BDF_014

Page 1

BRASILDEFATO Ano I ■ Número 14 ■ São Paulo ■ De 5 a 11 de junho de 2003

Circulação Nacional

R$ 2,00

100 mil protestam contra a cúpula do Império Jean-Pierre Clatot/AFP/AE

Mais de cem mil pessoas de todos os continentes manifestaram-se, na fronteira da Suíça com a França, contra a reunião do G8 – o grupo dos países mais industrializados do mundo mais a Rússia – que se encontrou no fim de semana na cidade de Evian, na França. Os manifestantes exigiram, em especial, o cancelamento da dívida externa dos países em desenvolvimento. Rebelião no Peru – Estudantes e trabalhadores promovem grandes protestos em Lima (capital), Cuzco e outras cidades, contra a submissão do governo às exigências do Fundo Monetário Internacional. Págs. 9 e 11

Para a Anistia Internacional, Bush torna o mundo mais perigoso A guerra contra o terror promovida pela Casa Branca “aprofunda as divisões entre as pessoas de diversos credos e origens e lança as sementes de mais conflitos”, afirma o relatório anual da organização não governamental Anistia Internacional (AI), divulgado dia 28, em Londres, na Inglaterra. A AI volta a denunciar práticas de tortura sistemática em prisões brasileiras. Pág. 10

BC perdeu R$ 56 bilhões para salvar bancos O Banco Central escondeu da população os verdadeiros custos da operação de salvamento de bancos falidos, conhecida como Proer, que deve ter consumido mais de R$ 56 bilhões entre 1995 e 1997. As quebras de bancos são apresentadas à opinião pública como casos isolados de má gestão, quando a rigor os escândalos são a regra do setor, mas só aparecem à luz do dia quando algo dá errado nos negócios obscuros do cotidiano dos banqueiros. Pág. 6 DESMONTE DO ESTADO

Dom Tomás defende Igreja voltada para os pobres O presidente da Comissão Pastoral da Terra, Dom Tomás Balduíno, em entrevista exclusiva, afirma que, “de objeto de nossa ação caritativa”, o camponês, hoje, na visão dos pastores e bispos, “passou a ser o sujeito de sua própria história”. Ele fala ainda da exclusão da agricultura familiar do Programa Fome Zero, do governo federal, e da correlação de forças entre as alas progressista e conservadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Pág. 7

Ministro pretende proteger pesca artesanal O governo vai passar a prestar assistência, em questões de aqüicultura e pesca, às comunidades dos quilombos, aos indígenas e aos assentamentos de sem-terra. Para isso, o secretário da Aqüicultura e Pesca, José Fritsch pretende recrutar, para sua secretaria, quadros técnicos especializados, como afirma, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. Pág. 13

E mais: TRANSGÊNICOS – A liberação da safra de soja transgênica não anistia o crime ambiental de quem a plantou, segundo o consenso dos juristas. Pág. 3 SONEGAÇÃO – Enquanto o governo quer reduzir pensões, não se toca nos privilégios de bancos e usineiros. Pág. 5 PREVIDÊNCIA – Proposta de reforma tem por objetivo privatizar o sistema, afirma o especialista Serge Goulart. Pág. 6 MICROÔNIBUS – Trabalhadores em microônibus de Goiânia fizeram greve de fome diante do Congresso Nacional, em Brasília. Pág. 7 PALESTINA – O plano de paz proposto pelo governo Bush é essencialmente repressivo e inspirado na “guerra ao terror”, afirma o jornalista israelense Sergio Yahni. Pág. 10 POLÍTICA EXTERNA – Veja, na seção Debate, as avaliações do senador Eduardo Suplicy e do professor Plinio Arruda Sampaio sobre os rumos da política externa brasieira. Pág. 14

BRASIL DE FATO De 5 a 11 de junho de 2003

As mulheres que cumprem pena somam 4,2% dos detentos do país, mas nunca receberam tratamento adequado. Para o poder público, é como se não existissem ou como se fossem homens. No Estado de São Paulo, 75% delas estão em cadeias ou delegacias, onde sofrem torturas e vivem em condições de higiene precária. Pág. 8

de marcha de protesto contra a cúpula do G8, dia 10

Natalia Forcat

Detentas não são tratadas como mulheres

■ Em Genebra (Suíça), jovens e trabalhadores participam

1


Fala, Zé! Ohi

NOSSA OPINIÃO

Povo na rua contra o Império Os movimentos sociais brasileiros lançarão, a partir de agosto, uma Campanha Nacional por Emprego, Renda e Salário Digno. Serão organizadas grandes mobilizações, em todo o país, em defesa de uma pauta ampla, da ampliação de serviços públicos à demarcação de terras indígenas, passando pela reforma agrária, incentivo a pequenas e médias empresas, investimentos em moradia popular e saneamento básico, e garantia de acesso à educação, saúde e seguridade social. A pauta, aprovada pela segunda reunião de movimentos sociais, realizada dia 13 de junho, em São Paulo, tem por objetivo estratégico unir setores populares, sindicatos, pastorais sociais, artistas e intelectuais em defesa de um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil. Outras iniciativas de grande importância marcaram o mais recente cenário político nacional. Entre elas, o lançamento, dia 13, do manifesto de mais de trezentos economistas preocupados, sobretudo, com o desemprego e os sinais de uma grave recessão, com todos os custos sociais implicados; e a iniciativa, assumida por parlamentares, de lançar uma frente suprapartidária contra a adesão do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Todo esse processo de articulações e debates teve, como pano de fundo, a marcha de pelo menos 30 mil funcionários públicos contra a reforma do sistema previdenciário, em Brasília, dia 11. Todos esses sinais indicam que a sociedade civil brasileira está viva, ativa e busca construir novos caminhos por um Brasil mais justo, mais feliz e solidário. São os mesmos sentimentos que permitiram a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência do Brasil. Não há, portanto, qualquer oposição real entre aqueles que articulam os movimentos sociais e propõem debates e os setores de esquerda do governo federal. Ao contrário. O governo Lula ainda é visto e percebido, pelos movimentos sociais e por uma vasta maioria dos brasileiros, como ponto de apoio do povo contra os verdadeiros inimigos: a Casa Branca, com sua estratégia de recolonização das Américas (contra a qual se volta a frente parlamentar), e o capital financeiro internacional e nacional (como diz o manifesto dos economistas). Não por acaso, uma certa imprensa marrom, sensacionalista, subserviente ao capital e covarde, tenta mostrar que as ações dos movimentos sociais são motivadas pela hostilidade ao governo Lula. Suas manchetes, seus artigos “analíticos”, suas reportagens pretendem mostrar um suposto divórcio entre o presidente Lula e a nação que o elegeu. O objetivo da mídia patronal é criar um abismo entre o povo e o governo federal, para assim fazer com que o Planalto, isolado e sem base social, caia nas malhas do Império. A mídia sabe que o povo na rua, ao contrário, oferece uma garantia ao governo Lula: a de que, contra as pressões, chantagens e extorsões colocadas em marcha pelo imperiliasmo, ele contará com o apoio irrestrito de milhões de brasileiros.

BRASILDEFATO CONSELHO POLÍTICO: ■ Achille Lollo ■ Ari Alberti ■ Ariovaldo Umbelino ■ Assunção Ernandes ■ Aton Fon Filho ■ Augusto Boal ■ Cácia Cortez ■ Carlos Marés ■ Carlos Nelson Coutinho ■ Celso Membrides Sávio ■ Claus Germer ■ Dom Demétrio Valentini ■ Dom Mauro Morelli ■ Dom Tomás Balduíno ■ Edmilson Costa ■ Elena Vettorazzo ■ Emir Sader ■ Egon Krakhecke ■ Erick Schunig Fernandes ■ Fábio de Barros Pereira ■ Fernando Altemeyer ■ Fernando Morais ■ Francisco de Oliveira ■ Frederico Santana Rick ■ Frei Sérgio Gorgen ■ Horácio Martins ■ Ivan Valente ■ Jasper Lopes Bastos ■ ■ João Alfredo ■ João Capibaribe ■ João José Reis ■ João José Sady ■ João Pedro Stedile ■ Laurindo Lalo Leal Filho ■ Leandro Konder ■ Luís Alberto ■ Luís Arnaldo ■ Luís Carlos Guedes Pinto ■ Luís Fernandes ■ Luis Gonzaga (Gegê) ■ Marcelo Goulart ■ Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind ■ Mário Maestri ■ Nalú Faria ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs ■ Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

BRASIL DE FATODe 19 a 25 de junho de 2003

CONSELHO EDITORIAL: ■ Alípio Freire ■ César Benjamim ■ César Sanson ■ Hamilton Octávio de Souza ■ Kenarik Boujikian Felippe ■ Luiz Antonio Magalhães ■ Luiz Eduardo Greenhalgh ■ Luiz Bassegio ■ Maria Luísa Mendonça ■ Milton Viário ■ Neuri Rosseto ■ Plínio de Arruda Sampaio Jr. ■ Ricardo Gebrim

2

■ Editor-chefe: José Arbex Jr. ■ Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Marilene Felinto, Nilton Viana, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ■ Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho ■ Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stokler, Samuel Javelberg, Ricardo Teles ■ Ilustradores: Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, Natália Forcat, Nathan ■ Projeto gráfico e diagramação: Wladimir Senise ■ Tratamento de imagem: Maurício Valente Senise ■ Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho ■ Jornalista responsável: José Arbex Jr. Mtb 14.779 Administração: Silvio Sampaio Secretaria de redação: Tatiana Merlino Assistentes de redação: Letícia Baeta e Tatiana Azevedo Sistemas: Sérgio Moreira DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA PARA TODO O Programação: André de Castro Zorzo BRASIL EM BANCAS DE JORNAIS E REVISTAS Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 FERNANDO CHINAGLIA Campos Elíseos – CEP 01218-010 RUA TEODORO DA SILVA, 907 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP TEL.: (21) 3875-7766 redacao@brasildefato.com.br RIO DE JANEIRO - RJ Gráfica: FolhaGráfica

Participe do jornal O Brasil de Fato foi criado a partir da colaboração e da união de diversas pessoas e movimentos sociais comprometidos com um projeto popular para o país. Por isso, as reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. Basta entrar em contato com a redação ou com os comitês de apoio. As pessoas também podem se tornar colaboradoras do Brasil de Fato e propor reportagens, enviar eventos e ajudar a divulgar o jornal.

Acesse a nossa página na Internet www.brasildefato.com.br

Cartas de leitores GOSTO PELA LEITURA Vejo o Brasil de Fato como um porta-voz da sociedade, pois mostra a realidade de forma concisa e transparente. Lia outros jornais e nunca me sentia bem, estava cansado de ver os noticiários sem peso. Hoje, depois de conhecer o Brasil de Fato, as informações começaram a fazer sentido, o jornal me despertou para o gosto pela leitura. Daniel Fernando Martines, São Paulo (SP) À ESQUERDA E AO PODER A esquerda nacional realiza um erro estratégico que poderíamos considerar clássico. Ao posicionar-se da maneira como o faz diante dos acontecimentos recentes no plano político nacional, ela deixa em aberto para a velha direita a oportunidade de combater os movimentos de esquerda mais “radicais” e, de quebra, adiantar o lançamento de sua campanha para a recuperação da soberania nacional. Durante algum tempo, relutei em escrever a respeito,tendo apenas comentado com conhecidos e entre os mais íntimos essa minha hipótese.

O Jornal Brasil de Fato, em seu editorial do dia 29/5, expôs, conforme já o tinha feito anteriormente, o movimento da grande mídia em prol de uma desunião entre os movimentos de esquerda. Dentre os fatos correntes, foi citada a montagem de uma desunião entre PT e MST. Há, além disso, o caso dos radicais, em que muito alarde se fez sobre o processo movido no Comitê de Ética do Par tido dos Trabalhadores, mas muito pouco, ou nada, noticiou-se sobre o mesmo processo no caso do PSDB. Para colocar a tese com certo rigor, devo dizer que o pano de fundo da conjuntura nacional é, obviamente, montado pela mídia nacional – nos dizeres do jornal BF o único partido de direita do Brasil, mas que, em grande parte, os atores do grande espetáculo somos nós, militantes de partidos de esquerda, “radicais” e afins. Frederico Teixeira Gorski, Paraná (SC) TRANSGÊNICOS Presenteado por um amigo ligado ao PT, conheci o Brasil de

Fato, que muito me agradou. Como soja faz parte da minha alimentação, apreciarei conhecer os nomes dos plantadores e fabricantes brasileiros desse alimento, na forma transgênica, a fim de evitar o seu consumo. João Maria Madeira Basto, Brasília (DF) DIPLOMA DE JORNALISMO Sobre a sentença da Juíza Carla Rister e sua repercussão, em relação à não obrigatoriedade do diploma de jornalismo: estou no 1° período da faculdade de comunicação social e estou indignada com tais decisões, revoltada com o Brasil, e infelizmente triste por saber que daqui há 4 anos, quando eu estiver me formando, a situação estará muito mais dificil, não só para mim, mas para o Brasil. Não consigo avistar melhoras nem mudanças do quadro crítico que se encontra nosso país. Ao menos se houvesse uma revolução popular, poderíamos reverter esta caótica situação Beatriz Barcelos Novaes, Rio de Janeiro (RJ)

As cartas devem ser encaminhadas com identificação, município e telefone do remetente.

Quem somos Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores.

COMO PARTICIPAR Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br.

QUANTO CUSTA O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00.

COMITÊS DE APOIO Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. AL- brasil-al@brasildefato.com.br

BA- brasil-ba@brasildefato.com.br

CE- brasil-ce@brasildefato.com.br

DF- brasil-df@brasildefato.com.br

ES- brasil-es@brasildefato.com.br

GO- brasil-go@brasildefato.com.br

MA- brasil-ma@brasildefato.com.br

MG- brasil-mg@brasildefato.com.br

MS- brasil-ms@brasildefato.com.br

MT- brasil-mt@brasildefato.com.br

PA- brasil-pa@brasildefato.com.br

PB- brasil-pb@brasildefato.com.br

PE- brasil-pe@brasildefato.com.br

PI- brasil-pi@brasildefato.com.br

PR- brasil-pr@brasildefato.com.br

RJ- brasil-rj@brasildefato.com.br

RN- brasil-rn@brasildefato.com.br

RO- brasil-ro@brasildefato.com.br

RS- brasil-rs@brasildefato.com.br

SC- brasil-sc@brasildefato.com.br

SE- brasil-se@brasildefato.com.br

SP- brasil-sp@brasildefato.com.br

Para assinar, ligue (11) 2131-0808 ou mande uma mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br


SEGURANÇA ALIMENTAR

NACIONAL

A sociedade brasileira deve se mobilizar para neutralizar as pressões feitas pela transnacional Monsanto sobre o governo federal, como já foi feito, com sucesso, na Índia e em outros países, afirma a ativista feminista, filósofa e física Vandana Shiva

“Fome zero é igual a transgênicos zero” andana Shiva, uma das mais respeitadas cientistas e ativistas da Índia, esteve recentemente no Brasil. Após participar do Simpósio Internacional “Água: Bem Público Universal”, promovido pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em 22 de maio, em São Leopoldo (RS), esteve em Brasília, para uma audiência reservada com a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente. Proferiu também uma palestra sobre biopirataria na Universidade de Brasília (UnB). Apesar da agenda cheia, fez questão de falar com exclusividade ao Brasil de Fato.“Eu acho que o que o movimento social do Brasil precisa dizer que se o presidente Lula é honesto quanto ao Fome Zero, ele deve também incluir, nessa campanha, o Zero de Transgênicos. Fome zero é igual a transgênicos zero, afirma.

Brasil de Fato – Como você analisa a tentativa de imposição dos transgênicos no Brasil, especialmente pela Monsanto? Vandana Shiva – A campanha que a Monsanto faz no Brasil vem sendo feita na Índia há 4 anos. E, hoje, porque nós conseguimos construir movimentos muito fortes, disseminamos informações honestas e verificáveis, mobilizamos a comunidade científica e fomos capazes de manter a pressão sobre os órgãos governamentais, a Monsanto está batendo em retirada da Índia. No ano passado, eles conseguiram a permissão para plantar transgênicos, mas neste ano o governo baniu o cultivo porque fomos capazes de mostrar que é economicamente desastroso para os fazendeiros, e que a autorização permitiria à Monsanto controlar nossas sementes e nossa agricultura. Apesar de a Monsanto usar a embaixada dos EUA para pressionar o governo, no sentido de importar milho transgênico, nós mobilizamos os movimentos para dizer ao governo que não queríamos comer milho modificado. Até agora, na Índia, nenhuma colheita de alimentos transgênicos foi feita. A agressão que a Monsanto está perpetrando no Brasil vem sendo derrotada em todo o mundo. BF – Há lições a serem seguidas aqui no Brasil? Vandana – A primeira coisa é que o governo diz que permitiu a colheita de transgênicos por pressão dos agricultores que tinham plantado ilegalmente, no Rio Grande do Sul. A Monsanto conseguiu um número considerável de pequenos produtores que ela paga para plantar suas sementes. Ela tentou isso na Ín-

dia, na África do Sul e faz o mesmo no Brasil. Para combater isto, é preciso ter um número ainda maior de produtores que não estão nas mãos da Monsanto e que digam ao governo: Não queremos transgênicos! E, claro, ter os consumidores organizados para mostrar que eles não querem esta comida de lixo.

BF – Que ações podem ser feitas pelos movimentos sociais? Vandana – O MST e a Via Campesina devem ser a força que mostre para o governo que os camponeses e pequenos produtores querem um país livre de transgênicos. O governo vem sendo pressionado pelos pequenos agricultores pagos pela Monsanto. É preciso que ele sofra uma pressão contrária. Em certo sentido, o desafio é mostrar que o MST é a voz dos camponeses. E então fazer ações criativas e mobilizações para obrigar o governo a ouvir esta voz. BF – Como você tem visto a atuação do governo brasileiro nesta questão? Vandana – A Monsanto sempre consegue ter alguns elementos do governo nas suas mãos. Os cidadãos devem fortalecer os elementos do governo que a Monsanto não consegue comprar. Se você me pergunta de uma maneira direta, eu digo que o seu ministro da Agricultura está capturado pela Monsanto. Disseram, em Porto Alegre, que uma delegação de ativistas independentes convidados para ir a Índia, supostamente pagos pelo Congresso estadunidense, foi incitada pelo ministro da Agricultura a observar os supostos milagres feitos no país pela Monsanto. Quando os membros desta delegação chegaram no gabinete do mi-

Quem é Vandana Shiva coordena uma vasta gama de grupos populares e rurais, incluindo iniciativas para a preservação das florestas da Índia, em favor das sementes como patrimônio da humanidade e programas dirigidos sobre biodiversidade. É física quântica, Ph.D. em filosofia da ciência, ecóloga, feminista e autora de mais de uma dúzia de livros, entre eles Monoculturas da Mente (Monocultures of the Mind), Permanecendo Vivos (Staying Alive) e Mulheres, Ecologia e Desenvolvimento (Women, Ecology, and Development). Seu livro mais recente é Biopirataria: A pilhagem da natureza e do conhecimento (Biopiracy: The Plunder of Nature and Knowledge). Fundou (em 1982) e dirige a Fundação de Pesquisa para a Política da Ciência, Tecnologia e Recursos Naturais (The Research Foundation for Science, Technology and Natural Resource Policy). Em 1993, ela recebeu o prêmio Right Livelihood, também conhecido como o Nobel alternativo.

nistro da Agricultura, o presidente da Monsanto estava lá, sentado no gabinete. Os cidadãos aqui precisam ter em mente e contar a todos que o ministro da agricultura e a Monsanto estão trabalhando juntos. Mas você não pode ver o governo como um bloco, é preciso reconhecer as tensões e que a Monsanto esta influenciando o governo e o povo não está conseguindo fazer isso. As pessoas têm de se mobilizar mais.

