BRASILDEFATO Ano I ■ Número 12 ■ São Paulo ■ De 22 a 28 de maio de 2003
Circulação Nacional
R$ 2,00
É hora de o governo resgatar compromisso histórico, diz ministro
PALESTINA
O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, afirmou em Brasília (DF), na abertura do Seminário Nacional sobre Ciência,Tecnologia e Reforma Agrária, que chegou a hora de resgatar o “compromisso histórico” do governo Lula de promover a descentralização e desconcentração dos recursos destinados à pesquisa. Isso dentro de um quadro geral de determinação do governo com o desenvolvimento nacional e a Reforma Agrária. Em Ponta Grossa (PR), militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam uma fazenda arrendada pela transnacional Monsanto, que ali havia plantado milho transgênico. Pág. 3
Banco Central movimenta trilhões, mas não tem verba nem para pagar a luz ■ Garoto palestino enfrenta veículo
blindado israelense em Beit Hanoun, na Faixa de Gaza, dia 19. Pág. 10
DESMONTE DO ESTADO
BC movimenta, anualmente, R$ 6 trilhões em títulos da dívida e por lá passam 110 bilhões de dólares do comércio exterior. Mas não tem dinheiro para pagar a conta de luz na unidade do Rio de Janeiro. Tudo por causa da redução de seu orçamento, que o deixa sem condições de fiscalizar, por exemplo, a lavagem de dinheiro. Pág. 4
EUA pagam empresa para espionar o Brasil
Polícia de Garotinho mata inocentes
Mídia faz sensacionalismo com os “radicais” do PT
Um completo levantamento de dados a respeito de empresas e cidadãos do Brasil e de outros oito países latino-americanos está sendo feito pela firma ChoicePoint, de Atlanta (EUA), contratada pelo Departamento da Justiça estadunidense. Os dados são transmitidos à Polícia Federal (FBI) e ao Departamento de Imigração. O serviço está sendo feito há três anos, ao custo, só em 2002, de 81,5 milhões de dólares. Pág. 9
O secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, saudou com orgulho a morte de “cem bandidos em doze dias”, por ação “dura” da polícia. No entanto, nem todos os assassinados eram “bandidos”; os quatro mortos na Vila da Preguiça, no bairro do Borel, por exemplo, eram trabalhadores. O secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, pretende criar uma comissão para investigar o caso. Pág. 8
Sempre hostil ao Partido dos Trabalhadores, embora faça elogios à política econômica do governo, a mídia faz estardalhaço com a Comissão de Ética do partido, que investiga parlamentares que expressam críticas aos projetos governamentais. Ao mesmo tempo, praticamente não noticiou que o PSDB ameaçou expulsar sumariamente alguns de seus parlamentares que se dispuseram a votar a favor das reformas propostas pelo governo. Pág. 7
POLÍTICA ECONÔMICA – Em entrevista exclusiva, o economista João Sicsú, professor da UFRJ, afirma que o governo Lula aplica uma política econômica idêntica à de seu antecessor. Pág. 6 MORRE FAORO – Faleceu, dia 15, o jurista e historiador gaúcho Raymundo Faoro, que liderou a OAB na luta pela redemocratização e escreveu a famosa obra Os Donos do Poder. Pág. 7 EUROPA – Funcionários públicos de Alemanha, Áustria, França e Itália se mobilizam contra a privatização do sistema de aposentadoria, educação e saúde que seus governos querem impor. Pág. 10 CUBA – Declaração dos participantes não cubanos de uma conferência sobre Marx, em Havana, afirmam sua solidariedade a Cuba na atual crise com os EUA. Pág. 11 ARGENTINA – A renúncia de Menem à sua candidatura presidencial foi uma jogada para reduzir a margem de manobra do futuro presidente Kirchner. Pág. 11
BRASIL DE FATO De 22 a 28 de maio de 2003
O presidente Lula vai abrir, em 9 de junho, em Fortaleza (CE), o I Fórum Brasil-África: Política, Cooperação e Comércio, que irá se encerrar no dia seguinte. Deverão estar presentes os chefes de Estado do Senegal e de Cabo Verde. É a primeira atividade do gênero patrocinada pelo governo. Foi organizado pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Grupo de Embaixadores Africanos. O chanceler Celso Amorim afirma ter encontrado grande receptividade ao Brasil em sua recente viagem por sete países africanos. Pág. 12
E mais:
avaliações do presidente nacional do PT José Genoíno e do deputado federal João Batista Babá (PT-PA)
Aroeira
Governo patrocina o I Fórum Brasil-África
Veja na seção Debate, pág. 14, as
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Fala, Zé! Ohi
NOSSA OPINIÃO
Por Cuba, contra a Alca O governo dos Estados Unidos emite sinais crescentes e alarmantes de que está disposto a apertar o cerco a Cuba. Jeb Bush, governador da Fórida, pediu ao seu irmão George, presidente dos Estados Unidos, que ordene a invasão da ilha, como revelou um “alto funcionário do governo” à rede de televisão estadunidense ABC, dia 19. O secretário de Estado Collin Powell multiplica “advertências” e ameaças. Há duas semanas, vários ganhadores do Prêmio Nobel, intelectuais e artistas famosos – da escritora Rigoberta Menchú ao ator Danny Glover – divulgaram um apelo em defesa da revolução cubana. Semana passada, novo manifesto foi lançado por dezenas de intelectuais respeitados – incluindo István Mészáros, Samir Amin e Marta Harnecker – todos participantes do encontro “Karl Marx e os desafios do século 21”, realizado em Havana. Há uma sensação de urgência no ar. Os delinqüentes que ocupam a Casa Branca podem tentar reproduzir em Havana o que fizeram em Bagdá. Não é apenas a brutalidade de Bush que cria a sensação de perigo iminente. É, sobretudo, o fato de que o cerco a Havana é coerente com a estratégia adotada pela Casa Branca para a América Latina, que combina a multiplicação de bases militares com pressões para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O processo de militarização do hemisfério, comandado por Bush, foi denunciado em um encontro internacional, realizado no México, no início de maio, como mostramos em edição anterior. Ao mesmo tempo em que ameaçam a revolução cubana, os Estados Unidos exigem que os países da América Central também formem uma área de livre comércio (Cafta, na sigla em inglês). Os estrategistas da Casa Branca querem aprofundar o processo de subordinação das economias daqueles países aos interesses das transnacionais estadunidenses e, ao mesmo tempo isolar o Brasil no contexto latino-americano, como forma de aumentar as pressões sobre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Os países da América Central e do Caribe sentem há quase dois séculos o peso do imperialismo estadunidense nas próprias costas, em especial nas cinco décadas da Guerra Fria. Que o digam as dezenas de milhares de vítimas das ditaduras sustentadas pelos Estados Unidos na Nicarágua, Guatemala e El Salvador. A imposição do Cafta, agora, mostra que o imperialismo jamais abandonou suas pretensões hegemônicas sobre o hemisfério. Muito ao contrário. Nesse contexto, Cuba aparece como um dado insuportável para Bush. É intolerável que uma pequena ilha desafie a superpotência. É isso, precisamente, que coloca para cada latino-americano a necessidade de defender a revolução cubana. Não se trata de nenhuma relação de solidariedade abstrata, nem de mero dever moral. Trata-se de sustentar um bastião contra um poder imperial que deseja anexar economicamente todo o hemisfério, e ocupar militarmente as suas reservas de petróleo e biodiversidade. Defender Cuba é defender o Brasil e todos os países latino-americanos contra o inimigo comum.
BRASILDEFATO CONSELHO POLÍTICO: ■ Achille Lollo ■ Ari Alberti ■ Ariovaldo Umbelino ■ Assunção Ernandes ■ Aton Fon Filho ■ Augusto Boal ■ Cácia Cortez ■ Carlos Marés ■ Carlos Nelson Coutinho ■ Celso Membrides Sávio ■ Claus Germer ■ Dom Demétrio Valentini ■ Dom Mauro Morelli ■ Dom Tomás Balduíno ■ Edmilson Costa ■ Elena Vettorazzo ■ Emir Sader ■ Egon Krakhecke ■ Erick Schunig Fernandes ■ Fábio de Barros Pereira ■ Fernando Altemeyer ■ Fernando Morais ■ Francisco de Oliveira ■ Frederico Santana Rick ■ Frei Sérgio Gorgen ■ Horácio Martins ■ Ivan Valente ■ Jasper Lopes Bastos ■ ■ João Alfredo ■ João Capibaribe ■ João José Reis ■ João José Sady ■ João Pedro Stedile ■ Laurindo Lalo Leal Filho ■ Leandro Konder ■ Luís Alberto ■ Luís Arnaldo ■ Luís Carlos Guedes Pinto ■ Luís Fernandes ■ Luis Gonzaga (Gegê) ■ Marcelo Goulart ■ Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind ■ Mário Maestri ■ Nalú Faria ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs ■ Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ Também participam do Conselho Político todos os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
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CONSELHO EDITORIAL: ■ Alípio Freire ■ César Benjamim ■ César Sanson ■ Hamilton Octávio de Souza ■ Kenarik Boujikian Felippe ■ Luiz Antonio Magalhães ■ Luiz Eduardo Greenhalgh ■ Luiz Bassegio ■ Maria Luísa Mendonça ■ Milton Viário ■ Neuri Rosseto ■ Plínio de Arruda Sampaio Jr. ■ Ricardo Gebrim
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■ Editor-chefe: José Arbex Jr. ■ Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Marilene Felinto, Nilton Viana, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ■ Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Eunice Nunes, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho ■ Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stokler, Samuel Javelberg, Ricardo Teles ■ Ilustradores: Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, Natália Forcat, Nathan ■ Projeto gráfico e diagramação: Wladimir Senise ■ Tratamento de imagem: Maurício Valente Senise ■ Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho ■ Jornalista responsável: José Arbex Jr. Mtb 14.779 Administração: Silvio Sampaio Secretaria de redação: Tatiana Merlino DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA PARA TODO O Sistemas: Sérgio Moreira Programação: André de Castro Zorzo BRASIL EM BANCAS DE JORNAIS E REVISTAS FERNANDO CHINAGLIA Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 Campos Elíseos – CEP 01218-010 RUA TEODORO DA SILVA, 907 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP TEL.: (21) 3875-7766 redacao@brasildefato.com.br RIO DE JANEIRO - RJ Gráfica: FolhaGráfica
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Cartas de leitores ALIANÇAS E REFORMAS Acho que há um grande problema numa aliança tão ampla como a que o governo petista está fazendo: é o de conseguir aprovar todas as reformas, mas todas sem relevância e superficiais. Na reforma tributária, por exemplo, não entraram pontos essenciais como a taxação das grandes fortunas, o imposto sobre a herança, a taxação sobre o dinheiro que é remetido pelas multinacionais para as suas matrizes no exterior e o imposto progressivo. Na reforma da previdência são pontos essenciais: a elevação da contribuição dos militares para 11%; o fim do fator previdenciário na iniciativa privada; a elevação do teto da aposentadoria do setor privado para R$4.800,00; a equiparação do autônomo à cooperativa e não mais à empresa, com redução de 20% para 15% na contribuição e o conseqüente aumento no número de contribuintes. Rafael Rossi, Rio de Janeiro (RJ) REFORMAS Dia 30 da abril o governo da “esquerda neoliberal” petista entregou ao Congresso as reformas tributária e da previdência,encaradas como prioritárias.
A mudança mais importante é a “unificação” em teto único dos setores público e privado.A proposta do Executivo é de um teto de R$2.400,00. O grande motivo é um suposto déficit, mas o que muitos não sabem é que a Previdência não é deficitiária, pelo contrário. Os fiscais da Receita e da Previdência demonstram que existe um superávit da ordem de 31 bilhões de reais. O grande vilão é o pagamento dos juros da dívida, que engole grande parte da receita da Previdência transferindo para os grandes banqueiros defendidos pelo FMI. Outro ponto fundamental, e talvez o que causa maior indignação, é a questão da tributação dos inativos.Quem tem de ser penalizado brutalmente são os grandes bancos e corporações financeiras corruptas, além de supostos credores que vivem como metrópoles “sugando” as colônias. É bom lembrar que Lula tempos atrás assinou um abaixo-assinado contra a taxação dos inativos, e atualmente o presidente praticamente esquece o passado e ainda rotula de radical os coerentes que ainda zelam pelo passado histórico do PT.Vão taxar a classe média baixa assalariada em nome da justiça social. FMI e o grande capital
especulativo não taxam nada, ao contrário, só fazem concessões. Conta outra, Lulinha! Deixa de ser incoerente e vê se não trai quem o elegeu! Fabio Mascaro Querido, São Simão (SP) IMPRENSA Acho que é importante termos jornais que se preocupem com a realidade brasileira, ao contrário dos jornais de minha cidade, que repassam as notícias destorcidas, principalmente nos meios políticos. Em cidades do interior, é comum o “puxasaquismo” entre imprensa e políticos, não existe um meio de comunicação sério preocupado com o verdadeiro papel social de um jornal. Flávio Pereira, Francisco Beltrão (PR) SAUDAÇÃO Gostaria de parabenizar a equipe pela iniciativa de produzir um veículo que sirva como meio de contrapor-se a esta imprensa hipócrita que manipula o nosso povo. ÂngelaVargas, Caxias do Sul (RS)
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SEGURANÇA ALIMENTAR
NACIONAL
O governo Lula deve cumprir o seu compromisso histórico de assegurar ao povo brasileiro o mais amplo acesso à ciência e tecnologia, afirmou o ministro Roberto Amaral, no seminário C&T e Reforma Agrária, realizado em Brasília; MST ocupa fazenda da Monsanto no Paraná
Ana Nascimento/ABr
Ministro reafirma compromisso do governo com desenvolvimento nacional Sal Freire, de Brasília (DF) uanto de ciência e tecnologia está, hoje, à disposição do povo brasileiro?” perguntou o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, na abertura do Seminário Nacional sobre Ciência, Tecnologia e Reforma Agrária, realizado em Brasília, entre 13 e 15 de maio. A resposta, óbvia, não precisou ser pronunciada todos sabiam que, no Brasil, também o conhecimento científico e tecnológico está nas mãos da elite. Em oposição a isso, e como primeiro passo para o desmonte dessa estrutura, os movimentos sociais do campo, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Via Campesina abriram, com esse seminário, um espaço de reflexão para analisar barreiras e alternativas para a democratização do acesso dos pequenos agricultores e assentados à C&T.O seminário contou com o apoio e parceria do Ministério da Ciência eTecnologia,Desenvolvimento Agrário, Incra, Embrapa e Sinpaf,pesquisadores,técnicos, professores universitários e agricultores de todo o país. Segundo Amaral, é chegada a hora de resgatar o “compromisso histórico” do governo Lula de promover a descentralização e desconcentração dos recursos destinados à pesquisa no país. Com esse objetivo, as proposições em relação às políticas nacionais de C&T, elaboradas ao final do encontro, postulam que “o progres-
■ Ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral so e a soberania de nosso país e a melhoria das condições de vida de nosso povo somente serão alcançados caso a capacidade de desenvolver ciência de qualidade se estenda para todo o país e se aproxime dos seus legítimos beneficiários, promovendo e apoiando os centros de pesquisa ligados aos movimentos sociais e organizações não governamentais”. O presidente do Incra, Marcelo Resende, reafirmou seu compromisso com a Reforma Agrária e se disse disposto a contribuir no que for necessário para garantir o acesso dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do país ao estoque e à produção do conhecimento tecnológico e científico. Herbert de Lima, diretor da Embrapa, destacou o compromisso da empresa no que tange a viabilização tecnológica para a agricultura familiar. A responsabilidade de cobrar do governo o
cumprimento de compromissos tais como o desenvolvimento social e tecnológico para o campo é das entidades e organizações sociais comprometidas com a reforma agrária, afirmou Selma Beltrão, presidente do Sinpaf. O anfitrião do evento, Elemar Cezimbra, do MST, chamou a atenção para o momento histórico. Segundo ele, foi a primeira vez que o governo se aproximou oficialmente do povo do campo e das suas organizações para tratar de questões relativas a C&T. Ao longo de três dias de debates, os participantes se aprofundaram em questões decisivas sobre os fundamentos para uma política de C&T que contemple a Reforma Agrária e os pequenos agricultores brasileiros. Plenárias e grupos também discutiram temas relativos a agroecologia, transgênicos, biomas brasileiros e sementes.
ENTREVISTA
Ciência e tecnologia devem ter controle público, afirma documento final O documento final deliberado pelo encontro – Proposições em relação às políticas nacionais de Ciência e Tecnologia – foi entregue ao ministro Roberto Amaral e outras autoridades participantes do seminário. De acordo com o documento,“vivemos um momento onde a mídia nos vende a imagem, com base nas colheitas recordes e no grande volume de exportação de produtos agropecuários, de que o latifúndio e o agronegócio seriam a grande solução para os problemas da agricultura e da sociedade. (...) Essa propaganda mentirosa oculta a face cruel e vergonhosa deste modelo de agricultura, que beneficia o latifúndio, amplia a concentração de terras e destrói a perspectiva de vida de milhões de camponeses. Prova disso é que hoje, a maior parcela dos 50 milhões de brasileiros que vivem em condições miseráveis se localiza no meio rural, obrigando o país a ter um programa como o Fome Zero. (...) Um projeto de desenvolvimento deve promover a democratização do acesso à terra, incentivar e fortalecer a pequena agricultura e as comunidades quilombolas e indígenas, priorizando a produção de alimentos para o mercado interno com base em uma matriz tecnológica da agroecologia, distribuindo a renda e democratizando os meios de produção e o poder político.Acreditamos que o governo Lula catalisa a esperança popular, ao eleger como prioridades: o combate à fome, a reforma agrária, o desenvolvimento econômico e social e a inclusão social. Entendemos também, que para construirmos uma nação soberana, com democracia e justiça social, é fundamental também, comprometer-se com uma política nacional de ciência e tecnologia que contemple os interesses dos setores populares historicamente marginalizados.” As propostas se referem à democratização das discussões e decisões sobre as pesquisa tecno-científica financiadas com recursos públicos; defendem a moratória, por cinco anos, das pesquisas de transgênicos; exigem que as pesquisas desenvolvidas com recursos públicos tenham controle social e sejam destinadas à livre utilização do povo brasileiro e dos países pobres; pede também a instituição de um Programa Nacional de Pesquisa em Agroecologia e Reforma Agrária Sustentável e disponibilização dos recursos genéticos públicos aos movimentos sociais, para viabilizar sua utilização em processos de melhoramento participativos.
