BRASILDEFATO Ano I ■ Número 15 ■ São Paulo ■ De 12 a 18 de junho de 2003
Circulação Nacional
R$ 2,00
Bancos desafiam Lula e mantêm juros extorsivos Apesar das advertências feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da
CONGRESSO DA CUT Ricardo Stuckert/ABR
Silva, os banqueiros não dão o menor sinal de que pretendem diminuir taxas de juros que lhes rendem lucros astronômicos. Lula chegou a afirmar que usaria o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para forçar a queda. Para o ministro do Planejamento, Guido Mantega, as taxas cobradas pelos banqueiros são “um assalto à mão armada”. A proposta de Lula, que mostra como é importante que o governo federal controle o sistema de crédito, encontra resistência também na Fazenda e na cúpula dos bancos estatais, afinada com as políticas implementadas por aquele ministério. Jorge Mattoso, presidente da CEF, disse que a sua instituição pretende “preservar e ampliar seus lucros”. Em defesa do Besc – Com muita criatividade e mobilização, sindicalistas e a população de Santa Catarina conseguiram evitar a privatização do Banco do Estado. Eles cobram do governo federal ações mais enérgicas para revitalizar o banco, submetido a uma política predatória do governo anterior. Pág. 4 ■ Luiz Inácio Lula da Silva abre o 8º Congresso da Central Única dos Trabalhadores, dia 4, em São Paulo. Os 2.712 delegados elegeram Luiz Marinho para presidente e rejeitaram a tradicional bandeira de suspensão do pagamento da dívida externa e a campanha para um plebiscito oficial sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Pág. 7
Bolivianos querem nova Constituição Organizações sociais da Bolívia fundaram, dia 2, um movimento nacional que pretende levar o país a uma “verdadeira independência econômica e política” frente às políticas neoliberais implementadas pelos últimos governos de direita. O Estado Maior do Povo, que reúne as principais instituições de esquerda, reivindica, entre outras coisas, a formação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Pág. 11
Depois do corte de verbas feito pelo governo do Estado de São Paulo, a emissora pública mantida pela Fundação Padre Anchieta praticamente não tem condições de continuar funcionando. Os funcionários pedem auditoria para apurar irregularidades. Pág. 16
Veja na seção Debate, pág. 14, as propostas de Laurindo Leal Filho e Beto Almeida para uma política de TV pública no Brasil
Redução desnecessária de pessoal prejudica o Estado DESMONTE DO ESTADO
As despesas com servidores públicos despencam, em nome do saneamento da folha de pagamento. Porém, o Estado gasta com pessoal menos do que o permitido por lei – o que resulta em um prejuízo para o serviço público, enquanto o governo destina recursos para pagar a dívida externa. Pág. 5
Governo adota programas gratuitos de computadores O uso e o desenvolvimento de programas de computação gratuitos, chamados de software livres, são diretrizes políticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem garante é Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (INTI), que representou o governo no IV Fórum Internacional de Software Livre, realizado em Porto Alegre (RS), dias 8 e 9. O evento se transformou em uma verdadeira plataforma de resistência ao domínio da corporação Microsoft sobre os computadores. Pág. 13
E mais: CARTA DA TERRA – Dezenas de movimentos sociais lançam um documento em que exigem do governo a reforma agrária e o fortalecimento do mercado interno. Pág. 3 REFORMA TRIBUTÁRIA – O economista José Pascoal Vaz diz que o povo brasileiro paga mais impostos do que a elite e defende ações do Estado para acabar com a desigualdade. Pág. 5 UM OUTRO PAÍS – Representantes do governo buscam apoio para o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) que, prometem, mudará os rumos do desenvolvimento brasileiro. Pág. 6 ORIENTE MÉDIO – O exército israelense faz das crianças palestinas seus alvos preferenciais. Só em 2002, assassinou 83 menores de 13 anos. Pág. 9 CALOTE – Autoridades estadunidenses se negam a dar salários a soldados iraquianos, que prometem iniciar ataques suicidas caso não sejam pagos. Pág. 10 CHILE – A jornalista chilena Patrícia Verdugo analisa a ditadura que assolou seu país durante quase 20 anos e critica a submissão do atual governo ao modelo neoliberal. Pág. 11
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
Realizado em Fortaleza (CE), dias 9 e 10, o I Fórum Brasil-África: Política, Cooperação e Comércio demonstrou a estreita sintonia que o governo brasileiro pretende estabelecer com o continente. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o ministro Celso Amorin, das Relações Exteriores, afirma que o Brasil quer negociar com a África para “dinamizar as relações entre os dois países”. Pág. 12
TV Cultura corre risco de fechar
Márcio Baraldi
Fórum estreita relações entre Brasil e África
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Fala, Zé! Ohi
NOSSA OPINIÃO
O Estado contra os Dráculas O Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) deveriam baixar suas taxas de juros, para assim forçar a redução das taxas escorchantes cobradas pelo sistema financeiro privado. A proposta foi feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 3, durante uma reunião com empresários, em São Paulo. Depois de Lula, outros porta-vozes do governo federal atacaram a ganância dos banqueiros. O ministro Guido Mantega, do Planejamento, declarou que os juros cobrados pelo sistema financeiro privado são “um assalto à mão armada”. Não há como negar. O sistema financeiro privado obtém lucros astronômicos no Brasil. Os bancos transnacionais operam neste país suas transações mais rentáveis. Segundo dados fornecidos pelo Banco Central, o lucro dos bancos aumentou 18,7% no primeiro trimestre, com ganhos de R$ 4,78 bilhões. No mesmo período, a receita obtida, sobretudo, com títulos públicos, foi de R$ 27,27 bilhões, quase 24% acima da receita auferida no mesmo período de 2002. Trocando em miúdos: enquanto a economia do país está em crise, e o desemprego atinge a casa dos 20%, os banqueiros nadam em dinheiro. São os Dráculas contemporâneos: vivem do sangue que sugam da nação. Mas a proposta do presidente Lula – que, aliás, encontra sérias resistências por parte do Ministério da Fazenda e