BF - Fale um pouco sobre a conexão entre a luta contra os transgênicos e a diversidade genética. Vandana – A luta contra transgênicos é a luta pela biodiversidade e pelo direito que as pessoas têm aos recursos genéticos. Biotecnologia e engenharia genética são instrumentos para controlar os recursos genéticos do mundo, manipulálos, criar dependência e desespero, fazer as pessoas pensarem que não há alternativa, tirar a agricultura e o controle das sementes da mão dos pequenos produtores e colocá-los nas mãos das empresas de agronegócios: Monsanto para sementes, Cargill para a comercialização, esta é a parceria principal. As duas lutas, contra os transgênicos e pela preservação da biodiversidade, são a mesma luta, pela vida no planeta e pela liberdade para as pessoas.Não acho que o futuro seja sombrio. No Brasil, porque vocês elegeram um novo governo, pensam que agora podem

sentar que ele fará o trabalho para vocês. O governo nunca faz o trabalho pelas pessoas. A função dos governos é ser governo, as pessoas é que devem exigir do governo que ele faça o que o povo quer. A mobilização que aconteceu para colocar Lula no poder deve ser a mesma que o lembre por que ele está no poder – senão será a Monsanto que vai dizer porque ele está no poder.

BF – Qual é o papel das mulheres neste movimento? Vandana – As mulheres têm sido as mantenedoras tanto das sementes quanto do conhecimento tradicional. Há conhecimento tradicional no mundo porque nossas avós estão vivas, elas sabem como fazer remédios, como aproveitar plantas. A luta pela preservação dos conhecimentos locais é a luta por uma economia baseada nos conhecimentos das mulheres contra o patriarcado capitalista e contra os poderes patriarcais globais. Eles controlam o capital e gostariam de se livrar dos poderes das mulheres e do conhecimento tradicional. BF – E como você vê avalia a mobilização das mulheres? Vandana – As mulheres estão mobilizando. Por exemplo: as campanhas por sementes que temos na Índia são organizadas por mulheres. Quando as companhias conseguiram banir os nossos óleos tradicionais, foram as mulheres das favelas

Rose Brasil/ABR

Sal Freire e Ilam Bensusan, de Brasília (DF)

que se organizaram para mostrar que elas não queriam soja, que elas queriam os óleos tradicionais, de mostarda. Organizamos um ato de desobediência civil. Eu trouxe mostarda dos produtores, engarrafamos o óleo de mostarda e trouxemos as garrafas para Nova Deli, chamamos o ministro e dissemos: nós estamos violando a proibição de utilizar óleos que não sejam de soja porque queremos nossa própria comida, nossa produção própria, e foram as mulheres que organizaram isso...

BF – Qual foi a desculpa que o governo usou para proibir óleos que não eram de soja? Vandana – É o que eu chamo de razões de pseudo-higiene. Disseram que as pequenas produções são pouco seguras e os produtos das grandes fábricas são muito seguros etc. É assim que eles fazem: uma galinha da sua granja é perigosa para a sua saúde, uma mãe cozinhando para as crianças é perigoso, mas McDonalds é seguro. É interessante que as mulheres que lutaram contra os transgênicos, a Monsanto e as patentes organizaram-se como um grupo chamado de Diverse Women for Diversity (Mulheres Diversas pela Diversidade); é um movimento centrado em mulheres, não um movimento apenas de mulheres. Ilam Bensusan é filósofo e professor do Departamento de Filsofia da Universidade de Brasília

Stella Máris Valenzuela, de Porto Alegre (RS) planeta água e a emergência da vida” foram os temas abordados por Vandana Shiva, no Simpósio Internacional “Água: Bem Público Universal”, promovido pela Universidade doVale do Rio dos Sinos (Unisinos), em 22 de maio, em São Leopoldo, a cerca de 30 quilômetros da capital gaúcha. O evento objetivou apontar saídas para o consumo racional da água. Vandana Shiva defende a democratização dos recursos naturais, práticas alternativas para a agricultura e formas de conhecimento exterior à cultura ocidental. Ela organizou um movimento para a conservação da biodiversidade e dos direitos dos lavradores de Navdanya, uma localidade situada no interior de seu país. Para o próximo Fórum Social Mundial, a ser realizado na Índia

em 2004,Vandana espera mudanças no paradigma e, sobretudo, que a água seja, de fato, considerada um bem público e um direito universal. A gravidade deste problema vem de longo tempo despertando o interesse de ambientalistas de várias partes do mundo. Em março, o presidente do Comitê Internacional para o Contrato Mundial da Água, Riccardo Petrella organizou, na cidade italiana de Florença, um evento paralelo ao 3º Fórum Mundial da Água, de Kyoto, no Japão. Essa iniciativa contra a privatização da água, desde a sua captação até a distribuição no planeta, ficou registrada num manifesto assinado pelos participantes do encontro. COCA–COLA E O GANGES “O Ganges era a nossa mãe, agora é o nosso leito de morte, pois a única coisa que podemos fazer é saltar na água e morrer”

Vandana destacou os três tipos de privatizações da água que vêm sendo adotados na Índia. Ela disse que a Coca-Cola, entre outras companhias, estão sugando a água do rio Ganges. Segundo ela, 1,5 milhão de litros retirados diariamente da terra secaram os poços da região. O segundo tipo apontado pela física permite que as empresas privatizem a água dos rios e impede que as pessoas utilizem essa água. E há, também, a privatização que substitui as comunidades por associações de usuários artificialmente criadas, acabando com o direito das comunidades à água. A maior companhia de águas do mundo, a Suez, deve retirar do sagrado rio Ganges 635 milhões de litros por dia, a fim de levar esta água para a capital Nova Délhi, onde será vendida. “Isso vai destruir a agricultura do Norte da Índia”, prevê, salientando que tal

atitude significa desviar dois terços da água do rio. Vandana contou que no início de maio, quando esteve com as mulheres da aldeia em que lidera um movimento contra a privatização, uma delas lhe falou: “O Ganges era a nossa mãe, agora é o nosso leito de morte, pois a única coisa que podemos fazer é saltar na água e morrer”. Segundo ela, a maioria dos indianos está convencida de que a água é um bem comum, portanto não pode estar à venda para quem pode pagar mais. DIREITOS NEGADOS Um artigo da Constituição da Índia garante o direito à vida. Quando o texto foi escrito na década de 40, a água era abundante. Os modelos de desenvolvimento que aos poucos foram acabando com a água vieram mais tarde, bem como a idéia de privatização.

O movimento liderado por Vandana Shiva tem se amparado no princípio geral da Constituição para tentar barrar as privatizações. Para ela, chegou o momento de reconhecer em nível internacional que o direito à água é um direito da pessoa. “Até porque, na visão da Organização Mundial do Comércio, o direito à água passou a interferir no livre comércio”. Ela destacou, por fim, os movimentos de resistência à privatização do Ganges. Os agricultores estão se recusando a vender as suas terras e não estão permitindo a entrada de empresas em suas propriedades para a colocação do conduto.“Quando iniciamos essa campanha contra a privatização, no dia 9 de agosto de 2002, cinco mil agricultores firmaram o compromisso de não aceitar a morte do nosso rio”, registrou, sublinhando que a mãe Ganges não está à venda.

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

Privatização ameaça matar rio Ganges

3


NACIONAL

Ignorando a Constituição, que garante o direito universal de acesso ao sistema de saúde pública, diversos governos privatizaram serviços; exemplo disso é a crise do hospital público Erasto Gaertner, de Curitiba, referência no tratamento contra o câncer para pacientes pobres

DESMONTE DO ESTADO

Jorge Pereira Filho, da Redação

Nesse mesmo período, a população brasileira aumentou, anualmente, em média, em 1,22 milhão de pessoas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). DIREITO DO CIDADÃO Menos leitos, mais gente. Resultado: precariedade. “Ninguém teve coragem de propor o desmonte do SUS, mas o seu funcionamento foi desmontado”, afirma Laura Tavares, doutora em Economia do Setor Público e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A implantação de um sistema universal de saúde foi uma das principais conquistas da Constituição Brasileira de 1988, que considera a saúde um direito de todo cidadão e um dever do Estado. Antes disso, apenas trabalha-

Fotos: Miro Matiak

a última década, o sistema público de saúde foi sendo lentamente desmontado, e o que já era ruim ficou pior. Hospitais precários, filas imensas e mortes por falta de atendimento não são novidades no Brasil. Os governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso foram um retrocesso na construção de um sistema de saúde público e universal. Contribuíram muito para levar o sistema para a UTI. De 1998 a 2003 (até abril), segundo dados do Ministério da Saúde, houve uma redução de quase 10% no número de leitos cadastrados no Sistema Público de Saúde (SUS), enquanto as vagas caíram de 490 mil para 441 mil.

A falência múltipla dos órgãos da saúde pública

■ Ala de atendimento a doentes fechada no Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba

dores empregados tinham acesso ao atendimento. Hoje, Brasil, Cuba e Costa Rica são os únicos países da América Latina que adotam tal política. No caso brasileiro, porém, na prática a teoria é outra.“Não houve investimento no setor. A rede ficou 10, 12 anos sem recursos. O atendimento piorou e a classe média foi empurrada para os planos privados de saúde”, explica Laura. Para ela, a sistema está quebrado: “A saúde pública acabou neste país. Hoje, temos a volta da tuberculose, dengue, epidemais que já haviam sido erradicadas.” BONS NEGÓCIOS Enquanto isso, também a saúde virou um bom negócio. Há, no país, cerca de 40 milhões de usuários de seguros privados, segundo a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) – uma população quatro vezes maior que a de Portugal, equivalente a mais de dois terços da força de trabalho do Brasil. Estima-se que o setor movimente, por ano, cerca de 16 bilhões de dólares. A procura pelos seguros privados de saúde cresceu, mesmo sem a garantia de um bom atendimento. Os planos de saúde são os primeiros colocados em reclamações de consumidores, como no Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). “A população compra seguro-saúde, mas não reivindica o direito universal”, constata Mar ia Lúcia Rizzoto, professora-doutora do curso de Enfermagem da Universidade do Oeste do Paraná (Unioeste). FOCALIZAÇÃO O negócio da saúde só prosperou porque a política dos últimos governos foi não investir no sistema universal. “Houve muita influência do Banco Mundial e da Organização Mundial de Saúde (OMS) nesse processo. Eles

defendiam que o Estado não podia dar conta de todo o sistema de saúde. O governo Fernando Henrique até tentou mudar a Constituição, mas não conseguiu. Foi então que o banco passou a financiar programas para o Brasil com o objetivo de focalizar a saúde”, explica Maria Lúcia. O governo federal, em vez de investir na ampliação do atendimento, optou por limitá-lo a certos grupos sociais. Para a professora da Unioeste, essa foi a tônica dos dois grandes programas do Ministério da Saúde na gestão de José Serra: o Agente Comunitário da Saúde e o Programa da Saúde da Família. “São programas voltados para a população mais pobre. Pode ter funcionado em alguns locais onde não havia ninguém, mas onde há certa organização não funciona”, avalia Maria Lúcia. REDE INSUFICIENTE Laura Tavares também critica os programas de Serra.“Substituíram profissionais por agentes de saúde sem qualificação”, opina a professora da UERJ. Os Agentes Comunitários da Saúde, por exemplo, são uma equipe de assistentes que visita domicílios, dá orientações básicas e tenta identificar quais são as principais enfermidades de um grupo social. Mas o problema vem depois. “A questão é que o SUS não tem uma rede de serviços capaz de atender às necessidades das pessoas”, avalia Laura. Na sua opinião, não há uma rede ambulatorial para receber os casos menos graves. O resultado é que uma pessoa com gripe forte concorre no atendimento com outra que tem câncer. “Cerca de 80% da fila SUS não são problemas de emergência.Vão para a fila do hospital porque não contam com assistência em outro local. A saída é fazer redes ambulatoriais resolutivas, com pessoal qualificado para fazer até

pequenas cirurgias”, afirma. Outra estratégia que o governo usou para deteriorar o SUS foi o desvio de verbas destinadas à saúde pela Constituição. Se o que estivesse escrito fosse cumprido, em 2002, o Ministério da Saúde deveria receber 30% do Orçamento da Seguridade Social, ou seja, R$ 52 bilhões. A verba da pasta foi quase metade desse valor – cerca de R$ 28 bilhões. Esse dinheiro não vai para a saúde porque a receita do ministério sofreu dois duros golpes nos anos 90.“A saúde perdeu as fontes em 1993, quando o então ministro da Previdência,Antônio Britto, desvinculou do setor os recursos provenientes da contribuição de empregadores e empregados sobre a folha de salários”, lembra Laura Tavares. Antes disso, cerca de 25% do arrecadado com esse imposto era, por lei, destinado à saúde. Nessa época, FHC era ministro da Fazenda do governo Itamar. DESVIO DE ROTA O outro golpe foi a medida provisória que permitiu ao governo pegar dinheiro da seguridade social e usá-lo para outros fins, como o pagamento de juros da dívida. Em 1994, o ministro FHC enviou ao Congresso emenda Constitucional que criava o Fundo Social de Emergência (FSE), propondo o desvio, por três anos, das verbas da seguridade. O texto foi aprovado. Depois, o FSE mudou de nome, foi reformulado e continua existindo. Hoje, chama-se Desvinculação das Receitas da União, e todo ano diminui em 20% o orçamento da Seguridade Social, com graves impactos na saúde. Resultado: mais precariedade. De quebra, informa Laura Tavares, hoje, dois terços dos funcionários do Ministério da Saúde são terceirizados. “Não se contratou, nem se investiu nos últimos anos”.

PARANÁ

Hospital referência de qualidade agoniza em UTI financeira

■ Luciano Biasi, coordenador geral do hospital

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

Dimitri Stein Valle, de Curitiba (PR)

4

■ Azurita Medeiros, presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer

Sintomas da crise Leitos credenciados no SUS

Hospitais credenciados no SUS

1.998 1.999 2.000 2.001 2.002 2.003

1.998 1.999 2.000 2.001 2.002 2.003

490.565 490.790 487.058 483.306 453.084 *441.847

* Até abril. Fonte: Ministério da Saúde

6361 6433 6497 6508 6001 *5842

* Até abril. Fonte: Ministério da Saúde

rinta leitos a menos, comida bancada por entidades filantrópicas, demissões, cortes de verbas e promessas de ajuda não cumpridas. A crise não está acontecendo num hospital comum,mas no Erasto Gaertner, de Curitiba, referência no tratamento contra o câncer na região Sul, para pacientes pobres. Em média, são 15 mil pessoas à procura de atendimento por mês. A defasagem dos preços pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – que custeia 85% das despesas – seria a principal causa do problema. Por causa disso, o hospital registra déficit de R$ 300 mil mensais. A direção consegue cobrir parte do rombo com doações da comunidade, muito diálogo com fornecedores e redução da estrutura.

Há pouco mais de um mês, uma ala inteira, com 30 leitos, foi fechada. Os quartos viraram depósito de móveis. No entanto, a direção garante que quem chega continua a ser atendido, mesmo que parte do tratamento tenha de ser feito em casa ou com acomodações próximas aos 164 leitos que sobraram. A Rede Feminina de Combate ao Câncer, associação filantrópica que atua no hospital, ajuda a bancar as refeições dos pacientes. Os fornecedores, que não recebem desde fevereiro, cancelaram o serviço. “Não é uma situação exclusiva nossa.A saúde está falida em todo o país”, desabafa o coordenador geral do hospital, Luciano José Biasi. O diretor diz que está negociando com os fornecedores e espera que o governo do Estado cumpra a promessa de repassar R$ 100 mil por mês para o hospital. Em cinco meses, 100 funcionários foram demi-

tidos porque não há dinheiro suficiente para cobrir a folha de pagamento. “A comunidade precisa ajudar doando qualquer quantia”, clama Azurita Medeiros, presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer. Azurita não faz o pedido à toa. Se depender dos governos estadual e federal, o hospital corre risco de apertar ainda mais o cinto. Entre 2001 e o começo deste ano, o hospital não viu a cor de R$ 8 milhões garantidos num papel chamado “orçamento federal”. Em fevereiro passado, o envio de R$ 5 milhões reservados à compra de equipamentos foi suspenso no rearranjo orçamentário que o Ministério da Saúde fez para priorizar o superávit nas contas do governo Lula. O governo do Estado também não escapa das canetadas. Só em 2002, apenas R$ 270 mil dos R$ 730 mil prometidos foram repassados.


POLÍTICA ECONÔMICA

NACIONAL

Preocupados com os rumos do país, sobretudo com o desemprego, centenas de economistas propõem um debate com o governo e a sociedade sobre alternativas; os indicadores são cada vez piores: a produção industrial desaba, vendas no varejo continuam caindo, a inadimplência avança

Economistas pedem o fim do “totalitarismo de mercado” Anamárcia Vainsencher, da Redação

AMEAÇAS Os economistas propõem “um debate genuíno sobre medidas de política econômica, boa parte das quais decidida de comum acordo com o FMI, à revelia de qualquer instância democrática, inclusive do Congresso Nacional”. E destacam que “o mercado não debate, apenas ameaça”. Qualquer aceno de debate é descartado, face ao risco da especulação, motivo pelo qual “o mercado obtém uma franquia para continuar ditando os rumos de uma política econômica em proveito único de seus operadores, e cujo resultado para a sociedade tem sido baixo crescimento econômico e ampliação do desemprego”. Chamando a atenção para “o alto desemprego, sem preceden-

■ Livre mercado: fila do segurodesemprego no Ministério do Trabalho, em São Paulo; ao lado, catador de cooperativa de reciclagem

Fotos: Luciney Martins/Rede Rua

Brasil está sendo levado a um beco sem saída de estagnação e desemprego por uma política econômica que capitulou à insensatez do totalitarismo de mercado”. Assim começa o manifesto “A Agenda Interditada – Uma Alternativa de Prosperidade para o Brasil”, divulgado no dia 13 e assinado por quase três centenas de economistas. Nenhum deles é integrante de hostes conservadoras; ao contrário, muitos são do partido do governo, o PT, outros contribuíram para o programa de campanha petista. Após lembrar que há mais de uma década a política econômica brasileira foi pautada pelo preceito segundo o qual “o mercado, sábio e virtuoso, se deixado a si mesmo”, promoveria a prosperidade coletiva, os signatários consideram que “é hora de um balanço, e de um questionamento: até quando o crescimento com redistribuição de renda será negado à sociedade brasileira?”

tros problemas sociais e econômicos – miséria, subemprego, marginalidade, iníqua distribuição de renda, violência, insegurança”. E finalizam:“Nenhuma das medidas propostas, ou seu conjunto, são um anátema à luz da história econômica real dos países que experimentaram algum êxito econômico e social, hoje, como no passado. Desafiamos os que se escondem por trás da onipotência do deus ‘mercado’ que sustentem à luz da discussão pública e de suas conseqüências atuais e futuras suas propostas de política econômica. Queremos o debate, já”. Veja na seção Debate, à pág. 14, a íntegra do manifesto, com análise do economista José Carlos de Assis, as reações do chefe da Casa Civil, José Dirceu, e do presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, José Genoino.

