Edição 431 - de 2 a 8 de junho de 2011Uma visão popular do Brasil e do mundo

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Felipe Canova

Honduras

O retorno de Manuel Zelaya

Pág. 9

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Circulação Nacional Ano 9 • Número 431

São Paulo, de 2 a 8 de junho de 2011

R$ 2,80 www.brasildefato.com.br Marcelo Camargo/Folhapress

Parceria Público-Privada O vertiginoso aumento patrimonial do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, explicita, mais do que suspeitas morais, questionamentos ao sistema político brasileiro, que favorece a promiscuidade entre as esferas pública e privada. O prejuízo político não demorou a chegar para o governo Dilma, que teve que ceder nas questões do Código Florestal e do kit anti-homofobia. Págs. 4 e 5

ISSN 1978-5134

Um Estado democrático para judeus e palestinos

Pág. 11

Agora, até a Embrapa produz transgênicos Pág. 7

Beto Almeida

Silvio Mieli

Miguel Urbano Rodrigues

A volta de Zelaya

Militarização do cotidiano

A fachada democrática

O retorno do presidente deposto simboliza o fracasso do golpe que ceifou muitas vidas de valorosos lutadores sociais. Em sua primeira fala, Zelaya cobrou a apuração das atrocidades. Pág. 3

Enquanto nos preocupamos com os minutos de fama de Bolsonaro, em performances patéticas tão ao gosto da grande mídia, está em marcha um processo de militarização do nosso próprio cotidiano. Pág. 3

Os nomes dos maiores partidos de Portugal e Espanha mascaram a realidade. Os partidos socialistas são neoliberais e o PP espanhol é um partido da direita com matizes neofascistas. Pág. 3


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de 2 a 8 de junho de 2011

editorial

Partidos eleitorais de direita fragilizados A ATUAL CONJUNTURA política brasileira nos tem exigido um enorme esforço para entender a sua complexidade. Um dos desafios é identificar o comportamento dos partidos eleitorais de direita. Sabemos que a leitura da luta de classes e seus polos em disputa – numa sociedade de massas e de total hegemonia dos meios de comunicação da burguesia – gera muita confusão. E isso pode induzir a simplificações nas análises e nos conduzir a derrotas. A começar pela identificação das forças em conflito, seus métodos, pautas, meios, instrumentos etc. Ou seja, suas táticas. A atual situação dos partidos eleitorais de direita é contraditória, e cabe a nós compreendermos isso e não deixar as aparências desviarem nossas atenções. Por exemplo, as elites – representadas em seus partidos eleitorais – aparentam cambalear, mas não cairão tropeçando nos próprios pés. Os passos trôpegos, escancarados em recentes comportamentos dos partidos tradicionais dão apenas sinais de fraqueza, mas não de derrota. Basta analisar a situação do PSDB, sem discurso, sem linha clara de oposição, perdendo quadros e recebendo as polêmicas orientações de FHC. Do mesmo modo, e não menos cambaleante, está o DEM, que mal

se recauchutou a partir do findo PFL e já padece de uma crise com a saída de importantes quadros, deixando o partido ainda mais em frangalhos. Desponta o ressuscitar do velho PSD com Kassab e Kátia Abreu no comando, ainda sem muito delinear a que se propõe. Mas já deixou claro o que não quer: se opor a Dilma. O fato é que os partidos eleitorais de direita carregam no ventre a rearticulação das elites conservadoras e não seu enfraquecimento. Eis a diferença entre os fenômenos aparentes – crise – e o que está por trás deles – reorganização. Esse mesmo cambalear ante os olhos de todos também demonstra que os quadros institucionais de direita jogam em diversos times e não estão restritos a essas três siglas mencionadas. Bastaria verificar o jogo duro, e unificado, no episódio recente do Código Florestal. A direita – representada por seus partidos – é ousada e sem pudores. Pautou um tema que reúne grande consenso da sociedade brasileira e mundial – a proteção ambiental – e combinou com as velhas propostas de modernização que conhecemos bem, como expansão da chamada fronteira agrícola e maior liberdade para o capital atuar no campo. Ou seja, propôs, pautou, sustentou e levou. Fomos derrotados! É certo, dirão alguns,

Portanto, frente a esse cenário, cabe aos setores populares não perderem de vista como esses partidos de direita se reorganizam

que se trata de uma vitória pontual. Mas não esconde o fato: conseguiram ganhar essa batalha. Aludir que essa direita vive em crise não deixa de ser real. Mas o exemplo nos é pedagógico: mesmo dividida em siglas, joga junto e não perde de vista sua pauta. A postura chega ao ponto de ser ousada no jogo de cena, como fizeram no caso da votação do salário mínimo. Todos estão fartos de saber que esses setores são contrários a qualquer polí-

opinião Dilson Alves de Paiva

tica de distribuição de renda e valorização do salário mínimo, mas para usar os meios de comunicação e tentar enganar o povo se fizeram de defensores dos anseios populares e bradaram ao vento um salário mínimo mais alto do que fora aprovado. Não temos dúvida da discrepância entre o salário mínimo brasileiro e o que realmente deveria ser um salário digno para o trabalhador, mas sabemos que foi apenas jogo de cena desses setores e o velho proselitismo conservador e patronal. Outro momento que nos remete à cara de pau desses representantes dos partidos de direita é a recente reaparição do ex-presidente FHC, conhecido por grande capacidade de conduzir as privatizações no país, entregando todo o patrimônio público à iniciativa privada. Em qualquer país esse senhor que se orgulha de ter vendido praticamente todas as nossas estatais a preço de banana seria alvo de investigação criminal e consequentemente preso, juntamente com seus comparsas. Por muito menos, vários ex-presidentes dessa mesma “safra” que atuaram em nossa América Latina, como Alberto Fujimori (Peru), Lucio Gutiérrez (Equador), Gonzalo Sánchez de Lozada e Carlos Mesa (Bolívia), De la Rúa (Argentina) e tantos outros foram e seguem como alvo

crônica

de investigação do Estado – inclusive, alguns desses vivem foragidos ou em prisões. Esse deveria ser o destino de FHC. Mas, ao contrário, ele segue atuando, chamou a atenção da sua trupe pessedebista e faz propaganda de seus atos passados como positivos. Mas, como disse o jurista e professor Fábio Konder Comparato ao analisar o governo FHC: “Se nós viermos a ter um governo de reconstrução nacional, é indispensável que todos esses homens, se ainda estiverem em vida, sejam processados perante um tribunal popular e condenados à indignidade nacional. Se eles já tiverem morrido, os atos deles serão julgados e as memórias deles devem ser marcadas com essa condenação de indignidade nacional”. Portanto, frente a esse cenário, cabe aos setores populares não perderem de vista como esses partidos de direita se reorganizam. Mas, fundamentalmente, é preciso compreender que, mesmo cambaleante, essa direita é forte, pois age com unidade e não perde de vista suas pautas estratégicas. Nesse sentido, precisamos mobilizar o povo, clarear esse cenário confuso e lutar com unidade para derrotá-los nas diversas batalhas que teremos pela frente, sem cair em armadilhas que nos dividam.

Luiz Ricardo Leitão

Helena Leão

Os “guardiões da língua”

Obra de construção da Barragem de Candonga

Usina opera sem licença em MG UMA COMISSÃO de atingidos pela barragem da Hidrelétrica de Candonga, Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, localizada nos municípios de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce — Zona da Mata de Mina Gerais, sobretudo da comunidade de São Sebastião do Soberbo irá a Brasília para denunciar o descaso e o absurdo que vêm ocorrendo na comunidade. A população inteira do distrito de São Sebastião do Soberbo, município de Santa Cruz, teve que ser removida para dar lugar ao projeto da usina. Depois de sete anos gerando energia, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais cassou a Licença de Operação da Usina, em uma ação civil pública impetrada pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB). Veja trecho do acórdão: “Diante da ausência de implementação das condições exigidas para a concessão da Licença de Operação, impõe-se sua anulação, sob pena de ofensa ao texto constitucional e legal”. Processo -1.0521.04.0321577/006(1); Numeração Única: 0321577-74.2004.8.13.0521. Publicação: 22/02/2011. Parecia ser uma vitória. Mas a usina continua gerando energia, agora contra a lei, de forma clandestina. E o pior é que a comunidade inteira vem sendo insultada por pessoas ligadas ao consórcio que se dizem “acima da lei”. Nenhuma das pendências relacionadas (condicionantes) foram sanadas. A comunidade ficou no prejuízo, conforme documentos atestados pelo Conselho Estadual de Assistência Social de Minas Gerais (CEAS) que cassou o Plano de Assistência Social (PAS) do empreendimento – 157ª Plenária Ordinária, de 18/03/2011. Várias pessoas foram processadas durante a execução do projeto. Um trabalhador rural, morador do local, o Sr. João Caetano da Silva, desapareceu dentro do canteiro

Um trabalhador rural, morador do local, o Sr. João Caetano da Silva, desapareceu dentro do canteiro de obras e até hoje ninguém mais o viu de obras e até hoje ninguém mais o viu. Ele morava sozinho. Conforme boletim de ocorrência, ele saiu a 1 hora da madrugada, enrolado em um cobertor dizendo que ia pescar. Os parentes da vítima afirmam que ele não tinha hábito de sair à noite e que era muito tranquilo. Era o último resistente dentro do canteiro de obras. Para entrar e sair de sua pequena propriedade, ele tinha que passar pela cancela e pela segurança da construtora. A casa onde morava ficou isolada, no topo, devido à escavação no entorno da mesma. É por esta razão que eles querem ir a Brasília, e contam com a presença do deputado federal Padre João (PT-MG) nestes espaços do Poder Federal. “É lamentável que só depois de sete anos, que o Estado perceba que há algo errado. O que é mais grave é que o consórcio não cumpre nem a decisão da própria Justiça. Para os moradores, a solução seria abrir as comportas ou desligar as turbinas. Ou seja, acatar a decisão judicial”, ressaltou o parlamentar. “Isto é uma afronta, um atentado contra os direitos humanos e contra o próprio estado”, enfatizou o deputado Padre João. A usina é de propriedade da Novelis do Brasil e da Vale, conforme termo aditivo do Contrato de Concessão Nº42/2000 da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel. Audiências Três audiências públicas foram realizadas na Assembleia Legislativa mineira, a pedido do então de-

putado estadual Padre João, para tratar dos problemas causados pela instalação da Usina de Candonga. Em 2003, ativistas do movimento de atingidos por barragens, com reforço de eclesiásticos, técnicos ambientais, militantes da Comissão Pastoral da Terra e professores universitários, denunciaram episódios de prepotência na negociação entre a Cia. Vale do Rio Doce (CVRD), a indústria de alumínio Alcan e as famílias de agricultores desalojadas pela construção da Usina de Candonga. Em 2010, outra audiência foi marcada pela reclamação de indenizações pagas inadequadamente, do não cumprimento do plano de reativação econômica dos atingidos pela barragem e também da contaminação da água consumida pela população. Em Minas Gerais, infelizmente estão ficando cada vez mais comuns episódios como estes. Recentemente no município de Laranjal, também na Zona da Mata Mineira, moradores ficaram no prejuízo e sofrem perseguição e vários processos na justiça. As comportas foram fechadas às pressas e água pegou todo mundo de surpresa. Desde 2009, a usina opera em condições idênticas às de Candonga. Nem mesmo a limpeza do lago foi feita. Ali, o projeto é do grupo Canadense Brookfield Energia Renovável. Violência física, psicológica, prejuízos, processos judiciais, erro nos cálculos, dificuldades econômicas e pobreza têm sido os problemas enfrentados pelos atingidos pelas barragens em Minas Gerais. A cidade de Itueta, no Vale do Rio Doce, foi inteiramente removida e a população ainda amarga com os prejuízos da Usina de Aimorés. E por aí vai. Fica a pergunta: até quando? Dilson Alves de Paiva é filósofo, teólogo e militantes dos movimentos sociais .

O MÊS DE MAIO foi pródigo para os cronistas de Bruzundanga. São tantos desatinos a cargo dos próceres da República, que muitos não saberiam nem por onde começar. Poderíamos, por exemplo, tratar da cruzada em prol da moral, da família e dos “bons costumes”, que o fanfarrão Bolsonaro e a tal bancada “evangélica” do Congresso deflagraram contra a cartilha anti-homofobia do MEC. Ou, ainda nas lides parlamentares, analisar a aprovação pela Câmara do novo Código Florestal, fruto de um insólito acordo entre um deputado comunista (?) e seus pares do latifúndio, que ganharão carta branca para o desmatamento da Amazônia. Quem sabe relembrar as estrepolias do abastado (e abestado) ministro Palocci, prato cheio para a mídia, o tucanato & Cia. Isso sem falar em Blatter, Havelange & Teixeira, os reis do “jogo sujo” na FIFA, cujas maracutaias os ingleses prometeram investigar com rigor... Este dublê de cronista e professor de Letras não se furtará, porém, a abordar o recente “protesto” que alguns órgãos da grande mídia incentivaram contra a posição do MEC de avalizar uma obra didática que reconhecia o uso da expressão “os livro”. Sem nenhuma formação mais profunda na área, jornalistas e oportunistas de plantão chegaram a classificar de “crime linguístico” a atitude do órgão, um exagero só explicável, talvez, pela forma belicosa e artificialmente ideologizada mediante a qual são tratados temas do mais relevante interesse público em nosso país. Em tempo: a obra não propõe, em nenhum instante, que tal construção seja utilizada no registro formal da língua escrita (na redação de um ofício ou na resolução de uma prova discursiva de concurso público, por exemplo). Somente reconhece que seu uso é comum e válido para comunicações de outro grau (como uma conversa entre jovens, em uma mesa de bar). Os autores não prescrevem, apenas descrevem um fato comum em países de precário investimento na Educação e profunda desigualdade social, como é o caso do Brasil, onde se estabeleceu um verdadeiro abismo entre a língua oral e a escrita, com reflexos profundos na história e na cultura nacionais.

