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BRASILDEFATO Ano I ■ Número 6 ■ São Paulo ■ De 13 a 19 de abril de 2003

Circulação Nacional

R$ 2,00

Laurent Rebours/AP/AE

Fazenda prevê autonomia do BC O Ministério da Fazenda condiciona a estabilidade econômica do Brasil à independência do Banco Central. É o que diz o documento “Política Econômica e Reformas Estruturais”, feito pelo ministério, que o encaminha nesta terça-feira ao Congresso. No trabalho, estão as linhas gerais do que o governo pretende com a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2004. Pág. 3 A União paga R$ 128 bilhões em juros da dívida, mas concede 1% de aumento aos servidores. As despesas com o funcionalismo estão muito abaixo dos 50% permitidos por lei. Pág.5 ■ Iraquianos carregam o produto de saques a prédios do governo, em Bagdá, na quarta-feira

Campanha pede plebiscito sobre Alca

Esquerda deve pressionar Lula

Uma plenária da Campanha Nacional Contra a Alca, realizada em São Paulo, nos dias 7 e 8, definiu, como objetivo estratégico, lutar para que o governo federal convoque, para o primeiro semestre de 2004, um plebiscito oficial sobre a adesão do Brasil. A idéia é lançar o debate e permitir que o povo decida. Para o economista Paulo Nogueira Batista Jr. , a adesão à Alca significa abandonar qualquer projeto nacional, Pág. 11

O geógrafo e historiador pernambucano Manuel Correia de Andrade, em entrevista exclusiva, afirma que os movimentos sociais e as forças de esquerda devem pressionar o governo Lula, para que cumpra seus compromissos com a nacão. Para ele, a reforma agrária é essencial para a solução dos problemas brasileiros. O governo precisa entregar as delegacias do Incra a pessoas que tenham compromisso com a distribuição de terra. Pág. 7

Potências disputam espólio Enquanto em Bagdá reinam o caos e o sofrimento, com hospitais superlotados e sem recursos, lojas, hotéis e supermercados sendo saqueados, as empresas estadunidenses já começam a explorar o petróleo do Iraque. A multinacional Haliburton, da qual foi dirigente o vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, já assumiu os poços de Rumaila. O país foi dividido em três: o Norte curdo e o Sul xiita serão administrados, cada um, por um general estadunidense, e o centro-Oeste será governado por uma ex-embaixadora, também dos EUA. Rússia, França e Brasil também querem participar da “reconstrução” iraquiana. Pág. 9 ■ Cartaz da campanha nacional do Instituto de Defesa do Consumidor

Agentes da Polícia Federal terão de explicar à Procuradoria Geral da República por que ameaçaram os pequenos agricultores de um assentamento em Promissão (SP). O MST fez a denúncia ao Ministério Público. Pág. 8

Veja, na seção Debate, pág. 14, as avaliações do deputado federal Luiz Eduardo Greenhalg (PT–SP) e do pesquisador Luca Solimeo.

E mais: SEGURIDADE SOCIAL – Governo tira dinheiro da previdência para garantir superávit primário, como quer o FMI. Pág. 4 MÍDIA E LULA – A grande mídia brasileira foi moderada nas observações sobre os cem dias de governo de Lula. Pág. 6 VENEZUELA – Tribunal de notáveis julga a ação da mídia em relação ao governo Chávez. Pág. 6 ÁFRICA – Angola comemora um ano do acordo de paz. Pág. 12 GUARANIS – Índígenas em Itanhaém (SP) são prejudicados pela mineração de cascalho. Pág. 13 ASSÉDIO MORAL – A tirania dos chefes sobre os trabalhadores já pode ser punida . Pág. 15 FÓRMULA 1 – Juarez Soares explica por que não respeita esta modalidade como esporte. Pág. 16

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

Agentes da PF respondem por abuso

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Fala, Zé! Ohi

NOSSA OPINIÃO

Alca: o Iraque é aqui? Fato consumado: a agressão imperialista aproxima-se do fim de sua primeira fase no Iraque, que será coroada pela instalação de um protetorado. Isto é, um governo fantoche, imposto por uma potência externa e que terá como missão assegurar aos Estados Unidos as melhores condições de explorar as suas riquezas – basicamente, o petróleo - assim como transformar o país em mera base militar estadunidense naquela região do planeta. Este processo tem um nome na literatura política e histórica: colonização. Assim como os antigos colonizadores produziam matanças nos países colonizados e descreviam as chacinas como “processo civilizatório”, agora os novos colonizadores proclamam estar “libertando” um povo covardemente atacado por milhares de toneladas das bombas mais mortíferas já produzidas. Só que, enquanto os antigos colonizadores escreviam livros para justificar sua pirataria, os novos têm à sua disposição os mais poderosos meios tecnológicos de disseminar instantaneamente as suas mentiras e fabulações, construídas e narradas por jornalistas que, por dinheiro, prestígio e/ou covardia aceitam participar da grande farsa. E ai daquele que discordar: pergunte aos repórteres da Al Jazira ou mesmo ao âncora Peter Arnett, demitido da rede NBS por ter ousado sugerir algo distinto do que dizia Bush. Consumada a fase militar da invasão, o próximo desafio para os escribas do império é tornar aceitável, aos olhos da opinião pública mundial, o processo de rapinagem do Iraque: a entrada em cena das corporações, que lucrarão bilhões com aquilo que chamam “reconstrução” (mais preocupante, de certa forma, é o fato de um dos ministros do Brasil, o sr. Luiz Furlan, ter ousado propor a participação do Brasil neste repugnante festim de urubus. Eis, portanto, os fatos: em pleno início do século 21, assistimos a um brutal processo de recolonização típico do século 19, mas cinicamente narrado como se fosse “moderno” e “libertário”. A barbárie ameaça produzir uma regressão histórica catastrófica, de grandes proporções. Qualquer pessoa sensata coloca-se hoje a pergunta: quem seria o próximo alvo do ataque? A Síria? O Irã? A Coréia do Norte? Cuba? O império já anunciou o seu projeto de “modernização” da América Latina: a implantação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), claro que devidamente acompanhada da intervenção militar aberta na Colômbia e da multiplicação de bases militares por todo o hemisfério (no Brasil, os “libertários” generais de Bush querem a base de Alcântara). Que ninguém se engane: os mesmos piratas que atacaram o Iraque tratam de aplicar aqui o mesmíssimo projeto colonizador. É possível resistir ao império? É. Milhões demonstraram isso, em todo o mundo. Mas só demonstrar não basta. É preciso aprofundar a organização do povo, combinar a solidariedade internacional com a luta contra a Alca e contra o arrocho. Até por se tratar da mesma luta. O império mantém a força e a hegemonia econômica e militar. Mas já perdeu o principal: a legitimidade e a moral.

BRASILDEFATO CONSELHO POLÍTICO: ■ Achille Lollo ■ Ari Alberti ■ Ariovaldo Umbelino ■ Assunção Ernandes ■ Aton Fon Filho ■ Augusto Boal ■ Cácia Cortez ■ Carlos Marés ■ Carlos Nelson Coutinho ■ Celso Membrides Sávio ■ Claus Germer ■ Dom Demétrio Valentini ■ Dom Mauro Morelli ■ Dom Tomás Balduíno ■ Edmilson Costa ■ Elena Vettorazzo ■ Emir Sader ■ Egon Krakhecke ■ Erick Schunig Fernandes ■ Fábio de Barros Pereira ■ Fernando Altemeyer ■ Fernando Morais ■ Francisco de Oliveira ■ Frederico Santana Rick ■ Frei Sérgio Gorgen ■ Horácio Martins ■ Ivan Valente ■ Jasper Lopes Bastos ■ ■ João Alfredo ■ João Capibaribe ■ João José Reis ■ João José Sady ■ João Pedro Stedile ■ Laurindo Lalo Leal Filho ■ Leandro Konder ■ Luís Alberto ■ Luís Arnaldo ■ Luís Carlos Guedes Pinto ■ Luís Fernandes ■ Luis Gonzaga (Gegê) ■ Marcelo Goulart ■ Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind ■ Mário Maestri ■ Nalú Faria ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs ■ Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ Também participam do Conselho Político todos os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

CONSELHO EDITORIAL: ■ Alípio Freire ■ César Benjamim ■ César Sanson ■ Hamilton Octávio de Souza ■ Kenarik Boujikian Felippe ■ Luiz Antonio Magalhães ■ Luiz Eduardo Greenhalgh ■ Luiz Bassegio ■ Maria Luísa Mendonça ■ Milton Viário ■ Neuri Rosseto ■ Plínio de Arruda Sampaio Jr. ■ Ricardo Gebrim

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■ Editor-chefe: José Arbex Jr. ■ Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Marilene Felinto, Nilton Viana, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ■ Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Eunice Nunes, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho ■ Projeto gráfico e diagramação: Wladimir Senise ■ Tratamento de imagem: Maurício Valente Senise ■ Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho ■ Jornalista responsável: José Arbex Jr. Mtb 14.779 Administração: Silvio Sampaio Secretaria de redação: Tatiana Merlino Sistemas: Sérgio Moreira Programação: André de Castro Zorzo Assinaturas: (11) 2131-0808 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP

E-mail: redacao@brasildefato.com.br Gráfica: Diário do Grande ABC

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stá no ar a página da Internet do jornal Brasil de Fato. Esse espaço virtual foi criado para ser o canal de comunicação direta entre os leitores, dos colaboradores e a redação. Ao clicar o botão SUGESTÕES DE REPORTAGEM, você pode enviar suas propostas, denúncias e temas que gostaria de ver abordados nas páginas do jornal. No botão SEJA UM COLABORADOR,você se cadastra para fazer parte da rede nacional de colaboradores.A página do Brasil de Fato também traz as principais manchetes do jornal na semana, a agenda completa de eventos sociais e culturais e todos os contatos dos comitês regionais de apoio do jornal. Entre e conheça: www.brasildefato.com.br

Cartas de leitores EDITORIAL Parabéns pelo Editorial da edição nº 3 do jornal. Ele nos mostra de forma clara e contundente o que vai ocorrer caso o governo Lula continue a política de FHC e a submissão ao FMI. Caso isso ocorra, quem vai pagar o pato novamente nesse jogo perigoso serão os trabalhadores. Importante também o artigo do José Arbex sobre a guerra no Iraque e os propósitos “democratizantes” dos Estados Unidos. Em relação a essa questão, foi terrível ver professores universitários, presentes no Roda Viva de 24 de março, afirmarem que, apesar dos Estados Unidos terem o propósito de democratizar a região, seria muito difícil conseguirem tal coisa. Franco Farinazzo, São Paulo (SP) SAUDAÇÕES Saudamos o jornal Brasil de Fato e o excelente nível das matérias e artigos. Vamos disponibilizar o link do jornal e recomendar a leitura através de nosso cadastro eletrônico. Ricardo Rabelo, editor do jornal Bafafá, Rio de Janeiro (RJ) Li vosso jornal e achei interessante. Precisamos nos unir e falar ao povão de maneira mais rápida e fácil de ser entendida. Nosso futuro é incerto, pois os capitalistas farão de tudo para salvar sua podre e ilusória economia. Yanko Tupolev, São Paulo (SP) É com imenso louvor que venho agradecer pela elaboração desse excelente jornal com alta capacidade de informação. Além disso, o Brasil de

Fato mostra os dois lados da “moeda” para que possamos ter uma opinião muito clara e crítica do mundo. Alexandre Biolcati, São Paulo (SP) GOVERNO LULA Gostei do comentário de Paulo César Almeida de Castro, Itororó Bahia, na edição 4. Muito melhor foi a postura do jornal de divulgá-la. Isso mostra que esse veículo parece não estar usando máscara. Ser transparente e estar aberto a críticas é uma postura louvável. Ambos praticaram, estão de parabéns.Tenho acompanhado as abordagens do Brasil de Fato, que está sendo meu material de reflexão e discussão em vários locais. Também sou petista, votei no atual presidente e as edições do jornal não têm me deixado confusa em relação a essa opção. Acredito ser esse o caminho, o governo precisa desse acompanhamento. Nesses anos que se seguem, só haverá mudanças se participarmos da discussão e do processo de transformação. Já avançamos, elegemos o Lula, mas isso é pouco, não basta, ele não pode assumir sozinho, ser o “salvador” da pátria, essa concepção tem que acabar. Ele tem o governo, não o poder. Marlinda Rodrigues, São José dos Campos (SP) IMPRENSA E VERDADE Expresso minha grata satisfação escrevendo à direção do jornal Brasil de Fato, que poderia muito bem ser chamado de “Brasil de Verdade”, pois não escreve meias verdades como seus concorrentes fazem. Em anos anterio-

res poderíamos classificar esses concorrentes como “imprensa marrom”. Hoje eu os classifico como “imprensa verde”, não como alusão à esperança, mas com a conotação das notas de dólar, pelas quais estes se vendem; não por um ideal, mas sim para sobreviver em um regime capitalista selvagem em que as cifras falam mais alto do que a própria verdade. Agradeço a oportunidade de ler notícias na íntegra, verdadeiras e imparciais com uma linguagem prática, objetiva e direta. Anderson Rodrigues de Souza, São Paulo (SP) MINISTÉRIO A imprensa tem comprado o peixe vendido pela UDR, uma entidade tão retrógrada quanto o modelo agrário que defende com afinco, bombardeando o governo Lula por ter nomeado simpatizantes dos movimentos sociais para postos-chave no Ministério do Desenvolvimento Agrário e para o Incra. A imprensa defende que Incra e MDA não podem ser geridos por pessoas ligadas ao MST. Mas acha normal que a política monetária do país seja gerida por pessoas ligadas ao sistema financeiro internacional. Helton Lucinda Ribeiro, São Paulo (SP) CARA DA ESQUERDA Vi o jornal Brasil de Fato e gostei bastante. Tem a cara da esquerda, com charges e fotos, funcionando como uma contramídia. Mas é muito caro para alguém que ganha R$ 240,00 por mês; com R$ 2,00 dá pra comprar 20 pães. Danilo Silva, São Paulo (SP)

As cartas devem ser encaminhadas com identificação, município e telefone do remetente.

Quem somos Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. COMO PARTICIPAR Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. Nesse endereço, que futuramente abrigará a agência de notícias virtual do Brasil de Fato, também haverá a lista de temas que estarão sendo apurados para a edição semanal do jornal.

COMITÊS DE APOIO Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado “eixo Rio-São Paulo”, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também, do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato.

QUANTO CUSTA O jornal Brasil de Fato é vendido por R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. SORTEIO O Brasil de Fato vai sortear uma viagem a Cuba e 4 coleções de livros da editora Expressão Popular. Para participar, basta contribuir com R$ 10,00 (com direito a receber os 5 primeiros números do jornal). No dia 1º de maio, vamos conhecer os vencedores. Ainda há tempo, é só entrar em contato!

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ANÁLISE

NACIONAL

Política econômica proposta pelo governo, que deverá nortear a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2004, segue à risca o receituário do FMI naquilo que é essencial: autonomia do Banco Central e reformas

Anamárcia Vainsencher, da Redação que acontece com um paciente quando o médico faz um diagnóstico correto, mas avalia apenas superficialmente as causas dos males que o afligem, e receita uma parafernália de remédios de efeitos imprevisíveis ou nefastos? É isso o que fez o Ministério da Fazenda (MF) no documento “Política Econômica e Reformas Estruturais”, divulgado pela sua assessoria, na quinta-feira. Esse documento, que o MF encaminha ao Congresso Nacional, dia 15, contém as linhas gerais do que o governo pretende que seja a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2004, que detalha os gastos públicos para o período. Em alguns pontos cruciais relativos à soberania nacional e ao bem-estar do povo brasileiro, a Fazenda sequer seguiu o provérbio popular de dar uma no cravo, outra na ferradura. Deu todas na ferradura. O governo não só continua defendendo com unhas e dentes a

autonomia do Banco Central, como condiciona o desenvolvimento do país à independência do BC, agraciado com a importantíssima função de gestor-mor da estabilidade econômica. Azar da sociedade brasileira e de seus representantes no Congresso, que fizeram-de-conta acreditar que o assunto só voltaria à pauta em 2004, depois de amplamente debatido.

Trocando em miúdos: quando o PIB aumentar, o superávit continua o mesmo, o dinheiro arrecadado vai para um fundo, e o governo investe menos. Quando diminuir, o procedimento é o inverso. Se isso funciona, ninguém sabe. Tanto é assim que o ministro do Planejamento, Guido Mantega, declarou que a “idéia precisa amadurecer”.

SUPERÁVIT ALTÍSSIMO Com uma abordagem essencialmente fiscalista da problemática nacional, o governo quer que o altíssimo superávit primário de 4,25% do PIB seja mantido nos próximos anos. O compromisso de manter o superávit foi firmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas, aí, a Fazenda introduz uma novidade: os recursos congelados por esse compromisso poderiam ser utilizados para aumentar os gastos do governo, caso o PIB não crescesse conforme o esperado. Isto é, serviriam como uma espécie de colchão para minorar os efeitos do encolhimento da economia.

PREVIDÊNCIA Quanto à Seguridade Social (Previdência, Assistência Social e Saúde), a toada do desequilíbrio das contas (despesas maiores do que receitas) é a mesma (veja reportagem na página 4). Porém, o MF não esquece de falar sobre o suposto privilégio do funcionalismo, sem separar o joio do trigo, isto é, não explica que os pensionistas que recebem altíssimos benefícios são uma minoria,tampouco informa que o número de funcionários vem diminuindo paulatinamente, graças ao esvaziamento do próprio Estado brasileiro. Situação que deve se agravar se a reforma da previdência seguir o

ABr

Governo insiste na autonomia do BC

■ O ministro da Fazenda Antonio Palocci tem um momento de confraternização com o banqueiro Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, na sua cerimônia de posse rumo indicado até agora, inclusive com a aprovação do Projeto de lei nº 9/99. Será uma revoada de bons quadros para ninguém botar defei-

to. Quanto aos especialíssimos privilégios dos parlamentares, pagos pela viúva, isto é, por toda a sociedade, nem entram em questão.