Sugestões simples. E viáveis

tes em nossa história, como o mais grave problema social brasileiro”, resultado das políticas monetária e fiscal restritivas e da abertura comercial sem restrições, os economistas defendem a retomada do desenvolvimento com justiça social e estabilidade, cujo objetivo último é o pleno emprego. SAÍDAS Alternativas existem e não se resumem a mudanças tópicas em um ou alguns dos aspectos da política ortodoxa em curso. Implicam a inversão de toda a matriz da política econômica:“reforçar a interferência do Estado para corrigir as distorções

provocadas pelo livre mercado, sobretudo o alto desemprego, que compromete a estabilidade social e política do país”. O Brasil, afirmam os signatários, tem uma alternativa de política econômica de prosperidade. “O atual governo, eleito em função de expectativas de mudança, tem a responsabilidade de evitar que a crise social herdada se transforme numa crise política de proporções imprevisíveis”. E acrescentam: “Os obstáculos políticos à mudança não são maiores do que os riscos de não realizá-la”. Insistem na promoção do pleno emprego porque se trata de uma política estruturante da solução de ou-

1 Controle do fluxo de capitais externos e administração do câmbio em nível favorável às exportações; 2 Enquanto perdurar o alto desemprego, redução do superávit primário pelo aumento responsável do dispêndio público, a fim de ampliar a demanda efetiva agregada, induzindo a retomada do desenvolvimento e do emprego; 3 Ampliação dos gastos públicos nos três níveis da administração, com prioridade para a ampliação dos serviços de educação, saúde, segurança, assistência e habitação, grandes geradores de empregos, e de competência também dos Estados e municípios - o que implica a restauração da saúde financeira da Federação, inclusive mediante renegociação das dívidas de Estados e municípios para com o governo federal; 4 Redução significativa da taxa básica de juros, como complemento indispensável da política fiscal de estímulo à retomada dos investimentos privados; 5 Promoção de investimentos públicos e privados em saneamento e infra-estrutura (logística e energia); incentivo a investimentos imediatos em setores privados próximos da plena capacidade; 6 Manutenção e ampliação da política de incentivo às exportações; e substituição de importações; 7 Política de rendas pactuada para controle da inflação.

Lauro Jardim, de São Paulo (SP) simples leitura dos jornais seria suficiente para montar um pequeno necrológio econômico. As estatísticas de maio divulgadas até agora, somadas aos dados já conhecidos sobre o comportamento da indústria e do comércio em abril, mostram que a economia derrapa para uma recessão de bom tamanho. Prenda o fôlego e tente acompanhar os dados, vistos pelo ministro da Fazenda como “assimetrias de mercado” (setores ainda em crescimento já não demonstram força suficiente para compensar as perdas verificadas na grande maioria dos setores restantes), ou meras dificuldades passageiras: Papelão ondulado: usado em embalagens pela indústria, as vendas do produto despencaram 14,2% até maio de 2003, na comparação com maio de 2002. O setor é tido como uma espécie de termômetro da atividade industrial, porque praticamente todas as empresas utilizam embalagens. Eletroeletrônicos e eletrodomésticos (televisores, aparelhos

de som, geladeiras, CDs etc): a indústria reduziu suas vendas no atacado (ou seja, para o comércio) em cerca de 15%, entre janeiro e maio, frente aos mesmos meses de 2002. As vendas de aparelhos portáteis (como ferros de passar roupa, batedeiras e liquidificadores), mais baratos, desabaram 40% em maio, na comparação com abril, e ficaram 13% abaixo do resultado de maio do ano passado. A indústria do setor reviu suas previsões, que apontavam crescimento de até 2% em 2003, para queda entre 4% e 5%. Se confirmada, será o terceiro ano consecutivo de baixa, o que faria as vendas recuarem para os mesmos níveis de 10 anos atrás. Automóveis: General Motors, Volks, Ford, Renault, Peugeot/ Citröen anunciam férias coletivas para parte de seus funcionários. No mês passado, o licenciamento de veículos, que reflete as vendas reais, caiu 13,4% em relação a maio de 2002, com tombo de 50% para os importados e de 10% para os nacionais.As vendas de veículos de mil cilindradas despencaram 26% em maio. Emprego industrial: a indústria paulista voltou a demitir

em maio, quando foram fechadas mais 2.743 vagas. Nos 12 meses terminados em maio, as demissões atingiram 51.117 empregados. O total de desempregados no setor é de 1,521 milhão. Direitos em xeque: o setor patronal quer eliminar direitos trabalhistas, a pretexto de reduzir custos. Propõe a suspensão temporária do descanso semanal remunerado, parcelamento ou adiamento do pagamento de férias, redução do adicional noturno e mesmo a suspensão de contratos de trabalho por período indeterminado. Cheques sem fundo: em maio, o número de cheques sem fundos bateu um recorde de 12 anos e saltou para 3,270 milhões, 18% mais do que em maio de 2002. Inadimplência (atrasos no pagamento de compromissos e dívidas): cresce também entre as empresas. Só em maio, foram devolvidos 376 mil cheques de empresas por falta de fundos, num avanço de 17,3% em relação ao mesmo mês de 2002. Vendas a prazo: no comércio paulista, em maio, houve queda pelo quarto mês consecutivo, o que não

acontecia desde a crise de 1999, quando os juros andavam pelas alturas de 45% ao ano. Nas lojas de móveis e eletrodomésticos, que dependem de financiamento, a previsão é de um tombo de 16,6%. MÃO PESADA Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativos a abril, demonstram os efeitos da mão pesada do Ministério da Fazenda e do Banco Central na condução da política econômica.Ao contrário do que alega o ministro da Fazenda, não são “assimetrias de mercado”, mas um processo de bola de neve, revigorado pelo achatamento dos salários, desemprego e alta do custo do dinheiro (juros elevados), que arrasta as empresas, produzindo crises em série. Analisados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), uma entidade empresarial, os dados do IBGE indicam que a indústria já enfrenta uma recessão (e a crise, como visto acima, tende a se agravar em maio e junho). No geral, a produção industrial recuou 4,2% em abril,

sempre na comparação com o mesmo período de 2002. As quedas atingem, agora, produtos essenciais. A indústria de alimentos produziu 5,7% a menos em abril. A produção de remédios despencou 25,6%. A indústria de roupas sofreu corte de 35,7%.Idem com a produção de calçados, tecidos, cimento, móveis, bebidas, alimentos em conserva, açúcar, farinha de trigo, óleos vegetais e gorduras. Entre 24 setores selecionados pelo Iedi, nada menos do que 16 experimentaram queda pelo terceiro mês consecutivo, enquanto outros seis segmentos tiveram o segundo mês de retração. Daqueles 24 setores, houve aceleração no ritmo das quedas em 21 deles, e nove tiveram baixas acima de 20% em relação a abril de 2002. Um desastre real, que nem o avanço das exportações, o crescimento da produção de petróleo e da agroindústria conseguiu compensar. Entre 15 setores em crescimento selecionados pelo Iedi, mais da metade já apontava, em abril, perda de vigor, com taxas de aumento menores do que nos meses anteriores.

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

O país já está em recessão

5


NACIONAL

A mobilização dos servidores públicos realizada dia 11 foi o primeiro grande ato da categoria contrário a reforma da previdência proposta pelo governo; em seminário na Câmara Federal, Henrique Meirelles ficou falando sozinho em defesa da independência do Banco Central

REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Cláudia Jardim e Jorge Pereira Filho, da Redação manifestação de 40 mil trabalhadores, no dia 11, em Brasília, deu início a uma série de mobilizações em todo o país de servidores públicos contrários à proposta da reforma da previdência enviada pelo governo Lula ao Congresso Nacional. No dia 16, oito ministros de Lula reuniram-se com representantes sindicais para lançar a Mesa Nacional de Negociação Permanente, aberta pelo governo para tratar de temas ligados ao funcionalismo. O encontro não suavizou o tom de confronto entre as duas partes. O ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, afirmou que a Mesa não trataria de dois assuntos: a reforma da previdência e o reajuste salarial dos servidores de 2003. “A avaliação que tínhamos antes mesmo desse encontro é que seria mais um show pirotécnico do governo para a mídia”, afirma Júlio César Pacheco, do Assibge, sindicato dos trabalhadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estística (IBGE). A Mesa não alterou também os planos da Coordenação Nacional das Entidades de Servidores Federais (CNESF), que reúne 11 entidades sindicais federais de funcionários públicos com cerca de 450 mil trabalhadores. “A greve está deflagrada para o dia 8 de julho, por tempo indeterminado, porque o governo se recusou a discutir a reforma da previdência”, confirma Pacheco. REIVINDICAÇÕES Os servidores entregaram aos ministros dois documentos. Um pedia a retirada da proposta da reforma da previdência (PEC–40); outro pedia uma audiência com o presidente Luis Inácio Lula da Silva. Dirceu disse que encaminharia o pedido de audiência ao presidente. O ministro afirmou, no entanto, que discussões sobre a reforma da previdência deveri-

am ser travadas no Congresso. “Nós não vamos negociar com os deputados. A posição da plenária dos servidores federais foi de não apresentar emendas que alterem a reforma da previdência, mas sim de cobrar a retirada da PEC-40”, afirmou MarcosValério Raposo, da coordenação executiva da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União (Fenajuf). A posição da Fenajuf é a mesma de oito entidades de servidores ligadas à CNESF, como a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). “Não se pode emendar algo que já nasceu ruim. Essa reforma do governo não melhora o problema da previdência, mas sim responde a um interesse do mercado de fundos de pensão”, explica o presidente da Assibge.Apenas três entidades ligadas à CNESF, a Federação de Sindicatos de Trabalhadores de Universidades Brasileiras (Fasubra), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS) e o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal (Sindilegis) são contrárias à greve. MAGISTRADOS No mesmo dia do lançamento da Mesa de Negociação, juízes e promotores federais e estaduais fizeram protestos em 21 Estados e no Distrito federal contra a reforma da previdência. Os magistrados articulam uma greve nacional para as próximas semanadas. Os protestos reuniram cerca de 4 mil pessoas. No dia 17, magistrados abriram a maior reunião de cúpula do Judiciário, com a presença de todos os presidentes de tribunais superiores e do Colégio dos presidentes dos tribunais de Justiça estaduais. Logo após o encontro, o ministro Francisco Fausto, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, disse que a proposta do governo é “inaceitável”.

Osvaldo Birke

Servidores protestam em todo o país

■ Cerca de 40 mil servidores protestaram contra a Reforma da Previdência, em Brasília, dia 11

Manifestantes criticam rumos do governo Rodrigo Dantas e Sal Freire, de Brasília (DF) Cerca de quarenta mil pessoas vindas de todos os Estados do Brasil estavam em Brasília, dia 11, para protestar contra a reforma da previdência.A maioria absoluta dos manifestantes reunidos na Esplanada dos Ministérios votaram em Lula; e não só em 2002, mas também em 1989, 94 e 98. Afinal, os servidores públicos sempre constituíram um dos principais pilares da base social que fez do PT o maior partido de esquerda da história do país. O ato incluiu também metalúrgicos, metroviários, químicos, estudantes e toda uma série de categorias do setor privado. Foi, por isso, a primeira grande mobilização popular contra os rumos tomados pelo governo Lula. Muitos oradores repetiram que essa será apenas a primeira de muitas manifesta-

ções, caso o governo persista na linha de submissão aos interesses do capital.As faixas diziam:“Lula, mude de lado, escolha o povo e não o capital”;“Tirar do trabalhador para dar para banqueiro? O que é isso, companheiro ?”. Dezenas de vereadores, deputados estaduais, federais e senadores levaram sua solidariedade, apesar das advertências de José Dirceu. Luciana Genro, deputada federal (PT-RS), afirmou: “Vamos derrotar nas ruas a reforma da previdência”, e que estava ali “em nome das bandeiras e compromissos históricos do PT”. A senadora Heloísa Helena (PT-AL) disse que muitos dos presentes “dedicaram sua vida e puseram em risco o seu trabalho para eleger alguém como a gente. Dói profundamente em cada um de nós a primeira manifestação contra o governo”. Babá, deputado federal (PT-PA), declarou que “vamos parar, chamar greve geral no país”. O deputado fe-

deral Alceu Collares (PDTRS) afirmou que “o governo jogou na lata do lixo os compromissos com o povo que o elegeu”. Quando a palavra foi concedida a Nelson Pellegrino (PT-BA), líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados, as vaias quase o impediram de falar. O deputado dispôs-se a receber uma comissão dos servidores para que eles apresentassem suas propostas. Logo em seguida, anunciada a presença da executiva nacional da CUT e de seu presidente recém-eleito, Luiz Marinho, que vinham prestar seu apoio à luta dos trabalhadores, as vaias soaram novamente; no momento em que a palavra foi concedida a Marinho, elas praticamente não o deixaram falar. A manifestação pode ser resumido em uma frase, presente em camisetas, faixas e adesivos, nas mais variadas versões: “Agora é Luta”.

BANCO CENTRAL

Cresce a torcida contra a autonomia

BRASIL DE FATODe 19 a 25 de junho de 2003

Por Anamárcia Vainsencher, da Redação

6

uando o país for mais autônomo, talvez eu não ache a idéia de autonomia do Banco Central tão estranha”. Esse é o raciocínio central do economista Paulo Nogueira Batista Jr., professor da Fundação GetúlioVargas (FGV), uma das tantas vozes discordantes da autonomia do BC que se manifestaram em seminário sobre o tema, realizado na Câmara dos Deputados, dia 10. A favor da autonomia, o presidente do BC, Henrique Meirelles. Os debates, segundo a Agência Câmara, se concentraram no impacto da autonomia do BC sobre a democracia. Para Meirelles, a experiência internacional tem mostrado que a autonomia dos BCs tem sido a melhor forma para assegurar a gestão eficiente e transparente da política monetária. Ele disse, mais uma vez, que a instituição não pode sofrer influ-

ências políticas, e apenas executar as metas econômicas definidas pelo governo. CONTROLE SOCIAL Nenhuma instituição pode estar fora do controle social, discordou o deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), para quem as metas de crescimento e de inflação devem ser estabelecidas pelo Congresso, com uma pequena margem discricionária do BC para sua execução. De seu lado, o deputado Delfim Netto (PP-SP) criticou a idéia de independência, afirmando que a autonomia deve ser restrita a uma parcela do BC, que não pode, por exemplo, exercer papel fiscalizatório, nem definir a política cambial. O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros (ministro do governo Fernando Henrique) manifestou surpresa com o argumento de que a simples independência do BC reduziria em 100 ou 200 pontos o “risco Brasil”. A seu ver, é perigosa a correlação estabelecida por Meirelles, sobre

autonomia, controle da inflação e crescimento do PIB. Mendonça de Barros insinuou, segundo a Agência Câmara, que o presidente da República pode não compreender o impacto que uma meta de 4% para a inflação em 2004, como se especula, provocaria na política econômica, já que o cumprimento dessa meta significará a elevação das taxas de juros (usada como arma de combate à inflação). Delfim também criticou o BC por haver definido uma meta do IPCA para 2003 em 8,5%, quando tudo indica que esse percentual foi atingido em maio. Ele espera que as novas metas a serem fixadas em julho sejam mais realistas. VIROU REFÉM Diferentemente da China e da Índia, que têm em comum elementos de política econômica como moedas inconversíveis e controle de capitais, mostrou Batista Jr., no Brasil e na Argentina, a política econômica foi capturada pelo poder político-financei-

ro internacional e suas ramificações. Ele não considera o quadro irreversível, mas as dificuldades que o governo Lula enfrenta para reorientar a política econômica são um indício da dimensão dos problemas existentes. Conceder autonomia ao BC é perigoso, afirmou o economista. A autonomia ou independência do BC consolidaria a perda de controle sobre a definição dos rumos da política econômica nacional. De mais a mais, pergunta, independência ou autonomia em relação a quem? Ao poder político democraticamente eleito, ou em relação às forças financeiras que muitas vezes têm uma relação de simbiose com os BCs ? No Brasil, ocorreu um fenômeno conhecido: a captura do regulador pelo regulado. Isso acontece com freqüência onde o Estado é frágil e precário. Nesse caso, interesses privados conseguem se apropriar do BC e exercer sobre ele um controle que é prejudicial ao interesse público.

Para ele, dar mandato fixo e longo à diretoria do BC agravaria o problema. DE NOVO, O FMI Nogueira Batista alerta que o que está em curso é a tentativa de se fazer uma espécie de blindagem de órgãos vitais - agências reguladoras, Banco Central - do Estado para isolá-los da influência do eleitor. E se a preocupação é a transparência, não há porque vinculála à concessão de mandatos fixos. O Congresso pode estabelecer leis que aumentem a obrigação do BC de prestar contas à sociedade. O governo pretende mandar um projeto de Lei de Responsabilidade Monetária ao Congresso, no segundo semestre. Mais uma questão pautada por recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI), para agradar os “mercados”. “Queria ver um Banco Central do Brasil mais sintonizado com o Brasil”, desabafou o professor da FGV.


ESCÂNDALO DO BANESTADO

NACIONAL

Luiz Francisco de Souza dispara a metralhadora: o governo quer impedir que a CPI que investigará a remessa ilegal de dinheiro para o exterior vá até as últimas conseqüências, e denuncia esquemas de “caixa preta” no Banco do Brasil (BB) e no Banco Central (BC)

Ubirajara Farias, de Brasília (DF) ímido, o procurador da República Luiz Francisco de Souza fala baixo, de modo simplório. Seu gabinete é simples. Papéis por todos os lados, no chão, nas prateleiras. Ali recebe a reportagem do Brasil de Fato. Diz querer a devolução de tudo o que foi privatizado de volta ao patrimônio público. E estranha que o governo dirija seu poder de fogo contra servidores públicos e aposentados, quando poderia, a seu ver, combater o latifúndio, os corruptos. Acusa o ministro da Justiça, a quem chama de ex-advogado de milionários, de não querer a investigação da evasão ilícita de divisas via Banestado (PR). Ele está atento às manobras contra a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Banestado e promete atuar. Pretende levar o ex-presidente do BC, Gustavo Franco, aos tribunais. Brasil de Fato – Diante das denúncias de remessa ilegal de divisas via contas CC5 pelo Banestado, será que mais uma vez a sociedade será derrotada pela corrupção? Luiz Francisco de Souza – A CPI vai sair, por conta de erros que a Casa Civil cometeu. A CPI ia sair no Senado, mas foi morta, através de uma manobra. Depois, foi criada na Câmara, por conta da boa vontade ou de um erro do deputado João Paulo Cunha, que anunciou a sua criação em plenário. Mas ela tende a sair capenga. E isto porque o deputado Eduardo Valverde (PT-RO), que coletou as assinaturas para sua criação, foi afastado da relatoria, e em seu lugar foi indicado José Mentor (PT-SP), que é ligado ao José Dirceu. E como presidente da CPI foi indicado um deputado tucano. Como esta CPI visa apurar a evasão de divisas, o ideal seria apurar o problema como um todo. Isso provocaria um choque com o imperialismo e também com as causas maiores de dependência. Como diz o professor Chico de Oliveira, o Brasil tem que controlar a moeda, o câmbio, a remessa de divisas e também o capital especulativo, caso contrário não poderá retomar o desenvolvimento. O governo deveria romper com o imperialismo, fazer políticas de controle dos preços e da moeda, ampliar a intervenção econômica, a planificação participativa sobre a economia. E deveria romper com o latifúndio. É irritante ver o governo dirigir todas as suas armas contra servidores públicos e os aposentados. BF – Alguns dos interessados em impedir a investigação o atacam diretamente. Isto o intimida? LFS – Eu declarei que a família do Jorge Bornhausen tinha um banco, que não é um banco, é um tamborete, de três ou quatro agências, o Araucária, que está em processo de liquidação extra-judicial pelo BC. O Araucária foi o campeão de remessas, via Foz de Iguaçu. E este banco foi beneficiado de forma ilícita. Foi só isto o que eu falei. Se o Bornhausen ou outros têm ou não conta bancária lá fora, eu não posso falar, mas tenho conhecimento de uma lista de políticos e de altos servidores públicos dentro da relação que nós conseguimos, com muito custo, analisar. E foram apenas 5 ou 7 pessoas analisando. Há centenas de candidatos a prefeito, de senadores, deputados e outros agentes públicos que devem ser desmascarados e punidos. Então, se tiver uma CPI, muita gente vai aparecer, e é por isto que esta CPI é temida. Ela pode, conforme foi dito pelo próprio Palácio do Planalto e pela senadora Ideli Salvati (PT-SC), paralisar a reforma da Previdência. Pode gerar uma “crise de Estado”. Quando um político de alto coturno é apontado como tendo conta ilegal no exterior, cometendo crimes, entre eles a sonegação e manutenção de depósitos bancários no exterior sem declarar, o Congresso pára. Se isto acontecer, será um dos benefícios que a CPI vai trazer, porque não interessa hoje à sociedade uma reforma da Previdência como a que está sendo colocada. BF – A reforma da Previdência contribui para o processo de desmonte do Estado?

