EGUNDOESCHERPÁG.8CULTURAAREALIDADESEGUNDOESCHERPÁG.8CULTURAAREALIDADE
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Circulação Nacional Ano 9 • Número 429
R$ 2,80
São Paulo, de 19 a 25 de maio de 2011
www.brasildefato.com.br Pete Souza/White House
Israel
Guerra contra as pedras palestinas Tanques, bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes, balas de metal emborrachado e munição de verdade. Tamanho arsenal foi utilizado pelo exército israelense para reprimir e matar militantes e refugiados palestinos que lembravam, em 15 de maio, a Nakba – “catástrofe” uma referência à criação do Estado de Israel –, relata a jornalista Baby Siqueira Abrão, direto da Palestina para o Brasil de Fato. Contra a repressão, crianças e adolescentes se defendiam atirando pedras. Págs. 10 e 11
ISSN 1978-5134
Fiscalização do trabalho perde fôlego
Pág. 4
Peru, um país entre dois modelos
Pág. 9
Alipio Freire
Altamiro Borges
Júlio Delmanto
Luta antimanicomial
MST no governo é crime?
Marcharemos
Dezoito de maio é o Dia Nacional de Luta Antimanicomial. A grande mídia comercial preparou suas baterias e partiu para o bombardeio em busca da privatização dos serviços de saúde mental. Pág. 3
Os latifundiários da mídia ficaram irritados com o gesto democrático do governador baiano de nomear uma dirigente do MST para a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Pág. 3
Defender a proibição das drogas é fazer apologia à violência. É sobre isso que nós, antiproibicionistas, debatemos, e é sobre isso que gostaríamos de conversar com a sociedade brasileira. Pág. 3
EGUNDOESCHERPÁG.8CULTURAAREALIDADESEGUNDOESCHERPÁG.8CULTURAAREALIDADE
2
de 19 a 25 de maio de 2011
editorial
A batalha do Código Florestal NA SEMANA PASSADA houve uma verdadeira batalha econômica, política e ideológica, travada entre diferentes interesses das classes sociais brasileiras, tendo como palco a Câmara dos Deputados. O objetivo: quem pode se apropriar dos bens da natureza de nosso território. Qual é a situação atual? Há uma legislação em vigor, o Código Florestal brasileiro, que determina a manutenção de áreas de reservas (intocadas) de 80% de cada estabelecimento na Amazônia, e 35% no bioma do cerrado. E há as condicionantes de que nas beiras dos rios, riachos e no topo dos morros e montanhas é preciso preservar e recuperar, como forma de proteger nossa água potável. Os capitalistas sempre agrediram a natureza, burlando a lei para buscar o lucro máximo, retirando a madeira, fazendo carvão, e colocando seus bois e a soja. Muitos deles foram apanhados pelo Ibama em seus crimes ambientais e as multas somam mais de R$ 8 bilhões. Só 1% foi pago. E claro, há muitos pequenos agricultores nas regiões Sudeste e Sul, que por falta de consciência, desconhecimento ou oportunismo, também desmataram até a beira dos rios e no topo das montanhas nos
opinião
Teremos ainda uma longa luta para que os bens da natureza tenham uma função social para todos os seres vivos desse território, e não apenas lucro para meia dúzia de oportunistas
últimos 100 anos. Mas não são muitos; segundo levantamento governamental apenas 8% dos pequenos agricultores. Com o avanço dos interesses do capital financeiro e das grandes empresas transnacionais do agronegócio sobre nossa agricultura, o Código Florestal representa uma barreira para expansão de sua sanha lucrativa. Por isso precisam derrubar os limites do código, para colocar o cerrado e amazônia à mercê da soja, do boi etc. Por outro lado, os fazendeiros inadimplentes com as multas, entre eles 27 deputados federais da direita, entrarão no Serasa a partir de 11 de junho e não poderão acessar mais recursos públicos ou de crédito. Ascendeu a luz amarela. Gastaram milhões para eleger sua bancada ruralista. Fizeram acordos posteriores e ofereceram seus votos para eleger o presidente da Câmara. Apostaram no apoio da Rede Globo e outros grandes jornais. Todo o circo montado para que o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que atendia seus interesses, tivesse votação célere, e a sociedade não se atentasse aos interesses que estão em jogo. O governo encomendou uma pesquisa e percebeu que 95% da popula-
ção brasileira é contra qualquer mudança que implique em desmatamento de nossa natureza. E a partir daí, começou a mexer-se. Apresentou uma emenda alternativa ao relatório de Aldo Rebelo, e mesmo assim, dois deputados falsificaram a proposta ao levá-la ao plenário. Tudo isso gerou indignação, e a maior parte da bancada do PT, PSOL
crônica
Maria Luisa Mendonça e Ana Saggioro Garcia
As contradições do império Gama
AS REVOLTAS POPULARES no mundo árabe repercutiram diretamente nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que ocorriam os protestos no Egito, crescia o apoio aos servidores públicos no estado de Wisconsin, que reuniram mais de 150 mil pessoas nas ruas da capital, Madison, contra um projeto de lei que propunha cortes nos direitos trabalhistas. O slogan “O Egito é aqui” se tornou uma marca nas manifestações em Wisconsin. Os protestos no Oriente Médio têm como pano de fundo a grave situação de desemprego de uma população predominantemente jovem e combinam o sentimento pan-árabe com a perspectiva de mudanças no cenário regional. A reação da OTAN e da Liga Árabe, ao pressionar pela resolução do Conselho de Segurança da ONU que autorizou os bombardeios na Líbia, teve como objetivo central desestabilizar o processo de organização popular na região. Até recentemente a União Europeia e os Estados Unidos eram parceiros preferenciais de Gaddafi na exportação de armas e importação de petróleo. A insegurança dos países imperialistas em relação ao futuro político no mundo árabe passa a se somar às suas próprias contradições internas. Nos Estados Unidos, a crise causou a perda de nove milhões de empregos e mais de sete milhões de moradias. É como se o “sonho americano” tivesse desmoronado. Essa situação tende a se agravar com cortes orçamentários nos serviços públicos e com uma demanda cada vez maior do capital financeiro por subsídios do Estado. Até mesmo a clássica opção de promover a guerra para sair da crise parece ter suas limitações, já que não há perspectivas de saída a curto prazo das tropas que estão, praticamente, atoladas no Iraque e Afeganistão. É preciso distinguir a capacidade de promover bombardeios, como no caso da ação na Líbia, e manter tropas permanentemente em outros países. Para os países imperialistas, a maior preocupação seria garantir o fluxo de petróleo e armas em um momento de extrema instabilidade no mundo árabe, sem ter que arcar com os custos de uma intervenção terrestre de longo prazo. Outro debate central é a chamada “guerra cambial”. A avaliação de economistas de esquerda é de que, na atual conjuntura de crise, o dólar está supervalorizado. A razão para manter o câmbio valorizado obviamente não é comercial, porque sob esta perspectiva seria melhor desvalorizá-lo ainda mais. O problema é que uma des-
Os movimentos de esquerda devem considerar que o “espaço” do capital não é formado somente por fronteiras geográficas de Estados nacionais
valorização do dólar poderia gerar desconfiança e venda em massa dos bônus da dívida estadunidense, que está principalmente nas mãos dos chineses que, por sua vez, são parceiros comerciais preferenciais dos EUA. Portanto, é possível concluir que há limitações para os países centrais no campo financeiro. Neste contexto, as reclamações do governo brasileiro sobre a desvalorização do dólar servem para encobrir sua própria inoperância em relação a uma política econômica que prioriza o setor especulativo, já que o Brasil é campeão mundial no índice da taxa de juros. Uma fórmula alternativa para sair da crise seria através de um processo de reindustrialização com investimentos em energia renovável, o que Barack Obama chama de “economia verde”. Não há avanços significativos neste campo, porém grandes empresas procuram desenvolver tecnologia para a produção em maior escala de energia eólica e solar. De qualquer forma, um processo de rein-
e PV mobilizou-se para impedir a votação. Assim, ficamos livres, por enquanto, da votação das mudanças propostas pelo relatório de Aldo Rebelo. Os parlamentares direitistas querem votar logo porque sabem que têm a maioria da Câmara amarrada e não querem que a sociedade brasileira se mobilize. Por isso, o tempo funciona contra seus interesses. Na semana passada houve também uma reunião em São Paulo com mais de 50 entidades nacionais, desde a CNBB, Greenpeace, setores da Contag, CUT, movimentos sociais do campo, da Via Campesina, e entidades ambientalistas, movimentos feministas. Todos contra o relatório de Aldo Rebelo. Lançaram um manifesto nacional e prometem aumentar a mobilização em suas bases. O que está em jogo é se os bens da natureza que temos no nosso território devem ser usados em benefício de toda a sociedade ou liberados apenas para que a sanha do lucro fácil seja apropriado por fazendeiros, empresas estrangeiras e seus prepostos no Congresso Nacional. A emenda do governo é mais sensata e pelo menos se contrapõe às mudanças mais espoliativas do relatório de Rebelo, embora não seja o ideal. Por isso, esperamos todos que
dustrialização nos Estados Unidos não seria tarefa fácil, pois grande parte da produção das empresas estadunidenses se dá em outros países e dificilmente abririam mão dos menores custos salariais em países periféricos. Dadas as contradições no cenário internacional, os debates se movem entre limites e possibilidades de transformações. Os movimentos de esquerda devem considerar que o “espaço” do capital não é formado somente por fronteiras geográficas de Estados nacionais, mas principalmente por seu movimento global. Este movimento é facilitado jurídica e politicamente pelos próprios Estados. No Brasil, a suposta “expansão” econômica está baseada principalmente em um processo de acumulação primitiva através do avanço do capital internacional sobre recursos naturais estratégicos, como terra, água, minério e biodiversidade. Portanto, ao analisar o cenário internacional, é possível concluir que os momentos de crise e expansão do capital são simultâneos e interligados. Os acontecimentos recentes no Afeganistão mostram que há objetivos comuns, porém não explícitos, tanto dos países imperialistas quanto do Taliban, que servem para justificar a militarização permanente naquele país. A ocupação militar se tornou permanente na medida em que não havia perspectivas para que a OTAN supostamente “ganhasse” a guerra. Talvez o assassinato de Bin Laden seja uma forma de justificar uma suposta “vitória” antes do início da retirada das tropas estrangeiras, nesta guerra que parece sem fim. Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Ana Garcia é doutoranda em Relações Internacionais na PUC-RJ.
haja um debate com toda a sociedade sobre as propostas em disputa. E quando for a votação na Câmara, que os interesses do povo brasileiro se sobreponham aos interesses da banca ruralista, financiada pelo poder econômico, pagos com mais de R$ 800 milhões na campanha eleitoral, como a imprensa divulgou na ocasião. E depois, quando for ao Senado, esperamos que os senadores tenham mais juízo ainda. Afinal, lá há apenas 13 senadores ruralistas de um total de 81. E por fim, quando for à sanção presidencial, que a presidenta Dilma tenha mais juízo ainda e coragem em vetar tudo o que afete os interesses do povo. E se o povo for derrotado em todas essas instâncias, cabem ainda ações de inconstitucionalidade, como promete fazer o Ministério Publico Federal. E aos movimentos sociais cabe lutar com suas bases por um plebiscito nacional que de fato discuta com todo povo, e ele decida sobre como quer usar os bens da natureza no Brasil. Portanto, teremos ainda uma longa luta para que os bens da natureza tenham uma função social para todos os seres vivos desse território, e não apenas lucro para meia dúzia de oportunistas.
Luiz Ricardo Leitão
Otimistas & pessimistas – o destino de Bruzundanga APÓS A QUEDA DO MURO, no limiar dos anos de 1990, os arautos da pósmodernidade apregoaram, sem nenhum pudor, o “fim da História” e de todas as grandes ‘narrativas lineares’. Era o fim da luta de classes, prognosticavam eles; as macrorrevoluções não teriam mais espaço em um planeta neoliberalmente globalizado e as aspirações dos indivíduos seriam reguladas pela mão invisível do onisciente mercado, o novo fetiche divino do imaginário social. Instaurava-se, em suma, uma “nova era” de microtransformações subjetivas e fragmentárias: as questões de gênero e o debate ambiental, por exemplo, estariam situadas em uma “zona neutra” político-ideológica, dissociadas por completo dos imbróglios do capital. Os partidos foram abaixo e as ONGs irromperam na cena pública, empenhadas em amortecer tensões que, apesar das profecias contrárias, continuariam a eclodir em escala crescente em todos os hemisférios, à medida que se aprofundava a falência do paradigma neoliberal nos países que haviam subscrito os “contos da carochinha” (Livre comércio! Livre circulação de capitais! ...) do Consenso de Washington. A América Latina foi a primeira região a proclamar que o rei estava nu. O colapso do México, que se viu convertido em um imenso pátio das montadoras ianques e livre pasto dos narcotraficantes, foi uma dura lição para os povos do subcontinente. A arrogância das elites criollas logo seria contestada pelos movimentos sociais, propiciando a emersão na cena pública de nomes como Chávez, Morales e outros líderes historicamente vinculados à causa anti-imperialista. Nesse ínterim, nossa distraída Bruzundanga também se arejou com alguns ventos que sopravam ao sul do Rio Grande, ainda que, como sói ocorrer por estas bandas, tudo tenha transcorrido em ritmo de “paz & amor”, tão a gosto dos netos de Brás Cubas e Macunaíma, ou seja, na maciota e com aquele ‘jeitinho’ tropical.