Entenda a política econômica proposta pelo governo

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Objetivo nº 1 da política econômica: promover o ajuste definitivo das contas públicas. Trocando em miúdos O governo promete não gastar mais do que arrecada. Para isso, ou arrecada mais impostos, ou corta gastos, como fez no orçamento de 2003. Superávits primários: é necessário produzi-los neste ano e nos próximos, para escapar da armadilha resultante da elevada relação dívida/PIB, e para reduzir gastos futuros com o serviço da dívida. O governo se compromete a diminuir o endividamento em proporção ao PIB, nos próximos quatro anos. Trocando em miúdos O superávit primário é obtido quando a arrecadação do governo é maior do que suas despesas, descontados os pagamentos de juros. Para consegui-lo, o governo arrocha os gastos. A relação entre a dívida e o PIB (Produto Interno Bruto) é um indicador da capacidade do governo de pagar sua dívida. Quanto maior a proporção da dívida em relação à produção total de riquezas do país, maior é o medo dos credores internos e internacionais. Sua reação pode ser facilmente reconhecida: forçam o aumento dos juros, a alta do dólar, desvalorizam os papéis da dívida externa brasileira no mercado internacional, diminuem o aporte de capitais ao país.

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Reforma tributária: é necessária para diminuir as distorções do atual sistema, será neutra em termos da arrecadação de recursos, irá permitir o melhor funcionamento da economia. Seu principal objetivo é aumentar a eficiência e reduzir a complexidade do sistema, atacando os tributos cumulativos e reduzindo o número de alíquotas dos impostos indiretos (os incidentes sobre todos os bens de consumo). A reforma também tem como meta diminuir os incentivos à informalidade no mercado de trabalho, com a redução progressiva das contribuições sobre a folha de pagamento das empresas. Por fim, serão tomadas medidas para aumentar a progressividade dos impostos indiretos, reduzindo sua incidência relativa sobre a população de baixa renda, inclusive pela menor tributação da cesta básica. Essas medidas visam tornar a estrutura tributária socialmente mais justa, desonerar a produção, aumentar a produtividade dos produtos nacionais e substituir a guerra fiscal entre os Estados por políticas de incentivo às vocações locais e ao desenvolvimento econômico. Trocando em miúdos De fato, o sistema tributário brasileiro é cheio de distorções, a começar pelo fato de quem ganha mais paga menos. Além disso, é cheio de impostos em cascata, que incidem sobre um mesmo produto em suas várias fases de produção, encarecendo-o, e, pesadamente, sobre os salários. Uma reforma “neutra” pode significar que o governo não criará novos impostos, nem aumentará as

crescimento econômico e em programas sociais. Trocando em miúdos a) é questionável o tão falado rombo da previdência; para corrigir um eventual desequilíbrio, ou o governo corta benefícios, ou aumenta contribuições, penalizando o servidor em quaisquer dos casos; b) argumento falacioso, uma vez que ocorre exatamento o contrário, já que é o Estado que não entra com a respectiva contribuição patronal; e, no caso do INSS, desvia de sua receita as contribuições sociais que foram criadas especificamente para a Seguridade Social c) a capacidade de gasto público em áreas essenciais não foi prejudicada pela Previdência, mas pela opção preferencial do governo pelo setor financeiro, remunerado por extorsivas taxas de juros.

alíquotas dos existentes. O MF não faz menção à pesada carga tributária sobre os salários dos trabalhadores.

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Políticas contra-cíclicas: destinadas a financiar a queda de receitas e os aumentos de despesas que ocorrem em recessões com os superávits (excesso de arrecadação) acumulados durante períodos de maior expansão. Uma tal política anti-cíclica criaria condições para o aumento relativo dos gastos sociais, precisamente nos períodos de retração econômica, quando esses gastos têm maior impacto no bem-estar social. Trocando em miúdos Políticas anti-cíclicas seriam uma tentativa de atenuar os efeitos perversos do vaivém inerente ao sistema capitalista, que ora tem períodos de expansão econômica, ora de recessão. Com a globalização da economia, esses ciclos têm sido cada vez mais rápidos, em função da escala que atingiu a especulação financeira internacional. Reforma da Previdência: seus objetivos principais são: a) recompor o equilíbrio da previdência pública, garantindo-se sua solvência no longo prazo, isto é, a existência dos recursos necessários ao pagamento dos benefícios pactuados; b) reduzir as distorções nas transferências de renda realizadas pelo Estado que agravam nossa elevada desigualdade de renda; e c) reduzir a pressão sobre os recursos públicos crescentemente alocados à Previdência, permitindo recompor a capacidade de gasto público em áreas essenciais à retomada do

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Autonomia do Banco Central: no caso da política monetária, pretende-se uma reforma que assegure uma gestão mais eficiente e transparente da política monetária por meio da concessão da autonomia operacional ao Banco Central.

De acordo com essa reforma, o governo define a política econômica, em particular as diretrizes da política monetária a ser implementada pelo Banco Central, cuja gestão pode ser publicamente avaliada pela capacidade de cumprir as diretrizes estabelecidas. Nesse desenho, garante-se maior transparência à política monetária, definida pelo governo, e são criados mecanismos de avaliação da execução desta política pelo Banco Central. Trocando em miúdos Aqui, temos um caso típico de inversão de valores, de apropriação do ente regulador pelo regulado — do BC pelos credores, do governo da República pelo BC. Na prática, o BC age com independência e nunca deu satisfações a ninguém. Sua ação não é transparente sem autonomia formal, imaginese com ela.A sociedade (quando não o próprio Executivo) só toma conhecimento das decisões do BC a posteriori, ou seja, quando o fato está consumado.

Monalisa Lins/AE

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■ Dinheiro curto: loja da rua José Paulino, centro de São Paulo

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

(Alguns dos principais pontos do documento “Política Econômica e Reformas Estruturais” elaborado pelo Ministério da Fazenda)

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NACIONAL

O rombo continuou, segundo o Ministério da Previdência, mas o governo ainda desvia as contribuições sociais de seus fins; o chefe da Casa Civil diz que a idéia é pegar os recursos da previdência complementar dos servidores públicos e capitalizá-los em fundos de pensão

PREVIDÊNCIA

Luciney Martins/Rede Rua

Governo fabrica prejuízos Jorge Pereira Filho, da Redação ais uma vez, em fevereiro, o governo federal tirou dinheiro da Previdência Social para garantir o superávit primário, como exige o Fundo Monetário Internacional (FMI). A grande mídia, no entanto, limitou-se a reproduzir as informações oficiais, segundo as quais as contas da previdência fecharam no vermelho, e só uma reforma poderia salvá-la. Alízia Soares Maria não leu essas notícias no jornal e não está acompanhando o debate sobre a reforma da previdência. Na quinta-feira, 10, passou dez horas em uma fila da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SP). Precavida, acordou às seis horas da manhã e fez um lanche de carne com salada antes de sair de casa. Chegou no hospital bem cedo e entrou na fila. Ao meio-dia, sentada Superávit no degrau da escaprimário – Ocorre quando o governo daria, comeu o sanarrecada mais do que duíche: “Sabia que gasta, descontando os ia demorar, estou gastos com juros e acostumada”. Alízia correção monetária vive com pouco das dívidas mais de R$ 400 por mês, a soma das duas pensões que recebe — uma por invalidez; outra pela morte do marido. Ela votou em Lula e tem só um desejo: “Gostaria que a minha pensão aumentasse, porque com isso não dá para viver”. A pensão de Alízia não aumentou nos oito anos de Fernando

■ Na fila de um hospital público, os trabalhadores aguardam a vez de ser atendidos e sonham com o aumento da aposentadoria Henrique Cardoso porque o governo dizia que o INSS não tinha dinheiro. Em fevereiro, esse mesmo argumento foi utilizado pelo Ministério da Previdência quando divulgou um suposto rombo de R$ 2,820 bilhões nas contas da previdência, nos dois primeiros meses do ano. Trata-se de uma meia-verdade, que esconde o motivo real para o benefício de Alízia não aumentar. O cálculo do governo ignora bilhões de reais arrecadados com as contribuições sociais que, como determina a Consti-

recursos que deveriam ser destinados à classe mais pobre da população que o governo mantém parte do superávit primário”, avalia Isabel Vieira, diretora de Estudos Técnicos da União Nacional dos Agentes Fiscais de Tributos Federais (Unafisco).

tuição Federal, deveriam ir para a Previdência Social. Mas onde estão esses bilhões? Foram economizados pelo Tesouro para produzir uma contenção de gastos públicos recorde, como exige o FMI. Para se ter uma idéia, a arrecadação de uma só dessas contribuições, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins ), totalizou R$ 9,69 bilhões nos dois primeiros meses do ano. Ou seja, o suficiente para cobrir três vezes o suposto prejuízo do INSS divulgado pelo governo. “É às custas dos

RESULTADO POSITIVO Um outro cálculo, feito com a soma das receitas das contribuições sociais, produz um resultado positivo das contas da Previdência. Nos dois primeiros meses, segundo dados preliminares do Sistema de Administração Financeira (Siafi), o Brasil economizou R$ 5,24 bilhões (veja a tabela). Todo esse dinheiro deveria ser usado, pelo governo, para investimento em Seguridade Social — que, segundo a Constituição, compreende as áreas da Previdência, da saúde e da assistência social. Mas não foi. Tirando o dinheiro da Previdência, o governo rompe com um princípio de justiça social garantido pela Constituição de 1988. Na época, o Congresso entendeu que toda a sociedade deveria arcar com o pagamento do benefício para

Em vez de benefícios, privatização Essa solução não é nova e já foi colocada em discussão outras vezes e em outros lugares. “A reforma da Previdência proposta pelo governo Lula é a mesma proposta durante toda a década de 1990. Visa estabelecer um teto o mais rebaixado possível e abrir espaço para a atuação de fundos de previdência complementar. Ou seja, a partir da comercialização da previdência social como um serviço, o governo tenta promover uma acumulação de capital para superar a crise atual”, explica Sara Granemman, sindicalista e professora da Escola de Ser-

viço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo Sara, a transferência de dinheiro de recursos públicos para o setor privado seria monumental. “Estima-se que os ativos dos fundos de pensão de sistema fechado somem, hoje, R$ 170 bilhões. Se o projeto de lei número 9/99 (que regulamenta a previdência complementar do funcionalismo público) for aprovado, calcula-se que, em nove anos, esse valor chegaria a R$ 700 bilhões. Ou seja, praticamente 70% do nosso Produto Interno Bruto ou quase a soma da nossa dívida externa”, diz.

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O VERDADEIRO MOTIVO O governo só consegue tirar dinheiro da Previdência Social e pagar serviços da dívida externa por causa de um mecanismo criado por Fernando Henrique Cardoso, em 1994, quando era ministro da Fazenda do presidente Itamar Franco. Na época, Fernando Henrique enviou ao Congresso a proposta de Emenda Constitucional do Fundo Social de Emergência (FSE), que permitiria ao governo tirar da Previdência Social o dinheiro que era das contribuições sociais. A proposta foi aprovada, o Partido dos Trabalhadores (PT) votou contra. O FSE mudou de nome, foi reformulado e, hoje, é conhecido como Desvinculação de Recursos da União (DRU) e continua tirando dinheiro da seguridade social para o pagamento de dívidas. A pergunta que fica é: se o sistema previdenciário não dá prejuízo, mas sim lucro, qual é o verdadeiro motivo da reforma discutida no Congresso? “A proposta do governo não melhora a Previdência e nem as contas do Estado. Não é a melhora do sistema de proteção social que está em jogo, mas sim uma transferência enorme de recursos do setor público para o privado”, diz José Miguel Saldanha, professor de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do tema “Financiamento e Previdência” (veja o quadro abaixo).

Onde está o rombo? Receitas e despesas da Seguridade Social, em bilhões

Luciney Martins/Rede Rua

egundo o chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, no bojo da discussão da reforma da Previdência, a idéia é pegar os recursos da previdência complementar dos servidores públicos e capitalizá-los em fundos de pensão. A declaração foi dada em entrevista no Fórum Exame 100 dias do governo Lula, transmitido por uma rede de TV por assinatura. Segundo Dirceu, essa capitalização resolver ia em par te a inexistência de poupança interna do Brasil.

parcelas da população excluídas do mercado de trabalho. Gente como Alízia, que trabalhou a vida toda como camelô de trem. Como quem está no mercado de trabalho informal não contribui para a Previdência, a sociedade ajudaria essas pessoas a viver com um mínimo de dignidade. Além disso, a sociedade também pagaria para manter um sistema de saúde que atendesse a todos, dos mais ricos aos mais pobres. Para financiar esses benefícios, foram criadas as contribuições sociais.

I – RECEITAS

JAN

FEV

Acumulado

Receita previdenciária líquida Outras receitas do INSS Cofins Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CPMF Outras contribuições sociais (2) Total das Receitas II – DESPESAS

5,14 0,04 5,26 1,69 2,15 0,19 14,47

4,28 0,09 4,43 1,21 1,74 0,18 11,93

9,42 0,12 9,69 2,90 3,90 0,37 26,40

Benefícios previdenciários (3) Benefícios assistenciais (4) Saúde (5) Custeio e pessoal do INSS (6) Ações do Fundo de Combate à Pobreza Outras ações da seguridade Total das Despesas Saldo final

7,20 0,42 2,04 0,58 0,22 0,31 10,77 3,70

7,17 0,47 1,95 0,30 0,21 0,29 10,39 1,54

14,37 0,89 3,99 0,88 0,43 0,60 21,16 5,24

Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira do governo (Siafi) e Fluxo de Caixa do INSS (dados da previdência). Informações preliminares de 10 de abril.

■ Governo quer transformar previdência complementar dos servidores públicos em fundos de pensão

Notas (1) Receitas e despesas da Seguridade Social, conforme artigo 195 da Constituição Federal. Exclui PIS/PASEP, Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), juros, amortizações etc. (2) Inclui receita própria do Ministério da Saúde (3) Rurais e urbanos (4) Renda mensal vitalícia e Lei Orgânica de Assistência Social (5) Ações de saúde do SUS, saneamento e custeio e ativos do Ministério da Saúde. (6) Pagamentos realizados a ativos do INSS, bem como despesas operacionais consignadas.


FUNCIONALISMO

NACIONAL

Enquanto paga os juros da dívida, o governo reduz os gastos com a folha de pessoal da União e dá reajuste de 1% aos servidores federais; o projeto de mudança de lei de falências poderá trazer distorções ainda mais graves do que as existentes na legislação em vigor

União arrocha salários para pagar juros “O governo caiu numa armadilha ao concordar com os termos do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI)”, afirma o economista e professor da Unicamp, Wilson Cano. Para sair dessa “armadilha”, diz, o governo teria que enfrentar um processo de desgaste com o FMI, e negociar com o Congresso a abertura de verbas adicionais no orçamento deste ano. Duas alternativas que não fazem parte do cardápio do governo.

Lauro Jardim, de São Paulo e fosse possível cortar as taxas de juros pela metade, isso representaria, ao final de um ano, uma economia de uns R$ 64 bilhões para o governo federal, o que corresponderia a dobrar o superávit primário.A “poupança” que o governo faria seria suficiente para pagar mais de duas vezes e meia o reajuste reclamado pelos funcionários públicos. Na semana passada, o ministro do Planejamento, Guido Mantega, anunciou que os servidores públicos federais terão reajuste de 1%, retroativo a janeiro, e mais um adicional de R$ 59,87 a partir de 1º de maio (o que assegurar ia reajustes entre 4% e 13,23% para 75% dos servidores civis). O ministro diz que o governo está “amarrado” ao orçamento aprovado ainda no governo Fernando Henrique, que reservou apenas R$ 1,123 bilhão para a correção dos salários do funcionalismo.

ENDIVIDAMENTO A verdade é que os gastos da União com os juros da dívida bateram em R$ 128 bilhões nos 12 meses terminados em fevereiro e são, literalmente, impagáveis, obrigando o governo a entrar em uma ciranda de endividamento e gastos que desequilibram o orçamento. O tão falado ajuste fiscal, portanto, não deveria ter nada a ver com salários, que foram achatados para a maioria das categorias do setor público a pretexto de equilibrar as receitas e

as despesas do governo. Além do mais, representam 58,6% das despesas com juros. Os gastos da União com salários, aponta o economista Max Leno, da seção do Distrito Federal do Departamento de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), atingiram R$ 75 bilhões no ano passado, equivalendo a 37,4% da receita corrente líquida (que corresponde à receita corrente da União, resultado da arrecadação de impostos, taxas e contribuições, menos transferências constitucionais e legais, contribuição para o PIS/PASEP e benefícios previdenciários). Em 1995, aquela relação era de 56,2%. As despesas com pessoal estão, portanto, até abaixo do que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, que autoriza o governo federal a gastar até 50% de sua receita líquida com o funcionalismo.Tomando a lei ao pé da letra, as despesas com a folha de pessoal poderiam chegar a R$ 100 bilhões, cerca de R$ 25 bilhões acima dos níveis registrados em

2002 – ou exatamente o gasto extra que o governo teria se tivesse aplicado um reajuste linear de 46% sobre os R$ 54,740 bilhões gastos com os servidores civis no ano passado. A correção proposta deixou descontentes os servidores. “O percentual anunciado é insuficiente para repor as perdas históricas

do setor, calculadas em 46,95%”, declara o secretário de Finanças da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Pedro Armengol. Ele considera atraente, no entanto, a sugestão de uma política de correção de distorções salariais que hoje favorecem as faixas de renda mais elevadas.

