R$2,00
Ano I ■ Número 1
■ 8 de março de 2003
ntre 16 a 23 de março, Kyoto, no Japão, será a sede do 3º Fórum Mundial da Água. No evento, financiado pelo Banco Mundial, as corporações tentarão impor a privatização de um bem essencial à humanidade, mas cada vez mais escasso. O mercado de água potável do planeta hoje movimenta R$ 3,5 trilhões (três vezes o PIB brasileiro). Em oposição ao “Davos das águas”, ambientalistas convocaram, para o mesmo período, fóruns em todos os continentes. No Brasil, o encontro será realizado em Cotia (SP), organizado pelo Movimento Grito das Águas. Apenas uma das reservas brasileiras, o aqüífero Guarani, pode abastecer o país por 3.500 anos, ou o planeta por 300 anos. Págs. 8 e 9
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Fotos: João Ripper
Ricos cobiçam água do mundo (e o Brasil está na mira)
Guerra ao trabalho escravo
EUA tentam impor Alca ao Brasil
O governo federal lança, em 11 de março, o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Calcula-se que cerca de 25 mil brasileiros ainda vivem em regime de escravidão – sem direito a salário, submetidos a jornadas de até 20 horas, sob vigilância armada, bebendo água de córregos onde animais defecam, alimentando-se de forma precária. O plano inclui a tipificação do trabalho escravo como crime hediondo e a expropriação de terras de escravistas.
Os Estados Unidos pretendem usar de “todos os meios legais e necessários” para obter vantagens na formação da Alca, afirmou Robert Zoellick, representante do Departamento de Comércio estadunidense. A Casa Branca procura isolar o Brasil da América Latina. Pág. 4 E mais: BANCOS – O Brasil é o campeão do capital financeiro. Você paga mais impostos para engordar os cofres dos banqueiros. Pág. 5 CASALDÁLIGA – O velho guerreiro diz adeus. Será? Pág. 6 MULHERES – Em seu dia internacional (8 de março), elas fazem protestos contra a guerra, a miséria e o sexismo. Pág. 10 BOLÍVIA – O FMI mandou e o governo aumentou os impostos. Resultado: rebelião em La Paz. Pág. 11 HIP-HOP – Em São Paulo e nas grandes cidades os “manos” e as “minas” criam estratégias de organização e luta contra a segregação e a violência. Pág. 15
Nesta edição, publicamos um ensaio temático do fotógrafo João Ripper, do Projeto de Cooperação Técnica de Combate ao Trabalho Forçado no Brasil, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Pág. 7
Washington usa arma biológica contra o Iraque Irmã Sherine, da Ordem Dominicana do Iraque, em visita ao Brasil, denuncia ataques feitos com ratos e larvas de berne, pelos Estados Unidos, sobre lavouras iraquianas, em 1996. Sherine descreve uma situação de terrível penúria da população de seu país, incluindo contaminação em massa por urânio empobrecido. Pág. 12
ONU recomenda reforma agrária contra a fome Pág. 13
NOSSA OPINIÃO
O império se move Ignorando solenemente as vozes de milhões de pessoas que se mobilizaram em todas as nações, incluindo os Estados Unidos e Inglaterra; desafiando os interesses de seus pares no “clube” dos poderosos; atirando ao lixo o pouco que restava de credibilidade à ONU e ameaçando levar a Organização do Tratado do Atlântico Norte à desintegração, George Bush filho acelera os preparativos para atacar o Iraque. Não se trata de uma “guerra”, como a imprensa equivocadamente qualifica, mas de um massacre, uma chacina de grandes proporções. Para além de todos os interesses econômicos, políticos e culturais, está em questão o princípio civilizacional. Este senhor - a quem a fraude eleitoral garantiu o cargo político mais importante do mundo está transformando o planeta em uma terra de ninguém unicamente regida pela força bruta.
Nasce um jornal popular
Suas palavras deveriam soar como advertência aos que acreditam na existência de uma eventual “boa Alca”, como se fosse possível “negociar” com a gangue de vândalos que tomou a Casa Branca de assalto. O governo Lula, nesse particular, tem uma gravíssima responsabilidade: sem o Brasil, não haverá Alca; com a Alca, como diz o professor Celso Furtado, não haverá Brasil. Essa equação resume um dilema central que o Planalto tem que enfrentar.
Seria transformar nossos sonhos em pesadelos.
CONSELHO POLÍTICO: ALÍPIO FREIRE, ARI ALBERTI, ARIOVALDO UMBELINO, ASSUNÇÃO ERNANDES, ATON FON FILHO, AUGUSTO BOAL, ÁUREA LOPES, BETO ALMEIDA, CÁCIA CORTEZ, CARLOS MARÉS, CARLOS NELSON COUTINHO, CELSO MEMBRIDES SÁVIO, CÉSAR BENJAMIM, CÉSAR SANSSON, FRANCISCO DE OLIVEIRA, CLAUS GERMER, DOM DEMÉTRIO VALENTINI, DOM MAURO MORELLI, DOM TOMÁS BALDUÍNO, DOUGLAS MANSUR, EDMILSON COSTA, ELENA VETTORAZZO, EMIR SADER, ERGON KRAKEK, ERICK SCHUNIG FERNANDES, FÁBIO DE BARROS PEREIRA, FERNANDO ALTEMEYER, FERNANDO MORAIS, FLÁVIO CANNALONGA, FREDERICO SANTANA RICK, FREI BETTO, FREI SÉRGIO GORGEN, HAMILTON OCTÁVIO DE SOUZA, HORÁCIO MARTINS, IVAN VALENTE, JASPER LOPES BASTOS, JOÃO CAPIBARIBE, JOÃO JOSÉ REIS, JOÃO JOSÉ SADY, JOÃO PEDRO STEDILE, JOÃO ROBERTO RIPPER, JOÃO ZINCLAR, JOSÉ ARBEX JR., KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE, LAURINDO LALO LEAL FILHO, LEANDRO KONDER, LEONARDO MELGAREJO, LUÍS ALBERTO, LUÍS ARNALDO, LUÍS CARLOS GUEDES PINTO, LUÍS EDUARDO GREENHALG, LUÍS FERNANDES, LUIZ BASSEGIO, LUIS GONZAGA (GEGÊ), MARCELO GOULART, MARCOS ARRUDA, MARIA DIRLENE MARQUES, MARIA LUISA MENDONÇA, MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND, MÁRIO MAESTRI, MILTON VIÁRIO, NEURI ROSSETO, NILMÁRIO MIRANDA, NILO BATISTA, OSCAR NIEMEYER, PASTOR WERNER FUCHS, PAULO ARANTES, PAULO PEREIRA LIMA, PAULO RAMOS BARBOSA, PEDRO IVO, PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO JR., REINALDO GONÇALVES, RENATO TAPAJÓS, RICARDO ANTUNES, RICARDO GEBRIM, RICARDO REZENDE FIGUEIRA, ROBERTO ROMANO, RODOLFO SALMO, SAMUEL YAVELBERG, SEBASTIÃO SALGADO, SÉRGIO BARBOSA DE ALMEIDA, SÉRGIO CARVALHO, SÉRGIO HADDAD, TATAU GODINHO, TIAGO RODRIGO DÓRIA, VALÉRIO ARCARI, VALTER UZZO, VITO GIANOTTI, VLADIMIR ARAÚJO, ZILDA COSME FERREIRA. CONSELHO EDITORIAL: ALÍPIO FREIRE, CÉSAR BENJAMIM, HAMILTON OCTÁVIO DE SOUZA, KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE, LUIIZ ANTÔNIO MAGALHÃES, LUÍS EDUARDO GREENHALG, LUIZ BASSEGIO, MARIA LUÍSA MENDONÇA, MILTON VIÁRIO, NEURI ROSSETO, PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO JR, RICARDO GEBRIM
BRASIL DE FATO
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EDITOR-CHEFE: JOSÉ ARBEX JR. EDITORES: ANAMÁRCIA VAINSENCHER, ÁUREA LOPES, NILTON VIANA, PAULO PEREIRA LIMA REPÓRTERES: BETO ALMEIDA, EUNICE NUNES, JOÃO ALEXANDRE PESCHANSKI, JORGE PEREIRA FILHO FOTOGRAFIA: ALDERON COSTA, FLÁVIO CANNALONGA, JOÃO ROBERTO RIPPER, JOÃO ZINCLAR, DOUGLAS MANSUR, LUCINEY MARTINS, SAMUEL YAVELBERG ILUSTRAÇÕES: GILBERTO MARINGONI, MÁRCIO BARALDI,OHI PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: WLADIMIR SENISE REVISÃO: OTACÍLIO NUNES JORNALISTA RESPONSÁVEL: JOSÉ ARBEX JR. MTB 14.779 COLABORARAM NESTA EDIÇÃO: ANDRÉ LEITE, BIA BARBOSA, CLAUDIA FANTI, GILBERTO MARINGONI, HAMILTON OCTÁVIO DE SOUZA, JOÃO PEDRO STEDILE, , LEDA BECK, LUIZ ANTÔNIO MAGALHÃES, MARCOS ROZEN, MARIA LUISA MENDONÇA, PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO JR. ADMINISTRAÇÃO: SILVIO SAMPAIO SECRETARIA DE REDAÇÃO: TATIANA MERLINDO ASSINATURAS: (11) 3333-6244 ENDEREÇO: ALAMEDA EDUARDO PRADO, 342 – CAMPOS ELÍSEOS – CEP 01218-010 SÃO PAULO/SP E-MAIL: REDACAO@BRASILDEFATO.COM.BR GRÁFICA: FOLHAGRÁFICA
■ A argentina Hebe de Bonafini e integrantes da mesa: clima de festa e compromisso
Renato Stockler
Se o governo Lula quer merecer a esperança nele depositada pela nação, deve deixar que o povo decida, mediante a convocação de um plebiscito oficial sobre a Alca, e fugir dos acordos espúrios, selados no silêncio dos gabinetes protegidos da vigilância popular – prática preferida da burocracia estatal. Aceitar a Alca significaria curvar-se à total subordinação de nossa economia, à recolonização da política e da cultura, como afirmou o próprio presidente em campanha.
Augusto Boal, autor de um texto de apresentação do jornal, pede que todos o leiam em voz alta, criando com isso um clima de grande coesão coletiva. Muitíssimas outras coisas aconteceram, ao longo de 2h30 de duração do ato, encerrado ao som do hino da Internacional Comunista. Ficam pelo menos duas certezas: todos sentem a grande necessidade de um jornal nacional que seja o porta-voz da nação explorada e oprimida; e todos sabem que se trata de um desafio imenso, pelo menos tão grande quanto a demanda à qual ele ambiciona responder. ❑
Simone Bruno
A mesma truculência, a mesma estupidez e ganância podem ser observadas na recente declaração do representante do Departamento de Comércio de Bush, Robert Zoellick, que prometeu utilizar “todos os meios legais e necessários” para obter vantagens na formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Roma não faz concessões aos países periféricos.
falar em nome de meu pai. Nunca faço isso, por achar desonesto eu aproveitar meus laços de sangue para ser porta-voz de um homem de sua estatura. Mas hoje eu digo sem medo: se Che estivesse aqui, ele estaria sinceramente orgulhoso!”. Olívio Lamas
25 de janeiro, 19h30: cerca de 4.500 pessoas lotam o ginásio de esportes Araújo Viana (região central de Porto Alegre), ao passo que outras 2.500 não conseguem entrar. Em poucos momentos, começará o ato de lançamento do jornal Brasil de Fato. Participam da mesa Hebe de Bonafini, Aleida Guevara, Eduardo Galeano, Sebastião Salgado, Olívio Dutra, Plínio de Arruda Sampaio e os representantes do jornal João Pedro Stedile e José Arbex Jr. Logo atrás da mesa, estão os convidados, integrantes do comitê político do jornal e dos movimentos sociais, organizações e partidos políticos representativos da esquerda brasileira. O clima é de muita festa e combatividade. Alguns momentos são muito emocionantes. A intervenção da grande dama da América Latina, Hebe de Bonafini, é delirantemente aplaudida, mais ainda por ter sido seguida de uma execução ao vivo da canção “Gracias a la Vida”, da cantora e compositora chilena Violeta Parra. Boa parte do plenário chora. Depois é a vez de Aleidita fazer todo mundo “explodir”, ao afirmar: “Vou fazer agora algo que nunca, jamais ouso fazer: vou
João Zinclar
Enganam-se aqueles que pensam se tratar “apenas” de um “problema do petróleo”, ou de controle geopolítico do Oriente Médio, como se a política da Casa Branca não fosse a única e a mesma, quando se trata de defender os interesses das megacorporações que conduziram Bush ao Capitólio.
Quem somos Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. A redação, integrada por uma equipe de jornalistas profissionais, trabalha em sintonia com um comitê editorial composto por doze representantes de diversos segmentos democráticos da sociedade, que se reúne a cada quinze dias. A linha política estratégica da publicação é definida por um amplo conselho político nacional. Começamos com edições semanais de 16 páginas, a partir de março. Mas almejamos aumentar o número de páginas, com notícias que expliquem e contextualizem fatos habitual e estrategicamente ignorados pela imprensa comprometida com o poder capitalista. O jornal, como qualquer publicação do gênero, será financiado por venda em banca, assinaturas e anúncios publicitários. Como participar Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. Nesse endereço, que futuramente abrigará a agência de notícias virtual do Brasil de Fato, também haverá a lista de temas que estarão sendo apurados para a edição semanal do jornal. Comitês de apoio Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados, e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jjornal ficaria restrito ao chamado “eixo Rio-São Paulo”, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também, do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. Quanto custa O jornal Brasil de Fato será vendido por R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Para assinar, ligue (11) 3333-6244 ou mande uma mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Sorteio O Brasil de Fato vai sortear uma viagem a Cuba e 4 coleções de livros da editora Expressão Popular. Para participar, basta contribuir com R$ 10,00 (com direito a receber os 5 primeiros números do jornal). No dia 1º de maio, vamos conhecer os vencedores. Ainda há tempo, é só entrar em contato!
