Edição 427 - de 5 a 11 de maio de 2011

Page 1

Reprodução

Arte

O ceramisno do Nordeste

Pág. 8

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Circulação Nacional Ano 9 • Número 427

R$ 2,80

São Paulo, de 5 a 11 de maio de 2011

www.brasildefato.com.br Reprodução

Morte de Bin Laden

Em boa hora para os EUA A execução do líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, por forças especiais estadunidenses em operação no Paquistão, levanta questionamentos sobre o porquê de ter sido realizada apenas agora. Afinal, há indicações de que ele estava sendo monitorado há anos pelos EUA. Queima de arquivo, revoltas no mundo árabe, baixa popularidade de Barack Obama e conjuntura política paquistanesa podem ser algumas das explicações. Págs. 10 e 11

Honduras aguarda Zelaya e justiça Pág. 9

Até prefeito do RJ critica siderúrgica Pág. 5

Projetos de lei visam acelerar reforma agrária Pág. 4 ISSN 1978-5134

Frei Betto

Beto Almeida

Silvio Mieli

Casamento real

As razões do Irã

Divórcio do real

País coroado por lendária família real, como a Inglaterra, dispensa contos de fadas. Basta ligar a televisão. A telinha, ao focar a monarquia, exibe cenas tão exuberantes que a realidade parece superar a fantasia. Pág. 2

Acabo de chegar de uma reunião de jornalistas e blogueiros no Irã. Uma constatação é imediata: construiu-se uma sofisticada e complexa imagem negativa do país mundialmente. Pág. 3

A trajetória de Diana foi um marco na forma como, além do valor de uso e do valor de troca, passaríamos a contar com o “valor de exposição” da sociedade do espetáculo. Sua imagem foi consumida até a morte. Pág. 3


2

de 5 a 11 de maio de 2011

editorial

A pressão do agronegócio sobre o Código Florestal O AGRONEGÓCIO, com a sustentação das empresas transnacionais da agricultura e a força da bancada ruralista no Congresso, tendo como porta-voz um parlamentar com origem na esquerda, puxa a corda e coloca todas as suas forças para passar com o rolo compressor sobre o Código Florestal. A lei é considerada pelo grande capital um entrave para a expansão desenfreada do agronegócio, uma vez que tem dispositivos fundamentais para a preservação do ambiente, como a Reserva Legal (RL) e as Áreas de Preservação Permanente (APPs). Essa discussão se arrasta faz mais de dois anos e demonstra a disputa entre dois modelos agrícolas: o agronegócio e a agricultura camponesa e familiar. Setores organizados da sociedade reagiram e se colocaram contra o relatório de Aldo Rebelo (PCdoB). Cientistas e pesquisadores, a Igreja Católica, as organizações não governamentais e setores do empresariado se uniram ao movimento camponês e às entidades ambientalistas para fazer oposição às mudanças no Código Florestal. Esses setores forçaram um posicionamento mais firme do governo e impuseram um recuo ao agronegócio. Nesta semana, Aldo Rebelo apresentou uma nova versão do relatório, sem os pontos mais pro-

blemáticos, mas não atende às necessidades da agricultura camponesa e familiar e beneficia o agronegócio, especialmente o ramo de papel e celulose. Os setores que se colocam contra o relatório de Aldo conseguiram garantir a manutenção das porcentagens referentes à RL e às APPs, além de derrotar a proposta de anistia geral aos desmatadores. A preservação desses pontos representa uma derrota do projeto estratégico do agronegócio. No entanto, a maior parte das propostas populares ficou de fora, como a criação de um programa consistente de recuperação ambiental, pagamento de serviços ambientais e de fomento à produção sustentável agroflorestal. O quadro aponta a inexistência de consenso em torno de alterações do Código Florestal. O governo federal vetou o projeto original de Aldo Rebelo e pediu um novo texto com propostas de mudanças. Ele apresentou uma nova proposta, que não foi aceita pelo governo. O projeto entra nesta semana na pauta de votação do plenário da Câmara dos Deputados. A última versão do relatório de Aldo Rebelo dispensa de Reserva Legal as propriedades com até quatro módulos fiscais (que vai de 20 hectares no Sul e chega a 400 hectares na Amazônia). Isso vai preju-

O relatório de Aldo Rebelo ignora a existência de uma disputa entre dois modelos agrícolas no país

dicar os camponeses a longo prazo, pois terão suas propriedades comprometidas pela erosão, escassez de água, perda da fertilidade. Além disso, todas as áreas médias e grandes terão como “bônus” quatro módulos fiscais sem necessidade de RL, porque a porcentagem do cálculo será contada a partir dessa área. Não podemos aceitar que a RL seja recuperada em até 50% com espécies exóticas nem que o agronegócio tenha a possibilidade de recompor somente metade das APPs com até 10 metros de largura em beira de rios, encostas, topos de morros e bordas de chapadas por eucalipto e pinus. A autorização para recompor a Reserva Legal em qualquer parte do

bioma terá impactos negativos para a sociedade, como a expulsão de agricultores, que serão pressionados a vender suas terras, além de latifúndios improdutivos que poderão ser considerados como áreas em recomposição florestal. Um conjunto de benefícios foi criado para os latifundiários desmatadores que fizerem o cadastro ambiental, que poderão receber crédito com mais facilidade e juros menores. Além disso, terão prioridade em programas governamentais e poderão deduzir do imposto de renda os investimentos em recuperação. O relatório ignora a existência de uma disputa entre dois modelos agrícolas no país. Com isso, trata o grande capital do agronegócio, que produz em escala para exportação, da mesma forma que um assentado da reforma agrária, que planta 70% dos alimentos da cesta básica do povo brasileiro. De um lado, estão os interesses do agronegócio, que representa a aliança dos latifundiários capitalistas com empresas transnacionais e o capital financeiro. O chamado modelo de produção agroexportador se sustenta no latifúndio, produção de monoculturas valorizadas no mercado internacional, mecanização intensiva e consumo exagerado de agrotóxicos.

Do outro lado, está a agricultura camponesas e familiar e a reforma agrária, que defendem uma proposta para o campo com base em pequenas propriedades, com produção diversificada de alimentos para o povo brasileiro, sem a utilização de agrotóxicos, com geração de empregos para a população do campo, com a construção de cooperativas e de agroindústrias. O debate em torno do Código Florestal está no marco da discussão sobre o modelo agrícola e o tipo de desenvolvimento que queremos para o nosso país. O povo brasileiro tem que fazer uma grande discussão: se quer um modelo de exploração violenta dos nossos recursos naturais, no ritmo do curto prazo imposto pelo capital, ou um modelo que coloque a utilização das nossas riquezas naturais a serviço de projeto de mudanças estruturais para resolver os problemas do povo brasileiro. Depois da votação na Câmara, o projeto vai para o Senado Federal. Por isso, precisamos fazer um esforço para que essa discussão ultrapasse as paredes do Congresso Nacional, envolvendo movimentos urbanos, sindicatos, entidades estudantis, para construir força social para fazer com que as mudanças no Código Florestal garantam a preservação do ambiente e fortaleçam a agricultura camponesa e familiar.

opinião Frei Betto

crônica

Casamento real

A(s) histeria(s) da(s) crise(s) Reprodução

EM CAMBRIDGE, onde morei em 1987, descobri por que a BBC não produz telenovelas. País coroado por lendária família real, como a Inglaterra, dispensa contos de fadas. Basta ligar a TV. A telinha, ao focar a monarquia, exibe cenas tão exuberantes que a realidade parece superar a fantasia. Aristóteles, mestre em teoria literária, ensina que a ficção não precisa ser verdadeira, precisa ser verossímil. O espectador ou leitor tem que ficar convencido de que toda aquela fantasia brotada da imaginação possui certa coerência. Júlio Verne e Monteiro Lobato que o digam. Ora, e se eu dissesse a você, leitor(a), que acabo de ler um romance no qual uma princesa, Anne, após 20 anos de casada, decide divorciar de seu marido, Mark, por suspeita de adultério? Como narrativas centradas na nobreza requerem temperos de romantismo e intriga, sedução e traição, o irmão da princesa, Charles, herdeiro do trono, também se separa de sua bela mulher, Diana, mãe de seus dois filhos, para se juntar a uma mulher divorciada, a inexpressiva Camilla. Indignada com a atitude do filho, a rainha se recusa a abdicar, impedindo-o de ascender ao trono. A princesa Diana cai nos braços de um miliardário árabe, sob o risco de dar à luz, na nobre linhagem da Casa de Windsor, cabeça da Igreja Anglicana, o primeiro rebento muçulmano... Mas eis que o destino a conduz à morte num trágico acidente automobilístico num túnel de Paris. Destronada da nobreza e da vida, Lady Di passa a merecer veneração mundial por sua beleza e dedicação a causas sociais. Andrew, outro filho da rainha, se casa com uma tal Sarah. Seis anos depois, o casamento fracassa. Sarah perde as regalias nobiliárquicas e, desesperada, é flagrada negociando com empresários, por quantia superior a R$ 1 milhão, acesso ao ex-marido, representante comercial da Grã-Bretanha. São todas histórias reais – no duplo sentido do adjetivo. Que autor de novela ou romance bolaria trama tão instigante e apimentada? Agora, o mundo parece esquecer guerras e dores, trabalhos e dificuldades, para se deliciar com o casamento do príncipe William, filho de Charles e Diana, com a plebeia Kate Middleton. O sonho em forma de realidade! O verdadeiro reality show!

Agora, o mundo parece esquecer guerras e dores, trabalhos e dificuldades, para se deliciar com o casamento do príncipe William, filho de Charles e Diana, com a plebéia Kate Middleton

Não apenas os noivos expressam felicidade. A combalida economia britânica, afetada pela crise do capitalismo iniciada em 2008, também se rejubila. Como isca de turismo e venda de souvenires, a família real britânica garante aos cofres do país cerca de R$ 1,2 bilhão por ano. Prevêse um faturamento de R$ 4,8 bilhões, graças aos milhares de turistas que afluem a Londres pelo prazer de repetir o resto na vida: “Naquele dia, eu estava lá”. A UK Gift Company, especializada na venda de penduricalhos reais (chaveiros, isqueiros, lou-

ças com foto dos noivos, bolsas estampadas etc.) calcula um aumento de 40% nas vendas. Mundo afora, mais de 2 bilhões de pessoas, de olho nas bodas reais via TV ou internet, fizeram a festa das agências de publicidade e das empresas anunciantes. Acima de toda essa nobre parafernália paira uma pergunta: vale a pena os súditos britânicos sustentarem a família real? Ora, a Casa de Windsor custa, a cada súdito, a bagatela de R$ 1,66 por ano. E possui em propriedades algo em torno de R$ 16 bilhões. A maior parte desse patrimônio está alugada, e a renda vai direto para os cofres públicos. Caso a monarquia fosse abolida, a família teria direito de apropriar-se da renda. E nós, pobres plebeus, que admiramos extasiados bodas reais e já não temos monarquia? Elementar, meu caro Watson: revestimos os nossos ídolos de majestade – o rei Pelé; Roberto Carlos, o rei; misses coroadas e escolas de samba em pompas principescas. Ainda bem que o nosso príncipe destronado, Dom João Henrique de Orléans e Bragança, bisneto da princesa Isabel, assume tranquilo sua condição de feliz plebeu. Fotógrafo e hoteleiro, vive numa bucólica casa em Paraty e não perde a oportunidade de oferecer aos amigos uma deliciosa cachaça. Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão, de Conversa sobre a fé e a ciência (Agir), entre outros livros.

Luiz Ricardo Leitão

EM TEMPOS DE BONANÇA, as classes dominantes apregoam cinicamente que vivemos no melhor dos mundos. A própria burguesia, em sua infância revolucionária, nos idos do séc. 18, condenava os “excessos” da aristocracia e avocava para si os signos de equilíbrio, rigor e harmonia, cuja expressão estética mais conhecida foi a literatura árcade e a arte neoclássica em geral. Já em tempos de crise, não há lugar para o comedimento, como nos atesta o exuberante Barroco espanhol, síntese dos contrastes vividos pelo mundo ibérico após a unificação com os reis católicos Isabel e Fernando. Senhora formal de um império, mas empenhada nas mãos dos capitais estrangeiros, a monarquia viveu a tensão entre a miséria e a acumulação, o material e o espiritual, o lixo e o luxo... Não por acaso, tamanha inquietude iria gerar um dos símbolos mais notáveis de suas letras: o “conquistador” Don Juan, sublimação última talvez da depressão que se estenderia até a perda de Cuba e Filipinas em 1898. Nascia o império de Tio Sam, ainda sob o reinado da Inglaterra, e o “curto” século 20 passaria a vivenciar ciclos cada vez mais imprevisíveis de crise e distensão, amplificados, por fim, pelo processo de globalização neoliberal e a atual etapa biocibernética de acumulação de capital. Em tempos tão “voláteis”, um clima de permanente histeria parece incorporar-se à vida pública cotidiana. Como já dissera o sábio Karl Marx, tudo que é sólido se dissolve no ar... – e o risco de mais um colapso do sistema capitalista nas matrizes (e periferia) do G7 parece anuviar o sono de muitos governantes.

Contudo, quanto mais iminente a queda, maior a desfaçatez e ostentação das elites Contudo, quanto mais iminente a queda, maior a desfaçatez e ostentação das elites. Até aqui, nesta venal Bruzundanga, os historiadores recordam o fausto e a mesa farta dos “coronéis” nordestinos, quando os engenhos de cana ficaram de “fogo morto” no limiar do séc. 20. Pois esse é o clima atual, após a crise financeira global deflagrada pela bolha imobiliária dos EUA e acirrada por insólitos eventos ao redor do planeta. Que o diga o bom-mulato Obama, já em plena campanha para a sucessão em 2012: como não pode sanar a astronômica dívida pública de Tio Sam, nem evitar a incursão voraz dos chineses nos mercados alheios, trata de alimentar a histeria doméstica (e, se possível, a europeia), anunciando em tom épico o assassinato (?) de Bin Laden, cujo corpo, em “respeito às tradições muçulmanas” (!), teria sido lançado ao mar em menos de 24 h. (Pano rápido...) Que semana alucinada essa, meus caros leitores! Eu já tivera de suportar a overdose midiática de mais um casamento da realeza britânica (uma reedição modernosa do velho conto da carochinha, com o príncipe e a plebeia), coberto ao vivo pelas principais redes de TV, assim como o vertiginoso processo de beatificação do Papa João Paulo II pelo Vaticano. Isso sem falar na feérica sanha de invasão da Líbia, cujo roteiro foi (mal) escrito a várias mãos por Obama, Sarkozy, Cameron, Berlusconi & Cia. (pode-se ler CIA, sem problemas). É bem verdade que, após a entrada da Otan em cena (o bom-mulato não gosta de sujar as mãos...), a aventura tornou-se um trágico pastelão e até a Igreja protestou contra o genocídio provocado pelos célebres bombardeios “cirúrgicos” da ‘Aliança Militar’, de triste memória na Iugoslávia. Se não bastasse tanta arritmia, o próprio futebol padeceu as sequelas dessa onda. Falo do duelo entre Real e Barcelona: em meio à aguda crise da Espanha (com altíssima taxa de desemprego e risco enorme de bancarrota), os madrilenhos evocaram seu passado franquista contra a Catalunha (bastião da causa republicana) e, sob as ordens do arrogante português Mourinho, têm atuado em clima de ‘Guerra Civil’ (até a Globo, ávida por espetáculos, abriu espaço em sua sagrada “grade” para a peleja). Cá na terra de Noel, avesso a tamanha bulha, torço discretamente pelos catalães, que, embora não estejam imunes à histeria do capital (o futebol, antes de tudo, é um colossal negócio), jogam como um samba de Paulinho da Viola, tocando a bola, como o marujo “que durante o nevoeiro leva o barco devagar”... Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e Lima Barreto: o rebelde imprescindível.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda • Subeditores: Aldo Gama, Renato Godoy de Toledo • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Joana Tavares• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


de 5 a 11 de maio de 2011

3

Miguel Urbano Rodrigues

instantâneo

Robotização da humanidade

Gama

FLORES – O senador Eduardo Suplicy chega à casa da presidenta eleita, Dilma Rousseff, levando um vaso de orquídeas para presenteá-la, mas não foi atendido

