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BRASILDEFATO Ano I ■ Número 9 ■ São Paulo ■ De 4 a 10 de maio de 2003

Circulação Nacional

R$ 2,00

Lula precisa dar um basta O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve usar sua força e prestígio para transformar o país em favor das camadas populares e dar um basta à política de submissão às exigências dos EUA, afirma o professor Plinio Arruda Sampaio, deputado constituinte pelo Partido dos Trabalhadores e ex-secretário agrário do PT. Junto com outros intelectuais, artistas e lideranças políticas e religiosas, o professor Arruda Sampaio assinou uma carta aberta ao presidente Lula, dizendo ser necessário mobilizar a sociedade, através de um plebiscito sobre a Área de Livre Comércio das Américas-Alca. Pedem também o veto ao projeto de autonomia do Banco Central. No México, a adesão ao livre mercado com os EUA e o Canadá (Nafta) produziu uma catástrofe social, política e econômica. Págs. 6, 7 e 10 Dida Sampaio/AE

Reforma da Previdência entra em fase decisiva Dia 30 de abril, o presidente Lula encaminhou pessoalmente ao Congresso as propostas das reformas tributária e previdenciária. Em entrevista ao Brasil de Fato, o especialista Ivo Loyola, crítico das reformas, afirma que o projeto governamental é uma “verdadeira colcha de retalhos em seus aspectos técnico e jurídico” e deixa o caminho livre para a privatização do sistema. Pág. 5

Veja na seção Debate, pág. 14, as avaliações dos deputados federais professor Luizinho e Ivan Valente, do PT

Milho transgênico invade Pernambuco

Soldados dos EUA assassinam civis no Iraque

Argentinos dão vitória ao velho peronismo

Movimento recorde no porto de Paranaguá estimula prostituição infantil

Soldados estadunidenses disparam contra civis iraquianos que, armados de pedras, pedem sua retirada do país. Apenas no dia 28, 17 pessoas foram assassinada s diante de uma escola em Faluja, perto de Bagdá. Ainda assim, o governo Bush teima em afirmar que está levando a democracia ao Iraque. Pág. 9

Carlos Menem e Néstor Kirchner disputarão o segundo turno das presidenciais argentinas, em 18 de maio. Ambos representam a continuação do atual estado de subordinação do país às políticas neoliberais do FMI. No Paraguai, o Partido Colorado, há 56 anos no poder, elegeu Nicanor Duarte. Pág. 11

O recorde da colheita de grãos para exportação intensificou a atividade comercial do porto de Paranaguá. O maior movimento de marinheiros, estivadores e caminhoneiros estimula a exploração da prostituição infantil. O Ministério Público de Trabalho anunciou a realização de uma operação contra o comércio ilegal. Grande parte das garotas vem de cidades do interior do Paraná, como Ponta Grossa e Foz do Iguaçu. Pág. 8

DÓLAR – Enquanto o governo e a grande mídia comemoram o aumento dos investimentos externos em dólares, a verdade é que se trata de especulação, pois os investimentos externos a longo prazo caíram 70%. Pág. 4 ÁFRICA – Faz nove anos neste dia 10 que o primeiro presidente negro, Nelson Mandela, assumiu na África do Sul, o que permite um balanço dos avanços da democracia no país. Pág. 12 CAMARÕES – O Nordeste produz 97% dos camarões do Brasil, mas com pesados custos sociais e ecológicos. Pág. 13 CURSINHO POPULAR – Em Jandira (SP) a prefeitura, por lei municipal, patrocina um curso pré-vestibular gratuito. Pág. 15

ENQUANTO ISSO, EM BUENOS AIRES...

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

E mais:

Natália Forcat

Lideranças indígenas fazem ritual em frente ao Congresso Pág. 13

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou a importação de 17.850 toneladas de milho transgênico da Argentina, por onze avicultores pernambucanos. A carga foi embargada, no porto do Recife, por técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e depois liberada, quarta-feira passada, para uso exclusivo em rações para animais. Órgãos de defesa do consumidor alertam para a precariedade do sistema de rotulagem de alimentos transgênicos. Pág. 3

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Fala, Zé! Ohi

NOSSA OPINIÃO

Por um plebiscito sobre a Alca “Em nosso entender, tanto a Alca quanto a autonomia do Banco Central são questões inegociáveis, posto que implicam a intangibilidade da própria soberania da Nação. Decisão de tamanha magnitude deve ser tomada pelo detentor dessa soberania: o povo brasileiro. Assim, cada brasileiro e cada brasileira deveriam ser chamados a se pronunciar sobre ambas questões em um plebiscito convocado para esse expresso fim. O plebiscito ensejaria um grande debate nacional sobre os dois temas, dando assim fundamento a uma decisão verdadeiramente democrática sobre os mesmos.” O trecho acima foi extraído de uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, redigida por alguns dos mais importantes intelectuais, artistas e líderes religiosos do país (veja a íntegra, na pág. 6). Não se trata de um documento qualquer: ele tem importância histórica na atual conjuntura. Os seus signatários, identificados com as lutas do povo brasileiro, são ligados, direta ou indiretamente, à trajetória de Lula e ao Partido dos Trabalhadores. Não por acaso a data escolhida para a sua entrega é o dia 1º de maio, de valor simbólico universal. Dois pontos são destacados na carta como inegociáveis: a adesão do Brasil à Alca e a concessão de autonomia ao Banco Central. Ao mesmo tempo, os missivistas oferecem uma perspectiva que poderá garantir a Lula a força política necessária e suficiente para enfrentar as terríveis pressões do imperialismo estadunidense: a convocação de um plebiscito para decidir sobre esses pontos. Não se trata, apenas, de fazer cumprir um dispositivo previsto pela Constituição. Trata-se, sobretudo, de abrir o debate com o povo; de esclarecê-lo sobre as eventuais e nefastas conseqüências que tais medidas trariam para os trabalhadores, jovens, idosos, homens e mulheres deste país; de torná-lo sujeito ativo, protagonista de nossa história, como nunca aconteceu ao longo de cinco séculos de história. Lula pode fazer isso. É uma oportunidade que não se repetirá. Na semana anterior, os brasileiros puderam sentir uma ponta de orgulho de seu governo: os ministros das Relações Exteriores (Celso Amorim), da Defesa (José Viegas Filho) e da Ciência e Tecnologia (Roberto Amaral) encaminharam a Lula um parecer pedindo a retirada do acordo que permitiria aos EUA utilizarem a base de Alcântara (MA) para lançamento de satélites. Isso prova ser possível resistir, mais ainda com o apoio do povo. Como dizem os signatários da carta: “Estamos convencidos de que uma atitude firme do Brasil mudará a postura das forças que nos estão pressionando e abrirá caminho para que possamos construir autonomamente os caminhos que mais convêm ao nosso desenvolvimento. Porém, se assim não for, e o governo vier a ser colocado na contingência de romper com as forças que o estão pressionando, creia, Sr. Presidente, que as represálias não serão insuportáveis. Nossa economia já é suficientemente forte para resistir a elas e nosso povo suficientemente politizado para dar-lhe o apoio necessário nesse enfrentamento.”

BRASILDEFATO CONSELHO POLÍTICO: Achille Lollo ■ Ari Alberti ■ Ariovaldo Umbelino ■ Assunção Ernandes ■ Aton Fon Filho ■ Augusto Boal ■ Cácia Cortez ■ Carlos Marés ■ Carlos Nelson Coutinho ■ Celso Membrides Sávio ■ Claus Germer ■ Dom Demétrio Valentini ■ Dom Mauro Morelli ■ Dom Tomás Balduíno ■ Edmilson Costa ■ Elena Vettorazzo ■ Emir Sader ■ Egon Krakhecke ■ Erick Schunig Fernandes ■ Fábio de Barros Pereira ■ Fernando Altemeyer ■ Fernando Morais ■ Francisco de Oliveira ■ Frederico Santana Rick ■ Frei Sérgio Gorgen ■ Horácio Martins ■ Ivan Valente ■ Jasper Lopes Bastos ■ ■ João Alfredo ■ João Capibaribe ■ João José Reis ■ João José Sady ■ João Pedro Stedile ■ Laurindo Lalo Leal Filho ■ Leandro Konder ■ Luís Alberto ■ Luís Arnaldo ■ Luís Carlos Guedes Pinto ■ Luís Fernandes ■ Luis Gonzaga (Gegê) ■ Marcelo Goulart ■ Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind ■ Mário Maestri ■ Nalú Faria ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs ■ Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ Também participam do Conselho Político todos os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores ■

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

CONSELHO EDITORIAL: ■ Alípio Freire ■ César Benjamim ■ César Sanson ■ Hamilton Octávio de Souza ■ Kenarik Boujikian Felippe ■ Luiz Antonio Magalhães ■ Luiz Eduardo Greenhalgh ■ Luiz Bassegio ■ Maria Luísa Mendonça ■ Milton Viário ■ Neuri Rosseto ■ Plínio de Arruda Sampaio Jr. ■ Ricardo Gebrim

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■ Editor-chefe: José Arbex Jr. ■ Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Marilene Felinto, Nilton Viana, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ■ Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Eunice Nunes, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho ■ Projeto gráfico e diagramação: Wladimir Senise ■ Tratamento de imagem: Maurício Valente Senise ■ Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho ■ Jornalista responsável: José Arbex Jr. Mtb 14.779 Administração: Silvio Sampaio Secretaria de redação: Tatiana Merlino Sistemas: Sérgio Moreira Programação: André de Castro Zorzo Assinaturas: (11) 2131-0808 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 Campos Elíseos – CEP 01218-010 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP

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Cartas de leitores CUBA É lastimável que segmentos da esquerda, em pleno século XXI, ainda não tenham tido coragem suficiente para tirar do armário certos “esqueletos” que os ligam ao pretérito século XX, e que devem ser abandonados, se a esquerda realmente se pretender democrática. Faço este comentário me referindo ao artigo de Emir Sader, publicado na edição 7, justificando a execução sumária de adversários de Fidel pelo regime cubano, no início deste mês. Causa ainda mais surpresa ao lembrarmos que Sader é um dos mais ativos organizadores do Fórum Social Mundial que, em sua carta de princípios, aponta uma agenda para a esquerda do século XXI, onde a defesa dos direitos humanos, da democracia e do pluralismo político são princípios fundamentais. Será que Sader não acredita tanto assim no que defende o Fórum, ou será este que usa de um discurso puramente retórico nos seus documentos? Também não li nenhum tipo de manifestação condenando o desrespeito aos direitos humanos em Cuba neste jornal, que se

apega fortemente a esta defesa quando se trata de condenar os EUA. Rodrigo Freire, Brasília (DF) GOVERNO LULA Finalmente um jornal de esquerda inteligente. Não dá mais para engolir o noticiário da imprensa comercial e toda essa unanimidade em torno do governo Lula. Até quando o movimento popular e organizado irá suportar a continuidade do governo FHC com os petistas lights? Fora Lula e o FMI! Antes que seja tarde... Paulo Jonas de Lima Piva, Itapira (SP) AMÉRICA LATINA Já que os estadunidenses tomaram para eles o direito de se autodenominar “americanos”, resta para nós sermos latino-americanos, mas com orgulho. É até difícil ter orgulho de ser americano com coirmãos tão nojentos e opressores como aqueles. Com as crescentes intenções dos EUA em dominar a América Latina de forma política e militar, começamos a olhar um pouco para os nossos vizinhos. Os EUA já têm

bases na Colômbia, no Equador, no Peru, em Cuba, no Panamá, no Paraguai. Tentam agora a base de Alcântara para completar o teatro de operações. Depois de FHC quase ter liberado a base maranhense para os EUA, o novo governo federal promete jogar duro para manter a soberania nacional. André Pereira Carvalho, São Paulo (SP) AMAZÔNIA O Brasil de Fato é o único jornal confiável neste país. Sinto-me entre aqueles verdadeiramente brasileiros que defendem sua soberania de direito. Indico a esse jornal a leitura da entrevista concedida ao Estado de Minas, BH, pelo brasilianista T. Skidmore. Nela ele expõe sua opinião sobre a relação de sua pátria com a América Latina. Segundo ele,“Deus é mesmo brasileiro”, pois os Estados Unidos estão interessados nos “grandes”. E nós, latino-americanos, pequenos demais para preocupar o Sr. Bush, podemos dormir em paz. Ady Alvares Correa Dias, Belo Horizonte (MG)

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SEGURANÇA ALIMENTAR

NACIONAL

Avicultores pernambucanos recebem autorização da CTNBio para importar da Argentina quase 18 mil toneladas de milho transgênico; grupos de defesa dos consumidores alertam para a precariedade do processo de rotulagem do alimento modificado

Cláudia Jardim, da Redação o Brasil se rende mais uma vez. Depois da soja transgênica cultivada ilegalmente no Sul, agora é a vez da invasão do milho transgênico no mercado nacional. As 17.850 toneladas do produto importadas da Argentina, compradas por onze avicultores pernambucanos com autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), tiveram sua entrada barrada no porto de Recife, pelos técnicos do Ibama, no dia 30 de abril.Após muita polêmica, sua comercialização foi autorizada para uso na ração animal. “Nós resolvemos impedir a entrada da carga para garantir que o transporte ou armazenamento inadequados causassem danos ambientais”, explica João Arnaldo Novaes, gerente executivo do Ibama em Pernambuco. Segundo ele, o milho não passou no teste de Certificado de Qualidade de Biossegurança (CQB), exigido pela CTNBio.

Marcos mendes/AE

Pernambuco libera milho modificado Pernambuco não tem produção própria de milho suficiente para ração e desde a década de 1980 importa milho argentino. Segundo o Ibama, em 2000 o Estado importou R$ 700 mil do país vizinho. Esse último lote custou aos compradores R$ 24,50 por saca de 60 quilos, enquanto o milho trazido do Centro-Oeste ou do Sul chega ao Estado valendo até R$ 34,00 a saca. Novaes acha que o problema do desabastecimento na região só pode ser solucionado com uma política agrícola que privilegie a produção interna de milho,“com isso não haveria a necessidade de entrada de transgênicos no país”, alerta. Mesmo sem a garantia de segurança, o milho transgênico será enviado para os avicultores da região para uso na ração animal. Por decreto, todas as granjas terão que notificar que os animais foram alimentados com produtos transgênicos e será de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fiscalizar o cumprimento da rotulagem.

■ Plantação de milho transgênico: o perigo vem da Argentina “Essa foi a única solução que encontramos para solucionar o problema, mas esta prática não deve

ser rotineira. Nós temos de investir na biotecnologia para dominar a pesquisa e poder combater o seu

principal problema, o monopólio das indústrias de sementes”, afirma Novaes.

Rotulagem exige atenção do consumidor seou no controle de qualidade exigido pela União Européia para determinar o percentual de 1% de OGMs: “Os testes mais simples e mais baratos já são capazes de identificar se o alimento contém proteína transgênica”.

■ Frangos alimentados com milho transgênico terão que ser rotulados; o problema será fiscalizar

Entenda as diferenças entre o decreto e a medida provisória sobre o alimento A medida provisória 131 de 26.03.2003 autoriza a comercialização da safra de soja transgênica de 2003 até o dia 31 de janeiro de 2004. Os produtos ou ingredientes dela derivados, deverá constar em rótulo adequado informação aos consumidores a respeito de sua origem e da possibilidade da presença de organismo geneticamente modificado, independente do percentual de elemento transgênico. Foram apresentadas 72 propostas de emendas à MP que serão votadas em maio na Câmara Federal.

O decreto nº 4.680, de 24.04.2003 exige rotulagem para todos os alimentos que contenham percentual de elemento transgênico acima de 1% (embalados, a granel, in natura) e exige rotulagem de alimentos de origem animal alimentados com transgênicos e a identificação da espécie doadora do gene. Este decreto revoga o anterior que exigia a rotulagem apenas aos alimentos que excedessem, 4% de elemento transgênico.

QUALIDADE DO TESTE Um dos questionamentos que o IDEC e as organizaçıes não governamentais contrárias à comercialização de transgênicos levantam em relação a qualidade desse teste é a sua limitação para identificar conteúdo transgênicos em alimentos submetidos a altas temperaturas no processo de transformação. Lopes admite que grande parte da lecitina de soja, encontrada em alimentos como chocolates e margarinas, e até mesmo o óleo de soja podem conter transgênicos. Mas o processo a que são submetidos elimina as propriedades de OGMs que seriam identificadas no teste. “Nesse caso, é preciso uma análise mais detalhada, porém o custo é muito maior. Por isso, o produtor deve identificar a origem dos produtos para garantir a informação ao consumidor”, diz. O decreto prevê que no rótulo deve ser informada a espécie doadora do gene, assim como “em todo o processo da cadeia produtiva”, ou seja, das lavouras às prateleiras dos supermercados. Para Maria Helena Miessva, gerente de assuntos corporativos da Cargill, indústria processadora dos óleos Liza e de sucos à base de soja, o Ministério da Agricultura precisará auxiliar as empresas a fiscalizar os produtos agrícolas. “Estamos estabelecendo novos parâmetros para cumprir as determinações do decreto, mas isso ainda está sendo analisado”, alerta. Muitos agricultores que plantaram a soja Roundup Ready (RR), liberada para a comercialização interna este ano, já anunciaram que a safra foi comercializada sem rotulagem, sob a alegação que não tinham mecanismos para segregar a soja transgênica da convencional.“Já devem estar nas prateleiras”, afirma o presidente da Farsul, Carlos Sperotto. “Se o governo federal cria mecanismos de controle e não fiscaliza, tanto a medida provisória,

quanto o decreto não têm efeitos práticos, pois o consumidor é quem será a vítima”, afirma Andrea Salazar. Ela alerta: “Se o IDEC realizar testes e encontrar

alimentos com percentual acima de 1% de elemento transgênico sem identificação, os produtores e o Poder Público serão responsabilizados”. (CJ)

Transgênicos têm cultivo controlado pela CTNBio Comissão Técnica de Biossegurança já autor izou o cultivo controlado de sementes transgênicas”, afirma Osíris Lopes Neto, consultor jurídico do Ministério de Ciência e Tecnologia. Segundo ele, os riscos e os efeitos que os alimentos transgênicos podem trazer só podem ser comprovados empiricamente, ou seja, cultivando.“Após esse processo, se não identificado nenhum risco à saude e ao meio ambiente, a CTNBio pode indicar a comercialização desses produtos”. A legislação brasileira proíbe o cultivo de alimentos transgênicos para a comercialização, de acordo com a Lei nº 8974, que prevê a análise de cada caso pela CTNBio. O plantio e o consumo de transgênicos está vetado desde 1998, quando a empresa multinacional Monsanto

tentou registrar a soja Roundup Ready, resistente ao herbicida Roundup, sem ter sido submetida aos estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA). O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Greenpeace entraram na Justiça e conseguiram impedir a autorização do registro para a comercialização. Segundo Lopes, a soja RR estava em processo de cultivo controlado quando foi proibida a sua comercialização. No entanto, ele admite que, apesar da importância do desenvolvimento da biotecnologia, o domínio da agricultura brasileira por sementes transgênicas colocaria em risco a soberania alimentar do país.“Temos de preservar as sementes convencionais porque, se liberado o plantio de transgênicos sem segregação dos espaços de cultivo, elas correm o risco de desaparecer”, alerta. (CJ)

Paranaguá adia fechamento Leonardo Franklin, de Curitiba (PR) Conselho da Autoridade Portuária (CAP) de Antonina e Paranaguá adiou para o dia 30 a discussão do fechamento dos portos para produtos agrícolas modificados geneticamente.A proposta da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP) deve voltar à pauta na próxima reunião. O representante da Faep no CAP, Luiz Antônio Fayet, ouviu da superintendência da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA) que todas as medidas de fiscalização para impedir a entrada e, principalmente, a saída de transgênicos estão sendo tomadas nos terminais bra-

sileiros. “A Claspar, empresa de classificação de sementes do Paraná, e a Secretaria de Estado da Agricultura também estão envolvidas no trabalho”, comenta o ex-presidente do Banco do Brasil. A Faep defende que o Porto de Paranaguá crie regras para assegurar a venda da soja a países que não admitem a entrada dos transgênicos. Fayet reforça a idéia de que o ponto de vista é econômico, devido ao crescimento da demanda dos produtos sem modificações genéticas. “Em países como a China, existe muito receio porque eles consomem produtos primários feito a partir da soja, como é o caso dos queijos”, chama a atenção.