A História de Bruzundanga mal saiu do prólogo – mas o destino dos protagonistas dependerá muito de nossa intervenção nessa grande narrativa nada linear A ausência de uma ruptura radical em nossa história (a nova ordem é sempre uma versão requentada do velho pacto oligárquico firmado entre os monopólios e o latifúndio) enseja malabarismos fantásticos na política tupiniquim. Ainda assim, surgem novidades na tela. Por certo, é muito mais fácil avançar na “microfísica” do poder: agora mesmo, o reconhecimento da união estável homossexual pelo STF gerou enorme bulha nos currais do atraso, incapazes de compreender a dinâmica de uma sociedade tutelada pelo mercado e pelo credo da mídia liberal. De certa forma, a histeria dos Bolsonaros, pastores, padres e outros fundamentalistas presta-nos um favor, evidenciando aos pessimistas que é possível, sim, promover mudanças nestas plagas, mesmo que, por ora, elas estejam restritas ao plano dos costumes. Já os pessimistas têm motivos de sobra para crer que, em meio ao longo refluxo do movimento social (salvo a briosa resistência do MST e outras organizações), há mais pedras do que se desejaria no caminho das mudanças. De fato, enquanto espocam os fogos do crescimento econômico, o festival de maracutaias segue a todo vapor na província e a desfaçatez dos oligarcas e novos-ricos só é equiparável à impunidade de que gozam em suas jogadas mirabolantes. A farra da Copa 2014 não para: orçamentos bilionários erguem e destroem estádios, vias e quejandos, desalojando milhares de pessoas sob mínima indenização; Ricardo Teixeira & Cia. tornam a protagonizar escândalos internacionais de corrupção, mas são tratados como lordes nos salões de Brasília. Ai de quem reclamar... Os defensores públicos que denunciaram os abusos da empresa de Eike Batista em Santa Cruz (RJ) têm sofrido duras represálias das ‘autoridades’ locais. Contudo, não há como reprimir a nova “Revolta da Vacina” que essa laia há de gerar em breve. Com a Educação e a Saúde relegadas a último plano no estado, a tchurma de Sérgio Cabral, Eduardo Paes e sua “base aliada” logo terá de se mexer. As greves dos bombeiros salva-vidas e dos 5 mil professores de Caxias são apenas um prenúncio... Otimistas e pessimistas, a História de Bruzundanga mal saiu do prólogo – mas o destino dos protagonistas dependerá muito de nossa intervenção nessa grande narrativa nada linear. Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e Lima Barreto: o rebelde imprescindível.
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda • Subeditores: Aldo Gama, Renato Godoy de Toledo • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Jade Percassi • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Aurelio Fernandes, Bernadete Monteiro, Camila Dinat, Cleyton W. Borges, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Edmilson Costa, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, José Antônio Moroni,Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Neuri Rosseto, Paulo Roberto Fier, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Sergio Luiz Monteiro, Ulisses Kaniak, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 19 a 25 de maio de 2011
3
Júlio Delmanto
instantâneo Xilogravura, 2007
Marcharemos, queiram ou não QUE AS CHAMADAS “drogas” sejam legais ou ilegais, não têm vida própria e que seus efeitos dependem da forma como são usadas, sendo as políticas de drogas brasileiras as responsáveis pela violência do Estado e do crime já é um entendimento cada vez mais difundido. Defender tais políticas é defender a manutenção do status quo, é defender que um mercado com altíssima demanda não tenha qualquer regulamentação e seja controlado pelo crime, é dar ao Estado mais um instrumento de criminalização da pobreza, assassinato seletivo e corrupção, é acreditar na repressão e na mentira como ferramentas educativas e de saúde e aceitar o discurso intervencionista estadunidense. Defender a proibição das drogas é fazer apologia à violência. É sobre isso que nós, do movimento antiproibicionista, estamos acostumados a debater, é sobre isso que gostaríamos de conversar de maneira franca com a sociedade brasileira, principalmente com aqueles interessados em provar que um outro mundo é possível. Enquanto o mundo discute alternativas às fracassadas políticas de drogas, no Brasil ainda lutamos para… poder debater o tema! O artigo 5º da Constituição diz que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”; que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta”. Mais adiante, aponta também que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Pensar, dialogar, atuar e manifestar são crimes? Alipio Freire
Luta antimanicomial DEZOITO DE MAIO é o Dia Nacional de Luta Antimanicomial. A grande mídia comercial preparou suas baterias e partiu para o bombardeio. De repente, figuras entusiastas da robotização, a nova tecnologia implantada a partir do final dos anos de 1970, produzindo milhões de desempregos; entusiastas do Estado Mínimo, que desmontou todos os serviços públicos simultaneamente ao crescimento das demissões de trabalhadores; entusiastas das políticas de privatização (inclusive do SUS) acompanhadas das medidas de “higienização” dos sucessivos governos dem-tucanos de São Paulo; não mais que de repente, essas figuras assumem ares de Nossa-Senhora-da-Piedade e vêm a público em defesa da “mendicância” (sic), e da saúde mental dos homens e mulheres de rua que vivem na Cracolândia, e “que vagam pela cidade como zumbis”, resultado da “desídia do estado brasileiro”. Resumindo: quando as extremosas madres-teresasde-calcutá se manifestam, são apenas a voz do dono, as máfias que pretendem privatizar os serviços de saúde mental. A aparente solidariedade com os mais po-
bres, ou com os “diferenciados”, é puro cinismo, estratégia de marketing para nos vender, logo ali na frente, sua solução mágica: mais privataria. A luta antimanicomial, ao contrário do que pretendem seus detratores, não descarta casos que exijam internamento, e batalha exatamente por uma desmanicomização acompanhada permanentemente por profissionais da saúde mental, através dos serviços públicos (inclusive medicamentos gratuitos). Enquanto isso, em outro lugar... Onde – Câmara Federal. Quem – Os deputados Aldo Rebelo (PCdoB) e Cândido Vacarezza (PT). O que – Tentam falsificar o texto do Código Florestal. Para que – Para favorecer os ruralistas. A exemplo de quê? – A exemplo do que fez o hoje ministro da Defesa, doutor Nelson Jobim, com o texto da nossa Constituição. Como é o nome disto Bater carteira; passar conto-do-vigário. Conseguiram – Não. O líder do PT na Câmara, deputado Paulo Teixeira, descobriu a tempo e botou pra quebrar.
Altamiro Borges
MST no governo é crime! NA SEMANA PASSADA, o governo da Bahia anunciou a nomeação dos titulares de cinco novas secretarias, visando “atender as políticas públicas definidas para os próximos anos”. A reforma administrativa foi aprovada pela Assembleia Legislativa no final de abril. Uma das nomeações, porém, irritou profundamente os latifundiários que controlam a mídia no país. Lúcia Barbosa, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Via Campesina e da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), assumiu a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Numa “reporcagem” cheia de veneno, o jornal Estadão tentou desqualificar o MST e a decisão do governador Jaques Wagner. “Ela foi indicada pela ala petista Articulação de Esquerda, liderada pelo deputado Valmir Assunção, que se considerava ‘excluída’ da administração estadual”. Também ouviu José Carlos Aleluia, presidente do DEM na Bahia derrotado nas
últimas eleições: “Não falta dinheiro para remunerar ‘os companheiros’ com novos cargos”. O cão raivoso da Veja
Na mesma linha de criminalização dos movimentos sociais, Reinaldo Azevedo, o pitbull da revista Veja, rosnou: “Jaques Wagner (PT) não dá só carne para o MST, não! Também dá cargo”. No mês passado, durante os protestos em todo o país do “abril vermelho”, os sem-terra ocuparam o Centro Administrativo da Bahia (CAB) e o governo garantiu condições mínimas de alimentação e higiene. Reinaldo e outros trogloditas acharam um absurdo! Agora, a imprensa burguesa fica ainda mais irritada com o gesto democrático do governador petista de nomear uma dirigente do MST para a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Para os latifundiários da mídia, que tem nojo do povo, apenas os representantes das elites burguesas devem ocupar cargos governamentais. MST no governo é crime!
Também diz que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” e outro que diz que “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. Por que isso vale para os manifestantes neo-fascistas que se reuniram recentemente na Avenida Paulista, em São Paulo, sob proteção policial, para apoiar o deputado Jair Bolsonaro e não vale para a Marcha da Maconha, movimento que propõe discutir alternativas que retirem da ilegalidade uma conduta? A Marcha da Maconha é um movimento anônimo ou o são policiais e juízes que interpretam a lei como bem entendem e nunca são chamados a se justificarem publicamente sobre isso? A Marcha da Maconha exime-se de obrigações legais ou usufrui da liberdade de manifestação do pensamento para propor a existência de outras leis? A Marcha da Maconha necessita de licença para exercer sua livre expressão? As “autoridades competentes” não são informadas ano após ano de sua realização? É uma organização paramilitar? Sob quais bases o poder Judiciário brasileiro proíbe a realização de uma manifestação pacífica em algumas regiões e em outras, não? Diz-se que a Marcha faz “apologia às drogas”. Em primeiro lugar, não existe esse delito previsto em lei, e sim o de apologia ao crime, que é o disfarce utilizado pelo conservadorismo dos agentes da lei. A apologia ao crime se caracteriza legalmente pela defesa pública de fato criminoso ou de autor de crime condenado pela Justiça. A Marcha existe para defender a mudança da lei brasileira de drogas. Isso é crime? Fazem apologia ao crime órgãos de imprensa que debatem o tema? Políticos que se expressam publicamente propondo mudanças na lei? Acadêmicos, artistas, juristas e juízes que têm opiniões sobre a questão? Por que debater políticas de drogas é permitido na mídia, no parlamento, na academia e nas ruas não? A situação coincide com o que aponta Norberto Bobbio, ao mostrar como o “autoritarismo é uma manifestação degenerativa da autoridade”, é “uma imposição da obediência e prescinde em grande parte do consenso dos súditos, oprimindo sua liberdade”. E também flerta com o que traz Hannah Arendt ao afirmar que o totalitarismo “não substitui um conjunto de leis por outro, não cria, através de uma revolução, uma nova forma de legalidade”; a política totalitária simplesmente busca, através da ideologia e do terror, suprimir a diferença até que a lei não seja necessária, até que a liberdade não seja nem mais pensada como tal. Nossas ruas pertencem à polícia e ao Judiciário ou ao povo? Pensar, dialogar, atuar e manifestar são atitudes criminosas? Se sim, senhores juízes, não tragam viaturas; tragam ônibus, porque muita gente estará no Masp no dia 21 de maio esperando pacificamente mais uma aula pública de violação da Constituição e da democracia. Júlio Delmanto é jornalista e membro dos coletivos antiproibicionistas Desentorpecendo a Razão (DAR) e Marcha da Maconha.
comentários do leitor Casamento Real
Frei Betto está despertando em mim a vontade de escrever. Na Inglaterra e em todos os países do mundo, todos padecem por amor mesmo um país que parece um conto de fadas, com príncipes e princesas, adorados, diga-se de passagem, pelo povo. Como assim? A Inglaterra tem uma monarquia socializada pois oferece saúde e educação de altíssima qualidade para todo o povo indistintamente. Os príncipes são colegas de classe de alunos de baixíssima renda. Vamos torcer para que um dia a gente tenha no Brasil, um povo mais bem tratado, mais feliz, como em Londres. Camila Mattoso Violani, por correio eletrônico
Instantâneo
Me surpreendi quando na edicão de número 424 do Brasil de Fato de 14 a 20 de abril de 2011, quando na pagina 3 INSTANTÂNEO uma charge com tema SERVIÇO PÚBLICO BRASILEIRO, onde na minha interpretação, o jornal reproduz a política de depreciação do serviço público e ou do serviço público.
Uma decepção para nós servidores públicos que acompanhamos as publicações do Brasil de Fato. Vanda Lucas, por correio eletrônico
Desarmamento
Sou contra o desarmamento. Desarmem primeiro os bandidos de farda e os sem farda. Os que assaltaram e entregaram esse país por 21 anos e os bandidos que frutificaram da pilhagem.