Silvio Mieli

Divórcio do real “DIANA, A CAÇADORA, acabou caçada”, dizia uma manchete no dia seguinte da morte de Lady Di, a princesa da Inglaterra, em 1997. A trajetória de Diana foi um marco na forma como, no final do século 20, além do valor de uso e do valor de troca, passaríamos a contar com o “valor de exposição” da sociedade do espetáculo. A imagem de Diana foi consumida até a morte e, mesmo depois do acidente que a vitimou em Paris, a mídia continuou a lucrar com a sua desventura. Passados 15 anos, caberia ao seu filho, o príncipe herdeiro William, realimentar a saga. Entre a morte da mãe Diana e o recente casamento do filho William com a “plebeia” Kate, o que aconteceu? Por um lado, o valor de exposição configurouse na era da promoção dos megaeventos, turbinados por uma nova figura social: os promoters (promotores), que transformam qualquer evento social em mercadoria espetacular fartamente patrocinada. De outro lado, percebe-se um reconhecimento público e positivo desses eventos, identificados como operações de puro marketing. No casamento em questão, sobraram elogios midiáticos para a capacidade da Inglaterra em capitalizar com o evento, às portas de uma

olimpíada e diante de uma crise econômica. Em pleno século 21, ouvir falar em “súditos” e “plebeus” soa ridículo, mas não nos esqueçamos que são estes rituais monárquicos/religiosos que estabeleceram a liturgia dos dispositivos de poder que seguem até hoje intocáveis. No caso da audiência brasileira, assim como não apagamos a nossa herança colonial de um dia para outro, não nos desfazemos assim rapidamente das relações reais e imaginárias com o Império Britânico. Mas a falta de mística e de conteúdo estético deste casamento, que foi considerado o evento de maior audiência de todos os tempos (2 bilhões de espectadores), pode definir o atual estágio cultural e espiritual da nossa civilização. Sob este aspecto, o megaevento está mais para o baile da Ilha Fiscal do que para o casamento do século. Ou dito de outra forma: o casamento é real, mas ele atesta o completo divórcio da própria realidade. E isso seria só o começo da overdose de espetáculos na entrada no mês de maio. Depois do casamento real, viriam outros campeões de audiência: a beatificação de João Paulo II e, agora, como definiu Paul Craig Roberts, “a segunda morte de Bin Laden”...

Beto Almeida

As razões do Irã ACABO DE CHEGAR do Irã, onde integrei uma delegação de jornalistas e blogueiros. Uma constatação é imediata: construiu-se uma sofisticada e complexa imagem negativa do Irã mundialmente, que serve para justificar todas as sanções aplicadas pela ONU contra o país, sob a evidente manipulação das grandes potências que, com a Revolução Islâmica de 1979, perderam os privilégios que tinham sobre as vastas riquezas energéticas iranianas. Sabemos, o fluxo da informação mundial está sob controle dos conglomerados de mídia dos países imperiais, que atuam sob coordenação de interesses com a indústria bélica e petroleira. A suposta “Guerra contra o Terror” já construiu um orçamento de 1,2 trilhão de dólares nos EUA. Bin Laden cumpriu o seu papel, vivo ou “morto”. É neste mundo que o Irã se encontra. Tem razões para se defender. É o principal alvo dos interesses estadunidenses na região, sobretudo por seu processo de desenvolvimento independente. A nacionalização do petróleo produziu enormes efeitos a partir do uso de suas receitas para diversificar o processo produtivo. O Irã, que foi obrigado a enfrentar uma guerra que não declarou contra um Iraque apoiado pelos EUA, e que sofreu sanções de cunho econômico da ONU, foi obri-

gado a caminhar com suas próprias pernas. Hoje possuiu uma indústria de defesa avançada, fabrica seus próprios submarinos. O Brasil, desarmado, os compra lá fora. O Irã possui um moderno programa aeroespacial e prepara-se para lançar seu primeiro cosmonauta ao cosmos em 2012. No Brasil não há previsão para tal, mas há sabotagens dos EUA contra o programa espacial brasileiro. Lá há uma agricultura bastante avançada, apesar do deserto. Ferrovias cortam o país. Realizam avançadas pesquisas em biotecnologia e na área de células-tronco. Ou seja, é um país em franco desenvolvimento, que os inimigos querem sabotar e apresentar como um país das trevas. Falamos de direitos humanos, claro, num largo diálogo com o vice-ministro de Relações Exteriores, Behrooz Kamalvandi. “Tanto o Irã, como o Brasil precisam se corrigir em matéria de direitos humanos. Mas, quem mais precisa se corrigir são os EUA, os que mais agridem os direitos humanos no mundo”, disse ele, ao mesmo tempo em que ressaltava a importância de países como Brasil e Irã estarem juntos nesta conjuntura mundial sombria. Sim, lá todas as mulheres usam os véus. Mas não vimos crianças abandonadas nas ruas pedindo esmolas.

A PROPÓSITO da agressão imperialista à Líbia, Domenico Losurdo, um dos filósofos marxistas mais criativos do nosso tempo, recorda a famosa novela 1984, de Georges Orwell. O alvo desse romance era a satanizarão da União Soviética, contemplada pelo escritor anticomunista britânico como uma sociedade na qual a robotização do homem estaria em marcha. Orwell criou um mundo imaginário no qual uma “neolingua” manipulara a consciência dos povos, destruindo-a. A sua utopia, escrita no ano em que foi fundada a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), adquire hoje dramática atualidade. Mas Orwell errou o alvo. O perigo para a humanidade vem de outro azimute. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a pátria mítica do socialismo, desapareceu e quem simboliza o “Grande Irmão” é o imperialismo, hegemonizado pelos Estados Unidos. Um massacrante bombardeio midiático tenta, há semanas, persuadir os povos do planeta de que a fidelidade aos mais puros ideais humanistas justifica a decisão de Washington, da França e da Grã Bretanha de semearem bombas sobre a Líbia, no âmbito de uma “intervenção humanitária” concebida em defesa da liberdade e da democracia. Enquanto a metralha dos aviões imperiais destrói Tripoli e outras cidades, pulverizando infraestruturas do país e matando milhares de civis, Obama, Sarkozy e Cameron repetem monotonamente que tratam de “proteger as populações civis”, mandados pelo Conselho de Segurança da ONU.

A mentira atingiu tais proporções que o esforço para desmentir a falsificação da História se torna um dever democrático A mentira atingiu tais proporções que o esforço para desmentir a falsificação da História se torna um dever democrático. A montagem da agressão ao povo líbio principiou muito antes do início da “rebelião” de Benghazi, preparada por Washington e Londres e financiada por alguns dos gigantes do petróleo. Segundo o semanário britânico Sunday Mirror (artigo de Mike Hamilton, 20.3.2011), centenas de soldados ingleses do Special Air Service (SAS), tropa de elite especializada em operações encobertas, trabalhavam na Cirenaica há muitas semanas, treinando os “rebeldes” para o levantamento armado. Dois grupos de comandos “smash”, peritos em sabotagem, integravam o contingente clandestino. No dia 30 de março, The New York Times revelou que numerosos agentes da CIA colaboravam com a tropa britânica, atuando nos bastidores, cumprindo missão da administração Obama, empenhada em “armar os rebeldes e dessangrar o exército de Kadafi” (Mark Mazzetti e Eric Schmitt). Em 25 de fevereiro, The Guardian informava que “oficiais britânicos tinham entrado em contato com altos funcionários líbios, colocando-os perante uma alternativa: ou abandonavam Kadafi ou seriam julgados por crimes contra a humanidade” (Patrick Wintour e Julian Borger). Cito jornais do Ocidente, identificados com o capitalismo, para lembrar que a deformação da História não consegue ser totalmente ocultada nos próprios baluartes do imperialismo. Tal como aconteceu no Vietnã, na Argélia, nas guerras coloniais portuguesas, no Iraque, no Afeganistão e na Palestina, uma parcela dos monstruosos crimes do colonialismo e do imperialismo acaba por chegar, embora tardiamente, ao conhecimento dos povos. Isso não impede que a neolingua, forjada para reescrever a História, não cumpra a sua missão de perturbar, confundir e robotizar centenas de milhões de homens e mulheres, tornando-os tão inofensivos como os cidadãos do livro de Orwell. Losurdo enuncia uma evidência dolorosa ao alertar a humanidade para uma trágica e grotesca realidade: “a neolingua atualmente em vigor transforma as vítimas em responsáveis de crimes contra a humanidade e em artífices da ‘justiça internacional’ os responsáveis de crimes contra a humanidade”. Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor português – escreve uma vez por mês neste espaço.

comentários do leitor Bin Laden

É estranho como há tão pouco tempo os Estados Unidos sofreram o maior tornado da história, com mais de 250 pessoas mortas – deixando o povo americano desanimado e calado, em luto –, e, agora, chega essa notícia “ótima” de que o suposto inimigo do imperialismo norte-americano ou o cara que serviu de pretexto para invadir o Iraque e o Afeganistão está morto. Oportuno para reanimar o povo ianque? Ou mera coincidência? Coincidência também é o fato de que no ano que vem é eleição na terra do Tio Sam, e o governo Obama estaria um tanto “morno”? Existem muitos outros fatores “camuflados” pela mídia que nos fariam pensar sobre a veracidade dessa morte. E, mesmo que ela tenha ocorrido realmente, a justiça foi feita? Que justiça? A morte de um ameniza o sofrimento de outros? Que absurdo o pensamento do “democarata herói” americano.

Priscila Freiria, na Agência Brasil de Fato.

Privatização dos aeroportos

Gostaríamos de contribuir para o debate sobre a infraestrutura aeroportuária no Brasil (matéria de capa da edição 425). Colocamo-nos à disposição dos companheiros por acreditar que este é um jornal “de fato” e está fora da visão míope que os grandes jornalões têm direcionado ao assunto. Enxergamos a aviação brasileira como um sistema que vai muito além da construção de aeroportos; requer também um gerenciamento que coloque a questão à altura de um país que quer ter uma inserção soberana na América do Sul, na América Latina e no mundo, e que também valorize os seus trabalhadores e os seus usuários.

Marcelo Schmidt, secretário-geral do Sindicato Nacional dos Aeroviários, na Agência Brasil de Fato.

Espiritualidade

Frei Betto, concordo muito com seu texto (“Espiritualidade pós-moderna”, edição 426). Porém, acredito que não temos capacidades morais, ainda, na Terra, para sentir a pleni-

tude da felicidade que podemos e vamos um dia conhecer. Isso só vai acontecer quando o egoísmo for extinguido dos governos e dos povos; e quando tivermos por objetivo a harmonia, a verdade, a bondade e a beleza, ao invés do lucro e do crescimento econômico. Inclusive, venho agradecer aqui uma palestra sua no Festival de Cinema em Curitiba, em 2008, onde sua explanação sobre o que é direita e esquerda ficará sempre na minha memória.

André Garcia, na Agência Brasil de Fato.

Espiritualidade 2

As grandes religiões perderam o tempo. Em um mundo que se transformou em uma aldeia, com os recursos de comunicação e trocas culturais bem acessíveis, com a possibilidade real da formação de uma grande, e mundial, sociedade intelectualizada, as religiões não acompanham o ritmo. Com esse perfil, as pessoas não mais desejam fazer parte de grupos ou religiões em que se pede que elas devam apenas acreditar e seguir. Elas querem vivenciar, conhecer, fazer parte do centro. Is-

so as grandes religiões não permitem, e não se permitem. Atualmente, elas são as causas de grandes conflitos. São geradoras de intolerância e fanatismos.

Ricardo Oliveira, na Agência Brasil de Fato.

Cangaço

A entrevista “O cangaço desmistificado” (edição 423) é importantíssima para quem quer entender a podridão política do nosso país. O que temos hoje está enraizado. Juna Guimarães, via Facebook.

Prestes

Cara Anita Leocadia Prestes, você acha que faz sentido nos dias de hoje falar em revolução (“O legado de Prestes?”, edição 425)? Fiquei curioso com o termo. A propósito, gostei do seu texto e concordo: Prestes não se identificaria com os que o “sequestram”.

Ildo Storer Netto, na Agência Brasil de Fato.

Cartas devem ser enviadas para o endereço da redação ou através do correio eletrônico comentariosdoleitor@brasildefato.com.br


4

de 5 a 11 de maio de 2011

brasil

A luta no parlamento para acelerar a reforma agrária Leonardo Prado/SEFOT-SECOM

POLÍTICA FUNDIÁRIA Para combater estagnação do governo Lula no setor, parlamentares apresentam projetos de lei no início do governo Dilma

portações, o grande latifúndio está muito aquém da necessária produtividade”, explica Assunção. A atualização dos índices é uma bandeira histórica dos movimentos sociais do campo, pois seria capaz de trazer uma real noção da capacidade produtiva do agronegócio e permitiria um contraste do seu volume de produção com o volume de recursos públicos recebidos por este modelo de agricultura. O outro projeto apresentado por Assunção, PL 1017/2011, pretende acelerar a discriminação administrativa de terras devolutas feita por governos estaduais. Por meio do PL, a discriminação destas áreas ganha caráter preferencial em relação às eventuais ações judiciais que estejam em andamento, como as ações de correção de perímetro, normalmente utilizadas por grileiros. “Isso desburocratiza e desonera o processo e, assim, poderemos atender mais trabalhadores com menor espaço de tempo”, destaca o deputado baiano.

Vinicius Mansur de Brasília (DF) NO PRIMEIRO mandato do governo Lula, por pressão dos movimentos sociais, foi elaborado o 2º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) cuja proposta previa o assentamento de 520 mil famílias. De acordo com o professor titular de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP) Ariovaldo Umbelino, foram assentadas cerca de 220 mil famílias. “Embora o governo divulgasse dados de mais de 500 mil, esses dados não correspondem à realidade, porque eles somaram como assentamentos novos áreas de regularização fundiária, áreas de reconhecimento de assentamentos antigos e reassentamentos de atingidos por barragens”, afirma. Para o segundo mandato não foi elaborado o 3º PNRA. Segundo o professor, o governo passou a adotar uma política de contra-reforma agrária, porque enviou duas medidas provisórias ao Congresso: uma em 2008 e outra em 2009, elevando a área passível de regularização na Amazônia Legal para propriedades de até 1.500 hectares. “Isso quer dizer que nesse segundo mandato o governo fez uma política de legalização da grilagem”, aponta Umbelino.

O PL caracteriza como crime de prevaricação a não edição do ato que atualiza os índices de produtividade a cada 5 anos

Em janeiro último, a análise de conjuntura realizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), considerou 2010 como o pior dos oito anos do governo Lula para a reforma agrária. De acordo com a CPT, o número de famílias assentadas caiu 44% em relação a 2009 e o total de terras adquiridas para a criação de novos assentamentos teve redução de 72%. “Não é exagero afirmar que em 2010 houve intensa estagnação no processo de reforma agrária em todo o país”, diz o documento da pastoral.

