BRASILDEFATO Ano I ■ Número 13 ■ São Paulo ■ De 29 de maio a 4 de junho de 2003
Circulação Nacional
R$ 2,00
Mercosul e Alca – Lula também reafirmou o seu compromisso com o fortalecimento do Mercosul. O governo brasileiro quer que as negociações com os EUA sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) sejam feitas no esquema “4 + 1”: de um lado da mesa, os quatro integrantes do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai); do outro, os negociadores estadunidenses. Pág. 9
■ Em Cuzco, o presidente Lula posa para foto, ao lado dos outros dezoito chefes
de Estado e representantes de governo que participaram da 17a cúpula do Grupo do Rio; todos seguram um bastão que simboliza o poder do império Inca
Caso Tim Lopes: Governo FHC planejou qual é a verdade? sucateamento de bancos estaduais Há um ano, em 2 de junho, o jornalista Tim Lopes foi assassinado por traficantes, por estar fazendo uma reportagem sobre drogas.A jornalista Cristina Guimarães, colega de Lopes, lembra que ela própria foi ameaçada, meses antes, e que pediu, sem sucesso, que a TV Globo lhe garantisse a segurança. Contrariamente à versão da rede, Cristina diz que Lopes não teria morrido, se ela tivesse sido ouvida. Pág. 7
MST protesta em Pernambuco Cerca de dois mil trabalhadores rurais protestaram contra o latifúndio, em ato no Engenho Prado, em Tracunhaém (PE), escolhido como simbólico da conivência das autoridades com proprietários. Pág. 8
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o Banco Central adotou medidas que prejudicaram as operações dos bancos estaduais. Isso criou condições ultravantajosas para as instituições privadas que participaram dos leilões de privatização desses bancos. Uma das medidas foi o convencimento, pela mídia, de que os bancos estaduais eram mal administrados só por serem estatais. Pág. 4 DESMONTE DO ESTADO
E mais: TRANSGÊNICOS – Os Estados Unidos, através da OMC, querem liberar mundialmente o comércio dos produtos geneticamente modificados e com isso inundar todo o Hemisfério Sul. Pág. 3 ESTAGNAÇÃO – Com os juros altos e o achatamento dos salários pelo desemprego e pela informalidade, a economia não pode crescer este ano. Pág. 6 DÍVIDA – Ethel, viúva do senador Robert Kennedy, afirma que o Brasil tem de entrar no perdão da dívida externa em troca de investimentos sociais. Pág. 8 TRAGÉDIA NA COLÔMBIA – Movimentos sociais colombianos denunciam os estragos causados pelo uso do herbicida Roundup, da transnacional Monsanto. Pág. 10 LÍNGUA E COMÉRCIO – Os países de língua portuguesa, na maioria africanos, estarão reunidos em 9 e 10 de junho, em Fortaleza (CE), para formarem um bloco comercial. Pág. 12 PESCA – O Congresso Mundial de Aqüicultura reuniu-se em Salvador (BA), para discutir meios de reduzir os danos da pesca predatória. Pág. 13 ÍNDIOS – Líderes de 47 povos indígenas encontraram-se em Olinda (PE), para reivindicar terras, saúde, educação e outros direitos. Pág. 13 RUMOS DA CUT – Veja, na seção Debate, as avaliações de Waldemar Rossi e Carlos Alberto Grana sobre as perspectivas da CUT na nova situação que se estabeleceu com Lula na presidência da República. Pág. 14 SANTO NEGRO – Há 115 anos, em Itapira (SP), os grupos de congada homenageiam, em maio e junho, São Benedito. Pág. 15
Bush gasta com armas 40% do orçamento militar mundial O orçamento militar estadunidense para 2004, já enviado ao Congresso, juntamente com verbas adicionais para a defesa, deverá atingir 510 bilhões de dólares. Ou seja, sozinhos, os EUA gastarão no ano que vem 40% das verbas militares de todos os países do mundo, sem contar que são muito mais avançados tecnologicamente do que qualquer deles. O orçamento para a defesa equivale a 25% do orçamento total do governo federal estadunidense. Pág. 11 CARTOLAS x TORCEDORES
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tar fora do Grupo do Rio, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 24, em Cuzco (Peru). O grupo foi criado em 1986 e é integrado por dezenove membros da América Latina e do Caribe. Lula defende a participação de Cuba na organização, que no próximo ano será presidida pelo Brasil. Com isso, abre-se um caminho para que a ilha rompa quatro décadas de total isolamento diplomático do hemisfério, a que foi submetida por pressão dos EUA.
Eugênio Neves
Não há sentido no fato de Cuba es-
Marcello Casal Jr./ABR
Lula quer romper isolamento de Cuba
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Fala, Zé! Ohi
NOSSA OPINIÃO
Mídia ou partido? O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) volta a ser atacado com força pelos maiores veículos de comunicação do país. As acusações são as mesmas de sempre: prática de baderna, desrespeito às leis, subversão. Só tem um detalhe novo: o governo é de esquerda. A mídia tenta fabricar uma falsa oposição entre o MST e o governo Lula. Trata–se de construir a imagem do MST como movimento radical, imaturo, com o qual nem mesmo o governo Lula consegue negociar. Trata-se de isolar o MST, condenar os seus métodos de luta (ocupação de terras, mobilização, debate permanente) e execrar o seu programa político (luta contra o imperialismo, defesa da Reforma Agrária, da soberania alimentar, da democracia em seu sentido mais pleno). Mas a mídia não age assim apenas contra o MST. Basta considerar, por exemplo, a cobertura do processo disciplinar que a Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores resolveu abrir contra três de seus parlamentares (a senadora Heloísa Helena e os deputados João Babá e Luciana Genro). Os meios de comunicação fabricaram um escândalo em torno do assunto. Exagero? Então responda: você se lembra de ter lido, ouvido ou visto algum grande destaque dado à notícia de que o PSDB ameaçou de expulsão alguns de seus deputados que haviam se pronunciado favoráveis às reformas propostas pelo governo? Isso aconteceu simultaneamente ao “processo do PT”. Que jornalista ou articulista de influência dedicou algum espaço ao assunto? Será que o PSDB não tem importância na vida nacional? Ou as exigências da democracia só se aplicam ao PT? Qualquer pessoa que responda a estas perguntas com o mínimo de honestidade terá que concluir: a mídia fabricou o escândalo do PT. Investiu todas as suas baterias para dar ao assunto uma dimensão nacional, com o mesmo afinco com que ignorou, por exemplo, a disciplina interna do PSDB. E conseguiu o que queria. Qual o seu objetivo? Em primeiro lugar, a mídia, enquanto tal, vive de sensacionalismo barato. O assunto tem todos os ingredientes de uma novela, dessas que vendem muitos exemplares e garantem pontos de audiência. Segundo, o escândalo interessa às forças sociais representadas pela mídia, por ajudar a estigmatizar como “radicais” todos aqueles que se opõem às reformas preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional. Terceiro, interessa aos que são hostis a tudo o que o PT representa, mesmo quando aplaudem as medidas econômicas do governo. Assim, enquanto a mídia finge cobrir um processo específico, comporta–se como promotor, tribunal e verdugo da esquerda, dentro e fora do PT e do governo. Contra o MST, os “radicais do PT” ou os ministros que defendem teses de esquerda, a mídia atua como porta-voz de uma vasta ofensiva ideológica da direita, para ampliar o seu espaço de influência no governo e isolar todos os que lutam por mudanças efetivas, no sentido da democratização real da sociedade brasileira. A chamada “grande imprensa” é na verdade o maior e talvez o único partido da direita brasileira. E luta permanentemente para manter os privilégios de sua classe sobre o povo.
BRASILDEFATO CONSELHO POLÍTICO: Achille Lollo ■ Ari Alberti ■ Ariovaldo Umbelino ■ Assunção Ernandes ■ Aton Fon Filho ■ Augusto Boal ■ Cácia Cortez ■ Carlos Marés ■ Carlos Nelson Coutinho ■ Celso Membrides Sávio ■ Claus Germer ■ Dom Demétrio Valentini ■ Dom Mauro Morelli ■ Dom Tomás Balduíno ■ Edmilson Costa ■ Elena Vettorazzo ■ Emir Sader ■ Egon Krakhecke ■ Erick Schunig Fernandes ■ Fábio de Barros Pereira ■ Fernando Altemeyer ■ Fernando Morais ■ Francisco de Oliveira ■ Frederico Santana Rick ■ Frei Sérgio Gorgen ■ Horácio Martins ■ Ivan Valente ■ Jasper Lopes Bastos ■ ■ João Alfredo ■ João Capibaribe ■ João José Reis ■ João José Sady ■ João Pedro Stedile ■ Laurindo Lalo Leal Filho ■ Leandro Konder ■ Luís Alberto ■ Luís Arnaldo ■ Luís Carlos Guedes Pinto ■ Luís Fernandes ■ Luis Gonzaga (Gegê) ■ Marcelo Goulart ■ Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind ■ Mário Maestri ■ Nalú Faria ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs ■ Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ Também participam do Conselho Político todos os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores ■
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Cartas de leitores INTIMIDADE PETISTA Assinei Brasil de Fato e sei que é um excelente jornal, pois tem como editor-chefe o excepcional José Arbex Jr. Porém percebo seu compromisso muito íntimo com a cúpula do PT. Para mim este caminho é perigoso.Vejamos mais adiante. Sergio de Souza Brasil, Teresópolis (RJ) EMPRESÁRIOS X PASSE-LIVRE A situação dos idosos, estudantes e deficientes físicos com a colocação das catracas na frente dos ônibus é humilhante e explosiva. Este ataque da Prefeitura do Rio e dos empresários contra o direito a gratuidade nas passagens nos transportes coletivos está servindo de mal exemplo aos empresários de ônibus de Duque de Caxias. Os empresários de ônibus cassaram o direito dos portadores de doenças crônicas e mentais ao passe-livre, e a empresa Trel, situada também em Caxias, já determinou que só terão direito à gratuidade cinco estudantes, idosos ou deficientes, contrariando frontalmente a lei. E, quando são questionados sobre a ilegalidade, tratam as pessoas como se fossem animais
e dizem que é ordem expressa da empresa e que a lei não vale para eles. Fábio Pereira, Duque de Caxias (RJ) EDUCAÇÃO No dia 15 de maio, recebemos pelos jornais a notícia de que o Ministério da Educação criou uma comissão para investigar indícios de fraudes em cursos de mestrado e doutorado realizados por faculdades brasileiras, algumas delas em associação com grupos de educação estrangeiros. Mais de 9.000 alunos estão requerendo a validação de seus diplomas e, espera-se, o Mec não vai ceder, já que não havia autorização oficial para a oferta e muito menos da validação da Capes, órgão responsável pelos cursos de pós-graduação.O interessante é que boa parte destes alunos foi iludida por anúncios publicados nos mesmos jornais que agora dão a notícia. É comum as editorias lançarem ou apoiarem, por exemplo, campanhas antidrogas no primeiro caderno e, nas páginas culturais, fazer apologias de grupos musicais, artistas ou movimentos que tem no consumo de tóxicos a sua maior marca. Marcos Marques de Oliveira, Niterói (RJ)
REFORMA DA PREVIDÊNCIA Compareci na Universidade Federal Fluminense ao lançamento do jornal Brasil de Fato, na esperança de que tal veículo realmente expressasse os interesses do povo que não tem voz. Verifico, agora, consternada, que esse ideal ficou para trás, pois não vejo, da parte do jornal, nenhuma atitude contra a indecorosa, imoral e covarde proposta de reforma da previdência, que também pode ser chamada de “entrega da aposentador ia dos trabalhadores à rapinagem dos banqueiros”. É uma lástima a forma como vocês, do jornal, têm tratado os deputados radicais, ou seja, aqueles que defendem as raízes do partido, mantendo compromissos éticos com o povo trabalhador. Saibam vocês que tal reforma, além de acabar definitivamente com o mínimo de dignidade que era garantida ao trabalhador brasileiro, dará um golpe final nas universidades públicas, terminando definitivamente com a pesquisa desenvolvida em nosso país. Terezinha Bittencourt, Niterói (RJ)
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SEGURANÇA ALIMENTAR
NACIONAL
O governo Bush quer que a União Européia libere a importação de produtos transgênicos e pressiona os países do hemisfério sul, que resistem à comercialização do produto; nas Filipinas, bispos católicos voltam a pedir a moratória de milho modificado
Emad Mekay, de Washington (EUA)
João Zinclar
Bush quer inundar o Sul de transgênicos protesto dos Estados Unidos junto à Organização Mundial do Comércio contra os obstáculos impostos pela União Européia (UE) ao ingresso de transgênicos tem, entre seus objetivos, obrigar os países em desenvolvimento a abrir suas portas a esses cultivos. O governo do presidente George Bush, depois de cinco anos de negociações sem resultado para que a UE permitisse o acesso de produtos geneticamente modificados, anunciou, dia 13, que levará o caso à OMC. Essa decisão contradiz o desejo dos consumidores europeus e tem como um de seus objetivos abrir os mercados do mundo em desenvolvimento, cuja resistência aos transgênicos sempre dependeu do apoio da UE. Estados Unidos, junto com outros 12 países exportadores de produtos agrícolas, entre eles Argentina, Canadá e Egito, querem que a UE deixe sem efeito a moratória de fato que rege, desde 1998, a entrada de transgênicos. Do contrário, deverá enfrentar sanções (veja reportagem abaixo).
produção mundial de soja, 20% da de algodão e 11% da de milho são geneticamente modificados. “A indústria alimentícia européia simplesmente se negará a aceitar os produtos”, disse o diretor da Associação de Consumidores Orgânicos, Ronnie Cummins. O ativista afirmou que o verdadeiro objetivo dos Estados Unidos é assustar os países em desenvolvimento para que abram seus mercados a esses controvertidos produtos.“Está claro que os europeus não retrocederão.Os Estados Unidos tentam assustar os países menores”, acrescentou.
■ Lançamento da campanha Por um mundo livre de transgênicos, em Porto Alegre (janeiro 2003) cultores e consumidores de todo o planeta”. Os transgênicos são variedades vegetais ou animais obtidas em laboratório através da introdução de genes de outras espécies com o fim de melhorar suas características, torná-las resistentes às pragas ou a condições climática severas. A UE disse que precisa de tempo para desenvolver sistemas efetivos de rastreabilidade e rotulagem de produtos geneticamente modificados. O governo Bush, grandes corporações e especialistas afirmam que os transgênicos são seguros para a saúde humana e podem aliviar a fome. “Nos países em desenvolvimento, a biotecnologia pode fazer a diferença entre a vida e a morte, entre a saúde e a doença, para centenas de milhões de pessoas”, afirmou Ronald Bailey, co-autor de um estudo sobre transgênicos do conservador Cato Institute, com sede em Washing-
ZOELLICK EM CENA Washington argumenta que os obstáculos impostos pela UE à entrada de transgênicos constituem barreiras não alfandegárias contrárias às normas da OMC. O representante de Comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, afirmou que “a persistente negativa da UE” quanto aos transgênicos impede “o uso mundial de tecnologia que poderia ser benéfica para os agri-
ton. Os insuficientes cultivos e a cara tecnologia para a produção são, para muitos, as principais razões para que existam no mundo um bilhão de famintos. O uso de engenharia genética em muitos dos países pobres poderia ajudar, segundo seus defensores, mas os governos negam-se, sobretudo pela postura européia. No ano passado, Moçambique, Zâmbia e Zimbábue, nações muito afetadas pela fome, recusaram ajuda alimentar procedente dos Estados Unidos porque continham transgênicos. Principalmente, os países africanos temiam perder seus mercados na União Européia caso suas colheitas fossem contaminadas com as doações de transgênicos. Organizações de defesa dos consumidores e de fomento ao desenvolvimento acusam os Estados Unidos de esconderem seus próprios interesses financeiros com
o argumento de “beneficiar o mundo”. “O governo Bush preocupa-se pelos interesses das principais corporações, mais do que com a saúde da humanidade”, afirmou o presidente da organização ambientalista internacional Amigos da Terra, Brent Blacwelder. Gigantescas empresas de insumos agrícolas, como Monsanto e Aventis, e grandes organizações de agricultores dos Estados Unidos, como a Associação Nacional de Produtores de Milho, pressionaram Washington para que apresentasse o protesto perante a OMC. TERRORISMO Os Estados Unidos, maior produtor de transgênicos do mundo, perde cerca de 300 milhões de dólares ao ano em exportações para a UE, mas o potencial de vendas de transgênicos para as nações em desenvolvimento, como a Índia, é muito maior. Quase 45% da
AJUDA TRANSGÊNICA No passado, o governo norteamericano utilizou a ajuda alimentar a países em desenvolvimento para introduzir produtos transgênicos, o que despertou o protesto da comunidade mundial, disse Cummins. Washington também promove os transgênicos nos países em desenvolvimento através de cursos de capacitação organizados no exterior pelo Departamento de Agricultura. Nesses cursos, funcionários governamentais são instruídos sobre os benefícios dos produtos geneticamente modificados. As corporações estadunidenses também recebem “assistência técnica” deWashington para financiar iniciativas que promovam “leis transparentes e com base científica sobre a engenharia genética” na China, com a intenção de evitar que Pequim adote leis semelhantes às da UE. A indústria estadunidense alarmou-se, em 2002, quando a China introduziu uma série de normas severas para a etiquetagem de produtos transgênicos, que afetaram a produção de soja da região ocidental dos Estados Unidos. (IPS)
Washington pressiona europeus Filipinos pedem moratória Paulo Pereira Lima, da Redação
■ Manifestação em defesa das sementes promovida pela Via Campesina durante o fórum de Porto Alegre tema regulatório em linha com os últimos avanços científicos. A finalização da pesquisa é iminente”, afirmou o comissário de Saúde e Proteção ao Consumidor, David Bryne. Por sua vez, a comissária de Meio Ambiente, Margto Wallstrom, disse que a atitude dos Estados Unidos “apenas tornará mais difícil o debate sobre os transgênicos”, mas garantiu que o bloco “não deixará de pressionar. Devemos seguir adiante com nossa legislação sobre rastreabilidade e rotulagem de produtos, que agora está sendo discutida no Parlamento Europeu. Não temos que nos distrair da busca por uma política incorreta”, acrescentou. O sistema europeu estabelece quem deve constatar o efeito de transgênicos na saúde humana e dos animais antes de entrarem no mercado.As organizações não-governamentais temem que a medida de Washington derive em fortes sanções da OMC à UE.“Se
a medida prosperar, os Estados Unidos introduzirão os produtos transgênicos no mercado sem se importar com a vontade dos consumidores. A Comissão Européia e os governos nacionais devem ser valentes e enfrentar essa atitude indigna”, disse a diretora de políticas da Amigos da Terra, Liana Stupples. Zoellick tentou levar o caso à OMC várias vezes, a última delas em janeiro, mas tudo ficou suspenso durante a invasão do Iraque. O representante de Comércio norte-amer icano disse que a resistência da UE aos transgênicos está prejudicando milhares de produtores em todo o mundo. Vários países africanos que sofrem escassez de alimentos, como Zâmbia e Zimbábue, negam-se a receber doações com produtos transgênicos. A UE afirma que os governos têm direito de decidir sobre o uso desses produtos. (IPS)
s bispos católicos das Filipinas voltaram a pedir ao governo uma moratória sobre a comercialização do milho transgênico Bt (bacillus thuringiensis) da transnacional Monsanto, além de uma pesquisa independente e confiável sobre seus experimentos no país. Sem obter resposta a uma carta enviada em janeiro à presidente filipina Gloria Arroyo, os bispos voltaram a se manifestar sobre o assunto, dia 13.“Temos de prestar atenção sobre os avanços positivos da ciência e da tecnologia, que estão ajudando a desenvolver as atividades agrícolas. Mas temos também de estar muito atentos aos efeitos negativos que os produtos geneticamente modificados podem ter sobre a saúde e sobre o ambiente”, afirmam, em nota divulgada pela agência Misna. GREVE DE FOME Eles expressaram também solidariedade para com um grupo de representantes de movimentos sociais que, há mais de 25 dias, estão fazendo uma greve de fome diante da sede do Departamento da Agricultura, em Manila. Eles reivindicam o fim da distribuição do milho transgênico. O plantio comercial do milho Bt foi aprovado pelo Departamento de Agricultura das Filipinas, em dezembro de 2002, e des-
de então o setor agrícola filipino atravessa um período de forte crise. Defensores dos transgênicos dizem que o Bt é capaz de resistir aos ataques dos parasitas e visto como solução para se obter grandes colheitas. A planta, de fato, pode se defender dos insetos com uma substância tóxica graças a um implante de um fragmento do DNA da bactér ia bacillus thuringiensis. No entanto, especialistas alertam para o fato de a substância se acumular e persistir no terreno, provocando perda de fertilidade no subsolo. O milho Bt é a primeira variedade geneticamente modificada aprovada nas Filipinas para produção comercial.Também fazem parte da política agrícola do país as pesquisas com relação a outras plantas geneticamente modificadas. A principal delas é o arroz resistente à bactéria xanthomonas oxyzae, desenvolvido pelo Philr ice (Instituto Filipino de Pesquisas do Arroz) e já em fase de testes. Além disso, o país está implantando um centro nacional de pesquisas de biotecnologia aplicada à agricultura, com o apoio da Universidade de Cornell, dos Estados Unidos, e da Agência Estadunidense para o Desenvolvimento Internacional (Usaid). O objetivo da instituição, que deve ser inaugurada ainda este ano, é desenvolver novas variedades transgênicas para comercialização.