da cúpula das duas instituições estatais – não é importante apenas pelo efeito imediato que ela teria sobre a economia. Ela também demonstra a importância de se preservar o controle do crédito nas mãos do Estado. Se hoje Lula pode acenar com a perspectiva de mobilizar o BB e a CEF, é porque as instituições não foram privatizadas, permanecem sob o controle do governo federal. Em nome dos interesses gerais do povo brasileiro, o governo pode – e deve – intervir, mesmo que isso diminua os lucros dos bancos estatais: a sua lógica administrativa não é regida pela busca do lucro desenfreado, mas pelas necessidades estratégicas do país. Essa mesma questão recoloca o debate sobre a proposta de autonomia do Banco Central, defendida por parte do Congresso e por setores do governo federal. O Fundo Monetário Internacional e o conjunto das instituições que regulamentam o sistema financeiro globalizado advogam a autonomia do BC frente ao governo. Seguem a doutrina neoliberal, segundo a qual o Estado deve entregar a condução da economia ao “livre mercado”, abrindo mão de seu direito e dever de intervir. Ora, um BC autônomo não teria qualquer compromisso com o povo, mas com os resultados das operações financeiras. Sua lógica é a do lucro – jamais a da distribuição de renda. A proposta de Lula, por colocar no centro do debate a responsabilidade do Estado, explicita a tensão entre a vocação do governo democrático e popular e a voracidade do capital. Sem instrumentos para intervir, o governo torna-se refém dos banqueiros.
BRASILDEFATO CONSELHO POLÍTICO: ■ Achille Lollo ■ Ari Alberti ■ Ariovaldo Umbelino ■ Assunção Ernandes ■ Aton Fon Filho ■ Augusto Boal ■ Cácia Cortez ■ Carlos Marés ■ Carlos Nelson Coutinho ■ Celso Membrides Sávio ■ Claus Germer ■ Dom Demétrio Valentini ■ Dom Mauro Morelli ■ Dom Tomás Balduíno ■ Edmilson Costa ■ Elena Vettorazzo ■ Emir Sader ■ Egon Krakhecke ■ Erick Schunig Fernandes ■ Fábio de Barros Pereira ■ Fernando Altemeyer ■ Fernando Morais ■ Francisco de Oliveira ■ Frederico Santana Rick ■ Frei Sérgio Gorgen ■ Horácio Martins ■ Ivan Valente ■ Jasper Lopes Bastos ■ ■ João Alfredo ■ João Capibaribe ■ João José Reis ■ João José Sady ■ João Pedro Stedile ■ Laurindo Lalo Leal Filho ■ Leandro Konder ■ Luís Alberto ■ Luís Arnaldo ■ Luís Carlos Guedes Pinto ■ Luís Fernandes ■ Luis Gonzaga (Gegê) ■ Marcelo Goulart ■ Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind ■ Mário Maestri ■ Nalú Faria ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs ■ Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
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Cartas de leitores BOICOTE AO “PROVÃO” Acreditamos ser fundamental que as universidades sejam avaliadas para garantir a formação de profissionais capacitados, responsáveis e com pensamento crítico. No entanto, a questão é: os critérios de avaliação propostos dão conta de identificar a qualidade dos profissionais que estão indo para o mercado? A formação profissional como processo não é avaliada, já que o exame é fundado em uma prova ao final de um longo curso. Os conhecimentos produzidos regionalmente pelas universidades também não são considerados, afinal, trata-se de uma prova padronizada que homogeneiza o ensino superior. Além disso, tal avaliação tem sido usada a favor da chamada “máquina de cursinhos”. Isso é bastante perigoso na medida em que as instituições deixem de se preocupar em formar profissionais efetivamente capacitados e passem a “adestrar” indivíduos para fazerem uma prova. Diante de tudo isso, não faremos o “provão” por considerarmos esse sistema de avaliação inadequado. Alunos da Faculdade de Psicologia da PUC-SP
SAUDAÇÕES Finalmente contamos com a excelência de um informativo verdadeiro e comprometido com o que há de mais avançado neste país. A trajetória profissional de alguns dos responsáveis pelo Brasil de Fato confirma a credibilidade do trabalho. Esperamos que realmente consigamos garantir a permanência deste veículo para o bem e saúde dos que, como eu, necessitam de matérias objetivas e não maculadas pela grande mídia. Carlos Alexandre Gomes Secretário Político do PCB de São José do Rio Preto Tomei conhecimento da existência do Brasil de Fato em um Boletim do Deputado Frei Sérgio (PT/RS). Achei a iniciativa superinteressante e penso que pode ser um embrião de um grande jornal de esquerda, que possa ser lido por muita gente e tornar-se um jornal diário capaz de disputar o mercado com os tradicionais que hoje temos. Nenhum outro momento foi tão propício como este para se lançar um jornal com com este perfil. Pedro Dornelles, Capão da Canoa (RS)
RADICAIS DO PT A expulsão dos “radicais” significaria um duro golpe na história do exglorioso PT. Sabemos que o governo não é só do PT, mas o partido é o carro-chefe, e Lula não foi eleito para a manutenção do modelo neoliberal e, sim, para combatê-lo. Não esperava muito de um governo com José Alencar de vice, mas também não esperava um governo tão ortodoxo economicamente. O PT, que sempre zelou pela ética na política, age com totalitarismo contra aqueles que ainda brigam por esse ideal tão defendido no passado. Eu estou com Babá, Luciana Genro, Lindberg Farias, Heloísa Helena, entre outros, e sou radicalmente contra a expulsão deles. Enquanto isso, a verdadeira esquerda se fortalece sem o empecilho da “pseudo-esquerda”. Desejo que esses verdadeiros militantes do PT se juntem a um partido socialista e lutem pelo ideal marxista.A dialética marxista nos ensina: o capitalismo chegará ao seu fim e não vai ser o PT que vai destruí-lo, mas sim contribuir bastante para a sua manutenção. Fábio Mascaro Querido, São Simão (SP)
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SEGURANÇA ALIMENTAR
NACIONAL
Resultado de uma unidade histórica entre as entidades de luta pela terra no Brasil, foi elaborada a Carta da Terra, entregue ao governo no dia 11, que contém reivindicação para viabilizar a Reforma Agrária; projeto de lei sobre transgênicos está sendo preparado sem o debate com a sociedade