Cláudio Zani, comentário na Agência Brasil de Fato
Código Florestal
Além de pensar como direita, Aldo Rebelo também compartilha da certeza da impunidade, como muitos parlamentares considerados conservadores (ou de direita). Confessou, aos berros, no plenário da câmara, no último dia 11/05, que protegeu um traficante de madeira (e se o marido de Marina Silva for inocente, além de tudo Rebelo cometeu injúria, calúnia e difamação). A atitude de Rebelo foi de to-
tal falta de decoro. É caso de cassação! Mas a imprensa não fala nada a respeito de sua confissão escandalosa - fala apenas do bate-boca com Marina Silva. Não acredito que os movimentos ambientalistas perderão a oportunidade de cassar esse representante da bancada ruralista disfarçado.
Juliana Ghisolfi, comentário na Agência Brasil de Fato
Código Florestal 2
A discussão do Código Florestal é de muita complexidade, e está polarizada por duas vertentes .O agronégócio, que representa um modo social de produção, e uma gente truculenta, e, do outro lado, os ambientalista que não consideram que produzir é um modo cultural de um povo produzir seu modo de vida. Se o Código Florestal continua como está, ele joga na ilegalidade civil inúmeros agricultores familiares que plantam nas várzeas, topo de morro, grota e que dali produzem seu ser social e reproduzem uma cultura rural, desvalorizada pelo modo urbano de viver. As alterações no Código
Florestal não são simplesmente uma mudança de lei, as implicações são mais profundas e estão atreladas à gente que produz batata, inhame, tomate, feijão, café, para que o povo brasileiro possa ter na mesa o alimento barato (aliás muito barato), mas também essa gente produz a música caipira, as plantas medicinais, o plantio na lua, o rural que vai sendo esquecido e desvalorizado pela ideia urbana de viver. O Código Florestal necessita ser mudado, mas ao ficarmos polarizados desta forma, nos tornamos cegos por nos posicionarmos de um ou de outro lado e não conseguimos perceber o que deve de fato motivar sua mudança. Precisamos criar a comunidade de comunicação e esgotar o assunto até haver uma decisão sábia que considerem as dimensões econômicas, sociais, culturais e ambientais.
Daniel do Nascimento Duarte, comentário na Agência Brasil de Fato
Cartas devem ser enviadas para o endereço da redação ou através do correio eletrônico comentariosdoleitor@brasildefato.com.br
4
de 19 a 25 de maio de 2011
brasil
Fiscalização trabalhista agoniza no Brasil SERVIÇO PÚBLICO País tem menos de 3 mil fiscais em atividade; OIT recomenda mínimo de 5 mil Silva Junior/Folhapress
Jorge Santos de São Paulo (SP) EM JANEIRO DE 2011, o ministro do Trabalho e Emprego Carlos Lupi reuniu a imprensa para anunciar mais um número impressionante da gestão Luiz Inácio Lula da Silva: 2,52 milhões de novos empregos formais criados em 2010, recorde histórico. Infelizmente, dados que poderiam anunciar a chegada de uma nova era de desenvolvimento e combate à desigualdade ao país ajudam, em verdade, a mascarar um triste fato: o sucateamento do sistema de fiscalização trabalhista no Brasil. O número de empresas fiscalizadas em 2010 foi o menor em duas décadas. Em 1996, em um cenário de economia estagnada e desemprego, havia no país 3.464 auditores do trabalho. Em março de 2011, esse número caiu para preocupantes 2.928 fiscais. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula, como efetivo mínimo necessário, 5 mil auditores para o Brasil. A fragilidade do sistema de fiscalização foi repercutir nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), menina dos olhos da presidenta Dilma Rousseff. O desrespeito aos direitos dos trabalhadores gerou conflitos por todo o país, mais notadamente sentidos nas obras das usinas hidrelétricas de Jirau, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará. Para completar, parte da última obra visitada pelo ex-presidente Lula, o túnel Cuncas I, de 15 quilômetros de extensão e que faz parte do projeto de transposição do rio São Francisco, no trecho entre Ceará e Paraíba, desabou. Um dos motivos: a falta de fiscalização.
O número de empresas fiscalizadas em 2010 foi o menor em duas décadas Uma morte a cada 3,5 horas
Com a fiscalização debilitada, quem paga é o trabalhador – às vezes, com a própria vida. Em 2009, quase 2,5 mil pessoas morreram nos 740.657 acidentes de trabalho registrados no país, causados por condições laborais perigosas e insalubres. Outros 13 mil sofrerão as sequelas para o resto da vida.
Sofre também a economia nacional: um levantamento realizado pelo Ministério da Previdência Social revelou um aumento de 103% dos gastos previdenciários decorrentes de acidentes de trabalho. O Brasil gasta anualmente cerca de R$ 60 bilhões em consultas e internações no Sistema Único de Saúde (SUS) com acidentes de trabalho. Os parlamentares parecem querer fazer sua parte. Quem estava no plenário da Câmara no último dia 28 de abril, data em que foi comemorado o “Dia mundial em memória dos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho e de doenças profissionais”, pôde acompanhar um raro momento de consenso entre governo e oposição. Duarte Nogueira, líder do PSDB, denunciou a falta de fiscalização traba-
Combate ao trabalho escravo e infantil também apresenta queda Após início promissor, fiscalização perdeu fôlego durante governo Lula de São Paulo Em 2006, 12.458 crianças foram afastadas do trabalho e encaminhadas para as escolas. Quatro anos depois, esse número foi de 5.617 crianças. A queda acompanha a decadência no corpo funcional de auditoria trabalhista. Outra função essencial realizada pela fiscalização trabalhista no Brasil é o combate ao trabalho em condições análogas à escravidão, mal que remonta à época colonial e ainda hoje aprisiona milhares de trabalhadores: segundo a Comissão Pastoral da Terra, cerca de 25 mil pessoas entram na escravidão a cada ano. O combate é difícil: segundo o Subprocurador-Geral do Trabalho, Luís Antonio Camargo, somente 50% das denúncias sobre trabalho escravo no Brasil são apuradas. O motivo é o mesmo: falta pessoal e estrutura. Em 2007, cerca de seis mil trabalhadores foram resgatados em condições análogas à escra-
vidão no Brasil. O número, expressivo, não se sustentou: em 2010, foram apenas 2.628 resgates. Em todas as regiões
Engana-se quem pensa que o rico Sul/ Sudeste está livre dessas mazelas. Em 2010, Santa Catarina ocupou o segundo lugar no ranking entre os estados com mais trabalhadores resgatados da escravidão, atrás apenas de Goiás. Entre os dez primeiros colocados nessa triste relação, há ainda Rio Grande do Sul e Minas Gerais, sexto e sétimo colocados, respectivamente. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho, há hoje mais de 40 mil pessoas em regime de escravidão no território nacional – uma denúncia de trabalho escravo pode demorar mais de 40 dias para ser verificada. Lançado em 2003, o 1º Plano Nacional para a erradicação do trabalho escravo propunha a disponibilização permanente de 12 grupos de fiscalização móvel. Hoje, oito anos mais tarde, restam apenas cinco dessas equipes. Enquanto isso, a Proposta de Emenda Constitucional 438, a PEC do trabalho escravo, segue parada no Congresso e, como se pode perceber, o problema é estrutural e não será resolvido somente com a promulgação de uma emenda. (JS)
A decadência em números O número de empresas fiscalizadas em 2010 foi o menor em duas • décadas. do crescimento da população e do emprego, há menos fiscais do • Apesar trabalho hoje no Brasil do que em 1996. 2009, houve quase 2,5 mil mortes em acidentes de trabalho no • Em Brasil – uma morte a cada 3,5 horas. Outros 13 mil sofrerão as seqüelas
• •
para o resto da vida. Em pleno século 21, há cerca de 40 mil trabalhadores escravos no País. O Brasil gasta anualmente cerca de R$ 60 bilhões em consultas e internações no Sistema Único de Saúde (SUS) com acidentes de trabalho.
2,5
Fiscal do Ministério do Trabalho em fazenda de cana no interior de São Paulo
Cerca de
curso público e que aguardam convocação para atuar. Em meio aos profundos cortes realizados pela atual administração, o deputado Eudes Xavier (PT) conseguiu aprovar uma verba de R$ 22 milhões para o reforço do corpo de fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A verba seria suficiente para contratar todos os fiscais disponíveis ainda hoje. Entretanto, a quantia continua encostada no orçamento de 2011. Diante da inércia do Executivo, o Judiciário pode ser chamado a intervir: tramita na Justiça uma Ação Civil Pública buscando obrigar o Ministério do Trabalho a reforçar a fiscalização trabalhista, de autoria do Ministério Público Federal, por meio do procurador da República no Distrito Federal Peterson de Paula Pereira.
mil pessoas morreram nos 740.657 acidentes de trabalho registrados no país em 2009
lhista nas obras do PAC e pediu providências da presidenta Dilma Rousseff. Em seguida, Vicentinho, do PT, fez coro com o colega, e lembrou que já solicitou, em diversas ocasiões, a contratação dos 220 auditores aprovados em con-
Falta pessoal e estrutura, faltam providências População e servidores sofrem com precariedade na emissão de carteira profissional de São Paulo (SP) Em Dourados (MS), diariamente, cerca de 60 pessoas buscam a emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social. Mas, como explica o gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Carlos Alberto Sfeir, apenas metade consegue ser atendida. Ao restante, sobra a negativa em busca de um documento fundamental para a cidadania do trabalhador brasileiro. Isso porque apenas uma pessoa realiza todo o trabalho de emissão. “De manhã apenas um funcionário colhe material para o pedido de emissão. À tarde, esta mesma pessoa precisa parar o recolhimento das emissões para confeccionar as carteiras”, destaca. Sfeir afirma que a Superintendência do Ministério já foi comunicada. “Estamos no aguardo de uma solução, que pode não ser imediata devido aos processos burocráticos de novas contratações que exigem concurso público”. Em São Leopoldo (RS), conseguir a carteira de trabalho virou uma tarefa árdua. Todos os dias, dezenas de pessoas formam a fila, durante a madrugada, para conseguir uma senha – são apenas 30 fichas, devido ao reduzido efetivo da gerência regional do MTE na cidade. A solução é madrugar na fila. A estudante Aline Fiameti chegou às 5h30 para garantir uma ficha. “Todos me diziam que a situação é precária aqui no Ministério do Trabalho, então resolvi me adiantar”, disse ela, que, enfim, conseguiu encaminhar seu pedido. O motorista Luís Antônio Meireles não teve a mesma sorte. “Não sabia que o negócio estava tão feio. Cheguei pouco depois das 8h da manhã e já tinha acaba-
do tudo. Paciência. Amanhã venho pra cá antes do sol aparecer para garantir. Não posso ficar sem a carteira”, explicou. Falta pessoal, sobra precariedade. A sede do Ministério do Trabalho no município fica no centro da cidade, na Rua São Paulo, 1100. Ali, poucos servidores tentam compensar as adversidades: é possível ver mofo nas paredes, não há computadores para todos e a internet – pasmem – ainda é discada. “Temos que fazer tudo à mão. Começo a cadastrar a pessoa no sistema e ele simplesmente cai e tenho que reiniciar tudo de novo, o que acaba atrasando o atendimento para quem está na fila”, afirma Luiz Guilherme Tarrago Giordano, único funcionário do local. Gerenciar e cortar grama
O gerente regional do Trabalho e Emprego de São Leopoldo faz um retrato do cenário: “temos três funcionários para atender o público na emissão da carteira de trabalho e seguro-desemprego, porém, um está afastado por motivo de doença. Já tivemos cinco funcionários agentes administrativos e quatro estagiários. Infelizmente, o pessoal foi saindo e não houve reposição do quadro. Quanto à questão de estrutura, não temos um computador que funcione plenamente. Além disso, estamos há três semanas sem serviço de limpeza e a última vez quem cortou a grama fui eu’’, revelou. Em recente viagem à Paraíba, o ministro Carlos Lupi afirmou que, sem contratação de pessoal, é impossível reverter o quadro. Naquele estado, há apenas um auditor fiscal do trabalho para cada 14 mil trabalhadores registrados. São necessários, de acordo com as estimativas mais otimistas, pelo menos mais 30 auditores para atender à demanda do Estado, que possui mais de 80 mil estabelecimentos registrados em seus 223 municípios. A decadência do sistema de fiscalização trabalhista repete-se em todo o país, colaborando para o desrespeito aos direitos histórica e constitucionalmente adquiridos pelo trabalhador brasileiro. (JS)
brasil
de 19 a 25 de maio de 2011
5
Indústria das cheias no Nordeste ENCHENTES Descaso e mau uso de mantimentos deixa população descrente sobre doações aos desabrigados em Alagoas Fotos: Antônio Cruz/Abr
Charles Souto de Maceió (AL) “ESTÁ MUITO baixo, bem abaixo do esperado”, afirma Rômulo Guedes, capitão do Corpo de Bombeiros de Alagoas, sobre a quantidade de doações arrecadadas para as vítimas das enchentes que assolaram a região norte alagoana desde o final de abril. De acordo com a Defesa Civil Estadual, mais de 18 mil pessoas estão desalojadas ou desabrigadas em todos os 16 municípios atingidos pelas fortes chuvas dos últimos dias, mas até o dia 05 de maio, apenas cinco cestas básicas haviam sido entregues ao Quartel-Geral do Corpo de Bombeiros, principal ponto de arrecadação de donativos. “Quando as pessoas deixam suas casas, tomadas pelas águas, saem com a roupa do corpo. Não dá tempo de levar água, alimentos, agasalho, colchões. Nos abrigos, todos precisam de tudo”, informa Guedes. “A Defesa Civil tem barracas e caixas d’água que sobraram das doações do ano passado, mas é material de infraestrutura. Não temos nada para atendimento imediato”, completa o capitão do Corpo de Bombeiros. Para ele, a baixa quantidade de doações é “por falta de comoção da população”. E não se pode alegar desconhecimento da calamidade, já que a cobertura dos jornais e telejornais locais não poupou esforços na busca de entrevistados desesperados por terem perdido casas, móveis, plantações, entes queridos – uma criança morreu soterrada no município de São Luís do Quitunde – e que agora se veem obrigados a disputar espaço em galpões, hospitais, ginásios, fóruns, igrejas, ônibus e contêineres que servem de abrigo improvisado. Para entender a aparente ‘falta de comoção’ da população alagoana não é preciso recorrer a estudos sociais ou psicanalíticos. Basta relembrar alguns eventos ocorridos nos últimos dez meses.