TRANSGÊNICOS
Brasil de Fato – Como a Contag recebeu esse anúncio do governo? Manoel José dos Santos – A nossa reivindicação era de R$ 8 bilhões, mas o valor de R$ 5, 4 bi é significativo. O grande desafio é a aplicação desse recurso. Apesar de o governo ter anunciado um programa de cooperativa de crédito, achamos que a liberação terá de passar pelo sistema bancário oficial, pois é ele que tem presença em todo o país. Senão, chegamos ao final do ano sem a aplicação do recurso. BF – O governo pagou cerca de R$ 50 bilhões de juros da dívida, apenas no primeiro trimestre deste ano. Como vê isso? Santos – No governo passado a dívida cresceu dez vezes e o Lula entrou para administrar isso tudo. A mudança de rumos é indispensável, mas o presidente disse que vai honrar os compromissos econômicos já estabelecidos.
Quem é Ana Nascimento/ABR
o último dia 14, o presidente da República anunciou, em Brasília, no encerramento do Grito da Terra, que irá destinar R$ 5,4 bilhões para a agricultura familiar. Durante a manifestação, a direção da Contag, presidida por Manoel José Santos, apresentou sua pauta de 200 reivindicações. Aqui, Santos fala sobre a situação da agricultura familiar.
BF – Qual a alternativa? Santos – Ajudamos a eleger o Lula e esperamos que ele cumpra os compromissos assumidos com os trabalhadores rurais. BF – Como avalia o fato de que o governo Lula não incluiu entre suas reformas prioritárias a Reforma Agrária? Santos – Não diria que o governo não tem preocupação com a Reforma Agrária. Mas para nós a reforma envolve desde o enfrentamento do latifúndio, a implantação técnica e administrativamente viável dos assentamentos, até a inclusão dos mais de 4 milhões de agricultores familiares que conseguiram terras por outros meios e que hoje, muitos deles, vivem pior do que os assentados. BF – Como o senhor vê o modelo agrícola atualmente em vigor no país?
O pernambucano Manoel José dos Santos, 51 anos, é líder sindical rural há mais de 20 anos. Há cinco anos é presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)
Santos – Onde a monocultura chegou, a agricultura familiar desapareceu. Alguns trabalhadores viraram assalariados dos grandes proprietários rurais e, outros favelados nos grandes centros. Mas, devido à dimensão do país podemos ter grandes empresas em algumas áreas e em outras agricultura familiar. O desafio do Lula é mudar o foco do desenvolvimento do campo. (SF)
Dimitri Stein Valle, de Curitiba (PR) Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Ter ra (MST) ocupa, desde o dia 16, uma fazenda arrendada pela transnacional Monsanto em Ponta Grossa (PR).A área era usada para testes com sementes transgênicas de milho e soja. A ação do MST faz parte de uma nova estratégia de luta contra a presença de organismos geneticamente modificados na agricultura. O MST quer desenvolver, na área, pesquisas de nova matriz tecnológica, baseada na agroecologia. Uma semana antes, cerca de 3 mil manifestantes entraram na propriedade para queimar 9 hectares de milho transgênico. O ato, realizado no encerramento de um seminário sobre agroecologia, marcou o lançamento de uma campanha para pressionar o gover no a incluir lavouras de transgênicos no programa de Reforma Agrária. Cerca de 90 trabalhadores rurais montaram acampamento na fazenda. Ela recebeu o nome de Chico Mendes, líder seringueiro assassinado no Acre, em 1988. Em nota à imprensa, a direção da Monsanto disse que repudia a “repetição dessa
ação” e manifestou “reafirmar sua confiança nas autoridades para coibir a realização de tais atos de violência contra a integridade de seus funcionários e de seu patrimônio e contra o desenvolvimento da pesquisa no Brasil”. Se depender do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Monsanto deve sair vencedora da queda de braço com o MST. A propriedade não será desapropriada, segundo o superintendente do instituto no Estado, Celso Lisboa de Lacerda. Ele disse que as dimensões da fazenda não obedecem os critérios de desapropriação. “Ela é muito pequena”, disse Lacerda. Para entrar na lista de desapropriações, a área deveria medir, no mínimo, 200 hectares. O superintendente alegou que só em casos excepcionais, como flagrante de narcotráfico ou trabalho escravo, imóveis de menor tamanho são incluídos na relação.A empresa anunciou que irá pedir a reintegração de posse da área na Justiça. Para demonstrar que vai permanecer, o MST montou uma exposição no local com sementes puras. Os lavradores trouxeram matéria-prima suficiente para iniciar o plantio de arroz, feijão,trigo, soja, abóbora, milho, mamona, linhaça, amendoim e melancia.
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Líder da Contag denuncia monocultura MST ocupa fazenda da e cobra compromisso de Lula Monsanto no PR
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DESMONTE DO ESTADO
Lauro Jardim, de São Paulo (SP) e Luiz Antônio dos Santos, do Rio de Janeiro (RJ) odos os anos, o Banco Central do Brasil (BC) movimenta alguma coisa próxima de R$ 6 trilhões – quase seis vezes a soma de todas as riquezas produzidas pelo país em um ano – na compra e venda de títulos federais. Pela instituição, transitam ainda cerca de 110 bilhões dólares (em torno de R$ 330 bilhões), anualmente, correspondentes às exportações e importações.Além disso, seus servidores respondem pela guarda dos 38 bilhões de dólares em suas reservas para honrar compromissos no exterior. Uma de suas funções é zelar pela saúde financeira de um sistema que transaciona o correspondente a quase R$ 2 trilhões, alocados em aplicações financeiras, incluindo os títulos da própria instituição, fundos de investimento ou destinados a operações de crédito (empréstimos) em geral. Pois esta instituição, com poderes para interferir no dia a dia de todos, decretando se a economia poderá crescer ou não, gerar empregos ou criar desemprego, está literalmente às escuras. Por falta de dinheiro. “Na unidade regional do Rio de Janeiro (RJ), o orçamento para energia esgotou-se em maio. Na regional de Belém (PA), onde a temperatura atinge facilmente 42°, os funcionários são obrigados a trabalhar sem ar condicionado”, relata Sérgio da Luz Belsito, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal).
À míngua e com déficit de fiscais, BC movimenta R$ 6 trilhões O paradoxo é apenas aparente. O quadro de desestruturação no BC ganhou tintas dramáticas, como decorrência de uma política premeditada de desmonte da instituição, parte de uma política defendida pelos que advogam em favor de um “Estado mínimo”. O Congresso acaba de aprovar o projeto de emenda constitucional que abre caminho para a adoção da autonomia do banco, o que corresponderá a entregar seu comando de vez a testas-deferro do mercado financeiro. PRETEXTOS O rombo do setor público surge como pretexto para aprofundar o desmanche da instituição. “O orçamento do BC, para este ano, era de R$ 1,5 bilhão. Foi cortado em 20%, caindo para R$ 1,2 bilhão. Desse valor, descontam-se R$ 770 milhões para pagamento de salários. Sobram R$ 430 milhões para o custeio da máquina e investimentos”, detalha Belsito. O governo decidiu que 30% daquela “sobra” somente poderá ser gasto se houver um aumento de receita, o que significa dizer que o banco terá apenas R$ 300 milhões para gastar com compras de materiais e equipamentos em geral, investir em capacitação e treinamento de seus funcionários e pagar as empresas concessionárias de serviços de água, luz, telefone e outras. O corte cria situações esdrúxulas. No Rio,o horário de funcionamento foi reduzido em meia hora, para economizar. Fez-se isso cortando meia hora do horário de almoço dos funcionários.Uma hora antes das 12,
o sistema de ar condicionado é desligado e, ao meio dia, todas as luzes são apagadas para serem religadas uma hora e meia depois.Todo o trabalho regular é interrompido. Obviamente, há atrasos e a qualidade do serviço é afetada. DESMORALIZAÇÃO O mais grave é que parece faltar “luz” nos escalões mais altos, encarregados de pensar estrategicamente o setor público. O arrocho salarial e o corte, ou a ameaça de corte, de direitos previdenciários, parte da mesma política de desmanche, turbinada na mídia por uma campanha sistemática de desmoralização do setor público, produziram uma evasão de cérebros. Em 1994, o banco tinha 6.401 funcionários na ativa, dos quais cerca de 2.500 atuavam nas áreas de inspetoria e fiscalização. Oito anos depois, restavam 4.675 servidores na ativa – quase 40% abaixo dos 7,5 mil que a instituição poderia empregar, por lei.Apenas 800 deles atuam hoje no setor de fiscalização, numa queda de 68%, desde 1994. FUGA DE PESSOAL Em 2002, o BC contava 3.359 aposentados e pensionistas, número que pode aumentar neste ano, já que outros mil deverão adquirir direito à aposentadoria. Para cumprir seu papel constitucional, Belsito estima que o banco deveria ter um número de inspetores e fiscais duas vezes e meia maior, por volta de uns 2 mil especialistas, para investigar a contabilidade de 6 mil instituições financeiras (bancos,
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Lavagem movimentou 30 bilhões de dólares
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m 1999, a direção do BC decidiu aprofundar o desmonte, em nome de sua reestruturação.“Foi realizada uma análise que levou em conta as atribuições do banco, sua estrutura e disponibilidade de pessoal e fez-se um ajuste que centralizou a fiscalização”, conta Sérgio da Luz Belsito. As antigas delegacias regionais foram extintas e a instituição passou a se preocupar, quase com exclusividade, com chamado “risco sistêmico”. Ou seja, tratava-se de evitar novas ondas de quebradeira de bancos, como ocorreu na segunda metade dos anos 90. Belsito critica a noção de que o banco deva cuidar apenas de política de juros, câmbio e da solidez do sistema financeiro. “Hoje, indaga ele, o sistema financeiro está sólido, mas serve para que e para quem?” SEM CONTROLE A centralização excessiva criou novos embaraços, ao descuidar da fiscalização da lavagem de dinheiro, das remessas ilegais de divisas que financiam o tráfico de armas e drogas e o contrabando. A regional de Belo Horizonte, por exemplo, responde pelo trabalho do BC em 20 Estados, o que inclui o Acre.“Hoje, há imensa liberalidade na remessa de recursos nas contas CC5”, diz Belsito.
Trata-se da antiga Carta Circular número 5, do BC, mais tarde substituída por uma nova circular com a mesma “filosofia”: facilitar o trânsito de dólares para fora do país. Aquelas contas podem ser facilmente abertas por pessoas ou empresas de outros países, mas residentes ou com operações no Brasil. As remessas são realizadas livremente, praticamente sem controle. PELA INTERNET Para agravar, criou-se recentemente um instrumento chamado Controle de Registro de Atividade de Remessa de Recursos (RDE), que permite a uma empresa estrangeira requerer seu registro no país via Internet.A idéia era facilitar ainda mais o fluxo de recursos por meio das CC5. Na programação original, haveria a necessidade, posteriormente, de conferir, in loco, as informações transmitidas ao BC por via eletrônica. Esta segunda parte do projeto jamais decolou. “Não houve recursos nem pessoal para fazer isso”, aponta Belsito. A “lavanderia” montada a partir daquelas contas chegou a movimentar, entre 1996 e 1999, de acordo com o procurador da República, Luiz Francisco Fernandes de Souza, ao redor de 30 bilhões de dólares, levando-se em conta apenas a conexão Foz do Iguaçu.
Em depoimento ao Senado, na semana passada, as procuradoras Raquel Branquinho Nascimento e Valquíria Quixadá Nunes mostraram que o esquema de lavagem utilizava doleiros em Foz do Iguaçu e contas CC5 abertas em nome de laranjas nas agências do Banestado, Banco do Brasil, Bemge, Banco Araucária e Banco Real. Os dólares eram remetidos a instituições financeiras no exterior, e grande parte foi parar na agência do Banestado em Nova York. As investigações revelaram 137 contas em Nova York, com depósitos de US$ 14 bilhões. BANESTADO “O caso do Banestado é sintomático e comprova que a fiscalização tem de ir às agências para combater a lavagem de dinheiro”, retoma Belsito. Afinal, lembra ele, a liberalidade do BC favorece o avanço da sonegação, do crime organizado e da violência. E a fiscalização, nesta área, defende eles, deveria ser estendida a outras empresas autorizadas a trabalhar com a troca de moedas, mas que não são instituições financeiras, como as casas de câmbio, as agências de turismo, hotéis e outros, o que hoje seria inviável por falta de pessoal e de vontade. (LJ)
Dida Sampaio/AE-Foto modificada pela redação/arte
NACIONAL
Sem recursos sequer para pagar a conta de luz, BC é impotente para fiscalizar o envio de recursos para o exterior (contas CC5), ainda mais facilitado por legislação que permite o registro de empresas pela Internet; este é mais um resultado da lógica do “Estado mínimo“
■ Sede do BC, em Brasília: guardião da moeda está indo para o ralo, por falta de recursos corretoras de valores, fundos de investimento, administradoras de cartão de crédito e consórcios). Dos mil funcionários aprovados em um concurso realizado há dois anos, recorda Belsito, 200 já deixaram o BC. Só em São Paulo, há 140 vagas abertas para fiscal que não são preenchidas. Motivo? O salário de ingresso no ban-
co, ao redor de R$ 3,2 mil, não é atualizado há quase quatro anos. Sem pessoal, a instituição não fiscalizava o setor de consórcios, onde continuam ocorrendo graves crimes contra a economia popular, desde 1996.“O serviço foi retomado agora, mas ainda de forma lenta”, acrescenta Belsito. O mesmo acontece na área de cooperativas de crédito.
Banco é o pior dos piores Oswaldo Braga, de Brasília (DF) m março, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) divulgou um estudo sobre a fiscalização e a atuação de sete agências e instituições públicas que controlam o consumo de produtos e serviços. Conclusão: a pior nota foi mesmo a do BC: 2,6. Entre os quesitos avaliados estão a transparência dos procedimentos, a efetividade da fiscalização e a atuação em prol do consumidor. O BC teve nota zero no item “existência de canais para a participação e queixa dos consumidores”. “Desde meados dos anos 90, foi feita a opção de inspecionar apenas os grandes conglomerados, aquelas empresas que, no caso de uma situação crítica, podem colocar em risco todo o sistema financeiro. Deixaram de lado instituições como as cooperativas de crédito, os consórcios, os pequenos bancos. A maioria dos clientes usa esses serviços e fica sem nenhuma proteção”, alerta o economista Afonso Magalhães,funcionário do BC há 27 anos. A fiscalização do BC acompanhou o processo de concentração econômica no país e a conseqüente exclusão dos pequenos correntistas do grande mercado financeiro. O BC foi atingido pelo arrocho orçamentário do governo Fernan-
do Henrique Cardoso. Presente em dez capitais, a instituição concentrou a área de fiscalização em Brasília, São Paulo,Porto Alegre e Belo Horizonte. Os técnicos dessas cidades passaram ser responsáveis pelo sistema financeiro em todo país.“Ganhamos muito em equipamentos e informatização, mas, apesar das reposições, o quadro de funcionários continua pequeno em relação à demanda de trabalho, ele não dá nem para cumprir nossas atribuições básicas”, critica Álvaro Lima Freitas Jr., que trabalha no BC há 11 anos, nove na fiscalização. FRAUDE Freitas acrescenta que, depois da primeira reforma da previdência, em 1998, muitos funcionários aposentaram-se. Além disso, houve evasão devido à defasagem salarial em relação à iniciativa privada e a outras carreiras públicas que exigem qualificação semelhante. Outro problema são as interferências indevidas no trabalho dos técnicos. Muitos pareceres que apontam problemas ou indícios de fraudes em uma determinada instituição não são considerados nas instâncias superiores. “Esse é um problema histórico do BC, desde a sua criação. Aqui, a influência política dos banqueiros fala mais alto”, lembra Afonso Magalhães.
BRASILEIROS
NACIONAL
Desempregado, Mauro Barbosa se uniu com amigos para fundar uma cooperativa de catadores de papel, mas tinha o nome sujo por não pagar prestações de eletrodomésticos; sanada a dívida, a cooperativa foi aberta e agora sofre para pagar a perua que faz a coleta do material
Juros altos: o martírio dos pequenos
■ Mauro Barbosa, sócio da cooperativa Lajeado, em São Paulo
Com dinheiro emprestado da cunhada, que mora com a família de Barbosa, a dívida na loja foi paga. E os cooperados puderam,então,entrar com a documentação na Junta Comercial.
alugar um galpão de 300 metros quadrados por R$ 400,00 e comprar uma balança por R$ 300,00. Alguns cooperados com experiência de pedreiros construíram escritório, cozinha e banheiro, no fundo do terreno. Mas logo começaram a aparecer outros problemas. No mercado de reciclagem, a maioria das empresas compra material em grande quantidade. Como os cooperados recolhiam lixo em carrinhos de mão, o volume arrecadado era
ESPERANÇA... A Cooperativa Lajeado começou a funcionar. Os trabalhadores fizeram uma campanha no bairro e, no primeiro mês, guardaram tudo o que arrecadaram no fundo da casa de uma sócia. Depois, conseguiram
É difícil pagar a conta de luz ro do Lajeado, zona Leste da cidade de São Paulo. Terça-feira, dia 20, Barbosa chegou na cooperativa às seis da manhã. Encontrou os outros sócios e, juntos, iniciaram a coleta. “Chegamos cedo nas terças e quintas porque são os dias em que o caminhão de lixo passa. Se bobeamos, ficamos sem nada”, conta Barbosa.Todos participam, mesmo os responsáveis por tarefas administrativas. Uns fazem o recolhimento em carrinho de mão, outros vão com as duas peruas. Depois da coleta, todo o material é depositado no galpão e começa a separação dos produtos. “Descobrimos que não adianta vender o material bruto. Se separamos os plásticos, por exemplo, podemos conseguir mais”, explica. Antes da cooperativa, Barbosa vendia chocolates em vagões de trem. Prefere a atividade atual. “É muito incerto o trabalho de marreteiro. Tem dia que você perde tudo, os guardas tomam”, diz. Mas com a
cooperativa tem mais esperança: “Olha, se até o final do ano gente conseguir tirar uns R$ 250,00 todo mês, eu vou ficar feliz”. (JPF) Luciney Martins/Rede Rua
esmo depois que sofreu um acidente e ficou com problemas em uma das pernas, Mauro Barbosa não perdeu o costume das longas caminhadas. Não poderia ser diferente em uma cidade em que a passagem de ônibus custa R$ 1,70. Se pegasse ônibus diariamente, gastaria R$ 85,00 por mês. Para quem ganha R$ 150, 00 Barbosa precisa caminhar, por 50 minutos, de casa até a Cooperativa do Lajeado. Às vezes, a economia da passagem de ônibus não basta. “Tem mês que falta dinheiro para pagar a luz, a água. Nessas horas, minha cunhada nos ajuda”, conta o catador. O filho de 22 anos ajuda no orçamento doméstico com R$ 200,00 – pouco menos da metade do salário que recebe como operár io, numa confecção. “Como a cooperativa ainda está no começo, nem conto com o dinheiro de lá”, diz o catador, que vive com a esposa, três filhos e um neto. Todos moram, de favor, no fundo da casa da cunhada, no bair-
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Fachada (foto abaixo) e linha de produção da Cooperativa do Lajeado (ao lado): mesmo com a ajuda dos amigos, e recolhendo material para reciclagem com carrinho de mão, os juros cobrados pelos bancos tornam impossível o pagamento das dívidas; o resultado é o desespero
pequeno. Assim, tinham de vender para intermediários por um preço menor.Barbosa propôs uma solução: “Eu falei para comprar uma perua; só assim o negócio iria pra frente.” Barbosa até pensou em pegar dinheiro emprestado em um banco comercial. Mas outra sócia, Marisa Augustos Escantambulo, não concordou.“Era loucura. Primeiro, porque nós nem conseguiríamos, não tínhamos como dar garantias. Segundo, porque os juros são muito altos. Decidimos não ir ao banco”, lembra Marisa.A Cooperativa do Lajeado faz parte do grupo de pequenas empresas que sobrevive à margem do mercado financeiro. Segundo pesquisa do Sebrae, apenas 10% de empreendimentos de pequeno porte conseguem financiamento. “As altas taxas de juros, a burocracia e as garantias exigidas pelos bancos estão além da possibilidade dos pequenos empresários”, explica o economista Pedro Gonçalves, do Sebrae. A pesquisa comprova: 90% das micro e pequenas empresas se financiam com o pagamento antecipado de fornecedores, com cheque pré-datado ou com dinheiro emprestado de pessoas físicas. “Os juros altos têm dois impactos sobre as micro: reduzem o consumo e dificultam ainda mais o financiamento”, explica Gonçalves. ...E MAIS DÍVIDAS A solução encontrada pela Cooperativa do Lajeado foi financiar a compra da perua com o próprio trabalho. Os cooperados não viram a cor do dinheiro durante seis meses de atividade. Todo o ganho foi destinado ao pagamento das dívidas.“Não agüentava mais ouvir do meu filho: que trabalho é esse que você sempre volta com o bolso vazio?”, lembra Marisa. Muitos cooperados desistiram. Hoje, dos 60 trabalhadores fundadores da Lajeado, apenas 20 continuam. Depois do sofrimento, a perua foi comprada e, no final do ano passado, cada cooperado conseguiu o primeiro salário: R$ 50,00. Em fevereiro deste ano,foram R$ 175,00 para cada trabalhador. Mas, em março, a situação piorou novamente. “Compramos uma nova perua e, agora, estamos com dificuldade de pagar”, explica Barbosa. Depois de seis meses de tentativa, a Lajeado conseguiu um empréstimo do São Paulo Confia – programa de crédito popular da prefeitura paulistana que financia pequenos empreendimentos a juros baixos.“Pedimos R$ 5 mil, mas só conseguimos R$ 3 mil. Mesmo assim, compramos a perua. Agora, vamos passar um pouco de sufoco. Mas é só assim, aos trancos e barrancos, que a gente vai conseguir”, resume Barbosa.