Carta da Terra anuncia luta por um Plano Nacional de Reforma Agrária que limite o tamanho das propriedades rurais através de emenda constitucional e o confisco integral de todas as terras em que houver trabalho escravo, exploração de trabalho infantil, cultivo de plantas psicotrópicas e daquelas usadas para práticas de contrabando ou adquiridas mediante práticas ilegais; 2 o respeito aos direitos humanos no campo, combatendo todas as formas de violência e o fim da impunidade; o reconhecimento e a demarcação das terras das comunidades indígenas e das áreas de remanescentes de quilombos; a criação de reservas extrativistas; a formulação de políticas públicas que respeitem a organização sociocultural e as formas de apropriação e uso dos recursos naturais dos índios e quilombolas e de populações como os ribeirinhos, seringueiros, quebradeiras de coco e outras; 3 o planejamento da produção
emocratização do acesso à terra e à água; fortalecimento da agricultura familiar; implementação de um plano nacional de refor ma agrár ia, estruturando o caminho para o fortalecimento do mercado interno – estas são, basicamente, as reivindicações do conjunto de entidades e movimentos integrantes do Fórum Nacional pela Reforma Agrária, sintetizadas em uma Carta da Terra elaborada como resultado de um encontro nacional, realizado em 22 de abril, em Brasília. Os organizadores do encontro marcaram o dia 11 de junho para entregá-la ao governo federal, como parte de um conjunto de eventos e mobilizações convocados em todo o país. No plano político mais geral, os seus signatários – incluindo a Confederação dos Trabalhadores Agrícolas (Contag), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Cáritas, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e muitas outras - posicionam-se pela solidariedade entre os povos do continente latino-americano, “através da construção de mecanismos justos de cooperação e comercialização”, e por isso contrários à criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), “que representa o monopólio comercial estadunidense, inclusive das multinacionais do setor de alimentação e que vem sendo imposta, concretizando um modelo oposto às históricas lutas populares pela democratização da terra, das riquezas e do poder.” Veja, em seguida, as reivindicações expostas na Carta da Terra: 1 a desapropriação dos latifúndios como o caminho constitucional para garantir a função social da terra; uma legislação
familiar que leve em consideração as diversidades regionais, sua viabilidade e sustentabilidade econômica, social e ambiental, com linhas de crédito de custeio e investimento acessíveis, com programas de seguro agrícola e de serviços de assistência técnica pública, gratuita e de qualidade e com garantia de preços mínimos justos e de comercialização da produção; 4 a implantação de agroindústrias populares nos municípios do interior, nas diversas formas cooperativas e associativas, para as quais sejam destinados prioritariamente os recursos públicos, para melhorar a renda das famílias e promover um processo de interiorização do desenvolvimento e da economia solidária; 5 a produção de sementes pelos própr ios ag r icultores e agricultoras, inclusive com incentivos às iniciativas populares de resgate das sementes crioulas, como forma de garantir as sementes como patrimônio da
humanidade. Para tanto, combatem o patenteamento de seres vivos e a liberação da produção comercial e uso de sementes transgênicas, indutoras de monopólio que destrói a soberania dos agricultores e são nocivas ao meio ambiente e à saúde humana; 6 o desenvolvimento e a disseminação de novas técnicas agrícolas não agressivas ao meio ambiente, implantando sistemas agropecuários sustentáveis que eliminem o uso de agrotóxicos; a preservação dos recursos hídricos e a democratização do acesso a fontes e mananciais de águas como bens públicos e patrimônio da sociedade; 7 a melhoria e o fortalecimento do sistema previdenciário baseado na seguridade social, pública e universal, permitindo o acesso e a permanência dos trabalhadores e trabalhadoras rurais no Regime Geral da Previdência Social, garantindo uma vida digna à população do campo;
Flávio Cannalonga
Da Redação
8 a implementação das diretrizes operacionais para a educação básica – aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação – nas escolas no campo, localizadas prioritariamente nos projetos de assentamentos, comunidades e distritos rurais, reforçando a utilização de práticas educativas que tenham como referência a terra e a água, a organização e a cultura do campo, facilitando o acesso às escolas, combatendo o analfabetismo e garantindo o direito de todos à educação de qualidade em todos os níveis; 9 a garantia de igualdade de oportunidades e direitos para mulheres e jovens que corrijam discriminações decorrentes de práticas e sistemas sociais injustos, buscando sua inclusão social a partir de ações afirmativas para que seu potencial organizativo e suas habilidades produtivas sejam aproveitados na construção de alternativas de desenvolvimento e de soberania; 10 a elaboração de políticas públicas específicas para cada região do país, sobretudo para as que sofrem com condições climáticas adversas, com ênfase ao desenvolvimento de políticas de convivência com o semi-árido brasileiro, especialmente o nordestino (onde se concentra o maior número de agricultores e agricultoras familiares) que, submetido ao esgotamento dos recursos naturais, a práticas clientelistas históricas e a tecnologias inadequadas, fica à mercê de programas compensatórios, fazendo-se urgente uma política de desenvolvimento sustentável para o mesmo. Brasília, 22 de abril de 2003 (503 anos de colonização e domínio do latifúndio no Brasil)
■ Boia-fria da zona da mata pernambucana
Governo elabora projeto sobre transgênico sem discutir com a sociedade em ouvir a sociedade civil, o governo federal está elaborando um projeto de lei (PL) sobre transgênicos a ser apresentado em breve ao Senado ou à Câmara dos Deputados. O PL está sendo redigido por membros dos Ministérios de Agricultura (pró-transgênicos), Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia (que defendem a precaução com organismos geneticamente modificados), mas o texto final passará pela Casa Civil, do Ministro José Dirceu, centro de decisão do governo Lula. A elaboração do PL foi negociada pela Casa Civil com os ruralistas em maio. O prazo recorde de 30 dias, a contar da data de votação da medida na Câmara (em 14 de maio), foi exigido pelos latifundiários.
