moradia digna Pior. Com a crise do capitalismo financeiro globalizado, o Brasil virou porto seguro para capitais financeiros especulativos, que buscam se proteger investindo no patrimônio de bens da natureza: terra, biodiversidade, hidrelétricas, etanol, minérios. Tudo isso em abundância no Brasil. E o resultado é que houve também uma desnacionalização da propriedade da terra, que nem sequer o governo tem controle, pois as empresas estrangeiras compram as ações das empresas brasileiras e nem precisam notificar ao Incra. Felizmente o novo governo Dilma está atento e promete ser rigoroso
para evitar a desnacionalização da propriedade da terra, que entre outras consequências, afeta a própria soberania nacional sobre nossas riquezas naturais e sobre o território. Da aliança entre o grande capital das empesas transnacionais que operam no agro com os grandes fazendeiros nasceu o agronegócio. Um modelo de produção que apenas transforma a agricultura em produtora de lucro e de commodities, e não de alimentos ou de justiça social. E o resultado é que o país voltou a ser uma economia agroexportadora e 69% de todas exportações são commodities. Ou seja, matérias-primas agrícolas e minerais sem nenhum valor agregado. Assim, alguns poucos brasileiros ganham muito, mas as empresas transnacionais ganham mais ainda. E o povo brasileiro fica com o passivo ambiental e com a injusta distribuição de renda. Longo caminho Do lado dos trabalhadores, há ainda, segundo estudos do próprio Ministério da Agricultura, cerca de 3,8 milhões de famílias de pequenos proprietários de terra de até 10 hectares, que não têm acesso ao Pronaf ou a políticas públicas agrícolas. Portanto constituem-se em mero exército industrial de reserva, esperando ir para cidade ou a aposentadoria do Fun-
rural. E, abaixo deles, temos outros 4 milhões de famílias de trabalhadores sem-terra, posseiros, assalariados rurais, público potencialmente beneficiário da democratização da propriedade da terra Mas quantos anos ainda serão necessários para que a reforma agrária deixe de ser letra morta da Constituição? Esperamos que pelo menos as mobilizações justas e necessárias dos trabalhadores rurais sirvam para a sociedade brasileira refletir sobre isso. Não pode haver democracia sem democratizar a propriedade dos bens da natureza, em especial da terra. Os movimentos sociais têm dito que ainda têm esperança de que o lema do novo governo de combater a pobreza seja sério, pois para combater a pobreza no meio rural, o principal caminho é garantir acesso à terra a todos os trabalhadores. E complementar com políticas de produção agrícola, como incentivo à agroindústria, a garantia de compra da produção de alimentos e assistência técnica verdadeira. Não resta dúvida de que os pobres do campo são os mais necessitados de políticas públicas que universalizem os direitos sociais básicos, como educação para todos e moradia digna. Mas também, com certeza, essa luta será ainda muita longa. Por isso, salve, salve todos os lutadores do campo!
opinião Frei Betto
crônica
Tragédia carioca
Bem mais do que um minuto de silêncio
Gama
DOZE ADOLESCENTES, de 13 a 15 anos, foram cruelmente assassinados, dia 7 de abril, nas salas de aula de uma escola de Realengo, Rio. Outras tantas ficaram feridas. O criminoso, de 23 anos, disparou na própria cabeça a 66ª bala saída de seus dois revólveres. Massacre como este nunca havia ocorrido no Brasil. São frequentes nos EUA. E enchem o prato da mídia em busca de audiência. A cada telejornal, reaparecem as fotos das crianças, o depoimento de parentes e amigos, os sonhos que nutriam... Em Antígona, de Sófocles (496405 a.C.), a mulher que dá nome à peça rebela-se contra o Estado que a proíbe de sepultar seu irmão. Hoje, a exploração midiática torna os corpos insepultos. As famílias das crianças sacrificadas, ontem no anonimato, agora ocupam manchetes e são alvos de holofotes. É a morte como sucesso de público! O assassino foi o único culpado? Tudo decorreu de um “monstro” movido por transtornos mentais? A sociedade que engendra esse tipo de pessoa não tem nenhuma responsabilidade? Um gesto brutal como o do rapaz que matou à queima-roupa 11 meninas e 1 menino não é fruto de geração espontânea. Há um histórico de distúrbios familiares, humilhações escolares (bulliyng) e discriminações sociais, indiferença de adultos frente a uma criança com notórios sinais de desajustes. Quando pais têm mais tempo para dedicar à internet e aos negócios que aos filhos; adolescentes ingerem bebida alcoólica misturada a energéticos; alunos ameaçam professores; crianças se recusam a dar lugar no ônibus aos mais velhos... o sinal vermelho acende e o alarme deveria soar. O que esperar de uma sociedade que exalta a criminalidade, os mafiosos, a violência, através de filmes e programas de TV, e quase nunca valoriza quem luta pela paz, é solidário aos pobres, trabalha anonimamente em favelas para, através do teatro e da música, salvar crianças de situações de risco? Há anos acompanho o trabalho do Grupo Tear de Dança, que congrega jovens de baixa renda da zona Norte do Rio. Embora seus espetáculos sejam de boa qualidade artística, sei bem das imensas dificuldades de patrocínio, de divulgação, de espaço na mídia para noticiar suas apresentações. É triste e preocupante ver o talento de um jovem bailarino se perder porque, premido pela necessida-
Como dar um basta à violência se o Instituto Nobel da Noruega concede o prêmio da Paz a guerreiros como Henry Kissinger, Menachem Begin, Shimon Peres e Barak Obama?
de, ele deve retornar ao trabalho de ajudante de pedreiro ou, a bailarina, de vendedora ambulante. Como evitar novos massacres semelhantes ao de Realengo? Quase dois terços dos eleitores brasileiros aprovaram, no plebiscito de 2005, o comércio de armas. As lojas vendem armas de brinquedo presenteadas às crianças. Os videogames ensinam como se tornar assassino virtual. Há no Brasil 14 milhões de armas em mãos de civis, das quais metade ilegais, como as duas que portava o assassino dos alunos da escola Tasso da Silveira. Segundo o deputado Marcelo Freixo (PSOL), existem no estado do Rio 805 mil armas em mãos de civis, da quais 581 mil são ilegais, muitas em mãos de bandidos. “O cidadão que compra uma arma para ter em casa, pensando em se proteger, acaba armando os crimino-
sos”, afirmou no Rio o delegado Anderson Bichara, da Delegacia de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas. Como dar um basta à violência se o Instituto Nobel da Noruega concede o prêmio da Paz a guerreiros como Henry Kissinger, Menachem Begin, Shimon Peres e Barak Obama? Monstro é tão-somente quem entra armado numa escola, num supermercado, num cinema, e mata a esmo? Como qualificar a decisão do governo dos EUA de, após vencer a guerra contra a Alemanha e o Japão, jogar a bomba atômica sobre a pacífica população de Hiroshima, a 6 de agosto de 1945 (140 mil mortos), e três dias depois outra bomba atômica sobre a população de Nagasaki (80 mil mortos)? Hitler e Stalin também podem ser qualificados de “monstros” e seus crimes são sobejamente conhecidos. Mas não há uma certa domesticação de nossas consciências e sensibilidades quando somos coniventes, ainda que por inação ou omissão, frente ao massacre dos povos iraquiano, afegão e líbio? A paz jamais virá como resultado do equilíbrio de forças. Há nove séculos o profeta Isaías alertounos: ela só vigorará como fruto de justiça. Mas quem tem ouvidos para ouvir
O governo Dilma, com razão, não gostou do relatório do Departamento de Estado dos EUA sobre os direitos humanos no Brasil, divulgado semana passada. O Itamaraty fez uma nota de protesto. É pouco. Só há uma resposta à altura: o Brasil emitir um relatório sobre os direitos humanos nos EUA. Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão de Conversa sobre a Fé e a Ciência (Agir), entre outros livros.
Luiz Ricardo Leitão
ESTA FAMIGERADA Bruzundanga foi sempre uma terra pródiga para os poetas e prosadores de veia mais ferina que se dispõem a retratar em suas obras os absurdos de nossa profunda iniquidade social. Gregório de Matos Guerra, o “Boca do Inferno”, foi decerto o primeiro cronista das mazelas nacionais, denunciando em versos antológicos a perversidade do antigo sistema colonial (“Triste Bahia! Ó quão dessemelhante / Estás e estou do nosso antigo estado”...). Depois dele, vieram muitos outros mestres da crítica e do bom humor, traçando com a sua pena cenas e personagens típicos de um regime que veio a nascer sob os signos do descaminho e da trapaça. As Memórias de um sargento de milícias, por exemplo, de Manuel Antônio de Almeida, já nos dão conta da gênese da “malandragem” tupiniquim, na qual o jeitinho é apenas um índice da frustração popular em face das inúmeras expectativas (e promessas) de mudança da realidade social que as elites subscrevem, sem jamais cumpri-las. Machado de Assis, com as antológicas Memórias póstumas de Brás Cubas, foi outro mestre das letras a desvelar-nos a desfaçatez das classes dominantes: a maneira como o narrador (Brás Cubas) desdenha do leitor, prometendo-lhe contar causos que depois são esquecidos, é uma alegoria perfeita do comportamento das elites da época (e de hoje, também) – que se diziam “liberais”, mas fizeram do Brasil o último país escravista das Américas... E o que dizer de Lima Barreto, o criador de Os Bruzundangas, talvez a sátira mais corrosiva que se tenha escrito acerca da República do café-com-leite? Os políticos, banqueiros e oligarcas daquele país “imaginário” são um retrato irretocável da triste política tupiniquim.
Haveria muito mais a dizer, mas creio que o melhor, hoje, é apenas silenciar - e pensar As mazelas locais cevaram um sem-número de geniais humoristas no século 20. Aparício Torelly (o autoproclamado Barão de Itararé), nos tempos de Getúlio, e Sérgio Porto (o célebre Stanislaw Ponte Preta), nos conturbados anos de 1960, descreveram como poucos o “Festival de Besteiras que assola o país”. Isso sem falar nos chargistas e caricaturistas que se ocupam das aventuras surreais do Planalto, como a trupe comandada por Chico Caruso, Claudius, Glauco, Laerte, Maringoni e tantos outros, cujos traços fixaram para sempre os desvarios de Collor, PC e outros inomináveis “Filhos da Dinda”... Sim, há matéria de sobra para a fina ironia do notável prosador Luis Fernando Veríssimo, ou o humor esculachado do cronista José Simão. Afinal de contas, mesmo com o avassalador tsunami do mercado sobre os movimentos sociais, não há como esconder sob os tapetes das oligarquias episódios tragicômicos da vida pública nacional. Por vezes, tudo nos parece sonho (ou pesadelo) – que o diga a tchurma do Congresso: Netinho quer criar a Comissão dos Direitos da Mulher, Tiririca foi designado para a Comissão de Educação e Bolsonaro integra a Comissão de Direitos Humanos da Câmara... Devemos rir ou chorar? Enfim, eu deveria estar aqui debochando dessa corja, mas confesso ao leitor que a tragédia de Realengo me calou a veia ferina. Creio que todos nós carecemos de bem mais que um minuto de silêncio para refletir sobre o significado desse episódio. Penso em meus colegas professores, cujos salários mal dão para comprar um livro ou assistir a uma boa peça teatral, literalmente sitiados em suas salas de aula, improvisando barricadas para evitar a morte de seus alunos – e percebo o quanto estamos distantes do mundo cor de rosa que playboys como Cabral, Aécio (o cacique moderninho que se recusou a fazer o teste do bafômetro) & Cia. pintam em suas comarcas. Olho para a foto do “atirador” e não teço nenhum juízo – penso apenas na euforia dos fabricantes de armas, uma das faces mais perversas do capital, e nos frutos aziagos da Paideia audiovisual de Hollywood, com suas chacinas em série nas telas de TV (sub)urbanas. Haveria muito mais a dizer, mas creio que o melhor, hoje, é apenas silenciar – e pensar... Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e Lima Barreto: o rebelde imprescindível.
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda • Subeditores: Aldo Gama, Renato Godoy de Toledo • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Joana Tavares• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 21 a 27 de abril de 2011
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Anita Leocadia Prestes
instantâneo Gama
O legado de Prestes?