TRANSGÊNICOS
Governo adia decisão sobre soja modificada Carlos Tauts, do Rio de Janeiro ão foi uma ducha fria completa, mas a posição do governo federal sobre a contaminação da safra de soja gaúcha por transgênicos foi morna. Depois de ouvir nove ministros, em reunião no dia 6 de março, o presidente Luis Inácio Lula da Silva mandou avisar: ainda vai demorar alguns dias a solução para a safra de cerca de 5 mi-
irregulares (a comercialização de OGMs está proibida no Brasil por decisão da Justiça federal). Singer disse que o governo estuda como “escoar” a safra, o que, em tese, incluiria a venda no mercado interno e iria contra a decisão judicial. A procura por uma brecha legal para vender no País a soja contaminada foi levantada por técnicos do governo. Técnicos dos Ministérios de Agricultura e do Desenvolvimento defenderam a venda no
mercado interno. Os do Meio Ambiente, que se mantenha a exigência de realização do estudo de impacto ambiental, como prevê as resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Mas, se os ministros acertaram ao não jogar a culpa sobre 140 mil pequenos agricultores (que respondem por algo entre 30 e 40% da safra gaúcha de soja), também decidiram jogar perigosamente, ao adiar uma decisão. “Em pouco tempo pode haver
Arquivo Greenpeace
N
lhões de toneladas de soja no Rio Grande do Sul, que teria um volume de quase 4,7 milhões de toneladas contaminadas por transgênicos (os organismos geneticamente modificados, ou OGMs). De acordo com o porta voz da Presidência da República, André Singer, os agricultores familiares não serão prejudicados pela omissão do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, que não fiscalizou plantios
NACIONAL
A quase totalidade da soja gaúcha está contaminada e governo vacila sobre uma decisão que afetará 140 mil pequenos agricultores; em várias regiões do país, multiplicam-se casos de parcialidade da Justiça contra militantes do MST
tratoraços de agricultores ansiosos por saber se perderão dinheiro”, avaliou o economista Jean Marc von der Weid, um dos coordenadores da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos, que reúne organizações não governamentais dos setores de agroecologia, meio ambiente e de defesa dos direitos do consumidor. Negócio da China? A Campanha já propôs ao governo que a safra seja exportada para os (poucos) mercados internacionais que ainda estão abertos à soja OGM. O alvo principal é a China, que deve importar em 2003 16 milhões de toneladas, das quais um total entre quatro e cinco milhões poderiam ser brasileiros. E, ao mesmo tempo, que responsabilize criminalmente autoridades públicas que não reprimiram os transgênicos e as empresas que, na prática, estimularam o uso de sementes modificadas. Divisão entre os ministros
Afra Balazina e Leonardo Fuhrmann De São Paulo A prisão do coordenador regional do MST na região do Pontal do Paranapanema, Sérgio Pantaleão, decretada e cumprida no dia 18 de fevereiro deste ano, é mais uma decisão polêmica do juiz Atis de Araújo Oliveira, da Comarca de Teodoro Sampaio. Oliveira já havia decretado a prisão de Pantaleão no ano passado, no mesmo processo, em que outros militantes do MST no Pontal são responsabilizados individualmente por eventuais furtos que acontecem durante as ocupações de terra. A decisão do juiz havia sido revertida por um hábeas corpus concedido pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Segundo o relator Fer nando Matallo, o mandado de prisão era nulo, pois levaram a citação contra Pantaleão à casa de seu sogro, ignorando o endereço do líder sem-terra. Pantaleão foi preso dentro do Fórum de Teodoro Sampaio, onde era interrogado. Questão pessoal O deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), advogado que representa o MST em diversas ações, diz que o problema entre o juiz e os sem-terra já se tornou uma questão pessoal. “Ele deveria se considerar
impedido de julgar qualquer processo relativo ao MST porque não esconde sua antipatia pelo movimento. O problema se agravou depois da ocupação do fórum pelos militantes”. Para Greenhalgh, o Tribunal de Justiça já devia ter transferido Oliveira. “Eles não o fazem pois sabem como é difícil arrumar um juiz que queira trabalhar lá. Por isso, acabam aceitando que ele permaneça e continue sua perseguição contra os líderes do MST, em especial, José Rainha. Como não posso transferir o juiz, tenho insistido para que Rainha deixe o Pontal, evitando assim que ele volte a ser preso.” O problema do MST com Oliveira não é um caso isolado. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica, 2279 trabalhadores rurais ligados ao movimento foram presos entre 1989 e fevereiro do ano passado. Muitas dessas decisões foram consideradas duvidosas até mesmo no meio jurídico. Alguns juízes, por exemplo, continuam a enquadrar líderes semterra em formação de quadrilha mesmo após a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que um movimento social não pode ser tratado como um grupo criminoso. “Confissão” sob tortura O juiz de Cerqueira César, José Augusto Nardy Marzagão,
no começo do ano passado, manteve a prisão em flagrante dos líderes regionais do MST José Carlos Pio, Miguel da Luz Serpa e Daniel da Costa Albuquerque, acusados de planejar um assassinato dentro de um acampamento. De acordo com o parecer do procurador José Guerra Armede, o inquérito foi conduzido com parcialidade e a história contada nele é inconsistente. O Tribunal de Justiça em sua decisão – que libertou os três – destaca que Gonçalo Laurindo dos Santos, que teria tentado matar Manoel Alves de Mesquita, foi torturado para que acusasse os líderes sem-terra de ter participação no crime. Além disso, Pio, Serpa e Albuquerque, que não têm antecedentes criminais, foram presos em flagrante sem armas, 20 horas após o crime e sem qualquer prova de envolvimento deles na ação. Greenhalgh considera normal que, principalmente nas cidades do interior, haja uma antipatia dos juízes pelo MST. “Eles convivem com a elite local. São amigos dos fazendeiros, comerciantes e gerentes de banco. Quando o MST ocupa terras, agências do Banco do Brasil em busca de liberação de crédito ou faz manifestações em frente a fóruns, essa antipatia aumenta”. Ele acredita que nos casos relativos ao Pontal do Paranapanema o único tribunal a julgar os casos com a devida imparcialidade é o STJ.“Mes-
mo o TJ de São Paulo precisa justificar em suas decisões porque não transfere o juiz da Comarca de Teodoro Sampaio”. Questão de classe Para o desembargador Claudio Baldino Maciel, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o problema de os juízes conviverem mais com a elite do que com os movimentos sociais existe. “Não há como fazer um panorama geral disso, mas é natural que pela posição que ocupam eles convivam mais num ambiente de classe alta e média alta”.A AMB fez uma pesquisa sobre o perfil dos juízes brasileiros em conjunto com o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Os dados mostram que os magistrados muitas vezes vêm de famílias de classe média baixa. Para Baldino, o novo perfil dos juízes associado à visão moderna do direito faz com que a relação entre eles e os movimentos sociais mude. “Participamos do último Fórum Social Mundial e um grupo de juízes visitou um acampamento do MST para conhecer a realidade deles. Isso era impensável há 30 anos e ajuda os profissionais a entenderem melhor a sociedade na hora de tomar uma decisão. O Judiciário, aos poucos, deixa de ser aquele poder encastelado que era”. ❑
Carlos Tauts é jornalista
Seminário Várias organizações de agricultores familiares e entidades ligadas à agroecologia, meio ambiente e direitos do consumidor realizam um seminário entre 18 e 20 de março, no centro de estudos da Contag, em Brasília para debater a contaminação da safra gaúcha, missão e localização da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), a ação necessária da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), do DDIV (Departamento de Defesa e Inspeção Vegetal) e da Polícia Federal, além da proposta de legislação sobre OGMs, em discussão no Congresso. ❑
8 de março de 2003
Juízes acima de qualquer suspeita
BRASIL DE FATO
■ Em São Paulo, manifestantes denunciam a transnacional Monsanto, uma das principais produtoras mundiais de alimentos trangênicos
Em verdade, há uma divisão interna ao governo a respeito dos transgênicos. De um lado, estão o programa de governo do ex-candidato Lula e os Ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, e da Ciência eTecnologia, Roberto Amaral.Todos programa e ministros defendem o princípio científico “de precaução”, que exige pesquisas que atestem os riscos de um produto novo, antes que este chegue ao mercado. Do outro lado estão pelo menos outros dois ministros. Roberto Rodrigues, da Agricultura, e Luis Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.Antes da reunião com Lula, Rodrigues não defendeu abertamente os transgênicos, como fazia à época em que presidia a Associação Brasileira de Agribusiness. Coube a Furlan adotar em entrevistas uma posição que ele chamou de “pragmática”:“Queremos posicionar o Brasil da melhor forma no mercado mundial”, disse Furlan. De fato, a posição do Ministro é uma pérola de pragmatismo. A Sadia, da qual ele é um dos principais acionistas, garantiu ao Greenpeace, em carta de 30 de janeiro de 2002, assinada pelo seu presidente Walter Fontana Filho, que adota vários sistemas de proteção “a fim de evitar a aquisição de matérias-primas modificadas geneticamente”. ❑
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NACIONAL
Protegida pelo segredo dos gabinetes governamentais, Casa Branca impõe cláusulas com o objetivo de proteger as megacorporações transnacionais, em detrimento do interesse público; o que fará o governo Lula?
ALCA
Paulo Pereira Lima
A Alca é vantajosa (para os EUA) Por Rogério Godinho, de São Paulo s Estados Unidos pretendem usar de “todos os meios legais e necessários” para obter vantagens na formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), afirmou Robert Zoellick, representante do Departamento de Comércio estadunidense, em mensagem enviada ao Congresso, na primeira semana de março. A declaração é suficiente para revelar a arrogância e a ganância que norteiam a estratégia da Casa Branca. Em meados de fevereiro, o mesmo Zoellick anunciou uma proposta que não incluía a eliminação dos subsídios agrícolas dados aos fazendeiros de seu país. Para os estadunidenses, a discussão sobre produtos agrícolas deve ser feita no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso significa que, caso seja concluído o acordo da Alca, os produtores brasileiros terão que competir em total desigualdade de condições com os estadunidenses, que recebem imensos subsídios estatais para a produção e comercialização de suas plantações.
O
Desvantagens para o Brasil
Douglas Mansur
Essa é uma questão central. Para entender o que isso significa para a economia brasileira, basta considerar o caso do açúcar e da laranja, dois dos principais produtos de exportação para os Estados Unidos. Eles só teriam entrada livre no mercado estadunidense uma década após o início do acordo, em 2015. Mesmo no cenário geral, a situação ficaria pior do que a de hoje. Atualmente, 63% do volume de exportações brasileiras para os Estados Unidos entram naquele mercado com taxação zero. Pela proposta, o percentual cairia para 58%. Em troca , os Estados Unidos propõem um plano de eliminação de taxas alfandegárias. Produtos têxteis e de vestuário, por
■ Eleitora vota no plebiscito contra a Alca: dez milhões disseram “não”
Com a necessidade de exportação que se impõe aos países, é difícil resistir à tendência de se unir a blocos comerciais. Caso os outros países da América Latina aceitem a Alca, as empresas brasileiras tendem a perder mercados que hoje compram seus produtos. Tendo isso em vista, os Estados Unidos oferecem cronogramas diferentes em favor dos países menores e mais fracos do Caribe, América Central e do Sul. Querem isolar econômica e politicamente o Brasil. Eles teriam direito a uma redução acelerada das tarifas para ingresso no mercado dos Estados Unidos, e mais tempo para cortar suas próprias taxas. Os membros da Comunidade do Caribe foram beneficiados por tarifa zero para 91% de suas exportações de produtos industriais e de consumo. Já os integrantes do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) ficaram com 58%. Canto de sereia para os “fracos”
exemplo, receberiam a desgravação (eliminação de tarifas) em um prazo de cinco anos depois que a Alca entrasse em vigor. De imediato, desapareceriam as tarifas sobre 56% das importações de produtos agrícolas e de 65% dos bens industriais e de consumo. As conseqüências são óbvias: o Brasil seria inundado por produtos estadunidenses. O comércio local, sem chance de competir com as megacorporações transnacionais, enfrentaria o fantasma da falência. Chantagens e extorsões de Tio Sam Um acordo ruim como esse só pode ser imposto goela abaixo de um país mediante pressão. E é isso que os Estados Unidos fazer com nosso país. Pressionam, cada vez mais. A estratégia é mais ou menos a seguinte.
Ao mesmo tempo, Washington trabalha com a perspectiva de oferecer aos países da América Central a integração ao Nafta (Área de Livre Comércio da América do Norte, formada pelos Estados Unidos, Canadá e México). Além disso, oferecem acordos bilaterais na tentativa de seduzir nações de economia mais fraca. A Alca atrai alguns setores da indústria brasileira, que vêem ganhos no acordo. Fabricantes brasileiros nacionais de bens manufaturados teriam algumas chances no mercado estadunidense. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), poderiam aumentar as exportações em até 6,7%. Por causa das exceções, alguns setores industriais insistem na necessidade de buscar algum tipo de acordo, apesar das desvantagens gerais para o Brasil. ❑
Negociações secretas para o povo Há um manto de segredo sobre as negociações em torno da Alca. As propostas dos governos não são públicas, e o acesso a elas é negado até mesmo aos parlamentares. O argumento é que divulgar o conteúdo das ofertas prejudicaria a negociação e futuras concessões. Assim, sem saber o que o governo brasileiro está oferecendo, fica muito difícil para que a sociedade possa formar uma opinião a respeito. Pouco se sabe, de concreto, sobre a proposta feita por Robert Zoellick, em meados de fevereiro, aos países que negociam a Alca. A a única informação divulgada pela imprensa é que serão liberados 34% dos produtos industriais e 36% dos agrícolas.
Corporações controlam comida do mundo Silvia Ribeiro Da Cidade do México No início do novo milênio, das 100 maiores economias do mundo, 51 eram empresas e 49, países. As fusões e aquisições corporativas se aceleraram na década passada e atualmente representam mais de 12% do produto bruto global.As vendas das 500 maiores transnacionais equivalem a 47% do produto bruto do planeta, mas empregam apenas 1,59% da força de trabalho mundial. A ingerência das megacorporações – a maioria estadunidense – na vida econômica, política e social dos países é a marca definidora da globalização. Um dos âmbitos preferidos por elas para estabelecer regulamentos em seu favor são os tratados supostamente dedicados a promover e vigiar o “livre” comércio, tais como a Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e a Alca. Em 2000, cinco transnacionais controlavam mais de 75% do comércio mundial de grãos. Hoje, três empresas dominam o mercado: Cargill, Bungi e Dreyfus. Somando apenas mais algumas, poucas transnacionais controlam mais de 90% do comércio global de milho, trigo, café e cacau; cerca de 80% de chá; 70% de arroz e banana e mais de 60%, de açúcar de cana. No ano passado, as dez maiores empresas de agroquímicos controlavam 90% do mercado mundial; 58.4% no caso dos produtos farmacêuticos, 34% em alimentos e bebidas; 30% em sementes. A integração, seja vertical (dentro do mesmo segmento) ou horizontal (com outros segmentos), é alarmante nos setores agroalimentar e farmacêutico. Há 20 anos existiam milhares de empresas produtoras de sementes e nenhuma atingia 1% do mercado. Hoje, dez empresas controlam 30% do mercado mundial. Na mesma época, existiam 65 empresas de insumos agrícolas. Hoje, uma dezena de empresas controla 90% do mercado. Há 15 anos, as dez maiores indústrias farmacêuticas controlavam 29% do mercado; hoje controlam 58,4%. Essas integrações se estenderam ao setor de alimentos e bebidas. E finalmente serão “tragadas” pelas cadeias de supermercados, que superam todos os anteriores em volume de dinheiro movimentado. Isso significará um controle sem precedentes sobre os produtores e os consumidores, desde a semente até o supermercado. Já em 2002, pela primeira vez, a maior empresa do mundo não foi uma indústria petrolífera, nem um fabricante de automóveis, mas um supermercado:Wal Mart. Os tratados “comerciais” não se referem realmente ao comércio. São projetos de dominação econômica, política, social e cultural do capital sobre as populações. ❑ Silvia Ribeiro é jornalista do La Jornada, do México
Empresários têm acesso aos dados
■ Campanha contra a Alca, em setembro
Se a opinião pública não tem acesso à informação, o mesmo não vale para os megaempresários. Os representantes de cerca de 500 empresas transnacionais têm acesso às informações, na condição de “assessores”. Para tornar as coisas ainda mais absurdas, os Estados Unidos querem impor algumas cláusulas que, aparentemente, são até justas e legítimas, mas que na prática tendem a beneficiar os seus próprios interesses. Entre elas, estão incluídas exigências trabalhistas, ambientais e sanitárias. Na prática, cláusulas desse tipo vão servir para que as empresas estadunidenses possam barrar a entrada de produtos brasileiros, como já é feito nos setores siderúrgico e agrícola. No acordo bilateral firmado entre Chile e Estados Unidos, no fim do ano passado, por exemplo, algumas cláusulas permitem barrar produtos chilenos sob a alegação do nãocumprimento de leis ambientais e trabalhistas.
BRASIL DE FATO
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Lucro x interesse público
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Breve história da Alca Alca é a sigla para Área de Livre Comércio das Américas, um acordo que visa constituir um bloco comercial com livre circulação de bens, serviços e capitais em todo o continente americano (exceto Cuba). A Alca começou a ser discutida em 1994, por iniciativa dos Estados Unidos, que queriam ampliar a experiência do Nafta (Área de Livre Comércio da América do Norte) para todo o continente. O prazo previsto para a conclusão das negociações é 2005. O território do bloco abrange 40 milhões de quilômetros quadrados, população de cerca de 800 milhões de pessoas e Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 13 trilhões de dólares, podendo ser caracterizada como o que seria a maior zona de livre comércio do planeta. ❑
O poder dos Estados Unidos também vai crescer dentro de cada país-membro da Alca. Como já acontece no caso do Nafta, as transnacionais poderão processar os governos, caso seus ganhos sejam diminuídos como conseqüência da aplicação de leis de proteção ao consumidor, ou mesmo preteridas em compras governamentais. Trocando em miúdos: você deve se lembrar de que as empresas que fornecem energia elétrica no Brasil responsabilizaram o governo pela diminuição de seus lucros, por causa do “apagão”. Como resultado, o governo teve que encontrar meios de “compensar” as empresas. Para isso, autorizou o aumento das tarifas e o corte de subsídios. Pois bem, operações desse tipo se tornarão comuns, caso a Alca “emplaque”.Vamos supor que, como conseqüência da aprovação de leis ambientais, determinada transacional tenha que interromper a produção de determinado pesticida, e isso implique diminuição de lucro. Ela poderá processar o governo, e o Tesouro - isto é, você - ver-se obrigado a pagar a conta. Isso não é uma mera hipótese. Já acontecem casos semelhantes no interior do Nafta.