Muito abaixo do limite (valores correntes em bilhões de reais) Ano

Despesas de pessoal1 Receita corrente líquida2 Despesas/receita (%)

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

37,825 40,901 44,530 47,986 51,571 58,241 65,656 75,029

67,298 89,353 97,041 104,491 129,854 148,201 167,650 200,698

56,2 45,8 45,9 45,9 39,7 39,3 39,2 37,4

(1) Inclui administração direta (executivo civil e militar, legislativo e judiciário) e administração indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedade de economia mista) (2) Corresponde à receita corrente da União menos transferências constitucionais e legais, contribuição para o PIS/PASEP, e benefícios previdenciários Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional/Ministério da Fazenda

LEI DE FALÊNCIA

o propor mecanismos que vão preservar setores que poderiam dispensar qualquer tipo de proteção, o Projeto de Lei nº 4.376/93, que pretende reformar a Lei de Falência, poderá trazer distorções ainda mais graves do que as existentes na legislação em vigor. O resultado poderá ser um aumento da insegurança na ponta mais fraca: os trabalhadores. É o que sustenta o advogado Rubens Donizzeti Pires, especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele coordena, ainda, o Departamento Jurídico Trabalhista da massa falida da Encol S/A – Engenharia, Comércio e Indústria, que teve sua falência decretada pela Justiça em março de 1999, deixando 42 mil mutuários a ver navios e um rombo de R$ 2,5 bilhões. FÓRMULAS DEMAIS O advogado toma o caso da Encol para expor sua visão. O texto do projeto, que ainda poderá ser alterado pelo governo, cria na concordata a possibilidade de recuperação judicial de empresas em dificuldade. A idéia é evitar o desemprego. Quanto à falência, seria transformada em liquidação judicial, com a possibilidade de venda em bloco da empresa falida. Para aumentar as chances de recuperação, o projeto propõe ampliação dos prazos de pagamento de dívidas, divisão da empresa, incorporação por empresas saudáveis e aumento de capital com entrada de novos sócios, por exemplo. E permite aos credores trocar os créditos por bens imóveis e ativos da empresa com problemas. Assim, teme Donizzeti, aqueles com maior poder de pressão poderiam esvaziar o patrimônio da empresa concordatária, minando as chances de uma recuperação. No caso da Encol, os bancos

■ Parlamentares deveriam aprender a lição deixada pela falência da construtora Encol (na foto, prédio inacabado, em São Paulo) injetaram cerca de R$ 820,5 milhões na construtora, mesmo quando ela já enfrentava gritantes problemas financeiros. Se pudessem assumir a posse de bens naquele valor, o restante dos credores, incluindo trabalhadores, governos federal, estadual e prefeituras, dividiriam as sobras.

mo assim, relembra Donizetti, continuaram injetando recursos na Encol. No momento seguinte à quebra, se a nova lei estivesse em vigor, poderiam retirar seus créditos e amenizar ou eliminar seus prejuízos, mesmo que tenham sido (no mínimo) negligentes ao autorizar os empréstimos.

FALCATRUAS NÃO A lei em vigor coloca os créditos trabalhistas em primeiro lugar na fila dos credores, porque são essenciais para a sobrevivência da parte mais fraca no processo. O advogado entende que o novo projeto, além de favorecer grupos de credores que detêm informações privilegiadas, poderá evitar a responsabilização de quem levou a empresa a quebrar por má gestão, fraude ou incúria. “O projeto cria uma lei complexa, fora da realidade, que pode facilitar falcatruas”, afirma. Os bancos dispõem de estrutura de fiscalização e sistemas de análise de riscos a que os credores comuns não têm acesso. Mes-

O MELHOR CAMINHO Além de igualar banqueiros e peões da construção civil, o projeto impõe o pagamento imediato apenas dos créditos trabalhistas no valor de até R$ 30 mil, para evitar que os donos da empresa falida e seus sócios tentem se passar por funcionários para recuperar parte do patrimônio. A experiência da Encol, mais uma vez, contribui para indicar outros caminhos, sugere Donizzeti: “Numa inovação autorizada pela Justiça, formamos um comitê para recuperação dos créditos trabalhistas, composto por representantes dos sindicatos de trabalhadores, da massa falida e do Ministério Público”.

Governo pretende proteger trabalhadores O documento Política Econômica e Reformas Estruturais, elaborado pelo Ministério da Fazenda, resume a proposta do governo para a reforma da Lei de Falência. Em relação ao projeto no Congresso, os princípios gerais são os mesmos, mas há diferenças importantes. “A hierarquia dos direitos será preservada. Primeiro os trabalhadores, depois o fisco, por fim os demais credores”, diz o texto do governo, numa definição que não aparece com clareza no Projeto de lei nº 4376/93. O governo sugere prioridade para o pagamento de até R$ 30 mil por trabalhador, a título de ressarcimento por salários atrasados, e mais R$ 30 mil para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O objetivo é “diferenciar os trabalhadores dos proprietários e altos executivos”, já que “estes últimos não devem ser beneficiados com a falência”. Para o governo, esta é uma garantia “superior à concedida na maioria dos países”. Para assegurar a recuperação das empresas em dificuldade e a preservação de empregos, o governo sugere que a nova legislação permita a venda “rápida e eficiente” dos ativos, antes que se desvalorizem. O processo de recuperação exigirá a participação direta de trabalhadores e demais credores na gestão das empresas com problemas, para que todos recebam os seus créditos, “sem prejuízo da responsabilização (punição) de maus gestores”. A maior segurança jurídica esperada depois da reforma da lei, conclui o Ministério, ajudaria a baratear os custos do dinheiro, estimulando a expansão do crédito no setor privado.

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

Lauro Jardim, de São Paulo

Itamar Miranda/AE

Câmara quer tirar os direitos do peão

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NACIONAL

Analistas avaliam que, nos primeiros cem dias, os meios de comunicação evitaram confrontos diretos com o governo; além disso, o carisma do presidente Lula inibe as críticas pessoais; em Caracas, tribunal internacional julga a imprensa que apoiou o golpe contra Chávez

100 DIAS DO GOVERNO LULA

Márcio Baraldi

Imprensa evita ataques frontais ao presidente Luiz Antonio Magalhães, de São Paulo (SP) s grandes grupos de comunicação do Brasil trataram o governo com benevolência nos primeiros cem dias de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esta é a opinião de dois dos mais prestigiados críticos de mídia do País.As análises do jornalista Alberto Dines, editor-chefe do Observatório da Imprensa, primeira organização especializada em crítica de mídia do Brasil, e do professor titular de da Escola de Comunicação e Artes da USP, Bernardo Kucinski, também assessor da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica e titular, até o ano passado, de uma coluna sobre comportamento da imprensa chamada Cartas Ácidas, publicada na Agência Carta Maior, são praticamente coincidentes: os dois analistas entendem que o modo como Lula conduziu o seu início de mandato e a própria figura do presidente inibiram ataques frontais ao seu governo.

Prevalece a dificuldade em bater forte no governo

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

“A mídia brasileira perdeu o padrão de mesmice com a entrada do novo governo. Surgiu finalmente o pluralismo. Os jornais e colunistas em geral têm tido postura diversificada, mas prevalece uma dificuldade em bater forte no governo, dado o apoio popular e a vontade de todos de que Lula dê certo.Também a desenvoltura do presidente na frente internacional e no trato com os diferentes setores da sociedade inibem a critica da mídia. Acho até que há uma certa benevolência”, explica o professor Kucinski. Para Alberto Dines, a imprensa refletiu nesse período um certo clima de apaziguamento dos ânimos no Brasil, em que mesmo a oposição preferiu não bater forte no novo governo. Segundo o pioneiro da crítica da mídia no País, o presidente Lula teve um papel fundamental para sedimentar este clima desde o momento em que venceu a eleição e iniciou um tranqüilo processo de transição, conversando civilizadamente com Fernando Henrique Cardoso e com os integrantes do gabinete do ex-presidente. Dines também ressalta a importância do carisma de Lula — um personagem simpático, con-

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■ Grito da Terra Brasil Lula recebe pauta de reivindicações

ciliador e dono de uma biografia que dificulta as críticas pessoais. “O comportamento da imprensa está favorável, sem cobranças extremadas. De modo geral, os jornais não estão pegando no pé do Lula”, afirma. Mas não é só a figura do presidente que ajudou no bommocismo de uma imprensa que até há pouco rejeitava a liderança de Lula e tinha verdadeira ojeriza ao Partido dos Trabalhadores. A crise aguda por que passa praticamente todo o setor de comunicação também está ajudando a esfriar os ânimos dos que, no fundo, gostariam de criticar com muito mais força o atual governo, mas que agora dependem em larga medida da sua boa vontade para encontrar soluções para seus problemas financeiros e gerenciais. “Esta crise foi um ensinamento para essas empresas, que se meteram nas aventuras das privatizações e agora estão endividadas. Acho que a relativa docilidade da imprensa pode ter algo a ver com a situação em que se encontram. Mas a Folha também não está bem e nem por isso está dócil”, analisa Kucinski. A opinião do professor é compartilhada por Dines, que também vê na situação pré-falimentar de muitos conglomerados um dos motivos da estranha lua-de-mel da mídia com o governo petista. RECEITA EDITORIAL Kucinski e Dines concordam também sobre as exceções ao padrão de cobertura política que se estabeleceu até aqui: os dois apontaram o jornal Folha de S. Paulo como a voz mais dissonante. Dines vê também nos colunistas - “competindo para se mostrarem os mais indignados” - um foco de críticas duras a Lula, enquanto Kucinski reclama da cobertura do programa Fome Zero. “Num extremo, o Estadão vem dando um trata-

mento simpático ao governo, sem deixar de ser crítico; no outro extremo, a Folha vem dando tratamento ostensivamente antipático, como se fizesse da crítica ao governo uma receita editorial. Com exceção da temática Fome Zero e do jornal Folha de S. Paulo, não avalio como exageradas ou injustas as críticas ao governo Lula”, diz Bernardo Kucinski. RAIVA DO SUCESSO Já Alberto Dines acredita que, após o episódio da famosa frase infeliz de José Graziano sobre a relação da migração de nordestinos com a criminalidade, a imprensa tem poupado o ministro. “O Fome Zero poderia ser um prato cheio para as críticas, tantos são os seus problemas”, explica o jornalista. No caso da postura da Folha de S. Paulo, Dines acredita que não se trata sequer de um problema político: “a Folha tem raiva do sucesso alheio”. Se o governo Lula vem sendo bem tratado pela mídia brasileira,

o mesmo não se pode dizer de seus antigos companheiros que estão hoje postados à esquerda do governo, ainda que dentro do partido do presidente. Nesses cem primeiros dias de novo governo, foram eles os alvos dos ataques mais duros da mídia. Dines, porém, avalia que a imprensa tratou o tema sem grande sensacionalismo. “A atuação do Babá e da brava senadora Heloísa Helena é um fato político relevante”, afir ma o jor nalista. Kucinski preferiu não dar palpite nesta seara, alegando ter poucos elementos para uma análise mais detida sobre o tema. Entre parlamentares da esquerda petista, porém, a queixa com a mídia é quase unânime. “A imprensa bate no que chama de ‘radicais’ para jogar o presidente no colo da direita”, diz um assessor parlamentar que preferiu não se identificar. “O jogo é pesado e tem gente do próprio governo pautando a grande imprensa e ajudando a nos isolar”, reclama.

Para frei Betto, a mídia está furiosa Assessor especial da Presidência da República, o religioso e escritor Carlos Alberto Libânio Christo, o frei Betto, tem uma visão diametralmente oposta a de seu colega palaciano Bernardo Kucinski. Na semana passada, ele afirmou à reportagem do jornal O Estado de S. Paulo que “a mídia se acostumou a lidar com um governo demagogo, que a cada mês anunciava um programa social diferente. Então a mídia está furiosa com o governo porque ele não cede à pressão”. Frei Betto estava especialmente irritado com a insistência dos jornalistas do Estadão sobre o teor de um encontro que realizou há duas semanas, no Palácio do Planalto, com dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O assessor de Lula contou ao repórteres que o assunto da reunião foi o programa Fome Zero. No dia seguinte, o Estadão noticiou a versão do religioso, destacando surpreendentemente a crítica à mídia. De duas uma: ou o Estadão não é mais o mesmo ou Betto está equivocado e a lua-de-mel da mídia com Lula continua. Os fatos parecem corroborar a segunda hipótese

VENEZUELA

Tribunal julga veículos de comunicação Carla Ferreira, de Caracas omo resultado do Fórum Social Mundial, ocorre em Caracas, até o final do mês, a primeira sessão do Tribunal Internacional dos Meios de Comunicação Venezuelanos.

Acusada pela ONG Comitê de Usuários dos Meios de Comunicação, a grande mídia do país terá de se defender da acusação de participação ativa no fracassado golpe de Estado de 11 de abril do ano passado. Naquela ocasião, uma junta composta por civis e militares afastou por al-

gumas horas do poder o presidente Hugo Chávez. O presidente do Tribunal, também membro do Tribunal Internacional dos Povos e Prêmio Nobel da Paz, o argentino Adolfo Perez Esquivel, explica que os meios de comunicação acusados terão 90 dias a partir da primeira

sessão para apresentar sua defesa. Serão julgados fatos como o seguinte: em 12 de abril de 2002, o popular apresentador Napoleón Bravo, da emissora RCTV, com uma folha de papel na mão, afirmou ao vivo que o presidente Hugo Chávez havia renunciado. Era mentira.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, quarta-feira, 9, a pauta de reivindicações do Grito da Terra Brasil 2003. A pauta, que inclui itens sobre reforma agrária, agricultura familiar, assalariados rurais e previdência, foi entregue pelo presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manoel José dos Santos. O Grito da Terra Brasil vem sendo realizado desde 1996, e entre suas conquistas está o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que oferece crédito de baixo custo para agricultores familiares e assentados da reforma agrária.

■ Rádios comunitárias PM fecha estação em Sorocaba Na terça-feira, 8, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por meio da polícia militar, fechou e apreendeu os equipamentos da rádio comunitária 97,1, na cidade de Sorocaba (SP). O assessor político Alexandre Proença foi preso pelos agentes quando contestou a ação que, segundo ele, vai contra as determinações do Ministério das Comunicações. Proença trabalha para a deputada federal Iara Bernardi (PT/SP) e foi liberado depois de lavrada a ocorrência.

■ Conflitos no campo Assassinatos rurais aumentam Quarenta e três trabalhadores rurais foram assassinados em 2002, o que representa um aumento de 48% em relação ao ano anterior. As informações são do Relatório Conflitos no Campo Brasil 2002 (São Paulo, Ed. Loyola), lançado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), sexta-feira, 11. De acordo com o estudo, foram registrados 743 casos de conflitos no campo, dos quais tomaram parte 425.780 famílias. Além disso, o relatório destaca o aumento do número de denúncias de trabalho escravo no país: 147 casos, envolvendo 5.559 pessoas, entre elas 58 menores.

■ Ecoturismo Áreas de lazer estão ameaçadas Importantes áreas do ecoturismo do Tocantins e Sul do Maranhão, como Carolina (MA) e Jalapão (TO), estão sob ameaça: além das cerca de 10 hidrelétricas que devem ser construídas entre Palmas e Marabá,a monocultura de soja e de eucalipto avaçam na região. Para preservar as praias, cachoeiras e terras indígenas, 60 organizações ambientalistas e movimentos sociais da região estão propondo uma alternativa: a construção de uma unidade de uso sustentável.


RUMOS DA NAÇÃO

ENTREVISTA

O conceituado geógrafo e historiador pernambucano atribui aos movimentos sociais e populares a tarefa de manter a pressão sobre o governo e fazer com que o presidente se sinta apoiado para agir contra os interesses da direita

Para Manuel Correia, povo deve “puxar” Lula contra a direita

BF - Quais deveriam ser as ações do governo para encaminhar a reforma agrária? MCA - Primeiro: o governo precisa entregar as delegacias do INCRA a pessoas que tenham compromisso com a reforma agrária. Na América Latina, foram criados institutos de reforma agrária mais para impedir o seu desenvolvimento. No caso da Venezuela, por exemplo, a lei de reforma agrária começava dizendo o que “não pode” e não “o que pode”. Muitas reformas agrárias desapareceram na América Latina, como é o caso do México, da Bolívia. Onde deu certo foi em Cuba, que sofre uma pressão internacional tremenda. Outra coisa que acho fundamental é o apoio da Igreja. Não se faz nada no Brasil sem o apoio da Igreja. BF – O Brasil é um país muito diversificado. A reforma agrária não poderia ser aplicada como receita a todas as regiões.

MCA - Em Estados como Santa Catarina, há pequenos proprietários, pessoas acostumadas a dirigir uma pequena empresa. Em muitas áreas do Nordeste, não mais proprietários rurais, há os trabalhadores que recebem salários devido à produção da cana-de-açúcar. Isso, por exemplo, provoca conflito de interesses entre o pessoal trabalhador do Agreste e da Zona da Mata. Enquanto o pessoal da Mata está lutando por salários maiores e melhores condições de trabalho, os do Agreste estão mais interessados na posse da terra. É preciso saber conciliar os dois grupos. A reforma agrária tem que ser feita de baixo para cima, de forma que interesse ao povo e que o povo a aceite. Fui comunista, não agüentei, saí com pouco tempo, porque eles eram muito teóricos. Elaboravam uma teoria baseada em princípios formulados no século 19. Marx não mandou ninguém copiar. Marx mandou que se pensasse em função de determinados princípios. Isso eu aprendi com Caio Prado Júnior, que foi meu mestre e que devia ser mais discutido. Eu tenho muito respeito pelo MST por isso, ele vive voltado para a realidade, ele estuda a realidade.