Organizações não governamentais e movimentos sociais da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos elaboraram um manifesto com seis pontos que, na opinião dessas entidades, não podem deixar de constar do projeto. “Não há qualquer justificativa técnica, jurídica ou econômica para a apresentação do PL no limitado prazo. Ele dificulta o necessário debate com a sociedade”, afirma o documento, assinado por organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais como o MST, a CNBB e a federação dos trabalhadores na indústria de alimentação. “O conhecimento acumulado pelo menos nos últimos seis anos pelas entidades signatárias em matéria de alimentos transgênicos e seus impactos econômicos, sociais, ambientais e aos direitos básicos dos cidadãos brasileiros à informação e à possibilidade de escolha não pode ser desprezado pelo governo Lula”, diz o manifesto.
“É importante a sociedade dizer que não abre mão desses pontos. O governo construiu uma forte base de apoio e aprovará o texto no Congresso”, avalia Andréa Salazar, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). A partir de sexta-feira (dia 13) as páginas na Internet www.idec.org.br e www.greenpeace.org.br vão reproduzir o texto e permitir que o internauta o envie a parlamentares e a membros do Poder Executivo. A Campanha quer que o PL seja discutido no Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). “Lula prometeu em reunião do Consea que haveria um amplo debate sobre o tema, impulsionado pelo governo, mas ainda não há clareza de como isso vai-se dar”, lembrou o economista Jean Marc Von der Weid, coordenador da Assessoria a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e membro da Por Um Brasil Livre de Transgênicos.
Os seis pontos mínimos que devem constar do PL ■
Estudo de impacto ambiental (EIA) previamente à liberação de qualquer espécie transgênica no meio ambiente;
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Avaliação de riscos à saúde pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa, do Ministério da Saúde;
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Reformulação da composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio, do Ministério da Ciência e Tecnologia) para que constem cientistas de outras áreas, como toxicologia e ética, além de representantes de outros segmentos da sociedade excluídos da atual Comissão (agricultura familiar e ambientalista) e representante do Ministério da Justiça;
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Esclarecimento quanto à natureza do parecer técnico da CTNBio que, no nosso entendimento, é opinativo e não deliberativo, não podendo impedir ou limitar, sob qualquer hipótese, as competências técnicas e legais de outros órgãos da Administração Pública (ANVISA, IBAMA etc);
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Rotulagem plena de qualquer produto produzido ou contendo espécie transgênica, independentemente do percentual;
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Instituição da responsabilidade objetiva daquele que decidir plantar espécie geneticamente modificada pela não contaminação das propriedades vizinhas.
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
Carlos Tautz, do Rio de Janeiro (RJ)
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NACIONAL
O presidente Lula pressiona pela diminuição das taxas astronômicas de juros praticadas no Brasil, mas enfrenta resistência dos banqueiros; em Santa Catarina, a mobilização popular conseguiu derrotar um projeto de privatização do Banco do Estado (Besc)
ANÁLISE
Banqueiros mantêm juros escorchantes Da Redação s diretores do Banco do Brasil (BB) e da Caixa Econômica Federal (CEF), controlados pela União (o Tesouro Nacional é seu maior acionista), resistem à proposta feita dia 3 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de reduzir suas taxas de juros, para forçar o sistema privado a adotar o mesmo caminho. Seus dirigentes foram indicados pelo Ministério da Fazenda, a cuja política restritiva eles se afinam, e sua política de crédito não é diferente da executada pelos demais bancos. Em entrevista à Folha de S.Paulo, no dia 8, Jorge Mattoso, presidente da
CEF, afirmou que a instituição pretende “preservar e ampliar” sua rentabilidade e seu equilíbrio econômico-financeiro. A proposta de Lula faz parte de uma campanha de pressão do governo federal sobre o sistema financeiro privado, que obtém lucros astronômicos no Brasil. O ministro Guido Mantega, do Planejamento, declarou que os juros cobrados pelos banqueiros são “um assalto à mão armada”; José Dirceu, da Casa Civil, afirmou que os bancos têm “muita gordura para cortar”. No Estado soberano, o crédito é um dos principais instrumentos de que um governo dispõe para orientar os rumos de política econômica.