O Ministério Público questiona o motivo de os donativos não terem sido distribuídos aos desabrigados depois de seis meses das enchentes Mais do mesmo
Em junho de 2010, fortes chuvas assolaram o território alagoano, deixando mais de 70 mil desabrigados e desalojados e matando ao menos 27 pessoas. Ao todo, 26 municípios foram afetados pelas enchentes e o número de casas destruídas superou as 18 mil. À época, todo o Brasil se somou à população alagoana no esforço de angariar doações para as vítimas das enchentes. Os donativos foram de tamanha quantidade que José Eloi da Silva, então prefeito de Santana do Mundaú, uma das cidades atingidas pelas enchentes, resolveu levar alguns deles para casa. Uma operação da Polícia Civil apreendeu alimentos, roupas e donativos em sua residência. Além de José Eloi, afastado do cargo após o escândalo, a Secretaria de Defesa Social constatou aos menos outros três desvios de doações, que acarretaram na prisão de três bombeiros. Em paralelo à apuração de desvios localizados, o Ministério Público Federal iniciou procedimento administrativo em julho de 2010 para investigar a utilização das verbas federais destinadas aos municípios alagoanos atingidos e averiguar o eventual desvio de R$ 275 milhões depositados pelo governo federal na conta do governo do Estado. O golpe de misericórdia para a combalida compaixão dos alagoanos veio no dia 28 de dezembro, quando um incêndio destruiu no bairro de Jaraguá, Maceió, o galpão que armazenava 20 toneladas de donativos e cerca de mil barracas destinadas aos desabrigados das enchentes, totalizando um prejuízo de R$ 12,5 milhões. O laudo do Instituto de Criminalística de Alagoas concluiu que o incêndio foi criminoso e o Ministério Público apontou que o local não tinha condições para armazenar os produtos. Foram denunciados por negligência e omissão quatro militares, que ainda aguardam o fim do julgamento na Justiça Militar. Além da investigação policial, o Ministério Público também questionou o motivo de os donativos não terem sido distribuídos aos desabrigados, passados mais de seis meses das enchentes. De acordo com o tenente-coronel Denildson Queiroz, então secretário-executivo da Defesa Civil Estadual, o material estava armazenado no galpão porque não havia mais necessidade de en-
Ponto de coleta e distribuição de donativos para as vítimas da enchente em Branquinha (Alagoas)
275
R$
milhões é a quantidade de verba que pode ter sido desviada das ajudas emergenciais contra as enchentes
tregar as doações às vítimas das enchentes: “As roupas seriam repassadas a instituições de caridade. Não houve prejuízo para as vítimas das enchentes. Não havia mais demanda”, garantiu Queiroz. Quatros meses depois, as fortes chuvas voltaram e a mesma Defesa Civil agora reclama da falta de doações. Programa da Reconstrução
Logo após a enchente de junho, na tentativa de dar uma resposta às dúvidas da população alagoana quanto à atuação do governo estadual no atendimento às vítimas, o governador Teotonio Vilela lançou o Programa da Reconstrução. De acordo com sua página oficial na internet, o Programa da Reconstrução consistiria de quatro etapas. “A primeira etapa tinha o objetivo de salvar vidas, e a segunda, dar condições de sobrevivência às vítimas, abrigando-as em alojamentos com cobertores, comida, roupas, remédios, etc. A terceira etapa tem função de dar condições dignas às famílias. Nela constituem a montagem de barracas, banheiros químicos com vaso sanitário e chuveiro à disposição, além de lavanderias e cozinhas comunitárias”. A última etapa seria a construção das casas.
Quatros meses depois do incêndio, as fortes chuvas voltaram e a mesma Defesa Civil agora reclama da falta de doações Ainda de acordo com o programa, durante esse período de transição para suas novas residências, as famílias teriam “acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais para o tratamento dos traumas causados e para a adaptação à nova realidade”.
Os recursos federais destinados ao Programa da Reconstrução, entre verbas para atendimento emergencial às vítimas, construção de casas, recuperação de estradas e infraestrutura, ultrapassaram a casa do R$ 1,3 bilhão. Entretanto, de acordo com Ronaldo Cardoso, coordenador da defesa civil de Santana do Mundaú, “das casas prometidas, não foi construído praticamente nada. Começaram agora a levantar os alicerces. A maioria dos desabrigados decidiu construir as casas no lugar onde foram destruídas”. Cardoso informa que, mesmo com as novas enchentes desse ano, os moradores “se recusam a ir para as barracas de novo porque há distância, os banheiros foram demolidos, a convivência é difícil e mais de 80% dessas pessoas já apresentam problemas psicológicos”.
“Na hora que começa a chover, todos os prefeitos dizem ‘Estado de Calamidade Pública’. Para quê? Para receber recursos do governo federal”
“Até agora ninguém apareceu para nos dizer quando essas casas ficam prontas, nem para nos ajudar. No início, eles pagavam as mulheres para limpar os banheiros aqui, mas agora deixaram de pagar e também elas deixaram de limpar” informa o morador de Santana do Mundaú Fernando Teles, que desde as enchentes do ano passado divide uma barraca com mais sete familiares. “Nós fomos esquecidos. Ninguém vem aqui mais”, completa sua vizinha Rosilene Maria. No município de Jacuípe, onde as cheias desse ano desalojaram mais 760 pessoas, nenhuma das 280 casas prometidas pelo governo do estado desde o ano passado foi erguida. Nas palavras do prefeito Amaro Marques, “o governo só distribuiu cesta básica e água potável, mas nada do que prometeu executou”. De acordo com informações da Secretaria Estadual de Infraestrutura, as primeiras casas só serão entregues em todo o estado a partir de junho de 2011, um ano após as enchentes. Uma nova indústria
Assim como em Alagoas, as fortes chuvas do final de abril de 2011 também causaram enchentes e destruição em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Esquecidos pelo poder público, moradores caminham ao lado das casas destruídas
Dos 55 municípios pernambucanos que foram atingidos, 26 estão em situação de emergência e nove decretaram estado de calamidade pública. Mas, de acordo com o governador Eduardo Campos, “o que conseguimos arrecadar não encheu nem um caminhão ainda”. O governador assegurou que não iria “admitir politicagens na distribuição de donativos” e completou dizendo que ninguém pode querer ser o “pai” da distribuição de doações. A ressalva de Campos tem razão de existir. Com o fenômeno das enchentes se tornando cada vez mais recorrente – este é o terceiro ano consecutivo que cheias de grande proporção assolam a região Nordeste – começa a se conformar uma nova indústria, a indústria das cheias.
Com o fenômeno das enchentes cada vez mais recorrente, começa a se conformar uma nova indústria, a indústria das cheias “Se na Indústria da Seca, a seca era usada para o interesse dos políticos, agora já começa a ter uma Indústria da Cheia”, comenta Hortência Mendes, pedagoga e integrante da Cáritas Regional Piauí. Com a experiência de quem acompanhou as vítimas das enchentes de 2009, que afetaram mais de um milhão e 300 mil pessoas nos estados de Maranhão, Piauí e Ceará, Hortência denuncia que “na hora que começa a chover, todos os prefeitos dizem ‘Estado de Calamidade Pública’, ‘Estado de Emergência’. Para quê? Para receber recursos do governo federal. Os recursos vêm e não são aplicados”. A pedagoga lembra que o Piauí recebeu R$ 126 milhões para trabalhar com as situações de emergência causadas pelas enchentes. Mas, segundo ela, “em todo lugar que nós fomos, não vimos esse recurso ser aplicado. O que vemos são as pessoas fazendo suas próprias casas, indo atrás do barro, para levantar a casa de taipa”. Em setembro de 2010, um relatório do Ministério Público de Alagoas detectou superdimensionamento no número de desabrigados no município de São José da Laje. Ao solicitar a relação nominal das famílias que seriam contempladas com as novas casas no município, o promotor Jorge Dória descobriu que nem a prefeitura nem o governo do estado tinham esses nomes. “Como eles podem dizer que são mil casas, se eles não têm o nome das pessoas?”, indagou o promotor. Foi então que, após realizar nova contagem, o Ministério Público descobriu que em São José da Laje 1.155 pessoas ficaram desalojadas e 155 desabrigados, ao contrário dos 4.980 desalojados e 703 desabrigados informados anteriormente. O que equivale a uma redução de 77% no número de desabrigados na cidade. O Ministério Público aconselhou que novas avaliações fossem realizadas nos demais municípios.
De acordo com a Secretaria de Infraestrutura, as primeiras casas só serão entregues a partir de junho de 2011, um ano após as enchentes Atacar as causas
Novas chuvas são esperadas para os próximos meses – e com elas novas calamidades. Ao não lidar com os problemas estruturais, atuando para amenizar as consequências das tragédias ao invés de buscar combater suas causas, os governos locais e federal transformam as catástrofes numa fonte inesgotável de verbas e projetos faraônicos. Na Zona da Mata de Pernambuco e Alagoas, por exemplo, já se planeja a construção de pelo menos cinco barragens de contenção, cuja previsão de gastos é de R$ 380 milhões em cada uma. A mesma Zona da Mata onde a canade-açúcar avança por sobre comunidades camponesas, matas nativas, manguezais e margens de rios, expulsando antigos moradores para as encostas e morros das periferias urbanas, impossibilitando a captação e escoamento das águas da chuva e aumentando o assoreamento dos rios. Sem combater esse avanço, não haverá doações e comoção suficientes para impedir que novas catástrofes se repitam a cada período de chuvas.
6
de 19 a 25 de maio de 2011
brasil
Fórum dos Trabalhadores: experiência centrada na luta ORGANIZAÇÃO Onze sindicatos de Blumenau (SC) geram apoio mútuo em eleições sindicais, lutas políticas na cidade e construção do movimento popular Pedro Carrano de Blumenau (SC) ELEIÇÕES SINDICAIS têm sido notícia nos meios de comunicação de Blumenau (SC), com entrevistas dos representantes de chapa em TVs e rádios da mídia corporativa. Fato inusitado em outros estados, a dimensão conquistada pela luta sindical na região se deve à capacidade de articulação e enfrentamento do Fórum dos Trabalhadores de Blumenau (FTB), que hoje envolve 11 categorias, entre elas bancários, trabalhadoras têxteis, vigilantes, etc. Não é apenas uma articulação pontual entre sindicatos, situação comum no movimento sindical. A caminhada do Fórum envolve o apoio mútuo entre as categorias em suas lutas específicas, passando por lutas mais amplas e pela construção do movimento popular. “Demandas salariais, encontro de mulheres e jovens, etc; o Fórum é responsável pela unidade nas lutas. Sem o Fórum apenas uma categoria não faria muita coisa”, reflete Selma Mueller, do
Sindicato dos Trabalhadores Têxteis (Sintrafite). Durante a reportagem do Brasil de Fato, Selma e tantos outros militantes participavam das eleições para o sindicato dos trabalhadores do transporte coletivo (Sindetranscol). Há oito anos afastada da produção devido a LERDort, quando trabalhava em regime intenso no interior de uma categoria formada por mulheres, na região que aglutina unidades como Coteminas, Teka, Hering, etc, hoje Selma avalia que o dirigente sindical não pode perder o contato com o conjunto dos trabalhadores. “Não pode estar apenas dentro do sindicato”, provoca.