BRASIL DE FATO De 22 a 28 de maio de 2003
DEMISSÃO E CONTAS A situação piorou. O salário começou a atrasar e, em 1999, a empresa que o havia contratado decidiu cortar empregados. Barbosa foi demitido. No mesmo dia, com o dinheiro que recebeu de indenização, decidiu quitar suas dívidas.“Eu somei todas as parcelas que não paguei e fui até as lojas. O dinheiro ia dar certinho”, lembra. Chegando na primeira loja, surpresa: a dívida havia crescido. Barbosa pagou e, depois, foi à segunda loja. “Aí não deu, o valor tinha crescido muito. Foi por causa dos juros”, explica. Barbosa está certo. O comércio cobrou,em 2002,uma taxa média de juros de cerca de 116%, segundo o Banco Central. Para se ter idéia, uma geladeira que custasse R$ 1.000,00 sairia por R$ 2.116, 00 em doze parcelas. A dívida dele havia duplicado. Resultado: o nome de Barbosa foi para o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e ficou a certeza de que comprar a prazo é um péssimo negócio.“É horrível isso. Mas quem não tem dinheiro, só pode comprar as coisas a prestação”, explica.
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catador de papel Mauro Barbosa nem imaginava que os diretores do Banco Central (BC) estavam reunidos, dia 20, para definir se a taxa de juros cairia. Quando ficou sabendo, começou a torcer para que os juros fossem reduzidos. E não é para menos. Barbosa experimenta o impacto das decisões do BC de duas formas: como consumidor e como empreendedor. Em maio de 2002, esse paulistano de 45 anos – e mais 60 exintegrantes do programa Começar de Nova da Prefeitura de São Paulo – decidiram montar a Cooperativa de Reciclagem do Lajeado. Ele seria um dos diretores e teria de fornecer seus dados para registrar a empresa. Aí surgiu o primeiro problema.“Quando ouvi o comentário de fazer o estatuto da cooperativa, fiquei pensando, envergonhado:‘só falta não dar certo por minha causa!’”, lembra Barbosa. Foi então que Barbosa avisou aos companheiros que estava com o nome sujo, cadastrado no Sistema de Proteção ao Crédito (SPC), e teria que limpá-lo. “Em 98, fui comprar um fogão e fiz um crediário. Depois, não consegui mais pagar”, explica. Barbosa, quando fez a compra a prazo, tra-
balhava como porteiro. Como tinha emprego fixo, resolveu terminar de montar a cozinha de sua casa. A idéia era pagar tudo em 12 vezes.“Mas as parcelas estavam muito altas e eu não ia deixar faltar comida em casa”, diz Barbosa, que só pagou três prestações.
Luciney Martins/Rede Rua
Jorge Pereira Filho, da Redação
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NACIONAL
João Sicsú: governo federal esquece compromissos eleitorais, para implementar o Plano A+, em consonância com as exigências do sistema financeiro; Maria Lúcia Fattorelli: Congresso Nacional concede nova anistia às dívidas bilionárias das megacorporações para com o INSS
ENTREVISTA
Governo radicaliza ortodoxia econômica Anamárcia Vainsencher, da Redação
Brasil de Fato – O que mudou na política econômica do governo Lula em relação à do governo anterior? João Sicsú – Todos esperávamos que a política econômica mudasse em 2003. Em 2002, todos os candidatos à Presidência sugeriram mudanças, inclusive o do governo, José Serra. O eleitorado avaliou que Lula era o mais autêntico, isto é, que suas palavras durante a campanha eleitoral teriam correspondência com suas atitudes futuras no governo. O eleitorado avaliou também que Lula e sua equipe seriam capazes de fazer as mudanças de que a economia e o país necessitam. Mas as palavras do candidato Lula no período eleitoral não têm correspondido às suas atitudes nos primeiros meses de governo, pelo menos no que se refere à política econômica. Lula está mudando a política econômica anterior, mas não conforme o prometido. Está aprofundando o que a dupla Malan-Fraga já estava fazendo nos últimos quatro anos do governo Fernando Henrique Cardoso. É por isso que tenho dito que FHC tinha um plano A para economia, e Lula tem um plano A+, não um plano B, alternativo.
BRASIL DE FATO De 22 a 28 de maio de 2003
BF – Dada a vulnerabilidade externa da economia, o que seria possível fazer? Sicsú – A vulnerabilidade externa é, de longe, o maior problema a ser resolvido. Essa tal vulnerabilidade, ou fraqueza, é o que causa a volatilidade excessiva do preço do dólar. A taxa de câmbio é um preço estratégico. Quando o preço do dólar sobe bruscamente, isso causa inflação, gera expectativas pessimistas e desemprego. Quando cai bruscamente, reduz a capacidade de exportar, gerando ameaças de desemprego também. O que faz o dólar variar tanto são, basicamente, transações financeiras. Portanto, o governo deve reduzir a quantidade de transações que os mercados financeiros doméstico e internacional podem realizar no país.
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BF – Mas que medidas específicas poderiam ser adotadas? Sicsú – Primeiro, desestimular a entrada de capitais especulativos de curto prazo. Basta fazer uma CPMF específica para essas transações. É só estabelecer uma alíquota regressiva em relação ao tempo de permanência dos capitais no país, ou seja, quanto menor o tempo de permanência, maior o imposto. Temos de diminuir a rentabilidade das operações de curto prazo. Em segundo lugar, temos de proibir que residentes, bancos e empresas instalados no país possam, a qualquer momento, dolarizar suas riquezas, isto é, remetê-las para o exterior. Gostaria de lembrar que essas duas medidas são instrumentos utilizados para viabilizar alguns dos chamados controles de capitais, mas não rompem com quaisquer contratos.
BF – O endividamento interno não é administrável? Sicsú – Obvio que é! O importante, aqui, é manter uma relação dívida/PIB descendente ao longo do tempo. E isto se pode fazer reduzindo a taxa de juros, impedindo que o preço do dólar vá as alturas, estimulando o crescimento econômico e fazendo algum superávit primário fiscal. Entretanto, o governo Lula optou por concentrar todos os esforços somente em uma dessas variáveis, exatamente naquela que tem o caráter recessivo na equação, que é o superávit fiscal de 4,25% do PIB, superando a meta proposta por FHC, que era de 3,75%. Percebam como o plano de Lula é A+! BF – Por que o governo escolheu essa estratégia para administrar a relação dívida/PIB? Sicsú – É importante mostrar aos credores que o governo tem condições de honrar as suas dívidas. Calote é desmoralizante, tanto para quem deu, quanto para quem tomou. O problema é que o governo Lula se contenta em mostrar que tem condições de honrar seus compromissos financeiros. Isso é tão óbvio, quanto é pouco. O governo deve manter o controle sobre as finanças públicas para fazer mais do que isso, deve adquirir as condições de fazer uma política fiscal de gastos para ter condições de estimular o crescimento construindo estradas, ferrovias, escolas, hospitais etc. Mas há mais para ser dito sobre essa estratégia fiscal do governo Lula. Com um superávit primário de 4,25% do PIB, a política de gastos públicos está quase anulada. Nessas condições, o que predomina é a política recessiva de corte de orçamento dos diversos ministérios. Avalio que com um superávit primário de 3,25% do PIB seria possível adotar uma estratégia de administração responsável da dívida com uma política fiscal de gastos, desde que os juros fossem drasticamente reduzidos e o câmbio mantido sob razoável estabilidade. Estou falando baseado em cálculos. BF – Estamos no quarto mês do novo governo, ainda esperando alguma mudança na política econômica. Acredita que isso é possível? Sicsú – Não e sim. Não, porque o governo optou por um modelo de política econômica da ortodoxia conservadora, cuja meta econômica mais imediata é ganhar credibilidade, principalmente perante os mercados financeiros doméstico e internacional e, em segundo lugar, perante os políticos e formadores de opinião conservadores. Além disso, Lula montou uma equipe econômica conservadora, quer abrir mão do poder de fazer política monetária (de definir a taxa de juros), quer entregá-la a um banco central autônomo. Lula anulou a capacidade do governo de fazer política fiscal com os megasuperávits primários de 4,25%, o que
Quem é
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té prova em contrário, a política econômica seguida pelo governo Lula segue os moldes da mais pura ortodoxia. No modelo adotado, superávit fiscal primário e conquista de credibilidade do sistema financeiro são as metas principais. Ao invés de adotar uma política alternativa, um plano B, o governo preferiu radicalizar o plano A, do governo Fernando Henrique Cardoso, implementando um plano A+. É o que afirma, em entrevista ao Brasil de Fato, João Sicsú, doutor em economia e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
surpreendeu até o FMI. Não quer intervir no câmbio, nem reduzir a liberdade de movimentação de capitais com o exterior. Se algo for mudado, ainda que pouco em relação a este receituário, a credibilidade acumulada se esvai. Acredito que tudo isso pode ser mudado sim, mas apenas porque sou um sonhador. Não acredito que isto que estou vendo seja realidade. Acho que a esperança ainda pode virar o jogo sobre o medo, mas até agora está perdendo, e de goleada. Enfim, o meu não à sua pergunta é motivado pela razão; o meu sim é motivado pela emoção, pelos meus sonhos.
BF – Até agora, o desemprego continua a aumentar, os reajustes do mínimo e dos servidores foram pífios, a produção voltada para o mercado interno está quase parando. Até quando esse quadro se sustenta? Sicsú – A química do momento é muito perigosa. A situação pode se agravar mais do que no governo FHC. Um governo com um presidente ligado aos movimentos sociais tem mais autoridade para pedir paciência à população. Certamente, os movimentos organizados e a população serão mais condescendentes com Lula do que foram com FHC. Os protestos de forma generalizada serão, portanto, tardios. Chegarão, se for o caso, com enorme atraso. Talvez somente venham a ocorrer de forma mais intensa se a situação já estiver irrecuperável, beirando uma grave crise. Foi assim com De La Rúa, de repente a Argentina explodiu. Ele seguiu rigorosamente o receituário do FMI. BF – Quais as chances de sucesso do governo Lula? Sicsú – Se mantiver esse modelo de política econômica, só dará certo com muita sorte. Dar certo, para mim, significa que a economia crescerá, haverá uma redução drástica do desemprego, a inflação será mantida sob controle e haverá alguma melhora na distribuição da renda. Mas Lula vem adotando o plano A+, derivado do plano A de FHC que, em seis dos oito anos que governou, teve que enfrentar crises externas (mexicana, asiática, russa...) e internas (choque energético) com drásticas desvalorizações da moeda nacional, elevações da taxa de juros, descontrole da inflação, e o resultado foi que a economia cresceu a taxas medíocres. Os choques, segundo avaliação da equipe econômica de FHC, impediram que a economia decolasse. A questão central é que choques são um evento comum, e não a exceção no mundo capitalista moderno.
João Sicsú é professor-doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde leciona disciplinas de macroeconomia e economia monetária nos cursos de graduação e pós-graduação. É pesquisador do CNPq e autor de diversos artigos em revistas especializadas no Brasil e no exterior. É co-organizador e autor dos livros Macroeconomia Moderna (Editora Campus, 1999) e Macroeconomia do Emprego e da Renda (Editora Manole, 2003); e co-autor do livro Economia Monetária e Financeira (Editora Campus, 2000). Correio eletrônico: jsicsu@terra.com.br Página na internet: www.ie.ufrj.br/moeda
BF – Afinal, quais deveriam ser os objetivos de um plano alternativo? Sicsú – Lula não deveria apostar na sorte de não trombar com choques domésticos ou externos, mas sim em um modelo de política econômica que reduzisse os efeitos sobre o país desses choques que provavelmente ocorrerão. Em segundo lugar, o seu modelo deveria buscar recuperar a capacidade do governo de fazer política econômica – fazer políticas fiscal, monetária e cambial para promover o crescimento e reduzir o desemprego. A fórmula alternativa existe, é defendida por inúmeros economistas, está nos livros e artigos de economia, não é nenhum “invencionismo”. Além disso, não quebraria
contatos, não causaria sobressaltos, não provocaria mudanças bruscas e não assustaria o empresariado. Mas, certamente, os mercados financeiros doméstico e internacional ficariam incomodados com a falta de liberdade para realizar operações especulativas de curto prazo com altas taxas de juros. Os formadores de opinião e políticos conservadores iriam esbravejar. Mas toda opção de modelo de política econômica gera custos e benefícios. O presidente é quem pode e deve escolher quem carregará os custos e quem receberá os benefícios. Portanto, toda a responsabilidade pela adoção do plano A+, ou por qualquer plano alternativo, será sempre do presidente da República.
ANÁLISE
Refis garante anistia bilionária às grandes corporações Maria Lúcia Fattorelli Carneiro, especial para o Brasil de Fato Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória 107, que anistia devedores da Previdência, inclusive aqueles que descontaram a contribuição previdenciária de seus empregados e não a repassaram ao INSS. Esses podem aderir ao Refis II, o Programa de Recuperação Fiscal que, em sua primeira edição, permitiu às empresas devedoras do Fisco e do INSS renegociarem débitos acumulados em R$ 178 bilhões (mais da metade da arrecadação anual do fisco federal) para pagamento em um prazo médio de 99 anos. Enquanto um desesperado qualquer que rouba alimentos é condenado e permanece durante anos na prisão (ainda que devolva o fruto de seu roubo), aqueles que cometem crimes contra a ordem tributária podem efetuar o pagamento dos impostos sonegados em condições privilegiadas. No dia 14 de maio foi divulgado pelo Ministério da Previdência a lista das empresas devedoras da previdência, cujas dívidas somam R$ 153 bilhões. Porém,desse montante, R$ 48 bilhões se referem a devedores que aderiram ao Refis e outros parcelamentos especiais,e não estão incluídos na lista.Também não se incluem na lista de devedores aquelas empresas que contam com a garantia de depósitos judiciais (ou seja, estão contestando o débito). As empresas que aderirem ao novo Refis também podem ser excluídas. Os privilegiados deste país continuam sendo o setor finan-
ceiro – que recebe os juros da dívida, que consomem 60% do que pagamos de impostos – e os grandes devedores da Previdência, ao mesmo tempo em que os servidores públicos são fortemente penalizados, e os trabalhadores do setor privado continuam sofrendo as graves consequências da retirada de direitos imposta por FHC, na reforma previdenciária de 1998. Já há consenso na sociedade de que há espaço para a redução imediata dos juros. Até mesmo banqueiros dizem que eles podem baixar de 26,5% para, por exemplo, 12% ao ano. A redução ocasionaria uma economia de R$ 100 bilhões anuais! Cabe ao Partido dos Trabalhadores honrar sua história, obedecendo a seu verdadeiro programa de governo, elaborado com a participação de toda a sua base, em março de 2002, que diz, na página 46, item 51: “... Será necessário denunciar do ponto de vista político e jurídico o acordo atual com o FMI, para liberar a política econômica das restrições impostas ao crescimento e à defesa comercial do país (...) O Brasil deve assumir uma posição internacional ativa sobre as questões da dívida externa, articulando aliados no processo de auditoria e renegociação da dívida externa pública.” Maria Lucia Fattorelli Carneiro é auditora fiscal da receita federal, presidente da delegacia sindical do Unafisco em Belo Horizonte, coordenadora do Fisco Fórum-MG e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida pela Campanha Jubileu Sul.