“Ou você chuta o apoio da bancada ruralista ou não faz a reforma agrária” BF - Durante a campanha, Lula prometeu revogar uma medida provisória do governo anterior, que proibia por dois anos a realização de vistorias em terras que tivessem sido ocupadas. A bancada ruralista do Congresso pressiona Lula, contra a revogação da MP. Qual avaliação o sr. faz da capacidade de Lula levar a cabo as reformas reclamadas pelo povo? MCA - Esse jogo está dentro da própria lógica do governo Lula. Quem ganhou a eleição foi Lula, não o PT. O brasileiro é muito personalista, tanto que Lula se elegeu, mas a maioria dos seus candidatos a governador foram derrotados. Lula quis fazer acordos com áreas mais reacionárias da política, incluindo o PP de Paulo Maluf. E eu vi o Severino Cavalcanti declarar nos jornais que havia uma aproximação ideológica muito grande entre o PP e o PT. É demais! Se o Lula não revogar aquela MP, ele vai perder prestígio. Lula precisa ter muito cuidado: subiu muito, pode cair. E esses ruralistas formam um grupo extremamente radical. Fernando Henrique era um homem de

Geógrafo e historiador, Manuel Correia de Andrade nasceu em Vicência (Pernambuco), em 3 de agosto de 1922. Fez o curso secundário no Recife, onde também formou-se em Direito, História e Geografia. Professor universitário aposentado, tem mais de cinqüenta livros publicados, entre os quais A terra e o homem do Nordeste (1963), considerado um clássico entre os estudos da geografia humana brasileira. Coordenou vários estudos à frente do Departamento de História da

Entre 1956 e 1965, realizou cursos de pós-graduação em universidades do Brasil e da França. Também fez viagens

esquerda, é um dos grandes intérpretes da história brasileira, e fez um governo completamente diferente do que ele pregou. Fernando Henrique cedeu à pressão da bancada ruralista. Ou você chuta o apoio da bancada ruralista ou não faz a reforma agrária.

que com a solução do problema da terra, e é inclusive um pouco assistencialista. Se eu tenho quatro filhos para dar de comer dentro de casa e não tenho pão, então tem que haver ações de assistencialismo, mas como meio, e não como fim.

Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, do Recife, e é considerado um dos mais respeitados estudiosos da realidade nordestina.

de estudo à Itália, Bélgica, Grécia e Israel. É membro do Conselho Científico do International Council for Research in Cooperative Development, com sede em Genebra, Suíça. Publica, constantemente, artigos na da imprensa pernambucana.

BF – O MST retomou as ocupações e os ruralistas têm preparado suas milícias particulares. Como o sr. avalia esse processo de polarização? MCA - Eu não me espanto que o ruralista esteja armado. Armados eles sempre estiveram, podem não ter exibido as armas. Eles são fortes, têm poderes e o governo tem que ter força para demonstrar que é governo. Mas você observa que o governo não está tendo forças para enfrentar o crime organizado. Todo mundo sabe disso. BF - O governo Lula está completando 100 dias. Segundo dados do Ibope, tem 75% de aprovação. É possível fazer uma avaliação? MCA - É cedo. Cem dias é muito pouco tempo. Agora fiquei feliz que Lula tivesse esse apoio todo porque isso dá força a ele. Eu acredito que Lula tenha capacidade para governar o Brasil e tem sempre o poder de aglutinação. BF - O Programa Fome Zero pode alcançar o objetivo? MCA - Não sei. Primeiro, foi feito muito às pressas. Segundo, o meu amigo Graziano está avançando muito em função do problema paulista. Está se criando uma mentalidade “paulistana”, em que o que é bom para São Paulo é bom para o Brasil. O Fome Zero está mais preocupado com o problema da acumulação nas cidades do

Pe. Tiago - Eu fico olhando para este Brasil, 53 milhões de votos para Lula, mas também 53 milhões de pessoas que vão dormir com fome. A 40 minutos de carro do Recife, você entra em terras feudais vigiadas por exércitos privados. Os usineiros dizem “nós produzimos riqueza e emprego”. Mas só aqui em Pernambuco os usineiros devem quatro bilhões de reais aos cofres públicos. Isso faz parte do processo de concentração de riquezas. Nesses últimos anos 150 mil empregos foram perdidos na Zona da Cana.

“As oligarquias tentam ganhar posses dentro do governo para tirar a sua capacidade revolucionária” BF - Que forças o governo Lula pode mobilizar contra as oligarquias? MCA - Sou nascido de uma família oligárquica, não vou negar isso. No engenho Jundiá (Vicência), as famílias de meu pai, Correia de Oliveira, e da minha mãe, Costa Azevedo, que é de origem judia, têm influência política desde o século 18. Então, eu convivo com a oligarquia, são meus primos, meus amigos. A reação inicial foi contra Lula. Uma vez, me disseram: “Pernambuco é açúcar, então nós representamos Pernam-

buco”. Mas esse pessoal tem uma capacidade de adesão muito grande. E quando Lula começou a ter possibilidade de vitória, os mais abertos foram aderindo. E quando Lula venceu uma parte aderiu. Agora eles aderem, tentam ganhar posses dentro do governo Lula e então vão tentar tirar do governo Lula a capacidade revolucionária.

BF – O avanço do governo depende da correlação de forças... MCA - O problema não é só administrar corretamente, é administrar mudando para a esquerda. Você pode ter uma administração corretíssima, mas conservadora. Isso não adianta. O Brasil chegou a um ponto que, com 160 milhões de habitantes, está em 15º lugar como economia, mas está no 54º ou 56º lugar pelo IDH (índice de desenvolvimento humano). Não adianta tanta riqueza. É como discutir a proposta das vagas para negros nas escolas públicas. Eu concordo, mas não devia haver necessidade disso. O negro devia ter acesso a uma escola tão boa quanto a que o branco tem. Se ele tivesse acesso a uma escola de primeira classe, ele chegaria sem precisar de cota, né? Agora, em dando cota para o negro, devia dar para o índio também, que é muito esfoliado. E para o branco pobre, porque há uma quantidade enorme de branco na pobreza. BF - Lula pode conseguir articular os setores para “virar para a esquerda”? MCA - Espero que sim. Lula é um sujeito solidário. Ninguém pode negar. Um cara que nasceu no agreste, numa pequena propriedade, numa zona sujeita à seca, que a mãe teve que ir para São Paulo, torna-se líder sindical e se elege presidente da República pelo voto, esse é um homem predestinado. BF - Então os movimentos sociais devem continuar pressionando, puxando Lula. MCA - Devem continuar. Lula precisa que puxem ele. Qualquer presidente precisa se sentir apoiado, não pode ficar isolado. O papel das forças que são realmente de esquerda é estar sempre prontas para pressionar Lula ou qualquer outro governo, no sentido de manter os seus compromissos com o povo.

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

Brasil de Fato - Quais as expectativas da reforma agrária no governo Lula? Manuel Correia de Andrade - Sou partidário do governo Lula, embora haja muitos problemas. Eu acho que a reforma agrária é fundamental para a solução dos problemas brasileiros. E aí eu entro em choque com o meu amigo Graziano, tanto o Francisco quanto o Graziano da Zona da Mata – Silva. Reforma área entre o litoral e o agrária não é agreste, de solo fértil colonização, e vegetação de grande porte. Em não é divisão Pernambuco,ocupa de terras. E 8.465 km2 (8,6% da não é dádiva área do Estado) e de governo. reúne 42 municípios Os movimenAgreste – zona tos populares, entre a mata e a o MST, a Igrecaatinga, com solo ja através da pedregoso e escassa Comissão Pasvegetação. Em Pernambuco, ocupa toral da Terra, uma área de 24.489 a Contag e km2 (24,8% da área uma série de do Estado) e reúne 73 outros novos municípios movimentos devem manter pressão em favor da reforma agrária. Lula, como presidente, sofre pressões muito fortes dos vários setores. A atuação se dá no momento histórico, as coisas têm tempo para acontecer. Por exemplo, na Zona da Mata, houve essa crise nas usinas, muitos senhores de engenho já estavam falidos e os trabalhadores foram à justiça. Tiveram direito à indenização e os proprietários não tinham dinheiro para lhes pagar. Como eles estavam organizados, conseguiram que fossem pagos em terra. Em Vicência, muitas terras que eram de usinas hoje são assentamentos.

Quem é

Paula Reis Melo

papel das forças que são realmente de esquerda é estar sempre prontas para pressionar Lula ou qualquer outro governo, no sentido de manter os seus compromissos com o povo”, afirma o historiador e geógrafo Manuel Correia de Andrade, 80 anos. Filho de senhor de engenho e ex–militante do PCB (em 1944-

45), Correia de Andrade dirige o Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco (IDOC) e é membro da Academia Pernambucana de Letras. A reforma agrária é essencial para a solução dos problemas brasileiros, afirma o geógrafo, em entrevista que contou com a participação do padre Tiago Thorlby, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Nordeste e de Alexandre Conceição, da Direção Estadual do MST.

Paula Reis Melo

Paula Reis Melo, de Recife (PE)

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NACIONAL

Policiais federais invadem um assentamento em Bauru, recusam-se a apresentar intimações ou ordens judiciais e pressionam as pessoas a dar depoimentos; o delegado-chefe da PF, que defendeu a ação, já respondeu judicialmente por tratar agricultores como criminosos.

MOVIMENTOS SOCIAIS

Dimitri Stein Valle, enviado especial a Bauru (SP)

Trabalhadores Rurais SemTerra (MST). Lurdinha foi impedida de telefonar para advogados. Quando conseguiu, recebeu a recomendação de não falar se os policiais não apresentassem documentos, como intimações ou ordem judicial. Em reação, um dos agentes disse que todos estavam proibidos de conversar com “advogados de merda”. Os policiais se recusaram a atender os pedidos dos assentados para mostrar documentos. Quando o assentado Vicente Rodrigues dos Santos voltou ao assunto, foi ameaçado de prisão.

■ Vicente, assentado que foi interrogado na Agrovila Reunidas no município de Promissão (SP)

PISTOLAS E ALGEMAS Com medo de que os policiais cumprissem a ordem, Maria de Lourdes,Santos, João Francisco Carvalho e João Severino Bezerra falaram no inquérito. Santos viu quando um dos agentes sacou sua pistola e a colocou sobre a mesa com o cano virado para o corpo do agricultor. Bezerra, de 74 anos, ainda foi acusado de tentar fugir do depoimento. O agricultor correu para casa para socorrer a mulher, Judite, 63 anos, que teve uma crise nervosa ao saber que policiais armados Albari Rosa

m delegado,dois agentes e um escrivão da Polícia Federal, em Bauru, terão de se explicar à Procuradoria Geral da República. Eles foram denunciados ao Ministério Público Federal por abuso de autoridade contra pequenos agricultores do assentamento Reunidas, em Promissão, noroeste de São Paulo. A confusão aconteceu em 10 de abril, quando a equipe chefiada pelo delegado Oscar Luiz Torres esteve no local para ouvir quatro assentados. Eles contaram que os policiais agiram com truculência: exibiam armas e algemas para ameaçar de prisão quem não falasse, impediram as pessoas de acionar advogados, apontaram uma pistola para um agricultor,e ainda tentaram invadir a casa do pai dele, um senhor de 74 anos. Uma mulher passou mal e acabou num hospital. A primeira a depor foi Maria de Lourdes Pereira, Lurdinha, uma das líderes comunitárias do assentamento, ligado ao Movimento dos

Albari Rosa

Polícia Federal é denunciada por abuso em assentamento de Bauru

■ Maria de Lourdes na radio FM Camponesa, interrogada pela Polícia Federal

multiplicavam ameaças no assentamento. O filho de Bezerra, Vicente, ao ver os policiais correndo atrás do pai, postou–se à porta, para impedir a violação da residência. Um dos agentes apontou uma arma para sua barriga. Bezerra só foi ouvido depois de levar Judite ao hospital, no centro de Promissão. Dois vereadores, José Aparecido Gargaro e José Aparecido Cândido (ambos do PT), e o vigário de Promissão, padre Severino Leite Diniz, que acompanharam parte da confusão, negociaram com os policiais o depoimento do agricultor. Bezerra foi ouvido no escritório de um dos vereadores. Gargaro pediu a apresentação de um documento que respaldasse a presença da PF no assentamento. Ele chegou a obter um papel fornecido por um policial. Quando soube que o vereador era oficial de justiça, o documento foi arrancado de suas mãos. Durante as cinco horas em que ficaram no assentamento, apenas o delegado se identificou. Os outros não revelaram seus nomes. Todos vestiam calça e camisa preta.

Os agentes, segundo o padre Severino, faziam perguntas com um tom de voz ríspido e agressivo. Manuseavam com freqüência armas e algemas, o que assustou crianças e mulheres que acompanhavam a movimentação dos policiais. O ônibus escolar partiu vazio da Reunidas. “Não havia clima para as crianças irem estudar. Todas ficaram assustadas e muitas choraram com a exibição das armas”, contou Santos. Os policiais queriam saber onde recursos do governo federal tinham sido aplicados no assentamento, o maior de São Paulo, com 640 famílias. Os assentados mostraram aos policiais as instalações (estufas, currais, poço artesiano e telefone público) construídas com dinheiro público. Tinham interesse também na documentação da extinta cooperativa do assentado, a Copajota, fechada por falta de envio de crédito do governo federal. “Dissemos que os documentos foram para a coordenação estadual do MST em São Paulo”, disse Lurdinha, que já foi depor na PF em Bauru sobre o assunto. Nas outras vezes, ela disse ter

recebido intimações.A agricultora, que falou em nome dos demais, quis deixar claro que nunca se recusou a falar, desde que procedimentos e direitos humanos fossem respeitados.Afirmou que a equipe deveria ter agido com mais tranqüilidade. VERSÃO DO DELEGADO O delegado-chefe da PF em Bauru, Antônio Vaz de Oliveira, negou que os policiais tivessem agido com truculência.“Pelo que conversei com eles, todos foram bastante comedidos”. Ele culpou os advogados, que disseram aos assentados para não depor se os policiais não apresentassem intimações ou ordem judicial. O delegado disse que a equipe não precisava mostrar documentos oficiais, já que estava conduzindo um inquérito policial. Na sua opinião, nem a presença dos advogados era necessária. Ele afirmou que os quatro assentados prestaram depoimento na condição de testemunhas e não de acusados. Sobre a exibição das armas e das algemas, Oliveira disse que elas são “inerentes” ao trabalho policial. “Os agricultores incitavam (os policiais) para que algo acontecesse”, acusou. A reportagem do Brasil de Fato tentou conversar com o delegado responsável pela equipe na ocasião da confusão. Oscar Luiz Torres, que está há menos de um ano nos quadros da PF, disse que não poderia dar entrevista devido a “nor mas inter nas” da corporação. Elas indicam seu superior hierárquico a prestar informações à imprensa. Veja, na seção Debate, pág. 14, as avaliações do deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh e do pesquisador Luca Solimeo

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

Um juiz no banco dos réus

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juiz Átis Araújo Oliveira, da comarca de Teodoro Sampaio, no Pontal do Paranapanema, foi colocado no banco dos réus pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra (MST). Por causa de suas decisões, Oliveira é acusado de tratar o MST como uma organização criminosa e não como um movimento social. Ele nega, mas os fatos apresentados por quem defende os trabalhadores colocam o juiz na berlinda. Só em 2002, ele decretou 22 prisões preventivas contra lideranças do movimento no Pontal. Todos os seus mandados foram derrubados em instâncias superiores. “Quem é que está errado? O juiz Átis ou os demais tribunais do país? As decisões desse juiz são políticas”, afirma Patrick Mariano Gomes, advogado do MST em São Paulo. A relação do movimento com o juiz, de 33 anos, ficou acirrada em março de 2001. Oliveira determinou a desocupação de uma fazenda. A PM agiu com violência, mas conseguiu expulsar os semterra da área. Por ordem do juiz, todos deveriam permanecer a mais de 10 quilômetros de distância da propriedade, o que revoltou o MST. Em resposta, o movimento organizou uma marcha de protesto em direção ao fórum de Teodoro Sampaio. O manifesto acabou em

invasão e pichações nas paredes do fórum. O episódio do despejo levou os advogados do MST a pedir a suspeição do magistrado. O Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, não aceitou. ARBITRARIEDADES Desde o episódio da invasão do fórum, o juiz vem decretando prisões de lideranças e integrantes do movimento, aceitando a abertura de processos (há 35 em tramitação no fórum local). Prendeu novamente alguns deles, assim que ganham a liberdade.

Segundo os advogados do movimento, 11 lideranças, entre elas José Rainha Júnior e Deolinda Alves da Silva, podem ser presas a qualquer momento pelo juiz. Eles são acusados de formação de bando e quadrilha, embora haja decisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que assegurem a organização de movimentos sociais sem incorrer nesse crime do Código Penal Brasileiro. Por precaução, todos estão escondidos. Nas audiências, o juiz é conhecido por determinar que os militantes do movimento permaneçam

algemados. Em uma ocasião, ele antecipou o horário da audiência e interrogou o sem-terra Ismael Vidal sem que o defensor fosse avisado. Em outro caso, não aceitou a substituição de testemunhas impossibilitadas de comparecer para depor. “Isso fere os direitos humanos. É uma atitude autoritária”, declara Marcos Rogério de Souza, integrante do setor de direitos humanos do MST. Para outro militante, Oliveira sabe bem qual é o seu lugar quando o assunto é a reforma agrária no Pontal.“O Poder Judiciário se aliou ao latifúndio para

combater e intimidar os movimentos sociais”, afirma Paulo Albuquerque, 28 anos, membro da coordenadoria estadual do MST. Eles lembram de um episódio em que Oliveira bateu boca com o deputado federal Luiz Eduardo Greenlagh (PT-SP). O juiz teria dito ao deputado, que advogava em defesa do MST, a seguinte frase:“Doutor, o senhor pode ganhar em outros tribunais, mas aqui (emTeodoro Sampaio) o senhor irá perder sempre.” Oliveira diz não se lembrar de ter proferido a frase. DSV

Magistrado alega obedecer a critérios técnicos As decisões que o juiz Átis Araújo Oliveira diz tomar seguem critérios técnicos. Ele não admite outra hipótese e jura que não é o algoz que o MST propaga.“Meus processos não são contra o MST, mas contra A, B ou C”, diz ele, numa referência a pessoas que coloca na cadeia. Oliveira só aceitou conversar sobre temas genéricos, sem entrar em casos específicos. “A lei orgânica da magistratura impede que o juiz se manifeste sobre processos que estão sob sua responsabilidade”, invoca o juiz, que ingressou na magistratura há cinco anos.Teodoro Sampaio é sua quarta comarca desde março de 2000. Ele não quis revelar quais foram as outras três e classificou que “todas são iguais”.