Altamiro Borges
Mídia quer sangue DE NADA ADIANTOU a presidenta Dilma Rousseff promover dois aumentos simultâneos da taxa de juros, cortar R$ 53 bilhões do Orçamento e ainda peitar as centrais sindicais na negociação do salário mínimo. Ela bem que tentou agradar o “deus-mercado”, mas o capital financeiro é insaciável. Através de seus meios de comunicação, ele exige mais sangue – mais juros e cortes de gastos! O editorial de 15/4 da Folha de S.Paulo é a prova contundente da gula dos rentistas. Para se contrapor ao que jornal diagnostica como “piora das expectativas inflacionárias”, que decorrem do “excesso de consumo e das pressões salariais”, a única saída é “aumentar a taxa de juros em 0,5% na semana que vem”, quando o Banco Central (BC) se reúne. Adepta da máxima neoliberal de que “não há alternativa”, a Folha é incisiva na defesa dos interesses dos agiotas. Qualquer outra medida, afirma, é ineficaz para combater o fantasma da inflação. Ela inclusive critica o BC por “propagar uma visão muito otimista” sobre o tema, reforçando a enorme gritaria dos últimos dias do capital financeiro. Em tom terrorista, o editorial da Folha afirma: “A situação é grave, a ponto de outros objetivos já começa-
ram a ser sacrificados... Diante de tais desafios, a melhor saída para o BC é dar um passo firme para demonstrar controle: aumentar a taxa básica de juros em 0,5%”. E conclui: “Essa é a prioridade”. Aplausos entusiásticos dos banqueiros e rentistas, nacionais e estrangeiros! Mas não é só a Folha que tem rabo preso com o capital financeiro. Carlos Alberto Sardenberg, editorialista do Estadão e comentarista da Globo, há vários dias vem insistindo na necessidade de um novo aumento da taxa Selic e de novos cortes no Orçamento. Dias atrás, ele criticou o BC por sua “tolerância com a inflação”. Para ele, o “otimismo” do BC “significa acreditar que a inflação vai cair sem a necessidade de uma alta mais forte da taxa básica de juros e sem um corte de gastos mais expressivo do governo. Segurar juros e ter espaço para gastar – eis algo que interessa a qualquer governo, muito especialmente ao de Dilma Rousseff”. Contra o que chama de “eleitoralismo”, Sardenberg prega abertamente a volta das “políticas ortodoxas” de FHC. Toda esta gritaria da mídia tem como único objetivo defender os interesses do capital financeiro. Fica a dúvida se estes jornais informam ou prestam serviços, bem pagos, aos banqueiros e rentistas.
Camila Queiroz
Retificar e mudar “A NOVA GERAÇÃO está chamada a retificar e mudar sem vacilação tudo o que deve ser retificado e modificado, e seguir demonstrando que o socialismo é também a arte de realizar o impossível”. Esta foi uma das declarações que o líder cubano Fidel Castro fez por ocasião do 6º Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC) – iniciado no dia 16 e que se estenderá até amanhã (19). No texto, publicado dia 17 de abril no jornal oficial Granma e no site Cubadebate.cu, Fidel destaca ainda que a tarefa dos dirigentes de hoje é mais difícil do que no início da revolução. “Portanto, persistir nos princípios revolucionários é, a meu ver, o principal legado que podemos deixar-lhes. Não há margem para o erro nesse momento da história humana. Ninguém deve desconhecer essa realidade”, frisou. O líder indicou também que a direção do Partido deve ser “a soma dos melhores talentos políticos do nosso povo”, capaz de fazer frente ao imperialismo. Apesar da conjuntura mais complicada, ele se disse “assombrado” com o bom preparo dos dirigentes. “Me assombrava a preparação desta nova geração, com tão elevado nível cultural, tão diferente da que se alfabetizava precisamente em 1961, quando os aviões ianques
de bombardeio, em mãos mercenárias, atacavam a Pátria”, comparou. 6º Congresso do PCC
O Projeto de Diretrizes para a Política Econômica e Social do Partido e da Revolução é o tema central do evento. Por esse motivo, durante o Congresso, será votada a reforma econômica, apresentada por Raúl Castro, irmão de Fidel, no comando da ilha desde 2006. Os participantes também elegerão a nova cúpula do partido. Fidel, que renunciou ao cargo de primeiro secretário do PCC em março deste ano, por motivos de saúde, deverá ser oficialmente substituído pelo irmão. Os dirigentes decidirão ainda sobre o tempo máximo dos mandatos em Cuba. Raúl Castro propôs que o teto fosse de dez anos e conclamou a “corrigir os erros cometidos em meio século”. O Congresso do PCC, órgão supremo da organização partidária, teve início dia 16 de abril, data considerada “transcendental” da história de Cuba, por ser o 50º aniversário da proclamação do caráter socialista da Revolução cubana. (Adital, com informações de Prensa Libre)
NÃO RESTA DÚVIDA de que no Brasil Luiz Carlos Prestes tornou-se a expressão máxima da luta revolucionária pelo socialismo e o comunismo, pelas liberdades democráticas e pela emancipação nacional, o que é reconhecido até mesmo pelos seus adversários. Passados mais de 20 anos do seu desaparecimento, presenciamos uma intensa disputa por seu legado e por sua herança política entre distintos partidos e entidades de diversos tipos, o que vem confirmar, mais uma vez, a importância do Cavaleiro da Esperança na História do Brasil. Cabe lembrar, entretanto, que Luiz Carlos Prestes foi acima de tudo um revolucionário, cuja vida dedicou à pugna pela formação de um partido revolucionário, que efetivamente viesse a contribuir para a revolução em nosso país, entendida como a conquista do poder político pelas forças revolucionárias, empenhadas em acabar com a exploração do homem pelo homem e construir uma sociedade socialista, que preparasse as condições para a passagem ao comunismo. Para Prestes, a realização de reformas sociais deveria constituir apenas os possíveis degraus no caminho para a revolução, ou seja, jamais seria a meta final, apenas um meio para alcançar os objetivos revolucionários. Não obstante os erros políticos cometidos pelo PCB, enquanto Prestes foi seu secretário-geral - erros por ele reconhecidos e pelos quais sempre assumiu a responsabilidade máxima -, toda sua trajetória à frente dos comunistas brasileiros foi dedicada ao permanente combate às tendências reformistas e de capitulação diante do inimigo de classe. Eis a razão por que as classes dominantes continuam a combater a figura de Luiz Carlos Prestes, seja através de repetidas calúnias, seja através do silêncio. Mesmo após 20 anos do seu desaparecimento, seu legado continua a incomodá-las pelo seu caráter questionador e revolucionário.
O legado de Prestes pertencerá aos brasileiros e às brasileiras que realizarão a revolução brasileira Em 1980, Prestes rompia com a direção do PCB lançando sua hoje célebre “Carta aos Comunistas”, em que denunciava o abandono do compromisso com a revolução da maioria dos então dirigentes do partido. Após ter tentado, durante anos e sem êxito, vencer as tendências reformistas cada vez mais presentes, seja nos documentos, seja na prática do PCB, Luiz Carlos Prestes, num gesto de extrema coragem, afastavase daquela direção, à qual não mais se dispunha a emprestar seu aval de reconhecido revolucionário. Da mesma maneira como em 1980, quando denunciou de público o reformismo do PCB, Prestes hoje não estaria de acordo com aqueles que, em palavras reverenciando sua memória e proclamando-se socialistas, na prática conduzem os trabalhadores para o beco sem saída de uma política de caráter neoliberal e reformista, de uma política de manipulação das massas populares, de distribuição de migalhas para garantir o domínio do grande capital, para garantir os interesses dos grandes proprietários de terras. Prestes jamais aceitaria as homenagens do presidente de um partido (o PCdoB), em ato comemorativo realizado em 25/03, que, ao mesmo tempo, defende no Congresso Nacional os interesses dos proprietários de terras. Todos que militaram junto a Prestes sabem que, nas circunstâncias atuais, ele estaria solidário, como sempre esteve, com as lutas pela reforma agrária, bastando consultar seus discursos, quando senador da República, para comprová-lo. Por mais disputada que seja a herança do Cavaleiro da Esperança por toda sorte de reformistas e aproveitadores, empenhados em utilizar-se do seu prestígio junto às massas populares para melhor enganálas, será a prática, conforme sempre postularam os pais fundadores do marxismo, que mostrará a quem irá pertencer o legado revolucionário de Luiz Carlos Prestes. Da mesma forma como o legado de José Martí pertence hoje aos homens e mulheres que fizeram a revolução em Cuba, o legado de Prestes pertencerá aos brasileiros e às brasileiras que realizarão a revolução brasileira. Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes – escreve uma vez por mês neste espaço.
comentários do leitor Gegê
Acompanhei poucos capítulos desta batalha enfrentada pelo Gegê como integrante do Instituto Pólis nos encontros do Fórum Centro Vivo. Pude ver como, mesmo perseguido, ele continuou na ativa, contribuindo com debates e ações pelo Direito à Moradia e tantos outros direitos. Fico feliz com a notícia e torço para que ele continue com coragem para seguir em frente.
Júlia Tavares, por correio eletrônico
Gegê 2
Parabéns ao Gegê pela resistência e pela consciência política. Torço para que sua mágoa com o Estado vire energia positiva na luta pela justiça e pela igualdade social no Brasil. Movimentos sociais, sejamos mais unidos, para termos a força necessária para libertar os opressores das suas visões egoístas de mundo, com força e amor!
Luciano de Andrade, por correio eletrônico
Griots
Fiquei encantada com a reportagem sobre os Griots do Senegal (edição 420). A forma com que o texto foi escrito nos remete a pensar que estamos vivendo a mesma experiência do autor que lá esteve. Parabéns!
Andreia Roseno, por correio eletrônico
Líbia
Perfeito o artigo de Beto Almeida (“Manipulação de bandeira”, edição 423). Claro e objetivo. Faltou dizer que o Brasil está sendo pressionado na ONU a aprovar uma lei antiterror no Congresso Nacional, que além de pertencer à prática, esta, sim, terrorista americana, serviria de embasamento contra os movimentos sociais, como aconteceu recentemente no Chile, que teve prisioneiros políticos mapuches condenados a penas altas, por lutarem pela retoma-
da das terras de seus ancestrais , cujo valor simbólico e cultural é inestimável.
Maísa Paranhos, por correio eletrônico
Líbia 2
Compartilho, incondicionalmente, das ideias esposadas neste texto (“Manipulação de bandeira”, edição 423). Revela-se em sua leitura, portanto, a lucidez e sensibilidade do autor frente às mazelas e agruras que a política (espúria) internacional ianque tem perpetrado ao mundo, sobretudo sobre as nações que não se coadunam com os seus interesses imperialistas, ou seja, os estados considerados não alinhados. Uma nação com seríssimos problemas sociais não tem envergadura moral para propalar e vender ao mundo a sua “pseudo” democracia; digo, sim, problemas sociais... afinal, o racismo, o consumo de drogas desenfreado pelos jovens, a violência em escalada no seio da sociedade (uma população car-
cerária de aproximadamente 250 mil presos), discriminação impingida aos latinos, crise na saúde pública, enfim... não correspondem a uma crise social instalada na terra do Barack Obomba? Parabenizo o autor pelo texto muito abalizado, o que me faz ser um leitor contumaz do Brasil de Fato. João Marcelo Oggion, por correio eletrônico
Erramos
Na edição 423 publicamos equivocadamente nesta seção de cartas, sob o título McDonald’s, uma mensagem de congratulações e sugestão de pauta enviada pelo professor Rafael Fortes. A mensagem, direcionada ao editor-chefe Nilton Viana não era uma carta de leitor. Pedimos desculpas pelo nosso erro.