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UE condenou o protesto apresentado esta semana pelos Estados Unidos junto à OMC contra as proibições do bloco à importação de produtos geneticamente modificados. Porta-vozes da Comissão Européia, órgão executivo da UE, disseram que a atitude estadunidense “não tem justificativa legal nem fundamento econômico e é politicamente prejudicial”. Os Estados Unidos querem que a UE deixe sem efeito a moratória de fato que rege, desde 1998, a entrada de transgênicos. Washington argumenta que os obstáculos impostos pela UE à entrada de transgênicos constituem barreiras não alfandegárias que contradizem a liberalização do comércio internacional. “O sistema regulatório da UE para a autorização dos transgênicos está em linha com as regras da OMC. É claro, transparente e não discriminatório. Portanto, a UE não tem nada a examinar”, respondeu o comissário europeu de Comércio, Pascal Lamy.“A UE autorizou algumas variedades de transgênicos no passado. Os Estados Unidos devem ter outros motivos para levar o caso” à OMC, acrescentou. O bloco havia aceito a produção e venda de transgênicos, incluídos milho e soja, até 1998, quando impôs uma moratória a futuras solicitações. “Temos trabalhado duro na Europa para completar nosso sis-
de milho modificado
João Zinclar
Stefania Bianchi, de Bruxelas (Bélgica)
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DESMONTE DO ESTADO
Lauro Jardim, de São Paulo (SP) Entre junho de 1996 e janeiro do ano passado,o governo Fernando Henrique Cardoso literalmente obrigou 11 governos estaduais a se desfazerem de seus bancos, principais instrumentos de política econômica, criados para financiar o crescimento das economias locais. Montou-se uma grande operação para manipular informações e jogar a opinião pública contra as instituições, facilitando sua privatização em condições vantajosas para seus compradores. Os bancos estaduais foram forçados, ao longo dos anos, a financiar atividades de baixo retorno, cumprindo uma função recusada pelos bancos privados, assim como tiveram que engolir dívidas dos governos estaduais e de suas estatais. Paradoxalmente, os créditos tributários
O sucateamento (programado) dos bancos estaduais gerados pelos bancos estaduais, como resultado de prejuízos passados e impostos pagos a mais, foram transferidos a seus novos donos, permitindo-lhes abater substancialmente os valores alcançados nos leilões de privatização. ITAÚ NO CÉU A operação segue um roteiro inaugurado pela venda escandalosa do Banerj, em junho de 1997. Com bens, créditos e dinheiro em caixa no valor de R$ 3 bilhões, o banco foi vendido por R$ 311,1 milhões, mas o Itaú desembolsou apenas R$ 150 milhões, já que metade do preço foi coberto por títulos “podres”. Nos dias anteriores ao leilão, os contratos de venda do Banerj foram alterados para permitir, entre outras mudanças, que a Caixa Econômica Federal assumisse toda a dívida trabalhista e previdenciária do banco e de seu fundo de pensão, no valor de
R$ 3,1 bilhões. Nos casos do Banespa, Banco do Estado de Goiás (BEG) e outros, prejuízos foram forjados para criar“rombos”inexistentes e reduzir a resistência à privatização, e toda a despesa com demissões foi bancada pelo Tesouro Nacional. Só o Banespa enxugou de seu quadro 12,7 mil funcionários (38% do total), entre 1994 e 1998.
Antes da privatização, o fundo de pensão do Banespa apresentava um passivo (dívidas) de quase R$ 4,1 bilhões. No dia seguinte ao leilão, descobriu-se que
o passivo havia evaporado, baixando para pouco mais de R$ 100 milhões. Mágica? Não, o Tesouro Nacional emitiu R$ 4,1 bilhões em títulos, cobrindo a dívida.
L.C. Leite/AE
NACIONAL
Como o Banco Central conseguiu empurrar os bancos estaduais para o “vermelho” e criar condições ultravantajosas para quem decidiu comprá-los nos leilões de privatização; a venda do Banerj, do Banespa e do BEG contam a mesma história
ARTIFÍCIOS Para fabricar prejuízos, o Banco Central utilizou artifícios contábeis que permitiram considerar como “podres” créditos que ainda poderiam ser recuperados pelos bancos. Caso do BEG, por exemplo. Quando houve a transferência do banco para a União, foram lançados como prejuízos quase R$ 260 milhões em créditos que o BEG tinha a receber. Entre junho de 1999 e junho de 2001, a nova administração do banco conseguiu reaver R$ 60 milhões.
Manipulação e ilegalidade marcam privatização do Banespa
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o contrário da imagem fabricada pelo governo FHC e uma certa imprensa, à época, o Banespa sempre foi um banco lucrativo e viável. O que houve foi mais uma grande manipulação armada para justificar, primeiro, a intervenção no banco e, mais tarde, sua privatização.A manobra, iniciada no final de 1994, foi desenvolvida em dois atos. Em 30 de dezembro, alegando a “quebra” do banco, o BC, presidido pelo então futuro ministro da Fazenda, Pedro Malan, decretou a intervenção. Uma armação feita para abrir caminho para a venda do banco.Como apontou o jornalista Aloysio Biondi, no livro O Brasil Privatizado, “o Banespa nunca quebrou. Quem estava ‘quebrado’ era o governo do Estado”. Ainda em dezembro, o governo paulista atrasou em 15 dias o pagamento de uma das prestações da dívida com o Banespa, que foi declarado “inadimplente” pelo BC. Ilegalmente, já que as próprias normas do BC, como mostrou Biondi, admitem atrasos de até 60 dias, antes de adotar providências rigorosas. Passo seguinte, toda a dívida do governo paulista, na casa dos R$ 50 bilhões, foi classificada como “impagável”, como se o governo estadual jamais fosse retomar os pagamentos devidos – o que, aí sim, abriria um “rombo” na contabilida-
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de. Adicionalmente, foram criadas provisões (reservas constituídas para fazer frente ao risco de perdas com empréstimos ou aplicações mal feitas) fantasiosas, no valor de bilhões. Dois exemplos ajudam a entender o mecanismo. O Banespa teve que reservar mais de R$ 640 milhões para evitar supostos prejuízos com as ações da Cesp, entregues pelo governo de São Paulo como pagamento de uma parcela de sua dívida. Outros R$ 411 milhões foram reservados,no balanço do banco,para garantir títulos da dívida externa brasileira – providência absurda, já que aqueles papéis são garantidos pela União. Só nestas duas contas, o Banespa teve que deixar reservados mais de R$ 1 bilhão, quase 70% de seu patrimônio líquido. PASSE DE MÁGICA Como num passe de mágica, o prejuízo de R$ 418 milhões indicado no balanço de 1994 transformouse num vistoso lucro de R$ 1,3 bilhão em 1996, abrindo o segundo ato da manobra. Motivo? O BC, que havia assumido a administração do Banespa, reduziu as provisões realizadas para ajudar a fabricar o falso “rombo” de dois anos antes. Em 1997, o lucro quase dobrou para R$ 2 bilhões. Motivo? A dívida de R$ 52,5 bilhões do governo paulista,que serviu de pretexto para a intervenção, foi renegociada e transformada
em títulos federais pela União. Os títulos foram transferidos ao Banespa e passaram a render juros ao banco. Daí em diante, tratou-se de “preparar” o banco para a privatização, ocorrida em novembro de 2000. O controle do Banespa foi arrematado pelo Banco Santander Central Hispano (BSCH), da Espanha, pelo valor de R$ 7,050 bilhões – 281% mais do que o preço mínimo estabelecido (R$ 1,850 bilhão). Parece muito? Só parece. O Banespa ostentava, então, um total de 2,8 milhões de clientes (quase o dobro do número de clientes do seu novo controlador), 573 agências, depósitos de R$ 19,5 bilhões e ativos (bens, créditos a receber e dinheiro em caixa) de R$ 29,5 bilhões. O valor efetivamente desembolsado pelos espanhóis foi ainda menor, se considerados os créditos fiscais herdados pelo Santander. Aqueles créditos foram acumulados pelo Banespa, enquanto esteve sob controle estatal, e correspondem a prejuízos registrados no passado, ou a impostos recolhidos a mais pela instituição. Seu valor: mais de R$ 2,5 bilhões.Além disso, o ágio pago pelo Santander gerou um outro benefício fiscal, no valor de quase R$ 1,9 bilhão, que poderiam ser deduzidos dos impostos a pagar. Total dos benefícios: R$ 4,4 bilhões, reduzindo o desembolso para R$ 2,6 bilhões. (LJ)
Um pouco de economês Créditos tributários: impostos, taxas e contribuições recolhidos a mais, ou créditos acumulados quando empresas e bancos registram prejuízos. Exemplo: quando um banco é acionado na Justiça por seus funcionários, é obrigado a reservar em sua contabilidade recursos suficientes para pagar a ação trabalhista, caso seja derrotado. Esta reserva – ou provisão – pode ser considerada como despesa e abatida do lucro a ser tributado, reduzindo o imposto devido. Quando o banco tem prejuízos, aqueles recursos podem ser “guardados” e usados no momento em que voltar a ter lucro. Títulos podres: ou títulos de privatização. São papéis emitidos por empresas estatais, bancos públicos, ou pelo governo, para levantar recursos no mercado e pagar despesas ou dívidas. São considerados “podres” por terem prazos de vencimento muito longos e, em alguns casos, sem garantias de que serão pagos. Os títulos são negociados com grandes descontos no mercado financeiro (de até 80%) e foram aceitos pelo governo nos leilões de privatização. Os papéis foram recebidos pelo governo com base em seu valor original, o que significa que o desconto foi embolsado pelos compradores das estatais. Ágio: diferença entre o preço mínimo estabelecido pelo governo para a privatização e o valor final obtido nos leilões. Numa jogada permitida por leis e regulamentos baixados pelo governo para apressar a privatização, o valor do ágio pode ser utilizado pelos compradores para reduzir os impostos a pagar. Para efeitos fiscais (ou seja, para cálculo da redução futura de impostos), o ágio, ou diferença supostamente paga a mais pelos compradores, é calculado com base no patrimônio líquido da empresa. No caso do Banespa, se o ágio fiscal fosse calculado em relação ao preço mínimo, o novo dono poderia usar cerca de R$ 1,7 bilhão para abater impostos futuros. Como a regra é outra, foi possível utilizar quase R$ 1,9 bilhão. Patrimônio líquido: recursos de uma empresa que ficam disponíveis para os acionistas (ou seja, para os donos) realizarem novos investimentos na própria empresa, ou repartirem entre si.
BC fabrica prejuízos também para privatizar o BEG processo de venda do Banco do Estado de Goiás (BEG) segue basicamente o mesmo modelo definido pela equipe econômica do governo FHC para privatizar os bancos estaduais, fabricando prejuízos inexistentes, obrigando os governos dos Estados a assumirem dívidas que não eram de sua responsabilidade, e empurrando para o Tesouro Nacional compromissos que deveriam ser transferidos aos futuros donos.Tudo para “fa-
cilitar” a venda e “valorizar” os bancos. Em meados de 1998, o BC e o governo de Goiás assinaram um contrato em que o suposto “rombo” do BEG foi transferido para a União e incorporado à dívida do Estado. Na época, os valores chegavam a R$ 417,8 milhões.No“bolo”, o BC conseguiu enfiar dívidas do Proagro – um programa de seguro agrícola administrado pelo BC (ou seja, não reconheceu dívidas dele mesmo, BC) – com o BEG, impos-
tos e taxas pagos indevidamente e que o banco poderia recuperar mais adiante, e títulos do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Este fundo foi criado pelo governo para subsidiar os financiamentos para a compra da casa própria, reduzindo o peso das prestações para os tomadores. Em troca dos subsídios, os bancos seriam ressarcidos pelo Tesouro Nacional. Todos esses créditos foram considerados “podres” pelo BC e metade deles foi transferida para
o Tesouro de Goiás. O restante ficou com o BEG, que foi obrigado pelo BC a classificá-los como prejuízo, o que gerou um “rombo” de R$ 129,6 milhões ao final de 1998. ROMBO FALSO O “rombo”, na verdade, não existia, já que havia a chance de o banco recuperar os créditos mais à frente. Além disso, a União destinou R$ 20 milhões para financiar um corte de 43% na folha de em-
pregados, correspondendo à demissão de quase 1,3 mil funcionários. O BEG foi vendido ao Itaú, em dezembro de 2001, por R$ 665 milhões, dos quais 10% foram pagos com títulos “podres”. Na conta final, o Itaú, que herdou do BEG créditos tributários de R$ 107,4 milhões, desembolsou efetivamente apenas R$ 344 milhões (48,3% menos do que o valor do leilão e 15% acima do preço mínimo) por um banco com ativos de R$ 1,320 bilhão. (LJ)
BRASILEIROS
NACIONAL
Vivian Szelpal, ex-funcionária do Banespa, foi induzida a pedir demissão logo após a privatização do banco, onde começou a trabalhar em 1978; sua historia é semelhante à de milhares de outros trabalhadores de bancos estaduais vendidos ao setor privado
processo de intervenção federal no Banespa e, depois, sua venda ao espanhol Santander deixou como rastro o fechamento de milhares de postos de trabalho. Funcionários que durante décadas dedicaram a vida ao banco estadual, não resistiram às pressões das novas diretorias e acabaram por aderir aos Planos de Demissão Voluntária (PDVs). Conseqüência: milhares de trabalhadores lançaram-se ao mercado, se deparando com uma economia recessiva e altas taxas de desemprego. Não é difícil prever o desfecho. PRESENTE DE GREGO A noite de 30 dezembro de 1994 ficou guardada na memória de Vivian Szelpal, então funcionária do Banespa. Era supervisora de uma agência e, enquanto concluía o balancete do final do ano, ouviu, no rádio, que o governo federal anunciava a intervenção federal no Banespa. “Ficamos todos muito confusos, não acreditávamos naquilo. Tentamos ligar para outros amigos para saber se a notícia era verdadeira, mas não conseguimos encontrar ninguém porque era fim de dezembro.Tive o pior ano novo da vida”, lembra. A confirmação veio no dia 2 de janeiro de 1995, e o banco estava mesmo sob intervenção.“Foi um absurdo. Era o governo do Estado que estava inadimplente, não o Banespa. O banco foi usado”, afirma Vivian (leia reportagem na página 4). PROFISSÃO DIGNA Vivian imaginou que tempos difíceis viriam, mas não tinha como prever que dentro de dois anos ainda estaria desempregada. A geração de Vivian era conhecida no banco como “os dodginhos”, por causa do carro Dodge, na moda naqueles tempos. “Entrei no banco em 1978 para pagar minha faculdade. Passar em um concurso público e trabalhar no Banespa era valorizado”, recorda. Dois anos depois,Vivian casou e teve uma filha. Com o salário do Banespa, conseguiu financiamento para comprar uma casa em São Bernardo do Campo. O DINHEIRO DAVA Trabalhou como caixa por dez anos, depois passou num concurso interno e virou supervisora. Em
■ Pobreza Aumenta a exclusão social no país A exclusão social aumentou 11% no país, entre 1980 e 2000. Nessas duas décadas, o número de excluídos passou de 51 milhões (42,6% da população de 120 milhões de habitantes) para 80 milhões (47,3% da população de 170 milhões). Os dados constam do Atlas de Exclusão Social no Brasil - 2, resultado do trabalho de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade de Católica de São Paulo (PUC/ SP), sob a coordenação do economista Márcio Pochmann, secretário municipal do Trabalho de São Paulo. O aumento do desemprego e da violência são os principais fatores que contribuíram para o crescimento da exclusão social país. Entre os dados pesquisados, a Educação foi o único setor a apresentar melhora.