Consulta popular Caso o governo queira mesmo ser merecedor do título “popular e democrático”, deverá informar a opinião pública sobre as cláusulas da Alca. Mais do que isso: deveria convocar uma consulta popular para conhecer a opinião dos brasileiros. Em setembro de 2002, dez milhões já votaram contra a Alca, em processo conduzido pelos movimentos sociais. Ignorar essa demonstração democrática é fazer o jogo do império. ❑
■ CNBB - 2003 Fraternidade pelos idosos A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a Campanha da Fraternidade de 2003 com o tema “Fraternidade e Pessoas Idosas – Vida, Dignidade e Esperança”. De acordo com o último censo do IBGE (2000), o número de idosos representa 8,6% da população, ou 15 milhões de pessoas, com média de vida de 68 anos, mas prejudicadas pela baixa remuneração das aposentadorias, sem acesso a assistência médica e a medicamentos, e em condições precárias de moradia.
“Tirem as mãos... o Brasil é o nosso chão!” A coordenação nacional do Grito dos Excluídos decidiram que a necessidade de democratização da sociedade e a luta contra o imperialismo devem nortear as manifestações deste ano – sempre realizadas no dia 7 de setembro. Como nos anos anteriores (a partir de 1995), o tema central de reflexão deve ser a soberania nacional e a exclusão social. A questão da Alca, a militarização e a dívida externa são alguns dos subtemas.
BANCOS
rentabilidade do sistema bancário brasileiro passou a ser quase o triplo da média mundial. Enquanto no mundo a cada R$ 100 investidos os bancos lucraram R$ 8, no Brasil o ganho foi de cerca de R$ 23. Os dados, divulgados pela ABM Consulting, uam empresa internacional de consultoria financeira, mostram, ainda, que desde 1994 (quando FHC assumiu a Presidência), a rentabilidade média dos bancos no país deu um salto de 110,4%. Detalhe: quanto mais os bancos ganharam, maior o desemprego no próprio setor. Com a informatização dos serviços, o número de empregados do sistema financeiro caiu consideravelmente desde 1994, passando de 1,1 milhão para cerca de 400 mil, segundo o Banco Central.
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Salários menores, tarifas bancárias maiores Além de reduzirem gastos com pagamento de salários e garantirem rentabilidades maiores, os bancos ainda aumentaram as tarifas, praticamente dobrando os
Em 2002, a rentabilidade dos bancos caiu em todo o mundo; no Brasil, aumentou seus ganhos: em 1994, 7% da receita total do sistema bancário era proveniente da cobrança de serviços; em 2002 esse índice foi de 14%, segundo a ABM. Mas não é só. Além de ter criado novas taxas, o sistema financeiro reajustou acima da inflação alguns serviços. A tarifa média para saques em bancos 24 horas, por exemplo, aumentou 173,8% entre setembro de 1997 e março de 2003, saltando de R$ 1,07 para R$ 2,93. Assim, no Brasil, os bancos conseguem ter rendimentos superiores à média mundial, mesmo emprestando pouco dinheiro, se comparado ao que acontece em outros países. De acordo com o Banco Central, o volume total de empréstimos realizado pelo sistema financeiro foi de 30,28% do Produto Interno Bruto (PIB – a soma de todas as riquezas produzidas no país) em 1994, e de 23,8% em janeiro de 2003. Só para se ter uma idéia, em 2001, a relação concessão de cré-
Rentabilidade do Patrimônio líquido (em %) • Sistema financeiro internacional • Sistema financeiro nacional
2000 16% 22%
2001 11% 19%
2002 8% 23%
No Brasil • Bancos estrangeiros • Bancos privados nacionais • Bancos públicos
12% 16% 10%
24% 23% 10%
34% 19% 14%
■ Em São Paulo (abaixo) e Campinas, manifestantes fazem ato contra o domínio do capital financeiro sobre a economia Agência Estado
Ana Magalhães De Belo Horizonte.
João Zinclar
Para os bancos, o paraíso é aqui
NACIONAL
Em nenhum país do planeta o capital financeiro é tão bem remunerado como no Brasil; em contrapartida, o sistema tributário cobra cada vez mais impostos dos pobres e contribui para perpetuar a extrema desigualdade econômica e social no país
cro líquido das 19 instituições que já publicaram seus balanços referentes a 2002 somou R$ 9,8 bilhões, ou cinco vezes o orçamento previsto para o Fome Zero. É outra a opinião do economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos, Roberto Luiz Troster. Ele destaca que, segundo a revista The Banker, a rentabilidade dos bancos no Brasil não é nem o paraíso nem o inferno.“Estamos no meio da lista”, afirma, acrescentando que os bons resultados dos bancos é demonstração de competência. “Se, realmente, a rentabilidade é tão boa quanto dizem essas consultorias, então é positivo, porque atrairemos novos bancos e ofereceremos serviços mais baratos.” Bancos impõem taxas elevadas de juros à população
dito sobre o PIB foi de 139% nos Estados Unidos e 68% no Chile. No mundo, especialmente nos países desenvolvidos, os bancos ganham com o volume de empréstimos concedidos, diz Alberto Borges Matias, presidente da ABM. Aqui, a maior parte dos ganhos se deve aos elevados juros cobrados nas operações de crédito. “No Brasil, os volumes de crédito são baixíssimos em relação ao restante do mundo, e o retorno é alto em função dos elevados spreads”, esclarece Matias, ressaltando que a rentabilidade
brasileira é “uma das maiores do mundo” e que o país é “um paraíso para o sistema financeiro”. Em 2002, apesar das turbulências econômicas, o sistema financeiro do país conseguiu ampliar em 21% sua rentabilidade, que passou de 19% para 23%. O movimento foi contrário à rentabilidade média mundial, que caiu de 11% para 8% no ano passado (veja tabela). De acordo com a consultoria Austin Asis, a rentabilidade do ano passado foi a maior do Plano Real, e talvez a maior da história do sistema financeiro nacional. O lu-
Essa situação não deve mudar tão cedo, avalia Paulo Vieira, analista e professor da Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte.“No Brasil, as pessoas têm pouca poupança, elas precisam de crédito para viver e montar seus negócios, então aceitam as altas taxas de juros que são cobradas. Enquanto houver isso, os bancos vão viver nesse ambiente favorável”, observa. Uma alternativa, segundo Matias, seria a ampliação do sistema financeiro e a expansão da oferta de crédito. Ele acredita que, com isso, poderiam diminuir os spreads bancários e as taxas de juros. E, como conseqüência, a spread - Diferença entre “festa” do sistetaxas que os bancos ma financeiro pagam para captar nacional. ❑ recursos e as taxas que eles cobram para emprestar.
Fonte: ABM Consulting
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Anamárcia Vainsencher – da Redação O melhor negócio do mundo, no Brasil, é o sistema financeiro. É o mais rentável, porque remunera muitíssimo bem o investimento feito e os acionistas. Os bancos são os grandes credores da dívida pública interna, já que detêm uma bela carteira dos títulos emitidos pelo governo. E o governo os paga regiamente, seja mediante a correção cambial, ou por uma das mais altas taxas de juros do mundo. Além disso, o sistema vem sendo regido por legislação especial (como a do imposto de renda, por exemplo) e outras proteções, como o Proer, o programa de salvamento de bancos quebrados levado a cabo na era FHC. Assim, não é de espantar quando são comparados os resultados do sistema financeiro e os das empresas produtivas. O primeiro leva a melhor. Às custas dos correntistas e das economia do país. Pesquisa da consultoria Austin Asis publicada pela Folha de S. Paulo informa que, em 2002, enquanto os bancos obtiveram rentabilidade de 25,7% sobre o patrimônio líquido, as empresas não-financeiras de capital aberto (negociadas em bolsas e que publicam balanços) encerraram o ano com rentabilidade negativa de 13,1%. Entre empresas de 22 setores de atividades econômicas, apenas as privilegiadas de dois tiveram rentabilidade superior à dos bancos. Só companhias de oito setores produtivos obtiveram rentabilidade do patrimônio líquido positiva. Empresas de 10 setores fecharam o ano com rentabilidade negativa. Conclusão: no Brasil, investir na produção não compensa. Bom mesmo – para azar do país – é comprar títulos públicos, garantidos pelo governo, especular com as taxas de juros e de câmbio.
Maiores juros,mais impostos o Brasil, quem tem mais paga menos; trabalhadores assalariados no mercado formal (com carteira assinada) e empresas produtivas pagam quase toda a conta, e a concentração de renda aumenta. Nos últimos oito anos, enquanto a carga tributária no Brasil aumentou 248,5%, ou R$ 339,8 bilhões, o país continuou na vice-liderança da pior distribuição de renda do mundo. “A tributação brasileira é um instrumento de injustiça social, é um Robin Hood às avessas”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tr ibutár io (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral. Por cobrar menos impostos daqueles que possuem mais renda, o sistema tributário do país ajuda a concentrar a renda. “Está em qualquer manual de finanças públicas: o sistema tributário existe para redistribuir riquezas na sociedade”, acrescenta o especialista em finanças públicas e professor da Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte, Fabrício Augusto de Oliveira. O problema do sistema vigente está em sua essência. O país sempre calcou sua arrecadação nos salários e na produção/circulação de mercadorias. “Deveria se tributar não o salário, mas o que sobra dele, e não o faturamento das empresas, mas seus lucros”, explica Amaral.
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Levantamento do IBPT mostra que a tributação sobre os salários – hoje em 41,71% (pagos tanto pelo empregador quanto pelo empregado) - está acima da média dos países latino-americanos e, até mesmo, dos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os tributos sobre folha de pagamento são de 27,8%; na França, de 30,26%. “Nada mais nada menos do que 27,31% do total arrecadado no Brasil vêm de tributos sobre salários. Isso equivale a 10% do PIB.”, encerra Amaral.
No Brasil, o imposto é socialdemocrata, mas o serviço é neoliberal O sistema tributário é também um obstáculo para o crescimento. De acordo com o professor da Fundação João Pinheiro, o grande número de impostos cumulativos (que incidem mais de uma vez sobre o mesmo produto ou serviço) tira competitividade das empresas nacionais e dificulta a exportação. Mas, se a estrutura tributária sempre foi regressiva, porque não mudou? “O Brasil sempre foi comandado pelas elites, e instaurar um sistema progressivo, que cobra mais dos mais ricos, seria dar um tiro no próprio pé”, diz Oliveira.
Na gestão FHC, o Brasil atingiu patamares europeus de arrecadação. A Suécia tinha, no ano passado, carga tributária equivalente a 47% de seu PIB. No Brasil, o índice saltou de 28,61% para 36,45% entre 1994 e 2002. A diferença é que os suecos pouco gastam com educação ou saúde. “Temos uma carga tributária social democrata e uma prestação de serviços neoliberal. O povo brasileiro não tem retorno dos tributos que paga”, afirma Oliveira. Mas, se o país elevou a sua arrecadação em R$ 339,8 bilhões – montante suficiente para a construção de 28 milhões de casas populares -, para onde foi esse dinheiro? Simples: para pagar juros das dívidas interna e externa. Segundo Oliveira, no ano passado, o país gastou 12% de todo o montante arrecadado com o pagamento de juros. Em 2003, esses gastos atingirão cerca de 15% da arrecadação, que poderá alcançar 38% do PIB nacional. Por essas e por outras, a reforma do sistema tributário está na ordem do dia. Enquanto o governo não tem uma proposta pronta e acabada, entre especialistas há consenso: as mudanças têm que desonerar os salários e a produção. “A proposta do PT diz isso, mas não mostra como fazer”, pondera Amaral. ❑
8 de março de 2003
A especulação vai bem. A economia vai mal
REFORMA TRIBUTÁRIA
BRASIL DE FATO
Segundo o Banco Central, o número de empregados do sistema financeiro caiu consideravelmente desde 1994, passando de 1,1 milhão para cerca de 400 mil
Ana Magalhães
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IGREJA
O adeus de um guerrilheiro sem armas Paulo Pereira Lima Da Redação cusado de “comunista” pela ditadura militar brasileira, o bispo catalão Pedro Casaldáliga, há 35 anos à frente da prelazia de S. Félix do Araguaia (Mato Grosso), foi muitas vezes ameaçado de morte, escapou de tocaias, respondeu a inquérito militar, sofreu cinco processos de expulsão do país e foi preso. Com o fim da ditadura, passou a atacar o neoliberalismo, para o desgosto da ala conservadora da Igreja Católica. Em 16 de fevereiro, ao completar 75 anos, D. Pedro enviou seu pedido de renúncia ao Vaticano, como manda a tradição da Igreja. Sua história de vida transparece sempre que denuncia as injustiças. Seu corpo de metro e setenta e 52 quilos se agiganta; os olhos castanhos brilham. Parece um guerrilheiro sem armas. Em seus textos, lança mão de prosas, versos e rimas. Revela-se cronista entusiasmado da caminhada dos movimentos sociais e populares. D. Pedro foge dos protocolos como o diabo da cruz. Evita títulos. Prefere a simplicidade de uma casinha de pau-a-pique como palácio episcopal. O anel que carrega em um dos dedos não é de ouro, mas de tucum (palmeira típica da região amazônica) e simboliza o que considera também sacramento: a solidariedade.
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“Se o senhor é um bispo, então nós somos o papa!” Ele se veste como gente simples. Certa vez, viajando de ônibus, na madrugada escura, pediu ao motorista para dar uma paradinha a fim de fazer xixi. O motorista não entendeu seu “portunhol”
e o deixou na estrada. Perdido, ele bateu à porta de um barraco de peões e apresentou-se como bispo. Os homens caíram na risada: “Ah, é? Se o sernhor é bispo, então, nós somos o papa”. Estendido na rede, sentado à mesa de trabalho, debruçado sobre um livro, dando conselhos, recebendo confissão ou fazendo sermões, ele espalha sempre o carisma dos bons mestres. Seus ensinamentos vão além das fronteiras da prelazia (com poucos recursos em relação a uma diocese). Prova disso é a carta-circular que escreve todo ano. Traduzida nos quatro cantos do planeta – como seus 26 livros publicados –, o tom da última é de despedida. Pedro – como prefere ser tratado – está preparando o caminho para seu substituto. Só se naturaliza brasileiro se Lula romper com o FMI Nascido em Balsareny, vive há 35 anos no Brasil.Apaixonado por indígenas, posseiros, negros e peões, sempre foi um ardoroso combatente contra as injustiças sociais e políticas e já teve a cabeça colocada a prêmio diversas vezes por adversários da reforma agrária. Não se naturalizou porque, na época da ditadura, convinha manter cidadania espanhola. Depois, nos tempos de FHC, não tinha vontade. Agora, no governo Lula, assume a cidadania brasileira? – Vou ter que ver como Lula vai driblar o FMI (Fundo Monetário Internacional). Quando vejo que o FMI se mostra muito satisfeito com o rumo do nosso novo governo, é para o povo ficar preocupado. D. Pedro está seguindo uma dieta rígida, por conta dos “proble-
Fotos: Douglas Mansur
NACIONAL
Aos 75 anos, o bispo católico Pedro Casaldáliga se prepara para deixar São Félix do Araguaia (MT), após uma vida em defesa dos povos indígenas e dos posseiros; em Pernambuco, povo xucuru sofre violência de fazendeiros e denuncia o Brasil junto à Organização dos Estados Americanos
■ Dom Pedro recebe homenagem durante a última romaria dos mártires, celebrada em agosto de 2001; ao ladol, em seu palácio episcopal, na prelazia de São Félix do Araguaia/MT
“Continuo acreditando que a vida de um bispo não vale mais do que a vida de um peão.”