No país dos bilhões superfaturados da Copa e Olimpíadas, já há claros sinais de revolta e indignação contra o descaso com a Educação Quatro séculos de casa-grande e senzala e 500 anos de mentalidade colonial fomentaram nas elites a perversa tendência a estigmatizar a linguagem das classes populares, assim como a deliberada recusa em admitir que os usos linguísticos compreendem distintos graus de realização, desde as formas mais populares e informais até aquelas mais cultas e formais. Aliás, a elite sabe que a língua é plural, mas só aceita as formas que ela elege: do Vossa Mercê colonial, saiu o você coloquial e o suncê dos pretos velhos – qual o valor de cada expressão no “mercado” das formas simbólicas? Esse moralismo dos “guardiões da língua”, contudo, tem pernas bem curtas. Que o diga o cínico Alexandre Garcia (ex-porta-voz da ditadura e serviçal feroz da corporação Globo): ao expressar sua ácida crítica ao MEC na TV, ele usou “tava” (bem coloquial e oral) em lugar de “estava”, sem perder a pose de falante culto e letrado. Como se vê, no meio “jornalístico”, pimenta neves no texto dos outros é refresco... Aliás, o que dizer dos moderninhos da mídia, que não conseguem enunciar uma frase sem usar algum termo em inglês? Haja paciência para tanto bullying, burnout, commodities e outros menos cotados. Mas não pense que tudo está perdido, caro leitor. No país dos bilhões superfaturados da Copa e Olimpíadas, já há claros sinais de revolta e indignação contra o descaso com a Educação. Em Audiência Pública na Assembleia Legislativa potiguar, a Profª Amanda Gurgel lascou sua réplica lapidar aos nobres e cultos deputados, mestres na arte de citar cifras, indagando-lhes se os “três algarismos” do seu contracheque (R$ 930,00) seriam suficientes para sustentar o padrão de vida dos membros daquela ilustre casa de Noca ou, ao menos, a “indumentária” que eles exibem no plenário. Alguém respondeu?? Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e da Gramática Crítica: Teoria & Prática.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda • Subeditores: Aldo Gama, Renato Godoy de Toledo • Repórteres: Aline Scarso, Eduardo Sales de Lima, Joana Tavares, Patricia Benvenuti • Correspondentes nacionais: Leandro Uchoas (Rio de Janeiro – RJ), Vinicius Mansur (Brasília – DF), Pedro Carrano (Curitiba – PR), Charles Souto (Aracaju – SE e Maceió – AL), Marcio Zonta (Açailândia – MA e Marabá – PA) • Correspondentes internacionais: Claudia Jardim (Caracas – Venezuela), Pilar Rodríguez (Tegucigalpa – Honduras), Achille Lollo (Roma – Itália) • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Angel Rama (Tegucigalpa – Honduras), Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP), Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (Campinas – SP), Joka Madruga (Curitiba – PR), Leonardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ) • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Jade Percassi • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfi ca • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Aurelio Fernandes, Bernadete Monteiro, Beto Almeida, Camila Dinat, Cleyton W. Borges, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Edmilson Costa, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, José Antônio Moroni, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Marcelo Goulart, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Neuri Rosseto, Paulo Roberto Fier, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Sergio Luiz Monteiro, Ulisses Kaniak, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


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Miguel Urbano Rodrigues

instantâneo Gama

Fachada democrática

FLORES – O senador Eduardo Suplicy chega à casa da presidenta eleita, Dilma Rousseff, levando um vaso de orquídeas para presenteá-la, mas não foi atendido

Silvio Mieli

Militarização do cotidiano ENQUANTO NOS preocupamos com os minutos de fama do Capitão Bolsonaro, em performances patéticas tão ao gosto da grande mídia, está em marcha (muitas vezes silenciosa) um processo bem mais complexo de militarização do nosso próprio cotidiano. Existem as evoluções mais ruidosas e visíveis, exemplificadas pelos ataques selvagens da Polícia Militar à primeira Manifestação pela Liberdade de Expressão na Avenida Paulista. Ou, antes disso, os intensos debates em torno da entrada da polícia no Campus da Universidade de São Paulo, depois do assassinato brutal de um jovem aluno da Faculdade de Economia e Administração (FEA-USP). E, por falar na USP, às vésperas da semana de Luta Antimanicomial, cujo dia de comemoração é o 18 de maio, eis que nos deparamos com o caso de um aluno que deveria ter sido cuidado com os recursos da psicologia e da psicanálise, num lugar de proficiência nesse sentido; mas foi encarado como um caso de polícia no âmbito do próprio Instituto de Psicologia (IP) da USP, uma das maiores universidades da América Latina. Diante das manifestações sucessivas de comportamento agressivo do aluno do quarto ano de Psicologia, que chegou ao ponto de ameaçar colegas e professores com uma faca, a polícia foi chamada. Houve uma intervenção de alguns professores pelo encaminhamento a um serviço especializado, mas mesmo assim a direção do Instituto não hesitou em registrar um boletim de ocorrência, e posteriormente uma sindicância para apurar a responsabilidades dos professores envolvidos e que defendiam um tratamento adequado ao caso. Nos

episódios que se sucederam, alguns pais e alunos clamaram por mais segurança e a resposta veio pela via da sociedade do controle. Além da guarda universitária, que já vinha permanecendo no Instituto, e da proibição de que o aluno assistisse às aulas, foi decidido que o mesmo seria acompanhado por um segurança sempre que circulasse pelo Instituto. O impacto da solução encontrada, no âmbito de um centro de pesquisas que deveria esgotar à exaustão todos os recursos de cuidado em relação aos sofrimentos psíquicos alheios, representa a metáfora mais bem acabada do processo de privatização e militarização dos espaços institucionais públicos. Nesse sentido, a fala providencial da juíza Kenarik Boujikian vale tanto para as manifestações pela liberdade de expressão na Paulista, como para o caso do aluno da Psicologia da USP. “Não é o código penal que deve estar à mão, quando se decide sobre estes direitos, pois este tem como ápice a repressão, a criminalização. O paradigma deve ser o constitucional, sempre, pois o norte é o nível de proteção que os direitos fundamentais exigem e que devem ser priorizados”, afirmou a juíza. Mas o que fazer se estamos metidos num estado de exceção generalizado, quando os direitos existem mas não têm força para serem colocados em prática? E, além disso, como agir quando o nosso cotidiano parece militarizado por práticas que já estão introjetadas no comportamento do cidadão comum e na lógica institucional? Será que a retomada das praças públicas pode ter algo a ver com a desmilitarização do nosso comportamento?

Beto Almeida

A volta de Zelaya a Honduras A TELESUR EXIBIU no dia 28, ao vivo, por satélite, para toda a América Latina, para os latinos que vivem nos EUA e para parte da Europa, o retorno do ex-presidente Manuel Zelaya a sua pátria. O ex-presidente retorna ao país depois de ter sido deposto por um golpe de Estado articulado por alas do governo estadunidense e a oligarquia interna hondurenha que não admitiam a aproximação política de seu governo com a Venezuela, Cuba e a sua integração à Alba. Esse retorno simboliza o fracasso deste golpe que ceifou muitas vidas de valorosos lutadores sociais. Em sua primeira fala em território hondurenho, Zelaya cobrou a apuração das atrocidades e a punição dos responsáveis. Também pediu a instalação de uma Assembleia Constituinte, que pretendia realizar há quase dois anos, quando foi deposto. A tática aplicada para o seu retorno, sobretudo pela participação do presidente Hugo Chávez, surpreendeu até mesmo setores do movimento de Resistência Democrática de Honduras. Mas, agora, revela-se toda a audácia e a inteligência desta tática que consistiu em explorar a debilidade do governo de Porfirio Lobo. Honduras, após o golpe, foi excluída da OEA e isolada internacionalmente, o que, para uma economia fragili-

zadíssima, representou a impossibilidade de financiamentos externos. A tática também explorou a necessidade do governo de José Santos, da Colômbia - sobretudo da composição de forças que o apoiam - de buscar normalizar suas relações com a Venezuela numa linha política diferenciada da aplicada por Uribe. O ex-presidente Uribe apostava na hostilidade com o governo de Chávez para assim explorar um tensionamento em favor das estratégias militares dos EUA na região. Esta política de tensionar para justificar intervencionismo não conta com o apoio do Brasil. Haja vista mensagem de Dilma reconhecendo oficialmente e aplaudindo os acordos Chávez-Santos-Lobo-Zelaya. Uma derrota para a direita hondurenha, para o intervencionismo estadunidense e para terrorismo paramilitar uribista. Para a Venezuela, o Acordo de Cartagena pode representar melhores condições para enfrentar, com novos prazos e ritmos, os desafios da consolidação da Revolução Bolivariana. Mas também não deixa de ser uma recomendação para uma maior unificação de agendas políticas e táticas a todos os movimentos políticos que atuam na América Latina, entre elas para a consolidação da Unasur, seu fortalecimento, o mesmo em relação à Alba.

NA ESPANHA, o Partido Popular infligiu uma derrota esmagadora aos socialistas do PSOE nas eleições regionais. Em Portugal, no dia 5 de junho, o povo decidirá em eleições legislativas se o primeiro-ministro do próximo governo será o líder do Partido Social-democrata ou José Sócrates, do Partido Socialista. Os nomes desses partidos em ambos os países mascaram a realidade. Os partidos socialistas são neoliberais, o social-democrata também, o PP espanhol é um partido da direita com matizes neofascistas. Na estridência das campanhas eleitorais, realizadas no contexto das graves crises que a Espanha e Portugal enfrentam, os candidatos usaram e abusaram da palavra democracia. No discurso de Zapatero, Rajoy, Passos Coelho e Sócrates houve um denominador comum: a mentira consciente. Em floridos exercícios de retórica e demagogia, os dirigentes dos partidos da burguesia apresentaram programas e promessas que nunca pensaram cumprir e esconderam a evidencia: qualquer que seja o futuro governo em Madrid e Lisboa a participação do povo será nula. Lamentavelmente, apenas uma ínfima percentagem dos 62 milhões de portugueses e espanhóis têm consciência da realidade: o regime que lhes é imposto é, na prática, uma ditadura de classe que exibe uma fachada democrática, nele colada pela burguesia e o grande capital. Na Península Ibérica, como em toda a Europa dos 27, as eleições são hoje farsas montadas pela engrenagem de um sistema de poder que utiliza a mídia por ele hegemonicamente controlada para anestesiar a consciência dos povos.

O imperialismo rapidamente controlou os protestos da Tunísia e do Cairo (Egito), estimulando a instalação ali de governos de políticos tradicionais A rebelião dos moços do M-15 na Espanha insere-se na crise global de civilização que a humanidade enfrenta. Os “indignados” que desafiam o poder na Puerta del Sol em Madrid, na Plaza da Catalunha em Barcelona, e em dezenas de outras cidades da Espanha não são revolucionários. Alguns nem se quer rejeitam a monarquia. Esses jovens, apoiados por adultos, sabem o que não querem, mas não têm ideias minimamente claras sobre o que pretendem. Inspirados nas rebeliões da Tunísia e do Egito não reivindicam como ali o fim de ditaduras tradicionais, e regimes parlamentares similares aos da União Europeia. A “democracia real já” reivindicada pelos “acampados” arranca dialeticamente da recusa do modelo burguês de “democracia representativa” exigido pelos norte-africanos. O imperialismo rapidamente controlou os protestos da Tunísia e do Cairo (Egito), estimulando a instalação ali de governos de políticos tradicionais. Pelo contrário, o sistema de poder dos EUA e da União Europeia encara com apreensão o protesto dos “indignados”. A brutal carga da Polícia de Barcelona empreendida para desalojar os moços acampados reflete esse temor. Mas produziu resultados opostos aos visados. Eles voltaram em força para permanecer na Plaza da Catalunha e receberam a solidariedade dos companheiros da Puerta del Sol e de milhares de compatriotas. O protesto evolui para desafio ao poder. Na Europa, alguns partidos progressistas ignoraram a rebelião do M-15, alegando que se trata de um movimento efêmero, sem organização, anarquizante. É um fato que os acampados não têm consciência da complexidade do seu desafio ao sistema e carecem de um rumo. Mas é de registar que prestigiados intelectuais marxistas como os espanhóis Santiago Alba Rico e Carlos Taibo, o italiano Carlos Frabetti, os argentinos Atilio Boron e Carlos Aznarez e o Uruguaio Eduardo Galeano tenham expressado a sua solidariedade calorosa aos “indignados” da Espanha. A revolucionária espanhola Angeles Maestro, da Corriente Roja, lembra que muitos processos de origem espontaneísta abrem caminho quando, organizando-se, “criam raízes nas lutas operárias e populares, acumulando forças”. Para já, é positiva a consciência de que na Espanha não existe democracia autêntica e que o regime é uma farsa de democracia pela total ausência de participação do povo. Reafirmo: no âmbito da atual crise de civilização, o capitalismo, em fase senil, cola o rótulo de democracia representativa a ditaduras burguesas de fachada democrática. Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor português – Escreve uma vez por mês neste espaço.

comentários do leitor Casamento real

Eu moro há mais de 20 anos em Londres (Inglaterra) e não compartilho da visão chantilly royal expressada pela sra. Camila Mattoso Violani (comentário publicado na edição 429). Pra começar, não existe “uma monarquia socializada” porque a casa de Windsor é derivada da casa alemã de Hapsburg, e vem se mantendo como centro de um sistema político de monarquia constitucional desde o pacto entre os aristocratas – com a rainha Victoria à frente – e os industrialistas, banqueiros e financistas durante o último quarto do século 19. Naquele período, as reivindicações da massa trabalhadora explorada e sem direitos teve um auge com o movimento chartista, levando a agitações de massa e greves em minas e indústrias, e até ameaças à aristocracia. O partido Conservador, que atualmente lidera um governo de direita, antissocial e pró-cortes

em educação e saúde, são os herdeiros diretos do Partido Tory criado naquele mesmo período, e que sempre representou a burguesia do comércio, finanças, e indústria. No Reino Unido, o chefe de Estado (rainhas/reis) e os Lordes não são eleitos, e representam direitos adquiridos por nascimento. A distância entre os estilos de vida da aristocracia e do populacho é imensa, e apenas leitores de mídia ultraburguesa e realista podem afirmar que “os príncipes são colegas de classe de alunos de renda baixíssima”. Que grande diferença com o nosso Brasil, que tem isso sim, um povo feliz e esperançoso, e que está forjando uma democracia real para todos, sem príncipes, privilégios de nascença ou tiaras e curtsies.

Francesca Viceconti, por correio eletrônico

Israel

Preocupa-me a grande parcialidade deste jornal progressista contra o Estado de Israel. O

direito de o povo palestino árabe ter seu Estado, de fato, é sagrado, mas reconhecendo a existência e soberania do vizinho, decidida pelas Nações Unidas no já distante ano de 1947, com o apoio do Brasil. Desde então, Israel foi atacado e obteve vitória militar, sobretudo, em 1967. Há, de fato, setores israelenses radicais e expansionistas, mas a paz, para ser possível, exige fronteiras seguras para ambos e a desistência do chamado “direito de retorno”. Sou cristão, de ascendência libanesa, mas defendo com firmeza a solução dos “dois Estados”na Terra Santa; a única democrática e razoável.

Luiz Felipe Haddad, de Niterói (RJ), por correio eletrônico

Jair Bolsonaro

O que o deputado Jair Bolsonaro põe para fora de modo transtornado, neurótico e até caricato é o que está no fundo de muitos pensamentos que se apresentam como “refletidos”,

“ponderados” e “respeitáveis” de boa parte de nossa sociedade. É excelente a crônica “Sobre o ‘dito e o não dito’” (de Ana Carolina Gebrim, publicada na edição 430). Traduziu em palavras o desconforto que tive diante do aparente atalho (calar o Bolsonaro) que se nos apresentou para superarmos os tabus da sociedade brasileira, caminho esse que, em verdade, nos leva a contornar o problema (pelo recalque), ao invés de enfrentá-lo (pela política).

Thiago Barison, por correio eletrônico

Erramos

Na página 2, da edição 430, a obra Metaesquema, de Helio Oiticica, foi créditada erroneamente.