Nas últimas décadas, ao privatizar quase todos os bancos estatais, os governos abriram mão de boa parte da autonomia de executar políticas econômicas em benefício da maioria da sociedade. Além do BB e da CEF, sobraram quatro bancos públicos estaduais, hoje na esdrúxula condição de federalizados. Estão à míngua, como o do Estado de Santa Catarina (veja reportagem abaixo). TAXAS ABSURDAS Em maio, segundo o Procon-SP, nos empréstimos pessoais, o BB cobrava 5,9% ao mês; a CEF, 6,25%.A taxa mais alta era a do Itaú, 6,95%; a mais baixa, a da Nossa Caixa (banco público estadual de São Paulo),
4,75%. Nos cheques especiais, o BB cobrava 9%, a CEF 9,2%, níveis próximos da taxa mais elevada, a do BCN (Bradesco), de 10,4%, e acima da cobrada pela Nossa Caixa, 8,85%, a mais baixa. Temendo a inadimplência (calote dos tomadores de empréstimos), que poderia afetar seus resultados,BB e CEF acabam concedendo menos crédito do que permite o tamanho de seu patrimônio. As duas instituições poderiam elevar em R$ 40,7 bilhões o total de empréstimos concedidos aos seus clientes, sem sair da relação obrigatória entre patrimônio e empréstimos. Boa parte (40%) dos lucros astronômicos dos bancos privados é
obtida pelo spread (a diferença entre o que pagam pelo dinheiro dos poupadores/investidores e o que cobram pelos empréstimos). Os bancos alegam que a diferença lhes dá garantias contra eventuais calotes. Só que eles aumentam o spread – ou, pelo menos, não o diminuem – mesmo quando a inadimplência cai. Por tudo isso, o setor financeiro sempre lucra, mesmo quando a economia vai mal. Segundo o BC, no primeiro trimestre, o lucro dos bancos aumentou 18,7%, com ganhos de R$ 4,78 bilhões; a receita obtida, sobretudo, com títulos públicos, foi um escândalo: R$ 27,27 bilhões, quase 24% acima da receita auferida no mesmo período de 2002.
SANTA CATARINA
Mobilização impede privatização do Besc
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
larinda Carpes, 40 anos, não é catarinense nem tem conta no Besc, o Banco Estadual de Santa Catarina. Mas foi uma das milhares de pessoas que se mobilizaram na defesa do banco público, quando a proposta era privatizá-lo. “Eu vi uma das peças do Mucap lá em frente da catedral.Achei que tinha que fazer algo e fiz. Participei de todas as manifestações e ainda participo. Quando tiver condição de ter uma conta num banco, é no Besc que eu vou fazer”. Morando no Estado há quase 15 anos, Clarinda é vendedora e sabe da importância do banco para Santa Catarina. “Tem lugar por aí, no interior, em que só o Besc chega. É um patrimônio do povo catarinense”.Todo esse discurso crítico não chegou por acaso. Ele é fruto de uma ampla campanha feita em todo o Estado pelo Sindicato dos Bancários e pelo Movimento Unificado Contra as Privatizações, o Mucap.
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PRIVATIZAÇÃO VETADA Quando o governo de Fernando Henrique Cardoso começou a consolidar a idéia privatista iniciada com Fernando Collor de Mello, a reação foi intensa. Mesmo assim, os catarinenses amargaram der rotas. Foram-se a Eletrosul, a Telesc, a Celesc. Mas, no caso do Besc, o movimento contra as privatizações já estava maduro, forte, e a queda de braço com o governo de Espiridião Amin foi muito disputada. Hoje, ninguém mais fala em privatizar. Para quem fez a luta e impediu que o Besc passasse para a mão da iniciativa privada, a palavra de ordem agora é fortalecer o banco. Mas isso não significa que tudo esteja bem.Ao contrário. A luta para consolidar a vitória está começando.Até agora, apenas o presidente do banco e o diretor de assuntos institucionais foram nomeados pelo governo federal. Toda a diretoria segue sendo a mesma que provocou a federalização, isto é, comprometida com aqueles que queriam a privatização. “É inconcebível que o presidente não tenha ainda uma equipe de confiança”, alerta Rogério Soares Fernandes, presidente do Sindicato dos Bancár ios de Florianópolis. E lembra que falta vontade política ao governo fe-
deral. “Quem indica a diretoria é o Conselho de Administração, visto que 93% das ações são da União. Então, se a proposta é não privatizar, o que estão esperando? O Besc precisa voltar a operar no mercado, precisa retomar sua força, reabrir as linhas de crédito para a população”. O banco ainda vai mal das pernas. Sem definição de uma nova diretoria, sem atuar no mercado e com atendimento precário, co-
loca–se, de maneira cada vez mais clara e urgente, a seguinte questão: ou o governo federal toma uma atitude imediata, ou os catarinenses correm o risco de ver o seu esforço ir pelo ralo. Com um agravante: o golpe causado pelo Programa de Demissão Incentivada (PDI) durante o ano passado ainda dói. Nesse processo, cerca de quatro mil trabalhadores deixaram o banco, temendo que a privatiza-
Fotos: Elaine Tavares
Elaine Tavares, de Florianópolis (SC)
■ Rogério Soares Fernandes, presidente do Sindicato dos Bancários de Florianópolis