A redação
Cartas devem ser enviadas para o endereço da redação ou através do correio eletrônico comentariosdoleitor@brasildefato.com.br
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de 21 a 27 de abril de 2011
brasil
Descaso ambiental na Baixada Fluminense LIMPEZA URBANA População de Seropédica protesta contra instalação de aterro sanitário sobre um aquífero. RicardoNogueira
Eduardo Sá de Seropédica (RJ) O CENTRO DE TRATAMENTO de Resíduos (CTR) Santa Rosa, em Seropédica, na Baixada Fluminense, é alvo de questionamento da população local. O início das atividades do centro está previsto para este semestre. Pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), além de grande parte dos moradores, criticam o método do empreendimento e sua localidade, por ficar sobre um aquífero, lençol de água doce subterrânea. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão responsável pela licença prévia de instalação do projeto, atestou a segurança e eficiência da empresa Ciclus, que receberá até 9 mil toneladas de lixo diariamente. A principal contestação dos especialistas e do secretário municipal de Meio Ambiente e Agronegócios de Seropédica, Ademar Quintella, é que em caso de vazamento a empresa não terá solução para o problema, já que com a quantidade elevada de resíduos despejados por dia ficará difícil manejar o lixo para tratar da contaminação. Segundo a presidente do Inea, Marilene Ramos, todos concordam com a necessidade de se ter um aterro, mas ninguém o quer perto de sua casa. Para ela, não há tecnologia mais avançada em lixo urbano até que se tenha viabilidade econômica para transformá-lo em energia, mas em caso de contaminação o problema pode ser contido. “Em caso de vazamento pode-se utilizar barreiras de contenção para evitar o avanço da contaminação, por meio de barreiras hidráulicas ou impermeáveis verticais”, indica.
As pesquisas sustentam que o rio Piranema fica debaixo de um terreno arenoso, que pode ser acessado a menos de 2 metros em alguns trechos O laudo apresentado ao Inea pelos pesquisadores da Rural e da Embrapa contém mais de 150 páginas. Segundo ele, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) realizado pela Ciclus é defasado e equivocado. A análise aponta para uma contaminação imediata através do rio Piranema, aquífero que desemboca no rio Guandu, principal abastecedor de água do Rio de Janeiro. As pesquisas sustentam que ao contrário do aquífe-
O laudo apresentado por pesquisadores da UFRRJ e da Embrapa mostra que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) realizado pela Ciclus é defasado e equivocado
ro Guarani, maior do sudeste e situado abaixo de uma rocha sólida, o Piranema fica debaixo de um terreno arenoso, que pode ser acessado a menos de 2 metros em alguns trechos. Com isso, toda a região ficará vulnerável à contaminação. “Não existe um estudo da Embrapa e da UFRRJ, pois tanto o trabalho da técnica quanto dos professores não foram referendados por suas instituições. Eles foram apresentados e considerados, mas a nossa equipe técnica não chegou à mesma conclusão que eles, ao ponto de impedir a construção”, afirma Marilene.
que não quis se identificar. “Pra mim está bom, não adianta ficar contra, porque já está acontecendo. Em todos os países tem isso, não tem jeito. Se não for aqui é em outro lugar”, conforma-se o comerciante Elias Borges.
Futuro ameaçado
Protesto
A brincadeira das crianças no rio, o potencial agropecuário, a pesca regional e outros costumes da população das vilas nos arredores do rio Piranema podem ficar comprometidos. O calor, mau cheiro e o barulho serão inevitáveis no bucólico Chaperó, bairro mais próximo da instalação. Num dos caminhos de Seropédica para o aterro, a maioria dos moradores está desinformada. Cerca de 10 agentes de saúde na porta de um posto municipal afirmaram que não sabem de nada e nem foram orientados para possíveis tratamentos de doenças com a vinda do lixo, mesmo com a presença de dengue na região. “Acho que teve dinheiro para alguém e o povo é que vai sofrer. Moramos há anos aqui e nunca veio nada para cá”, comentou um dos agentes,
“Acho que teve dinheiro para alguém e o povo é que vai sofrer. Moramos há anos aqui e nunca veio nada para cá”
No Dia Mundial da Água (22/03) muitos alunos, técnicos, professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e moradores realizaram no centro de Seropédica um protesto paralisando a rodovia BR 465, que liga o Rio a São Paulo. Além da crítica ambiental, o protesto se concentrou nos possíveis entraves ao crescimento e desenvolvimento do município, como os transtornos no trânsito, que já é caótico, com a estimativa de aumento de mais 800 caminhões por dia na região, mesmo com a previsão do Arco Rodoviário. Também houve uma manifestação na porta da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) no dia 31 de março. A presidente da Associação de Docentes da UFRRJ (ADUR-RJ), Ana Cristina
dos Santos, afirmou que a entidade entrou com ações judiciais junto à sociedade civil questionando a construção do aterro sanitário. Ela também disse que o Conselho Universitário da UFRRJ deliberou em dezembro passado para a Rural entrar com uma ação na Justiça, mas nada foi feito pelo reitor. O Diretório Central dos Estudantes da UFRRJ elaborou uma moção de repúdio ao aterro, responsabilizando o governador do Estado, Sérgio Cabral (PMDB), e o prefeito, Eduardo Paes (PMDB), pelas obras em relação ao “embelezamento da cidade para os eventos esportivos de 2014 e 2016”. Integrante do Conselho de Chaperó, bairro colado ao CTR, Sueli Cabral diz que os panfletos distribuídos, livros e reportagens são “lindos”, só que a realidade vista de perto é outra. Segundo ela, não será feito tratamento de resíduos no local, mas sim um lixão igual ao de Nova Iguaçu, também na Baixada Fluminense. “Ninguém autorizou ou compartilhou com nada, só houve uma reunião no [colégio público] Brizolão chamada por nós e nada ficou esclarecido. Aqui é uma área muito carente e eles estão pegando as pessoas menos esclarecidas, dão aulas e as levam de um lado para o outro dizendo que haverá emprego; isso é um ‘me engana que eu gosto’. As pessoas vão se iludindo, e quando perceberem vão querer voltar atrás”, critica a aposentada.
Monopólio disfarçado
Caminho facilitado
Suspeita-se que as empresas Haztec, S.A. Paulista e Ciclus reúnem-se para formar um cartel
Chegada da Cidrus à região contou com medidas “benévolas” do governo municipal
de Seropédica (RJ) José Claudio de Souza Alves, decano de Extensão da UFRRJ, acompanha o processo do aterro sanitário de perto e produziu um documentário denunciando os danos ambientais na vizinha Nova Iguaçu. Para ele, esse é um investimento de um monopólio que armazena lixo in natura e usa a tecnologia mais primitiva e degradante. O professor sustenta que existe a possibilidade de as empresas Haztec e S.A. Paulista, também do setor de aterros sanitários, formarem junto à Ciclus um conglomerado muito poderoso. Sua suspeita decorre dos mesmos procedimentos utilizados pelas empresas, fato constatado nas suas visitas ao aterro em Nova Iguaçu. “A Ciclus foi mudando de nome. Ela é a Haztec que em Nova Iguaçu cria o aterro com o nome S.A. Paulista. Comprovamos que eles contaminaram toda a água da região, com índice altíssimo de fósforo, amônia e ferro. A gente vai obtendo informações de que são as mesmas pessoas. Colocam outra empresa para fazer a mediação e a negociação dessas coisas, e é um empreendimento caríssimo”, denuncia o decano. A reportagem teve acesso ao Relatório de Impacto Ambiental (RIA) da Ciclus, que contém o timbre da S.A. Paulista, e em um dos telefonemas uma
atendente da empresa identificou-se como funcionária da Haztec, o que reforça a apreensão do professor. A Ciclus informou, em nota, que sua Central de Tratamento de Resíduos (CTR) é uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) formada pela Haztec e pela Julio Simões. A empresa não respondeu se tem envolvimento com o Aterro de Adrianópolis, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O decano da UFRRJ também critica o que está sendo feito com a população pouco instruída e de baixa renda no local, pois, segundo ele, o município está com graves problemas econômicos e os 800 empregos oferecidos causam um alvoroço, sem sequer as pessoas terem noção das doenças que podem chegar com o empreendimento. Ele também destaca uma alternativa apresentada pela UFRRJ. “Desde 2007, eles não trabalharam em nenhuma alternativa a este projeto, e com o desespero com o lixão de Jardim Gramacho estão atropelando todos os procedimentos. Tem uma proposta aqui de que seriam cinco pontos, cada um trabalhando com 1,5 mil toneladas de lixo por dia, mas com reciclagem, coleta seletiva e produção de energia. Todo um tratamento adequado para esses materiais serem reutilizados, tecnologia do que há de mais moderno. Isso seria uma saída para o Rio de Janeiro”, afirma José Claudio. (ES)
de Seropédica (RJ) Maria José Ferreira (PT), vereadora de Seropédica, recordou a chegada da Cidrus à cidade. O processo começou quando a empresa S.A. Paulista comprou a fazenda Santa Rosa, na região de Chaperó/Piranema. “Em 2007, o prefeito Darci dos Anjos encaminhou à Câmara um Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 001/2007 com a finalidade de permitir a instalação do Aterro Sanitário. Na mesma data, o prefeito enviou à Câmara projetos de leis com a finalidade de autorizar a instalação da unidade, reduzir a Área de Proteção Ambiental (APA), criar uma Área de Especial Interesse Sanitário e Ambiental, e permitir a uma empresa privada gerir esse tipo de empreendimento”, recordou. Segundo a vereadora, com a Câmara em recesso, o prefeito convocou uma sessão extraordinária e os quatro projetos acima não foram aprovados, porque a população tomou ciência e pressionou na porta da casa legislativa. No entanto, no dia 9 de novembro de 2007, os projetos foram protocolados e aprovados dois dias depois. O Tribunal de Justiça validou as leis, apesar de o regimento interno da Câmara exigir intervalo de 10 dias para emendar a lei orgânica. Uma das últimas ações da prefeitura foi conceder o alvará de obras para a Ciclus iniciar as construções, pois o então prefeito, Darci dos Anjos, foi cassado por crime eleitoral. Assim que Alcir Martinazzo assumiu, foi
pedida uma suspensão do alvará de instalação, que foi invalidada pela Ciclus junto à Justiça. “De 11 ações que tramitam há mais de 3 anos no Ministério Público, a única julgada pelos juízes foi a de suspensão de alvará. Foi feita uma solicitação para que o juiz impetre um perito de hidrogeologia para apuração, junto a uma assistente técnica da prefeitura, mas não houve retorno”, critica o secretário municipal de Meio Ambiente de Seropédica. (ES)
Defesa da Ciclus Com um investimento de R$ 400 milhões, sob a concessão da Comlurb por 15 anos, a Ciclus depositará todos os resíduos de Itaguaí, Seropédica e da capital fluminense. A empresa informou que terá tecnologia capaz de garantir a proteção ao solo, subsolo e água, com censores para detectar vazamentos. “Exemplo disso é a tripla camada de impermeabilização, que conta com tecnologia inédita na América Latina. Além disso, os principais passivos gerados pela decomposição dos resíduos, o chorume e o biogás, serão transformados em ativos, como água de reuso e energia elétrica. É um empreendimento totalmente alinhado com as determinações da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e que cumpre todas as exigências legais”, informa. (ES)
brasil
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Efeitos nefastos da mineração Reprodução
EXPLORAÇÃO Entorno de Parauapebas (PA) vê crescimento da prostituição infantil após chegada de empreendimentos liderados pela Vale Marcio Zonta de Bom Jesus das Selvas (MA) A VILA SANSÃO fica a 70 quilômetros da cidade paraense de Parauapebas, onde está concentrada a exploração mineral do projeto de Carajás, liderado pela Vale. A vila é constituída de 257 lotes e conta com uma escola de 17 professores e 360 alunos, da educação infantil ao ensino fundamental. A população da vila, que surgiu em 1984, é de 1,2 mil pessoas, grande parte atraída nos últimos tempos pela promessa de emprego na Vale e suas três terceirizadas, entre elas a Odebrecht, que vieram para a implantação da infraestrutura do projeto Salobo, que explora cobre na região. Situada no entorno da Floresta Nacional de Tapirapé, sob domínio de projetos da Vale, os moradores passaram a conviver com a chegada de 7 mil homens, abrigados em grandes alojamentos construídos dentro da vila. Antes a vila contava com quatro igrejas evangélicas, uma católica e quatro pequenas casas comerciais, com venda de gêneros alimentícios. Hoje, a vila passou a ter nove bares e seis casas consideradas como locais de prostituição. “Como consequência, o índice de exploração sexual infantil aumentou drasticamente. Já foram constatados três casos de estupros. São adolescentes que deixam a escola e vão para prostituição, outras permanecem na escola e à noite caem na prostituição”, revela o sociólogo Raimundo Gomes da Cruz Neto, do Movimento dos Atingidos pela Mineração no estado paraense. Tâmara
Aos 17 anos, com traços indígenas, e uma estatura de aproximadamente 1,70m, Tâmara* é uma dessas adolescentes citadas por Neto. Cursa o primeiro ano do ensino fundamental à tarde e à noite faz programa numa das casas de prostituição da vila, muito frequentada por funcionários da Vale e de suas terceirizadas. “Moro na vila aqui há três anos com meus pais e meus três irmãos. Primeiro viemos de uma cidadezinha pequena perto de Belém para Parauapebas, procurando emprego para o meu pai, depois disseram que era aqui que teríamos emprego e aí viemos para cá”, conta Tâmara. O pai realmente arrumou um emprego, mas não na Vale, nem em suas terceirizadas. Hoje ele retira vegetações daninhas em fazendas próximas à Vila Sansão. Já Tâmara, quase todas as noites adentra uma casa, que foi adaptada para receber homens das empresas instaladas na vila. Com um balcão à esquerda margeado de bancos, reserva quatro quartos ao longo de um corredor que termina em um quintal escuro ao fundo. A “casa” tem no mínimo seis adolescentes por noite para atender aos clientes.
