BRASILDEFATO Ano I ■ Número 8 ■ São Paulo ■ De 27 de abril a 3 de maio de 2003
Circulação Nacional
R$ 2,00
Rose Brasil/ABr
Chefões do narcotráfico são alvo de Lula Pela primeira vez na história, um presidente brasileiro denuncia de público que o crime organizado tem os seus chefões nas altas esferas da sociedade. Disse o presidente Lula, em Vitória (ES), dia 22: “Hoje nós enfrentamos uma indústria, que eu diria até multinacional, do crime organizado. Ele tem o seu braço na política, na polícia, no Poder Judiciário, tem o seu braço nos empresários, tem o seu braço internacional”. E mais:“Só vamos combater o crime organizado quando a gente resolver pegar quem compra e quem vende, e não apenas quem está no processo de intermediação, que muitas vezes são pobres coitados, induzidos, para ganhar o pão de cada dia”. Desse modo, para o presidente, em vez da costumeira violência policial nas favelas, o combate ao narcotráfico deve se estender aos altos escalões do poder político e econômico, onde estão os verdadeiros chefões do crime organizado. Concluiu Lula: “No dia em que a inteligência da polícia for mais ousada e forte do que a força bruta, possivelmente a gente não precise invadir uma favela, mas quem sabe subir numa cobertura, numa das grandes capitais deste país, e pegar um verdadeiro culpado pelo narcotráfico”. Pág. 7 ■ Lula discursa no Palácio Anchieta, em Vitória (ES), dia 22, quando anunciou um pacote de sete medidas destinadas a combater o crime organizado no Brasil
EUA enfraquecem poder de Arafat
Argentinos vão às urnas
Por imposição do governo estadunidense, o primeiro-ministro palestino, Abu Mazem, substituiu o líder Iasser Arafat como comandante das forças de segurança da Autoridade Nacional Palestina. “Arafat não é o tipo de liderança de que precisamos na Palestina”, disse o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell. Por outro lado, mesmo a França tendo concordado com a suspensão das sanções ao Iraque, Powell declarou que o governo francês não escapará a um “castigo” por não ter apoiado a guerra contra Sadam Hussein. Pág. 9
Em clima de grande apatia, os argentinos vão às urnas, dia 27, para eleger o seu novo presidente. A contrapartida é a violência policial contra trabalhadores. Com bombas de gás e balas de borracha, a polícia despejou os trabalhadores que ocuparam a fábrica Brukman, após a sua falência. Hoje, 150 fábricas argentinas funcionam nessas condições, empregando 10 mil trabalhadores. Nenhum dos cinco principais candidatos – Carlos Menem, López Murphy, Néstor Kirchner, Rodríguez Saá e Elisa Carrió - se pronunciou sobre a ação policial. Pág. 11
Brasil deve vetar acordo de Alcântara O chanceler brasileiro Celso Amorim encaminhou exposição de motivos ao presidente Lula, pedindo a retirada do acordo que permite aos EUA utilizarem a base de Alcântara (MA) para lançamento de satélites. O documento é assinado também pelos ministros da Defesa, José Viegas, e da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral. Em audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, dia 23, Amorim admitiu eventualmente assinar a adesão à Área de Livre Comércio das Américas, mas disse não aceitar um acordo prejudicial ao país. Pág. 5
Produtores não querem transgênicos no porto de Paranaguá A Federação da Agricultura do Paraná propôs à administração do porto de Paranaguá que por ali não seja exportada soja transgênica. Para a pesquisadora Lavínia Pessanha, a liberação dos transgênicos no Brasil faz parte de um processo iniciado em 1997. Pág. 3
ÁFRICA SACRIFICADA – Fundos antes destinados ao desenvolvimento na África agora serão usados na “reconstrução” do Iraque. Pág. 12 LUTA ANTIMANICÔMIOS – Autor do livro que deu origem ao filme Bicho de Sete Cabeças corre o risco de ser preso, por difamação. Pág. 13 LIVROS DE ÍNDIOS – Escritores índios lançam livros didáticos para as aldeias e para o público em geral. Pág. 15
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ZERO FORA – Milhares de leitores cancelaram suas assinaturas do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, RS, acusado de distorções. Pág. 8
Maringoni
E mais:
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Fala, Zé! Ohi
NOSSA OPINIÃO
Polícia para quê? “Hoje, nós enfrentamos uma indústria, que eu diria até multinacional, do crime organizado. Ela tem o seu braço na política, na polícia, no Poder Judiciário, tem o seu braço nos empresários, tem o seu braço internacional.” As palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proferidas durante um discurso em Vitória do Espírito Santo, dia 22, podem abrir um novo capítulo na história do Brasil. Segundo a Organização das Nações Unidas, o crime organizado internacional movimenta, por ano, 1,5 trilhão de dólares, o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) da França. O narcotráfico, sozinho, fatura 500 bilhões de dólares, superior ao PIB brasileiro. No Brasil, o crime organizado gera cerca de 50 bilhões de dólares, metade dos quais oriundos do narcotráfico, segundo dados reunidos por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Onde está o dinheiro? O presidente ajuda a responder: “Às vezes a gente pega e ouve na televisão o seguinte discurso: ´Tem violência? Tem. Vamos cercar a favela. Tem droga? Tem. Vamos ocupar a favela. Possivelmente, no dia em que a inteligência da Polícia for mais ousada e mais forte do que a força bruta, a gente não precise invadir uma favela, mas, quem sabe, subir numa cobertura, numa das grandes capitais deste país, e pegar um verdadeiro culpado pelo narcotráfico.” Boa parte da “nuvem de dólares” que circula pelas bolsas, mercados e paraísos financeiros é formada pelos narcodólares. O narcotráfico está tão indissoluvelmente ligado aos mecanismos especulativos do capital financeiro internacional que ele se torna inseparável da maneira de funcionar da economia neoliberal. O crime organizado, estimulado pela desregulamentação promovida pelo neoliberalismo, suborna autoridades, desmoraliza instituições e promove o caos. As cenas violência, mais agudas e visíveis no Rio de Janeiro e Espírito Santo, mas relativamente comuns em todo o país, reproduzem um quadro já vivido na Colômbia, onde os donos da droga ergueram um “Estado dentro do Estado”. Elas continuarão a existir enquanto não for destruído o pacto e compromissos espúrios entre os setores corruptos da política, da polícia, do Poder Judiciário e do empresariado de que fala Lula. A polícia deve criar, no Brasil, a sua própria versão da Operação Mãos Limpas que desmantelou o crime organizado na Itália. Cumpre, por exemplo, redefinir a função do exército de agentes que foram contratados pela Agência Brasileira de Informação (Abin), com o objetivo explícito, declarado pelos porta-vozes do governo anterior, de fazer infiltração nos movimentos sociais e populares. Os bandidos não integram esses movimentos. Eles estõ nas coberturas elegantes dos jardins, como disse Lula. Lula também disse que “nós queremos uma segurança pública em que a justiça seja igual para todos, e não uma justiça que cuida com mais carinho daquele que tem “alguns contos de réis” em conta bancária. (...) Este país precisa recuperar o sentido da justiça para todos.”
BRASILDEFATO CONSELHO POLÍTICO: Achille Lollo ■ Ari Alberti ■ Ariovaldo Umbelino ■ Assunção Ernandes ■ Aton Fon Filho ■ Augusto Boal ■ Cácia Cortez ■ Carlos Marés ■ Carlos Nelson Coutinho ■ Celso Membrides Sávio ■ Claus Germer ■ Dom Demétrio Valentini ■ Dom Mauro Morelli ■ Dom Tomás Balduíno ■ Edmilson Costa ■ Elena Vettorazzo ■ Emir Sader ■ Egon Krakhecke ■ Erick Schunig Fernandes ■ Fábio de Barros Pereira ■ Fernando Altemeyer ■ Fernando Morais ■ Francisco de Oliveira ■ Frederico Santana Rick ■ Frei Sérgio Gorgen ■ Horácio Martins ■ Ivan Valente ■ Jasper Lopes Bastos ■ ■ João Alfredo ■ João Capibaribe ■ João José Reis ■ João José Sady ■ João Pedro Stedile ■ Laurindo Lalo Leal Filho ■ Leandro Konder ■ Luís Alberto ■ Luís Arnaldo ■ Luís Carlos Guedes Pinto ■ Luís Fernandes ■ Luis Gonzaga (Gegê) ■ Marcelo Goulart ■ Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind ■ Mário Maestri ■ Nalú Faria ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs ■ Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ Também participam do Conselho Político todos os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores ■
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stá no ar a página da Internet do jornal Brasil de Fato. Esse espaço virtual foi criado para ser o canal de comunicação direta entre os leitores, dos colaboradores e a redação. Ao clicar o botão SUGESTÕES DE REPORTAGEM, você pode enviar suas propostas, denúncias e temas que gostaria de ver abordados nas páginas do jornal. No botão SEJA UM COLABORADOR,você se cadastra para fazer parte da rede nacional de colaboradores.A página do Brasil de Fato também traz as principais manchetes do jornal na semana, a agenda completa de eventos sociais e culturais e todos os contatos dos comitês regionais de apoio do jornal. Entre e conheça: www.brasildefato.com.br
Cartas de leitores GOVERNO LULA Qualquer que seja a denominação dada aos chamados “radicais” do PT , eles estão na berlinda, alvejados por todos os lados. Particularmente, acredito que o governo deveria priorizar a geração de empregos, como prometeu durante a campanha, e fazer uma opção pelos trabalhadores e pela indústria, em vez de privilegiar o capital financeiro. Mas ainda tenho muita esperança. Espero que a transição comece logo e que daqui a pouco possamos enxergar o transatlântico-Brasil mudar de rumo e desviar do iceberg, pois até agora só aprofundamos a política de FHC. Será que Lula deveria aproveitar o início do mandato para iniciar com tranqüilidade as reformas de que o país realmente necessita, ao invés de cumprir a agenda da plutocracia, ou será que não podemos desobedecer o “mercado”? Será que as contradições se explicitarão a ponto de trazer mudanças positivas ou o saldo deste governo será baixo crescimento econômico, muita propaganda e empulhação? Sei lá, não sei. João Amado, Rio de Janeiro (RJ) O presidente Lula entrou com uma proposta de mudança e prometendo a aprovação das reformas constitucionais. Agora, no início do governo, ele pressiona e se empenha para que saia logo a aprovação das reformas tributária e previdenciária. Mas por que não começar pelas reformas política e agrária? A resposta é que as mesmas afetam as elites dominantes neste país. Rafael Rossi, Rio de Janeiro (RJ)
GUERRA E VIOLÊNCIA Para Allah e Deus. Quebrem o espelho, senhores, e peguem uma carona para o apocalipse. A humanidade está a caminho.Virou brincadeira anunciar a morte de pessoas, tanto na guerra promovida pelos xerifes e califas do mundo, quanto pela guerra civil que há tempos testemunhamos nas ruas das grandes cidades brasileiras. Inocentes são vítimas de bombas e balas perdidas. Só tem voz quem tem armas, quem detém a força bélica e econômica. Sinal dos tempos. Tempos de imbecilização geral, do poder a qualquer preço, da arrogância e da falta de ética. Enquanto crianças são assassinadas, não só pela desnutrição, esses seres posam diante das câmeras de tv, com a maior naturalidade do mundo, repassando ridiculamente seus textos, e em vossos nomes, autorizando massacres. Adeilton Lima, Brasília FÓRMULA 1 Fiquei surpreso ao ver o ótimo artigo do Juarez Soares sobre o espetáculo difamatório montado pela Fórmula 1 no Brasil. Parabenizo também o Brasil de Fato por não ser dependente dos anunciantes que em outros jornais barrariam o citado artigo. Alexandre Henrique Lino, Maceió (AL) REVOLUÇÃO São pessoas como vocês que fazem revoluções. Eu faço parte de um grupo que se chama resistência jovem e quando vi seu jornal pela primeira vez fiquei feliz por saber que
no Brasil temos ainda pessoas sérias e que querem continuar a fazer a revolução começada por Marighela, Lamarca, Gregório entre outros, que acreditavam que só vamos ser independentes quando nos livrarmos das mãos dos trustes estadunidenses e quando tirarmos suas terras improdutivas aqui no Brasil. Tiago Lira, Campinas (SP) EDUCAÇÃO Preocupa-me muito o fato de se chamar “fim do vestibular” a entrada das faculdades americanas no “mercado” educacional brasileiro, sob a égide do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio (OMC). E isso justamente quando estamos acompanhando o cortejo fúnebre da universidade pública nacional.A julgar pelo nível econômico dos que estão alijados dos níveis superiores da educação, o acesso democrático continuará um sonho distante. Marcos Marques de Oliveira, Niterói ( RJ)
Lygia Fagundes Telles A entrevista com a escritora Lygia Fagundes Telles, publicada na edição número 8, da semana passada, foi concedida com exclusividade à jornalista Nathalie Bernardo da Câmara, que cedeu parte do material para publicação no Brasil de Fato.
As cartas devem ser encaminhadas com identificação, município e telefone do remetente.
Quem somos Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. COMO PARTICIPAR Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. Nesse endereço, que futuramente abriga-
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SEGURANÇA ALIMENTAR
NACIONAL
Agricultores paranaenses querem que o porto de Paranaguá recuse escoar soja modificada; crescente rejeição ao alimento transgênico prejudica desempenho financeiro da Monsanto; leis aprovadas no governo FHC abrem brechas para a comercialização de transgênicos
Leonardo Franklin, de Curitiba (PR) Conselho da Autoridade Portuária (CAP) de Antonina e Paranaguá (PR) começou a analisar, dia 25, a proposta da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) de proibir o trânsito de soja transgênica pelos portos paranaenses. De acordo com o economista Luiz Antônio Fayet, representante da entidade no CAP, as proibições seriam uma forma de proteger o produto do Estado no mercado exterior. Sem entrar na questão de biosegurança, o ex-presidente do Banco do Brasil afirma que a intenção da Faep é de criar um diferencial em relação aos demais terminais, além de preservar os esforços e investimentos da federação em rastreabilidade e treinamento. “Hoje, a China (maior comprador da soja paranaense) tende a constranger os produtores de transgênicos. Além disso, no mo-
mento de seu embarque no navio, o custo final da soja transgênica é praticamente igual ao da soja comum”, chama a atenção, destacando que países da União Européia dão um incentivo de até 10 dólares por tonelada de soja comum comprada. Isso representa cerca de 5% do preço e inverte a vantagem, favorecendo a soja comum. PRODUTIVIDADE Fayet lembra ainda que a produtividade da soja comum no Brasil – 2.870 kg/ha – é maior do que a da transgênica cultivada na Argentina e nos Estados Unidos – 2.620 e 2.700, respectivamente. Além disso, segundo ele, a soja Roundup vem perdendo mercado. Há quinze dias, o ministro europeu para assuntos relacionados à proteção sanitária, segurança alimentar e defesa do consumidor, David Byrne, confirmou, no Brasil, a crescente restrição dos transgênicos, como cita Fayet em artigo assinado.
Rodolfo Buhrer/Gazeta do Povo
Produtores querem porto sem transgênicos
■ Caminhões transportam soja para o porto de Paranaguá (PR) Outro fator destacado é a necessidade de rastreabilidade em carnes, gorduras e rações, produtos em que passará a ser exigida a certificação a partir da
próxima safra. Ele critica a medida do governo federal de liberar a comercialização da soja transgênica já colhida. “Não se deve punir os milhares de pro-
dutores e comerciantes em favor de um grupo de agricultores que desrespeitou a lei. Eles, sim, devem ser punidos”, defende Fayet.
Áurea Lopes, da Redação or conta da produção transgênica, a Monsanto está em crise. Será um mau negócio investir na agroquímica estadunidense, segundo dados da Innovest Strategic Value Advisors, empresa global de pesquisas sobre investimentos ambientais e sociais . A transnacional, cujo índice de risco no mercado deve ficar acima da média, recebeu dos técnicos em impacto financeiro a pior cotação possível em termos de gerenciamento estratégico e ambiental. O relatório Roundup – nome Monsanto e Enda linha de produtos genharia Genétitransgênicos da ca: Riscos para Monsanto Investidores, encomendado pela organização Greenpeace e lançado na semana passada em uma reunião no Harvard Club, em Nova
York, previne os acionistas e capitalistas interessados nos negócios de engenharia genética, informando que “provavelmente a empresa terá um baixo desempenho no mercado de ações a médio e longo prazo”. Pela análise do instituto de pesquisas, esses indicadores são, acima de tudo, reflexo da falta de aprovação legal e da oposição dos consumidores aos produtos transgênicos. Do ponto de vista dos agricultores, é preciso atentar para esse sinal da vulnerabilidade da empresa que propagandeia vantagens para as plantações com sementes modificadas (veja a reportagem abaixo). PERDENDO MERCADO No Brasil, a situação crítica da Monsanto explica as tentativas da empresa em convencer os agricultores brasileiros a cultivar a soja transgênica, pressionando o processo de liberação do plantio dessas sementes no país.
Além de sofrer perdas de 1,7 bilhão, no último ano, a Monsanto não teve sucesso na abertura de novos mercados para os produtos geneticamente modificados. Em 2001, retirou suas batatas transgênicas do mercado dos Estados Unidos após empresas como Mc Donald´s e Pringles terem se recusado a comprá-las.Agora tenta implantar o trigo modificado, que está sendo boicotado por fazendeiros e pela indústria de alimentos dos EUA e do Canadá antes mesmo de sua aprovação. O relatório da Innovest aponta um risco ainda maior na iniciativa de cultivo alimentar modificado para produção de produtos farmacêuticos:“embora alguns consumidores pudessem aceitar um certo grau de contaminação com alimentos transgênicos, é improvável que alguém aceitaria alimentos contaminados com propriedades farmacêuticas”.