Símbolo da luta contra a ditadura e o autoritarismo Missionário da Ordem dos Claretianos, D. Pedro Casaldáliga está à frente da prelazia de São Félix do Araguaia há 35 anos. Chegou a São Félix em plena ditadura militar, em julho de 1968. Foi o primeiro a denunciar a existência de trabalho escravo no Brasil. E o fez durante a ordenação de bispo, em outubro de 1971, quando divulgou sua primeira carta pastoral: Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social. A partir dessas denúncias, a prelazia tornou-se referência para os movimentos de oposição à ditadura, mas também alvo de ataques pelo fato de ser encarada como foco de guerrilha.“Aqui não houve guerrilha, foi mais ao Sul do Pará, onde atualmente é o Estado do Tocantins. Os milicos estavam convencidos de que éramos sustentáculo eclesiástico na guerrilha. Apanhamos, fomos presos, torturados, expulsos”, lembra.
“Deus é grande, mas a mata é maior” mas da velhúria”. Não bastassem a pressão alta e as crises de malária que o deixam mal-humorado, ele luta contra os sintomas do mal de Parkinson, o mesmo que aflige o cardeal Paulo Evaristo Arns e o papa João Paulo II.“Estou bem acompanhado”, brinca. Quando chegar o sucessor, o senhor segue de mala e cuia, como um bom missionário? – Se for um bispo mais ou menos na mesma linha pastoral, eu posso ficar. Se for diferente, é melhor que eu saia para não criar tensões. Eu deixo um pouco nas mãos de Deus e das circunstâncias. ❑
Sua tomada de posição incomodou os fazendeiros, o governo militar e até bispos brasileiros e o Vaticano. Diante das constantes e freqüentes ameaças que sofria naquela época, costumava repetir aos amigos uma frase que escutou de uma liderança comunitária: “Deus é grande, mas a mata é maior”, referindo-se à possibilidade de se esconder na floresta. Terminados os tempos verde-oliva, em meados dos anos 80, D. Pedro procurou estreitar os laços de solidariedade para com a América Central. Apoiou a revolução sandinista da Nicarágua e as forças de oposição em El Salvador, Guatemala e Honduras. “Hoje, os movimentos sociais, como a Via Campesina, as Comunidades Eclesiais de Base e a Teologia da Libertação (os segmentos mais de esquerda entre os católicos) têm reforçado essa consciência de que os brasileiros também são latino-americanos”, afirma. Pela sua trajetória de paladino dos direitos humanos no Brasil e na América Latina, D. Pedro recebeu diversos prêmios e homenagens. Em abril, está prevista mais uma na Assembléia Legislativa de São Paulo.
INDÍGENAS
or muito pouco, o cacique xucuru Marcos Luídson de Araújo, 24 anos, não se tornou a terceira vítima de uma emboscada em que foram assassinados dois de seus companheiros, em 7 de fevereiro, no município pernambucano de Pesqueira, a 215 quilômetros de Recife. De lá para cá, Marquinhos como é mais conhecido - faz uma intensa peregrinação entre gabinetes de Brasília e Washington, nos Estados Unidos. Na capital federal tentou se encontrar, em vão, com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Conseguiu apenas uma audiência com um secretário do ministé-
BRASIL DE FATO
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rio, que ficou de encaminhar ao ministro a lista de reivindicações dos cerca de 9 mil xucuru. Entre elas, a nomeação de um novo procurador e um delegado especial da Polícia Federal. “As ações da PF e do Ministério Público, até o momento, são para incriminar nossas lideranças e destruir nossa organização social. Queremos gente que não tenha vínculos políticos com os fazendeiros”, acusa o cacique. A PF vem trabalhando com a hipótese de que os dois últimos assassinatos teriam sido motivados por “uma disputa entre os próprios índios”, segundo afirmou o superintendente da PF de Pernambuco, Wilson Damásio. Foi
O que querem os Xucuru ● A imediata reavaliação e a completa indenização das benfeitorias dos ocupantes de boa-fé que ainda se encontram em nosso território ● Um traçado alternativo para a rodovia PE 219, que liga Pesqueira à Paraíba e passa dentro do território xucuru ● Guaritas de fiscalização e vigilância nas principais vias de acesso à terra indígena para que os próprios indígenas possam realizar a proteção de seu território ● Oferecimento de condições mais eficazes para que os próprios indígenas possam garantir proteção à integridade física de suas lideranças ● Fornecimento de equipamentos de radiofonia ● Concessão de uma rádio comunitária ● Instalação de aparelhos de telefonia pública em todas as aldeias
Arquivo Cimi/NE
Povo xucuru denuncia governo brasileiro junto à OEA suas terras, iniciativa promovida por empresas de tur ismo, arquidiocese de Pesqueira, prefeitura e governo estadual. Cimi responsabiliza Estado pelas mortes
■ “Ausência da ação do Estado resultou em duas mortes anunciadas com meses de antecedência pela Organização dos Estados Americanos”, denuncia o Cimi essa também a versão veiculada nos principais jornais e telejornais do País na noite em que Marquinhos sofreu o atentado. “Tem muita gente graúda de olho em nossas terras” Os xucuru, porém, pensam de forma diferente:“Tem muita gente graúda de olho em nossas terras. Pelo menos sete são parentes
CEARÁ R.G. DO NORTE
PARAÍBA
PIAUI PERNAMBUCO
ão oS Ri cisco n Fra
BAHIA
João Pessoa Recife
Caruaru
Xukuru
Garanhuns
ALAGOAS Maceió
do ex-vice-presidente da República, Marco Maciel”, afirma o líder indígena. Dos 27.500 hectares do território demarcado e homologado, apenas 30% encontram-se em posse do povo xucuru. O restante ainda está nas mãos de 281 fazendeiros e posseiros. O clima de tensão na região aumentou depois que os Xucuru barraram na Justiça o projeto de construção de um santuário em
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi),“a ausência da ação do Estado resultou em duas mortes anunciadas com meses de antecedência pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que havia encaminhado ao Governo Federal pedido de proteção policial ao cacique Marcos”. Além de Marquinhos, há outras 24 lideranças xucuru ameaçadas de morte, sendo que seis foram assassinadas nos últimos dez anos. No final de fevereiro, o cacique esteve na sede da OEA em Washington.“Fui denunciar o fato que o Governo Federal não está dando importância aos assassinatos de meus parentes e ao atentado que sofri”, explica ele, que diz ter nascido para ser líder, como o pai, Chicão, assassinado em maio de 1998. Diante das constantes ameaças, não arreda o pé: “Pelo meu povo dou meu peito à própria morte, jamais vou recuar”. ❑ Paulo Pereira Lima
NACIONAL
Pacote de medidas inclui a tipificação do trabalho escravo como crime hediondo e a expropriação de terras de escravistas; o fotógrafo João Ripper, membro do Projeto de Cooperação Técnica de Combate ao Trabalho Forçado no Brasil, da Organização Internacional do Trabalho, publica aqui um ensaio sobre o tema
DIREITOS HUMANOS
Governo anuncia guerra ao trabalho escravo N
Outras medidas ■ Vedar contratos com órgãos e entidades públicas e a participação em licitações promovidas por estes às empresas que, direta ou indiretamente, utilizem trabalho escravo na produção de bens e serviços ■ Criar um Grupo Executivo de Erradicação do Trabalho Escravo para garantir uma ação conjunta e articulada nas operações de fiscalização entre as Equipes Móveis, Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho, Ministério Público Federal, Justiça Federal, Secretaria da Receita Federal, IBAMA e INSS ■ Criar orçamento específico e suficiente para o alojamento temporário das vítimas de trabalho escravo e degradante ■ Criar Delegacias da Polícia Federal nas cidades de São Félix do Xingu (PA),Tucuruí (PA), Redenção (PA), Vila Rica (MT), Juína (MT), Sinop (MT), Urucuí (PI), Floriano (PI), São Raimundo Nonato (PI), Picos (PI), Barras (PI), Corrente (PI), Bacabal (MA), Buriticupu (MA) e Balsas (MA), com área específica para erradicação do trabalho escravo ■ Fortalecer a integração entre as ações da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal como Polícia Judiciária da União destinada a produzir provas que instruam ações penais, trabalhistas e civis ■ Criar Procuradorias da República nos municípios de São Félix do Xingu, Xinguara, Conceição do Araguaia e Redenção, no Pará ■ Criar subsedes do Ministério Público do Trabalho no Acre, Amapá e Roraima ■ Instalar Defensorias Públicas da União e dos Estados em municípios do Pará, Maranhão e Mato Grosso ■ Garantir documentação básica, como Certidão de Nascimento, Carteira de Identidade, Carteira de Trabalho, CPF e Cartão do Cidadão a todos os libertados ■ Pagar às vítimas seguro desemprego e benefícios sociais temporários ■ Implantar a Justiça do Trabalho Itinerante para atender o interior dos Estados do Pará, Mato Grosso e Maranhão ■ Implementar uma atuação itinerante da Delegacia Regional do Trabalho no sul do Pará, a exemplo dos programas “DRT Vai até Você”, na Bahia, e “Ministério do Trabalho na Estrada”, em Minas Gerais. ❑
8 de março de 2003
Evanise Sydow é jornalista da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Calcula-se que, no país, cerca de 25 mil pessoas ainda vivem em regime de escravidão
BRASIL DE FATO
o dia 11 de março, o governo lança o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, considerado uma de suas principais metas. Calcula-se que, no país, cerca de 25 mil pessoas ainda vivem em regime de escravidão – sem direito a salário, sob vigilância armada, alojadas em condições insalubres, bebendo água de córregos ou riachos onde animais defecam, alimentando-se de forma precária e submetidas a jornadas diárias que podem chegar a 20 horas de trabalho. Entre as medidas que devem ser adotadas no curto prazo estão: 1. A inclusão no Programa Fome Zero de municípios do Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí e Tocantins identificados como focos de recrutamento ilegal de trabalhadores utilizados como mão-de-obra escrava; 2. A definição da prática do trabalho escravo como crime hediondo; 3. A expropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo; 4. A não obtenção e manutenção de crédito rural e incentivos fiscais para empregadores que utilizam mão-de-obra escrava ou degradante. A melhoria da estrutura do Grupo de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho, da ação policial, do Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho também é prioridade. Grupo Móvel – Integrado por fiscais que O governo deve também adotar providências contra percorrem as o aliciamento por meio de “gatos” (agentes de fazendeipropriedades sobre as ros), o transporte ilegal de trabalhadores e a instalação quais existem denúncias de prática de trabalho de Varas da Justiça do Trabalho em municípios como escravo. São Félix do Xingu, Xinguara e Redenção, campeões em casos de trabalho escravo. Segundo o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, a integração será a marca nesta iniciativa. “Ministérios, autarquias, Congresso Nacional, todos vamos trabalhar juntos.” Para elaborar o plano, o governo contou com o apoio de entidades como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que entregará ao governo, em abril, um banco de dados sobre o tema, que está incluído no Projeto de Cooperação Técnica de Combate ao Trabalho Forçado no Brasil – e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Entre janeiro e fevereiro, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério resgatou 827 trabalhadores escravos, em Estados como o Pará, Mato Grosso, Maranhão e Goiás – no ano passado, até a primeira quinzena de março, foram libertadas 372 pessoas. Foram nove ações, uma feita com o objetivo de rastrear as condições de trabalho e duas que ainda estão em andamento, e R$ 733.576,08 pagos em multas por fazendeiros. Segundo a CPT, em 2002 foram libertados 5.665 escravos. Esse número representa um aumento de mais de dez vezes em relação aos dados de 2000, quando o número de pessoas descobertas em regime de escravidão era de 465, de acordo com a CPT. O caso mais recente de libertação de trabalhadores escravos pelo Grupo Móvel ocorreu na Fazenda Santa Ana Agropecuária Industrial, localizada em Santana do Araguaia/PA. Os proprietários da empresa são o ex-deputado Augusto Farias e Eleuza Maria Cavalcanti Leôncio, irmãos do empresário Paulo César Farias. Eles pagaram R$ 477 mil em dívidas trabalhistas. Foram localizados na fazenda 118 trabalhadores em regime de escravidão.
Fotos: João R. Ripper
Evanise Sydow, de São Paulo
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INTERNACIONAL
Em seu dia internacional (8 de março), mulheres multiplicam manifestações pacifistas e pelo direito a uma vida digna; Lélia Abramo, a “grande dama” da luta socialista brasileira, conta um pouco de sua trajetória e envia uma mensagem às mulheres do Brasil
MULHERES
Contra a guerra, o sexismo e a miséria ós mulheres trabalhadoras rurais, pequenas agricultoras, pescadoras artesanais, quebradeiras de coco, sem terra, índias, negras, descendentes de europeus (...) sentimos em nosso corpo, em nossa vida cotidiana as marcas de um modelo cruel e injusto. Nossa vida tem sido lutar e lutar. Não nos acovardamos diante das injustiças: geramos a vida e de forma organizada, estamos na luta construindo um novo Brasil”, afirma uma carta ao presidente Luís Inácio Lula da Silva, da Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais, que convocou manifestações em todo o país. As tabalhadoras rurais realizaram manifestações ao longo da semana entre 5 e 10 de março. Em alguns locais, ocuparam sedes do Incra. Muitos grupos se somam para lutar pelos direitos humanos da mulher. A deputada Luci Chonacki (PT – SC) lembra que as mulheres representam 70% dos pobres no mundo, realizam 70% das horas de trabalho e recebem apenas 10% dos rendimentos. No Brasil, segundo a pesquisa, as mulheres trabalhadoras representam 53% da população economicamente ativa. Destas, apenas 17% estão no mercado formal de trabalho; 32% dos lares brasileiros são providos por mulheres chefes de família - 27% têm filhos menores que residem apenas com elas, 60% não recebem pensão regular do pai e 42% moram em domicílios com renda de até 2 salários mínimos. Os grupos feministas, “imprescindíveis na construção de um mundo mais igualitário,” estão muito bem articulados no Brasil, afirma Margareth Rago, professora da Unicamp.“Hoje, no país, nós
Jesus Carlos / Imagemlatina
Tatiana Merlino – da Redação
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“As brasileiras têm que ser gigantes”, diz Lélia Lélia Abramo, 92 anos, a grande dama da luta socialista brasileira, sempre atuante nas grandes transformações ocorridas no século 20, atriz, militante, exemplo de resistência feminina, concedeu esta entrevista ao Brasil de Fato. Militância - Eu sempre tentei ser combativa. Comecei a militar aos vinte e poucos anos, era trotskista. Logo vi que quem tinha razão era Trotsky e nós, trotskistas, éramos poucos, mas éramos bons. No Brasil, na ditadura militar, um tempo terrivel, não usávamos armas, só nossa coragem. Amor da vida - Noel Gertel. Ele era da cúpula do Partido Comunista (PCB). Foi amor à primeira vista, o homem da minha vida. O único que amei. Quando nós nos separamos, foi drástico. Começamos namorando escondido (o PCB não permitia que seus militantes namorassem pessoas de outras organizações), em 1931 ou 1932, eu tinha uns 20 anos. Nós estávamos com o casamento marcado para o dia 28 de outubro de 1937, se não me engano, quando alguém nos denunciou. Nunca mais esquecí o dia 4 de outubro, quando o Noel me disse:”O partido descobriu e nós precisamos acabar com isso”. Disse três palavras e foi embora. Naquele dia 28, ele se casou com a outra, a mulher que foi imposta a ele pelo Partido. Isso foi uma punhalada, um golpe. Itália - (Lélia morou na Itália de 1938 a 1950).Vivi o fascismo brutal. Em Roma, fui procurar emprego, era tempo de guerra. Tinha uma vaga num escritório de uma produtora de filmes. Avisada que para conseguir o emprego teria que me filiar ao partido fascista, respondi que era contra o regime. Fui dispensada com a ameaça de ser detida, mas acabei pegando a vaga; o entrevistador também era anti-fascista.
temos uma rede feminista muito forte, movimentos muito representativos, como a Rede de Pernambuco, a União das Mulheres de São Paulo, a Marcha Mundial das Mulheres, o Movimento das Trabalhadoras Rurais do MST”. Para além da luta por reivindicações mais específicas, os movimentos das mulheres se somaram às manifestações pacifistas. Para Mirian Nobre, uma das coordenadoras da Marcha Mundial das Mulheres no país, a guerra é “uma forma de controle e hegemonia dos Estados Unidos no mundo, recaindo sobre as mulheres o peso do aprofundamento do machismo e da pobreza.” ❑ Douglas Mansur
“A mulher faz parte da sociedade, tem que participar de todas as manifestações, movimentos, tomar partido, formar e declarar suas opiniões.”