LFS – Contribui e muito! Em janeiro eu fui falar com o Ricardo Berzoini, e lhe entreguei um docu■ Luiz Francisco, em depoimento na Comissão de Ética do Senado, mento do Tribunal de Contas da após denúncias contra o senador Antônio Carlos Magalhães União que mostra que se a sonegação fosse combatida, o suposto déficit de 2001, calculado em 9 bilhões vernador do Espírito Santo, José Inácio, criava possibilidades para a de reais, seria um superávit de 90 ligado à Escuderia Le Cocq. Também tem evasão de divisas. O que bilhões. Se a União atacasse os sopessoas boas no governo, como o Cláuocorre quando uma negadores, haveria um ganho sudio Fontelles, nomeado Procurador-Geirregularidade é comunicada a perior a 100 bilhões de reais. Se ral, tem o advogado-geral da União, que um poder público? Não cria a cobrasse as dívidas acumuladas é pessoa muito boa (Álvaro). Tem o Valnecessidade da investigação? seriam mais de 100 bilhões tamdir Pires, da Controladoria. É uma pesLFS – Cria, sim. O Gustavo Franco bém. E se agisse para diminuir a soa boa, mas veja o tamanho da estrutufoi condenado pelo Tribunal de Contas isenção das instituições “pilantróra da Controladoria, é nada. Botam uma da União (TCU) por ter feito o esquema picas”, haveria outros bilhões. É pessoa boa, mas botam uma micro-esde Foz do Iguaçu. Ele criou uma portaria possível também coibir a fraude, trutura nas mãos dele que, na prática, é secreta, ilícita, e o TCU diz que ele infrinacabando com o esquema dos mépara inglês ver. O ministro da Justiça aingiu as leis, as resoluções do Conselho Modicos credenciados. São mais de da debocha do delegado Castilho em vez netário Nacional e as circulares do BC. 3 mil médicos credenciados que de apoiá-lo. Sei que Thomaz Bastos deNas época, ele era diretor de relações recebem acima de 15 mil reais, enfendeu os direitos humanos e tem seus internacionais do BC e vai ser processaquanto que o médico concursado pontos bons, mas preferia juristas mais à do por mim e outros procuradores denda Previdência recebe 2 mil reais. esquerda e combativos. tro de, no máximo, dois meses. A estruCombatendo todas tura montada lá pelo Franas fraudes, seria posco, uma estrutura torpe, teve sível economizar 15 como um dos maiores beneO banco Araucária, da família bilhões de reais. ficiários o banco Araucária,

Bornhausen, remeteu quase 10 bilhões de reais para fora do país e tem um processo dentro do BC, mas tudo isto ainda é caixa preta. O BB e o BC ainda não abriram a caixa preta. Nós requisitamos informação, sabemos que os documentos existem, e eles se recusam a enviar

BF – O que está acontecendo para, aparentemente, levar o governo atual a esquecer o combate aos privilégios do capital? LFS – O governo tem acordos com o FMI, incluindo a reforma da Previdência. Se ele rompe estes acordos ele tem que romper com o FMI, e o governo não quer romper com o FMI. Ele bota um bode na sala de tudo que é trabalhador. Imagine se não tivesse esta reforma agora: o movimento operário, a CUT, os trabalhadores, o MST, ao invés de estarem na defensiva estariam exigindo, por exemplo, o rompimento com o FMI, o não-pagamento da dívida, que os juros diminuíssem, que houvesse mais tributação sobre o capital, que tivesse investimentos sociais. Então, o governo coloca um bode para poder diminuir a pressão e nos jogar na defensiva. Já está na hora de o governo adotar uma agenda positiva! Uma avaliação recente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil mostra que a cada mês o governo paga de 10 a 15 bilhões de reais só para rolar a dívida.

BF – Por que não há uma prioridade na investigação dos descalabros do governo passado? LFS – Deveria haver. O melhor exemplo é o governo que teve aqui no Distrito Federal, do Cristovam Buarque. Ele é uma pessoa honesta e bem intencionada, mas assumiu e não investigou o governo Roriz anterior. Deu no que deu. O governo Lula não deve cometer este equívoco. Eu não sou mais ligado a partido, mas o certo mesmo é o Brasil tender para as formas de socialismo comunitário, participativo, para libertar-se do imperialismo e puxar o Terceiro Mundo. É isto o que deveria estar hoje em pauta. Cadê a agenda positiva do governo Lula? Na questão da segurança pública não tem, só uns pacotinhos que vêm lá do Ministério da Justiça. O ministro da Justiça foi advogado de milionários, do go-

BF – Como explicar o afastamento e as dificuldades colocadas aos delegados que faziam a investigação da evasão de divisas via Banestado? LFS – Eu atribuo isto ao Ministério da Justiça, talvez por desinformação ou medo de algo que interrompa a reforma da previdência. O Valdir Pires dá apoio ao delegado Castilho, outros no governo os apóiam, mas o diretor da Polícia Federal não. Foi este delegado que teve todo o mérito de ir lá nos EUA, no governo anterior, e escolher quebrar logo a conta tucana. Aí foi afastado, foi perseguido. O perito Renato também foi. Ele é um dos diretores da Associação dos Peritos da Polícia Federal. Os dois policiais expuseram ao diretor da PF, no começo deste ano, a idéia de voltar aos EUA, mas o diretor foi contra. Mas, assim que saiu uma reportagem de capa da revista Istoé, o diretor deu um salto mortal e mandou os dois para lá, mas para ficar apenas dez dias. Eu e as procuradoras Valquíria e Raquel enviamos ofícios, pressionamos, pedindo e implorando para que eles permanecessem nos EUA. Ficaram 89 dias e todo o mérito deste episódio deve-se ao delegado Castilho e ao perito Renato. Ao invés deles serem condecorados, são humilhados em praça pública pelo ministro da Justiça, que se vale do cargo para ofender dois profissionais que estão sob ataque. BF – O novo delegado no caso, Antonio Carlos Carvalho, denunciou oficialmente, na Câmara, a participação do ex-presidente do BC, Gustavo Franco, que, por meio de procedimentos administrativos,

da família Bornhausen. O banco remeteu quase 10 bilhões de reais para fora do país e que tem um processo dentro do BC, mas tudo isto ainda é caixa preta. O Banco do Brasil e o BC ainda não abriram a caixa preta. Nós requisitamos informação da auditoria, sabemos que os documentos existem, e eles se recusam a enviar. Requisitamos do BC e eles não enviam. O governo deveria mudar a estrutura da auditoria interna do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, do BNDES e deveria mudar radicalmente a dinâmica e a estrutura das diretorias de fiscalização do BC para pegar todos aqueles casos de crime do colarinho branco.

BF – Há todo um elenco de privatizações irregulares. Não há na estrutura do capitalismo brasileiro instrumentos capazes de fazer a defesa da sociedade contra a corrupção? LFS – Não. Como poderia? A corrupção sempre tem duas faces: ativa (o capitalista) e a passiva (o servidor público que vende a alma). É o sistema capitalista que gera a corrupção. O capitalismo não pode defender o interesse público porque ele é uma estrutura para destruir o interesse público. Os bens que deveriam ser de todos são assenhorados, controlados por um pinguinho. O Estado é também controlado por estas multinacionais (umas 50 controlam a metade do comércio externo do Brasil). Praticamente em tudo, aqui no Brasil, tem truste e cartel. Os capitalistas têm as maiores taxas de lucros do planeta e praticamente não pagam imposto. Vivem da espoliação, pois 60 por cento dos trabalhadores nem carteira de trabalho têm. É preciso destruir esta estrutura, destruir o latifúndio e acabar com o imperialismo e com o capitalismo. Esta é a única esperança. A corrupção, o domínio da mídia, o financiamento privado das campanhas políticas e o controle da indústria cultural são os mecanismos centrais da manutenção do poder econômico dos capitalistas. Eles têm poder avassalador porque privatizam o Estado sob diversas formas, e uma delas é a corrupção.

BF – Como deveria ser a participação popular junto à CPI do Banestado? LFS – O Getúlio Vargas, em 1952, começou a bater na evasão de capital, de divisas. Criou estatais e acabou sendo levado ao suicídio. Depois, João Goulart criou formas de controle da remessa de capitais para o exterior, e foi só fazer isto para ser derrubado pela CIA e pelas multinacionais. Ele hesitava, não fazia a reforma agrária, mas foi derrubado ao mexer com o imperialismo. Esta CPI agora, para dar certo, primeiro teria que durar uns 8 ou 9 meses, senão não gera resultados. A CPI do Narcotráfico gerou resultados porque ela durou um ano e meio. Segundo, ela tem que estar aberta à participação, tem que ouvir as lideranças operárias, especialistas na questão do imperialismo, na questão da remessa de capitais, grandes capitalistas brasileiros e narcotraficantes. Se tiver este componente a CPI ganha vida. Mas, fiquei sabendo que querem instalála agora, nos próximos dias, e já planejam suspendê-la em julho, esperando acalmar a opinião pública e depois retomam, de forma mitigada e com uns 90 dias apenas. Querem uma CPI fantasma, uma encenação, fechada, hermética. Eles querem esvaziar a parte de investigação e ficar na parte técnica para propor uns pacotinhos, quando eles deveriam aproveitar esta CPI e ir fundo pois são 30 bilhões de dólares (uns 100 bilhões de reais) que foram remetidos. Só controlando isto haverá possibilidade de um projeto de desenvolvimento. BF – O senhor falava que a CPI vai sair inclusive devido a um erro cometido pela Casa Civil. Que tipo de erro? LFS - É que eles se concentraram no Senado, enquanto na Câmara estavam sendo coletadas as assinaturas e, lá pelas tantas, o deputado João Paulo Cunha fez a leitura em Plenário, tornando o processo irreversível, caso contrário poderiam retirar as assinaturas. A partir do momento em que foi lida, mesmo se os partidos não indicam os nomes, o presidente é obrigado juridicamente a indicar por ordem alfabética. Na imprensa relataram que ele, João Paulo, perguntou ao Lula: “Está zangado comigo?”, e o Lula respondeu: “Não, mas você tem certeza que controla esta CPI? Que vai ser responsável?” E aí foi dito que sim. Aí sou eu que pergunto: por que este controle da CPI, se ela pode pegar um bocado de corruptos e políticos? Já foi divulgado nos jornais que teria o envolvimento de um Paulo Maluf, de um Wigberto Tartuce e outros. Então a CPI é o momento de se esclarecer e estas pessoas poderão ir lá para se defender. Ou eles se inocentam, ou vão se incriminar. BF – Quais outros pontos deveriam ser investigados? LFS – O governo devia abrir a caixa preta da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), do BC, da auditoria do Banco do Brasil, das privatizações, da Caixa Econômica. O Conselho Administrativo do Banco do Brasil teima em ocultar provas de crimes e de atos de improbidade, em abafar casos. A omissão também ocorre com relação às privatizações. Foram cem privatizações, todas elas lesivas. Precisamos reverter as privatizações. Por exemplo, o Getúlio Vargas fez atrocidades lá no primeiro governo, mas no segundo fez a Fábrica Nacional de Motores, a Eletrobrás, a Petrobrás, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce, que é sagrada e tem que ser devolvida ao patrimônio público. Ele foi além: Getúlio chegou a botar júri para crimes contra a economia popular, para quem violasse o controle dos preços. Se o capitalista desobedecesse iria a julgamento. Não sou getulista, mas em 1952 tinha isto! Por que este governo não pode fazer umas coisas destas?

BRASIL DE FATODe 19 a 25 de junho de 2003

Dida Sampaio

Procurador denuncia esvaziamento da CPI

7


NACIONAL

A partir de agosto, os movimentos sociais promoverão mobilizações de rua em todo o país, como parte de uma Campanha Nacional por Emprego, Renda e Salário, conforme deliberou um encontro nacional, dia 13; em Recife, a prostituição infantil faz parte do cenário cotidiano

ENCONTRO NACIONAL

Maria Luísa Mendonça, da Redação segunda reunião de movimentos sociais, realizada no dia 13 de junho, em São Paulo, definiu as linhas gerais de sua articulação, que irá promover grandes mobilizações em agosto. A iniciativa visa construir ações conjuntas a partir dos novos desafios criados após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A idéia é unir setores populares, sindicatos, pastorais sociais, artistas e intelectuais em defesa de um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil. As principais reivindicações dos movimentos são o direito ao trabalho e à distribuição de renda. Para isso, será lançada a Campanha Nacional por Emprego, Renda e Salário Digno, com uma pauta ampla, que abrange ampliação de serviços públicos, reforma agrária, apoio à agricultura familiar, incentivo a pequenas e médias empresas e redução da taxa de juros. Essa pauta inclui ainda investimentos em moradia popular e saneamento básico, demar-

cação de terras indígenas e garantia do direito à educação, saúde e seguridade social. Os participantes avaliam que a vitória de Lula é fruto de duas décadas de mobilização política, mas é preciso unificar as lutas sociais para concretizar as demandas dos movimentos. Por isso, compreendem que é necessário retomar as mobilizações como forma de enfrentar a influência exercida pelo capital financeiro e por setores reacionários sobre o governo. Uma das principais preocupações é impedir a aprovação da reforma da Previdência. “A função pública é uma conquista da sociedade, um espaço de cidadania que não pode servir de bode expiatório”, afirmou o professor Chico de Oliveira. Para ele, a Previdência “é um grande negócio” e a reforma representaria a transferência de bilhões de reais de fundos públicos para o setor privado. Segundo Oliveira, as concessões do gover no ao capital especulativo devem gerar uma grave recessão no País. Sobre a

possibilidade de o governo implementar um “plano B”, após o período da chamada “transição”, ele utilizou o conceito de “impossibilidade lógica”, desenvolvido pelo professor Paulo Arantes. “Após manter os juros a 26,5%, pagar o serviço da dívida pontualmente e cumprir todas as exigências do FMI, como o mercado entenderá uma mudança de rota?” O professor Ricardo Antunes acrescentou sua preocupação com medidas irreversíveis, como a reforma da Previdência e a independência do Banco Central, que acentuariam o poder do grande capital. Os movimentos avaliam que é preciso “organizar a esperança do povo brasileiro” e fortalecer os setores comprometidos com mudanças estruturais. Para eles, essas mudanças virão através da unidade e da construção de ações conjuntas em defesa do trabalho, terra e direitos sociais. Em preparação para as mobilizações, será realizado um encontro nacional de militantes entre os dias 26 e 27 de julho.

Moisés Araújo

Movimentos sociais anunciam mobilizações

■ Manifestação do Grito dos Excluídos, em Aparecida do Norte (SP), organizado pelos movimentos sociais

ESCÂNDALO

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

Cláudia Jardim, de Recife (PE)

8

ecife, 23h30. Debaixo de chuva, elas começam a se enfileirar na esquina da Igreja de Boa Viagem, um dos pontos turísticos da cidade. Junto dos meninos de rua que cheiram cola, meninas travestidas de mulher refletem as conseqüências da desigualdade social. A infância foi substituída pela prostituição. Cenas como essa vão ser objeto de investigação da Comissão Parlamentar Mista, anunciada no Congresso Nacional em 12 de junho, dia do combate ao trabalho infantil. A comissão vai apurar denúncias sobre redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Conhecida por estar na rota do tráfico internacional de mulheres, a cidade de Recife recebe, nesta época do ano, um número menor de turistas estrangeiros, principais “clientes” e agenciadores de prostituição de menores. No período de baixa temporada, são os próprios moradores que movimentam a prostituição de crianças e adolescentes na cidade. As adolescentes contam que o verão é o período em que conseguem ganhar mais. “Para brasileiros, o programa custa R$ 50,00 mas dos gringos a gente cobra até R$ 150 e o dinheiro do táxi”, conta Cristina, de 15 anos, que se prostitui há um ano.“Precisava sustentar o meu filho, não conseguia emprego e tinha que me virar. Conversei com um amigo e ele sugeriu que eu fizesse programa. É melhor fazer isso do que roubar”, afirma Cristina, aluna da 6ª série do ensino fundamental.“Saio da escola às 10h e venho direto pra cá, todos os dias”, acrescenta. As histórias das meninas se assemelham. Em geral, a falta de maturidade sexual e de informação resulta em gravidez precoce. Das seis meninas que estavam na esquina da

Avenida Conselheiro Aguiar, três eram mães e, outra, gestante.“Quando fiquei grávida pensei em tirar o bebê, mas não tinha dinheiro para comprar o remédio para abortar. Quando completou três meses e senti que começou a mexer, fiquei com dó e resolvi ter o filho”, conta Aline, grávida de oito meses. Na esquina em que se misturam adolescentes, meninos de rua, taxistas e “agenciadores”, o uso de drogas é freqüente e passa a ser mais um motivador da prostituição. Em frente do bar onde a mãe trabalha, Patrícia, 16 anos, conta que começou a se prostituir aos 13, quando também passou a usar drogas.“No começo, sempre usava crack ou maconha antes de fazer programa. Me viciei e, quando percebi, estava levando as coisas de casa para trocar por pedra. Agora não compro mais, só uso quando alguém me oferece”, afirma. Enquanto contava que sua mãe fingia não saber que ela se prostituía, a menina saiu para dar uma volta com um rapaz – os amigos de Patrícia disseram que ele a chamou para dividir droga. CONSENSO FAMILIAR A precariedade nas condições de vida dessas adolescentes e de suas famílias faz com que haja uma conivência dos pais quanto às alternativas de sobrevivência.“Meus pais sabem que me prostituo, mas não podem fazer nada, pois não têm condições de sustentar a mim e a meu filho. Meu pai está desempregado, minha mãe é doméstica e ganha pouco e tenho mais dois irmãos. Quando saio de casa, eles só pedem para eu ter cuidado”, relata Rosana, de 14 anos. Só no Grande Recife, 361 mil pessoas estavam desempregadas no mês de abril, o equivalente a 23,5% da população economicamente ativa, segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo Dieese.