Divulgação
Roundup coloca Monsanto em crise
■ Fábrica de herbicidas da Monsanto em S. J. dos Campos (SP) Frank Dixon, diretor da Innovest, avalia:“O risco de grandes perdas financeiras graças a falhas tecnológicas e à poluição genética, somado com a contínua rejeição do mercado aos transgênicos, fazem da Monsanto um investimento pouco interessante”. Para Lindsay Keenan, especialista de mercados do
Greenpeace,“a queda de 24% das vendas de Roundup e de outros herbicidas não seletivos, no ano passado, deixou a empresa vulnerável e cada vez mais desesperada. A Monsanto pode estar cavando a própria cova”. Colaborou Cláudia Jardim, da Redação
Cláudia Jardim, da Redação herança do governo Fernando Henrique Cardoso em relação aos transgênicos não foi apenas a falta de fiscalização ao contrabando e ao plantio da soja transgênica no Rio Grande do Sul. Mas incluiu também o amparo legal às indústrias das sementes geneticamente modificadas. “O processo de liberação dos transgênicos passou a ser encaminhado com a regulamentação das leis de Oligopolizado – patentes em termo referente à 1997”, afirma prática de oligopólio, Lavínia Pessacaracterizado pela situação em que nha, pesquisapoucas empresas dora da Escola controlam um grande Nacional de mercado. Ciências Estatísticas do InsBiodiversidade – diversidade de tituto Brasileiespécies biológicas ro de Geogra-
fia e Estatística (IBGE). As variedades de soja transgênicas desenvolvidas por qualquer instituição com a tecnologia da Monsanto, por exemplo, terão duplo controle: a lei de proteção industr ial (n o 9279), para as seqüencias transgênicas e a de proteção de cultivares (no 9456), que prevê os direitos de melhoria para as novas variedades de plantas e mudas, coibindo o uso comercial sem autorização do titular dos direitos. Isso significa que o agricultor terá de pagar pelas sementes e pelo uso da tecnologia. As indústrias detentoras de patentes podem aumentar o preço das sementes, regulando a produção do agricultor que, por contrato, não poderá mais fazer reservas e trocas de sementes para o plantio seguinte. Outro complicador desse quadro são as características das sementes. Na primeira geração, os grãos desenvolvem-se normalmente, mas
os descendentes perdem as características originais, tornando-se inadequados para o cultivo. Então, os produtores são obrigados a comprar novas sementes para o plantio da safra seguinte – sempre sujeitos aos preços estabelecidos pelas indústrias. “O setor será oligopolizado e, se o poder público não controlar, as empresas privadas ditarão o que deve ser cultivado, assim como o preço de custo da produção”, alerta o fitotecnista Rubens Nodari, professor da Universidade Federal de Santa Catarina.“É a institucionalização do monopólio das sementes no país”, acrescenta Lavínia. PACOTE “ECONÔMICO” Para o desenvolvimento da soja Roundup Ready é necessária a aplicação do herbicida Roundup, ambos da Monsanto. Um dos fatores que atrai o agricultor a cultivar a soja transgênica é a suposta redu-
ção dos custos de produção e do tempo de aplicação dos herbicidas. Entretanto, ao longo do processo de aplicação, as pragas criam imunidade à dose original do produto, levando o agricultor a aplicá-lo em quantidades maiores – o que aumenta os custos da lavoura. Os impactos que esse tipo de cultivo pode causar no ecossistema têm sido questionados por especialistas em todo o mundo. O extermínio de algumas pragas não resistentes ao glifosato, componente do Roundup, pode dar origem a pragas e insetos resistentes a herbicidas e inseticidas. Segundo a pesquisa realizada pela International Organization for Biological Control, a exposição ao Roundup nos EUA exterminou cerca de 50% de três espécies de insetos que se alimentam de outras espécies consideradas pragas agrícolas. A pesquisadora do IBGE alerta: a modificação genética
das sementes leva à redução das variedades. Para se tornarem compatíveis com os herbicidas, a composição genética das sementes é alterada e reduzida.“A semente está na rota da uniformização. Os mecanismos utilizados para torná-las resistentes leva à perda da biodiversidade.” Nodari acrescenta que a liberação dessas variedades, que poderão ter uma parte patenteada, significa a apropriação de todo o esforço da pesquisa nacional com recursos majoritariamente públicos. Segundo ele, as variedades adaptadas às mais diversas condições ambientais passarão para o domínio das empresas produtoras das sementes transgênicas.“Os programas de melhoramento estão diminuindo em grande escala. Assim, a competição será entre as grandes empresas, como ocorre em outros países”, afirma o fitotecnista.
BRASIL DE FATO De 27 de abril a 3 de maio de 2003
Legislação protege semente modificada
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NACIONAL
Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobrás, promete rever acordos de privatização das estatais de energia que se provaram desastrosos para a economia nacional; no Paraná, o governador Roberto Requião começa a rever contratos lesivos herdados do governo FHC
ENERGIA
Eletrobrás vai rever acordos nocivos Anamárcia Vaisencher, da Redação
MUDANÇAS Em audiência pública na Câmara dos Deputados, na quartafeira, Luiz Pinguelli Rosa, presidente da holding estatal Eletrobrás, acenou com mudanças. Como
parte do programa de enfrentamento da crise das elétricas, ele anunciou que a Eletrobrás vai rever os contratos firmados entre a Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE) e produtoras independentes. Pinguelli não entrou em detalhes sobre os contratos que serão revistos, mas adiantou que o acordo firmado com a geradora El Paso, que atua no Amazonas, será um dos primeiros a serem reavaliados. “Alguns contratos são extremamente lesivos aos interesses públicos. É preciso acabar com essa história de que contratos não podem ser revistos. O que não se pode fazer é uma revisão unilateral, mas nada impede que o governo nego-
cie com uma empresa novos termos contratuais. Esse procedimento é muito comum na iniciativa privada. Quando uma empresa se sente prejudicada, ela renegocia um novo contrato com a outra empresa”, afirmou Pinguelli Rosa.
Paulo Liebert/AE
privataria do setor elétrico brasileiro continua a mostrar os seus efeitos funestos para o país e para o cidadão-consumidor, aquele que paga as contas quando falta ou quando sobra energia. Depois da inadimplência da AES Eletropaulo, que não pagou o que deve ao BNDES, que financiou a compra da ex-estatal paulista pela estadunidense AES,sabe-se, agora, que a maioria das elétricas privatizadas, desde o apagão de 2001, estão dando solenes prejuízos. Com seus reajustes de tarifas dolarizados, no momento em que o Ministério das Mi-
nas e Energia decidiu diluir os aumentos anuais em prazos maiores do que 12 meses, a situação ficou insustentável. Novamente, o BNDES vai entrar em ação para salvar as estrangeiras que compraram o patrimônio nacional. Mais: a distribuidora estatal de Goiás entrou na Justiça (e ganhou) contra a geradora privada do Estado, caminho semelhante ao trilhado, mais recentemente, pela estatal paranaense Copel.
■ Torres de transmissão, um bem ainda escasso no sistema energético do país
É o fim da farra da Endesa
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Lauro Jardim, de São Paulo (SP)
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ascida da cisão da Companhia Energética de Goiás (Celg) em novembro de 1996 e privatizada em setembro do ano seguinte, a Centrais Elétricas Cachoeira Dourada S/A (CDSA) sempre desfrutou de vantagens inigualáveis. Comprada pelos espanhóis da Endesa Internacional S.A., que mantém o controle da geradora por meio da Lajas Holding, sociedade com sede no Panamá, a CDSA vende toda a energia que gera a sua antiga dona, cobrando preços que chegaram a superar em 53% a tarifa média cobrada por Furnas. A “festa” parece estar próxima de seu final. O juiz Carlos Humberto de Souza, da 3ª Vara Federal de Goiás, concedeu liminar em ação de rescisão contratual movida pela Celg contra a CDSA e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), suspendendo os efeitos daquele contrato. Trata-se, ainda, da primeira decisão judicial a atingir, ainda que de forma indireta, a política de privatizações colocada em marcha durante o governo Fernando Henrique Cardoso, com incríveis vantagens a investidores e grandes grupos multinacionais e nacionais. PRECEDENTE Afinal, o contrato de fornecimento de energia firmado entre a concessionária goiana e o grupo espanhol foi montado nos gabinetes do Ministério de Minas e Energia e referendado
pelo já extinto Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), hoje substituído pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Abre-se um precedente importante, que poderá permitir que outras ações contestem procedimentos igualmente suspeitos, adotados como regra geral durante as privatizações. Com a participação do governador do Estado, à época, e seus principais assessores (respectivamente, Maguito Vilela, Ovídio de Angelis, secretário de Planejamento, e Benjamin Beze Júnior, diretor financeiro da Celg, presidente da CDSA, antes da venda, e secretário de Minas e Energia), criaramse vantagens incríveis para atrair investidores interessados na compra da CDSA, geradora que respondia, em 1997, por 60% da energia distribuída pela Celg. CONTAS ESTRANHAS Na ação, a Celg exige o ressarcimento de R$ 715,4 milhões, transferidos, em tese, para CDSA, por conta das tarifas mais caras que cobrou entre setembro de 1997 e fevereiro deste ano, com anuência da Aneel, supostamente a agência que deveria regular o setor para preservar o equilíbrio financeiro das relações entre as empresas. Estranhamente, num relatório de fiscalização datado de agosto de 2000, a própria Aneel aponta uma diferença de 53,47% entre a tarifa da CDSA e a de Furnas, e reconhece que o preço cobrado pelos espanhóis era um
dos fatores a explicar o desequilíbrio econômico-financeiro da concessão. Mais ainda. Por imposição do contrato, numa prática incomum no setor elétrico, a Celg era obrigada a pagar antecipadamente pela energia da CDSA. Diz o relatório da Aneel: “a Celg necessita efetuar depósitos diários (de até R$ 850 mil) ao Banco Santander Brasil S/A, sem qualquer remuneração, como garantia ao fornecimento de energia”. LUCRO FÁCIL E continua a Aneel: aquele procedimento “difere daqueles adotados por Furnas e Itaipu, que recebem a energia somente no mês subseqüente ao fornecimento, sendo, desta forma, este contrato de suprimento bastante oneroso para a Celg”. A sentença, além de autorizar a Celg a comprar energia a preços menores, no mercado, de qualquer outro fornecedor, a desobriga, ainda, de depositar em conta específica aquela caução, que correspondia a 125% sobre o valor da conta de energia devida à CDSA. A preços da época, Cachoeira Dourada foi vendida por R$ 750 milhões. Em três anos, os espanhóis receberam R$ 509 milhões, pagos pela Celg em troca da energia cara fornecida pela CDSA - ou seja, retornaram aos bolsos da Endesa, em apenas três anos, praticamente 68% do que ela gastou para comprar a usina, segundo a ação proposta pela Celg.
REESTRUTURAÇÃO O presidente da Eletrobras afirmou ainda que o sistema brasileiro de energia será reestruturado com o objetivo de dotar a Eletrobrás de um planejamento unificado para todo o país, como havia antes do início do processo de privatização do setor, deflagrado no governo Fernando Henrique Cardoso. Ele adiantou que o governo irá transferir para o Amazonas duas usinas produtoras de energia, que hoje se encontram ociosas, para evitar novo apagão naquele Estado. As usinas estão ociosas porque a CBEE firmou contratos para usá-las somente em casos emergenciais, na possibilidade de haver nova falta de energia no país. O Amazonas deverá enfrentar situação crítica em outubro, quando a falta de chuvas reduz também a produção de energia na região.“Essa será uma solução emergencial, mas a falta crônica de energia no Amazonas será resolvida em definitivo somente
quando integrarmos o sistema de energia do Estado ao sistema de Tucuruí”, disse Pinguelli. QUADRO CAÓTICO O autor do requerimento para realização de audiência pública, deputado João Pizzolatti (PPBSC), alertou que a situação energética no Amazonas é caótica: enquanto a capital é atendida pela Manaus Energia, subsidiária da Eletronorte, o interior do Estado é atendido pela Companhia Elétrica do Amazonas (CEAM), vinculada à Eletrobrás. Respondendo às críticas segundo as quais o governo federal não cumpriu a promessa de adquirir novas usinas produtoras de energia para a região, o deputado Luciano Zica (PT-SP) explicou que, quando assumiu, Dilma Roussef encontrou o Ministério das Minas e Energia com uma estrutura depauperada. “O sistema energético do país foi todo desmontado. Quando a ministra Dilma assumiu o cargo,encontrou no Ministério 48 motoristas e meia dúzia de engenheiros. Por esses números temos uma noção do caos administrativo em que se encontrava o Ministério das Minas e Energia”, acrescentou o parlamentar. Com Agência Câmara
Requião revê termos de parcerias privadas estatal Copel – Cia. Paranaense de Energia Elétrica, uma das mais saudáveis do país, foi levada a firmar parcerias que resultaram em prejuízos. Por esse motivo, o governador Roberto Requião, em fevereiro, pediu revisão dos termos do contrato feito com a Cien – Cia. de Conexão Energética argentina, controlada pela espanhola Endesa (dona de concessões também no Brasil). E, na última semana, anunciou a intenção de rescindir o contrato de compra de energia da termelétrica UEG Araucária. Desde janeiro, a Copel suspendeu os pagamentos à termelétrica, cujo acionista majoritário (60% do capital) é a estadunidense El Paso Energy. Copel e Petrobras detêm 20% do capital, cada. PREJUÍZOS Em 2002, a Copel amargou um prejuízo líquido de R$ 320 milhões. Um resultado, segundo a diretoria da empresa, pontual, reflexo de causas excepcionais e fatores identificáveis. Entre eles, a desvalorização da moeda diante do dólar em 52%; os contratos para compra de energia (principalmente os da UEG Araucária e da argentina Cien, ambos com cláusula take-or-pay – use ou pague – e com preços indexados ao dólar); a não autorização da Aneel para incorporação à tarifa da variação da chamada Parcela A (que engloba os custos não gerenciáveis); recálculos do Mercado Atacadista de Energia que resultaram numa redução de R$ 57 milhões no saldo a receber por operações contabilizadas até dezembro de 2001; e a determinação da Aneel de incluir como Créditos de Liquidação Duvidosa as contas de luz de poderes públicos vencidas há mais de 180 dias, o que provo-
cou uma perda de R$ 72 milhões. “Só os pagamentos feitos pela energia de Araucária e da Cien somaram meio bilhão de reais no ano passado, mas essa energia gerou uma receita insignificante”, explicou Paulo Pimentel, presidente da Copel. E acrescentou: “Bastaria que esses dois contratos não existissem e a Copel teria encerrado o ano com lucro.” O lucro da Copel foi de R$ 315,4 milhões, o que mostra que ela é superavitária, de acordo com o diretor de finanças e de relações com investidores, Ronald Ravedutti. VARIAÇÃO CAMBIAL As turbulências da economia internacional em 2002 e os movimentos especulativos com o dólar fizeram com que o real chegasse em 31 de dezembro valendo praticamente metade do que valia em 1o de janeiro.A desvalorização atingiu a Copel de duas maneiras: no seu endividamento em moeda estrangeira – que é metade do seu endividamento total de R$ 2,2 bilhões, e nos contratos de energia para revenda com preços referenciados ao dólar – R$ 925 milhões (R$ 500 milhões da UEG Araucária mais Cien, e R$ 425 milhões de Itaipu). Para Ravedutti, o endividamento da Copel pode ser considerado baixo em relação ao tamanho do seu patrimônio líquido, de R$ 4,7 bilhões. No início de abril, quando divulgou oficialmente seu balanço, a diretoria da Copel avisou que a empresa estava analisando com cuidado todas as participações mantidas em outros empreendimentos.“Estamos dedicando uma atenção muito especial aos resultados proporcionados por essas parcerias, e iremos rever nossa posição em todas as que não apresentarem o retorno esperado”, disse Ronaldo Ravedutti.
RUMOS DA NAÇÃO
NACIONAL
Em documento encaminhado ao presidente Lula, o chanceler Celso Amorim pede o fim do acordo que permitira aos EUA utilizarem a base espacial de Alcântara (MA); o Brasil não vai aderir à Alca, caso isso prejudique o país, afirma Amorim, ao criticar a proposta de plebiscito
Dioclécio Luz, de Brasília (DF) Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou ontem, 23 de abril, que encaminhou exposição de motivos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pedindo a retirada do acordo que permite aos Estados Unidos utilizarem território na base de Alcântara (MA) para lançamento de satélites, o que foi objeto de mensagem do governo anterior em tramitação na Câmara dos Deputados. O documento é assinado também pelos ministros da Defesa, José Viegas, e da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, e resultou de uma reunião que os três ministros fizeram, no dia 13 de março, para discutirem o assunto. Até agora os ministros não tinham se pronunciado oficialmente sobre a conclusão a que chegaram, alegando que o Presidente da Re-
pública iria anunciar a decisão do governo. Celso Amorim falou no dia 23, na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, atendendo a pergunta do deputado João Alfredo (PT/CE) que, em 18 de fevereiro, enviou ofícios aos três ministros, ao Presidente da Câmara e ao Líder da bancada do PT na Casa, solicitando a retirada do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas Brasil/EUA que, atualmente, se encontra na Comissão de Constituição e Justiça. O pedido do deputado, anunciado no plenário da Câmara, provocou a reunião dos três ministros para deliberar sobre o assunto. Segundo Celso Amorim, agora depende de Lula.“Participei de um grupo de trabalho para debater o acordo com os ministérios da Defesa e da Ciência e Tecnologia, e chegamos à conclusão de que o acordo não interessa ao Brasil, devendo ser retirado do
Congresso. Essa decisão foi entregue ao presidente da República”. O acordo, atualmente está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) . O deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, presidente da CCJ disse que, a partir dos sinais que recebeu do Planalto, vai arquivar o processo. E disse que vai realizar um ato solene na CCJ para marcar o enterro dessa cria ruim de Fernando Henrique Cardoso. Os termos do acordo, constantes na mensagem governamental n.º 296, de 2001, foram submetidos a diversas audiências públicas pela Comissão. O parecer do então deputado Waldir Pires concluiu que a matéria cria obrigações exclusivas para o Brasil. Proíbe o país de utilizar recursos do ressarcimento financeiro americano para desenvolver seu próprio programa, “inviabilizando a nossa autonomia e colocando a nossa política nacio-
Antônio Cruz/ABr
Ministros vetam acordo de Alcântara
■ Chanceler Amorim na Câmara: agora só depende de Lula nal de desenvolvimento de atividades espaciais na órbita dos interesses estratégicos dos Estados Unidos”, segundo João Alfredo. Se o acordo for revisto, serão analisadas propostas alternativas de
países como Rússia, China, França e Ucrânia, esta última já em análise na Câmara dos Deputados. Com Zínia Araripi, da Agência Adital
Brasil desacelera negociação da Alca governo brasileiro poderá pedir prorrogação dos prazos para as negociações da Área de Livre Comércio das Américas – Alca, se isso for o melhor para os interesses do Brasil, afirmou o ministro Celso Amorim, das Relações Exter iores, em audiência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, no dia 23. O governo, segundo o ministro, continua participando das ne-
gociações da Alca, mas com uma postura de “meia trava”, já que os prazos de negociação e implantação do acordo são políticos, não jurídicos. Assim, caso os interesses do Brasil sejam colocados em risco na primeira oferta estadunidense, o governo pedirá prorrogação dos prazos e não assinará acordo algum que prejudique o país. Em visita ao Brasil, na semana passada, o secretário do Tesouro (equivalente ao ministro da Fazenda, no Brasil) dos Estados Unidos, John Snow, declarou que o seu país está disposto a colocar tudo na
mentos sociais. “Um plebiscito não resolve. O importante é a vigilância da sociedade. Daí, é melhor que haja um grande debate. Ainda mais agora que Lula deu uma trava para poder refletir melhor”, argumenta.
mesa de negociação. Amorim não considera a declaração significativa. “O que me interessa saber é se isso faz parte da oferta, hoje. Fazem-se concessões nos outros campos e aquilo que estava sobre a mesa não se materializa.” O Brasil está participando de negociações na Organização Mundial do Comércio, no Mercosul, na União Européia e na Alca. Para Celso Amorim, a Alca é a mais complexa e tem maiores implicações políticas. Mas critica a proposta de realização de plebiscito, sustentada por movi-
ÀS CLARAS Os EUA deixam muito claro que, em primeiro lugar, estão os interesses das suas empresas. Mesmo que a Alca não esteja pronta e acabada, a perspectiva do governo estadunidense não é segredo. E o Brasil? Aqui, está quase tudo por fazer. Considerando que o nível de seu endividamento o torna dependente de capitais estrangeiros para rolar o débito (pagar o serviço da dívida) e considerando que não vai deixar de pagar, o país precisa conseguir dólares estadunidenses. O caminho conhecido são as exportações, cujo desempenho, neste início de ano, tem sido positivo. Acontece que aí também há problemas a serem resolvidos.“A pauta de exportações é concentrada, os mercados de destino também”, assinala o economista Julio Gomes de Almeida, diretor executivo do Iedi – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, organização criada em 1989 e que reúne, atualmente, 45 empresários representantes de grandes empresas nacionais.