“Todas as leis que buscarem aumentar a arrecadação de terras para a reforma agrária estarão a serviço da erradicação da miséria” A deputada federal Luci Choinacki

Projetos de lei

Na tentativa de inverter este quadro, os deputados federais Luci Choinacki (PT-SC), Marcon (PT-RS) e Valmir Assunção (PT-BA) preparam uma ofensiva parlamentar neste início de governo Dilma. Na semana do dia 17 de abril, o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, os três deputados apresentaram, em conjunto, seis projetos de lei (PL) para manter viva, no parlamento, a pauta de pequenos agricultores e de trabalhadores rurais sem-terra. “Nossa tarefa dentro do parlamento é fazer com que criemos mecanismos que agilizem e viabilizem a reforma agrária no Brasil, uma dívida que o país tem com os camponeses e camponesas. Mesmo com a resistência da bancada ruralista, temos que propor projetos que adequam leis já existentes e também nos dão formas de cobrança e articulação política”, explica Valmir Assunção. Dos seis projetos apresentados, cinco pertenciam ao ex-deputado federal Adão Pretto (PT-RS) e haviam sido arquivados com o seu falecimento em 2009.

Índices de Produtividade

O PL 1016/2011, apresentado por Valmir Assunção, é um destes. Ele incide sobre os índices de produtividade, “defasados desde 1976”, aponta o deputado. A legislação atual já prevê a atuali-

zação periódica dos índices, entretanto não estabelece prazos. O PL propõe que estes números sejam atualizados de cinco em cinco anos, “considerando que os avanços científicos e tecnológicos revolucionaram o processo produtivo agrícola nas últimas décadas” e que estes dados já são atualizados a cada safra por empresas públicas e por organizações do setor agropecuário. Outra novidade que propõe o PL é a aplicação do artigo 319 do Código Penal, caracterizando como crime de prevaricação a não edição do ato normativo que atualiza os índices de produtividade no intervalo máximo de 5 anos.

Prioridades ao Incra

“Mesmo com a resistência da bancada ruralista, temos que propor projetos que adequam leis já existentes e também nos dão formas de cobrança e articulação política” “Apesar de estarmos, apenas, querendo o cumprimento da Constituição, a bancada ruralista ainda teima em embarreirar a questão, pois, provavelmente, demonstraria que, apesar de todo avanço tecnológico e da quantidade de ex-

Já os dois projetos apresentados pelo deputado federal pelo Rio Grande do Sul Marcon, priorizam o Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os PLs 914/2011 e 915/2011 pretendem dar ao órgão o direito de preferência aos imóveis rurais, acima de 15 módulos fiscais, integrantes do patrimônio de órgãos da Administração Pública, especialmente aqueles que foram adquiridos em processos judiciais e heranças vacantes, ou na hipótese de alienação forçada da propriedade, não raro por instituições financeiras ou por dívidas com o Estado. Um exemplo citado pelo PL como um possível imóvel a ser revertido para a reforma agrária foi a já leiloada fazenda Piratininga, de propriedade do exdono da Vasp, com mais de 252 mil hectares, em Goiás. “Quando se trata de imóveis rurais, a disciplina deve ser mais rigorosa, já que estes devem se destinar ao cumprimento da função social. Por isso, todas as terras acima de 15 módulos fiscais devem ser destinadas prioritariamente ao Incra e não ao mercado. No momento em que nossa presidenta eleita define a erradicação da miséria como prioridade máxima do governo brasileiro, todas as leis que buscarem aumentar a arrecadação de terras para a reforma agrária estarão a serviço desse objetivo maior”, sentencia Marcon.

Mais redução de custos para assentamentos

Direção do Senar também em pauta na Câmara

Projeto de lei prevê desoneração para acelerar processo de desapropriação

PL quer acabar com “monopólio” da CNA na direção da entidade do sistema S, beneficiando a Contag

de Brasília (DF) Para desonerar os custos que implicam a reforma agrária, a deputada federal Luci Choinacki (PT-SC) propõe, por meio do PL 940/2011, a proibição de pagamento, pela União, dos juros compensatórios que se aplicam no processo de desapropriação, quando ocorre divergência entre o preço ofertado e o preço na sentença judicial. “No ano de 2006, dos R$ 160 milhões despendidos pelo Incra na obtenção de terras via desapropriação, mais de 50% foram gastos com o pagamento de juros compensatórios”, diz o PL. Estes juros correspondiam a uma verba de natureza compensatória ao lucro cessante das atividades produtivas destas propriedades rurais, o que significava uma incoerência, posto que propriedade improdutiva não gera lucro. Em 1999, uma medida provisória mudou o conceito econômico no qual se assenta a argumentação para a remuneração compensatória. O fato gerador deixou de ser o lucro e passou a ser a receita. Assim, um imóvel improdutivo com área de 1 milhão de hectares, pos-

suindo 2 canteiros com hortaliças, por exemplo, gera receita e está apto a receber os juros. Por fim, o mesmo PL da deputada Choinacki também propõe a revogação de três incisos da lei 8629, que criminalizam os lutadores do campo. “Chegam ao cúmulo de fixar a exclusão do programa de reforma agrária àquele que, mesmo já estando assentado, for identificado como participante direto ou indireto em conflitos fundiários em solidariedade a trabalhadores sem-terra”, reclama a deputada.

“Chegam ao cúmulo de fixar a exclusão do programa de reforma agrária àquele que for identificado como participante de conflitos fundiários” Tramitação

Pelo teor dos projetos, todos têm um longo caminho ainda dentro da Câmara dos Deputados. Eles devem ser apreciados, ao menos, pela comissões de Agricultura, de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e de Finanças e Tributação. De acordo com Valmir Assunção, o trabalho agora será de articulação política para colocá-los na pauta da Câmara dos Deputados. (VM)

de Brasília (DF) Ainda no embalo do conjunto de projetos apresentados na véspera do Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária (17 de abril), a deputada federal Luci Choinacki apresentou um Projeto de Lei (PL) que prevê que o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) seja organizado e administrado por uma diretoria, sendo que o cargo de presidente será escolhido, de forma alternada, entre representantes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag). O atual regimento interno do Senar diz que o Conselho Deliberativo da entidade é indicado para um mandato de três anos, que coincide com o mandato da diretoria da CNA, sendo o presidente da mesma CNA o seu presidente nato e este nomeia o secretário executivo. Esse sistema se dá em todos os estados. “Quem é presidente da federação estadual, é também presidente do Senar. Além de provocar distorções na representatividade do setor rural na administração dos

recursos destinados aos trabalhadores e trabalhadoras do campo, essa questão já foi objeto de considerações do Tribunal de Contas da União (TCU)”, diz Luci.

O PL propõe expropriação das terras nas quais sejam flagrados casos de exploração de mão de obra análoga à escravidão Trabalho escravo

Outra tentativa parlamentar de fortalecer a luta pela reforma agrária que se encontra na Câmara dos Deputados é a Proposta de Emenda Constitucional 438, conhecida como PEC do Trabalho Escravo. Ela propõe a expropriação sem direito à indenização das terras nas quais sejam flagrados casos de exploração de mão de obra análoga à escravidão. Define ainda que as propriedades confiscadas serão destinadas ao programa de reforma agrária. Apresentada em 1999 pelo ex-senador Ademir Andrade (PSB-PA), a PEC foi aprovada pelo Senado em 2001. Na Câmara, permanece parada desde 2004. Devido a mudanças propostas por membros da bancada ruralista (para inserir os imóveis urbanos na expropriação), a PEC 438/2001 terá que retornar ao Senado depois de aprovada na Câmara. (VM)


brasil

de 5 a 11 de maio de 2011

5

Demagogia ou a ficha caiu? Leandro Uchoas

INDÚSTRIA Prefeito do Rio de Janeiro faz fortes críticas à CSA, por poluição, baixa geração de empregos e incentivos fiscais. Presidente da empresa reconhece erros Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) UMA DECLARAÇÃO recente de Eduardo Paes (PMDB) surpreendeu o Rio de Janeiro, na última semana. O prefeito da cidade afirmou que, se dependesse dele, não autorizaria a instalação da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) no bairro de Santa Cruz. Paes afirmou que, além da poluição elevada, a empresa gerou poucos empregos, além de pagar poucos impostos, devido às concessões em incentivos fiscais. Segundo o prefeito, é preferível a instalação de “indústrias sem chaminés”. Ele também alegou que foi obrigado a renovar os benefícios concedidos à empresa, para “manter o ambiente de negócios”. “Se eu fosse prefeito em 2003, 2004, eu daria os incentivos? Não. Se uma empresa desse padrão industrial procura a prefeitura, eu nem recebo. Peço para alguém do quarto escalão receber para que se perceba que (esse tipo de empreendimento) não é bem-vindo na cidade”, criticou pela primeira vez Paes, embora já seja prefeito há dois anos.

“Quantos empregos são gerados pela CSA? Talvez menos que o Fashion Week. A indústria sem chaminé é muito mais intensiva em mão de obra” Paes ainda afirmou que o impacto futuro da empresa no meio ambiente é enorme, e que se deve repensar a política de incentivos fiscais. Seguindo o tom inesperado de demonstração de preocupação ambiental, Paes também anunciou que seu governo prepara a construção do que chamou de “edifícios ambientalmente sustentáveis”, justifican-

Concessão de licença definitiva de operação foi barrada graças à mobilização popular

do, nesses casos, redução no valor de ISS e IPTU. “Quantos empregos são gerados pela CSA? Talvez menos que o Fashion Week. A indústria sem chaminé é muito mais intensiva em mão de obra. O que incomoda é que uma cidade quer ter uma marca diferente, sustentável, global, e tem um treco jogando fuligem no ar”, disse, complementando que a cidade terá sérios problemas em abrigar a empresa. Com menos de um mês de operação, a CSA recebeu multas de R$ 4,1 milhões. A concessão de licença definitiva de operação foi barrada graças à mobilização popular.

se identificar, acredita que essa relação com as eleições seja mais profunda. Paes estaria negociando seu silêncio, visando ajuda financeira da CSA para sua campanha à reeleição.

Foco em 2012

Surpreendido com as declarações, a ThyssenKrupp, que detém o controle da siderúrgica, demorou a se posicionar. Em seguida, o presidente da empresa, o alemão Herbert Eichelkraut, veio a público reconhecer os erros da companhia. “Temos que admitir que tivemos erros. No começo, tínhamos a impressão de que a criação daquela quantidade de empregos que foram gerados durante a construção e, agora, que estão sendo gerados durante a operação, era suficiente. Antes de viajar para o Brasil, trabalhava numa empresa muito semelhante em termos de tamanho e de operação à CSA. Mas essa empresa existe há 100 anos. Depois de morar tanto tempo próximo e em convivência, existe uma confiança mútua. Viemos com essa ideia de que, se lá funciona dessa forma, aqui

Para Sandra Quintela, economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), as declarações têm como foco as eleições de 2012. Paes será candidato à reeleição, e já lidera todas as pesquisas. “A primeira coisa que ele fez como prefeito, no primeiro dia de governo, em janeiro de 2009, foi conceder incentivo fiscal para a CSA. Agora ele justifica isso dizendo que tinha que ‘manter o ambiente de negócios’. Ele é responsável por tudo isso”, diz. Para ela, Paes não quer perder a significativa base eleitoral que teve na zona norte, quando ganhou a prefeitura de Fernando Gabeira (PV) com menos de 1% de diferença devido à expressiva votação na região. A insatisfação com a CSA cresce dia após dia no local. Outra fonte, que não quis

Leandro Uchoas

“Temos que admitir que tivemos erros. Tínhamos a impressão de que a criação daquela quantidade de empregos, durante a construção, era suficiente”

Barulho e poluição

do Rio de Janeiro (RJ)

Agora pelo mar Ativistas realizam nova missão à região onde a CSA e outros empreendimentos estão sendo instalados do Rio de Janeiro (RJ) No feriado de 21 de abril, ativistas de ONGs e movimentos sociais fluminenses organizaram nova missão para a região em que está sendo construída uma série de empreendimentos que incluem a CSA. Não é a primeira vez que se articulam para visitar o local in loco, e investigar eventuais danos socioambientais. Entretanto, dessa vez a visita se deu pelo mar, na Baía de Sepetiba. Sob a liderança dos próprios pescadores que organizam a resistência à CSA, os visitantes aproveitaram para colher depoimentos, tirar fotos e filmar. Em duas embarcações, passaram pelos portos Sudeste e de Itaguaí, por obras da LLX e da CSA, visitando as Ilhas da Madeira e do Martins. O Brasil de Fato acompanhou a viagem. Os sinais de poluição eram fartos. Desde manchas alaranjadas no mar, até a liberação farta de fumaça por chaminés. “A poluição não é feita somente para reduzir os custos. Ela é uma ferramenta de expulsão, porque incomoda quem mora no local. É proposital”, explicou Alexandre Pessoa, pesquisador da Fiocruz. Com parceria de entidades como o PACS e a UERJ, a Fiocruz planeja realizar um seminário de avaliação do primeiro ano de

atividade da CSA, recém-completado. Um dos principais objetivos seria levantar os dados numéricos dos impactos socioambientais. Os pescadores foram unânimes em protestar contra a redução do volume de pesca. “Para piorar, (a prática) vai ser proibida em toda essa área. Próximo do Porto de Itaguaí é um grande berçário. Essa região não é apropriada para porto, porque é sedimentada. A profundidade era de 6 metros, e eles aumentaram para 18”, afirma o pescador Isaac Alves de Oliveira. Eles não entendem, entretanto, o comportamento recente da Marinha. A corporação – usualmente a que mais criminalizava a pesca na região – estaria evitando o conflito nos últimos meses. Próximo à Ilha da Madeira, a comitiva do Rio de Janeiro se deparou com um protesto individual contra a CSA. Com dois galões de gasolina como suporte e um pedaço grande de madeira, um morador de Santa Cruz fechou a passagem de uma rua de trânsito dos caminhões e veículos da empresa. Sentado numa cadeira, ao lado da barreira, ameaçava reagir a qualquer tentativa de desfazê-la. Uma fila de veículos já se formava. Mesmo os integrantes da missão tiveram que retornar e tomar outro caminho. (LU)

Mais transtornos

No dia 23 de abril, um novo problema voltou a surgir, decorrente da atuação da empresa. As fortes chuvas que caíram no Rio de Janeiro durante a semana causaram enchente nas proximidades do canal de São Francisco. As águas chegaram à altura de meio metro. Na região, a CSA desviou um rio, colocando três bombas para impulsionar a água. Quando as bombas falham, há enchente. Na época das obras, o Ministério Público Estadual (MPE) denunciou a insuficiência de dados sobre o desvio no relatório de impacto apresentado pela empresa, mas não houve consequências. “Esse problema já tem dois anos, e, até agora, quase nada foi feito”, acusa Rodolfo Lobato, da Associação da População Atingida pela CSA (APACSA). A CSA tem reunião marcada com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para discutir soluções.