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

sitivo pois reduz o percentual anterior de 4% para a rotulagem. Entretanto,“a maioria dos alimentos que consumimos contém derivados de soja ou milho, o que torna quase impossível o consumidor fiscalizar ou deixar de consumir caso o produto não esteja rotulado”. Ela acha que a fiscalização terá de ser efetiva para poder segregar os alimentos transgênicos. “Só assim o direito de informação e de escolha serão garantidos”, reitera. Osíris Lopes Neto, consultor jurídico do Ministério de Ciência e Tecnologia, considera o decreto um avanço no processo de separação dos alimentos transgênicos dos convencionais. Segundo ele, a Comissão Interministerial se baEpitácio Pessoa /AE

partir de agora, o consumidor deve ficar ainda mais atento quando percorrer os corredores dos supermercados. O decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 25, exige que os produtos que contenham percentual acima de 1% de elementos transgênicos tragam especificados no rótulo que o alimento “contém ou foi produzido a partir de ingredientes transgênicos”. O novo decreto exclui os alimentos que foram produzidos com a safra da soja transgênica de 2003. Para estes, a rotulagem é obrigatória,independente do percentual de OGMs contidos no alimento. Para Andrea Salazar, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), o decreto é po-

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NACIONAL

A entrada de dólares piratas no Brasil, atraídos pela pura e simples especulação, valorizaram o real e criaram uma sensação exagerada de otimismo; em contrapartida, os investimentos externos de longo prazo sofrem tombo de quase 70% no primeiro trimestre deste ano

CONJUNTURA ECONÔMICA

Antonio Milena/ABr

Excesso de otimismo ameaça agravar crise Lauro Jardim, de São Paulo (SP) governo e seus porta-vozes comemoram.A entrada de dólares engorda os cofres do Banco Central, levando a equipe econômica a liberar sua imaginação criativa e a prever a retomada do crescimento econômico. Hoje? Não, há um ano. Como num círculo vicioso, o país tem alternado, desde 1994, ciclos curtos de algum alento econômico com períodos de crises profundas, causadas pela falta de dólares. A mais grave delas aconteceu no ano passado, depois de uma enganosa recuperação, alardeada aos quatro ventos como fruto dos “acertos” da política econômica. O sucesso foi efêmero e o tombo, pesado. A partir de maio/junho de 2002, reagindo à ascensão do candidato Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, o sistema financeiro colocou as unhas de fora e o o dólar entrou em disparada, agravada pela fuga de divisas, o que fez a cotação em reais da moeda estadunidense aproximar-se de R$ 4,00. O Brasil colhe os resultados da

■ O presidente do BC, Henrique Meirelles, conversa com o secretário do Tesouro dos EUA, John Snow

escalada do dólar: alta da inflação, em função do encarecimento dos produtos importados e/ ou cotados em dólar (como a farinha de trigo e o óleo de soja), retração da economia, desemprego em alta (12,1% no mês passado), e achatamento dos salários e

Só a ação do BC pode combater o dólar pirata

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

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Dia 28 : operadores da ■ Bolsa de Mercadorias e Futuro negociam o dólar cotado abaixo de R$ 3,00, pela primeira vez desde agosto de 2002

chegar àquele resultado. Mas a decisão do Ministério da Fazenda, de deixar tudo como está para ver como é que fica, pode permitir que a elevação do real frente ao dólar acabe prejudicando as exportações (que ficariam mais caras, lá fora) e favorecendo as importações, consumindo o superávit comercial registrado até aqui. Suzigan acredita que o dólar ainda acumula reservas que poderão permitir uma flutuação ao redor de R$ 3,00, ou mesmo alguma coisa abaixo disso nos próximos dois ou três meses. Depois disso, o BC terá de reduzir as taxas de juros, o que ajudaria a manter afastados os recursos especulativos, ou recomprar parcela das dívidas do governo expressas em dólar, na medida em que forem vencendo. A situação de dependência externa, completa Suzigan, vai obrigar um estreito monitoramento do câmbio pelo menos ao longo dos próximos dois anos, para evitar o ciclo de crises cambiais (provocadas pela falta de dólares) pós-Plano Real. Eduardo Nicolau/AE

s contas externas brasileiras, retratadas no balanço de pagamentos (espécie de“caderneta” sofisticada, onde o governo anota todas as suas receitas e todas as suas despesas fora do Brasil), indicaram, no primeiro trimestre deste ano, um saldo positivo de quase 4,0 bilhões de dólares, 251% a mais do que em igual período do ano passado. Esses números devem ser analisaConta de dos com cautela, até transações correntes – Soma porque, lembra o as receitas obtidas economista chefe com exportações e da LCA Consultoremessas de dólares res, Luís Suzigan, o para o Brasil de pessoas que moram e Brasil ainda terá que trabalham no exterior, fazer um terceiro menos gastos com ajuste em suas conimportações, despesas tas externas, trocancom juros da dívida do recursos de curexterna, dividendos e lucros remetidos por to prazo por outros subsidiárias e filiais de menos voláteis (ou transnacionais no seja, por dólares que Brasil a suas matrizes permaneçam mais no Exterior, pagamento de tempo no país). royalties e fretes lá O principal item fora, gastos com da “caderneta” está viagens internacionais representada pela e outras. “conta de transações correntes”, que registrou, no primeiro trimestre deste ano, o primeiro saldo positivo (receitas superiores a despesas no mercado internacional) desde os três primeiros meses de 1994, com 82 milhões de dólares. O saldo positivo na balança comercial (exportações superiores a importações), que saltou de 1,028 bilhão para 3,763 bilhões de dólares entre o primeiro trimestre de 2002 e igual período deste ano, foi fundamental para se

da renda (queda de 7,2% apenas em março). MAIS ESPECULAÇÃO A despeito dos indicadores negativos, o mercado financeiro (investidores e especuladores nacionais e multinacionais,

bancos, corretoras, fundos de investimento em geral e grandes grupos econômicos) vem inundando o mercado brasileiro com nova enxurrada de dólares, fazendo desabar a cotação da moeda para uma faixa em torno de R$ 3,00.

A recente onda de otimismo foi provocada por dados que não se sustentam no longo prazo. Os dólares que entram hoje, no país, correspondem a recursos de curtíssimo prazo. É o chamado “dólar pirata”, desviado para o Brasil por conta das possibilidades de lucros imensos e sem riscos (para eles, especuladores), assegurados pelos juros recordes cobrados no país. O dólar pirata pode sair tão rapidamente como chegou, abrindo novas crises, como têm apontado economistas de todas as correntes, do ex-ministro Delfim Netto e sua (no passado) ferrenha opositora, a economista Maria da Conceição Tavares, ao professor Paulo Nogueira Batista Júnior, da Fundação Getúlio Vargas, o exministro das Comunicações e tucano, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e o senador petista Aloísio Mercadante, entre outros. Muitos defendem a intervenção do governo no câmbio. Mas os ministros Antônio Palocci, da Fazenda, e José Dirceu, da Casa Civil, além do presidente do BC, Henrique Meirelles, vêm reafirmando que o câmbio é livre e, como tal, vai ficar.

Cresce dívida externa de curto prazo das empresas os últimos meses, o déficit na conta de transações correntes (ou seja, saída maior do que a entrada de dólares), medido em 12 meses, despencou de 33,416 bilhões, em 1998, para 4,347 bilhões de dólares no período encerrado em março deste ano (menos 87%). Acontece que a entrada de investimentos de prazos mais longos (chamados de investimentos diretos estrangeiros), destinados, na maioria dos casos, à compra de parte ou total do capital de empresas brasileiras, também vem desabando, depois de atingirem um pico de 32,779 bilhões de dólares em 2000. Desde então, houve queda de 58%, para 13,849 bilhões de dólares, nos 12 meses encerrados em março de 2003 (veja gráfico). O tombo foi ainda mais vertiginoso nos primeiros meses deste ano, indicando que a fuga tem se agravado. Em março, entraram pífios 50 milhões de dólares, diante de 2,191 bilhões de dólares no mesmo mês do ano passado – uma retração de 97,7%. No pri-

meiro trimestre de 2003, os investimentos externos líquidos (ou seja, descontados os dólares que empresas brasileiras investiram lá fora) caíram 69,3%, atingindo apenas 1,281 bilhão de dólares. MAIS DÍVIDAS Ao mesmo tempo, depois de uma fuga de quase 5,0 bilhões de dólares em 2002, o total destinados a investimentos especulativos nas bolsas e em aplicações de curto prazo no mercado financeiro nacional somaram 1,080 bilhão de dólares. Só em papéis de curto prazo, que rendem lucros altíssimos no Brasil, houve a entrada de 1,857 bilhão de dólares no primeiro trimestre de 2003, diante de um “desinvestimento” (saída líquida de dólares) de 240 milhões de dólares no mesmo período de 2002. As empresas brasileiras ainda enfrentam dificuldades para captar dólares lá fora, já que as vendas de bônus (títulos de dívida emitidos pelas empresas) e outros papéis comerciais encolheram quase 90% no primeiro trimestre, saindo de 3,558 bilhões, no ano passa-

do, para 360 milhões de dólares neste ano. Como alternativa, as empresas privadas vêm ampliando seu endividamento externo de curto prazo, o que tende a agravar sua situação financeira no caso de uma nova disparada do dólar. Entre janeiro e março, aquela dívida pulou de 148 milhões, em 2002, para 1,965 bilhão de dólares neste ano (ou 13 vezes mais). As empresas privadas, que puderam, até 2001, rolar (adiar) praticamente 100% de seus compromissos externos na data do vencimento, só conseguiram refinanciar 34% dos títulos e outras dívidas vencidas no primeiro trimestre deste ano e foram obrigadas a pagar os restantes 66%. Claramente, o país vai depender em grande parte do superávit comercial (exportações menos importações) e do dinheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI) para fechar suas contas externas neste ano, que vão exigir um desembolso de 58,782 bilhões de dólares entre amortizações (as “prestações” da dívida externa) e juros externos.

Investimento Direto Estrangeiro (IDE) - US$ milhões 7.000

6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0 F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A MJ J A S O N D J F M

1999 Fonte: Banco Central/IEDI

2000

2001

Nota: Inclui empréstimos inter-companhias

2002

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REFORMA DA PREVIDÊNCIA

NACIONAL

Projeto de reforma da Previdência entregue ao Congresso pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 30, é criticado pelo especialista Ivo Loyola; a Ordem dos Advogados do Brasil pede uma auditoria do sistema previdenciário nacional

Caminho está aberto para privatização Oswaldo Braga, de Brasília (DF)

BF – Quais podem ser as conseqüências para o país com a aprovação do projeto como ele está? IL – Na prática, ficam abertas muitas possibilidades, inclusive o caminho para privatizar o Regime Próprio dos Servidores Públicos e, parcialmente, o Regime Geral. BF – O que, exatamente, permite afirmar isso? IL – Existem vários detalhes. Por exemplo, a proposta deixa de exigir uma lei específica para criar a Previdência Complementar dos Servidores, conforme determina a Constituição hoje, e remete as novas normas diretamente para as Leis Complementares 108 e 109. Se for para aplicá-las, em relação aos funcionários públicos, serão instituídas figuras jurídicas do direito privado, as chamadas entidades fechadas de

previdência complementar, que irão receber contribuições compulsórias dos servidores – juridicamente, isso é meio confuso. Como é a União, ou o Estado, ou município, que patrocina essa entidade, eles devem obrigatoriamente contratar uma administradora de ativos, ou instituição financeira, para gerir os investimentos feitos nessa entidade. É uma privatização em duas etapas: na primeira, são criadas entidades fechadas de previdência complementar e, na segunda, entrega-se os recursos investidos nessas entidades para uma administradora privada.

BF – E como fica a correção dos benefícios? IL – Acontece que nem mesmo o limite de isenção da contribuição está garantido porque o reajuste dos benefícios será determinado pela mesma norma genérica de sempre, do tipo que determina “recompor o valor real do benefício”. Então, o governo escolhe um índice que teoricamente recomponha este “valor real” e concede o benefício. Hoje, ninguém sabe qual é este índice. Os índices de reajustes dos benefícios do Regime Geral não correspondem a qualquer índice de preço reconhecido publicamente. É por isso que o valor dos benefícios do Regime Geral está sempre caindo. BF – Existem muitos problemas jurídicos na proposta? IL – A criação da contribuição previdenciária, por exemplo. O ca-

Ivo Loyola, 50, é especialista em atuária e previdência social há mais de 20 anos – um dos pouco mais de 300 profissionais conhecedores dos dois temas em todo o mundo. Como consultor, ele acompanhou reformas da

presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rubens Approbato Machado, divulgou nota, dia 30, manifestando-se contra a proposta de taxação de inativos da Previdência Social. A OAB defende a abertura da “caixa-preta” da Previdência por meio de uma auditoria, e questiona os números que mostram déficit no sistema. Para ele, a Previdência não pode ser tratada apenas pelo seu aspecto econômico e fiscal. Com relação à reforma tributária, o presidente nacional da OAB lembra que, até hoje, todas as tentativas no Congresso fracassaram porque ao governo sempre interessou ampliar a arrecadação. Citou, como exemplo, a continuidade da cobrança da CPMF, que em vez de ser uma taxação provisória está se tornando permanente. A OAB não questiona, “diante

da gravidade do quadro econômico, a necessidade dessas reformas, bem como a sua urgência”.A tributária, por exemplo, diz a nota, atinge indistintamente toda a cadeia de produção,mas sempre foi postergada ao prazer do agente arrecadador - o governo. Quanto mais impostos, menos o interesse das autoridades econômicas, de ontem e de hoje, de simplificar o sistema, o que ficou demonstrado com a continuidade da cobrança da CPMF, o “imposto do cheque”, cujo “P” de “provisório” passou a ser de “permanente”. Os brasileiros amargam uma das mais pesadas e injustas cargas tributárias do planeta. Na reforma previdenciária, segundo a Ordem, a política é idêntica: como o sistema está “falido”, é preciso arrecadar mais, não importa se taxando os próprios inativos. “A OAB se opõe à forma como o governo trata a Previdência, exclusivamente sob o aspecto econômico-fiscal, não le-

dência Social, do Conselho Curador do FGTS e do Conselho do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Atualmente, presta consultoria para alguns sindicatos de servidores públicos.

■ Na Ilha do Governador (RJ), funcionários da Universidade Estadual fazem ato de repúdio à proposta de reforma da previdência, no dia 30 pítulo que trata das contribuições sociais na Constituição diz que elas não são vinculadas, ou seja, elas não têm uma destinação específica como a Saúde, a Previdência ou a Assistência Social, mas devem ser englobadas dentro da receita geral da Seguridade Social. O que o governo faz é criar uma contribuição vinculada especificamente à Previdência Social. Dentro do conceito de Seguridade Social, é uma barbaridade. Em nenhum país do mundo existe semelhante impropriedade técnica.

BF – Então há inúmeros furos? IL – No caso dos juízes, existem dispositivos legais que impedem qualquer tipo de diminuição do salário ou do benefício, a exemplo da ausência de correção. Outro ponto: a proposta define que só o Executivo pode criar regimes complementares. O Legislativo e o Judiciário não podem criar os seus regimes próprios. Eles têm de se subordinar às regras da

OAB propõe auditoria Da Redação

Previdência em países tão diferentes e distantes entre si como a Argentina, Uruguai, Colômbia, Panamá, República Dominicana, Usbequistão e Cazaquistão. Já foi membro do Conselho de Previdência Social, do Ministério de Previ-

vando em conta seus princípios constitucionais de cidadania, da dignidade da pessoa humana e de proteção social”. Para a OAB, “é preciso abrir a caixa-preta do déficit da Previdência, que tem revelado apenas números alarmantes e grosseiramente manipulados, para passar à sociedade uma imagem negativa”. Por fim, a nota da Ordem destaca que “os brasileiros que elegeram o atual governo deram seu voto de confiança em um projeto de mudanças. Mudança, sobretudo, na postura de uma política econômica que nos últimos anos colocou o capital externo num plano superior ao das necessidades básicas da população. Necessidades estas, dentre outras, de educação, de saúde, de segurança, de trabalho. Não é só o presidente da República que precisa andar de cabeça erguida. Como no passado, a nossa gente continua falando de lado e olhando para o chão”.