Empresários brasileiros temem anexação
SÓ COM ABERTURA “Acordos, só com a abertura dos mercados dos países desenvolvidos. Caso contrário, serão injustos, um jogo desigual”, arAladi – Associação gumenta o Latino-Americana de economista do Integração, criada em Iedi, lembran1980, e da qual fazem parte do que, só em Argentina, Bolívia, subsídios agríBrasil, Chile, colas, EUA, Colômbia, Cuba, UE e Japão Equador, México, Paraguai, Peru, despendem o Venezuela e Uruguai. equivalente a um PIB brasileiro. O Brasil precisa usar, a seu favor, o princípio das listas positivas (quando os acordos valem para os produtos e serviços que neles constam) e negativas (quando nos acordos vale tudo, o que consta e o que não consta). Aos EUA e à UE interessam as listas positivas,
que defendem suas empresas e suas economias. Do Brasil, querem a lista negativa. INTERESSES NACIONAIS Gomes de Almeida pondera que política industrial e de concessão de subsídios qualquer país faz. O difícil é fazer políticas para setores novos como software (programas de computadores), biotecnologia, saúde, educação, ciências da vida, novos materiais. Justamente por isso, a lista negativa não interessa ao Brasil porque não considera o princípio da indústria nascente, congela o progresso técnico e impede uma política industrial. As empresas brasileiras têm menos condições de competir do que as dos EUA e UE. Elas são prejudicadas por fatores como o “custo” Brasil (carga de impostos, logística, custo do capital etc.) e pequena escala de produção. Por isso, produtos de indústrias de capital intensivo – química, petroquímica, papel e celulose, de minerais não metálicos – entre outras, deveriam ser excluídas da lista dos acordos, ou ser caracterizados como “produtos sensíveis”. Gomes de Almeida lembra que os “produtos sensíveis”, ou excluídos dos acordos, pelos EUA e pela UE incluem suco de laranja, açúcar, álcool, outros produtos agroindustriais, a indústria aeroespacial. No caso dos países europeus, itens do vestuário só entram no acordo dentro de 10 anos.“Na Alca
e na UE, 85% dos produtos envolvidos só serão desgravados em 15 anos”, enfatiza o economista. Nesse quadro, diz, “o Brasil não deve ter vergonha de ter a sua lista de produtos sensíveis ou excluídos dos acordos”. COMPRAS DO GOVERNO Os EUA também querem liberdade para vender ao governo brasileiro, um grande comprador de serviços e de bens de alta tecnologia. Aqui, alerta o diretor do Iedi, todo cuidado é pouco, a reciprocidade é quase nenhuma. “No Brasil, é necessário resgatar o poder de compra do Estado, sobretudo para o país ter condições para desenvolver uma política tecnológica, até mais importante que a industrial. Por exemplo, as aquisições relacionadas à informatização do aparelho estatal, os aviões da FAB, as compras da Petrobras”, afir ma Gomes de Almeida. Exemplo de política tecnológica nos EUA é o que faz a Nasa (agência aeroespacial), não só comprando, mas financiando pesadamente pesquisas de novos materiais, microeletrônica. O Brasil precisa parar de negociar tudo. Acordos comerciais e de investimentos são feitos para beneficiar o conjunto dos envolvidos. Se não for assim, no caso da Alca, por exemplo, não será acordo, mas anexação, raciocina Julio Gomes de Almeida.
OS GARGALOS Traduzindo, isso significa que o forte das vendas externas brasileiras são produtos cujos mercados inter-
Com Agência Câmara
Epitácio Pessoa/AE
izer que os países desenvolvidos são campeões do liberalismo comercial é mentira”, afirma Julio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Para produtos brasileiros competitivos – casos de bens agrícolas, agroindustriais, siderúrgicos, vestuário, têxteis – os mercados dos “campeões” estão fechados, afirma. O Brasil deveria exigir uma grande abertura de mercados, e oferecer pouco.
nacionais não crescem, e que parte expressiva dessas vendas vai para poucos países. Assim, atualmente, 55% das exportações se destinam a mercados que estão dentro da área da Alca, aqui incluídos os integrantes do Mercosul e da Aladi.Mesmo destino de 50% das exportações de manufaturados.Para alterar esse quadro, aumentando e diversificando exportações e mercados de destino, diz Almeida,é necessário investir na ampliação da capacidade produtiva das empresas e reforçar a própria estratégia de exportações. Ele lamenta a “pouca consciência” desses problemas, e diz que o Brasil tem pouca capacidade de atrair empresas estrangeiras efetivamente comprometidas com as exportações, diferentemente do que conseguem outros países emergentes, como a Malásia. Não se trata de atrair investimentos produtivos de empresas para explorar o mercado interno. As maiores multinacionais do mundo estão todas aqui e suas exportações não passam de 18 a 20%, enquanto teriam que ser de, no mínimo, 30 a 35%, segundo o economista. “Mas conseguir isto é uma política de governo”, destaca, acrescentando que, no curto prazo, o país terá que viver “desse capital ruim”, ou seja, capitais especulativos de curto prazo. A médio prazo, a exportação é a saída para reduzir a vulnerabilidade externa.“O maior pepino do país é a sua dívida externa”, enfatiza.
BRASIL DE FATO De 27 de abril a 3 de maio de 2003
Anamárcia Vainsencher, da Redação
■ Linha de montagem da Embraer em São José dos Campos (SP)
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NACIONAL
Nos últimos anos, organizações da sociedade civil brasileira buscam formas de gerar crédito a quem precisa, seguindo o exemplo iniciado há quase três décadas em Bangladesh; as taxas de inadimplência, excepcionalmente baixas, atingem apenas 5% dos associados
MICROCRÉDITO
José luís da Conceição/AE
Brasil já tem 300 mil bancos populares Déborah Moreira, de São Paulo (SP) om apenas 27 dólares, o equivalente a pouco mais que oitenta reais, 42 pessoas de uma aldeia pobre de Bangladesh, alavancaram seus pequenos negócios, em 1976. Em confiança, o economista Muhammad Yunus emprestou seus dólares com a intenção de iniciar uma experiência de desenvolvimento naquela comunidade, gerando renda e novos empregos. Em algumas semanas teve seu dinheiro de volta e em sete anos criou o Grameen Bank: o banco do povo, o primeiro a emprestar dinheiro a pobres. Esse tipo de empréstimo se popularizou no mundo e no Brasil. Durante a década de 1980, se consagrou como ferramenta de desenvolvimento eficaz, já que as taxas de inadimplência são baixas (no país, gira em torno de 5%). O microcrédito, como ficou conhecido por aqui, faz parte do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outra promessa do governo é reduzir o custo dos financiamentos e, assim, diminuir a taxa de juros desses empréstimos, que hoje ultrapassam os 12% ao ano. Sobre as diretrizes do atual governo, sabe-se apenas que serão fornecidos empréstimos de até R$ 50 para trabalhadores autônomos, com renda de até R$ 720, visando pequenas melhorias em seus empreendimentos. “É preciso ter claro o tipo de empréstimo. Esse valor é baixo para alavancar até mesmo um pequeno empreendimento, como uma barraquinha de
■ Paulo Cordeiro de Souza recebeu empréstimo de R$ 500,00 para manter o seu comércio na favela de Heliópolis, em São Paulo camelô, que normalmente toma emprestado pelo menos o dobro”, alerta Caetano Lavorato, gerente do São Paulo Confia, o banco do povo da prefeitura de São Paulo. Enquanto o governo federal guarda a sete chaves seu projeto de microcrédito, alegando “ainda estar em fase de estudos”, a experiência paulista, criada em setembro de 2001, dá seus primeiros sinais de amadurecimento, apesar de ainda se mostrar de pouco alcance – concedeu, até hoje, aproximadamente seis mil créditos, numa metrópole como São Paulo, com mais de 18 milhões de habitantes. Em março, foram concedidos 613 créditos, que varia-
ram de R$ 80 a R$ 1.500, no total de R$ 315.130,00. Um dos empréstimos de São Paulo foi concedido à aposentada Delfina Alves Lima, após um acordo feito com seis vizinhos. Todos fazem parte de um grupo solidário, modalidade que dá garantias para quem está emprestando, e que já representa pouco mais de um terço dos clientes do banco do povo paulistano. Divorciada há três anos e sem receber pensão alimentícia, Delfina garante seu sustento e de seu filho de 14 anos com um salário mínimo (vindo da aposentadoria) e com a banca de balas e doces que mantém na frente de
sua casa. “Se um deixar de pagar as parcelas do empréstimo, os outros é que pagam.Até por isso não pego um valor maior, para não deixar os colegas na mão”, conta ela, que já pagou seis das oito parcelas de R$ 13,01, de seu empréstimo de R$ 100. A metodologia do município vem sendo testada e modificada. Segundo o gerente Lavorato, há sete meses a instituição se voltou para o principal foco do mercado: a população de baixa renda, que exerce alguma atividade comercial em casa ou como ambulante. Para se ter uma idéia, em 2000 havia no país 20 milhões de empreendedores populares, sen-
do 15 milhões como trabalhadores por conta própria, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). ”Precisamos de um novo financiamento para gerar novos empréstimos e também redirecionar nossos esforços para os que são realmente pequenos, além de estimular a criação de uma política nacional integrada. O governo federal anterior pulverizou as ações, repassando toda a responsabilidade para as organizações não governamentais.Agora, estamos aguardando otimistas uma nova diretriz”, atestou Lavorato, que também preside uma associação de entidades de microcrédito (ABCRED), da qual Lula recebeu uma proposta de financiamento de economia popular. O número de instituições brasileiras de microcrédito já ultrapassa 300 mil e boa parte delas aposta na capacitação de seus clientes e no assessoramento técnico dos negócios para gerar desenvolvimento. Entre elas está o Ceape Ana Terra, no Rio Grande do Sul. Com 16 anos de experiência, a organização gaúcha também aguarda ansiosa as novas medidas do governo. “Fizemos um planejamento apenas para os próximos seis meses, justamente por ainda não saber o que vai acontecer”, conta a diretora executiva, Tatiane Faleiro. Até agora, o Ceape de Porto Alegre concedeu 37.477 créditos, totalizando quase R$ 30 milhões em empréstimos a mais de 28 mil clientes.
Palmas para todos
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Fotos: Arquivo Banco Palmas
BRASIL DE FATO De 27 de abril a 3 de maio de 2003
■ No sentido horário: cartão de crédito, costureira em seu próprio ateliê e cédula utilizada pelos associados do Banco Palmas
Desde 1998 o Conjunto Palmeira, localizado a 20 km do centro de Fortaleza, Ceará, encontrou uma saída para a concessão de créditos para os 30 mil moradores da favela, a maioria (90%) com rendimento de até um salário mínimo e com alguma restrição cadastral (80%): o Banco Palmas. A instituição empresta em confiança e é constituída como uma associação de bairro, coordenada pelos próprios moradores, que praticam economia solidária desde a criação da favela nos anos de 1970, quando organizaram um movimento para a urbanização do local. Atualmente o banco tem 1.200 clientes, que tomam créditos de R$ 600, em média, a juros que variam de 2% a 3% ao mês. “Mas aqui damos créditos mais baixos. Chega alguém aqui dizendo que precisa de R$ 3 ou R$ 10 para comprar uma caixa de chiclete para vender na porta de um estádio de futebol, por exemplo. Assim que constatamos a integridade do morador, damos a ele o equivalente em “palmas”, que ele pode trocar em algumas das lojas solidárias cadastradas no bairro”, conta Joaquim de Melo Neto, coordenador do programa. Melo se refere a uma das alternativas criadas aos moradores, a moeda palma, com mesmo valor do real. Além disso, os moradores criaram o Palm Card, um cartão de crédito aceito nas lojas do bairro; e a Loja Solidária, um espaço para comerciantes que não têm condições de pagar um local para trabalhar. “A comunidade paga uma comissão a um só vendedor e cobramos um aluguel semanal de 1% sobre as vendas. Se não vendeu, não paga”, acrescenta Melo. Segundo ele, 500 pessoas aguardam na fila para serem atendidas pelo banco, porque o fundo de capitalização, doado por organizações governamentais e internacionais, está acabando.“Precisamos dar mais atenção a experiências como essa, que devem ser multiplicadas pelo país”, ressalta Lavorato, gerente do banco da prefeitura de São Paulo.
Serviço: Como se inscrever: São PauloConfia pelos tel. (11) 6096-6550 ou (11) 6096-6054 Ceape Ana Terra pelo tel. (51) 3226-5131 ou pessoalmente na rua Júlio de Castilho, 596, 3º andar, Porto Alegre, RS.
■ Joaquim de Melo Neto, coordenador do Banco Palmas, da periferia de Fortaleza (CE), dirige uma assembléia de associados
Como ajudar: Banco Palmas, Fortaleza, CE. Doações são aceitas na conta corrente nº 14.69-9, do Banco do Brasil, agência 1295-5, em nome de Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras.
CRIME ORGANIZADO
NACIONAL
Crime organizado articula policiais, políticos, empresários e juízes, afirma Lula, ao anunciar guerra ao narcotráfico; escândalo: na Baixada Santista, 190 mil vivem em condições subumanas; em Imbé (RS), pela primeira vez no Brasil, um delegado é condenado por tortura
Lula declara guerra ao narcotráfico foco do combate ao crime organizado vai mudar. Esta foi a tônica do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 22, durante a assinatura do convênio que repassa R$ 50 milhões do governo federal para investimentos em segurança pública no Estado do Espírito Santo. “Hoje nós enfrentamos uma indústria, que eu diria até multinacional, do crime organizado. Ele tem o seu braço na política, na polícia, no Poder Judiciário, tem o seu braço nos empresários,tem o seu braço internacional”, disse o presidente. Esta é primeira vez que um chefe de governo brasileiro atribui a altos escalões da sociedade a responsabilidade pelo estado de violência que abala o país. Em vez de mais violência policial nas favelas, o presidente propõe rigor na investigação para descobrir os empresários do narcotráfico. “Só vamos combater o crime organizado quando a gente resolver pegar quem compra e quem vende, e não apenas quem está no processo de intermediação, que muitas vezes são pobres coitados, induzidos, para ganhar o pão de cada dia”, definiu Lula.
Se for implantada, a política de combate ao crime organizado do governo Lula dará uma reviravolta na filosofia adotada por outros presidentes, que colocavam a favela como o centro das operações do negócio das drogas. O presidente afirmou que, “no dia em que a inteligência da polícia for mais ousada e forte do que a força bruta, possivelmente a gente não precise invadir uma favela, mas quem sabe subir numa cobertura, numa das grandes capitais deste país, e pegar um verdadeiro culpado pelo narcotráfico”. O acordo, firmado no Espírito Santo, unifica o comando das forças policiais capixabas e pretende, entre outros pontos, alcançar maior eficiência na gestão da informação.“Uma ação inteligente vale mais que trinta canhões na rua”, disse Lula. O crime organizado movimenta, no mundo, 1,5 trilhão de dólares por ano, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de 1999. É o equivalente a toda a riqueza gerada pela França, a quinta maior economia do mundo. O narcotráfico responde por cerca de 500 bilhões de dólares desse montante – quase o dobro do faturamento mundial da indústria famarcêutica, 300 bilhões de dólares. O Brasil tem uma participação expressiva nesse negócio. O
crime movimenta cerca de 50 bilhões de dólares por ano no país, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as ligações do narcotráfico. Metade desse valor está ligada ao comércio de drogas. Não é preciso ser gênio para desconfiar que esses 25 milhões de dólares não estão escondidos dentro de barracos das periferias brasileiras. A favela entra no negócio do narcotráfico apenas como fornecedora de mão-de-obra barata. A CPI do Narcotráfico estimou que cerca de 200 mil pessoas vivem, hoje, do negócio de narcóticos. São garotos e garotas, de até 20 anos, excluídos do mercado de trabalho, atraídos pelos ganhos rápidos proporcionados pela venda de droga. EXTERMÍNIO O poder desse negócio infiltrado no Estado brasileiro não se restringe ao Rio de Janeiro, onde há uma guerra explícita entre o crime organizado e o poder público. Só nos Estados da Paraíba e de Pernambuco, por exemplo, existem cerca de 30 políticos e magistrados ameaçados de morte e 115 policiais trabalhando como proteção especial para pessoas que estão sob ameaça por combater a atuação de grupos de extermínio e de narcotráfico em seus territórios.