Porto Sudeste já fez boa parte da população de uma ilha migrar para Itaguaí

Manchas alaranjadas no mar na Baía de Sepetiba

também funcionaria. Foi isso que gerou esse equívoco”, afirmou. Eichelkraut afirmou que, embora haja apenas 2.700 empregos dentro da CSA, com as empresas que atuam no projeto serão gerados 14 mil até o final do ano. O presidente da empresa teve dificuldades em explicar a poluição nas casas vizinhas, cobertas por fuligem branca e grafite. “Temos que reconhecer que as pessoas não estavam acostumadas a viver numa área próxima a uma siderúrgica. Quando acontece algum tipo de emissão, um material visível, as pessoas ficam assustadas. Tem que haver uma desassociação da questão legal da questão do incômodo”, disse, aparentemente considerando normal a poluição. Segundo Eichelkraut, o Conselho de Administração da empresa aprovou US$ 100 milhões para “aumentar as pesquisas para que isso não volte a acontecer”. No próximo sábado (7), Eichelkraut e sua esposa planejam visitar a CSA. Através da mobilização de movimentos sociais, sindicatos e partidos independentes, a concessão de licença definitiva de operação à empresa foi adiada. A CSA está operando com uma licença prévia. Entretanto, deliberou-se que se deveria fazer uma auditoria para estudar os impactos locais. O que preocupa, agora, as entidades que resistem é que o responsável pela auditoria será a Usiminas. A empresa é considerada suspeita para auditar a CSA, devido a seu histórico de pouca preocupação com os danos ambientais nas áreas em que atua. A empresa já prevê atingir, em setembro desse ano, sua capacidade máxima de produção, de três milhões de toneladas de aço por ano.

Na Ilha da Madeira, próximo à região onde a CSA está instalada, a LLX, de Eike Batista, está construindo o Porto Sudeste. Muitos dos moradores da área venderam suas casas à empresa, e migraram para Itaguaí, cidade próxima. A resistência inicial terminou sucumbindo, devido à enorme poluição causada pelo empreendimento e ao isolamento geográfico da região. A LLX pagava preços razoáveis pelas casas, mas o mercado imobiliário em Itaguaí se aqueceu bastante, graças ao grande número de obras em toda essa região, expulsando moradores. Casas em bairros isolados da cidade valeriam cerca de R$ 500 mil. Na Ilha da Madeira, o barulho da quebra da pedreira foi um incômodo constante, e pedras chegaram a cair sobre as casas. Muitas das residências têm, ain-

da hoje, rachaduras enormes. Um grande pedregulho chegou a cair próximo a uma escola, há um ano. Muita gente que saiu foi para a Vila Geni, de onde terão que sair novamente, por conta de novas obras na região, da Marinha. As obras do Porto Sudeste estão bastante atrasadas, mas a pressão sobre os moradores que ficaram foi reduzida. A CSA afirma, agora, que as casas só serão negociadas com a Prefeitura, que paga o valor venal, muito menor. “A gente acha que pode ser pressão psicológica”, diz uma moradora que permanece no local. “Não há dinheiro no mundo que pague o lugar onde você cresceu, onde viveu a vida inteira. Itaguaí está muito perigoso. E nós, que ficamos por último, não temos muita condição de comprar casas lá. Os preços estão caríssimos”, afirma ela, revelando ainda que sua avó teve duas paradas cardíacas por conta das obras. Os pescadores da ilha, além da dificuldade de pescar, não estariam tendo facilidade em vender seus peixes, uma vez que os moradores da região temem pela má qualidade da água. “Não tem condições nem de estender uma roupa no varal, por causa da poeira de barro. Está num ponto em que não há mais possibilidade de ficar”, completa a moradora. (LU) Leandro Uchoas

Vista da Ilha da Madeira, próximo à região onde a CSA está instalada


6

de 5 a 11 de maio de 2011

brasil André Stefano/Folhapres

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Golpe mortal Reerguida no governo Lula, especialmente para expandir a rede de banda larga e garantir a inclusão digital de grande parte da população brasileira, a Telebrás tem sido alvo sistemático da voracidade privatista, atacada pela mídia burguesa e pelos cinco grupos que controlam a telefonia no país. Pior: lobistas dessas empresas na alta cúpula do governo querem anular de vez o papel estratégico da Telebrás de reduzir a desigualdade digital.

Ingleses acompanham o casamento do príncipe William com Catherine Kate Middleton, na abadia de Westminster, em Londres

Nossa família irreal MONARQUIA Em Petrópolis, descendentes nobres vivem, ainda hoje, de impostos sobre imóveis Leandro Uchoas do Rio de janeiro (RJ) O CASAMENTO de Kate Middleton com o príncipe Willian, na Inglaterra, mobilizou o mundo. As pessoas acompanharam, ao vivo, o que foi definido como “o casamento do século”. Poucos questionaram o motivo da importância do evento, ou para que serve a família real britânica. No Brasil, não foi diferente. Pela televisão, os brasileiros acompanharam o casamento – alguns encantados, outros mais críticos. O que nem todos sabiam era que também existe no país uma família real, de função pouco clara, vivendo parcialmente às custas de impostos. A maior parte dos descendentes nobres do Brasil vive no estado do Rio de Janeiro, onde ficava a antiga capital do Império, majoritariamente nas cidades de Petrópolis e Vassouras. Os 18 nomes de D. Pedro I, o primeiro imperador do Brasil, sempre foram motivo de piada nas aulas de história do ensino fundamental. Na verdade, são apenas a faceta mais visível das burlescas características da nossa realeza. A família real brasileira, que governou o país por 67 anos – com dois imperadores – mantém seus privilégios ain-

da hoje. Se seus costumes tornaramse curiosidades caricaturais, ou se eles não têm qualquer interferência nas decisões do país, pouco importa. Na cidade de Petrópolis, de cerca de 300 mil habitantes, a 60 quilômetros do Rio de Janeiro, tudo remete à família e ao período imperial. Até hoje, nossos compatriotas de “sangue azul”, afastados do poder há 122 anos, vivem de forma cômoda, por vezes luxuosa. Há, na cidade, o laudêmio – imposto sobre as transações de imóveis na região do centro histórico. Criada pela coroa portuguesa, a taxa financia a sobrevivência dos nossos nobres. Em Petrópolis, existem cinco terras aforadas, e a principal delas pertence à família real. A cada venda de apartamento no centro da cidade, 2,5% do valor são destinados aos nobres. Na região, o imóvel mais barato vale cerca de R$ 400 mil – remetendo, numa única transação, R$ 10 mil aos cofres reais. Tombados pelo Patrimônio Histórico Nacional, os casarões da área não podem tornar-se prédios. Vassouras x Petrópolis O curioso é que, caso a monarquia fosse um dia restaurada, assumiria o poder o ramo dinástico, residente em Vassouras, cidade de 34 mil habitantes do sul do estado. Estes, além de não receber qualquer recurso de laudêmio, vivem numa região que não é conhecida por seu passado imperial. Milhares de turistas visitam Petrópolis anualmente. Não se poderia dizer o mesmo de Vassouras. A distinção é motivo de rixa entre as famílias. A divisão ocorreu na década de 1940, quando os nobres de Petrópolis ficaram com a receita do laudêmio.

A Companhia Imobiliária de Petrópolis (CIP), empresa da família real que administra o laudêmio, não informa quanto recebe cada membro da nobreza. Explica que a receita também é utilizada para preservar a Mata Atlântica e os prédios históricos. Entretanto, estima-se que a média dos recursos recebidos por cada nobre seria de cerca de R$ 5 mil. Sem contar os salários, uma vez que os integrantes da família real estudam e trabalham normalmente, como qualquer cidadão – muitos deles, reconheça-se, com atuação destacada em seu ramo.

A cada venda de apartamento no centro de Petrópolis, 2,5% do valor são destinados aos nobres. Na região, o imóvel mais barato vale cerca de R$ 400 mil Descendente direta de D. Pedro I, D. Maria Francisca de Orléans e Bragança é mãe do atual herdeiro presuntivo de jure (que poderia ocupar por direito) ao trono real português, D. Duarte Pio de Bragança. Muitos integrantes da família real se casaram com cidadãos comuns, infringindo regras da Casa Imperial Brasileira. Há três anos, D. Pedro Carlos e D. Francisco, filhos de D. Pedro Gastão, teriam declarado a um jornal espanhol que seriam republicanos. Outros integrantes menos nobres da família já deram declarações semelhantes.

RACISMO

Investigação de tortura é criticada por familiares da vítima Acusado de furto, o vigilante Márcio Antonio de Souza foi atacado por um segurança em Campo Grande (MS) Jorge Américo de São Paulo (SP)

A DELEGADA Daniela Kades, responsável pelo inquérito policial que investiga o caso de tortura nas Lojas Americanas, em Campo Grande (MS), declarou que ainda é cedo para apontar o autor das agressões ao vigilante Márcio Antonio de Souza. O cliente foi atacado por um agente de segurança da loja, que o acusou de furtar um ovo de chocolate comprado em outro estabelecimento, no dia 23 de abril. Os familiares da vítima consideram que as evidências são suficientes para incriminar o agressor Décio Garcia de Souza. Somente depois de três dias, Décio registrou um boletim de ocorrência no qual relata um furto ocorrido na loja onde presta serviços. Porém, a nota fiscal em poder da família da vítima comprova que o ovo não era furtado. Gilson Fernandes, irmão de Márcio, garante que o funcionário da rede varejista teria confiscado o produto depois de encerrar o espancamento. “Ele teve todo o sábado (23) para acionar a autoridade policial. Ou ainda quando meu irmão estava no interior da loja. Ele não o fez. Ele poderia, logo em seguida, ter feito o Boletim de Ocorrência e não o fez. Poderia ter ido ao IML,

como nós fomos, e não o fez também. E já na segunda-feira (25), depois de ver as reportagens, esse moço diz que foi agredido e que vai então fazer o exame de corpo de delito. Ou seja, três dias depois. Eu acho cômodo demais. Isso revolta a minha família”. A delegada solicitará as imagens gravadas pelas câmeras de segurança da loja. No dia 26 de abril, Márcio Antonio prestou depoimento, revelando detalhes que confirmam as acusações feitas pelo irmão. Gilson diz ter convicção de que as agressões tiveram motivações racistas.

“Eu tenho certeza que a principal motivação foi a cor do meu irmão. Infelizmente, neste país, se você é preto, é automaticamente um suspeito” “O segurança dizia que ele era bandido, tinha cara de bandido e tinha que apanhar porque era vagabundo. Quando começaram as agressões, ele chegou a dizer: ‘você vai apanhar agora, negão’. Eu tenho certeza que a principal motivação foi a cor do meu irmão. Infelizmente, neste país, se você é preto, automaticamente é um suspeito”. Racismo e tortura No início do ano, a polícia de São Paulo indiciou seis seguranças da rede de supermercados Carrefour pelo crime de tortura motivada por preconceito racial. Eles agrediram o vigilante Januário Alves de Santana, em agosto de

2009, apontado como suspeito de roubar o próprio carro no estacionamento de uma das lojas, na cidade de Osasco (SP). O advogado Dojival Vieira, que atuou no caso, vê muitas semelhanças com o ocorrido nas Lojas Americanas e pede o acompanhamento do Ministério Público para evitar um desvio no foco das investigações. “Essas situações violam garantias constitucionais asseguradas, além do Código de Defesa do Consumidor, obviamente. Está evidente a violação da Lei 9455/97, que é a Lei da Tortura, considerada um crime hediondo, com penas que chegam a até oito anos de reclusão. Então, não se pode tratar um caso desses como algo menor, como, por exemplo, agressão ou lesão corporal dolosa.” A referida Lei caracteriza como tortura o ato de “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”. Entre as motivações, está o objetivo de “obter informação, declaração ou confissão da vítima” ou “em razão de discriminação racial ou religiosa”. Acusado de furto e sem direito à defesa, Márcio Antonio sofreu fraturas no nariz, ferimentos no olho, além de lesões nos lábios e no maxilar, conforme laudo do Instituto Médico Legal (IML). No mês de janeiro, um garoto de dez anos foi vítima de violência e maus tratos em uma loja do supermercado Extra, na cidade de São Paulo. O garoto era suspeito de furtar os biscoitos e doces que comprou. Além de receber ofensas raciais, foi ameaçado de agressão por um dos seguranças. Segundo depoimento do menor, outros dois adolescentes passaram pela mesma humilhação em uma salinha nos fundos da loja. (Radioagência NP)

Piada pronta Surpreendentemente a Agência Nacional de Energia Elétrica autorizou as concessionárias do setor a reajustar os preços acima do que elas haviam pedido – em algumas regiões em até 18,5% já no mês de maio. Sem questionar esse absurdo, a presidenta Dilma falou em negociar a redução de impostos com os governos estaduais. Estimulada pelos preços dos serviços públicos, a inflação come os salários dos trabalhadores, mas não o lucro das concessionárias. Doce ilusão O ex-governador Jaime Lerner, do Paraná, acaba de ser condenado a três anos e seis meses de detenção por ter concedido a exploração de pedágios em duas rodovias, no final do seu mandato, em 2002, sem o devido processo licitatório. Se a condenação fosse para valer mesmo e se a dispensa de licitação resultasse na condenação de autoridades públicas, as cadeias estariam lotadas de chefes dos três poderes da República. Usura garantida Os especuladores da dívida pública – uma seleta minoria rica de 25 mil pessoas – estão eufóricos: de um lado o Banco Central garante contínuos aumentos de juros, os mais altos do mundo; de outro os gestores públicos asseguram o recorde de superávit primário, de R$ 39,2 bilhões (4,2% do PIB) de janeiro a março – bem acima do previsto. O capital financeiro segue no melhor dos mundos, só com operações sem risco. Crise não existe! Renda desigual Dados do último censo do IBGE atestam que 60,7% dos domicílios brasileiros têm renda per capita de até 1 salário mínimo, mas 9,2% deles vivem com renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, o que dá R$ 136,25 por mês. Na outra ponta, apenas 5,1% dos domicílios registram renda de mais de 5 salários mínimos por pessoa. A chamada classe média (domicílios com renda per capita de 1 a 5 salários) não passa de 34,2% da população. Pura maquiagem A prática não é nova, mas tem sido generalizada com a conivência das autoridades do Estado de São Paulo: a manipulação de dados visa esconder a tipificação de determinados crimes e o aumento da violência. Está provado que a anunciada “queda” nos números de latrocínio e de roubos em 2011 não corresponde à realidade. A apregoada melhoria das condições de vida ainda não refletiu no nível da violência! Trator desumano Cinco defensores públicos do Rio de Janeiro decidiram se afastar do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública por discordância com a diretriz imposta pela Administração Superior ao referido núcleo. Em carta aberta, no dia 30 de abril, eles agradecem o apoio de inúmeras entidades e reafirmam a importância da Defensoria para “garantir o acesso à Justiça da população carente”. Está aí mais um estrago em nome da Copa do Mundo! Fascistização Interpelado pelo governo italiano sobre a prisão dos imigrantes em situação irregular, o Tribunal de Justiça da União Europeia aprovou orientação no sentido da deportação, por vontade própria ou coercitivamente. Prevê a prisão de imigrantes somente para garantir a expulsão, e não como punição pela ilegalidade. Como se vê, a globalização capitalista é cheia de sutilezas – principalmente para manter os excluídos longe do mundo privilegiado. Malabarismo Estudo do Instituto Geoc concluiu que, de janeiro a março, aumentou a inadimplência entre compradores de motos, que é o sonho de consumo dos segmentos de menor renda, especialmente na região Nordeste. A grande maioria (77%) empaca da 2ª a 5ª parcela do carnê, sob a alegação de perda do emprego (56%) e descontrole de gastos (14%). A sustentabilidade da “Nova Classe C” anda no fio da navalha.


cultura

de 5 a 11 de maio de 2011

Tem aldeia no hip

7

hop

RAP INDÍGENA Primeiros rappers Guarani Kaiowá lançam disco inspirado no ritmo afro-americano Divulgação

Cristiano Navarro de Dourados (MS) NA APRESENTAÇÃO de um trabalho de escola sobre meio ambiente, Bruno começou a rimar. No ano de 2005, o improviso com as palavras era apenas uma brincadeira que o aluno Guarani Kaiowá da escola Araporã, da terra indígena de Dourados, gostava de fazer com seus colegas no recreio. Hoje Bruno é o líder do Brô MC’s, primeiro grupo de rap indígena no Brasil a lançar um disco. E o que canta o Brô MC’s? Segundo eles mesmos, canta rap com compromisso. “A gente canta nossa realidade, porque a mentira não cola com a nossa cara”, afirma Bruno. Com mais de 11 mil pessoas vivendo em 3,5 mil hectares, a reserva indígena de Dourados está longe da imagem idílica de uma aldeia espaçosa de natureza exuberante e muito próxima da realidade das favelas das grandes cidades. Consumo de drogas, trabalho infantil e altos índices assassinatos estão presentes no cotidiano dos jovens do Brô. E no entorno de sua aldeia, a restrição do acesso aos seus territórios, o preconceito e o racismo da sociedade envolvente. “A gente tenta mostrar a verdade do que a acontece na aldeia, na nossa comunidade. O pessoal da aldeia quando vai para a cidade sofre muito preconceito, os lugares que fecham a porta na cara dos índios. Isso a gente coloca no rap. Na verdade o rap já um protesto” explica Clemerson, irmão de Bruno. Mas o caminho até o primeiro disco demo foi longo. Os irmãos Clemerson e Bruno iniciaram sua carreira artística descobertos durante as gravações do filme Terra vermelha, do diretor Marco Bechis, sobre a luta pela reconquista do território, quando compuseram a primeira letra “Saudação da Aldeia”. Mais tarde, em parceria com o grupo Fase Terminal, a música recebeu uma base e outro nome, “Yankee No”. “A música era um canto que o pajé do Panambizinho fazia nas gravações do filme. Daí, eu vi e modifiquei pra levada do rap”, conta Bruno.