União. Não sei se isso é legalmente possível, se não significa uma interferência do Executivo nos outros poderes em termos de fixação de salários e índice de correção de benefícios, por exemplo.

BF – Pelo visto, teremos batalhas jurídicas à vista? IL – Em alguns aspectos, a proposta é um celeiro de ações judiciais. Tudo bem. Quando eu estava no Conselho de Previdência Social, em 1998, na época da reforma do Fernando Henrique Cardoso, o raciocínio dos representantes do governo era mais ou menos o seguinte: “problema jurídico, de inconstitucionalidade, isso tudo é bobagem, não é importante; a gente faz e depois deixa para o Supremo Tribunal Federal decidir”. Era isso que eu ouvia. BF – Que receituário o governo utilizou para elaborar o projeto? IL - Em linhas gerais, a proposta do governo segue o modelo que foi adotado no Uruguai, há dez anos. O Regime Geral tornou-se compulsório para as pessoas que tinham mais de 40 anos na época da aprovação da reforma. As que tinham menos de 40 anos, puderam optar entre permanecer no regime público ou ir para o regime privado. Graças às campanhas publicitárias, houve uma adesão em massa ao regime privado. Em dez anos, o que aconteceu foi o seguinte: o valor do benefício concedido fica em torno de 40% ou 50% do que fora inicialmente prometido. As taxas de rentabilidade têm decrescido ao longo do tempo. As taxas de administração ficam em torno de 20% a 30% do total de benefícios pagos. Se você decide mudar de administradora, você tem uma perda significativa – as administradoras cobram taxas para sair e para entrar. Existiam cinco grandes Administradoras de Fundos de Pensão (AFP) controlando cerca de 95% dos recursos do setor. No ano passado, duas das AFPs quebraram, outra fechou e, numa quarta, seus dirigentes pegaram o dinheiro e sumiram. Também no ano passado, a rentabilidade foi negativa e houve perdas

de cerca de 30% dos recursos investidos no setor.

BF – Propostas como esta sempre utilizaram o argumento do déficit. Por que a conta do governo e a de alguns analistas são diferentes? Existe realmente um déficit na Previdência Social? IL - Em relação ao Regime Geral, não se pode falar em déficit porAtuária – que, na Seguridade Matemática utilizada Social existe, de fato, na contabilidade de um superávit de cerfundos de pensão, seguros e Previdência ca de R$ 48,7 biSocial lhões. Isso para o exercício de 2002. Em 2003, o número deve ser maior. Quanto ao Regime Próprio, os servidores são pagos com recursos do orçamento fiscal, que tem também, como todos sabem, superávit. O governo não apresenta argumentos, ele simplesmente apresenta a conta que mais lhe interessa. Existe uma manipulação óbvia de valores e, principalmente, de conceitos. BF – Qual o objetivo do governo com a reforma? IL – Em primeiro lugar, ocorre uma transferência cavalar de recursos para a iniciativa privada sob a forma de contas capitalizadas individuais de todo mundo que ganha acima de um certo limite. Por outro lado, infelizmente, agora fica claro que o governo está lidando com a Previdência apenas como um problema fiscal. A lógica parece ser a de economizar o máximo que puder. Quanto mais dinheiro, melhor. Eles estão querendo se apropriar dos recursos gerados com as contribuições sociais para gerar superávit primário. Já existem formas de se cobrar “à vontade” no setor privado, e agora estão criando normas para cobrar “à vontade” dos servidores públicos. Alguns modelos elaborados pelos técnicos do Banco Central dizem que se se mantiver, por cerca de 12 anos, o superávit que alcançamos no ano passado, de pelo menos 3,75% do PIB, o país alcançará o que eles chamam de “sustentabilidade”. A questão é: será que o país agüenta 12 anos com um superávit desses?

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

Brasil de Fato – Existe alguma novidade na proposta apresentada pelo governo? Qual a sua avaliação sobre o projeto? Ivo Loyola – Em linhas gerais, é o que o governo disse que ia fazer, ou seja, igualar as regras dos dois regimes, o geral e o dos servidores públicos. Só que em vez de igualar pelo regime que concede maiores benefícios, igualou pelo regime que concede os menores benefícios. Estão nivelando por baixo. O que eles querem é aumentar a contribuição dos servidores, impedir que as pessoas se aposentem e diminuir o valor dos benefícios.

Quem é

Fábio Motta/AE

a quarta-feira, dia 30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi à Câmara dos Deputados entregar pessoalmente os projetos das reformas tributária e da previdência. Neste último caso, em especial, as propostas do governo vinham recebendo duras críticas, não só das entidades sindicais dos servidores públicos, mas também de parlamentares da própria base aliada. Os argumentos contrários às propostas governistas dizem que, mais uma vez, os funcionários públicos serão sacrificados para se fazer caixa. Por incrível que pareça, enquanto a reforma tributária pretende desonerar vários setores do empresariado, a da previdência poderá significar a redução das aposentadorias e pensões dos servidores. Para o atuário Ivo Loyola,o projeto do governo é um verdadeiro Frankstein técnico e jurídico. “Sabemos agora, com total clareza, que o governo está tratando a previdência apenas como uma questão fiscal”, alerta. A seguir, a entrevista dada por Loyola ao Brasil de Fato ainda na quarta-feira, dia 30, pouco depois de o projeto de reforma previdenciária do governo chegar ao Legislativo.

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NACIONAL

Intelectuais, artistas, religiosos e lideranças políticas pedem ao presidente Lula que o Brasil não participe da Alca e se manifestam contra a proposta de autonomia do BC; Sandra Quintela: autonomia da Fazenda nas negociações sobre livre comércio reforçam a perspeciva de mercado

CARTA A LULA

Notáveis pedem veto à Alca e à autonomia do Banco Central reocupados com a possibilidade de o Brasil assinar o tratado da Área de Livre Comércio das Amér icas (Alca) e com a proposta de autonomia do Banco Central, um grupo de personalidades do meio artístico, religioso, sindical e intelectual entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 1º de maio, o manifesto denominado Car ta ao Presidente Lula. Na carta, que marca as comemorações do Dia dos Trabalhadores, mais de 30 expoentes da sociedade brasileira ressaltam suas preocupações com a soberania do país. Eles deixam claro que tanto a Alca quanto a autonomia do Banco Central são questões inegociáveis, que implicam a soberania nacional e, afirmam que as decisões sobre esses temas devem ser tomadas “pelo detentor dessa soberania: o povo brasileiro”. Nomes reconhecidos pela atuação na defesa dos interesses do povo brasileiro, os signatários incentivam Lula a lutar contra as pressões imperialistas. Também oferecem ao presidente o apoio das forças populares, solicitando a convocação de um amplo debate nacional por meio de um plebiscito.

Caro Presidente etória política e soas que o prezam, admiram sua traj Esta carta lhe é endereçada por pes possa corresponder às enormes esperan hor sen o que de fim a a, ajud a tod desejam prestar-lhe o brasileiro. ças que sua vitória despertou no pov das dificuldaeira do país, temos uma clara percepção Cientes da situação econômico-financ os e o a editar medidas de restrição de gast ern gov o do leva têm que as ern ext e des internas cações substantivas o, que a globalização provocou modifi diss além os, em Sab s. juro de o açã do elev olver o país sem participar de algum mo env des cil difí ito mu será que e al ndi na economia mu nal. da comunidade financeira internacio erania. podem significar renúncia à nossa sob Contudo, esses constrangimentos não ação da tes em relação a este aspecto: a negoci pan ocu pre e ent larm ticu par são as did Duas me Banco Central. oALCA e a pretendida autonomia do em extensos e repetidos arrazoados, exp aram ent um arg já nós de ns algu o A primeira, com olutamente e de serviços a uma concor rência abs las íco agr , iais ustr ind s ore dut pro rá nossos or do nosso parque será uma desnacionalização ainda mai desigual, cuja primeira conseqüência agricultura, ola acordos comerciais, mas envolve a rap ext que ia ênc ang abr sua por E produtivo. erno estaduni, serviços, deixa clara a intenção do gov eda mo , tais esta s pra com os, ent stim inve acordo com seus interesses apenas. dense em recolonizar o continente de e, por tanto, a e da nossa moeda aos capitais externos trol con do a reg ent a lica imp a und A seg mais dinâmicos da pode ocultar que, estando os setores renúncia ao projeto nacional. Não se significa eiras, a autonomia do Banco Central ang estr sas pre em de s mão em ia nossa econom da nossa moeda. to a transfer ir para elas a fixação do valor lhe esta carta. Em nosso entender, tan iarenv de isão dec a s amo tom es, Por estas razõ que implicam ntral são questões inegociáveis, posto Ce co Ban do mia ono aut a nto qua ALCA nitude deve ser ia da Nação. Decisão de tamanha mag na intocabilidade da própria soberan a brasileira brasileiro. Assim, cada brasileiro e cad o pov o ia: eran sob sa des or ent det tomada pelo to convocado para sobre ambas questões em um plebisci ciar nun pro se a os mad cha ser m eria dev esse expresso fim. do assim fundaate nacional sobre os dois temas, dan deb nde gra um ia ejar ens to isci pleb O e democrática sobre os mesmos. mento a uma decisão verdadeirament as que e do Brasil mudará a postura das forç firm ude atit a um que de s cido ven con Estamos mamente os cao para que possamos construir autono inh cam irá abr e do nan ssio pre o estã nos envolvimento. minhos que mais convêm ao nosso des romper com as vier a ser colocado na contingência de o ern gov o e for, não m assi se , ém Por o insuportáveis. Sr. Presidente, que as represálias não serã forças que o estão pressionando, creia, temente para resistir a elas e nosso povo suficien e fort e ent tem cien sufi é já ia nom Nossa eco rio nesse enfrentamento. politizado para dar-lhe o apoio necessá Brasil, 1º de maio de 2003

Signatários: Alfredo Bosi; Ana Maria Freire; Ana Maria Castro; Ariovaldo Umbelino de Oliveira; Augusto Boal; Benedito Mariano; Bernardete de Oliveira; Beth Carvalho; Carlos Nelson Coutinho; Chico Buarque; Dom Demétrio Valentini; Dom Paulo Evaristo Arns; Dom Pedro Casaldáliga; Dom Tomás Balduino; Emir Sader; Fábio Comparato; Fernando Morais; Francisco de Oliveira; Haroldo Campos; Joanna Fomm; Leonardo Boff; Luís Fernando Veríssimo; Margarida Genovois; Maria Adélia de Souza; Manuel Correia de Andrade; Marilena Chauí; Nilo Batista; Pastor Ervino Schmidt/IECLB; Plínio Arruda Sampaio; Oscar Niemeyer; Ricardo Antunes; Sérgio Haddad; Sérgio Ferolla, brigadeiro; Tatau Godinho; Valton Miranda.

ANÁLISE

Ação de Palocci nas negociações com os EUA reforça o poder do mercado

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

Sandra Quintela

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estratégia que o governo federal tem adotado nas negociações tanto da Alca quanto da Organização Mundial do Comércio privilegia o argumento da necessária abertura comercial do setor agrícola dos países centrais (Estados Unidos, União Européia e Japão) como contrapartida à abertura de outros setores da economia brasileira. O Brasil estaria oferecendo seus mercados de serviços, de investimentos, de compras governamentais, por exemplo, em troca do mercado agrícola desses países. Este argumento foi utilizado novamente em meados de abril (dia 14) pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, em reunião com Robert Zoellick, ministro das Relações Exteriores dos EUA. O mais interessante neste fato não é o argumento da liberalização em si, mas o fato de o Ministério da Fazenda, cuja atribuição não inclui tratar políticas referentes ao comércio internacional, estar envolvido e empenhado em ampliar o apoio à Alca no governo federal. Afinal, o Ministério da Fazenda

tem como competência assuntos como moeda, crédito, instituições financeiras, previdência privada aberta, negociações econômicas e financeiras com governos, organismos multilaterais etc. Em relação ao comércio exterior, cabe ao Ministério “apenas” fiscalizar e controlar o seu funcionamento. Em que implica, então, o uso do prestígio do ministro Palocci em uma área que foge à missão do Ministério da Fazenda? O economista Paulo Nogueira Batista Jr., em artigo publicado na Folha de S. Paulo, nos alerta “que os EUA não tiveram escrúpulos de se valer do FMI como alavanca dos seus objetivos nacionais, inclusive no terreno comercial. Larry Summers, secretário do Tesouro dos EUA no governo Clinton, (...) revelou que foi por pressão direta do governo dos EUA que o texto do acordo do Brasil com o FMI, assinado em fins de 1998, incluiu o compromisso de prosseguir com a política de liberalização e integração comercial”. Portanto, o fato de o ministro Palocci, negociador direto do governo brasileiro com o FMI, estar empenhado no debate da liberalização do comércio, alicera

ainda mais a discussão de a política de desenvolvimento nacional estar centrada no Ministério da Fazenda e não no Ministério de Desenvolvimento, por exemplo. Esse empenho do ministro Palocci aprofunda a visão economicista de que o mercado é que regula a economia nacional; amplia as políticas neoliberais legadas dos

oito anos de Fernando Henrique e aponta para uma necessidade ainda maior de combinar a Campanha Nacional contra a Alca à construção de um Projeto Popular para o Brasil que saia dessa lógica de que só a liberalização de mercados que traz desenvolvimento. Em tempo, na América Latina, continente que mais levou a cabo

essas políticas, o número de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia subiu de 48 milhões, em 1990, para 57 milhões, em 1999, conforme um relatório divulgado este mês pelo Banco Mundial. Sandra Quintela é sócioeconomista do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul /RJ


CONJUNTURA NACIONAL

ENTREVISTA

Plinio Arruda Sampaio analisa os quatro meses do governo e diz que já está na hora de o governo decretar o fim da transição e tomar as medidas efetivas de mudanças no país; alerta que ninguém transforma este país sem haver tensão; mas isso deve ser enfrentado com o apoio do povo

“Queremos um Lula de luta” Nilton Viana e João Alexandre Peschanski, da Redação

BF – Isso tem se dado em função da pressão externa? PAS – A pressão externa dos interesses capitalistas é muito forte. Eles têm um poder de chantagem muito grande, porque podem, a qualquer momento, criar uma dificuldade econômica que repercutirá direta e negativamente na vida do povo. A meu ver, isso é o que o Lula está querendo evitar. Agora, essas coisas não depen-

BF – Quais seriam essas reações? PAS – Por exemplo, na questão da focalização, o que fez o Banco Mundial? Trouxe um ministro do México para mostrar que a focalização é a saída. E os jornais noticiaram dizendo que “deram uma aula ao Lula”. O que é ridículo, o presidente não está aí para receber aula de ninguém! Além disso, o ministro do México é a pior escolha para demonstrar as “bondades” da focalização, porque todo mundo sabe que os pobres estão vivendo uma situação horrível naquele país. Todo dia, centenas de mexicanos arriscam a vida, pulando a fronteira estadunidense para escapar da miséria.

tar logo o fim da transição e começar a tomar as medidas efetivas de reformas-agrária, de política de emprego, de combate à corrupção.

BF – O senhor acredita que Lula vai implementar as mudanças? PAS – Eu não tenho por que desconfiar de 20 anos de trajetória impecável. Objetivamente, porém, seu governo ainda não mudou nada no país. E isso é insustentável. Tem de haver um momento de definição. O que eu sugiro é que o governo antecipe esse momento o mais depressa possível. Agora ele está muito forte. Portanto, é o momento propício para dar um basta. Ninguém transforma este país sem haver tensão. Os que têm privilégios não os largam sem resistência. E é preciso enfrentar essa reação com o apoio do povo. BF – Que tipo de retaliações o governo Lula pode enfrentar? PAS – Por exemplo, não terá mais dinheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), os investidores irão embora. Aí ele terá de tomar medidas para o desenvolvimento em bases nacionais. Isto é a mudança. O Lula tem todas as condições de liderá-las.

prerrogativa da soberania nacional. Se aprovar a autonomia do Banco Central, abrirá mão da prerrogativa do Estado brasileiro de controlar a sua moeda e, por via desta, o mercado. São renúncias de soberania, absolutamente inaceitáveis.

BF – E qual a alternativa? PAS – Nós pedimos a ele o seguinte: se a pressão está muito forte, então faça um plebiscito. Consulte o povo. Não se faz modificação social sem politizar o povo. BF – O senhor participou da plenária dos movimentos sociais... PAS – Essa plenária foi um esforço de unificar algumas ações isoladas das entidades que estão perplexas diante do governo. Porque nenhuma delas é suficientemente forte para, isoladamente, ter efeito. Agora, todas elas juntas já começam a ter mais efeito mobilizador de massas. E o resultado deste entendimento foi muito positivo. Por exemplo, nós conseguimos fazer a Carta da Terra, em que todos os movimentos agrários, pela primeira vez na história do Brasil, se unificaram em torno de uma plataforma comum. Nem na Constituinte nós conseguimos um projeto único de reforma agrária.