IMBÉ - RS
Da redação ecisão inédita. Pela primeira vez desde a criação da lei sobre tortura, há seis anos, um delegado foi condenado por esse crime no Brasil. Juarez Mendonça, delegado de Polícia de Imbé (RS), foi condenado a 16 anos de prisão mais a perda do cargo por ter torturado dois suspeitos de roubos na cidade de Planalto. A decisão foi da Justiça de Planalto, em 7 de abril. As torturas ocorreram em agosto de 1998 na delegacia de Irai, onde Mendonça era o titular na época. Os policiais Sérgio Bartirena eValdecirVerza, que ajudaram o delegado nas sessões de tortura, pegaram dez anos e oito meses de reclusão cada. Na denúncia feita pelo Ministério Público, os suspeitos teriam sido surrados e sofrido aplicação de choques elétricos em suas genitálias. Gilberto Pinto da Fontoura, juiz do caso, disse que ficou indignado com a atitude do delegado: O que me surpreendeu foi a forma cruel como as torturas foram praticadas. E, partindo de alguém que deve proteger a sociedade, isso é inadmissível e chocante, afirmou. Este tipo de crime é considerado hediondo, é inafiançável e, conforme a lei sobre tortura, de 1997, a pena deverá ser obrigator iamente iniciada em regime fechado. Julgados em primeira instância, os acusados poderão entrar com recurso junto ao Tribunal de Justiça do Estado.
vestigações. O requerimento chegou às mãos do presidente da Câmara, deputado João Paulo (PTSP), e espera votação. No dia 14 de abril, secretários de segurança dos Estados da Paraíba, Pernambuco, Ceará, Alagoas e Rio Grande do Norte reuniram-se, em João Pessoa, e começaram a organizar estratégias conjuntas para pôr fim a esse quadro. Por sugestão do governo federal, está sendo criada uma força tarefa com a participação da polícia federal para o combater a ação desses grupos.
O pacote do governo federal ●
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Gestão unificada da informação – criar uma rede nacional de dados sobre criminosos. O ministro da Justiça, MárcioThomaz Bastos, propôs o estabelecimento de convênios de cooperação (Gabinetes de Gestão Integrada) entre os governos estaduais para unificar os serviços de inteligência e os mecanismos de combate à violência. Gestão do sistema de segurança – definir áreas de atuação conjunta entre a perícia e as polícias civil e militar. Formação e aperfeiçoamento de policiais – melhorar o treinamento de policiais civis e militares com a criação de academias integradas. Valorização das perícias – priorizar e investir no trabalho das perícias para melhorar a investigação de crimes. Prevenção da violência – aumentar o trabalho da Polícia Comunitária para conscientizar a população e reduzir a criminalidade. Controle externo de ações policiais nos Estados – criar ouvidorias independentes e corregedorias unificadas para fiscalizar atos das polícias civis e militares.
BAIXADA SANTISTA
Privatização faveliza 190 mil Tiago Dória, de Santos (SP) erca de 15% dos 1,3 milhão de habitantes da Baixada Santista (190 mil seres humanos) vivem em favelas miseráveis. Em Bertioga, dos 14 mil habitantes, 6 mil são favelados. Não há infra-estrutura de serviços públicos. O quadro tende a se agravar. Enquanto a população cresce em média 3,1% ao ano, a participação dos municípios da região na produção da riqueza estadual caiu de 4,6% (em 1980) para 3,5% (em 1999). O porto de Santos, onde em 1980 trabalhavam 15 mil pessoas, empregava 1,1 mil trabalhadores, em 2002 . O mapa da miséria da região está sendo traçado, desde agosto de 2002, por professores da Universidade Católica de Santos (UniSantos), juntamente com a Diocese de Santos. A pesquisa faz parte do Plano Diocesano para Superação da Miséria e da Fome, que surgiu na 40 a Assembléia da CNBB, em abril do ano passado. A Baixada Santista é formada por nove municípios: Santos, São Vicente, Cubatão, Praia Grande, Guar ujá, Ber tioga, Peruíbe, Mongaguá e Itanhaém. Cada cidade apresenta pelo menos um grande bolsão de pobreza. Entre as maiores favelas estão os bairros Cota 200, Cota 400 e Cota 500, o México 70, o Dique da Vila Gilda, a Pouca Farinha e o Quarentenário/Vila Ponte Nova. A maioria das favelas é fruto da crise do setor de pesca, do pólo petroquímico de Cubatão e do porto de Santos, os dois últimos os maiores empregadores da re-
Eraldo Silva
Delegado é condenado por tortura
Uma CPI poderá ser instaurada para investigar denúncias contra esses grupos. Protocolada pelo Deputado Federal Luis Couto (PT-PB), a CPI conta com as assinaturas de mais de 270 deputados para a apresentação do requerimento, e do apoio da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Paraíba, e da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), além de outras organizações não governamentais que estão encaminhando pedidos à Assembléia para que priorize as in-
■ Dique da Vila Gilda, um dos bolsões de pobreza mapeados pela pesquisa gião. “A queda do emprego se acentuou entre 1995 e 2000, quando começou a privatização e a destruição do parque industrial da região. Muitos pais de família que hoje vivem nas favelas trabalhavam em empresas de Cubatão”, diz um dos coordenadores da pesquisa, o economista e professor João Carlos Gomes. TRAGÉDIA NA VILA GILDA O primeiro local abordado pela pesquisa foi a favela do Dique da Vila Gilda, em Santos, escolhido por apresentar um alto índice de miséria. Ali, numa área de 3,5 km2, cerca de 22 mil pessoas tentam sobreviver com renda mensal de R$ 75 per capita; 20% do total da população e de crianças de 0 a 6 anos, 82,3% das quais estão fora das creches. Entre os adultos, 31,3% trabalha na informalidade, sendo 38,4% sem registro; 25,6% da população ativa está desempregada. A maioria da po-
pulação não chega aos 65 anos, ou porque sai da região, ou não sobrevive à miséria Segundo Gomes, para erradicar a miséria de locais como o Dique não basta simplesmente construir casas novas.“Muitos dos atuais habitantes saem, vendem seus barracos para novos moradores, o que aumenta o adensamento na região”, explica ele. Uma das ações propostas pelos pesquisadores é o incentivo ao cooperativismo: “Precisamos de articulações entre as forças vivas da sociedade como universidades, igreja, poderes públicos e organizações não governamentais, para fazer atividades que gerem renda, como cursos de capacitação profissional e parcerias entre empresas”. Eles sugerem, ainda, a construção de um conjunto habitacional fora do Dique, ampliação das matrículas para Educação Infantil e a implantação de uma brinquedoteca.
De acordo com outro coordenador da pesquisa, o sociólogo Cláudio José dos Santos, existem na região características que são comuns a qualquer outra área pobre do país, como o alto índice de gravidez precoce. A pesquisa foi feita com cerca de 100 agentes das pastorais da Igreja Sagrada Família, localizada na área do Dique. “Eles moram na própria região, então conhecem melhor os problemas e as pessoas do local. Têm uma interação maior com a comunidade”, explica Cláudio José. A próxima área a ser mapeada será a favela do México 70, em São Vicente (SP). Segundo o sociólogo, o motivo da escolha é devido ao fato de ser a primeira área de exclusão social concentrada da região. “Queremos pegar as grandes zonas em situação de miséria para ter consistência para ir a áreas menores”, conclui.
BRASIL DE FATO De 27 de abril a 3 de maio de 2003
Jorge Pereira Filho, da Redação e Áurea Olímpia, de João Pessoa (PB)
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NACIONAL
Cidadãos gaúchos fazem movimento contra grupo RBS, associado à Rede Globo, em repúdio à manipulação de informações; um dos fatos ainda mal explicados é a contratação, pelo grupo, do ex-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, logo após o término do governo FHC
ESCÂNDALO
Zero Fora tira assinantes do Zero Hora
ESCÂNDALO FABRICADO Tarso Genro, candidato derrotado a governador pelo PT, atualmente secretário nacional do Desenvolvimento Social, não integra o movimento, mas sua avaliação sobre a derrota nas urnas corrobora as denúncias.“Teve importância em nossa derrota o cerco da grande mídia sobre nosso governo (Olívio Dutra,do PT) e o partido”, afirma. “Durante três anos e meio, a manipulação da informação conseguiu formar em parte da sociedade um forte ranço antipetista.” Um fato, em particular, tornou-se nacionalmente conhecido:
MISTÉRIO EM CAYMÃ “Por interesses econômicos feridos, a RBS passou a adotar uma atitude conspiratória, com o objetivo de derrubar o governo Olívio Dutra, que não lhe dava o tratamento diferenciado a que estava acostumada”, acusa Oliveira. Os prejuízos do Grupo RBS com negociações recentes são conhecidos do povo gaúcho. A exemplo da Globo, sua afiliada no Sul também entrou no processo de privatização das telecomunicações. Mau negócio. O grupo foi obrigado a vender a sua participação, o lote de ações que garantia sua inserção na extinta CRT (Companhia Riograndense de Telecomunicações) e também a Net Sul (operadora de TVs a cabo).
O silêncio dos acusados O jornal Brasil de Fato tentou ouvir a direção do Grupo RBS sobre as polêmicas que vêm envolvendo a empresa. A assessoria de imprensa do grupo informou que apenas Nelson Sirotsky e Pedro Parente poderiam se pronunciar, mas que ambos haviam passado a semana envolvidos em viagens. A assessora indicou o diretor de redação de Zero Hora, Marcelo Rech, para falar sobre a denúncia de manipulação das pesquisas. Foram feitos contatos com a secretária de Rech, que alegou agenda cheia. (MC)
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RBS contrata Parente. Fórum quer investigar
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utra polêmica envolvendo a RBS foi a contratação de Pedro Parente, ex-ministrochefe da Casa Civil do governo Fernando Henrique Cardoso, antes mesmo que fosse cumprido o período de quarentena a que estão sujeitos todos os altos funcionários de governo. Parente tornou-se vicepresidente do grupo gaúcho, logo após deixar a vida pública. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação apresenta a sua versão das relações entre a RBS e Parente. Ainda durante o governo FHC, foi aprovada a Medida Provisória 70, com artigos que “beneficiariam diretamente o grupo de comunicação gaúcho”, segundo o FNDC. “Com base em artigos não discutidos pela sociedade, a MP dá à mídia brasileira condições de aquisição de um número ilimita-
do de empresas jornalísticas e de radiodifusão, desrespeitando a limitação legal de propriedade de veículos de comunicação, bem como permitindo o abuso econômico na formação de redes nacionais de mídia”. Parente, segundo nota emitida pela própria Casa Civil, não teve nenhum envolvimento pessoal na elaboração da discussão dos textos que resultaram na MP. O argumento é questionado pelo Fórum, já que “todas as decisões que passam pela Casa Civil são de responsabilidade de seu ministrochefe. Portanto, ele não poderia desconhecer o assunto, sob pena de negligência para com as funções públicas.” O Fórum pela Democratização da Comunicação encaminhou pedido ao Ministério Público Federal para que a questão seja investigada. (MC)
Durante seu depoimento na CPI, Oliveira denunciou empréstimos realizados pela RBS nas ilhas Caymã. Apresentou documentos que, segundo ele, comprovam que o grupo está tecnicamente falido. O alvo das denúncias são duas empresas da RBS naquele paraíso fiscal, que teriam sido utilizadas para a obtenção de empréstimos: a Caboparbs Ltda. E a RBS Par Ltda. Apesar de falimentar, o grupo obteve o dinheiro. “Que milagre é esse que lhes possibilita conseguir milhões de dólares no exterior? Isso é dinheiro que eles mandam para fora e depois emprestam de si
mesmos, o que resulta em sério atentado à soberania nacional”, dispara Oliveira. E destaca que “todas as denúncias da época estão sendo comprovadas pela vida”. Em dezembro de 2001, o jornal Folha de S.Paulo publicou, na coluna da jor nalista Mônica Bergamo, uma nota afirmando que a Receita Federal havia aplicado uma multa de R$ 100 mil à RBS. Conforme a nota, “o vice-presidente do Grupo, Afonso Motta, reconheceu as ‘contingências’ com o Leão, diz que há equívoco da Receita e informa que a empresa está se defendendo na esfera ad-
ministrativa”. “Eles têm de explicar porque levaram uma multa desse montante”, diz Oliveira. O deputado federal Adão Pretto (PT/ RS) apresentou um requerimento à Receita Federal solicitando informações sobre o caso. Na época das acusações a RBS lançou uma nota em seus jornais diários admitindo que possui empresas no exterior, que são “regulares e devidamente registradas no órgão competente”. O Grupo também alega que suas “operações financeiras são legítimas, regulares e adequadas ao porte e à solidez da empresa”.
■ Organizadores da Zero Fora usaram adesivos para divulgar a campanha
Ibope assume erro. Sirotsky se desculpa as últimas eleições presidenciais, o grupo RBS trabalhou com dois institutos de pesquisa: Ibope e o Centro de Estudos e Pesquisas em Administração (Cepa-UFRGS), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ambas passaram longe da realidade das urnas. Pior ainda: o jornal Correio do Povo, da Companhia Jornalística Caldas Júnior, concorrente da RBS, publicou pesquisa com diferença decimal em relação aos reais resultados. Mas o erro não foi só na chegada. Já no primeiro turno, o Ibope dava 41% da preferência eleitoral
ram “equivocadamente após o encerramento da eleição, quando da divulgação da pesquisa de bocade-urna, fazendo comentários precipitados sobre outras pesquisas e sobre empresas e instituições envolvidas direta ou indiretamente no processo eleitoral. Essa manifestação, porém, foi conseqüência de uma pesquisa que se mostrou equivocada na comparação com os resultados das urnas”. Diz ainda: “Asseguro que a RBS jamais tentou interferir em pesquisas.” Ato contínuo, a empresa enviou cartas a quem cancelou assinaturas pedindo que voltassem atrás de suas decisões. (MC)
para o ex-governador Antônio Britto, que atingiu 11% da preferência e nem foi para a segunda etapa. O candidato derrotado,Tarso Genro, denunciou a manipulação das pesquisas. Em resposta, o presidente do Ibope, Carlos Montenegro, assumiu os erros e inocentou a RBS. Nelson Sirotsky publicou, então, o seu já famoso editorial de 3 de novembro: “Peço desculpas por eventuais excessos cometidos em alguns de nossos veículos após pesquisa de boca-de-urna”. A frase diz respeito à comemoração antecipada de alguns formadores de opinião da empresa. “Alguns comunicadores da RBS”, diz Sirotsky, se manifesta-
HOMENAGEM
Morre Jair Borin, jornalista e militante Hamilton de Souza, da Redação jornalista e professor Jair Borin, militante político das lutas da esquerda, morreu no dia 22, em São Paulo, aos 61 anos de idade, vítima de câncer. Ele era casado com Sílvia Costa Borin e deixou dois filhos, Ivan e Paula. Jair Borin teve uma longa trajetória de luta contra a ditadura militar, de 1964 a 1985. Foi preso e torturado em março de 1974. Comprometido com a soberania nacional e as causas populares, Borin trabalhou em diversos veículos da imprensa comercial. Foi um grande colaborador e incentivador da imprensa alternativa e de esquerda, desde Movimento até o Correio da Cidadania. Defensor da reforma agrária, prestou assessoria para o Incra e para
governos estadual e federal. Em 1986 foi o representante oficial do Brasil na Conferência Mundial sobre Fome e Reforma Agrária. Participou, nos últimos anos, de vários seminários e cursos organizados pelo MST em parceria com universidades. Jair Borin teve uma importante carreira acadêmica, iniciada em 1971 na Escola de Comunicações e Artes da USP, onde foi professor, chefe do Departamento de Jornalismo, presidente da Associação dos Docentes da USP e orientador de mestrado e doutorado. Em 2001, foi o candidato a reitor da USP mais votado pela comunidade, mas o Conselho Universitário indicou outro nome. Estava lecionando, também, há três anos, no curso de pós-graduação em Jornalismo Político da PUC-SP. Borin militou durante anos no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
Arquivo JST
Rio Grande do Sul é palco de um movimento inusitado: a criação do movimento Zero Fora, contra o principal grupo de comunicação do Sul do país, a RBS (Rede Brasil Sul de Comunicação). O nome é uma paródia ao jornal Zero Hora, carrochefe da empresa. O Zero Fora propõe o cancelamento da assinatura dos veículos pertencentes à empresa, e que não sejam comprados ou consumidos os seus produtos. Conforme seus organizadores, a iniciativa gerou até agora o cancelamento de cerca de 25 mil assinaturas. O Zero Fora surgiu em repúdio à ingerência do grupo RBS no processo eleitoral gaúcho, incluindo a “manipulação nas pesquisas eleitorais publicadas pelo veículo” e a “divulgação sistemática de notícias com vistas a um resultado político-eleitoral específico”, segundo os seus organizadores. “O movimento surgiu de indignações individuais pela maneira com que são tratados assuntos de interesse do movimento social e político discordantes do ponto de vista da grande imprensa”.
o linchamento moral e a execração pública de Diógenes Oliveira, 60 anos, ex-presidente do Clube da Cidadania, proprietária da sede cedida em comodato ao PT no Estado. Durante meses, Oliveira foi acusado de ser o suposto elo entre o jogo do bicho e o então governador Olívio Dutra. A oposição conseguiu criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que, a princípio, seria para averiguar a segurança pública, mas que acabou servindo para escancarar a vida de Oliveira. No final do processo, as denúncias foram arquivadas pelo Ministério Público Estadual. Oliveira e outros acusados, entre eles o próprio Olívio Dutra, foram inocentados. Na linguagem jurídica, absolvido e inocentado são palavras radicalmente diferentes.A primeira significa que não há provas para culpar e a segunda que as provas indicam inocência. No caso de Oliveira, ele foi considerado inocente em relação a tudo o que foi apresentado. Mas sobre isso, a mídia fez silêncio absoluto.
Leonardo Melgarejo
Márcia Camarano, de Porto Alegre (RS)
No ano passado, ajudou a formular o programa de educação, ciência e tecnologia do governo Lula. Presença constante nos movimentos políticos e sociais, Jair Borin registrou na memória de todos que o conheceram o exemplo do profissional competente, do ser humano generoso e do companheiro de todas as lutas.