A reserva indígena está longe da imagem idílica de uma aldeia e muito próxima da realidade das favelas das grandes cidades “Capaz em tudo”

Em seguida ao filme, uma oficina de hip hop organizada pela Central Única de Favelas (Cufa) aproximou outros dois irmãos, Kelvin e Charlie. Assim os quatro formaram o primeiro grupo de rap indígena brasileiro. Ao final da série de oficinas os rappers gravaram um disco demo em cima de bases de outras músicas. No início da gravação do CD os caciques passaram a criticá-los. “Diziam que esse não era o nosso futuro. Meu avô, que é cacique, veio me perguntar por que a gente gravou isso. Foi aí que eu peguei um CD e falei ‘senta aqui que eu vou mostrar pra você. Presta a atenção nas letras. O que tá falando é coisa da nossa realidade, da nossa cultura’. E depois eu mostrei para todas as lideranças da região e mostrei a música e a letra. Numa reunião onde estavam todas as lideranças eles falaram: ‘está certo é isso mesmo que acontece’”, relata Clemerson. “Os mais velhos entenderam e sabem que a gente tem que mostrar que o índio é capaz em tudo. E pode ser professor, agente de saúde, advogado ou cantor de rap. E que nosso povo não é só isso ou aquilo, a gente é o que pode fazer a diferença”, completa o irmão. Higor Lobo, do grupo Fase Terminal e membro do Cufa, que produziu o disco da banda, conta que a formação feita na aldeia não se dedicou apenas ao aprendizado das “técnicas” do rap, mas também à leitura crítica da realidade. Hoje, o produtor, que também é geógrafo e militante do movimento hip hop desde 1995, percebe “uma formação crítica consistente nas letras”.

Brô MC’s, primeiro grupo de rap indígena no Brasil a lançar um disco

Se no Brasil o Brô MC’s é um grande surpresa no meio do movimento hip hop, em outros países da América Latina, não. O antropólogo Spensy Pimentel, autor do Livro vermelho do HipHop, chama atenção para a penetração do movimento. “A internet tem nos permitido descobrir, pouco a pouco, o quanto o movimento hip hop espalhouse pela América Latina. Até onde eu descobri, há grupos de rap cantando em língua indígena em lugares como Bolívia (aymara) e Chile (mapuche). Independente da questão linguística, a identificação étnica/racial com a matriz indígena aparece em inúmeros contextos. Há muito rap em favor das comunidades zapatistas de Chiapas, por exemplo, não necessariamente feito por quem mora nas comunidades”. Além do ineditismo, Lobo destaca o fato de o grupo trabalhar contra os estereótipos negativos e preconceituosos. “O hip hop serve como ferramenta de acesso para as demandas deles e acesso para os não indígenas. A partir do Brô se cria outra perspectiva de protagonismo. São eles mesmos falando dos problemas deles, pra eles e pra os não índios”.

“Os mais velhos entenderam e sabem que a gente tem que mostrar que o índio é capaz em tudo. Pode ser professor, agente de saúde, advogado ou cantor de rap” Natural

Lobo esclarece que o interesse pelo hip hop surgiu espontaneamente e não é apenas dos quatro integrantes do Brô. “Do Divulgação

Multicultural

Misturando letras em guarani e português, o grupo também introduziu instrumentos da música de sua etnia. “As músicas surgem em conjunto, sentado na roda, trocando altas ideias. E a bases foram usadas de outros grupos, de que a gente só modificou usando os instrumentos da aldeia mbaraka, para a base ficar legal, para diferenciar e ter a nossa cara. Porque o grupo sai da aldeia e leva o conhecimento daqui para fora”, explica Bruno.

Bruno: “A gente canta nossa realidade, porque a mentira não cola com a nossa cara”

ano de 2000 ao ano de 2008 havia um programa de rádio muito popular chamado “Ritmos da batida”, do Naldo Rocha. Logo todo o pessoal começou a ouvir o som e procurar as roupas do rap”. Uma década depois, entre os jovens da aldeia, o movimento hip hop avança. O sucesso do Brô fez nascer uma série de grupos de break, grafite e novas bandas rap. “Tem grupos novos na aldeia e em outras também. Grupos de break e até um pessoal que tirou o desenho do papel para por na parede”, diz Bruno.

“Nossas letras falam muito das lideranças que morreram nas áreas de conflito” E o sucesso do Brô tem ultrapassado os limites do seu povo. “Agora a gente toca nas rádios, principalmente no programa Blackout, na rádio AM Tupinambá. Os pedidos vêm de fãs da cidade, especialmente das universidades locais”, comenta Clemerson, entusiasmado. Além da realidade urbanizada da aldeia de Dourados com a qual convivem os rappers, outro tema é importante para o grupo. “Nossas letras falam muito das lideranças que morreram nas áreas de conflito. Muitas vezes a gente recebe notícias, relatos e vídeos contando como foram esses conflitos. Como o vídeo que assistimos sobre o conflito em Paranhos e aí mostraram a expulsão das famílias que foram retiradas. Os pistoleiros chegaram atirando, contra os velhos, contra as crianças e xingavam os Guarani dizendo que eram porcos, que só queriam a terra para sujar. Isso para gente é tema pra música”. Além do MS

Fora do Mato Grosso do Sul, o Brô se apresentou em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, onde ganhou o respeito de artistas reconhecidos. “A gente tem parceiros que moram longe. Lá em São Paulo, a gente conheceu o Xis, que acolheu o grupo. Em Brasília, o Gog ajudou a gente para caramba. Foi bem bacana ouvir ele dizer: ‘segue em frente, que essa é a realidade que vocês têm que mostrar para o mundo e através disso mudar a vida de outras pessoas’”, lembra Bruno. Alguns destes parceiros citados pelo rapper devem aparecer no próximo disco do grupo. Além dos parceiros, o próximo disco deve ter produção e distribuição profissionais e 80% das faixas serão cantadas só em Guarani. Perguntados sobre influências, os nomes que surgem são Racionais MC’s, Gog, MV Bill, A Família, Dexter, Fase Terminal, no Brasil. Internacionais são Notorious B.I.G., Tupac Shakur, Eminem e até um artista mais pop como Chris Brown. Outros ritmos, não. “A gente é rap na veia”, brinca Clemerson. “Mas claro, tudo na levada do Guaxiré [dança típica]”, ressalta o irmão.

NO YANKEE (trecho) Fase Terminal e grupo Brô De Dourados para o mundo, Fase Terminal e grupo Bronw a fusão Che Rap arechuka pe’eme ke tanto ara há karai ome’e oiko onhondivepa (Nesse rap eu mostro pra vocês que o índio e outros povos podem viver juntos). Yankee no muthafuck, it’s my zone, ciclone extra tropical no teu fone, corrente ascendente, latina e raivosa, motim antiamericano, cano de esgoto jorra, vomitando em toda Gaya corrosiva Coca Cola, peti, pedi, cred, mac, MCDonald`s se insere, códigos de barra em série quem será que vai que sobrar? Three, two, one, contagem regressiva, isso não é um game tá valendo sua vida, se julga, liberta, esperta até que ponto?, não passa a primeira fase, Fase Terminal, confronto, pronto pra morrer por um pouco de respeito, ritmo é africano perifa world, o gueto, gangsta, latinos, thugs, talento além da prova, fuck, fuck, fuck, enlatados, pop, droga. Jaha javya, Jaha javya, oñondivepa, oñondivepa (4X) (Vamos ser felizes todo mundo junto) Estou aqui começando a rima che (eu), ha´e (eles/elas), ñande (nós), javya (alegres) e na hora da rima não vem que não tem ndaipori mavea (não tem pra ninguém), não tem pra ninguem, a nossa rima aqui é forte é da boa, japorahei (cantar), nunca à toa, essa rima guaraní kayua eu ofereço aos manos do Fase Terminal jaha ñande guera (vamos nós), todos em pé, que agora a rima é em guaxiré (dança típica). REFRÃO Jaha javya, Jaha javya, oñondivepa, oñondivepa (4X) (Vamos ser felizes todo mundo junto).


8

de 5 a 11 de maio de 2011

cultura

Tirar do barro o sustento ARTE João das Alagoas faz história no ceramismo brasileiro e tem discípulos, como Sil Charles Souto

Fotos: Reprodução

Charles Souto de Capela (AL) DE DOMINGO a domingo, das sete da manhã às sete da noite, João Carlos da Silva cria histórias. Sem palavras, sua narrativa é moldada com a mais antiga das matérias-primas: o barro. Mas ao contrário do Primeiro Ceramista, não há descanso no sétimo dia para este alagoano de Capela. Artista popular, João tira do barro sua arte e seu sustento. E não há tempo para o ócio criativo quando se tem de pagar contas e colocar comida na mesa. Aos 53 anos, casado e pai de três filhos, João modela o mundo que o cerca em bois-bumbás e cavalos marinhos de barro. Seu traço peculiar privilegia as curvas e os elementos do cotidiano nordestino. No lombo de seus bois e cavalos, crianças jogam futebol, pulam corda, rodam peões. Sorridentes, casais dançam guerreiro, tocam zabumba e se divertem em frente às coloridas casas de taipa dos pequenos vilarejos. Mas desse mesmo barro também brotam cortadores de cana descamisados e retirantes cabisbaixos, completando o complexo mosaico que compõem o dia a dia da região. “Quem vive da arte não pode fugir da realidade”, explica João. De Maravilha às Alagoas

Criança humilde, filho de pequenos comerciantes, era do barro que criava seus brinquedos: cavalos, bois, vaqueiros e cangaceiros. Na escola estadual Edite Machado, que frequentou até a 8ª série, veio o primeiro reconhecimento: a professora de história ficou impressionada ao flagrar no caderno do pequeno João bandeirantes, índios e jesuítas numa réplica perfeita aos quadros que ilustravam o descobrimento do Brasil. Mas a primeira fama veio nos campos de barro batido, onde o menino desfilava sua habilidade no futebol, recebendo dos colegas o apelido de João Maravilha, em homenagem ao atacante flamenguista imortalizado por Jorge Ben Jor. E foi como João Maravilha que assinou suas primeiras peças artísticas no início da década de 1980. Autodidata, suas únicas referências eram as obras de outros artistas populares que circulavam pelas feiras locais, principalmente as do Mestre Vitalino, além dos livretos sobre história da arte lançados pela editora Ediouro, que vez ou outra chegavam às bancas de Capela. De início, João vendia seus quadros e esculturas de barro apenas para tentar engordar o orçamento familiar. Mas em 1987, após perder o emprego no supermercado da cidade, decidiu que viveria exclusivamente da arte. Com suas obras a tiracolo, partia toda semana para a feira de artesanato de Maceió. Numa dessas investidas, um turista se encantou por seus quadros e decidiu leválos para uma mostra em Campinas, interior de São Paulo. “Mas Maravilha não combina com um artista popular do Nordeste”, disse o curador paulista, “melhor te chamar de João das Alagoas”. João não se opôs, para ele importava vender suas peças e garantir a feira do mês. Mas a mostra repercutiu, as portas se abriram para suas esculturas, encomendas começaram a surgir e ele resolveu adotar o novo nome. “Graças a Deus esse nome pegou, porque esse nome João das Alagoas me ajudou muito... Eu acho que se fosse outro nome não teria me ajudado tanto não”, conta o artista.

“Quem vive da arte não pode fugir da realidade”, explica João Guerreiros no céu

Hoje o nome de João das Alagoas é um dos mais conhecidos da arte ceramista brasileira. Seus bois-bumbás e cavalos-marinhos foram premiados por diversas ocasiões e podem ser vistos em galerias de Maceió, Recife, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre, além de serem expostas também no exterior, em museus na Argentina e México. “Gostaria de fazer grandes painéis de barro”, revela o artista ao ser perguntado sobre seus anseios atuais, “uma coisa meio surrealista, que juntasse o passado e o presente, bichos e árvores que não existem mais, sonho e realidade, guerreiros dançando no céu...” O olhar de João se perde por um momento enquanto parece esculpir em silêncio a futura criação. “Mas não tenho condições”, revela resignado enquanto aponta para o forno improvisado e caindo aos pedaços onde fabrica suas peças. Mesmo com todo o sucesso e reconhecimento obtido ao longo de 30 anos de carreira artística, João ainda se vê obrigado a superar a cada dia os desafios que se colocam entre a necessidade de subsistência e a inquietude da criação artística.

Maria Luciene da Silva Siqueira, a Sil, trabalha no ateliê em Capela

A única ajuda que recebe do poder público é o galpão que serve de ateliê, cedido pela prefeitura de Capela há 10 anos. Mas todos os custos com a manutenção do local, além da aquisição de lenha e barro, ficam a cargo do artista. Um gasto que chega a R$ 3 mil anuais. “Eu consigo tirar uns R$ 13 mil por ano com a venda das minhas obras, então faça o cálculo aí de quanto me sobra por mês”, expõe o ceramista. João explica que, ao desenvolver os traços característicos de seus bois e cavalos, criou uma identidade que o diferencia de outros artistas e faz com que suas obras sejam reconhecidas por si só. Mas essa identidade acaba, paradoxalmente, limitando sua criatividade, já que ao encomendar uma nova peça, seus clientes querem algo semelhante ao que já viram em uma galeria ou mostra de arte. “Muitos deles pedem pra eu copiar uma peça, fazer outra igual, e eu explico que não posso fazer isso, que não consigo repetir uma obra, fazer do mesmo jeito”, diz o ceramista, “mas como são eles que pagam, não posso inventar muito. Eles não iam aceitar se eu colocasse um cavalo sem cabeça, por exemplo”.