O que não se pode pensar é que as coisas possam ser mudadas sem luta. Assim como no passado queríamos um “PT de luta”, hoje queremos o “Lula de luta” BF – Essa demora do governo em mudar os rumos tem deixado a militância partidária e social perplexa. PAS – A insatisfação da militância e dos dirigentes dos movimentos sociais não é suficiente para alterar a correlação de forças na sociedade. O governo obviamente está mais preocupado é com a repercussão do seu desempenho na massa. E esta até agora não deu sinais de insatisfação. Aí há um risco porque, na hora que essa insatisfação se propagar para o pov,o a direita vai se tornar muito mais agressiva. O governo precisa decre-

BF – Uma das grandes preocupações é com os rumos que o governo Lula tem adotado para a Alca. PAS – Eu acho que a Alca é o limite para definir para onde o governo vai. Com mais trinta intelectuais, acadêmicos e profissionais, preparamos uma carta dizendo ao Lula que nós entendemos que ele tenha de num primeiro momento, aumentar juros, aumentar superávit primário e reajustar muito pouco o salário. Isso se entende por causa da dificuldade do momento. Mas tudo isso é reversível com uma canetada. Mas, se ele assinar o acordo da Alca, abrirá mão da

BF – Mas este tipo de iniciativa não pode ser confundido como oposição ao Lula? PAS – Essas são as posições que as esquerdas deveriam tomar hoje. Eu escrevi um artigo – e isso foi dito também nessa plenária – com o seguinte tema: quem são os amigos do Lula? Os amigos do Lula são aqueles que o estão assustando com o fantasma do cataclismo e que acham que ele tem de ceder tudo? Ou os que dizem: Lula, nós acreditamos no seu passado, na sua integridade; tope a briga, tope o enfrentamento, que nós estaremos juntos? Os amigos do Lula querem ele como ele é, de

acordo com a sua história. Então eu não estou fazendo oposição nenhuma ao Lula. Estou defendendo o Lula, defendendo a vitória popular. Mas esta postura, obviamente, tem um limite. É fundamental que não se permita uma deterioração da imagem do Lula no meio do povo, porque aí, a nossa munição vai embora. A nossa munição é o entusiasmo do povo pelo Lula. E é isso que pode fazer o povo se mobilizar contra os seus inimigos. Não é hora para bazófias, mas também não é hora para pânico. É hora de enfrentamento objetivo. BF – Como o senhor tem visto as propostas de reformas do governo? PAS – Fazem parte de um pacote recomendado pelo FMI. São reformas neoliberais. Na reforma da previdência, por exemplo, o objetivo é reduzir o benefício do aposentado pela previdência pública afim de entregar o “filé mignon” às seguradoras privadas. Já o objetivo da reforma tributária é arrecadar mais para ter dinheiro e pagar pontualmente a dívida externa.

BF – Neste cenário, há possibilidade de ascensão dos movimentos de massa? PAS – Eu acho que sim. Estamos vivendo um momento extremamente favorável ao crescimento do movimento de massa. É a hora em que as lideranças têm de mergulhar no povo para mostrar a realidade, fazer o debate da previdência, da tributação etc. Essas condutas não são contra o Lula. São contra as pressões que estão coagindo o Lula. Não se perdeu nada ainda. Os amigos do Lula vão se mobilizar e ajudá-lo a cumprir o que prometeu. BF – E os reflexos disso tudo para a América Latina? PAS – A posição do Lula nas questões externas tem sido boa. Ele impediu a queda do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, quando este já estava quase derrotado pelo golpe da direita. Foi só o Lula se manifestar, para que se formasse o grupo dos “Amigos da Venezuela” e resolvesse a questão. O Lula se posicionou claramente contra a guerra do Iraque e isso ajudou a derrotar os Estados Unidos no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Então, eu acho que se ele der um brado aqui no Brasil, terá um apoio estrondoso em todo o continente latino-americano. O que não se pode pensar é que as coisas possam ser mudadas sem luta. Assim como no passado queríamos um “PT de luta”, hoje queremos o “Lula de luta”.

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

O governo precisa decretar logo o fim da transição e começar a tomar as medidas efetivas de reforma agrária, de política de emprego, de combate à corrupção

dem de uma pessoa, são resultados de tensões sociais efetivas, de evoluções econômicas reais. E elas começam a aflorar. Por exemplo, se o dólar baixou, se o risco Brasil diminuiu, se o capital estrangeiro começou a entrar, por que razão continua esse arrocho terrível? Por que não alterar essa política econômica e começar a executar a política social prometida? Porque ele ainda está receoso da reação da direita, do imperialismo, de criar uma situação econômica insustentável?

Plinio Arruda Sampaio é exdeputado federal constituinte, promotor público, consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), professor universitário e ex-secretário agrário do Partido dos Trabalhadores (PT) e diretor do jornal Correio da Cidadania.

João A. Peschanski

Brasil de Fato – Faz quatro meses que Lula assumiu a Presidência do Brasil. Que análise o senhor faz do governo nesse período? Plinio Arruda Sampaio – Não se pode dizer que haja uma clara definição a respeito dos rumos da política econômica do país. Basta ver a discrepância entre o senador Aloízio Mercadante e o ministro Antônio Palocci, e entre o ministro José Graziano e o mesmo ministro Palocci a respeito do gasto social. Começam a surgir sinais de tensão interna. E o Lula, ao meu ver, traçou uma tática de transição e ainda não a terminou. Ele está apalpando para ver quando terá correlação de forças suficiente para assumir uma linha mais clara. Até agora, as orientações no governo são contraditórias. O episódio da discrepância entre o Ministério do Fome Zero e o da Fazenda é exemplar. O primeiro encara o gasto social sob o princípio da universalização, ou seja, gastos de educação, saúde, previdência, saneamento, devem ser custeados pelo Estado e beneficiar toda a população, independentemente das diferenças de renda. No documento do Ministério da Fazenda, fala-se em “focalizar” o gasto social, expressão que caracteriza a visão neoliberal de que o governo só deve subsidiar os pobres. Não dá para entender. Em outros campos também, como o da energia elétrica, não há uma diretriz clara. Sem falar nas dificuldades internas da bancada com relação à reforma da Previdência Social, reforma tributária, Alca e autonomia do Banco Central.

Quem é

João A. Peschanski

professor Plinio Arruda Sampaio é radical quando se trata da defesa dos interesses do povo brasileiro. Aos 72 anos, este militante histórico do Partido do Trabalhdores continua atuante. No dia 11 de abril participou de uma plenária – importante articulação que reuniu, em São Paulo, o setor pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e movimentos sociais de todos o país – para tentar unificar a luta em defesa de um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil. Agora, com mais de trinta intelectuais, acadêmicos e profissionais elaborou uma carta ao presidente Lula (leia na página 6) alertando do perigo que representa para o país a Alca e a autonomia do Banco Central. Ainda confiante em Lula, Sampaio acredita que o presidente traçou uma tática de transição e ainda não a terminou. Mas adverte: “o governo precisa decretar logo o fim da transição e começar a tomar as medidas efetivas de reformas agrária, de política de emprego, de combate à corrupção”. Sampaio acredita que Lula tem de entrar num clima de debate, de enfrentamento. Segundo ele, ninguém transforma este país sem haver tensão. “Os que têm privilégios não os largam sem resistência”. A saída, segundo o professor, é enfrentar essa reação com o povo, com o apoio do povo.

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NACIONAL

Ministério Público do Trabalho apura denúncias sobre exploração sexual infantil em bares, hotéis, postos de gasolina próximos ao porto de Paranaguá (PR); a Comissão de Acompanhamento da Mídia da Câmara dos Deputados classifica os piores programas de TV

ESCÂNDALO

Leonardo Franklin, de Curitiba (PR) anúncio de colheita recorde de grãos no Paraná significa que o movimento de marinheiros e caminhoneiros em Paranaguá será grande este ano. Entre as atividades paralelas àquelas do porto, uma está sob a mira do Ministério Público do Trabalho: a exploração sexual infantil. Basta cair a noite e a zona portuária muda de contornos. Numa das principais ruas que dão acesso ao cais do porto, existe uma série de bares e pequenos hotéis que servem de fachada para casas de prostituição. Ali, mulheres de todas as idades, desde as nitidamente na fase de puberdade, até senhoras de mais de 50 anos dão preferência aos dólares dos estrangeiros. Os gregos estão entre os principais clientes. Nessa mesma rua, são muitos os estabelecimentos com a mesma finalidade e o trânsito das meninas é livre. Um programa chega a custar mais de 50 dólares. Embora a região de maior movimento seja mesmo a portuária, a procuradora Margareth Matos de Carvalho investiga a exploração sexual infantil em outras áreas da cidade. De acordo com a procuradora, denúncias apontam que seriam pelo menos cinco casas a serem investigadas.

Paraná. Em cidades como Ponta Grossa existe um esquema de recrutamento. Foz do Iguaçu e outros centros também exportam garotas para Paranaguá. Segundo Naiana, sua família sequer imagina que ela esteja naquela cidade.“Falo para minha mãe que vou trabalhar em Curitiba e venho para Paranaguá”, mostra, assim, como consegue se desvencilhar dos pais em Ponta Grossa. Ela explica que fica durante um período indeterminado na cidade portuária, indo e voltando periodicamente. Em um mês consegue faturar mais de R$ 2 mil. Além das casas que exploram essa atividade, nas ruas do bairro Rocio, perto da entrada da cidade, a prostituição é movimentada pelos caminhoneiros que circulam dia e noite pelas ruas de Paranaguá. Em pátios de postos de combustível, como o Posto Cupim e seus arredores, por exemplo, é comum meninas oferecendo seus corpos. Ali, sequer são precisos hotéis, pois o leito do caminhão pode servir como um local adequado para o sexo. O pátio de triagem do porto também está sob a mira das autoridades. A exploração sexual é crime previsto no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).A pena varia de quatro a dez anos de reclusão, além de multa. Pena essa que também é aplicadas ao proprietário, gerente ou responsável pelo local em que se verifique a submissão da criança ou adolescente a essas práticas, além da cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.

■ Cena comum no porto de Paranaguá: adolescente procura clientes

Faltam recursos ao governo para combater a prostituição infantil Aloisio Milani, de São Paulo (SP)

Washington Fidelis

NO LEITO DE CAMINHÃO Naiana faz “programas” em um desses estabelecimentos. Ela afirma ter 19 anos, embora demonstre muito menos e, como grande parte das garotas, vem do interior do

Washington Fidelis

Exploração de crianças prospera no porto de Paranaguá

uando assumiu, em janeiro, o presidente Lula pediu empenho aos ministros para o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes e até existe um Plano Nacional de Enfretamento da Violência Sexual, mas pouca coisa saiu do papel. O Programa Sentinela, do Ministério da Previdência e Assistência Social, é o único projeto federal para atendimento das vítimas desde o fim do governo Fernando Henrique. Está implantado em apenas 315 cidades. “Estimamos que outros 4 mil municípios poderiam receber o Sentinela”, afirma Neide Castanha, coordenadora do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre a Criança e Adolescente (Cecria), instituição que pesquisa a violência sexual no país. Segundo Neide, o Sentinela “não se configura como parte de

uma política assistencialista, pois é uma ação pontual e descontinuada”. Segundo estimativa divulgada pelo Ministério da Justiça, seriam necessários R$ 40 milhões por ano para estruturar o Sentinela pelo país. Mas nem um quarto da verba está prevista no Orçamento de 2003.

planejamento das verbas específicas dentro do Plano Pluri-Anual. “Na era FHC, nós lutamos pela inclusão da questão na pauta pública. O presidente já reconheceu o problema e agora passamos a acompanhar suas ações. É um grande passo, embora não seja o definitivo”, analisa Neide Castanha. Recentemente, o governo cortou o convênio que mantinha com a Associação Brasileira de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia) para o funcionamento de um 0800 para denúncias de violência sexual. “O governo quer ser o gerador das políticas públicas e não mais delegar funções somente à sociedade civil. O novo disque-denúncia deverá ser do governo”, explica Neide. Mesmo com uma atuação conjunta ao lado da sociedade civil, dificilmente este ano haverá mudanças para o enfrentamento do problema, caso não haja acréscimo de recursos principalmente para o Ministério da Previdência e Assistência Social.

PROPOSTAS CONCRETAS No dia 11 de fevereiro, o presidente Lula convocou uma reunião ministerial somente para tratar do tema. Foi estipulado um prazo de 60 dias para que todas as pastas entregassem propostas concretas.Algumas idéias já foram divulgadas, como a possibilidade de inclusão dessas crianças no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), a participação efetiva da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária, além da parceria com o Bolsa-Escola. O ministro MárcioThomaz Bastos, escolhido pelo presidente para comandar o combate da exploração sexual, já antecipou a necessidade do

■ Estado omisso, negócio próspero

CIDADANIA

Gugu lidera o pior da TV

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

Ruth Scharony, de São Paulo (SP)

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programa Domingo Legal, do SBT, foi o campeão da baixaria na TV segundo o ranking divulgado pela Comissão de Acompanhamento da Mídia (CAM) formada por deputados e entidades da sociedade civil e baseado em denúncias feitas por telespectadores de todo o país. A campanha “Quem financia a baixaria é contra a Cidadania” foi lançada no final do ano passado com o objetivo de promover o respeito aos direitos humanos e à dignidade do cidadão nos programas de rádio e televisão. A CAM pretende se reunir com os patrocinadores dos programas que mais receberam reclamações e apresentar os resultados da campanha. Acredita que denúncias como incitação à violência, sensacionalismo e discriminação serão

levadas em consideração na próxima vez que anunciarem. O coordenador da campanha, deputado federal Orlando Fantazzini (PT-SP), sugeriu que um parecer geral sobre os resultados apresentados seja enviado ao Ministério Público; aos Ministérios da Justiça, da Cultura e da Educação; a Secretaria de Defesa da Mulher, ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e ao Conselho de Comunicação Social, para que se manifestem sobre o assunto. A Comissão pretende também estudar formas de obrigar as emissoras de televisão, que são concessões públicas, a divulgar para a população os mecanismos de cumprimento do artigo 221 da Constituição Federal, que rege a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão. A população tem o direito de discutir sobre as informações que recebe.

Denúncias recebidas pela Comissão de Acompanhamento da Mídia Programas

Manifestacões

5

Domingão do Faustão (Rede Globo)

78

6

Sérgio Malandro (Rede TV)

37

7 8 9

Hora da Verdade (Band) Márcia Goldshimidt Zorra Total (Rede Globo) Falando Francamente (Record) Sônia Abrão Cidade Alerta (Record) Nilton Neves (atualmente)

15

• Apelo sexual • Sensacionalismo • Repertório de palavrões • Exploração por orientação sexual • Apelo sexual • Incitação à violência • Cenas impróprias para o horário • Apelo sexual • Vocabulário impróprio • Incitação à violência • Apelo sexual • Horário impróprio

13 12

• Apelo sexual • Apelo sexual

10

• Violência

1 2 3 4

10

Domingo legal (SBT) Gugu Liberato João Kleber (Rede TV) (Programas Canal Aberto e Eu vi na TV) Big Brother (Rede Globo) Programa do Ratinho (SBT)

805

157

Assunto

115 97 94

É o total de denúncias recebidas até o dia 13 de abril de 2003

Fonte: Câmara dos Deputados, Comissão de Direitos Humanos


Ano I ■ Número 9 ■ Segundo Caderno

Iraquianos atiram pedras. Soldados de Bush massacram Paulo Pereira Lima, da Redação s tropas estadunidenses lançam contínuos ataques a civis iraquianos, seguidos de mortes. Dia 28, abriram fogo contra centenas de manifestantes que exigiam a desocupação de uma escola em Faluja, perto de Bagdá, matando 17 pessoas e ferindo mais de 70. Segundo a TV Al-Jazira, eram cerca de 200 iraquianos desarmados, entre os quais mulheres e crianças, que exigiam a desocupação da escola.

“A multidão passava na frente do colégio em que estão as tropas e alguns deles jogaram pedras nos soldados, que responderam atirando contra os manifestantes”, garantiu uma testemunha. Os iraquianos exigem a retirada total das tropas dos EUA, e advertem que a resistência armada aumentará, incluindo a prática de atentados suicidas.“Os jovens estão se preparando para realizar operações de martírio (atentados suicidas) contra os ocupantes criminosos”, disse Kazem Chamar, um dos chefes

AFP/AE

Religiosos ameaçam jogar homens-bomba contra as tropas estadunidenses, que multiplicam assassinatos de civis; na Ásia, crise da Coréia do Norte estabelece o quadro de conversações entre os EUA e a China

■ Tanque estadunidense aponta o canhão contra civil iraquianos, em Bagdá, dia 28

tribais que participaram do protesto, à Agência Reuters. O massacre acirrou as tensões e expôs a falta de domínio da administração provisória sobre a segurança. Para amenizar o problema, o governo Bush anunciou o envio de mais 4 mil soldados e policiais militares nos próximos dez dias para a região de Bagdá. Atualmente, há cerca de 150 mil militares estadunidenses no Iraque, aproximadamente 12 mil na capital.Além disso, a empresa estadunidense DynCorp, contratada por 50 milhões de dólares no último dia 18, deve enviar mil funcionários ao país no prazo de um ano para prestar consultoria na reorganização do sistema legal e policial.

Iraque. Dia 29, por exemplo, um advogado belga anunciou que um grupo de 19 iraquianos deve entrar, no próximo dia 13, com um processo por crimes de guerra contra o general Tommy Franks, comandante das tropas no Iraque. Segundo Jan Fermon, que representa o grupo, a ação correrá sob uma lei belga de 1993 que aborda genocídios e atrocidades. Segundo agências internacionais, o Departamento de Estado se declarou preocupado com a iniciativa. Com os EUA no poder no Iraque, a vizinha Arábia Saudita parece não interessar mais à estratégia de Washington. Dia 30, o governo Bush anunciou que vai retirar todas as suas forças do país.

IMPASSES No plano político, o impasse nas negociações desafiam os estrategistas da Casa Branca. Na segunda reunião em que deveriam ter participado representantes dos principais grupos políticos do país, realizada dia 29, faltaram importantes lideranças, como Massoud Barzani, do Partido Democrático do Curdistão; Jalal Talabani, da União Patriótica do Curdistão, e Ahmed Chalabi, do grupo oposicionista exilado Congresso Nacional Iraquiano. O Conselho Supremo para a Revolução Islâmica no Iraque, grupo xiita com sede no Irã, enviou uma delegação de baixo escalão. No plano internacional, começam a surgir processos contra os responsáveis pela invasão do

ARÁBIA SAUDITA Os militares estadunidenses na Arábia Saudita, cujo número dobrou para 10 mil durante a invasão do Iraque, estão sendo transferidos para o vizinho Qatar, onde os EUA estabeleceram outro centro de operações. O anúncio da retirada foi feito durante uma viagem do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, pelo Golfo Pérsico.Analistas disseram que a retirada tem implicações políticas profundas. A iniciativa coloca um ponto final numa relação que data de 1991, quando Washington usou a Arábia Saudita como plataforma de lançamento da Guerra do Golfo. A retirada reduz a dependência em relação à Arábia Saudita e abre a possibilidade de o Iraque se tornar a base estadunidense favorita na região.