A redação

Cartas devem ser enviadas para o endereço da redação ou através do correio eletrônico comentariosdoleitor@brasildefato.com.br


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brasil

Aliados quando? Aliados de quem? Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

CONGRESSO Especialistas analisam a atual base de sustentação ao governo Dilma após sua primeira derrota no Congresso, na votação do Código Florestal Vinicius Mansur de Brasília (DF) A VOTAÇÃO do Código Florestal marcou a primeira derrota do atual governo na Câmara dos deputados. Além de perder a votação da emenda 164, a aprovação do texto principal que reforma o Código Florestal – o substitutivo global 186 - também teve gosto amargo, apesar de ter passado com a anuência do Palácio do Planalto. O próprio líder de governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), ao orientar o voto favorável ao substitutivo, afirmou que a Presidência da República trabalharia para alterá-lo no Senado ou vetaria alguns pontos antes de sancioná-lo. Em reiteradas entrevistas pós-aprovação, o relator da matéria, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), destacou que a reforma do Código deve ser analisada como resultado de uma mediação de interesses diversos da Câmara. Divergências à parte sobre o conteúdo do texto, o que ficou evidente foi a fragilidade da maioria parlamentar que o governo disse ter obtido nas eleições e consolidado na aprovação do salário mínimo.

“Nós vivemos num sistema produtor de crises. É um sistema político muito problemático” Base aliada?

A dificuldade em manter uma teórica maioria alinhada como base aliada não é novidade em “um sistema político muito problemático”, como define o cientista político da FGV de São Paulo, Francisco Fonseca: “Nós vivemos num sistema produtor de crises”. O governo Lula, por exemplo, buscou no primeiro mandato fazer alianças “no varejo” com partidos menores, como PTB, PP e PL, o que demonstrou-se muito instável, culminando com o mensalão. Mudou de tática, sobretudo nos últimos anos de segundo mandato, fazendo acordo “no atacado” com o PMDB e reduzindo um pouco a instabilidade da base aliada. Apostando no aprofundamento da tática de Lula para tranquilizar sua relação com o Congresso, o governo Dilma ampliou este acordo com o PMDB e pôs Michel Temer como seu vice. Nas eleições, o PT ainda compôs chapa com 10 partidos, negociou candidaturas aos governos estaduais em troca da eleição de parlamentares e conseguiu, em tese, 52 dos 81 senadores e 402 dos 513 deputados - a maior bancada desde a redemocratização do Brasil. Porém, a equação política segue produzindo novas incógnitas: “A Dilma tem uma maioria mais consolidada num certo sentido que o expresidente Lula, uma oposição mais enfraquecida, ao mesmo tempo que tem um PMDB que não estava de maneira tão vigorosa como está agora. Isto é

O deputado federal Aldo Rebelo comemora aprovação do novo Código Florestal

curiosamente bom e ruim, porque por vezes se tem número mas não se tem voto”, explica Fonseca. Para o jornalista Gilberto Maringoni, a composição de uma base tão heterogênea traz a contradição para dentro do governo. “Com aliados deste tipo, quem precisa de oposição?”, analisa. Contemplando em sua base parcelas do movimento sindical, dos movimentos populares, setores do agronegócio, do capital monopolista e do capital financeiro, Maringoni afirma que o governo só conseguirá unificar seus aliados em temas muito específicos. “Se for pra manter superavit primário alto, taxa de juros alta, ela tem base de apoio grande. Quando for colocar em votação temas mais pertinentes da direita, dos setores liberais, ela tem esse apoio. Difícil é ela conseguir base ampla para a PEC do Trabalho Escravo, não sei nem se ela consegue maioria”, exemplifica.

Um fato da maior importância pouco comentado, na opinião de Maringoni, foi o anúncio de que, no final de abril, se atingiu a meta de metade do superavit primário previsto para todo o ano. “O que deveria ser atingido em junho, o sexto mês do ano, foi atingido no quarto! O governo faz um aperto fiscal brutal, diz que dependemos da educação para sermos desenvolvidos, mas e no concreto?”, indaga.

“A Dilma tem uma maioria mais consolidada, uma oposição mais enfraquecida e, ao mesmo tempo, tem um PMDB mais forte do que antes”

As denúncias contra o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, só debilitam o governo frente ao interesse conservador. “A manutenção do Palocci vai ficar cada vez mais caras às votações porque a chantagem para não convocá-lo é muito grande, haja visto o recuo abrupto nas cartilhas contra a homofobia. Achei incrível o deputado Garotinho de dedo em riste ameaçando o governo. E o cargo do ministro [do Trabalho] Lupi sequer foi colocado em questão, como foi na votação do salário mínimo. O que mostra o governo fragilizado”, analisa.

O preço da aliança

O principal problema de um arco de alianças dessa envergadura, para o jornalista, é a tendência conservadora que tende a puxar o governo Dilma para mudar algumas conquistas do governo Lula, mesmo em relação a políticas que não dependem diretamente de aprovação do Congresso. Ele aponta retrocessos na política externa, na relação com o movimento social, na questão da cultura, no aumento da taxa de juros e nos cortes no orçamento. “Recuaram além do que eu acho que seria necessário e esse recuo é pouco para a base aliada”, analisa.

“Se for pra manter superavit primário alto, taxa de juros alta, ela tem base de apoio grande. Para temas como a PEC do Trabalho Escravo, não”

Coalizão necessária?

Dentro deste contexto, Maringoni relativiza a necessidade da aliança tal qual constrói o atual governo: “O problema não é a aliança, mas o programa que a embala. Todo governo luta para ter uma base ampla e isso não se recusa por princípio. Agora, quero uma aliança ampla pra cumprir deter-

minadas metas. Você pode fazer a aliança mais ampla que for em determinados pontos. Uma base que pode ser sólida pra votar um salário mínimo da maneira como foi votado, mas que não resolve outras questões adianta em termos. Na votação do Código a base mostrou ser de fumaça, movediça.” O problema não é ter uma base ampla, mas o programa, para que serve essa base. Já Francisco Fonseca considera que, sem uma reforma política e sem uma pressão vigorosa da sociedade organizada, estas alianças são importantes: “Ninguém governa sozinho ou com dois partidos. O exemplo maior foi a prefeita Luiza Erundina que quase foi cassada. Quem governa sozinho perde tudo, sofre impeachment e ainda tem as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas. Essa é a lógica do sistema político brasileiro, gostemos ou não”.

“O problema não é a aliança, mas o programa que a embala. Todo governo luta para ter uma base ampla e isso não se recusa por princípio” O cientista político destaca que uma reforma política que trouxesse a fidelidade partidária, a proibição de coligação nas proporcionais, novas regras para mídia e propaganda e, sobretudo, financiamento público de campanha poderiam reduzir o número de partidos e permitir a chegada ao poder com alianças menores. “A reforma política ainda não seria a panaceia e, mesmos assim, só será levada adiante se a sociedade fizer pressão”, concluiu. (Colaborou Aline Scarso)

Mudanças à vista Governo deve reformular relação com Câmara, podendo mudar até o líder de governo de Brasília (DF) Para o líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira, após a primeira derrota, o governo deveria reorganizar a base, “recuperando uma relação com os partidos mais ideológicos, reequilibrando com os partidos fora deste eixo e repactuando com o PMDB”. Para o deputado, essa reorganização não passa pela incorporação destes partidos ao executivo: “Eles já estão no executivo. O PP tem o Ministério das Cidades, mas não acompanhou o governo. Então, não é esse o critério, o critério é construir núcleos que tenham alto compromisso com o governo, não pode ser coisa de ocasião.”

O deputado, também sem especificar como, afirmou que PMDB e o PCdoB deveriam ser cobrados pelo governo por terem patrocinado sua primeira derrota na Câmara. Cenário propício a mudanças

Para o cientista político Francisco Fonseca, a derrota mandou alguns recados de negociação política para o governo. Ele acredita que pelo menos três medidas devem ser tomadas pelo Palácio do Planalto, sendo a primeira relativa à coordenação política, ainda em formação no governo Dilma: “É preciso definir as responsabilidades. Quanto ela assumirá para si? Quanto irá delegar ao Palocci, que está claramente fragilizado, quanto ao Luiz Sérgio [secretário de relações institucionais da Presidência], etc. E a figura do Vaccarezza é bastante contestada.” Cândido Vaccarezza, líder do governo na Câmara, está sob forte questionamento por setores diversos da base aliada – desde os conservadores aos mais combativos - pela má condução da re-

forma do Código Florestal. Ele expôs o governo quando desfez, de maneira atabalhoada e da tribuna do plenário, um acordo para a votação do relatório de Aldo Rebelo e quando disse que a presidenta Dilma considerava uma vergonha a emenda 164, atiçando a ira de parte da base governista.

Paulo Teixeira afirmou que PMDB e o PCdoB deveriam ser cobrados pelo governo por terem patrocinado sua primeira derrota

A segunda atitude enumerada por Fonseca é a definição do segundo e terceiro escalões do governo, ainda em processo. “Essa demora, com um grupo tão heterogêneo na base, coloca o governo sob pressão. Isso também significa distribuir o poder para aqueles que

governam juntos. Ninguém apoia sem governar e sem ter responsabilidade”, constata. A terceira é o velho tema da liberação de emendas, que muito contingenciadas, produzem também todo tipo de barganha. Senado e vetos

Para o jornalista Gilberto Maringoni, a prova de fogo para a relação do governo com a base aliada virá com o prosseguimento da tramitação da reforma do Código Florestal, que passará pelo Senado, podendo retornar à Câmara e, em seguida, caminhar para a sanção da presidenta. “No Senado tende a se manter o que foi feito na Câmara. Aí a presidenta promete vetar, especialmente a emenda 164, que quase terceiriza o poder de fiscalização da questão ambiental. Aí sim a gente vai ter uma batalha real e mais profunda. É preciso ver se ela conseguirá manter esse veto sem que haja uma debandada da base aliada, até mesmo na própria composição do primeiro escalão”, disse. (VM)


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Política para ganhar dinheiro Lula Marques/Folhapress

PÚBLICO X PRIVADO Suspeita sobre ministro da Fazenda Antonio Palocci fragiliza governo Dilma Eduardo Sales de Lima da Redação O PATRIMÔNIO do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, passou de R$ 375 mil para cerca de R$ 7,5 milhões, entre 2006 e 2010. Seus dividendos provêm da Projeto, empresa do ministro, criada em 2006 como consultoria econômica e financeira, e transformada em administradora de imóveis em 2010. O vertiginoso aumento patrimonial de Palocci está rodeado de suspeitas de ilegalidades. Empresas de diversos ramos teriam se aproximado da Projeto, sobretudo, pela presença de Palocci. A construtora WTorre, empresa que mantém negócios com a Petrobras e com o fundo de pensão Previ, do Banco do Brasil, foi a primeira cliente do agora ministro-chefe da Casa Civil que informou publicamente a contratação da Projeto, no dia 20 de maio, sem mais detalhes. Em 2010, a empresa doou R$ 2 milhões para a campanha da presidenta Dilma Rousseff (PT) e R$ 300 mil para a do tucano José Serra. Há quem diga, principalmente entre a oposição, mais que um suposto tráfico de influência, Palocci encabeçaria sobretudo um esquema de captação de recursos externo à contabilidade oficial da campanha.

“Pessoas que ocupam cargos públicos tomam decisões que têm consequências econômicas. Daí a necessidade de monitoramento” Para se defender, Palocci cita atuação de tucanos. A Casa Civil enviou um correio eletrônico aos senadores em que se compara a ex-integrantes de governo passados. “No mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central proporciona uma experiência única que dá enorme valor a esses profissionais do mercado. Não por outra razão muitos se tornaram, em poucos anos, banqueiros como (…) Pérsio Arida e André Lara Rezende (…), ou Maílson da Nóbrega”. O ministro não disse, porém, que os nomes citados não retornaram ao governo. O deputado federal André Vargas (PT/PR), em nome do partido, tem o argumento na ponta da língua: “O Palocci não sabia que iria voltar”. Limites tênues

“Se ele teve algum acesso de informação por sua então função parlamentar [Palocci exerceu mandato de deputado federal entre 2007 e 2010], e ele não estava usando esses dados para sua ação parlamentar e sim para tráfico de influência, é algo seriíssimo”, pondera José Antônio Moroni, integrante do colegiado de gestão do Inesc (Instituto de Estudos Econômicos). Segundo ele, o Caso Palocci é mais um, dentre tantos fatos, que exemplifica a condição “má resolvida” no sistema político brasileiro em relação à questão da inter-relação público-privado.

Palocci e o próprio governo Dilma deram mais uma vez combustível para que setores conservadores impeçam a governabilidade Em um contexto progressista, na linha do que defende a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, mesmo que Palocci na condição de integrante do governo federal não tivesse se preocupado em informar publicamente seus ganhos privados, seria legítimo o acesso de qualquer cidadão à evolução patrimonial do político. Contudo, de acordo com José Antônio Moroni, que integra a Plataforma, esse mesmo cidadão teria que arcar com todas as responsabilidades legais pelo uso da informação. “Isso garante o direito à informação, a privacidade do ente público e ao não-uso instrumental dessa informação”, afirma Moroni. De volta à realidade atual, o sociólogo Rudá Ricci considera o livre trânsito de Antônio Palocci entre as esferas pública e privada, e seus consequentes benefícios individuais, como um distanciamento cada vez maior da sociedade re-

O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci e a presidenta Dilma Rousseff

al. “[O livre trânsito de Palocci entre público e privado] é uma característica da junção da dimensão política com a econômica e o divórcio das duas com a dimensão cultural e de valores sociais”, analisa. Refém

Cláudio Weber Abramo, da Ong Transparência Brasil, entretanto, não enxerga um futuro menos polêmico. Para ele, sobretudo em regimes republicanos e liberais, casos de tráfico de influência são riscos permanentes. “Pessoas que ocupam cargos públicos tomam decisões que têm consequências econômicas. Daí a necessidade de monitoramento, de controle. Isso no latu sensus, como imprensa, ongs e etc”, defende Abramo.

O enriquecimento de Palocci dá margem a todo tipo de chantagem de “uma base governista extremamente reacionária” Não é assim que pensa José Antônio Moroni. Para ele não é papel da imprensa definir a pauta sobre os direitos de sigilo patrimonial de uma pessoa pública. Isso porque, de acordo com Moroni, a ação da imprensa sempre ganha um aspecto instrumental com foco a determinados grupos políticos. “Houve todo um debate no ano passado, no processo eleitoral sobre a tentativa de quebra de sigilo da filha do Serra (Mônica Serra). O tratamento dado foi totalmente diferente em relação ao Palocci. Pouco se fala em quem quebrou o sigilo dele”, pontua o membro do Inesc. Fato é que Palocci e o próprio governo Dilma deram, mais uma vez, combustível para que setores conservadores, partidários ou não, impeçam a governabilidade de uma administração petista. De acordo com o deputado federal Ivan Valente (Psol/SP), o ministro chefe da Casa Civil é um ponto “absolutamente vulnerável” do governo. Valente argumenta que, ao mesmo tempo em que Palocci é o credor do mercado dentro do governo, tornou-se sua peça “mais condenável”, visto que seu super-enriquecimento ainda não explicado deu margem a todo tipo de chantagem do que chama de “uma base governista extremamente reacionária”.“Está aí o Anthony Garotinho (PR/RJ), chantageando o governo por causa do kit anti-homofobia”, reforça.