O retorno - No dia seguinte ao da minha chegada ao Brasil, Noel me procurou, depois de catorze anos sem nos vermos e sem termos notícias um do outro.Tivemos, a partir de então, um relacionamento que durou bastante tempo, uns dez anos. Ele tinha os filhos.. queria largá-los, mas eu não concordei. Ele morreu antes de mim, ano passado, sozinho, sua mulher já havia morrido. A carreira de atriz - Quando voltei da Itália, decidi ser atriz, já que era o sonho de uma vida inteira. Com meu primeiro trabalho, aos 47 anos, na montagem de “Eles Não Usam Black-Tie”, ganhei 5 prêmios. Nós, atores, não éramos considerados trabalhadores aqui no Brasil, e eu, como presidente do sindicato, lutei pela regularização da profissão. Em 24 horas fui cortada pela Globo. Mataram meu personagem naquela novela “Pai herói” e nunca mais me chamaram. Eu não sei por quê, é uma perseguição mesmo. Mensagem para as brasileiras - Quem sou eu para dar mensagem para a mulher brasileira? O que eu estou vendo no Brasil é que a mulher não se preocupa muito com a política, pela qual deveria se interessar mais. Ela faz parte da sociedade, tem que participar de todas as manifestações, movimentos, tomar partido, formar e declarar suas opiniões. A mãe deve cumprir a tarefa de cuidar dos filhos sem perder o direito de se instruir, se cultivar e obedecer às suas prerrogativas. E depois, ela precisa se convencer de que é companheira do homem, que diferença não é inferioridade. Ela nunca foi vista como um gigante, e ela tem que ser gigante. A mulher brasileira pode ser o que quiser.
Mito, política e mulher Dolores Farias – de Fortaleza O dia 8 de março, comemorado no mundo como Dia Internacional da Mulher, foi reconhecido oficialmente pela Unesco em 1977. A ONU havia realizado, em 1975, a 1ª Conferência Internacional da Mulher, no México, reconhecendo o 8 de março, quando declarou 1975-1985 a década da mulher. Nos anos de 1980, 1985 e 1995 foram organizadas, respectivamente, conferências mundiais da mulher em Copenhague, Nairobi e Pequim. Esses acontecimentos refletem um movimento internacional de mulheres com uma história de mais de 100 anos de lutas e conquistas sociais.
BRASIL DE FATO
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■ Em todo o mundo, cresce a participação feminina no combate ao imperialismo, às injustiças sociais e pelos direitos humanos Moisés Araújo
8 de março de 2003
Dois fatos mitológicos Os movimentos de mulheres lembram dois fatos para contar a origem desse dia: No dia 8 de março de 1857, trabalhadoras de uma indústria têxtil de Nova York, em greve pela diminuição da jornada de trabalho, foram trancadas e a fábrica incendiada, provocando a morte de 129 delas. No II Congresso Internacional das Mulheres Socialistas, em 1910, em Copenhague, Clara Zetkin, militante alemã, propõe essa data como referência para todas as mulheres do mundo celebrarem e comemorarem suas lutas. Na realidade, esses fatos não aconteceram como são narrados. Formam, porém, o núcleo de um
mito, composto por acontecimentos significativos que marcaram a história.
A história real No final de fevereiro de 1908, as socialistas americanas realizaram um encontro de mulheres que foi anunciado como “dia das mulheres”. Considerado um sucesso, foi se repetindo nos anos seguintes. Em 1909, ocorreu a primeira grande greve de operárias têxteis, em Nova York. Elas, por três meses, resistiram à repressão, sendo presas, torturadas, mas apoiadas por um comitê que mobilizou amplos segmentos da sociedade. Essa greve é confundida com um incêndio ocorrido em 1911, numa fábrica de roupas da Triangle Shirt Waist Company, que matou 134 jovens operárias(os) que, em pânico, pulavam de mãos dadas do prédio de dez andares numa verdadeira chuva de corpos. Esse incêndio foi denunciado como um crime capitalista. Em 1910, depois do Congresso em Copenhague, quando o dia da mulher nem chegou a entrar em pauta, Clara Zetkin publicou em sua revista, A Igualdade, de 82.000 assinaturas, que o dia 8 de março tinha sido reconhecido como dia internacional da mulher pelo Congresso. Essa “inverdade” histórica fez com que a data se firmasse como fato real, motivador de lutas.
As mulheres na Revolução Russa de 1917 Outro momento importante nessa história feminista foi a Revolta de Petrogrado, em 23 de fevereiro 1917, data que, no calendário do Ocidente, corresponde ao dia 8 de março. As mulheres russas, esgotadas pela fome e pelo sofrimento de longos anos de guerra, pediram nas ruas pão para os filhos e a volta dos maridos das trincheiras da guerra. Essa rebeldia feminina deu início a uma revolta que desembocou na revolução de outubro. Emendando pedaços de acontecimentos e costurando significados, foi-se construindo uma históriamito que concentra sofrimentos, lutas, resistência, vitórias e sonhos de mulheres de várias partes do mundo. Uma história que representa o desejo e a coragem de transformar. A necessidade e a continuidade dessa luta faz com que, no dia 8 de março, as mulheres se encontrem e vivam entre si uma grande solidariedade, reafirmando seu valor e a “força de um sujeito coletivo feminino”.
Dolores de Faria é doutora em Sociologia, Professora Adjunta da Universidade Federal do Ceará (UFC). O texto aqui reproduzido foi publicado pela Adital (Agência Frei Tito de Informação para a América Latina – www.adital.org.br)
INTERNACIONAL
Contra um aumento de impostos determinado pelo FMI, bolivianos invadem a sede do governo e desafiam as Forças Armadas; nos Estados Unidos, Justiça mantém ilegalmente cinco cubanos na prisão, sob acusação de “espionagem”
BOLÍVIA
“Impuestazo” causa rebelião em La Paz com a polícia. Nas ruas, os policiais foram substituídos por soldados do Exército, apoiados por tanques e veículos blindados, especialmente em torno da praça Murillo. Os meios de comunicação pediram que a população ficasse em casa. Apesar disso, milhares participaram de uma passeata convocada por todas as organizações sociais, para exigir a renúncia de Sánchez de Lozada. Pelo menos dez civis morreram baleados. Segundo o governo, eles foram assassinados por “franco-atiradores” que não pertenciam nem ao Exército nem à polícia. Mas um vídeo apresentado pela Assembléia Permanente de Direito Humanos mostra que atiradores do Exército dispararam contra uma enfermeira e uma médica da Cruz Vermelha.Várias pessoas também foram assassinadas na mesma região e hora em que um helicóptero sobrevoava instalações da fábrica local da Coca-Cola.
ram 12h30 de quarta-feira, 12 de fevereiro. No corredor principal do palácio do governo, foram montadas pequenas fogueiras para consumir o gás lacrimogêneo. Na sala de imprensa, o chefe da Casa Civil anunciava aos jornalistas que estava tudo sob controle. Na praça Murillo, choviam bombas de gás lacrimogêneo e soavam os primeiros disparos. Era o início de uma nova fase de grandes mobilizações, que até hoje faz sentir seus efeitos na Bolívia. Como aconteceu em fevereiro de 1989 na Venezuela (com o Caracazo), em 19 de janeiro de 2000 no Equador, e em 20 de dezembro de 2001 em Buenos Aires, agora o povo boliviano havia tomado as ruas para manifestar seu ódio e repúdio ao FMI e a seus representantes no governo local.
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David Mercado/Reuters
Por Pablo Solón – de La Paz
O estopim da revolta A revolta foi deflagrada no início de fevereiro, quando o governo aprovou aumentos radicais de impostos, para reduzir o déficit fiscal, por ordem do FMI. Déficit fiscal: ocorre Segundo o presidente Goni Sánchez de quando o governo gasta Lozada, a Bolívia tinha que escolher entre mais do que arrecada em o “impuestazo” e o “gasolinazo”, isto é, impostos. um aumento brutal do preço da gasolina. O “impuestazo” atingia em cheio os assalariados bolivianos, que representam cerca de 10 % da população economicamente ativa. Em resposta, os sindicatos de trabalhadores e camponeses convocaram manifestações de protesto.A gota d’água foi o motim da força policial, que rejeitou o “impuestazo” e pediu aumento salarial. Na manhã de 12 de fevereiro, o palácio do governo amanheceu sem proteção policial. Os estudantes do colégio Ayacucho aproveitaram a oportunidade e passaram a apedrejar a sede do governo. Sánchez de Lozada pediu a mobilização das Forças Armadas. Pela TV, presidente pede calma; ninguém dá bola Às 13h30 começou o tiroteio. Policiais, convocados não se sabe por quem – até hoje, todos os ministros se calam sobre o assunto – enfrentaram as forças militares. Como resultado, morreram 11 policiais e 4 soldados. Às 16h30, Sánchez de Lozada transmitiu um comunicado, pela televisão, em que revogava o “impuestazo” e pedia a “pacificação”.
33 mortos e 189 feridos em todo o país
■ Exército reprime manifestantes em La Paz Ninguém deu bola. A população, irada, tomou de assalto e incendiou as sedes dos ministérios do Trabaho, do Desenvolvimetno Sustentável e da vice-presidência. Em seguida, atacaram as sedes dos partidos identificados com o governo e de algumas empresas. Às 18h30, Sánchez de Lozada voltou a aparecer na televisão, agora acompanhado dos comandantes da polícia e das Forças Armadas, que pediram “calma” às suas respectivas forças. La Paz anoiteceu com todos os canais de televisão fora do ar: as emissoras temiam ser atacadas pela “turba de vândalos”, como foram qualificados os manifestantes. Na manhã de 13 de fevereiro, as emissoras de rádio anunciaram que o governo havia concluído um acordo
Outras marchas aconteceram também em Cochabamba, Santa Cruz, Oruro y Trinidad. No final da tarde, a polícia voltou às ruas e a situação se acalmou. Pelo menos 33 pessoas foram mortas e 189 feridas. Se a estes mortos forem somados as vítimas da repressão que se abateu sobre os que bloquearam as estradas, em meados de janeiro, então teremos pelo menos 50 pessoas assassinadas por balas do Exército, em menos de dois meses. Apesar da truculência, o governo foi politicamente derrotado. O governo não tem nenhum “plano B”, alternativo, exceto obedecer às determinações do FMI e da embaixada dos Estados Unidos. A receita neoliberal foi esgotada. Não há mais de onde tirar dinheiro. Em contrapartida, as organizações sociais puderam testar suas possibilidades e debilidades. Nas cidades, a estrutura sindical tradicional ja não abarca a grande maioria dos desempregados, imigrantes e trabalhadores informais. No campo, há uma organização mais sólida, nas comunidades e regiões, apesar de algumas divisões internas e da luta pela liderança. ❑
Pablo Solón é ativista dos direitos humanos na Bolívia
ESTADOS UNIDOS
Contradições da imprensa comercial
Áurea Lopes – da Redação s cubanos Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernandez, Ramón Labañino e René González são mantidos ilegalmente encarcerados nos Estados Unidos. Foram presos por suposta prática de espionagem, no final de 1998, condenados em um julgamento inconstitucional e impedidos de ter acesso a documentos que provam sua inocência. O caso é um exemplo de como funciona o “democrático” sistema jurídico estadunidense. A verdadeira história dos cinco cubanos remete aos anos 70. À época, a Dirección General de Inteligencia (DGI), serviço de inteligência cubano, montou uma operação para levantar informações sobre atividades de exilados em Miami, envolvidos em operações terroristas contra Cuba. A operação da DGI implicou o envio de agentes para trabalharem como espiões, com o objetivo de vigiar organizações como a Frente de Libertação Nacional de Cuba (FLNC), a Representação Cubana no Exílio (Rece) e a Alpha 66 – autoras de vários atentados.
espaço aéreo cubano e acusados de conspiração para matar. Em sua defesa, depuseram ex-generais do Departamento de Defesa estadunidense, do Estado-Maior do Exército, do Comando Sul dos Estados Unidos. Mas esses testemunhos de peso não bastaram para estancar a escalada de ilegalidades que culminou, em 2001, com a proclamação das sentenças que vão de 15 e 19 anos de detenção (dois deles) à prisão perpétua (três).
Acusações absurdas
Constituição violada
Em fins de 1998, pressionado diante das evidências de atos terroristas relatados pela DGI, o FBI (polícia federal dos Estados Unidos) prendeu dez pessoas. Entre elas, os cinco cubanos mencionados acima, que, de fato, eram agentes da DGI. De início, eles foram acusados de espionagem e detidos em regime incomunicável. Quase um ano depois, foram vinculados também ao episódio do abatimento dos aviões estadunidenses que violaram o
“Houve cerceamento do direito de defesa, pois a juíza proibiu o acesso dos advogados a documentos que poderiam conter provas da inocência.Além disso, a constituição dos Estados Unidos foi violada porque o julgamento aconteceu em um local onde os jurados estavam sujeitos a pressão, tanto que muitos pediram dispensa temendo a reação da comunidade de Miami, dominada pela máfia terrorista”, explica Aton Fon Filho, do Comitê São
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Paulo pela Libertação dos cinco cubanos. A única alternativa para reverter a condição desses homens, hoje distribuídos por presídios em cinco Estados diferentes, é a anulação do julgamento. Pedido que será feito, em abril, na corte federal de Atlanta, na Geórgia. “Precisamos convencer os magistrados de todo o mundo a apoiar essa causa e interceder, junto à justiça estadunidense, para que se faça um julgamento justo e para que esses presos políticos sejam libertados”, apela Reynaldo Cué, representante da organização ATTAC no comitê paulista pela libertação dos cinco cubanos. Nos Estados Unidos, o comitê de Nova York pretende publicar um anúncio sobre os cinco patriotas na primeira página do jornal NewYorkTimes. A mesma estratégia de divulgação está sendo usada no Brasil: entre outras ações organizadas pelos comitês brasileiros de apoio, parlamentares da Câmara de Vereadores de São Paulo querem conceder a medalha Anchieta aos cinco cubanos. ❑
8 de março de 2003
■ Em Porto Alegre, familiares pedem a libertação dos cubanos presos nos EUA
BRASIL DE FATO
A imprensa comercial brasileira tem sido extremamente fiel aos postulados do neoliberalismo, tanto para reproduzir o que mandam as agências de notícias e a mídia norte-americanas como para divulgar o que determina o oficialismo local. No governo FHC não havia maiores contradições, já que a posição oficial do governo era de obediência total às políticas emanadas dos países ricos. Agora, no entanto, o governo Lula se posicionou contra a agressão ao Iraque, o que fez a imprensa local – oficialista por natureza – evitar confrontos diretos. As posições próguerra aparecem então de forma mais sutil nos editoriais dessas publicações. No dia 1º de março, o jornal da família Mesquita, o Estadão, cravou no editorial intitulado “O Brasil e a crise do Iraque” o seguinte alerta ao governo: “Se o objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é transformar o Brasil num ator global, a primeira condição para fazer isso é não assumir posições, no plano da diplomacia, desproporcionais à nossa real importância política no cenário internacional”. O jornal da família Frias, a Folha, cada dia mais parecida com o Estadão, não deixou por menos: no dia 3 de março, no editorial “Contra a corrente”, elogiou os dirigentes europeus favoráveis à guerra dizendo que “é preciso reconhecer que esses líderes são corajosos, pois não é fácil para um político enfrentar a impopularidade, mas é preciso dizer que a aposta que fazem não é irracional”. Parece claro que, entre ficar no oficialismo local e seguir os centuriões do liberalismo internacional, esses jornais acabam ficando mesmo com os patrões lá de fora. Para eles, assim como para as corporações norte-americanas, pacifismo não dá lucro. ❑
Justiça mantém prisão ilegal de cubanos Jesus Carlos/Imagenlatina
Hamilton Octavio de Souza, da Redação
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IRAQUE
EUA usam armas biológicas contra o povo iraquiano, acusa religiosa Luciney Martins/ Rede Rua
INTERNACIONAL
Os EUA lançaram ratos e larvas de berne sobre o Iraque, denuncia a irmã dominicana Sherine, ao descrever a terrível penúria da população; em Tel-Aviv, uma marcha pacifista reuniu apenas 5 mil pessoas, em 15 de fevereiro, refletindo a derrota da esquerda israelense nas eleições de 28 de janeiro
■ A irmã Sherine participou do Fórum Social, em Porto Alegre pecial de leucemia, aumentou 11 vezes depois da guerra. Só quem está lá sabe o que acontece de verdade. A mídia é mentirosa, especialmente a CNN. Todos nós fugimos dos repórteres da CNN porque sabemos que eles mentem. E os Estados Unidos também fazem guerra biológica contra nós.