ANÁLISE
NACIONAL
O processo que a Executiva Nacional do PT abriu contra três parlamentares ganha a dimensão de escândalo nacional, promovido por uma mídia sensacionalista e ideologicamente determinada a estigmatizar como “radicais” os que se opõem às reformas
Da Redação Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores resolveu abrir processo disciplinar contra três parlamentares de sua banca: a senadora Heloísa Helena e os deputados João Batista Oliveira de Araújo e Luciana Genro. A causa imediata: suas declarações públicas de discordância com relação ao projeto de reforma da previdência. É claro que a divergência deles – e de outros parlamentares, lideranças e de muitos militantes do partido – não está apenas e tão-somente no projeto da previdência, mas em vários atos e comportamentos do governo empossado em 1º de janeiro de 2003. Não todos sobre as mesmas questões, mas muitos sobre a avaliação do novo governo. O processo ganhou as dimensões de um escândalo nacional, fabricado por uma mídia ávida
de sensacionalismo e, em geral, hostil ao PT (mesmo quando aplaude medidas adotadas pelo governo federal no âmbito da economia). Significativamente, enquanto fazia um barulho infernal com o processo do PT, a mídia quase não noticiou que o PSDB ameaçava de expulsão sumária alguns de seus deputados que haviam se pronunciado favoráveis às reformas propostas pelo governo. Onde está a “objetividade jornalística”? Todo partido tem o direito de fechar questão e exigir fidelidade e disciplina de seus filiados, no momento certo, após amplo debate. Historicamente, no Brasil, nenhum partido de grandes dimensões aplicou na prática, mais do que o PT, essa concepção democrática. Quando todas as outras agremiações alugavam as suas legendas ou disputavam cargos no governo, oferecendo um espetáculo de-
gradante de fisiologismo, o PT dava provas de coerência, seriedade e respeito à ética defendida por seu próprio programa. No caso em questão, a “fome de escândalos” da mídia, bem com sua hostilidade ao PT foram alimentadas pela forma com que a polêmica foi conduzida pela direção do partido. O processo aberto contra os parlamentares abortou o debate interno, impediu o amadurecimento da polêmica pelos caminhos democráticos tradicionalmente percorridos pelo partido, e atingiu quem sempre seguiu tudo aquilo que o PT defendeu. São antigos e leais militantes, todos eles com história de lutas e com grande respaldo popular em seus Estados. A mídia tratou o caso com extraordinário apuro. Aproveitou para estigmatizar os “dissidentes” com a etiqueta de “radicais”, com tudo o que ela implica de pejorativo. O obje-
Dida Sampaio/AE
Mídia usa processo do PT para fazer campanha
■ Senadora Heloísa Helena, em seu gabinete: estigmatizada como “radical“ pela mídia tivo é desautorizar, jogar para escanteio todos aqueles que se opõem às receitas preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A mídia não faz a cobertura do caso. Faz uma campanha.
Colaborou Hamilton Octávio de Souza, de São Paulo
Veja, na seção Debate, pág. 14, as avaliações do presidente nacional do PT José Genoíno e do deputado federal João Batista Babá (PT-PA).
ENTREVISTA
efinida pelos editores como espaço de “análises oriundas do campo marxista, em toda a sua gama de expressões diferenciadas”, a revista Margem Esquerda foi lançada pela Boitempo, na 11a. Bienal Internacional do Livro, se-
mana passada, no Rio de Janeiro. A nova revista chega às livrarias com a proposta de “oferecer elementos de conhecimento e de crítica das formas de domínio do capital” e de tornar-se “a expressão de uma frente de esquerda que se propõe a repor o trabalho crítico e desmistificador de desvendamento da realidade social capitalista”.
EDUCAÇÃO
Estudantes lutam por moradia Rafael Bellan, de Bauru (SP) erca de 60 estudantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru (SP), estão acampados em uma sala de aula desde o dia 23 de abril. Impulsionado pelos diretórios e centros acadêmicos, o movimento se iniciou após deliberação em assembléia dos estudantes. O objetivo da ocupação é a construção de blocos de moradia estudantil. “O campus de Bauru, apesar de ser o maior dentre os 17 existentes da Unesp, não possui infraestrutura de assistência estudantil. Além de não possuir moradia, a unidade também não oferece restaurante subsidiado e tampouco assistência médica”, explica o estudante Marcos Santos, membro do Comando de Ocupação. Esses benefícios, oferecidos pelas demais universidades públicas, são direitos estudantis que visam garantir o acesso e a permanência de estudantes de baixa renda na universidade:“A Unesp conta com cerca de 54% de alunos provenientes de escola pública, ou seja, de representantes das camadas populares que, sem assistência estudantil, abandonam seus respectivos cursos e voltam para casa”,
afirma Marcele Pereira, estudante do 4o ano de jornalismo. Na Unesp/Bauru somente 26% dos pedidos de bolsa de auxílio ao estudante carente são atendidos. Essa bolsa concede R$180,00 mensais ao aluno, um valor que se coloca abaixo do mínimo necessário para que o estudante se mantenha numa cidade do porte de Bauru. A reivindicação por moradia estudantil no campus é antiga. Desde 1989, vários movimentos foram realizados a fim de garantir o acesso dos estudantes carentes aos benefícios, mas os resultados foram apenas auxílios-moradia, com valores aquém das necessidades e acordos não cumpridos. A assessoria de imprensa da Reitoria afirmou em nota que a moradia será pauta de discussão na reunião do Conselho Universitário, órgão máximo da universidade, no dia 26 de junho. Entretanto, segundo Daniel Arnelas, um dos estudantes ocupantes, “apesar de estar pautada, não há garantias de que a moradia seja aprovada; basta lembrar que a moradia para Bauru foi aprovada em 1999 e, seis meses depois, desaprovada”, e enfatiza: “Nós só sairemos da ocupação quando os blocos estiverem prontos”.
Compõem o conselho editorial da Margem Esquerda representantes do pensamento de esquerda nacional e internacional como Francisco de Oliveira, Marcelo Ridenti, Ricardo Antunes, Michel Lowy, Pablo Gentile, entre outros.Abaixo, o sociólogo Emir Sader, também do conselho editoral, fala sobre a revista e o cenário político brasileiro.
Brasil de Fato – Qual a proposta da revista Margem Esquerda, a que público se dirige, onde poderá ser encontrada? Emir Sader – É uma revista marxista. Portanto, uma revista de crítica e de propostas de transformação na direção do socialismo. Como diz a própria frase de Marx contida na quarta capa da revista: “É certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas, que o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria converte-se em força material quando penetra nas massas.” BF – Em um país que acaba de eleger um governo que vem das correntes de esquerda, qual é, agora, a “margem esquerda” da política nacional?
ES – A margem esquerda é aquela que se opõe à hegemonia do capital financeiro, do latifúnido, das grandes corporações monopolistas industriais e comerciais. Aquela que luta por um projeto de hegemonia popular, que transformou as estruturas econômico-sociais, políticas e culturais, na direção de sua democratização e sua socialização.
BF – Quais são as principais bandeiras da esquerda brasileira hoje? ES – As principais bandeiras da equerda hoje são, portanto, luta contra o capital especulativo e contra as taxas de juros escorchantes, pela distribuição de renda a favor das classes populares, pela reforma democrática do Estado e pela democratização da cultura – de sua produção e do acesso a ela.
Quem é Emir Sader é sociólogo e professor das universidades de São Paulo e Estadual do Rio de Janeiro. É autor de vários livros, incluindo O Anjo Torto Esquerda (e Direita) no Brasil e Cartas a Che Guevara.
BF - Como essa a pública dentro do PT repercute na população e de que forma pode afetar os altos índices de confiança e esperança depositados no governo? ES – O PT, se quiser se afirmar como partido, tem de ser um espaço democrático e pluraliasta de debate das alternativas para o Brasil hoje. Como diz o governo, se se trata de um governo de centroesquerda, é preciso que o PT seja o reprentante das forças de esquerda nessa aliança. Para isso, precisa ampliar e não estreitar os espaços de debate, de elaboração e de proposição. Precisa igualmente ajudar a reforçar os órgãos de imprensa existentes, contribuir para sua multiplicação. Disso depende em grande parte o sucesso do governo de Lula e o fortalecimento do PT como partido.
HOMENAGEM
Morre o jurista e acadêmico Raymundo Faoro Da Redação orreu, dia 15, às 7 horas, no Hospital Copa d’Or, no Rio de Janeiro, o jurista e historiador Raymundo Faoro, vítima de enfisema pulmonar.Tinha 78 anos e era membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).Teve importante papel no movimento pela anistia e pela abertura democrática.
Faoro nasceu emVacaria (RS), em 27 de abril de 1925. Filho de agricultores, formou-se em Direito, em 1948, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Transferiu-se, em 1951, para o Rio, onde foi procurador Depois de se tornar famoso pelo livro “Os Donos do Poder” (1958), obra que se tornou clássica como descrição da histórica utilização dos serviços públicos
brasileiros por interesses privados, foi presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de 1977 a 1979, tendo lutado pela redemocratização. Em 1989, após quase uma década de amizade e debates políticos, Lula propôs que Faoro fosse vice em sua chapa presidencial, mas o convite foi recusado. Foi enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo.
BRASIL DE FATO De 22 a 28 de maio de 2003
Áurea Lopes, da Redação
Arquivo JST
Editora lança revista marxista
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NACIONAL
No Rio e em São Paulo, a violência policial faz vítimas entre trabalhadores inocentes e cria uma perigosa cultura da repressão; no Espírito Santo, militantes que combatem a monocultura do eucalipto são ameaçados de morte; em Petrópolis (RJ), sindicalista sofre perseguição
DIREITOS HUMANOS
Cláudia Jardim, da Redação m 12 dias, mais de 100 bandidos mortos”, comemorava o secretário de segurança do Estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, no dia 13.A frase revela a vitória da cultura da repressão como único mecanismo para conter o crime organizado. Mas a mera repressão não consegue derrotar os criminosos que comandam um Estado paralelo no Rio. Em contrapartida, as freqüentes operações de patrulhamento provocam mortes e pânico na população. No final da tarde de 17 de abril, segundo relatos de moradores do bairro do Borel, policiais militares subiram aVila da Preguiça e começaram a atirar, sem ao menos dar chance aos moradores para se identificar. Ao final da operação, chamada pelos moradores de “massacre”, havia quatro mortos e um ferido. Para a PM, todos eram traficantes. Porém, segundo o dossiê elaborado pelos moradores da favela e mais 27 entidades, encaminhado ao presidente da República e ao Ministro da Justiça, “os quatro jovens mortos na operação eram trabalhadores honestos”. Sueli Lima, diretora da Associação de Moradores do Borel, completa: “Morreram em uma ação estúpida e sem propósito”. “As pessoas estão traumatizadas e com medo da polícia. Nunca vi algo assim”, acrescenta Ruth Pereira de Barros, moradora do Borel há 52 anos. Após uma marcha silenciosa de protesto que reuniu cerca de mil pessoas, dia 8, Garotinho prometeu apurar os fatos e punir os culpados. O caso está sendo investigado pelo 20º Distrito Policial do Grajaú. O secre-
tário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, pretende criar uma comissão especial para investigar as denúncias. “O extermínio das populações empobrecidas é mais um reflexo da política de eliminação das camadas sociais entendidas como descartáveis: negros, favelados, jovens, estudantes e desempregados. O exercício do arbítrio e a impunidade geram o medo de denunciar essas práticas, fazendo com que essas populações se tornem reféns”, diz o dossiê dos moradores.
Sistema único será implantado no país O governo pretende concluir a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) em todo o país, nos próximos dois meses, afirmou o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, durante a assinatura do termo de adesão do Rio de Janeiro ao Plano de Segurança Nacional, dia 14. Já assinaram o termo de adesão os Estados do Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No dia 29, será vez do governo de São Paulo. Em seguida, virão os Estados das regiões Norte e Nordeste. Uma das propostas do SUSP é a organização de um sistema único de informação entre os Estados. Os dados sobre ocorrências policiais estarão disponíveis em uma rede para todo o país. Assim, as polícias estaduais terão informações sobre criminosos de outros Estados.
ESPÍRITO SANTO
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uem é contra a monocultura do eucalipto e de suas devastadoras conseqüências sobre o meio ambiente, está marcado para morrer. Parece filme de ficção ou bangue-bangue do velho oeste. Mas não é. Está acontecendo com as lideranças de movimentos sociais do Norte do Espírito Santo – como Jair Lima e Valmir Noventa – segundo carta-denúncia divulgada no dia 13 pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde, movimento integrado por cerca de 100 entidades que combatem a monocultura do eucalipto e seus impactos no Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro. As ameaças, segundo a Rede, têm o objetivo de intimidar a divulgação de informações sobre o uso excessivo de agrotóxicos no plantio de eucalipto, e a mutilação de trabalhadores na indústria de celulose. A empresa Aracruz Celulose é uma das principais responsáveis pela implantação da monocultura do eucalipto naqueles Estados. Vários depoimentos colhidos, em sessão recente, por uma comissão da Câmara dos Deputados, denunciam a imposição de condições desumanas de trabalho, em
■ Policiais militares realizam operação no Morro do Borel, na Tijuca, zona Norte do Rio de Janeiro
São Paulo reproduz fórmula ão são apenas os moradores dos morros fluminenses que têm sofrido com a repressão policial. A violência institucionalizada fez com que o número de civis mortos em São Paulo também aumentasse. Segundo dados encaminhados ao Serviço de Apoio Psicológico da Academia de Polícia do Estado, no primeiro trimestre deste ano, 258 pessoas foram mortas por policiais militares, por resistência seguida de mor te, homicídio doloso e culposo – destas, 50 foram mortas enquanto os policiais estavam fora de serviço. Na avaliação do coordenador da Comissão de Direitos Huma-
nos da OAB/SP, João José Sady, um dos motivos desse fenômeno são os baixos salários dos policiais, o que os leva a procurar outras fontes de renda, fazendo “bicos” como seguranças privados. Outro problema identificado por Sady é a política adotada no Estado:“A Secretaria de Segurança Pública está mais preocupada em fazer marketing político do que em cuidar da segurança com seriedade”. Segundo ele, o abandono do Programa de Acompanhamento a Policiais Envolvidos em Ocorrências (Proar), cujo objetivo era avaliar o comportamento dos policiais e acompanhálos com assistência psicológica em caso de ocorrências com mortes,
RIO DE JANEIRO
Ameaças tentam intimidar oposição ao deserto verde Da Redação
Fábio Motta/AE
Polícia do Rio mata trabalhadores
total desacordo com as legislações trabalhistas e de proteção ao meio ambiente por parte da Aracruz. A intimidação também é uma tentativa de cercear a atuação das lideranças de movimentos sociais junto a comunidades afetadas pela monocultura e por agrotóxicos, como as negras rurais quilombolas, índios e pequenos agricultores. O trabalho dessas lideranças, segundo a carta da Rede, incomoda setores retrógrados da sociedade do município de São Mateus e região, que se beneficiam da exploração de trabalhadores da indústria de celulose. Diante dessa situação, a Rede Alerta Contra o DesertoVerde tem reforçado a luta contra a violência e a impunidade que reinam nas cidades do Espírito Santo. Solicitando as devidas providências, a carta-denúncia foi enviada às autoridades de Segurança Pública, Superintendência da Polícia Federal, Procuradoria Geral da Justiça e Procuradoria Geral da República no Espírito Santo, ao diretor geral da Polícia Federal, ao ministério da Justiça e ao Movimento Nacional dos Direitos Humanos (a este foi solicitado divulgar as informações junto aos organismos internacionais dos direitos humanos).
Em Petrópolis, diretor sindical é alvo de pressões Da Redação uase quarenta anos depois do Ato Institucional nº 5, casos de repressão, como perseguição à liberdade sindical, ainda ocorrem no país. É o que vem acontecendo com Roberto Ponciano, diretor do Sindicato dos Servidores das Justiças Federais do Rio de Janeiro (Sisejufe/RJ), que responde a processo criminal aberto pela Procuradoria Regional da República no Estado, no dia 13 de novembro de 2002. A ação atendeu ao pedido do juiz titular da 1ª Vara Federal de Petrópolis, Marcelo Guerreiro, que acusa o sindicalista de prática de calúnia e difamação. Ao pedir a abertura do processo, Guerreiro se baseou em documento, assinado pelo próprio Ponciano, que solicitava uma audiência com a administração da 1ª Vara Federal de Petrópolis para tratar de arbitrariedades apontadas por alguns servidores do órgão. Segundo o Sisejufe/RJ, dentre as arbitrariedades mais graves, estava a representação criminal ao Ministério Público contra três servidores, acusados, entre outras coisas, pelo sumiço de uma lata de Nescau. De acordo com a diretoria do sindicato, à época em que se ini-
ciaram as perseguições aos servidores, estes eram submetidos a uma rotina de humilhações, o que provocava a alta rotatividade de funcionários na 1ª Vara Federal. O processo contra Ponciano será julgado a qualquer momento. Desde o final do ano passado, quando foram constatados os primeiros casos de retaliações, a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União (Fenajufe) e o Sisejufe/ RJ estão em busca de apoio contra as atitudes do juiz Guerreiro. O procurador da República, Luiz Francisco Souza, declarou total apoio ao trabalho do sindicato e se comprometeu a procurar outras entidades de direitos humanos para intervir, tentando o arquivamento do processo.A Fenajufe e o Sisejufe estiveram na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que encaminhou denúncia ao procurador geral da República, Geraldo Brindeiro. A representação da Organização Internacional doTrabalho (OIT) no Brasil informou que a entidade adotará todos os procedimentos normais nos casos de perseguições contra trabalhadores. E a assessoria jurídica da CUT nacional garantiu que intervirá para impedir que o dirigente sindical seja processado.
tem feito com que os “maus” policiais utilizem métodos letais com freqüência. “É o que temos presenciado nas periferias das cidades, onde grupos de extermínio e pistoleiros de aluguel têm aparecido, como em Guarulhos e no interior”. O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, disse que o governo vem lutando para reduzir os índices de letalidade, mas avalia que os números também representam a maior atuação da polícia: “A ação da polícia, aqui, é incomparavelmente maior que no resto do país. Com uma maior produção, é possível que aumente também o número de embates”.
SÃO PAULO
Combate à prostituição infantil Da Redação or ocasião do Dia Nacional de Combate à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes a 18 de maio, a Prefeitura de São Paulo (SP) anunciou o lançamento, em 10 de junho, do Plano da Cidade Contra a Violência Sexual em Crianças e Adolescentes. Serão ações coordenadas do Poder Público, das Polícias e de entidades defensoras dos menores, como o disque-denúncia e a capacitação de servidores públicos para lidar com o problema dos abusos contra menores. A capacitação já abrange 400 profissionais, como conselheiros tutelares, assistentes de abrigos, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) e da SAS.A Secretaria já realiza, desde julho passado, o Programa Cuidar, que atende 340 jovens vítimas de abusos sexuais em centros nas zonas Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro, com atendimento psicológico. Além disso, a SAS participa de ações com a Polícia Federal e Cedeca de repressão à prostituição infantil. Os assistentes sociais acompanham as adolescentes da delegacia até o Poder Judiciário.