■ Pressionada, Vivian aderiu ao plano de demissão voluntária 1987, separou-se do marido e teve de arcar sozinha com a prestação da casa própria e os gastos com a filha, que estudava em escola particular. Mesmo sem nunca ter recebido pensão alimentícia, o ordenado garantia as contas.“Na época, o salário do banco era bom.Tínhamos um bom padrão de vida”, lembra a ex-funcionária do Banespa. Depois da anunciada intervenção federal, a realidade mudou. Primeiro, aumentaram as cobranças, vieram novas metas de desempenho.“Como era supervisora, ficava como um sanduíche.Vinha pressão de cima e tinha de repassar para os outros funcionários. O pior é que eu sabia que a maioria das metas era inatingível”, conta Vivian. TUDO PIOROU O atendimento bancário também sofreu mudanças. Houve um enxugamento do pessoal que trabalhava nas agências, que foi transferido para atividades administrativas. Segundo Vivian, a transferência também foi usada como punição. “Quem não concordava com as mudanças, era ameaçado de ser colocado em outro lugar. Eu mesma fui transferida diversas vezes, inclusive para postos de serviços, onde tinha de ficar numa sala fechada digitando dados”, diz a exbancária. Enquanto as condições de trabalho pioravam, eram lançados os Planos de Demissão Voluntária (PDVs), que ficaram conhecidos também como PDI, Planos de Demissão Involuntária.“Todos sabiam que o governo queria se desfazer dos funcionários mais
Banespa/Santander emprega menos Ano
Postos de trabalho
Queda
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
37919 37914 37060 37150 34843 33877 29525 22856 22561 21196 20098 22235 14723 13722
100 100 98 98 92 89 78 60 59 56 53 59 39 36
Fonte: Departamento Inter-Sindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) Observação: Em 2002 comparativamente a 1989 foi registrada uma queda de 64% nos postos de trabalho no banco e os postos de trabalho foram reduzidos a quase um 1/3.
antigos, com salários maiores, para contratar gente nova, por baixos salários”, diz Vivian.
“Eu recebi cerca de R$ 60 mil. Mas de que adiantava ter tudo isso, se a gente não sabia como usar? Como muita gente, eu tentei montar um negócio e me dei mal.” MILHARES NA RUA Veio o primeiro PDV, em julho de 1995, e Vivian não aderiu. Mas ao segundo, ela não resistiu: “Eu estava sofrendo uma pressão danada, fui transferida de agência diversas vezes e não agüentava mais aquilo.Aí, me ofereceram um bom dinheiro e eu aceitei”. Muitos seguiram o exemplo de Vivian. Para se ter uma idéia, segundo o Departamento InterSindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), houve uma forte redução nos postos de trabalho do Banespa entre os anos de 1995 e 2001, quando o banco esteve sob intervenção federal. Em 1995, eram cerca de 29,5 mil postos de trabalho; seis anos depois, restavam aproximadamente 14,7 mil. Uma redução de 50% – cerca de 13 mil trabalhadores deixaram o banco com dinheiro no bolso, mas com poucas perspectivas. SEM RUMO “Eu recebi uma boa grana, cerca de R$ 60 mil. Mas de que adiantava ter tudo isso, se a gente não sabia como usar? Não recebemos uma orientação sequer. Como muita gente, eu tentei montar um negócio e me dei mal”, conta. A ex-funcionária do Banespa comprou uma perua e começou a fazer transporte escolar, ela mesmo dirigindo. Acordava às seis da manhã, pegava crianças em vários pontos da cidade de São Paulo e as levava para as escolas. “Logo vi que não tinha nem capital de giro, nem conhecimento para administrar um negócio. Era muito problema, mãe que atrasava pagamento, cheque sem fundo”, lembra. No final do ano, ela decidiu abandonar seus planos. O negócio estava dando prejuízo e acabando com o dinheiro que tinha guardado.Vendeu a perua e
foi procurar emprego. Durante oito meses, não encontrou. PASSOU DA IDADE Vivian levou currículos a agências de empregos, a empresas e mandou para amigos. Sempre ouvia a mesma ladainha:“diziam que, ou eu estava velha ou, então, que bancário não era profissão”, lamenta. Então com 37 anos, também mandou seu currículo para agências de bancos privados. “Aí, era pior ainda, falavam que funcionário público tinha um monte de vícios, não tinha a mesma filosofia”, explica. Enquanto isso, o padrão de vida caiu e a filha saiu do colégio particular.“O dinheiro que recebi do banco já tinha acabado, não sobrou nada. Eu percebi que a profissão de bancário estava em extinção”, avalia Vivian.
“Diziam que, ou eu estava velha ou, então, que bancário não era profissão”. Então com 37 anos, também mandou seu currículo para agências de bancos privados. SÓ O LUCRO CRESCE Alguns números do Dieese confirmam a frase da ex-funcionária do Banespa. O lucro dos bancos é cada vez maior, enquanto cai o gasto com funcionários. Eis o caso do próprio Banespa: de 2001 para 2002, a receita cresceu 33%, passando de R$ 6,9 bilhões para R$ 9,2 bilhões. No mesmo período, as despesas com pessoal cairam cerca de 40%, de R$ 1,9 bilhão, para R$ 1,1 bilhão. A procura de Vivian Szelpal por um emprego terminou quando conseguiu uma vaga de gerente de lavanderia, depois de ser indicada por uma amiga. “Mesmo assim, não era moleza, não. Havia dias em que eu passava roupa, fazia entrega, lavava”. Hoje, a ex-bancária trabalha como assessora de um vereador, na Câmara Municipal de São Paulo. O padrão de vida melhorou, mas Vivian não se engana. “Tive muita sorte, contei com a solidariedade de amigos da época do sindicato. Se fosse depender só do mercado de trabalho, estaria na pior, como muita gente que saiu do banco comigo”, avalia.
■ Justiça Vereador recusa reajuste de 59% O vereador Arnaldo Godoy (PT-MG), 1° vice-presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, se recusou a receber o reajuste salarial de 59% determinado pelo presidente da Câmara. “Além de não haver amparo legal para esse reajuste, é preciso refletir, ainda, sobre que relacionamento uma Casa Legislativa deve manter com a população”, diz o vereador, explicando que a população está contra a medida. Godoy enviou uma correspondência à presidência da Câmara Municipal solicitando que o aumento não seja incorporado ao seu salário até que sejam dirimidas as questões jurídicas e ainda assim somente “após seu expresso consentimento”.
■ Serviços Setor não-financeiro em alta Segundo a Pesquisa Anual de Serviços (PAS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as empresas prestadoras de serviços não financeiros (excluídas as de comércio) não tem sido afetadas pelo resfriamento da economia.Assim, em 2001, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,42%, a receita operacional líquida do setor aumentou 10,2%, atingindo R$ 251 bilhões. Em relação ao emprego, a mesma coisa. Em 2001, pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),também do IBGE, o nível de ocupação total do país encolheu 0,5% em comparação com 2000. Na área de serviços não financeiros, a ocupação teve alta de 6,5% em relação a 2000.
■ ICMS Arrecadação em queda O desaquecimento da economia já está afetando, diretamente, os cofres dos governos estaduais: a arrecadação do principal tributo do país, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) está em declínio. Em abril, a queda real (descontada a inflação) da arrecadação, em São Paulo, foi de 18,5%, em relação ao mesmo mês de 2002. De janeiro a abril, o declínio foi de 11,5%. O recuo da arrecadação do ICMS, no Estado, ocorreu em praticamente todos os setores de atividade: indústria, comércio e transportes.
■ Banco Mundial Bird quer fim da Caixa Econômica Federal O Bird divulgou, dia 26, um documento em que sugere o fechamento da Caixa Econômica Federal (CEF). Segundo notícia veiculada no Correio Brasiliense, o estudo afirma que, “por desempenhar papéis múltiplos, a Caixa apresenta um futuro incerto”. Os técnicos do Bird avaliam que a CEF deve reduzir ao máximo o volume de crédito para financiamento de casa própria e deixar de operar em áreas que não têm como competir, como cartão de crédito e caixas de atendimento automático. Para o banco, a Caixa deve, ainda, perder o monopólio de administração dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
Jorge Pereira Filho, da Redação
Luciney Martins/Rede Rua
A via crucis de uma ex-bancária
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NACIONAL
José Dirceu (Casa Civil) diz que gostaria de ver o país crescer mais rapidamente e advoga a redução dos juros, ao passo que Antônio Palocci (Fazenda) fala em gradualismo e defende a política do BC; avanço do desemprego e da informalidade achata os salários e sufoca o crescimento
ANÁLISE
Quem é a voz do governo? difícil, para uma pessoa comum, saber quem, afinal, fala pelo governo Lula, tantas são as declarações e os desmentidos. Foi o que aconteceu, mais uma vez, entre as afirmações do ministro José Dirceu, da Casa Civil, em seminário do PT sobre a Previdência, no dia 24, e as do ministro Antônio Palocci, da Fazenda, em entrevista a uma emissora de tv, no dia 26. Enquanto o primeiro expressava a sua “angústia” face às limitações impostas ao rápido desenvolvimento do país, Palocci reafirmava a ortodoxia que a sua pasta imprime à economia: o cresci-
mento será gradativo, as metas e compromissos com a estabilidade monetária e fiscal são para valer. “Teremos quatro anos de superávit primário de 4,25%”, declarou. Mais: é com o dinheiro “economizado” (de investimentos) para fazer o superávit que o governo paga os juros da dívida. Redução dos juros? Nem pensar: o governo continuará mantendo seu patamar elevado, apesar dos “efeitos colaterais” (encolhimento das atividades econômicas e da renda). E reforçou: “Vamos persistir nessa linha. Não vamos provocar uma bolha de crescimento só para agradar”. Já Dirceu, afirmou que, “para construirmos a política de crescimento que foi a marca de nossa campanha, teremos de reduzir os
juros. Isso é ponto pacífico para o governo”. Para ele, ainda é preciso “garantir a estabilidade e uma maioria no Congresso”, além de reorganizar os instrumentos de governo (BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, ministérios), que foram desmontados pela privatização. Na sua avaliação, hoje não há condições de fazer os investimentos que o país precisa.” BC AUTÔNOMO Por outro lado, na visão de Palocci não há o que discutir: o Banco Central não vai ceder a pressões políticas para reduzir as taxas de juros, o que contrariaria a posição do governo de dar autonomia à instituição. “O Banco Central responde à pressão da in-
flação, e não da política”, afirmou. Mais claro, impossível: “O BC do nosso governo já é autônomo”. E continuará tentando aprovar no Congresso uma legislação que garanta essa autonomia.Até lá, ela continuará na prática. Em relação à Previdência, José Dirceu admitiu que seu déficit é resultante do desvio de recursos para o pagamento dos juros da dívida: “É verdade que se não pagasse juro, haveria superávit. Mas as dívidas interna e externa não têm solução política, na atual conjuntura internacional e da forma como ganhamos, com as coligações que fizemos. Só há uma forma, reduzindo os juros. É preciso lembrar que ganhamos a eleição numa correlação de forças que não é só de esquerda,
é de centro-esquerda, sendo muito generosos com nossos aliados”. Paulo Pinto/AE
Anamárcia Vainsencher, da Redação, e Daniel Merli, da Ciranda Brasil
■ Ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil
CONJUNTURA
Juros escorcham renda do trabalhador Lauro Jardim, de São Paulo (SP)
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
omo o mercado financeiro pediu, o Banco Central (BC) decidiu que a taxa de juros básica (Selic) da economia vai continuar em 26,5% ao ano. Entretanto, esse índice não reflete o verdadeiro custo do dinheiro para a maioria dos mortais comuns, como o brasileiro sente no bolso, e serve apenas de base para definir a remuneração dos títulos que o BC e o Tesouro Nacional negociam no mercado todos os dias, engordando os lucros da ciranda financeira. No mundo real, a partir daquele piso, os bancos definem as taxas que vão cobrar ao fazer empréstimos a empresas, consumidores e assalariados em geral. Obviamente, quanto mais elevada a taxa básica, maiores os custos do dinheiro na ponta final. No caso do Brasil, os números são absurdos há anos. Em março, dado mais recente divulgado pelo BC, as taxas médias de juros para empresas giravam em torno de 37,9% ao ano, diante de 30,9% em dezembro de 2002.
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CUSTO ESTRATOSFÉRICO Para pessoas físicas, na média, o custo subiu de 83,5% para 87,3%. Mas o cálculo da taxa média esconde números ainda mais arrepiantes. Um simples empréstimo para a compra de uma geladeira, ou televisor, não sai por menos de 82% ao ano. No caso do cheque especial, os juros disparam para 178%, atingindo 100,6% nos financiamentos de crédito pessoal. Isto quer dizer que, em um ano, o cidadão que tomou um empréstimo pessoal pagará sua dívida duas vezes. Um estudo realizado pelo Centro de Políticas Sociais (CPS), da Fundação GetúlioVargas (FGV), mostra o que acontece com a renda dos trabalhadores em economias submetidas por longos períodos a taxas de juros reais elevadas, como a brasileira. Por “juros reais” entenda-se a taxa efetivamente registrada depois de “descontada” a inflação. No caso do cheque especial, que ostenta os maiores juros do mercado, a taxa real, em março, era de 138,4% ao ano, já que a inflação acumulada nos 12 meses até março atingia 16,57%,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). EFEITO CORROSIVO O levantamento do CPS indica que a manutenção dos juros nas alturas deverá consumir mais de 15% da renda dos trabalhadores.As projeções feitas pelo estudo, num trabalho do economista Marcelo Cortes Neri, simulam uma queda na renda de 8,2%, a cada elevação de10% nas taxas reais de juros, tomando como base a análise mensal daqueles indicadores, ao longo dos últimos 20 anos. As perdas podem ser compensadas, ou agravadas, dependendo da conjuntura econômica. Assim, num cenário de desemprego em alta (12,4% em abril) e renda em baixa (menos 7,7% no mês passado), o peso dos juros vai ajudar a
derrubar a atividade econômica, ao contribuir para agravar o achatamento da renda, restringindo o consumo e afetando a produção ainda por um segundo caminho. SUFOCO GERAL Em março, as empresas registravam um total de R$ 136 bilhões em empréstimos contratados aos bancos para financiar suas atividades no dia-a-dia (compra e venda de matérias-primas e produtos finais, pagamento de salários etc.). Num período de 12 meses, caso os juros se mantenham em 38% ao ano, taxa média apurada em março, os gastos das empresas somariam R$ 51,6 bilhões, apenas para pagar os juros daquela dívida (que não inclui outros tipos de financiamento, de prazos mais longos, levantados para fazer frente a investimentos).
Só o gasto com juros corresponderia a 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas pela economia no mesmo período. Em outras palavras, os juros consomem os recursos que poderiam ser aplicados pelas empresas para gerar novas riquezas, ampliar a produção e o emprego. E deixam as empresas sem reservas para continuar expandindo seus negócios. ENGOLINDO A RIQUEZA No lado do consumidor/trabalhador, a conta é semelhante: as dívidas do cheque especial, crédito direto e do crediário para compra de veículos, eletrodomésticos e outros bens somavam quase R$ 80 bilhões em março. Em um ano, os juros consumirão praticamente R$ 70 bi-
lhões, cerca de 15% da remuneração recebida pelo total dos empregados no país, e 4,3% do PIB. Na soma final, levando-se em conta apenas aquelas dívidas, os gastos com juros podem atingir R$ 120,8 bilhões em 12 meses, correspondentes a 7,5% das riquezas que a economia vai criar no período. A dívida (ou total de empréstimos concedidos pelo sistema financeiro a taxas de juros livres, ou seja, não administradas pelo governo) tem uma participação reduzida no PIB, de apenas 13,4% (diante de 60%, ou até mais de 70%, nos países ricos). Mas seu custo, aqui, é duas ou três vezes mais pesado, como proporção do PIB, guardadas as diferenças entre as economias. Por culpa da política de juros escorchantes mantida também pelo atual governo.