INTERNACIONAL

BRASILDEFATO

ANÁLISE

EUA jogam braço-de-ferro com a China governo estadunidense faz uma ofensiva pelo controle da Ásia Oriental. O alvo inicial é outro país do “Eixo do Mal”, a Coréia do Norte, considerada pelo presidente George Bush uma ameaça à paz mundial, por possuir armas de destruição em massa e financiar grupos terroristas. Nessa situação, em 23 de abril, representantes da China, Coréia do Norte e EUA iniciaram neComissão gociações em Parlamentar de Inquérito (CPI) – Pequim para instituto jurídico de discutir a crise que dispõem na região.Waparlamentares para shington exiexercerem uma função ge que o prefiscalizadora; não pode punir, mas sidente norteencaminha relatórios e coreano, Kim servir de base para o Jong-il, abanJudiciário done os invesEstatuto de timentos em Defesa do pesquisas de Torcedor – conjunto armas nucleade regras cujo objetivo res e cesse é oferecer mais ações militares direitos para as pessoas que vão a contra o Japão estádios; o estatuto já e a Coréia do foi aprovado pela Sul, aliados Câmara e pelo Senado históricos dos e falta apenas a aprovação do E s t a d o s presidente Lula para Unidos.O goque se torne lei verno da

Coréia do Norte multiplica ameaças contra Bush, caso pressione a Organização das Nações Unidas (ONU) a impor sanções contra o país. “A postura de Li Gun (o representante norte-coreano nas negociações) é inaceitável. Os Estados Unidos não aceitarão ameaças”, afirmou o secretário de Estado estadunidense, Colin Powell, ao encerrar a primeira rodada das reuniões, em 25 de abril. JOGO ESTRATÉGICO As ameaças norte-coreanas refletem a estratégia do governo chinês, que coordena as negociações para resolver o conflito. A avaliação é do professor estadunidense Selig S. Harrison, um dos diretores do Centro de Política Internacional e especialista em assuntos diplomáticos na Ásia, para quem “o tom das reuniões revela o medo do governo estadunidense de um enfrentamento direto com a China”. Para ele, dificilmente haverá uma intervenção militar como a do Iraque. Harrison defende que Bush está usando a crise na Coréia do Norte para discutir a política da região diretamente com a China. De acordo com o Centro de Estudos pela Não-Proliferação, o exército chinês possui 410 ogivas nucleares, tem dezenas de milhões de soldados, contando os da reser-

va, e não se submete à ordem que os Estados Unidos ou as instituições financeiras, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou a Organização Mundial do Comércio (OMC), querem impor. O incidente com o avião de espionagem EP-3E, em abril de 2001, é o maior exemplo do medo de Bush em relação ao poderio chinês. O avião estadunidense foi derrubado por caças-bombardeios chineses enquanto sobrevoava o espaço aéreo da China e seus 24 tripulantes foram presos. Normalmente, o evento seria suficiente para causar uma intervenção armada dos EUA. No caso, Bush reconheceu o erro e pediu desculpas ao então presidente chinês, Jiang Zemin, que autorizou a libertação dos prisioneiros.

Coréia do Norte ● Capital: Pionguiangue ● Área: 120.538 km2 ● População: 22,6 milhões ● Línguas: coreano ● Governo: partido único (Partido Trabalhalista da Coréia) ● Moeda: won norte-coreano ● Armas: 3500 tanques, 3 navios de combate, 621 aviões de combate, 12.000 peças de artilharia, 26 submarinos ● Armas de destruição em massa: 500 mísseis ● Exército: 1, 082 milhões e 4,7 milhões reservistas Fontes: The Military balance 2001-2002 e Institut international des études stratégiques, Londres, 2000.

Pequim barra pretensão de Washington O governo chinês tem sido o principal obstáculo dos Estados Unidos na sua pretensão de desenvolver seu controle econômico na Ásia, principalmente na região oriental do continente. A principal resistência da China é a não-aceitação da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (Apec), que permitiria facilidades para a entrada de produtos estadunidendes no país e a criação de um bloco que controlaria 40% do comércio mundial. As corporações dos Estados Unidos têm grandes interesses no mercado chinês de 1,3 bilhão de pessoas que, por enquanto, se abriu pouco para as grandes empresas estrangeiras. Ao mesmo tempo, segundo o professor estadunidense Selig S. Harrison, os governos russo e chinês estão financiando a reconstrução das ferrovias norte-coreanas e sua integração ao Transiberiano, rede de trens que atravessa a Rússia. Esse projeto, que pode estar concluído em quatro anos, permitirá uma ligação direta entre os países da Ásia Oriental e os da Europa, o que aumentaria as trocas comerciais entre os dois continentes.

A CRISE NA ÁSIA ORIENTAL R Ú S S I A

CORÉIA DO NORTE

JAPÃO

CORÉIA DO SUL

CHINA

OCEANO PACÍFICO

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

João Alexandre Peschanski e Tatiana Merlino, da Redação

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LIVRE COMÉRCIO

Nafta causa decomposição do México Cláudia Jardim, da Redação

México é um país em total decomposição, marcado para favorecer apenas um dos lados do tratado feito com os Estados Unidos e o Canadá. Ao aceitar o tratado, o México renunciou à sua própria governabilidade”. Essa é a avaliação de Ana Esther Cecenã, pesquisadora do Instituto de Investigações Econômicas da Universidade do México, que acompanha os resultados da Área de Livre Comércio da Amér ica do Norte – Nafta (na ATTAC – Ação pela Tributação das sigla em inglês), criTransações Financeiras ada em 1994, envolem Apoio aos Cidadãos, vendo Estados organização civil Unidos, Canadá e internacional criada em 1998, com a proposta México. de taxação das O que aconteceu transações financeiras no México reflete a internacionais (Taxa estratégia dos Estados Tobin) Unidos, projetada Consenso de em 1990, quando o Washington – país era presidido por Estabelece diretrizes George Bush, pai. liberais de política Trata-se da Iniciatieconômica, como abertura comercial e va para as Américas, financeira, que estará concluída flexibilização da se efetivada a criação legislação trabalhista da Área de Livreprivatização etc. Comércio das Américas – Alca. Teoricamente, o Nafta e a Alca são acordos multilaterais cujas normas devem garantir a livre circulação de bens, serviços e capital, exceto trabalho. Na prática, o seu significado é bem diferente, e trágico para as nações signatárias mais fracas. PAÍS-APÊNDICE Para Luiz Fernando Novoa Garzon, sociólogo e integrante da organização internacional ATTAC, a incorporação do México ao

Nafta significou a violação sistemática da nação mexicana para favorecer grupos das elites estadunidenses e mexicanas. “A missão do México passou a ser a de propiciar à economia dos Estados Unidos a redução de seus custos de produção e a valorização dos seus investimentos”, avalia. Controlado para atender aos interesses estadunidenses, o México se tornou um apêndice da economia dos Estados Uidos.“Só não podemos afirmar que se tornou mais um Estado dos Estados Unidos porque as empresas teriam de respeitar a sua legislação. Essas empresas fazem no México o que não poderiam fazer nos Estados Unidos”, avalia o economista da Unicamp, Fernado Sarti. Antes do Nafta, o país crescia, em média, 6,6% ao ano e, em 2002, a previsão era de um crescimento de apenas 1,2%. Entretanto, até 2001 o México era o país latinoamericano que mais atraía investimentos estrangeiros. Segundo analistas da financeira Global Invest e da agência de investimentos privados do Banco Mundial, o país atrai novos fluxos de capitais “por sua estrutura política confiável e pela estabilidade de sua moeda”. Sarti explica que essa confiança no México ocorreu exatamente pela submissão às regras do FMI. “Um país engessado economica-

mente, sem autonomia, traz tranqüilidade aos investidores porque é certo que não haverá mudanças”. SEM SOBERANIA De exportador de alimentos, principalmente milho e algodão,o México passou a ser um grande importador de produtos agrícolas, sobretudo procedentes dos Estados Unidos. Em 1992, importava cerca de790 milhões de dólares em alimentos, valores que, em 1999, pularam para 8 bilhões de dólares, 50% dos quais oriundos dos Estados Unidos. Segundo o economista Osvaldo Martinez, esse processo provocou o desemprego de cerca de 6 milhões de agricultores. A estatal do petróleo Pelmex, antes comprometida com o desenvolvimento industrial do país, depois de privatizada se tornou um complemento do mercado petrolífero dos Estados Unidos. Seu faturamento passou a se destinar apenas ao pagamento da dívida externa mexicana que, em 2000, somava 163,2 bilhões de dólares, o dobro da dívida existente antes do Nafta. “Para os Estados Unidos, o controle do petróleo dos países latino-americanos é estratégico para equilibrar suas forças no mercado mundial. Incorporar a produção mexicana significa igualar a produção do Oriente Médio”, analisa Ana Esther.

Joseph Bragotti/Comboni Press

AMÉRICA LATINA

Em 1994, o México aderiou à Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), com os Estados Unidos e o Canadá; oito anos depois, sua indústria foi sucateada, a miséria aumentou e o sistema financeiro é controlado por bancos estrangeiros

■ Antes do Nafta, o número de miseráveis entre os mexicanos era de 16%. Hoje corresponde a 58% da população

Custos unitários comparativos da mão-de-obra na indústria manufatureira (Dólares)

Um país cada vez mais pobre (% da população) Ano

1984

1989

1992

Pobreza Pobreza extrema

69.8 40.3

73.8 47.3

75.1 50.7

Fonte: Dados extraídos do capítulo Incidencia y intensidad de la pobreza en Mexico, Julio Boltvinik e Enrique Hernández Laos, Pobreza y distribución del ingreso en México, Siglo XXI eds., Mexico, pp. 191-243. Elaboração: Ana Esther Ceceña

Ano

México

Estados Unidos

Canadá

1993 1994 1995 *1996 1997 1998

100.0 93.8 56.2 52.3 57.4 56.3

100.0 99.7 97.1 95.4 93.4 92.5

100.0 91.8 92.6 96.0 92.4 89.1

* A partir desse anos, os índices são preliminares Fonte: INEGI. Encuesta Industrial Mensual.

Maquiadoras sucateiam indústria

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

entrada do México no Nafta acelerou dramaticamente o sucateamento de sua indústria, a exemplo da siderurgia e do setor de autopeças, e cerca de 83% do sistema financeiro do país estão sob o controle de bancos estrangeiros. Hoje, inevitavelmente, a dependência mexicana faz com que qualquer desaceleração na economia estadunidense reverbere na economia mexicana. Em 2001, por exemplo, o déficit na balança comercial do país chegou a 22%, pois 90% de suas exportações têm como destino os Estados Unidos e, dessas, 96% são provenientes das transnacionais estadunidenses instaladas no país, as maquiadoras.

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MAIS MISÉRIA As cidades de Tijuana, Mexicali, Matamoros e Ciudad Juarez, na fronteira Norte com os Estados Unidos, passaram a abrigar as indústrias maquiadoras. A estimativa é de que existam cerca de 4 mil empresas desse tipo que montam equipamentos mecânicos, produtos têxteis, brinquedos e produtos químicos. Para cada dólar exportado pelas maquiladoras para os EUA, apenas 2 centavos de dólar alimentam a economia do México. Antes do Nafta, o número de miseráveis entre os mexicanos era de 16%. Hoje, segundo dados oficiais, corresponde a 58% da população. As conseqüências deste modelo econômico se refletem na

precarização das condições de trabalho, nos baixos salários e na perda total dos direitos trabalhistas. Ana Esther Cecenã informa que 60% da mão-de-obra são mulheres, cujos salários são ainda menores.“Muitas são mães solteiras e, como são as chefes de família, submetem-se às condições precárias e aos baixos salários por representarem a única possibilidade de sobrevivência”, diz ela. Segundo pesquisa do Comitê de Apoyo Fronteirizo Obrero Regional (Cafor), 76% dos trabalhadores apresentam problemas pulmonares, e 62% desenvolvem alergias e doenças de pele em conseqüência do constante contato com produtos químicos. Em geral, esses trabalhadores vivem em “colônias”, sem qualquer infra-estrutura primária, como água encanada, rede de esgotos e eletricidade. COMO NÔMADES Para buscar alternativas de sobrevivência, famílias inteiras vivem como nômades nas regiões de fronteira com os Estados Unidos, à espera de uma chance para mudar de lado. No entanto, atravessar a fronteira freqüentemente significa arriscar a vida, pois a repressão para conter a entrada de imigrantes mexicanos aumentou violentamente. Muitos morrem ao tentar atravessar a fronteira. “Recursos como petróleo, ex-

tensões agrícolas com grande potencial produtivo, variado mosaico populacional e, sobretudo, a biodiversidade, são os componentes principais que fazem do México um território em disputa”, afirma Ana Esther. DOMÍNIO TOTAL A estratégia de extensão do Nafta, com a criação da Alca, é exatamente a de exploração total da biodiversidade e do mercado potencial dos países da região para tentar barrar o fortalecimento da União Européia e de sua moeda, o Euro, uma ameaça à hegemonia da moeda estadunidense. Com a implantação do bloco, incluindo os 33 paises das Américas, exceto Cuba, o PIB (Produto Interno Bruto) regional será da ordem de 10 trilhões de dólares, e sua população de 800 milhões de pessoas, tornando a Alca o maior bloco econômico do mundo, comandado pelos Estados Unidos, cujo PIB representa 80% da economia da região. Para se enquadrar nas regras do Consenso de Washington, é preciso amaciar as estruturas políticas dos países do continente e, para isso, é necessário aumentar ainda mais a exclusão social e acabar com as soberanias das nações, a exemplo do que ocorreu com o México. Para Luiz FernandoNovoa Garzon, “as antigas ditaduras latino-americanas parecem pueris perto desta nova ditadura das empresas trans nacionais”. (CJ)

O que é indústria maquiadora As maquiadoras, batizadas com esse nome nos anos 70, são indústrias de montagem de peças produzidas pelas fábricas estadunidenses. Para as corporações dos EUA, as maquiadoras oferecem vantagens significativas: mão-de-obra barata, vasto exército industrial de reserva, pouca ou nenhuma restrição de defesa do meio ambiente, organização sindical de trabalhadores frágil ou inexistente. Com o Nafta, as maquiadoras se multiplicaram no México. A quase totalidade de sua produção destina-se à exportação. Assim, as maquiadoras trabalham com peças e tecnologia que já recebem dos EUA, e vendem os seus produtos no mercado internacional. Não estabelecem relação real com a economia nacional, a não ser o emprego de mão-de-obra barata. Nos anos 1990 houve um crescimento do número total de empregados nas maquiadoras, mas os seus salários tendem a ficar congelados ou a serem reduzidos em termos reais. Com isso, a produção fica cada vez mais barata, permitindo à corporação exportar a preços mais competitivos.

Arrocho no México financia pesquisa nos EUA A poupança obtida com o arrocho salarial nas maquiladoras do México financia a pesquisa de renovação tecnológica dos EUA (Milhões de dólares) Anos Gastos com pequisa O arrocho %2 1 nos EUA nas maquiladoras 1980 44,200 1,180.26 2.67 1985 116,026 3,079.65 2.65 1989 143,603 7,120.64 4.96 1990 149,255 7,478.87 5.01 1991 154,348 7,704.27 4.99 1992 165,440 8,418.19 5.09 1993 165,624 9,126.41 5.51 1994 168,946 10,424.63 6.17 1995 183,496 12,568.62 6.85 1996 193,780 15,330.59 7.91 1997 206,466 17,247.17 8.35 1

Total do dinheiro poupado pelas empresas em relação ao salários praticados nos EUA. Percentual do dinheiro poupado graças ao arrocho sobre o total de investimentos em pesquisa nos EUA. Fontes: INEGI, Estadísticas de la industria maquiladora de exportación Elaboração: Ana Esther Ceceña 2


ARGENTINA

Sem alternativas, argentinos colocam dois peronistas no segundo turno

ANÁLISE

Câmara de gás ou cadeira elétrica? Julio Carreras, deBuenos Aires resultado das eleições foi algo muito triste. Um povo derrotado pela repressão dissimulada dos governantes e a insídia dos meios de manipulação acreditam terem escolhido o mal menor, mas apenas subscreveram sua própria ruína. A situação atual é muito semelhante àquela verificada durante a ditadura de Videla, Massera y Agosti. Na ocasião, enquanto 50 mil jovens argentinos eram torturados em campos de concentração ou nos cárceres, milhões celebrava, eufóricos, os gol da seleção. Os canais de televisão, as rádios, os diários difundiam e multiplicavam ao infinito a visão de uma Argentina “vencedora”. (os mesmos canais, as mesmas rádios, os mesmos diários, muitos dos mesmos jornalistas). Com atitude semelhante, grande parte do

povo argentino estava legitimando o governo dicatorial. Hoje, ao concentrar a opção entre Kirchner y Menem, é como se tivesse optado por escolher entre quem nos matará na cadeira elétrica ou na câmara de gás.Menem tem o objetivo impor um plano gressivo de maior penetração capitalista, que descartará brutalmente uma imensa camada dos mai débeis, os anciãos e as crianças. Lavagna, eventual futuro ministro de Kircher, assinou um acordo com o Fundo Monetario Internacional, estabelecendo os mesmos objetivos, ainda que em ritmo mais lento, e com medidas asistencialistas para disimular a sua execução. Esto são as opções para o segundo turno. Que isso fique claro, pois os eleitores também serão responsáveis pela violência que certamente surgirá, como conseqüência da política que aplicará qualquer dos grupos mafiosos eleito em 18 de maio.