Conforme chega a madrugada, outras meninas se aproximam, aparentando ter menos idade do que afirmam. De corpo franzino e olhar desconfiado, Josiane, 13 anos, conta que foi morar na rua quando sua mãe faleceu, há um ano, e desde então se prostitui: “Tenho mais irmãos, mas não quis ficar com eles, preferi seguir meu caminho”. Um recente estudo da OEA (Organização dos Estados Americanos), coordenado no Brasil pela ONG Cecria (Centro de Referência, Estudos e Ações sobre a Criança e Adolescente), mostra que o crime organizado utiliza pelo menos 131 rotas terrestres, marítimas ou aéreas para levar mulheres e adolescentes para mercados estrangeiros de prostituição. Recife é uma das capitais enquadradas nessa rota. PROGRAMAS TÍMIDOS Apesar de não ser um fato novo, as administrações públicas ainda não conseguiram criar um trabalho efetivo de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Segundo Cláudio Braga, diretor de planejamento do Instituto de Assistência Social e Cidadania (IASC), a prefeitura mantém um programa de abrigo para Crianças e Adolescentes e de combate à exploração sexual. No entanto, admite que esses programas são tímidos, diante do elevado número de casos.“Não temos um dado preciso quanto ao número de crianças que se prostituem em Recife, mas sabemos que isso é uma realidade. Fazemos um trabalho de assistência social nas ruas da cidade, mas convencer essas meninas não é tarefa fácil. Não basta tirá-las das ruas, temos que dar condições para melhoria da qualidade de vida, principalmente acesso a educação” avalia.A reportagem do Brasil de Fato procurou a Secretaria de Assistência Social da pre-

Anderson Guedes

Prostituição infantil torna-se um atrativo turístico do Recife

■ Adolescentes esperam “clientes” em frente da Igreja de Boa Viagem, um dos pontos turísticos de Recife feitura de Recife e nenhum dos coordenadores ligados a projetos para a infância soube responder com precisão de que maneira combatem a prostituição infantil na cidade. VIOLÊNCIA NA RUA Segundo relato das adolescentes, elas nunca foram assistidas por qulaquer programa social. Enquanto aguardam, continuam expostas a variados tipos de violência. Francisca, de 14 anos, faz programas há seis meses e revela que sente muito medo, pois não sabe o que pode

acontecer. “Muitas amigas já apanharam, foram largadas na estrada, mas fazer o quê? Rezo para não acontecer comigo, mas continuo porque preciso sobreviver. Assim que arrumar um emprego, eu largo, isso não é vida nem para bicho”, afirma. Há um ano Francisca parou de estudar, mas não perdeu a esperança de um dia poder cursar medicina. “Quero ser médica parteira, acho lindo ver uma criança nascer”, conta a menina que, aos 12 anos largou as bonecas e começou a trabalhar para ajudar a família.


INTERNACIONAL

BRASILDEFATO Ano I ■ Número 16 ■ Segundo Caderno

Parlamentares contra a Alca defendem plebiscito Sal Freire, de Brasília (DF) om a participação de dezenas de parlamentares, foi lançada, dia 17, no Congresso, a Frente Parlamentar Contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Durante o evento, o economista Paulo Nogueira Batista Jr. e o professor mexicano Alberto Arroio falaram aos deputados, senadores e representantes de movimentos da sociedade civil . Arroio afirmou que “os acordos de livre comércio são a Constituição Mundial do Capital” e detalhou os prejuízos políticos, sociais e econômicos que o Nafta (acordo similar ao da Alca) causou ao México. Paulo Nogueira Batista Jr. esclareceu diversos pontos do acordo da Alca, deixando evidente que as proposições são prejudiciais ao país.

Relacionadas às implicações de extrema gravidade que a Alca traria para o Brasil, como a perda da soberania nacional e o comprometimento definitivo de um projeto autônomo de desenvolvimento, Nogueira defendeu a proposta de realização de um plebiscito oficial sobre o tema. O economista acrescentou que os povos europeus são sempre convocados a participar de plebiscitos quando questões relevantes devem ser decididas nos seus países. Já existe, no Congresso, um projeto de lei que assegura a realização de um plebiscito oficial sobre a Alca. De autoria do Senador Saturnino Braga, (PT/RJ), o projeto está em tramitação na Comissão Mista do Mercosul. No momento, a Comissão, presidida pelo deputado Dr.Rosinha (PT/PR),aguarda o parecer da relatora, deputada Ideli Salvatti (PT/SC). Segundo entidades que fazem parte da Campanha

Contra a Alca, o parecer favorável da relatora significaria, por parte do parlamento, uma demonstração de maturidade e um voto de confiança no povo brasileiro. BOLÍVIA A mesma proposta de plebiscito foi defendida em La Paz (Bolívia), por milhares de ativistas de movimentos sociais do campo e da cidade, reunidos no Segundo Encontro Nacional contra a Alca e a guerra, realizado entre 6 e 7 de junho. Os participantes exigem que governo de Gonzalo Sánchez de Lozada convoque uma consulta nacional. Segundo o representante da Conferência Episcopal Boliviana,padre Gregorio Iriarte, a Alca é a expressão neocolonial de um projeto estritamente economicista e não de integração. O Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, também presente, disse que el Alca significa simplemente a anexação da América Latina aos Estados Unidos.

Moisés Araújo

Parlamentares lançaram, dia 17, uma frente suprapartidária contra a participação do Brasil na Alca; às vésperas do encontro com Bush, Lula propõe mecanismos para garantir maior transparência no processo de negociações; encontro em La Paz também exige convocação de plebiscito na Bolívia

SUPLICY Na mesma comissão tramita outro projeto de lei, de autoria do senador Eduardo Suplicy (PT/SP), que contempla aspectos de interesse de todos os que se preocupam com os rumos que o governo tem dado às negociações da Alca. O senador define os objetivos, métodos e modalidades da participação do governo em negociações comerciais multilaterais, regionais ou bilaterais. A iniciativa dos parlamentares foi saudada por organizações e movimentos sociais presentes ao ato. Nas palavras de Nogueira, a frente “vem preencher um vazio político-parla-

mentar, espaço que deve ser ocupado pelo parlamento brasileiro, para que se garanta, em primeiro lugar, os interesses da nação”.A criação da frente ocorre em um momento importante: depois da investida no Iraque, o governo Bush volta o seu olhar para a América Latina. A antecipação para a próxima semana do encontro que o presidente Lula teria com George Bush, em agosto, a pedido do governo estadunidense, é um indício claro do forte interesse imperialista. Lula é o primeiro presidente que se posicionou contra a guerra do Iraque a ser recebido por Bush. TRANSPARÊNCIA Entre os desconfortos causados pelo presidente brasileiro aos planos estadunidenses de imposição do acordo, destaca-se a proposta de Lula para que as negociações tenham “maior transparência”. Os países que discutem a formação do bloco comercial aceitaram a sugestão e preparam, para dia 25, uma reunião inédita, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Esse encontro abordará as negociações sobre agricultura e contará com a presença de representantes da maioria dos governos e de organizações não governamentais internacionais, como a Oxfam e a Action Aid, além de movimentos brasileiros como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Confederação dos Trabalhadores em Agricultura (Contag). Colaborou Alex Contreras Baspineiro, da Alai

■ Lideranças de movimentos sociais e organizacões não governamentais reivindicam transparências nas negociações da Alca, durante fórum social

LIVRE COMÉRCIO

Suprema Corte do Canadá acatou uma ação movida pelo Sindicato de Trabalhadores dos Correios e pela organização Council of Canadians (Conselho de Canadenses), alegando que o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Alcan ou Nafta, sigla em inglês) é inconstitucional.O processo se baseia em mecanismos contidos no capítulo 11 do Nafta, que restringem o poder dos governos para legislar sobre meio ambiente, utilização do solo, planejamento urbano e até mesmo fornecer serviços públicos para a população. Além de alegar que o Nafta restringe a soberania nacional, a ação contesta um processo movido pela United Parcel Service (UPS), uma empresa transportadora privada, contra o Serviço Postal Canadense. Através do capítulo 11 do Nafta, a UPS denuncia a prestação de serviços de correio pelo governo canadense e demanda uma indenização de 160 milhões de dólares.

O capítulo 11, que trata de investimentos, permite que empresas privadas contestem a prestação de serviços públicos, a legitimidade de sistemas judiciais locais e o poder dos governos para ditar normas ambientais, de planejamento urbano e de saúde. Somente a existência desse mecanismo já é suficiente para alterar políticas governamentais. Por exemplo, no processo movido pela empresa estadunidense Ethyl Corporation, o governo canadense decidiu revogar uma medida ambiental que restringia o uso de um aditivo tóxico produzido por essa empresa, antes mesmo do veredicto final. Portanto, quando uma medida estadual ou municipal é impugnada com sucesso, o governo federal costuma pressionar os Estados e municípios para que anulem suas normas ou legislações. O Capítulo 11 estabelece dois organismos de arbitragem: a Comissão das Nações Unidas para o Direito Mercantil Internacional e o Centro Internacional para o Acerto de Diferenças em torno de Investimentos, do Banco Mun-

dial. Os membros desses tribunais atuam como juízes e jurados ao mesmo tempo, com poderes para obrigar um país a pagar quantias ilimitadas a título de indenização. Os julgamentos são fechados para o público e para a imprensa. Este regulamento tem sido usado por empresas multinacionais para fazer reverter decisões tomadas por governos federais, estaduais e municipais no México, Canadá e Estados Unidos. O mesmo mecanismo está sendo negociado na OMC (Organização Mundial do Comércio), em acordos comerciais bilaterais (como no caso dos EUA e Chile) e na Alca (Área de Livre Comércio das Américas). O Nafta representa um importante precedente para garantir o aprofundamento do modelo neoliberal, no sentido de desmontar o Estado e transferir poder e recursos para o setor privado. As regras do Nafta exigem que os governos disponham de recursos financeiros para indenizar os investidores estrangeiros que se considerem prejudicados pelas

mentos (AMI) em 1998, a pressão pelo estabelecimento de um acordo sobre investimentos na Alca tomou força. O AMI teria imposto o mesmo modelo previsto no Nafta a vários países. Atualmente, prevendo dificuldades na negociação da Alca, as empresas multinacionais buscam a aprovação dessa mesma agenda através da OMC, no contexto das negociações da chamada “Agenda de Doha”. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estão usando a tentativa ■ Canadenses vão às ruas contra de negociar investiacordos comerciais e transnacionais mentos na OMC do petróleo, em Vancouver como um elemento de pressão contra a oposição à exfunções normativas governatensão do modelo previsto no mentais mais básicas. Como a Nafta para os países da Alca. Alca prevê esses mesmos mecaPortanto, é importante que o nismos, os outros 31 países do Brasil rejeite esse tipo de neContinente sofreriam os mesmos gociação, tanto no âmbito das tipos de processos. negociações multilaterais, Após a derrota da proposta do quanto bilaterais. Acordo Multilateral de Investi-

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

Maria Luísa Mendonça, da Redação

CMI

Suprema Corte do Canadá investiga a inconstitucionalidade do Nafta

9


IMPERIALISMO

EUA formam 100 mil militares e policiais estrangeiros por ano Paulo Pereira Lima, da Redação erca de 100 mil policiais e militares de mais de 150 países vêm recebendo, a cada ano, dos Estados Unidos, formação em técnicas de combate, métodos e doutrina policial e militar. A informação é da seção estadunidense da Anistia Internacional. Segundo o boletim da organização divulgado recentemente, esse número de “alunos” está crescendo desde 11 de setembro de 2001, com a ofensiva antiteterrorista do governo Bush e as operações militares em países como Afeganistão, Geórgia, Filipinas e Iêmen. A formação militar de estrangeiros faz parte da política exterior dos Estados Unidos desde a criação da Escola das Américas, estabelecida inicialmente no Panamá, em 1946, e com sede atual na Geórgia (EUA). A organização foi responsável pela formação de mais de 600

tado contratam-nas para colocar em ação programas de formação desenhados pelo governo. Em outros, são os próprios Estados estrangeiros que requisitam diretamente o serviço das empresas privadas estadunidenses. Baseando-se nesses dados, a Anistia Internacional pede ao governo dos EUA que aumente a transparência e preste contas sobre a formação dada a forças militares estrangeiras. Concretamente, o governo deveria promulgar a Lei de Informação sobre Direitos Humanos e a Lei de Responsabilidade sobre Formação de Forças Armadas Estrangeiras.A Anistia pede ainda para o governo investigar os antecedentes dos alunos estrangeiros e criar uma comissão independente que apure as atividades da Escola das Américas e de seus alunos no passado, em especial o uso de manuais de formação que proponham o uso da tortura e outras atividades ilegais.

militares latino-americanos envolvidos em casos de torturas e violações aos direitos humanos (leia reportagem nesta página). Além da escola, existem aproximadamente 275 academias e instalações militares ligadas aos Departamento de Estado e de Justiça e à Agência Federal de Investigação (FBI), que oferecem mais de 4 mil cursos.“Embora milhares de estrangeiros freqüentem esse cursos, muitos recebem formação de algum tipo por parte de especialistas estadunidenses em seus próprios países, por meio de programas diversos, que incluem até manobras militares”, segundo o que está escrito no relatório da Anistia. PRESTAÇÃO DE CONTAS De acordo com a entidade, empresas privadas estadunidenses também proporcionam formação a forças militares e policiais estrangeiras. Em alguns casos, os Departamentos de Defesa, Justiça e Es-

Jesus Carlos/Imagemlatina

INTERNACIONAL

A cada ano, os Estados Unidos formam em técnicas de repressão pelo menos 100 mil policiais e militares de 150 países, afirma a Anistia Internacional; mais de 60 mil militares da América Latina passaram pela Escola das Américas, inaugurada em 1946 pela governo estadunidense

■ Soldados do Exército colombiano vem recebendo treinamento militar de agentes dos Estados Unidos

Sílvio Mieli, de São Paulo (SP)

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

ara entender melhor as ironias e hipocrisias da Escola das Américas, vale a pena ver o recente filme Tiros em Columbine, de Michael Moore.A escola não é citada diretamente, mas o filme, ganhador do Oscar de melhor documentário de 2002, ajuda a compreender como, desde a colonização dos Estados Unidos, passando pela Doutrina Monroe (de 1823), se construiu um imaginário baseado no pavor, no terror e na violência e, ao mesmo tempo, como o poder público, aliado à lógica corporativa da indústria bélica, alimentou uma teoria conspiratória de segurança nacional. Com o tempo, essa teoria se transformou numa pedagogia da barbárie, exportada como ingrediente da política externa dos EUA para a América Latina, e concretizada nas matérias da escola: técnicas de contrainsurgência, exercícios para franco-atiradores; guerra psicológica; inteligência bélica e táticas de interrogatório. Tudo em nome da “estabilidade do continente”. “A ironia é que, em meio à atual guerra contra o terrorismo em terras do Leste, estamos treinando e soltando anualmente levas de futuros terroristas para as

10

terras do Sul. Ninguém acha isso uma hipocrisia?”, pergunta o reverendo Charles Booker-Hirsch, da Igreja Presbiteriana de Ann Arbor, em Michigan, nos EUA. O pastor Charles foi condenado a passar três meses numa prisão federal, além de pagar multa de 500 dólares por ter ocupado, em novembro do ano passado, a sede da Escola das Américas – em Columbus, Estado da Geórgia, durante um ato de desobediência civil. Todos os anos, em novembro, milhares de pessoas protestam em frente da Escola das Américas, também conhecida como “Escola de Assassinos” ou “Faculdade dos Golpes de Estado”. ASSASSINOS A organização é responsável pelo treinamento de mais de 60.000 militares latino-americanos envolvidos em casos de torturas e violações aos direitos humanos, num período que varre mais de 50 anos, desde os tempos da Guerra Fria até o recente Plano Colômbia. Estabelecida inicialmente no Panamá, em 1946, a escola mudou-se para a Geórgia em 1984. Entre os cerca de 60 mil alunos treinados pela organização, a lista dos mais graduados registra ditadores como Manuel Noriega, do Panamá; Hugo Banzer, da Bolívia; Romeo Lucas García, da

Jesus Carlos/Imagemlatina

Aprenda a torturar na Escola das Américas

■ Familiares de desaparecidos no Equador: Escola das Américas patrocinou violações aos direitos humanos durante mais de 50 anos Guatemala; Juan Rafael Bustillo, de El Salvador; dez assessores diretos do general Pinochet, que ajudaram a derrubar o presidente eleito Salvador Allende, em 1973, no Chile, além de soldados da Guarda Nacional de Somoza, na Nicarágua. Há mais de dez anos a organização estadunidense Observatório da Escola das Américas, fundada pelo padre jesuíta e veterano da guerra do Vietnã, Frei Roy Bourgeois, pede o fechamento

Novo nome, crimes antigos m 1999, depois de uma ampla mobilização da sociedade civil estadunidense, incentivada pelo Observatório da Escola das Américas, a Câmara dos Deputados dos EUA votou a favor do fechamento da organização. Mas uma comissão do Senado aprovou por estreita margem de votos a manutenção da escola, desde que mudasse de nome. Foi, portanto, rebatizada para Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança. Para o cientista político

Michael Parenti, apesar da mudança de nome, os objetivos continuam os mesmos. “Quando os dirigentes dizem que a escola defende os interesses estadunidenses, estão muito perto da verdade. Mas quais interesses? Garantir a segurança absoluta dos investidores corporativos, ou seja, aqueles 2% que dominam o resto do mundo”, conclui Parenti. Não por acaso, nos anos 90, a Colômbia e o México, regiões de fundamental importância estratégica para os EUA, foram os dois países com maior número de oficiais envia-

dos ao Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança. Mas a pergunta fundamental foi feita em janeiro, durante o julgamento da irmã Kathy Long.Ao longo do seu depoimento, citando um sermão do frade espanhol Antônio de Montesinos, de 1511, a religiosa disparou: “Com que autoridade fizestes tão detestáveis guerras contra essa gente, que vivia mansa e pacificamente em suas terras? Com que direito consumiram tantas vidas e causaram estragos nunca antes vistos?”. (SM)

definitivo do complexo. As manifestações anuais diante da escola sempre terminam com um ato de desobediência civil, reprimido violentamente pela polícia. Só que, desde 1995, as multas aplicadas aos manifestantes vêm sendo

acompanhadas por condenações à prisão. Entre as 43 pessoas detidas nas últimas manifestações, a religiosas Kathy Long, 55 anos; Mary Hamilton, 52 anos; e Caryl Hartjes, 67 anos, foram condenadas a três meses de prisão.