“Muitos clientes pedem pra eu copiar uma peça e eu explico que não posso fazer isso, que não consigo repetir uma obra, fazer do mesmo jeito” Dos canaviais às jaqueiras

“É que tem gente que não entende que artista cria, não copia”, intervém a jovem sentada a poucos metros de João das Alagoas. Trata-se de Maria Luciene da Silva Siqueira, mais conhecida como Sil, uma das discípulas de João e “a maior revelação de ceramistas nos últimos 15 anos”, de acordo com Roberto Rugiero, especialista em arte popular brasileira e marchand da renomada Galeria Brasiliana. Rugiero completa: “é uma artista de renovação criativa, uma coisa rara. Suas peças não se repetem. A cada ano ela está melhor”. Sil nasceu em Cajueiro (AL) no ano de 1979, mas ainda criança mudou-se com seus pais e 13 irmãos para a zona rural de Capela. Aos oitos anos começou a cortar cana e só parou aos 14, quando se casou. Aos 20 anos, sem nunca ter frequentado uma escola, com três filhos e o esposo desempregado, decidiu que precisava encontrar uma nova fonte de renda para a família. Foi então que, numa oficina organizada pelo Sebrae estadual, conheceu o ateliê de João das Alagoas e, deslumbrada com suas obras de barro, resolveu se dedicar de corpo e alma ao ceramismo. “Não foi nada fácil”, relembra Sil. Sem nenhum conhecimento artístico e tendo que conciliar os estudos com os afazeres domésticos, ela lembra que “não conseguia fazer nem uma bola. O João tinha muita paciência comigo e deixava eu levar o barro e as ferramentas pra casa. Demorei um mês para conseguir fazer minha primeira peça, um burrinho com um homem montado”. A primeira venda não tardou. “Foram sete retirantes que eu vendi de uma só vez a R$ 5 cada. Queriam me dar R$ 3, mas eu não aceitei. Tinha dado tanto trabalho fazer que eu preferia não vender por tão pouco. Mas no final acabaram aceitando meu preço. Com os R$ 35 comprei um botijão de gás e roupa nova pros meus filhos”, lembra Sil. Passados dez anos, Sil vende algumas de suas peças hoje em dia por R$ 3 mil. Jaqueiras e cajueiros ricos em detalhes

são a marca registrada de suas obras, que contam com forte presença feminina em diversos tipos de situações e trabalho. São lavadeiras, pescadoras, camponesas, cortadoras de cana, retirantes, mães amamentando seus filhos, crianças brincando de amarelinha, casais namorando embaixo de jaqueiras ou nas janelas das casas de taipa. “Tudo o que eu crio, eu vivi”, diz Sil. Com a venda de suas obras já conseguiu comprar sua casa própria e colocar todos os seus filhos na escola. Além de Sil, dividem atualmente o mesmo ateliê em Capela Leonilson Arcanjo, Maria “Nena” e Cláudio, todos discípulos do Mestre João, que nos últimos 15 anos já transmitiu seus conhecimentos a mais de 50 artistas locais e de outros estados. “Dou só as noções básicas de como lidar com o barro. São eles que criam sua própria identidade”, revela João das Alagoas. A construção do artista

Mas se os ceramistas populares têm em suas mãos a capacidade de criação e produção de obras de arte a partir do barro, em suas mãos, todavia, não estão a distribuição e comercialização dessas mesmas obras. Nesse momento entram em cena dois novos atores, o atravessador e o galerista. Os famosos bois de mestre João e as frondosas jaqueiras de Sil, que saem do ateliê em Capela ao preço de R$ 3 mil, chegam a ser vendidos nas galerias de arte ou lojas de decoração na Ponta Verde e Higienópolis, bairros de luxo de Maceió e São Paulo, por R$ 17 mil ou mais. “Os galeristas constroem os artistas”, afirma Maria Amélia Vieira, ao tratar da diferença abissal entre os preços cobrados pelos artistas e pelas galerias de arte. Dona da Galeria Karandash, localizada em Maceió, Maria Amélia desenvolve seu ponto de vista alegando que “a relação da galeria de arte com o artista popular é quase sempre justa. Não existe a consignação porque o artista vende seu trabalho. Imagino, talvez, uma obra do João das Alagoas tendo sido adquirida por R$ 3 mil e sendo comercializada por R$ 17 mil. O galerista tem gastos fenomenais para construir um artista”. Para ela, os verdadeiros “vilões” dessa história são os atravessadores, “pessoas que não têm espaços legalizados, exploram os artistas porque não estão interessados no crescimento nem na solidez de sua carreira. Só pensam nas vendas imediatas, no comércio”, denuncia Maria Amélia.

“Maravilha não combina com um artista popular do Nordeste, melhor te chamar de João das Alagoas” As encomendas dos galeristas e as compras dos atravessadores são a garantia de sobrevivência dos artistas, já que as feiras de arte popular, local ideal para a venda direta ao público, são raras e na maioria das vezes não proporcionam condições financeiras para aquisição de passagens e hospedagem. Some-se a isso o fato de muitos atravessadores, ao se aproximar uma nova feira, comprarem com antecedência as obras dos artistas, garantindo assim a exclusividade e o controle dos preços. Sem os recursos e a rede de contatos dos galeristas e atravessadores, João das Alagoas, Sil e os ceramistas capelenses não veem outra opção a não ser aceitar as condições impostas pelo mercado da arte. Afinal, eles bem sabem que a arte de viver da arte não é nada fácil.

O boi de João das Alagoas e outras obras de Sil


américa latina

de 5 a 11 de maio de 2011

9

À espera de Zelaya e da justiça Gabriel Cruz/OP Cancilleria

HONDURAS Com anulação dos julgamentos abertos contra Zelaya, presidente deposto de Honduras pode voltar ao país a qualquer momento Pílar Rodriguez de Tegucigalpa (Honduras) DEPOIS DE DECLARAR inadmissível a solicitação de nulidade dos julgamentos abertos contra Manuel Zelaya, a Suprema Corte de Justiça de Honduras finalmente anulou as ações, no dia 2 de maio, quase dois anos depois do golpe de Estado. Com isso, o presidente deposto, que se encontra em exílio na República Dominicana, pode voltar ao país a qualquer momento. O que impulsionou a mudança de decisão da Suprema Corte foi a reunião, em 9 de abril, entre Hugo Chávez, Porfírio Sosa e Juan Santos, em Cartagena das Índias, Colômbia. Na ocasião, ficou acordado que os presidentes da Venezuela e da Colômbia seriam mediadores de um processo de reconciliação, visando a volta de Honduras à ordem constitucional. No entanto, a volta à ordem constitucional tem significados diferentes para ambas as partes envolvidas. Juan Barahona, sub-coordenador da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), explica que a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte é essencial para uma reconciliação. “Nós temos colocado nossa posição através do presidente Chávez e do presidente Santos, frente a Porfírio Lobo Sosa, para que possamos chegar a um acordo que permita voltar a ordem constitucional. Isso deve se dar através de uma Assembleia Nacional Constituinte, respeito aos direitos humanos, regresso dos exilados e que se reconheça a Frente como uma organização política”, afirmou o dirigente à imprensa. Ao saber da decisão da Corte Suprema, Zelaya enviou comunicado à imprensa comemorando o resultado, mas ponderando sobre seu regresso ao país. “Não é o final da perseguição. Eles podem usar outros recursos para me capturar. Meu retorno será planificado na mediação de Cartagena das Índias”, afirmou o ex-presidente. Manuel Zelaya era acusado pelo Ministério Público Federal de desviar recursos públicos para a campanha da 4ª Urna, uma consulta popular que tinha como objetivo convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. A convocação dessa consulta foi justamente o argumento usado por Roberto Micheletti para justificar o golpe civil-militar executado contra Zelaya.

Ao saber da decisão da Corte Suprema, Zelaya enviou comunicado comemorando o resultado, mas ponderando sobre seu regresso Direita negocia com Chávez

Hugo Chávez, Juan Santos e Porfírio Sosa em reunião realizada em Cartagena das Índias, na Colômbia

do petróleo. O presidente Hugo Chávez cortou o envio do petróleo a Honduras depois do golpe. A situação econômica é agravada pela alta do preço deste insumo. Para uma população acostumada a pagar um combustível subsidiado pelo Petrocaribe, pagar as atuais 94,75 lempiras por galão – preço mais caro registrado no mercado hondurenho e equivalente a R$ 2,30 por litro – parece abusivo. O consequente aumento da cesta básica e da energia elétrica tem gerado protestos e insatisfação da população, contida pelo governo através da repressão.

Para Berta Cáceres, do Copinh, o regresso de Honduras à OEA significaria a impunidade do golpe do Estado Direitos humanos

Alguns dias depois da reunião de negociação em Cartagena das Índias, foi publicado um informe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a situação do continente. De acordo com a publicação, em Honduras “as violações dos direitos fundamentais aumentaram depois do golpe de Estado”. Na mesma semana do informe da CIDH, dois camponeses da região do Aguán aumentaram as estatísticas: foram encontrados mortos e decapitados. Desde o golpe, 37 trabalhadores rurais foram assassinados nessa região. Apesar da constante repressão, Porfírio Lobo Sosa pode estar prestes a alcançar seus objetivos. O Secretário de Relações Exteriores de Honduras, Mario Canahuati, afirmou que a anulação dos julgamentos contra Zelaya era a exigência de países como Venezuela e Colômbia para que Honduras regresse à OEA na próxima Assembleia Geral, que se realizará de 5 a 7 de junho, em El Salvador.

Já Porfírio Lobo Sosa busca incansavelmente o reconhecimento de seu governo na comunidade internacional, visando o retorno de Honduras à Organização dos Estados Americanos (OEA). Para isso, aceitou inclusive negociar com o mandatário venezuelano. Honduras foi expulsa da OEA, por unanimidade, após o golpe de Estado em julho de 2009. Com as eleições – consideradas inconstitucionais e ilegítimas pela resistência – que levaram Porfírio Lobo Sosa ao poder, vários países voltaram a manter relações diplomáticas com a nação centro-americana, inclusive os Estados Unidos. Os países que compõem a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) são os principais impedidores do regresso de Honduras à OEA. Segundo Juan Barahona, esta busca pelo reconhecimento internacional de Honduras é produto da situação econômica do país. “Em Honduras, não há dinheiro e eles esperam que, uma vez na OEA, possam ter acesso a desembolsos econômicos via empréstimos, doações, o que seja. Aqui há uma crise econômica muito forte, muito sentida. O governo está sem fundos”, afirmou.

Impunidade

Petróleo

Jun Barahona reforça a preocupação da resistência com o retorno de Honduras ao organismo internacional. “Aceitar Honduras na OEA sem haver chegado a nenhum acordo com os mediadores e sem dar sinal de vontade política de regressar à ordem constitucional seria legitimar os golpes de Estado em qualquer país, porque saberão os golpistas que não vai acontecer nada nestes organismos internacionais ou regionais”.

Lobo Sosa teve inclusive o respaldo de empresários hondurenhos para essa mediação com Chávez. Adolfo Facussé, presidente da Associação Nacional de Industriais (Andi) e filho de Miguel Facussé, um latifundiário considerado um dos “donos” do país, incentivou publicamente a ideia de que Honduras regresse ao Petrocaribe para conseguir condições vantajosas de financiamento

Angel Rama

Para Berta Cáceres, do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh), o regresso de Honduras à OEA significaria a impunidade do golpe do Estado. “Temos uma Corte Suprema que é golpista. Um Ministério Público que é golpista. Um Congresso que é golpista. Militares que executaram o golpe de Estado que são ministros. Ou seja, que mudança houve aqui pra considerar que Honduras seja incorporada novamente na OEA? Nenhuma. Ao contrário, tem-se agudizado as causas pelas quais deram o golpe de Estado. Aumentaram o plano de dominação, de repressão e de militarização. Agora precisamente estão anunciando outra base militar na Moskitia (região de selvas ao Norte do país), sobre um rio importante, estratégico, que é o rio Patuca”, denunciou Berta.

Os países que compõem a Unasul são os principais impedidores do regresso de Honduras à OEA

Coletiva de imprensa da FNRP com GIlberto Rios, Juan Barahona e Rafael Alegria

Mediação causou debate interno na FNRP de Tegucigalpa (Honduras) A reunião de Cartagena provocou um intenso debate interno na Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP). Além do fato de o presidente venezuelano Hugo Chávez ter aceitado negociar com o governo de Porfírio Lobo Sosa, tratando-o como presidente pela primeira vez, muitos viram com desconfiança a presença do colombiano Juan Manuel Santos na mediação, como foi o caso de Berta Cáceres. “Nos parece inaceitável que um assassino esteja na mediação. Como é possível que alguém que foi ministro de Álvaro Uribe, que impulsou a ‘segurança democrática’, os massacres,

a repressão, que é um violador de direitos humanos possa estar num processo de mediação que chamam de reconciliação e paz?”, questionou Cáceres. Outro questionamento é sobre o cumprimento dos acordos da Assembleia Mártires Camponeses de Aguan, ocorrida em 27 e 28 de fevereiro deste ano, que não preveem a negociação com o regime de Lobo Sosa. Entretanto, o documento entregue pela Frente a Chávez busca contemplar as reivindicações expressas nos acordos da Assembleia. Além disso, após uma reunião extraordinária da coordenação da FNRP, a organização ratificou publicamente seu respaldo à mediação e seu apoio e confiança no presidente Hugo Chavez. (PR)

Para governo, Honduras está aberta aos negócios Com os impactos da crise financeira e política, país tenta atrair investimentos externos de Tegucigalpa (Honduras) Também como saída à crise financeira que assola o país, o governo está impulsionando um processo de abertura econômica de Honduras. Um exemplo é o evento Honduras is Open for Business, (Honduras está aberta aos negócios) promovido por Canahuati, principal empresário da indústria de confecção no país, que pretende transformar, segundo sua publicidade oficial, Honduras no local mais atrativo para investimento na América Latina. O montante de investimento externo a ser arrecadado pelo encontro é previsto em 14 bilhões de dólares, o que corresponde praticamente ao total do PIB hondu-

renho de 2010. Serão apresentados pelo regime 170 projetos de infraestrutura, energia, turismo, agronegócio, entre outros.

“Este evento significa a venda de Honduras. O regime golpista está oferecendo nosso país às empresas transnacionais” No evento previsto para 5 de maio, será apresentada a nova legislação de “proteção” ao investimento privado. A Frente Nacional de Resistência Popular está organizando protestos contra a “venda de Honduras”. “Este evento significa a venda de Honduras. O regime golpista está oferecendo nosso país às empresas transnacionais” denunciou Cáceres. (PR)


10

de 5 a 11 de maio de 2011

internacional

O que a morte de Bin Laden esconde? Pete Souza/White House

ORIENTE MÉDIO Queima de arquivo, conjuntura interna no Paquistão e necessidade de se alavancar a popularidade de Barack Obama podem ser algumas das explicações Eduardo Sales de Lima da Redação BARACK OBAMA vibrou. A notícia é a de que o terrorista saudita Osama Bin Laden foi executado com um tiro na cabeça em uma operação realizada no dia 1º por 24 homens de um grupo de elite da Marinha estadunidense. Até o fechamento desta edição (no dia 3), a filmagem da operação, transmitida ao vivo na Casa Branca, ainda não havia sido veiculada. Esse e outros fatos colocam as circunstâncias da morte de Bin Laden atrás de uma cortina nebulosa. Para o clima ficar ainda mais incompreensível, o Pentágono anunciou que o corpo do terrorista foi lançado no mar da Arábia e se defende das críticas a tal ação argumentando que seu túmulo poderia se transformar num santuário do radicalismo. Surgem as dúvidas. Por que somente agora o encontraram? E toda a tecnologia à disposição dos agentes secretos estadunidenses? Por que eles não se valeram dos inimigos políticos paquistaneses da Al Qaeda? “Tudo indica que Bin Laden estava sendo monitorado e acompanhado há anos pelos Estados Unidos”, afirma o professor de geopolítica da Fundação Santo André, Marcelo Buzetto. Para sustentar sua posição, ele cita o livro Guerra e globalização, do escritor canadense Michel Chossudovsky, que aponta que, já em 2001, o dia a dia do saudita era observado pela inteligência estadunidense, visto que haviam surgido informações de que, na época, ele teria sido atendido num hospital paquistanês.