“O PT entrou numa lógica não só capitalista, mas de usar o Estado para enriquecer” Segundo o deputado federal, existe uma “relação simbiótica”, que segundo ele beira a corrupção, que é o uso de informação privilegiada para fazer fortunas, e para que grupos econômicos poderosíssimos, bancos, setores do agronegócio e montadoras de veículos obtenham vantagens. “O PT entrou numa ló-

líticos. “A direita, que não tem bandeira e sai num movimento pseudo-moralista. É um movimento tentando não permitir nossa inserção na classe média. É como se quem fosse de esquerda não pudesse empreender”, critica Vargas ao Brasil de Fato.

gica não só capitalista, mas de usar o Estado para enriquecer e cometeu o maior erro, quase um crime político, de desmobilizar a força social de mudança. A questão do Código mostra isso. O Caso Palocci teve peso no desenlace final da votação do Novo Código Florestal, sobretudo na Emenda 164 (concede aos estados o poder de decidir sobre atividades agropecuárias em áreas de preservação permanente), que apenas piora um texto que já é péssimo, do Aldo Rebelo”, lembra Valente. “Ficar dependente da base ruralista, está lascado”, reforça.

“Qual a grande construtora ou incorporadora não tem relação com o Estado?”

Empreendedor

O deputado federal André Vargas (PT/ PR), em nome de seu partido, rebate. O rápido enriquecimento de Palocci por meio de uma consultoria financeira não revela, segundo ele, tráfico de influência ou qualquer outro tipo de ilegalidade. “Qual a grande construtora ou incorporadora não tem relação com o Estado?”, questiona. De acordo com o deputado, quem “fabricou” a crise foram os grandes jornais, também influenciados por interesses po-

Após toda essa confusão, existem dois caminhos para o empreendedor e o atual ministro-chefe Casa Civil, de acordo com o sociólogo Rudá Ricci. “Palocci avançava sobre a área econômica. Já era atendido com distinção pela presidenta Dilma. Incomodava. Debelava a cada dia o ministro Mantega. E é ministro da cota de Lula. Este jogo é típico daquela situação política em que não há empate: ou Palocci cai ou volta com o poder de primeiroministro”.

Raiz da corrupção? Financiamento privado de campanha força “favores” da Redação “O financiamento privado de campanha é a raiz da corrupção em nosso país. Os deputados deveriam se sentir impedidos de votar projetos para os quais tiveram interesses e foram financiados”. O argumento é do deputado federal Ivan Valente (Psol/SP). Ele lembra que, somente na Comissão de Minas e Energia, a maior parte dos deputados foram financiados por mineradoras em suas campanhas eleitorais.

“Os deputados deveriam se sentir impedidos de votar projetos para os quais tiveram interesses e foram financiados” Segundo ele, é evidente que os que não querem o financiamento público de campanha dirão que o chamado caixa dois continuará existindo. “Mas isso é um crime, e o crime precisa ser julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e reprimido pelos órgãos policiais, tanto o doador quanto o receptor”, reforça. José Carlos Moroni soma-se a Valente e pondera que, se vigorar uma reforma política que abarque a necessidade do financiamento público de campanha, isso fecharia uma das portas do tráfico de influência. “Atualmente, a consequência negativa desse tipo de relação se dá em cima do político somente”, salienta. Outro lado

Mas há quem pense o contrário. “[O financiamento público de campanha] dificultaria um pouco, mas não afastaria. Os

mecanismos [de influência econômica] são variados porque não há necessidade explícita de entrega de recursos em espécie”, contrapõe o sociólogo Rudá Ricci. Como exemplo, ele pondera que é possível que uma empresa de eventos apresente uma planilha de custos para apoiar um evento a baixíssimo custo e receber uma “bonificação” com a vitória do eleito. “A corrupção no período eleitoral nem sempre é paga na campanha. É paga antes ou depois. Eu temo que uma reforma política tão reduzida e formalizada que é conduzida justamente por aqueles que os cidadãos querem controlar fique na superfície dos problemas reais”, critica. Na mesma linha, Cláudio Weber Abramo, da ONG Transparência Brasil, acredita que sempre haverá o interesse dos políticos em serem financiados e o interesse das empresas em financiar candidatos para obter alguma espécie de vantagem. “Então, o favorecimento não haveria se não houvesse o financiamento privado de campanha? Se proibir o financiamento privado vão jogá-lo para o caixa dois”, destaca Abramo, que utiliza o argumento já adiantado por Ivan Valente. Fato é que, cedo ou tarde, a fatura será cobrada. Como lembra em recente artigo o historiador e integrante do diretório nacional do Psol, Juliano Medeiros, a campanha de Dilma foi financiada principalmente por empreiteiras e construtoras, largamente beneficiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mais de 25% de suas doações vieram de empresas como Camargo Corrêa, OAS e Queiróz Galvão. Tais empresas obtiveram acesso a grandes financiamentos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Nada mais natural que na eleição demonstrassem sua gratidão”, escreve. (ESL)


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Assassinatos expõem corrida pela Amazônia Comunicação MST

VIOLÊNCIA NO CAMPO Economia extrativista e expansão do agronegócio na região podem estar ligadas às mortes de lideranças

“A gente não pode dizer que [os três assassinatos] estão relacionados, mas a hipótese não pode ser descartada” Devido às constantes ameaças, Zé Castanha e Maria denunciaram a órgãos nacionais e internacionais que eram vítimas de perseguição. Mesmo assim, não recebiam qualquer proteção do Estado. Em um vídeo gravado em novembro de 2010, Zé Castanha alertou sobre a insegurança que o rondava. “Sou castanheiro desde os sete anos de idade, vivo da floresta. Protejo ela de todo o jeito. Por isso, eu vivo com a bala na cabeça a qualquer hora. Eu vou pra cima e denuncio os madeireiros, os carvoeiros, e por isso eles acham que eu não posso existir”, afirmou. Testemunha

No mesmo assentamento de Nova Ipixuna, foi encontrado morto no dia 28 de maio o trabalhador rural Herenilton Pereira, de 25 anos. A vítima estava desaparecida desde o dia 26, quando teria ido, segundo familiares, comprar peixe no Porto do Barroso, localizado à beira do lago da represa de Tucuruí. Herenilton seria uma das testemunhas dos homicídios de Zé Castanha e Maria. De acordo com a CPT, no dia do assassinato do casal, Herenilton e seu cunhado trabalhavam às margens de uma estrada a cerca de cinco quilômetros do local onde ocorreu o crime. Momentos depois, ambos presenciaram a passagem de dois homens em uma moto. As descrições coincidem com o relato de testemunhas que viram a entrada de dois pistoleiros no assentamento naquele mesmo dia. Segundo Afonso, estão em andamento dois inquéritos que apuram as três mortes – um da Polícia Civil e outro da Polícia Federal –, mas até o fechamento desta edição (em 31 de maio) não haviam sido divulgados resultados. “A gente não pode dizer que [os três assassinatos] estão relacionados, mas a hipótese não pode ser descartada”, aponta. O rumo das investigações, no entanto, preocupa de antemão o advogado, que aponta a influência histórica do poder econômico dentro do Poder Judiciário no estado. “Nunca foi fácil identificar e punir mandantes no Pará”, destaca. Rondônia

Outro assassinato ocorreu no dia 27, dessa vez em Rondônia. O agricultor Adelino Ramos, conhecido como Dinho, foi alvejado por um motoqueiro no distrito de Vista Alegre do Abunã, na capital Porto Velho, enquanto vendia verduras. Ele era sobrevivente do Massacre de Co-

Fritura oficial As cinco grandes transnacionais da telefonia que operam no Brasil continuam atacando com voracidade o programa federal de Banda Larga: primeiro fizeram o governo Dilma cortar recursos e recuar na implantação da Internet rápida pela Telebrás; agora estão “fritando”, com ajuda do Ministério das Comunicações, a própria diretoria da Telebrás. As empresas privadas estão de olho gordo nos fartos lucros da inclusão digital. Corrosão salarial Utilizado para reajuste dos aluguéis, o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) fechou o mês de maio com aumento de 9,77% em relação aos últimos 12 meses. Esse aumento mais os efetivados nos alimentos e nos preços públicos (energia, transportes, telefonia etc) representam uma brutal corrosão nos salários dos trabalhadores. Quem não lutar por reajuste superior a 10% vai pagar a conta em 2011.

Patrícia Benvenuti da Redação QUATRO MORTES em cinco dias. Esse foi o saldo da violência na região amazônica brasileira no fim de maio, que evidencia o acirramento da disputa entre os interesses de grupos econômicos e de comunidades tradicionais na mira de grandes empreendimentos. O caso que mais chamou a atenção ocorreu no dia 24, quando os líderes extrativistas Cláudio Ribeiro da Silva, conhecido como Zé Castanha, e sua esposa Maria do Espírito Santo da Silva foram assassinados por pistoleiros em uma emboscada no município de Nova Ipixuna, no Pará. O casal era líder dos assentados do Projeto Agroextrativista Praia Alta da Piranheira, onde cerca de 350 famílias vivem e produzem de forma sustentável em um lote de aproximadamente 20 hectares. Eles também eram integrantes do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS), ONG fundada por Chico Mendes, e lutavam pela preservação das florestas na Amazônia. O advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) José Batista Afonso relata que, desde a criação do projeto, em 1997, os assentados sofrem pressões de carvoarias, madeireiras e grileiros de terras. “A criação do assentamento foi muito tensa, havia muitos interesses ali, de madeireiras a gente que queria expandir produção de gado”, conta.

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

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Velório do casal José Claudio e Maria do Espírito Santo assassinados por pistoleiros em Nova Ipixuna (PA)

nomes de pessoas ameaçadas de morte nos últimos dez anos constam de lista enviada pela CPT à ministra Maria do Rosário

rumbiara, ocorrido em agosto de 1995, que resultou em pelo menos 11 mortes de trabalhadores sem terra. Líder do Movimento Camponês de Corumbiara, Dinho denunciava a ação ilegal de madeireiros na fronteira entre os estados de Acre, Amazônia e Rondônia e, junto com outros trabalhadores, reivindicava uma área nessa região para a criação de um assentamento. Assim como Zé Castanha e sua esposa, Dinho havia alertado para as ameaças que sofria, mas nunca recebeu proteção do Estado. Na manhã do dia 31, o principal suspeito do crime entregou-se à polícia. Segundo a Secretaria de Segurança de Rondônia, Ozeas Vicente trabalhava como funcionário de madeireiras da região e estaria fazendo ameaças à vítima. O assassinato, para padre Zezinho, da CPT de Rondônia, pode estar relacionado com o endurecimento das ações de fiscalização do Ibama nos últimos meses, a fim de coibir o desmatamento. “O Ibama pressionou, e eles [madeireiros] deram uma resposta”, sugere. Os conflitos são tão intensos na área, segundo o agente da CPT, que os pistoleiros costumam circular livremente entre os moradores. “Todo mundo sabe, mas ninguém fala nada, todo mundo tem medo. A gente faz as denúncias e não acontece nada”, lamenta. Padre Zezinho alerta ainda para a possibilidade de novas mortes. Como exemplo, ele cita o caso da agricultora familiar Nilcilene Miguel de Lima, que já sofreu inúmeras ameaças e hoje está foragida, como foi denunciado em artigo publicano na edição 430 do Brasil de Fato.

Os conflitos são tão intensos na área, segundo o agente da CPT, que os pistoleiros costumam circular livremente entre os moradores Desenvolvimentismo

O que há em comum entre os episódios, na avaliação de José Batista Afonso, é que todos refletem a violência associada à expansão do capital e dos grandes projetos na região amazônica. “[As mortes] não são fatos isolados, e a violência é uma consequência desse desenvolvimento ligado ao agronegócio, à exploração extrativista e à corrida desses setores em direção à Amazônia. Quem está contra esses interesses é vítima dessa ganância”, avalia. A integrante da coordenação estadual do MST no Pará, Maria Raimunda, reitera a relação entre a escalada da violência e os megaempreendimentos na região. Em protesto contra a morte do casal de extrativistas, estudantes, professores e militantes do movimento interditaram a ponte rodo-ferroviária Carajás sobre o rio Tocantins, em Marabá, no dia 28. O objetivo era paralisar as atividades da mineradora Vale que, na avaliação dos movimentos sociais, é uma das impulsionadoras da violência na Amazônia. “As carvoarias aqui da região existem para sustentar os projetos da Vale, porque aqui está tudo vinculado: extração de minério, siderurgia, carvoaria e madeireiras. E para garantir a implementa-

ção dos projetos, eles passam por cima de qualquer pessoa”, afirma. E as perspectivas são ainda mais preocupantes com a aprovação do novo Código Florestal. Para padre Zezinho, as mortes já são consequência das disputas que envolvem o texto do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB). “Isso não é uma casualidade, tem a ver com o Código e com a pressão dos ruralistas. A Dilma [Rousseff] endureceu, e o pessoal [ruralistas] deu uma resposta”, ressalta. “O novo Código vai abrir caminho para a expansão desse modelo econômico e vai fortalecer a ação do latifúndio e do agronegócio em direção à Amazônia, afetando as comunidades tradicionais”, avalia José Batista Afonso.

Para padre Zezinho, as mortes já são consequência das disputas que envolvem o texto do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB) Medidas

Para tentar conter a violência na região, o governo federal anunciou a criação de um grupo de trabalho interministerial, coordenado pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, no intuito de acompanhar a investigação dos assassinatos e acelerar ações de regularização fundiária. Para a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a iniciativa mostra que o governo federal está empenhado em coibir os crimes contra os trabalhadores rurais. O sucesso das ações, no entanto, dependerá de uma ação conjunta com os estados. “Não poderemos agir sem que os governadores, as forças policiais dos estados, as ouvidorias, corregedorias e ministérios públicos nos estados estejam agindo”, afirmou em coletiva de imprensa no dia 31. Na ocasião, a CPT entregou à ministra uma lista com 1.855 pessoas que foram ameaçadas nos últimos dez anos. Dessas, 207 receberam mais de uma ameaça, 42 foram assassinados e 30 sofreram tentativa de assassinato. O advogado José Batista Afonso, no entanto, pondera que, antes de ações repressivas, o governo precisa atacar as causas da violência. “É preciso que o governo priorize algumas ações que precisam ter mais agilidade, como a demarcação de terras indígenas e a regularização das terras de remanescentes de quilombos, comunidades ribeirinhas e áreas de proteção ambiental, além da fiscalização daquelas já existentes”, pontua. (Colaboraram Vinicius Mansur e Danilo Augusto)

Tentativa de assassinato da Redação Além das mortes de agricultores, foi registrada, no dia 27, uma tentativa de assassinato contra o sindicalista Almirandi Pereira, de 41 anos, vicepresidente da Associação Quilombola do Charco, de São Vicente Ferrer, no Maranhão. Almirandi luta pela titulação do território quilombola do Charco, em disputa com o empresário Gentil Gomes, pai de Manoel de Jesus Martins Gomes e Antônio Martins Gomes, recentemente beneficiados por um salvo-conduto concedido pelo Tribunal de Justiça do estado. Os dois estão denunciados pelo Ministério Público Estadual sob a acusação de serem os mandantes do assassinato de Flaviano Pinto Neto, líder do mesmo quilombo, no ano passado. (PB)