“Crianças e adolescentes não se prostituem, pois ainda não têm discernimento para assumir isto como profissão. Portanto, o que ocorre é exploração sexual” “Em dia de semana, venho aqui umas 20h e vou embora lá pela meia noite. Às sextas e sábados fico até mais tarde, umas 2h, 3h, pois tem mais homens”, diz Tâmara. Uma senhora atende os clientes que pedem bebidas: cerveja, cachaça ou algumas marcas de uísque nacional. Entre eles está Roberto*. “Frequento aqui faz tempo, desde que cheguei, há um ano. Venho de Goiás para trabalhar numa empresa aqui. Sabe como é, né? Só trabalhar, não dá”, afirma. Roberto, que se negou a revelar o nome da empresa onde trabalha, revela que os frequentadores do local têm ciência de que a casa explora menores. “A gente sabe que a maioria das meninas é ‘de menor’, nossos chefes sabem, as empresas sabem, mas, poxa, vir para cá no meio do nada morar com um monte de macho, sem nada para fazer de noite, fica complicado”.
1,2 7 mil era o número de habitantes da Vila Sansão que recebeu
mil trabalhadores
“Sem discernimento”
Em meio a casas de taipa, de onde saem crianças sujas e descalças, desponta protegido por enormes portões um prédio com um belo alojamento de funcionários da Vale, trazendo o contraste entre a pobreza da região e o poderio econômico da mineradora. Diferença esta que desperta a atenção de algumas adolescentes da cidade, com esperança de terem uma vida melhor. “Elas veem essas camionetes das empresas andando por aí, com homens com poder aquisitivo maior, e um alojamento como este da Vale em meio a tanta pobreza, isso mexe com o imaginário das meninas, o que as faz procurar os funcionários”, explica Neto. Passa das 16h do sábado, 25 de março, e Cristina*, uma adolescente de 15 anos, maquia-se em frente a um minúsculo espelho, pendurado numa das paredes da casa de taipa de três cômodos, que divide com a mãe, vendedora ambulante, e quatro irmãos mais novos. Escolhe atentamente a roupa que vai vestir, entra num dos cômodos da casa e depois de 20 minutos reaparece
Com a chegada das empresas, Bom Jesus das Selvas corre o risco de viver surto de doenças sexualmente transmissíveis
pronta. Com seus longos cabelos amarrados, olha pela última vez ao espelho, para antes das 18h sair de casa e ir até o portão do alojamento da Vale ou para algum bar da cidade frequentado por funcionários. “A gente fica no portão acenando para os homens de dentro do prédio da empresa, muitos deles saem para conversar com a gente. Aí marcamos alguma coisa de passear ou de ir a algum barzinho”. Cristina revela que perdeu sua virgindade assim, aos 13 anos, com um funcionário da Vale. “Foi bom. Todas as vezes em que saímos, ele me dava algum dinheiro”. Ao escurecer, no portão do alojamento da Vale, aglomera-se meia dúzia de meninas que prontamente são atendidas por alguns homens, indo até o portão conversar e acariciar, num primeiro momento, as mãos das adolescentes através dos portões. Para Nonato Masson, advogado do Centro da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH) as “crianças e adolescentes não se prostituem, pois ainda não têm discernimento para assumir isso como profissão, pois estão em formação psicológica e social. Portanto, o que ocorre é que são exploradas sexualmente, mesmo”.
beu no início do ano passado mais de 3 mil homens que trabalharão na duplicação da Estrada de Ferro de Carajás, sob concessão da Vale. Dos nove filhos que vingaram, três são homens e sete mulheres, três delas entre 14 e 16 anos. Segundo Meriam, da Pastoral da Criança de Bom Jesus das Selvas, as três meninas já frequentaram pontos de prostituição.
Sem políticas definidas para sanar ou minimizar os problemas, correse o risco de um surto de doenças contraídas sexualmente no município
“São meninas pobres que passaram a frequentar pontos de prostituição, com a chegada das empresas” Surto
Dona Maria Oliveira teve 19 filhos, dentre eles, dez apenas sobreviveram diante das dificuldades oriundas da pobreza vivida por ela e pelo marido na cidade de Bom Jesus das Selvas, um município no interior do Maranhão, que receReprodução
Algo que se tornou corriqueiro para muitas meninas da cidade, conforme relata Tatiane Albuquerque, que coordena no Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Bom Jesus das Selvas um projeto cultural voltado para adolescentes em risco de exploração sexual. “São meninas pobres que passaram a frequentar pontos de prostituição, que aumentaram com a chegada das empresas”. O conselho tutelar da cidade constatou que aumentou o número de adolescentes grávidas dos 13 aos 16 anos, além das doenças sexualmente transmissíveis, desde o início das obras de duplicação da via férrea na cidade. Para Gildázio Leão, funcionário da Secretaria de Saúde de Bom Jesus das Selvas, com a chegada das empresas sem políticas definidas para sanar ou minimizar os problemas, corre-se o risco de acontecer um surto de doenças contraídas sexualmente no município. “Se a gente tem um aumento da população com a chegada das empresas, pessoas que chegam e que já podem ter o vírus, ou que mantiveram relações desprotegidas com essas menores podemos ter uma aumento considerável de pessoas infectadas”, esclarece.
“Foi bom. Todas as vezes em que saímos, ele me dava algum dinheiro” Atualmente 25 pessoas foram diagnosticas com o HIV positivo, apenas 12 estão em tratamento no município, cinco com idade entre 13 e 20 anos, segundo dados da Secretaria de Saúde de Bom Jesus das Selvas. Para Leão, no entanto, esse número pode ser até duas vezes maior, já que não se tem obrigatoriedade da identificação do soropositivo no Brasil. Rebeca*, uma das filhas de dona Maria Oliveira, é uma das adolescentes com suspeita de estar infectada com o vírus, mas tem medo de fazer o teste. Aos 14 anos, frequenta assiduamente os pontos de prostituição da cidade por troca de bebida e dinheiro. “O que antes era dificultoso para as meninas, ganhar dinheiro, de certo modo tornou-se fácil, pois hoje quem frenquenta esses bares são homens assalariados”, diz Albuquerque. Bar em Bom Jesus das Selvas, município que recebeu mais de três mil homens para trabalhar na Estrada de Ferro de Carajás
* Nomes fictícios
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de 21 a 27 de abril de 2011
brasil Charles Souto
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
História real Sem medo da verdade histórica, o Uruguai acaba de revogar a lei da anistia ampla para poder julgar os que praticaram crimes de lesa-humanidade durante a ditadura civilmilitar (1973-1985) naquele país. Na mesma linha de corrigir o passado, a Justiça da Argentina acaba de condenar à prisão perpétua o último presidente da ditadura militar (19761983), o general Reynaldo Bignone, por violação dos direitos humanos. E aqui, nada de esclarecer a verdade?
Cana abre caminho por cima dos manguezais de PE Tratores abrem estrada clandestina paralela ao Riacho Sibiró para facilitar o transporte da cana
CRIME AMBIENTAL Pescadores de Sirinhaém denunciam Usina Trapiche por desmatamento em Área de Preservação Permanente Charles Souto de Sirinhaém/PE “ESTÃO MATANDO árvore mais velha que eu e você”. Percorrendo os labirintos do rio Sirinhaém com a destreza natural de quem se criou naquelas águas e mangues, Gino conduz sua pequena baiteira (embarcação) pelos estreitos braços d’água até chegar à região conhecida pelos pescadores locais como Monteiro, no município de Sirinhaém, zona da mata sul de Pernambuco. “Todo ano eles fazem isso. Vão derrubando o mangue pouco a pouco pra botar cana no lugar”. Ainda é possível ouvir o motor dos tratores quando a baiteira ancora. Gino mantém-se em silêncio por alguns instantes antes de desembarcar. “Disseram que um deles anda armado”, explica. Logo não se ouve mais o ronco dos motores e o silêncio só é rompido por assobios vindos de diferentes cantos da mata. “Isso não é assobio de bicho”, alerta o pescador. Mas desligar motores e fugir no meio
da mata é um recurso inútil, já que é impossível acobertar a estrada clandestina que abre caminho onde antes havia vegetação nativa de mangue e Mata Atlântica. Com cerca de seis metros de largura e um quilômetro de comprimento, a estrada está sendo construída em paralelo ao Riacho Sibiró, um afluente do Rio Sirinhaém. “Isso daí é pra facilitar o acesso dos caminhões da Usina quando começarem a plantar cana por aqui”, deduz Gino.
“Mas não há nenhuma placa da obra. É uma estrada clandestina”, afirmou o presidente da Associação de Pescadores À beira da estrada, que ainda possui marcas recentes de tratores, diversos pés de mangue-branco estão tombados. O local faz parte de uma Área de Preservação Permanente (APP) localizada em terras públicas aforadas à Usina Trapiche, responsável por sua manutenção. Mas ao chegar ao final da via clandestina, o que se vê estampado nas escavadeiras, compactadeiras e carregadeiras abandonadas às pressas é o emblema da própria Usina Trapiche. Isso não é surpresa para Gino. “Nessa época é sempre assim. Acaba a safra e eles começam a derrubar na baixa
o mangue pra depois irem colocando a cana. Essa área aqui de Monteiro era tudo mata. Uma beleza só. E agora não tem mais nada”, constata o pescador antes de embarcar de volta em sua baiteira. Aliás, Gino não se chama Gino. Seu nome foi preservado por motivos de segurança. A denúncia de Gino e dos pescadores de Sirinhaém ganhou as páginas dos jornais pernambucanos dia 16 de abril. Em entrevista ao Jornal do Commércio, o presidente da Associação de Pescadores e Armadores de Sirinhaém, Flávio Wanderley da Silva, afirmou que o aterro do manguezal e o desmatamento da floresta nativa começaram há 15 dias. Por se tratar de uma APP, essa vegetação só pode ser derrubada mediante projeto de lei encaminhado pelo governo do Estado à Assembleia Legislativa, sendo que antes disso o governador precisa decretar a obra como de interesse social ou de utilidade pública. “Mas não há nenhuma placa da obra. É uma estrada clandestina”, afirmou o presidente da Associação de Pescadores, acrescentando que o desmatamento provocado por essa obra prejudica a pesca artesanal praticada na região. “Muitas pessoas dependem da pesca por aqui. E sem o mangue não tem caranguejo, nem guaiamum, nem aratu. Esperamos que a CPRH (Agência Pernambucana de Meio Ambiente) e o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) fiscalizem”, conclamou Flávio. Uma equipe da CPRH visitou o local no dia 17 de abril para averiguar a denúncia e dar início à elaboração do auto de infração.