PARÁ
NACIONAL
Dezoito anos após a execução do camponês João Canuto, no Pará, os mandantes do crime, Adílson Laranjeira e Vantuir de Paula, são condenados a 19 anos; a jornalista Cristina Guimarães conta uma versão diferente da divulgada pela Globo, sobre o assassinato de Tim Lopes, há um ano
Da Redação s fazendeiros Adílson Carvalho Laranjeira e Vantuir Gonçalves de Paula, mandantes do assassinato de João Canuto, primeiro presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria (PA), foram condenados a dezenove anos e dez meses de prisão, pelo Tribunal do Júri de Belém, dia 23, encerrando uma batalha de quase dezoito anos por justiça. Canuto foi morto em 18 de dezembro de 1985, com dezoito tiros, cinco dias após a última de uma série de ameaças de morte, por sua atuação em defesa da Reforma Agrária e dos trabalhadores rurais. A demora na apuração do crime e a lentidão com que foi realizado o processo fizeram com que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenasse o governo brasileiro. O assassinato foi planejado por um grupo de fazendei-
ros do Sul do Pará. Segundo depoimento prestado por testemunha no plenário do júri, poucos dias antes do crime, os fazendeiros se reuniram na casa de Vantuir Gonçalves e lá decidiram a criação da União Democrática Ruralista (UDR) do Sul do Pará, assim como a sua primeira ação nefasta – a morte de Canuto. Os dois dias de sessões do julgamento foram vividos com grande expectativa. Acampados na praça em frente ao Tribunal de Justiça do Pará, centenas de trabalhadores rurais sem terra fizeram diversas manifestações clamando Justiça. A sessão foi acompanhada por representantes de entidades de proteção e defesa dos direitos humanos, incluindo a Fédération Internacionale des Ligues des Droits de L’Homme, Anistia Internacional, Rede Social de Justiça,Terra de Direitos, Justiça Global, Comissão Pastoral da Terra, além de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), líderes sindicais e parlamentares. Estiveram também presentes D.Tomás Balduíno, o secre-
Fotos: João R. Ripper
Justiça condena assassinos de João Canuto
■ A viúva, Geraldina Canuto, e parentes comemoram vitória parcial no julgamento dos assassinos de João Canuto
tário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, o presidente da Câmara dos Deputados, deputado João Paulo Cunha, o prefeito de Belém, Edmilson Soares, e os artistas Mar-
cos Winter, Letícia Sabatella, Carla Marins, Leonardo Vieira, Dira Paes e Generosa, integrantes da ONG Humanos Direitos. Apesar de os mandantes da
morte de Canuto terem sido condenados, a esperança de vêlos realmente punidos foi frustrada logo em seguida à leitura da pena. A sentença, proferida pelo juiz Roberto Gonçalves de Moura, o mesmo que presidiu o julgamento dos policiais da chacina de Eldorado de Carajás, concedeu aos fazendeiros o direito de apelarem em liberdade, como no caso dos policiais assassinos dos trabalhadores rurais sem terra em Carajás. Por isso, a sociedade civil já se mobiliza no sentido de cobrar celeridade no julgamento de eventuais recursos contra a condenação, assim impedindo que o processo permaneça engavetado no Tribunal de Justiça do Pará. Espera-se, portanto, que o Brasil não inscreva em sua história mais uma página de impunidade. Nos últimos anos, a contínua violência no campo, apenas no Estado do Pará, foi responsável pelo assassinato de 386 trabalhadores rurais, mortos impunemente pelo latifúndio. Colaborou Suzana Figueiredo
RIO DE JANEIRO
DÚVIDAS Cristina e André Martins colocam em dúvida a versão oficial da emissora. Para Cristina, Lopes pode ter caído numa armadilha do tráfico. Ela contesta a alegação segundo a qual a comunidade da Favela Cruzeiro queria que ele fosse lá. “É mentira, nunca houve isso”.Martins diz que “até hoje não houve interesse em esclarecer o que aconteceu. Não consegui entender o motivo pelo qual a TV Globo não deu segurança para a reportagem ser feita. Bastaria um olheiro que desse um telefonema para avisar que alguma coisa estava errada”. A direção da TV Globo garante que sempre se preocupou com a segurança dos repórteres. Tanto Khamel quanto o chefe de reportagem da emissora, Marcelo Moreira, garantiram em várias ocasiões que se gastavam R$ 300 mil com segurança e que repórteres ameaçados pelo crime organizado chegaram mesmo a ser deslocados pela emissora para o exterior.Mas nunca deixaram claro se a quantia mencionada estava sendo utilizada antes ou depois do assassinato de Lopes. VIDA EM RISCO Cristina acusa a TV Globo de, em várias ocasiões, ter colocado em risco a vida dos seus jornalistas. Segundo ela, os repórteres
■ Favela Cruzeiro, onde o jornalista Tim Lopes (que aparece no detalhe, acima) foi assassinado
eram obrigados a voltar aos locais de risco quando as imagens não eram consideradas boas.“Eu mesmo fui obrigada a voltar a Mangueira para repetir imagens porque as chefias exigiam, o que era um risco muito grande. Era isso ou perder o emprego. E o Tim Lopes foi lá no Complexo do Alemão por querer? Ficou se expondo por vontade própria? Claro que não. É um absurdo terem mandado ele voltar em local de risco tão grande. E ele voltou lá pelo menos umas quatro vezes”. MISTÉRIO André Martins lembra um fato que poderia ajudar a desvendar o caso.Trata-se de um “misterioso testemunho” que conduziu o repórter à favela Cruzeiro e que não apareceu nunca mais. “Quem é essa testemunha? Ninguém sabe, ninguém viu. Acho estranho que esse personagem simplesmente tenha desaparecido dos autos”, lembra.
Fato no mínimo intrigante é o da comunicação à polícia sobre o desaparecimento de Tim. Martins explica:“Não consigo entender por que a chefia da TV Globo demorou tanto em informar à polícia que o repórter não apareceu na hora marcada com o motorista para pegálo. A jornalista que estava na escuta, a Virgínia, recebeu a informação e deve ter comunicado à direção da Globo. Isso aconteceu à noite e a polícia só foi informada na manhã do dia seguinte, umas sete ou oito horas depois. Das duas uma, ou a Virgínia omitiu a informação, o que não acredito, pois seria uma falta grave, passível de demissão até por justa causa, e ela não foi demitida, ou ela informou à direção, que preferiu agir de uma outra forma independente da polícia”. Isso não foi esclarecido. Além disso, a então governadora Benedita da Silva, possivelmente influenciada pela enorme repercussão do acontecimento, em função do envolvimento de um
funcionário da TV Globo, acabou afastando o delegado Sergio Falante e o detetive Daniel Gomes, responsáveis pela conclusão das investigações, que colocavam em dúvida alguns pontos, inclusive a forma como a emissora agiu no episódio. Apesar de a governadora não ter aceito as conclusões, o Ministério Público as acolheu. Tim Lopes, um experiente repórter, 52 anos, é hoje lembrado pelos colegas de profissão em todo o mundo, estando seu nome inscrito, em Nova York, na galeria de jornalistas vítimas da violência e da intolerância que se imagina que não existisse mais em pleno Terceiro Milênio. Independente das homenagens que lhe são prestadas em várias partes do Brasil, o que se exige, não apenas seus familiares e amigos, é que o que aconteceu com o jornalista seja realmente esclarecido, porque um ano depois do seu trágico fim, muita coisa ainda precisa ser contada.
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
á um ano, em 2 de junho, o jornalista Tim Lopes foi assassinado (queimado vivo). Só restos de seus ossos foram encontrados. Tim fazia uma reportagem para a TV Globo sobre uma suposta denúncia da comunidade da favela Cruzeiro, no Complexo do Alemão, um dos maiores aglomerados habitacionais em áreas carentes do Rio de Janeiro, relativa a um baile funk onde jovens adolescentes estariam sendo obrigadas a fazer sexo explícito e se traficavam drogas. O repórter e a sua equipe haviam ganho o Prêmio Esso pelas matérias sobre o comércio de drogas. Segundo a direção de jornalismo da TV Globo, a própria comunidade pediu que a emissora fizesse a reportagem, já que a Polícia ignorava sistematicamente os apelos no sentido de coibir essa prática criminosa. A versão originou uma polêmica desigual, já que os que colocavam em dúvida a versão oficial da Globo, dependiam da boa vontade de alguns poucos editores ou de órgãos da imprensa alternativa para serem ouvidos. É o caso da jornalista Cristina Guimarães, que, sete meses antes do desaparecimento de Lopes, alertava para as ameaças que passou a sofrer do crime organizado, depois que foram ao ar imagens sobre a venda escancarada de cocaína em algumas favelas do Rio de Janeiro. Ela participava da equipe de Lopes que produziu e apresentou as reportagens. Cristina teve de “cair na clandestinidade” e abandonar as suas atividades profissionais – ela trabalhou 12 anos na TV Globo – depois que seus apelos à direção da emissora no sentido de obter segurança não foram atendidos. Cristina até hoje não retornou ao mercado de trabalho e aguarda o pronunciamento definitivo da Justiça trabalhista sobre uma ação rescisória que move
contra a TV Globo. Colegas de Cristina, por receio de perder emprego, e até mesmo a direção do Sindicato de Jornalistas do Rio, viraram as costas para ela. Preferiram bancar a versão oficial. A TV Globo sempre negou que ela estivesse sofrendo ameaças. “Ari Khamel, diretor de jornalismo da emissora, chegou mesmo a me chamar de maluca, isso depois de 12 anos de trabalhar lá.”, desabafa Cristina. “Se a direção da Globo tivesse me ouvido e providências fossem tomadas, é possível que não tivesse acontecido a tragédia”.
Mário Augusto Jakobskind
Mário Augusto Jakobskind, e Especial para o Brasil de Fato
Paulo Araújo/Ag. O Dia/AE
Tim Lopes: uma história mal contada
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NACIONAL
O Engenho Prado (PE) é um símbolo do atraso representado pelo latifúndio: foi considerado improdutivo pelo Incra, mas os proprietários pagam jagunços para perseguir seus ocupantes sem terra; mídia comercial burguesa tenta criar clima artificial de confronto entre o MST e o governo
PERNAMBUCO
Desde março, o Engenho Prado tornou-se uma área de conflito. De acordo com Plácido Júnior, os seguranças da Usina, com a proteção da PM, aterrorizam trabalhadores, mulheres e crianças, e destroem as lavouras. “Não bastassem as ameaças, a milícia privada contaminou as fontes de água e as plantações com herbicidas e venenos altamente tóxicos”,diz ele. Os trabalhadores contam que têm sido revistados pelos seguranças privados como forma de intimidar as famílias. O fato foi denunciado aos vários escalões dos governos federal e estadual. Ofício relatando os últimos acontecimentos foi entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ao governador do Estado, JarbasVasconcelos,ao Ministério Público Estadual, ao superintende do Incra, João Farias, à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, entre outros. A Comissão da Cidadania da Assembléia Legislativa esteve, dia 31 de março, no local, para averiguar as denúncias de violência. Entretanto,“as autoridades ainda não tomaram qualquer providência concreta”, ressalta o padreTiagoThorlby, da CPT. De acordo com dados da CPT, Pernambuco, junto com os Estados do Pará e do Mato Grosso, têm o maior número de conflitos de terra do país. De 1995 até 2002, em Pernambuco foram registrados, contra trabalhadores rurais, 17 assassinatos, 46 torturas, 235 prisões, 428 agressões físicas e ferimentos, 932 conflitos de terra. Nos últimos oito anos, foram assentadas em Pernambuco pouco mais de 5 mil famílias, enquanto a demanda é de 35 mil famílias acampadas. O superintende do Incra informou que 9 mil famílias foram assenta-
Marluce Melo e Paula Reis Melo, do Recife (PE) erca de 2 mil trabalhadores ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), à Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape) e à Comissão Pastoral da Terra (CPT) protestaram contra a concentração fundiária. O protesto foi realizado no Engenho Prado, município de Tracunhaém, Zona da Mata Norte de Pernambuco, na manhã da segunda-feira, dia 19. De acordo com Plácido Júnior, da CPT, o objetivo foi “denunciar a ação criminosa do latifúndio com a conivência das autoridades”. O Engenho Prado foi escolhido, por ser o “exemplo do poderio do latifundiário”. A casa grande, que servia de apoio para a segurança particular do engenho, foi ocupada e incendiada pelos trabalhadores. A ação também destruiu 14 máquinas agrícolas, entre tratores e carregadeiras. Em mutirão, os sem terra arrancaram a cana-de-açúcar recém-plantada pelo engenho e replantaram a roça destruída pelas máquinas do proprietário. Trezentas famílias estão acampadas há mais de seis anos no Engenho Prado, cuja desapropriação chegou a ser assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O proprietário entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal, barrando o ato de desapropriação. O Engenho Prado pertence à Usina Santa Tereza, de propriedade do Grupo João Santos. Das lavouras, os trabalhadores retiram a sua sobrevivência e abastecem as feiras dos municípios de Tracunháem, Araçoiaba, Nazaré da Mata, Carpina e Paudalho.
■ Trabalhadores sem terra que ocuparam o engenho Prado, de Tracunhaém (PE), protestam contra a ação de jagunços que contam com a conivência da PM
Presidente da CPT envia telegrama a Lula O presidente da Comissão Pastoral da Terra, Dom Tomás Balduíno, enviou, dia 22, um telegrama ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sobre as declarações feitas ontem por ele referentes aos últimos acontecimentos em Tracunhaém, Pernambuco.Veja o texto na íntegra: Suas declarações de ontem, no Maranhão, a respeito dos conflitos no Engenho do Prado, em Tracunhaém, PE, veiculadas pelo Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, partiram de grave desinformação e foram ofensivas aos camponeses. Com efeito, neste caso preciso, não se trata de ocupantes de terra, mas de 300 famílias de lavradores que há seis anos vêm cultivando eficientemente a terra e que tiveram suas lavouras totalmente destruídas pelas máquinas do proprietário João Santos. Essa área já obtivera decreto de desapropriação, injustamente anulado por ação impetrada junto ao Judiciário. Estas informações poderão ser obtidas junto ao Ouvidor Agrário do MDA. Este e outros conflitos só serão superados através de uma adequada e efetiva Reforma Agrária. Saúdo-o como prova de admiração Dom Tomás Balduíno Presidente da Comissão Pastoral da Terra
PARANÁ
Onda de sensacionalismo visa o MST
Ethel Kennedy pede libertação de trabalhadores rurais
imprensa comercialburguesa funciona assim: para vender jornal e revista e conquistar mais audiência, ela transforma a notícia em mercadoria sensacional. Ao mesmo tempo, escolhe os alvos de acordo com os seus interesses de classe, políticos e ideológicos. Tenta transformar em escândalo nacional muitos acontecimentos menores, pouco expressivos diante de outros fatos mais relevantes para a sociedade. Na última semana, por exemplo, inúmeros veículos de comunicação dedicaram um grande espaço a fatos relacionados ao Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Destacaram três fatos: 1) protesto de 200 agricultores na prefeitura de Pedra Preta (MT), para reivindicar escola para assentamento; 2) protesto de 250 agricultores na agência do Banco do Nordeste em Maceió ( AL), para pedir liberação de financiamentos agrícolas; e 3) ocupação do Engenho do Prado, em Tracunhaém (PE), considerado improdutivo pelo INCRA. Eles serviram de pretexto para desencadear nova investida contra o MST e os demais movimentos de trabalhadores rurais que lutam pela reforma agrária e por políticas agrícolas em
favor da agricultura familiar e dos pequenos produtores. O “noticiário” dos jornais ocuparam páginas inteiras sobre “invasões violentas”, risco de “mortes no campo”, ações que desrespeitam a Medida Provisória “anti-invasão” e inúmeros artigos e declarações para alimentar o “conflito” entre os movimentos sociais do campo e o governo Lula, do PT. Alguns jornalistas pegaram declarações isoladas de militantes ou dirigentes do MST e as transformaram numa ação articulada do movimento para criar uma “guerra no campo” e demonstrar um confronto com o governo. Outros veículos aproveitaram a nova onda de ataques ao MST e centraram suas baterias sobre o ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, que estaria, segundo a manchete de um jornal, interessado em “criar clima
de violência” no campo. Outros veículos, ainda, preferiram entrevistar o presidente Lula sobre as “invasões violentas”, que ele, naturalmente, lamentou. O esquema da imprensa comercial-burguesa é provocar reações emocionais das autoridades e da população, de forma que se crie uma situação favorável aos interesses dos setores políticos e ideológicos conservadores, em defesa dos latifúndios e da especulação da terra. Existem em todo o país mais de 80 mil famílias acampadas, à espera de terras, e milhares de assentamentos que dependem de uma política agrícola – financiamentos e apoio técnico – para a sua consolidação no campo, especialmente para a produção de alimentos. Esse é o fato que deveria merecer a atenção da imprensa brasileira.
Arquivo JST
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
NEGOCIAÇÃO Em decorrência do protesto, houve uma reunião de negociação terça-feira, dia 20, na sede do Incra, que se comprometeu a realizar, em 30 dias, uma força-tarefa – ou seja, um grupo de técnicos e procuradores irá identificar as áreas para fins de reforma agrária, realizar vistorias, instruir o processo e remeter ao presidente da República. Para Farias, a alternativa é identificar outras áreas, pois o Engenho Prado não pode ser desapropriado por força da lei que impede vistorias em terras ocupadas. Os agricultores vão continuar replantando as lavouras. Entre as suas reivindicações estão: a vistoria pelo Ibama para apurar as denúncias sobre um projeto com bambu do proprietário da área, responsável por crimes ambientais como desmatamento da Mata Atlântica e utilização de água de açude e rios sem a autorização do órgão;a solicitação da retirada da PM da área, com mediação do ouvidor agrário com o governo do Estado; e a distribuição de cestas básicas para as famílias acampadas. De acordo com o coordenador estadual do MST, Jaime Amorim, com essa ação conjunta entre os movimentos,“a tendência é juntar mais força na luta pela reforma agrária”. Amorim diz que essa ação faz parte da Jornada contra o Latifúndio e “foi realizada num símbolo do latifúndio, que representa um grupo atrasado no Estado e que tem força política”. O Grupo João Santos é dono do cimento Nassau e da TV Tribuna.
MÍDIA
Hamilton Octavio de Souza, da Redação.
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das nesse período, enquanto a demanda é de 19 mil famílias acampadas.“O Grupo João Santos deve ao INSS cerca de R$ 53 milhões”, acrescenta o padre Thorlby.
Fotos: Arquivo JST
Sem terra protestam contra o latifúndio
■ Sem terra preparam a terra do engenho Prado
Dimitri Stein Valle, de Curitiba (PR) Brasil precisa ser incluído entre os países que tiveram suas dívidas externas perdoadas em troca de investimentos na área social. Essa foi uma das bandeiras defendidas por Ethel Kennedy, 77 anos, em passagem pelo país há duas semanas. Mulher do senador estadunidense Robert Kennedy, assassinado há 35 anos, Ethel veio conhecer a vida de camponeses sem terra de Pernambuco e Paraíba e pressionar representantes do Judiciário e do governo Lula. Na Paraíba, em audiência com a vice-governadora Lauraemília Lucena (PSDB), defendeu a libertação de oito trabalhadores rurais. Eles estão presos desde junho do ano passado. São acusados de matar um policial durante a disputa pelo controle de uma fazenda no município de Mogeiro. Afirmaram que foram torturados para confessar o crime. “Temos a certeza de que há algo muito errado nesta situação”, afirmou Ethel, que também conversou sobre o caso com o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Nilson Naves.
Em Pernambuco, Ethel conversou com trabalhadores rurais que perderam o emprego após o fechamento de usinas de álcool. Os empregados lutam para garantir que as terras pertencentes às empresas sejam usadas para indenizá-los. Esta não foi a primeira vez que o conflito agrário no Brasil chamou a atenção dos ativistas do Memor ial Rober t Francis Kennedy, presidido por Ethel. Em 1962 o marido esteve no interior da Paraíba para conhecer as Ligas Camponesas. Na época, Bob Kennedy, então ministro da Justiça do governo John Kennedy (assassinado em 1963), estava preocupado com a possibilidade de as ligas repetirem uma revolução nos moldes cubanos. “Ele veio com essa visão de anticomunismo, mas ao conhecer de perto toda a pobreza daquelas pessoas, concluiu que eram famílias humildes tentando se organizar para ter uma vida melhor”, contou Todd Howland, um dos diretores do memorial. Em 2001, a organização premiou o advogado Darci Frigo, que trabalha no Paraná na defesa de trabalhadores rurais sem terra.