Ano I ■ Número 12 ■ Segundo Caderno
Sob o pretexto de combater o terrorismo, o governo estadunidense financia uma corporação especializada para levantar informações sobre pessoas e empresas de nove países da América Latina – entre eles o Brasil; a obtenção de dados sobre um cidadão brasileiro – por exemplo: você – custa 15 dólares
Empresa dos EUA coleta e vende informações de latino-americanos João Alexandre Peschanski, da Redação Departamento de Justiça dos Estados Unidos contratou uma corporação privada para levantar e controlar dados de habitantes e de empresas de nove países da América Latina. A ChoicePoint, sediada em Atlanta (no Sudeste dos EUA), mas com ramificações em dezenas de países, está há três anos coletando e vendendo esse tipo de informação para o governo estadunidense – com o serviço, embolsou pelo menos 81,5 milhões de dólares, em 2002. “A ChoicePoint funciona como um serviço secreto privado do governo e repassa cadastros para a polícia federal estadunidense (FBI) e o Departamento de Imigração”, denuncia Chris Hoofnagle, coordenador do Centro de Informação de Privacida-
de Eletrônica (Epic), uma organização dos EUA que pesquisa e fiscaliza violações aos direitos civis. Em entrevista exclusiva para o Brasil de Fato, ele conta que o governo estadunidense justificou a parceria com a empresa alegando que os dados só servirão para examinar o perfil das pessoas que viajam aos Estados Unidos e investigar potenciais terroristas. No entanto, Hoofnagle acredita que, mesmo em se tratando de dados públicos, como os contidos em certidões de nascimento e listas telefônicas, o cadastro e a venda das informações é um grave ataque à privacidade das pessoas e à soberania nacional, pois não há controle algum dos cidadãos e dos países fichados. “São necessários limites em relação ao uso de dados públicos”, acrescenta, salientando que as pessoas deveriam poder controlar as informações catalogadas.
Apesar de terem sido vendidos todos os cadastros de Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua e Venezuela, a ChoicePoint não cedeu ao governo dos Estados Unidos a integralidade dos dados dos estadunidenses, pois isso violaria o direito civil em vigência no país. FILÃO INESGOTÁVEL Os excelentes resultados comerciais e financeiros de empresas como a ChoicePoint estão levando outras empresas a investir nesse ramo de atividade, como as também estadunidenses Dun & Bradstreet e LexisNexis, e a inglesa Experian. A avaliação é de Hoofnagle, para quem “coletar e vender cadastros está se tornando um grande e inesgotável negócio, pois há cada vez mais pessoas e empresas a serem catalogadas”. Em três meses, de janeiro a março, o lucro da ChoicePoint foi de
INTERNACIONAL
BRASILDEFATO
195 milhões de dólares, de acordo com a Comissão Estadunidense de Câmbio e Seguros. “Existe um grave perigo em não saber a identidade de alguém. Imagine os riscos que representam as pessoas que entram em nosso país”, declarou o diretor de marketing da ChoicePoint, James Lee, em entrevista concedida ao jornal estadunidense North County Times, dia 14 de abril. Lee também afirmou que a empresa não está apenas interessada na América Latina, mas pretende coletar dados em todos os locais necessários. Em 2001, a ChoicePoint recebeu um troféu especial do Big Brother Awards (do inglês, Prêmios Grande Irmão), um evento estadunidense que simboliza o reconhecimento às organizações de maior destaque por violar e invadir a privacidade eletrônica.A empresa ganhou uma escultura inusitada: um sapato pisoteando o rosto de um homem.
Natália Forcat
ChoicePoint está de olho em você empresa estadunidense ChoicePoint está ampliando seu rol de atividades. Especializada na realização de bancos de dados, agora desenvolve novas tecnologias para identificar pessoas por meio de impressões digitais, análise da retina e aspectos do rosto. Segundo Chris Hoofnagle, coordenador do Centro de Informação de Privacidade Eletrônica (Epic), a corporação tem realizado diversos experimentos em que usa câmeras e amostras de DNA para examinar a identidade de pessoas. Assim, a partir de uma filmagem ou de uma digital deixada em qualquer lugar, é possível recuperar instantaneamente todas as informações de uma pessoa catalogada nos registros da empresa. A tecnologia foi usada pela primeira vez em 2001, na final do cam-
Contrato entre o governo estadunidense e ChoicePoint
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Data: 24 de junho de 2002
Contratador: Departamento de Justiça dos Estados Unidos
peonato de futebol americano em Tampa (no Sudeste dos Estados Unidos).Todos os torcedores que entraram no estádio, sem saber, foram filmados e as imagens foram comparadas às de pessoas procuradas por terem cometido algum delito. O TIA A ChoicePoint não tem exclusividade para pesquisar novas formas de fiscalizar a identidade das pessoas. O Péntagono, responsável pelas Forças Armadas estadunidenses, está financiando um programa estratégico para controlar eletronicamente os dados dos 290 milhões de habitantes do país, o Conhecimento Total de Informações (TIA, Total Information Awareness).
Esse banco de dados registra informações como gastos com cartão de crédito, saques de dinheiro em caixas eletrônicos, DNA – sigla para históricos escolaácido res, compras em desoxirribonucléico. É o material genético supermercados, lidos seres vivos que vros retirados em influencia suas bibliotecas, págicaracterísticas físicas nas visitadas na internet, números de telefones discados, registros de pedágios e vídeos alugados. A justificativa do controle é a prevenção a ataques terroristas. Para mais informações sobre o TIA, consulte a pág ina www.epic.org/privacy/profiling/ tia/. (JAP)
Tabela de preços da ChoicePoint (por pessoa) ■ Brasileiro • número de telefone • detalhes de empresa • funcionário de empresa • perfil de um investidor • perfil de um empresário ■ Argentino ■ Costa-riquenho ■ Mexicano ■ Colombiano ■ Guatemalteco ■ Hondurenho ■ Nicaragüense ■ Venezuelano
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15 dólares mais 15 dólares mais 40 dólares mais 50 dólares mais 100 dólares mais 100 dólares 30 dólares 30 dólares 30 dólares 90 dólares 90 dólares 90 dólares 90 dólares 90 dólares, mais 100 dólares para “casos especiais”
Fonte: Epic, com base em contratos da empresa com o Departamento de Justiça dos EUA
Prestadora de serviços: ChoicePoint
▲ Valor: 3,5 milhões de dólares
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Descrição de serviço: acesso de bancos de dados da empresa pelo Departamento de Transporte
Fonte: Epic, documento obtido pelo Direito de Acesso à Informação Pública (Foia, Freedom of Information Act)
■ Informações de pessoas • carteira de identidade • carteira de motorista • certidões de nascimento • cadastros de pessoa física (CPF) • endereço • grupo sanguíneo • números de telefone (residencial, comercial e celular) • passaportes • registros em aviões ■ Informações de empresas • taxas e impostos pagos • descrição de negócios realizados (desde 1998) • endereço • lista de funcionários • nome e perfil de investidores • números de telefone • registro de empresários • registro de empresas • registro de transações comerciais
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Dados de brasileiros nas mãos da empresa
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INTERNACIONAL
Funcionários europeus se mobilizam contra a privatização dos serviços públicos; na Bélgica, o chefe das tropas que invadiram o Iraque será processado por crime contra a humanidade; no Oriente Médio, o governo israelense deporta familiares de homens-bomba palestinos
EUROPA
Trabalhadores saem às ruas em defesa de serviços públicos João Alexandre Peschanski, da Redação
reves gerais, paralisações e manifestações têm sido a rotina de pelo menos quatro países europeus – a Alemanha, a Áustria, a Itália e a França – desde o início do mês. Os protestos são organizados e realizados por todas as categorias de funcionários públiUnião Européia – cos, que não aceibloco econômico e tam as propostas político que reúne 15 países europeus (mais dos governos de 10 a partir de 2004), privatizar o sistema abolindo as barreiras de aposentadoria, ao comércio e o educação e saúde. trânsito nas fronteiras. Em Paris, escoO grupo, que foi criado em 1992, é las, hospitais, uniadministrado por um versidades e redes parlamento e planeja de transporte colea elaboração de uma tivo estão parados constituição própria desde o dia 14. A greve geral tem sido o pretexto para grandes manifestações, como a que reuniu em todo o país dois milhões de pessoas na sexta-feira, dia 16. Apesar dos protestos, o presidente francês, Jacques Chirac, não parece disposto a discutir e defende com veemência as reformas que propõe: o fim da diferenciação entre as aposentadorias públicas e privadas e, principalmente, a maior participação do capital privado em áreas quase exclusivamente administradas pelo Estado, como a educação e a saúde. A justificativa dos governos para as reformas é a crise que estariam vivendo todos os países da Europa. O chanceler alemão, Gerhard Schröder, alertou que, se não forem
feitas as mudanças programadas pelo governo, a principal potência econômica européia, a Alemanha, entrará em uma profunda recessão.
Países da União Européia
CARTILHA DE REFORMAS A progressiva privatização dos serviços públicos tem se tornado uma exigência da União Européia. Pelo menos, é essa a análise do jornal francês Le Monde, que reportou pressões no Parlamento europeu para que essa linha de política econômica seja imposta para todos os países que ingressarem no bloco econômico. Os governos defendem que só assim será possível existir uma verdadeira integração do continente, pois a forte participação do Estado na economia e nos serviços seria uma limitação à justa concorrência entre as empresas. Em 2004, mais dez países entrarão na União Européia (veja quadro ao lado) e serão submetidos às regras do bloco: saneamento de contas, progressiva adoção do euro e, de acordo com o jornal francês, também a privatização dos serviços públicos.
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SUÉCIA FINLÂNDIA NORUEGA
ESTÔNIA LETÔNIA DINAM.
IRLANDA
R
Ú
S
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I
A
LITUÂNIA
GRÃ BRETANHA HOLANDA
POLÓNIA
BÉL. ALEMANHA REP. TCHECA
LUX.
ESLOVÁQUIA
OCEANO ATLÂNTICO
ÁUSTRIA
FRANÇA
HUNGRIA ESLOVÊNIA
ITÁLIA ESPANHA GRÉCIA
França MALTA
● Capital: Paris ● Regime: República ● Chefe de Estado: presidente Jacques Chirac ● Propostas do governo: privatização do sistema de aposentadorias e maior participação de setor privado na educação e na saúde ● Manifestações: duas semanas de greves em diversos setores: escolas, universidades, creches, hospitais, correios e transportes; protestos nas principais cidades do país, reunindo cerca de 2 milhões de pessoas na sexta, 16
Áustria ● Capital:Viena ● Regime: República parlamentarista ● Chefe de Estado: chanceler Wolfgang Schüssel ● Propostas do governo: privatização do sistema de aposentadorias ● Manifestações: paralisações diárias de funcionários públicos (educação, saúde, transportes) e greve geral no dia 7, mobilizando centenas de milhares de pessoas
CHIPRE
MAR MEDITERRÂNEO Itália ● Capital: Roma ● Regime: República parlamentarista ● Chefe de Estado: primeiro-ministro Silvio Berlusconi ● Propostas do governo: maior participação de setor privado em serviços ● Manifestações: ameaça de greve geral em 8 de junho
Alemanha ● Capital: Berlim ● Regime: República parlamentarista ● Chefe de Estado: chanceler Gerhard Schröder ● Propostas do governo: maior participação de setor privado em serviços ● Manifestações: mobilizações em principais cidades do país
JUSTIÇA
Governo israelense deporta palestinos o que pode ser um prenúncio da instauração de “bantustões” na Palestina, o governo de Israel anunciou a intensificação da expulsão, da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, dos familiares dos homens-bomba suicidas. Esses familiares terão de morar em outros países, embora sua deportação seja proibida pela Convenção de Genebra e outros tratados internacionais. A decisão do governo israelense foi tomada em represália aos atentados, nos últimos dias, em Hebron, Jerusalém e assentamentos judaicos em Gaza, que causaram a morte de nove judeus. Além disso, Israel voltou a isolar totalmente os territórios palestinos, proibindo a entrada e saída nas diferentes localidades. Também na semana passada, o jornal israelense Haaretz revelou que o ex-primeiro-ministro italiano Massimo D’Alema disse ter ouvido do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, que os “bantustões” são a única solução para a “questão palestina”. Na África do Sul, nos tempos do apartheid, os bantustões eram áreas de onde os negros só podiam sair com autorização dos governantes brancos.
Países que ingressam no bloco em 2004
PORTUGAL
ORIENTE MÉDIO
Da Redação
A resistência na União Européia
Após os atentados, condenados tanto pelo governo dos EUA quanto pela Autoridade Palestina, Sharon cancelou viagem para Washington, prevista para segunda-feira última. O ministro da Defesa israelense, Shaul Mofaz, disse na Universidade de Tel Aviv que, “se Iasser Arafat continuar boicotando o processo de paz, Israel não terá outra alternativa que considerar a expulsão do presidente da Autoridade Nacional Palestina dos territórios”. Ainda na segunda-feira, Israel proibiu uma delegação da Anistia Internacional de entrar na Faixa de Gaza, por terem os delegados se recusado a assinar uma declaração isentando as Forças de Defesa de Israel de qualquer responsabilidade caso fossem feridos ou mortos. Em Oslo, Noruega, onde foi assinado o tratado que originou a Autoridade Palestina, o ex-primeiro-ministro norueguês Kaare Willach deu a público uma nota segundo a qual o chamado Caminho da Paz, proposto pelo presidente estadunidense George W. Bush, que prevê o estabelecimento de um Estado palestino em 2005, não poderá vingar se não forem atendidas as exigências palestinas de retirada dos assentamentos judaicos de seu território e de a Palestina constituir um território contínuo.
Iraquianos processam Estados Unidos por seus crimes contra a humanidade Paulo Pereira Lima, da Redação ontra a linha dura e o poder das armas dos invasores, cidadãos iraquianos procuram se defender com o recurso às leis universais. Dia 14, em Bruxelas, Bélgica, 17 civis iraquianos e 2 jordanianos abriram um processo contra o chefe das tropas anglo-estadunidenses no Iraque, Tommy Franks, sob acusação de ter cometido crimes de guerra. O advogado da parte civil, Jan Fermon, defendeu a causa com base numa lei de jurisdição internacional, criada em 1993 na Bélgica e emendada duas vezes, em 1999 e em abril (Os EUA e outros países também têm leis de âmbito internacional, que permitem processar estrangeiros por atos cometidos no estrangeiro). Os crimes apresentados são de diferentes tipos, mas todos se referem a fatos precisos: 6 casos de assassinatos de civis com armas de fogo e bombardeios; o homicídio do jornalista jordaniano da TV árabe AlJazira, Tarek Ayoub; 4 casos de morte e mutilação de crianças por causa das chamadas bombas de fragmentação; 3 casos de ataques a médicos e ambulâncias; 3 casos de saques a hospitais e 1 aos museus. De acordo com a Convenção de
Genebra, essas agressões são vistas como crimes de guerra. Tinham os civis como único objetivo. A acusação é dirigida contra “soldados do Exército estadunidense ainda não identificados”, mas também o general Franks, por “uso maciço e repetido de bombas de fragmentação contra alvos civis”, decisão que dependia apenas dele. Outro que pode ser levado ao banco dos réus pela Justiça belga é o coronel estadunidense Bryan McCoy, por ter permitido a seus soldados disparar contra ambulâncias, simplesmente porque eram suspeitas de carregar “forças inimigas”. Na ocasião, de acordo com documentos coletados, uma mulher grávida morreu e o marido ficou gravemente ferido, tendo de amputar as pernas. “Temos muitos materiais que mostram como as tropas estadunidenses entraram em Bagdá e, nos primeiros dias de ocupação, atiraram contra mulheres, crianças, pessoas indefesas”, disse Fermon em entrevista ao jornal italiano Il Manifesto. O processo iniciou um percurso nada fácil. Em um mês, o procurador federal decidirá se deve ou não dar seguimento à causa. Em caso negativo, as partes civis poderão recorrer. Paralelamente, o ministro da Justiça belga poderá levar o caso ao
Tribunal Penal Internacional ou a tribunais competentes sob o Tribunal Penal ponto de vista Internacional – territorial – o instituído em julho de iraquiano ou o 1998, para processar estadunidense. e julgar indivíduos que Segundo cometem crimes internacionais, como analistas, essas genocídio e crimes possibilidades de guerra parecem muito remotas. Os OTAN – aliança militar criada em Estados Uni1949, para barrar o dos não assiavanço do comunismo naram oTratae formada por do de Roma, 23 países em que se criou o Tribunal Penal Internacional; portanto não podem ser julgados. Em caso de o processo ser levado ao Iraque ou aos EUA, certamente faltarão garantias de um processo justo e independente. Em represália, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA, general Richard Myers, levantou a possibilidade de transferir a sede da Organização doTratado do Atlântico Norte (OTAN), atualmente em Bruxelas. Para Myers o episódio pode ter um “enorme impacto” nas relações entre EUA e Bélgica e deve ser tratado em nível governamental. “É uma questão para diplomatas.” Ele não disse para qual país a sede poderia ser transferida.