Decisões polêmicas Sobre as decisões polêmicas que toma, o juiz afirma que todas estão respaldadas pela legislação.“Não há problema nenhum em interrogar uma pessoa sem a presença do defensor. A lei não exige.” Ao negar a substituição de testemunhas, Oliveira diz querer preservar o andamento do caso.

“Há testemunhas que não vivem na região. O que vão dizer elas sobre o que acontece aqui?”, questiona. A manutenção das algemas nos presos na sala de audiência é um processo comum em sua carreira. “Pode ser o cidadão mais humilde até o mais rico. O tratamento é igual.” Ele recorda que no município de Rosana interrogou dois vereadores algemados. A respeito do incidente com os semterra na invasão do fórum, há dois anos, ele diz ter ignorado os xingamentos: “Não liguei”. Para assegurar que age como qualquer magistrado, citou uma decisão que beneficiou Márcio Barreto, um dos líderes do MST no Pontal. Num dos processos, Oliveira lembra ter declarado sua pena extinta. “Alguém que teria um problema pessoal com os semterra, faria isso?”, indagou. Oliveira não quis ser fotografado durante os 75 minutos que a entrevista durou. Alegou questões de segurança e motivos pessoais. “Não gosto, não sou fotogênico.” Suas decisões envolvendo prisões preventivas de semterra no Pontal, aquelas que sempre são revogadas por instâncias superiores, não vão borrar sua carreira, garante o juiz. “O sistema foi montado para isso. Sentenças existem para ser reformadas” diz. DSV


INTERNACIONAL

BRASILDEFATO Ano I ■ Número 6 ■ Segundo Caderno

Estados Unidos erguem colônia no caos de Bagdá Da Redação ospitais superlotados e sem recursos, crianças morrendo diante de pais impotentes e desesperados, lojas, hotéis e supermercados saqueados: desde terça-feira, dia 8, quando as tropas anglo-estadunidenses conquistaram Bagdá, o caos tomou conta da capital iraquiana. Na sexta-feira, até os hospitais começaram a ser roubados por bandidos que levavam tudo o que encontravam à frente: de medicamentos a estetoscópios e incubadoras. Relatos da Cruz Vermelha informam que, em alguns casos, os médicos mais combativos e preocupados com a situação dramática exibiam armas para dissuadir os saqueadores. Dos 32 hospitais de Bagdá, somente três funcionavam, até sexta-feita à noite, e mesmo assim em condições muito precárias. No Centro Médico Sadam, o maior da capital, apenas 10% do pessoal continuavam trabalhando. Em suas portas, pessoas com feridas ainda abertas esperavam ho-

ras para ser atendidas. Além disso, corpos apodreciam na rua ou eram jogados no interior de um caminhão frigorífico estacionado nas proximidades. É inexato dizer que as tropas estadunidenses assistiam indiferentes ao caos e ao sofrimento. Segundo denúncias de equipes de voluntários, elas criaram obstáculos ao trabalho das ambulâncias.

dividido em três setores: o Norte e o Sul serão administrados por dois generais estadunidenses aposentados. O centro-Oeste ficará a cargo da ex-embaixadora estadunidense Bárbara Boldini, chamada no governo Bush de “prefeita de Bagdá”. Todos responderão ao general aposentado Jay Gardner, subordinado apenas ao comandante geral da guerra, o general Tommy Flanks. O projeto prevê que a equipe de transição passe o comando para um governo formado por iraquianos em três meses.

COLONIZAÇÃO Enquanto isso, as empresas contratadas pelos Estados Unidos para “reconstruírem” o país já começaram. Claro, pelo poços de petróleo. Os poços do campo de Rumaila estão sendo recuperados pela empresa Haliburton, que foi presidida pelo vice de George Bush. Dick Cheney prometeu que o dinheiro da venda do petróleo será dos iraquianos. Uma “autor idade interina iraquiana” deverá decidir sobre como e quando isso vai acontecer. Mas o novo governo só é iraquiano no nome. Segundo o plano estadunidense, o Iraque será

DISPUTA IMPERIALISTA “Nosso principal objetivo é conseguir o mais rapidamente possível que o processo de transição iraquiana volte para a ONU “ afirmou o presidente russo,Vladimir Putin, em reunião realizada sexta-feira, em Petersburgo (Rússia), com o chanceler alemão Gerhard Schroeder e o presidente francês Jacques Chirac. Tadução: eles querem também participar da rapinagem daquilo que restou do Iraque.

Freiras condenadas nos EUA Um júri federal em Denver (EUA) julgou culpadas três freiras dominicanas, que podem ser condenadas a até trinta anos de prisão, por terem invadido um depósito de mísseis. Elas mancharam com o seu próprio sangue um silo de foguetes Minuteman III, em protesto contra o armamentismo estadunidense. A sentença deve sair no dia 25 de julho.Trata-se das irmãs Carol Gilbert, 55 anos; Jackie Hudson, 68, e Ardeth Platte, 66, que afirmou não ter ficado surpresa com a decisão do júri.

Eduardo Galeano, escritor e jornalista, é autor de As Veias Abertas da América Latina e Memórias do Fogo

■ Acima, iraquianos se preparam para colocar um corpo num buraco aberto por uma bomba; ao lado, suspeitos são despidos por soldados estadunidenses; e abaixo, mãe chora ao lado de um garoto de 2 anos ferido após bombardeio

Cheryl Diaz Meyer/AFP/AE

s bombas inteligentes, que tão burras parecem, são as que mais sabem. Elas revelam a verdade da invasão. Enquanto Rumsfeld dizia: “Estes são bombardeios humanitários”, as bombas destripavam crianças e arrasavam mercados de rua. O país que mais armas e mais mentiras fabrica no mundo despreza a dor dos demais.“Não contamos os mortos”, respondeu o general Franks, quando alguém lhe perguntou sobre os danos colaterais, como são chamados os civis que voam em pedaços. Babilônia, a rameira do Antigo Testamento, merece esse castigo. Por seus muitos pecados e por ter muito petróleo. ****** Os invasores procuram as armas de destruição em massa que venderam, quando o inimigo era amigo, ao ditador do Iraque, e que foi o principal pretexto para a invasão. Até agora, que se saiba, não encontraram mais que armas de museu.

Mas, são armas de construção maciça os mísseis gigantes que eles disparam? Os invasores têm à vista as armas tóxicas e as armas proibidas: as estão usando. O urânio empobrecido envenena a terra e o ar e os estilhaços de aço das bombas de fragmentação matam ou mutilam em um raio que vai muito além de seus alvos. ****** Não haviam aparecido os primeiros mísseis nos céus do Iraque quando já se havia cozinhado o governo de ocupação, democrático governo integralmente formado por militares dos Estados Unidos, e já se fazia a divisão dos despojos dos vencidos.Ainda se continua disputando o butim, que não é pouco: as fabulosas jazidas de ouro negro, o grande negócio da reconstrução do que a invasão destruirá. As empresas agraciadas comemoram suas conquistas nos painéis da bolsa de Nova York. Ali está a melhor notícia da guerra. Os índices variam ao som da carnificina humana.

Odd Andersen/AFP/AE

Eduardo Galeano, de Montevidéu (Uruguai)

BOICOTE CONTINUA Mesmo com o fim dos ataques maciços, organizações civis de todo o mundo continuam protestando contra a invasão. Levam adiante, com sucesso, a campanha internacional de boicote a produtos dos Estados Unidos e da Inglaterra. Em reação, a CocaCola começou uma campanha publicitária maciça após redução das vendas. A rede McDonald’s também registrou queda das vendas, com prejuízo de 37 milhões de dólares, em março.

Patrick Baz/AFP/AE

A náusea

Além disso, querem limitar a expansão do império estadunidense na região. Temem que a ocupação do Iraque tenha sido apenas o primeiro passo. E têm razão para isso: “Os sírios não se comportam bem, precisam de um puxão de orelhas”, declarou o subsecretário de Defesa Paul Wolfowitz diante de uma comissão do Senado. “Se continuarem assim, teremos de repensar nossa política em relação a um país que abriga terroristas e criminosos de guerra.”

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

Corporações estadunidenses iniciam a “reconstrução” do Iraque; Bush designa generais e embaixadores para administrar o país, provocando protestos da França, Alemanha e Rússia, que querem sua parte do espólio; enquanto isso, o sofrimento, a morte e o caos reinam em Bagdá

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INTERNACIONAL

Cerca de 25 milhões de curdos que lutam pelo direito de ter um Estado constituem uma fonte de grande tensão na região entre Iraque, Turquia, Siria e Irã; Uri Avnery: jornalistas comportam-se como prostitutas a serviço dos Estados Unidos

AGRESSÃO IMPERIALISTA

“Bomba curda“ ameaça explodir Os Estados Unidos enfrentam uma situação delicada. De um alado, os curdos foram uma força auxiliar importante no processo de invasão e ocupação do Iraque. De outro, a Turquia é uma aliada tradicional de Washington, tem importâcia geopolítica regional e faz parte da organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Criar novas tensões com um membro da Otan é tudo que a Casa Branca não deseja hoje. A hipótese de, simplesmente, reprimir os curdos, sempre possível no cardápio da opções imperialis-

a quinta feira, dia 10, os guerrilheiros curdos anunciaram que Kirkuk, antes ocupada por tropas de Sadam Hussein e importante centro petrolífero do Iraque, estava “sob controle”. A vizinha Turquia não aceitou. Razão: o controle curdo sobre Kirkuk pode viabilizar a formação do Estado do Curdistão. Há 25 milhões de curdos espalhados por uma área de 475 mil quilômetros quadrados, na confluência das fronteiras do Iraque, Irã e Turquia, além de pequenas faixas na Síria e na Armênia. A criação do Estado curdo implicaria criar questões territoriais incêndiárias. Além disso, amaior ia dos curdos vive na Turquia (são 14 milhões). Constituem uma fonte permanente de tensão e agitação política. Cerca de 4 mil soldados turcos foram deslocados para regiões próximas à fronteira com o Norte do Iraque, para agirem caso os interesses turcos estiverem ameaçados. O objetivo estratégico da Turquia é controlar esse território. Caso consiga, teria em uma só tacada não apenas os poços de petróleo de Kirkuk, mas também terá evitado a formação de um Estado autônomo no Curdistão.

tas estadunidenses, é complicada, já que um dos pretextos para invasão do Iraque era punir Sadam Hussein por persigui-los. Pressionados pelos Estados Unidos, os curdos, pelo menos aparentemente, prometeram que se retirariam de Kirkuk. Acalmaram a Turquia, por enquanto. DE QUEM É O PETRÓLEO? Os curdos do Iraque representam cerca de 15% dos 24 milhões de habitantes do país, ocupam o Norte e vêm desfrutando de autonomia desde 1992, sob “zona de exclusão aérea”, garantida por for-

Peter Dejong/Associated Press/AE

Paulo Pereira Lima, da Redação

ças anglo-estadunidenses. A sua riqueza esta no subsolo, que contém grandes reservas de petróleo. Em Kirkuk, com perfuração do promeiro poço de Baba Gurgur, em outubro de 1927, nasceu a indústria petrolífera iraquiana. Sucessivamente, foram abertos milhares de outros poços na região, de onde é extraído atualmente cerca de 40% de todo petróleo iraquiano. Os Estados Unidos esyão esboçando esquemas para uma “federação” com autonomia para o Curdistão irquiano e direitos individuais para os curdos em todo

o Iraque. Mas uma questão até agora não respondida por Bush é a de que, nessa nova “democracia”, o Curdistão contará com seus campos petrolíferos de Kirkuk? Na avaliação do historiador inglês e diretor do Centro de Estudos Europeus da Universidade de Oxford,Timothy Garton Ash, a questão curda é “a maior bomba sem explodir em todo o Iraque. E seu futuro também será determinado no calor da batalha nos próximos dias e semanas”. Com agências intenacionais

Um povo de três mil anos De origem indo-européia, os curdos se estabeleceram na região onde vivem há cerca de 3 mil anos. Por sua estratégica ocupação nas rotas comerciais entre Oriente e Ocidente, o território curdo foi muito disputado pelos antigos impérios até ser conquistado e islamizado pelos árabes por volta do século VII.

Estado curdo Os curdos nunca tiveram um Estado independente, mas até 1639 desfrutaram de relativa autonomia. Nesse ano, o Curdistão foi repartido entre os impérios persa (Irã) e otomano (Turquia). Em 1920, os vencedores da I Guerra Mundial impuseram aos turcos (aliados dos alemães) o Tratado de Sèvres, que delegava a uma comissão formada por franceses, alemães e italianos a missão de elaborar um projeto de autonomia para os curdos. O projeto nunca saiu do papel e os curdos ficaram, assim, divididos entre o Iraque, Turquia, Irã e Síria. ■ Combatentes curdos observam a fumaça do petróleo queimando nos arredores de Kirkuk, Norte do Iraque, em 10 de abril

A REGIÃO DO CURDISTÃO M A R

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Jornalistas aceitam a cama do Exército, como as prostitutas

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O TEATRO DE OPERAÇÕES Li em alguma parte que a sala de imprensa de Tommy Franks foi criada por um projetista profissional, por 250 mil dólares. O exército dos EstadosUnidos investe muito dinheiro no desenho da farsa. Suponho que uma soma muito maior foi paga aos projetistas que organizam os aparecimentos públicos de Bush. Todos deveriam prestar atenção no cenário, muito mais interessante do que as palavras de George W. Há alguns meses, quase sempre Bush aparece tendo como fundo muitos soldados. De qualquer ângulo que se olhe para Bush, sempre se verá as faces de soldados cheios de admiração.

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VERGONHA Desde os 19 anos, sou jornalista. Sempre tive orgulho de ser jornalista. Muitas vezes escrevi: “Profissão: Jornalista.” Hoje, estou envergonhado, ao ver um grande grupo de jornalistas sentado diante de um general cheio de estrelas, escutando avidamente o que chamam de “informações”, sem formular nem a pergunta excelente mais simples. E quando um repórter coloca alguma questão real, ninguém protesta quando o general responde com fórmulas de propaganda banais. Quase todos os relatos jornalísticos desta guerra formam um espelho deformado. Nele nós vemos um quadro manipulado, deformado e mentiroso. Devemos elogiar os poucos que, como Peter Arnett, estão dispostos a sacrificar a sua carreira no altar da verdade. Estou envergonhado de ser jornalista. Eu estou duplamente envergonhado de ser jornalista is-

raelense. Nesta guerra, todos os meios de comunicação israelenses desceram a profundidades inéditas. Nenhuma crítica é publicada.Até mesmo nos meios estadunidenses foram ouvidas algumas vozes discordantes. Em Israel, isto não é possível. Seria pior que traição. A única exceção que vi foi o repórter de televisão San Semama, que se infiltrou no Iraque, foi capturado pelos estadunidenses, detido em um jipe e mantido com fome durante 48 horas. Ele viu o que realmente estava acontecendo. Uma parte de seus relatos foi publicada, até que desceram a cortina do silêncio. Os demais repetem como papagaios a linha da propaganda dos Estados Unidos.

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a Idade Média, os exércitos eram acompanhados por grandes quantidades de prostitutas. Na Guerra contra o Iraque, os exércitos dos Estados Unidos e Grã Bretanha são acompanhados por grandes quantidades de jornalistas. Criei o termo “prenstituição” quando estava publicando uma revista noticiosa israelita, Embedded – para denotar literalmente do inglês, os jornalistas “na cama”. Nome dado aos jornalistas que transforque, para cobrir a mam os meios invasão do Iraque, em prostitutas. assinaram um contrato Os médicos com o exército estadunidense e só estão compropodem enviar artigos metidos pelo aprovados pelos juramento de militares Hipócrates a salvar vidas na medida do possível. Os jornalistas estão forçados pela honra profissional a dizer a verdade, da maneira como a vêem. Nunca tantos jornalistas traíram tanto o seu dever como na cobertura da guerra. O pecado original deles foi aceitar o acordo de participar de unidades do exército. O termo estadunidense embedded soa como sendo posto na cama, e a isso corresponde na prática. Um jornalista que aceita a cama de uma unidade do exército se torna um escravo voluntário. É agregado aos subordinados ao comandante, é levado para os lugares que interessam ao comandante, vê e escuta aquilo que o comandante deseja. É

pior do que ser um porta-voz oficial do exército, por pretender ser um repórter independente. O problema não é que você só vê uma fração pequena do grande mosaico da guerra, mas sim transmitir uma visão falsa daquela pequena fração. Nas guerras das Malvinas e na primeira do Golfo, foi vetado o acesso dos jornalistas às áreas de conflito. Parece que alguém brilhante no Pentágono teve uma idéia: “Para que afastá-los? Deixemos que entrem. Diremos o que escrever e transmitir e comerão em nossas mãos, como mascotes.”