Ano I ■ Número 13 ■ Segundo Caderno
Não há qualquer razão que impeça a participação de Cuba no Grupo do Rio, afirma Lula, justamente quando aumenta o cerco de George Bush à revolução cubana; Pedro Paulo Zahluth Bastos: estratégia brasileira nas negociações da Alca podem inviabilizar o projeto de livre comércio proposto pelos EUA
Lula propõe integrar Cuba Unidas para a ilha, com o objetivo de investigar a situação dos direitos humanos. Havana chegou a acusar o governo peruano de “lacaio do império” estadunidense, por apoiar a resolução contra a ilha em Genebra. Lima chamou de volta para consultas seu embaixador em Cuba. Lula reafirmou também que sua prioridade é aprofundar, ampliar o Mercosul e levar adiante a integração efetiva da América do Sul. “Esses esforços não excluem a cooperação com a América Central, o México e o Caribe, que compõem a família latino-americana”, afirmou. As declarações foram feitas a apenas três dias da chegada ao Brasil do representante de Comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, que vem para tratar das negociações sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Zoellick tem por objetivo preparar uma nova rodada de negociações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos, que prevê uma segunda visita de Lula a Bush, em Washington, no dia 20 de junho. Em Cuzco, Lula condenou o protecionismo praticado pelos Estados Unidos: “Não podemos aceitar os subsídios agrícolas bilionários, as medidas de defesa comercial arbitrárias e o protecionismo disfarçado, que nos rouba mercados e nos impede de colher o fruto de nosso trabalho.” Lula disse que levará essa mensagem à reunião do Grupo dos 8 (G-8, que agrega os sete países mais industrializados e a Rússia), em Evian
Da Redação onfesso não ver nenhum sentido no fato de Cuba estar fora deste grupo, mas, como não sei quais são as razões que levaram o país a não ser convidado, vou querer saber”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 24, em Cuzco (Peru). Lula se refere, ao Grupo do Rio, criado em 1986, como um mecanismo de consulta política de seus dezenove membros da América Latina e do Caribe. No próximo ano, o Brasil assumirá a presidência do grupo. Com isso, abre-se um caminho para que Cuba rompa quatro décadas de total isolamento diplomático a que foi submetida no hemisfério, por pressão dos Estados Unidos, justamente no momento em que o presidente George Bush aperta o cerco à revolução cubana. Ao discursar, no encerramento da 17.ª reunião do fórum, no Parque Arqueológico de Saqsaywamam, noTemplo de Adoração ao Sol, Lula afirmou:“Pretendo consultar todos os membros do Grupo do Rio para que Cuba possa participar pelo menos como convidada especial do nosso encontro”. A proposta de Lula ganha ainda mais significado quando se recorda que, pressionados pela Casa Branca, México, Chile, Paraguai, Guatemala, Uruguai, Peru e Costa Rica votaram a favor de uma resolução que pedia o envio de um representante das Nações
(França), no final do mês.Ao participar da cerimônia de posse do novo presidente da Argentina, Néstor Kirchner, logo após o encontro de Cuzco, Lula reiterou que sua prioridade é reforçar o Mercosul. Nessa perspectiva, o governo brasileiro propõe que as negociações da Alca sejam feitas no esquema “4 + 1”: os quatro integrantes do Mercosul, de um lado da mesa, e os Estados Unidos de outro. Depois de dois dias de debates, a Cúpula do Grupo do Rio divulgou o “Consenso de Cuzco”,
INTERNACIONAL
BRASILDEFATO
um documento de dez páginas que traz uma agenda estratégica para os próximos 12 meses, incluindo a proposta de uma atuação conjunta contra o protecionismo imposto pelos Estados Unidos e na busca de mais investimentos para a região, principalmente para obras de infra-estrutura. Participam do grupo: Peru, Brasil,Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Governo redefine estratégia geopolítica A atuação de Lula no Grupo do Rio parece refletir uma estratégia global de política externa, voltada para o fortalecimento das relações com os países do Sul. Essa percepção é reforçada pelas afirmações do ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, durante um debate sobre a reforma da Previdência Social, organizado pela Fundação Perseu Abramo, em São Paulo, também no último fim de semana: “Estamos procurando os meios para mudar. Quando buscamos os países da América Latina, é porque sabemos que somente a integração física, das comunicações, transporte e comércio da América do Sul é que nos dará chance de ter voz ativa no mundo. E quando procuramos África, Índia e Rússia é porque estamos procurando uma alternativa no campo internacional.” Também como parte dessa estratégia, o governo fez uma reestruturação da área diplomática responsável pelos assuntos de Mercosul e pela discussão da Alca. Lula nomeou o embaixador Carlos Alberto Simas Magalhães, especialista em Mercosul, como chefe da delegação brasileira nas negociações da Alca. Com isso, fica fortalecido o grupo ideologicamente identificado com Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty, cujas posições contrárias à adesão do Brasil à Alca são publicamente conhecidas. As divergências com Guimarães causaram o afastamento do embaixador Clodoaldo Hugueney, negociador da Alca do governo de Fernando Henrique Cardoso.
O fim da Alca? título pode parecer exagerado, mas a Alca, tal como imaginada pelos Estados Unidos, parece não vingar. O otimismo é fundamentado: Brasil e Argentina, após a vitória de Kirshner, decidiram não conceder liberalização de serviços estratégicos (educação, telecomunicações, profissões liberais, sistema financeiro e outros). E, em conjunto com Uruguai e Paraguai, não apresentaram ofertas de regulamentação de compras governamentais e normas de proteção a investimentos estrangeiros. Para os EUA, a Alca significava sobretudo o esforço de disciplinar questões internas aos países em desenvolvimento de modo mais rigoroso do que na OMC: a) abrir o setor de serviços a investimento de suas companhias; b) garantir sua participação na licitação de compras governamentais em condições iguais às das firmas locais, restringindo políticas de desenvolvimento; c) proteger investimentos estrangeiros contra o Estado em côrtes internacionais de justiça, sempre que se aleguem lesados por políticas locais. Isso limitaria o desenvolvimento de concorrentes latinos das firmas norte-americanas, condenando o continente ao subdesenvolvimento, ao manietar políticas industriais e comerciais autônomas. Para comércio de bens (sobretudo não agrícolas), a demanda dos EUA tinha o mesmo sentido: exigir redução da tarifa alfandegária média para níveis próximos aos seus (abaixo de 3 %). Os ganhos se limitariam ao
irmão do Norte, que protege setores ineficientes sobretudo com barreiras não tarifárias (cotas quantitativas de importação, subsídios, normas antidumping e fitossanitárias),embora também use picos e escaladas tarifárias. Para o Brasil, aceitar a demanda significaria reduzir a proteção de setores menos eficientes e também renunciar a políticas para desenvolvê-los. EUA: NADA A PROPOR O que os EUA ofereceram em troca? Rigorosamente nada. Sua oferta não abre setores onde somos mais competitivos (aço, laranja, soja, têxteis etc.) e desloca para a Rodada Doha da OMC a discussão de barreiras não tarifárias e subsídios específicos (como agrícolas). Não fazem sequer uma oferta multilateral para a Alca: fragmentam a região em quatro blocos (do Caribe em direção ao Mercosul) e graduam concessões limitadas aos setores em que cada região não tem competitividade para entrar em seu mercado ou entra sem afetar produtores locais. Isso pode ser vantajoso para países com estrutura produtiva complementar à estadunidense. Mas não para o Brasil, que teria acesso a mercado limitado. A esperança estadunidense de que o Brasil pudesse aceitar a Alca dependeria de nos convencer da eficácia de abertura unilateral com promessas vagas de contrapartida futura; ou de pressões na diplomacia presidencial, em que temáticas comerciais se misturam com outras, sobretudo vinculando “cooperação” comercial e ajuda financeira: não é de bom agouro que Horst Köller (FMI) já tenha afirmado que o Brasil deve-
■ Terminal de containers do Porto de Santos (SP): segundo Lula, Alca significaria a anexação colonial ria caminhar nas “reformas” e aceitar a proposta estadunidense para tornar-se mais “eficiente”.
Doha, o governo Lula também resolveu transferir ofertas da Alca para a OMC.
PRESSÕES Essas pressões talvez tivessem êxito antes, mas Lula já alegou que a Alca significaria anexação colonial, e o secretário-geral do Itamaraty já defendeu que significaria a renúncia ao desenvolvimento. Depois da visita de John Snow, em abril, esta semana chega Robert Zoellick. Não é provável que modifique substancialmente a proposta. O que quer o Brasil que os EUA não querem dar? Acesso a mercados protegidos por barreiras tarifárias ou não (aço, laranja, soja, têxteis e outros); e disciplinas que normatizem subsídios a setores específicos, limitando a arbitrariedade habitual dos países desenvolvidos. Como os EUA já manifestaram que esses temas serão discutidos apenas na Rodada
IMPASSE NA OMC Mas a Rodada Doha também vem se caracterizando pela falta de avanços nos temas de interesse dos países em desenvolvimento, ou seja, pela falta de disposição dos países r icos em limitar seu unilateralismo. Doha, na prática, está parada em todos os temas, por causa da recusa européia a negociar seu protecionismo agrícola. Qual o futuro provável da Alca? Dada a recusa brasileira em negociar questões internas críticas ao desenvolvimento nacional, ela não se consolidará da forma desejada pelos EUA, que de todo modo já “bilateralizaram” suas ofertas na Alca. Seguindo a tendência, é provável que Brasil ou o Mercosul negociem com os EUA de modo parecido com a
negociação com a Europa, por meio de um acordo bilateral muito menos ambicioso do que a Alca, envolvendo meramente acesso a mercados complementares, como já sugeriu o chanceler Celso Amorim. Essa posição estaria vinculada a uma nova visão estratégica brasileira que vem se revelando gradualmente: avançar na integração latino-americana mais do que na integração pan-americana, por meio de uma integração mais equilibrada e coordenada, não apenas no plano econômico mas também política e socialmente.Ao movimento anti-Alca cabe acompanhar os próximos capítulos dessa negociação, prontos a cobrar do governo Lula se algo ameaçar nossa soberania. Pedro Paulo Zahluth Bastos é prof. dr. do Instituto de Economia da Unicamp.
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
Pedro Paulo Zahluth Bastos, especial para Brasil de Fato
Itamar Miranda/AE
ANÁLISE
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PLANO COLÔMBIA
Roundup causa doenças na Amazônia O Roundup é um herbicida produzido pela Monsanto para combater ervas daninhas. Em 2002, a corporação faturou 1,2 bilhão de dólares com as vendas do veneno. Segundo a Monsanto, o Roundup é um produto seguro e inofensivo para o meio ambiente. Nos locais onde foi usado, entretanto, o herbicida gerou casos de náuseas, problemas respiratórios e pneumonias. Abaixo, os elementos que tornam o Roundup um veneno: Glifosato: produto tóxico, com características de ser cancerígeno. POEA: composto que age como um detonador do Roundup. Produz danos intestinais, alterações no sistema nervoso central e problemas no fígado e nos rins. Aumenta de 7 a 22 vezes o teor tóxico do glifosato. ■ Cosmo Flux 411F: tem uma função parecida com a do POEA. Multiplica por 4 os efeitos do glifosato ao desenvolver seu poder de penetração. ■ ■
O MERCADO DA COCAÍNA O uso do herbicida tem o objetivo de destruir as plantações de coca. Mas o efeito sobre os camponeses e indígenas é terrível, e a estratégia é ineficaz. Aurelio Suárez Montoya, jornalista colombiano e autor de artigos sobre a questão das drogas, afirma ser difícil forçar as pessoas a abandonar uma produção muitas vezes mais lucrativa. Segundo a revista The Economist, um produtor de coca recebe por quilo de folha 610 dólares. Nos grandes mercados, essa quantidade da droga vale 110 mil dólares. Segundo Montoya, a solução da questão do narcotráfico se dá primeiro no campo econômico, muito mais do que com destruição de plantações e ações militares.
Sintomas do mal (jan./fev. 2001) Pessoas afetadas 45 40
GRUPO 1: 0 – 2km
35
GRUPO 2: 5 – 6km
30
GRUPO 3: 8 – 10km
25 20 15 10
INSÔNIA
DOR ABDOMINAL
LARINGITE
NÁUSEA
PERDA DE ENERGIA
IRRITAÇÃO DOS OLHOS
VÔMITOS
DERMATITES
0
■ Criança indígena exibe na pele os resultados da intoxicação provocada pelo herbicida da transnacional Monsanto
TOSSE SECA
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CEFALÉIA
PLANO DE GUERRA A primeira etapa de despejo dos herbicidas ocorreu no início da do Plano Colômbia, na região Sul do país, em Putumayo, de 22 de dezembro a 28 de janeiro de 2000, e atingiu de 25 a 29 mil hectares, segundo dados da Embaixada dos Estados Unidos no país. Contrariamente à informação da Monsanto, responsá-
Os componentes do herbicida da Monsanto
DIARRÉIA
ovimentos sociais colombianos estão organizando protestos contra a fumigação de produtos químicos usados para destruir plantações de coca. Em um encontro em Manizales (no Oeste da Colômbia), dias 20 e 21, representantes de entidades do país denunciaram o dilúvio indiscriminado do herbicida Roundup, fabricado pela transnacional Monsanto, sobre núcleos urbanos, fontes de água e plantações de café. Os efeitos sobre a saúde humana são devastadores (veja o quadro). O ministro do Interior, Fernando Londoño, prometeu para o início de julho a intensificação das fumigaFumigação – ções. As entidades Despejo de produtos que organizaram o químicos usados para encontro acusam o destruir tipos de ministro de planejar vegetações indesejados em a destruição das plantações. É plantações de pegeralmente realizado quenos agricultores por aviões colombianos.
vel pela venda do herbicida, de que o Roundup é inofensivo, movimentos sociais de Putumayo alertaram, no encontro em Manizales, que as populações indígenas da região sofreram náuseas, problemas estomacais e distúrbios de vista depois que aviões despejaram o herbicida perto de suas comunidades. Nos EUA, o Roundup é usado com apenas 1% do veneno; na Colômbia, a concentração é 104 vezes maior.
FEBRE
Da Redação
Centro Mídia Independente
AMÉRICA LATINA
Movimentos sociais colombianos exigem o fim do bombardeio da Amazônia com herbicida fabricado pela Monsanto; Héctor Mondragón: EUA tentam envolver outras nações latino–americanas no conflito da Colômbia, para ampliar sua presença militar na região
Fonte: Municípios do Vale do Guamúes e San Miguel, 2001
ENTREVISTA
Maria Luisa Mendonça, da Redação
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
Colômbia é o principal foco da intervenção militar estadunidense na América Latina. O governo de Alvaro Uribe atua para aumentar a presença militar dos Estados Unidos e tenta envolver outros países latino-americanos no conflito.As políticas neoliberais e a abertura do mercado agrícola destruíram a agricultura colombiana e estimulam o poder do narcotráfico. As empresas multinacionais lucram com a violência e com a expulsão de comunidades indígenas e camponesas de suas terras, como explica o economista Héctor Mondragón, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.
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Brasil de Fato – Qual a sua avaliação sobre as recentes mobilizações na Colômbia? Héctor Mondragón – Quando assumiu o governo, o presidente Uribe aprofundou o modelo neoliberal para financiar a guerra, o que gerou aumento da pobreza. A reforma tributaria criou o “imposto de guerra”, além de aumentar os impostos para produtos de primeira necessidade, como alimentos. A reforma trabalhista cortou 12 bilhões de dólares dos salários dos trabalhadores e aumentou a jornada de trabalho. Uma das primeiras medidas do governo foi cortar o salário de funcionários públicos em 30%. Por isso, em setembro de 2002, um mês após sua posse, o governo enfrentou uma greve geral. Este ano, no 1o de maio, aconteceu a maior manifestação da história da Colômbia, contra o governo e contra a intervenção dos Estados Unidos. Em Bogotá foram 300 mil pessoas e 1 milhão em todo o país. BF – Como o governo aprofunda o modelo neoliberal?
Mondragón – A política econômica se caracteriza pelas negociações da Alca, o aumento da dívida externa e pelas privatizações. Hoje, 82 de cada 100 pesos que o governo arrecada são gastos com a dívida. Uribe decidiu aumentar a dívida em 80% para gastar com a guerra. Mas se não ganha a guerra, como vai pagar essa dívida? A saída seria a intervenção estadunidense.
BF – Qual o impacto dessas políticas na agricultura? Mondragón – O governo representa os interesses dos grandes latifundiários e continua implementando o projeto fracassado do Banco Mundial, chamado “mercado de terras”. É um sistema de crédito que o governo chama de “aliança estratégica”, no qual o camponês doa sua terra para uma associação de empresários. Em tese, o camponês passa a ser sócio, mas com participação minoritária de 20% em um projeto econômico que não controla. É uma manobra das multinacionais, principalmente das produtoras de óleo de palma. Mas o mercado está saturado e, provavel-
Maria Luisa Mendonça
EUA querem ampliar guerra colombiana
mente, os camponeses terão prejuízo e perderão suas terras. Esse é o objetivo do projeto.
Quem é Héctor Mondragón é economista, assessor do Conselho Nacional Camponês, coordenador da Rede de Ação e Pesquisa sobre a Terra e autor de diversos livros, entre eles, Ciclo, Crise e Reativação Econômica na Colômbia, Ouro Negro para as Três Grandes, Outra Vez o Socialismo e Cadernos da Terra e da Paz.
BF – Existe alguma relação com o despejo de camponeses? Mondragón – Esse projeto foi implementado em 8 regiões, das quais 6 estão sob domínio dos paramilitares. O objetivo é tirar as terras dos camponeses e substituir os trabalhadores rurais assalariados. Como “sócios”, eles não têm direitos trabalhistas.
BF – Qual a posição do setor agrícola sobre a Alca? Mondragón – O governo poupou dois setores do corte das tarifas para importação – cana de açúcar e palma – controlados por grandes latifundiários. O mercado de alimentos foi inundado por produtos subsidiados da Europa e dos Estados Unidos, e muitos pequenos e médios produtores faliram. Com a Alca não sobraria nada. Portanto, os setores produtivos impõem resistências ao acordo.
BF – E a política de reforma agrária? Mondragón – Uribe diz que não vale a pena fazer reforma agrária e que os camponeses devem se associar a produtores “eficientes”. O governo modificou a lei agrária para permitir que subsídios do Banco da Terra possam beneficiar grandes produtores. Um novo artigo diz que as terras abandonadas pelos camponeses podem ser doadas a qualquer produtor. Isso legaliza os despejos causados pela guerra, que têm afetado milhares de camponeses. Vivemos um sistema feudal em pleno século 21!
BF – Como o governo pretende fazer a reforma constitucional? Mondragón – O governo utiliza a guerra para restringir direitos civis. Temos uma Constituição democrática, fruto de mobilizações sociais em 1991, que preserva direitos coletivos, como de povos indígenas. A reforma pretende eliminar a ação de tutela para direitos coletivos e dar funções judiciais ao Exército, como ordens de busca e apreensão, prisões e poderes para interceptar comunicações. Também pretende restringir o direito
ao habeas corpus e aumentar o tempo de prisão sem justificativa – o que aumentaria os casos de tortura e desaparecimento de pessoas.