Ano I ■ Número 8 ■ Segundo Caderno
EUA impõem novo governo a Arafat João Alexandre Peschanski, da Redação governo estadunidense impôs uma nova liderança à Autoridade Nacional Palestina (ANP), presidida por Iasser Arafat. O nome do escolhido é Mahmoud Abbas, também conhecido como Abu Mazen, que assumiu definitivamente o recém-
criado cargo de primeiro-ministro na quinta-feira, 24, exercendo o controle sobre as forças de segurança palestinas. “Arafat não é o tipo de liderança de que precisamos na Palestina”, declarou o secretário de Estado dos Estados Unidos, Colin Powell, alegando que o presidente da ANP apóia organizações terroristas e não é confiável. Por outro lado, visto como um moderaAwad Awad/AFP/AE
Enquanto Sharon intensifica ataques aos palestinos e financia a construção de um muro de 300 km entre a Cisjordânia e Israel, os EUA impõe a Arafat a nomeação do primeiro ministro “moderado” Abu Mazen; no Iraque, aumentam os protestos contra a ocupação
do, Abbas defende a desmilitarização da Intifada e, para Powell, pode articular a paz na região. Arafat, que resistiu à indicação de Abbas por um mês, se submeteu às ordens dos Estados Unidos após uma forte campanha internacional para que cedesse. O primeiro-ministro da Inglaterra,Tony Blair, e o presidente do Egito, Hosni Mubarak, aplaudiram a decisão do presidente da ANP, dizendo que é um avanço político para a região. Arafat corre o risco de assumir um papel meramente simbólico no governo palestino. SHARON ATACA Enquanto se dá essa mudança, o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, aproveita para aumentar o número de ofensivas militares em territórios palestinos. Desde o sábado, 19, o exército israelense intensificou os ataques
INTERNACIONAL
BRASILDEFATO
em Rafah (no Sul da Faixa de Gaza), causando a morte de cinco palestinos. Quatro dias depois, soldados invadiram Jenin (Cisjordânia) e seqüestraram três pessoas, alegando que eram terroristas. “Essas operações são necessárias para Intifada – Nome do levante palestino deter as organizacontra a ocupação ções terroristas. A israelense na época em que neCisjordânia e em gociávamos com a Gaza; começou em ANP acabou, consetembro de 2000, após provocações tinuaremos agindo deliberadas do então com determinação candidato a primeirocontra o terrorisministro de Israel, mo”, afirmou na Ariel Sharon terça-feira, 21, o vice-ministro da Defesa israelense, Zeev Boim. No mesmo dia, Powell declarou que o governo israelense estava colaborando ao máximo para acabar com a violência no Oriente Médio.
■ Arafat e Abbas: separados pelo poder
O mapa do novo apartheid
Muro de Sharon impede acesso palestino à água Ana Jerozolimski, de Jerusalém governo de Ariel Sharon constrói, sem pausa, um muro que vai separar Israel dos territórios palestinos e que reaviva a discórdia em torno de um recurso natural: a água. Iniciado em janeiro de 2002, o muro é uma barreira de 116 quilômetros – ele terá 350 quando for concluído, em junho – que conta com segurança eletrônica e patrulhamento. Sharon, que já investiu 220 milhões de dólares em sua construção, acha que ele garantirá mais segurança aos israelenses contra ataques terroristas. No entanto, para os palestinos, é mais do que isso. Dizem que as melhores terras agrícolas e fontes de água estão ficando do lado israelense do muro que, em sua primeira fase, está sendo erguido na parte norte da Cisjordânia. “Em localidades da Cisjordânia, como Tulkarem e Jenin, as famílias
ficaram com a terra de um lado e o poço de outro”, disse Taher Nasser al-Din, diretor-geral do Departamento de Água da Cisjordânia. Segundo as autoridades locais, oito mil habitantes de outra cidade, Qualkiliya, tiveram de abandonar suas casas e ir em busca de novas terras. Para,Uri Shor, porta-voz do Comissariado Israelense da Água, o muro apenas atende a uma necessidade de segurança. A água é um dos elementos mais simbólicos que separam israelenses e palestinos, cujo velho conflito recrudesceu desde 2000. Por sua escassez no Oriente Médio, a água é um recurso precioso para os povos da região e motivo de contínuas tensões. Mas, através de um manejo racional, a água poderia também se converter em fator de aproximação. Só o que está claro, até agora, para Israel e a Autoridade Nacional Palestina (ANP) é que as reservas são insuficientes e o problema continuará se agravando.
Quase a quinta parte da população palestina, de quatro milhões de pessoas, não conta com serviço de água encanada. Em algumas regiões, como na cidade de Jenin, os moradores afirmam que passam dias inteiros sem água, embora estejam ligados à rede de distribuição. Segundo os acordos de paz de Oslo, de 1993, Israel deve fornecer entre 70 e 80 milhões de metros cúbicos de água por ano à população palestina para “necessidades imediatas”, disse Nabil Al-Sharif, o diretor da Autoridade da Água Palestina, mas “Israel não cumpre integralmente o acordo, porque deveriam nos autorizar a perfuração de mais poços”. Entre 160 mil e 200 mil palestinos, dos dois milhões e meio que vivem na Cisjordânia, carecem de serviço domiciliar de água potável e são abastecidos por caminhões-pipa, segundo fontes palestinas. Por outro lado, os 6,7 milhões de israelenses consomem três vezes mais água do que os palestinos, ou até mais.
Líbano
Síria
Golan Lago Tiberíades
Haifa
Nazaré
Represa de Yarmouk Macarin
Jenin Mar Mediterrâneo
Represa do ReiTalal
Tel-Aviv
Cisjordânia Ramalá
Israel
Jordânia
Jerusalém Territórios Palestinos
Cidade de Gaza
Hebron
Gaza
Aqüíferos
Mar Morto Bersheeva
Extensão atual do muro que Israel está construindo para separar seu território da Cisjordânia
Paulo Pereira Lima, da Redação pesar de a França ter apoiado a proposta estadunidense de fim das sanções das Nações Unidas contra o Iraque, a Casa Branca ameaça fazer represálias ao país europeu, por se ter CS-ONU – Espécie oposto ao atade órgão executivo que contra o integrado por quinze Iraque. “Terepaíses-membros, cinco mos de analidos quais permanentes e com sar todos os aspoder de veto pectos de nos(Estados Unidos, sas relações França, Grã-Bretanha, com a França China e Rússia) e outros dez com por causa disassento temporário so”, disse o se-
cretário de Estado, Colin Powell, no dia 22. Questionado sobre se haveria conseqüências para a França, ele respondeu que “sim” sem precisar quais. Seu porta-voz acrescentou que as medidas poderiam ser estendidas também a outros países que se opuseram aos interesses estadunidenses. Em resposta à ameaça, o governo francês prometeu defender as leis internacionais “sob todas as circunstâncias”. SADAM SUMIU Duas semanas após o início da ocupação de Bagdá, Sadam Hussein continuava desaparecido. Aparentemente, “sumiram” também, se é que algum dia existiram, as tais armas de destruição de
massa que serviram de pretexto para a invasão do Iraque. As provas talvez nem existam, segundo o chefe dos inspetores de desarmamento da ONU, Hans Blix, porque os documentos para justificar a guerra eram falsos.“Era surpreendente ver que uma parte tão importante dos documentos em que se basearam as capitais (Washington e Londres) para construir seu informe (contra o Iraque) não era sólida”, declarou após reunião do Conselho de Segurança (CS-ONU). Uma das mentiras: o Iraque teria assinado um contrato de importação de 500 toneladas de urânio com o Níger, país do Centro-Oeste da África. “Entretanto,
quando a Agência Internacional da Energia Atômica (Aiea) conseguiu obter o contrato, não lhe foi muito difícil descobrir que era falso”, explicou Blix. Os EUA manifestaram–se taxativamente contra a volta dos inspetores da ONU ao Iraque. Esse fato abre a possibilidade de um novo confronto entre o país, de um lado, e, de outro lado, a Rússia e a França, membros permanentes do Conselho de Segurança. RESISTÊNCIA XIITA Cresce, no Iraque, o número de xiitas que se negam a serem governados pelos EUA. Durante as peregrinação na cidade santa de Karbala, cerca de um milhão de
pessoas se manifestaram com frases como “Não à ocupação” e “América e Israel são a mesma coisa”. Além disso, a Organização para a Libertação do Iraque (OLI), até agora desconhecida, anunciou ter iniciado a resistência armada contra os EUA no ter r itór io iraquiano, reivindicando a eliminação de mais de 20 soldados estadunidenses. Em comunicado divulgado pela rede televisiva Al Jazira, a organização exortou os líderes tribais e os dirigentes religiosos sunitas e xiitas a incitarem os iraquianos a “combater os ocupantes para libertar o país”.
Com agências internacionais
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Powell ameaça castigar a França
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ANÁLISE
Disputa entre os impérios desenha o novo mapa da Eurásia José Arbex Jr., da Redação
ual será o futuro das relações entre Estados Unidos e União Européia (UE)? Esta é uma questão central na definição do jogo de poder mundial no século 21. As tensões entre Washington, de um lado, e Paris e Berlim de outro, motivadas pela invasão do Iraque, foram uma pequena amostra. A pretexo de combater o terror, os EUA prosseguem a ocupação do OrienEurásia – te Médio e da Ásia Macroregião econômica e central, acelerada pela geopolítica que abarca invasão do Afeganisa Europa e o tão (em 2001, após o continente asiático atentado de 11 de setembro). A Casa Branca quer controlar as reservas de petróleo e manter bases militares nas cercanias das potências continentais asiáticas (China, Rússia e Índia). A China é vista pela Casa Branca como potência rival econômica e militar no extremo asiático. É isso que explica o “atrevimento” da Coréia do Norte, aliado de Pequim, e a “paciência” de Washington face às bravatas de Pionguiangue. Um conflito com a China é tudo que os EUA querem evitar, pelo menos por enquanto. A Rússia é vital para o controle das populações islâmicas da Ásia central (como mostra na Guerra da Tchetchênia). Além disso, o país mantém um arsenal nuclear praticamente intacto. A Índia, também dona de arsenal nuclear, é no máximo um “parceiro não confiável” de Washington. Ao longo da Guerra Fria, criou uma tradição de país não alinhado que hoje pode ser vital na definição do equilíbrio regional. REAÇÃO EUROPÉIA A UE reage à expansão estadunidense. Em 16 de abril, en-
quanto as tropas de George Bush marchavam sobre Bagdá, a UE anunciou, em Atenas, a integração de mais dez países, além dos quinze atuais, a partir de 1º de maio de 2004 (Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungr ia, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e República Checa) e outros dois em 2005 (Bulgária e Romênia). O tratado de ingresso compreende 4,9 mil páginas, traduzidas ao longo de meses para os 21 idiomas da UE ampliada. Se o processo de ratificação do tratado transcorrer como o previsto, até 1º de maio de 2004 a superfície da UE aumentará quase 25% e sua população crescerá 20%: 75 milhões se incorporarão aos seus atuais 375 milhões de habitantes. Será o maior bloco comercial do mundo. Com isso, as potências centrais (França e Alemanha) ganham maior poder, em detrimento da influência exercida pela Rússia
(que perde completamente o controle sobre a antiga “área de influência” do bloco socialista). E, claro, o Euro se fortalece como moeda alternativa ao dólar, alimentando uma fonte de antagonismo vital com Washington. BOMBAS-RELÓGIOS O novo quadro aponta para uma situação altamente instável. Os Estados Unidos já enfrentam problemas incessantes para manter suas novas colônias. No Iraque, a oposição xiita, com ampla influência em todos os países vizinhos, surge como a principal força antiimperialista. No dia 22 de abril, uma manchete do New York Times, principal jornal da elite estadunidense, dava conta das crescentes manifestações de hostilidade por parte da população iraquiana. A UE, por seu lado, está repleta de contradições. Uma delas, a mais
visível, são as tensões entre as potências centrais e a Grã-Bretanha, responsáveis por uma crise quase insuportável no quadro da UE e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A postura da França e da Alemanha, que não deve ser confundida com respeito a leis internacionais, é de proteção aos interesses de seus respectivos imperialismos. Serviu também para estabelecer um limite ao avanço do imperialismo estadunidense na própria Europa, ensaiado durante o bombardeio da Sérvia, em 1999.
■ Países da UE Reino Unido, Irlanda, Bélgica,Luxemburgo, Holanda, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal, Grécia e Áustria. ■ Adesões (em 16/abr.) Chipre,Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia, Lituânia, Hungria, Malta, Polônia e República Tcheca.
RESISTÊNCIA DOS POVOS Os povos europeus não estão dispostos a manter uma postura passiva. As manifestações do dia 15 de fevereiro, que levaram milhões às ruas em toda a Europa, foram um bom termômetro. A “integração” dos novos países à UE tenderá a produzir Dimitri Messinis/AP/AE
INTERNACIONAL
Estados Unidos e União Européia movem suas peças no jogo pelo controle da Ásia, Oriente Médio e Europa; ampliação da UE cria novas tensões e temores na população, como mostram os debates na Suécia sobre a adoção do Euro
■ Em Atenas, os representantes dos quinze países–membros da União Européia concluíram o acordo para a adesão de outros dez, até maio de 2004, e mais dois no ano seguinte; o acordo lança as bases para a criação do maior bloco comercial do planeta, potencialmente fortalecendo o Euro e colocando em novos patamares a equação do poder geopolítico regional
mais desemprego e miséria na “periferia” (como, por exemplo, acontece em grande escala com Portugal), cujas economias não são fortes o suficiente para sustentar o Euro como moeda. Isso, sem levar em conta os conflitos regionais, como aquele que divide a ilha de Chipre entre turcos e gregos, e as tensões étnicas fabricadas pela crise do chamado “desemprego estrutural”, que joga milhões de cidadãos europeus na marginalidade. Nos EUA, o autoritarismo de Bush, radicalizado durante a invasão do Iraque, começa a produzir reações importantes por parte de setores democráticos e de esquerda, momentaneamente paralisados após o atentado de 11 de setembro, incluindo intelectuais, artistas, lideranças sindicais. Todos os dias ocorrem manifestações em alguma parte dos EUA, embora a mídia trate de minimizar sua importância. O próximo período, portanto, será repleto de acontecimentos vitais para desenhar o mapa do poder na região euroasiática. A única coisa certa é que a crise criará novas guerras, enfrentamentos e destruição. Os povos continuarão sentindo em seus ombros o peso da disputa entre os impérios.
SUÉCIA
Plebiscito deve rejeitar o Euro
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ampliação da União Européia, com a anunciada integração de dez novos países-membros, anuncia o maior bloco comercial do planeta. Com isso, o Euro, moeda que circula na UE, tende a ganhar mais força em comparação com o dólar. Isso pode dar a impressão de que os cidadãos dos países-membros da UE serão beneficiados pelo avanço do Euro. Não é bem assim, a julgar pelos debates em um desses países, a Suécia. Os suecos realizarão, em setembro, um plebiscito para decidir se o país deve ou não adotar o Euro. As pesquisas de opinião indicam que pelo menos a metade da população votará contra. A razão é simples, e lembra muito, em certos aspectos, um debate travado hoje no Brasil: aderir ao Euro significará, necessariamente, aceitar a autonomia do Banco Central, metas rígidas de controle da inflação e redução dos investimentos do Estado.
Além da Suécia, apenas o Reino Unido e a Dinamarca não adotaram o Euro.A adesão sueca à UE ocorreu em 1995,após um plebiscito em que a integração foi aprovada com margem de 4%. Os coordenadores da campanha pelo “Não ao Euro” acreditam que o resultado do novo plebiscito pode ser diferente. “Muitos se arrependeram e entendem que o Euro é a aprofundamento das políticas da UE”, explica Daniel Sestrajcic, integrante da campanha no distrito de Skäne, centro industrial sueco. EURO CONTRA O POVO “Na superfície, parece fácil, só uma troca de moedas, mas na verdade significa entregar o poder aos banqueiros”, explica o professor Pär Höglund. Segundo Höglund, o Tratado de Maastrich, que definiu as bases para a criação da União Monetária Européia, estabeleceu, como principais exigências para a adesão dos países ao Euro, a estabilidade da moeda nacional, o limite de 3% no déficit dos Estados e de 60% nas dívidas, além de au-
tonomia para os BCs. A Suécia iniciou o processo de readequação de sua economia, para atender às exigências de Maastricht. Resultado: o Estado extinguiu 200 mil empregos na área de serviços públicos; o desemprego saltou de 2% para 10%, em 1995. A autonomia do BC sueco é criticada por Höglund. “A economia está cada vez mais longe do povo e o Parlamento tem menos poder.As decisões agora estão apenas com os diretores do BC, para quem o importante é manter a inflação baixa, mesmo que o desemprego seja alto”. Se adotarem o Euro, a Suécia passará a se submeter às decisões do BC Europeu (BCE) e do Conselho Europeu, composto por chefes de Estado, que se reúne anualmente, o que significa acabar de vez com qualquer sombra de soberania nacional. “Quando o país perde sua moeda, perde o controle do mercado nacional” alerta o professor. “O povo não pode mudar o governo da UE, o parlamento europeu é simbólico, porque o po-
der real é do Conselho dos Ministros; é um projeto sem base democrática, imposto de cima para baixo”, afirma. Os maiores beneficiados pela integração européia seriam Alemanha (PIB de US$ 1,9 trilhão), França (US$1,3 trilhão) e Itália (US$ 1,1 trilhão). O PIB sueco é de US$ 227,3 bilhões, enquan-
to, por exemplo, o PIB da Estônia, que integrará a União Européia em 2004 junto com mais nove países, é de US$ 5 bilhões. “Aquilo que vamos ganhar economicamente não se compara com que o vamos perder socialmente. Quem paga no final é sempre o trabalhador”, diz Hoglund.