Usina Trapiche tem histórico de antecedentes criminais Não é a primeira vez que a Usina Trapiche vê seu nome atrelado a crimes ambientais de Sirinhaém/PE Em 2008, o Ibama realizou a operação “Engenho Verde” e autuou a Usina Trapiche e todas as usinas sucroalcooleiras de Pernambuco por ausência de licença ambiental do cultivo da cana-de-açúcar, além de interpor ações civis públicas requerendo a adequação ambiental legal das usinas. No total, a operação “Engenho Verde” aplicou R$ 120 milhões em multas. Um ano depois, em outubro de 2009, o Ibama flagrou o morticínio de peixes no Rio Sirinhaém provocado por dejetos da lavagem industrial da cana que estavam sendo despejados pela Usina Trapiche nos afluentes do rio. A Usina foi multada em R$ 1,5 milhão. A esse rol de crimes ambientais cometidos pela Usina Trapiche soma-se um truculento processo de expulsão dos antigos moradores das Ilhas de Sirinhaém. As famílias que habitavam as ilhas do estuário do Rio Sirinhaém desde o início do século passado, constituindo uma comunidade tradicional baseada na pesca, agricultura, criação de animais e extrativismo, sofreram nas últimas décadas seguidas perseguições da Usina Trapiche, como ameaças, apreensão de material de pesca, expulsões, queima e demolição de casas. O resultado é que todas as 53 famílias foram expulsas das Ilhas. Apenas as pescadoras Maria de Nazareth e Maria das Dores resistiram no local.
Mas em novembro do ano passado, após 12 anos de uma disputa judicial movida pela Usina contra a família de Nazareth e das Dores, as pescadoras foram obrigadas a abandonar suas casas em obediência à decisão do Juiz da Vara Única de Sirinhaém, Luíz Mario de Miranda. Punição Diante das constantes violações aos direitos humanos e ambientais perpetradas pela Usina Trapiche, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que há 10 anos acompanha a luta dos ilhéus e pescadores de Sirinhaém, lançou nota pública dia 18 de abril, exigindo “que os infratores do crime ambiental respondam civil e penalmente e que seja providenciado urgentemente a retirada de todo material usado no aterramento da área de preservação permanente para que o ecossistema seja reconstituído”. No entanto, para a CPT, a solução definitiva para acabar com esses desmandos é mais ampla. Desde 2006, pescadores, ilhéus e ribeirinhos, em parceria com diversas organizações ambientalistas e de direitos humanos, vêm pleiteando a criação de uma Reserva Extrativista (Resex) na região. Nesse mesmo ano, o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) deram início aos estudos para a criação da Resex. Após realizar Consulta Pública em agosto de 2009, o procedimento administrativo foi concluído, restando apenas a anuên-
cia do governador Eduardo Campos para que a presidência da República publicasse o decreto de criação da Resex. No entanto, até o momento não houve nenhuma manifestação de Eduardo Campos sobre a criação da reserva – o que demonstra, na opinião das organizações que acompanham o caso, a subserviência do governo estadual aos interesses do setor sucroalcooleiro.
Conduzindo sua baiteira, vendo o pouco que resta das matas e mangues ser tomado pela cana, o pescador Gino parece abatido Conduzindo sua baiteira, vendo o pouco que resta das matas e mangues ser tomado pela cana, o pescador Gino parece abatido. Mas por um instante ele avista algo que o faz mudar de semblante e desligar o motor de sua baiteira. Sorridente, aponta para uma árvore que se destaca entre a vegetação. “Tá vendo aquele pé de limão ali? É tão velho no mundo! Quando eu era criança, sempre vinha de barco pegar limão aqui. Não sei quem plantou ele. Deve ter sido um dos moradores antigos. É melhor aproveitar antes que arranquem esse também”. (CS)
Desnacionaliza Chamados pelo ex-presidente Lula de “heróis nacionais”, os usineiros da cana-de-açúcar estão apreensivos com o acelerado processo de entrada do capital estrangeiro no setor. Eles lembram que no início do governo Lula, em 2003, apenas 5% das usinas estavam nas mãos de estrangeiros, e agora, mais de 35% das usinas pertencem a grupos multinacionais. Assim, do jeito que vai a coisa, não sobrará “herói nacional” para contar a história. Pânico chinês A Associação dos Produtores de Soja não esconde o seu temor com a chegada pesada dos chineses no agronegócio, tanto na compra de terras, compra da produção, estocagem de grãos e venda de equipamentos agrícolas. Para se ter uma ideia da rapidez do processo, em apenas cinco safras da soja, no Mato Grosso, a exportação para a China saltou de 19% para 62% do total exportado. Quem segura a voracidade chinesa? Recuo contínuo Nos anos de 1990 e início dos anos 2000, boa parte da esquerda brasileira deixou de lado a bandeira da luta pelo socialismo e adotou como principal referência a luta contra o neoliberalismo e o imperialismo. Mais recentemente parcela dessas esquerdas aderiu ao modelo socialliberal e passou a aceitar o imperialismo sem maiores questionamentos. Por isso fica difícil saber o que as caracteriza no campo da esquerda. O que são afinal? Gestão modelar Primeiro o governo anunciou que a expansão da banda larga seria feita pela estatal Telebrás. Mas, como as empresas de telefonia chiaram, o governo decidiu entregar a mina de ouro para a exploração privada, e definiu o preço de R$ 35 mensais pelo serviço. Como as empresas privadas chiaram novamente, o governo fala agora em subsidiar o preço do serviço. Está claro? É o dinheiro público que vai garantir o lucro das empresas privadas. Valores errados O último censo do IBGE mostra que as “causas externas” continuam crescendo nos registros da mortalidade dos jovens de 15 a 24 anos. Estão muito acima (73,6%) das “causas naturais” (26,4%). As mortes acontecem por homicídio (39,7%), acidentes de veículos (19,3) e por suicídio (3,9%). O índice de suicídio entre os jovens é muitas vezes maior do que a média da sociedade. Está na cara que as causas geradoras dessa violência têm a ver com os valores dominantes. Privatização Na mesma trilha de Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Lula, o governo Dilma continua fiel ao programa de privatização do Brasil: o próximo passo será a entrega dos aeroportos para a exploração privada, com licitação em maio e leilão até julho. Como ocorreu nas privatizações anteriores (telefonia, energia elétrica, rodovias etc), primeiro se dá o sucateamento, a destruição pública pela mídia e, depois, a “solução privada”. Dinheiro curto O indicador Serasa Experian registra que a inadimplência com cheques sem fundos continua em elevação em 2011, pelo terceiro mês consecutivo, com os seguintes dados de devolução: janeiro, 1,70%; fevereiro, 1,83%, e março, 2,13%. Os analistas justificam essa situação como sendo resultado de gastos sazonais com férias, carnaval, material escolar e pagamento do IPVA. Será mesmo? Punição exemplar O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, afastou de suas funções, no dia 11 de abril, 35 agentes penitenciários – de duas cadeias em Caxias do Sul – porque foram acusados pelo Ministério Público pela prática de tortura, entre 2008 e 2010. A condenação deles acarreta em perda de cargo público. Está aí um bom exemplo para procuradores, promotores e governadores de todo o Brasil.
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Voo raso, entre a pressa e a privatização INFRAESTRUTURA Estudo do Ipea alerta sobre atraso nas obras em aeroportos e acelera debate sobre privatização Reprodução
Pedro Carrano de Curitiba (PR),
R$
BASTA POUCO, apenas um show da banda irlandesa U2, para gerar filas e atrasos nos aeroportos de São Paulo e Paraná. Basta menos ainda para o coro alarmista do “apagão” aéreo ganhar força, puxado pela mídia empresarial e conservadores de plantão. Somado a isso, em anos recentes, a manifestação dos trabalhadores do setor aeroportuário tende a crescer. Afinal, 154 milhões de pessoas circularam nos aeroportos nacionais em 2010, configurando um aumento de 117% em oito anos no acesso a esse meio de transporte. Entre diversos fatores, foi determinante para isso o crescimento conjuntural do número de empregos no Brasil e a diminuição de preço do serviço.
bilhões de investimento público no setor entre 2003 e 2010, média de R$1,1 bilhão por ano
39,1 187
%
deve-se ao orçamento da estatal Infraero
Copa
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) gerou polêmica ao mostrar que nove aeroportos não estarão com as obras concluídas até o começo da Copa do Mundo de 2014, entre 13 terminais analisados, que receberão investimentos do governo. A oposição usa os dados disponíveis para reforçar o discurso de privatização do setor e suposta incapacidade de gestão da estatal Infraero. Em relação ao modelo, o setor aéreo brasileiro já está submetido à lógica neoliberal da reestruturação produtiva.
Dilma Rousseff, em suas primeiras declarações, mostrou-se defensora de um modelo aberto ao investimento privado A mira é então privatizar a infraestrutura dos aeroportos, controlada pela estatal Infraero, uma das maiores do mundo, cuja atribuição pertence ao Ministério da Defesa. Durante o governo Lula, o ministro Nelson Jobim defendia que a administração de todos os aeroportos fosse concedida à iniciativa privada. Dilma Rousseff, em suas primeiras declarações, mostrou-se defensora de um modelo aberto ao investimento privado. Em março, criou a Secretaria de Aviação Civil (SAC), para gerenciar a agência reguladora do setor (Anac) e também a própria Infraero. O setor torna-se cada vez mais lucrativo (veja dados abaixo), e empresas como a consultoria Mckinsey, citada no estudo do Ipea, anseia para o setor um investimento total de 29,5 bilhões de dólares entre 2011 e 2030. Fato é que a capitalização no ramo aumentou ao longo do mesmo período, de
8,8
%
taxa média de ocupação acima do limite entre os 14 aeroportos analisados pelo estudo
44
%
154 milhões de pessoas utilizaram o transporte aéreo nacional em 2010
um total de R$ 502 milhões para R$ 1,3 bilhão em 2010, ano em que o Brasil foi eleito país sede da Copa e dos jogos olímpicos de 2016. No total, foram R$ 8,8 bilhões. Porém, de acordo com o mesmo estudo, a desaceleração da economia prevista deve refletir no ramo. O crescimento de 1% do PIB tem correspondido a um aumento de demanda no setor aéreo de 3,17%. Oligopólio consolidado
A economista Leda Paulani, professora da Faculdade de Economia da USP, comenta que o setor passou por um movimento de centralização de capitais para obter os lucros de hoje: “Também teve um momento muito turbulento, com grande quantidade de empresas que abriram e fecharam, até que foi consolidando o oligopólio da Gol e TAM, uma centralização que facilita para que elas tenham lucratividade maior. Quais as condições para o setor privado se interessar na privatização dos aeroportos? Aumento de taxas de embarque seria uma delas”, sugere. O estudo do Ipea focaliza a relação entre a capacidade de cada aeroporto e a relação com o aumento da demanda de
passageiros até 2014. No período de 2011 e 2014, a perspectiva é de que a demanda no setor aumente em 46,4%, ou seja, 10% ao ano. O instituto governamental não se aprofunda, no entanto, sobre questões relativas ao impacto nos trabalhadores do ramo e nas condições estruturais de pista etc.
O crescimento de 1% do PIB tem correspondido a um aumento de demanda no setor aéreo de 3,17% O governo, por meio do Secretário de Aviação Civil, nega a constatação de atraso e incapacidade dos terminais. Junto à imprensa, a Infraero manifestou-se dizendo que não chegou a participar da elaboração da pesquisa do Ipea, “de modo que não pode fazer qualquer tipo de avaliação a respeito”, como publicou a assessoria de imprensa da estatal. Até o fechamento desta edição, a reportagem do Brasil de Fato não conseguiu falar com os pesquisadores responsáveis pelo estudo do Ipea.
taxa de aplicação dos recursos previstos nos aeroportos Fonte: Aeroportos no Brasil: investimentos recentes, perspectivas e preocupações – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
Lucratividade das empresas do ramo de aviação no Brasil ANO
TOTAL (R$)
2001
6.996.098.310
2006
10.791.359.473
2007
10.891.128.350
2008
14.204.156.283
2009
13.447.755.503
FONTE: Anuário da Agência Nacional de Aviação (ANAC))
Rumo à Copa e à crise de Curitiba (PR) O estudo do Ipea averiguou que os aeroportos do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco estão em situação adequada no momento. Porém, o restante das capitais, não. São justamente aquelas cidades para as quais estão previstos os maiores orçamentos no plano de investimentos da Infraero para a Copa, caso de Guarulhos (SP), Brasília e Confins (MG), respectivamente. Esses terminais operam acima ou próximos da chamada “taxa de ocupação”, quando o número de passageiros é maior que a capacidade do aeroporto.