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Uri Avnery, de Jerusalém

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Bagdá

ÁREA DO CURDISTÃO

Principais jazidas de petróleo do Iraque

População curda População total (em milhões) 25 milhões

Repórteres são alvo deliberado dos EUA Da Redação m carta ao secretário da Defesa estadunidense, Donald Rumsfeld, a ONG Repórteres sem Fronteiras, que congrega jornalistas do mundo inteiro, pediu ao governo estadunidense que prove que não foram alvejados deliberadamente o escritório da TV Al Jazira e o Hotel Palestina, em Bagdá, na terça-feira, 8 de abril. ”Estamos consternados com a gravidade dos ataques estadunidenses contra os jornalistas. Só na terça-feira, 8 de abril, morreram três jornalistas em conseqüência dos disparos do Exército estadunidense em Bagdá. No entanto, os locais alvejados são conhecidos por abrigarem jornalistas, seja que se trate do escritório da Al Jazira, seja do célebre

Hotel Palestina. Uma filmagem do canal francês de TV France 3, bem como os testemunhos de vários jornalistas indicam que, no momento das ocorrências, a situação estava muito tranqüila e o tanque americano utilizou todo o tempo necessário, esperando dois minutos para ajustar o canhão, antes de disparar contra o hotel. Esses fatos desmentem a versão estadunidense de disparo defensivo. Neste momento, só podemos suspeitar e acusar o governo estadunidense de ter alvejado deliberadamente, e sem aviso prévio, os jornalistas. É o Exército estadunidense que tem de provar que não se tratou de um ato deliberado, destinado a dissusadir os jornalistas a cotinuar trabalhando em Bagdá”, disse Robert-Ménard, secretário-geral dos Repórteres sem Fronteiras.


ALCA

ENTREVISTA

A incorporação do país à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) inviabilizaria a economia brasileira, diz o economista Paulo Nogueira Batista Jr. Por isso mesmo, já foi convocado um plebiscito oficial sobre a Alca, para o primeiro semestre do ano que vem

Livre comércio impede projeto nacional m entrevista ao Brasil de Fato, o economista Paulo Nogueira Batista Jr. denuncia que as propostas brasileiras sobre a Alca e sobre as negociações entre o Mercosul e a União Européia continuam tão secretas no governo Lula quanto eram no governo FHC. Mesmo porque continuam sendo conduzidas pelas mesmas pessoas. Brasil de Fato – O que a adesão à Alca significaria para o Brasil? Paulo Nogueira Batista Jr. – A incorporação do país, de forma subordinada, a um espaço econômico comandado pelos Estados Unidos. Um espaço aberto, envolvendo todos os países, com a remoção de quase todas as barreiras à circulação de bens e de serviços. A pauta proposta pelos EUA inclui a fixação de regras comuns para investimentos estrangeiros, patentes, propriedade intelectual, defesa da concorrência, compras governamentais, etc.. Se o Brasil vier a participar, ficaremos sem a opção de ter um projeto próprio, nacional, de desenvolvimento. E esse projeto nacional foi prometido, insistentemente, por todos os candidatos, inclusive o do governo FHC, na última campanha eleitoral. BF – O que isso representaria para a sociedade brasileira? PNB – O problema é que não temos condições de concorrer em bases iguais. As condições do sistema econômico no qual operam as empresas brasileiras são muito piores do que as que vigoram nos EUA para as suas empresas. Por exemplo, o sistema tributário brasileiro discrimina as exportações e favorece as importações, contra a produção doméstica. O custo do capital no Brasil, do crédito, é extraordinariamente mais alto. A infra-estrutura brasileira regrediu em muitas áreas. Nós não temos um mercado de capitais desenvol-

Quem é

Douglas Mansur

Anamárcia Vainsencher, da Redação

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Crítico ferrenho do neoliberalismo e da globalização, em 1998 escreveu uma profunda análise denominada Mitos da globalização,publicado na revista Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). Este trabalho também foi editado no Caderno Dívida Externa, do Programa Educativo sobre a Dependência Externa (Pedex) em parceria com entidades e movimentos sociais.

vido como têm os EUA. Em síntese, o Brasil não se compara, em termos de poder concorrencial, com países como os EUA, o bloco da UE (União Européia), o Japão. Por isso, o correto, para o Brasil, é manter relações comerciais, e incrementá-las, ao longo do tempo. Não negociar áreas de livre comércio. As negociações em curso, da Alca e do Mercosul com a União Européia, são problemáticas para o Brasil, porque ambas visam a incorporação do Brasil numa área de livrecomércio com economias estruturalmente mais fortes que a nossa.

Como é possível o Brasil imaginar uma integração com um governo que desrespeita a ONU? BF – Afinal, quais são as ofertas dos EUA para a Alca? E as dos outros envolvidos? PNB – Os demais países envolvidos divulgaram uma minuta do acordo, bastante extensa, que ainda está em discussão, o que dificulta saber quem propõe o quê. Os EUA querem liberdade de atuação para o comércio de bens, serviços e capitais. Mas não aceitam a integração em outras áreas, como a agricultura. Não aceitam negociar as suas próprias políticas de defesa comercial, anti-dumping, legislação de direitos compensatórios, alegando que essas questões

são de caráter multilateral, sistêmico, que devem ser tratadas na OMC (Organização Mundial do Comércio). Essa é uma lógica duvidosa, porque investimentos, serviços, compras governamentais são temas tão sistêmicos quanto, mas eles querem negociar na Alca, antes de negociar na OMC.

Brasil estão na defensiva, constrangidos, perderam legitimidade.

BF – Depois da invasão do Iraque pelos EUA, ainda dá para acreditar em multilateralismo? PNB – A maneira como os EUA conduziram a invasão, passando por cima de regras internacionais, da ONU (Organização das Nações Unidas), dos seus aliados, mostra que existe hoje, nos EUA, um governo que não respeita acordos internacionais, e que não faz questão de esconder isso. Como é possível, nesse ambiente, o Brasil imaginar que vai se integrar de maneira tão ampla com os EUA, num acordo como o da Alca?

BF – O que se conhece sobre as propostas do Brasil na Alca? PNB – As ofertas do Brasil no âmbito da Alca, da União Européia e da OMC, tanto no governo FHC, quanto agora, no governo Lula, não são conhecidas. Não foi divulgado nem mesmo um resumo delas. Seria importante que a sociedade civil, o Congresso, pressionassem o governo a deixar claro que ofertas estão fazendo em nome do Brasil. Os EUA informam sobre as suas propostas e os demais 34 países envolvidos divulgaram minuta do acordo. Então não há motivo para o governo ocultar sua posição.Acho que os parlamentares devem pedir informações ao Itamaraty para saber o que o governo está oferecendo à Alca e à UE e definir um mandato negociador para a Alca, União Européia e OMC. Um mandato que estabeleça critérios, limites e objetivos para o Executivo.

BF – Atitudes essas que vêm desde o governo anterior dos EUA... PNB –É a culminação de uma postura que se agravou depois do fim da guerra fria. Só que, nos tempos do Clinton e do George Bush pai, a coisa era feita com mais sutileza. Hoje, querem exercer o poder de forma muito mais aberta, mais agressiva, o que pode ser uma vantagem, porque facilita a reação de certos países a propostas que lhes são inconvenientes. Numa situação dessas, mesmo os defensores tradicionais dos pontos de vista estadunidenses em países como o

cultura. O negociador mais diretamente responsável ainda é o mesmo do final do governo Fernando Henrique, o embaixador Clodoaldo Hugheney. Os representantes do Brasil na negociação MercosulUnião Européia e na rodada Doha da OMC são os mesmos embaixadores do governo passado.

A Alca consolida um projeto que o Brasil rejeitou nas últimas eleições

BF – Isso não é um bom sinal, é? PNB – Só espero que essas pessoas reconheçam que o Brasil votou por uma mudança. A Alca, como está configurada pelos EUA, significa o congelamento, em tratado internacional, da orientação econômica que o Brasil seguiu durante o período FHC. E essa orientação econômica foi derrotada de maneira dura, não teve sequer a defesa do candidato oficial, José Serra. BF – O acordo com a União Européia (UE) segue o mesmo padrão da Alca? PNB – Em linhas gerais, sim. Embora, do ponto de vista econômico, sejam acordos parecidos, do ponto de vista político, a negociação com a Alca é mais perigosa, por causa do poder mundial dos EUA e de sua enorme influência na América Latina. Se conseguirmos resistir à Alca, conseguiremos resistir ao acordo com a UE. Aliás, a negociação com a UE só surgiu como decorrência do esforço europeu de não ser excluído dos mercados sul-americanos. Mas é uma ingenuidade pensar que vamos usar a UE como contrapeso à Alca. As duas negociações são inconvenientes.

BF – Quem representa o Brasil nas negociações com a Alca? PNB – A negociação em si é comandada pelo Itamaraty, com participação de outros ministérios como Indústria e Comércio, Agri-

Campanha Nacional Contra a Alca definiu como uma de suas prioridades a luta pela realização de um plebiscito oficial durante o primeiro semestre de 2004. A decisão foi tomada durante uma plenária em São Paulo, com cerca de 80 representantes de 22 Estados, realizada nos dias 7 e 8 de abril. O objetivo do plebiscito é permitir a realização de um amplo debate na sociedade sobre os impactos da Alca. O documento divulgado ao final da plenária afirma que “para que o povo brasileiro possa opinar sobre um acordo tão determinante para seu futuro, a Campanha reitera a solicitação ao governo para que promova um debate público sobre o que está em jogo na Alca e quais seriam seus

efeitos na economia do país e na vida do povo brasileiro”. Além de permitir a participação da sociedade nas decisões sobre a Alca, o plebiscito serviria como forma de gerar transparência nas negociações. Atualmente, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva utiliza as mesmas propostas elaboradas pelo gover no Fernando Henrique Cardoso nas negociações da Alca. E o conteúdo dessas propostas não é conhecido pela sociedade. Apenas determinados setores empresariais têm sido consultados e informados sobre as ofertas brasileiras. As entidades integrantes da Campanha organizaram um plebiscito popular sobre a Alca, em 2002, que obteve mais de 10 milhões de votos exigindo que o governo se retire das negociações e que não assine o acordo.A plenária voltou a reiterar essa posição, principalmente diante do desrespeito do gover-

■ Manifestação contra a Alca, em Buenos Aires, na Argentina no de George W. Bush aos tratados e instituições multilaterais. SEM SOBERANIA A campanha pretende intensificar sua mobilização em todo o país, em apoio ao plebiscito da Alca. As entidades avaliam que os Estados Unidos devem adotar

uma posição cada vez mais agressiva para forçar os países latinoamericanos a aceitar suas exigências políticas e econômicas. Um desses mecanismos é a pressão exercida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), para que o Brasil transfira uma maior quantidade de recursos para o exterior.

A campanha demanda que o governo Lula faça uma auditoria pública da dívida externa para investigar denúncias de contratos irregulares e fraudulentos. Da mesma forma que as políticas impostas pelo FMI geram cortes em programas sociais, pobreza e desigualdade, a implementação da Alca trará sérias conseqüências para a sociedade, pois o acordo abrange um amplo leque de temas relacionados não só ao comércio, mas ao futuro da indústria, da produção agrícola, do trabalho, da saúde, da educação, e da própria soberania do país. Os estudos sobre a ALCA mostram que sua implementação significaria a incapacidade do Brasil para definir seu próprio modelo de desenvolvimento. Esse é um dos principais argumentos da campanha para que o governo brasileiro se retire das negociações da Alca e promova um amplo debate sobre o tema.

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

Maria Luisa Mendonça, da Redação

CMI

Campanha defende plebiscito oficial em 2004

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ÁFRICA AFRICA

Paz em Angola é estímulo à reconstrução Marilene Felinto, da Redação

m 4 de abril último, Angola comemorou um ano da assinatura do Memorando de Entendimento para a Paz em Angola, acordo entre o governo angolano e os militares rebeldes da Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola), que pôs fim ao conflito armado de mais de 27 anos (1975-2002). Na esteira deste ano de paz, o gover no do presidente José Eduardo dos Santos vem adotando diversas medidas que garantam a pacificação e redespertem a comunidade internacional para a necessidade de doações e investimentos que ajudem na reconstrução do país. Somente para ajudar os angolanos atingidos pela guerra civil, o país precisaria de 64 milhões de dólares, segundo Santos disse recentemente à agência de notícias France Presse. O Ministro Conselheiro da Embaixada de Angola no Brasil, Luís Filipe Galiano, disse ao Brasil de Subsaariana – Fato que o procesregião da África localizada ao sul do so de reconciliação deserto do Saara nacional de seu país será “lento mas seguro”. Em entrevista por telefone, de Brasília, Galiano reafirmou a intenção do governo angolano de eleger como prioridades para a reconstrução as obras públicas de infra-estrutura, como estradas, pontes, escolas e hospitais. “Nossa primazia é reconstruir toda uma rede de comunicação, refazendo estradas e pontes destruídas pela guerra, de modo que se permita a circulação de bens e pessoas por todo o território e se possa chegar às mais distantes aldeias do país. Além do que a educação e a saúde precisam caminhar juntas nesse proces-

so, também como áreas de primazia para a reconstrução”, Entre as medidas internas para manutenção da paz estão a implantação de mecanismos para o desarmamento da população civil, a reintegração dos militares desmobilizados e o repatriamento de 420 mil angolanos que fugiram de Angola durante a guerra civil e se espalharam por diversos países do continente. Ainda na área dos investimentos internos, segundo o ministro Galiano, uma das prioridades é revitalizar a agricultura, o que vai exigir a eliminação de cerca de oito milhões de minas de todos os tipos enterradas por todo o território angolano. Para isso, o país já vem contando com o apoio do Japão e do Canadá. PETRÓLEO E DIAMANTE Dois fatores têm sido citados como impedimentos para que a ajuda estrangeira chegue ao país: indícios de corrupção no governo e a dificuldade que os angolanos encontram para fechar com o FMI (Fundo Monetário Internacional) um acordo de reestruturação de sua dívida externa. Grande parte do pagamento da dívida do país é garantida pela receita gerada pelo petróleo. Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana, depois da Nigéria. Essa riqueza não chega aos 12 milhões de angolanos, nem impulsiona o desenvolvimento porque está toda comprometida com o pagamento da dívida. Para o Ministro Conselheiro Galiano, um acordo com o FMI deve sair “em curto prazo”. Ele disse que as negociações com o órgão, que já tem um escritório em Luanda, são difíceis pelo posicionamento político do governo angolano em anos passado. Angola “ainda não recebeu do

Joseph Bragoffi/Comboni Press

INTERNACIONAL

O processo de reconciliação nacional em território angolano comemora um ano este mies, depois de quase 30 anos de guerra civil; a prioridade agora é atrair investidores e doadores internacionais que ajudem o país a entrar no rumo do desenvolvimento

■ Crianças improvisam brinquedos nas ruas de Luanda, capital angolana

REP. DO CONGO Kinshasa

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

OCEANO ATLÂNTICO

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o início de abril, Ibrahim Gambari, Conselheiro Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas,Kofi Annan,disse em Nova York à agência Panapress que o processo de democratização de Angola deveria servir de modelo a outros países africanos. Gambari, que acabou de concluir uma missão especial da Organização das Nações Unidas (ONU) de supervisão da colaboração entre o governo angolano e ex-combatentes da Unita, foi explícito no apelo à comunidade financeira internacional por doações e mão-de-obra para ajudar a reconstruir Angola. O Conselheiro também deixou claro que a sociedade civil angolana hoje exige de seus governantes transparência na gestão da coisa pública. Uma conferência internacional de doadores para a reconstrução de Angola, que aconteceria em março último em Bruxelas (Bélgica), não ocorreu e está ainda sem nova data marcada. O Ministro Conselheiro da Embaixada de Angola no Brasil, Luís Filipe Galiano, desmente essa versão e diz que, na verdade, a con-

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Lobito Benguela

Localização: África austral (do Sul) Capital: Luanda Línguas: português (oficial), umbundo, quimbundo, entre outras Divisão política: 18 províncias Regime político: república presidencialista Moeda: novo Kwanza Religiões: católica, protestante e animistas

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■ Soldados da Unita em Damba, no norte de Angola ferência não tinha data marcada. Segundo ele, a dificuldade para agendar o encontro se deve à atual conjuntura internacional. A conferência tem apoio da ONU, que vem encabeçando uma série de iniciativas com o objetivo de possibilitar a transição do país do estágio de dependência para o desenvolvimento e a autoconfiança.

Em fevereiro último, o Secretário Geral Kofi Annan reafirmou em relatório ao Conselho de Segurança da ONU seu empenho em prol da reconstrução de Angola. Na última reunião do G-8 (grupo dos oito países mais ricos do mundo), no Canadá, em junho de 2002, Annan citou Angola como um dos três países da África que mais necessitam de ajuda no pós-guerra. MF

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ZÂMBIA

NAMÍBIA

Joseph Bragoffi/Comboni Press

ONU apóia conferência de doadores

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO (EX-ZAIRE)

Luanda

Angola ●

africanos produtores de diamante, o governo angolano lhe deve o pagamento de um empréstimo de 50 milhões de dólares. A exploração de diamantes tem sido um dos motores dos conflitos civis na África, em países como Angola (quarto maior produtor mundial) e Serra Leoa, por exemplo.

A De Beers rompeu unilateralmente em maio de 2001, um acordo de exploração de diamantes com Angola, alegando descumprimento de contrato. Segundo a companhia sul-africana, que controla cerca de 65% do mercado mundial de diamante não lapidado e tem sido acusada de perpetrar acordos injustos com países

FMI o grande empréstimo, mas isso deve acontecer num futuro breve”, comentou. No que se refere a recursos estrangeiros, o governo d o presidente José Eduardo dos Santos acertou na semana passada linhas de financiamento de médio e longo prazo com o Banco de Desenvolvimento da África do Sul. Outra medida é retomar a todo vapor a produção de diamantes do país. Em recente reunião em Luanda (capital), a Comissão Permanente do Conselho de Ministros tratou da retomada das negociações entre a Empresa Nacional de Diamantes de Angola (ENDIAMA) e a multinacional sul-africana De Beers, para restabelecer as atividades dessa empresa no país.