Mais de 100 brasileiros instruídos O jornalista Élio Gaspari, no livro A Ditadura Escancarada (São Paulo, Companhia das Letras, 2003), afirma que “apesar da existência de uma prolífica produção de denúncias de envolvimento direto da administração americana com as torturas brasileiras, não há prova de que um só militar ou policial tenha aprendido a bater em seus presos nos cursos de intercâmbio patrocinados pelo governo dos EUA”. Mas, no parágrafo seguinte, na página 304, acrescenta que “há provas, contudo, de que ensinamentos americanos eram deliberadamente complementares, num processo de sistematização do método de busca de informações no qual estava embutida – e entendida – a prática da tortura”. Em 1996, o Pentágono foi pressionado a liberar a consulta dos manuais de treinamento usados na escola, os quais defendiam o uso da tortura, extorsão e execução. Gaspari cita um documento de 1963 intitulado Kubak, que recomendava a importância de saber o tipo de corrente elétrica à disposição numa sala de interrogatório. Baseado na lista dos estagiários, às disposição na página do Observatório da Escola das Américas na Internet, Gaspari enumera que antes de 1964 passaram pela Escola das Américas 105 brasileiros. Entre 1965 e 1970, os oficias-bolsistas foram sessenta, entre os quais o comandante Clemente José Monteiro Filho – fundador da central de tortura da ilha das Flores, e o coronel Hélio Ibiapina, agente da repressão no Recife. (SM)


PALESTINA

Israel rejeita força de paz e Hamas é o principal alvo de ataques Jihad Islâmica, Sheikh Abdalla AlShami, os grupos palestinos reafirmaram “a necessidade de destacar a ocupação (israelense) e o compromisso do povo palestino com a opção de resistência”. O xeque Ahmed Yassin afirmou que o Hamas ainda prepara uma resposta ao encontro e destacou que o “mapa do caminho” não basta, não representa as aspirações palestinas”, numa referência ao plano de paz internacional, que prevê, inclusive, a criação de um Estado palestino soberano até 2005. Em contrapartida, Israel repetiu sua exigência de que Abbas arrisque tudo e parta para o desmantelamento dos grupos ativistas, conforme exige o plano de paz sugerido pelos EUA. O premiê palestino resiste às pressões para confrontar abertamen-

Na tentativa de “satanizar” ainda mais o grupo palestino Hamas, sob a justificativa de que são uma ameaça ao plano de paz no Oriente Médio, o presidente estadunidense George W. Bush pediu um endurecimento global contra militantes palestinos, citando especificamente o Hamas. Assim como fez após os atentados de 11 de setembro, Bush reiterou a propaganda de combate ao terror: “Aqueles que amam a paz e a liberdade devem lidar duramente com o Hamas”. O grupo palestino disse que suspenderá os ataques contra israelenses apenas quando Israel colocar fim à ocupação do território sobre o qual o grupo deseja ver fundado um Estado palestino.

te esses grupos, temendo causar uma guerra civil. ATAQUES AUTORIZADOS O governo estadunidense concedeu uma velada carta branca para que Israel “destruísse” o grupo, por meio do porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, que responsabilizou o Hamas como “principal obstáculo para os esforços de paz”. Na semana passada, uma reunião de emergência convocada pelo premier Sharon autorizava o exército israelense a usar todos os meios possíveis para “destruir completamente” a organização palestina. Todos os integrantes do grupo foram declarados alvos, inclusive seu líder espiritual, o xeque Ahmed Yassin, uma das figuras mais influentes e poderosas entre os radicais palestinos. Muhammed Muheisen/AP/AE

primeiro-ministro israelense Ariel Sharon rejeitou, dia 16, a proposta feita pela França de enviar à região uma força de paz internacional para dar início ao plano de paz no Oriente Médio.“Se a França quer ajudar, deveria usar sua influência com (o presidente palestino) Yasser Arafat para impedi-lo de destruir os esforços de paz feitos por (primeiro-ministro palestino) Mahmoud Abbas”, declarou o porta voz de Sharon. Enquanto o primeiro-ministro israelense recusava o acordo francês, prontamente aceito pela autoridade palestina,Abbas se reunia na cidade de Gaza para negociar com 13 grupos palestinos – entre

eles o Hamas, a Jihad Islâmica e o Fatah – o cessar-fogo com Israel e dar início ao plano de paz chamado “mapa do caminho”. Depois de três horas reunidos com a delegação egípcia, que reforçou a proposta de cessar-fogo em troca do fim da prática israelense de assassinar suspeitos militantes e atacar sua casas, os representantes do grupo ativista não deram sinais de que pretendem retroceder. Na semana passada, entre os 18 palestinos mortos pelos ataques aéreos de Israel, apenas quatro eram reconhecidamente militantes de grupos armados palestinos. Todos os demais eram civis inocentes, como as duas crianças de três e um ano de idade. Diante dessas ameaças, de acordo com o representante da

IRAQUE

EUA matam mais 113 O Tribunal Penal Internacional foi instalado há um ano, com juízes e um promotor, com jurisdição para investigar e julgar pessoas acusadas de genocídios, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Mas ainda não processou nenhum caso. Por outro lado, pela primeira vez desde que existe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), os EUA foram excluídos de seus quadros. Segundo a agência cubana de notícias, a Prensa Latina, o candidato estadunidense, Rafael Martínez, cubano-americano, irmão do secretário de Habitação dos EUA, Mel Martínez, só obteve 15 dos 33 votos na Comissão, que, em contrapartida, elegeu juristas do Brasil, El Salvador, Paraguai e Venezuela. Outra derrota dos EUA foi a não reeleição da guatemalteca Marta Altolaguirre, até agora presidente da Comissão, e do argentino Juan Méndez, personalidades sempre apoiadas pelo governo de Washington.

Da Redação

ANÁLISE

Eu acuso Sergio Yahni, de Jerusalém u acuso Ariel Sharon e Shaul Mofaz, respectivamente primeiro-ministro de Israel e seu ministro da Defesa, de provocarem o assassínio de dezenas de israelenses para favorecerem interesses políticos mesquinhos. Eu acuso Ariel Sharon e Shaul Mofaz de provocarem belicamente uma escalada militar entre israelenses e palestinos, para favorecer o empreendimento dos assentamentos judaicos. Quando o primeiro-ministro, Ariel Sharon, e o ministro Road Map – mapa da Defesa, da estrada: plano de paz entre Israel e a Shaul Mofaz, autoridade palestina aprovaram a apresentado pelos tentativa fraEstados Unidos, após cassada de asa invasão do Iraque sassinar o líder do Hamas, Abdel Aziz Rantizi, eles sabiam que o ataque iria pôr fim às negociações entre a oposição palestina e a autoridade nacional palestina sobre um cessar-fogo geral. Sharon e Mofaz também sabiam que a tentativa de assassínio iria pôr fim ao “Road Map”. Mais do que isso, sabem que a retaliação pelo Hamas é apenas uma questão de tempo. Como tal, são

responsáveis pelos atos de retaliação que, certamente, vão se seguir. A tentativa de assassínio ocorreu dois dias depois da conferência do Likud, durante a qual Sharon e Mofaz se deram conta de que não têm maioria no partido e no Parlamento para a implementação do “Road Map”. Ambos sabiam que implementar o “Road Map” significaria o sacrifício de suas carreiras políticas. Mas Sharon e Mofaz sabem também que a implementação do “Road Map” faz parte de uma reformulação estratégica do Oriente Médio em favor do governo dos EUA. Ambos sabem que não implementar o “Road Map” significa um choque com os EUA e, em conseqüência disso, o sacrifício de suas carreiras políticas. Somente um grande ataque contra a população civil israelense e a conseqüente escalada das hostilidades podem salvar as carreiras políticas dos líderes do Likud. Quando aprovaram o assassínio de Rantizi, ambos sabiam que um tal ataque daria legitimidade a uma escalada militar nos territórios palestinos ocupados e poria fim à implementação do “Road Map” ao mesmo tempo que permitiria pôr a culpa publicamente no “terrorismo palestino” pela conseqüente onda de violência.

A provocação de Sharon e Mofaz não surpreende ninguém. Ariel Sharon construiu sua carreira política sobre os cadáveres de palestinos e israelenses. Foi o assentamento particular de Sharon (composto de apenas uma casa), na CidadeVelha de Jerusalém, que desencadeou as motivações da eclosão da primeira Intifida e foi a visita provocadora de Sharon à mesquita de Haram Al-Sharif que desencadeou a segunda Intificada. Shaul Mofaz é contra qualquer acordo político com os palestinos. Representando o Exército israelense, julga um estado de guerra permanente como algo positivo. O comportamento criminoso do governo israelense é perigoso para palestinos e israelenses; somente a intervenção direta e indireta de forças internacionais pode impedir a violência contínua na região, que já custou milhares de vidas e vai custar mais vidas no futuro. A omissão da comunidade internacional equivalerá à cumplicidade com os crimes do governo israelense contra civis. Eu acuso Sharon e Mofaz de serem responsáveis pelas mortes de centenas de palestinos e israelenses em conseqüência de suas provocações. Sérgio Yahni faz parte do Centro de Informação Alternativa em Jerusalém

FRANÇA

Prisão ameaça Bové O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e aVia Campesina Brasil estão pedindo a todos que se manifestem e enviem mensagens ao presidente Chirac, pedindo anistia a Bové. O apelo a Chirac deve ser enviado ao embaixador da França no Brasil, Alain Rouquié, pela Internet, no endereço france@ambafrance.org.br.

Da Redação Confederação de Camponeses Franceses informa que se esgotaram os últimos recursos judiciais de apelação na condenação que o líder José Bové sofreu, de dez meses de prisão e que ele foi condenado em última instância. A administração penitenciária da França já comunicou a Bové a qual prisão ele deve se apresentar e falta apenas marcar a data. Bové foi condenado porque há alguns anos participou de uma manifestação com 500 agr icultores, que destruíram uma lavoura de arroz transgênico do Ministério da Agricultura. Nenhum dos outros 500 foi processado, mesmo eles tendo enviado um abaixo-assinado à Justiça contando que também tinham participado da destruição do cultivo.

Moisés Araújo

■ Dentro de casa, em Gaza, jovens palestinas observam o movimento na rua, cada vez mais perigosa: entre os 18 palestinos mortos pelos ataques aéreos de Israel, apenas quatro eram militantes de grupos armados; os demais eram civis, incluindo duas crianças de três e um ano de idade

nquanto no fim da segunda semana de junho o Exército estadunidense realizava uma grande operação ao Norte de Bagdá, matando 113 pessoas e capturando 400 “terroristas” com armas e munições, dos quais só 60 continuaram detidos, se anunciava na segunda-feira, dia 16, que os EUA assinaram acordos secretos com 38 países, que concedem aos cidadãos estadunidenses imunidade perante o Tribunal Penal Internacional. Apenas cinco desses países tiveram seus nomes divulgados: Egito, Mongólia, Nicarágua,Tunísia e Ilhas Seychelles. Os Estados Unidos, que não aderiram ao Tribunal Penal Internacional, o qual pune entre outros crimes internacionais os crimes de guerra, exige, para manter a sua ajuda militar, que os países que aderiram ao Tribunal assinem acordos isentando os cidadãos estadunidenses de processos perante essa alta corte internacional.

■ O ativista francês José Bové

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

Da Redação

INTERNACIONAL

Aumentam as tensões entre Israel e os grupos palestinos contrários ao acordo proposto por George Bush; Sérgio Yahni acusa: o primeiro–ministro de Israel, Ariel Sharon, e o seu ministro da Defesa, Shaul Mofaz, são os maiores responsáveis pelo impasse

11


ÁFRICA AFRICA

Cabo Verde aterrissa no Brasil Marilene Felinto, da Redação ma linha aérea direta liga uma vez por semana a cidade de Fortaleza (Ceará) a Espargos, capital da Ilha do Sal, no arquipélago de Cabo Verde, distante cerca de 500 km do continente africano do oeste. A companhia aérea, ao contrário do que se possa pensar, não é brasileira – é cabo-verdiana. Inaugurada em 2001, a linha da Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV) é um dos passos mais recentes daquele país no intuito de ir rompendo sua realidade insular para

aprofundar relações com vizinhos e se inserir no mundo das economias e dos Estados modernos. No dia 13, o presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, encontrou-se em Brasília com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ministro da Educação, Cristovam Buarque. Pires veio participar do primeiro “Fórum Brasil-África – Política, Cooperação e Comércio”, que ocorreu em Fortaleza nos dias 9 e 10. Na capital do Ceará, Pires disse ao Brasil de Fato que sua agenda com Lula era “livre”, mas que trataria das formas de como refor-

a entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Pires falou do empenho de seu governo de sensibilizar a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (Nepad, sigla em inglês) para a situação dos países insulares, do reescalonamento da dívida externa obtido recentemente, da reaproximação do Brasil com a África e de suas expectativas para com o governo Lula.

çar as relações entre os dois países. “Abordarei também a questão africana e certamente o presidente quererá saber a minha opinião sobre o que se passa no continente africano”, afirmou. As relações comerciais entre Cabo Verde e Brasil são bastante desiguais, em favor do Brasil. Na cooperação técnica, Cabo Verde mantém estreita parceria nas áreas de educação e saúde. Como o país não dispõe de universidades, o governo cabo-verdiano favorece a formação de seus quadros superiores no Brasil, por meio de Jarbas Oliveira

INTERNACIONAL

O presidente cabo-verdiano Pedro Pires encontrou-se com o presidente Lula dia 13, em Brasília; a visita de Pires ao país incluiu o Fórum Brasil-África, em Fortaleza; o turismo e a educação são as áreas de maior parceria entre os dois países

Cabo Verde concentra sua ação externa no fortalecimento da ajuda bilateral e multilateral que recebe. Tem tentado estabelecer novas parcerias estratégicas com vizinhos africanos como Senegal, Gâmbia e Angola. A economia do país ressente-se da carência de recursos naturais e depende de importações, sobretudo de produtos alimentares e bens de equipamento. Depende da ajuda externa para se equilibrar, à qual se somam as remessas dos cerca de 500 mil cabo-verdianos residentes no exterior (número maior do que os 463 mil habitantes vivendo em território nacional).

um programa chamado Estudantes-Convênio. Segundo a Divisão de África II (DAF II) do Departamento de África e Oriente Próximo, órgão do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, Cabo Verde é o maior beneficiário da cooperação brasileira na área de educação entre os membros dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Cerca de 400 profissionais cabo-verdianos já se graduaram em universidades brasileiras, e há mais de 500 estudantes em cursos superiores em todo o Brasil atualmente.

ARQUIPÉLAGO DE CABO VERDE

NORTE SANTO ANTÃO SÃO VICENTE SANTA LUZIA SAL

ILH

AS D

Espargos

SÃO NICOLAU

EB

AR

12

AP/AE

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

BF - Como o Sr. vê o governo de Luiz Inácio Lula da Silva? Pires – Bem, a figura do presidente brasileiro é conhecidíssima, não só em Cabo Verde mas também no mundo, e sobretudo naquilo que podemos chamar de mundo progressista. Portanto, essa vitória foi acolhida com grande esperança. Há uma grande expectativa e está claro que a maioria das pessoas vê nisso uma mudança da sociedade brasileira, que, eu acredito, tenha ultrapassado os preconceitos em relação àqueles que não pertencem às elites tradicionais. Vemos que na América do Sul, pelo menos, estão a emergir novos atores políticos e que podem mudar bastante a situação social nestes países, tornando-os mais justos.

BF – Em que áreas a cooperação pode crescer? Pires – Tem havido uma cooperação muito importante no nível da formação superior, profissional, e o relacionamento comercial crescido regularmente. Participaram dos dois fóruns de Fortaleza uma expressiva delegação cabo-verdiana. E há pouco tempo esteve em Cabo Verde uma delegação empresarial do Estado do Ceará. Em relação à tecnologia brasileira, entendo que os africanos, e os caboverdianos, precisam muito conhecer os avanços nesta área. Eu acredito que Cabo Verde tem muito a aprender com o Brasil e com o trabalho feito no nível da promoção social, da intervenção da sociedade na vida das comunidades. BF – Como incentivar o turismo entre os dois países? Pires – Nesse aspecto, tende a contar que nós nos encontramos numa organização comum, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Eu acho que o conhecimento da história e da literatura dos dois lados seria interessante. Do lado de Cabo Verde, os caboverdianos conhecem os músicos brasileiros quase todos e os grandes escritores como Jorge Amado,

CABO VERDE BOA VISTA

TO VEN OTA

AS

ILH

S DE

Brasil de Fato – O Sr. acha que Brasil e África estão mais próximos? Pedro Pires – Considero o fórum de Fortaleza uma iniciativa que abre o caminho a outras. O importante é que conheçamos uns aos outros. Nesse aspecto, é uma oportunidade de troca, de escutar as autoridades e os especialistas brasileiros. Apesar de todas as insuficiências, já há um conhecimento razoável da realidade africana.

LA VE

NT O

OCEANO ATLÂNTICO

ÁFRICA

MAIO SANTIAGO

FOGO

Praia

BRAVA

■ Presidente cabo-verdiano, Pedro Pires, em Fortaleza Graciliano Ramos e tantos outros. Os brasileiros têm participado bastante em festivais, como o Martinho da Vila, que já esteve lá mais do que uma vez, um artista que aprecio muito. Na verdade, é preciso insistir mais para que isso não seja conhecimento só de especialistas. Mas, voltando à ligação de transporte entre Brasil e Cabo Verde, temos neste momento um vôo aéreo semanal Fortaleza-Sal, que certamente irá induzir ao crescimento do turismo.

BF – A dívida de Cabo Verde foi refinanciada recentemente. Quanto isso ajuda? Pires – A dívida externa de Cabo Verde não é tão expressiva como a de outros países, mas tem o seu peso. Sobretudo porque o país tem de se “infra-estruturar“, e precisamos de recursos. O reescalonamento da dívida com o Bad (Banco Africano de Desenvolvimento) e o Badea (Banco

de Desenvolvimento Árabe) é importante primeiro porque facilita a obtenção de novos créditos. As dívidas externas têm sido um peso enorme para os países e dificulta o crescimento e a resolução dos problemas sociais. Há necessidade de aligeirar e reduzir, para não defender mesmo a idéia de anulação das dívidas.

contrato que a África quer fazer com a comunidade internacional é dentro de um quadro de como os africanos vêem o seu desenvolvimento e a sua integração favorável neste novo mundo. Em relação a Cabo Verde, que é uma realidade insular, entendemos que no Nepad devia haver um tratamento particular para os países insulares, porque as ilhas têm suas especificidades, suas necessidades, suas fragilidades. É o que Cabo Verde tem estado a defender e pretende, com isto, promover um encontro no próximo mês de outubro.

BF – O que espera do Nepad? Pires – É preciso insistir num esforço de mobilização por recursos internos, além certamente da necessidade de recursos do exterior. Esse

Balança Comercial Bilateral Brasil-Cabo Verde Intercâmbio Comercial (US$ mil)

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Exportações Brasileiras

9.387

7.117

4.453

5.700

7.300

3.749

Importações Brasileiras

24

16

-

-

-

21

+7.101 + 4.453 +5.700

+7.300

3.728

7.300

3.770

Saldo

+ 9.363

Total do Comércio

9.411

7.133

4.453

5.700

Fonte: MDIC/SECEX/Sistema Alice - Ministério das Relações Exteriores 51; DAOP/DAF II

Ilhas vivem verão o ano todo

Língua crioula

Arquipélago era desabitado

O arquipélago que constitui a República de Cabo Verde fica no oceano Atlântico, ao largo do Senegal e da Mauritânia (a cerca de 500 km, no oeste da África) e é formado por 10 ilhas e 5 ilhotas: Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal, BoaVista, Maio, Santiago, Fogo, Brava e as ilhotas de Branco, Raso, Secos ou do Rombo. O vulcão da Ilha do Fogo, ainda ativo, é o ponto mais elevado do país (2.829 m). Situado em zona climática árida, Cabo Verde tem poucas chuvas e padece de secas. É verão constante nas ilhas (temperatura média de 20º a 25º). Há grande identidade cultural entre os dois países. A população cabo-verdiana pode ser considerada uma das mais mestiçadas da África, com 70% de mulatos, 28% de negros e 2% de brancos. Cabo Verde é a terra de Cesária Évora, a famosa cantora de “mornas” cabo-verdianas, ritmo lento, caracterizado por letras nostálgicas e pela melancolia das cordas, que se tornou sua especialidade. Cesária ficou mais conhecida aqui ao dividir o palco com artistas brasileiros como Caetano Veloso e ■ Cesária Évora, em show em Marisa Monte. São Paulo

A língua oficial de Cabo Verde é o português, mas fala-se também o crioulo (mistura de português com uma série de línguas africanas), cujo uso vem sendo incentivado desde a independência. Uma maneira de matar a curiosidade sobre a língua cabo-verdiana é ir ao dicionário, cabo-verdiano/português, disponível no endereço: www.priberam.pt/dcvpo Exemplos: Konku 1. bater; konku na pórta: bater à porta; konku algem: bater em alguém. Pamódi 1. porquê (adv.); 2. porque (conj.); e sai pamódi e tem ki entra: se saiu então também entra, lit.“ele saiu é porque tem de entrar”. Do port. para + modo. Tizora 1. tesoura; tizora di poda: tesoura da poda, 2. pinça dos crustáceos. Do port. tesoura.