Por que somente agora o encontraram? E toda a tecnologia à disposição dos agentes secretos estadunidenses? Por que eles não se valeram dos inimigos políticos paquistaneses da Al Qaeda? Vulnerável

Bin Laden estava vulnerável, fácil de ser capturado. É o que defende Buzetto. Segundo ele, “setores da oposição ao governo do Paquistão já denunciavam há vários anos que o terrorista vivia no país e nunca houve nenhum movimento, até mesmo diplomático, dos Estados Unidos, para capturá-lo”, acrescenta. O professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Virgílio Arraes, também se embrenha na política paquistanesa para compreender o assassinato de Bin Laden, mas acredita que a localização do terrorista pode ter sido justamente atribuída a um “dissenso” criado dentro do governo. “Enfraquecido, o atual governo pode ter negociado com os Estados Unidos a entrega de Bin Laden em troca de maior apoio político e econômico, dado que não seria possível para o grupo dele [Bin Laden] residir próximo a uma academia militar incólume por muito tempo, a não ser que houvesse um acordo (oficioso, ao menos)”, conclui. Aliás, de acordo com o sociólogo José Farhat, por conta desse dissenso dentro do governo paquistanês e por este país se configurar como uma “democracia de fachada”, algumas instalações governamentais que apoiam os Estados Unidos e aliados tendem a sofrer uma escalada de ataques terroristas.

Na Casa Branca, Obama e membros do time de segurança nacional estadunidense acompanham a missão contra Bin Laden

que com o dinheiro e as armas dos Estados Unidos, e, de 1980 a 1988, foi aliado dos Estados Unidos. Foi morto [enforcado em 2006] após aquele julgamento apressado”, lembra. Mesmo com todas as dúvidas e rumores que rondam as ações e intenções de Barack Obama, grande parte da imprensa internacional celebra o acontecimento como a “vitória contra o terrorismo”. O presidente estadunidense comemorou ainda mais, dado o repentino aumento de alguns pontos percentuais de sua popularidade. “É a primeira vitória de Obama nas duas guerras, ainda que simbólica. Isso pode significar um ânimo maior na campanha eleitoral para a presidência [em 2012], mas não nos dois confrontos [Iraque e Afeganistão], já perdidos”, opina Virgílio Arraes.

“Enfraquecido, o atual governo paquistanês pode ter negociado com os Estados Unidos a entrega de Bin Laden em troca de maior apoio político e econômico” Ofensiva imperialista

Para a historiadora Arlene Clemesha, professora de história árabe da Universidade de São Paulo (USP), o anúncio da morte de Bin Laden poderia representar o início do fim de uma era de “guerra contra o terror”. De fato, poderia. “Deixa de existir o motivo para os Estados Unidos manterem sua presença no Afeganistão, no Iraque e no Paquistão; eles poderiam anunciar realmente o fim de uma era difícil para os árabes, para os islâmicos e para o mundo”, salienta Clemesha. Mas a vitória da “liberdade” e da “democracia” parece que ainda não foi alcançada com a morte de Bin Laden, de acordo com a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, que fez questão de lembrar que o assassinato do líder da Al Qaeda “não deve frear o combate ao terror”.

“O assassinato de Osama também pode significar nova ofensiva do imperialismo sobre o norte da África e o Oriente Médio”

Tribunal

Ainda sobre as circunstâncias do assassinato do saudita, por que os Estados Unidos perderam a grande oportunidade prendê-lo e, por meio de interrogatório, descobrir até onde os braços da Al Qaeda vão? “Não terem o cuidado de o prenderem e levá-lo a um julgamento, se fosse o caso, até a um tribunal internacional, só fortalece a tese de queima de arquivo. Ou seja, demos armas, dinheiro e apoio politico a ele, e depois perdemos o controle”, acredita Buzetto. O professor de geopolítica reforça que não é a primeira vez na história que os Estados Unidos neutralizam ex-aliados. Ele traça um paralelo com a história política do ex-presidente do Iraque. “Saddam Hussein iniciou a guerra Irã-Ira-

Declarações de mesmo tom de Hillary reforçam uma outra tese, a de Marcelo Buzetto. “O assassinato de Osama também pode significar nova ofensiva do imperialismo sobre o norte da África e o Oriente Médio”, afirma. Para ele, Obama quer se aproveitar da brecha de poder aberta a partir das revoltas no mundo árabe para impedir o crescimento da influência de figuras como Bin Laden. Mas, tal argumento, que destaca o assassinato do saudita como uma forma de barrar sua influência no mundo, não deve ser levado tão em conta, segundo Arlene Clemesha. Ela pondera que a chamada Primavera Árabe, pelo seu caráter democrático, já demonstrou a irrelevância do terrorista no mundo árabe-islâmico.

Monstro “made in USA” Rompido com EUA e “fracassado” em angariar apoio a suas causas, Bin Laden lançou mão do terrorismo da Redação “O Bin Laden é produto do terrorismo de Estado praticado pelos Estados Unidos ao longo da Guerra Fria e depois dela”. Isso é o que acredita o professor de geopolítica da Fundação Santo André, Marcelo Buzetto. Ele explica que, na vigência da disputa entre estadunidenses e soviéticos, o saudita, com o apoio da aliança Estados Unidos/Arábia Saudita, recrutou jovens estudantes no Paquistão e montou grupos guerrilheiros no Afeganistão para enfrentar tropas soviéticas ali posicionadas entre as décadas de 1970 e 1980. No restante do mundo árabe, as tropas lideradas por Bin Laden funcionaram como “barreiras” contra o nacionalismo laico em ascensão, sobretudo no norte da África. Segundo Buzetto, o líder da Al Qaeda é mais um daqueles personagens criados e apoiados pelos Estados Unidos que, num determinado momento, fogem de seu controle. Dessa forma, o terrorista construiu em torno de si um aparato militar e financeiro que por muito tempo lhe deu sustentação, sobretudo no Afeganistão, no Paquistão e em partes da África. A Líbia é um exemplo. De acordo com Buzetto, desde o início dos anos 1990 houve grupos ligados à Al Qaeda que tentaram derrubar o governo de Muamar Kadafi. “E, agora, eles estão no comando da resistência em Benghazi [cidade líbia]”, informa.

No restante do mundo árabe, as tropas lideradas por Bin Laden funcionaram como “barreiras” contra o nacionalismo laico em ascensão, sobretudo no norte da África Loucura

Com o fim da Guerra Fria, Bin Laden se afasta dos Estados Unidos e tenta aprofundar o conceito de Jihad, definindo-o em um nível macro-geopolítico, como pondera o jornalista palestino-estadunidense, Ramzy Baroud. “Ele expande a natureza da resposta, ao alvejar tanto civis como militares, uma doutrina que não é aceita por muitos intelectuais muçulmanos, que afirmam que o islamismo já havia definido os li-

mites da guerra, excluindo os civis”, explica (leia a entrevista com Baroud na página seguinte). A historiadora Arlene Clemesha, professora de história árabe da Universidade de São Paulo (USP), lembra que Bin Laden viajou no final da década de 1980 e início de 1990 pelos países árabes, como Argélia, Egito e Sudão, para angariar um maior apoio a sua causa, mas fracassou. “Daí ter lançado mão de toda a sua rede terrorista e clandestina. De certa forma, ele já era uma figura fracassada dentro do mundo árabe”, explica.

Para Marcelo Buzetto, Bin Laden sempre representou uma oposição minoritária, burguesa, conservadora, reacionária, antipopular e antidemocrática no interior do movimento da resistência árabe-islâmica Dessa maneira, a Jihad [a batalha contra as potências ocidentais] concebida pelo líder da Al Qaeda não vingou. “Bin Laden lançou seus primeiros atentados a embaixadas estadunidenses na Tanzânia e no Quênia, em 1998, depois de constatar o fracasso de tentar recrutar os árabes para a sua causa”, destaca Clemesha. Ao todo, foram 224 mortes. Minoria

Para Marcelo Buzetto, Bin Laden sempre representou uma oposição minoritária, burguesa, conservadora, reacionária, antipopular e antidemocrática no interior do movimento da resistência árabe-islâmica. “A maior parte dos árabes sempre viu Bin Laden como uma ameaça, desde sempre”, defende. “A maioria das organizações políticas do mundo árabe-islâmico não tem vínculo algum com ele, e sempre criticou suas ações. Todos os 12 partidos da OLP [Organização para a Libertação da Palestina], por exemplo, consideram-no um inimigo. O Hizbollah [movimento islâmico libanês] nunca teve relações com Bin Laden”, salienta. De acordo com ele, até o momento, a superficialidade da projeção que a mídia internacional faz de Bin Laden o aproxima de um suposto terrorismo de natureza islâmica. “E isso não é verdade”, defende. (ESL)


internacional

de 5 a 11 de maio de 2011

11

“A doutrina de Bin Laden não se dissipará” ENTREVISTA Na opinião do jornalista palestino-estadunidense Ramzy Baroud, o líder da Al Qaeda “existia enquanto uma ideia” Reprodução

Igor Ojeda da Redação OSAMA BIN LADEN pode ter morrido. Mas a doutrina que ele consolidou e que angariou muitos seguidores, não, opina o jornalista Ramzy Baroud, em entrevista por correio eletrônico ao Brasil de Fato. “A ideia era baseada no princípio de que os estadunidenses deveriam ser enfrentados coletivamente, por todos os muçulmanos, em qualquer lugar. Ele introduziu o conceito de Jihad e o definiu em um nível macrogeopolítico. Expandiu a natureza da resposta, ao alvejar tanto civis como militares, uma doutrina que não é aceita por muitos intelectuais muçulmanos, que afirmam que o islamismo já havia definido os limites da guerra, que excluíam os civis”, explica. Para Baroud, Bin Laden era, sim, um terrorista, mas que representava o sentimento de raiva e frustração de milhões de pessoas com, especialmente, a ingerência das potências ocidentais em territórios muçulmanos. “Esta é a questão real que os EUA se recusam a tomar conhecimento: o que fez Bin Laden se tornar o que foi, e o que o permitiu obter muito apoio e seguidores”, questiona o jornalista. Leia, a seguir, a entrevista: Brasil de Fato – Qual sua avaliação geral sobre a operação estadunidense que supostamente matou Osama Bin Laden? Ramzy Baroud – Obviamente, há muitos aspectos a se considerar a respeito dessa operação. É uma versão contada por um lado que tem muito interesse em garantir que a história seja construída de forma que satisfaça considerações políticas e de segurança. Nada disso pode ser confirmado por um lado realmente independente. Portanto, só nos resta adivinhar, imaginar e usar o raciocínio dedutivo para entender, sem sucesso. Mas há outro aspecto da história que eu acho que está sendo negligenciado devido à pressa do voluntarismo militar em assassinar pessoas e jogar seus corpos ao mar. Um âncora do National Public Radio (NPR) dos EUA disse que, para entendermos o que aconteceu no Paquistão, precisamos voltar à data original: 11 de setembro de 2001. Acredito que esse é o entendimento equivocado que leva a toda confusão: o reducionismo que insiste que a história do Bin Laden começa naquela manhã sangrenta em Nova York, há quase dez anos. Muçulmanos, árabes e muitos outros rechaçam essa narrativa, e insistem que a história pode, e deve, estar localizada em um maior e menos egocêntrico contexto, ou contextos: para os palestinos, é 1948 e 1967, as guerras e invasões israelenses que levaram ao ódio contra os outros aliados dos EUA e Israel. Poderia ser 1991, a guerra dos EUA contra o Iraque, e mais de uma década de sanções que mataram e prejudicaram milhões. Poderiam ser muitas outras datas e localidades.

“Osama Bin Laden foi um produto de uma cultura que não gostava da ocupação estrangeira e se recusava a coexistir com homens armados e uniformizados” Mas a arrogância militar não conhece limites. O mundo foi reduzido em termos físicos e de relevância. O poderoso decide o que é importante e o que é negligenciável. Osama Bin Laden foi um produto de uma cultura que não gostava da ocupação estrangeira e se recusava a coexistir com homens armados e uniformizados. É a mesma cultura que produziu todas essas revoluções no mundo árabe. É uma cultura que rechaça a injustiça e luta contra a opressão. Mas Bin Laden foi tirado do contexto e posicionado no seu próprio; ele e outros terroristas da Al Qaeda se tornaram o começo e o fim da história. Isso é uma rejeição grosseira de discursos racionais históricos. Sim, Bin Laden era um terrorista, e dos bons. Mas ele simplesmente representava uma manifestação violenta e extrema de um sentimento genuíno de raiva e profunda frustração sentido por muitos milhões ao redor do mundo. Apesar de muitos muçulmanos rejeitarem os métodos de Bin Laden, eles abertamente ou secretamente se solidarizavam com suas reclamações; todas, seja a ocupação estrangeira de territórios muçulmanos, autoridades corruptas e assim por diante. Quando ele falava, sua audiência balan-

Estadunidenses celebram a morte de Bin Laden diante do One World Trade Center, também conhecido como Torre da Liberdade

çava a cabeça em concordância, embora sempre desejasse um método diferente de travar a guerra. Esta é a questão real que os EUA se recusam a tomar conhecimento: o que fez Bin Laden se tornar o que foi, e o que o permitiu obter muito apoio e seguidores.

“Bin Laden e outros terroristas da Al Qaeda se tornaram o começo e o fim da história. Isso é uma rejeição grosseira de discursos racionais históricos” Bin Laden foi um produto da história do conflito no qual os EUA e outros países ocidentais – e seus maiores aliados – foram os principais atores. Sua crueldade é um reflexo da crueldade maior que definia toda a região. Mas, novamente, existem aqueles que querem dar ênfase a certa violência, certo terrorismo e ao alvejamento de alguns civis, e excluir uma violência maior, um terrorismo maior e o assassinato de muito mais civis. Quais serão as consequências de sua morte? Ainda é muito cedo para decidir se a morte de Bin Laden é o fim de uma era. Mas, mesmo que seja esse o caso, certamente não é o fim de um conflito. Em um nível operacional, Bin Laden foi removido e membros mais jovens da Al Qaeda supostamente assumiram o comando. Ele existia enquanto uma ideia. Mesmo matando-o e supostamente “enterrando-o no mar”, o que quer que seja que isso signifique, a ideia permanecerá. Bin Laden introduziu uma nova doutrina no conflito contra os EUA e seus interesses no Oriente Médio e na África do Norte. A ideia era baseada no princípio de que os estadunidenses deveriam ser enfrentados coletivamente, por todos os muçulmanos, em qualquer lugar. Ele introduziu o conceito de Jihad e o definiu em um nível macrogeopolítico. Ele expandiu a natureza da resposta, ao alvejar tanto civis como militares, uma doutrina que não é aceita por muitos intelectuais muçulmanos, que afirmam que o islamismo já havia definido os limites da guerra, que excluíam os civis. Duvido que a influência da doutrina de Bin Laden se dissipará com sua morte. Poderão haver novas interpretações, baseadas em novas realidades políticas (por exemplo, as revoluções árabes), mas a essência de sua luta provavelmente continuará.