DO LEVANTE À APATIA Entre os dias 19 e 20 de dezembro de 2001, a Argentina foi sacudida por um levante popular que obrigou o governo de De La Rúa a renunciar. Em seguida, num espaço de quinze dias, cinco presidentes passaram pelo poder.A crise nacional sem precedentes levou a constantes levantes regionais, greves, ocupações de empresas e assembléias populares. Os “piqueteros” (movimento de desempregados) transformaram-se em uma força poderosa, que freqüentemente organiza marchas e bloqueios. Nas semanas anteriores a 27 de abril, havia muita indecisão e apatia entre o eleitorado. Esperava-se a possibilidade de se repetir o maciço voto de protesto das eleições legislativas de 2001,

quando o voto nulo/branco (21%) foi o grande vencedor, havendo um crescimento das forças da esquerda revolucionária. No entanto, na última hora as pessoas saíram para votar, movidas em parte pela necessidade de praticar um voto “útil”, ou para barrar algum candidato não desejado. Menem e Kirchner, ainda que sejam líderes do mesmo partido, vão disputar a faixa presidencial apelando para bases eleitorais distintas e com exigências distintas. MENEM QUER A ALCA Em política externa, o primeiro gostaria de formar com o presidente colombiano Uribe um eixo pró Estados Unidos na região, pois voltou a apoiar apaixonadamente o ataque contra o Iraque, é bastante anti-Castro e tenderia a fortalecer a ALCA, contra aqueles que, como Lula, querem priorizar o Mercosul. Kirchner, pelo contrário, distanciou-se de Bush por

sua intervenção unilateral e sua hostilidade contra Cuba. Menem indica que vai reerguer a economia incentivando os grandes investimentos, enquanto que Kirchner diz ter maior preocupação com os setores social e produtivo. Se o segundo ganhar, é provável que o atual ministro da Fazenda, Roberto Lavagna, mantenha-se no cargo com sua política de querer substituir as importações, aumentar as exportações e manter o dólar alto. Menem, por sua vez, incentivaria o consumo, baixando os impostos para vendas e mantendo o dólar livre. Enquanto Menem buscará os votos dos seguidores do monetarista López, Kirchner tratará de captar os votos da social-democrata Carrió. Menem é o candidato com maior rejeição, e o único em quem a maioria dos entrevistados em pesquisas de intenção de votos alega que não votaria.

Natacha Pisarenko/AP/AE

o dia 18 de maio, 25 milhões de argentinos deverão votar entre dois candidatos do mesmo partido, o Justicialista (no poder): Carlos Menem (presidente da Argentina de 1989 a 1999) e Néstor Kirchner (ex-governador da Patagônia e apoiado pelo atual presidente, Eduardo Duhalde). No primeiro turno, dia 27 de abril, nenhum dos 18 candidatos atingiu nem mesmo um quarto dos votos. Esta é a quinta eleição presidencial na Argentina desde que os militares deixaram a Casa Rosada, há duas décadas. Mas este pleito tem sido muito diferente dos anteriores. Nas quatro últimas eleições presidenciais, o eleitorado se dividiu entre o Partido Justicialista e a União Cívica Radical (UCR). Os radicais ganharam duas vezes, primeiro com Alfonsín (1983)

Murphy ficou em terceiro lugar, com mais de 17%. Em quarto, ficou a centro-esquerdista católica Elisa Carrió.

e depois com De La Rúa (1999); e os peronistas também ganharam duas, elegendo Menem em 1989 e reelegendo-o em 1995. Em todas essas ocasiões, os ganhadores atingiram sempre cerca de metade dos votos. Em 2003, a UCR mantém-se pulverizada, e seu candidato oficial, Moreau, não chegou nem a 3% dos votos. O peronismo, ao contrário, apresentou três candidatos (Menem, Kirchner e Adolfo Rodríguez Saá), os quais obtiveram, respectivamente, cerca de 24%, 22% e 14%, somando um total de 60% dos votos. Pela primeira vez a Argentina vive uma espécie de quíntuplo empate, algo que foi inaugurado no cone Sul pela Bolívia. Além dos três candidatos justicialistas, outros dois dissidentes da Aliança Radical-Frepaso, que governou no período de 1999-2001, fizeram parte do quinteto final. O neoliberal Ricardo López

■ Acima: eleitores aguardam em fila para votarem nas presidenciais, em Buenos Aires, dia 27; ao lado: eleitora deposita seu voto em urna de escola na cidade de Rio Gallegos, a 2.800 km ao sul da capital

Maurício/AFP/AE

Isaac Bigio, de Buenos Aires

AMÉRICA LATINA

Argentinos conduzem Carlos Menem e Néstor Kirchner ao segundo turno, dia 18 de maio, refletindo o fato de que as revoltas de dezembro de 2001 não conseguiram criar lideranças alternativas; no Paraguai, venceu a máquina do Partido Colorado, há 56 anos no poder

PARAGUAI

partido colorado confirmou sua hegemonia política nas eleições paraguaias de 27 de abril. Nicanor Duarte foi eleito presidente com 37% dos votos, seguido por Juilio César Franco, o direitista do Partido Liberal Radical Autêntico (23%), por Pedro Fadul do partido religioso Pátria Querida (22%) e por Guillermo Sánchez, da União Nacional dos Cidadãos Éticos (Unace,do ex-general Lino Oviedo) com 13%. Os colorados estão há 56 anos no poder. O Partido Colorado foi o braço da ditadura de Stroessner (1954-

89) e teve a habilidade de seguir comandando o estado, mesmo depois da queda do tirano, um dos últimos ditadores americanos a cair. Sua base se sustenta na trilogia estado-exército-partido. A metade dos 2,4 milhões de eleitores estão inscritos no partido oficial, o mesmo que monopoliza postos públicos e uma série de regalias. O Paraguai é o único país americano que nunca teve saída para o mar, mas que tem uma língua indígena como oficial. O mais mediterrâneo país do hemisfério sul não possui nem as minas nem as indústrias de seus vizinhos. Não

tem a coca dos países andinos, mas possui o singular privilégio de ser considerado como a mais corrupta república ocidental. CONTRABANDO Um dos maiores negócios paraguaios consiste em revender automóveis roubados do Brasil. Um desses — um BMW — chegou a ser o carro presidencial do atual mandatário Luis González Macchi, acusado de desvio de verbas e que enfrentou processo de impeachment em fevereiro. Os colorados estão enfrentando uma série de mobilizações sindicais e

camponesas por terras. Há muitas denúncias de violação de direitos humanos e de corrupção. O exército não tem nenhum reparo a fazer na campanha oficial. O general Expedito Garrigoza, comandante das forças armadas paraguaias, apoiou abertamente o voto no candidato colorado. A produção nacional está há cinco anos em recessão e encontra-se em queda, com um decrescimento anual de -2,5%. O continuísmo colorado se mantem porque as explosões sociais têm sido contidas e pelo próprio caráter da oposição e do par-

tido oficial. O esquerdista Partido Livre não chegou nem a 1% dos votos na eleição presidencial. Os sindicatos fazem campanha contra os grandes candidatos, mas não estão podendo apresentar uma alternativa eleitoral massiva. A maior cisão que entre os colorados ocorreu com os partidários de Lino Oviedo, militar que comandou o fracassado golpe de 1996. Oviedo conseguiu eleger seu aliado Raul Cubas, nas eleições de 1997, mas foi obrigado a deixar o país acusado de cumplicidade no assassinato do seu vice-presidente. (IB)

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

Colorados se mantêm no poder

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ÁFRICA AFRICA

Democracia sul-africana faz 9 anos AP

INTERNACIONAL

A África do Sul liberta do segregacionismo branco faz aniversário pagando as primeiras indenizações a vítimas do apartheid ; a recente condenação da ex-ativista política Winnie Mandela por crime comum demonstra que o país segue no rumo das reparações, custe a quem custar

Marilene Felinto, da Redação az nove anos no dia 10 de maio que o primeiro presidente negro tomou posse na África do Sul – Nelson Mandela, em 1994 –, pondo fim a quase meio século do que se convencionou chamar de apartheid, política de segregação racial praticada pela classe dominante branca contra negros e outras etnias não brancas. Uma semana antes do dia 27 de Apartheid – abril último, quanRegime racista imposto aos negros do os sul-africanos pela minoria branca comemoraram o da África do Sul por seu Dia da Liberdaquase 50 anos de, data nacional que marca as primeiras eleições democráticas de 1994, dois fatos políticos deram mostras do vigor da jovem democracia do país: o anúncio do primeiro pagamento de indenizações a vítimas do apartheid e o julgamento e a condenação de Winnie Mandela, ex-mulher de Nelson Mandela, ativista política ligada ao Congresso Nacional Africano

■ Winnie, ex-senhora Mandela (com faixa na cabeça), cercada por seus guarda-costas, acena para simpatizantes (CNA, partido no poder), e um dos símbolos da luta pela extinção do regime segregacionista. Considerada hoje uma populista excêntrica e autodestrutiva, Winnie Madikizela-Mandela, 68, foi condenada a cinco anos de

prisão no dia 24 de abril, por 43 crimes de fraude e 25 de roubo. Vai cumprir oito meses em regime fechado e o restante em prestação de serviços à comunidade. As acusações de fraude se devem a empréstimos obtidos do banco

Colonização racista foi de holandeses e ingleses O território que hoje constitui a África do Sul foi ponto de parada, primeiramente, dos navegadores portugueses que chegaram ao cabo da Boa Esperança em 1487, rumo às Índias orientais. Um século depois, ingleses e holandeses começaram a usar essa rota no comércio com a Ásia. A primeira expedição colonizadora holandesa aportou em 1652 na hoje Cidade do Cabo (Cape Town, no extremo sul), onde fundou um forte. Agricultores holandeses começaram a radicar-se na região, seguidos depois de franceses e alemães. Em 1770, os brancos, em sua expansão para o leste, chocaram-se pela primeira vez com os povos

negros bantos (bosquímanos, khois, chosas e zulus, entre outros) que habitavam o território. Já nessa época, os colonos holandeses (chamados boêres ou africânderes) passaram a escravizar os negros e a desenvolver um idioma próprio, o africâner. Em 1806, em luta contra boêres e negros, os ingleses tomaram a Cidade do Cabo, que se incorporou ao império britânico em 1814. As autoridades coloniais atraíram cidadãos ingleses para lá e tentaram britanizar os boêres. Com a abolição da escravatura, seis mil boêres do Cabo embarcaram em suas carroças e empreenderam a “Longa Marcha” (ou Longa Jornada, em 1836) para o nordeste com suas famílias e seus escravos negros, onde fundaram as

repúblicas independentes do Transvaal e Estado Livre de Orange. A entrada dos ingleses noTransvaal, em busca do ouro que tinha sido descoberto ali, resultou na Guerra dos Boêres, que terminou com a vitória britânica. A partir de 1911, a minoria branca de africânderes e descendentes de britânicos promulgou uma série de leis que consolidava seu poder sobre a população branca. É o começo do que se conhecer ia depois por apartheid, política de segregação racial que seria oficializada em 1948 com a chegada ao poder do Partido Nacional, branco, que dominaria a política sulafricana por mais de 40 anos.

Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR), organismo criado em 1995 com três objetivos: ouvir todos aqueles que supostamente cometeram violação dos direitos humanos durante o apartheid, tanto nas mãos do governo quanto nas mãos dos libertadores; receber requerimentos dos que cometeram violações e pleiteiam anistia por suas confissões; oferecer recuperação adequada às vítimas do regime. No dia 15 de abril último, o presidente sul-africano Thabo Mbeki anunciou o primeiro pagamento de indenizações a 22 mil vítimas identificadas pela CVR. Cada uma delas receberá 30 mil rands em dinheiro (cerca de 3,9 mil dólares ou 12 mil reais), quantia considerada “ultrajante” por muitos, porque longe do valor inicialmente recomendado pela comissão em março: cerca de quatro vezes maior. Os partidos políticos foram unânimes, porém, em considerar como um passo positivo a decisão do governo de realizar esses “pagamentos de urgência”. Embora Mbeki venha afirmando que não haverá anistia para quem não depôs à Comissão da Verdade e Reconciliação, o processo de reparação tem gerado protestos junto à opinião pública por excluir de taxações e impostos indústrias e grandes conglomerados comerciais que se beneficiaram do “apartheid”.

Saambou por funcionários fantasmas da Liga das Mulheres do CNA (de que Winnie era presidente), com timbre e assinatura supostamente legítima da exativista anti apartheid. O dinheiro seria então desviado para pagamento de um de seus funcionários e para o financiamento de negócios suspeitos de uma funerária.Winnie, que também era deputada pelo CNA, alegou inocência e disse que assinou sem ler os documentos de empréstimos fraudados, mas renunciou a todos os seus cargos políticos após o veredicto. Não é a primeira vez que Winnie Mandela está no centro de julgamentos criminais. Ela começou a cair em desgraça nos anos 80, sob a mesma acusação de abuso de poder que lhe imputou na semana passada o tribunal de Pretória. Foi condenada por vário crimes mas recorreu e livrou-se da pena. No entanto, passou de “Mãe da Nação” (apelido carinhoso por sua atuação junto aos pobres) a traidora do nome e da herança política de seu ex-marido, Nelson Mandela, o mais importante líder da resistência contra o apartheid, confinado a uma prisão por quase trinta anos. JUSTIÇA E REPARAÇÃO Desta vez, apesar do apelo que ainda encontra entre a população pobre e jovem, de quem costuma freqüentar casamentos e funerais, a ex-senhora Mandela não escapou do que comentaristas políticos internos estão chamando de a maturidade democrática da África do Sul. Sua condenação é tida como exemplo de que a opinião pública, o governo do CNA e o própr io ex-presidente Nelson Mandela colocam os interesses da reconstrução do país acima dos interesses da “lealdade cega” dos líderes do antigo movimento de libertação nacional. Winnie Mandela depôs à

África do Sul ● ●

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Localização: África austral (do sul) Principais cidades: Pretória (capital administrativa), Cidade do Cabo (capital legislativa), Bloemfontein (capital judiciária); Johannesburgo, Durban, Port Elizabeth Línguas: inglês, africâner, xhosa, zulu, sotho, entre outras oficiais Divisão política: nove Províncias Regime político: república presidencialista Moeda: rand Religiões: cristã, hindu e islâmica BOTSUANA

Falando a língua do opressor

MOÇ.

BOTSUANA TRANSVAAL-NORTE NAMÍBIA

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partheid significa “separatismo” no idioma africâner. Uma parcela da população da África do Sul fala africâner, especialmente os bôeres, descendentes dos colonizadores holandeses. O apartheid foi uma política de segregação racial que vigorou na África do Sul desde os anos 40 até 1991. A palavra foi usada politicamente pela primeira vez em 1943, mas o conceito remonta à rígida segregação praticada pelos colonizadores desde o século 17. Consistia numa legislação pela qual a classe dominante, uma minoria de brancos, passou a exercer completo domínio sobre o Estado e a sociedade, só concedendo acesso à cidadania aos outros brancos, asiáticos (3%) e mestiços (9%), os dois últimos grupos em termos praticamente inexpressivos. Pelo apartheid, que visava o desenvolvimento político “em separado”, os negros (70% da população) não tinham direitos civis e políticos de nenhuma espécie. Não podiam votar nem eleger seus representantes. Também lhes era negado: o direito à propriedade urbana, a casamento ou mesmo relação sexual com parceiro branco; a circular fora dos

territórios delimitados (os chamados “bantustões”, referências aos povos negros de língua banto) para sua ocupação pelo governo, a não ser que tivessem passes especiais; a exercer ofícios, cargos ou profissões que não fossem os consentidos pelas autoridades. Condenadas pela ONU e abaladas por violentos conflitos internos do movimento pela libertação e por fortes pressões internacionais, as “leis do apartheid” começaram a ruir a partir de 1985. O movimento pela libertação teve figuras de destaque como Nelson Mandela, Steven Biko, Oliver Tambo e Desmond Tutu, todos ativistas políticos negros. Criouse uma Câmara Parlamentar Subordinada para os indianos e os povos de cor (mestiços), o relaxamento das leis para esporte e lazer, a abolição das leis de posse. Em julho de 1991, o governo branco do presidente Frederic de Klerk revogou a legislação do apartheid, inclusive o Ato de Registro da População – registro nacional em que a raça de cada pessoa era anotada e submetida, em caso de controvérsia, à aprovação final de um Comitê de Classificação Racial. Em 1994, o apartheid foi totalmente revogado e, nas eleições gerais, foi eleito presidente o lí-

der anti apartheid da maioria negra, Nelson Mandela.

TRANSVAALLESTE SUAZ.

ESTADO LIVRE DE ORANGE

■ Placa anuncia segregação na cidade de Durban, centro-leste do país, em foto de 1976, onde se lê: praia “reservada unicamente para o uso de membros do grupo da raça branca”

Arquivo Nigrizia

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

Pretória Johanesburgo

Bloemfontein

OCEANO ATLÂNTICO

Cabo da Boa Esperança

Á F R I C A

Cidade do Cabo

D O

LESOTO

S U L

Port Elizabeth

Durban

OCEANO ÍNDICO


LUTAS SOCIAIS

AMBIENTE

No Nordeste e no Sudeste, comunidades litorâneas denunciam a pesca predatória do camarão; em Brasília, 150 lideranças de 54 nações indígenas realizam encontro para avaliar governo Lula e cobrar demarcação de suas terras

Arquivo Instituto Terramar

Indústria do camarão promove degradação ambiental no Nordeste Janaína de Paula, de Fortaleza (CE) Nordeste ocupa o primeiro lugar na produção de camarão marinho cultivado no Brasil (97% da produção total de 2002). Mas, por trás do resultado glorioso – alardeado como solução para o déficit da balança comercial de pescado - estão enormes passivos ambientais, dívidas sociais e ecológicas.A instalação de fazendas de camarões em Área de Preservação Permanente, a privatização de gamboas (canais de maré na foz do rio), desmatamentos de manguezais e carnaubais causam fortes impactos na população local. O manguezal, principal ecossistema afetado, é responsável por diversos serviços ambientais, como contenção do avanço da linha de costa, filtro natural, berçário de peixes,crustáceos e moluscos que sustentam milhares de pescadores e marisqueiras. Em Acaraú (232 quilômetros de Fortaleza), a comunidade do Curral Velho, que ainda

■ Instalação de fazendas de camarões e destruição de manguezais causam impactos no litoral cearense resiste ao avanço da carcinicultura no município, apresentou à Procuradoria da República uma denúncia de devastação causada pela instalação desordenada das fazendas, que já expulsou boa parte das famílias que viviam basicamente da pesca e do artesanato.

A falácia em torno da “geração de emprego” é facilmente desmascarada se levarmos em conta que o cultivo de camarão oferece poucas oportunidades de emprego para as populações costeiras e rurais e, quando existem, são trabalhos temporários e mal

remunerados. A questão da água é um drama a mais. Falta água para consumo da comunidade onde se situam os empreendimentos, uma vez que os viveiros necessitam de uma grande quantidade.Além disso, a água utilizada é devolvida com substâncias poluentes.