Tudo parado – 1 O projeto de lei que institui a Comissão da Verdade, enviado pelo governo Lula ao Congresso Nacional no ano passado, continua dormindo em berço esplêndido – não avança pela vontade da bancada do PT e muito menos pela iniciativa da base aliada. Está claro que a apuração da verdade sobre os crimes praticados pelo Estado durante da Ditadura Militar (1964-1985) não está na agenda do atual governo. Morreu! Tudo parado – 2 Depois de todo o esforço dos movimentos sociais nas conferências municipais, estaduais e a nacional de Comunicação Social, em 2009, que aprovou 672 propostas para democratizar o sistema vigente, o governo federal prometeu elaborar projetos de lei em consonância com as demandas da sociedade, mas, até o presente momento não avançou em nada concretamente. O Brasil continua sob o domínio do oligopólio midiático inconstitucional! Algo mais A sequência de assassinatos no campo, desde Chico Mendes, Irmã Dorothy e de tantos outros trabalhadores, sindicalistas, religiosos, advogados, até as mortes recentes de Adelino Ramos, José Claudio e Maria da Silva, tem provocado comoção pública e forte indignação em boa parte do povo, mas não o suficiente para conter a brutal violência dos algozes. É preciso fazer algo que mude em definitivo o rumo dessa história. De propósito No final de maio, o Superior Tribunal de Justiça finalmente notificou um desembargador e dois juízes do Mato Grosso que entre 2003 e 2005 teriam repassado milhões de reais dos cofres públicos para uma Loja Maçônica a que os três pertenciam. Esse processo – como tantos outros – caminha lentamente no Poder Judiciário, já que o objetivo da corporação é mesmo não julgar e não punir os seus protegidos. Ponto final! Condenados Milhares de desabrigados pelas chuvas e removidos por causa das obras dos megaeventos esportivos, no Rio de Janeiro, continuam sem teto e sem a proteção do poder público. O governo estadual tem transferido alguns para moradias do programa federal Minha Casa Minha Vida localizadas até 70 quilômetros de onde moravam, em conjuntos já dominados por milícias e que apresentam rachaduras na construção. É o fim da picada! Dívida estatal Ao denunciar os recentes crimes praticados contra camponeses, o bispo emérito de São Felix do Araguaia (MT), Dom Pedro Casaldáliga criticou o papel do Estado brasileiro (Folha de S. Paulo em 31.05.2011): “O Estado continua omisso frente a três grandes dívidas: a reforma agrária, a política indigenista e a política doméstica e ecológica do consumo interno”. Todos são vítimas da ganância do agronegócio! Conciliação No dia 26 de maio, em ato solene, os presidentes da CUT, da Força Sindical e da poderosa FIESP divulgaram nota sob o título “Um acordo pela indústria brasileira”, na qual enaltecem o “grande momento econômico e social” vivido pelo Brasil, fazem juras em defesa de um genérico “desenvolvimento” e de uma “indústria forte” e anunciam a promoção conjunta do seminário “O Brasil do Diálogo, da Produção e do Emprego”. Sem comentários!


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Monopólio da semente agora é “política pública” TRANSGÊNICOS Experimentos de organismos geneticamente modificados partem agora do setor público, via Embrapa Reprodução

Pedro Carrano de Curitiba (PR) A EMPRESA Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apresentou a primeira espécie transgênica do mundo, elaborada sobre um grão presente na mesa dos povos no Brasil e na América Latina: o feijão. Em uma linha de tempo recente, desde 2008, o número de variedades autorizadas de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) alcançou 28 no país, a partir de três espécies – milho, soja e algodão. O detalhe é a atual proposta partir pela primeira vez de uma empresa estatal. A Embrapa solicitou à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio em dezembro do ano passado a liberação comercial deste cultivo e no último dia 17 de maio houve a realização de audiência pública sobre o tema, provocando outra reação crítica de entidades, devido à realização na própria sede da Embrapa, o que foi considerado uma forma de constrangimento, para atenuar as críticas. Sobre a variedade modificada do feijão da Embrapa, que pode vir a ser aprovada, existem diversos questionamentos levantados. A Embrapa não teria pesquisado o impacto dessa variedade em todos os biomas brasileiros, como é exigido por lei, mas somente em dois deles. Uma outra interrogação se refere à função dessa tecnologia na produção de um cultivo abundante como o feijão. O objetivo é desenvolver um modo de resistência ao vírus mosaico dourado transmitido pela mosca branca, evitando o uso de inseticidas.

Embrapa não pesquisou o impacto da variedade modificada do feijão em todos os biomas do país, como é exigido por lei

garantisse o acesso aos processos de liberação comercial que tramitam na Comissão (à exceção de informações que contenham sigilo industrial), para que a sociedade civil tenha acesso ao inteiro teor dos documentos antes das audiências públicas, até então inacessíveis. Porém um fato que viola a sentença contra a CNTBio foi verificado no processo que pretende a liberação comercial do feijão transgênico, “quando houve sigilo sobre informações importantes e que não são de interesse comercial, além do fato de que até mesmo membros daquela Comissão tiveram acesso negado a informações fundamentais para se avaliar a liberação ou não do feijão transgênico” , relata Ana Carolina.

Sobre a variedade modificada do feijão da Embrapa, existem diversos questionamentos levantados Porém Ana Carolina Brolo de Almeida , assessora jurídica da Terra de Direitos, ao lembrar a fala de representante do Consea, Werner Fuchs, naquela audiência pública salientou que a própria Embrapa desenvolvia maneiras de combater as pragas a partir do cultivo orgânico e do manejo. De acordo com ela, os problemas desse debate giram em torno da falta de preocupação ambiental e da opção tecnológica que muitas vezes não respeita o princípio da precaução. Na dúvida, o cultivo não deveria ser liberado. No dia seguinte, na reunião da plenária da CTNBio, essa Comissão, por exigência da Justiça, teve que discutir entre seus membros edição de norma que

Monopólio da semente

Hoje, Monsanto, Syngenta, Bayer, Dupont, DowAgrosciens e Basf concentram a venda do chamado “pacote tecnológico”, incluindo sementes e agrotóxicos. A concentração das sementes reflete-se na sua conversão em variedades transgênicas a serviço das corporações transnacionais. No Brasil, o preço médio da semente aumentou em 246 %, de 1994 a 2006, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “Não há soberania de se-

mentes e sementeiras, somos o quarto maior importador do mundo”, adverte Larissa Packer, assessora jurídica da Terra de Direitos. No plano mundial, dados apontam que as dez maiores empresas de sementes do mundo controlam mais de um terço do comércio mundial e 90 % do mercado mundial de agroquímicos.

O Brasil, devido à concentração do mercado de sementes, é o segundo maior em plantio de transgênicos no mundo Uma das explicações para o contexto dos transgênicos hoje no Brasil aponta para as sementeiras que, de acordo com Larissa, são apropriadas pelos grupos transnacionais. Essa conjuntura retira a soberania do país sobre a alimentação, uma vez que os grupos corporativos controlam a propriedade intelectual, comercial e biológica sobre esses produtos ou mercadorias, como são transformadas

Falta de informação sobre alternativa Aviso sobre organismos transgênicos nas embalagens é vitória, mas ainda é insuficiente para informar consumidor de Curitiba (PR), Completam-se dez anos de resistência de organizações sociais e entidades, em contraposição à noção comum de que os transgênicos são inevitáveis. Informação e divulgação de estudos são necessários em busca de alternativas A PepsiCo/Elma Chips está substituindo o milho convencional pelo geneticamente modificado na produção de salgadinhos no Brasil. Marcas como Cheetos , Fandangos, entre outras, estão sendo fabricadas com milho transgênico. A justificativa das empresas é o aumento da proporção de milho transgênico na safra atual.

Marcas como Cheetos , Fandangos, entre outras, estão sendo fabricadas com milho transgênico Os exemplos de produtos transgênicos são presentes na realidade do trabalhador e do povo, embora haja pouca informação que provoque a pensar a fun-

do na questão. O alerta impresso nas embalagens é uma conquista, mas ainda insuficiente. E, ainda por cima, há uma ofensiva para rotular estas formas de informação, de acordo com a assessora jurídica da Terra de Direitos, Ana Brollo. Entrevista realizada pelo Brasil de Fato no terminal de ônibus da Fazendinha, periferia de Curitiba, dá um pequeno sinal de como o tema repercute entre a população. Parte dos entrevistados não havia nunca ouvido falar do tema dos transgênicos. Outros não enxergavam elementos para evitar ou buscar uma alternativa. “Não há como evitar”, exclama o operador de máquinas Luciano Zaruvne. “Não teria problema, mas só se eu não passar mal”, pondera o estudante Luiz Guilherme Deya. Já a estudante de Medicina Veterinária, minoria entre os entrevistados, Elisa Hartmann, reclama da falta de pesquisas para informar a população. “Falta informação suficiente, não ficamos sabendo. Falta um estudo maior dizendo os efeitos a longo prazo, nesse caso a gente evitaria, sabendo que é transgênico”, coloca. Escolha política

“A opção, na realidade, é política. Outros países o fizeram. À exceção da Espanha, nenhum outro país da Europa cultiva transgênicos, tarefa assumida hoje por Argentina, Brasil e Estados Unidos”, aponta Larissa Packer, da Terra de Direitos. A Alemanha, por exemplo, é importador de soja brasileira, destinada para a alimentação animal e a produção de carne naquele país. Isso se reflete no fato de que grandes produtores nacionais mantêm uma quantidade de cultivo tradicional, de olho nas exigências desse mer-

cado. Ainda que venha diminuindo a cada safra, a previsão para 2011/2012 é que 13,7% da colheita no Sul sejam de nãoGM. No Nordeste, esse número chega 47%. Normalmente, há um ônus grande para o produtor separar completamente os dois cultivos, explica Larissa, o que força agricultores a seguirem essa tendência do mercado. A cooperativa/sementeira muitas vezes opta então pelos royalties recebidos pelos transgênicos. Entretanto, por força do mercado estrangeiro, os royalties do cultivo tradicional ainda se mantêm em cotação elevada, de acordo com Larissa, o que segura o quadro atual de produção não-transgênica.

“A opção, na realidade, é política. À exceção da Espanha, nenhum outro país da Europa cultiva transgênicos” Mesmo rigorosos, ainda assim, os governos dos países europeus não se dão conta de que não é feito o controle na saída dos portos brasileiros entre o alimento transgênico e o normal. Cabe ao país exportador o ônus de qualquer risco encontrado no alimento, de acordo com as convenções internacionais. Eis aí uma brecha para a crítica da sociedade civil. “Há a possibilidade de que o Estado brasileiro aponte a Monsanto como a responsável. O Estado brasileiro pode levantar um marco de responsabilidade”, sugere Larissa. (PC)

as sementes. “A semente torna-se uma mercadoria, uma propriedade privada, que vira valor como capital”, reflete. O Brasil, devido à concentração do mercado de sementes, é o segundo maior em plantio de transgênicos no mundo, plantando 17% dos cultivos. Esse fato se dá pela contaminação devido à mistura das sementes de soja, e também pela polinização cruzada do milho transgênico com o convencional. No caso da soja, sementes tradicionais e transgênicas misturam-se nos silos das cooperativas e sementeiras, ao ponto de hoje termos uma quantidade de 85 % das sementes dessa espécie na condição de transgênicos. A principal proprietária é a transnacional Monsanto, dona de 70 % do mercado brasileiro, e deixa apenas 15 % de sementes de soja convencionais no mercado. Essa quantidade mínima é justamente aquela que tem acesso a mercados europeus, por exemplo (veja matéria abaixo). O cultivo de soja transgênica foi liberado em 1998 e, em pouco tempo, misturou-se às sementes tradicionais no processo de produção. Os argumentos favoráveis a esta situação falam em direito de opção do produtor, quando a realidade aponta o contrário e a sujeição do agricultor a esse modelo. (Colaboraram Ednubia Ghisi e Laura Schuhli)

Linha do tempo 1994 – O Tratado da Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio, assinado pelo Brasil e outros países integrantes da Organização Mundial do Comércio (OMC), é uma das entradas para a regulamentação da apropriação privada de elementos da biodiversidade. Um dos artigos afirma que todas as inovações com aplicação industrial podem ser apropriadas de forma privada, incluindo os transgênicos. 1995 – Com a assinatura do Tratado, os países passam a movimentar todas as suas legislações para autorizar a propriedade privada sobre as inovações, que foram trazidas para dentro do comércio. No Brasil, a adequação da legislação para atender esse interesse se concretiza quando é assinada a primeira Lei de Biossegurança. Já em 1996, a Lei de Propriedade Industrial prevê a proibição de apropriação privada sobre as formas de vida, exceto os alimentos transgênicos. 2003 – A entrada dos transgênicos no Brasil se deu oficialmente nesse ano, quando o vice-presidente José Alencar assinou a primeira Medida Provisória liberando o plantio de transgenias, liberando o plantio de soja transgênica, que até então era proibida, apenas para aquela safra, sob o argumento do “fato consumado”. 2005 – O Governo Federal permitiu o plantio no Rio Grande do Sul no ano de 2003, medida que se repetiu nos dois anos seguintes até se tornar a Lei n.º 11.105 de biossegurança de 2005, regulamentando as ações anteriores, ainda que contrárias à legislação brasileira. A advogada Ana Carolina Brolo de Almeida comenta que, enquanto o governo brasileiro editou três medidas provisórias para autorizar o plantio ilegal de soja transgênica no país, o governo do Paraguai, ao se ver na mesma situação, optou por incinerar o milho transgênico encontrado pelo governo. 2008 – O país tinha apenas duas variedades transgênicas liberadas, até que a partir desse ano o número saltou para 28 variedades aprovadas.


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Governo confirma leilões de petróleo Renato Araújo/ABr

SOBERANIA Através do Conselho Nacional de Política Energética, foi confirmada para setembro a 11ª rodada de leilões do pós-sal Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) O QUE JÁ SE anunciara nos primeiros dias de governo está prestes, agora, a acontecer. O governo federal, através do Conselho Nacional de Política Energética, órgão vinculado ao Ministério das Minas e Energia, deliberou a retomada dos leilões de petróleo. O anúncio tem repercutido como uma bomba, sobretudo no meio sindical. O cronograma do leilão foi divulgado logo em seguida. Será realizada, em setembro, a 11ª retomada de licitações. Serão leiloados alguns campos do pós-sal, uma vez que, para o pré sal, o marco regulatório foi mudado no ano passado. Já no dia 4 de janeiro, ao tomar posse, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB), anunciara o que agora se confirma. Em torno da campanha “O Petróleo Tem Que Ser Nosso”, movimentos sociais e sindicatos reivindicam o fim dos leilões e a reestatização da Petrobras. Os leilões não ocorriam desde 2009. O diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Haroldo Lima, defendeu publicamente que a área exploratória de petróleo no país estava sendo bastante reduzida. Por isso, celebrou a rodada de leilões. Lideranças sindicais, porém, contestam essa posição. “É a pior coisa que pode acontecer”, resumiu Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet). Segundo o ministro Lobão, serão oferecidos 174 blocos, sendo 87 em terra e outros 87 em mar, em águas não rasas. A área total equivale a 123 mil quilômetros quadrados, nos territórios de Bahia, Ceará, Maranhão, Piauí, Espírito Santo, Pará, Amapá, Alagoas e Rio Grande do Norte. Cinco bacias estão localizadas na margem equatorial que vai do Amapá até o Rio Grande do Norte. Outras, marítimas e terrestres, se estendem nas regiões de Potiguar, Recôncavo, Sergipe e Espírito Santo. Resistência

A campanha “O Petróleo Tem Que Ser Nosso” planeja construir um grande ato unificado contra a medida do governo. Já havia uma deliberação para a construção da manifestação, tirada no início de abril, de plenária nacional da campanha realizada em Minas Gerais. Agora, a iniciativa ganha sustentação real. Segundo o ministro Lobão, para a licitação prevista as assinaturas dos contratos de concessão

Retomada dos leilões é combatida por movimentos sociais e sindicatos que também reivindicam a reestatização da Petrobras.

devem acontecer em dezembro. “O préedital está previsto para o dia 3 de junho. O edital e o contrato de concessão devem ser publicados no dia 9. E a apresentação das ofertas está prevista para 12 de setembro”, completou o ministro. Entidades vinculadas à campanha estão correndo contra o tempo para impedir a realização dos leilões.