Guerra civil foi das mais longas Em 1482, o navegador português Diogo Cão desembarcou no litoral de Angola. Era o começo da ocupação portuguesa daquele território. A colonização de fato só teve início em 1575, com a fundação da cidade de Luanda. A principal atividade econômica portuguesa em Angola, já em meados do século 17, era o comércio de escravos para o Brasil. O movimento pela independência de Angola teve lugar na década de 1950, com a criação do Movimento Popular para a Libertação de Angola(MPLA), criado em 1956, com objetivos socialistas. Na década seguinte, surgiram a Frente Nacional para a Libertação de Angola(FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola(Unita). Os três grupos rivais empreenderam guerras de guerrilhas contra os portugueses durante toda a década de 60. Só em 1975 Portugal se dispôs a assinar O Acordo de Alvor, que tornou Angola independente naquele ano. Pela Constituição, o país passou a ser uma república popular de partido único, o MPLA, do primeiro presidente, Agostinho Neto. O governo de Agostinho Neto recebeu apoio político-militar da ex-União Soviética e de Cuba, o que foi motivo de polêmica internacional. A guerrilha da UNITA, apoiada pela Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA e pelo governo racista da África do Sul fez oposição ao MPLA e tentou golpes de Estado durante as décadas de 1970 e 1980. Em 1991, depois de um acordo de paz entre as dois grupos rivais, o país foi transformado em uma democracia multipartidária. Foi eleito o atual presidente José Eduardo dos Santos (MPLA), mas a paz durou pouco. A guerra civil se reacendeu com a acusação do líder da Unita, Jonas Savimbi, de que a eleição tinha sido fraudada. O novo conflito só teria fim em abril de 2002. MF


POVOS INDÍGENAS

NACIONAL

No Dia do Índio, 19 de abril, povos lutampela preservação do seu meio ambiente, comprometido por uma empresa que contamina as águas do rio Branco; lançamento de um CD de músicas guaranis e cantadas por curumins (crianças indígenas) procura preservar a memória de sua cultura

MÁQUINAS PARADAS Em fevereiro, a Rio Branco Mineradora e Construtora interrompeu as operações de extração de cascalho após o Ministério Público Federal ter movido uma ação civil contra a empresa, contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis (Ibama) e contra o Estado de São Paulo — segundo funcionários da procuradoria, entendem-se como governo estadual a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN). O funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), CristianoVieira Gonçalves Hutter, alertou que a situação da Aldeia Rio Branco é similar à das terras indígenas de Piaçagüera, localizada na Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, quilômetro 338, entre os municípios de Peruíbe e Itanhaém. Uma mineradora também extrai areia do rio próximo àquela aldeia. No passado, essas terras foram habitadas por tribos da etnia tupiguarani. Em 1999, ao tomar conhecimento de que a área pertencia aos índios, os guaranis resolveram voltar à morada de seus antepassados.A própria Funai reconhece a região como terras indígenas. Mas os posseiros, sitiantes e a mineradora alegam ter chegado primeiro ao local. “Eles falam que os índios devem ser enviados para a Amazônia. O Estado também tem

culpa, porque a duplicação da Manoel da Nóbrega é uma obra do governo”, diz Hutter. A Funai já solicitou a Brasília uma equipe de técnicos para realizar as demarcações das terras, o que está previsto para acontecer entre julho e agosto deste ano. A organização não governamental Coletivo Alternativa Verde (Cave) e a Funai trabalham em conjunto pela defesa das terras indígenas no litoral paulista. O Cave atua na área de ecologia social e já denunciou empresas transnacionais como Rhodia, Shell e Dow Química por contaminação do meio ambiente e de pessoas. No caso da aldeia rio Branco, também entrou com representação junto ao Ministério Público Federal e enviou ao Ibama um oficio solicitando o cancelamento do licenciamento ambiental concedido à mineradora. Para o Cave, a atividade estaria provocando impactos negativos nos ambientes natural e cultural dos índios guaranis. A concessão do licenciamento também está sendo investigada pelo ministério público federal, que solicitou informações à Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).

■ Comunidade guarani da Aldeia do Rio Branco, no município de Itanhaém (SP), está sendo prejudicada pela Rio Branco Mineradora e Construtora

Cláudio Guimarães

comunidade guarani da aldeia do rio Branco, localizada no município de Itanhaém (SP),está sendo prejudicada pela Rio Branco Mineradora e Construtora, que faz extração de cascalho no leito do rio, próximo às terras indígenas. Segundo o cacique guarani Alcides Mariano Gomes, os peixes e os camarões-de-água-doce sumiram e não sobem mais para a piracema. “As caças fugiram para outras regiões da Serra do Mar por causa do barulho das máquinas e dos caminhões que operam dia e noite”, acrescenta o cacique. As conseqüências da intervenção da empresa no leito do rio são visíveis: erosões nas margens, um desvio do curso de cerca de 200 metros; vários montes de areia interrompem a correnteza. Na aldeia, existem 30 famílias, num total de 100 índios, que usam Juruá – homem branco, na língua o rio para toguarani mar banho e pescar. O cacique Alcides diz que “os juruás devem deixar o rio, pois estão afetando a subsistência da população indígena”. Para completar o drama dos habitantes da região, em dias de chuva a estrada de acesso às terras indígenas fica interditada, em razão do danos causados pelos caminhões que fazem o carregamento do minério para as obras de duplicação da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega. “Seria necessário um estudo aprofundado para saber o porquê da mudança de curso e da falta de peixes no rio. Só técnicos competentes podem apontar com precisão o que está acontecendo”, comenta Pau-

lo Afonso Rabelo, geólogo e chefe do 2º Distrito do Departamento Nacional de Produção Mineral de São Paulo (DNPM), que não descarta a possibilidade de os problemas serem originados por causa natural.

Cláudio Guimarães

Cláudio Guimarães, de Santos (SP)

Cláudio Guimarães

Mineradora prejudica aldeia em São Paulo

Os cantos sagrados das crianças guaranis

Há 503 anos, os guaranis, assim como os tupis, tupinambás, tupiniquins e outras etnias, conviveram na Mata Atlântica, em um ecossistema preservado. Em 2002, estudos feitos por engenheiros ambientais constataram que restam, no Estado de São Paulo, 5% da Mata Atlântica original. Nesse espaço estão 2.700 guaranis divididos em subgrupos: Kaiowá, Ñandeva e Mbyá. Existem também 27 mil guaranis distribuídos por Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina. Em várias cidades do litoral paulista, esses índios enfrentam problemas com invasores de terras, caçadores, empresas de extração de minerais, posseiros e Estado.As terras que por direito constitucional pertencem aos índios não foram demarcadas em algumas regiões do Estado de São Paulo — como no caso da aldeia Piaçagüera. Em conseqüência disso, há guaranis impossibilitados de caçar, pescar, coletar e plantar milho, abóbora, feijão e batatadoce. Entretanto, 2.700 indígenas, incluindo crianças e mulheres, vivem em situação de miséria, a maioria no litoral paulista, sem assistência dos órgãos competentes e sem proteção dos ataques dos latifundiários e posseiros.

Divulgação

Problemas por falta de demarcação de terras

tos Sagrados), são importantes peças etnofônicas de resgate cultural e preservação de um idioma. Não se tem notícia, no Brasil, de outra obra de arte registrada em guarani. A tiragem do CD é de mil exemplares, além de 130 fitas cassetes, projeto que recebeu verbas do governo do Estado através dos “Editais de Apoio à Criação e Produção 2002”.Além de vendidos em pontos comerciais, CDs e fitas estão sendo distribuídos nas aldeias guaranis do Sul do país, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, cruzando fronteiras, chegando à Argentina, Uruguai e Paraguai.Todos os detalhes que envolveram a produção do trabalho ficaram a cargo dos próprios índios, que têm os direitos autorais e patrimoniais.

■ Crianças e jovens Mbyá-Guarani da aldeia do Massiambu, no município de Palhoça, na Grande Florianópolis (Santa Catarina)

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

Em 9 de setembro do ano passado, a Biblioteca Nacional recebeu documentos históricos que são o testemunho da luta de um povo contra o esquecimento de sua cultura. Trata-se de 13 letras de músicas, e respectivas partituras, escritas em guarani. As músicas compõem o CD Tery Maraë-ÿ (Nome Sagrado), gravado pelo coral Kuaray Ouá, conjunto de 20 crianças Mbyá-Guarani moradoras da aldeia do Massiambu, no município de Palhoça, na Grande Florianópolis (Santa Catarina). O CD, lançado no último dia 2, e o disco anterior, Mboraí Marae-y (Can-

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DEBATE

Luiz Eduardo Greenhalgh: o governo FHC promoveu espionagens e perseguição aos movimentos sociais. O presidente Lula prometeu mudar essa situação; Luca Solimeo: “ninguém pode se pôr acima das lutas sociais, porque ninguém pode se pôr acima da humanidade” (Bertolt Brecht)

As prioridades da Polícia Federal Luiz Eduardo Greenhalgh, de São Paulo (SP)

Kipper

ma notícia publicada no final do mês passado, que passou quase despercebida e teve pouca repercussão, ajuda a entender o avanço do crime organizado no país.

No dia 31, reportagem do jornal Folha de S. Paulo deu conta da existência de um documento elaborado na gestão Fernando Henrique Cardoso para orientar as prioridades de atuação da Polícia Federal no período entre 2003 e 2006: monitorar a crise colombiana e os movimentos reivindicatórios rurais e urbanos. A perseguição e a espionagem promovidas pelo governo Fernando Henrique Cardoso contra os movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), não são novidade. O que espanta é o fato de o crime organizado receber “prioridade média” de atuação da Polícia Federal e, em uma lista de 43 medidas, ser epenas a 32ª. A divulgação do documento comprova o que há muito tempo já se sabia: nos últimos oito anos, a Polícia Federal serviu principalmente para atender a interesses político-eleitorais dos tucanos. A Polícia Federal chegou à ousadia de grampear o telefone do então candidato e hoje presidente Lula e tentou politizar o assassinato do prefeito Celso Daniel. O governo Fernando Henrique

via no MST uma verdadeira ameaça à democracia, enquanto os cariocas eram submetidos aos mandos do tráfico internacional de drogas e o governo e a Assembléia Legislativa do Espírito Santo foram tomados pelo crime organizado. Sem encontrar grandes impedimentos, o crime organizado avançou e formou um Estado paralelo, quando não se apossou do próprio Estado, como bem exemplifica o Espírito Santo. Corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, desvio de recursos da União, compra de decisões judiciais, contrabando de armas, uma lista sem fim. Enquanto isso, a Polícia Federal paralisava investigações – como a que descobriu um esquema de lavagem de dinheiro que utilizava a agência do Banestado em Nova York – e usava seus agentes para espionar movimentos sociais. Ainda é preciso levar em consideração outra informação trazida a público. O documento que determinava diretrizes para a Polícia Federal foi elaborado por uma empresa de consultoria, paga pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). A tarefa de priorizar o trabalho da Polícia Federal não po-

deria jamais ser terceirizada, menos ainda à custa de uma entidade internacional. A ação da Polícia Federal é estratégica. E o novo governo sabe disso. Desde que Lula assumiu a presidência da República, a prioridade é o combate ao crime organizado e a atuação emergencial, como exige a situação nos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Os movimentos sociais deixam de ser um assunto da polícia e passam a ser uma questão política. A determinação do diretor da Polícia Federal é de desativação do setor de controle da questão agrária. Esse assunto agora é tratado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário. O Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça, foi questionado sobre a atuação da Polícia Federal e negou que essas diretrizes estejam mantidas no atual governo, além de reafirmar que a prioridade absoluta do governo Lula é o combate ao crime organizado. Luiz Eduardo Greenhalgh é deputado federal (PT-SP), presidente da Comissão de Constituição de Justiça da Câmara dos Deputados e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato

Mídia criminaliza movimentos

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s atores sociais que não fazem parte da elite, como as organizações populares e os movimentos progressistas, notoriamente encontram numerosas dificuldades em expressar a própria opinião e pontos de vista alternativos nos meios de comunicação. Isso acontece porque a mídia — especialmente a de grande porte — geralmente opera em nome de interesses econômicos que obrigam, de alguma forma, a legitimação do status-quo, ou seja, daquela parcela da sociedade que não permite grandes mudanças e que tenta perpetuar indefinidamente uma condição aparentemente estável do presente, ideal para os padrões do chamado “mercado”. Os movimentos sociais, como embaixadores das mudanças na sociedade, mesmo chegando a representar interesses e aspirações de milhões de pessoas, como aconteceu, por exemplo, na ECO92 da ONU, realizada no Rio de Janeiro, se tornam um “luxo” que os grandes grupos de mídia não podem ou não têm coragem de suportar e ampliar devidamente. Este conceito é válido tanto no chamado “primeiro mundo” quanto nos países em desenvolvimento ou de “democratização recente”. Alguns pequenos “sinais”, porém, revelam uma tendência significativamente diferente: no dia 28 de junho de 2001, a Corte Européia dos Direitos Humanos de Estrasburgo reconheceu, pela primeira vez, o “direito de acesso aos debates de interesse geral nos meios de comunicação”, de acordo com o artigo 10 da Convenção Européia dos Direitos Humanos sobre a liberdade de expressão. A sentença refere-se ao caso de uma associação suíça de defesa

dos animais, a VGT (Verein Tegen Tierfabriken), que denunciou o principal noticiário televisivo do país, o SSR, por ter censurado um anuncio publicitário auto-produzido cuja intenção era avisar o público sobre os riscos ligados ao consumo de carne. A iniciativa era uma resposta a uma intensa campanha promocional conduzida no país pela grande indústria pecuária. Reconhecendo a posição de absoluta liderança do canal SSR em produzir e emitir uma informação acessível em qualquer parte do território nacional, o tribunal de Estrasburgo praticamente afirmou uma nova interpretação do princípio de liberdade de expressão, em termos de uma “obrigação positiva” dos grandes veículos de informar o público. DIREITOS HUMANOS Evitando comparações artificiais e considerando fundamental distinguir entre os diferentes contextos e países, é importante observar que a criminalização dos movimentos sociais, hoje em curso com a ajuda da mídia, constitui muito mais que uma questão puramente ética. Ao contrário, ela representa a violação de dois princípios fundamentais nos países que se definem democráticos: o pluralismo informativo, não limitado exclusivamente à visibilidade dos partidos políticos nas competições eleitorais, e o direito dos cidadãos a receber uma informação imparcial. Na esfera internacional, fora do âmbito europeu, apesar da falta de poder “vinculante” em termos de aplicação, existem já documentos e convenções extremamente explícitas neste propósito. É o caso, primeiramente, do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, do artigo 19 do Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 e também da Declaração da Unesco sobre os Mass Midia, de 1978. São textos aprovados e ratificados por quase a totalidade dos países que atualmente compõem as Nações Unidas. No nível continental, a Convenção Americana de Direitos Humanos é uma das mais avançadas e detalhadas nesse aspecto, assumindo, no artigo 13 (§1º), que “toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha”. O papel dos meios de comunicação na formação da opinião pública é visível, tanto na apresentação de uma questão política quanto na sua omissão; na cobertura dos grandes eventos e na dos fatos do dia-a-dia; nas notícias aparentemente mais neutras, mas que, em longo prazo, contribuem para criar “conexões cognitivas” e associações de idéias. Conceitos, verdadeiras marcas interpretativas que, no contexto do atual incontrolável ritmo da informação, progressivamente entram a fazer parte do “patrimônio de conhecimento” do cidadão e do

chamado “imaginário coletivo”, ou seja, a base e a raiz da qualquer orientação política e cultural. A enorme e crescente responsabilidade da mídia em garantir um mínimo de espaço para os vários atores que compõem o contexto político e social de um país pode se resumir, de alguma forma, numa célebre frase do escritor alemão Bertolt Brecht segundo a qual “ninguém pode se pôr acima das lutas sociais, porque ninguém pode se pôr acima da humanidade”. Luca Solimeo é pesquisador do European Master on Human Rights em Bruxelas, Bélgica

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BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

Luca Solimeo, de Pádua (Itália)


ASSÉDIO MORAL

NACIONAL

Já têm a quem recorrer os trabalhadores humilhados em seus locais de serviço; por exemplo, os que, por lutarem por suas reivindicações e de seus companheiros, são obrigados a ficar isolados, sem poder falar com seus colegas, como aconteceu com uma vendedora que era sindicalista

Claudia Jardim, da Redação vendedora M.F. passou um ano isolada dentro de uma sala, de onde observava os colegas através do vidro. Fora do escritório, a sensação de inutilidade começou a abalar sua saúde física e mental. Mas o cárcere não era espontâneo: seu chefe queria assim. A história dessa trabalhadora se assemelha à de muitos empregados submetidos a uma situação de constrangimento que passou a ser caracterizada como assédio moral. O assédio moral acontece quando os superiores abusam do seu poder para desqualificar, humilhar e exigir maior produtividade. No caso de M.F, a origem do “castigo” foi sua condição de dirigente sindical. O novo gerente do departamento decretou que não queria integrantes do sindicato em sua equipe e, como não podia demiti-la, pois o artigo 543 da CLT assegura estabilidade a direLER – Lesão por tores sindicais, Esforços Repetitivos retirou suas DORT – Distúrbios Osteomusculares funções e imRelacionados ao pediu os ouTrabalho - referem-se a tros empregadoenças como dos de convertendinite, tenossivite, sar com ela. bursite, entre outras “Gravei o teleCLT – Consolidação fonema de das Leis do Trabalho, uma amiga diinstituída em 1943, zendo que ele período da ditadura do Estado Novo de tinha proibido Getúlio Vargas que se todos de falar estendeu de 1937 a comigo. Se al1945 guém desobedecesse, perderia o emprego”, afirma M.F. Recente pesquisa da médica do trabalho Margarida Barreto mostrou que os chefes utilizam esses recursos para pressionar o empre-

gado a pedir demissão. M.F. preferiu resistir: “Era matar ou morrer. O presidente da empresa ofereceu R$ 100 mil para eu pedir demissão. Mas, se aceitasse, estaria vendendo minha dignidade”. Com a recusa da oferta, a empresa interrompeu o contrato de trabalho da vendedora. O sindicato de sua categoria encaminhou à Justiça do Trabalho processo por coibição do exercício das atividades de M.F, mas o caso ainda não foi julgado. MEDO DE DEMISSÃO Por temor do desemprego, milhares de trabalhadores sofrerem assédio calados.“Para se mostrar eficazes, muitos trabalham doentes ou até acidentados”, afirma Margarida, acrescentando que 55% dos casos ocorrem em empresas transnacionais. O medo levou Helena Rocha, ajudante-geral em uma indústria de cosméticos, em São Paulo, a se submeter a horas seguidas de trabalho sem interrupção. Resultado: ela desenvolveu um quadro de LER/Dort. “Não tinha tempo nem de ir ao banheiro, não podia parar”, lembra a operária. Além das pressões para aumentar a produção, Helena sofria humilhações e outras violências com freqüência. “O supervisor chegou a me empurrar e me jogar no chão”, conta. A operária escondeu a doença por algum tempo, mas quando começou a interromper o trabalho para se tratar, pois a tendinite já havia afetado os dois braços, foi transferida de setor. Alguns meses depois, foi demitida.“Durante um mês continuei a levantar cedo, vestir o uniforme e ir para a fábrica como se ainda estivesse trabalhando lá. No meio do caminho me dava conta que tinha sido demitida e começava a chorar”. Helena