BF – O governo tem apoio para isso? Mondragón – O primeiro passo é fazer um referendo para modificar a composição do Congresso e eliminar o bloco de parlamentares independentes e de esquerda. Depois, enfraquecer os governos municipais e eliminar o Ministério Público local, que tem investigado abusos por parte das empresas privatizadas de serviços públicos. O setor mais poderoso do governo está ligado a grandes transnacionais. O ministro do Interior, Fernando Londoño, foi advogado da Nortel e da Sithe Energy; a ministra de Defesa, Martha Lucia Ramirez, foi advogada da Phillip Morris; e a vice-ministra do Trabalho (não existe cargo de ministro, pois já eliminaram as leis trabalhistas), Luz Stella, foi advogada da Coca-Cola e da Nestlé. Para eles, os direitos constitucionais “travam” os investimentos estrangeiros.
ESTADOS UNIDOS
Bush gasta mais com armas de defesa do que na Guerra Fria
GASTOS COM GUERRAS No final das contas, em 2004,
os Estados Unidos devem gastar mais de 510 bilhões de dólares em defesa. Isso eqüivale a um quarto do total do orçamento federal, que é de cerca de 2,13 trilhões de dólares. É preciso acrescentar também eventuais gastos com guerras. Para a invasão do Iraque, por exemplo, o governo Bush torrou até agora 80 bilhões de dólares. “No seu conjunto, as verbas destinadas à máquina militar dos EUA equivalem às dos quinze paí-
ses seguintes que mais gastam com armamentos no mundo”, comenta o professor de História, João Fábio Bertonha, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em artigo divulgado na Internet. Segundo ele, sozinhos, os Estados Unidos estão gastando quase 40% dos recursos investidos em sistemas militares no planeta. O plano do Pentágono é manter e reforçar todos os principais sistemas militares usados na Guer-
Cris Bouroncle/AFP/AE
orçamento militar dos Estados Unidos para 2004 deixa ainda mais claros seus planos de conquistar o mundo por meio das armas. Segundo o projeto de orçamento enviado ao Congresso, o Departamento de Defesa poderá receber 400,5 bilhões de dólares para o próximo ano fiscal, a serem aplicados em operações militares, modernização de armamento e aumento da segurança interna. Na quinta-feira, dia 22, o Senado aprovou o projeto por maioria esmagadora (98-1). Agora, o projeto está sendo debatido pela Câmara dos Deputados. Segundo especialistas, devido ao apoio que democratas e republicanos têm dado ao governo Bush, a votação deve acontecer em tempo recorde, em apenas um ou dois dias. Se for aprovado, o orçamento dos militares crescerá 17% deste ano para 2004. E não é só. Os planos do governo Bush são elevar as despesas com defesa para cerca de 500 bilhões de dólares ao ano em 2009, um nível superior àquele gasto pela administração Ronald Reagan nos anos 80, durante a Guerra Fria.
É preciso também somar aos 400,5 bilhões de dólares de 2004, outras despesas militares previstas pelo Pentágono e que não foram contempladas ainda no projeto enviado ao Congresso: 40 bilhões de dólares para os militares aposentados, 36 bilhões para o Departamento de Segurança da Pátria e cerca de 35 bilhões para os serviços secretos.
■ México Índio ameaçado no Estado de Oaxaca No México, a Junta Organizadora do Conselho Indígena Popular de Oaxaca Ricardo Flores Magón denunciou que seu integrante Raúl Gatica Bautista sofreu intimidações, ameaças de morte e tortura psicológica. Dia 24, ao chegar em casa na cidade de Oaxaca de Juárez, encontrou todos os seus livros, revistas, documentos pessoais rasgados em pedaços e atirados ao chão; sobre eles havia duas fotos de cadáveres. Na cozinha, os pratos e copos estavam todos quebrados, a comida jogada ao chão, misturada com tinta, e a geladeira e as paredes pintadas com ameaças de morte contra ele, em aerosol cor-de-laranja. No quarto, sobre a cama, havia várias fotos de cadáveres e um bilhete dizendo que, se ele continuar a defender os indígenas contra o governador do Estado, José Murat, seria assassinado.
■ G-8 dividido Reunião mostra os desacordos ■ Soldado estadunidense revista iraquianos em posto de checagem em Bagdá
Parlamentares investigam a CIA Da Redação epois do processo que corre na Justiça belga contra o general Tommy Franks, sob acusação de ter cometido crimes de guerra no Iraque, agora é a vez dos serviços secretos estadunidenses irem ao banco dos réus. São suspeitos de incompetência e de manipulação das investigações com fins políticos no caso da in-
vasão do Iraque. Na segunda-feira, dia 26, uma comissão de investigação da Câmara dos Deputados começou a apurar a ação da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) no que se refere ao Iraque. A comissão pediu também à agência para “reavaliar” os temas da existência de armas de destruição em massa no Iraque e dos laços entre este país e a rede terrorista Al Qaeda. “À luz dos recentes aconteci-
mentos no Iraque, a comissão quer garantir que a análise da investigação transmitida às autoridades políticas pelas agências especializadas foi exata, imparcial e real”, afirmou o presidente da comissão, o republicano Porter Goss em uma carta ao diretor da CIA, George Tenet. Até agora, não se encontrou nenhuma arma de destruição em massa no Iraque e não se estabeleceu nenhuma prova dos laços
entre Sadam Hussein e a rede Al Qaeda, duas das principais justificativas mencionadas por Washington e Londres para realizar a invasão ao país do Oriente Médio. ”É possível que este seja o maior trote da história em matéria de investigação. Duvido que seja isso, mas a pergunta tem que se colocar”, disse a vice-presidente democrata da comissão, Jane Harman, em entrevista ao jornal The Washington Post.
IRAQUE
Forças de ocupação torturam prisioneiros Sanjay Suri, de Londres (Inglaterra) umerosos prisioneiros de guerra feitos pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha no Iraque sofreram torturas, e dois mil ainda não tiveram contato com o mundo exterior, afirmou uma equipe da organização de direitos humanos Anistia Internacional (AI). Dois pesquisadores da entidade, Said Bourmedouha e Judit Arenas, apresentaram na sexta-feira, dia 23, em Londres, as
ra Fria e, ao mesmo tempo, criar uma nova geração de armas.Além dos caças F-22, por exemplo, pretende aumentar o número de aviões de combate sem piloto, como os Global Hawk e Predator, experimentados no Afeganistão e no Iraque. Trata-se de um enorme investimento em guerra, que Bush está levando a cabo com o dinheiro público e favorecendo empresas que financiaram sua campanha eleitoral, como a Lockheed.
conclusões a que chegaram depois de visitarem o Sul do Iraque. “Conhecemos casos de prisioneiros torturados” no aeroporto de Basra e também na cidade de Nassíria ,disse Bourmedouha. Um cidadão saudita capturado e depois libertado garantiu ter recebido choques elétricos em Basra, cidade capturada em março e, desde então, sob controle das forças britânicas. Bourmedouha disse que a equipe da Anistia Internacional procurou reunir-se com alguns dos dois mil prisioneiros incomunicáveis. No entan-
to,“o comando estadunidense rejeitou nosso pedido”, afirmou. O relatório sobre Basra constitui a primeira parte de uma pesquisa da AI sobre a situação dos direitos humanos no Iraque depois do regime de Sadam Hussein (19792003) e após a invasão anglo-estadunidense, iniciada em 20 de março.“Agora, nos dirigiremos ao norte”, afirmou Arenas. A Anistia informou que as forças ocupantes ainda são incapazes de impor o respeito à lei e a ordem em Basra. “Todos na cidade dizem que não querem alimen-
tos nem água, mas segurança”, afirmou Bourmedohua. A insegurança é generalizada. “Mostramos o problema às forças britânicas, mas eles usam a falta de forças como desculpas”, segundo Bourmedouha.A equipe da AI ainda está coletando provas para apresentar um relatório completo às autoridades da coalizão que ocupa o Iraque. Por outro lado, os arredores de Basra estão cobertos de munições sem detonar e minas antipessoais ativadas, que têm causado muitas mortes, disse Arenas.
Os problemas econômicos mundiais pioraram e fizeram intensificar as divisões entre os grandes países capitalistas. Isso foi o que se viu na reunião dos ministros de Finanças do G-8 – os sete países mais industrializados, Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Itália, Grã-Bretanha e Canadá, mais a Rússia, realizada no fim de semana em Dauville, na França. Em um ano, o dólar se desvalorizou 25% em relação ao euro, o que significa que os exportadores europeus ao mercado estadunidense estão amargando um corte de 25% em seus lucros.Os prejuízos afetam também o Japão. Na reunião, não houve acordo sobre nenhuma ação coordenada em relação a essa situação.
■ Equador Consulta Popular contra a Alca Em 12 de outubro se realizará no Equador a Consulta Popular contra a Alca, ou seja, um plebiscito extra-oficial.A concretização da Consulta foi decidida por mais de 200 representantes de organizações indígenas, camponesas, sindicais, estudantis, femininas, religiosas, ONGs, reunidos em 23 e 24 de maio, na III Convenção Nacional contra a Alca, em Quito, a capital do Equador. Os convencionais definiram que a Consulta será convocada por suas entidades, levando em conta que a soberania radica no povo. Mas também vão exigir que o presidente Lucio Gutiérrez cumpra o que estabelece a Constituição do país, em casos que envolvam a soberania nacional, toda a população deve ser ouvida, em plebiscito oficial.
■ Trabalho infantil Monsanto e Unilever exploram crianças Além das empresas nacionais indianas, também transnacionais estadunidenses e européias, como a Monsanto e a Unilever, exploram o trabalho infantil na Índia. Em particular na produção de sementes de algodão o trabalho infantil é intenso, com as crianças trabalhando longas horas por dia e freqüentemente mal abrigadas, como por exemplo em estábulos.As crianças ganham 30% menos que as mulheres e 55% menos que os homens. Está em curso uma campanha para erradicar o trabalho infantil no país e mandar as crianças para a escola, mas as empresas e até as famílias resistem.
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
Paulo Pereira Lima, da Redação
INTERNACIONAL
Congresso estadunidense deve aprovar orçamento militar para 2004, maior do que nos tempo da Guerra Fria; serviços secretos são acusados de manipular investigações no caso do Iraque, onde forças de ocupação estão torturando prisioneiros iraquianos, denuncia Anistia Internacional
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ÁFRICA AFRICA
Marilene Felinto, da Redação s países africanos e não africanos que falam português estarão reunidos para comprar e vender suas mercadorias e negociar investimentos em Fortaleza (CE), dias 9 e 10 de junho. O encontro, o 2º Fórum Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), acontecerá paralelamente ao I Fórum Brasil-África: Política, Cooperação e Comércio, na capital do Ceará. Sete anos após sua criação, a CPLP – composta por Brasil, Portugal,Timor Leste e pelos africanos Angola, CaboVerde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe – tenta se consolidar para além de seu papel político-diplomático e de sua função de promover e difundir a língua portuguesa. O objetivo agora é criar um “braço econômico” para o bloco, com o objetivo de fortalecer as relações comerciais entre seus membros. Este segundo fórum empresarial é decorrência do primeiro, que aconteceu em junho de 2002 e antecipou a possibilidade de criação de um conselho empresarial permanente da comunidade. Segundo o brasileiro João Augusto de Médicis, embaixador e atual secretário executivo da CPLP, o conselho empresarial, que será implementado no encontro de Fortaleza, “vai criar instrumentos para um estímulo comercial mais efetivo entre os países”. Em entrevista ao Brasil de Fato por telefone, de Lisboa, Médicis disse que “a expectativa do fórum é criar um ambiente de negócios, para que os empresários
se encontrem, conversem, estabeleçam parcerias, linhas de crédito, de comércio, valorizando e estimulando as atividades econômicas entre os membros da CPLP.” “O português foi a língua de comércio do Atlântico Sul e do Índico durante o século 16 e 17”, comentou Médicis. “Obviamente nós não temos a pretensão de voltar a ter essa mesma importância, mas nos parece que o português pode ser um instrumento importante para o comércio e o desenvolvimento das relações financeiras, de investimento, de transações comerciais em geral entre os países de língua portuguesa.”
Peter Williams/WCC
Português “africano” quer mercado
PARCERIA FRACA O Fórum Empresar ial da CPLP terá três vertentes principais: comércio, investimento e turismo. Do lado brasileiro, a meta é ampliar o relacionamento bilateral nessas áreas com todos os países membros. Na área do turismo, os principais alvos brasileiros são Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, onde os empresários possam explorar as possibilidades de investimento em infra-estrutura. “O objetivo é facilitar a vida dos empresários em matéria de comércio e investimento: seguro de crédito, financiamento, promoção comercial, agronegócio e turismo”, disse o conselheiro Carlos Alfredo Teixeira, diretor geral substituto da Divisão de Operações de Promoção Comercial do Ministério das Relações Exteriores (MRE). O volume de negócios brasileiros com os países africanos da CPLP é considerado baixíssimo. Levantamento do MRE sobre o comércio exterior do Brasil com
2o Fórum Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) dentro do Fórum Brasil-África: Política, Cooperação e Comércio Onde: Centro de Treinamento do Banco do Nordeste - Passaré – Av. Paranjana, 5700 - Fortaleza (CE) Inscrições: devem ser feitas por internet, no endereço eletrônico: www.fba.bnb.gov.br Quando: 9 e 10 de junho de 2003 Mais informações: Ministério das Relações Exteriores – Tel.: (61) 411-6225, fba@mre.gov.br
■ Trabalhadores carregam alimentos em mercado de Chibuto, Moçambique a Comunidade da África Meridional para o Desenvolvimento (SADC) mostra que, em 1999, as exportações do Brasil para Angola somaram 64 milhões de dólares; para Moçambique, apenas 2 milhões de dólares. No mesmo período, as importações brasileiras de Angola chegaram a 27 milhões de dólares; as de Moçambique, a apenas um milhão. Em comparação com a África do Sul, maior parceiro brasileiro desse bloco comercial, para quem o Brasil exportou 237 milhões de dólares no período, a diferença é gritante. O levantamento mostra ainda que o Brasil participou com apenas 2,12% no total de importações de Angola e em apenas 0,22% no total de importações de Moçambique.
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
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mercados externos; a tradução em diversas línguas, poderia ser patrocinada por um grupo de trabalho a ser criado no âmbito da CPLP; feiras internacionais de livros e outras ações, inclusive envolvendo iniciativas governamentais dos países formadores da CPLP, bem como publicações de obras literárias e sobre a cultura dos países formadores da CPLP. Opinião semelhante tem a professora Tânia Macedo, que leciona literaturas africanas de língua portuguesa na Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Assis (a 480 km de São Paulo). “Estamos bastante céticos em relação a isso (a atuação da CPLP), porque até no momento não tivemos ainda nenhuma ação efetiva”, afirmou Tania. “A CPLP acabou ficando muito mais como uma instância administrativa, e não como promotora, de fato, do intercâmbio cultural e lingüístico”, continuou a professora. “Estamos entre céticos e esperançosos de que isso possa ocorrer. Temos hoje em nível oficial dois bons embaixadores na África, em Moçambique e em Angola, que têm promovido uma série de eventos, estreitado laços. Mas
CABO VERDE Cidade de praia Bissau
GUINÉ-BISSAU
São Tomé SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
Luanda ANGOLA
OCEANO ATLÂNTICO MOÇAMBIQUE Maputo
OCEANO ÍNDICO
Moçambique espera por mudança no comércio
Professores questionam desempenho da CPLP e o “braço econômico” da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) parece em processo de fortalecimento, o desempenho sócio-cultural da entidade é questionado por professores de literaturas africanas e de língua portuguesa em universidade brasileiras. Para a professora Carmen Lúcia Tindó Secco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a CPLP carece de resultados nessas áreas, e deveria também valorizar as outras línguas africanas não oficiais. “Considero a CPLP da maior importância na promoção de eventos relacionados aos países que falam a língua portuguesa”, disse Carmen Lúcia ao Brasil de Fato. “Mas sua ação tem de ser intensificada, pois, até agora, os resultados são ainda pequenos. Quanto aos países africanos, penso que a língua portuguesa é um dos idiomas falados; portanto, as demais línguas nacionais devem ser respeitadas também.” A professora acha que a organização poderia atuar no sentido de promover sistematicamente o trabalho de tradução, distribuição e divulgação de livros junto aos
Mar Mediterrâneo
Comboni Press
INTERNACIONAL
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) promove, em Fortaleza, em junho, o seu 2o Fórum Empresarial, para impulsionar as trocas comerciais entre países membros; o papel da organização na área sóciocultural tem sido questionado no Brasil
■ Mercado de Tete, no Noroeste de Moçambique
ainda estamos aguardando um pouco o que a CPLP e poderá fazer.” Tânia Macedo explicou ainda que há uma demanda reprimida por cursos de literaturas africanas nas universidades depois da lei assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro deste ano, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras nas escolas do ensino fundamental e médio, particulares e públicas, no Brasil. “Os cursos são sempre bem recebidos, dada a qualidade da literatura e também dado o desconhecimento total que temos em relação à África”, observou a professora. (MF)
2º Fórum Empresarial da CPLP é visto com expectativa pelo setor empresarial de Moçambique, país com o qual o Brasil desenvolve hoje acordos de cooperação técnica nas áreas de saúde e educação. O apoio no combate à Aids, por exemplo, já vem de algum tempo, especialmente pela atuação de Organizações Não Governamentais (Ongs) brasileiras naquele país. A experiência culminou este mês com a visita do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, a Maputo (capital), quando foi assinado um memorando de entendimento que prevê o apoio brasileiro à construção de uma fábrica para produção de medicamentos anti-HIV em Moçambique. “Nosso grande desafio do momento é promover o intercâmbio econômico entre os dois países”, disse Eugênio Comé, encarregado de negócios da embaixada de Moçambique em Brasília. Em conversa com o Brasil de Fato por telefone, Comé observou que seu país espera por uma “viragem” (virada) nas relações bilaterais: “A expectativa nossa é de que o encontro signifique uma viragem, de forma que nós, países africanos, e o Brasil possamos maximizar as potencialidades de intercâmbio e com particularida-
de para ações na área econômica, porque até agora o nível de cooperação com o Brasil tem sido mais na área política.” “Na área empresarial (...) se tem muito por fazer. Brasil e Moçambique são países que falam a mesma língua, situados no hemisfério sul, praticamente têm o mesmo clima, mesmo assim o nível de trocas comerciais é muito fraco. Isto é reconhecido tanto pelos governos africanos, em particular o de Moçambique, quanto pelo brasileiro.” Eugênio Comé citou como exemplo do fortalecimento das relações Sul-Sul “as negociações já bastante avançadas com o governo moçambicano” para que a brasileira Vale do Rio Doce explore carvão mineral em seu país. Segundo Comé, o intercâmbio em turismo ainda não ocorreu, por um total desconhecimento mútuo entre os dois países.“No Brasil, digamos que se conhece pouco sobre a África. Em Moçambique, também não há um incentivo para o turismo brasileiro. O que falta é troca de informação. Uma das nossas missões é procurar formas de divulgar essas potencialidades turísticas. O grande problema é que quando se olha para a África tem-se aquela imagem daqueles conflitos armados, e não se olha para as outras particularidades que temos”. (MF)
PERNAMBUCO
AMBIENTE
Povos indígenas realizam encontro, em Olinda (PE), para articular luta pelo reconhecimento de sua cultura; em Lagoa Santa (MG), um importante sítio arqueológico é ameaçado pela especulação e negligência; Salvador (BA) é sede de encontro mundial sobre a pesca
Liliane Luchin, de Olinda (PE) aúde, educação, demarcação de terras e respeito a seus direitos foram reivindicados por 90 lideranças indígenas de 47 povos que participaram do I Encontro Nacional dos Povos Indígenas em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territorial, de 15 a 20, em Olinda, Pernambuco. Essa iniciativa inédita teve o objetivo de socializar as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas, identificar os desafios comuns e estabelecer uma pauta de reivindicações em nível nacional, para articular os povos que lutam pelo seu reconhecimento étnico e territorial. Participaram do encontro representantes do Ministério da Justiça, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público, da Associação Brasileira de Antropo-
logia (ABA) e de entidades que apóiam a causa indígena. Um documento foi elaborado para ser entregue aos órgãos do governo responsáveis pelo atendimento às populações indígenas. As lideranças rejeitam as exigências do governo referentes a relatórios, perícias e laudos de comprovação de identidade étnica: “A nossa presença vem sendo reafirmada a cada dia, principalmente por nossa capacidade de resistir a toda sorte de agressões e massacres impostos pelo Estado brasileiro, ao longo de mais de 500 anos”, diz o texto. Esses povos, que muitas vezes tiveram que negar suas identidades, concluem: “Nossa luta partirá agora para a identificação de nossas terras, não mais aceitando dúvidas oficiais quanto à nossa identidade étnica”. Nos dias 19 e 20, as lideranças participaram do encerramento da III Assembléia do Povo Xukuru, que começou dia 17, em Pesqueira, a cerca de 200 quilômetros de Recife.