“Estamos no limiar do terceiro choque do petróleo. Até o FMI já disse isso, que nós defendemos há anos” “Estamos no limiar do terceiro choque do petróleo. Até o FMI já disse isso, que nós defendemos há anos. Os países desenvolvidos não têm mais reserva. Eles ficam totalmente inseguros, e por isso invadem países como Iraque e Líbia. A produção mundial, que hoje é de 86 mi-

lhões de barris, vai cair para 60 milhões em 2020, e 30 milhões em 2030. Percebe o tamanho da nossa riqueza? A gente não pode entregar assim. Precisamos avançar, urgentemente, para o monopólio estatal”, defende Siqueira, dando a entender, inclusive, que a presidenta Dilma Rousseff (PT) negociou a realização dos leilões com Barack Obama durante sua visita a Brasília, em março. A acusação é comum entre os críticos da medida. Os leilões na camada do pós-sal obedecem, ainda, à lei 9478 de 1997, aprovada no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo ela, as concessões têm duração de 30 anos. A lei determina que a concessionária que descobrir petróleo tornase, naturalmente, dona de sua produção. A concessão a empresas estrangeiras gera uma série de efeitos na economia brasileira: desenvolvimento tecnológico rarefeito, baixa contratação de engenheiros brasileiros, grande transferência de lucro a outros países, baixa contribuição em recursos de impostos ao Estado, etc. Segundo o site Wikileaks, multinacionais do setor utilizam o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) para fazer lobby no Con-

gresso Nacional pela aprovação de seus interesses. Acredita-se que o primeiro leilão de blocos no pré-sal, já no regime de partilha, só deverá acontecer em 2012. Isso ocorre porque, no Congresso Nacional, ainda não foi apreciado o projeto que trata da partilha dos royalties do pré-sal. Também está pendente a criação da estatal que vai administrar a exploração das áreas do pré-sal antes da primeira licitação, sob o novo modelo de partilha.

Os leilões na camada do póssal obedecem, ainda, à lei 9478 de 1997, aprovada no segundo mandato do ex-presidente FHC Para este leilão agora anunciado, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) anunciou previsão de arrecadação de cerca de R$ 200 milhões. Pela previsão do governo, as assinaturas dos contratos de concessão devem acontecer em dezembro deste ano.

Boicote às avessas

Maquiagem na Petrobras

Após aumento do preço dos combustíveis, corrente na internet propõe protesto mirando alvo errado

Companhia redefine forma de contabilizar trabalhadores terceirizados, para se adequar à legislação

do Rio de Janeiro (RJ) Uma das ferramentas históricas das lutas de esquerda é o boicote. Quando as tarifas de ônibus estão caras demais, se vai a pé. Quando o preço de um alimento está por demais elevado, substitui-se-o. E se um estabelecimento qualquer for palco de alguma ocorrência racista ou homofóbica, evita-se-o. Quando grandes massas decidem utilizar a ferramenta para uma ação organizada, o impacto tende a ser muito maior. Algumas das maiores lideranças da história já recorreram ao boicote.

Os autores da mensagem pediam que as pessoas não comprassem combustível da Petrobras, em repúdio ao aumento do álcool e da gasolina Entretanto, nem sempre a ferramenta é utilizada de forma inteligente. Não pela primeira vez, no último mês, quando o valor dos combustíveis ameaçou aumentar, devido principalmente ao aumento do preço internacional do petró-

leo, e à entressafra da cana-de-açúcar, circularam e-mails indignados. Os autores da mensagem pediam que as pessoas não comprassem combustível da Petrobras, em repúdio ao aumento do álcool e da gasolina. Propunham que o consumidor abastecesse em outros postos, boicotando a empresa.

Se o boicote foi bem sucedido, os beneficiados foram aqueles que não medem esforços para que o preço da gasolina suba, como Esso e Shell Ocorre que a Petrobras era exatamente aquela que estava segurando a alta generalizada dos preços. Estimulada pelo governo federal, para conter a inflação a empresa estava admitindo taxas menores de lucro para que o combustível não subisse excessivamente. O governo chegou a anunciar publicamente que todos os instrumentos possíveis para conter a inflação seriam utilizados. A Petrobras deveria ser, portanto, a última empresa a merecer sofrer ação de boicote. Se a medida requisitada pelos autores das mensagens se efetivou, os beneficiados foram justamente aqueles que não medem esforços para que o preço da gasolina suba: Esso, Shell, Chevron, e pares. É sabido que essas empresas não têm nenhum vínculo nacionalista. A quebra do monopólio estatal no setor, em 1997, foi o que permitiu as multinacionais fixarem o preço que bem entendessem. O que ainda não se sabe é quem seriam os autores de correntes como essa. Não seria de se estranhar se houvesse vínculos entre os autores e as multinacionais. (LU)

do Rio de Janeiro (RJ) A Petrobras mudou os critérios que orientam sua forma de contabilizar o número de funcionários. A partir de 2010, passou a excluir das contas os empregados de empresas contratadas que atuam fora de suas unidades. Para entender a razão, voltemos a agosto último. À época, o Tribunal de Contas da União (TCU) havia pressionado a companhia a começar um processo de redução do número de funcionários terceirizados. Ocorre que, ao investigar contratos da empresa, o TCU encontrara “indícios de burla à investigação”. É então que a Petrobras muda a forma de levantar o número de empregados. Com a nova contabilização, de acordo com os dados entregues à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quase 20 mil funcionários sumiram das contas sem que houvesse uma única demissão. De 2005 a 2010, o número de empregados terceirizados da Petrobras praticamente dobrou. Foi de 156 mil a 310 mil. A quantidade se deve, em grande parte, ao próprio crescimento das atividades da empresa. Em 2010, a relação entre terceirizados e concursados era de quatro para um, dado que chamou a atenção do TCU, levando-o a investigar a companhia. Como a Constituição de 1988 proíbe que terceirizados trabalhem em funções de concursados, o tribunal advertiu a empresa, dando um prazo de cinco anos para que houvesse a substituição dos empregados temporários pelos definitivos, aprovados em concurso. Após a suposta “maquia-

gem” nos dados, a Petrobras envia para a CVM um recuo no número de terceirizados. A empresa confirmou, publicamente, a mudança nos critérios. Na Justiça, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já movia ações contra a Petrobras reivindicando a substituição de terceirizados por contratados. O MPT também afirma que o aumento no número de terceirizados, na companhia, envolveu atividades estratégicas, como a fiscalização de plataformas em alto mar. Esse tipo de função só poderia ser desempenhada por concursados. Segundo o órgão, cerca de 80% dos empregados terceirizados estariam em situação irregular. Há, ainda, denúncias sérias contra a empresa. A Petrobras estaria, segundo a Procuradoria, promovendo mudanças nos crachás e na listagem na intranet. A medida estaria dificultando as auditorias do TCU. Há informações de que certos dados, como nome, cargo e subordinação, estão sendo simplificados na intranet, de maneira a dificultar a auditoria. Somente em 2010, a Petrobras assinou, com oito empresas apontadas na Justiça como fornecedoras de trabalho terceirizado, quase 70 contratos, somando R$ 1,4 bilhão. Entre as empresas estão a Hope Consultoria e a Personal Service. O problema não se restringe à Petrobras. Há informações de que o procedimento se repete em empresas como Banco do Brasil e Eletrobrás, segundo dados entregues à CVM. Todas essas companhias têm sido pressionadas pelo TCU a reduzir o número de terceirizados, de acordo com a legislação brasileira, mas têm evitado como podem a ação do tribunal. (LU)


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Nova etapa de resistência Felipe Canova

HONDURAS De volta a seu país, ex-presidente Manuel Zelaya quer criar bloco político amplo e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte Sílvia Alvarez de Tegucigalpa (Honduras) CAIU UMA CHUVA torrencial, depois abriu um tremendo sol. Começou a chover de novo, mas o avião venezuelano que trazia o ex-presidente Manuel Zelaya de volta a Honduras não chegava. No sábado, 28 de maio, milhares de pessoas se aglutinavam na pequena praça Isis Obed, no aeroporto da capital Tegucigalpa, ansiosas, impacientes e sedentas. Muitas delas chegaram ali no dia anterior para conseguir um lugar privilegiado, em frente ao palco montado para a festa de “boas-vindas” ao exmandatário – a quem chamam carinhosamente de Mel. Um membro da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) pega o microfone e lembra que, na verdade, eles estão esperando pelo presidente não somente há algumas horas, mas sim há quase dois anos. “Paciência, companheiros, paciência”, diz ele à multidão. Uma mulher grudada na grade em frente ao palco diz que não havia dormido durante a noite, mas “com satisfação, com muita satisfação”. Aterriza um avião na pista do aeroporto. Começa a tocar, pela centésima vez, a música da campanha eleitoral de Zelaya, que virou uma espécie de hino da resistência, cujo refrão anuncia: “Viene Mel! Urge Mel!” (Lá vem o Mel! Precisamos do Mel!). Alarme falso: era um avião comercial. Na última vez que haviam visto Zelaya, ele estava na embaixada do Brasil, onde permaneceu por 120 dias. Dali, partiu para o exílio na República Dominicana, mas seguiu, mesmo à distância, sendo o coordenador-geral da FNRP, organização que se formou em oposição ao golpe de Estado de 28 de junho de 2009 que o depôs. Após constante pressão popular, e diante da crise econômica que assola o país, o atual presidente Porfirio Lobo Sosa propôs um acordo de “reconciliação”, assinado por ele e por Zelaya no início do mês, em Cartagena das Índias, Colômbia, e mediado pelos presidentes venezuelano Hugo Chávez e colombiano Juan Manuel Santos. Entre os termos do acordo, está a volta de Zelaya e de todos os exilados, com a garantia de terem seus direitos assegurados.

Na última vez que haviam visto Zelaya, ele estava na embaixada do Brasil, onde permaneceu por 120 dias Participação eleitoral

Para Juan Barahona, subcoordenador da FNRP, inicia-se uma nova etapa a partir do regresso do presidente deposto. “Com a volta de Zelaya, vamos fortalecer ainda mais a FNRP. Vamos continuar lutando para que se cumpram os outros acordos da mediação e que se convoque a Assembleia Nacional Constituinte. Mas também começamos uma nova etapa: vamos levantar assinaturas para buscar a legalização da FNRP como instrumento político, que nos permita participar no próximo processo eleitoral, em 2013”, afirmou o dirigente. Em fevereiro deste ano, a FNRP realizou sua assembleia nacional com mais de mil delegados. Ali, ficou acordado que a organização não participaria de processos eleitorais até que tivessem condições adequadas. Porém a direção avalia que as condições estão contempladas no acordo de Cartagena, que garante que a FNRP solicite sua inscrição frente ao Tribunal Superior Eleitoral e participe dos próximos pleitos; permite a convocação de uma consulta sobre uma nova Assembleia Nacional Constituinte; e reconhece a criação da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos como entidade que permita fortalecer a promoção e proteção dos direitos humanos em no país. No entanto, o acordo de reconciliação também pressupõe o reconhecimento do governo de Honduras pela Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual foi suspenso, por unanimidade, após o golpe de Estado. “Pensamos que Honduras não deve ter o apoio para regressar à OEA enquanto não sejam cumpridos os outros pontos do acordo, produto da mediação. Esse regime é mentiroso, pode ser que agora que o presidente Zelaya voltou os outros pontos não se-

Milhares de hondurenhos se reuniram na praça Isis Obed, no aeroporto da capital Tegucigalpa, para a festejar volta de Zelaya

jam cumpridos”, advertiu Juan Barahona. A OEA realizaria uma reunião extraordinária em 1º de junho (após o fechamento desta edição, em 31 de maio) para tratar desse tema.

“Esse regime é mentiroso, pode ser que agora que o presidente Zelaya voltou os outros pontos não sejam cumpridos” O primeiro discurso

Por volta das 14h30, com quase quatro horas de atraso, pousou em território hondurenho o avião vindo da Nicarágua que trazia Zelaya, vários exilados e uma comitiva composta por autoridades, dentre elas o chanceler venezuelano Nicolás Maduro e a ex-senadora colombiana Piedad Córdoba. Finalmente havia se concretizado a principal demanda da resistência. A população, cansada, mas eufórica, recebeu do homem alto, com seu chapéu de vaqueiro característico, um agradecimento. “Graças ao seu esforço, companheira, e ao seu esforço, companheiro, eu pude regressar à terra que me viu nascer”, disse, apontando para a multidão. Zelaya também agradeceu à comunidade internacional, principalmente aos governos da Venezuela, República Dominicana e Brasil pelo apoio desde o golpe. Mais um agradecimento foi feito, dessa vez não tão esperado: a Porfirio Lobo Sosa, atual mandatário, que chegou ao poder por meio de eleições consideradas fraudulentas, em novembro de 2009. Em tom reconciliatório, pediu o reconhecimento do governo de Honduras à comunidade internacional. “É recíproco: se o governo e o presidente Lobo reconhecem os direitos democráticos que foram violados, a comunidade internacional tem obrigação de reconhecer o governo do presidente”. Além disso, Zelaya lembrou que, além da OEA, também é importante que o país regresse à Alternativa Bolivariana das Américas (Alba). “Só se fala da reintegração de Honduras à OEA, mas as portas estão abertas para que Honduras regresse à Alba, à terra de [José] Martí, em Cuba; à terra de [Augusto César] Sandino, na Nicarágua; à terra de [Simón] Bolívar, na Venezuela e à terra de [Francisco] Morazán, em Honduras”.

A população, cansada, mas eufórica, recebeu do homem alto, com seu chapéu de vaqueiro característico, um agradecimento O clima de reconciliação não agradou parte da resistência. Para Berta Cárceres, do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh), “esse governo é continuador do golpe de Estado. Tivemos muitos mártires e a população segue sofrendo violações de direitos humanos. Além disso, é um governo saqueador de bens naturais, privatizador do nosso patrimônio. O reconhecimento dele e a reincorporação à OEA seriam uma vitória do golpe”, afirmou.

Partido Liberal ou resistência?

Na festa de boas-vindas, dois tipos de bandeira disputavam a atenção de Zelaya e dos meios de comunicação: as que tinham as cores vermelha e preta – da FNRP – e as vermelha e branca – do Partido Liberal Hondurenho, pelo qual Zelaya foi eleito presidente em 2005. Diplomático, Zelaya agitou as duas bandeiras quando chegou, assim como agradeceu ambas as organizações, deixando a dúvida sobre onde se dará sua luta política daqui para frente. No dia seguinte, em coletiva de imprensa, ponderou sobre o tema: “formo parte do Partido Liberal, mas estou di-

rigindo a organização mais importante desde a independência, que é a Frente Nacional de Resistência. Venho somarme à Frente, sem perder minha identidade como liberal”. A FNRP, continuou, “é formada por docentes, operários, camponeses, organizações sociais, indígenas e partidos políticos. Se dividirmos a esquerda, a direita continuará ganhando”, concluiu. De acordo com Zelaya, a FNRP deve se transformar em um bloco político similar ao que governa o Uruguai e sua primeira demanda será o plebiscito para a convocatória de uma Constituinte.