ção viesse, e com ela o desemprego, à semelhança do que aconteceu com outras instituições privatizadas. Foi um dos momentos mais terríveis da luta, pois a direção do Besc acabou jogando os trabalhadores contra o sindicato. LEMBRANÇAS AMARGAS Durante mais de oito anos, os acordos de demissão incentivada correram de forma unilateral, sem que o sindicato tivesse que aprovar. Mas, naquele momento, no furor do processo privatista, o governo Amin tentou dar o golpe de misericórdia na organização dos trabalhadores. Exigiu que o sindicato se colocasse como avalista, forçando a entidade a assinar um acordo em que os trabalhadores abririam mão de seus direitos. “Nós nos recusamos a fazer isso. Não íamos assinar algo que lesava os trabalhadores”, diz Rogério. Naqueles dias, os sindicalistas foram ameaçados de morte, de depredação do sindicato e levaram ovos e tomates pela cara. “A gente sabia que aquilo era uma disputa e que a responsabilidade era do governo. Os trabalhadores não eram os culpados”. Entre os funcionários, o clima era de pânico, lembra Marco Aurélio Platte Nahas, 37. Há 18 anos trabalhando na agência Trindade, ele viu os colegas entrando em depressão, com medo de perder toda a vida dedicada ao banco. “Hou-
ve casos até de suicídio”, conta. O resultado da luta foi a deteriorização das relações, do trabalho. “Agora, a gente está mais tranqüilo mas as coisas ainda estão difíceis. Nossa agência, que tinha 80 pessoas, só tem 40. Isso sobrecarrega todo mundo”. RECUPERAÇÃO Praticamente 50% dos trabalhadores do BESC saíram no Programa de Demissão Incentivada. Hoje, o banco, que é o único que possui agência em todos os municípios do Estado, conta com 3.040 funcionários. Por isso, a luta que começa agora é pelo concurso público. “Na época do PDI, das ameaças e tudo mais, nós, o sindicato de Florianópolis, fomos o único que não assinou o acordo e hoje estamos à disposição dos trabalhadores para entrar na Justiça e resgatar os direitos que perderam. Esse é o nosso papel”, afirma Rogério, um homem franzino, que perdeu cinco quilos no período do PDI, mas que, nos olhos firmes, não deixa perder, por nenhum segundo, a certeza de que a resistência dos catarinenses vai virar o jogo. É o que espera também a vendedora Clarinda, que agora inicia um projeto de congelados. Ela conta com o Besc e vai carregar ainda o orgulho de ter lutado por ele, e vencido.
Luta frustrou manobra de Amin ■ A vendedora Clarinda Carpes lutou contra a privatização do banco público mesmo sem ser catarinense e correntista
■ Marco Aurélio Platte Nahas, no Besc há 18 anos, viu os colegas entrando em depressão, com medo de perder toda a vida dedicada ao banco
luta contra a privatização do Besc começou mais firmemente no início do governo Espiridião Amin. O então governador fez sua campanha eleitoral em cima da idéia de manter o Besc público. Mas, tão logo se elegeu, propôs a privatização, alegando prejuízos irreparáveis, com base em balanços divulgados um ano depois, o que leva a suspeitar de que tudo foi preparado para fazer a cabeça dos catarinenses. Com o apoio da mídia, a proposta de privatização tomou corpo. Caminhava na mesma senda de outras tantas que já haviam acontecido por todo o país. Só que, em Santa Catarina, sindicalistas e representantes do Movimento Popular decidiram criar o Mucap e resistir. E, assim, foram feitas as caravanas lúdicas por todo o Estado,
com a proposta do Besc público sendo levada através do teatro mambembe. O Sindicato dos Bancários e o Mucap ocuparam praças e escolas, esclarecendo a população.A sociedade compreendeu e se mobilizou. Todos já sofriam os efeitos da privatização da empresa pública de telefonia, a Telesc. As tarifas tinham subido, os serviços perderam qualidade e os catarinenses viram que aquilo não era bom. Amin conseguiu federalizar o banco, dando o primeiro passo para entregá-lo ao setor privado. Vieram as manifestações e o não sonoro à privatização ecoou por toda Santa Catarina. Nas eleições de 2002, o Besc foi decisivo. Se Amin vencesse, a luta seria árdua. Com a oposição, a chance estava dada e ainda havia o compromisso firmado por Lula de que não privatizaria o banco. (ET)
Lauro Jardim, de São Paulo (SP) uma campanha planejada para facilitar o desmonte do setor público, com o apoio de uma certa imprensa, fabricou-se a imagem segundo a qual o governo não teria recursos para investir em setores prioritários, por gastar muito, e desnecessariamente, com pessoal. Haveria excesso de servidores, vendia a campanha, na maioria dos casos “marajás” instalados no setor público. Por isso, era preciso enxugar o Estado, combater seu inchaço e torná-lo eficiente. O que se fez foi ampliar distorções e, criar deficiências por falta de recursos financeiros e, nos anos mais recentes, de pessoal. O ESTRAGO DA DÍVIDA A Secretaria de Recursos Humanos do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão publica, mensalmente, o Boletim Estatístico de Pessoal. Deveria ser leitura obrigatória para os economistas que atuam na formulação de políticas de pessoal para o setor público. O boletim desmonta a primeira falácia: a União dispunha, em fevereiro deste ano, cerca de 878.029 servidores ativos, o que representa menos de 1,2% de toda a população ocupada no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No primeiro bimestre deste ano, sempre de acordo com o boletim, a União gastou R$ 10,903 bilhões