Se cumprisse simplesmente o código brasileiro de aeronáutica, o voo não decolaria A economista Leda Paulani admite que a precarização da infraestrutura dos aeroportos é um dado concreto frente ao aumento da demanda de voos, porém o projeto de privatização da Infraero, defendido como solução, é um verdadeiro risco, de acordo com ela, pois remete ao que aconteceu com o sistema de modais ferroviários – setor hoje abandonado na oferta de serviços de qualidade. “A história da economia brasileira no século 20 teve o Estado como propulsor do investimento, e os investimentos privados reagem e o seguem. Nunca houve uma burguesia, digamos, de investimentos de longo prazo”, expõe.
O sistema aeroportuário nacional deveria migrar para um modelo descentralizado, que não privilegie os atuais 12 terminais mais lucrativos (dentre 67 controlados pelo Estado), e de fato se alie à necessidade de usuários e trabalhadores, pensa o economista Altair Garcia, especialista em relações de trabalho no setor aéreo. “Cria-se um pacote de aeroportos, os rentáveis e os não rentáveis. Um voo poderia ir direto de São Paulo ao interior, mas não é rentável. A cidade de Catalão (SP), onde há um pólo automobilístico crescendo, seria viável? Mas para a empresa aérea não interessa”, diz Garcia. O setor conhece décadas de precarização e falta de planejamento. Hoje, as companhias aéreas intensificam o trânsito de aviões. Em lugar de boas condições na pista, o que se vê são shopping centers nos aeroportos, serviços pagos no interior da cabine, voos ininterruptos aterrisando e decolando – o que sobrecarrega os trabalhadores. “Se os trabalhadores do setor aéreo fizessem operação padrão, isso pararia o transporte aéreo no Brasil, se seguissem o que está na legislação. Se cumprisse simplesmente o código brasileiro de aeronáutica e a regulamentação funcional do aeronauta, o voo não decolaria. O piloto tem que ter o mínimo de descanso”, enumera Garcia. Força de trabalho
As condições que formam esse cenário de sobrecarga da capacidade dos aeroportos podem gerar revoltas. O discurso catalizado pela mídia empresarial, de precariedade no atendimento e nos serviços, tem apelo junto à classe média. Ao lado disso, também são possíveis novas movimentações dos trabalhadores do ramo. O aumento e lucratividade das em-
presas não refletiu em contratações massivas, de acordo com o economista Altair Garcia. “A premissa é reduzir custos, o que tem um impacto na contratação, na redução do tempo (da aeronave) em solo, coisas que não faziam antes. Hoje, as aeronaves estão voando 24 horas, isso impacta os aeroportos”, analisa.
“A premissa é reduzir custos, o que tem um impacto na contratação, na redução do tempo em solo, coisas que não faziam antes” Um estudante do curso de pilotagem comercial, em Curitiba, informa ao Brasil de Fato que o clima entre os pilotos é de constante preocupação, sujeitos à criminalização no caso de acidentes e falhas, em meio à constatação de infra-estrutura precária. “Há medo nos pilotos de pousar em Congonhas, e o piloto sabe que a responsabilidade acaba sendo jogada nele”, ressalta. Na opinião de Garcia, o movimento dos trabalhadores do ramo, com visibilidade devido às movimentações de 2007 e 2010, necessita de maior liberdade de organização sindical. Contrário à privatização, Garcia, porém, defende que o setor deve passar para uma gestão pública, uma vez que atualmente o Ministério da Defesa gerencia o setor, o que, no caso de algumas categorias, impede a organização sindical. (PC)
Aeroporto no PR custará 320 desapropriações de Curitiba (PR)
As obras no aeroporto Afonso Pena, o maior do Paraná, estão incluídas nos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É um dos poucos aeroportos, segundo o Ipea, que pode concluir os trabalhos até a Copa, mas, inevitavelmente, mais de 300 famílias no entorno da pista devem ser desapropriadas, a maioria delas habitando em vilas pobres. Ao todo, formam 320 casas, em 280 lotes. As justificativas são as ampliações do terminal de passageiros, do pátio do aeroporto e da pista de táxi, também com gastos da Infraero. “Classificada como desapropriação por ‘utilidade pública’ abrangeria área de 850 mil metros quadrados. O interesse é o de apressar as obras e conseguir tirar todas as casas”, informa o advogado Thiago Hoshino, da organização de direitos humanos Terra de Direitos. (PC)
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cultura
Quais os interesses por trás do Ecad? PROPRIEDADE INTELECTUAL Responsável pela arrecadação e distribuição de direitos autorais, e pouco transparente, o órgão é controlado por uma cúpula e defende interesses de multinacionais Antonio Cruz/ABr
Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) NA ATUAL CRISE do Ministério da Cultura (MinC) sob comando de Ana de Hollanda, muitos talvez sejam os pontos em conflito. O maior deles, entretanto, talvez seja o direito autoral. Como fartamente noticiado, a gestão anterior, de Juca Ferreira, deixou pronto um projeto de lei do setor para ser votado pelo Congresso Nacional. O texto já fora amplamente discutido, ficara quatro meses em consulta pública, e já passara pela Casa Civil. Ana segurou o projeto, alegando não ser o momento oportuno para apresentá-lo. Há muitos elementos para explicar o recuo. Entretanto, um deles é central, e diz respeito ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad. Responsável por coletar e repartir os recursos para os autores, o órgão está no centro da polêmica. Uma análise profunda da movimentação do escritório revela os interesses nem sempre nobres por trás de sua atuação. O Ecad é uma sociedade civil de natureza privada. Foi criado em 1973 para organizar a arrecadação e distribuição dos direitos autorais, até então pulverizada em diversas associações, com fluxo caótico e confuso. Na época, foi criado também o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA) para fiscalizá-lo. Este órgão, entretanto, foi extinto em 1990, pelo presidente Fernando Collor. Alegava-se que estava corrompido, e que era preciso criar outro sistema de fiscalização – que jamais foi criado. A lei de Direitos Autorais deixada pelo MinC anterior estabeleceria um mecanismo de fiscalização. Entretanto, a atual gestão dá seguidos sinais de que discorda da necessidade de que o Ecad seja fiscalizado. “Em toda sociedade de gestão coletiva do mundo há fiscalização. Isso é um escândalo. É como se déssemos ao Bradesco o direito de receber todos os salários de funcionários públicos do Brasil, cobrando o que quiser, sem fiscalização. A gente confia no Bradesco?”, indigna-se o músico Tim Rescala, da organização de artistas Terceira Via.
“Em toda sociedade de gestão coletiva do mundo há fiscalização. Isso é um escândalo” “Sem fins lucrativos”
O Ecad é administrado por dez associações. Por lei, seria uma entidade “sem fins lucrativos”. Em 2010, arrecadou nada menos do que R$ 432,9 milhões, e distribuiu aos artistas R$ 346,5 milhões. Isso significa que a diferença – volumosos R$ 86,4 milhões – teriam sido utilizados para cobrir despesas administrativas. Foram beneficiados 87.500 artistas, de um total de mais de 350 mil filiados (75% dos autores, portanto, não receberam nada). A justificativa do Ecad, nesse caso, é que os 87.500 são os únicos que criam e interpretam obras musicais com potencial econômico. Das obras contem-
ele no CNCDA, assumiu. Há, ainda, uma terceira associação, a Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais (Socinpro), com apenas três votos na assembleia. É presidida pelo advogado Jorge Costa. Sem democracia
No Ecad, há três associações que não têm direito a voto. Não por coincidência, chegaram a fazer denúncias contra o órgão no passado. “Já tentaram sobreviver sem ele, mas não conseguiram, porque é um monopólio”, explica Tim. No passado, para se estabelecer o voto societário, havia três critérios: número de associados, representatividade do repertório, e recebimento econômico. Com o tempo, apenas o último prevaleceu. A sociedade que arrecadar mais em um ano, vai mandar mais no ano seguinte. A UBC e a Abramus arrecadam, juntas, quase 80% do total. Isso acontece porque são as entidades onde estão as editoras multinacionais. Entre elas a EMI, a maior editora do planeta. Elas pautam seus interesses por meio desses mecanismos.
No Ecad, há três associações que não têm direito a voto. Não por coincidência, chegaram a fazer denúncias contra o órgão no passado
A ministra da Cultura, Ana de Hollanda
pladas, quase um quarto são estrangeiras. Para entender esses dados, é preciso fazer um raio-x minucioso na estrutura do órgão. Entre as dez associações que o administram, duas comandam praticamente sozinhas o processo. A Associação Brasileira de Música e Arte (Abramus) e a União Brasileira de Compositores (UBC) têm, juntas, 29 dos 37 votos da assembleia decisória (78,4%). Quem é quem?
O crescimento da Abramus é recente, e deu-se a partir da migração de gravadoras e editoras para ela. Compõem a associação as multinacionais Warner, Universal, EMI – o que explica a defesa de interesses internacionais pelo Ecad. É comandada pelo advogado e músico Roberto Melo, que criou uma associação apenas para combater a reforma do direito autoral, o Comitê Nacional de Cultura e Direitos Autorais (CNCDA). Em 2010, apoiou José Serra (PSDB) nas eleições presidenciais. Roberto teria declarado que assumiria o MinC num eventual governo tucano. O músico Danilo Caymmi é diretor. As associações teriam a estratégia de utilizar figuras carismáticas da música brasileira como porta-voz. Na UBC, o presidente é Fernando Brant, parceiro de Milton Nascimen-
to em alguns de seus maiores sucessos. Abel Silva, Sandra de Sá e Ronaldo Bastos também integram a diretoria. A Sony é uma das multinacionais que a compõe.
Em 2010, o Ecad arrecadou R$ 432,9 milhões e distribuiu R$ 346,5 milhões aos artistas. Uma diferença de R$ 86,4 milhões O controle da UBC está na figura de José Antônio Perdomo, que já comandou o Ecad praticamente sozinho (ainda é a principal referência). Três meses antes de Brant assumir a presidência, o estatuto foi mudado, concedendo poder ao cargo que seria ocupado por Perdomo. A UBC representa o repertório musical dos EUA e da Inglaterra. Brant é amigo de faculdade de Hildebrando Pontes, o polêmico advogado ligado ao Ecad que presidiu a CNCDA. Hildebrando teria sido cogitado para assumir a Diretoria de Direitos Intelectuais do MinC. Mas com a pressão dos movimentos sociais, Márcia Regina Barbosa, que trabalhou com
A distribuição por amostragem Sistema concentra recursos em medalhões e favorece “jabá” do Rio de Janeiro (RJ) Uma das principais denúncias dos autores desfavorecidos pela distribuição de recursos é o sistema de amostragens. Algumas atividades, como a de música ao vivo, por exemplo, obedecem a um padrão indireto de distribuição de recursos. Funciona assim: a casa de shows arrecada dinheiro para o caixa do Ecad. Quando o órgão vai distribuir esse recurso, o faz por amostragem, ranqueando as principais músicas que tocam no rádio e na TV. A consequência é que muitos músicos tocam nos bares e nas casas de shows e pagam, mas quem vai receber é aquele que toca na rádio. Os artistas que compram espaço nos veículos (o famoso “jabá”) saem favorecidos. E músicos consagrados, como Caetano Veloso – que escreveu um artigo defendendo com veemência as posições do ministério – também saem favorecidos, porque são amplamente contemplados no rádio e na TV. O Ecad só paga as 950 músicas mais tocadas (600 do ranking do rádio, 350 do da televisão). Das academias de ginástica aos motéis, a distribuição é feita por amostragem. “É um sistema que favorece a concentração de renda de alguns autores. Prejudica o artista que está começando”, ex-
plica Oona Castro, do coletivo Intervozes. Alexandre Negreiros, que tem tese de doutorado sobre o tema, considera o órgão importantíssimo, porque “a gestão coletiva dá poder ao autor”. Segundo ele, a mídia cria uma falsa polaridade, entre os que não querem nem a fiscalização, e os que seriam “contra o Ecad”.