Formado por dez ilhas e cinco ilhotas, o arquipélago de Cabo Verde era desabitado quando foi ocupado pelos portugueses entre 1460 e 1462, apesar de já ser conhecido, àquele tempo, por geógrafos arábes e pelas populações africanas que ali iam explorar o sal. O movimento que levou à independência começou na década de 1950 e teve como seu mais significativo representante Amílcar Cabral (fundador do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde – PAIGC). A luta e a independência (1975) foram realizados conjuntamente pelos dois países. O primeiro presidente de Cabo Verde foi o secretário geral do PAIGC. Em 1980, foi instituído constitucionalmente o monopartidarismo, que durou, até 1990. A partir daí, emergiu um outro partido, o MPD (Movimento para a Democracia), que, em 1991, conquistou 62% dos votos para a assembléia legislativa e elegeu o presidente Antonio Mascarenhas Monteiro em duas eleições consecutivas. Em 2001 realizaram-se eleições presidenciais, vencidas, por diferença de doze votos, pelo Presidente Pedro Pires, do PAICV (novo nome do partido após o rompimento com Guiné-Bissau). Em meio a críticas ao processo eleitoral e denúncias não confirmadas de fraude, a eleição precisou ser homologada pela Comissão Nacional de Eleições, após impugnação do pleito pelo MPD junto ao Supremo Tribunal de Justiça. A atividade comercial em torno de que se estruturou a economia cabo-verdiana até o século 19 foi o tráfico negreiro, devido à posição estratégica do arquipélago entre África, América e Europa. Foram organizadas também plantações de açúcar e algodão, além de estabelecer a exportação de peles, couros, sebo, óleo de baleia e cavalos desde o século 16. Com a revolução industrial, no entanto, essas atividades pouco a pouco perderam sua importância devido à concorrência com os produtos europeus.

Para viajar: A Ilha do Sal fica a 2.851 km de Fortaleza (CE), quase a mesma distância entre São Paulo e Recife. Toda semana, a Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV) opera um vôo direto Fortaleza/Cabo Verde. Veja as condições: Preço: entre cerca de US$ 600 (ida e volta, saindo de Fortaleza) e US$ 850 (saindo de São Paulo) Tempo de vôo: cerca de 3 horas e meia. TACV Tels.: Fortaleza (85) 268-1020; Rio de Janeiro (21) 2548-4649; São Paulo (11) 3257-8855


ENCONTRO NACIONAL

Atingidos por barragens querem controle público de água e de energia ais de dois mil agricultores atingidos por barragem ocuparam a sede de Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel),

em Brasília, no encerramento de um encontro nacional, dia 13, que reuniu representantes de 17 Estados da federacão. Os agricultores querem a retomada do controle público e a reestatização do setor elétrico brasileiro, por considerarem que a água e a energia são

bens estratégicos para o país. Não podem, por isso, estar nas mãos de empresas privadas. No final do evento foi aprovada a Carta de Brasília, que sintetiza os cinco dias de debates. O documento propõe a construção de um novo modelo energético

Carta de Brasília reivindica mudança do modelo energético nacional

1 O MAB participou e comemorou com entusiasmo a eleição de Lula para a Presidência da República. O entusiasmo vem da certeza de questionamento dos velhos chefes políticos locais e regionais que, durante décadas – antes, durante e depois da ditadura militar – dominaram e oprimiram nosso povo. 2 A mudança do modelo de desenvolvimento só vai acontecer se for enfrentada com firmeza a luta pela mudança do modelo energético. É necessário mudar radicalmente a forma de produzir, distribuir e consumir energia elétrica. O modelo energético e o setor elétrico existentes foram estruturados para alimentar, apoiar e reproduzir as desigualdades regionais que caracterizam esta sociedade, socialmente injusta e ambientalmente irresponsável. O setor elétrico, além de ser responsável pela expulsão de mais de um milhão de pessoas de suas terras e moradias, de condenar a morte povos indígenas e suas culturas seculares, de destruir rios e florestas, tem alimentado a indústria de barragens – as grandes empreiteiras, as empresas de consultoria, as industrias estrangeiras de equipamentos elétricos, as agências financeiras. 3 Com a privatização do setor elétrico, levada a cabo pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, a situação se tornou ainda mais grave. As empresas privadas elevam os preços da energia, não pagam suas dívidas e enviam para o exterior o resultado de suas operações. Muitas concessões para indústrias de alumínio que, disfarçadas pelo apelido de autoprodutores ou produtores independentes, vão usar nossos rios para produzirem e exportarem alumínio para a Europa, EUA e Japão, com o apoio financeiro e político dos órgãos do próprio governo. No mesmo momento que as empresas privadas elevam as tarifas de eletricidade pagas pelos pobres, a Eletronorte, por exemplo, vende eletricidade subsidiada, abaixo do preço de custo, para Alcoa e Albras. 4 A mudança no setor elétrico deve começar com a imediata suspensão das concessões e licenciamento de novas usinas. É também urgente a revisão de toda a legislação de concessões do governo FHC e as normas de licenciamento herdadas da ditadura. 5 O MAB simultaneamente luta por: a) Políticas para o setor elétrico. • Amplo e democrático debate para a elaboração e deliberação de um projeto de reestruturação. • Execução da dívida das empresas elétricas privatizadas, com a eventual retomada do controle público e estatal. • Suspensão de novas licitações, licenciamentos e estudos até uma completa revisão dos procedimentos. • Suspensão dos subsídios aos grandes consumidores. • Educação da população para o uso racional da energia. • Priorizar investimentos e pesquisa do governo em fontes alternativas de energia. b) A mudança também exige o imediato resgate da dívida econômica e social com os atingidos e ameaçados por barragens. O MAB luta por: • Ajuda emergencial para socorrer atingidos por barragens em situação de calamidade. • Recuperação e desenvolvimento socioeconômico das comunidades atingidas por barragens. • Política de preços, com energia elétrica com baixo custo para os atingidos por barragens, trabalhadores de baixa renda e desempregados. • Reparação das perdas das populações atingidas.• Garantia de energia elétrica e água para todas as famílias do país. • Desenvolvimento de um plano nacional de educação energética e ambiental das populações atingidas ou ameaçadas por barragens. • Criação de uma linha de crédito especial para os atingidos e ameaçados pelas barragens. 6 As lideranças reunidas neste encontro se comprometem e convocam todos os atingidos do país a avançarem em suas organizações de base, em suas mobilizações e lutas, e a estreitarem seus laços de solidariedade e cooperação com a Via Campesina e com os demais movimentos populares. 7 O MAB reafirma sua identidade e unidade com os movimentos atingidos de todo o mundo, que este ano estarão reunidos no II Encontro Internacional de Atingidos por Barragens, na Tailândia. 8 O MAB reafirma os compromissos definidos na Carta da Terra, lançada no dia 11 de junho e entregue às autoridades federais. 9 Somos contra a Alca, os trangênicos e pela soberania nacional. 10 Todo o apoio e solidariedade ao povo cubano e ao socialismo. 11 Nossa solidariedade aos povos que lutam junto conosco por um mundo melhor.

tregaram a Carta de Brasília. Segundo José Hélio Mecca, agricultor e uma das lideranças do MAB, a comissão cobrou ações concretas que sinalizem mudanças no setor elétrico brasileiro. Veja, abaixo, trechos da Carta de Brasília.

MACUXI

Jovem denuncia soldado por abuso Letícia Baeta, da Redação jovem indígena macuxi Renildes Pereira da Silva, de 20 anos, procurou o Conselho Indígena de Roraima (CIR) para denunciar que foi abandonada, após engravidar de um soldado do 6º Pelotão Especial de Fronteira do Uiramutã, que fica dentro da área indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF), que se comprome-

teu a entrar com ação judicial contra o policial por discriminação e abuso sexual. O MPF também solicitou ao Ministério Público Estadual de Roraima ação para pedido de pensão alimentícia. Segundo Joência CarvalhoWapichana, advogada do CIR, esse é o primeiro caso denunciado, mas os abusos acontecem com freqüência. Os soldados trabalham em um quartel, inaugurado em maio de 2002, dentro da área indígena, a 200 metros das casas. Desde o início da construção do

quartel, em 2000, a presença dos soldados aumentou os riscos de situações de abuso sexual e estimulou também o consumo de álcool. “Os soldados iludem as índias. Às vezes, por um prato de comida, elas acabam tendo relações sexuais com eles. É uma forma de prostituição”, afirma Joênia.“Nesse caso da índica macuxi, não é só pela pensão alimentícia que nós estamos lutando. Trata-se de evitar que mais mulheres, jovens e até crianças indígenas passem por uma situação igual a essa”, completa.

Ministro garante demarcação André Vasconcelos/CIR

Deslocados compulsoriamente sem reassentamento ou reparação, ou reassentados em condições precárias, vendo nossas comunidades destruídas e nossas culturas e tradições desrespeitadas, perdendo o lugar de trabalho e meios de vida, sofrendo o ataque ao território dos povos indígenas, com os ribeirinhos obrigados a conviver com a morte dos peixes, assistindo à degradação do meio ambiente, os atingidos somos as primeiras vítimas de um desenvolvimento que se faz em benefício de um grupo de empresas. Ao analisarmos a conjuntura política nacional e a situação do setor elétrico brasileiro, nós declaramos:

para o país, que resgate a dívida social com os mais de um milhão de pessoas expulsas de suas terras pelas barragens. Uma comissão de representantes do MAB foi recebida, no dia 13, pela ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, a quem en-

■ Ministro Thomaz Bastos prometeu às lideranças indígenas de Roraima que o presidente Lula não vai decepcioná-los quanto à demarcação de suas terras

RIO GRANDE DO SUL

Sem Terra marcha contra o latifúndio Miguel Stedile, de São Gabriel (RS) itocentos trabalhadores rurais sem terra do Rio Grande do Sul iniciaram, dia 10, a Marcha Rumo ao Latifúndio, partindo do município de Pantano Grande. O destino dos trabalhadores é o município de São Gabriel, onde está a propriedade de Alfredo Southall, que teve a desapropriação suspensa pelo Supremo Tribunal Federal há duas semanas.A área de 13,2 mil hectares seria a maior desapropriada da histór ia do Estado. Além da improdutividade comprovada por laudos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o proprietário acumula mais de R$ 21 milhões em dívidas com os cofres públicos. A de-

sapropriação foi suspensa sob o argumento de que o proprietário não teria sido notificado sobre a data da vistoria. Logo após a saída da marcha, latifundiários da região e o prefeito de São Gabriel, Rossano Dotto Gonçalves, iniciaram uma campanha de terror e de conflito na região. O prefeito declarou que os sem terra “não eram bem-vindos no município” e abriu um buraco de 2 metros na rodovia estadual que liga o município à fazenda de Southall. Latifundiários e prefeitura ainda pediram o interdito proibitório de todas as fazendas do município. “Nossa intenção não é ocupar a área”, afirmou Paulo da Rosa, dirigente estadual do MST. “Queremos conversar com a sociedade, especialmente de São Gabriel, e sensibilizar a Justiça para

o absurdo que é manter aquela área improdutiva e deixar mais de quinhentas famílias acampadas e sem trabalho”, acrescenta. O clima de tensão levou o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT) a pedir ao secretário de Segurança gaúcho, José Otávio Germano (PPB), para que garanta a integridade dos marchantes. A mesma preocupação levou a CUT estadual a realizar a primeira reunião de sua nova executiva em São Gabriel, dia 17. Federações e sindicatos de todo o Estado reuniram-se para apoiar a desapropriação. “Queremos mostrar que o latifúndio é um mal para toda a sociedade e que a reforma agrária traz benefícios também para nós, trabalhadores urbanos”, declarou Milton Viário, presidente da Federação dos Metalúrgicos do Estado.

BRASIL DE FATODe 19 a 25 de junho de 2003

Cristina Bartholomay Oliveira, de Brasília (DF)

MEIO AMBIENTE

Encontro dos agricultores atingidos por barragens aprova um programa com o objetivo de mudar o sistema de exploração de energia em vigor no país, voltado para os interesses de grupos nacionais e transnacionais; barragens expulsaram mais de 1 milhão de brasileiros de suas terras

13


DEBATE

RUMOS DA ECONOMIA

Emprego e renda para o Brasil José Carlos de Assis

Kipper

á um sentimento difuso na sociedade, sobretudo nas classes médias, de que algo de errado está acontecendo no governo Lula. A razão é o alto desemprego, sem dúvida herdado do governo anterior, mas aprofundado no atual. A decepção ainda não atingiu as grandes massas, como revelam as pesquisas de opinião. Elas continuam esperançosas de que Lula produzirá o seu milagre, os dez milhões de empregos prometidos. Nós, economistas, temos por profissão usar os dados do passado e do presente para projetar o futuro. E o que vemos não nos permite compartilhar o oti-

mismo. Por isso, fizemos o Manifesto “A Agenda Interditada”. O alto desemprego é uma conseqüência direta da política macroeconômica – mais especificamente, da política fiscal de elevados superávits primários e da política monetária de juros estratosféricos (16% reais ao ano, atualmente). A taxa média de desemprego no Brasil está acima de 15% desde o ano 2000 (Censo do IBGE) e, nos últimos meses, ultrapassou 20% em metrópoles como São Paulo. Taxas tão altas só se verificaram nos países capitalistas nos anos 20 e 30 (Grande Depressão). Dirão os neoconservadores que se trata de desemprego tecnológico, estrutural ou devido aos elevados encargos trabalhistas. São argumentos cínicos, que ofendem a realidade. O motivo real é de origem macroeconômica. Como aconteceu nos anos 20 e início dos anos 30, até o New Deal de Roosevelt nos Estados Unidos. O liberalismo econômico exacerbado levou à Grande Depressão. O neoliberalismo radical de hoje, traduzido em políticas monetária e fiscal restritivas, tornou-se uma praga mundial que atinge com mais vigor os países em desenvolvimento – os que não quiseram ou não tiveram tempo de construir um Estado de bem-estar social. No Brasil, fomos empurrados para esse beco sem saída pelo governo FHC, com sua disciplinada submissão ao FMI, o pregoeiro da cartilha ortodoxa.

O que não nos permite, a nós, economistas, sermos otimistas na expectativa de bons resultados é que compreendemos, ou tentamos compreender, a relação entre a crise social de desemprego e a política macroeconômica. Quando, mediante uma política fiscal restritiva, o governo faz uma superávit primário de 4,25% do PIB, ele está retirando uns R$ 60 bilhões líquidos da sociedade – portando, reduzindo a capacidade do setor privado de gerar empregos – para pagar juros. Se os que recebem esses juros os aplicassem em investimentos, seria razoável, pois o emprego perdido de um lado seria recuperado noutro. Não é o caso. Esses juros ficam esterilizados no over. Temos assim uma tremenda máquina de transferência de renda de pobres para ricos – na medida em que os pobres também pagam tributos (indiretamente) e, obviamente, não têm aplicações financeiras que lhes rendam juros. Essa combinação de política monetária de juros estratosféricos e superávits primários gigantescos não tem paralelo na história do capitalismo, exceto no período chamado de acumulação primitiva, que é um eufemismo para a agiotagem e a pirataria. No nosso caso, essa agiotagem está sendo promovida pelo Estado, nas barbas da cidadania, como uma agressão à democracia social a que tanto aspiramos e por que tanto lutamos. O governo Lula, eleito para mudar, está mudando o acessório (as

políticas compensatórias) e mantendo ou aprofundando o essencial – a política macroeconômica. Não satisfeito com o superávit primário gigantesco herdado do Governo FHC, de 3,75% do PIB, o elevou para 4,25%. Não satisfeito com as gigantescas taxas básicas de juros herdadas, elevou-as para 26,5%. Sacralizou o método fajuto de controle da inflação por metas e inscreveu o superávit primário na Lei de Diretrizes Orçamentárias do próximo ano e no PPA para os seguintes. A um leigo isso pode parecer irrelevante. O economista sabe que isso é um compromisso com a recessão e o aumento do desemprego. O presidente do PT, José Genoino, comentando nosso manifesto, alegou que estávamos agindo como se esperássemos que Lula fosse promover o socialismo no Brasil. Santa ingenuidade. O único modelo de referência que citamos foi o New Deal, o fantástico programa de promoção de emprego e renda do presidente Roosevelt, que salvou o capitalismo americano e mundial da Grande Depressão. O que de fato queremos é, como ele, regular o capitalismo e dar ao povo brasileiro as condições de bem-estar social que os países afluentes conquistaram, no rastro do New Deal. Lula bem vale o que poderia ser o nosso Roosevelt. Mas tem que mudar. José Carlos de Assis é economista e assessor do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra

Genoíno e Dirceu criticam ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno, criticam o manifesto dos economisas. Dirceu fez referência ao Plano Cruzado para cutucar os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manoel Cardoso de Melo, signatários do manifesto e assessores do falecido Dilson Funaro, ministro da Fazenda que executou o plano de combate à inflação da gestão José Sarney. Segundo o ministro da Casa Civil, no Cruzado não foram

tomadas medidas necessárias no momento adequado e, em conseqüência, o Brasil passou anos com a sua economia desorganizada. “As idéias de controlar o fluxo de capital, reduzir juros e reduzir o superávit primário, propostas no documento, já demonstraram resultados trágicos em outros momentos da história recente do país”, afirma Dirceu. Já o presidente do PT atacou o documento pelo seu conteúdo político. De acordo com Genoíno, o manifesto deixa de considerar o

cenário da política mundial e do próprio Brasil: “Fazem propostas com relação ao câmbio e controle de capitais que o Brasil não tem condições de executar”, afirmou ele, lembrando ainda que “o governo Lula não é a transição para o socialismo”. Genoíno afirmou também que está embutida no documento “uma mistura de pressa e disputa política”. “Nós não estamos fazendo um governo de enfrentamento ou de ruptura revolucionária”, arrematou.