Executivo perde 222,6 mil servidores ativos em 11 anos com a folha de salários (7,9% mais do que em igual período do ano passado) e arrecadou R$ 39,245 bilhões. Mais claramente, a despesa com pessoal correspondeu a 27,8% da receita, muito abaixo dos 50% fixados em lei e menos do que os 29,5% observados nos primeiros dois meses de 2002. Em janeiro e fevereiro de 2003, o governo federal e suas estatais torraram R$ 18,811 bilhões apenas para pagar os juros da dívida pública, ou seja, para alimentar a fornalha da especulação financeira. Só nesta conta, as despesas foram 72,5% maiores do que o gasto com o quadro de servidores. Desde 1995, deixaram o serviço público, ou se aposentaram, 155.519 funcionários, numa queda do quadro de 15%, diante de mais de 1,033 milhão de servidores ativos naquele ano. Em fevereiro de 2003, o total de aposentados e pensionistas (945.097) era 7,6% maior do que o número de funcionários na ativa. Mas o estrago das políticas de pessoal adotadas nos últimos anos foi maior ainda e atingiu mais fortemente o Executivo. Em 1992, quando a Justiça obrigou o governo do presidente Fernando Collor de Mello a readmitir os funcionários colocados em disponibilidade, sem direito a salários, o Executivo ostentava um total de 998.021 servidores na ativa, com outros 411.919 aposentados e 149.737 pensionistas.Aposentados e pensionistas, somados, representa-
Ed Ferreira/AE
DESMONTE DO ESTADO
NACIONAL
A União sempre gastou menos do que a lei permite com pessoal e as despesas de sua folha de pagamento, agora, desabam para menos de 28% da receita líquida; José Pascoal Vaz: é impossível fazer uma reforma tributária séria sem afrontar os interesses das elites
■ Funcionários públicos protestam durante votação da reforma da previdência na Comissão de Constituição e Justiça, no Congresso, em Brasília, dia 25 vam pouco mais da metade dos funcionários ativos (561.656,ou 56,3%). APOSENTADORIA Quase 11 anos depois, em fevereiro de 2003, ainda no Executivo, restavam 775.448 servidores na ativa, ou 222.573 a menos, num corte de 22,3% no período. Detalhe: quase 85% deixou o serviço ativo nos anos FHC, entre 1994 e 2002. Mais grave: o total de aposentados e pensionistas saltou para 913,6 mil, crescendo 62,7% desde 1992, e já supera o pessoal na ativa em praticamente 18%. Entre 1991 e fevereiro deste ano, 235.410 servidores se aposentaram do serviço público federal. Quase 60% deles (exatos 57,2%) o fizeram depois de 1994.Apenas no primeiro mandato de Fernando Hen-
rique Cardoso foram registradas 106.213 aposentadorias, ou 45% do total observado desde 1991. A enxurrada de números, embora cansativa, desnuda os objetivos da ofensiva detonada nos anos 90: reduzir o Estado ao mínimo e desregulamentar a economia, diminuindo ou eliminando mecanismos de fiscalização e controle em setores chaves, como a Receita Federal, o Banco Central, a Previdência. A campanha de desmoralização abriu espaço, por fim, à privatização acelerada, com ganhos apenas para os grandes grupos. ABAIXO DO LIMITE De volta ao boletim, suas informações desmoralizam um dos principais argumentos dos detratores do serviço público.A União jamais es-
tourou o limite estabelecido pela legislação (Lei de Responsabilidade Fiscal) para as despesas com a folha de salários (ou que inclui gastos com salários, encargos, aposentadorias e pensões de todo o setor público, incluindo as estatais). Mesmo em 1995, quando a campanha estava no auge, as despesas com pessoal somaram R$ 37,825 bilhões, e representaram 56,2% da receita corrente líquida (o total de receitas da União, somando a arrecadação de impostos, contribuições, taxas; menos as transferências de recursos obrigatórias, constitucionalmente, para Estados, saúde e educação; as contribuições da União para o PIS/Pasep; e a parcela de recursos destinada ao pagamento de benefícios previdenciários.) Naquela época, o gasto com pessoal estava limitado a 60% da receita líquida. Em 1999, o governo aprovou nova lei, arrochando ainda mais as despesas com pessoal ao limitá-las a 50% das receitas. Em 2002, a relação entre gastos com pessoal e receita líquida, depois de cair para 35,3% em 2001, havia despencado para 32,1% – as despesas poderiam crescer quase 56%, de R$ 64,416 bilhões para R$ 100,349 bilhões, sem que a lei fosse desobedecida. Entre 1995 e 2002, diante de um salto de 198,2% verificado para a receita corrente líquida da União,os gastos com pessoal variaram 70,3% – menos do que a inflação do período, que bateu os 100%.
ENTREVISTA
É fundamental cobrar mais dos ricos
Brasil de Fato – Como o senhor avalia o governo Lula até agora? José Pascoal Vaz – Esperava grandes mudanças, esperança que continua acesa. Porém, as forças conservadoras que ajudaram a eleger o Lula são fortes e envolventes. Daí ser necessário que os progressistas, os movimentos sociais e populares se organizem para ficar ao lado de Lula. O presidente precisa sentir que o povo está com ele. BF – Então, o que é preciso fazer e falar? Vaz – Podemos começar falando da reforma tributária. Não há como realizá-la seriamente sem afrontar as elites. A mídia parte da idéia preconcebida de que a carga tributária no Brasil é alta. Isto é falso. Ela não leva em conta o grande desafio a ser enfrentado pelo governo Lula, que é crescer, reduzindo drasticamente a desigualdade social. O Brasil está sempre entre os três países mais desiguais do mundo, qualquer que seja a fonte de pesquisa. Qualquer ação pública que não avalie seus efeitos sobre a desigualdade
Quem é José Pascoal Vaz é economista, professor da Universidade Católica de Santos – UniSantos e coordenador de pesquisa do Núcleo de Estudos Políticos e Econômico-Sociais da Universidade Santa Cecília de Santos. Foi secretário de Economia e Finanças de Santos, de 1993 a 1994, no governo David Capistrano Filho (PT). De 1963 a 1992, trabalhou nas áreas de produção, controle de qualidade, finanças e previdência privada da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), de Cubatão.
social corre sério risco de agravá-la. É o caso da reforma tributária.