BF: De que maneira? Irmã Sherine: Antes da guerra do Golfo, o Iraque importava cerca de 70% das sementes, fertilizantes e instrumentos usados
stados Unidos e Grã-Bretanha nunca deixaram de bombardear o Iraque e usam também armas biológicas, afirma irmã Sherine, uma freira dominicana que nasceu e mora no Iraque. Ela veio ao Brasil participar do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, onde pediu apoio contra a guerra e contra o embargo econômico imposto há 12 anos pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao Iraque. Em entrevista exclusiva, ela relata o empobrecimento dos iraquianos com as sanções econômicas, descreve a situação de penúria do sistema de saúde e como os iraquianos se preparam para a nova ofensiva bélica perpetrada por EUA e Inglaterra. A irmã dominicana saiu do Brasil em 8 de fevereiro, sem saber ao certo se ia conseguir chegar à capital iraquiana. Ela pousaria em Madri, de onde pegaria um vôo para Amã, na Jordânia. De lá, partiria por terra até a fronteira com o Iraque. Depois, seriam mais 17 horas de carro pelo meio do deserto até chegar a Bagdá.
E
na agricultura. Com o embargo econômico, não pudemos mais importar nada, então nossas plantações diminuíram bastante. Mas os Estados Unidos não ficaram contentes. Em 1996, jogaram ratos e camundongos sobre as lavouras de seis estados iraquianos Eles estragaram grande parte da colheita. Depois, jogaram a larva da mosca do berne, que causou danos ao gado e às pessoas. Em 1997, jogaram larvas de insetos que infestaram as tamareiras, matando muitas delas, o que fez o preço do quilo da tâmara pular de 50 dinares para 1.200 dinares iraquianos.
BF: Se o Iraque não pode importar nada por causa do embargo imposto pela ONU e a produção agrícola está ameaçada, o que vocês comem? Irmã Sherine: Com 35% da venda do petróleo, a ONU compra comida e manda para o governo iraquiano, que vende os alimentos a preços subsidiados. Mas não é suficiente. Os alimentos são racionados. Cada pessoa tem direito a comprar, por mês, nove quilos de farinha, três quilos de arroz, um quilo de açúcar, 250 gramas de folha de chá, 250 gramas de feijão, 250 mililitros de óleo, um pacote de leite em pó. Não há carne nem ovos ou frutas
■ Crianças padecem em hospital de Bagdá; 40% da população de Basra morrerá de câncer, graças ao urânio empobrecido despejado no país pelos Estados Unidos
Arquivo pessoal
Brasil de Fato: Qual a sua reação, ao ouvir pela televisão as ameaças do governo estadunidense ao Iraque? Irmã Sherine: Eu não vejo televisão, senão não consigo dormir. Mas qualquer desculpa servirá para o ataque dos Estados Unidos. O Iraque abriu todos os espaços aos inspetores da ONU. Abrimos escolas, universidades, igrejas, mesquitas, hospitais, palácios, tudo. E os Estados Unidos têm satélites e aviões sobre o Iraque rastreando e observando tudo. Eles sabem que o Iraque não tem armas nucleares nem químicas. O governo dos Estados Unidos está tentando arrumar um pretexto para nos atacar em massa, porque desde 1990 -1991 (época da Guerra do Golfo) eles nunca deixaram de nos atacar.
Eunice Nunes - da Redação
BF: Como assim? Irmã Sherine: Desde a Guerra do Golfo, os aviões dos Estados Unidos e da Inglaterra bombardeiam o Iraque todos os dias. Só que não as grandes cidades. As bombas são lançadas perto das fronteiras. É mais para intimidar do que para matar, mas às vezes acertam civis. Matam também indiretamente, pois os mísseis que eles usam são de urânio empobrecido, que é material radioativo e contamina o meio ambiente e as pessoas, que passaram a sofrer mais de asma e câncer. O número de casos de câncer, em es-
ISRAEL
Marcha pacifista em Tel-Aviv expõe fragilidade da esquerda Sergio Yahni – de Jerusalém
AZERBAIJÃO
TURQUIA
MAR CÁSPIO
SÍRIA
MAR MEDITERRÂNEO
IRAQUE
ISRAEL
IRÃ
Bagdá JORDÂNIA KUWAIT GO LF O
EGITO
ARÁBIA SAUDITA
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Sergio Yahni é filósofo, jornalista e membro do Alternative Information Center de Jerusalém (www.alternativenews.org)
ARMÊNIA
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Os movimentos sociais, situados mais à esquerda, estão politicamente organizados na Frente pela Paz e Igualdade, do Partido Comunista Israelense. A esquerda nacionalista palestina dentro de Israel está na Aliança Nacional Democrática. Os dois grupos têm, conjuntamente, 6 cadeiras no Parlamento.
BF: Não há abrigos para as pessoas se protegerem? Irmã Sherine: As pessoas têm medo de ir para os abrigos, porque durante a Guerra do Golfo eles também foram bombardeados. ❑
GEÓRGIA
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Divisões enfraquecem a esquerda israelense
BF: Os iraquianos estão se preparando para a guerra? Irmã Sherine: O povo não tem armas e está em pânico. Os que têm porões em casa estão arrumando tudo e guardando o que podem de mantimentos. Mantêm as caixas de água sempre cheias para que possam, pelo menos, agüentar uns dois ou três dias. Os que têm parentes ou amigos morando em vilarejos estão saindo das grandes cidades e deslocando-se para essas aldeias. Mas esse movimento divide as famílias, que não podem simplesmente abandonar suas casas nas cidades, pois correm risco de as terem invadidas.
RÚSSIA
MAR NEGRO
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BRASIL DE FATO
8 de março de 2003
C
O Partido Trabalhista caiu de 25 cadeiras para 19; foi o seu pior resultado desde a fundação de Israel. O partido Meretz (formado, nos anos 80, a partir de uma cisão à esquerda do Partido Trabalhista) caiu de 13 cadeiras para 6. Para a direção do Meretz, a derrota foi motivada por sua política considerada conciliadora para com a Autoridade Nacional Palestina (ANP). Como resultado dessa análise, o Meretz parece caminhar para a direita, confundindo-se com a centro-direita do Shinui e do Trabalhismo.
Os movimentos sociais propõem a total retirada de Israel dos territorios palestinos ocupados, o desmantelamento das colônias israelenses instaladas nos territórios e uma solução justa para os refugiados palestinos. Propõem também a democratização do Estado israelense, no sentido de transformá-lo em um Estado de todos os seus cidadãos (hoje, Israel se autodefine como um Estado exclusivamente judeu). No âmbito social e econômico, defendem várias formas de resistência ao capitalismo neoliberal. As divisões entre os dois grupos, muitas vezes motivadas por disputas de poder e intrigas pessoais, são a maior causa de debilidade da esquerda. Por outro lado, a política autor itár ia, truculenta e militarista de Sharon frente aos desafios externos e internos colocam em risco as liberdades democráticas. ❑
BF: E remédios, hospitais, recursos para a saúde? Irmã Sherine: Tudo muito precário. Não podemos importar remédios. Os índices de mortalidade cresceram muito. As sanções são uma tragédia sem paralelo para nós. Resultaram em sofrimentos de toda a ordem - físicos, intelectuais, psicológicos, morais, culturais – e já causaram a morte de mais de 1,5 milhão de iraquianos, a maioria deles mulheres e crianças, devido à terrível falta de remédios, de alimentação adequada, à contaminação da água potável. Temos crianças desnutridas, mães com anemia. Cerca de um terço da população iraquiana
BF: O que aconteceu com a água? Irmã Sherine: O sistema de esgotos foi muito danificado durante a Guerra do Golfo e ainda se encontra em estado de abandono, devido à falta de componentes para reparos e manutenção. A tubulação quebra e o esgoto vaza e contamina o solo e os lençóis freáticos. Além disso, há o urânio empobrecido, que é um metal denso e pode perfurar tanques blindados. Ele é radioativo e permanece no solo, na água e no ar. Os Estados Unidos e a Inglaterra já jogaram 320 toneladas desse veneno no Iraque. Em algumas regiões a situação é muito grave, com um alarmante aumento de casos de leucemia, câncer de rim, de pulmão e de seio. Estima-se que na província de Basra 40% da população morrerá de câncer. E não temos recursos para tratar as pessoas com quimioterapia. A radioterapia é feita com equipamentos muito velhos e escassos. O paciente precisa esperar dois meses para receber a radioterapia.
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erca de 5 mil pessoas marcharam em TelAviv (capital de Israel), em 15 de fevereiro, contra o ataque ao Iraque. Comparada às manifestações pacifistas que reuniram milhões em todo o planeta, a marcha foi pequena. De certa forma, foi um indicativo dos desafios colocados para o movimento de resistência da esquerda israelense, fragorosamente derrotada nas eleições de 28 de janeiro, que deram vitória total ao primeiro-ministro Ariel Sharon. O partido de Sharon, Likud, dobrou o número de cadeiras que tinha no Parlamento, das 19 que detinha antes das eleições, para 38, de um total de 120. Um congresso do Likud, realizado em 14 de maio passado, proclamou que “nenhum Estado palestino será criado a oeste do rio Jordão”, uma referência à área que inclui Israel e os territórios palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, ilegalmente ocupados por Israel desde 1967.
Derrota histórica do trabalhismo
e verduras. Só come fruta e verdura quem tem árvores frutíferas e horta no quintal. A falta de proteínas e vitaminas já mostra seus efeitos, especialmente nas crianças e adolescentes, cuja estatura média já caiu 23%.
– mais de 6 milhões de pessoas – está passando fome. Os idosos que sofrem de doenças crônicas como hipertensão e diabete não podem controlá-las por falta de medicamentos. Nos hospitais faltam antibióticos e anestésicos, equipamentos de esterilização, iluminação, geradores elétricos e até água potável. Os cirurgiões são obrigados a esterilizar as mesmas luvas várias vezes.
PÉ RS IC O
BRASIL NO MUNDO
Maria Luisa Mendonça – da Redação Relator Especial da ONU sobre o direito à alimentação acaba de concluir seu relatório sobre o Brasil, que será apresentado oficialmente à Comissão de Direitos Humanos em abril próximo. O relatório se baseia em uma visita do Relator ao Brasil, de 1 a 18 de março de 2002, quando suas críticas causaram grande polêmica. O relatório oficial confirma a posição de Ziegler e classifica como “insuficientes” as medidas adotadas pelo governo FHC para combater a fome. Ele critica “setores da sociedade que seguem sem assimilar a idéia de que os direitos humanos também se aplicam aos pobres”. O relatório reconhece alguns avanços na “concepção do direito à alimentação”, em conseqüência do “trabalho realizado pela vibrante e eficiente sociedade civil do país”. E espera que o presidente Lula “encontre conselhos úteis nesse informe”. Ziegler conclui que a fome não é um problema de disponibilidade de alimentos, mas de “acesso à comida” e garante que o Brasil possui todas as condições para alimentar sua população. Dados do governo FHC indicam que 22 milhões de pessoas passam fome no Brasil. O PT fala em 44 milhões e Dom Mauro Morelli, em 53 milhões de famintos no país.
Sebastião Salgado
Relator da ONU recomenda reforma agrária contra a fome
INTERNACIONAL
Jean Ziegler conclui que a fome não é um problema de disponibilidade, mas de “acesso à comida” e garante que o Brasil, como um dos maiores países exportadores de alimentos do mundo, possui todas as condições de suprir as necessidades da população
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O relatório afirma que, apesar do progresso em algumas áreas, como a diminuição da mortalidade infantil e o aumento do Índice de Desenvolvimento Humano, o Brasil ainda ocupa uma posição inferior à da maioria dos países latino-americanos, como México, Venezuela e Colômbia, com a 73ª posição entre 162 países. As causas da fome no Brasil Uma das principais causas da fome é a enorme área de terras não cultivadas que, segundo o Incra (Instituto de Colonização e Reforma Agrária), chega a 100 milhões de hectares. Outro problema é a enorme concentração de ter ras: 2% dos latifundiários detêm 56% das propriedades, ao passo que 80% dos pequenos produtores detêm somente 12% das terras agrícolas. Ao mesmo tempo, existem 4,8 milhões de famílias sem terra no país. A concentração fundiária tem gerado o êxodo rural e o grande aumento da
Outra causa da fome destacada no relatório é o desemprego, que, segundo dados oficiais, somente no setor formal subiu de 5%, em 1994, para 7,7% em 2001. Ziegler adverte ainda para o problema da insegurança alimentar de milhões de brasileiros que recebem salário mínimo, que, segundo ele, é insuficiente para garantir uma alimentação adequada. O relatório elogia programas como o Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Merenda Escolar
Maria Luisa Mendonça é jornalista e diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Principais recomendações ■ Implementação de uma legislação nacional que aumente a proteção ao direito à alimentação. ■ Combate à impunidade através da independência do poder judiciário. Os casos de violações de direitos humanos envolvendo autoridades locais ou estaduais – como, por exemplo, o massacre de Eldorado dos Carajás – devem ser julgados no âmbito federal. ■ O atual modelo econômico deve ser revisado para que se examinem os impactos das políticas macroeconômicas e da liberalização do comércio sobre a pobreza e a desigualdade social. ■ A reforma agrária deve ser implementada com maior rapidez, inclusive as desapropriações. O projeto de lei que limita o tamanho da propriedade rural deve ser implementado. Deve-se intensificar o combate à grilagem de terras. A medida provisória de maio de 2000, que proíbe a desapropriação de terras ocupadas, deve ser revogada. ■ Mais recursos devem ser investidos para beneficiar a população pobre. As demandas do FMI de se garantir o superávit primário não devem limitar o acesso à alimentação. ❑
“O sofrimento diário e silencioso de tantos milhões de brasileiros famintos e malnutridos tem que acabar”
Quem é Jean Ziegler Jean Ziegler é professor de sociologia na Universidade de Sorbonne, em Paris, e na Universidade de Genebra. Foi professor visitante na Universidade Cândido Mendes e na Pontifícia Universidade Católica (PUC), ambas no Rio de Janeiro, e no Instituto de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Federal da Bahia. Até 1999, foi membro do Parlamento Federal Suíço. Em 2000, foi nomeado Relator Especial para o Direito à Alimentação pela Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Pelo seu mandato, é responsável por obter e disponibilizar informações sobre todos os aspectos do direito à alimentação, incluindo a necessidade urgente de erradicar a fome no mundo. É autor de vários livros, entre eles, A Suíça Lava Mais Branco, A Suíça, o Ouro e os Mortos e Ouro do Maneama. Seu livro mais recente é A Fome no Mundo Explicada a Meu Filho (Editora Vozes, outubro de 2002).