A consequência é que muitos músicos tocam nos bares e nas casas de shows e pagam, mas quem vai receber é aquele que toca na rádio No balanço divulgado, nas atas de assembleia, pelo Ecad, há a “comissão sobre as metas alcançadas”, considerada estranha pelos ativistas da Cultura Livre, uma vez que o Ecad é uma empresa sem fins lucrativos. O número de ações contra o órgão já chegou a mais de 7 mil. Os funcionários ganham uma “remuneração por solução de litígios” – o que faz com que muitos se interessem pelo crescimento das ações judiciais contra o órgão onde trabalham. “A pessoa vê que a ação vai demorar meses e negocia o débito com o Ecad. Então, para eles também é bom. As ações viraram negócio”, afirma Tim. O Grupo Bandeirantes enfrentou o Ecad na Justiça por oito anos, até negociar acordo. A Globo ainda enfrenta o órgão na Justiça. (LU)
Metade do repertório da UBC é de música estrangeira. Em 2005, por exemplo, representava 15% do repertório do Ecad. Em 2009, essa participação subiu para 31%. Os Estados Unidos são as principais fontes dessas canções. O país não paga ao Brasil direito conexo (referente ao intérprete). Mas o Brasil paga aos Estados Unidos. Questões como essa são pautadas, internamente, no Ecad, pela UBC e pela Abramus. Esse dinheiro internacional não passa pelo Ecad. “Nem o Ministério das Relações Exteriores, nem o Banco Central sabem desse dinheiro. Muitos músicos reclamam que não recebem, e não sabem porquê”, protesta Tim. Advogado que atua em defesa de autores prejudicados pelo sistema, Daniel Campello, da UpRights, explica o processo. “O sistema Ecad se fortaleceu no início dos anos 2000, com o início da queda do mercado do disco no Brasil. A partir de então, as gravadoras e editoras major – multinacionais que controlam a maior fatia do mercado da música no Brasil – passaram a tomar assentos nas associações que compõem o Ecad. Dessa forma, o sistema que, em tese, seria gerido pelos próprios autores e intérpretes, na verdade tem como as principais cabeças de comando pessoas que trabalharam, ou ainda trabalham, para as gravadoras e editoras multinacionais. Assim, o sistema é pautado por uma distribuição do dinheiro muito concentrada nos artistas dessas multinacionais, dando a elas uma fatia muito grande do que se arrecada”, diz. Procurado pela reportagem do Brasil de Fato, o Ecad não deu retorno.
O acordo suspeito com o Youtube O site vai pagar ao Ecad direitos sobre todas as músicas disponibilizadas do Rio de Janeiro (RJ) Em setembro do ano passado, o Ecad firmou um acordo com o Youtube. O órgão considera a veiculação de músicas “execução pública”. A partir de novembro, o site – propriedade da Google – passou a pagar pelas canções disponibilizadas. A Google ainda se comprometeu a saldar valores retroativos até 2001. Por óbvio, o Ecad deveria estar pagando os autores cujas músicas estão sendo veiculadas no site. Porém, não há ainda certeza se isso está acontecendo, devido à pouca transparência do órgão. “É muito provável que o Ecad também use a amostragem do rádio para pagar os autores nesse caso, o que é mais um absurdo”, afirma Campello. Analistas são unânimes: se a distribuição viesse a ser feita com justiça ao que realmente está sendo acessado – hipótese pouco provável – estimularia uma rede ampla de criação, incluindo os autores de menor porte. O Ecad não descarta cobrar usuários que ofereçam livremente canções digitais, ou simplesmente sonorizem seus sites com arquivos tipo Midi – a tabela do órgão, nesse caso, exige o pagamento de R$ 37,49 por mês. O órgão já anunciou que os próximos a serem cobrados serão os sites de venda de música. (LU)
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No horizonte, a democracia Reprodução
REVOLTAS ÁRABES Processo transitório no Egito expõe contradições
levante popular que exigem uma aceleração, tanto no processo de julgamento dos culpados na ditadura quanto na retirada daquelas pessoas que ocupam postos residuais do regime anterior. Freia
Entretanto, por mais que sejam legítimas, essas mudanças demandam tempo. “Dois meses parecem muito tempo para nós. Mas quando se fala de um sistema complexo, de um país de quase 80 milhões de habitantes e que viveu quase 40 anos num regime ditatorial, não é um processo fácil”, pondera Habib. Os que dizem que a revolução precisa ser atrasada afirmam que os únicos grupos organizados são a Irmandade Muçulmana e o ex-partido de Mubarak, agora ruído. Foi o que ouviu no Egito, Mamede Mustafa Jarouche, professor de língua e literatura árabe da USP, entre os dias 21 de janeiro e 13 de março. O problema para os setores populares ocorre quando esses argumentos se tornam embuste para os próprios conservadores. Um exemplo é que, quanto às mudanças mais urgentes reclamadas pela população, “até agora, só o primeiro escalão foi substituído, enquanto os tentáculos da ditadura continuam presentes nos demais níveis do poder governamental”, lembra o pró-reitor da Unicamp, Mohamed Habib.
Eduardo Sales de Lima da Redação WAEL ALY AHMED ALY, 40 anos, diretor de uma agência de turismo na cidade do Cairo, Egito, está numa prisão militar desde quarta-feira, dia 13 de abril. O conselho do Exército o acusou de ter insultado a instituição durante manifestações na Praça Tahir no dia 8 de abril e de ter insuflado manifestantes a atacar os militares na noite de 9 de abril. Aly, agora, é mais um dos 2 mil presos políticos no Egito, segundo informações de ativistas locais. Até hoje, de acordo com o sociólogo Frederico Henriques, colaborador da secretaria de Relações Internacionais do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), as lideranças, sobretudo na região de Suez, por não serem “pelegas”, são presas de “modo coercitivo”. Ficam retidas por três dias e depois são soltas. O exército e a polícia proibiram manifestações na Praça Tahrir, no Cairo, como resposta a manifestações que exigiam a transição imediata para um governo civil e que o ex-presidente Hosni Mubarak fosse punido mais rapidamente. Fato é que, mesmo com tais contradições, após quase três meses do início da Revolução de 25 de janeiro, a caminhada rumo à democracia egípcia começou. A população quer recuperar o dinheiro roubado pelo regime de Hosni Mubarak, alcançar uma nova Constituição democrática, laica e civil, e democratizar as instituições públicas. Forças políticas estão se reagrupando, tendo em vista as eleições parlamentares de setembro próximo. Nomes como o Nobel da paz Mohamed ElBaradei e o secretário-geral da Liga Árabe, Amr Mussa, são ventilados.
Na atual etapa da revolução egípcia, o que está em disputa, segundo Mohamed Habib, é a velocidade de implementação das reivindicações Protagonistas do processo, os movimentos islâmicos, como a Irmandade Muçulmana, e setores populares carentes de organização não possuem diretrizes estratégicas, projetos político-sociais. É o que acredita Henriques. Ele permaneceu no Egito por duas semanas e teve contato direto com diversas organizações sociais. “Os setores mais radicalizados são uma pequena parte do sindicalismo e também setores da juventude urbana, como em Alexandria”, conta. Ele lembra que as pessoas mais pobres, sobretudo do interior do país, são as mais religiosas e, por consequência, as mais influenciadas por organizações como a Irmandade Muçulmana, por exemplo. E existem os quadros conservadores. Figuras que no último momento antes da queda de Mubarak saíram do Partido Nacional Democrático (PND), apoiador do ex-ditador e que, agora, “democraticamente” estão se organizando. Segundo Mohamed Habib, diretor do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe), mes-
“Os Estados Unidos nunca se afastam de um processo geopolítico. O que muda é a forma de intervenção” Uma das intenções da recente ordem de prisão de Mubarak e seus filhos, Alaa e Gamal, aliás, seria a de atenuar a pressão da maior parte da população, que reclama da falta de transparência no julgamento dos corruptos do antigo regime. Essa é uma das razões pelas quais tem aumentado a pressão para que os julgamentos ocorram em tribunais civis, não militares, como lembra Habib. Ré
Segundo ativistas, existem 2 mil presos políticos no Egito
mo que eles representem uma minoria, esses beneficiários do regime de Mubarak, que agora se veem perdendo privilégios, tentarão através do processo democrático organizarem-se por meio de partidos conservadores. Por isso, de acordo com Habib, também pró-reitor de extensão e assuntos comunitários da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), será necessário que o movimento revolucionário aprenda a dialogar e a debater com essas forças conservadoras.
condutas de corrupção, antiéticas, contra os direitos humanos precisam ser retiradas”, defende Mohamed Habib.
Protagonistas do processo, movimentos islâmicos e setores populares carentes de organização não possuem diretrizes estratégicas, projetos político-sociais
Acelera
O grande desafio na atual etapa do processo revolucionário egípcio é conduzir um diálogo nacional entre essas forças civis e o Exército. De imediato, as três reivindicações mais urgentes da população são: o julgamento imediato daqueles que cometeram crimes na ditadura; a substituição de todos funcionários estatais e políticos regionais vinculados à ditadura de Mubarak e a liberação dos presos políticos. “Há um processo de limpeza que é muito complexo e que envolve os próprios tentáculos do Estado. As pessoas que trabalhavam no governo impondo políticas não-democráticas, incluindo Reprodução
Na atual etapa da revolução egípcia, o que está em disputa, segundo ele, é a velocidade de implementação das reivindicações. Há a pressão das forças do
Falta limpar o Estado Segundo tunisiano, queda de ditador ainda não refletiu mudanças estruturais da Redação Em janeiro, após 23 anos no governo, e por conta da pressão da população tunisiana, o ex-presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, renunciou. Apesar disso, seu regime ainda ecoa dentro da vida social e política do país. Setores da sociedade que sempre usufruíram das benesses do antigo governo tentam manter seus privilégios e ainda gozam do apoio da França.
“Ben Ali saiu, mas o regime permaneceu”
Forças do levante popular querem acelerar mudanças
Das forças que tentam frear ao máximo, ou até regredir nos avanços da revolução, além dos “tentáculos” burocráticos e repressivos do antigo regime de Mubarak, como coloca Habib, está a ação “viciada” das próprias Forças Armadas do Egito, que reconhecidamente, recebem 1,3 bilhão de dólares por ano dos Estados Unidos. É esse órgão que vai tutelar a nova Constituição do país. Para ele, é provável que a embaixada estadunidense esteja em contato direto com a alta cúpula militar egípcia, além de outras forças civis ligadas ao regime anterior. “Os Estados Unidos nunca se afastam de um processo geopolítico. O que muda é a forma de intervenção. Pode ser militar, como ocorre no Iraque ou política indireta, com reuniões secretas, como deve estar ocorrendo no Egito”, relembra. Habib não tem dúvidas de que “eles estão tentando até abordar setores do movimento revolucionário”.