Márcio Baraldi
BRASIL DE FATO De 27 de abril a 3 de maio de 2003
Miguel Enrique Stedile, de Estocolmo, Suécia
AMÉRICA LATINA
Da Redação s cinco candidatos com chances de chegar ao segundo turno nas eleições deste domingo, 27 de abril, para presidente da Argentina, nenhum deles alcançando 20% das preferências eleitorais, entraram numa roda-viva na quarta e na quinta-feira passadas, os dois últimos dias em que a propaganda eleitoral era autorizada na televisão e em atos públicos. Todos eles - Carlos Menem, Ricardo López Murphy, Néstor Kirchner, Adolfo Rodríguez Saá e Elisa Carrió - procuravam, em meio à apatia em que estavam prostrados os eleitores, desencantados com a mais grave crise que se abateu sobre seu país, jogar no erro do adversário. Só que esse adversário, o candidato com maiores preferências eleitorais, mudava a cada pesquisa, de modo que a campanha se encerrou com todos atirando contra todos. Menem apresentava como trunfo o fato de levar mais gente a seus comícios. Kirchner enfatizava que é apoiado pelo atual presidente Duhalde. Rodríguez Saá confiava em seu bom desempenho na televisão, pelo simples fato de ser o
candidato mais fotogênico. López Murphy contava com a circunstância de que, nesta última semana, foi o candidato que mais cresceu nas preferências eleitorais. E Carrió procurava demonstrar que tem condições de presidir o país, pois é criticada por não ter experiência de governante. A campanha foi assim algo fantasmagórica, com os candidatos preferindo não discutir os problemas reais do país, dando a entender que, qualquer que seja o eleito, não vai mudar muita coisa. O eleitorado também parecia um eleitorado-fantasma, que acompanhou a campanha sem nenhum entusiasmo e até mesmo sem nenhum interesse. Nenhum dos candidatos, por exemplo, se pronunciou sobre a violenta ação policial que pôs fim, pelo menos por enquanto, a uma das mais ousadas experiências autogestionárias da história mundial da classe operária. VIOLÊNCIA NA BRUKMAN Acontece que foi retomada pela Polícia Federal de Buenos Aires, a fábrica de roupas masculinas Brukman, que havia sido abandonada, falida, por seu proprietário e vinha sendo tocada por
55 trabalhadoras desde dezembro de 2001. A reocupação, para devolvê-la a seu proprietário, depois que a empresa passado a dar lucro, ocorreu à meia noite de sexta-feira, 18 de abril, com a polícia lançando bombas de gás lacrimogêneo e dando tiros de borracha contra as trabalhadoras que tentavam impedir sua entrada. Várias pessoas ficaram feridas e outras foram presas. CANDIDATOS OMISSOS A partir daí começou uma vigília diante da fábrica e no dia 21, houve uma passeata. Das manifestações participam não só as trabalhadoras da fábrica, mas também membros de diferentes movimentos, entre eles as assembléias populares, os piqueteiros e as Mães da Praça de Maio. Houve um abaixo-assinado de protesto contra a desocupação, com o apoio, por exemplo, da ativista Naomi Klein, que se encontrava na Argentina. O silêncio dos candidatos sobre esse ato de força indica que de fato o próximo presidente da Argentina não vai ter muito mais o que dizer à população que tenta criar uma sociedade paralela à miserável sociedade oficial.
Jesus Carlos/ImagenLatina
Argentinos votam. E a polícia reprime
INTERNACIONAL
Em clima de apatia, argentinos escolhem o novo presidente; candidatos se omitem sobre a violência policial que desalojou os trabalhadores que tocavam a têxtil Brukman, ocupada após sua falência; no Equador, povos indígenas ameaçam romper com o presidente Gutierrez
■ Manifestantes vão às ruas de Buenos Aires, para protestar contra o FMI; candidatos não apresentam alternativas
Em Buenos Aires, universidade popular forma a primeira turma ste mês de abril assinalou, em clima altamente emotivo, a entrega dos diplomas da primeira turma de noventa formados pela Universidade Popular das Madres de Plaza de Mayo, em Buenos Aires, na Argentina, nas carreiras e seminários de Psicologia Social,Economia Política e Social, Jornalismo Investigativo, Educação Popular, Direitos Humanos, Leitura Crítica e Metodológica de O Capital de Marx, Cooperativismo, Cinema Documental, Promoção Teatral, Design Gráfico, Cadeira de Formação Política Ernesto Che Guevara, História, entre outras matérias. Era 7 de abril, uma segunda-feira.
As Madres sentiram que seus 30 mil filhos desaparecidos durante a guerra suja da ditadura militar continuam a viver depois da morte e continuam nascendo, entre os formados, e sentiram sua presença na cerimônia de formatura, “entre os piqueteiros e piqueteiras que fecham as estradas e reinventam o trabalho, entre os operários e operárias das empresas sem patrões, entre os camponeses sem terra do Brasil, entre os revolucionários cubanos que constroem o socialismo, entre o povo que resiste no Iraque à invasão colonial anglo-americana”. Estavam presentes em carne e osso os piqueteiros do MTD Aníbal Verón e do Movimento Teresa Rodríguez, os trabalhadores das Cerâmicas Zanon, que naquele
dia, 7 de abril, resistiam à ordem de despejo, e trabalhadores de outras empresas recuperadas. Dos EUA chegou a palavra do presidente do Conselho Acadêmi-
co Internacional, James Petras. De Cuba, escreveu Fernando Martínez Heredia. Emir Sader representou o Brasil. Falou o venezuelano Oscar Acosta, da Fundação Jesus Carlos/ImagenLatina
Claudia Korol, de Buenos Aires, Argentina
■ Estudantes da universidade popular honram memória de militantes desaparecidos durante a ditadura militar
de Arte de seu país. Dez Madres, com seus lenços brancos, tomaram o compromisso dos estudantes que receberam os diplomas: “Você se compromete a honrar a memória dos 30 mil companheiros detidos desaparecidos? Você se compromete a continuar a luta revolucionária de nosso povo?” “Sim, me comprometo!”, era invariavelmente a resposta. Cada um levava seu diploma como se fosse um tesouro, mesmo porque os noventa diplomas foram pintados à mão pelas Madres, cada um diferente do outro. Hebe de Bonafini, presidente das Madres, encerrou o ato: “Nos une a Universidade, nos unem os desaparecidos. Eles, que acreditavam tanto na educação, que amavam tanto a formação política!”
EQUADOR
Da Redação omunidades indígenas do Equador pretendem se revoltar se o presidente do país, Lucio Gutiérrez, não reavaliar suas mais recentes medidas econômicas. As que mais desagradam são o aumento do combustível em 39% e do transporte rodoviário em 25%. O aumento do preço do gás doméstico – do equivalente a 5 reais para 18 reais – foi vetado. O expresidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie),AntonioVargas, afirmou que essas medidas preju-
dicam gravemente os indígenas, que representam a metade da população do país, pois muitos vivem em uma situação de miséria. Gutiérrez chegou ao poder no final de 2002, como principal candidato de esquerda do país e apoiado pelos movimentos sociais, principalmente pelos indígenas. Mas, segundo o escritor e analista político Javier Ponce, muitas organizações de indígenas podem se desvincular do governo se não ocorrer o rompimento com a tradição econômica neoliberal do Equador, acentuada pelo antecessor de Gutiérrez, Gustavo Noboa. “Minha raça não está disposta a
fazer o papel de cúmplice”,afirmou a ministra das Relações Exteriores, Nina Pacari, indígena das comunidades de Otovalo e a primeira mulher a ocupar o cargo, cuja tarefa é implementar uma política exterior baseada na soberania, na independência e no respeito às diferentes formas de governo existentes. Dois grandes temas envolvem o ministério. Um é o convênio da Base de Manta, assinado em março de 1999, que permite às tropas estadunidenses realizarem operações antidrogas a partir desse porto equatoriano. Para Nina, a presença de tropas estrangeiras em seu país evidencia a vontade dos Estados
Unidos em controlar militarmente a América do Sul e detera o fluxo de migrantes equatorianos. O segundo é o Acordo de Livre Comércio das Amér icas (Alca), rejeitado pelo movimento indígena. A ministra apóia a negociação, mas salienta: “Negociaremos como produtores, e não como consumidores.” DESMONTE ESTATAL A estatal Petroequador, que organiza a produção do petróleo no país, não está recebendo verbas suficientes para continuar funcionando. Os gastos da empresa são de 1,7 bilhão de dólares, e o
Ministério da Economia só tem repassado 1,4 bilhão. Para o diretor do jornal “El Sucre”, Marcelo Larrea, isso representa o desmonte da estatal, em benefício de empresas privadas transnacionais. Larrea aponta que as escolhas de Gutiérrez quanto à exploração do petróleo são parecidas com as do governo anterior, em que foram entregues à chilena Enap quatro campos com 120 milhões de barris de reservas e uma produção de 8.000 barris diários, sob pretexto de incapacidade de Petroequador. Com informações das agências Adital e Notícias Aliadas
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Indígenas criticam medidas do governo
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INTERNACIONAL
A política externa estadunidense para o continente africano alterou-se significativamente após a invasão ao Iraque; cortes dramáticos na ajuda humanitária para vários países já foram divulgados pela administração Bush, que confessa ter priorizado os gastos com o arsenal militar
ÁFRICA AFRICA
Guerra de Bush consome verbas sociais vocês não sabem o que diabo vocês vão fazer”, Biden respondeu a Bellamy. O diretor do Organismo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), James Morris, também criticou a ajuda humanitária ao Iraque em detrimento dos países africanos. Em pronunciamento ao Conselho de Segurança das Nações Unidas no dia 7 de abril, Morris lembrou que a população do Iraque terá ajuda alimentar generosa dos governos para os próximos meses.“Seria irônico se as pessoas na África tivessem comida em
ara custear a guerra e a reconstrução do Iraque, os Estados Unidos vão cortar drasticamente fundos antes reservados aos programas de desenvolvimento da África. O senador democrata Joseph Biden acusou recentemente a administração Bush de, por conta dos gastos militares, não ter mais como cumprir as promessas de ajuda a países como Quênia eTanzânia. Em março, o presidente Bush pediu ao Congresso de seu país a liberação de 75 bilhões de dólares para cobrir os custos da invasão do Iraque. Só no Quênia, os Estados Unidos vão diminuir de 13,3 milhões de dólares para 3,8 milhões a verba de assistência ao desenvolvimento. Na Tanzânia, a ajuda cairá de 10,4 milhões de dólares para 3,2 milhões. Vários outros países da África subsaariana serão afetados, entre os quais Moçambique, África do Sul e Uganda. Todas essas nações têm feito esforços para corresponder às exigências da campanha do governo Bush contra o terrorismo, exigências às quais, de certo modo, a ajuda está condicionada. O correspondente da agência noticiosa All Africa em Nova York, Kevin J. Kelley, relatou na semana passada conversa em que o senador Joseph Biden pedia explicações sobre os cortes ao encarregado da Divisão de África do Departamento de Estado estadunidense,William Mark Bellamy. “Quando eu ouço uma pessoa tão incrivelmente qualificada como você dizer ‘nós vamos conseguir dinheiro em outras fontes e vamos nos utilizar de meios criativos’, isso para mim em Washington significa que
suas casas por um mês; elas ficariam surpreendidas”, disse Morris. “Como é que podemos aceitar rotineiramente um nível de sofrimento e desespero na África que nunca aceitaríamos em nenhuma outra parte do mundo?”, concluiu. IMPONDO TRANSGÊNICOS Na área do comércio com a África, os Estados Unidos vêm esbarrando em sucessivas negativas de nações africanas quando se trata da importação de suas sementes geneticamente modificadas. Os estadunidenses têm tentado convencer
Sayyid Azim/AP/AE
Marilene Felinto, da Redação
autoridades de diversos países a adquirir seus alimentos transgênicos, quando não condicionam a aquisição à ajuda financeira. No início de abril, Andrew Natsios, diretor da Agência Estadunidense para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) disse ao Congresso que a oposição aos transgênicos na África tem sido “exagerada”. Natsios citou o exemplo do Maláui, onde agricultores estão cultivando mandioca geneticamente modificada, proveniente dos EUA. Na Zâmbia, entretanto, o presidente Levy Mwanawasa recusou-se a aceitar e distribuir milho transgênico doado pelos EUA.
Mar Mediterrâneo
NIGÉRIA Abuja SOMÁLIA UGANDA Mogadíscio QUÊNIA Campala Nairobi TANZÂNIA Dodoma
OCEANO ATLÂNTICO
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MALÁUI Lilongwe
ZÂMBIA Lusaka
Harare ZIMBÁBUE
MOÇAMBIQUE Maputo
Pretória ÁFRICA DO SUL
OCEANO ÍNDICO
■ Bantos aguardam visto para os EUA.
amendoim e freqüentar um supermercado. Começaram a ser entrevistados por funcionários do Serviço de Imigração dos EUA entre setembro e novembro do ano passado, quando passaram por minuciosa avaliação médica e longos interrogatórios para questões de segurança.As entrevistas foram suspensas e deveriam recomeçar em março último, o que não ocorreu. (MF)
Quem são os bantos Os refugiados somalis acampados no Quênia são remanescentes dos ancestrais bantos que viviam originar iamente em Moçambique (e dali foram trazidos como escravos para o Brasil pelos portugueses no século 17), na Tanzânia e no Maláui, Sudeste africano. No século 19, foram raptados e levados para a Somália por comerciantes árabes. Desde então, são chamados de a “tribo perdida da África”. Falam a variante Af Maay da língua somali. O grupo étnico é mais tradicionalmente conhecido como os “Mushunguli” (descendentes de escravos) ou “Gosha” (floresta),
Sayyid Azim/AP/AE
Ex-escravos bantos esperam no Quênia corte feito pelos Estados Unidos na ajuda financeira ao Quênia provavelmente já afeta a espécie de recolonização à americana vivida por 12 mil africanos do povo banto refugiados no Quênia e à espera de visto para entrar nos EUA. Os bantos fugiram da Somália entre 1991-92, quando começou a guerra civil somali, que dura até hoje. Como não se aliaram a nenhuma das facções do conflito, tiveram suas fazendas tomadas pelos rebeldes. Permaneceram durante quase uma década no campo de refugiados de Dadaab, na fronteira com o Quênia. Em 1999, ganharam status de “perseguidos” pelas autoridades de imigração dos Estados Unidos e passaram a ser o maior grupo de refugiados da história cotado para receber uma doação coletiva de visto de entrada naquele país. Entre junho e setembro de 2002, a maioria dos banto foi transferida para outro campo no Quênia, o de Kakuma, onde são alfabetizados em inglês e recebem instruções sobre cultura estadunidense: o conteúdo das aulas vai desde leis e política até o uso de papel higiênico e vaso sanitário, como apertar o botão da descarga, dos interruptores de luz, como utilizar uma geladeira, uma máquina de lavar, um aparelho de televisão, como comer pasta de
Mwanawasa também não aceitou a visita de cientistas estadunidenses que seriam enviados pela Usaid para tentar convencê-lo dos “benefícios” da biotecnologia. Ao comentar a também recusa do presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, de 10 mil toneladas de milho transgênico doadas pelos EUA, Andrew Natsios disse que Mugabe não se referiu ao alimento como perigoso para a saúde, mas apenas como algo que não se deveria semear. Natsios considerou “falso” o argumento de Mugabe, acrescentando que “as pessoas com fome não estão interessadas em semear mas sim em comer para poder sobreviver”.
■ Campo de refugiados de Kakuma, Norte do Quênia referente à parte de mata do vale do rio Juba, no Sudeste da Somália, onde eles viviam. Os bantos têm pouco contato com o mundo moderno. É um grupo não letrado, de religião muçulmana, uma etnia minoritária historicamente discriminada na sociedade somali como cidadãos de segunda classe. Eram tratados como escravos pelos clãs majoritários, sem direitos civis como educação e permissão para se casarem com membros de outros clãs. São discriminados também devido a seus traços físicos, mais negróides do que os somalis de ascendência indiana, de traços
mais finos, estatura alta e longilínea. Eram relegados a serviços e tarefas que outros somalis não fazem. Eles sofreram mais de dois séculos de perseguição nas mãos dos Marihan, etnia majoritária à qual pertencia o ditador Siad Barre, derrubado nos início dos anos 90. Antes de encontrar abrigo para os bantos nos EUA, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) tinha feito contato com Tanzânia e Moçambique, na tentativa de reassentá-los em suas terras de origem. Os dois países alegaram não dispor de recursos para arcar com o reassentamento. (MF)
■ Nigéria Obasanjo é reeleito O presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, foi reeleito esta semana com mais de 60% dos votos apurados, segundo dados oficiais divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral Independente. As eleições para presidente aconteceram no dia 19/4. O principal candidato da oposição, Muhammadu Buhari, denunciou fraudes no processo eleitoral e disse não aceitar os resultados que deram a vitória a Obasanjo, o que poderá levar o país a uma grave crise política. O pleito foi razoavelmente pacífico nas grandes cidades. Mas observadores internacionais também foram unânimes em apontar irregularidades nos processos de votação e apuração. Se Obasanjo conseguir sustentar sua reeleição e governar por um período de mais 4 anos, sem ser vítima de novo Golpe de Estado, será o primeiro líder a conseguir essa façanha desde que o país se tornou independente do Reino Unido, em 1963. Tanto o cristão Olusegun Obasanjo quanto o muçulmano Muhammadu Buhari são exditadores do regime militar nigeriano.
VIGIAR E PUNIR
instituições e os médicos que o “trataram”, entre eles um ex-senador e prefeito de Curitiba. O relato, exemplar para o movimento, foi adotado por diversas universidades.Apesar disso, e das sucessivas edições, o livro foi cassado em abril do ano passado, estando proibida sua reedição. Carrano comprou uma grande briga em 1998, ao entrar com ação indenizatória por erro médico psiquiátrico.Perdeu em primeira instância, pois o juiz considerou prescrito o crime para o qual ele pediu reparação. Isso animou outros profissionais citados no livro, que abriram outras ações. Hoje Carrano pode novamente ser preso. “De vítima do sistema, virei réu caluniador e difamador do sistema e de psiquiatras”, diz o escritor, que está condenado a pagar R$ 60 mil a donos dos hospitais psiquiátricos e médicos. Além de não ter esse dinheiro e da cassação do livro, Carrano enfrentará novo julgamento, no dia 23 de maio, em outra ação movida por uma das instituições, exigindo R$ 5 mil por dia,ou sua detenção em prisão comum, a cada vez que ele “mencionar na imprensa essas torturas e os nomes dos hospitais psiquiátricos” onde esteve, conta.