A caminhada do Fórum envolve o apoio mútuo entre as categorias em suas lutas específicas, passando por lutas mais amplas e pela construção do movimento popular Lideranças do FTB comentam a participação crescente dessa ferramenta desde o apoio à oposição nas eleições do sindicato dos trabalhadores em corte de carnes de Chapecó (SC) e a derrota da antiga direção ligada à empresa Sadia. Desde então, foram quatro vitórias em sindicatos locais e uma derrota, nas atuais eleições para os transportistas, em
maio. Com isso, consolida-se um método de trabalho de base e envolvimento dos trabalhadores, a partir da crítica a sindicatos personalistas, nos quais o presidente normalmente é candidato a cargos públicos eletivos. Há uma margem alta de filiação nas categorias do Fórum, num cenário nacional que está no sentido oposto. Só a categoria dos bancários de Blumenau alcança 92% de filiação. Vigilantes, motoristas e têxteis também apresentam um número alto. A média nacional, por sua vez, é de 17,7%. Por hegemonia
No seu processo, o Fórum dos Trabalhadores passa a se organizar para ter voz e disputar espaços institucionais. Outra avaliação, feita por diferentes lideranças, é o espaço que conquistou como força política em Blumenau. “Brincamos que o Fórum é reconhecido até pelo Estado. Temos espaço, por exemplo, no Conselho Universitário (da universidade regional)”, aponta Anderson Engels, militante e radialista. Numa definição do papel do FTB junto aos sindicatos, Arlindo Mueller, da direção do Sindicato dos Empregados no Comércio de Blumenau, analisa que o Fórum construiu de maneira geral referência entre os trabalhadores da cidade. “É a arma que nós trabalhadores temos hoje para combater o descaso, a falta de sensibilidade do patrão para com o trabalhador. A bandeira nossa é defender o trabalhador, onde ele precisa de ajuda o Fórum está lá para colaborar, não interessa se a categoria é a têxtil, comerciário, interessa laborar e fazer a parte dele, ajudando o trabalhador”, define. Reprodução
Manifestação do Sindetranscol em Blumenau
O critério dos embates Presidente do sindicato dos bancários explica quais são os objetivos e as tarefas do Fórum de Trabalhadores de Blumenau (SC) Leandro Spezia, do Sindicato dos Bancários de Blumenau, explica em entrevista ao Brasil de Fato o surgimento do Fórum dos Trabalhadores de Blumenau e o método construído ao longo do tempo, com centralidade na luta e na solidariedade de classe. “Procurando trabalhar sem sectarismos, sem dogmas, sem preocupação com a sigla, essa ou aquela, mas utilizando o critério das lutas, o compromisso com a solidariedade, enfim, com a mudança do país, o método tem sido importante”, enfatiza na entrevista. Brasil de Fato – Como surge o Fórum dos Trabalhadores de Blumenau?
Leandro Spezia – Surgiu na metade da década de 1990, quando em Blumenau assume um governo popular, na forma de frente de partidos [encabeçada pelo PT, do prefeito Décio Nery de Lima]. Essa frente tinha uma proposta de esquerda, com uma série de pontos que representavam o anseio do movimento sindical de Blumenau. Mas o fato é que o governo assume com compromissos com boa parcela dos partidos de direita, grupos empresariais e instituições de direita da cidade. E somos chamados para fazer um pacto pela cidade. Na época, o discurso era reunir patrões, empregados e governo para trabalharem em conjunto. Uma das medidas tomadas naquele momento era a questão das mudanças no transporte coletivo, como o aumento da passagem de ôni-
bus e incentivo fiscal a grupos empresariais. Como esse governo veio dos movimentos, sentimos necessidade de reunir o movimento sindical para avaliar aquela proposta. Depois da reunião, fomos contrários a fazer o pacto, automaticamente fazendo enfrentamento ao próprio governo. Passamos a nos reunir mais vezes. Esse governo passou a nos chamar para participar de conselhos municipais, éramos chamados individualmente, sindicato por sindicato. Avaliamos que o importante era que os sindicatos se reunissem e tirassem encaminhamentos conjuntos. Dos sindicatos, ocorreu a aproximação com os movimentos sociais?
Em seguida também participamos do Grito dos Excluídos, depois começamos a organizar o 1º de maio, e quando começaram a surgir as greves na cidade, quais fossem, esse Fórum se reunia, surgindo de forma bem pontual, mas ao longo do tempo nos organizamos melhor. Como muitos dos sindicatos, principalmente os bancários, tínhamos participação na Consulta Popular, o método de trabalho foi baseado no método dessa organização, com mística, bandeiras, baseado no tripé organização, formação e lutas, isso deu consistência forte. E articulando-se com aliados na cidade e fora dela, tendo como principal aliado o MST.
Houve o auxílio ao surgimento de movimentos na periferia de Blumenau?
Nos enraizamos nas periferias, onde conseguimos lutar pela regularização fundiária em diferentes áreas. Tivemos embate forte nas áreas ocupadas. Onde a população estava perto do despejo, garantimos que se mantivessem naquelas áreas. Em 2008, houve a tragédia ambiental, com chuva, deslizamentos, famílias morreram, casas foram perdidas, conseguimos organizar o Movimento dos Atingidos pelo Desastre (MAD) em duas cidades, Blumenau e Gaspar (cida-
de vizinha) – quem impulsionou isso foi a organização do Fórum.
“Nos enraizamos nas periferias, onde conseguimos lutar pela regularização fundiária em diferentes áreas” Com essa organicidade, o Fórum firmou-se como um espaço para além da articulação pontual e passou a disputar as eleições sindicais?
Nas eleições sindicais acabamos naturalmente sendo uma referência. Num primeiro momento, o Fórum não tomava posicionamento por essa ou aquela chapa, mas ao longo do tempo, devido aos ataques que passamos a sofrer, principalmente do setor patronal, passou a fazer as oposições e teve necessidade de organizar-se neste aspecto.
E como envolver, além das direções, os trabalhadores nesse processo?
Acreditamos que o método é fundamental. Ele é o principal motivo que aglutina, procurando trabalhar sem sectarismos, sem dogmas, sem preocupação com a sigla, essa ou aquela, mas utilizando o critério das lutas, o compromisso com a solidariedade, enfim, com a mudança do país. Além dele, o tripé da luta, organização e formação consegue avançar bastante. Mas fazemos o feijão com arroz: reuniões por local de trabalho, jornal periódico, o que reflete na atuação mais forte da base. (PC)
Quem é Leandro Spezia, atual presidente do Sindicato dos Bancários de Blumenau e militante da organização Consulta Popular
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
Núcleo duro Presidida pelo mega empresário Jorge Gerdau Johannpeter, a Câmara de Políticas de Gestão, instalada dentro do Palácio do Planalto, em Brasília, reúne quatro grandes empresários e quatro ministros do governo Dilma (Planejamento, Fazenda, Casa Civil e Indústria e Comércio). Agora responda com toda honestidade: nesse seleto grupo quem manda em quem, os representantes do capital ou os funcionários do Estado? Paraíso tropical Todo mundo sabe que o Banco Central é apenas um aparelho da Febraban e do capital financeiro nacional e internacional. A maior prova disso é que, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, nos últimos três anos as tarifas bancárias aumentaram 30% acima da inflação do período. Os bancos esfolaram seus clientes. Quem deveria conter a ganância é o Banco Central, mas ele é deliberadamente omisso nessas questões. Controle privado Proposta pela empresa estrangeira Experian-Serasa, com o apoio da indústria, comércio e especialmente dos bancos, a Medida Provisória 518/10, que cria o cadastro positivo, foi aprovada dia 10 de maio pela Câmara dos Deputados. Se tiver a aprovação do Senado, esse cadastro será mais um instrumento de coerção nas mãos das empresas para discriminar pessoas e impedir que os direitos dos consumidores sejam usados. É abuso contra a cidadania! Pressão popular Mais um documento dirigido à presidenta Dilma Rousseff solicita a suspensão do processo de licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, em Altamira (PA). Agora é um abaixo-assinado produzido por cientistas, pesquisadores, professores e intelectuais, que desde o dia 9 de maio circula nos meios universitários. O documento pede que seja “assegurado o direito dos Povos Indígenas e das Comunidades Tradicionais”. Patriotismo Interessada em aprovar rapidamente a reforma do Código Florestal, a bancada ruralista é constituída de proprietários de terras e de deputados e senadores financiados em suas campanhas eleitorais por grandes empresas do agronegócio. A pressa visa basicamente dois objetivos imediatos: liberar o desmatamento da Amazônia e do Cerrado e anistiar R$15 bilhões em multas aplicadas pelo Ibama de 2005 a 2009 e não pagas até hoje. Gente muito esperta! Eternamente Só agora, em 2011, a Justiça condenou o empresário Ricardo Mansur, proprietário das lojas Mesbla, que teve falência decretada em 1999, por ter se apropriado da contribuição previdenciária de seus funcionários, no valor de R$ 4,6 milhões. Prática comum no meio empresarial, esse tipo de golpe solapa o sistema público de assistência e aposentadoria dos trabalhadores. A demora no julgamento só estimula o crime. Ponto polêmico O Ministério da Cultura está recebendo inscrições para o seminário “A Modernização da Lei de Direitos Autorais: contribuições finais para o APL”, que será realizado em Brasília (Auditório do Superior Tribunal de Justiça) nos dias 31 de maio e 1º de junho. Vai tratar justamente de um dos temas que mais tem agitado os grupos que disputam o poder político no Minc. Tudo indica que o seminário será muito esclarecedor. Terror oficial Não satisfeito com sequestros e assassinatos em outros países, o governo dos Estados Unidos deverá contar, em breve, com novo e poderoso instrumento legal – em tramitação no Congresso daquele país – para deslocar tropas e promover ações militares em todos os locais do mundo considerados suspeitos de “associação com o terrorismo”. E ainda tem gente que acha o imperialismo uma questão superada! Ataque midiático A imprensa empresarial iniciou nova investida sobre a honestidade de membros do governo federal e do PT, agora para questionar o patrimônio acumulado pelo ministro Antonio Palocci, da Casa Civil, que teria adquirido imóveis – em 2009 e 2010 – no valor de R$ 7,4 milhões. É preciso que o ministro, o governo e o PT esclareçam o assunto rapidamente. E que as esquerdas, governistas ou não, não façam o papel de avestruz!
brasil
de 19 a 25 de maio de 2011
7
Trinta anos de história impressa Imagens: Reprodução
JORNAL SEM TERRA Publicação que iniciou como forma de sobrevivência de camponeses, completa 30 anos com abrangência nacional Joana Tavares da Redação “NÓS SOMOS MAIS de 500 famílias de agricultores que vivíamos nessa área (Alto Uruguai) como pequenos arrendatários, posseiros da área indígena, peões, diaristas, meeiros, agregados, parceiros, etc. Desse jeito já não conseguíamos mais viver, pois traz muita insegurança e muitas vezes não se tem o que comer. Na cidade não queremos ir, porque não sabemos trabalhar lá. Nos criamos no trabalho na lavoura e é isto que sabemos fazer.” Assim começa o primeiro Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade aos Agricultores Sem Terra, e assim começa parte importante da história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ali, em 1981, no entrocamento das cidades de Ronda Alta e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, acontece a ocupação de terra que é considerada a semente da organização do MST. As famílias ocuparam um trecho da estrada para reivindicar a posse da terra. Exigiam a desapropriação de latifúndios na própria região, e não em projetos de colonização em outros estados.