■ PALESTINA Pobreza galopante Seis em cada dez palestinos vivem na miséria, com menos de dois dólares por dia. Nos acampamentos de refugiados, os níveis de subnutrição começam a equiparar-se aos da África subsaariana. Informes da ONU e do Banco Mundial apontam que, em 27 meses de intifada, a renda nacional nos territórios palestinos caiu cerca de 5,5 bilhões de dólares - o equivalente a um ano de captação em todos os setores. O estudo da ONU foi elaborado pelo coordenador especial para o Oriente Médio,Terje Roed-Larsen, para quem “a solução do problema não está em obter mais ajuda internacional, mas no levantamento do bloqueio israelense aos territórios”. A pior situação é a de Gaza, onde a população que se situa na faixa de pobreza passou de 25% para 75%. (Agência Alai)
■ AMÉRICA CENTRAL Fim do cólera A Organização Panamericana de Saúde anunciou que este ano a América Central será declarada como uma zona livre do cólera. “Ganhamos a batalha. Cumprimos a missão”, declarou a diretora do órgão, Mirta Roses Periago, durante recente visita a El Salvador. Desde 1991, quando começou a epidemia nas Américas, até 2000, foram notificados mais de um milhão e 275 mil casos em toda a região – 16% correspondendo a Guatemala, Nicarágua, El Salvador, Honduras e México. (Alai)
■ MUNDO EM 2030 Meio bilhão de famintos Estudos da Organização para Alimentação e Agricultura da ONU prevêem que, em 2030, o mundo terá mais de 400 milhões de pessoas passando fome. Uma análise da demanda e da oferta de produtos básicos agropecuários e dos setores de pesca e florestal indica que não será cumprido o objetivo do milênio de cortar pela metade os atuais 800 milhões de famintos. A população estará melhor alimentada em trinta anos, mas a fome crônica persistirá na África subsaariana e no sul da Ásia. (Alai)
8 de março de 2003
IDH do Brasil é um dos mais baixos da América Latina
País deveria garantir direito à alimentação, diz relatório
como uma forma de transferir recursos para a população carente, mas adverte para o risco do “clientelismo que as elites regionais e governos locais muitas vezes exercem sobre o controle de recursos, em detrimento de programas voltados para os pobres”. O estudo enfatiza que o Brasil é um país de “recursos abundantes” e que “deveria ser possível garantir o direito à alimentação para todos os brasileiros”. Ele lembra uma citação de Jean-Paul Sartre: “O tempo não é uma entidade abstrata, é a vida humana”. E conclui seu relatório com uma advertência: “O sofrimento diário e silencioso de tantos milhões de brasileiros famintos e malnutridos tem que acabar”. ❑
BRASIL DE FATO
O relatório critica a política voltada para a exportação e adverte que, mesmo com uma maior abertura dos mercados da Europa e dos Estados Unidos para produtos brasileiros, isso provavelmente não significaria a diminuição da fome no Brasil. Segundo Ziegler, é possível acabar com a fome através da reforma agrária e do apoio aos pequenos produtores, com prioridade para o acesso à alimentação no mercado interno. Para isso, ele recomenda maior rapidez nas desapropr iações, combate à g r ilagem de ter ras, a implementação do projeto de lei que limita o tamanho das propriedades rurais e a revogação da medida provisória que proíbe a desapropriação de terras ocupadas por trabalhadores sem terra. Outro alvo de críticas é o Fundo Monetário Internacional (FMI), que, segundo o relator, “exige a manutenção do superávit primário para priorizar o pagamento da dívida”, o que restringe os investimentos sociais e causa “discrepância e falta de transparência” entre o orçamento e os gastos em projetos sociais. O relatório classifica o Brasil como “uma potência econômica altamente desenvolvida e a décima economia do mundo, mas também um país com milhões de pessoas pobres e famintas, efetivamente excluídas dessa economia poderosa”.
população urbana, que se concentra nas favelas e aumenta o contingente de famintos. Ziegler afirma que “miséria urbana, pobreza e fome estão estreitamente ligadas ao problema da pobreza rural e dos sem terra”.
Jesus Carlos
Relatório critica o FMI e a política de exportação do Brasil
■ Assentamento de trabalhadores rurais sem terra no sul do Pará: só precisam de uma chance para produzir
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ESPORTE
Fortemente incentivados pelo futebol indústria, que só se interessa por dinheiro, atletas profissionais pouco se interessam por política; mas há importantes exceções...
FUTEBOL
A política entra em campo e a primeira manifestação popular no Rio contra a guerra, no sábado, 15 de fevereiro, foi o dia da praia de Copacabana, no domingo a campanha pela paz tomou outra caixa de ressonância popular, o Maracanã. Antes de começar o jogo Botafogo e Flamengo pelo campeonato estadual, as 40 mil pessoas que estavam no estádio assistiram à manifestação dos jogadores contra a guerra no Iraque. O time do Botafogo entrou em campo com todos os seus atletas vestindo uma camisa branca com a mensagem “No War - Guerra Não”; o Flamengo, alegando que seu estatuto não permite manifestações políticas, entrou com o seu usual uniforme. No centro do campo, ambos os times posaram para fotos com a faixa “No War - Guerra Não” como pano de fundo. A torcida aplaudiu em pé. Max, goleiro do Botafogo, aprovou a campanha. “Ficamos sabendo da manifestação minutos antes de entrarmos em campo. Foi uma iniciativa da diretoria. Foi o Bebeto (Bebeto de Freitas, presidente do clube) mesmo quem nos avisou que iríamos usar as camisas. Foi legal, todo o time gostou e apoiou. Acho que passamos a mensagem para o público. É isso mesmo, campanhas como essas são positivas, ainda mais no futebol, que consegue atrair grande público aqui no Brasil. É importante participar desse momento. Paz, a guerra não tem nada a ver”. Não é novidade esse encontro entre futebol e ato político. Na década de 80, em plena ditadura militar, o Parque São Jorge, sede do Corinthians, respirava ares de liberdade.Alguns jogadores, dentre eles Sócrates e Casagrande, se organizaram e montaram um espaço de contestação ao regime autoritário: a Democracia Corintiana. Mas, experiências como essa eram exceções, pois a maioria dos atletas não se interessava muito pelo que acontecia fora dos gramados. Segundo José Trajano, da direção do canal esportivo ESPNBrasil, os atletas brasileiros de hoje têm mais acesso a informações e, por isso, se envolvem mais com assuntos que não são propriamente do futebol. Mas, para ele, a maioria das manifestações vai no embalo de algum momento ou é uma iniciativa do próprio clube ou do patrocinador. Um dia antes da partida do Flamengo, a equipe do Santos, atual campeã nacional, entrou em campo com o uniforme modificado: no lugar geralmente destinado ao patrocinador, a camisa levava estampado o nome do mais importante programa do governo Lula, o Fome Zero. Segundo Trajano,“não passou de marketing”, pois o modo e a forma como tinha sido feita a imagem eram os mesmos que os da marca que financia o time, a Bombril. Para ele, nesse caso, “os jogadores fizeram papel de garoto-propaganda”.
BRASIL DE FATO
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Valorização do indivíduo Apesar de ser um esporte coletivo, no futebol impera a lógica do “eu”. Segundo o jornalista esportivo Juca Kfouri, “os jogadores são muito voltados para eles
Fotos: Agência Estado
João Alexandre Peschanski Da Redação mesmos, são individualistas”. Para ele, isso foi ocorrendo na medida em que esse esporte foi se tornando um negócio e que a mídia abriu espaço apenas para as grandes estrelas. Assim, em muitos casos, desprezando até mesmo a paixão que ele gera, o futebol tem abandonado sua origem, a de ser um meio de integração popular, para se tornar o reino de poucos, do Ronaldinho, do Roberto Carlos e de alguns outros. Ainda há exceções. Logo após vencer o campeonato brasileiro de 2001, vários jogadores do Atlético Paranaense deixaram de lado as comemorações e participaram de um ato num acampamento de trabalhadores sem terra, oferecendo o recém-conquistado título a quem realmente o merecia: o povo. ❑ Colaborou Rodrigo Octavio, do Rio de Janeiro
■ No clássico contra o Botafogo, no dia 16 de fevereiro, jogadores do Flamengo entram no Maracanã com uma faixa contra a agressão ao Iraque
Empresários tomam lugar de sindicatos Mesmo representando o principal esporte do país, os sindicatos de futebolistas são organizações muito mal estruturadas e fracas. De acordo com o presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, Jorge Ivo Amaral da Silva, isso ocorre porque muitos jogadores pensam apenas na carreira e não em fortalecer sua categoria. Atualmente, quem representa os atletas, principalmente as estrelas, são empresários e advogados. De acordo com o jornalista esportivo José Trajano, “esses empresários são muitas vezes perversos e só pensam em dinheiro”. Para ele, essa situação não contribui em nada para melhorar o futebol, pois a grande maioria dos jogadores, que está em times pequenos, não tem voz e sempre fica na dependência das decisões dos dirigentes dos grandes clubes, isto é, dos que têm o dinheiro. ❑
■ Robinho, jogador do Santos FC, usa camisa da campanha contra a fome
Juarez Soares
Lei Pelé disciplina o futebol; e daí?
O que mais se discute hoje no futeclube que lhe dera oportunidade e fama. “O dinheiro foi ficando bol é se a chamada Lei Pelé, acabou só Ao longo da estrada percorrida, quancom o passe do jogador de futebol ou se ta coisa aconteceu. O dinheiro - farto no bolso de muita gente. acabou na realidade com o próprio funegócio - foi ficando no bolso de muita Do presidente do clube, tebol brasileiro, anunciando a falência dos gente. Do presidente do clube, do emclubes. presário, do técnico, do outro intermedido empresário, do O raciocínio é primário. Até bem ário. Essa era a simples história do garoto técnico, do outro pouco tempo, qualquer clube da cidade de talento, que deu certo. mais distante e por mais simples na sua Outro dia surgiu a Lei Pelé, como reintermediário” origem, era capaz de produzir um grandenção e liberdade para o profissional de de craque. O garoto chegava humilde e futebol. A carta de alforria, o direito de ir cheio de esperança, fazia seu primeiro e vir. O cara chega no time, assina o contreino; se tivesse qualidade era convidado para morando nos alotrato por um ano. Terminada a temporada, é só arrumar as malas e jamentos do clube. bater sua rica plumagem. Dos quatorze aos dezoito anos, os meses e os dias voavam. De O clube não se conforma: mas como? Eu revelo o jogador, repente ele não era mais garoto, já era um homem, tinha crescido dou-lhe oportunidade e prestígio e depois fico sem nada? A rese seu futebol também. posta para essa pergunta, ninguém encontrou até agora. A cidade já não era tão simples e seu novo time estava acostuAo clube sobra apenas uma alternativa: estabelecer uma multa mado a disputar títulos. Na simples mudança de agremiação, a elevada na hora de liberar o profissional. Mas isto custa caro. O transformação era total. Seu time do interior, ao transferi-lo para mais recente exemplo é o do garoto Diego, do Santos. O moço a capital, ganhara uma nota preta. Era a venda do “passe“ do que completou dezoito anos, tirou carta de motorista e comprou seu se chamava de “atestado liberatório“. Seu primeiro time ganhara primeiro carro importado por sessenta mil reais. Pagou à vista. milhares de contos de réis na transação. Uma festa. Bons tempos, novos tempos ainda mais se a gente se recordar O garoto, bom filho, dera entrada na casa para os pais, com as que Tostão, Rivelino, Pelé, Jairzinho, heróis da copa de setenta, gachamadas “luvas”, a parte que lhe coubera pelo negócio. Depois nharam como prêmio um Fusca – como maior prêmio. de um tempo na grande cidade, vieram os títulos, mulheres. DeEntão, se a Lei Pelé significa liberdade, viva a liberdade! ❑ pois a transferência para a Europa. Mais dinheiro para ele e para o
AGENDA
HIP - HOP
Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie e-mail para agenda@brasildefato.com.br
“Manos” mostram uma saída Beth Caló – de São Paulo
DE
sses manos e essas minas são firmeza, tá ligado? Porta-vozes de uma parte do universo dos excluídos, eles rompem o silêncio imposto pelo medo, pela falta de acesso à informação e pelo descaso do poder público. Não, eles não protestam em palanques. Mas em palcos. Valem-se da rima, da música, da dança e do desenho para despertar a consicência política das pessoas. Usam a arte para interpretar a miséria, a discriminação e todo tipo de violência comuns na periferia. Unidos, apóiam-se numa irmandade – uma espécie de família forjada, resultado da falência das instituições e dos programas sociais – para construir um mundo mais justo. Essa forma de organização e de intervenção social tem um nome: hip-hop. “O rap faz a pessoa ter amor-próprio, auto-estima. Ela se identifica com a música, com a poesia e começa a ter atitude, a evoluir”, diz Mano Brow, do grupo Racionais Mc’s. “O rap faz pensar no problema da moradia, no crime, na própria vida. A pessoa conversa, se informa e cria senso crítico.” Segundo Brow, com o rap, um excluído deixa de ser individualista. O Racionais Mc’s faz em média dez shows por mês. Em uma festa comum, o grupo reúne cerca de 3 mil pessoas; em grandes eventos, até 15 mil. Surgiu em 1988 e já gravou seis discos – um deles vendeu mais de 500 mil cópias. Seus integrantes atuam na posse Vida Loka. Numa favela do Jardim Vera Cruz, localizado na zona Sul da capital paulista, onde Brow nasceu, a Vida Loka conclui a construção de um centro de convivência cultural ainda sem nome. “Aqui, crianças, jovens e adultos vão assistir filmes e documentários, ler livros e ouvir música.Vamos promover debates e pretendemos, no futuro, ter uma emissora de rádio. Assim criamos empregos, as pessoas aprendem a dar valor a coisas importantes”, acredita Mano Brow.
E
● 16 de março, das 10h às 22h Sítio Pau D´Alho - anel viário rodovia Alexandre Balbo, contorno norte, km 328, Ribeirão Preto. Promoção da arquidiocese de Ribeirão Preto e associação estadual de cooperação agrícola (AESCA), com o objetivo de valorizar a música de raiz caipira. Além de violeiros de diversas partes do país, o evento receberá grupos de folias de reis cururú e catira da região e de MG. Mais informações: (16) 3931.3277
XÔ CORRUPÇÃO BA - TONINHO MALVADEZA NUNCA MAIS
● 11 de março, às 13h Assembléia Legislativa de Salvador. O movimento estudantil baiano convoca para a ocupação da AL e realização de uma plenária estudantil, em continuidade à campanha pela cassação de ACM.
CONTRA A GUERRA MUNDIAL
● 15 de março Na Europa, a data coincide com a reunião, em Atenas (Grécia), dos ministros de defesa da UE. Nos EUA, haverá manifestações também em Washington.
DA
ÁGUA SP - FÓRUM SOCIAL
DAS
ÁGUAS
● 16 a 23 de março Parque Cemucam, Cotia Organizado pelo Movimento Grito das Águas, será aberto às 13h do dia 16. Extensa programação, com a pafrticipação de especialistas. Mais informações: www.biodiversidadeglobal.org, (11) 4243-3226
RJ – V ENCONTRO DO MOVIMENTO DE CIDADANIA PELAS ÁGUAS ● 13 a 16 de março Petrópolis Mais informações: maffei@crearj.org.br.