Fotos: Liliane Luchin
“Resistentes” exigem reconhecimento
■ “Ressurgidos”: 90 lideranças de 47 povos demonstram garra e vontade de defender sua história e herança cultural
O ressurgimento das etnias No dia 20, mais de 8 mil pessoas estiveram na cerimônia em memória aos cinco anos do assassinato do índio Xicão, realizada na Aldeia Pedra D’ Água, na Serra do Ororubá. Os encontros foram encerrados com um ato público em frente do local onde o líder Xukuru foi assassinado, na cidade de Pesqueira.
Nos últimos 30 anos, vários povos indígenas que por muito tempo foram tidos como desconhecidos ou considerados extintos pelos registros oficiais do Estado estão resgatarando suas identidades. São os povos “ressurgidos” que, em geral, vivem próximos à área urbana e perderam, em parte, a prática de rituais e a própria língua nativa. Atualmente, já são mais de 70 etnias consideradas “ressurgidas”, a maioria das regiões Norte e Nordeste. Esses povos lutam pelo reconhecimento étnico e pelo direito à terra, muitas vezes ocupada por grandes latifundiários e mineradoras.
MINAS GERAIS
primeiro fóssil do homem americano foi descoberto no início do século XIX, na região de Lagoa Santa, a 35 km de Belo Horizonte, pelo arqueólogo Peter Lund. Hoje, o lugar da descoberta, a gruta da LapaVermelha, é uma lavra mineratória.“Onde deveria haver um monumento da humanidade, há um buraco”, lamenta Francilins Castilho, fotógrafo e estudioso de arqueologia. Para impedir que mais áreas sejam devastadas, ambientalistas, Maciço – organizações afloramento de blocos não governade rocha calcária sobre mentais e assoa superfície ciações comuCarste – conjunto nitárias locais de rochas solúveis que uniram-se em propicia a formação de torno da imafloramentos plantação do rochosos, dolinas Parque Estadu(depressões no relevo que muitas vezes al do Sumienchem-se de água), douro. O pargrutas e sumidouros, que foi criado fundamentais para a na década de fossilização dos ossos e sua conservação 80, pelo então gover nador Francelino Pereira, porém nunca foi implantado. O objetivo era compensar o impacto ambiental causado pela construção do Aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins). INVIABILIDADE Devido às recentes cobranças dos grupos sociais, o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF), responsável pela implantação do parque, está fazendo um estudo da situação do local. Júlio César Duarte, consultor do instituto, concluiu que “atualmente é inviável a implantação do parque nos limites originais”, pelo fato de a área ter virado pasto ou sido urbanizada. O diretor de Pesca e Biodiversidade do IEF,CélioVale,explica:“Na época, o parque não foi efetivado pois a sociedade não cobrou, o Estado esqueceu”. Para Duarte, nos úl-
timos anos a região sofreu “uma especulação imobiliária altíssima e aconteceram muitos parcelamentos irregulares”, mesmo com a criação, em 1997, da Área de Proteção Ambiental (APA) Carste Lagoa Santa, que engloba a área do parque e é gerida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A legislação dessa APA limita, entre outras coisas, o parcelamento de propriedades. Marcos Lampert, da Secretaria de Obras da cidade, confirma os parcelamentos irregulares. Lagoa Santa abrange 70% da área original do parque. O restante faz parte de Pedro Leopoldo. A prefeitura de Lagoa Santa aprovou, em 2001, uma lei permitindo a urbanização dentro dos limites da APA, o que é proibido. Para o vice-prefeito Nelson Cândido,“essa lei deveria ser revogada”. O licenciamento para ocupação e o pedido de parcelamento do solo precisam ser autorizados pela prefeitura e pelo Ibama. Mas Ricardo Barbalho, analista ambiental do Ibama, explica que muitas ve-
zes nem chega a conhecer os projetos de expansão da prefeitura.“Não fiquei sabendo de nenhum pedido de licenciamento”, diz. “Se a implantação do parque na área original é inviável, pensamos em algo que valorize os maciços, principalmente do Sumidouro e da Lapinha, e a criação de um corredor ecológico”, propõe Rogério Tavares, da Associação Comunitária Antônio Francisco Lisboa, de Pedro Leopoldo. Duarte propõe criar monumentos naturais para os maciços e outros pontos. A medida obrigaria os proprietários a preservar o patrimônio. SegundoVale, as novas propostas e o relatório do consultor serão analisados e discutidos com as comunidades locais.“Se não fizermos algo agora, daqui a alguns anos não restará mais nada da região, que é considerada o ponto de partida para compreensão da história do homem americano”, alerta Castilho.
■ Barbárie: Cíntia e Hudson acharam importante registrar seu romance sobre inscrições rupestres
Motivos para se criar o Parque do Sumidouro ■
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Presença dos mais importantes sítios arqueológicos pré-históricos do Brasil, com pinturas rupestres, artefatos de cerâmica e pedra, cemitérios, ossadas de mamíferos e do “Homem de Lagoa Santa”. Sítios e monumentos do século XVII, que recontam a chegada dos bandeirantes a Minas Gerais e o surgimento dos primeiros povoados, ligados à bandeira de Fernão Dias. Concentração de grutas de onde nasceram os primeiros estudos sobre espeleologia, arqueologia e paleontologia na América. A Lagoa do Sumidouro é importante na rota de aves migratórias da América do Norte. A região abriga animais raros ou em extinção do cerrado brasileiro.
(Colaborou Larissa Gonçalves)
BAHIA
Brasil sedia encontro mundial de aqüicultura Patrícia Wittemberg, enviada especial a Salvador (BA) mundo pesca demais. Segundo a Organização da Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO-ONU), 75% dos estoques pesqueiros do planeta estavam explorados ou sobre explorados, em 2001. Destes, 7% entraram em colapso, 2% mostravam algum sinal de recuperação produtiva, enquanto sobre os 16% restantes não há um diagnóstico claro disponível. Como os recursos pesqueiros vêm diminuindo, foi preciso buscar alternativas. Uma delas é a aqüicultura - cultivo de plantas e
animais aquáticos em tanques, cercados ou gaiolas, de maneira bastante semelhante à criação de galinhas. Há vinte anos, pesquisadores do mundo todo criaram a Word Aquaculture Society (WAS), que se reúne anualmente. Este ano, o encontro aconteceu no Brasil, em Salvador, Bahia. A capital baiana sediou, de 19 a 23 de maio, o Congresso Mundial de Aqüicultura. Durante cinco dias o Centro de Convenções de Salvador recebeu cerca de 4 mil participantes, entre pesquisadores, estudantes e aqüicultores vindos de todos os cantos do mundo. Mais de mil trabalhos científicos foram apresentados no encontro, cujo tema foi “Avaliando o Po-
tencial: Aqüicultura Responsável para um Futuro Seguro”. Para o pesquisador brasileiro e vice-presidente da WAS, Wagner Valenti, a aqüicultura pode ser uma alternativa, desde que realizada de forma responsável. “É muito dificil produzir alimentos sem causar impacto ambiental. Então, é preciso definir projetos de modo que esse impacto ambiental seja o menor possivel já que, evidentemente, a população precisa comer”, diz Valenti. O especialista lembra que a biodiversidade tem um valor econômico muito grande, “maior do que qualquer produto de origem agrícola, pecuária ou mesmo da aqüicultura. Não podemos produ-
zir ao custo de destruir a biodiversidade, que seria um recurso de um valor maior”. É necessário, de acordo com os técnicos, definir quais áreas devem ser utilizadas para a produção e como vai ser essa produção. Se houver concentração em alguns lugares, a capacidade do ambiente pode ser superada e o ambiente, destruído. Inclusive a própria aqüicultura, totalmente dependente dos ambientes adjacentes. O ministro da Aqüicultura e Pesca, José Fritsch, participou da abertura do encontro junto com o governador da Bahia, Paulo Souto. Ambos estão confiantes com os rumos do setor no país.
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
Lívia Furtado e Louraidan Larsen, de Belo Horizonte (MG)
Lívia Furtado
Devastação ameaça área arqueológica
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DEBATE
OS CAMINHOS DA CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES
Armar a CUT para disputar a batalha das idéias Central Única dos Trabalhadores, desde sua fundação, em 1983, vem lutando pelos objetivos imediatos e históricos dos trabalhadores, buscando, numa perspectiva democrática, uma sociedade socialista, justa, fraterna e igualitária. O 8º Congresso Nacional da CUT (CONCUT) é um momento privilegiado para reafirmar este compromisso de classe e definir as estratégias para o próximo período. As profundas transformações ocorridas nos últimos anos no mercado e nas relações de trabalho, assim como no sistema de representação sindical, desafiam a CUT em várias frentes: no âmbito das diferentes esferas do Estado; com o capital — representado pelo empresariado nacional e internacional; com entidades sindicais identificadas com o projeto neoliberal; com a sociedade civil; e com os governos federal, estadual e municipal. Para o capital interessa destruir os regulamentos de proteção social e minar o poder de representação dos sindicatos. É essencial, portanto, intensificar a organização dos trabalhadores desde os locais de trabalho e os processos de negociação coletiva. A vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002 marca um novo período histórico na política brasileira. Pela primeira vez no Brasil um trabalhador assume o governo federal com uma plata-
forma pautada pela inclusão social, como o combate à fome, ao desemprego e ao analfabetismo, dentre outras questões, além das propostas de realizar profundas mudanças no Estado, na política econômica e nas relações internacionais, sempre na perspectiva de conferir autonomia política, econômica e social ao Brasil. Um novo contrato social que favoreça o nascimento de uma cultura política de defesa das liberdades civis, dos direitos humanos e da construção de um país mais justo econômica e socialmente pode possibilitar a real democratização da sociedade e do Estado e beneficiar os setores historicamente marginalizados e sem voz na sociedade brasileira. Mas o posicionamento da CUT em relação ao novo governo não pode ser pontual nem confundir os papéis dos movimentos sociais. Nós fazemos parte do mesmo campo político das forças que lideram o governo e estamos comprometidos com a vitória do projeto, mas a partir de uma posição específica, de independência frente aos partidos e o governo. Autonomia deve ser o eixo
orientador da postura da CUT frente ao Governo Lula. Ou seja, apoiar aquelas políticas e medidas que respondem aos interesses históricos dos trabalhadores e dos setores menos favorecidos da sociedade brasileira e ser duros nas críticas daquelas medidas que estejam em contradição com tais interesses. A CUT e seus sindicatos devem se inserir fortemente na disputa de rumos da sociedade – e nesse sentido, incidir sobre os rumos do governo. Para tanto, é fundamental desdobrar a visão de projeto nacional em medidas concretas nas mais diversas áreas. A construção de um projeto alternativo ao neoliberalismo implica na democratização da vida social e política, com o fortalecimento e criação de espaços institucionais de participação da sociedade, a exemplo dos Conselhos de Políticas Públicas e Fóruns. Esses espaços possibilitam a explicitação de conflitos e disputa com as elites dos setores da indústria, do comércio, do sistema financeiro, da agricultura, enfim, das elites que historicamente resistiram à busca de um amplo es-
paço de negociação, sobretudo pautado pela transparência. Além disso, é essencial avançar para a criação de espaços políticos de participação popular e democracia direta, para além da representação institucional dos setores organizados, o que requer uma firme disposição de alterar os padrões atualmente vigentes para a comunicação de massas. Assim, o 8º CONCUT é o momento por excelência em que nossa central se arma para desempenhar papel preponderante na batalha de idéias na sociedade e na mobilização das amplas massas para garantir a manutenção e ampliação de direitos e conquistas sociais, bem como na defesa do caráter popular das reformas que o governo pretende fazer. É preciso apostar nas batalhas políticas de toda a classe para pavimentar um campo de pressão popular, indispensável para o êxito do governo Lula, para o avanço das lutas dos trabalhadores e da própria democracia.
no que elegeram passa a ser um movimento de conflitos profundos, pois as propostas ferem direitos dos trabalhadores e aprofundam a política neoliberal, beneficiando o capital e conduzindo o país para uma reversão neocolonialista. No caso da reforma da previdência, as contradições são tão evidentes que não sei de nenhum dirigente cutista que venha publicamente defendê-las. Muitos, ao contrário, têm ousado criticá-las e participado de manifestações de protestos contra o governo. Esse tema, segundo o resultado de inúmeros congressos estaduais, tende a ser o ponto mais conflitante em relação ao governo Lula. Tudo leva a crer que o governo perderá essa batalha, a menos que consiga fazer o rolo compressor esmagar consciências, como o partido e o próprio governo estão tentando fazer com os parlamentares “radicais”. Os temas das reformas tributária e trabalhista também darão “panos para manga”, uma vez que — especialmente no caso da tributária — as propostas vão no mesmo sentido de onerar o povão e desonerar o capital. A permanecer o mesmo fio de condução das medidas econômicas até aqui desenvolvido, a tendência é que a reforma trabalhista também fará cair tempestade no pedaço.
Há o caso da ação do governo em relação às negociações sobre a Alca e a reação da CUT. Sua direção não hesitou em enviar carta ao governo, demonstrando ser contra a continuidade das negociações e, logicamente, contra a assinatura do acordo, por entender que a proposta da Alca fere os interesses vitais dos trabalhadores do Brasil e de toda a América Latina. Isto é um sinal animador. Há um outro constrangimento na Central devido ao fato de Lula, agora presidente da República, esquecendo-se de que não está mais na condição de sindicalista, ter publicamente imposto o nome de Luiz Marinho como candidato a presidente da entidade pela sua corrente política, a Articulação Sindical. Tal fato deixou constrangido o próprio Luiz Marinho, indicando que Lula quer impor alguém que vá apoiá-lo incondicionalmente na CUT. Que o bom senso e o compromisso de classe de nossos dirigentes levem a Central Única dos Trabalhadores a manter sua autonomia, sua fidelidade à classe e a exigir que o governo Lula honre sua origem classista.