LIVRE COMÉRCIO
Cafta, ou a volta das repúblicas de banana Guatemala foi a primeira “república bananeira” e a empresa estadunidense United Fruit a governou como se fosse um feudo próprio durante a maior parte do século 20. Mas o “republicanismo bananeiro” está vivo e se mexendo. Entre os dias 12 e 15 de maio, o representante comercial dos Estados Unidos, Robert Zoellick, negociará um novo acordo com Costa Rica, Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua, conhecido como Acordo de Livre Comércio Centro-Americano, cuja sigla em inglês é Cafta. Esta é a última ofensiva dos Estados Unidos na região. Washington acertou a exportação de mais de 9 bilhões de dólares em bens e serviços a esses países em 2001, enquanto suas importações chegaram a 7,3 bilhões de dólares. As mudanças nos números que poderiam ocorrer como resultado do funcionamento do Cafta são motivo de discussão. Os agricultores da região são veementemente contrários ao acordo. Reconhecem que têm poucas possibilidades de competir com o maciçamente subsidi-
ado aparato agrocomercial estadunidense. A Lei Agrícola 2002 dos Estados Unidos, que vigorará por dez anos, já outorgou 180 bilhões de dólares em novos subsídios à indústria agrocomercial. Em comparação, o produto nacional bruto desses cinco países centro-americanos no ano passado esteve
pouco abaixo dos 140 bilhões de dólares. Os protestos mais fortes são dos setores agrícolas. Em El Salvador, por exemplo, a Associação Nacional de Trabalhadores Agrícolas (Anta) condenou o Cafta. No México, o efeito do pai do Cafta – o Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte), integrado por Estados
Unidos, Canadá e México - foi devastador para a economia rural. A maioria dos agricultores centro-americanos se vêem – como ocorria também no passado – como peões em um jogo mais vasto da política estadunidense. Para Zoellick, o Cafta é um degrau a mais para se chegar a um tratado de maior alcance: o Acordo de LiJoseph Bragotti/Comboni Press
Raj Patel, de Oakland (Califórnia-EUA)
MÉXICO
CUBA
Maísa Mendonça, da Redação m diversas partes do mundo, intelectuais e representantes de organizações sociais têm expressado seu apoio à Cuba e sua preocupação com as recentes ameaças de intervenção estadunidense na ilha. O governo Bush aumentou seu apoio às organizações terroristas que organizam ações para desestabilizar o governo de Fidel Castro. Em entrevista à rede de televisão NBC, o secretário de Estado Colin Powell afirmou que o “regime cubano deve cair por ser anacrônico” e que os EUA “não planejam utilizar a força militar neste momento”. A declaração confirma que o governo Bush aposta nas ações ilegais contra a revolução cubana. Uma das respostas foi dada por dezenas de participantes não cuba-
nos da Conferência Internacional Karl Marx e os Desafios do Século 21, realizada semana passada, em Havana: “Cuba se encontra às portas do império estadunidense e tememos que possa ser um de seus próximos alvos. Muitos sinais justificam este temor: crescente ofensiva midiática, acusações de terrorismo, diversos tipos de provocações, intensificação do bloqueio econômico; apoio financeiro à oposição e à subversão, anúncio por parte de personalidades do governo estadunidense de futuros ataques a Cuba. Este país está tentando fazer cumprir os sonhos de um mundo melhor e ninguém sabe melhor do que o povo cubano quão longe ainda estão de poder cumprir plenamente esses sonhos. Mas as conquistas políticas e sociais da revolução, resultado de seu pro-
jeto socialista, demonstram que esses sonhos podem ser realizados. E são esses sonhos e esperanças num mundo melhor que são ameaçados por um poder baseado na desigualdade, na força e na guerra. Apesar de nossa dor diante do uso da pena de morte em Cuba, dor que é compatilhada pelo próprio governo cubano, entendemos que devemos lutar contra esse pesadelo que ameaça Cuba e todos os nossos sonhos por um mundo melhor. Por isso denunciamos o processo de violência em curso por parte do governo dos Estados Unidos, nos opomos a transformar Cuba num outro Iraque.” Assinam Marta Harnecker, François Houtard, István Mészáros e dezenas de intelectuais de todo o mundo. Com agência Alai
vre Comércio das Américas (Alca). No entanto, o luxo de discordar é algo a que não se podem permitir os cinco países centroamericanos do Cafta. E se eles aceitarem integrar o acordo no final deste ano, como deseja Robert Zoellick, ao mesmo tempo se comprometeriam a fazer parte da Alca. É por isso que o subsecretário para o comércio internacional dos Estados Unidos, Grant Aldonas, recentemente deu de ombros ao dizer: “Os únicos países que provavelmente aparecerão (na Alca) são os que já estão no processo (do Cafta)”. Na Nicarágua houve, nas últimas duas semanas, manifestações de descontentamento com relação às disposições sobre questões agrícolas no Cafta. Mas é improvável que se dê muita atenção às vozes dos agricultores. Num momento em que as críticas à política externa estadunidense são consideradas como “incentivo ao inimigo”, as queixas dos menos poderosos serão varridas para debaixo do tapete. Raj Patel, analista político da organização não-governamental Food First/The Institute for Food and Development Policy, com sede em Oakland, Califórnia.
■ Cidade da Guatemala: novo acordo comercial em benefício dos Estados Unidos
Em defesa da revolução
AMÉRICA LATINA
EUA querem criar Área de Livre Comércio da América Central (Cafta), como passo da estratégia para implantar a Alca; no México, encontro convoca manifestações contra a OMC, que se reúne em Cancún, em setembro; intelectuais lançam manifesto em defesa da revolução cubana
Encontro convoca atos contra a OMC Da Redação necessário preparar uma grande manifestação continental contra a Organização Mundial do Comércio, que convocou o seu quinto Encontro Ministerial para Cancún (México), em setembro. A convocatória é feita pela Assembléia Hemisférica e Global contra a Alca, reunida dias 11 e 12, na Cidade do México. Diz a convocação: “A OMC é a guerra por outros meios. Representa o mais ambicioso esforço para subjugar as economias dos países do Sul para que sirvam aos interesses das corporações transnacionais. (...) Mas, até mesmo enquanto a OMC institucionaliza a estagnação, a injustiça e a pobreza, Wa-
shington está trabalhando para forjar mais correntes corporativas para subjugar o Sul, ameaçando os governos das Américas para que assinem a adesão à Alca. Declaramos que outro mundo é possível e, inspirados por essa visão, convocamos o máximo de pessoas possível, de todo o mundo, para virem unir-se a nós em Cancún, no prolongado fim-desemana do Fórum dos Povos por Alternativas à OMC, de 9 a 13 de setembro de 2003. Convocamos também o povo e os movimentos em todos os países a realizarem manifestações unitárias, “massivas” e coordenadas, na quarta-feira, 9 de setembro, Dia Global de Ações contra a OMC (bloqueios, greves etc.) e no sábado, 13 de setembro, Dia da Marcha Global Contra a Globalização e a Guerra.
ARGENTINA
Cláudia Korol, de Buenos Aires anhou e depois perdeu. Menem, o homem das apostas pesadas e inescrupulosas, ficou em primeiro lugar nas eleições do primeiro turno, em 27 de abril, para a Presidência da Argentina, e, antes de se realizar o segundo turno, preferiu renunciar. A renúncia é conseqüência de um cálculo político e não de uma depressão pessoal. As pesquisas eleitorais falavam do crescimento do voto antimenemista, que poderia se tornar acachapante em 18 de maio. Menem compreendeu
que a força principal de Néstor Kirchner, além do apoio do atual presidente Duhalde, provinha principalmente dele mesmo, convertido em espantalho eleitoral. O ex-presidente decidiu não dar isso de presente ao adversário. Com sua renúncia, Menem tirou do povo o papel de protagonista e apostou na debilitação da já frágil institucionalidade do país. Menem decidiu que Kirchner ficasse com os 20% de votos que obteve no primeiro turno. Era a maneira de assegurar que Kirchner começasse fraco, e de que o menemismo preservasse sua força, sustentada em alguns gover-
nadores provinciais, deputados e senadores, e uma presença importante no sindicalismo e no aparelho partidário peronista. O novo presidente conta com o apoio da população de sua província, a mais ao sul e a mais despovoada do país.Em seguida,vem a alquimia eleitoral, em que o principal sustentáculo é Duhalde, que agora se prepara para voltar à Presidência em 2007. No marco desta relativa“debilidade”,tornam–se mais complexos os compromissos assumidos pelo atual e futuro ministro da Economia, Roberto Lavagna, com o Fundo Monetário Internacional.A agenda inclui o “aumento de tarifas, a compensação às
empresas pelos efeitos da desvalorização sobre suas dívidas em divisas, um ajuste fiscal maior para incrementar o superávit primário,que deve oscilar entre 3,5% e 5% do PIB; o reordenamento do sistema financeiro, com a diminuição do papel da rede bancária pública e incorporação, nela, de capital privado”. As políticas anunciadas só prenunciam uma maior transferência de renda para os exportadores, a fuga de capitais para o exterior e uma ainda maior restrição do consumo popular, o aumento do desemprego, tudo isso com o objetivo de recompor a capacidade de pagamento da dívida externa, que
aumentou 9,389 bilhões de dólares em 2002. Prosseguirá o conflito social, a resistência popular contra essas medidas. A debilidade com que a esquerda sai das eleições, devide à sua fragmentação, volta a tornar-se o calcanhar de Aquiles do movimento popular. Será preciso avançar na construção da unidade, a partir das batalhas comuns compartilhadas, da resistência popular, dos piquetes, dos bloqueios de estradas, das empresas recuperadas pelos trabalhadores, dos companheiros caídos em combate, para avançar num projeto que permita reunir toda a diversidade de visões dos que hoje resistem.
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Tchau, Menem. Mas o desastre continua
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ÁFRICA AFRICA
poucos dias de sua data oficial (25 de maio – Dia da África), o continente africano é lembrado de norte a sul por aqui. Em São Paulo, duas exposições de fotografias inauguraram dia 21 de maio a Semana da África. Em Fortaleza (CE), já começaram os preparativos para o primeiro “Fórum Brasil-África: Política, Cooperação e Comércio”, que vai acontecer nos dias 9 e 10 de junho. É o primeiro fórum sobre a África organizado por um governo brasileiro. O evento, que será aberto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na manhã do dia 9, é uma iniciativa do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e do Grupo de Embaixadores Afr icanos em Brasília. Chefes de Estado africanos estão sendo convidados a copresidir a cerimônia. Mas apenas os do Senegal e de Cabo Verde deram sinais de que poderiam comparecer. Fontes do MRE ligadas ao fórum ainda não confirmam, porém, a presença deles. O encontro faz parte de um conjunto de iniciativas para colocar em prática a determinação do governo Lula de tornar a África uma prioridade da política externa de sua gestão. Em viagem a sete países da África Austral no início de maio, Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, aproveitou a ocasião para apresentar o Fórum Brasil-África e fazer convites a autoridades e personalidades africanas. Em entrevista coletiva na semana passada sobre a viagem, o ministro disse que pôde confirmar o enorme interesse que o Brasil desperta na África e também o potencial que os países visitados (África do Sul, Angola, Moçambique, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Zimbábue) representam do ponto de vista de cooperação técnica, política, cultural e comercial. “Acho que é um espaço importante a ser ocupado e que é insubstituível – não é para o Brasil tomar o lugar de ninguém – porque é um olhar voltado para um país que eles consideram próximo, não só por sua composição étnica, mas também pelo seu grau de desenvolvimento; próximo, mas que já deu passos mais avançados em vários setores em que eles ainda estão, em alguns casos, começando”, afirmou Amorim.
As palestras e debates do encontro em Fortaleza são abertos ao público e vão levantar temas da África contemporânea nas áreas de política, questões sociais, economia, comércio, educação e cultura. Entre os palestrantes, convidados do Brasil e da África. No dia 10 de junho, paralelamente ao Fórum Brasil-África, ocorrerá, no mesmo local, o “II Fórum Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP”, que reunirá na capital cearense empresários de todos os estados membros da comunidade: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. A próxima reunião dos chefes de Estado da CPLP acontecerá em Coimbra (Portugal), em julho de 2003. LULA NA ÁFRICA A viagem do ministro Celso Amorim à África Austral e Gana também serviu para preparar a visita de Luiz Inácio Lula da Silva a alguns desses países no início de agosto. A presença do presidente Lula deve dar continuidade às negociações iniciadas por Amorim com os africanos em diversas áreas. Na área da sáude, muitos países estão interessados em que o Brasil repasse a tecnologia para fabricação de medicamentos genéricos para o combate à Aids. Em Moçambique, foi assinado um memorando de entendimento para que o Brasil possa colaborar na instalação de uma fábrica de elementos anti-retrovirais. Na área comercial, a pauta incluiu o livre comércio entre a União Aduaneira do Sul da África e o Mercosul, bem como a disposição do Brasil de participar da Nova Parceria Econômica para o Desenvolvimento da Áfr ica (NEPAD), entre outros temas. Na África do Sul, realizou-se também um encontro empresarial e uma reunião da Comissão Mista para acordos bilaterais. No campo das questões sociais, segundo Celso Amorim, os países africanos demonstraram grande interesse em conhecer programas brasileiros como o “Bolsa Escola” e o “Fome Zero” “Os interesses são variados. Quer dizer, é preciso que a gente faça muita coisa errada para a gente não ter uma presença importante nos países africanos. Mas o governo Lula vai fazer coisas certas”, concluiu o ministro.
Felipe Goifman
Marilene Felinto, da Redação
Christiana Carvalho
Fórum quer atualizar relação com o Brasil
■ Criança da Etiópia e índio Xikrin do Brasil revelam semelhanças entre culturas africana e brasileira, na exposição “Brasil e África – Similaridades“, em São Paulo Gianni Puzzo
INTERNACIONAL
Um encontro promovido pelo governo Lula entre autoridades e intelectuais brasileiros e africanos vai acontecer em Fortaleza, nos dias 9 e 10 de junho, para reavaliar e incentivar as parcerias com países daquele continente, que será visitado pelo presidente em agosto
Exposições abrem Semana da África 2003
■ Baobá, em aldeia Dogon, no Mali, Oeste da África
Fórum Brasil-África Política, Cooperação e Comércio Onde: Centro de Treinamento do Banco do Nordeste - Passaré – Av. Paranjana, 5700 - Fortaleza (CE) Inscrições: devem ser feitas por internet, no endereço eletrônico: www.fba.bnb.gov.br Quando: 9 e 10 de junho de 2003 Mais informações: Ministério das Relações Exteriores – Tels.: (61) 411-6225, fba@mre.gov.br
Duas exposições de fotografias em São Paulo integram a Semana da África 2003, organizada pelo Fórum África, entidade de caráter sócio-cultural criada em 2001 por profissionais brasileiros e africanos de diversos países. “Brasil e África – Similaridades” é uma reedição da coletiva de 19 fotógrafos brasileiros apresentada pela primeira vez em 2001. São 48 imagens que formam pares de fotos: uma produzida na África e outra no Brasil, mas que são visualmente semelhantes. O objetivo é mostrar as similaridades existentes entre o Brasil e o continente africano. Curadoria de Dirce Carrion. Fotógrafos:Albani Ramos,Alberto Alves, Andre Penner, Araquém Alcântara, Bruno Alves, Carlos Goldgrub, Carol Quintanilha, Christian Knepper, Christiana Carvalho,Felipe Goifman,Frederic Mertens, Gal Oppido, Ita Kirsch, Jamie Stewart, José Caldas, Marcelo Vigneron, Nana Moraes, Ricardo Giraldez e Ricardo Teles. “Cores da Vida Dogon” é uma individual do fotógrafo e cineasta Gianni Puzzo, resultado de sua convivência com os Dogon, povo nativo do Mali, país do Oeste da África. Durante 18 meses (entre 1994-96),Puzzo acompanhou trabalho de pesquisa da antropóloga Denise Dias Barros junto aos Dogon, fazendo o registro fotográfico das atividades cotidianas e dos ciclos rituais daquele povo. Onde (ambas as exposições): Centro Cultural São Paulo – Anexo Adoniran Barbosa. Entrada gratuita. De 21 de maio a 1o de junho. Terça a domingo, das 10h às 18h; r. Vergueiro, 1000, Paraíso, tel.: (11) 3277-3611.
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Africanos têm “fome” de cooperação
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m recente visita à África, Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores se mostrou impressionado com a disposição dos países africanos por parcerias com o Brasil. Traçando um paralelo com o interesse dos africanos pelo programa “Fome Zero”, Amorim comentou: “O que senti foi uma “fome” de cooperação com o Brasil. Não é uma “fome zero”, é uma “fome 100”. Para Irene Vida Gala, chefe da Divisão da África 2, do Departamento da África e Oriente Próximo (DAOP), órgão do Ministério das Relações Exteriores, essa demanda se justifica porque a África vê no Brasil um parceiro não colonizador. “Nós não chegamos lá ditando ordens como se fôssemos colonizadores, como fazem os países do Primeiro Mundo.” Em entrevista ao Brasil de Fato, Irene Gala fala da política do governo Lula para a África e dos objetivos do Fórum Brasil-África. (MF) BF – O Fórum quer mostrar uma África contemporânea? Gala – Este é o nosso objetivo. Estamos trazendo uma série de professores, intelectuais e governantes africanos para falar sobre uma temática contemporânea, e não so-
bre a presença histórica, os escravos, ou o período colonial. Estamos procurando uma agenda econômica, política, cultural de contemporaneidade. É isto que interessa para fazer política com a África neste momento. Precisamos que os agentes políticos brasileiros tenham esta
oportunidade de uma visão atualizada sobre os problemas da África, os sucessos, os esforços dos governos, das sociedades. A visão da África que aparece aqui é passada sempre através das agências e das informações do Primeiro Mundo, e há sempre uma distorção de perspectiva.
BF - Qual é a política do governo para a África? Gala – O ministro Celso Amorim, falando de sua recente visita à África, disse que há uma combinação de objetivos que o Brasil busca alcançar nesta aproximação com a África, tornada uma prioridade da política externa do governo. São interesses políticos, estratégicos, econômico-comerciais, de solidariedade também, de aproxima-
ção cultural. BF – Qual o interesse estratégico? Gala – Há elementos geo-políticos quando se pensa que o Atlântico Sul é a única área não nuclear e é preciso garantir esse espaço de paz aqui na nossa fronteira imediata. Buscamos também esse diálogo com os africanos. Dentro da geoestratégia pode-se pensar ainda em todos os interesses que estão afetos ao fornecimento de petróleo do golfo da Guiné.
BF – Os africanos são mais receptivos a parcerias com o Brasil... Gala – O Brasil tem uma vantagem comparativa muito grande. Como também disse o ministro (Celso Amorim), há uma demanda grande por parcerias
conosco. Nossa relação com a África é completamente diferente da relação estabelecida pelos países do Norte, que dão de alguma forma recursos, mas que, por outro lado, cobram uma série de outras coisas que o Brasil não cobra.
BF – Por exemplo? Gala – Eles todos determinam as condicionalidades relativas ao cumprimento de metas econômicas, na área de realização de eleições, por exemplo. Basta ver o que acontece hoje na relação entre a Inglaterra e o Zimbábue ou mesmo a questão de Portugal com as ex-colônias, em que ainda se tem uma televisão portuguesa, há todo um sentimento neo-colonialista que não existe na relação com o Brasil (MF)
BIOPIRATARIA
AMBIENTE
Organizações Não-Governamentais brasileiras lançam campanha contra a biopirataria e entram na Justiça contra empresa japonesa que registrou o nome do cupuaçu; os índios Yanomami também reivindicam amostras de sangue roubadas por pesquisadores dos Estados Unidos
O caso do “cupulate” e outras espécies s combates legais também ocorrem em outras frentes. A companhia japonesa Asahi Foods solicitou patentes, ainda não concedidas, sobre processos de extração de azeite e gordura do cupuaçu, no Japão, na União Européia e na Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Se essa tentativa tiver sucesso, a empresa poderá monopolizar os direitos sobre o “cupulate”, uma espécie de chocolate feito com a semente do cupuaçu, cujo processo é conhecido no Brasil há mais de dez anos. Também a empresa Body Shop International, da Grã-Bretanha, busca patentear nesse país derivados cosméticos da fruta amazônica. Nesses casos, tenta-se impedir as patentes através de “objeções informais”. Se não derem resultado, serão necessárias ações complexas de questionamento, que exigem análises técnicas, explicou Michael Schmidlehner, da Organização Não-Governamental Acre Amazonlink. Entretanto, a Campanha contra a Biopirataria não se limita à luta legal nem ao cupuaçu. São muitos os produtos e processos procurados por empresas internacionais, “que violam os direitos
dos indígenas e de populações tradicionais” da Amazônia, não reconhecendo seus conhecimentos sobre usos da biodiversidade local, disse José Arnaldo de Oliveira, assessor nacional do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). A guerra de patentes teve no passado outros alvos no Brasil, por exemplo, a andiroba e a copaíba (árvores que produzem óleos medicinais, energéticos e cosméticos), o biribiri, planta cuja semente tem substâncias utilizadas como anticoncepcionais pelos indígenas, e o ayahuasca, um chá alucinógeno usado em ritos religiosos nativos. A repercussão do caso do cupuaçu incentivou a luta contra a biopirataria em vários países. O tema também estará na reunião ministerial que a Organização Mundial do Comércio (OMC) realizará em setembro, no México. O Congresso brasileiro fará uma sessão especial para discutir o assunto, segundo Schmidlehner. Como parte da campanha, promove-se um boicote à exportação de sementes de cupuaçu para o Japão, onde são usadas para produzir o “cupulate”, acrescentou Rocha. (MO)
■ Ponto de venda de Cupuaçu, fruta típica da amazônia, na região de Serra do Navio, no Amapá Em uma corrida contra o tempo, Amazonlink, GTA, a Associação de Produtores Alternativos e o Instituto Brasileiro de Direito Comercial Internacional conseguiram entrar com um pedido de cancelamento do registro junto ao escritório japonês, no dia 20 de março, quando expirava o prazo para apresentação dessas reclamações. O processo vai demorar de 9 a 18 meses e é provável que tenha êxito, pelo princípio geral que impede transformar em marca o nome de um produto natural, segundo o presidente da Amazonlink. Nem a Asahi Foods nem a Cupuaçu International responderam aos pedidos de entrevistas sobre o assunto.