“O que assusta é que, a despeito dos esforços muito bem articulados na tentativa de adotar um discurso ‘ecológico’ e ‘sustentável’, a tradição da carcinicultura é da insustentabilidade e da migração dessa atividade para novas fronteiras”, observa Soraya Tupinambá, assessora do Programa de Gestão Costeira do Instituto Terramar (Ceará). Esse quadro motivou a criação de um Grupo de Trabalho na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados com a finalidade de analisar os impactos ambientais da carcinicultura na zona costeira das regiões Norte e Nordeste. O Deputado Federal João Alfredo (PT/ CE), autor do requerimento, justifica a iniciativa: “Não raro o interesse de alguns poucos grupos privados tenta se sobrepor ao usufruto coletivo, por vezes com a conivência dos próprios órgãos que deveriam proteger e fiscalizar a preservação ambiental”.

Vladimir Braga, de São Paulo, (SP) sobrevivência dos pescadores artesanais do Sudeste do Brasil passa por várias dificuldades.A mais recente foi o veto total, por parte do governo federal, ao projeto de lei aprovado na Câmara e no Senado,em dezembro de 2002, que propõe o pagamento de seguro-desemprego aos pescadores profissionais durante a época do defeso. Agora, para receber o seguro, os pescadores precisam estar cadastrados na Capitania dos Portos há, no mínimo, três anos. De acordo com as informações divulgadas em fevereiro, um dos argumentos do governo é o impacto fiscal causado pelo Defeso – período projeto, “pois em que os pescadores não há, hoje, suspendem suas atividades para que os previsão orçapeixes possam se mentária para reproduzir fazer frente à mudança em análise.” Em suma, o projeto deve ser reformulado totalmente. O projeto é de autoria do de-

putado federal José Pimentel (PTCE) e concede o pagamento de um salário mínimo (R$ 240) ao pescador, durante o defeso. No veto, o governo declara que,“para sanar as imperfeições apontadas, será composta uma comissão para apresentar um novo projeto de lei a ser enviado ao Congresso Nacional”. Em Armação do Perequê, no município de Guarujá, a 90 km da capital do Estado, vivem cerca de 150 pescadores que sobrevivem da pesca de camarão (setebarbas e rosa). Os trabalhadores dessa região refutam primeiro a forma como foi apresentada a questão do defeso. PESCADORES, UNI-VOS Cícero Simões da Costa, o Marciano, trabalha há dez anos na pesca e diz que a época em que foi determinada o defeso (de março a junho) está “equivocada”. “É a época em que, ao contrário, os camarões estão maiores e não quando eles se reproduzem”, explica. Baseado em sua experiência de mar, Marciano acredita que o defeso deveria começar em junho.

Sempre faltou organização por parte dos pescadores do Perequê. Apenas recentemente, há pouco mais de seis meses, foi criada a Sociedade Amigos de Bairro do Perequê, primeiro passo no intuito de unir os pescadores e solucionar dificuldades antigas. A organização da associação está a cargo de Irismar Ramos Pedrosa Cardoso. É ela quem entra em contato com a Capitania dos Portos, cuida dos documentos dos pescadores para a aposentadoria, prepara as festas para arrecadar fundos, enfim, tenta unir os pescadores locais. “Nossa situação antes da associação era muito mais difícil. Tivemos de construir a sede com nosso próprio suor, mas está valendo a pena”, conta Irismar, que recebe ajuda, também, da amiga Célia Santos Silva, voluntária como secretária da associação nos períodos de folga. O químico Waldir Palmeira da Silva trabalhou quase dez anos para o sindicato da categoria. Morava em Santo André (região do Grande ABC), foi filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), mas, sempre

Gilberto Travesso

Pescadores lutam pela sobrevivência ■ Pescadores de Armação do Perequê, litoral paulista, reclamam da forma como o governo federal decidiu o período do defeso do camarão

que podia, ia pescar no Perequê. Depois de tanto fazer o caminho entre as duas cidades, confessou aos amigos: “Quando me aposentar, venho para cá (Perequê) consertar os barcos de vocês.” Os amigos esperaram e Waldir cumpriu a promessa: deixou Santo André e hoje tem uma loja em frente da praia, onde recebe os amigos para algum reparo de emergência.

Também realiza serviços mais especializados, como usinagem náutica. Mas, nos últimos tempos, uma de suas principais atividades tem sido o que ele chama de assessoria de comunicação: “Estou tentando unir todas as associações de pescadores do Litoral Sul e Sudeste do país para que possamos pensar juntos as soluções para a pesca artesanal.”

Da Redação ia 23, em Brasília, foi entregue ao presidente Lula e às presidências do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados o documento final do Encontro Nacional dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, realizado de 27 a 30 em Luiziânia (GO). O texto apresenta as reivindicações de 54 povos indígenas ao governo. Entre os 150 participantes, o cacique Nailton Pataxó Hã-Hã-Hãe (Sul da Bahia) comentou: “Sei que ainda não deu para ele (Lula) to-

mar conhecimento de toda a situação; então, depois de colocarmos as coisas no papel, iremos esperar que a situação mude. Se ela não mudar, a cobrança será maior”. O cacique Marcos Xukuru (agreste de Pernambuco), que sofreu atentado em fevereiro, foi mais cético: “Por enquanto, não vejo muito empenho do governo para solucionar os problemas dos indígenas. Pois o que foi prometido durante a campanha não foi cumprido, as violências e os assassinatos estão sem solução e as terras que estão na mesa dele (Lula) para serem homologadas não recebem sua assinatura”.

O documento apresenta, entre outras, as seguintes reivindicações: “A criação da Comissão de Política Indigenista para formular a política do Estado Brasileiro baseada em um amplo processo de participação indígena, de caráter temporário, até a criação do Ministério Indígena. A imediata homologação de todas as terras que aguardam o decreto homologatório do presidente da República. A punição dos assassinos de nossas lideranças Aldo da Silva Mota – Macuxi (RR); Leopoldo Crespo – Kaingang (RS); Marcos Veron – GuaraniKaiowá (MS); Adenilson Barbosa Xucuru (PE); Joseilton José

Atikum (PE); João Batista Truká (PE); Roberto Batista Truká (PE); Cacique Joaquim Xavante (MT) e Raimundo Silvino Shawanawá (AC) e uma ação prioritária para a solução dos problemas que afetam os povos Xuxuru de Ororubá (PE), Tuxá (BA), Pataxó Hã-HãHãe (BA), Pataxó (BA), Cinta Larga (RO), e os povos da terra indígena Raposa Serra Sol (RR).” As lideranças indígenas reivindicam ainda: a retirada imediata dos invasores da Terra Indígena UruEu-Wau-Wau e Karipuna, em Rondônia, e Guajajara, no Maranhão. A agilização de Grupos de Trabalho para identificação e delimitação das terras indígenas.“Que

medidas urgentes sejam tomadas para embargar todas as hidrelétricas que atingem a terra indígena Rio Branco no município de Alta Floresta (RO), pois ameaçam a sobrevivência física e cultural dos indígenas atingidos, a exemplo do que aconteceu com os Tuxá, na Bahia. A revogação do Decreto nº 1775/ 96, que restringe nossos direitos sobre a terra, e do decreto nº 4.412/ 02,flagrantemente inconstitucional, que dispõe sobre o trânsito dos militares e da Polícia Federal nas terras indígenas.A aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas pelo Congresso Nacional.”

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Povos indígenas pedem definição de Lula

Colaborou Cristiano Navarro, de Brasília (DF)

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DEBATE

Luizinho: polêmica sobre inativos está concentrada em alguns setores do Legislativo, Judiciário e em pequena parcela do Executivo; Ivan Valente: se não mudarmos a política econômica, logo teremos uma nova “reforma” para retirar mais direitos dos trabalhadores

Por uma previdência universal Professor Luizinho Partido dos Trabalhadores sempre defendeu a criação do sistema previdenciário básico universal, público, compulsório para todos os trabalhadores brasileiros, dos setores público e privado, com benefícios claramente estipulados, bem como o valor do piso e do teto de benefícios da aposentadoria definidos. A proposta de reforma do governo Lula objetiva a criação de uma Previdência única e universal, com piso de R$ 240,00 e teto de R$ 2.400,00. De imediato, essa simples mudança significa a elevação do teto dos aposentados da iniciativa privada, que hoje é de

R$ 1.561,l2. Além disso, iguala o teto a ser recebido, tanto para os servidores públicos quanto para os trabalhadores da iniciativa privada. Os novos servidores poderão optar, ainda, pelo sistema complementar de Previdência. O projeto de lei da reforma da Previdência Social traz em seu bojo estas inovações. Além disso, vai corrigir as distorções do sistema vigente, que não garante aposentadoria digna para a maior parte dos beneficiários, prejudica todos os contribuintes e privilegia uma pequena parcela de aposentados oriundos de grupos do funcionalismo público. Tanto no regime geral da Previdência, do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) do setor privado, quanto no regime de Previdência do setor público fe-

deral há déficits fantásticos. O INSS, que é do setor privado, arrecada R$ 71 bilhões e gasta R$ 88 bilhões com seus segurados. Resultado: um rombo anual de R$ 17 bilhões. São 21 milhões de aposentados e, desse total, 13 milhões recebem um salário mínimo, e a média dos benefícios é de R$ 389,14. Na previdência pública a situação é muito pior. São arrecadados, anualmente, R$ 21,8 bilhões e gastos R$ 61 bilhões, dando um prejuízo aos cofres públicos de R$39,2 bilhões para atender 952 mil aposentados. Um agravante a questão do déficit é que no serviço público existem várias “classes” de aposentados, cada uma com uma média de aposentadoria diferente. Para se ter uma idéia da desigualdade, o servidor federal civil do Executivo recebe R$ 2.282,00; o militar R$ 4.275,00; do Legislativo R$ 7.900,00; do Judiciário R$ 8.027,00 e do Ministério Público da União R$ 12.571,00. Vale ressaltar ainda que 85% das aposentadorias do setor público não chega a R$ 2.000,00. Por outro lado, há aposentadorias superiores a R$ 50 mil, comprovando os privilégios existentes. Elas consomem a maior parte dos desembolsos feitos pelo governo. Contribuição dos inativos A questão mais polêmica no debate sobre a reforma da Previdência é a contrariedade

à contribuição dos inativos. O percentual de 11% estabelecido pelo governo federal incidirá sobre o montante do benefício que ultrapassar a R$1.058,00. A discordância quanto a esse ponto, divulgada pela mídia como sendo geral no funcionalismo, não é verdadeira: está concentrada em alguns setores do Legislativo, do Judiciário e numa pequena parcela do Executivo. A aposentadoria é uma contribuição solidária prevista para garantir o futuro, mas que tem que ser feita no presente. Por isso, não podemos permitir a continuidade das injustiças atuais dos sistemas privado e público. As mudanças são para a implantação de um sistema único de Previdência, justo e sustentável economicamente, capaz de incluir no futuro cerca de 40 milhões de brasileiros que hoje estão na informalidade, sem qualquer proteção. Ela poderá criar condições, também, de beneficiar as pessoas maiores de 70 anos sem condição de comprovar o tempo de contribuição, que passariam a receber um salário mínimo. São aproximadamente 12 milhões de cidadãos nesta situação. É por tudo isso que vamos aprovar a reforma da Previdência na Câmara Federal, até agosto, e no Senado, até setembro. E porque o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tem autoridade e força política para fazê-lo. O deputado federal Professor Luizinho (PTSP) é o vice-líder do governo na Câmara

Proteção social vs. ajuste fiscal

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

Ivan Valente

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ualquer um que analise a situação previdenciária brasileira pode deduzir que é necessária uma reforma da Previdência. Resgatando o conceito de reforma, para a esquerda ela só deve merecer esse nome se tiver a marca da inclusão social, incorporando 40 milhões de trabalhadores que estão fora do sistema, alargando direitos e melhorando as condições atuais, corrigindo distorções, combatendo alguns privilégios e fazendo ajustes atuariais necessários, por meio de um consenso na sociedade. Acontece que a lógica da proteção social que deve marcar uma verdadeira reforma da Previdência foi substituída pela lógica do ajuste fiscal. A pressão pela reforma e a pressa em aprová-la vem no bojo de um conjunto de medidas e propostas (aumento de juros e do superávit primário, autonomia do BC, privatização de bancos estaduais) que visam cumprir exigências do Fundo Monetário Internacional e ir mais além, criando credibilidade junto ao capital financeiro nacional e internacional e confiabilidade de que o pagamento da dívida pública será feito com fluxos constantes, sem riscos e sobressaltos. A propósito, a reforma da Previdência

vem acompanhada de uma reforma tributária “neutra”, que estabiliza a arrecadação sem atacar a questão da progressividade dos impostos (quem tem mais paga mais) ou taxar o capital financeiro, o grande beneficiário do modelo neoliberal. Assim, sem realizar uma auditoria profunda nas contas da Previdência, na ausência do debate sobre o financiamento da Seguridade Social, sem esclarecer à sociedade que existe uma dívida ativa de empresas, prefeituras e até estatais da ordem de R$ 150 bilhões com o INSS (mais de mil empresas devem de R$ 15 a R$ 500 milhões cada e estão aí batendo bumbo pela reforma); sem esclarecer que o Estado não faz a sua contrapartida na Previdência do setor público, como o patronato faz na iniciativa privada (2x1), confundindo o necessário combate a supersalários de setores minoritários do funcionalismo e distorções no tempo de permanência no serviço, com desvalorização dos serviços públicos e desarticulação do Estado; sem discutir a sério o papel do Estado como provedor de serviços públicos essenciais com qualidade social e garantidor de direitos universais, cujo sucateamento degrada ainda mais as condições de vida dos excluídos; enfim, com

tudo isso fica fácil atacar os “privilégios” do setor público. Dentro da lógica fiscalista, com apoio ostensivo da mídia encantada com o pensamento único e de campanhas publicitárias que por simplificadoras acabam manipulando a opinião pública, partiu-se para o “terrorismo” de que o déficit do setor público inviabiliza qualquer sistema previdenciário. A conseqüência de todo esse processo é a satanização do funcionalismo – bode expiatório do ajuste fiscal – como nos tempos de Collor e FHC. Desse ponto de vista, medidas positivas como o estabelecimento de um teto contra privilégios e aumento do tempo de permanência no setor público e no cargo para a aposentadoria ficam esmaecidas pelo verdadeiro viés fiscalista da reforma, que se manifesta com a cobrança dos inativos com salários acima de R$ 1058,00, aumento da idade mínima, que deve elevar em 7 anos o tempo para aposentadoria, com regras draconianas para quem se aposenta antes (5% ao ano de perda), redução das pensões para até 70% dos valores atuais e criação de previdência complementar a partir de R$ 2.400,00, o que deixa o mercado financeiro eufórico, já que não há garantia de que a previdência complementar será pública.

No mesmo momento em que se anuncia que a reforma pode economizar R$ 56 bilhões até o ano de 2032 e o presidente do PT declara que “sobrarão mais recursos, assim, para investir em áreas sociais e na retomada do desenvolvimento e da geração de empregos”, o governo anuncia que o superávit primário de janeiro a março deste ano foi de R$ 22,835 bilhões, superando em R$ 7,435 bilhões a meta acertada com o FMI. Tudo para pagar juro e amortizações de uma dívida pública que é um verdadeiro saco sem fundo. Fica claro assim, que esta “reforma” não tem caráter inclusivo. É mais provável que se não mudarmos a política econômica, daqui a pouco tempo teremos uma nova “reforma” para retirar mais direitos dos trabalhadores e fazer novo aperto fiscal. Por isso, é imprescindível resistir à lógica fiscalista — que leva a briga de pobres contra remediados em vez de combater o verdadeiro beneficiário do sistema, os bancos. Só para podermos falar numa verdadeira proteção previdenciária como direito dos cidadãos. Ivan Valente é deputado federal (PT-SP) e membro da Comissão Especial da Reforma da Previdência


EDUCAÇÃO

CULTURA

Em todo o país, cerca de 500 cursinhos populares preparatórios ao exame vestibular, muitos deles gratuitos, ajudam os alunos pobres a conseguir vaga no ensino superior; no Rio de Janeiro, o índice de aprovação atinge 25%

Letícia Baeta, de São Paulo (SP) o final deste ano, quase 2 mil alunos se formam nas escolas públicas da cidade de Jandira (SP). Historicamente, apenas 5% desses estudantes conseguem se tornar universitários. Porém, no vestibular para 2004, esse percentual deve aumentar. Em novembro do ano passado, foi aprovada por unanimidade, na Câmara Municipal, a Lei nº1.367, que obriga a prefeitura a oferecer ensino fundamental, médio e cursinho prévestibular gratuitos para a população. A partir de então, foi criaMSU - Movimento do o Cursinho cultural, social e popular que luta por Popular de Januma universidade do dira, resultado povo, pelo fim do de uma parcevestibular, pela ria entre a predemocratização do ensino público feitura, o Mosuperior vimento dos Sem Universidade (MSU), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Univesidade do Estado de São Paulo (USP),entre outras instituições.O cursinho popular se propõe a reforçar a formação básica de quem quer fazer o processo seletivo para o ensino superior ou para outros concursos públicos. O jovem operário Davi Peixoto de Souza sai de casa às 4h30, começa a trabalhar quando o sol levanta e termina a jornada doze horas depois. Às 19h15 ele entra no cursinho. Sua meta: passar na prova para ser policial. Sem dinheiro para pagar aulas particulares, ele comemora: “Estou sempre atrás desses cursos grátis”. Assim como Peixoto, 1.100 alunos do cursinho se distribuem

por 15 salas apertadas da Escola Municipal Moisés CândidoVieira, na periferia da cidade. Outros 400 aguardam na lista de espera. Os 25 professores são estudantes da USP, contratados pela prefeitura. Um dos criadores e coordenadores do projeto, Sérgio José Custódio, diz que Jandira é a primeira prefeitura a ter coragem de assumir que o ensino público é insuficiente para incluir seus alunos nas universidades estaduais e federais. “Melhor seria investir na universidade e no ensino médio, mas, enquanto isso não é feito, nós precisamos do cursinho”, completa. Existem outras iniciativas públicas como essa, mas na forma de parcerias, não de lei. O governo federal, por exemplo, desenvolve o programa Diversidade na Universidade que, entre outros trabalhos, financia seis cursinhos institucionais para negros e índios. Mesmo assim, essas parcerias são insuficientes, acredita Renato Rodrigues, coordenador do cursinho da

Victor Bustamante/Assess. de Imprensa da Pref. de Jandira

Cursinho popular aumenta chances para a universidade

■ Cursinho de Jandira (SP): lei aprovada pela câmara municipal, em novembro, obriga a prefeitura a oferecer pré-vestibular gratuito Poli, um dos mais antigos cursinhos populares de São Paulo, fundado em 1987. Rodrigues afirma que o movimento estudantil e o movimento negro são os maiores responsáveis por espalhar esses cursinhos por todo o Brasil. Segundo ele,“as instituições tomaram o papel de amenizar o desfalque educacional no Brasil”. O cursinho da Poli colocou, no último vestibular, cerca de

1.500 jovens em universidades públicas. Com boa infra-estrutura e professores de qualidade, cobra uma mensalidade de R$ 167,00 — enquanto os cursinhos particulares custam, no mínimo, cerca de R$ 300,00 reais. Dos 14 mil contribuintes do ano passado, 3.800 receberam bolsa integral. Este ano, as turmas ainda não estão completas, mas16 militantes

Negros e carentes têm mais opções no Rio Angélica Basthi,do Rio de Janeiro (RJ) os cerca de 500 cursos de pré-vestibular populares espalhados pelo país, o Rio de Janeiro tem 150, seguido de São Paulo (100) e Belo Horizonte (cerca de 30). A estimativa é de Alexandre do Nascimento, secretário geral do curso de Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), da Baixada Fluminense, o segundo maior do Rio, com

cerca de 40 núcleos espalhados pelo Estado. O maior deles é da ONG Educação e Cidadania para Neg ros e Afrodescendentes (Educafro), liderado pelo frei Davi (cerca de 70 núcleos). Embora o tempo médio para aprovação na universidade pública seja de dois anos, os cursos de pré-vestibular populares têm alcançado relativo êxito. Segundo Nascimento, a aprovação de alunos oriundos desses cursos atinge a média anual de 25%.