Terezinha Vicente Ferreira, de São Paulo (SP) nos de 1970, anos de chumbo. Mas os porões não eram apenas aqueles ligados diretamente à política. Havia também verdadeiras prisões psiquiátricas, onde se colocaram muitos dos que ousaram questionar os valores vigentes, ou simplesmente ousaram ser diferentes. Austregésilo Carrano Bueno era um adolescente cabeludo, em Curitiba, no final dos anos 70. Às vésperas de fazer vestibular para jornalismo, com 17 anos, seu pai, comerciante, encontrou maconha entre suas coisas. Aconselhado por um “amigo” policial, o pai de Carrano o internou para “tratamento” em um manicômio. Iniciava-se uma saga de três anos, em que o jovem viveu sete internações em instituições psiquiátricas paranaenses, o que mudaria sua vida para sempre. Maus tratos, comprimidos tomados à força, falta de higiene, eletrochoques. Uma fissura na base do crânio e a falta de dez dentes são as conseqüências visíveis no corpo de Carrano.Anos de pesquisas sobre medicação e loucura, sua melhor terapia foi produzir um livro – Canto dos Malditos – finalizado em 1986, em que relata sua história. O livro foi base do roteiro do filme Bicho de Sete Cabeças (2001), de Laís Bodanzki, ganhador de dezenas de prêmios nacionais e internacionais, no qual Rodrigo Santoro interpreta o escritor.
CASO QUE VIRA CAUSA “Este é um processo político, apesar de solicitar reparação pessoal”, assegura o advogado e deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, defensor de Carrano. “É o tipo de caso que vira causa, e a causa é justa”, completa o advogado, acresentando que Carrano “narra fatos de que é partícipe, e nos quais ele se considera prejudicado. Então o juízo de valores faz parte inerente da narração, o que é permitido pela Constituição”. Para Greenhalgh, a vitória do nos tribunais pode significar um alerta aos manicômios para que não usem os métodos utilizados com Carrano.
ELETROCHOQUE Carrano tornou-se militante apaixonado da causa em 1989. A primeira edição de seu livro foi feita pela Universidade Federal do Paraná, e só permaneceu nas prateleiras depois de um embate jurídico, esgotando-se logo. Outras editoras recusaram-se, pois Carrano cita no livro as poderosas
Marlene Bérgamo/Ed. Viggiani
De vítima a réu, Carrano pode ser preso
SAÚDE PÚBLICA
Autor do livro que deu origem ao filme “Bicho de Sete Cabeças” responde a processos movidos por psiquiatras que o “trataram” e pode ser preso; movimento antimanicomial exige a reforma do atendimento em saúde mental
■ Rodrigo Santoro em cena do filme “Bicho de Sete Cabeças”, de Laís Bodanski (2000)
Contra a indústria da loucura estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) e dos profissionais de saúde no Brasil, é de que 20% da população brasileira tem algum tipo de sofrimento psíquico. Isso significa que 34 milhões de brasileiros deveriam procurar alguma ajuda para diminuir os transtornos mentais. Políticas neoliberais que acentuam a distância entre riqueza e miséria e geram desemprego e exclusão empurram a população para o uso cada vez maior de drogas e álcool, para a adoção de comportamentos anti-sociais. Camadas significativas da população não têm acesso à atenção mínima em saúde mental e encontram-se abandonadas, muitas vezes em casa. Ruy Paulo D’Elia Nunes, psiquiatra no setor público e militante do movimento antimanicomial diagnostica: “Isso gera muito sofrimento e, às vezes, as pessoas reagem desencadeando transtornos mentais sérios”. SEM MANICÔMIOS Marco no movimento antimanicomial, foi lançada no Brasil, em 1987, a bandeira Por uma sociedade sem manicômios, no II Congresso dos Trabalhadores de Saúde Mental. A partir daí, várias frentes de ação, principalmente em prefeituras, iniciaram experiências inovadoras. Na cidade de São Paulo, na gestão de Luíza Erundina (1989 –1992), se conseguiu uma redução dos leitos psiquiátricos de 30,44%, enquanto
no resto do país a retração foi de 8,27% no mesmo período. O movimento antimanicomial quer enfrentar a mercantilização do sofrimento humano nos manicômios privados com políticas de desenvolvimento comunitário sustentável, que ultrapassam o campo da psiquiatria.“A cultura hegemônica ainda é a de segregar, estigmatizar quem tem transtorno mental”, afirma Nunes. As experiências fora do hospital buscam a reinserção social do indivíduo, por meio de redes substitutivas em saúde mental.“O trabalho deve ser intersetorial, abrangendo cultura, educação, moradia, transporte, alimentação. Também é necessário o respeito às diferentes culturas locais no enfrentamento do sofrimento psíquico, promovendo autonomia, com geração de renda a essas comunidades, incluindo a participação da população organizada”. REINSERÇÃO SOCIAL Apesar de tudo, o modelo tradicional de internação nos hospícios permanece hegemônico. Os recursos financeiros, destinados a esta área pelo Ministério da Saúde, têm sido alocados em 80% para os hospitais psiquiátricos. Diz o psiquiatra: “Houve alguma redução nos leitos psiquiátricos, mas o financiamento que os mantinha não redundou em ampliação da rede substitutiva em saúde mental”. O novo governo anuncia a instalação de 78 novos serviços
(Centros de Atenção Psicossocial), para incentivar a desospitalização e a reinserção social do internado. Alfredo Schechtman, coordenador de Saúde Mental do Ministério, avalia que a rede extra-hospitalar teve uma expansão significativa, atingindo 20% dos recursos destinados à saúde mental, no ano passado. Para Beth Arouca, diretora do Sindicato dos Psicólogos e representante do Movimento Antimanicomial na Comissão Nacional de Saúde Mental,“a única coisa que o governo propõe, os Caps, é um equipamento total, para assistência, reabilitação e reinserção. Isso reproduz a tutela institucional, pois o sujeito fica restrito a um único centro, mesmo com condições de ser inserido na sociedade”. O movimento defende o atendimento na rede geral de saúde e a descentralização em hospitais-dia, centros de convivência, cooperativas, oficinas culturais, lares abrigados e outras ações regionais que promovam a saúde e a inserção social. Propostas para os primeiros cem dias do governo Lula foram enviadas em carta assinada por mais de 300 representantes do Movimento Antimanicomial, ao Ministério da Saúde, com cópia ao presidente Lula. Em maio, manifestações na semana dedicada à causa incluem como tema o novo julgamento de Carrano, um dos símbolos do movimento.
Tiago Dória, de Santos (SP) ■ Austregésilo Carrano Bueno e a advogada Suzana Figueredo
Distribuição por região dos leitos psiquiátricos hospitalares Dez/1992-Dez/2002. Dez/92
Dez/94
Dez/96
Dez/98
Dez/00
Dez/02
Total
90163
86222
76343
71895
70917
64070
Sudeste
57278
53807
46951
43677
43011
37830
Nordeste Sul
18659 9480
16675 10594
15587 9126
14873 9104
14551 9036
13354 8846
Centro-Oeste 4165
4414
3924
3593
3689
3443
581
732
758
648
630
597
Norte
Fonte: MS-SIH/SUS Consolidação: Nacile Daúd Junior
s primeiros passos para a implantação do programa antimanicomial em Santos (SP) começaram em abril de 1989, quando a prefeitura da cidade interviu na Casa de Saúde Anchieta, conhecida como a Casa dos Horrores. Cerca de 500 pacientes eram trancafiados dia e noite e submetidos a verdadeiras torturas físicas e mentais. “A primeira visita foi lastimável.Vimos homens e mulheres seminus, vagando como zumbis, comprimidos, e suas próprias fezes estavam espalhadas pelo chão úmido de cimento. As enfermarias não tinham camas nem colchões”, relembra a ex-prefeita da cidade Telma de
Souza, atual deputada federal (PT-SP). Junto com a desativação da Casa de Saúde Anchieta foi implantado em vários pontos da cidade o Plano de Saúde Mental de Santos. O Plano de Saúde Mental, que serviu de referência nacional, conseguiu reconhecimento também internacional, ao substituir o confinamento manicomial pelo atendimento ambulatorial descentralizado, por meio dos Núcleos de Atenção Psicossocial (Naps) e por políticas de reinserção social dos pacientes. Uma das políticas mais conhecidas foi a criação da Rádio Tam Tam, em 1991, idealizada por Renato Di Renzo. Pacientes mentais produziam um pro-
grama com notícias, música e entretenimento. Foi criado o Centro de Convivência Tam Tam, em que havia atividades artísticas como teatro, dança, música, jornal mensal etc. O modelo espalhou-se pelo Brasil e pelo mundo: Rádio Trovão (Praia Grande - SP), Rádio e TV Pinel (Rio de Janeiro - RJ), Grupo Biruta (São Vicente - SP), Projeto e Rádio Lokomotiva (Natal - RN), Rádio La Colifata (Buenos Aires - Argentina). Desde 1997, porém, o Centro de Convivência Tam Tam não tem mais sede. Tornou-se uma ONG com profissionais, jovens e amigos, visando manter a imagem e a integridade do trabalho, uma vez que o Projeto Tam Tam foi desativado por questões políticas.
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Fim da Casa dos Horrores
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DEBATE
Arlindo Chinaglia: os trabalhadores têm a necessidade de manter a empresa funcionando; João Felício: a subemenda que está em tramitação no Congresso mantém o critério da preferência para pagamento do trabalhador em caso de falência até R$ 30 mil
Direitos precisam ser preservados Arlindo Chinaglia Jr. sociedade civil vem acompanhando a intensificação do debate a respeito da reforma do Decreto-lei nº 7.661/45, conhecido como “Lei de Falências”. Essa necessidade representa um consenso tanto na comunidade jurídica quanto no meio empresarial e até, em certa medida, no âmbito das entidades representativas dos trabalhadores. No entanto, as razões pelas quais cada um desses grupos sociais entende ser necessária a modernização do que também é conhecido como Direito Concursal variam, o que leva à existência diferentes opiniões acerca dos rumos que tal mudança deve seguir.
Os juristas defendem a idéia de que as empresas possuem uma função social a ser desempenhada e por esse motivo necessitam ser, sempre que possível, preservadas. Esta premissa consiste na percepção de que as empresas consubstanciam-se em centros econômicos jurídicos em torno dos quais gravitam interesses de diversas ordens: o dos empresários, que buscam resultados financeiros; o dos governos, preocupados com os impactos das atividades empresariais no meio ambiente e interessados na arrecadação dos tributos incidentes sobre tais atividades; o dos empregados, que está relacionado à própria manutenção dos seus postos de trabalho e dos seus salários; e dos demais credores. Neste sentido, segundo os juristas, a reforma da Lei de Falências deveria contemplar, por um lado, o princípio de preservação da empresa, impedindo-se que a má administração das atividades, seja culposa ou seja dolosa, acarrete o encerramento das mesmas, em prejuízo de todos os interesses que gravitam em torno delas. Por outro lado, dever-se-ia buscar a harmonização desses diversos interesses, de tal modo que todos possam ser atendidos. Com a continuação do exercício da atividade empresarial, sob a administração atenta e cuidadosa dos próprios empregados, por exemplo, poderse-ia gerar resultados financeiros positivos que serviriam para honrar todas as dívidas da empresa. Já no meio empresarial, a
preocupação principal é resguardar a rigidez econômica dessa instituição obscura e enigmática que se denomina “mercado”. A premissa, neste caso, é a de que todas as relações econômicas dependem da manutenção de níveis mínimos de confiança entre os agentes, que seriam assegurados por meio de mecanismos eficientes de afastamento daqueles que atuassem de forma perniciosa para a economia, sem que isso implique, necessariamente, o encerramento das atividades até então desenvolvidas por estes. Em tese, isso permitiria a redução dos juros bancários, na medida em que diminuiria o risco de inadimplência. Um ambiente empresarial mais seguro também representaria um incentivo para os investimentos externos não especulativos. Já para os trabalhadores, a mudança no regime falimentar denota duas ordens de preocupação: a criação de mecanismos mais eficientes no sentido de coibir fraudes e a manutenção da garantia de prioridade no pagamento dos salários e demais verbas trabalhistas, que, segundo a legislação vigente, têm preferência inclusive aos créditos de natureza fiscal. O Projeto de lei nº 4376/93, que já tramita há 10 anos no Congresso Nacional e que dispõe sobre uma nova Lei de Falências, contém dispositivos que além de não atenderem à necessidade de efetiva preservação da empresa, prejudicam os interesses dos trabalhadores. Existe, por exemplo, a previsão de que os credores comerciais do falido serão chamados para administrar a atividade deste. Contudo, nada garante que esses credores deixarão a empresa em condições de continuar atuando no mercado. O mesmo não ocorreria se a administração da empresa fosse delegada para os trabalhadores. Esses têm, mais do que o interesse,
a necessidade de manter a empresa funcionando, de modo que procurariam tomar as decisões mais favoráveis, do ponto de vista da empresa. O projeto, ao invés de facilitar tal iniciativa, a dificulta, porque contempla que os créditos trabalhistas individuais só terão preferência até o limite de R$ 30 mil. A primeira justificativa para essa limitação é a de que somente o pagamento dos créditos trabalhistas esgota o patrimônio das massas falidas. Outro argumento é o de que seria muito comum os devedores criarem créditos trabalhistas fictícios, favorecendo parentes e pessoas de sua confiança, fraudando os crédito dos credores efetivos. Um terceiro argumento é o de que a medida afetaria apenas uma pequena parte dos assalariados, pois somente os créditos destes seriam superiores ao limite proposto. Nada disso é procedente. Em primeiro lugar, deve-se notar que a maior causa para os credores não receberem é a ausência de instrumentos legais que permitiam às autoridades arrecadarem de forma rápida e eficiente os bens da empresa falida, evitando assim o desvio de bens e outras espécies de fraudes. Além de retirar dos trabalhadores a prioridade no recebimento integral dos seus direitos, a bem sucedida experiência das cooperativas pode ficar inviabilizada, já que não haveria recursos materiais para que os empregados assumissem a administração da empresa. Assim, é fundamental que o Projeto de lei nº 4376/93 seja novamente revisto. O que deve ser buscado é uma lei que permita inicialmente minimizar as perdas e, assim, recuperar a própria empresa, mesmo com outra direção: a dos trabalhadores, inclusive. Arlindo Chinaglia Jr. é deputado federal pelo PT-SP
Projeto prejudica o trabalhador
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João Felício
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Lei de Falências é um dos pilares, junto com a Lei das Sociedades Anônimas, do livre jogo de mercado. Esta última dá as orientações básicas para que as empresas se constituam e funcionem. Aquela regula os ritos de extinção das empresas que perderam vitalidade, bem como as conseqüências sociais e econômicas do fim da atividade de um estabelecimento comercial, industrial ou de serviços. Num país em que Problemas de empresas brotam aos liquidez – falta de milhares, todos os merecursos financeiros ses — a maioria micro para as empresas e pequenas — e a saldarem seus compromissos maior parte delas não consegue permanecer aberta por muito tempo, uma estrutura legal sadia, moderna e justa é imprescindível para o bom funcionamento do mercado. A Lei de Falências vigente foi editada no final do governo Vargas. É uma das mais atrasadas do mundo em matéria de concordata, pois não cria condições para a recuperação de empresas com problemas de liquidez. O processo falimentar é lento e burocrático e também por isso os bancos se tornaram extremamente seletivos na concessão de empréstimos, prejudicando as peque-
nas e médias empresas, que são grandes geradoras de empregos. Em 1993, a equipe econômica do governo Itamar Franco elaborou o projeto de uma nova Lei de Falências e Concordatas, enviado ao Congresso, onde hoje está esquecido. Tendo 210 artigos, durante esse período recebeu uma enxurrada de emendas, muitas delas prejudicam a classe trabalhadora. A subemenda que prevê modificações no projeto da nova Lei de Falências, de autoria do deputado Osvaldo Biolchi (PMDBRS), mantém o critério da preferência para pagamento do trabalhador em caso de falência, mas estabelece um teto de R$ 30 mil por empregado. Por esse princípio, um trabalhador que tivesse, por exemplo, R$ 50 mil a receber como indenização gozaria de tratamento prioritário somente por R$ 30 mil. Para receber o restante, se perfilaria com demais credores, como bancos, Receita Federal etc. É mais um tratamento perverso com o mundo do trabalho. O que desperta a minha indignação é que, ao mesmo tempo, a mesma proposta privilegia o setor financeiro, na medida em que não lhe aplica nenhum teto para recebimento de “créditos com direito real de garantia”, como diz a emenda do deputado.
A Central Única dos Trabalhadores concorda com o aprimoramento da lei, com a garantia de recuperação da empresa e preservação dos empregos, mas não pode aceitar mais essa investida contra o direito do trabalhador. Até mesmo pela lei em vigor, de 1945, os empregados têm prioridade ante bancos, demais credores e fisco, no recebimento dos créditos, sem teto para recebimento. É bom recordar que o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que o risco da atividade econômica é do empresário e não do trabalhador. Em caso de falência, o primeiro a ser saldado é o débito trabalhista, não importa o valor. Não se pode aceitar que qualquer outra dívida prevaleça sobre a existente com os empregados. Queremos discutir com os deputados uma emenda que garanta, em caso de falência, que os trabalhadores assumam a gestão da empresa, por meio de cooperativas de autogestão. A CUT pos-
sui ampla experiência nesta questão e também quer debater diretamente como governo o assunto. Este mecanismo amplia as condições de sustentabilidade, de inovação, de autonomia e de expansão de oportunidades de trabalho, gerando arranjos produtivos e institucionais para a recuperação da capacidade produtiva da empresa e promoção do seu desenvolvimento. Este também deve ser um dos temas de debate do Fórum Nacional do Trabalho. O presidente Lula quer construir o novo contrato social no Brasil a partir deste Fórum e o próprio ministro do Trabalho e Emprego, Jacques Wagner, já disse que tudo que impacta nessa área, que tenha sido originado em outro momento, com outra concepção, não tem razão para prosperar. O professor João Felício é presidente nacional da CUT (www.cut.org.br)
LITERATURA
CULTURA
Escritores indígenas conquistam espaço no mercado editorial divulgando seu patrimônio cultural em livros didáticos para as aldeias e escrevendo para o público não-índio; até 1999, cerca de quarenta povos indígenas já haviam publicado livros e cartilhas
PRODUÇÃO COLETIVA Estudiosa dessa literatura, a professora Maria Inês de Almeida conta que, até 1999, cerca de quarenta povos indígenas já haviam publicado seus textos em livros e cartilhas.
“No esforço de implantar uma educação específica e etnicamente diferenciada, em suas próprias línguas, os professores indígenas se tornaram escritores, por uma espécie de mandato dos realmente poderosos nas aldeias, que são os mais velhos”, diz Maria Inês. Ela acrescenta que o reconhecimento desses textos como literatura vai depender dos instrumentos de poder, que na sociedade atual estão muito ligados ao consumo, e da sua legitimação pela própria comunidade literária, formada por escritores, críticos, professores, livreiros e leitores.