■ Extração de polpa de cupuaçu, comercializada por pequenos agricultores em Porto Velho (AC); campanha contra a biopirataria reivindica cancelamento do registro da marca cupuaçu
Índios reivindicam sangue coletado por pesquisadores dos EUA Paulo Pereira Lima, da Redação fato aconteceu em 1967, mas suas conseqüências persistem até hoje. Para osYanomami brasileiros e venezuelanos, trata-se de uma questão de dignidade a devolução de amostras de seu sangue coletadas por pesquisadores estadunidenses. Em março de 2002, eles encaminharam um ofício do Ministério Público Federal aos departamentos de antropologia da Universidade Estadual da Pensilvânia e da Universidade de Michigan,
nos Estados Unidos, onde parte das amostras de sangue está depositada. As discussões sobre ética em pesquisas científicas e garantia dos direitos indígenas na proteção do seu patrimônio genético transformaram-se em questões cruciais para o meio acadêmico e científico nos Estados Unidos desde o lançamento do livro Darkness in El Dorado – How Scientists and Journalists Devasted the Amazon (Trevas em Eldorado – como cientistas e jornalistas destruíram a Amazônia), do jornalista estadunidense Patrick Tierney.
Lançada em novembro de 2000, a obra é resultado de uma pesPatrimônio quisa de 11 anos na genético – Conjunto Amazônia e denunde informações existentes na estrutura cia a coleta de dos organismos amostras de sangue biológicos em várias aldeias yanomami, na Venezuela e no Brasil, pelo cientista James Neel e pelo antropólogo Napoleon Chagnon, entre 1967 e 1968, em troca da distribuição de bens manufaturados. A denúncia foi feita com base em documentação disponibilizada em instituições sanitárias públicas e privadas do Brasil e daVenezuela, assim como em artigos publicados pelo próprio Neel. O fato é que as reivindicações dos índios até hoje não foram atendidas e há suspeitas de que as amostras de sangue foram reprocessadas e continuam sendo utilizadas em novas pesquisas sem conhecimento e consentimento dos Yanomami. O líder Davi Kopenawa até hoje não sabe o que os pesquisadores querem fazer com o sangue de seu povo. “Quero que eles devolvam nosso sangue para eu poder derramar no rio. Assim, o espírito do pajé vai ficar alegre.” 13
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ONGS EM CAMPANHA Pequenos exportadores do Estado do Acre surpreenderamse com a novidade, em novembro passado, quando tentavam vender geléia e bombons feitos com essa fruta. Os importadores os alertaram para retirar a palavra cupuaçu dos rótulos dos produtos, pois o uso dessa marca alheia poderia custar-lhes multa superior a 10 mil dólares, disse Marcos Rocha, agrônomo do grupo de Pesquisa e Extensão de Sistemas Agroflorestais do Acre (Pesacre). A Organização Não-Governamental Acre Amazonlink, fundada em 2001 e presidida pelo austríaco Michael Schmidlehner, para divulgar pela Internet a realidade dos povos amazônicos e seus pro-
PROCESSO NA JUSTIÇA A bola de neve foi crescendo e, pouco depois, aderiam a Ação Internacional por Recursos Genéticos (Grain, sigla em inglês) e o Instituto Regenwald, da Alemanha. Um dos argumentos apresentados é que as leis japonesas rejeitam marcas com o nome comum de matérias-primas. O escritório de patentes do Japão possivelmente não teria registrado o cupuaçu como marca comercial “se soubesse que se tratava do nome de uma fruta”, disse Schmidlehner. Em resposta a uma mensagem da Amazonlink, o diretor da Asahi Foods, Nagasawa Makoto, alegou que o registro da marca não buscava monopolizar o comércio de derivados da fruta, mas defender a empresa, pequena, apesar de ter representações em vários países. Por outro lado, a organização brasileira não obteve resposta a uma carta aberta dirigida à Asahi Foods, exortando-a a renunciar à marca e a outras solicitações de patentes para provar seu compromisso com o desenvolvimento sustentável e “restaurar a reputação da companhia”. “Não conseguimos nos comunicar com a empresa desde janeiro”, disse Schmidlehner.
Márcio Baraldi
registro da fruta cupuaçu, da Amazônia, como marca comercial de uma empresa japonesa deu lugar a uma campanha inter nacional contra a biopirataria, que busca, de passagem, resgatar o nome desse produto natural. O cupuaçu é hoje uma marca exclusiva da companhia Asahi Foods, com sede na cidade japonesa de Kyoto, e de sua subsidiária Cupuaçu International, graças ao registro do nome da fruta nos escritórios de marcas e patentes do Japão, Estados Unidos e União Européia (UE). O cupuaçu, que chega a pesar mais de um quilo, oferece uma polpa abundante, com a qual são feitos doces, geléias, sorvetes e outros produtos. Sua colheita, em geral em mãos de associações de pequenos agricultores, deve atingir este ano 543 toneladas.
dutos, denunciou o fato e iniciou uma mobilização para anular o registro da Asahi Foods. A isso seguiu-se a Campanha contra a Biopirataria, iniciada no final de fevereiro, através da articulação de algumas ONGs e grupos de produtores sob a coordenação do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), uma rede de 513 associações de extratores de produtos florestais, pescadores, pequenos agricultores e ambientalistas da Amazônia brasileira.
J. Diaz
Mário Osava, do Rio de Janeiro
Ed Ferreira/AE
Companhia japonesa registra ilegalmente nome de fruta amazônica
DEBATE
PARTIDO E DEMOCRACIA
A Comissão de Ética do PT José Genoíno
Kipper
om a instalação da Comissão de Ética e Disciplina do Partido dos Trabalhadores para avaliar a conduta política dos deputados Babá e Luciana Genro e da senadora Heloísa Helena, alguns articulistas da imprensa escrita e intelectuais ligados às universidades passaram a acusar o PT por suposto procedimento autoritário. Trata-se de um enorme equívoco dos acusadores e de uma injustiça contra o partido. Em primeiro lugar, porque os Estatut o s do
PT garantem pleno direito de opinião. Segundo, porque a Comissão de Ética e Disciplina não avaliará as suas opiniões e sim seus atos, suas ações de sistemática oposição às deliberações do partido e do governo. Terceiro, os parlamentares não serão avaliados por sua oposição à taxação dos inativos – tema sobre o qual o PT ainda não tem decisão. Serão avaliadas suas condutas em relação às decisões do partido e suas posturas de sistemática oposição ao governo. A obrigatoriedade de os filiados ao PT apoiarem o governo é uma determinação e uma responsabilidade derivadas da vontade popular e uma deliberação adotada pela última reunião do Diretório Nacional do PT. Os reiterados ataques ao governo e ao partido por parte dos parlamentares sujeitos à Comissão de Ética e Disciplina, sua participação em atos públicos contrários às políticas do governo e suas manifestações recorrentes de que não acatarão as deliberações partidárias e das bancadas constituem flagrantes atos de indisciplina e de quebra da unidade partidária. DIREITO OU INDISCIPLINA Há uma diferença enorme entre direito de opinião e indisciplina, caracterizada pela oposição sistemática. Direito de opinião significa uma atitude positiva e cons-
trutiva em relação à coletividade partidária. Comporta o direito de discordar das decisões da maioria e de sugerir, de forma respeitosa, alternativas. Os parlamentares em questão, além de não acatarem as decisões partidárias, democraticamente produzidas, agem de forma desrespeitosa, com agressões verbais contra dirigentes do partido e ministros do governo, produzindo um efeito corrosivo. Sustentar que essa ação se trata de opinião não passa de ingenuidade ou de má fé. Dirigentes do PT e os líderes das bancadas pactuaram vários acordos com os parlamentares em questão. Todos esses acordos foram desrespeitados de forma unilateral. Na própria reunião da Executiva Nacional do PT em que se decidiu pela instalação da Comissão de Ética, foi oferecido um acordo nos seguintes termos: o partido garantiria um amplo debate interno sobre as reformas como, aliás, já está ocorrendo, e os parlamentares assumiriam o compromisso público de se submeterem às deliberações do partido e das bancadas. Caso esse acordo democrático, fundado nas bases estatutárias, fosse aceito, não seria instalada a Comissão de Ética. Até mesmo esta oportunidade de garantir a unidade partidária os três parlamentares recusaram. A instalação de uma Comissão de Ética, em si, não significa uma punição. Os artigos 202 e 203 dos Estatutos do PT determinam que as Comissões de Ética e Disciplina são órgãos de cooperação política dos Diretórios correspondentes e “suas funções não terão, portanto, cunho
policial ou judicial”. Dizem ainda os Estatutos que as Comissões devem se preocupar, prioritariamente, para a “superação das divergências políticas surgidas nos casos que lhes forem encaminhados, no intuito de preservar a unidade e a integridade partidárias, bem como as relações de fraternidade, urbanidade e respeito entre os filiados”. Os três parlamentares terão, durante o funcionamento da Comissão de Ética e Disciplina, mais uma oportunidade de reverem suas posições e de se submeterem ao princípio de funcionamento democrático do PT. Diante de todas essas circunstâncias, acusar o PT de intolerante e autoritário não resiste à verdade dos fatos. A liberdade de opinião e o princípio da maioria são dois dos fundamentos mais importantes da democracia. São dois princípios que estabelecem mútuas condicionalidades entre si. A democracia é um sistema de regras que se condicionam de forma multilateral. A liberdade de opinião sem o respeito à outras regras democráticas representa o reino da arbitrariedade individual contra o coletivo. Um partido que produz democraticamente suas deliberações, como procede o PT, não pode aceitar que alguns integrantes seus, que inclusive usufruem dos benefícios eleitorais por pertencerem ao partido, se transformem, ao sabor de suas vontades arbitrárias, em juízes públicos do partido e do governo. José Genoíno é presidente nacional do Partido dos Trabalhadores
Iniciar as mudanças João Batista Babá
BRASIL DE FATO De 22 a 28 de maio de 2003
estatuto é o marco normativo para todos aqueles que se identificam com um programa, princípios, tradições, práticas e deliberações políticas feitas nas instâncias determinadas para tal fim. Assim, o estatuto partidário não pode ser utilizado como uma mordaça para impedir a livre expressão de opiniões. Não tenho do que me defender. Ao contrário, tenho o objetivo de demonstrar que a direção majoritária do PT, numa reviravolta e sem debate democrático com suas bases, desrespeitando as deliberações do XII Encontro, modificou a política e o programa, pactuou com nossos históricos inimigos e, causando desilusão em milhões de eleitores, está aplicando a mesma política neoliberal do governo derrotado nas urnas.
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“Ética é manter a palavra sustentada nos discursos de 20 anos de luta e respeitar as deliberações do XII Encontro Nacional...” Quais são as regras que nós, parlamentares petistas, devemos acatar? As que herdamos de FHC/Malan? As da carta ao FMI de 28 de fevereiro assinada por Palocci e Meirelles? As exigidas pelos mercados financeiros? As pactuadas com os 27 governadores? As do documento “Política Econômica e Reformas Estruturais” de Palocci-Lisboa e sua Agenda Perdida? As que a direção está construindo com os 300 picaretas antigamente denunciados por Lula? Aos exemplos da
Inglaterra dos anos 70 de Margareth Tatcher, hoje reivindicados por Lula? Às da Carta ao Povo Brasileiro? Educamos duas gerações na luta contra a corrupção, a picaretagem, o coronelismo e a oligarquia. Fortalecemos-nos lutando contra o neoliberalismo, denunciando as nefastas políticas da Tatcher e Reagan, do imperialismo e seus lacaios locais, como Sarney, Collor, FHC, Menem ou Fujimori. Lutamos contra as medidas exigidas pelo FMI, os banqueiros e os latifundiários e, nesse processo, cresceu o PT, criamos a CUT e ajudamos a fortalecer o MST, com as ferramentas que o imaginário popular identificava para derrotar os poderosos e iniciar uma profunda mudança. Esta coerência política fez milhões de trabalhadores, jovens e populares se apaixonarem por nossa estrela e abraçarem nossa bandeira com profunda convicção. Esta coerência de anos convenceu milhões a votar no PT, para acabar com a entrega e a corrupção, com os acordos fisiológicos que eram prática no governo FHC, para acabar com o neoliberalismo e pagar a enorme dívida social. “Acho um absurdo... puni-los por
defenderem uma posição que até ontem era defendida pelos dirigentes máximos do PT, pelo presidente da República...” (Eduardo Jorge, ex-deputado federal, PT-SP)
O PT que está no governo, em um amplo arco de alianças com inimigos históricos dos trabalha-
dores, foi quem mudou sem consultar as bases. Agora os que decidem os rumos do país e da economia são os Delfim Neto, os PP de Maluf, banqueiros como Henrique Meirelles, os Jader Barbalho, os “companheiros” exportadores, os empresários sonegadores da Previdência, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e os ex-colloridos. Em reuniões na casa de Sarney selam-se acordos com os políticos que foram rejeitados nas urnas. Neste novo pacto conservador, feito entre os dirigentes do PT com as velhas oligarquias e as elites, entrou também salvaguardar o corrupto coronel-mor: ACM, como repetidamente vêm denunciando a imprensa. Com aliados como esses, a política não poderia ter sido outra. O conteúdo da carta ao FMI, o documento apresentado pelo ministro Palocci, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e as propostas de reforma previdenciária e tributária, e a que está sendo preparada para as leis trabalhistas, além das duras medidas de ajuste fiscal em andamento, como o aumento do superávit primário, o corte nos gastos sociais e a manutenção dos juros nas alturas são a demonstração de que a política adotada pelo governo de coalizão é a continuidade, reforçada, da política neoliberal de FHC. O ministro Dirceu afirmou: “Eu mudei. E daí?” Ele tem todo o direito de mudar, mas o que não pode é confundir as decisões pessoais ou de um grupo que hoje faz autocrítica com decisões da instituição partidária e seus órgãos de-
liberativos. Nós poderíamos responder: “Nós não mudamos. E daí?”, mas não seria o correto. Nós não mudamos porque as bases do partido, por meio de suas deliberações, jamais votaram por taxar aposentados, dar autonomia ao Banco Central, aumentar o superávit primário, privatizar bancos estaduais, entregar a Previdência para os fundos de pensão ou presentear o Senado para Sarney. Porque não mudamos devemos ser punidos? A direção majoritária, deslumbrada pelo poder e as bajulações dos novos aliados, não percebe a desconformidade e até a revolta que vêm das bases; fica surda às manifestações de milhares de filiados e até de personalidades como Luiz Fernando Veríssimo, Dalmo Dallari, Reinaldo Gonçalves, Francisco de Oliveira, Emir Sader ou Plinio Arruda Sampaio. As provas nos absolvem e não nos incriminam. Estamos sendo fiéis às práticas, à história, aos princípios, às tradições e as políticas do partido que fez da ética sua marca. Se a Comissão de Ética e Disciplina atuar com imparcialidade, deverá não apenas arquivar a intenção de nos sancionar, mas também pensar o que fazer com os que esqueceram o que sempre disseram, fizeram e defenderam; com os que não cumprem as resoluções votadas nos encontros nacionais do PT. Nossa diferença é que não pedimos punição para ninguém, mas sim a abertura e um amplo debate político para mudar o quanto antes o rumo político e econômico adotado. João Batista Babá é deputado federal pelo PT/PA
LIVROS
CULTURA
Apesar de alavancar as vendas de livros, as editoras estrangeiras trazem riscos para a cultura nacional: investindo pesado em marketing, canibalizam a distribuição dos produtos brasileiros e, para recuperar o dinheiro, lançam títulos de baixa qualidade editorial
s autores e os trabalhadores em editoras de livros nacionais estão em estado de alerta: foi aberta, na semana passada, a maior feira de livros já realizada no país,com mais de 900 expositores. Parece contraditório, mas é fácil de entender o temor diante de uma boa notícia, como essa clara mostra da expansão do mercado editorial (veja o quadro abaixo). A 11ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, realizada de 15 a 23 de maio, fornece um retrato da realidade cultural do país, ao abrigar, sob o mesmo teto, tanto uma jovem editora com apenas seis títulos publicados, quanto uma megacorporação transnacional que acaba de se instalar no Brasil trazendo 60 lançamentos. Eis o perigo: o mercado cresce, atrai os estrangeiros e a produção nacional – em vez de se beneficiar – sofre com isso por falta de mecanismos que regulamentem a concorrência. “Eles chegam com best sellers e os autores nacionais ficam de fora”, avalia Branca Bakaj, presidente da Associação Brasileira de Escritores (ABE). Geraldo Huffs, presidente da Câmara Riograndense do Livro, lembra a experiência argentina, em que editoras estrangeiras compraram empresas nacionais e “descartaram” autores argentinos que vendiam menos de 1,5 mil exemplares por ano. SOBERANIA NACIONAL A preocupação não pára por aí. Existe ainda o risco de aviltamento da cultura brasileira por meio da difusão de material de baixa qualidade. Branca explica que as empresas transnacionais fazem altos investimentos ao entrar em um novo mercado e, para recuperar esse dinheiro, a estraté-
gia inicial é não arriscar.“Ou seja, eles colocam na praça produtos como livros de consumo rápido, ou de auto-ajuda, cuja venda é garantida em qualquer lugar do mundo”, diz ela. Outro setor que está atento ao conteúdo trazido na bagagem dessas editoras é o dos trabalhadores em editoras. “As linhas políticas dessas transnacionais podem não ser compatíveis com os interesses do nosso país. Nossa preocupação é com a soberania nacional”, afirma José Olávio Dutra, presidente do Sindicato dos Empregados em Empresas Editoras de Livros de São Paulo, para quem essa questão é ainda mais preocupante no segmento de livros didáticos. Só para lembrar, exatamente nesse filão aconteceu o maior movimento de desnacionalização do setor, com a compra das editoras Ática e Scipione, em 1999, por um grupo francês; e com a compra das editoras Moderna e Salamandra, em 2001, por um grupo espanhol. Registre-se também a chegada, nos últimos dois meses, da espanhola Planeta (vendas globais de 900 milhões de dólares por ano) e da francesa Larousse (com publicações em 41 idiomas). FORÇA DE MARKETING Um dos impactos mais fortes da entrada das estrangeiras se dá no aspecto da divulgação e da distribuição. Como têm porte para altos investimentos em marketing, acabam dominando as vitrines e os balcões privilegiados dentro das livrarias. Huffs acredita que “não adianta ser contra a globalização; mas é preciso é zelar para que esse capital não canibalize as nossas instituições e a nossa cultura”. Em ermos de legislação, Dutra lembra que o país ainda não tem leis fortes para controlar a parti-
■ A Bienal do Livro do Rio de Janeiro foi uma das maiores exposições mundiais, em quantidade de títulos e de expositores cipação de grupos internacionais no setor de comunicações. E chama a atenção para um aspecto agravante, como a fragilidade do setor de editoras: “São empresas novas, de origem familiar, grande parte com débitos em dólar e abaladas pela crise do câmbio. Quando um peso pesado entra na concorrência, as opções são fatais: ou vende, ou fecha”. Organizados em torno desse cenário, os autores brasileiros estão preparando, para o próximo ano, um encontro nacional, promovido pela ABE. Mas os trabalhadores do setor também estão atentos à questão: “É preciso unir empresas, trabalhadores, autores, livreiros e distribuidores para cobrar do governo uma política e uma legislação, não de proteção, mas que regulamente a participação dos estrangeiros na produção cultural brasileira”, conclui Dutra.