Fotos: Renato Stockler

Chefes tiranos podem ser punidos

■ A DRT de São Paulo, onde há cartazes contra os constrangimentos, está sendo processada por pressões contra a engenheira Fernanda (à direita) foi submetida a uma cirurgia para conter as lesões nos braços e não pode mais trabalhar. Há seis anos recebe o seguro-doença e há dois faz tratamento psiquiátrico. O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil/SP, João José Sady, explica que a maioria dos trabalhadores atingidos por LER/Dort tem dificuldades em provar que a doença foi provocada por descumprimento das exigências do Ministério do Trabalho. “Com a morosidade dos julgamentos, muitas vezes os sintomas desaparecem. Mas o trabalhador não está curado das lesões, que reaparecem quando ele volta a trabalhar”, diz Sady. A engenheira Fernanda Giannasi, auditora fiscal da Delegacia do Trabalho de São Paulo, é uma lutadora contra os efeitos do amianto (substância cancerígena) sobre os trabalhadores. Ela também foi vítima de assédio moral. Por ciúme da repercussão de sua atividade, seu chefe a transferiu de município e inúmeras vezes tentou impedir sua participação em seminários refentes ao assunto.“Ele dizia que eu não era cientista, apenas uma fiscal”, conta ela.

Sob forte pressão durante dez anos, Fernanda teve problemas de saúde, até chegar à depressão.“Pensei duas vezes em suicídio”, lembra. Segundo a médica Margarida Barreto, essa tendência é comum. De 870 entrevistados para a sua

pesquisa, 100% dos homens já pensaram e 18,3% já tentaram suicídio. Em 2000, Fernanda encaminhou uma denúncia ao Ministério do Trabalho. O processo foi arquivado e seu chefe continua a comandar a DRT de São Paulo.

Aplicação da lei No mês passado, em Minas Gerais, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT - 3a. região) reconheceu que o servidor público da Vara do Trabalho de Pouso Alegre, Wagner Pereira Prado da Silva, foi demitido injustamente após responder à agressão caracterizada como assédio moral. Silva foi readmitido após o julgamento. “A CLT concede ao trabalhador o direito de resistência ao assédio, porém não lhe dá instrumentos para isso. Ou seja, não o protege da dispensa sem justa causa.A única maneira de garantir esse direito é reduzir o poder absoluto das empresas sobre as demissões”,alerta o coordenador da comissão de direitos humanos da OAB/SP, João José Sady. Mesmo diante das ações que demonstram que as leis de proteção ao trabalhador não são respeitadas, a criação de uma lei que coíba o assédio moral tem sido amplamente discutida na esfera federal.Tramita no Congresso o Projeto de lei nº4742/2001,do deputado federal Marcos de Jesus (PL-PE), que, se aprovado, incluirá o artigo 136-A ao Código Penal, tornando o assédio moral um crime. A pena prevista para o agressor vai de um a dois anos de detenção. São Paulo e Rio de Janeiro são os únicos estados brasileiros com legislação estadual (Leis de nº 0422/2001 e 3921/2002) sobre assédio moral, mas voltada apenas aos servidores públicos. As penalidades vão desde a obrigatoriedade de fazer cursos de aprimoramento profissional até a demissão.

AGENDA

GUERRA SP - ATO-SHOW

CONTRA A

GUERRA

● dia 13, às 14h Estação de Guaianases, Av. Salvador Gianeti, São Paulo (SP). Promovido pela juventude do PT, Espaço Cultural Carlos Marighela, Núcleo Cultural Força Ativa. Atoshow contra a guerra e contra o imperialismo. Bandas e grupos da região vão se encarregar do som. Mais informações: (11) 6557-6563/ 9501-4735, nandalcantara@hotmail.com

PR - SEMANA

DE

DEBATES “O

IMPÉRIO E A PAZ”

● de 14 a 16, das 19h às 22h Teatro da Reitoria, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba (PR). O evento é uma promoção do Brasil de Fato em parceria com a UFPR. Acontecerão palestras e debates. Mais informações: (41) 3222-8113

ARTES SC - EXPOSIÇÃO

DE ARTE

● até dia 25, das 8h às 18h Galeria de Artes da Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Convivência,Trindade, Florianópolis (SC). Promovida pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da UFSC. A

mostra reúne cerca de 15 trabalhos da ilustradora e artista gráfica Márcia Cardeal. Mais informações: (48) 334-1840, mauriantonio@bol.com.br

ENERGIA BA - PROJETO DE

SOBERANIA

ENERGÉTICA PARA O

DE

HISTÓRIA NORTE/

● de 18 a 21 de abril Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Marco Zero do Equador, Macapá (AP). O tema do encontro é ‘‘A Internacionalização da Amazônia’’. Promovido pelo Centro Acadêmico de História da Universidade Federal do Amapá (CAHIS-UNIFAP) e pela Comissão Organizadora do Encontro Regional de História Norte/Nordeste (COEREH). Mais informações: pajeu13@hotmail.com, (71) 285-3468

BRASIL

● dia 22, às 19h30 h Teatro Glauber Rocha, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Vitória da Conquista (BA). Bautista Vidal, criador do Proálcool, fará conferência sobre propostas alternativas de energia para o Brasil. Mais informações: rogeriocastrouesb@hotmail.com, (77) 421-3580

TRABALHO BRASÍLIA - JORNADA NACIONAL LUTA POR EMPREGO E DIREITOS

DE

SOCIAIS

● entre os dias 17 e 21 Organizado pela CUT e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos SócioEconômicos (DIEESE). Semana de debates, passeatas e manifestações. Mais informações: (11) 3272- 9411

DE MAIO RS - PLENÁRIA DE ORGANIZAÇÃO DO 1º DE MAIO ● dia 15, às18h Sede da CUT/RS, Porto Alegre (RS). A plenária terá como eixo central uma discussão sob o tema “Contra a Guerra Imperialista”. Mais informações: Katia Marko, (51) 3224-2484 / 9173-6899

HISTÓRIA AP - XV ENCONTRO REGIONAL

DE

CONCURSO SP - SEDE DE VIVER, ÁGUA TRATADA, VONTADE SACIADA ● Inscrições até 18 de junho Concurso promovido pela empresa Cuno Latino e pelo Instituto 5 Elementos conta com o apoio da Universidade da Água, da Secretaria do Estado da Educação. Pretende conscientizar crianças e adolescentes da importância da água. As escolas vencedoras recebem o Prêmio Cuno de Qualidade da Água, com troféu e diplomas para os alunos e sistemas de filtração para a escola. Os

trabalhos devem ser enviados para: 5 Elementos Instituto de Educação e Pesquisa Ambiental, R. Caio Graco, 379, Lapa, 05044-000, São Paulo (SP).

REFORMA AGRÁRIA SP - CAMPANHA NACIONAL PELA REFORMA AGRÁRIA CONTRA O LATIFÚNDIO

● até dia 1º de maio Organizada pelo MST, tem como objetivo denunciar e combater os crimes do latifúndio. 13 - Missa de Ramos contra os pecados do Latifúndio (9h), Escola Renato, Brasilândia, São Paulo; 15 e 16 - Marcha pela Reforma Agrária e vigília contra a guerra, saída: acampamento Irmã Alberta e Terra Sem Males - km 29 Anhanguera, São Paulo (6h). Mais informações: (11) 3277-8585

NEGRO E EDUCAÇÃO SP - 3º CONCURSO DE DOTAÇÕES DE PESQUISA SOBRE NEGRO E EDUCAÇÃO. ● Inscrições até 9 de maio Objetivo: contribuir para a superação das desigualdades étnico-raciais que marcam a história brasileira, particularmente aquelas que se registram no âmbito educacional. Destina-se a pesquisadores iniciantes preocupados com o tema. Mais informações: (11) 3151-2333, www.acaoeducativa.org, concursonegroeeducacao@acaoeducativa.org.

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

ESTUDANTES NORDESTE

Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie e-mail para agenda@brasildefato.com.br

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ESPORTE

Em Brasília, Senado aprova lei de moralização do futebol; nos bairros pobres das cidades brasileiras, atletas e treinadores de bairros pobres encontram na prática do boxe uma maneira de superar os limites do corpo e as barreiras sociais

FORA DO RINGUE

Boxe contra a exclusão social ndré Luiz Guerra tem 26 anos e 13 de boxe. Começou a praticar o esporte quando morava nas ruas de Belo Horizonte (MG), ensinado por um mexicano, de passagem pelo Brasil, que decidiu ser seu professor. Ele acumula, como profissional, 16 lutas: 14 vitórias por nocaute e 2 derrotas. Treina mais de oito horas por dia, às vezes com pesos de concreto e marretas de ferro que bate em pneus, trabalha como instrutor de boxe e recebe menos de dois salários mínimos por mês. “As pessoas que entram no boxe não entram pelo dinheiro, entram pela paixão. É algo que elas têm que fazer”, explica Erotildes Baltazar, de 71 anos, que é treinador de uma escola de boxe no Tatuapé (zona Leste de São Paulo). Os atletas se transformam em outras pessoas, afirma Baltazar, pois adquirem uma nova consciência de sua força e de seu corpo. O professor de sociologia da Universidade da Califórnia Loïc Wacquant, que estuda há 15 anos a prática do boxe em academias da periferia de metrópoles estadunidenses, define a disciplina dos

pugilistas como “três grandes sacrifícios”: o controle da alimentação (sem açúcar e álcool), o fim das festas e se abster de ter relações sexuais semanas antes de uma luta para não atrapalhar o desempenho. Para o atleta, diz Wacquant, o reconhecimento não se dá pelo dinheiro, mas pelo sentimento de superar os limites do corpo e também das condições de vida.

Fotos: Renato Stockler

João Alexandre Peschanski, da Redação

MERCADORIA DO ESPORTE “A gente treina com um lutador durante anos e, quando ele está bem, chega um empresário cheio de grana e leva o trabalho de anos embora”, reclama Baltazar, que já descarregou caminhões de entulho para conseguir o dinheiro suficiente para passes de que precisava um atleta para treinar. Por outro lado, Guerra reclama da falta de investimento. Carrega com ele, para dar mais motivação, um fichário com recortes de jornais mineiros em que as manchetes são quase sempre as mesmas: “Boxeador luta por patrocínio.” Para Wacquant, há muita exploração comercial do boxeador. “Ele é visto como um corpo a ser treinado, exibido e que rende dinheiro. Para os empresários, não

■ “A pior luta não é a do ringue, mas a da pobreza”, concordam os treinadores Erotildes Baltazar e Aparecido Domingos

passa de um prostituto”, explica. Fernando Rodrigues, de 21 anos, participou de seu primeiro campeonato em 2 de abril.Venceu por nocaute, em 30 segundos, e recebeu R$ 20.“Quando subo no rin-

gue, sinto um arrepio na barriga. Lá em cima, você só pensa no adversário”, comenta. Para o treinador Aparecido Domingos, de Rolândia (PR), com um pouco de apoio e de es-

trutura, o Brasil pode criar muitos atletas de bom nível: “E daí podem vir os melhores atletas dos Estados Unidos que apanham muito no ringue, e de lutadores brasileiros.”

FUTEBOL

Nova lei dá mais poder ao torcedor Márcio Kroehn, de São Paulo (SP) Senado aprovou a Lei da Moralização do Futebol na quintafeira, dia 3. Os grandes vencedores são os torcedores, que poderão fiscalizar os dirigentes de seu time. Para os jogadores, mudanças devem ocorrer antes de aprovação final da lei, que é feita pelo presidente Lula. O jornalista do canal esportivo ESPN Brasil Paulo César Vas-

punidos até com os próprios bens caso suas administrações não sejam limpas. “O maior problema do futebol é não ser administrado por gente séria”, explica PC Vasconcellos. Outro ponto importante é a limitação de um ano para os contratos entre empresários e procuradores e os jogadores. “A estrutura brasileira é cruel com os de classe social mais baixa porque os transforma em reféns daqueles que têm dinheiro”, pontua PC Vasconcellos.

concellos acredita que o torcedor ganhará um tratamento mais respeitoso e profissional. “Para isso, é necessário que se aplique o que está assinado e ocorra uma mudança nas cabeças de quem administra o futebol”, afirma. Para Gustavo Castro, advogado especializado em direito esportivo, o torcedor deverá participar mais, podendo, por exemplo, abrir uma ação popular para que seus direitos sejam cumpridos. A partir de agora, os dirigentes podem ser

PRINCIPAIS CONQUISTAS 1 2 3 4

Clubes têm de prestar contas de suas atividades. Condição do estádio se torna responsabilidade de dirigentes. Dirigentes podem ser afastados em caso de má administração. O primeiro contrato profissional do jogador poderá ser feito a partir dos 16 anos de idade, com validade máxima de 5 anos. 5 Os empresários e procuradores não poderão fazer contratos superiores a um ano com os jogadores. 6 Financiamentos públicos só serão feitos com modelo profissional e transparente (para obter financiamento público, o clube terá de elaborar e publicar suas demonstrações financeiras lucros e prejuízos no ano).

O vexame da Fórmula 1

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ou daqueles poucos que não respeitam a Fórmula 1 como esporte. Acho que é negócio.Tanto assim que outro dia a Ferrari mandou o Rubinho Barrichello tirar o pé do acelerador para o Michael Schumacher ganhar a corrida. Mais claro e ultrajante do que isso, difícil de imaginar. Os dirigentes desse “esporte” são muito descarados. Na prática eles querem dizer o seguinte:“Olha, você não pode ganhar essa corrida, vamos fazer uma manobra.” E o torcedor, o simpatizante, o espectador que se dane. Além disso, é uma manobra que envolve um mundo de dinheiro. São direitos de transmissão que arrastam os patrocinadores para a televisão. Ah! Os patrocinadores. Houve um tempo, no início dos anos setenta (1974), quando Emerson Fittipaldi reinava absoluto, que os produtos

anunciados eram mais variados. Começava, claro, pelos óleos lubrificantes, gasolina etc., até o prosaico anúncio de lingüiças e camisinhas. Isso mesmo, camisinha!. Hoje os tempos são outros. É só observar o que aconteceu no Grande Prêmio Brasil. As máquinas chegaram, armaram seus circos. Aí, então, alguém se lembrou que o anúncio do tabaco, isto é, dos cigarros, estava proibido. Desde o mês de janeiro deste ano, uma lei federal proíbe a propaganda de cigarro na Fórmula 1, em território brasileiro. Houve uma histeria geral. O que fazer? Sem esse anunciante, os organizadores ameaçaram não organizar coisa alguma, isto é, não haveria o Grande Prêmio. Como iria se posicionar o austero Partido dos Trabalhadores era a grande questão. O Ministério do Esporte, entregue ao Partido Comunista do Brasil, e a Secretaria do Esporte do Estado de São Paulo não por acaso entregue ao mesmo partido? O que dizer en-

tão do Ministério da Saúde, entregue a um médico! Como se sabe, os médicos são contra o fumo. Qual o quê! Ameaçados pelos dirigentes internacionais e nacionais da Fórmula 1, o pânico foi geral. Um corre-corre dos diabos. Pobres ministros e secretários. Desconhecem que esses dirigentes da Fórmula 1 são marginais, delinqüentes, escroques de além fronteira. E na queda de braço que se tornou pública o recuo do Partido dos Trabalhadores foi um vexame. SubDivulgação/Maurício V. Senise

BRASIL DE FATO De 13 a 19 de abril de 2003

Juarez Soares, de São Paulo (SP) missos à força do capitalismo avassalador, o PT recuou. Foi emitida uma medida provisória autorizando a propaganda de cigarro e o Grande Prêmio foi realizado. Nunca se viu tanta subserviência pública. Foi descarada.Tudo em nome de não se sabe que ideologia. Se o partido tivesse revivido os melhores momentos de sua história, teria firmado posição. Era só cumprir a lei, pagar para ver. Teria então dado uma demonstração de austeridade e respeito ao povo e a si próprio.

O pior de tudo veio depois. No meio de uma roda de jornalistas em Interlagos, quando soube da autorização do governo, Bernie Ecclestone, o famigerado dono da Fórmula 1, disse entre gargalhadas: “Isso é o Brasil.” É o Brasil, o escambau, seu pilantra! Nunca vi tanta safadeza, gozação, humilhação. Bem feito para os políticos que permitiram a realização do Grande Prêmio, competição aliás que foi um vexame. Não teve começo nem fim.


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