“Ben Ali saiu, mas o regime permaneceu”, afirma ao Brasil de Fato Amami Nizar, militante do Sindicato dos Correios e Telégrafos da Tunísia e membro da Liga de Esquerda Operária. Ni-
zar pontua ainda que o capital tunisiano tem uma forte relação com o capitalismo e imperialismo francês e estadunidense. Para Amami, as mudanças são difíceis porque ainda existe uma forte influência da burguesia dentro da burocracia estatal. Mesmo com tais contradições, um julgamento do ex-presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, é considerado como uma bandeira para dar crédito e legitimidade ao novo poder aos olhos do povo. A Justiça da Tunísia determinou a abertura de 18 ações contra ele e prepara o pedido de extradição. Ben Ali renunciou em 14 de fevereiro e fugiu com a família para a Arábia Saudita. Enquanto a extradição não acontece, o governo de transição na Tunísia organiza para 24 de julho as eleições para a Assembleia Constituinte. A ideia é que os eleitores escolham seus candidatos por meio de listas proporcionais e respeitando a paridade entre homens e mulheres. Um decreto-lei adotado pela comissão, presidida por Yadh Ben Achour exclui as candidaturas de pessoas que tiveram cargos no governo do ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali, que deixou o poder sob denúncias de corrupção e violações de direitos humanos. (ESL)
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Ninguém os quer, todos os exploram OPINIÃO Imigrantes tunisianos são barrados na Europa; decisão de Berlusconi irrita países aliados Achille Lollo de Roma (Itália) EM DOIS MESES chegaram à ilha italiana de Lampedusa cerca de 20 mil tunisianos, em sua maioria jovens desempregados. O governo italiano, além da sua tradicional competência em manipular um drama social por motivos eleitoreiros, conseguiu demonstrar sua total incapacidade em administrar as situações emergenciais. Isso facilitou a especulação racista e xenófoba de Ugo Bossi, ministro das Reformas e da Liga Norte, o segundo partido do governo Berlusconi. De fato, esse ministro, ao comentar o aumento do fluxo migratório, sentenciou: “Imigrantes? Fora dos colhões!” Uma baixaria que virou drama político, visto que a metade dos eleitores italianos logo aplaudiu a baixaria racista do líder da Liga Norte. Quando, em março, um barco repleto de imigrantes tunisianos chegava ao porto de Lampedusa, logo os moradores da ilha tentavam impedir o desembarque, fazendo uma corrente humana que, ao uníssono, gritava slogans nada amigáveis. Mesmo assim, o número de migrantes tunisianos aumentou desproporcionalmente, chegando a 12 mil, isto é, o dobro dos moradores de Lampedusa. Por isso, o prefeito da ilha declarou estado de calamidade pública, obrigando assim o presidente da região da Sicília, Pietro Lombardo, o ministro do Interior, Roberto Maroni, e o próprio primeiro-ministro Silvio Berlusconi a prometer soluções milagrosas.
UN
Afogamentos
Porém, as soluções primárias e emergenciais foram tomadas somente quando os jornais anunciaram a morte por afogamento de cerca de 80 imigrantes, entre eles crianças, cujos barcos afundaram na travessia entre Tunis e Lampedusa. O escândalo explodiu quando foram recuperados mais 10 corpos de imigrantes atirados no mar pelos próprios transportadores. Praticamente, de 1º de janeiro a 10 de abril, morreram 250 imigrantes. O risco de afundar durante a travessia, o caro preço pago aos transportadores (em média R$ 3.500) e a incerteza de ser aceito pelas autoridades italianas não diminuíram o fluxo. Aliás houve um aumento de 100%, tanto que de janeiro até 10 de abril chegaram cerca de 60 mil imigrantes tunisianos, oficialmente classificados como “clandestinos a serem devolvidos ao país de partida”.
As soluções primárias e emergenciais foram tomadas somente quando os jornais anunciaram a morte por afogamento de cerca de 80 imigrantes Os novos migrantes
Na década de 1970 começou na Tunísia, Argélia e Marrocos um intenso fluxo migratório que estava direcionado, em particular, para a França, Bélgica e Alemanha. Nestes países havia muita procura de mão de obra barata, visto que o boom econômico fez com que certo tipo de trabalhos não fossem mais realizados pelos nativos e tampouco pelos antigos migrantes portugueses, espanhóis e italianos que, com a criação da Comunidade Europeia, tornavam a ser cidadãos de primeira categoria. Por exemplo, as diretorias das grandes fábricas metalúrgicas, químicas e montadoras de França, Alemanha e Bélgica se aproveitaram desse contexto para empregar os imigrantes árabes com salários diferenciados e fora dos parâmetros sindicais. Consequentemente, os subúrbios das cidades industriais começaram a transformar-se em guetos, onde os parentes dos primeiros imigrantes começaram a ocupar áreas de comércio e serviços, para depois chegar até aos bairros da própria cidade. Dois exemplos: em Paris, para comprar uma comida ou fruta depois das 18h30, é possível somente nas lojinhas de árabes ou vietnamitas – normalmente de condução familiar – que ficam abertas até 24h. Para ir de táxi do centro da cidade para o subúrbio, só é possível com um motorista argelino ou africano. O mesmo acontece em Berlim, onde turcos, curdos e tunisianos ficaram hegemônicos nas pequenas lojas de gêneros alimentares e de roupa a baixo custo. Outro exemplo, nos bairros-dormitório da capital Bruxelas, quase todas as oficinas mecânicas e as que reparam os pneus são de tunisianos e argelinos. Imaginário
Consequentemente, os 40 anos de migração criaram nos jovens argelinos, marroquinos e sobretudo nos tunisianos o mito da vida europeia com seu consu-
Barco cruza o Mar Mediterrâneo levando dezenas de imigrantes africanos rumo à Itália
mo, a possibilidade de ganhar muito e de viver como os europeus em sociedades sexualmente mais livres. Este mito hoje é muito mais forte na juventude árabe, no momento em que os 30 anos de pretensas revoluções árabes ou de democracias presidencialistas não conseguiram criar estabilidade econômica. Hoje a migração é, sobretudo, uma forma de fuga da realidade das sociedades magrebinas que têm muito pouco a oferecer aos jovens. De fato, a grande diferença entre os migrantes dos anos 1970 - cuja maioria era de homens, entre 28 e 35 anos, analfabetos, operários e camponeses – é que hoje quem arrisca a vida nas travessias dos mares são, antes de tudo, estudantes universitários ou recémformados entre 20 e 25 anos. Isto é, a força viva das nações árabes que sonha ficar na Europa, apenas para mandar aos pais que ficaram um cheque de 100 dólares no Natal!
Para se livrar dos 60 mil imigrantes que ingressarams nos últimos quatro meses, o governo Berlusconi resolveu adotar a mesma resolução que foi inventada ad hoc para os migrantes da província de Kosovo e da Bósnia. Assim, o ministro do Interior , Roberto Maroni, elaborou um decreto-lei em que “as autoridades italianas concedem o visto temporário de seis meses aos imigrantes que entraram clandestinamente na Itália até dia 5 de abril, os restantes serão devolvidos aos seus países de origem”.
Berlusconi e Schengen
Este decreto provocou a ira do governo francês e do alemão, por considerar o visto temporário italiano uma farsa burocrática para permitir aos 60 mil clandestinos tunisianos de deixar a Itália e entrar legalmente na França, na Alemanha ou em outro país da União Europeia. Apesar da amizade com Berlusconi, o presidente Sarkozy insurgiu e enviou seu ministro do Interior, Claude Gueant, para acertar com o ministro do Interior italiano, Roberto Maroni, um protocolo que prenuncia uma espécie de fiscalização nas fronteiras com a Itália, para não aceitar cidadãos tunisianos com o visto temporário italiano. O governo italiano recebeu logo outras duas bofetadas diplomáticas do governo alemão de Angela Merkel e da comissária europeia para as questões nacionais, Cecília Malmstrom, que em dois comunicados reafirmaram que “a decisão do governo da Itália é uma plena violação ao espírito de Schengen”. Mais duro foi o porta-voz do Ministério do Interior da Alemanha, Jens Teschker: “Nos últimos anos, a Alemanha recebeu pedidos de asilo político e humanitários seis vezes mais que a Itália, por isso, vamos reforçar a fiscalização nas fronteiras tal como decidiu o governo francês”.
Os países membros da União Europeia assinaram o acordo de Schengen para (oficialmente) “regulamentar a imigração dos cidadão extra-comunitários”. Na realidade trata-se de um acordo que legitima a rejeição e a devolução de imigrantes dos paises árabes do mar Mediterrâneo e do continente africano considerados “clandestinos”. Porém, as necessidades de mão de obra barata para alguns tipos de serviços e, sobretudo pelas atividades laborais pagas sem contrato de trabalho e sem nenhuma garantia trabalhista, determinaram certa flexibilização dos protocolos de Schengen - que tratam da livre circulação de pessoas na União Europeia.
Foi necessário que a cidade de Roma se tornasse cada vez mais vítima da improbidade administrativa, da incompetência e da corrupção, para que muitos cidadãos começassem a levantar a cabeça
O risco de afundar durante a travessia, o preço caro dos transportadores e a incerteza de ser aceito não diminuíram o fluxo Reação
Nenhuma solidariedade
Por isso, quase todas as cidades europeias estão repletas de “clandestinos” árabes, africanos e sul-americanos que sobretudo durante os períodos eleitorais são caçados e expulsos para captar a simpatia do eleitorado conservador e moderado. Foi nesta base que quando se tratou de convencer os eleitores europeus de que na Iugoslávia o governo de Milosevic estava praticando uma selvageria contra as minorias, logo foi criada uma exceção legislativa ao protocolo de Schengen para permitir a imediata integração nos países da União Europeia de quem fugia da Iugoslávia e em particular da província de Kosovo, transformada em campo de batalha pela Otan.
O governo Berlusconi, além de ser estruturalmente incapaz de gerenciar uma explosão de fluxo migratório, na realidade tentou repassar para a União Europeia os custos da emergência e por isso fez com que o drama dos imigrados de Lampedusa fosse o mais visível possível, no momento em que todo o sul italiano servia para deslanchar o ataque dos aviões franceses e da Otan contra a Líbia de Kadafi. Um mesquinho oportunismo institucional que representa os baixos níveis políticos de Berlusconi e de sua turma, visto que o fluxo migratório dos tunisianos nada tem a ver com a guerra civil na Líbia. De fato, de Trípoli chegaram somente dois barcos com 180 migrantes de nacionalidade etíope, sudanesa, eritréia que, desde janeiro, se
preparavam para enfrentar a travessia do mar, isto é, antes do conflito. Por outro lado, a crise que explodiu entre Sarkozy, Ângela Merkel e Berlusconi demonstra ainda uma vez que entre os governos de direita não existe solidariedade política e tampouco esses governos conseguem fazer algo em prol da solidariedade humana. O que eles admitem e projetam para seus eleitores é saber “quanto meu país vai ganhar com isso”. De fato, no lugar de acirrar a xenofobia europeia os governantes dos principais países da União Europeia deveriam ter preparado seus países para receber 100 mil imigrantes dos países árabes, no momento em que naquela região há guerras e mudanças institucionais importantes. Assim, se países como Grã Bretanha, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália, Suécia, Dinamarca, Áustria e República Tcheca recebessem cotas de até 10 mil imigrantes, não teriam sido criados graves problemas em termos de custos assistenciais e de integração. O problema é que essa solidariedade não se manifestou porque em quase todos os países da União Europeia os governos de direita culpam o excesso de imigrantes extra-comunitários e de clandestinos para justificar, diante de seu eleitorado, o desemprego, a paralisia do ensino e a falência da saúde pública.
A mídia constrói diariamente a ideia de que o imigrante árabe ou africano é o novo “inimigo interno” Temas que diariamente são trabalhados pela mídia para criar a ideia, inclusive entre eleitores progressistas e de esquerda, que o imigrante árabe ou africano é o novo “inimigo interno”. De fato, nas eleições de 2009, a Liga Norte do racista Ugo Bossi tornou-se majoritária no norte da Itália pelo simples fato de dizer que no governo com Berlusconi teria devolvido o trabalho aos desempregados italianos e expulsos todos os clandestinos árabes e negros que moravam nas cidades do norte da Itália. Em Roma, o ex-nazista Alemanno elegeu-se prefeito no partido de Berlusconi, graças à campanha de ódio e mentiras que quase todos os jornais e TVs veicularam durante a campanha eleitoral, tendo por objetivo “malhar” o imigrante romeno, albanês, árabe e cigano. Infelizmente, foi necessário que a cidade de Roma, ou outras governadas pela direita, resultassem cada vez mais vítimas da improbidade administrativa, da incompetência no gerenciamento urbano e da corrupção, para que muitos cidadãos começassem a levantar a cabeça, questionando se vale a pena continuar a viver em uma situação de caos como a que eles hoje vivem. Achille Lollo é jornalista italiano, editor do programa TV “Quadrante Informativo”.