AGENDA Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie e-mail para agenda@brasildefato.com.br
CINEMA RJ - SEMINÁRIO
SOBRE CINEMA
CULTURAL
● de 27 a 29 Organizado pelo Centro Cultural Banco do Brasil, do Rio de Janeiro, o encontro aborda questões de caráter cultural e propõe uma discussão sobre a importância do cinema brasileiro no cenário cultural do país. Os debates discutirão os temas: A Lei do Audiovisual e outras formas de produção; Cinema como expressão das identidades culturais; Indústria cultural e cultura; O pensamento cinematográfico brasileiro; Propostas estéticas e culturais. Mais informações: (21) 3808-2020.
EDUCAÇÃO SP - III COPEDI - PEDAGOGIA INFÂNCIA: EXIGÊNCIAS DE UM NOVO TEMPO
● de 28 a 31 Centro de Convenções do Hotel Monte Real, R. São Paulo, 622, Centro, Águas de Lindóia. Promoção do Fórum Paulista de Educação Infantil Mais informações: www.futuroeventos.com.br
DA
MEIO AMBIENTE MS – SEMINÁRIO: MANEJO DE NO PANTANAL
FOGO
● de 28 a 30 Promovido pelo Ibama/Prevfogo, pela Embrapa Pantanal e pela ONG Conservation International (CI do Brasil), o encontro pretende reunir cientistas, pesquisadores, universidades, ONGs, produtores e instituições públicas de meio ambiente federais e estaduais para discutir ações de prevenção contra grandes incêndios no Pantanal. No seminário, os organizadores pretendem reunir estudos e experiências científicas no Pantanal que possam subsidiar decisões futuras do Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e dos Recursos Naturais Renováveis e órgãos estaduais em relação ao Pantanal.
ECONOMIA SOLIDÁRIA RS - V FEIRA ESTADUAL DE ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA ● de 23 a 25, das 10h às 21h Usina do Gasômetro, Porto Alegre. O objetivo principal da Feira de EPS é fortalecer espaços de comercialização dos produtos agroecológicos, da agricultura familiar, do setor de artesanato, alimentação, confecção e serviços
O bolo que cresce O mercado de livros fatura hoje, mais do que o dobro de dez anos atrás. Esse potencial atrai empresas estrangeiras, que estão chegando para operar no país e comprando tradicionais editoras brasileiras, como a Ática/Scipione, que já deteve o controle de 40% do mercado nacional.
■ Títulos ■ Exemplares
vendidos
■ Faturamento
1990
2001
22.479
40.900
212.206.449
299.400.000
901.503.687
2.267.000.000
Fonte: Convênio entre Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, Câmara Brasileira do Livro e Associação Brasileira da Indústria Gráfica.
produzidos pelos empreendedores da Economia Solidária no Estado. A reflexão sobre as ações do movimento em 2003, as experiências construídas pelos empreendimentos e cooperativas gaúchas, além da criação de trabalho e renda junto aos excluídos da sociedade são também metas da organização do evento. Mais informações: (51) 9818-0431, dornel@terra.com.br
PREVIDÊNCIA SP - A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E SEU IMPACTO NA VIDA DAS MULHERES ● dia 22, às 19h Câmara Municipal de São Paulo,Viaduto Jacareí, 100, 1º Andar. Mais informações: flaviapereirapt@uol.com.br, (11) 31112902 / 3111-2217
REFORMA AGRÁRIA SP - CURSO: MOVIMENTOS SOCIAIS E REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL ● 24 de maio e 7 de junho, das 9h às 12h e das 14h às 17h Escola Estadual Aristóteles Ferreira, Av. Epitácio Pessoa, 466, Santos. Neste curso serão analisadas as bases da estrutura fundiária no Brasil e o capitalismo no país. Serão discutidos dois processos contraditórios de desenvolvimento da agricultura: agricultura capitalista (o chamado agronegócio) e a agricultura camponesa (também chamada de agricultura familiar). Mais informações: aelam@ig.com.br, (13) 3227-9905
POLÍTICA SP - CAFÉ FILOSÓFICO: A ESQUERDA E O MOMENTO POLÍTICO DO BRASIL ● dia 30, às 20h PCB, R. Joaquim Távora, 217, Santos. Debate sobre a situação da esquerda no momento político brasileiro. Mais informações: igrabois@bol.com.br
DIREITOS HUMANOS SP - CAMPANHA FORA CALANDRA (CAPITÃO UBIRAJARA) ● dia 22, às 17h Antigo Doi-Codi, 26ª delegacia, R. Tutóia,V. Mariana, São Paulo. Ato contra a nomeação do torturador para o cargo de chefia do Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol).
SP - SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ● até dia 23 Auditório do Instituto Pólis. Mais informações: (11) 3120-2890, cdh@cdh.org.br.
AMAZÔNIA PA - VII ENCONTRO PARAENSE DE GEOGRAFIA ● dia 29, das 8 h às 22h Campus Universitário, Cametá, Pará. O tema do encontro será Amazônia Ribeirinha: território, desenvolvimento e identidade cultural. Mais informações: (94) 3787-1320/ 3787-3860
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Áurea Lopes, da Redação
Fotos: Tasso Marcelo/AE
Editoras estrangeiras preocupam autores nacionais
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ESPORTE
Incompetência, malversação de fundos, impunidade e monopólio da Rede Globo alimentam a crise dos clubes brasileiros; Brasil exporta para o Uruguai o projeto Pintando a Liberdade, que emprega presidiários na produção de material esportivo para escolas públicas
FUTEBOL
Corrupção leva clubes à falência Wilson de Carvalho, do Rio de Janeiro (RJ) ederações, em sua maioria, ricas; Confederação Brasileira de Futebol, milionária; empresários ricos. E clubes falidos. São reféns das máfias, do monopólio (inconstitucional) da Rede Globo, que paga mal e impõe horários desumanos, e até de torcidas organizadas. E estão fragilizados, na quase totalidade, pela corrupção ou incompetência dos dirigentes. Mesmo a nova lei de moralização do futebol, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não oferece perspectivas de recuperação. “A nova lei deveria vir acompanhada de ajuda financeira do governo. Não temos dinheiro para cumprir, por exemplo, as exigências relacionadas com os estádios, deixando-os em perfeitas condições de uso”, disse o presidente do Botafogo, Bebeto de Freitas. A nova lei do futebol dá poderes ao Ministério Público para fiscalizar os clubes. Na prática, porém, mesmo MP não pune os corruptos denunciados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). “Temos cobrado a ação do MP para punir os culpados, o que não foi feito até agora, mais de um ano após concluirmos os trabalhos”, disse o senador Geraldo Althoff, relator da CPI do Senado. Entre os pedidos de investigação da CPI ao Banco Central, está
a venda de 51 jogadores para o exterior, que renderam 228,4 milhões de dólares aos clubes. Os números se referem apenas ao período posterior a 1998, quando entrou em vigor a Lei Pelé, que obriga o registro dessas operações na CBF. A CPI pediu que o BC verificasse se o valor registrado de ingresso de moeda estrangeiras apuradas com a venda é igual ao registrado na CBF. Quase um ano e meio depois, o pedido não foi atendido. Os clubes, salvo raríssimas exceções, têm dívidas astronômicos para com o INSS (Flamengo, Fluminense, Palmeiras, Atlético-MG e Internacional são os maiores devedores, quase R$ 50 milhões), FGTS, Receita Federal (o Cruzeiro-MG é o que mais deve: R$ 25 milhões). Muitos clubes deveriam ter saído do vermelho, tantas foram as vendas de jogadores para o exterior, a peso de ouro. Mas o dinheiro entrou no ralo da corrupção, conforme denunciaram os parlamentares da CPI. “Presidentes de federações e alguns empresários se aproveitaram da desorganização administrativa para ganhar dinheiro por fora nas transações entre clubes e jogadores, criando um submundo dentro do futebol brasileiro. Nós, da CPI, cumprimos a nossa parte para moralizar o futebol brasileiro e punir os corruptos. Saiu a nova lei, que é produto desse trabalho, mas restam as providências dos órgãos compe-
tentes, que não estão agindo. São inconcebíveis as irregularidades, principalmente nas federações da Paraíba, Piauí ou Maranhão, a pior delas.Terá de haver punição”, disse o sub-relator da CPI da CBF-Nike, deputado Dr. Rosinha.
clube. “Quando deixei o clube, em 98, o passivo era de R$ 83.153.657,00. Como é que esse passivo subiu para R$ 203 milhões”, questionou o ex-presidente do Flamengo, Kleber Leite.
PINTANDO A LIBERDADE
Brasil exporta projeto que auxilia detentos Ruth Scharony Berro, de São Paulo (SP) m acordo assinado pelos ministros do Esporte do Brasil e do Uruguai, Agnelo Queiroz e Pablo Ferrari, vai permitir a exportação do projeto Pintando a Liberdade a cidades uruguaias. Iniciativa do governo, o empreendimento incentiva o esporte equipando escolas da rede pública com material produzido por presidiários de todo o país. No Brasil, já ocorre em 53 unidades, espalhadas por 25 Estados, e dele participam 12.700 detentos (5% do total de 240 mil). Os ministros se encontraram em 25 de abril, no presídio da Papuda, em Brasília, um dos locais onde funciona o projeto. Até o final do ano, eles prevêem que o Pintando a Liberdade já tenha sido implantado em pelo menos uma cidade uruguaia. Uma penitenciaria em Maldonado, a uma hora da capital do Uruguai,
Montevidéu, deve ser a primeira. Ex-detentos brasileiros viajarão para o país para auxiliar na construção e no gerenciamento do empreendimento. Os presidiários fabricam bolas de futebol e de basquete, redes e raquetes de tênis de mesa, bandeiras, mochilas e uniformes. Gerêncio Nelcyr de Bem, coordenador geral do projeto, avalia que “trabalhar permite que os detentos tenham renda para ajudar suas famílias e que aprendam um ofício.” Além disso, é um meio de reduzir a pena: a cada três dias de produção, um dia é descontado da estadia na prisão. MELHOR QUALIDADE Bem considera que o material é fabricado para ter durabilidade bem maior do que o de marcas famosas. Além disso, o custo é geralmente 30% menor. No presídio da Papuda, são produzidas 300 bolas por dia, pelos 600 internos que participam do projeto. Alguns chegam a produzir 3 bolas por dia e ganham R$ 2 por
unidade.“Estudar é uma condição para trabalhar no projeto. Por vontade própria, eles só trabalhariam”, afirma Adalberto Monteiro, diretor do presídio. Em São Paulo, o primeiro local a receber o Pintando a Liberdade será a Penitenciária Newton Silva, em Franco da Rocha. Lá serão incluídos 800 detentos na produção de 91 mil produtos. O projeto, que estava funcionando na unidade da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) do Tatuapé, no momento está suspenso, mas, de acordo com Bem, será reativado. Os R$ 9,5 milhões destinados ao Pintando a Liberdade serão mantidos, apesar dos cortes impostos pelo governo,afirmou Bem.Para cumprir um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reduziu repasses de verbas para alguns órgãos governamentais.O Ministério do Esporte sofreu um corte de 88,3%,passando de R$ 369 milhões para R$ 43,1 milhões.
José Cruz/ABr
No país do plim-plim A Rede Globo decidiu pagar apenas R$ 7 milhões aos 24 clubes, pelos direitos de transmissão da Série B do Campeonato Brasileiro. Com dinheiro sobrando, a CBF se omite. O quadro é pior ainda para a Série C. Até agora, não se sabe quando será iniciada, nem há dinheiro para garantir a sua realização. Clubes como o América, do Rio, que, apesar de possuir um dos estádios mais modernos do Brasil, construído com o dinheiro da venda do antigo campo no bairro do Andaraí, estão sem time. A base de juniores, formada com muito sacrifício e de qualidade, não existe mais: a lei do passe, muito boa apenas para empresários, permitiu que fossem levados a outros clubes. Para fazer um novo time, o América faz experiência com centenas de candidatos que tentam provar serem bons de bola. Para isso, basta telefonar para a sede da Tijuca e se inscrever.“Não há outro caminho, até porque nem sabemos quando a Série C irá começar. Ficamos sequer sem poder acertar um patrocínio.Temos uma estrutura que poucos clubes possuem em todo o Brasil, mas estamos falidos. O futebol brasileiro precisa ser repensado, do contrário, poucos clubes sobreviverão’’, diz o presidente Reginaldo Mathias, ex-árbitro e considerado um dos novos dirigentes moralizadores. (WC)
O Flamengo, do Rio, foi rotulado pelos parlamentares da CPI como “entreposto de compra e venda de jogadores”. O rombo, mais de R$ 200 milhões, foi agravado na administração de Edmundo Santos, afastado pelo Conselho Deliberativo do
■ (Da esq. para a dir.): Pablo Ferrari (Ministério dos Esportes do Uruguai), Gerêncio de Bem (diretor do projeto no Ministério do Esporte) e Agnelo Queiroz (ministro do Esporte) visitam o setor de confecção de bandeiras, no presídio Papuda, Distrito Federal
A falsa ética do São Paulo BRASIL DE FATO De 22 a 28 de maio de 2003
Juarez Soares, de São Paulo (SP)
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ode ser que até o momento em que o prezado torcedor esteja lendo essas maltraçadas linhas, o São Paulo já tenha o novo treinador. Até hoje, no entanto, isso não aconteceu. Parece até que na inexperiência ou ignorância de seus diretores, o time do Morumbi tenha criado uma nova tese a respeito do assunto, isto é: será mesmo que o time precisa de um técnico? Porque, desde a saída de Oswaldo de Oliveira, o São Paulo passou a ser dirigido por um quarteto composto pelo treinador de goleiros, o chileno Roberto Rojas, o eterno auxiliar Milton Cruz e dois jogadores dentro do campo: Ricardinho e Rogério Ceni. E olha que a partir desse momento o time se garantiu.
Foi mal, é verdade, na Copa do Brasil, mas ficou invicto no campeonato brasileiro. Enquanto durar esse vai-não-vai, ou melhor, vem-nãovem do novo técnico, o São Paulo se debate numa crise criada pela sua própria incompetência. O panorama se desenhou a partir do momento em que o presidente Portugal Gouveia mandou embora o técnico Oliveira de forma intempestiva. Com uma arrogância que já parecia adormecida no São Paulo, tomou uma atitude de diretor de futebol amador. Logo em seguida, disse que ele e só ele iria contratar o novo técnico. Percebendo que sua presença era meramente figurativa, o diretor de futebol, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, pegou o boné ou a cartola e foi embora. Perdido na crise política que ele próprio criou, o presidente
não sabe o que fazer e, com seu balaio de caranguejo, saiu pela tangente. Trouxe para o futebol um ex-presidente do clube, Juvenal Juvêncio. Lembrando o senador Antônio Carlos Magalhães, quando quis salvar o Banco Econômico da Bahia da fraudulenta falência, Juvenal atravessou os jardins do centro de treinamento com mais de 20 conselheiros, pisoteou rosas e hortênsias. Só falou bobagens na preleção aos jogadores. Em dívida com os atletas, sem dinheiro para pagar, ainda vomitou regras e obrigações. Logo em seguida, o time foi desclassificado pelo Goiás na Copa do Brasil. Aí veio outra novidade: a baboseira para a escolha do novo técnico. O São Paulo diz que não quer Vanderlei Luxemburgo, sem dúvida, o maior técnico do Brasil na atualidade.Aliás, já faz algum tem-
po. O cartola disse que não iria tirar o técnico que tivesse empregado em outro clube. Se o raciocínio for sério e verdadeiro, nenhum treinador de categoria irá para o Morumbi. Todos os qualificados estão empregados. Em primária contradição, os diretores do São Paulo infernizam a vida de Emerson Leão, que está empregado no Santos, e Tite, que tem contrato com o Grêmio. Até mesmo Toninho Cerezo, que tem emprego garantido no Japão. Tentando manter um procedimento de fachada, que há muito não existe na realidade, o São Paulo finge ter uma ética que já se perdeu no tempo. O episódio Ricardinho está aí para comprovar. O tricolor fica se debatendo apenas da boca pra fora discutindo se é justo um clube ir buscar treinador que está prestando ser-
viço a outra agremiação. Enrolando-se no próprio emaranhado de um raciocínio primário, o próprio São Paulo deu o exemplo. Mandou embora Oswaldo de Oliveira que tinha contrato em vigência. Se no caso, o patrão, que é o clube, pode mandar embora o empregado, que é o técnico, por que o funcionário não pode sair quando recebe a proposta de um emprego melhor? Nesse ponto, o futebol funciona como uma empresa para o trabalhador comum. Enquanto a empresa dá lucro (as vitórias do time) o trabalhador serve. Quando caem os lucros (chegam as derrotas) o empregado é dispensado. O São Paulo é que ainda tenta manter um clima de clube de elite no futebol, quando, na verdade, o tricolor já caiu há muito tempo na vala dos clubes comuns.