“A gente mandava bilhetes para Porto Alegre e o pessoal de lá escrevia o que estava acontecendo fora do acampamento” Novas pessoas foram se juntando. Aos poucos, o acampamento da Encruzilhada Natalino foi se tornando referência – tanto para os trabalhadores como para a repressão. O então presidente , o general João Batista Figueiredo, enviou um de seus quadros de maior confiança para cortar a mobilização popular. O coronel Curió – Sebastião Rodrigues de Moura, membro do Conselho de Segurança Nacional, o mesmo que desmobilizou a Guerrilha do Araguaia - cercou a região onde as famílias se instalaram com seus barracos de “armação de bambu, cobertos de plásticos, lonas e, gran-
de parte, apenas de capim”, conforme descrição do boletim. As duas extremidades da estrada foram fechadas, impedindo a circulação. “A porteira se abre”
Para romper o cerco, uma das inciativas foi a criação do Boletim, feito na capital do estado pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos e Comissão Pastoral da Terra do Rio Grande do Sul. “A gente mandava bilhetes para Porto Alegre e o pessoal de lá escrevia o que estava acontecendo fora do acampamento. As-
sim, o boletim cumpria uma dupla finalidade: informava os amigos da situação que nós vivíamos e repassava as informações para quem estava confinado lá dentro”, lembra Maria Izabel Grein, militante do MST que estava na ocupação e hoje compõe o setor de educação no Paraná. O Boletim chegou, por exemplo, até Adnor Bicalho Vieira, o Parafuso, que atuava na Comissão Pastoral da Terra de Santa Catarina. “Aquilo era uma denúncia do que acontecia com nosso povo. Foi uma maneira de ficarmos sabendo que havia diferentes formas de organização. Quando as coisas ficam isoladas, ninguém sabe. Aquele boletim motivou a organização da classe trabalhadora”, acredita. Vladimir Caleffi Araujo, jornalista que acompanhou o boletim desde o início e foi seu editor até 1986, afirma que o informativo surgiu de uma necessidade de divulgar a luta dos acampados e a extensa rede de solidariedade formada a partir dela. “As informações eram recolhidas de diversas formas e repassadas para um comitê de apoio que se formou em Porto Alegre. E nós tínhamos esta tarefa de juntar esta massa de informações e divulgá-las. Este boletim, no início rudimentar, passou a ser editado e acabou transformando-se no boletim dos semterra, numa espécie de porta-voz dos acampados”, lembra Vladimir, que atualmente dirige o Centro de Pesquisa e Documentação da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O Boletim não circulava com periodicidade fixa, variava de semanal para quinzenal. O número de páginas também mu-
De Boletim para Jornal Publicação ganha periodicidade e abrangência nacional a partir de 1984 da Redação O Encontro Nacional dos Sem Terra, realizado em Cascavel (PR) em 1984, considerado o encontro de fundação do MST, definiu que o Boletim regional passaria a ter abrangência nacional, com 12 páginas, formato tabloide e tiragem de 10 mil exemplares por mês. Em julho, ocorre a primeira impressão do “Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra”. Dez pessoas trabalhavam, algumas de forma fixa, outras em colaborações, no impresso. No entanto, o próprio jornal explicava: “O êxito do jornal depende fundamentalmente dos próprios lavradores sem terra. Eles é que deverão sugerir matérias, discutir com seus companheiros, sugerir assuntos e avaliar seu conteúdo”. Vladimir conta que houve fases em que o Jornal era efetivamente feito em grande parte pelos camponeses, com o apoio de um ou dois jornalistas. “Em termos de longevidade, acredito que no universo das publicações dos movimentos sociais e sindicais o jornal só perca para o Porantim, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). E aqui vai uma confidência: foi o Porantim que nos inspirou, quando demos o pulo de boletim regional para um jornal que se pretendia nacional”, lembra o jornalista. Depois do 1º Congresso Nacional do já consolidado MST, o jornal transferiu sua redação central para São Paulo – para onde havia sido transferida também a secretaria nacional do movimento – onde está até hoje. A primeira edi-
ção em São Paulo foi de maio de 1985, número 43. Atualmente, o jornal está em sua edição 311. “Lembro bem de quando o jornal virou nacional... A gente usava como material de comunicação com os grupos de base que queríamos chamar para os acampamentos. Cumpria um papel muito importante na expansão do próprio movimento. E as lideranças todas liam, era o jeito de saber como estava a reforma agrária”, lembra Izabel Grein, militante do movimento.
“A gente usava o jornal como material de comunicação com os grupos de base que queríamos chamar para os acampamentos”
Zeladores
Itelvina Masioli, hoje do setor de relações internacionais do MST, também se lembra com especial carinho desse momento. Ela conta que teve uma experiência diferente, porque entrou no MST “a partir da porta de entrada do jornal”. Itelvina era militante do PT em Rondônia e foi chamada para ser zeladora do Jornal Sem Terra. “As lideranças me explicaram o que era ser zeladora: a primeira tarefa era divulgar o jornal para nossos aliados, como uma forma de apresentar e divulgar o movimento. A segunda era mandar notícias do estado para o jornal. E outra muito importante, era garantir que o jornal chegasse até a base dos acampamentos”, aponta. Ela conta ainda que os militantes fizeram muitos cursos de comunicação para poder contribuir com o conteúdo do jornal. Havia até uma carterinha para identificar os zeladores do JST.
Contrainformação
“ Nesses 30 anos, o Jornal Sem Terra se consolidou como parte do MST. Temos muitos outros materiais que circulam entre nós, mas não estamos dando conta da importância do jornal para o acampado novo, para quem vai conhecer a luta pela reforma agrária e também para a unidade entre todos do movimento”, diz Izabel Grein. Adnor Bicalho Vieira, o Parafuso, que começou a fazer um trabalho de divulgação da publicação ainda em 1984, aponta que o jornal é uma “forma de outros trabalhadores, de outras categorias, conhecerem a luta do MST”. “Quando a mídia coloca uma matéria desonrada contra a gente, muitas lideranças da classe ajudam a nos defender”, reforça. Esse também é um elemento destacado por Altamiro Borges, jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB. “A mídia não trata das lutas dos trabalhadores. Ou não é notícia, ou tratam para criminalizar. Assim, uma publicação como o Jornal Sem Terra cumpre dois papéis: ser um contraponto à mídia conservadora e trazer informações de temas tão importantes como a luta pela reforma agrária, a realidade da agricultura familiar, o combate ao latifúndio”. Judite Stronzake, do setor de relações internacionais do MST, realizou uma pesquisa sobre as diferentes fases do jornal. Ela aponta que a publicação cumpre um papel importante na formação da consciência dos militantes do movimento, além de registrar sua história. “O jornal nasceu antes do MST e registrou um processo de gestação da organização das famílias Sem Terra. O jornal acompanhou e registrou em palavras e fotos a história do MST, do Brasil e da América Latina. Tornou-se um patrimônio ideológico da organização. O Jornal Sem Terra, para o MST, já é mais do que um meio de comunicação. É um símbolo. O militante se identifica, tem afinidade, gosta dele”, afirma. (JT)
dava de acordo com os temas tratados. A tiragem girava em torno de 700 exemplares. Além de retratar a situação das famílias do acampamento, trazia dados da solidariedade recebida e de outras lutas no Brasil. Em julho de 1982, o boletim anuncia que passaria a ser regional, “como o órgão de divulgação de suas lutas em cinco estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul”.
“[O boletim] foi uma maneira de ficarmos sabendo que havia diferentes formas de organização. Quando as coisas ficam isoladas, ninguém sabe” Em novembro de 1983, circula uma “edição histórica”, com cinco mil exemplares. “A porteira se abre”, anuncia a manchete, acompanhada da tradicional cruz com os panos simbolizando as crianças mortas no acampamento, por negligência do Estado. A edição comemorava a aquisição de terras para os colonos, na região de Ronda Alta. Hoje, parte das famílias está assentada na fazenda Anonni. Em 9,2 mil hectares vivem 450 famílias, em sete comunidades. Há ginásios de esportes, uma escola estadual, duas municipais e uma escola técnica de agroecologia.
Notícias para todos, inclusive as crianças Crianças Sem Terra têm suplemento especial desde 2007 da Redação “O MST é o que é porque é composto por todo mundo que luta pela terra: idosos, jovens, adultos, crianças, todos os sujeitos que participam”, aponta Maria Cristina Vargas, do setor de educação do movimento. Assim, foi discutido que o Jornal Sem Terra teria que chegar a todos, inclusive às crianças. Em 2007, circulou o primeiro encarte das “Crianças Sem Terrinha”, que desde então acompanha mensalmente a publicação. O setor entende que as crianças não estão isoladas, sempre contam com os adultos e educadores, que também podem trabalhar o jornal como subsídio de formação. “Mesmo as crianças que não sabem ler, podem acompanhar as imagens, assim como as brincadeiras, e também fazer o diálogo com a comunidade que as cercam”, destaca Cristina. O encarte – de quatro páginas – tem espaço para os desenhos e depoimentos das crianças, e trabalha geralmente com algum grande tema da sociedade, da cultura ou da política. “Leio sempre o Jornal Sem Terrinha. Gosto muito dos textos, mas às vezes eu não entendo. Aí eu pergunto pra minha mãe ou alguma educadora. Acho importante ter um jornal para as crianças, porque mesmo as crianças que não sabem podem aprender coisas novas. Acho que o jornal poderia ter mais brincadeiras”, diz Gabriel Sarmento Martins, de 8 anos, que mora na Comuna da Terra Dom Tomás Balduíno, em Franco da Rocha/SP. (JT)
8
de 19 a 25 de maio de 2011
cultura
Realidades impossíveis ARTES PLÁSTICAS Exposição em São Paulo é oportunidade de ver obras originais de um dos artistas gráficos mais influentes Aldo Gama da Redação É VERDADE QUE, para a maioria, Escher não é um nome familiar. No entanto, essas mesmas pessoas, muito provavelmente já viram suas obras ou outras inspiradas em suas criações. Desenhos animados, videogames e filmes reproduziram imagens ou concepções do artista diversas vezes, como na abertura da novela Top Model e, mais recentemente, na película A Origem. Em comum, a ilusão de ótica, a representação de arquiteturas impossíveis, como figuras humanas subindo e descendo escadas em um mesmo plano. Em exibição no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em São Paulo, até 17 de julho, a exposição “O mundo mágico de Escher” é uma oportunidade de conhecer - ou reconhecer – a obra do artista holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972), ali representada em 95 gravuras originais e desenhos, além de instalações interativas. E de avaliar se, como ele mesmo ressaltava, trata-se apenas do trabalho de um artista gráfico ou de “obras de arte” genuínas, questão debatida por críticos. A popularidade da obra de Escher, paradoxalmente, impediu seu reconhecimento a ponto de, ainda hoje, não ser consenso entre críticos de arte e diretores de museus - que acham seu trabalho decorativo e fácil demais. Tanto que museus holandeses só começaram a dar espaço ao artista depois de seu sucesso no mercado estadunidense. A seguir uma entrevista com Pieter Tjabbes, curador da exposição. Brasil de Fato – Seria correto ressaltar o caráter lúdico da exposição e, consequentemente, de boa parte da obra de Escher? Pieter Tjabbes – Não podemos dizer que a obra de Escher é lúdica. Alguns trabalhos têm esse aspecto, mas ele quis mostrar algo mais sério: a forma que nós enxergamos o mundo, como nossos olhos podem ser enganados quando o artista cria uma ilusão no papel. Como funciona a realidade quando mostrada num espelho. Como conceitos matemáticos e geométricos podem ser utilizados para criar obras de grande beleza. O documentário exibido na exposição apresenta um homem que negligenciava o convívio familiar em favor do trabalho. Os materiais e técnicas escolhidas por ele (xilogravuras e litogravuras) dependem de tempo e dedicação para serem dominadas. Essa escolha já seria um indicativo de sua personalidade? Ele era absolutamente dedicado a sua obra, e escolheu uma forma de criar que requer uma atenção enorme, como também um tempo prolongado para executá-la. Em consequência disto, muitas vezes esquecia das obrigações familiares. Não era uma escolha objetiva, mas um resultado. Ele se preparava muito antes de começar um trabalho. Tinha uma admiração pelos efeitos que só a gravura permite. Era metódico e acho que este trabalho constante e detalhado o atraiu. Assim não precisava de um momento concentrado de inspiração, - como acontece, às vezes, quando alguém pinta um quadro - mas de uma inspiração planejada ao longo das semanas em que ele criava a obra.
“Ele era absolutamente dedicado a sua obra, e escolheu uma forma de criar que requer uma atenção enorme” A maioria das biografias do artista afirma que antes de 1937 sua obra é dominada pela representação da realidade. A partir desse ano, Escher passa a dedicar-se à sua imaginação, trabalhando formas geométricas, estruturas matemáticas, continuidade, etc. É correta essa visão de duas fases distintas? Sim e não. De fato, ele permite, nesta segunda fase, que a fantasia fique mais importante, mas em muitas obras segue um estilo realista, mas com assuntos inventados. Mas em todas as obras da primeira fase a imaginação tinha um papel importante. Ele sempre escolhia pontos de vista diferenciados, fazendo assim
Reprodução
com que existisse sempre um elemento de estranhamento, além de utilizar a perspectiva de uma forma inventiva. Quais fatos ou circunstâncias influenciaram a mudança de seu trabalho a partir de 1937? Na obra Flor de Pascoa de 1921 ele já indicava claramente quais caminhos iria trilhar em sua carreira: natureza, perspectiva, eternidade, efeitos óticos, ladrilhamento, espelhamento, reflexo etc. Influenciado pela sua longa estadia na Itália, a natureza ficou em destaque, mas em pensamento já estava se preparando para abordar outros assuntos. A exposição quer justamente mostrar como a obra dele foi consequente. E que o fato das obras dos anos 1950 e 1960 serem mais conhecidas não quer dizer que o que ele produziu antes não era interessante. Boa parte da exposição é de obras anteriores, que são lindas.