A importância da autonomia sindical
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
Waldemar Rossi
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ntre os próximos dias 3 e 7 de junho, a CUT realizará, no Anhembi, em São Paulo, o seu Congresso Nacional, envolvendo milhares de delegados de todo o país que, eleitos nos congressos de seus Estados vêm com a obrigação de defender as teses ali aprovadas. Alguns temas serão polêmicos, como polêmicos foram nos congressos estaduais (CECUTs). Por exemplo: quais serão os rumos da CUT durante os próximos 4 anos, considerando que Lula, um dos seus fundadores e o mais ilustre, foi eleito Presidente da República? A CUT vai se alinhar ao governo e ser por ele “cooptada”? Terá autonomia para defender os interesses dos trabalhadores caso as mudanças propostas pelo novo governo vierem contra os direitos históricos da classe trabalhadora? O discurso da maioria dos seus dirigentes será no sentido de que estará assegurada a autonomia da Central? Se analisarmos os resultados dos Congressos Estaduais, veremos que a questão não é tão simples assim. Há um sentimento muito profundo de que “Lula é nosso”; que sua vitória eleitoral foi a vitória da luta dos trabalhadores e que, portanto, temos de garantir sua governa-
bilidade. Para muitos dos congressistas que lá estarão, os trabalhadores não podem confrontar com o “nosso governo”, sob risco de inviabilizá-lo. Como a grande maioria dos dirigentes cutistas é também militante ou filiada ao PT — e Lula venceu as eleições como líder máximo do PT — é constrangedor ter de enfrentá-lo devido à discordâncias com as propostas reformistas de sua equipe de governo e isto já está acontecendo. Além do que, a corrente interna à qual Lula e sua equipe pertencem é majoritária na direção da Central e tem sido constante o “enquadramento político” de dirigentes nos casos de divergências na própria corrente. O chamado “núcleo duro” da direção petista tem interferido e vencido essa queda de braço. Nos casos das reformas, haverá “enquadramento”? REFORMAS E AUTONOMIA Como as propostas das reformas apresentadas têm indicado ônus para os trabalhadores, visando “desonerar a folha de pagamento das empresas” (segundo Palocci, ministro da Fazenda), ou, ainda, visam “baratear a mão-deobra” (segundo Jacques Wagner, ministro do Trabalho), o que deveria ser um movimento harmonioso entre os trabalhadores e o gover-
Carlos Alberto Grana é secretário geral da CUT Nacional e coordenador geral do 8º CONCUT
Kipper
Carlos Alberto Grana
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e membro da coordenação da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo
FESTA POPULAR
CULTURA
Em maio (abolição da escravidão), junho (festa de São João) , outubro (Nossa Senhora do Rosário) e dezembro (Natal), grupos de congo homenageiam São Benedito, o santo negro; a congada, celebrada em todo o país, tem presença marcante no interior do Estado de São Paulo
largo de São Benedito fica no alto de um morro, bem no centro da cidade de Itapira, no interior do Estado de São Paulo. A pequena igreja, de construção simples e antiga, ainda está cercada por ruas de paralelepípedos. Lá de cima é possível ver um bom pedaço da cidade. Itapira já não é mais a mesma de 115 anos atrás, quando aconteceu pela primeira vez a tradicional festa em homenagem a São Benedito, o santo negro. Em 2003, a festa foi entre os dias 4 e 13 de maio. Mas a principal atração, os grupos de congada, costumam repetir o espetáculo no mês de junho. A programação de Itapira envolveu as tradicionais missas, procissões, novena, quermesse e o encontro entre os grupos de congada da região. Estiveram presentes os congos de Itapira, Mogi Guaçu e Aguaí. Mesclando religião e cultura folclórica, no dia da libertação dos escravos, a comunidade homenageia, todos os anos, São Benedito. O santo negro é de devoção da maioria dos grupos de congada, e como tal é festejado em todo o Brasil. Vestidos a caráter, os grupos de congada rezam o terço no interior das igrejas de Itapira, onde impera o silêncio, uma demonstração de respeito ao santo. Do lado de fora, o som do batuque é forte e os corpos balançam deixando a música levar. A homenagem une fé e alegria. PONTO ALTO O momento do encontro das congadas é, sem dúvida, o ponto alto da festa. A música toma conta de todos os que estão assistindo e é quase impossível não ter vontade de dançar. Os mestres dos grupos são os encarregados da organização
e da animação. Eles apitam, gesticulam e pulam o tempo todo para contagiar o restante do grupo. O encontro acontece em frente da igreja. Os reis e rainhas de todos os grupos cumprimentam-se com discrição, um olhar e um leve balançar de cabeças. Batuques e violas tocam juntos. Todos dançam com muito entusiasmo. O som forte da caixa e do bumbo, tocados com fé e amor, dá ritmo à festa. Após a confraternização, mais uma reza no interior da igreja. É hora de se despedir do santo. A emoção chega a ser tanta que alguns não se seguram e deixam as lágrimas caírem. A liberdade torna-se elemento principal dos agradecimentos em voz alta.
Da Revista Brasil de Cultura, www.revistabrasil.com.br
■ Grupo de congo desfila em Campinas (SP)
Congada tem forte presença em São Paulo congada é o folguedo com maior incidência no Estado de São Paulo. De tradição afro-brasileira, destaca costumes dos negros de Angola e do Congo. Por isso, grande parte dos grupos homenageia um santo negro, na maioria das vezes São Benedito ou Nossa Senhora do Rosário. Santa Izabel também está entre os santos mais homenageados pela congada, já que remete à princesa Isabel, que assinou a lei Áurea e libertou os escravos brasileiros. Também chamado de congo ou congado, o que acontece nessa manifestação folclórica é a coroação de rei e rainha e o cortejo real logo em seguida. A primeira documentação histórica que cita a coroação de reis e rainhas negros data de 1647 e está na igreja do Rosário, em Recife, Pernambuco.
Antigamente, além do cortejo real, os grupos também faziam embaixadas diplomáticas com falas decoradas e encenações de situações do cotidiano em um reinado negro. Com o passar do tempo, a embaixada foi sumindo e hoje é muito difícil encontrar uma congada que mantenha essa tradição. Os personagens principais desse folguedo são o rei, a rainha, o mestre e os congos. Os reis são escolhidos entre os mais velhos e respeitáveis do grupo. O mestre é o encarregado de comandar a música e a cantoria. Os congos tocam instrumentos, acompanham as rezas e cantam com o mestre.Alguns grupos apresentam também príncipes, princesas e amas da rainha. As apresentações acontecem em grande número em datas comemorativas como o 13 de maio
AGENDA Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie e-mail para agenda@brasildefato.com.br
DIVERSIDADE SEXUAL SP – MÊS DA DIVERSIDADE SEXUAL
PREVIDÊNCIA SP – SEMINÁRIO: VERDADES
● De 1º a 28 de junho Para comemorar o Orgulho Homossexual, a Comunidade de Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais de Campinas organizou uma agenda de eventos. Mais informações: paradacampinas2003@yahoo.com.br, (19) 3234-8953, 3236-8070
MENTIRAS SOBRE A PREVIDÊNCIA
LUTAS POPULARES CE - CONGRESSO ESTADUAL DA CENTRAL DE MOVIMENTOS POPULARES (CMP) ● 31 de maio Sindicato dos Comerciários, Av. Tristão Gonçalves, 803. Considerando o Dia Nacional de Luta por Políticas Públicas com Participação Popular, na abertura do congresso haverá um ato político com o tema “Políticas Públicas com Participação Popular”. Estarão presentes delegados representantes de movimentos populares de Fortaleza, Maracanaú e Caucaia. Mais informações: Eliane Almeida, (85) 226-7277
SOCIAL NO
E
(festa de São Benedito), o mês de junho (festa de São João), outubro (festa de Nossa Senhora do Rosário) e dezembro (Natal). Ainda hoje grupos podem ser encontrados também nas cidades de Atibaia, Lorena, Mogi das Cruzes, Piracicaba, Campinas, São José dos Campos e Taubaté.
■ Em Cotia, o rei do congo faz uma reverência a São Benedito, o santo negro
Universidade Federal do Piauí (UFPI), bairro Ininga, s/n, Teresina Temas: Poesia, Hipermídia, Ecologia, DesEducação e Cultura. Minicursos: Espinosa - Uma arqueologia da Modernidade Futura; O poeta Nietzsche; Filosofia Clínica; Filosofia e Literatura; Ecologia e Filosofia. Mais informações: (86) 236-4320/99747919
BRASIL
● 31 de maio, das 13h às 18h Auditório do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região. R. Dr. Quirino, 560, Centro, Campinas Mais informações: (19) 3237-7876
ECONOMIA PI - DEBATE: SEXTA BÁSICA ● 30 de maio Universidade Federal do Piauí (UFPI), bairro Ininga, s/n,Teresina. Da série “Debates necessários para entender economia”, com o tema: Governo Lula e os Dilemas Neoliberais. Convidado: Plínio de Arruda Sampaio Júnior. Organização do Centro de Economia da UFPI / MST. O projeto visa possibilitar aos discentes do curso e todos aqueles interessados em temas econômicos uma melhor compreensão sobre a conjuntura econômica estadual, nacional e mundial.
FILOSOFIA PI - VIII SEMANA DE FILOSOFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ ● De 2 a 6 de junho
MARXISMO SP - CURSO SOBRE GRAMSCI ● De 31 de maio e 7 de junho, das 14h/18h R. Joaquim Távora, 217, Santos. O curso será realizado em três módulos: Hegemonia e a Questão do Partido; Os intelectuais e A Cultura e a Questão Nacional. O curso será ministrado pelo professor de sociologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) de Marília, Antônio Carlos Mazzeo. Mais informações: (13) 3435-3948
CIÊNCIAS SOCIAIS ES - IV SEMANA DE CIÊNCIAS SOCIAIS ● De 2 a 6 de junho, das 14h às 22h Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),Vitória. A Semana intitulada “Cultura, trabalho e criação: passos, amassos e outros abraços” propõe-se a ser um espaço para discutir a relação entre cultura, trabalho e criação, face às mutações ocorridas nos últimos tempos do capitalismo e seu imperativo consumista. O evento pretende criar um diálogo entre diferentes campos
disciplinares como a arte, a filosofia, a antropologia, a economia, a psicologia, e possibilitando ainda o contato e a troca entre diferentes tipos de saberes, como o científico, o filosófico, o artístico e o saber popular orgânico. Mais informações: cacso@bol.com.br, (27) 3335-7603
MEIO AMBIENTE RS - MINI CURSO DE INTERPRETAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL ● 3, 5 e 6 de junho, das 8h às 12h Auditório do Jardim Botânico, Av. Salvador França, 1427, Porto Alegre. Os temas abordados serão os seguintes: Interpretação Ambiental, Princípios, história e prática formal e não formal da EA, Elaboração de projetos em EA, Educação Ambiental no Museu de Ciências Naturais, Elaboração, implantação e manejo de trilhas, Vigilância ambiental, Jogos cooperativos e de sensibilização. Mais informações: (51) 3320-2027 .
REFORMA AGRÁRIA BA - DEBATE: A REFORMA AGRÁRIA E O MST ● dia 29 de maio, às 8h30, no Auditório Paulo Souto da Universidade Estadual de Santa Cruz Cabrália (UESC). No evento também será lançado o livro Arquitetos de Sonhos, de Ademar Bogo. Mais informações: rosamst@ig.com.br, (73) 680-5171, 9133-2013
BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
Karina Bueno, Especial para Brasil de Fato
Fotos: Jesus Carlos/ImagenLatina
O reinado negro no Brasil
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ESPORTE
Em Itapeva (SP), cerca de 400 jovens e trabalhadores sem terra participaram da 5a Semana Olímpica da Reforma Agrária, com 13 modalidades de jogos; cartolas do futebol reagem ao Estatuto do Torcedor e declaram guerra ao governo
JOGOS DA ROÇA
Camponeses organizam olimpíada rural ançamento de dardo, salto em distância, futebol e vôlei são apenas algumas das modalidades do 5º Ano da Semana Olímpica da Reforma Agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da região de Pirituba, em Itapeva, interior paulista. Os jogos aconteceram nos dias 17, 18, 24 e 25 e contaram com a participação de mais de 400 pessoas de todas as idades, todos moradores de seis assentamentos da região e também das cidades vizinhas. O objetivo da competição foi proporcionar o lazer e a integração da comunidade.“A gente acredita que a reforma agrária é muito mais do que garantir o direito ao trabalho, é também garantir todos os outros direitos, como o lazer, por exemplo”, diz Lourdes Sanchez, secretária da Associação de Comunicação e Cultura dos Assentados de Pirituba (ACOCAP), que promove o evento.
Os atletas que chegavam à sede regional do MST (local dos jogos) logo pela manhã, vinham de ônibus, de caminhão, de carro ou até mesmo a pé, trazendo toda a família. Muitos participavam de mais de uma modalidade – no total, 13 – desde as práticas esportivas mais tradicionais como futebol, vôlei, ciclismo, lançamento de dardo, salto em distância até as mais inusitadas como taco (jogo de rua que utiliza dois pedaços de pau como bastão e uma bolinha pequena, imitando beisebol), cabo de guerra, bolinha de gude, truco, bilhar, dama e gincana (atividade que reúne diversas brincadeiras, inclusive prova de natação no açude e um divertido concurso de fantasias). DISPUTA DO FUTEBOL Mas foi o popular futebol que teve as partidas mais disputadas e animadas da semana olímpica. Os jogadores se enfrentaram descalços num campo de areia fofa. A torcida compareceu em peso, fazendo barulho com gritos de guerra, chamando a atenção dos jogadores e principalmente dos
juízes. As mulheres participaram ativamente dessa modalidade, marcaram presença na torcida, palpitaram sobre o desempenho dos atletas e ainda faziam bonito dentro de campo. Mais competitivas que os homens, elas travavam disputas cheias de emoção e muitos dribles. Daniele Oliveira Lima jogou futebol na olimpíada defendendo o time da Agrovila 2, onde mora. “Comecei a treinar com as minhas amigas faz um mês. A gente treinava sozinha, de vez em quando algum amigo ajudava”, afirma a atleta. As crianças também tiveram espaço na Semana Olímpica. Competiram em diversas modalidades, como o taco, bolinha de gude, na gincana e até se arriscaram em esportes pouco conhecidos por elas, como salto em distância. A integração da comunidade não acontece apenas nos jogos, mas também fora deles. Cerca de 60 pessoas trabalharam na organização da Semana Olímpica. José Amilton de Almeida tem apenas 16 anos, e, além de jogar futebol, colaborou na contagem de pon-
tos da competição de corrida com salto em distância. “Os jogos servem também para estimular os valores de trabalho coletivo, de multirão”, explica Lourdes. A premiação aconteceu no úl-
timo dia de disputa, as equipes receberam troféus e os atletas medalhas.Tudo comprado com dinheiro arrecadado na inscrição (um real por pessoa) e contando com a ajuda de comerciantes da região.
Fotos: Ana Lucia Pires
Ana Lúcia Pires, enviada especial a Itapeva (SP)
ESTATUTO DO TORCEDOR
Cartolas reagem à moralização do futebol João Alexandre Peschanski, da Redação governo e as entidades que controlam o futebol brasileiro estão em pé de guerra em relação ao Estatuto de Defesa do Torcedor. Por não aceitarem alguns pontos da lei, como a total responsabilização dos cartolas pelo que ocorre nos estádios, na terça-feira, dia 20, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e dirigentes organizam um motim e suspendem todos os jogos da rodada do final de semana. Nos dois dias seguintes, iniciase uma série de negociações entre o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, cartolas e o ministro do Esporte, Agnelo Queiroz. Irredutível, o governo decide manter intacto o texto da lei e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, envia mensagem à CBF, em que diz não aceitar qualquer modificação. Pressionado, Teixeira abandona o motim e, na madrugada do dia 22,
acaba com a ameaça de paralisação do campeonato. O estatuto, oficializado no dia 15, foi a primeira lei assinada por Lula e, segundo o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, modificações no texto
seriam consideradas uma ofensa pessoal ao presidente. Veja ao lado quadro explicativo sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e, abaixo, análise do colunista esportivo Juarez Soares.
O que diz a lei O Estatuto de Defesa do Torcedor é um tipo de código do consumidor para as pessoas que vão aos estádios. Suas principais novidades são a obrigatoriedade da transparência da organização de partidas e torneios e sanções a dirigentes que não cumprirem a lei. Leia abaixo o que dizem alguns dos artigos do estatuto – a íntegra pode ser encontrada no endereço eletrônico do Ministério do Esporte: www.esporte.gov.br. Artigo 5: Clubes e entidades são obrigados a tornarem transparentes a organização dos jogos e campeonatos, como o regulamento e a tabela do torneio, a escalação dos árbitros e os borderôs Artigo 10: A participação de uma equipe em um campeonato será definida por critérios técnicos, como a colocação em um torneio anterior, e fica proibida a inclusão de um time por convite Artigo 16: É dever da entidade responsável por uma competição disponibilizar uma ambulância, um médico e dois enfermeiros para cada 10 mil torcedores presentes em um estádio Artigo 19: As entidades e clubes são judicialmente responsáveis por quaisquer danos causados a torcedores Artigo 37: Dirigentes que violarem a lei ficam sujeitos a sanções como suspensões e destituição do cargo
■ Salto, futebol,damas, cabo-de-guerra: os jogos olímpicos da Reforma Agrária ofereceram modalidades tradicionais e outras inéditas; por exemplo, bola de gude
Blá, blá, blá e a carroça segue seu caminho BRASIL DE FATO De 29 de maio a 4 de junho de 2003
Juarez Soares, de São Paulo (SP)
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chamado Estatuto de Defesa do Torcedor ocupou uma semana de manchetes na rádio, no jornal e na televisão. Na verdade, era tudo o que os deputados, ministros, senadores, enfim, os políticos queriam e conseguiram. Os políticos só não esperavam a posição da CBF e do Clube dos 13, que ameaçaram suspender o campeonato. O que deveria ser feito antes, foi feito depois, isto é: chamaram correndo a Brasília o Eurico Miranda e o Fábio Koff, representantes do Clube dos 13. A portas fechadas, o governo explicou que havia um grande mal entendido. Alguns itens da lei
deveriam ser cumpridos imediatamente, outras exigências poderiam esperar, haveria um prazo e coisa e tal. Principalmente o ministro do Esporte explicou que a responsabilidade que a lei atribui aos presidentes dos clubes por brigas e arruaças, dentro e fora do estádio, não era imediata. Ocorrendo o fato, iria ser aberto um processo com todo o direito de defesa do dirigente e só depois, muito depois, é que poderia haver o julgamento então, e uma decisão e blá, blá, blá. Mais que depressa, o ministro do Esporte ainda disse que daria tudo por escrito por meio de um parecer do advogado Geral da União. Lá nas bandas de onde eu vim, nós dizemos: “No andar da carroça, a abóbora se ajeita.” E lá se foi a carroça.
Os clubes, inteligentes como sempre, trataram de cumprir sua parte. Por exemplo: Santos e Corinthians enfeitaram a noiva. Ficaram de prontidão médicos, enfermeiras e ambulâncias. As catracas dos estádio receberam ingressos e devolveram recibos. Na Vila Belmiro as câmeras vigias de televisão funcionaram. No Pacaembu, isso não foi possível porque lá câmeras não há. Os ingressos numerados não causaram danos aos torcedores. Principalmente porque, tomando como exemplo o Pacaembu, que tem capacidade para 40 mil espectadores, ele não recebe nem 10 mil por jogo. No Morumbi nem se fala. A capacidade é de 80 mil torcedores.A média de público não chega a 6 mil.
Há um fato ainda a se levar na sua devida conta. Os estádios que pertencem ao governo, como Pacaembu, Maracanã, Mineirão, Serra Dourada e todos os outros espalhados pelo Norte e Nordeste, não estão preparados para cumprir os dispositivos da lei. Como pois, é possível que uma lei seja parida, se nem os estádios bancados pelos governos estaduais estão adequados? Claro que haverá um tempo para adaptações. Dinheiro do contribuinte, isto é, do torcedor, será gasto nas reformas. Os clubes particulares, que têm estádio próprio, vão pleitear uma linha de crédito especial junto ao governo com juros a perder de vista para se modernizarem. O governo pode
dizer que não. Nesse caso, as agremiações vão se virar como sempre fizeram. Somada a conta dos gastos, o prejuízo será repassado ao torcedor, isto é, os ingressos sofrerão aumento e assim segue a carroça. Claro que era preciso uma lei para enquadrar clubes e dirigentes. O verniz já foi passado, a perfumaria aplicada, a noiva está enfeitada. Agora é esperar pelo prazo concedido para o cumprimento integral da lei de proteção ao torcedor que, em resumo, é o trabalhador brasileiro. Pela frente, já se antevê grandes disputas políticas a respeito de itens específicos. Enquanto isso, segue a carroça com as abóboras. E a lei, ora a lei.