LIVROS MORO
NUM PAÍS TROPICAOS
Lançado pelo cartunista Márcio Baraldi, vencedor do XXIV Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, na categoria Artes. ❑
“A cultura de rua é a forma mais eficaz de combater a violência”, argumenta Milton Sales, produtor e DJ que em 1989 fundou o Movimento Hip Hop Organizado (MH2O). Sales defende o engajamento do rap e cobra participação de todos os lados. “Para nós, o povo é o patrão dos políticos, que ajudou a eleger, e dos artistas, que ajudou a consagrar”, diz. “Só respeitamos aqueles que se comprometem e têm atitude em favor desse patrão”, resume, revelando que o MH2O tem um engajamento assumidamente petista. O movimento reivindica, entre outras coisas, a democratização dos meios de comunicação (em especial, maior facilidade para montar emissoras de rádio), e estímulo à criação de empresas de reciclagem de lixo. Rap é compromisso A diminuição da violência é tema freqüente nas letras de rap, onde as músicas transmitem a vivência do compositor. “Muitas pessoas deixaram o crime e as drogas por causa do rap, complementa KL Jay, do Racionais Mc’s. A explicação? “O rap é a única música que fala diretamente para a pessoa. Quem canta, conheceu de
perto o que diz a música”, avalia. “É triste cantar coisa desagradável, contar a história de um amiRap - de rythm and go que morreu. Mas a criminalipoetry (ritmo e poesia). dade é culpa do sistema”, diz Estilo de música criado sobre uma base Lakers, vocalista do grupo Código instrumental, com a letra Fatal, hoje empenhado em procufalada ou declamada. rar ajuda para reorganizar a escola Posse - reunião de grupos de basquete que, durante seis mede hip-hop para realizar ses, por sua inciativa, funcionou em ações sociais na sua comunidade. plena rua, num bairro pobre da zona Oeste de São Paulo. O comprometimento do pessoal ligado ao hip-hop com a ação comunitária garante respeito ao movimento.“Alguns rapers ficam apenas no banguebangue”, critica RDO, vocalista do grupo Sabedoria Solidária. Segundo ele, a música sem expor problemas sociais e sem ter o objetivo de trazer consciência sobre as causas das injustiças é um desvio no hiphop. RDO é ligado ao Força Ativa, movimento com base no bairro de Cidade Tiradentes, na zona Leste da capital paulista. Há anos o Força Ativa mantém um espaço para difundir cultura e conhecimento onde funciona uma biblioteca e um espaço para debates e oficinas profissionalizantes. ❑ Colaborou Conceição Lima
Sabotage, um cara de atitude (Na gíria do hip-hop, atitude significa a linha de conduta que o grupo espera de cada integrante do movimento)
O que é hip-hop Levado pelos jamaicanos para os guetos americanos de NovaYork no final dos anos 60, o hip (movimento de quadris) hop (balançar) reúne quatro formas de expressão: a dança (break), a música (o rap), o desenho (grafite) e os DJs (disc-jóqueis). O movimento social da junventude pobre e excluída se propunha, inicialmente, a apaziguar brigas entre gangues de rua nos Estados Unidos. Chegou ao Brasil na década de 80, cresceu muito em São Paulo. Os primeiros rapers brasileiros cantavam na rua, ao som de latas, palmas e beat box (som percussivo feito com a boca). Depois de algum tempo foi dividido em posses. As posses assumiram tal importância no Brasil que a eficácia de sua atuação superou até mesmo a dos estadunidenses.Trabalhos sociais, oficinas, palestras fazem parte das atribuições de quase todos os grupos que contribuem, ainda, para aumentar a auto-estima do adolescente.
Saiba mais ● Hip-hop, A Periferia Grita, Janaína Rocha, Mirella Domenich e Patrícia Casseano, Fundação Perseu Abramo. ● Rap e educação, rap é educação, org. Elaine Nunes de Andrade, Summus. ● Abalando os anos 90: funk e hip-hop, org. Micael Hershmann, Rocco. ● Bocada-Forte - www.bocada-forte.com.br ● Compromisso Hip-hop www.compromissohiphop.kit.net ● Cultura do Rap - culturadorap.cjb.net ● Manuscrito - www.manuscrito.com.br
Ele tinha um desejo: ajudar a tirar os parceiros da bandidagem. Uma história pra contar: perdeu a mãe cedo, o irmão foi assassinado (em 92, no massacre do Carandiru), virou soldado do tráfico, apanhou muito da polícia, passou quatro vezes pela Febem e, quando saiu da criminalidade, consagrou-se como um dos artistas mais promissores do rap nacional. Mas também tinha lá seus pressentimentos:“O rap me resgatou e agora vou remando.Tenho um remo e um barco. Só espero não morrer antes do tempo”. Foi assassinado aos 29 anos, dia 24 de janeiro, com 4 tiros. Uns dizem que foi a polícia, outros afirmam que foi gente do tráfico. Vai saber. Mauro Martins dos Santos, o Sabotage, arrumou inimigos dos dois lados ao passar de contraventor a uma espécie de porta-voz e educador dos excluídos.“Hoje vivo de shows, ajudo os irmãos com isso aí, e ainda vou tirar bastante ladrão do crime”, dizia ele. Pai de dois filhos, sabia que carregaria talvez para sempre o peso de seu passado: “Eu era terrorista, andava armado, ninguém chegava perto. Como muito favelado, tive problemas com a Justiça. E tenho até hoje porque eu nasci da cor de Jesus, eu sou negro”. Sabia que o bem e o mal, o certo e o errado se confundem ou, no mínimo, se alternam na vida de quem nasceu na corda bamba. “Eu já estava no rap, tinha ganhado vários festivais e tive que parar com a música pra vender droga de novo. Pra comer: um quilo de arroz, meia dúzia de ovos, pãezinhos, essas coisas. Hoje dei a volta por cima e, com fé em Deus, estou aqui”, contava Sabotage, lembrando que um chefão do tráfico foi quem lhe deu a maior força para virar artista. “Um dia eu estava separando uns papelotes e ele disse: mano, larga isso aí, não é coisa pra você, que sabe cantar”.
“Eu tenho uma responsabilidade grande com meus manos” Águas passadas. “Quero falar do futuro”, dizia Sabotage. Um futuro promissor, que se anunciava com o novo disco e com o sucesso de suas participações no cinema – “Estação Carandiru”, de Hector Babenco, e “O Invasor”, de Beto Brant, que lhe valeu também o prêmio de melhor trilha sonora num festival em Brasília. Orgulhoso, mas com os pés no chão, não se iludia com a fama:“Eu tenho uma responsabilidade grande com meus manos, com meu amigo que me vê e quer seguir o mesmo caminho. Percebo que muita criança se espelha em mim.Vem pedir autógrafo para mostrar pra professora”, explicava. “Eu uso minha música pra dizer para uma criança de 6 anos parar de fumar, pra galera deixar o crack, a cocaína. Conto a história da minha vida, digo que fui usado, ainda criança, no tráfico, e que só parei porque tive fé em Deus e na minha música. O rap me salvou.” O assassinato de Sabotage, até agora não esclarecido, é mais uma história interrompida antes da possibilidade de um final feliz. Restam sua música e algumas reflexões bem realistas como “Eu sou a prova viva de que o crime não compensa.”
Entrevista concedida com exclusividade à pesquisadora Alessandra Brum, quatro meses antes do assassinato de Sabotage.
8 de março de 2003
● 17 de março, das 8h30 às 18h Centro de Convenções Amcham, R. da Paz, 1431. O seminário deverá reunir autoridades e especialistas da área: Ricardo Berzoini, ministro da Previdência; Adacir Reis, secretário de Previdência Complementar; Cláudio Baldino Maciel, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros; Fábio Giambiagi, economista; Helio Portocarrero, superintendente da Susep; João Elísio Ferraz de Campos, presidente da Fenaseg; João Felício, presidente da CUT; Osvaldo do Nascimento, presidente da Associação Nacional da Previdência Privada; Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical; Raul Velloso, especialista em finanças públicas. Taxa: R$ 270,00. Mais informações: www.amcham.com.br(0800-169199)
Agência Estado
PREVIDÊNCIA SP - SEMINÁRIO REFORMA PREVIDÊNCIA
■ Mano Brown e a posse Vida Loka: trabalho e dignidade na “periferia”
BRASIL DE FATO
MOBILIZAÇÃO
Luciney Martins/Rede Rua
MÚSICA SP - ENCONTRO NACIONAL VIOLEIROS
CULTURA
Nas grandes metrópoles do Brasil, jovens usam a arte para denunciar a segregação e a injustiça; o “mano” Sabotge, assassinado em 24 de janeiro, fez de sua vida um exemplo
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CULTURA
Em pleno carnaval, crime organizado, em parceria com o narcotráfico e a Liesa, faz uma ofensiva no Rio; as escolas de samba, mesmo participando da grande indústria do “exótico”, lembram temas e heróis das lutas populares
CARNAVAL
O crime abre alas Márcio Mercante/Ag .O Dia
Jesus Antunes, Luiz Antonio dos Santos e Mário Augusto Jakobskind Do Rio de Janeiro ara entender o enredo de violência vivido pelo povo do Rio de Janeiro, na semana do carnaval — 29 ônibus incendiados, assaltos, saques e mortes — é preciso conhecer os personagens dessa história, saber quais interesses estão em jogo, enfim, olhar sob a máscara das forças em confronto: de um lado, o poder constituído pelo Estado; de outro, o chamado “poder paralelo”, exercido pelos narcotraficantes do Comando Vermelho (CV). O tráfico de drogas é um dos negócios do crime organizado – que também lida com prostituição, comércio ilegal de armas, pirataria, bingos, corridas de cavalo, revistas e vídeos de sexo, assaltos e seqüestros. Sem falar que a cidade maravilhosa, com 6 milhões de habitantes, indústria, comércio e setor de serviços pujantes, belas praias e sol o ano inteiro, apesar de um alto índice de desemprego, ainda não paga “taxas” de pedágio e segurança ao crime organizado, dois outros “produtos” também lucrativos.
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Quem é quem na passarela ■ Encenação durante o desfile da Beija-Flor de Nilópolis, no Rio de Janeiro: bom humor contra o crime dá prêmio 1994: César Maia “privatiza” o carnaval Em 1994, no seu primeiro mandato, o prefeito César Maia “privatizou” o carnaval carioca entregando a organização do desfile à Liesa, sem concorrência pública ou licitação. Nenhum dos “diretores” da Liga pôde comparecer ao ato de assinatura da concessão porque estavam todos presos desde 1993 — graças ao empenho da juíza Denise Frossard e do procurador geral de Justiça, Antônio Carlos Biscaia. O então vereador Maurício Azêdo (PDT) fez uma represen-
tação ao Tribunal de Contas do Município e à Procuradoria Geral de Justiça. Junto com seu colega, o vereador Chico Alencar (PT), concluiu : “Há indícios de que o prefeito cometeu crime de responsabilidade”. Ex-torturador manda na Liesa Em uma lista com nomes de políticos financiados pela contravenção, apreendida pelo Ministério Público, constava o de César Maia, que havia recebido, em 1992, quatro contr ibuições, totalizando US$ 157,4 mil. Mas tudo acabou em pizza!
Lutadores do povo na avenida
BRASIL DE FATO
8 de março de 2003
Áurea Lopes - da Redação
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Originalmente um privilégio da burguesia, vindo da Itália, o carnaval é considerado um dos primeiros movimentos de apropriação popular na história do Brasil. No início, apenas as moçoilas mais ousadas desfilavam no corso, borrifando os pedestres com talco e perfume. “Em pouco tempo, os escravos que trabalhavam para a festa foram tomando conta da comemoração, introduzindo seus valores culturais africanos e abrindo espaço para os índios”, conta a antropóloga Rita Amaral, da Universidade de São Paulo. Essa relação do carnaval com os heróis e os símbolos populares é tão forte que dura até hoje, mesmo as elites tendo retomado o controle para explorar política e comercialmente a folia das ruas. “Qualquer manifestação do capitalismo tem que se adaptar aos símbolos locais. Essa raiz popular é o que em tese daria a legitimidade a esse carnaval mercantil, a esse espetáculo segregado”, explica Clímaco Dias, professor da Universidade Federal da Bahia. Por isso as escolas de samba sempre homenageiam personagens que têm identificação com as lutas e com o imaginário nacional. Este ano, no Rio de Janeiro, por exemplo, a Vila Isabel contou a história do arquiteto Oscar Niemeyer, conhecido por sua militância em partidos de esquerda. Numa das alas, desfilaram integrantes do MST, com suas bandeiras vermelhas. A Acadêmicos da Barra da Tijuca, do Grupo B, levou para a avenida o Teatro do Oprimido, do dramaturgo Augusto Boal. “Carnaval tem tudo a ver com o Teatro do Oprimido pois os oprimidos fazem o maior espetáculo do planeta”, diz o diretor da escola, Godofredo Verdan. Maria da Penha Nascimento,diretora de harmonia da Leandro de Itaquera, diz que em São Paulo o processo de escolha dos enredos melhorou muito, de dois anos para cá, depois que o merchandising foi proibido. “Muitas vezes era o patrocinador quem definia o tema da merchandising escola”, conta. Maria da Penha também lembra que os temas acordo comercial que dos enredos são oportunidades para o povo conhecer mepermite a uma empresa colocar sua marca no lhor os valores do seu país:“Quando homenageamos o edudesfile, em troca de cador Paulo Freire, em 1999, o pessoal da escola passou meses recursos financeiros ou estudando e discutindo as propostas dele”. ❑ benefícios para a escola.
Colaboraram Lília de Souza, Cláudio Leal e Débora Alcântara, da Bahia.
A Liesa, hoje presidida por Aílton Guimarães Jorge (ex-torturador do DOI-Codi), continua dona do carnaval, faturando comercialmente em todas as frentes: ingressos, CDs, DVDs, espaço, até mesmo os direitos de transmissão pela TV Globo. Calcula-se que a receita média total atinja R$ 50 milhões.Também é a Liga que indica os 40 julgadores que escolherão a escola de samba campeã. Outro bloco de peso é composto pelo narcotráfico, dominado pelo Comando Vermelho (CV). Criado nos anos 80, hoje o CV é comandado por Fernandi-
Samuel Javelberg
No bloco dos políticos, estão alguns candidatos inescrupulosos que buscam apoio, votos e dinheiro nos morros e nas 650 favelas quase totalmente dominadas pelo tráfico, onde habitam 2 milhões de pessoas. Na ala da contravenção, com o crescimento do consumo de drogas, nos anos 70, os chefões decidiram entrar no promissor negócio, sob o comando do bicheiro Castor de Andrade. Em 1984, ano de inauguração do Sambódromo, Castor e seus comparsas fundaram a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), instituição que lhes propiciou mais espaço e prestígio, além de influência na organização do desfile do Grupo Especial.
nho Beira-Mar – onde quer que ele esteja, mesmo dentro da prisão. Com um efetivo de aproximadamente 3 mil homens, fatura em torno de R$ 1 milhão por dia e seu maior interesse é poder vender “em paz” o seu produto. Duas outras facções concorrem com o CV: o Terceiro Comando (TC, dissidente do CV) e o Amigo dos Amigos (ADA). Somando 2 mil integrantes, servem o restante do mercado (30 %), influenciando nas eleições das associações comunitárias e das escolas de samba. Pressões de Fernandinho No ano passado, depois que Elias Maluco (CV) assassinou o jornalista Tim Lopes (TV Globo), a pressão da mídia fez aumentar a repressão do governo aos traficantes. A perda de regalias no complexo penitenciário Bangu 1, além de mais prisões de traficantes, acabou desencadeando, mais uma vez, o terrorismo do CV. Com a posse da governadora Rosinha Garotinho, em janeiro, os traficantes tinham esperança de que os telefones celulares, os eletrodomésticos, a alimentação especial, entre outras mordomias, fossem restabelecidos. Mas isso não aconteceu. E a saída foi mesmo dar o troco, barbarizar. ❑
A folia do desperdício
■ Maria da Penha Nascimento, da Leandro de Itaquera, em São Paulo, que escolheu como enredo este ano “Qualidade de vida. Direito do povo”
Os convidados da Liesa, bem como os espectadores que gastam fortunas nos camarotes, usufruem de todos os tipos de mordomia – enquanto o povão das arquibancadas 1 e 3, as mais baratas, não tem sequer banheiros limpos. Mais grave ainda: o carnaval da Sapucaí pode ganhar o título de campeão do desperdício de comida. Dos 6 mil pratos servidos por noite, 4 mil foram jogados fora, alguns praticamente intactos. E, diga-se de passagem, havia um menu de luxo preparado e servido pelo bufê Scala, do empresário da noite Chico Recarey. ❑