“Influenciado pela sua longa estadia na Itália, a natureza ficou em destaque, mas em pensamento já estava se preparando para abordar outros assuntos”
Dia e noite, xilogravura de 1938
Escher também aceitava trabalhos sob encomenda, para publicidade ou mesmo embalagens de produtos. Qual a relevância de seus trabalhos nessa área? Bem menor, mas alguns desenhos para selos postais e mesmo notas de dinheiro eram excelentes. Muitas obras eram ex-libris (que possuíam proprietário) que não permitem muita liberdade para o artista. Mas a família tinha que viver e vender gravuras não era suficiente até os anos de 1950. Qual o principal legado de seu trabalho? O mais importante da obra de Escher é que pessoas sem conhecimento da história da arte a adoram. São de fácil acesso. Ele abre caminho para o público apreciar a arte. Mas ao mesmo tempo também pode ser admirado por especialistas e acadêmicos. E mesmo pelo total domínio das técnicas de gravura. Mas esta admiração mundial, muitas vezes por leigos, também faz com que, até hoje, exista uma certa desconfiança por parte dos profissionais do mundo da arte. Criticam o estilo convencional e as brincadeiras, como sendo algo de pouca importância. Pode até ser, mas a relevância de Escher reside justamente nesta capacidade de fascinar, divertir e ensinar.
Répteis, litogravura de 1943
Escher por Escher “Quando alguém, desde muito jovem, se dedica apaixonadamente à atividade da técnica da gravura artística, pode acontecer que encare o domínio perfeito dessa técnica como o seu maior ideal. Esse atraente ofício toma todo o seu tempo e pede a sua total atenção, de modo que subordina mesmo a escolha do objeto ao desejo de experimentar uma determinada faceta da técnica. Na verdade, dá grande satisfação adquirir um conhecimento artesanal, desenvolver a capacidade de conhecer profundamente o material que está à disposição, aprender a usar com mestria e convenientemente os utensílios de que se dispõe em primeiro lugar: as próprias mãos.” “Eu acredito que produzir imagens, como eu faço, é quase apenas uma questão de querer muito para fazê-lo bem” “Eu poderia preencher uma segunda vida inteira trabalhando em minhas impressões” Relatividade, litogravura de 1953
“Para ficar em paz com essa vida peculiar, para aceitar o que não entendemos, para esperar com calma o que nos aguarda, você tem que ser mais sábio do que eu sou “ “Eu não amadureço. Em mim vive a pequena criança de meus primeiros dias”
Para entender:
Serviço
A xilogravura é uma técnica de impressão em relevo na qual uma imagem é esculpida na superfície de um bloco de madeira e reproduzida, principalmente, em papel. Já a litogravura segue processo inverso, com o desenho criado em relevo com um lápis gorduroso sobre uma pedra (calcário)
O que: O Mundo Mágico de Escher Quando: de terça a domingo, das 9h às 20h, até 17 de julho de 2011 Onde: CCBB-SP - Rua Álvares Penteado, 112, Centro Quanto: Entrada franca
américa latina
de 19 a 25 de maio de 2011
9
Um país que decide seu modelo PERU Esquerda partidária e não institucional peruana se une a Humala para derrotar a possibilidade de volta do fujimorismo Reprodução
Julia Nassif de Souza e Ignacio Lemus de Lima (Peru) ONZE ANOS depois dos escândalos de corrupção, violações comprovadas de direitos humanos e fuga de políticos que marcaram a queda do fujimorismo, o Peru se prepara para o segundo turno das eleições presidenciais que apresentam Keiko Fujimori – filha do ex-presidente Alberto Fujimori, hoje, atrás das grades – em uma ferrenha disputa com o candidato progressista Ollanta Humala, que alcança pela segunda vez consecutiva o segundo turno. Os números indicam que até 5 de junho o país viverá um clima de incertezas, após um primeiro turno em que Gana Perú, partido de Humala, superou, com 31,7% dos votos, as quatro forças apresentadas pela direita neoliberal: Keiko Fujimori (23,5%); o peruano-estadunidense Pedro Pablo Kuczynski, exassessor do Banco Mundial e ex-primeiro-ministro; o ex-presidente AlejandroToledo; e Luis Castañeda. De acordo com a última pesquisa, do instituto de pesquisas Datum, de 15 de maio, o apoio dos grandes meios de comunicação à filha do ex-ditador tem dado resultado: Fujimori, com 46% das intenções de votos, supera Humala por quase 6 pontos de diferença. 8,6% dos peruanos ainda estariam indecisos. Origem militar
Ollanta Moisés Humala Tasso, segundo de sete irmãos, é descendente do movimento militar Etnocacerista, grupo que nasceu para atuar na defesa dos direitos nacionais indígenas. Como militar, em 1991, Humala prestou serviços combatendo os remanescentes do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso, função pela qual o candidato não é muito recordado. Em 2000, ainda como militar, esteve na rebelião na cidade de Moquegua, no sul do Peru, contra o regime de Alberto Fujimori, enquanto o assessor presidencial Vladimiro Montesinos escapava do país em um veleiro.
Humala também conta em seu currículo com investigações e acusações contra ele, nenhuma delas comprovadas na Justiça peruana Humala também conta em seu currículo com investigações e acusações contra ele, nenhuma delas comprovadas na Justiça peruana. Afastado do serviço militar em 2005, o candidato foi acusado de ter participado de um levante seguido de assalto em uma delegacia no qual seu irmão, o ultranacionalista Antauro Humala, terminou condenado a 25 anos de prisão por delitos de homicídio qualificado, rebelião e porte ilegal de armas. Em 2005, como líder do Partido Nacionalista Peruano, postulou-se às eleições presidenciais, em aliança com o partido Unión por el Perú. Contando com o apoio anunciado do presidente venezuelano Hugo Chávez, disputou o segundo turno contra Alan García, que saiu vitorioso. Cinco anos mais tarde, o Gana Perú, aliança do Partido Nacionalista Peruano com partidos de esquerda, apresenta Humala como a única força para enfrentar os quatro candidatos da direita neoliberal. Escândalos e popularidade
Do outro lado, está Keiko Fujimori, que, com 34 anos, já carrega uma bagagem governista desde 1994 quando, aos 19 anos, enfrentou o turbulento divórcio dos pais e escolheu ficar ao lado do então mandatário. Os frutos dessa decisão ela colhe agora, alcançando altos índices de popularidade em sua primeira tentativa presidencial. No ano 2000, na terceira gestão presidencial de Alberto Fujimori, durante os escândalos e denúncias de corrupção e violação de direitos humanos que já não se podia esconder, o presidente foge do país e só é detido em 2005, no Chile, em uma ação histórica da Justiça latinoamericana. Keiko, então, volta a morar nos Estados Unidos, onde completa sua preparação política inspirada na defesa de seu pai, que cumpre 25 anos de prisão. Os escândalos que rondam a família Fujimori não evitaram que Keiko, em sua primeira tentativa à presidência, venha alcançando mais da metade das intenções de votos válidos no segundo turno. Mas, com tanta corrupção exposta e comprovada, prisões decretadas e fugas do país, por que a candidata tem tanta popularidade?
o conceito que o imaginário midiático criou do “ditador” Hugo Chávez encontra paralelo em algum peruano, este seria Alberto Fujimori. Ugarteche agrega que o Peru possui traumas das guerras contra Equador e Chile, das perdas ocasionadas pela inflação e das reformas de Juan Velasco Alvarado [presidente do autodenominado Governo Revolucionário das Forças Armadas, entre 1968 e 1975].
Segundo ele, cada vez que tais reformas, como a agrária e nacionalizações, são trazidas à pauta, a elite se mobiliza, temendo que a história se repita
46
%
das intenções de votos alcançou Keiko Fujimori na última pesquisa eleitoral para a presidência do Peru
A candidata à presidência peruana Keiko Fujimori
panha contra Chávez, comenta Ugarteche, assegurando que se trata de uma jogada política para diferenciar o governo “democrático” de García do “não democrático” do venezuelano, com o objetivo de polarizar a América do Sul e separar o Peru e a Colômbia de uma dinâmica política regional que está em curso. O peculiar, acredita o economista, é que essa campanha não é acidental, pois estaria orquestrada pela direita venezuelana, que estaria assessorando Keiko Fujimori. Paradoxalmente, se
É o que explica o peruano Oscar Ugarteche, economista, presidente da Agência Latino-Americana de Informação (Alai) e coordenador do Observatório Econômico da América Latina (Obela). Ao analisar o processo eleitoral peruano, ele sugere que a filha de Fujimori conquista as novas gerações apresentando-se como a “jovem mãe, simpática, com um marido gringo e com três passaportes, que, vergonhosamente, são valores positivos para a sociedade peruana”. Apoio dos movimentos
A imagem de boa moça, exemplo para a juventude desinteressada na política do país, já seria suficiente para conquistar tamanha votação de uma geração que não viveu ou não tem memória do autoritarismo fujimorista. Além disso, segundo Ugarteche, que teve que sair por três vezes do país na era Fujimori, “a direita promoveu tudo com tanta inteligência que Humala simboliza perda, autoritarismo, violação dos direitos humanos, expropriações, estatizações, controles de preços e tudo o que levou à hiperinflação que Alan García produziu nos anos 1980”. Apesar das vinculações que são atribuídas a ele, no entanto, a maioria dos movimentos sociais no Peru o tem apoiado, nem sempre por identificação plena, mas sim por uma união dos movimentos e partidos da esquerda peruana contra um medo em comum: o retorno à corrupção e à “ditadura” fujimorista. Lourdes Huanca, presidenta da Federação de Mulheres Campesinas, Artesãs, Indígenas, Nativas e Assalariadas do Peru (Femucarinap), confirma o apoio da organização e esclarece que essa decisão foi discutida e tomada pela maioria dos movimentos sociais que atuam em defesa, principalmente, da liberdade e da democracia, que estariam ameaçadas com a volta do fujimorismo.
Ugarteche sugere que a filha de Fujimori conquista as novas gerações apresentando-se como a “jovem mãe, simpática, com um marido gringo e com três passaportes (...)” Tais riscos são também apontados por Ugarteche, que adverte ainda que, em uma eventual vitória de Keiko, Alberto Fujimori, o fantasma ignorado pela imprensa nesta eleição, seria solto no dia seguinte ao segundo turno. Ao mesmo tempo em que a mídia esquece o ditador, ela tenta fazer colar a imagem de falta de autonomia da candidatura de Ollanta Humala, mostrando Hugo Chávez à sua sombra. Hugo Chávez
Não é de hoje que isso acontece. Desde que o atual presidente, Alan García, assumiu, a mídia tem incentivado a cam-
Segundo ele, cada vez que tais reformas, como a agrária e nacionalizações, são trazidas à pauta, a elite se mobiliza, temendo que a história se repita. A estratégia de associar Humala a Chávez seria a tentativa de colar no primeiro a ideia de perda (de privilégios). Apesar dos traumas, o plano de governo de Humala se orienta para a distribuição de renda, geração de emprego e regulação dos recursos para a formação de um setor industrial produtivo que enfrente o grande setor financeirominerador, representado por Pedro Pablo Kuczynski e Keiko Fujimori.
Entre o norte e o sul de Lima (Peru) No nível regional, o segundo turno das eleições para presidente do Peru entre Ollanta Humala e Keiko Fujimori pode definir a participação política do país na integração com os EUA ou com os vizinhos latino-americanos; mantendo os bons índices do mercado financeiro que nascem em Nova York e terminam em Santiago do Chile, ou se dedicando a fortalecer modelos econômicos mais indepententes.
A integração consistiria em uma tentativa forçada de união continental e não sub-regional, já que o México se encontra associado a Estados Unidos e Canadá no Nafta
Em abril, Peru, Chile, Colômbia e México firmaram o Bloco do Pacífico, nova comunhão de livre comércio entre os quatro países que poderia oferecer uma contraposição a iniciativas como o Mercosul. Porém, o acordo tem gerado polêmica quanto aos seus benefícios e, principalmente, os reais beneficiados.
A integração consistiria em uma tentativa forçada de união continental e não sub-regional, já que o México se encontra associado a Estados Unidos e Canadá no Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), permitindo uma maior aproximação do bloco norte-americano com os outros três países assinantes do Bloco do Pacifico. Fonte de matéria-prima
Assim, o novo bloco e, consequentemente, o provável fortalecimento do diálogo com os Estados Unidos poderiam aumentar os mercados e espaços internacionalizados na economia de privatizações em que se encontra o Peru atualmente, mantendo o país como fonte de matérias-primas e afastando-o da integração com a região sul. “Isso terminaria de se concretizar com um tratado entre a América Central e os outros três países do bloco, o que dividiria o hemisfério americano em dois; por um lado, a parte da América do Norte com a América Central e os países do Bloco do Pacífico e, por outra parte, o Mercosul, basicamente”, assegura Ugarteche que, no entanto, adverte que tal decisão depende do parlamento peruano, já que este pode referendar o tratado antes ou depois da posse do novo presidente, em 28 de julho. Se isso acontecer antes dessa data, o próximo presidente teria as mãos atadas. (JNS e IL)
A herança neoliberal de Lima (Peru) Grandes desafios aguardam Ollanta Humala, caso seja eleito. Ele terá que enfrentar as amarras do setor financeirominerador, encabeçado pelas grandes corporações estrangeiras de extração de recursos naturais e os grandes grupos investidores.