■ O escritor Daniel Munduruku: interesse pela literatura indígena aumentou depois que a Constituição garantiu aos índios o direito à educação diferenciada
o Divulgaçã
exemplo do que acontece em outros países das Américas, vem crescendo no Brasil o número de escritores indígenas – uma novidade, uma vez que os mitos e lendas dos povos indígenas costumavam ser documentados por antropólogos e outros estudiosos não índios. Esse fenômeno está se manifestando de duas formas. Uma delas é uma vasta produção de obras didáticas, escritas por professores indígenas e destinadas originalmente à alfabetização nas aldeias. A outra é uma geração de escritores indíMovimento genas com zapatista – inspirado no uma vivência revolucionário mais urbana, mexicano Emiliano que produzem Zapata, surgiu com livros voltados um levante de índios no Sul do México, em também para janeiro de 1994 o público em geral. Existem, hoje, no país, cerca de 3.200 professores índios e mais de 1.500 escolas indígenas diferenciadas, muitas bilíngües e algumas que trabalham com uma só língua indígena. São cerca de 350 mil estudantes que, além do Português, falam cerca de 180 línguas diferentes. As exigências de formação de professores indígenas para que eles produzam o próprio material didático resultou, durante os anos 90, no aparecimento de muitos livros produzidos pelas próprias comunidades indígenas.
Em suas pesquisas, ela teve a oportunidade de conhecer cerca de cem títulos de autoria indígena publicados, durante duas décadas, geralmente por órgãos oficiais ou por organizações não governamentais. E a produção vem aumentando. Em julho de 2002, por exemplo, o Ministério da Educação e Cultura anunciou o lançamento de 11 livros didáticos produzidos por professores indígenas de 23 etnias dos Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Acre e Amazonas, cujos conteúdos em muitos casos foram pesquisados por professores e alunos junto aos idosos de suas etnias.
Fenômeno continental
Autores de sucesso
A literatura indígena é destaque também em países como Paraguai, Bolívia, Venezuela, Guatemala, Nicarágua, México, Canadá e Estados Unidos. Segundo o escritor brasileiro Kaka Wera, nos Estados Unidos existem associações de escritores indígenas, reunindo cerca de 30 autores consagrados. Para o professor mexicano Ezequiel Maldonado, atualmente é grande a difusão de uma literatura indígena no país, que em outra época a menosprezou: “Contribuiu muito para isso a dimensão política e cultural do movimento zapatista, que criou um clima favorável ao conhecimento dos escritores indígenas, ampliando o espaço social dessa literatura em uma sociedade como a nossa, marcada pela intolerância e pelo racismo em relação aos índios”.
Divulgação
Flávio Carrança, de São Paulo (SP)
Arquivo Pessoal
Com a palavra, os escritores indígenas
■ Em muitos casos, o conteúdo do livro é pesquisado junto aos idosos da aldeia
Um escritor indígena bastante conhecido e publicado é Daniel Munduruku. Nascido em Belém do Pará, ele veio para São Paulo estudar Filosofia na Universidade de São Paulo e trabalhou contando histórias nas escolas não indígenas, trazendo para as crianças da cidade um pouco do modo de vida indígena. Munduruku afirma que o interesse pelos textos produzidos por índios aumentou depois que a Constituição de 1988 assegurou aos povos indígenas o direito à educação por meio de processos próprios de aprendizagem. “Houve uma mudança na sociedade que gerou a necessidade de tratar o tema de forma mais coerente, dando um verdadeiro sentido à existência desses povos”, diz ele. Outro nome que se destaca entre os escritores indígenas é Kaka Wera Jecupé, um tapuia convertido à mística guarani e que combina o trabalho de escritor com a atividade terapêutica de pajé. “Escritores como eu e o Daniel Munduruku viemos de aldeias dentro de grandes centros urbanos e tivemos uma convivência diferenciada com a cultura vigente. Sofremos uma pressão que nos obrigou a elaborar um sistema de idéias para interagir com a sociedade”, afirma Kaka Wera. Algumas obras e seus autores: As Serpentes que roubaram a noite e outros mitos, de Daniel Munduruku; Irakisu – o menino criador, de Renê Kithãulu; Puratig – O reino sagrado, de Yaguará Yamã; A terra dos mil povos e Tupã Tenondé, de Kaka Werá Jecupé, todos da Coleção Memórias Ancestrais da Editora Peirópolis.
AGENDA
PREVIDÊNCIA SP - III CICLO DE ESTUDOS JURÍDICOS - A REFORMA PREVIDENCIÁRIA
Mais informações: Rosângelo, Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, (88) 423.3222
● dias 28, 29 e 30 de abril, às 17h Salão Nobre da Unesp, R. Major Caludiano,1488, Franca. A idéia do evento é possibilitar aos participantes uma visão geral sobre a reforma, as propostas do governo e, principalmente, suas conseqüências na sociedade. Mais informações: www.direitounesp. kit.net , (16) 3711-1876
● de 28 de abril a 2 de maio, às 19h30 h Paróquias de Barretos. Ciclo de palestras abordando vários assuntos de interesse do trabalhador, como previdência social, paz, história dos trabalhadores na cidade, exposição de fotos e de quadros de artistas plásticos da cidade. Mais informações: (17) 3322-4448, (17) 9121-1021
TRABALHO CE - DEBATE: DIA INTERNACIONAL DO TRABALHADOR ● dia 30 de abril, às 8h Auditório do Seminário Diocesano, no Centro das Pastorais de Limoeiro. Promovido pela Cáritas de Limoeiro. O tema do debate será: Dia Internacional do Trabalhador; Governo Lula e a Perspectiva para o Trabalhador Brasileiro. Palestrantes: a historiadora e professora da Universidade Federal do Ceará, Adelaide Gonçalves; a deputada estadual do Partido dos Trabalhadores, Íris Tavares, e o presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais do Ceará, Antônio Soares Guimarães.
SP - III SEMANA
DO
TRABALHADOR
VIOLÊNCIA RJ - PROJETO ORIENTAR: PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE ORIENTADORES HUMANISTAS Promovido pelo Movimento Humanista. O programa tem como chamado: A Violência tem remédio, se você for parte da Receita! O objetivo é capacitar os alunos na metodologia da não-violência ativa. Para isso, serão transmitidas técnicas de comunicação em quatro áreas: comunicação direta; eletrônica;“massiva” e psicossocial. Inscrições: 29 de abril, das 18 h às 21 h, no Centro de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – CEFET/RJ, Rua General Canabarro, 552, campus 3, sala 3, bairro Maracanã, Rio de Janeiro. Mais informações: (21) 2284-2911, (21) 9894-2464
JOVEM PE - RODA ABERTA DE DIÁLOGO CONQUISTAS E DESAFIOS: OS JOVENS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS ● dia 29 de abril, das 14h30 às 18h CENAP - Rua Guimarães Peixoto, 309, Casa Amarela, Recife. Mais informações: (81) 3442-9769
RJ - ASSEMBLÉIA ORDINÁRIA DO FÓRUM DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO ● dia 28, às 14h Palácio das ONGs, Av. General Justo, 275, 9º andar, auditório do bloco A - Castelo. Mais informações: Associação Brasileira Terra dos Homens, André Barreto, (21) 2262-0643 / (21) 2262-0638
SP - SEMINÁRIO PAT E O FOME ZERO ● dia 28 de abril, das 8h30 h às 17h30 h Sesc Vila Mariana. Realização: Dieese. Parceria: Instituto Cidadania. Informações e inscrições: (11) 3874-5366, com Ofélia ou Eloísa.
ESTUDANTES MT - ENCONTRO UNIVERSITÁRIO NACIONAL ● de 1º a 4 de maio Univesidade Estadual do Mato Grosso, Campus de Cáceres, Av. São João s/nº, bairro Cavalhada, Cáceres. O Encontro será um espaço de tentativa de compreensão do momento que vive a universidade no país, face ao novo momento histórico que se abre após a
vitória da chamada esquerda brasileira. Serão discutidos temas como o “provão”, as escolas públicas e particulares, o FMI, a Alca. Mais informações: www.eun.kit.net, dceunemat@yahoo.com.br, (65) 2236365, ramal 236
1º
DE MAIO RS - DIA INTERNACIONAL TRABALHADOR
DO
Programação da prefeitura de Porto Alegre, com eventos que começam em 29 de abril e vão até 1o de maio. Todas as atividades têm entrada franca e acontecem na Usina do Gasômetro. Informações e agenda completa: (51) 3224-2484.
RS - ATO PÚBLICO ● 10h, na Pça. Bertele, Grande Santa Rosa, Porto Alegre. Organizado por diversas entidades, o ato será em uma das maiores comunidades da zona Norte da capital. Haverá apresentações culturais de grupos da própria comunidade e doações de alimentos não-perecíveis em campanha contra os transgênicos e pelo combate à fome.
SP - MISSA
E ATO PÚBLICO
● 9h, Missa do trabalhador, na Catedral da Sé.10h30 h, ato público na Praça da Sé e caminhada pelo centro velho da cidade. Organizado por: Pastoral Operária com apoio da CUT, MST, PT, PSTU, PCdoB, UNE, JOC e Apeoesp.
BRASIL DE FATO De 27 de abril a 3 de maio de 2003
Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie e-mail para agenda@brasildefato.com.br
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ESPORTE
Em fevereiro, cartolas de todo o país decidiram: Ricardo Teixeira será reconduzido ao cargo de presidente da Confederação Brasileira de Futebol, em julho; a escolha representa a continuação de 15 anos de controle absoluto da principal organização esportiva do país
FUTEBOL
ndícios de corrupção, fraude e todo tipo de arbitrariedade não foram suficientes para desmoralizar Ricardo Teixeira, o presidente da principal organização esportiva do Brasil, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Em 31 de janeiro, 25 dos 27 presidentes de federações estaduais assinaram um documento garantido que, se ele se apresentar nas eleições de julho, será recolocado no cargo. Se reeleito, serão mais quatro anos de reinado absoluto para Teixeira, Comissão que já está no poParlamentar de der há 15 anos e, Inquérito (CPI) – desde 1999, já teve instituto jurídico de que dispõem pelo menos 27 peparlamentares para didos de exercerem uma função indiciamento no fiscalizadora; não Ministério Público. pode punir, mas Nunca deu em encaminha relatórios e servir de base para o nada: a falta de Judiciário transparência da CBF facilita a imEstatuto de punidade, afirma o Defesa do Torcedor – conjunto deputado federal de regras cujo objetivo Aldo Rebelo é oferecer mais (PCdoB-SP), que direitos para as presidiu a Comissão pessoas que vão a Parlamentar de Inestádios; o estatuto já foi aprovado pela quérito do Futebol Câmara e pelo Senado (CPI do Futebol). e falta apenas a A CPI cr iada aprovação do em março de 1999, presidente Lula para que se torne lei primeiro na Câmara e depois no Senado, para apurar indícios de crimes praticados por dirigentes do futebol brasileiro e para moralizar o esporte no país. Seus trabalhos foram encerrados há 14 meses. Desde que chegou ao cargo de presidente, Teixeira começou a trabalhar para desvincular a CBF de qualquer intervenção governamental, centralizando a administração e tornando-a empresa privada. Para ele, não haveria então qualquer motivo para prestar contas de como são usadas as verbas da entidade. Só Teixeira, por ano, movimenta R$ 300 milhões, dos quais R$ 5 milhões servem para doações para políticos. “Quem construiu o Maracanã, o Morumbi e o Serra Dourada?
Quem dá segurança aos torcedores no estádios? Não é a Polícia Militar paga pelos governos? Nenhuma empresa está livre da fiscalização do governo e mais: os dirigentes esportivos têm que en-
tender que a Seleção Brasileira é um bem público. O futebol é o nosso embaixador. A CBF tem que ser fiscalizada e seus dirigentes punidos se for o caso”, afirmou Rebelo.
Saiba mais ■ O que faz? A CBF é a entidade que regula o futebol no país. Ela é responsável pela organização dos jogos da seleção, dos campeonatos nacionais e da articulação das federações (que organizam o esporte nos Estados). ■ Quem a dirige? Apesar de receber verbas do Ministério do Esporte, o presidente da entidade, Ricardo Teixeira, tem autonomia em sua administração e não precisa prestar contas de suas decisões. ■ Qual é seu poder? No Brasil, o futebol movimenta por ano R$ 97 bilhões e grande parte desse dinheiro passa pela CBF. A entidade é também responsável pela administração dos 11 mil jogadores e 800
■ Entrevista de Ricardo Teixeira, após seis meses de licença da CBF, em janeiro de 2002
clubes que existem oficialmente no país e pelo controle dos 300 estádios brasileiros. ■ Quando foi fundada? Ela foi fundada em 8 de junho de 1914, com o nome de Federação Brasileira de Sports. Sua sede é na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (RJ).
CPI revela falcatruas, mas ninguém é punido e a CPI for aprovada, nós estamos f...” A frase de Teixeira, gravada pelo repórter José Andrade, da Rádio Guaíba, em reunião sigiliosa com alguns pre-
sidentes de federações, não deixa dúvida sobre o medo do que as investigações dos parlamentares poderiam trazer à tona. Não era para menos: no dia 6 de dezembro de 2001, o senador Geraldo
Althoff (PFL-SC) apresentava o relatório da CPI do Futebol em que 17 dirigentes de futebol, em especial Teixeira, eram acusados de corrupção, estelionato, sonegação fiscal e falsidade ideológica. Agência Estado
João Alexandre Peschanski, da Redação, e Wilson de Carvalho, do Rio de Janeiro (RJ)
Fábio Motta/AE
Ricardo Teixeira, o coronelismo na CBF
O ex-jogador Sócrates, agora colunista esportivo, salientou que as investigações puseram às claras o “antro de prostituição” que é a CBF. No entanto as duas CPIs, uma realizada pela Câmara dos Deputados e outra pelo Senado, não foram além das denúncias. Quatorze meses depois de seu encerramento, ninguém foi punido, a não ser o presidente do Flamengo, Edmundo Santos, afastado do cargo. “O resultado do trabalho da CPI já pode ser visto até mesmo na administração de alguns clubes, nas propostas do Estatuto de Defesa do Torcedor. Mas a grande decepção em tudo isso é ver a omissão do Ministério Público”, disse Althoff, para quem a maioria dos acusados continua no cargo, fazendo o que bem entende.
■ Treinamento da seleção brasileira em Teresópolis (RJ)
A seleção e um novo mundo BRASIL DE FATO De 27 de abril a 3 de maio de 2003
Renato Pompeu, da Redação
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ouca gente sabe, mas a seleção brasileira, em sua campanha do ano passado para o pentacampeonato mundial, contou com a maior torcida da história: além dos brasileiros, torceu todo o Terceiro Mundo e, inclusive, torcedores de nações que, por não terem um Estado, não podem disputar a Copa. Muito particularmente, torceram para o Brasil os palestinos, os curdos e os assírios. A par da apreciação pelo futebol de nosso país, isso envolve também uma apreciação do papel destinado ao Brasil na arena mundial fora dos gramados. O Brasil fica na fronteira entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento - não foi à toa que foi o país escolhido para ser sede do Fórum Social
Mundial.Aqui convivem não só todas as etnias, mas também todas as situações sociais, do esplendor à miséria.Além disso, o país não tem passado maior de opressão sobre outros povos que não o seu próprio. O Brasil não é conhecido, pelo mundo, como potência militar e econômica, sim é conhecido pelo futebol e outras artes, como a música. Isso dá ao país uma posição estratégica. Cabe ao Brasil,mais do que a nenhuma outra nação, a liderança da luta pela democratização da globalização, como mostra, citemos de novo, o exemplo do Fórum Social Mundial. E onde é que o futebol entra nisso? Uma primeira iniciativa seria o Brasil organizar jogos, oficiais ou não, com ou sem o aval da Fifa, de times brasileiros contra times palestinos, curdos e assírios, e de outros povos sem Estado. Outra iniciativa seria a seleção e os times brasileiros em geral, e suas
torcidas, em jogos internacionais, divulgarem palavras de ordem em favor da paz, e em favor da redução das desigualdades sociais mundiais, por meio de faixas e slogans.
O futebol dá aos trabalhadores o sentimento de prazer e descanso Essa idéia seria aceita de imediato pelos jogadores e torcedores, que já andam fazendo algo de parecido, em vários países do mundo. Somente os poderosos, entre eles os cartolas da Fifa, CBF seriam contra essa manifestação.Afinal, esse é o sonho encarnado no próprio jogo do futebol, onde todos são iguais perante a lei e em que a violência é continuamente reprimida. Pois o futebol, mais que um esporte, é um espetáculo. Como es-
petáculo ao vivo, o futebol tem duas diferenças básicas em relação ao teatro: em primeiro lugar, o futebol não retrata conflitos entre individualidades,mas entre duas coletividades. Em segundo lugar,o futebol não tem um roteiro pré-definido, em que cada ator sabe de antemão o desenlace da história. No futebol, cada “ator” vai definindo o seu papel a cada instante e o desenlace final é ignorado até que se ouça o apito final. Mas o futebol não é a única arteespetáculo em que os “atores” vão criando a cada momento o desenrolar da história. Isso é verdadeiro também no que se refere aos outros esportes com bola, seja entre indivíduos, como o tênis, seja entre coletividades, como o basquete, o voleibol, o rúgbi, o beisebol e o futebol americano. O que distingue o nosso futebol, o futebol-associação,é o uso do pé.Todos os outros esportes usam ou exclusivamente a mão, como a
maioria, ou quase exclusivamente a mão, como o futebol americano. Aqui está o segredo da universalidade do futebol: enquanto nos outros esportes as massas de trabalhadores que os acompanham se reconhece na situação do trabalho, usando muito mais as mãos do que os pés - que ficam imobilizados no ato do trabalho, seja com o trabalhador em pé diante de uma máquina, seja sentado a uma mesa no futebol os trabalhadores reconhecem a sua situação fora do trabalho, com os pés livres e as mãos proibidas de trabalharem, como em descanso. Não foi à toa que a difusão do futebol-associação se deu na modernidade industrial e nos países em que a classe trabalhadora existe fora do trabalho. O Brasil, que acaba de eleger um presidente operário, surge mais uma vez numa posição estratégica na junção do futebol com a vida cotidiana.