Boa parte desses ex-alunos estão hoje nas universidades públicas. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro concentra 60% desse contigente, seguida pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (20%) e pela Universidade Federal Fluminense (15%). Entre os alunos bolsistas, cerca de 500 são estudantes de universidades particulares. Só em 2003, o PVNC aprovou 24 novos alunos em convênio com a PUC do Rio.

do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) já são bolsistas, junto com 40 índios e 30 garotos da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap), que vivem em regime semi-aberto.

Bons resultados no Espírito Santo Erick Alessandro Fernandes, do Espírito Santo (ES) xistem dezenas de cursos pré-vestibulares alternativos na região da Grande Vitória, a maior parte ligada a igrejas e a associações de moradores. Um desses pré-vestibulares é o projeto Universidade Para Todos, criado há sete anos por ex-alunos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com 1.200 alunos em cinco municípios do Estado, e que tem aprovado um número muito grande de alunos na Ufes. Segundo um dos coordenadores do projeto, JoséVasconcelos,existe um intercâmbio entre o Universidade para Todos e os outros cursinhos comunitários, prevendo o intercâmbio do material para a confecção das apostilas e a disponibilidade dos professores para a realização de palestras. O pré-vestibular Atitude, da paróquia da Ressurreição do bairro Goiabeiras, em Vitória, é um dos que participam desse convênio. De acordo com um dos seus coordenadores, Luciano Dantas Leite, 120 alunos, na maioria mulheres, trabalham durante o dia e fazem o cursinho à noite.

AGENDA

CULTURA SP - KAOS NA CÂMARA ● dia 8, a partir das 19h Salão Nobre da Câmara Municipal Dentro do projeto Cultura na Câmara, desenvolvido pelo vereador Carlos Giannazi, haverá uma apresentação do músico Jorge Mautner. Também estarão presentes o artista plástico José Roberto Aguilar, o crítico Carlos Rennó, o músico Nelson Jacobina e o VJ Edgard, da MTV. Mais Informações: Guilherme Meirelles, (11) 3111-2650/2887, 9997-1610

GOVERNO BRASÍLIA - O PPA NO GOVERNO LULA: PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL

● dias 7, 8 e 9 Auditório Nereu Ramos, Câmara dos Deputados. Seminário realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)

ARTES SP - DIÁLOGOS COM A CIDADE MONUMENTOS E PESSOAS NO ESPAÇO URBANO ● de 10 de maio a 10 de junho Exposição fotográfica no espaço Arte do Shopping Center Light, R.

Coronel Xavier de Toledo, 23, 5º piso. SP – Reminiscências de Terezin - De Fortaleza Tcheca a Gueto Judeu, Campo Russo e Cidade Histórica de 6 de maio a 30 de junho, de terça a domingo, das 9h às 17h. Exposição com entrada grautita, no Solar da Marquesa de Santos, R. Roberto Simonsen, 136, Centro Mais informações: (11) 5093-2855 e 9631-0666

SIMPÓSIO CE - OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS ● dias 9 e 10 Seminário da Prainha, Av. Dom Manuel, número 3. Organizado pela Pastoral Operária do Ceará (PO), o simpósio estadual terá como subtemas: A Igreja da Libertação em Tempos de Neoliberalismo; O Futuro do Trabalho no Mundo Globalizado e A Globalização, o Governo Lula e os Desafios dos Movimentos Sociais. Palestrantes e assessores: Pe. Agostinho Preto, assistente emérito da PO nacional (RJ); Pe. Bernardo Lestienne, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (IbradesDF) e coordenador da Rede Internacional dos Jesuítas; entre outros. O evento é voltado para agentes de pastoral, lideranças comunitárias, estudantes e interessados em geral. Mais informações: (85) 238-1400, 2521678

AGRICULTURA PR - JORNADA DE AGROECOLOGIA ● de 7 a 10 Centro de eventos da cidade de Ponta Grossa. Resultado do trabalho em conjunto de diferentes organizações, a jornada vai debater o valor do sistema produtivo e da agicultura familiar enquanto alternativas ao modelo vigente. Promoverá uma discussão em torno da reforma agrária e do fim da violência e da impunidade no campo. O incessante combate ao uso de agrotóxicos e à liberação dos produtos transgênicos no Brasil são dois outros objetos de discussão da jornada. Mais informações: (41) 254-2735 e 9148-6880

CRIANÇA BRASÍLIA - REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DO FÓRUM NACIONAL DE COMBATE AO TRABALHO INFANTIL ● dias 5 e 6 Auditório do Unicef, Q 510 Norte, bloco A, 2º andar, Ed. INAN. Promoção: Fórum Nacional de Combate ao Trabalho Infantil Mais informações: (61) 3035-190

PROJETOS SOCIAIS SP- CURSO DE AVALIAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS ● de 5 a 7, das 9h às 17h, de segunda à quarta. Promoção: Senac/SP Informações e inscrições: (11) 6647-5151, www.sp.senac.br/terceirosetor

EDUCAÇÃO MG - IV CURSO SOBRE ELABORAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR ● de 7 a 9 Salão Cristal, Merit Plaza Hotel, R. Tamoios, 341, Centro, Belo Horizonte Promoção: Edições Técnicas de Administração Universitária (Editau) e Consultoria de Assuntos Educacionais (CONSAE) Mais informações: www.consae.com.br

TRANSGÊNICOS SP – DEBATE ● dia 6, das 9h às 12h Câmara Municipal de São Paulo Viaduto Jacareí, 100 - 8o andar, Salão Nobre. O evento tem como objetivos discutir como os transgênicos estão sendo introduzidos e os propósitos aos quais estão servindo. Programação: abertura (9h); expositor: Carlos Colombo, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas, (9h30); debatedores: Mariana Paoli (coordenadora Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace), Hélio Neves (gerente de Vigilância e Saúde da secretaria municipal de Saúde), Lourival Plácido de Paula (direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mediador: Marco Antonio Manfredini (9h50); encerramento (12h). Mais informações: (11) 3111-2217/2902

BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie mensagem para agenda@brasildefato.com.br

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ESPORTE

Corte nos gastos do governo suspende convênios de projeto que incentiva a prática de esportes náuticos em 36 municípios; cada vez mais disposto a se reeleger, Ricardo Teixeira libera dinheiro para as federações de futebol

NAVEGAR

Projeto público está sem recursos Fotos Agência Brasil

■ Crianças participam do Projeto Navegar, idealizado pelo navegador Lars Grael (ao lado, de camiseta vermelha)

Números do Projeto Navegar R$ 3.105,5

R$ 2.219,60 Investimentos (por mil) R$ 1.205,5 14.280 R$ 191,5 8.040 540

Jovens atendidos 2.000 Geração de trabalho remunerado

782

2.840

188

Fonte: Ministério do Esporte

2002

134 2001

CONVÊNIOS SUSPENSOS Em 2002, 36 municípios desenvolveram o projeto. Atualmente, apenas em duas cidades os núcleos do Navegar continuam funcionando – Laguna (SC) e Salvador (BA). “Alguns estão funcionando mesmo sem recursos do governo federal”, afirma Castro. Boa parte das outras cidades interrompeu as atividades e deixou os equipamentos parados (cerca de 30 barcos). É o caso de Palmas (TO). O Navegar foi implantado em maio do ano passado, depois de um convênio do ministério com o governo do Estado de Tocantins. Em outubro, com o fim das aulas, o projeto foi interrompido. Mas, neste ano, o convênio ainda não foi renovado.“É bem provável que não vão renovar”, diz o subsecretário estadual de esportes, Belmiran José

de Souza. Segundo ele, o custo de implantação do projeto foi de R$ 138 mil. Cada núcleo tem capacidade para atender 160 crianças e possui 30 barcos. Em Caxias do Sul (RS), o projeto continua sendo aplicado porque a prefeitura local está bancando os custos desde o início do ano.Atualmente, 300 crianças participam das atividades realizadas numa represa do município. “Não tínhamos aqui a cultura dos esportes náuticos. Mas, agora, isso está mudando”, diz Ana Maria Feuerharmel, responsável pela iniciativa. Um garoto que participou do projeto em Caxias tornou-se campeão brasileiro de remo em 2003,mas, de acordo com a prefeitura, muitas crianças com mais de 15 anos não dão continuidade à prática esportiva, pois não têm dinheiro suficiente.

2000

Projeto Navegar, implantado pelo Ministério dos Esportes desde 2000, está prestes a naufragar. Idealizado para estimular crianças de 12 a 15 anos matriculadas em escolas públicas a praticar esportes náuticos, o projeto interrompeu suas atividades por todo o Brasil. Não há recursos. “Por causa dos cortes, temos só dois núcleos em atividade. Os outros só vão poder funcionar quando tiverem recursos”, explica César Castro, coordenador do Navegar, que tem 38 núcleos espalhados em municípios de todas as cinco regiões do Brasil. O projeto é mais uma iniciativa do Ministério dos Esportes que enfrenta dificuldades financeiras depois do corte nos gastos públicos de 2003. Em acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo Lula fez uma economia nos investimentos de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. O Ministério dos Esportes foi um dos mais atingidos e perdeu 88,3% das verbas programadas para este ano. Antes do corte, a pasta tinha um orçamento de R$ 369,6 milhões, mas foram liberados apenas R$ 43,1 milhões.

Criado em 2000 pelo navegador Lars Grael, o Navegar tem o objetivo de aliar educação e esporte. “Como o projeto atual junto com a escola pública, o aluno é estimulado a estudar mais para garantir a presença no projeto”, diz Castro. Para receber o projeto, o município tem de dispor de um espaço adequado para três práticas: vela, remo e canoagem. Não é preciso ser uma cidade litorânea ou ribeirinha.

1999

Jorge Pereira Filho, da Redação

FEDERAÇÕES

Teixeira patrocina cartolas do futebol Luís Brasilino, de São Paulo (SP), e Wilson de Carvalho, do Rio de Janeiro (RJ) o início do ano, Ricardo Teixeira, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), destinou R$ 100 mil para cada uma das 25 federações que o apóiam. A título de ajuda de Federações – custo, o dinheiro foi órgãos responsáveis oferecido na última pela administração do futebol nos Estados Assembléia Geral, realizada para a aprovação das contas, da venda da antiga sede e, prin-

cipalmente, para decidir os rumos da eleição para a presidência da CBF, que deve ocorrer em julho. Não por acaso, as federações são os órgãos responsáveis por 27 dos 51 votos que elegem o presidente da CBF e Teixeira parece disposto a permanecer no cargo. As duas que não receberam a ajuda financeira, a pernambucana e a paulista, são as únicas que não confirmaram o apoio a Teixeira. “Tanto a administração da CBF quanto a das federações são ditatoriais”, denunciou o presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo, Rinaldo Martorelli, para quem

muitos dirigentes do futebol brasileiro acham que não precisam prestar contas sobre o que fazem; por isso, administram o esporte como querem. O Rio de Janeiro é o Estado onde esta relação pode ser observada com maior clareza. Eduardo Vianna, o “Caixa D’Água”, presidente da Federação de Futebol, ocupa o cargo desde 1984 e garante não haver quem o derrube. Paulo Almeida, ex-presidente do São Cristóvão, é o único que apresenta resistência a Vianna, mas recebe pouco apoio dos grandes clubes, responsáveis pela eleição do presidente da federação.

As Comissões Parlamentares de Inquérito do futebol (CPIs do futebol), instauradas pela Câmara Federal dos Deputados e pelo Senado entre 2000 e 2001, acusam Vianna por gestão imprudente (destruição do patrimônio) e temerária. Entre outras acusações, consta o recebimento de R$ 250 mil da CBF em 1988, que não foi declarado no Imposto de Renda. Outras 23 federações foram denunciadas por essas CPIs. O expresidente da Federação Mineira de Futebol, Elmer Guilherme, foi responsabilizado por diversas irregularidades administrativas, como desvio de dinheiro e for-

mação de quadrilha. Guilherme foi afastado do cargo em março, após decisão judicial. Em São Paulo, o presidente da federação, Eduardo Farah, é acusado de apropriação indébita e evasão de divisas num valor que gira em torno de R$ 1,2 milhão. O dirigente também responde por perjúrio,desobediência e obstrução dos trabalhos da CPI e fraude contra credores, especialmente o INSS. As outras federações investigadas pelas CPIs foram acusadas por sonegação fiscal, alta remuneração de funcionários, ajuda em campanha de dirigentes na política partidária e falsificação de documentos.

Os limites técnicos da seleção BRASIL DE FATO De 4 a 10 de maio de 2003

Juarez Soares, de São Paulo (SP)

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screvo antes do jogo da Seleção Brasileira contra o México. Isso importa pouco. O que mais chama a atenção é a mudança do discurso do técnico Parreira. Antes do empate contra a China na estréia, e antes do jogo contra Portugal, Parreira dizia que a base da seleção não seria formada pelos jogadores campeões do mundo na Ásia. Disse que era necessário botar gente jovem no time. Papo furado. Ele só está mudando a escalação porque Cafu não pode jogar. Roberto Carlos também não tem condições e Rivaldo apresenta um joelho avariado. Sorte, dirão alguns. Claro, a sorte faz parte do jogo. Assim, sem outra alternativa, Belletti, Júnior, Amoroso en-

tram no time titular, não por um plano inteligente preestabelecido. São as circunstâncias. Outra faceta conservadora da nova comissão técnica (de duas pessoas) é a conversa autoritária de Parreira, que afirmou, em entrevista coletiva, que não admite cobranças antes dos jogos válidos pelas eliminatórias da Copa do Mundo, que começam em setembro. Até agora, a seleção do novo técnico, vem de um empate arranjado pelo juiz e uma derrota para Portugal. Quem Parreira pensa ser para não aceitar cobranças? A exigência por bons resultados da seleção não se mede pelo calendário.As críticas são feitas em cima das atuações do time, que até agora apresentou um futebol de nível muito baixo.Vá lá, existe o desconto pelo trabalho que está só no começo. Mas as comparações são inevitáveis.

Parreira recebeu uma Seleção campeã do mundo bem entrosada, tanto que ganhou o título sem perder um jogo.A torcida tem o direito de esperar é que a renovação seja feita com inteligência. Só juventude não pressupõe talento nem capacidade. Parreira que o diga. O novo técnico já passou dos 60 anos e vem da comissão técnica da copa de 70 no México. Zagallo, seu parceiro, já ultrapassou a casa dos 70 e traz como relíquia o título de campeão da mesma copa disputada no México. Para chegar a técnico da seleção não é preciso ser um primor de inteligência. Felipão está aí para comprovar a tese. O sonho de todo técnico de futebol é treinar a nossa seleção. Um país que assusta qualquer profissional do futebol pelas facilidades como revela craques. Ronaldinho, o gaúcho, não existia nas úl-

timas eliminatórias da qual o Brasil participou. De repente ele apareceu, virou titular e, jogando bem, foi campeão do mundo. Agora chegou a vez de Diego (18 anos) e Robinho (19 anos). Na última Copa, eles viram os jogos pela televisão. Agora, menos de um ano depois foram convocados para o jogo contra o México. Aliás, a dupla chegou a Guadalajara dizendo que colecionou figurinhas de Ronaldinho, o fenômeno, que só tem 25 anos. Torço para que Parreira não se deixe influenciar pela ultrapassagem da barreira dos 60 anos. O futebol atual exige cada vez mais lucidez e reflexos com a bola em jogo. Depois que a bola começa a rolar, uma modificação tática da seleção adversária exige resposta imediata. Sem essa capacidade de visão do jogo, nenhum treinador tem vida longa.Vejam os técnicos de vôlei e basquete.

Parreira, se tomar certos cuidados, ainda tem gás suficiente para fazer um bom trabalho. Zagallo nem tanto. Ele já não tem lenha, ou melhor, gravetos para queimar. Tem idade para ser avô do Diego e do Ronaldinho. Os dois, Parreira e Zagallo, foram criados por uma maneira conservadora de encarar o futebol. Ainda bem que a qualidade individual dos nossos jogadores supera tudo isso. O resultado do jogo com o México foi zero a zero. E o Brasil quebrou um recorde: demorou 58 minutos para chutar a primeira bola contra o gol do México.Ainda assim, para fora. Outro detalhe é que Diego entro em campo quando faltavam apenas 5 minutos para terminar a partida. Seu colega Robinho viajou 13 horas de avião para ficar na reserva.


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