“A AGENDA INTERDITADA”

BRASIL DE FATODe 19 a 25 de junho de 2003

Uma alternativa de prosperidade

14

O Brasil está sendo levado a um beco sem saída de estagnação e desemprego por uma política econômica que capitulou à insensatez do totalitarismo de “mercado”. Desde os anos 90 o debate sobre alternativas de desenvolvimento foi virtualmente interditado com o recurso ao dogma de que o “mercado”, sábio e virtuoso, se deixado a si mesmo promoverá a prosperidade coletiva. Passado mais de um decênio em que o experimento neoliberal vem sendo praticado no Brasil, é hora de um balanço, e de um questionamento: até quando o crescimento com redistribuição de renda será negado à sociedade brasileira? A interdição do debate econômico nos últimos anos pretendeu desqualificar como anacrônica toda crítica a qualquer aspecto da política econômica. Hoje, repetindo o que aconteceu na última década, a sociedade vem sendo privada de participar ou acompanhar um debate genuíno sobre medidas de política econômica, boa parte das quais decidida de comum acordo com o FMI à revelia de qualquer instância democrática, inclusive do Congresso Nacional. O “mercado” não debate, apenas ameaça. E aqueles que deveriam debater em seu nome tomam a ameaça de suas reações como suficientes para cancelar o próprio debate. Os pontos-chave da política econômica são encapsulados numa cadeia de tabus porque a simples menção de discuti-los é descartada em face do risco da especulação do “mercado”, pelo que o “mercado” obtém uma franquia para continuar ditando os rumos de uma política econômica em proveito único de seus operadores, e cujo resultado para a sociedade tem sido baixo crescimento econômico e ampliação do desemprego. Basta. Queremos abrir a agenda da economia política brasileira e expor a caixa preta da política econômica ao debate aberto. É um imperativo moral que reconheçamos o alto desemprego, sem precedentes em nossa história, como o mais grave problema social brasileiro, resultante diretamente das políticas monetária e fiscal restritivas, assim como da abertura comercial sem restrições. É um imperativo político, em face dos direitos de cidadania e tendo em vista a preservação da democracia, que se promova uma política de retomada do desenvolvimento com justiça social e estabilidade, cujo objetivo último é o pleno emprego. Há alternativa. Ela não passa por mudanças tópicas em um ou alguns dos aspectos da “coerente” política ortodoxa em curso, mas pela inversão de toda a matriz da política econômica. Isso significa reforçar a interferência do Estado no domínio econômico, a exemplo do que ocorreu historicamente em situação similar com o New Deal, nos Estados Unidos, para corrigir as distorções provocadas pelo “livre mercado”, sobretudo o alto desemprego, que compromete a estabilidade social e política do País. Em linhas gerais, implicaria um conjunto simultâneo de medidas do tipo:controle do fluxo de capitais externos e administração do

câmbio em nível favorável às exportações; enquanto perdurar o alto desemprego, redução do superávit primário pelo aumento responsável do dispêndio público, a fim de ampliar a demanda efetiva agregada induzindo a retomada do desenvolvimento e do emprego; ampliação dos gastos públicos nos três níveis da administração, com prioridade para dispêndio com ampliação dos serviços de educação, saúde, segurança, assistência e habitação, grandes geradores de empregos, e de competência também dos Estados e municípios - o que implica a restauração da saúde financeira da Federação, inclusive mediante renegociação das dívidas de Estados e municípios para com o governo federal; redução significativa da taxa básica de juros, como complemento indispensável da política fiscal de estímulo à retomada dos investimentos privados; promoção de investimentos públicos e privados em saneamento e infra-estrutura (logística e energia), para assegurar a melhoria da competitividade sistêmica da economia; incentivo a investimentos imediatos em setores privados próximos da plena capacidade; manutenção e ampliação da política de incentivo às exportações; e substituição de importações; política de rendas pactuada para controle da inflação. Sustentamos que o Brasil tem diante de si uma alternativa de política econômica de prosperidade. O atual Governo, que foi eleito em função de expectativas de mudança, tem diante de si a responsabilidade de evitar que a crise social herdada se transforme numa crise política de proporções imprevisíveis, a exemplo do que tem ocorrido em outros países da América do Sul contemporaneamente, e do que ocorreu historicamente na Europa, nos anos 20 e 30. Os obstáculos políticos à mudança não são maiores que os riscos de não realizá-la. Colocamos o foco de nossas sugestões na promoção do pleno emprego porque se trata de uma política estruturante da solução de outros problemas sociais e econômicos – miséria, subemprego, marginalidade, iníqua distribuição de renda, violência, insegurança. Contudo, este não é um projeto estritamente econômico, nem um projeto fechado. É uma contribuição de economistas à busca de um novo destino nacional, base do resgate da cidadania e condição para uma sociedade solidária. Nenhuma das medidas propostas ou seu conjunto são um anátema à luz da história econômica real dos países que experimentaram algum êxito econômico e social, hoje como no passado. Desafiamos os que se escondem por trás da onipotência do deus “mercado” que sustentem à luz da discussão pública e de suas conseqüências atuais e futuras suas propostas de política econômica. Queremos o debate já. Queremos o exercício democrático da controvérsia. Chega de interdição. Rio de Janeiro/São Paulo, junho de 2003


AGENDA

Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie e-mail para agenda@brasildefato.com.br

EDUCAÇÃO Tony Barros

FAVELAS ● De 19 de junho a 1º de agosto. Abertura: dia 18 de junho O evento faz parte do Festival de Fotografia Foto Rio e tem entre os fotógrafos moradores de comunidades que trabalham como correspondentes comunitários para o portal Viva Favela (www.vivafavela. com.br). Essa página da internet trata exclusivamente de assuntos de interesse da população de baixa renda e tem como um de seus destaques a revista Comunidade Viva, feita por correspondentes comunitários, moradores de favelas e bairros pobres. Local: Centro Cultural Light, R. Marechal Floriano, 168, Rio de Janeiro (entrada franca) Mais informações: (21) 2211-4543 e 2211-7529

■ Crianças brincam de peão na Cidade de Deus

ALCA

MILTON SANTOS

DF – FRENTE PARLAMENTAR DE ACOMPANHAMENTO DAS NEGOCIAÇÕES ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS (ALCA)

SP – SEGUNDO ENCONTRO COM O PENSAMENTO DE MILTON SANTOS

Diversos deputados se uniram para aumentar as pressões para que o governo brasileiro não ratifique a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O objetivo da frente parlamentar é informar a população sobre o acordo, oferecendo mais dados e análises sobre os acordos, e apoiar campanhas contra a Alca e em defesa da soberania nacional. Integram o grupo, que foi lançado dia 17, os deputados federais Adão Pretto (PT-RS), Ari Vanazzi (PT-RS), Chico Alencar (PT-RJ), Ivan Valente (PT-SP), Jamil Murad (PCdoB-SP), Luiza Erundina (PSB-SP) e Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Mais informações: (11) 3275-4789 e 3271-1237 (Rede Social de Justiça e Direitos Humanos) ou (61) 318-5466 (gabinete de Greenhalgh).

● Dia 24 de junho, das 9h às 19h30 O evento, intitulado “O Lugar como resistência”, é uma homenagem ao geógrafo Milton Santos por ocasião do segundo aniversário de seu falecimento. O encontro é organizado pela professora de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Maria Adélia Aparecida de Souza. Santos foi um dos expoentes do movimento de renovação do estudo da Geografia no Brasil e também um dos principais pensadores a opor resistência ao neoliberalismo e a lutar contra a desigualdade social. Em seu livro Por uma Outra Globalização, Santos analisa as conseqüências das pressões do sistema financeiro sobre o Terceiro Mundo. Local: Anfitreato do Departamento de Geografia da USP, Av. Prof. Lineu Prestes, 338, São Paulo Mais informações: anaperei@usp.br ou (11) 3091-3775 (para participar, é preciso se inscrever)

DA

TRANSGÊNICOS E

● De 20 a 22 de junho O evento, que vem sendo realizado anualmente pela Comissão Pastoral da Terra do Paraná (CPT-PR), pretende reunir 120 pessoas. O tema deste ano será “Sementes, patrimônio da humanidade” e está ligado ao processo de lutas empreendido pelos agricultores paranaenses na defesa da biodiversidade e na resistência ao uso de sementes transgênicas. Local: Casa de Formação Nossa Senhora de Guadalupe (Casa de Líderes), Av. Wilson Martins, 39, Guarapuava Mais informações: (42) 623-5485

ANÁLISE SP – LANÇAMENTO DO LIVRO A VINGANÇA DA HISTÓRIA ● Dia 23 de junho, às 18h30 A Vingança da História (editora Boitempo) é o mais novo livro do cientista político Emir Sader. Nele, o pensador analisa as condições e os rumos da esquerda no Brasil e no mundo. No caso brasileiro, Sader avalia as circunstâncias que levaram Luiz Inácio Lula da Silva ao governo. Local: Livraria Cultura, Av. Paulista, 2073, São Paulo Mais informações: (11) 3170-4033

RJ – SEMINÁRIOS

Maurício Scerni

JORNALISMO SOBRE MÍDIA

O comitê do Rio de Janeiro do Brasil de Fato está realizando uma série de seminários com o intuito de debater e refletir a cobertura da grande imprensa. Com o apoio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, o comitê realizou o “Seminário Mídia de Fato – Jornalismo no pós 11 de setembro”, dia 10, na sede da ABI, no Rio de Janeiro. O objetivo do evento foi o de discutir a cobertura da mídia na invasão do Iraque. Estiveram presentes no auditório cerca de 100 pessoas, entre elas, estudantes de comunicação social, representantes de movimentos comunitários e sociais em favelas do Rio, professores e jornalistas.

■ Seminário Mídia de Fato, que aconteceu no Rio de Janeiro, dia 10

● Até 22 de junho A atividade integra as ações comemorativas dos 25 anos do Movimento Negro Unificado (MNU) e coloca a discussão da educação no Brasil a partir da visão do povo negro. Durante o evento, acontecerão palestras, aulas públicas e apresentações de diversos painéis, com a participação de professores universitários e representantes de movimentos sociais. Os interessados em participar precisam pagar uma taxa de R$ 15,00. Local: Universidade Federal de Sergipe, Av. Marechal Rondon, s/nº, São Cristóvão Mais informações: mnuseminario.se@pop.com.br ou (79) 255-4622

MORALIZAÇÃO ES – LANÇAMENTO DE CARTILHA AMARRIBO DE COMBATE À

DA

CORRUPÇÃO NAS PREFEITURAS

ÁGUA” Márcio Baraldi

PR – ENCONTRO: “BÍBLIA, TERRA

SE – SEMINÁRIO NACIONAL DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO

● Dia 25, às 15h O evento, promovido pelas entidades Transparência Capixaba, Fórum Reage ES e Movimento Nacional dos Direitos Humanos, se destina a divulgar uma cartilha de combate à corrupção e à improbidade administrativa em municípios do Espírito Santo. Local: Assembléia Legislativa do Espírito Santo, Av. Américo Buaiz,Vitória Mais informações: rafaelclaudio@transparenciacapixaba.org.br ou (27) 9949-0829

ROMARIA CE – 18A SEMANA

DO

MIGRANTE

● Até 22 de junho Com o tema “Migração e Pessoas Idosas”, a Semana do Migrante pretende despertar na sociedade um espaço para a discussão de como o deslocamento forçado marca e afeta a vida das pessoas. Entre diversas outras atividades, no dia 22, às 16h30, serão realizadas diversos eventos e festas voltados para a 1ª Romaria do Migrante (haverá uma celebração às 19h30). Local: Igreja Matriz de Horizonte e em outros locais nos arredores da cidade Mais informações: (85) 259-2400

MÍDIA GO – SEGUNDO FÓRUM COMUNICAÇÃO E ÉTICA

DE

● De 24 a 26 de junho O Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Política está programando uma série de atividades, como conferência, debates e minicursos, para discutir a questão da mídia e sua atuação na esfera política. Os principais temas do fórum são “Comunicação e Espaço Público” e “Jornalismo Sindical”. Os interessados em participar precisam se inscrever na página de internet www.npcp.kit.net e pagar uma taxa que varia de R$ 10,00 a R$ 20,00. Local: Anfiteatro Dr. Simão Campos de Mendonça, Instituto de Matemática e Estatística, campus II da Universidade Federal de Goiás, Goiânia Mais informações: npcp@uol.com.br ou (62) 521-1010

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

RJ – EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA: “POR DENTRO DA FAVELA”

15


CULTURA

Em sua quinta edição, o festival sobre cinema e ambiente de Goiás (GO), um dos mais importante de seu gênero em todo o mundo, foi marcado por denúncias de desastres ambientais provocados pela privatização da água e outros recursos

CINEMA

OS PREMIADOS O Troféu Cora Coralina, principal prêmio, foi atribuído à produção canadense, que traz à tona a questão da privatização, do poder das grandes companhias “globalizadas” e a perda das soberanias nacionais face a acordos de comércio internacional, em que leis locais de proteção ao meio ambiente e aos trabalhadores vão sendo aviltadas, em função de uma lógica perversa de comercialização de tudo o que é vivo. O longa canadense toca em como agir, frente à possibilidade de a vida humana se tornar objeto de comercialização. Numa narrativa compassada, a ponto de causar angústia, vai apresentando a gradativa e ameaçadora privatiza-

Eraldo Peres/Photo Agência

Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), que aconteceu de 10 a 15 na cidade de Goiás, encerrou sua quinta edição, mostrando-se mais maduro e firmando-se como um dos mais importantes desse gênero no mundo.“É o único no país com esse olhar específico”, diz o jornalistaWashington Novaes, consultorgeral e presidente do júri oficial, que premiou “com audácia”, segundo palavras da própria realizadora, o longa-metragem canadense The Bottom Line – Privatizing the World (Le Bien Commun L’Assault Final), de Carole Poliquin. A mostra, com 28 concorrentes, de curta, média e longametragem, trouxe à antigaVila Boa, hoje Cidade de Goiás, tombada como Patrimônio Histórico da Humanidade, representantes da filmografia européia, estadunidenses, africana e asiática, além de produções brasileiras. A produção goiana continua infelizmente pouco à altura dos prêmios específicos destinados a ela no festival.

ção de tudo, desde a vida até recursos naturais e genes. Para Carole Poliquin,“a luta contra os acordos de comércio internacional está intimamente ligada à luta pela preservação do meio ambiente”. A importância da água esteve presente em vários documentários, gênero predominante nesta edição do Fica. “Words on Water” (Sanjay Kak – Índia), Prêmio Carmo Bernardes de melhor longa,“testemunha de forma convincente a força da mobilização popular, especialmente das mulheres, numa comunidade na Índia, em defesa de seus direitos a um recurso natural decisivo para sua sobrevivência”. Ao filme “L’Acqua Che Non C’é” (Alessandra Speciale – Itália) foi atribuído o Prêmio Jesco Puttkamer, de melhor médiametragem, que recorre ao tema da privatização, mostrando a luta pelo acesso á água na periferia de uma grande cidade de Burkina Fasso, Oeste da África. A questão da reciclagem de lixo é retratada em “Minicine Tupy” (Sérgio Bloch – Brasil), ganhador do Troféu Acari Passos de melhor curta, quando conta a história de um catador de lixo que monta uma sala de cinema a partir de cadeiras e projetores antigos abandonados nas ruas e lixões. A melhor série ambiental para televisão, Troféu Bernardo Élis, ficou para “A Kalahary Family” (John Marshall – Namíbia), que reúne uma “documentação produzida ao longo de 50 anos, no acompanhamento da história de uma comunidade que renova seus impasses diante das transformações do continente africano, que inviabilizam um modo de vida e de relação com a natureza e , mais recentemente, diante das políticas preservacionistas que, na série, se apresentam como mais pautadas por uma visão mítica do passado do que pela avaliação de uma efe-

Divulgação

Lisbeth Oliveira, de Goiânia (GO)

Eraldo Peres/Photo Agência

Festival de Goiás denuncia privatização de recursos naturais

tiva melhoria da qualidade de vida dessa comunidade”. A premiação destinada às duas melhores produções goianas,Troféu José Petrillo, foi atribuída ao filme “Césio 137 – o Brilho da Morte” (Luiz Eduardo Jorge) e “Na Linha do Horizonte” (Alice Antunes). O júri oficial atribuiu ainda menção honrosa a “Alexei and the Spring” (Motohashi Seiichi -Japão), “filme de rara sensibilidade, que mergulha no cotidiano de uma comunidade camponesa, sobrevivente ao desastre de Chernobyl, que insiste em ali permanecer e em afirmar seu modo tradicional de vida”; a “Les Femmes de Bananeraies” (Luis Miranda – França), por “ retratar o drama – até hoje silenciado – das trabalhadoras em plantações de banana na Costa Rica, gravemente afetadas, elas e suas famílias, pela contaminação por produtos químicos usados por empresas multinacionais”; e ao filme “Cotidiano da Cidade” (Luiz Eduardo Lerina – Brasil), pela “sensibilidade ao retratar questões ambientais das metrópoles até aqui pouco documentadas , como

os conflitos de vizinhança, o direito à paisagem, as conseqüências da especulação imobiliária e do crescimento desordenado”. FORA DA TELA Foi lançado este ano o projeto Fica Limpo, mostrando que é possível fazer um grande evento mantendo a cidade limpa e agradável, digna de um festival ambiental. Mostras paralelas homenagearam o Cinema Novo, os 50 anos de “O Cangaceiro” (de Lima Barreto), além da realização de oficinas (de Direção, Fotografia, Linguagem Cinematográfica, etc.) e seminár ios, envolvendo o binômio cinema vs. meio ambiente, com temas como mercado audiovisual, ética e estética cinematográficas, bioma cerrado e jornalismo ambiental. O Seminário “Jornalismo, Meio Ambiente e TV” reuniu jornalistas como Zuenir Ventura (Revista Época), André Trigueiros (Globonews) e Liana John (O Estado de S. Paulo). Esta trouxe exemplos da fauna e flora ameaçados ou não de extinção, mas desconhecidas da grande maioria, e perguntou: o

■ Projeção durante o V Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, na cidade de Goiás; cena do filme Césio - O Brilho da Morte (acima) e Hot Zone, vídeodocumentário de 57 minutos (ao lado)

que falta no nosso cinema ambiental? O que está ausente e que ainda não tocou os corações? “Ninguém ama o que não conhece”, lembra ela. André Trigueiros chamou a atenção para as distorções oriundas da imagem de que meio ambiente é sinônimo de fauna e flora, algo externo ao homem. Para ele, o jornalismo ambiental “vai contra a maré. Tem um componente subversivo” e, citando Muniz Sodré, quando reflete sobre a lógica do medo frente à avalanche de notícias da atualidade, lembra a importância de resgatar assuntos essenciais que estão fora da mídia. Zuenir Ventura apresentou a “autocrítica de uma geração alienada em relação ao meio ambiente”, trazendo sua experiência pessoal de aproximação com o jornalismo ambiental. Para o jornalista, o excesso de informação que temos hoje produz “ruídos” na comunicação: “O melhor jornal hoje seria de explicação e não de informação”, afirma ele. Lisbeth Oliveira é jornalista e professora da Faculdade de Comunicação da UFG, Goiânia, GO

BRASIL DE FATO De 19 a 25 de junho de 2003

João Alexandre Peschanski, da Redação

16

nquanto grande parte dos políticos se mantém calada, cineastas dos Estados Unidos ousam enfrentar um dos principais mal-estares desse país: por que as crianças estadunidenses matam umas às outras? Os filmes “Tiros em Columbine”, de Michael Moore, e Elephant, de Gus Van Sant, respectivamente vencedores do Oscar de melhor documentário e da Palma de Ouro (principal prêmio de cinema da França), abordam o mesmo tema: o massacre do dia 20 de abril de 1999, na escola Columbine, em Littleton (Centro-Oeste dos EUA). Nesse dia, após a aula, os estudantes Er ic Har r is e Dylan Klebold, de 18 e 17 anos, munidos de dois rifles e duas armas semi-automáticas, saíram atirando pelos corredores, na lanchonete e dentro da biblioteca da escola. Dispararam mais de 900 vezes — mataram 12 colegas, um professor e depois se suicidaram. Elephant, ainda inédito no Brasil, mostra que, até a hora do mas-

sacre, o dia tinha sido normal. E é justamente as tensões e crises dessa “normalidade” que o diretor Sant analisa. No decorrer do filme, o cineasta faz um acompanhamento psicológico de Har r is e Klebold. A estratégia de Moore é outra: ele usa o caso de Columbine para escancarar a obsessão estadunidense por armamentos. O diretor de Tiros em Columbine analisa o modo como a sociedade, armada e acuada pela cultura do medo, reage à combinação de imperialismo, consumismo e sensacionalismo da mídia. Apesar de toda a repercussão, esses dois filmes não conseguem competir com as grandes produções estadunidenses, em geral apologias à violência. Até agora, o filme de Moore arrecadou o equivalente a R$ 50 milhões, quantia bastante considerável, mas ínfima se comparada a R$ 1,4 bilhão de lucros do longa-metragem estadunidense Matrix. O PÓS-COLUMBINE Massacres como o de Columbine são cada vez mais comuns nos EUA. Segundo o Pro-

jeto Bairros Seguros, do governo federal estadunidense, desde 1995, já ocorreram cerca de 50 casos como o de Littleton. Em 1998, na escola Westside, em Jonesboro (Sul do país), dois garotos, de 13 e 11 anos, assassinaram quatro colegas e sua professora. Aos policiais, eles disseram não saber o que faziam. No ano anterior, um adolescente de 14 anos invadiu sua escola em Paducah (Centro-Leste dos EUA) e matou três jovens. Para impedir casos como esses, o presidente estadunidense, George W. Bush, adotou medidas enérgicas: aumentou a vigilância em escolas e desenvolveu órgãos gover namentais que acompanham crianças com problemas psicológicos. Ele também financia um teste – a 8 dólares por pessoa – que “detecta” se um jovem é um potencial assassino. No entanto, até agora, Bush não mexeu no que Moore avalia serem as principais causas desse tipo de violência nos EUA: a facilidade de se conseguir armas no país e o excesso de imagens com agressividade na televisão.

Divulgação

Nos EUA, crianças produzem massacres

■ Cartaz do filme Tiros em Columbine, de Michel Moore


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.