Humala terá que enfrentar as amarras do setor financeirominerador, encabeçado pelas grandes corporações estrangeiras de extração de recursos naturais e os grandes grupos investidores Terá, também, que saber lidar com a pequena taxa de inflação, que vem agradando ultimamente, e com o PIB de 2010, motivo de orgulho no setor político. Ao mesmo tempo, terá que tentar re-
finar a economia de forma que se alcance um aumento salarial, melhor distribuição de renda e crescimento produtivo e industrial do país. A flexibilidade do emprego, promoção de contratos temporários, ausência e negação de sindicatos, o enfraquecimento dos direitos trabalhistas e a criminalização dos movimentos sociais são algumas das sequelas do regime fujimorista, segundo analistas do campo progressista. Pobreza
A herança dos anos de neoliberalismo também inclui os altos índices de lucros das empresas e o aumento dos investimentos estrangeiros, hoje considerados como sinais de desenvolvimento de um país que atualmente garante somente 8% de empregos dignos – segundo estudo realizado por Julio Gamero, ex-ministro de Promoção do Emprego do Peru – e concentra 34,8% de sua população em regime de pobreza, sendo que 11,5% desta está na condição de extrema pobreza, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estadística e Informática do Peru (Inei). (JNS e IL)
12
de 19 a 25 de maio de 2011
internacional
Derrota histórica para Berlusconi Reprodução
OPINIÃO Em meio a escândalo, premiê italiano perde força nas eleições municipais Achille Lollo de Roma (Itália) NOS DIAS 15 e 16 de maio, 13 milhões de italianos foram votar para prefeito e representantes dos 76 Conselhos provinciais, sancionando a derrota política de Berlusconi e de seu governo direitista. O aumento da participação do eleitorado (72%) correspondeu à retomada política da esquerda, de forma que o reformista Partido Democrata, de Píer Luigi Bersani, deverá manter seu rumo político mais à esquerda, no lugar de fazer alianças com os moderados. Assim as listas da centro-esquerda colecionaram importantes vitórias em Turim, Bolonha, Salerno, Lucca, Gorizia, Ravenna, Benevento, Siena, Savona e Arezzo, que poderão aumentar com as vitórias no segundo turno em Milão, Nápoles, Trieste, Cagliari, Varese, Novara, Cosenza, Rovigo, Rimini e Pordenone. Milão: ponto crucial
Se o 2º turno, a ser realizado entre 29 e 30 de maio, confirmar a vitória da centro-esquerda em Milão e em Nápoles, para os italianos se abrirá um novo clima político que vai favorecer a implementação de novas alternativas e, consequentemente, enterrar a fábula política da direita e o mito de Berlusconi. Todos os analistas políticos e os editorialistas dos jornais admitem que se Giuliano Pisapia – o candidato da coalizão formada pela esquerda e o PD – derrotar no segundo turno a poderosa prefeita de Milão, Letizia Moratti, este resultado vai determinar um terremoto no governo, fazendo saltar todos os acordos que Berlusconi havia costurado nos últimos dois anos.
Tirar a Liga Norte e o partido de Berlusconi da prefeitura de Milão, depois de 14 anos de governo, tem um valor simbólico no contexto italiano De fato, tirar a Liga Norte de Bossi e o Partido da Liberdade (PdL) de Berlusconi da prefeitura de Milão, depois de 14 anos de governo, tem um valor simbólico no contexto italiano, a partir do momento que a prefeitura de Milão foi o primeiro passo de Berlusconi e de Bossi na longa caminhada em direção à presidência do Conselho. Por outro lado, Milão é a capital econômica e financeira do país e uma mudança política em sua administração vai influenciar, política e emocionalmente todo o eleitorado do Norte da Itália, em particular os separatistas-xenófobos da Liga Norte, pelos quais sua presença nas prefeituras de Veneza, Milão, Torino e Bologna simbolizava a concretização do ideal federalista da Liga Norte, a partir do qual era mais fácil promover o projeto separatista da “Padania”, isto é a criação de um estado independente na Itália do Norte. Il Giornale e o PdL
Entre os jornais italianos Il Giornale é considerado o mais feio do ponto de vista gráfico e o mais manipulador. Por isso é o menos vendido nas bancas, porém é o mais oferecido e o que mais circula gratuitamente nas escolas e nas instituições. Consequentemente seu dono, Silvio Berlusconi, a cada mês deve injetar, a fundo perdido, milhões de euros e por isso, para os editores de Il Giornale qualquer besteira que Berlusconi faça ou diga é um argumento de campanha eleitoral. Assim foi com Ruby - a menor marroquina que frequentava as festas “Bunga-Bunga” de Berlusconi ou com os juizes de Milão que moveram processos por corrupção contra o premiê, ou com os jornalistas de La Repubblica e L´Espresso que denunciavam as estranhas relações de Berlusconi e de seu braço direito, Dell´Utri, com elementos da máfia siciliana (Cosa Nostra), da napolitana (Camorra) ou da calabresa (Ndrangheta). Entretanto foi nas páginas de Il Giornale – considerado um dos mais falsos, desleais com o Brasil durante a campanha eleitoral para eleger Lula e depois Dilma – que foi definida a linha política “anticomunista” para essas eleições. Uma campanha que iniciou mesmo em Milão falsas acusações contra o candidato da esquerda, Giuliano Pisapia, segundo as quais este seria “...um amigo de terroristas, ligado a atos violentos dos centros sociais e indiciado por roubo de carro...” Um violento extremismo verbal que correspondia inteiramente à tônica eleitoreira dos mais diretos colaboradores
Giuliano Pisapia, candidato da coalizão formada pela esquerda e o PD, candidato à prefeitura milanesa
de Berlusconi, como os ex-fascistas Daniela Santanché, Inazio La Russa e o exsocialista Fabrizio Cicchitto que, desta forma, ofenderam a inteligência dos eleitores, inclusive a dos moderados que, desta vez, não acreditaram mais nas fantasmagóricas histórias do premiê e de seus comparsas. E foi por isso que um grande número de italianos deixou de votar no PdL e na Liga Norte. Direita em pedaços
Uma das características da política italiana atual é o excesso de egocentrismo por parte dos líderes partidários. De fato com o desaparecimento dos partidos tradicionais da Primeira República (Partido Comunista, Socialista, Republicano, Social Democrata, Democracia Cristã e Liberal) os novos partidos ficaram muito dependentes do carisma e do dinheiro dos líderes, de forma que toda as estruturas partidárias se tornaram um fac-símile de cortes principescas onde cada um dos fidalgos fala mal do outro, mas todos lambuzam a mão do poderoso príncipe. E foi por isso que Berlusconi, através de seu império midiático, quis transformar essas eleições em um verdadeiro referendo que – em caso de vitória – o teria salvado dos processos por corrupção, impondo aos parlamentares dos partidos que sustentam o governo um código de atuação ainda mais estreito no que diz respeito às leis que salvaguardam os interesses dele, de suas empresas e as dos amigos mais fiéis. Porém a derrota eleitoral acentuou a divisão no seio do “Popolo della Liberta” – o partido de direita fundado por Berlusconi .
Com histórias fantasmagóricas, Berlusconi e seus comparsas ofenderam a inteligência dos eleitores, inclusive a dos moderados que deixaram de votar em seu partido Para estes o dilema é quase absoluto porque não sabem se devem voltar a apoiar totalmente o PdL e evitar que Berlusconi afunde definitivamente ou se é melhor ficar em cima do muro esperando herdar os setores do eleitorado conservador desiludidos com o premiê. Por outro lado, em caso de eleições em setembro, os analistas admitem que Berlusconi vá novamente querer transformar a campanha eleitoral em uma batalha contra o comunismo e desta forma o PdL vai perder entre 15 e 20% de seu eleitorado, reduzindo sua presença política em nível nacional a 12% ou talvez 14,5%.
Esquerda ou centro-esquerda?
em Nápoles, haverá um novo curso que tem sido alcunhado, pelos conservadores e mafiosos da camorra (os e leitores de Berlusconi), como “a louca revolução de um comunista.” A verdade é que, sobretudo nos territórios como Nápoles, Milão, Trieste, Cagliari, Cosenza, Novara, Crotone, onde a ausência do Estado é mais do que evidente e o avanço da crise econômica fez aumentar o desemprego, a delinquência e a desordem social, a ideia de refundar as prefeituras é uma proposta que conquistou muitos italianos, independentemente de ser levada a frente por um comunista, um socialista ou, simplesmente por alguém como De Magistris que acredita, apenas, na justiça social.
De fato com o desaparecimento dos partidos tradicionais da Primeira República , os novos partidos ficaram muito dependentes do carisma e do dinheiro dos líderes
Partido Democrático
No campo da esquerda – que nas últimas eleições desapareceu do cenário parlamentar em função de sua fragmentação ideológica - e da centro-esquerda, representado pelo Partido Democrático, de Píer Luigi Bersani e a Itália dos Valores, do ex-juiz Antonio Di Pietro, o problema é, antes de tudo, a convivência política nas prefeituras, nos conselhos provinciais, nas juntas regionais e no Parlamento. Uma convivência - diferente da aparente unidade eleitoreira costurada por Romano Prodi em 2006 - que surge da necessidade de realizar um programa político alternativo ao atual status quo imposto pela direita durante 15 anos.
É importante dizer que um dos fatores que determinaram a vitória dos candidatos das coalizões formadas pela esquerda e o Partido Democrático foi a volta às urnas dos italianos desiludidos com a política oportunista de Ugo Bossi e enjoados das “fábulas” de Berlusconi. Por outro lado, foi determinante a participação do eleitorado juvenil que influenciou esta eleição não só do ponto de vista numérico mas, também, em termos qualitativos. Por exemplo, foi muito importante a veiculação na sociedade das propostas do Movimento Cinco Estrelas - fundado em 2006 pelo ator Beppe Grillo apenas como um movimento de protesto juvenil e que hoje pretende refundar o sistema político, considerado corrupto e incapaz de garantir desenvolvimento socioeconômico para todos. A crítica ao sistema político foi o argumento central de outros candidatos da esquerda que relacionaram a crise do sistema com as degradantes administrações municipais. Por exemplo, em Nápoles, Luigi De Magistris, o candidato da coalizão Itália de Valor e Refundação Comunista, apresentou um programa que prevê a reformulação geral da prefeitura de Nápoles e de seus 80 mil funcionários, além da revisão de todos os contratos assinados com as empresas fornecedoras de serviços e de mercadorias. Enfim, se De Magistris ganhar Reprodução
Com esta eleição o Partido Democrático, de Píer Luigi Bersani, Walter Veltroni e Massimo D´Alema passa a ser o primeiro partido nas principais cidades italianas que jogam um papel determinante na economia industrial, isto é, Milão, Turim, Bolonha, Genova e Florença. Isto significa que os administradores dessas prefeituras vão lidar, por um lado com as pressões de um empresariado e de uma classe média cada vez mais insegura após 15 anos de neoliberalismo e com as reivindicações de seus eleitores que, antes de tudo, querem trabalho e serviços públicos eficientes. Não podemos esquecer que a lei do federalismo fiscal (votada em março pelo governo Berlusconi), na realidade penaliza as prefeituras que, a partir de 2012, não poderão mais renegociar as dívidas herdadas das administrações anteriores. Consequentemente, os prefeitos deverão administrar cidades caóticas com pouco mais da metade das verbas que recebiam antigamente e para muitos prefeitos haverá apenas duas alternativas: governar as cidade convivendo com a desordem e o caos, como aconteceu em Nápoles, onde nos últimos três anos a prefeitura não conseguiu tirar o lixo das estradas ou programar reformas estruturais profundas que para alguns serão consideradas o início de uma revolução, enquanto para outros será a desejada alternativa ao caos herdado do governo de direita.
Os analistas creem que Berlusconi vá novamente querer transformar a campanha eleitoral em uma batalha contra o comunismo e desta forma o PdL vai perder entre 15 e 20% de seu eleitorado Pier Luigi Bersani, logo após a confirmação da vitória absoluta de Virgilio Merola em Bolonha e da vitória parcial de Giuliano Pisapia em Milão disse: “Aconteceu uma inversão de tendências e agora o vento do Norte sopra contra o PdL de Berlusconi e a Liga de Bossi. Assim, após o segundo turno – que nós vamos vencer – se abrirá uma nova fase política que, possivelmente, determinará a crise do governo. Por isso, desde já vamos trabalhar para unificar a centroesquerda e assim, determinar primeiro a falência do governo e depois demonstrar nossa capacidade de governar”.
A atual prefeita de Milão, Letizia Moratti
Achille Lollo é jornalista italiano, editor do programa de TV “Quadrante Informativo”