Felipe Canova

Considerado de centro-direita, Zelaya adotou medidas progressistas, como aliar-se a Chávez

Quem é Manuel Zelaya? de Tegucigalpa (Honduras) Na madrugada de 28 de junho de 2009, Manuel Zelaya acordou com barulho de tiros. Foi até a sacada do quarto e viu seu segurança pessoal rendido por policiais militares na frente do portão. Teve sua casa invadida e foi levado, de pijama, à base militar de Palmerola, de onde partiu para a Costa Rica. Acabara de sofrer um golpe civil-militar, em pleno século 21. Nesse mesmo dia, Zelaya consultaria a população sobre a inclusão de uma quarta urna nas eleições de novembro, que perguntaria sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. O Congresso Nacional, liderado por Roberto Micheletti – do mesmo partido que Zelaya, o Liberal – desautorizou a consulta e, numa aliança com a oligarquia e com o exército, executou o golpe. Origem empresarial

Filho de uma poderosa família de fazendeiros da região de Olancho, o expresidente fez fortuna com gado e extração de madeira antes de ser eleito para o Congresso em 1985. Destacou-se como funcionário público, ao administrar o Fundo de Investimentos de Honduras (FIHS) durante o governo do ex-presidente Carlos Flores (1998-2002), na época em que o país foi devastado pe-

lo furacão Mitch. Nesse período, o FIHS iniciou uma importante obra social, reconstruindo estradas, prédios, aquedutos e outras obras públicas.

Filho de uma poderosa família de fazendeiros da região de Olancho, o expresidente fez fortuna com gado e extração de madeira Foi eleito presidente de Honduras em 2005 pelo Partido Liberal de Honduras, considerado de centro-direita. Porém, durante seu governo, adotou medidas consideradas progressistas, principalmente ao aliar-se ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e aderir à Alba, em 2008. Além disso, aumentou em 65% o salário mínimo hondurenho, que passou de 189 para 289 dólares. Zelaya foi o primeiro chefe de Estado hondurenho a visitar Cuba desde 1959. No dia seguinte do seu regresso a Honduras, o ex-presidente deu uma entrevista à Globo TV, uma das poucas emissoras que o apoiaram durante o golpe. Ali, definiu-se como empresário, liberal e pró-socialista. (SA)


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américa latina

Peru, entre desculpas e promessas Transparência Perú

ELEIÇÕES Temas como direitos humanos e liberdade de imprensa ganham destaque em disputa entre um militar e a filha de expresidente que cumpre pena por crimes de lesahumanidade Julia Nassif de Souza e Ignacio Lemus de Lima (Peru) A POUCOS DIAS da eleição do novo presidente do Peru, em 5 de junho, a liberdade de imprensa e os direitos humanos se converteram em temas fundamentais de uma disputa que envolve dois candidatos vistos com desconfiança pela população peruana. De um lado, Ollanta Humala, o candidato das esquerdas, faz promessas públicas buscando convencer a população de que terá um governo democrático e civil, caso seja eleito. Do outro, Keiko Fujimori, a filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), pede desculpas pelos “excessos e erros” de seu pai, preso por violações aos direitos humanos cometidas durante sua gestão, entre outras acusações. Enquanto as últimas pesquisas revelam empate técnico entre os candidatos, a orientação econômica dos planos de governo perdeu terreno frente às demonstrações de preocupação com os direitos humanos e da liberdade de imprensa e expressão, na tentativa de conquistar os 6% de indecisos que podem definir a eleição.

Para garantir a confiança dos meios e eleitores, Humala assegurou que exigirá que os ministros da Defesa e do Interior sejam civis Desconfianças e incertezas

No caso de Ollanta Humala, a suposta falta de credibilidade corresponde a uma série de incertezas que a mídia repetiu intensamente durante o último mês com relação a sua origem militar e às acusações, recusadas pela justiça peruana, de coautoria na invasão de uma delegacia em 2004, ação que resultou na morte de seis pessoas. A invasão foi dirigida por Antauro Humala – ex-militar e irmão de Ollanta, que exigia a renúncia do então presidente Alejandro Toledo. Entretanto, o Poder Judiciário não encontrou provas e terminou excluindo Ollanta Humala da responsabilidade dos fatos. Anteriormente, o candidato já havia sido implicado em uma série de desaparecimentos na base militar Madre Mía, onde servia ao exército peruano. Porém, a justiça também o absolveu.

pelos “excessos e erros” cometidos no governo de seu pai, aclarando não ter sido responsável por tais fatos, que não foram especificados pela candidata. A eventual vitória de Keiko poderia resultar no indulto aos crimes cometidos por Alberto Fujimori, acredita Rocío Santisteban, secretária-executiva da Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos. Ela adverte também que, caso Keiko seja vitoriosa, o Peru corre o risco de voltar ao que o antropólogo peruano recentemente falecido Carlos Iván Degregori chamou de “década da antipolítica”, em que foram aplicadas estratégias de assistencialismo e criminalização dos protestos sociais por meio de decretos legislativos e normativas que buscavam censurar e reprimir as reivindicações trabalhistas e/ou ambientais.

Diferentemente de Ollanta Humala, o déficit de credibilidade da filha do expresidente tem relação com diversas certezas Os candidatos Keiko Fujimori e Ollanta Humala posam para a imprensa em debate televisivo

Em 2000, liderou uma série de ocupações em Locumba, no sul do Peru, para exigir o fim do governo fujimorista. Foi preso, mas posteriormente recebeu a anistia do Congresso, por sua condição de “patriota”. Para garantir a confiança dos meios e eleitores, Humala assegurou que exigirá que os ministros da Defesa e do Interior sejam civis. Declarou também que não permitirá influências políticas nas investigações sobre violações de direitos humanos em curso, em um contexto em que um ex-presidente e diversos militares condenados por crimes de lesa-humanidade aguardam seu indulto atrás das grades. Vínculos de Humala

Outro fator de desconfiança surgiu do vínculo que Ollanta Humala demonstrou ter com o presidente venezuelano Hugo Chávez em sua primeira candidatura para a presidência peruana em 2006. Tal proximidade tem sido encarada como um perigo para a democracia do Peru, segundo o imaginário divulgado pela grande mídia, manifestamente vinculada aos interesses do setor financeiro-mineiro peruano, justamente o que conta com o “privilégio empresarial” estabelecido pela mudança na Constituição levada a cabo pelo governo fujimorista, que deixou inalteráveis os contratos e condições da exploração mineira sob a justificativa de impulso ao investimento estrangeiro. Assim, para cavar espaço nos meios, Humala teve que fazer um juramento “a deus, à história e a seu povo”, em que promete não extrapolar os cinco anos de mandato e não realizar mudanças na Constituição para se permitir uma reeleição. Além disso, o candidato afirmou que a liberdade de expressão e imprensa seria defendida, incentivada e garantida. Ao mesmo tempo em que o candidato apresenta intragáveis vínculos para a mídia, também oferece outros tantos

que terminam diluídos nas notícias. Enquanto existe uma obsessão da imprensa por Hugo Chávez, anunciado muitas vezes como “o financiador” da campanha de Gana Perú, o partido de Humala, esta mesma imprensa se encarregou de revelar que dois dos assessores da campanha do partido são os petistas Luis Favre e Vladimir Garreta, aqueles que participaram da “suavização” do ex-presidente Lula nas eleições de 2002.

Outro fator de desconfiança surgiu do vínculo que Ollanta Humala demonstrou ter com o presidente venezuelano Hugo Chávez Ainda que a mídia não tenha objeções sobre essa relação – pelo contrário, vê Lula como um exemplo a seguir –, mostra desconfiança em relação às mudanças de imagem do candidato, às sucessivas alterações no plano de governo e às concessões que o aproximaram de um terreno até agora pouco explorado nessa eleição: a centro-esquerda.

Equipe comprometedora

Um dos maiores questionamentos a sua candidatura é em relação à equipe que a acompanha, formada por figuras que contribuíram de alguma forma no governo de seu pai, o que estimula o medo de que novamente os direitos humanos sejam esquecidos em nome da “ordem e segurança” defendida ferozmente pela candidata, que já promete endurecimentos das penas e a modificação da Constituição a fim de restituir a pena de morte. O candidato a primeiro vice-presidente [no Peru, são dois vice-presidentes] é Rafael Rey, membro da Opus Dei que durante o regime fujimorista apoiou sua Lei de Anistia. Exerceu o cargo de ministro de Defesa no governo de Alan García, mas foi afastado em 2009 após haver apresentado um decreto que estabelecia o arquivamento de processos contra militares e policiais acusados e condenados por violações de direitos humanos.

[Keiko Fujimori] já promete endurecimentos das penas e a modificação da Constituição a fim de restituir a pena de morte

Desconfiança e certezas

Diferentemente de Ollanta Humala, o déficit de credibilidade da filha do expresidente – atualmente preso – tem relação com diversas certezas. Keiko arrasta consigo um passado inevitavelmente vinculado aos crimes de lesa-humanidade levados a cabo pelo fujimorismo, regime em que foi primeira-dama [depois do divórcio dos pais] durante seis anos. Hoje, ela defende publicamente não somente a libertação de seu pai, mas também seu governo, considerado por muitos uma ditadura: estou “orgulhosa de ser a filha do melhor presidente do Peru, Alberto Fujimori”, declarou na apresentação de sua candidatura. No entanto, chegou a pedir desculpas públicas

Recentemente, o candidato à vicepresidência declarou em um programa televisivo peruano que “não tem nenhum problema em reconhecer que efetivamente o senhor Alberto Fujimori foi ditador, mas entre 5 de abril de 1992 [data do chamado ‘autogolpe’] e 31 de dezembro de 1993 [quando entrou em vigência a nova Constituição]”, afirmação com a qual Keiko Fujimori disse não concordar. Além disso, um dos assessores de Keiko, Jorge Trelles, foi afastado da campanha há alguns dias ao fazer tal afirmação em um programa televisivo: “Nós matamos menos que os dois governos que nos antecederam”.

Meios de comunicação, as armas fundamentais Mídia peruana assume abertamente a candidatura Fujimori e pune jornalistas que contrariam tal direcionamento de Lima (Peru) Como nos tempos de Alberto Fujimori, grande parcela da mídia peruana adotou um perfil editorial claramente partidário, dignos de campanha política paga e, muitas vezes, deturpando a realidade dos fatos apresentados. Em alguns casos, quem não acompanha esse perfil é perseguido ou dispensado, como aconteceu com a jornalista Patricia Montero, que depois de 12 anos exercendo a função de produtora no Canal N, pertencente ao grupo El Comercio, foi dispensada de sua função. “Formalmente, não recebi uma única declaração que dissesse que eu estava defendendo Humala ou Keiko. Houve sinais internos do manejo editorial do grupo que nos davam esse indicativo, mas formalmente era porque entrava um novo diretor com sua nova equipe. Só que tudo isso aconteceu depois do primeiro turno eleitoral”, confirma ao Brasil de Fato Patricia Montero, que diz sempre ter atuado com liberdade dentro do veículo em que trabalhava. E ela não foi a única. José Jara, também produtor do Canal N, foi outro dos

que pagaram por tentar manter a imparcialidade na emissora que nasceu durante o governo Fujimori mas que teve um importante papel na sua queda, fazendo com que nos últimos anos fosse referência de credibilidade e pluralidade, relembra Patricia.

Membros da diretoria do jornal La Primera, que claramente apoiam Ollanta Humala, receberam mórbidos arranjos florais com seus nomes Além disso, nas últimas semanas membros da diretoria do jornal La Primera, que claramente apoiam Ollanta Humala, receberam mórbidos arranjos florais com seus nomes, atitude típica do Grupo Colina, ex-esquadrão da morte estatal de Fujimori, que ameaçava jornalistas e donos de meios. Campanha explícita

A credibilidade de Keiko Fujimori ficou ainda mais fragilizada depois de ter

sido declarada membro da diretoria do grupo El Comercio, responsável pelo Canal N e por outros meios de grande importância no Peru. O que fica claro é que a campanha fujimorista nos meios de comunicação é fruto de pressão política, compra de apoios e troca de favores, dado que a maioria dos discursos, não somente na televisão, mas principalmente nos jornais, passaram a apoiar uma candidatura, modificaram suas equipes e suas linhas editorias e a realidade dos fatos. É o que analisa Rocío Silva Santisteban, secretária-executiva da Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos do Peru. “Os grandes meios no Peru estão apoiando muito abertamente a candidata Keiko Fujimori. Existem outros jornais que apoiam Ollanta Humala, mas com um número mínimo de leitores; os canais de televisão aberta estão em uma campanha muito agressiva contra Humala. Então, existe uma percepção do público de que os meios fazem campanha, são partidários e têm interesses econômicos escondidos vinculados com seus laços empresariais em outros segmentos”.

Santisteban declara ainda que vê difícil o futuro da defesa dos direitos humanos e a liberdade de imprensa no Peru, com um ou com outro candidato eleito.

Santisteban declara ainda que vê difícil o futuro da defesa dos direitos humanos e a liberdade de imprensa no Peru Segundo ela, os processos políticos no país terminaram gerando uma “autocensura”, tão transparente nos dias atuais, causada pelo medo dos proprietários dos meios, e, sobretudo, dos próprios jornalistas. “Alguns jornalistas não conseguem entender que são seus prestígios os que se perdem com essas autocensuras e que se afiliar à causa do meio em que trabalham de maneira servil é atentar contra o próprio jornalismo e contra si mesmos”. (JNS e IL)


internacional

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Um ou dois Estados? PALESTINA Cresce o apoio à proposta que defende o estabelecimento de apenas um Estado para palestinos e israelenses Marcelo Buzetto

Baby Siqueira Abrão de Bil’in (Palestina) OS PALESTINOS envolvidos na resistência popular contra a ocupação sionista não se incomodaram nem um pouco com os discursos do presidente estadunidense Barack Obama e do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Ao contrário, até já formularam mais de uma proposta para a construção de seu Estado: a primeira, no pouco que restou da antiga pátria; a segunda, englobando toda a Palestina histórica. A Autoridade Nacional Palestina (ANP) levará à Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, o pedido de reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras de 1967, antes da Guerra dos Seis Dias, em que Israel tomou a Faixa Gaza, a margem direita do rio Jordão (Cisjordânia), a parte oriental de Jerusalém, as colinas de Golã (Síria) e a península do Sinai, depois devolvida ao Egito. Embora não faça mais do que exigir o cumprimento da resolução 242 da ONU, que em novembro de 1967 estabeleceu a retirada das Forças Armadas sionistas dos territórios ocupados – resolução não cumprida por Israel, a ANP sabe que vai enfrentar o veto dos Estados Unidos, cujos congressistas, postoschave no governo e política externa estão nas mãos do lobby sionista.