Em 2009, o republicano Murice Hinchey disse que o governo George W. Bush “intencionalmente deixou Bin Laden fugir” para justificar a guerra do Iraque. O que você pensa a respeito disso? Bin Laden foi um pretexto não apenas para a invasão do Iraque, mas também para a chamada “guerra ao terrorismo”? Bin Laden serviu a um propósito que não pode ser negado. Sua existência e a aura política em torno dele – amplamente multiplicada pela mídia e os poucos jornalistas que queriam fazer nome por simplesmente o terem entrevistado no passado – foi uma forma brilhante de amealhar apoio para novas guerras, aventuras militares, gastos militares e assim por diante. Tudo que se precisava era que Bin Laden fizesse uma breve aparição e pronunciasse algumas palavras, o suficiente para fazer o patriotismo estadunidense – e o “nível de ameaça” – chegar ao nível desejado. Os comentários de Hinchey são compreensíveis nesse contexto. A história de Bin Laden foi o auge dos teóricos da conspiração, maravilhados com a conveniente relação entre os discursos irrelevantes de Bin Laden e as escaladas militares e políticas dos EUA.

“Poderão haver novas interpretações, baseadas em novas realidades políticas (por exemplo, as revoluções árabes), mas a essência de sua luta provavelmente continuará”

tes para sua política externa são amplamente guiadas por patriotismo e uma impregnante necessidade de vingança. Tanto a guerra do Afeganistão quanto a do Iraque foram fortemente vendidas à opinião pública por causa do crescimento do senso de patriotismo.

“A Al Qaeda pode não ser um ator importante no novo Oriente Médio. É interessante que Bin Laden foi supostamente morto neste momento em particular” A política externa foi amplamente moldada em torno dos parâmetros da segurança nacional e do terrorismo. Tais noções serviram muito bem a George W. Bush. Obama, no entanto, era visto como um comandante-emchefe relutante. Sua popularidade caiu porque ele nunca teve a personalidade de guerreiro que foi criada para Bush, e tampouco teve sucesso em melhorar a vida dos estadunidenses batalhadores que enfrentam o peso de uma terrível situação econômica. A declaração de que Bin Laden foi morto do modo que foi, seguida de uma mentalidade coletiva de “pegamos ele” e manchetes como “Bin Laden é assassinado - as nações celebram”, tudo isso servirá muito bem a Obama em sua tentativa de reeleição. Ele fracassou em trazer a paz, portanto, ele também poderia muito bem cultivar os frutos da guerra. Reprodução

Quais você acha que serão os próximos passos na chamada “guerra ao terrorismo” e na guerra conhecida como AfPak (Afeganistão e Paquistão)? Acredito que as revoluções árabes estão impondo uma nova realidade no Oriente Médio. A política externa estadunidense está sendo involuntariamente forçada a se adaptar. A Al Qaeda está se tornando muito menos importante. Acho que os Estados Unidos entendem que a nova era representa novos conjuntos de desafios, nova linguagem, novo conjunto de inimigos e amigos. A Al Qaeda pode não ser um ator importante no novo Oriente Médio. É interessante que Bin Laden foi supostamente morto neste momento em particular. O quanto você acha que a morte de Bin Laden irá “melhorar” a situação interna de Barack Obama? Desde 11 de setembro de 2011, as políticas internas dos EUA que são relevan-

QUEM É O jornalista palestino-estadunidense Ramzy Baroud é escritor e ex-produtor do canal de televisão Al-Jazeera. Foi professor de comunicação na Curtin University of Technology, na Austrália e, atualmente, é editor-chefe da publicação The Palestine Chronicle.


12

de 5 a 11 de maio de 2011

internacional Reprodução

Enfim, a união PALESTINA Acordo entre Hamas e Fatah, rompidos desde 2006, anima a luta por um Estado palestino Dafne Melo de La Matanza (Argentina) APÓS CINCO ANOS de intensificação da rivalidade, dois dos partidos mais importantes da Palestina – Hamas e Fatah – fecharam oficialmente um acordo, em 2 de maio, e deram um importante passo rumo à construção da unidade na luta pela construção do Estado palestino. Na verdade, o espaço de negociação entre os dois grupos existe há quatro anos, mas somente agora houve definições significativas. Entre elas, a formação de um governo único e compartilhado e a convocação de eleições parlamentares e presidenciais no prazo de um ano. Além de Hamas e Fatah – que governam a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, respectivamente – mais 11 organizações assinaram o acordo, entre elas, Jihad Islâmica, Frente Popular pela Libertação da Palestina, Frente Democrática pela Libertação da Palestina e Partido do Povo Palestino.

“O obstáculo [para um acordo] sempre foi a conjuntura política. Agora, há muitas coisas mudando que pressionam ambos lados a um acordo” Uma cerimônia oficial seria realizada em 4 de maio (após o fechamento desta edição, no dia 3), com a presença do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP) Mahmoud Abbas, do Fatah, e o líder do Hamas Khalid Mash’al. “O obstáculo [para um acordo] sempre foi a conjuntura política. Agora, há muitas coisas mudando que pressionam ambos lados a um acordo”, afirma Fuad Kokali, do Fatah, que emenda: “Para o Fatah é bom, é o que necessitamos, e, para o Hamas, não há outras alternativas”.

Israel encurralado

A reação do sionismo ao acordo foi imediata e, como esperado, contrária. Para o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, “o acordo entre Hamas, que chama a destruir o Estado de Israel, e o Fatah, somente pode causar preocupação aos israelenses e a todos aqueles que, em todo o mundo, aspiram a que se chegue à paz entre nós e os vizinhos palestinos”. O jornal israelense Haaretz noticiou que o primeiro-ministro deverá se reunir nos próximos dias com equipes dos Estados Unidos e Europa para que pressionem a ANP. O ministro da Economia de Israel, Yuval Steinitz, ameaçou não fazer as transferências de dinheiro à ANP, referente a impostos cobrados em regiões de fronteira. Para Ibrahim e Connie Hackbarth, do Centro Alternativo de Informação (AIC, sigla em inglês; organização que atua na Palestina), o fracasso das negociações com Israel, sempre em posição intransigente, é um dos fatores que ajuda a impulsionar o acordo. “Nenhuma das promessas políticas de Annapolis [processo de negociação iniciado entre Israel e ANP-Fatah, em 2007, logo após o triunfo do Hamas nas eleições de 2006] foram cumpridas, enquanto Israel continua seu processo de expansão de colônias em toda a Cisjordânia”, escreveram em artigo. A pá de cal desse processo se deu em fevereiro deste ano, quando o governo estadunidense – que participava das negociações – vetou, no Conselho de Segurança da ONU, uma resolução que condenava a ocupação israelense na Cisjordânia. Cada vez mais sem possibilidade de negociar, o Fatah, hegemônico na ANP, passou a almejar um acordo interno.

Conjuntura

A reação dos EUA ao pacto foi afirmar que “qualquer governo palestino deve aceitar os princípios do Quarteto [EUA, ONU, União Europeia e Rússia] e agir de acordo com acordos já firmados”. Para Fuad Kokali, “eles [israelenses] devem entender que esse acordo é de nosso interesse, como palestinos. Eles não podem interferir em nossa política interna”.

O fracasso das negociações com Israel é um dos fatores que impulsionaram o acordo

O integrante do Fatah ainda avalia que o acordo põe por terra um dos argumentos de Israel para não reconhecer o Estado palestino. “Eles dizem que nós não estamos prontos para ter um Estado, pois não teríamos unidade. Israel entra, agora, em um beco sem saída. O acordo, além de tudo, nos coloca em uma posição menos vitimizada, e retomamos a posição de um povo que luta por sua autodeterminação”. Luta essa que, devido aos últimos acontecimentos no mundo árabe, ganham nova força. Para Nassar Ibrahim e Connie Hackbarth, a revolução democrática no Egito (país onde ocorrem as reuniões entre Fatah e Hamas) serviu de catalisador para um acordo entre as duas forças. “O Fatah entendeu que o equilíbrio de poder no Oriente Médio está mudando, e o Egito que saiu da sombra de Mubarak está reivindicando seu papel histórico como líder do mundo árabe. Não é à toa que o Egito promoveu a reconciliação entre Fatah e Hamas”. Para os analistas, uma demonstração de que o Egito deverá jogar outro peso é a decisão de abrir a fronteira que possui com a Faixa de Gaza, além de reavaliar o preço de venda de seu gás natural a Israel.

de. Esse acordo pode ajudar a promover os direitos dos palestinos e, ao mesmo tempo, reforçar a resistência e a liberação nacional?”, perguntam Nassar e Hackbarth. O Fatah é um partido de origem nacionalista e secular, enquanto o Hamas possui orientação islâmica. Eles romperam em janeiro de 2006, logo após as eleições parlamentares que deram ao primeiro 76 dos 132 assentos no Parlamento, enquanto o segundo conseguiu 43. A vitória do Hamas, considerada uma organização terrorista por Israel, EUA e União Europeia, não foi reconhecida pelas potência ocidentais.

O jornal israelense Haaretz noticiou que o primeiro-ministro deverá se reunir nos próximos dias com equipes dos Estados Unidos e Europa para que pressionem a ANP

Desafios

Acordo selado, resta saber se, na prática, irá funcionar. Analistas acreditam que, para além das eleições, é necessário que as duas forças continuem mantendo a participação de outros movimentos e partidos e caminhem rumo à criação de um Estado palestino. “Se o acordo se tornar uma espécie de ‘compromisso de papel’ que mantém o teto baixo hoje existente no processo de negociação [com Israel], então, a crise política interna retornará, cedo ou tar-

Latuff

Aurora de uma nova realidade para a Palestina OPINIÃO Talvez o maior fato isolado que contribuiu para o acordo seja o fim da paciência do Fatah com as débeis políticas estadunidenses em relação à questão palestina-israelense Iqbal Jassat Enfim, unidade entre Hamas e Fatah! Chocante, diz Israel. Inaceitável, declaram os Estados Unidos. “A Autoridade Nacional Palestina [ANP] deve escolher entre a paz com Israel e a paz com o Hamas. Não existe a possibilidade de paz com ambos”, disse, na televisão, o líder direitista israelense Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro do país, em um humor particularmente sombrio. A gestão Obama reteve sua abordagem “de costas para o muro” ao declarar que o Hamas era “uma organização terrorista” e que qualquer governo palestino teria que “renunciar à violência”, respeitar os “acordos de paz” anteriores e reconhecer o “direito de existir” de Israel. Enquanto os palestinos celebram as notícias do acordo selado entre o Hamas e o Fatah, relatos vindos de Israel sugerem que o regime de Netanyahu está extremamente irado e consternado com o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, por este ousar desafiar Israel. As longas e secretas negociações entre as facções foram abrigadas no Cairo pelo governo interino egípcio pós-Mubarak e incluíram grupos palestinos independentes e atores egípcios importan-

Iniciou-se, então, um conflito armado entre os dois partidos. O Fatah expulsou o Hamas do Congresso, tomando seus assentos. Já o Hamas fixou-se na Faixa de Gaza e expulsou os integrantes do grupo rival da região. Desde então, os palestinos possuíam dois governos: um na Cisjordânia e outro na Faixa de Gaza. As eleições deveriam ter sido feitas no ano passado, mas a ANP, muito criticada pelo atraso, postergava o processo eleitoral afirmando que de nada valiam as eleições se não houvesse um acordo entre as duas principais forças. (Com informações do Alternative Information Center e Ma’an News)

tes. Detalhes divulgados em uma coletiva de imprensa no dia 27 de abril revelaram que os dois grupos haviam alcançado um entendimento para a formação de um governo unitário de transição e a realização de futuras eleições. Fim da paciência

Uma delegação do Hamas liderada por Mousa Abu Marzouk e uma do Fatah comandada por Azzam al-Ahmed anunciaram o acordo, que surpreendeu muitas pessoas. Com todo o Oriente Médio e o norte da África passando por mudanças, coube aos líderes palestinos responderem a seus próprios desafios internos.

Revelações chocantes contidas em uma recente entrevista de Dan Ephron com Abbas apontam para o extremo descontentamento do líder palestino com o governo Obama Além dessa atmosfera de revoluções que varre o mundo árabe e que inspirou ambos os grupos a se adaptarem, talvez o maior fato isolado que contribuiu para o acordo seja o fim da paciência do Fatah com as débeis políticas estadunidenses em relação à questão palestinaisraelense. Revelações chocantes contidas em uma recente entrevista de Dan Ephron com Abbas para a edição da revista estadunidense Newsweek apontaram para o extremo descontentamento do líder palestino com o governo Obama: “Foi Obama que sugeriu um congelamento total dos assentamentos [israelenses

em territórios palestinos]”, explicou Abbas. “Eu disse que tudo bem, que aceitava. Nós dois subimos na árvore. Depois, ele desceu pela escada, a removeu e disse: ‘pule’. Ele fez isso três vezes”. Abbas também criticou os esforços de mediação do enviado especial de Obama, George Mitchell, que transita entre israelenses e palestinos por mais de dois anos. “Em todas as visitas de Mitchell, nós falamos com ele e o demos algumas ideias. No fim das contas, descobrimos que ele não leva nenhuma dessas ideias aos israelenses. O que isso significa?” Chantagens

Outro exemplo citado na entrevista de Ephron com o líder do Fatah dá conta das ameaças de Obama e da secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton de bloquear a ajuda de 475 milhões de dólares à ANP se Abbas não retirasse sua proposta de resolução no Conselho de Segurança da ONU que exige que Israel cesse imediata e completamente todas suas atividades relacionadas aos assentamentos. Ephron conta que, durante 55 minutos ao telefone, Obama, primeiro, argumentou e, depois, pressionou Abbas a retirar a resolução. Em seguida, o presidente estadunidense polidamente relatou o que Abbas descreve como uma “lista de sanções” que os palestinos en-

frentariam se a votação fosse adiante. Depois de informar Obama de que ele não retiraria a proposta, a própria Clinton continuou por 30 minutos a tentativa de persuasão. Mais pressão. Autoridades “menores” telefonaram diversas vezes a influentes palestinos em Ramallah e pediram a eles que usassem sua influência sobre o líder da ANP. A entrevista realizada por Ephron nos fornece muitas pistas sobre as razões de Abbas para aceitar algumas das demandas-chave do Hamas para a reconciliação e a construção de uma nova unidade com vistas a obter avanços na busca palestina por liberdade e justiça. Está claro que nem Israel nem o governo Obama tolerarão a ascendência do Hamas, dados seus enormes esforços em destruir e aniquilar o ainda vivo comprometimento do movimento islâmico de libertar a Palestina. Enquanto a esperança de mudança na matriz das política de Israel/Palestina é inevitável, falta ver se Abbas e seu Fatah terá capacidade de sustentar esse acordo face à pressão externa e um arsenal de táticas sujas, incluindo a chantagem. (The Palestine Chronicle) Iqbal Jassat é o diretor da organização sul-africana Media Review Network. Tradução: Igor Ojeda


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.