Empurrão

No século 19, durante o domínio otomano, os palestinos já lutavam por liberdade e independência. As primeiras demonstrações contra o projeto sionista datam de 1880, quando a primeira colônia foi instalada em território palestino. Por isso, afirma Mazin, “não estamos exigindo nada novo. Queremos apenas nos organizar, neste estágio, para que as coisas aconteçam de maneira mais efetiva”, completa, lembrando que na África do Sul as ondas de interesse apareceram e desapareceram por mais de 130 anos até o empurrão final. “Esperamos que nossa iniciativa funcione como um empurrão final”.

São esses movimentos, segundo Mazin, os responsáveis por concretizar a ideia do Estado único democrático e integrado A onda do Estado único parece levar junto até mesmo quem não apoiava a ideia. Abdullah Abu Rhamah, coordenador do comitê de resistência popular de Bil’in e defensor da solução de dois Estados – um para a Palestina, um para Israel – não se opõe ao ODS. “Podemos caminhar para isso, por que não? O importante é ter nossos direitos respeitados e poder projetar um bom futuro para nossos filhos, com liberdade e dignidade. Se vamos obter essas conquistas com um Estado ou dois, não importa”, disse ele ao Brasil de Fato.

A Autoridade Nacional Palestina (ANP) levará à ONU, em setembro, o pedido de reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras de 1967 Território fragmentado

E o governo de Israel, apoiado pelos EUA, não tem a menor intenção de devolver os territórios ocupados. Ao contrário, a cada dia confisca mais terras palestinas, construindo nelas colônias judaicas e fragmentando o que deveria ser o Estado árabe. A Cisjordânia é hoje composta por vilas e cidades cercadas pelo “muro do apartheid”, cercas eletrificadas, colônias e “áreas de segurança” criadas por Israel nas áreas confiscadas. Na prática, os sionistas inviabilizaram a formação do Estado palestino, que teria de se contentar com um território sem contiguidade, formado por bolsões cercados de soldados israelenses por todos os lados e ocupando bem menos do que os 22% estabelecidos no Acordo de Oslo, de 1993. Sem contar que seus cidadãos, para sair do próprio país e para entrar nele, seriam obrigados, como já são hoje, a passar por checkpoints controlados pelo exército sionista. Campanha relançada

Mesmo assim, a solução de dois Estados ganhou força entre os palestinos. A ida à ONU, a disposição de declarar unilateralmente seu país, o acordo entre partidos políticos rivais (Hamas e Fatah) em nome da unidade nacional contra a ocupação, a perspectiva de contar com apoio internacional para fazer Israel sair dos territórios ocupados em 1967 pareciam a única saída.

E o governo de Israel, apoiado pelos EUA, não tem a menor intenção de devolver os territórios ocupados Até um grupo de pacifistas e intelectuais palestinos e israelenses relançarem, há alguns dias, a campanha ODS – One Democratic State (Um Estado Democrático), lançada mundialmente há alguns anos. A ideia é a construção de um Estado democrático para palestinos e israelenses, com igualdade de direitos, liberdade religiosa e cidadania plena para todos. Exatamente o contrário do “Estado judeu” proposto pelo sionismo para formalizar o apartheid e a opressão aos palestinos. A campanha, lançada na internet (http://www.palestinejn.org/component/ content/article/47-ongoing/124-jointhe-one-state-initiative) com o apoio do portal Palestine Chronicle e endossada por nomes de peso na região, como Mazin Qumsiyeh, Ali Abunimah, Neta Golan Omar Barghouti, Ramzy Baroud e Ilan Pappé, reuniu, em poucos dias, mais de 400 apoiadores.

Em outras palavras, não haveria momento mais propício para retomar a campanha do Estado único – que, historicamente, tem mais de 140 anos.

Palestinos esperam contar com apoio internacional para fazer Israel sair dos territórios ocupados

Isso não surpreendeu Mazin, professor da Universidade de Belém, facilitador da iniciativa, ativista de direitos humanos e autor de vários livros (o mais recente, Popular Resistance in Palestine: A History of Hope and Empowerment [Resistência popular na Palestina: uma história de esperança e de empoderamento], vem sendo bastante comentado): “O que me surpreendeu foi o entusiasmo dessas pessoas. A maioria não só endossou a iniciativa como já começa a trabalhar por ela”, disse ele ao Brasil de Fato. Movimentos de resistência

A base do trabalho são os movimentos de resistência popular, constituídos em grande parte das vilas e cidades palestinas, mas não apenas nelas. Conectados na Palestina e no mundo árabe, eles estão presentes no mundo inteiro, defendendo um modelo econômico e político baseado nas reais necessidades humanas e não nos interesses do grande capital. São esses movimentos, segundo Mazin, os responsáveis por concretizar a

ideia do Estado único democrático e integrado (e não binacional, como alguns chegaram a sugerir).

“O que me surpreendeu foi o entusiasmo dessas pessoas. A maioria não só endossou a iniciativa como já começa a trabalhar por ela” “O apoio internacional popular à Palestina aumenta a cada dia, e uma prova disso é o crescimento rápido do BDS”, afirma ele, referindo-se à campanha da sociedade civil mundial Boicote, Desinvestimento e Sanções, que boicota os produtos fabricados em Israel, além de trabalhar para que empresas e fundos de investimentos não coloquem seu dinheiro no país e de exigir dos governos a imposição de sanções ao Estado sionista, pelas violações aos direitos humanos e ao direito internacional.

“Podemos caminhar para isso, por que não? O importante é ter nossos direitos respeitados e poder projetar um bom futuro para nossos filhos (...)” Tarefa

Será que não? A solução de dois Estados não reforçaria o sionismo, o grande inimigo da paz na região? Abdallah reconhece que sim, embora considere esse apenas o primeiro passo na direção de uma nação integrada. “O que queremos da ONU é o comprometimento da comunidade internacional com a justiça. Queremos que os governos, e não somente a opinião pública, mobilizem-se para fazer Israel sair das nossas terras, tirar os muros, os checkpoints, os soldados, as câmeras, as armas. Queremos ter uma vida normal, e sozinhos não conseguiremos”, constata. “Nossa opção é a não violência, e ela só funcionará contra um país militarizado como Israel se outras nações colaborarem, também usando métodos pacíficos, como as sanções econômicas e políticas”.

Aconteça ou não o reconhecimento pela ONU, Abdallah sabe o tamanho da tarefa que os palestinos têm pela frente para construir seu Estado Aconteça ou não o reconhecimento pela ONU, Abdallah sabe o tamanho da tarefa que os palestinos têm pela frente para construir seu Estado, único ou não. Nisso, ele e Mazin concordam. Mas, enquanto Abdallah conta também com o governo de unidade nacional, Mazin não se incomoda nem um pouco com isso. “O que os políticos fazem, sejam eles líderes do Hamas, do Fatah, da Frente Popular de Libertação da Palestina, do Kadima, do Likud, diz respeito a eles. Nós, que acreditamos na coexistência e na paz baseada na justiça, temos nossa própria agenda. E ela não é ditada pelo modo como os outros reagem ou deixam de reagir. Só a população de um país tem legitimidade para determinar o próprio futuro”.


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Cultura

Em busca de um internacionalismo para as lutas camponesas Douglas Mansur

SOCIOLOGIA Autora discute constituição da Via Campesina a partir da perspectiva dos movimentos internacionais do século 20

nia. Neste último quesito está o componente central do projeto de contra-hegemonia da Via Campesina que, como assevera a autora, “representa a ressignificação do tema da reforma agrária”. Com efeito, a soberania alimentar transcende a ideia de segurança alimentar, estendendo-se desde as escolhas de produção, passando por como é produzida e em que escala, ao controle democrático dos recursos e do patrimônio genético. O que está em jogo é o resgate de tradições e de saberes da cultura camponesa, isto é, a valorização do modo de vida camponês no que diz respeito à sua relação com a natureza e os alimentos, o que não significa que por parte da Via Campesina exista uma rejeição da modernidade, mas no mínimo, uma crítica da modernidade e seus efeitos desastrosos no mundo agrário.

Deni Ireneu Alfaro Rubbo Dos proletários unidos à globalização da esperança, livro da socióloga carioca Flávia Vieira Braga, que acaba de ser lançado pela editora Alameda, é decididamente uma obra inovadora não apenas pelo objeto de estudo – a Via Campesina – em meio aos pouquíssimos trabalhos no Brasil sobre o tema, mas pela maneira como a autora aborda o assunto. Uma das propostas do livro consiste em captar os traços gerais do capitalismo internacional e da ação internacional dos trabalhadores, através de um engenhoso recurso que sublinha as permanências e as rupturas da literatura recente e antiga sobre os temas citados. Trata-se de apontar fundamentalmente que um tema desse porte não pode estar circunscrito unicamente ao ponto de vista da contemporaneidade, como fazem as recorrentes análises que atribuem o fenômeno da globalização a uma inequívoca novidade: “essa tem sido, na maioria dos casos, a principal lacuna para pensar teoricamente a questão, isto é, a ausência de um resgate das várias teorias que se debruçaram ao longo do século 20 sobre as características do sistema global”. Contrariando essa tendência, a autora faz um esforço bem sucedido examinando as principais correntes teóricas que se consagraram em entender os mecanismos do capitalismo internacional – imperialismo, a teoria da dependência e o sistema-mundo - o que acabou criando uma “literatura mundial”.

A autora faz um esforço bem sucedido examinando as correntes teóricas que se consagraram em entender os mecanismos do capitalismo internacional Paralelamente às ações do movimento “antiglobalização”, por seu turno, sob o qual a autora baseia-se no arcabouço teórico da assim chamada sociedade civil global, além de pautar-se em três tipos de ação – as iniciativas de massa, as campanhas e as conferências – tem como objetivo principal criar uma estrutura de oportunidades políticas que engendre uma dinâmica e uma sustentação nas redes de articulações. Trata-se de uma ampla troca de informação e de cooperação em eventos e campanhas que, vale dizer, realça o caráter comunicativo dos movimentos, além de estimular a construção de pautas políticas através de elementos culturais. No entanto, aponta a pesquisadora, ao lado dessas características novas, prevalecem características velhas, mas que são ignoradas pelos estudos contemporâneos citados sobre ação coletiva global. Não é pa-

A soberania alimentar transcende a ideia de segurança alimentar, estendendo-se às escolhas de produção e ao controle democrático dos recursos Assim, o livro é também uma instigante provocação, pelo menos para aqueles (muitos) que em nome da locomotiva do progresso histórico, anunciaram, em diversas circunstâncias históricas, a morte do campesinato, e que por conta disso baseavam-se na pressuposição de que tal sujeito social do campo era irredutivelmente estranho à política. Pois bem: na contramão do bonde da história e das previsões dos apologistas do progresso, os camponeses na periferia do sistema capitalista são numericamente expressivos e portadores de uma organização internacionalista a qual não se pode ignorar, o que torna o fato um dos maiores desafios para o pensamento social crítico. Deni Ireneu Alfaro Rubbo é mestrando em sociologia e bolsista Capes. Reprodução

Formação da Via Campesina teria ocorrido paralelamente à crescente mercantilização e internacionalização do capital na agricultura

ra menos que há uma ausência completa de uma perspectiva histórica sobre as articulações internacionais: “não há referência às inúmeras formas de articulação dos movimentos socialista e anarquista que se iniciaram em meados do século 19 e se desenvolveram ao longo do século 20”. O velho e o novo

Flávia Vieira registra claramente que as chamadas redes transnacionais nas sociedades contemporâneas definitivamente não são um fenômeno absolutamente novo e tampouco, quando raramente assinalam uma perspectiva histórica, podem ficar reduzidas a uma tradição internacionalista de caráter confessamente liberal. Daí então a necessidade teórica – e metodológica – de problematizar o “enorme silêncio” acerca da tradição internacionalista da esquerda: existe – sustenta a autora – “uma grande lacuna teórica que precisa ser preenchida de forma a poder-se identificar o que há de novidade e o que há de permanência na situação contemporânea de articulações internacionais”. É com velho que se faz o novo.

DECLARAÇÃO DE PROPÓSITO

Finalmente, o processo de formação da Via Campesina ocorre paralelamente à crescente mercantilização e internacionalização do capital na agricultura. O ponto de partida para sua efetivação concreta dar-se-á no quadro latinoamericano através da campanha “500 anos de resistência Indígena, Negra e Popular”, desenvolvida entres os anos 1989 e 1992.

O processo de formação da Via Campesina ocorre paralelamente à crescente mercantilização e internacionalização do capital na agricultura A autora faz uma competente descrição das conferências – órgão máximo de decisão política da Via Campesina – assinalando o desenvolvimento interno, o número cada vez maior de organizações filiadas, a construção de identidades, a incorporação da questão de gênero e o desenvolvimento do conceito de sobera-

Serviço: Autora: Flávia Braga Vieira. Título: Dos proletários unidos à globalização da esperança: um estudo sobre internacionalismos e a Via Campesina Editora: Alameda

DECLARAÇÃO DE PROPÓSITO

NOME: Jaques Antonio Duarte IDENTIDADE: 2020329195 SSP/PC RS CPF/MF: 228.297.840-49

NOME: João José Klein IDENTIDADE: 9037351674 SSP/RS CPF/MF: 466.429.600-25

DECLARA sua intenção de exercer cargo De Membro efetivo do Conselho de Administração da Cooperativa Central de Crédito Rural Horizontes Novos – CREHNOR CENTRAL, CNPJ nº 05.879.577/0001-39, preenchendo todas as condições estabelecidas no art. 2º da Resolução nº 3041, de 28 de novembro de 2002, do Conselho Monetário Nacional. ESCLARECE que, nos termos da regulamentação em vigor, eventuais objeções à presente declaração deverão ser comunicadas diretamente a Banco Central do Brasil, no endereço abaixo, no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da publicação desta, por meio formal em que os autores estejam devidamente identificados, acompanhado da documentação comprobatória, observado que o declarante poderá, na forma da legislação em vigor, ter direito a vistas do processo respectivo. Sarandi/RS, 29 de abril de 2011.

DECLARA sua intenção de exercer cargo De Membro efetivo do Conselho de Administração da Cooperativa Central de Crédito Rural Horizontes Novos – CREHNOR CENTRAL, CNPJ nº 05.879.577/0001-39, preenchendo todas as condições estabelecidas no art. 2º da Resolução nº 3041, de 28 de novembro de 2002, do Conselho Monetário Nacional. ESCLARECE que, nos termos da regulamentação em vigor, eventuais objeções à presente declaração deverão ser comunicadas diretamente a Banco Central do Brasil, no endereço abaixo, no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da publicação desta, por meio formal em que os autores estejam devidamente identificados, acompanhado da documentação comprobatória, observado que o declarante poderá, na forma da legislação em vigor, ter direito a vistas do processo respectivo. Sarandi/RS, 29 de abril de 2011.

Jaques Antonio Duarte

BANCO CENTRAL DO BRASIL DEORF - Departamento de Organização do Sistema Financeiro GTPAL - Gerência Técnica em Porto Alegre/RS Av. 7 de setembro, 586 Bairro Centro 90010-190 – Porto Alegre - RS Tel.: (51) 3215 7021, 3215 7118, 3215 7290

João José Klein

BANCO CENTRAL DO BRASIL DEORF - Departamento de Organização do Sistema Financeiro GTPAL - Gerência Técnica em Porto Alegre/RS Av. 7 de setembro, 586 Bairro Centro 90010-190 – Porto Alegre - RS Tel.: (51) 3215 7021, 3215 7118, 3215 7290


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