BF – O que significa isso para o povo brasileiro? Vaz – O significado real da desigualdade social é um só: o país está organizado de modo a que a imensa maioria dos brasileiros trabalhe para produzir, não o essencial para suas vidas, mas o supérfluo para a ostentação da elite, pequena mas poderosíssima. É um processo secular de exploração, que se aprofunda quando deixamos as decisões de alocação dos recursos nacionais nas mãos do mercado. Os investidores colocam seu dinheiro para produzir bens e serviços que aquelas elites desejam, normalmente copiando o padrão de vida de países muito mais ricos.
dades das pessoas. Capacitar as pessoas é muito mais do que treinálas para a reciclagem – uma tentativa de aumentar sua competitividade diante do mundo globalizado. É dotá-las de possibilidades diversas: de emprego duradouro e adequadamente remunerado; de bons serviços públicos de saúde, educação, transporte coletivo, justiça e segurança; de respeito aos direitos políticos; de acesso à moradia; de acesso à terra; de envolvimento com a cultura; de desfrute de lazer etc. Bem distribuídas as capacidades, ou liberdades substantivas, e mantida a justiça distributiva, a demanda efetiva fica consistente com o equilíbrio macroeconômico e com a eficácia.
BF – Como quebrar esse círculo vicioso? Vaz – Só o Estado, socialmente controlado, pode quebrar tal círculo perverso, por duas vias. Uma, induzindo crescimento com distribuição de renda; outra, fazendo políticas públicas de igualação das capaci-
BF – Mas isso não exige um Estado com muitos recursos? Como obtê-los? Vaz – O Estado precisa, sim, ser reformado, para ser ágil e eficaz. Entre outras coisas, deve priorizar seus gastos, por exemplo, deixando de pagar a exorbitância que
paga de juros. Com Fernando Henrique, pagamos cerca R$ 130 bilhões/ano de juros, ou algo como R$ 1 trilhão, nos oito anos. O Estado precisa de muito mais recursos do que os que dispõem. Quando desconsideramos México e Chile, cujas desigualdades de renda são quase tão vergonhosas quanto a brasileira, vemos que a carga tributária do Brasil é praticamente igual à média dos outros países, 36% em relação ao PIB. No entanto, as diferenças de desigualdade são astronômicas: a relação entre a renda per capita dos 10% mais ricos e a dos 10% mais pobres é de 66 vezes no Brasil e de 9 na média dos demais. A relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres é de 30 vezes aqui e de 5 na média daqueles. Logo, a muito maior concentração de renda no Brasil precisa ser compensada por uma carga tributária bem superior à daqueles países. Mas este aumento da carga deve ser bem dirigido.
BF – Como direcionar o aumento da carga tributária? Vaz – Hoje, a distribuição dos impostos é altamente regressiva: as pessoas de renda até dois salários mínimos sofrem carga tributária de 28% e as com renda de 30 salários mínimos, ou mais, são tributadas em apenas 18%. Para tornar a carga tributária progressiva, é necessário aumentar os impostos diretos, especialmente o Imposto sobre a Renda, criando duas ou três faixas superiores à atual. No Brasil, já houve faixa de 60%. Não é possível que com ganhos de R$ 200 mil, R$ 500 mil, R$ 3 milhões por mês, a pessoa esteja sujeita às mesmas alíquotas de quem ganha mil vezes menos. Ao mesmo tempo, é preciso desonerar os mais pobres, reduzindo os impostos indiretos, como ICMS e IPI, que hoje incidem, inclusive, sobre alimentos e remédios. Conclusão: é preciso aumentar a carga tributária sobre quem pode pagar, como, por exemplo, os bancos, e diminuir sua incidência sobre a imensa maioria do povo brasileiro. Urge colocar esta questão em discussão.
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
tom é de preocupação com os rumos do governo Lula. Uma crítica movida pela vontade de que ocorram as grandes transformações de que o Brasil necessita. O economista e professor universitário José Pascoal Vaz mostra que, hoje, a maioria do povo brasileiro paga mais impostos que a elite. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele defende o aumento da carga tributária e alteração nas proporções de cobrança de impostos sobre as classes sociais. E afirma ser falsa a idéia de que a carga tributária no Brasil é alta, sendo, no mínimo, incompletas as comparações normalmente feitas com outros países.
Divulgação
Por Rosângela Gil, De Santos (SP)
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NACIONAL
O governo já começou a percorrer o país em busca de contribuições para o seu Plano Plurianual de Investimentos (PPA); alguns especialistas, representantes de ONGs e de movimentos sociais acreditam que a participação social pode ser decisiva; outros são céticos
PPA 2004-2007
Antonio Biondi, do Ciranda Brasil o momento de se debater a agenda de desenvolvimento com o país. E o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) pode ser o principal gancho para isso”, declarou o ministro Luiz Dulci, titular da Secretaria Geral da Presidência, durante um seminário realizado pelo Instituto de Estudos Sócioeconômicos (Inesc) entre os dias 7 e 9 de maio, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Dez dias depois, o Ministério do Planejamento divulgou uma versão preliminar do PPA 2004-2007, chamado “Brasil de Todos”. O objetivo é colher subsídios da sociedade,numa intensa maratona de encontros país afora, envolvendo, segundo o Planejamento, mais de duas mil organizações sociais, incluindo movimentos de trabalhadores urbanos e rurais, empresários dos diversos ramos da economia, representantes das diferentes igrejas, de entidades de gênero e raça, de ambientalistas, da juventude, das comunidades científica e acadêmica. Esse processo, potencialmente, tanto pode significar um novo desenho para os rumos do país, em direção ao desenvolvimento e à justiça social, como consolidar a hegemonia da lógica financeira ortodoxa. O PPA só terá força e legitimidade se for considerado importante pela sociedade e se o governo quiser, realmente, implantá-lo. Ou, nas palavras de Luiz Dulci,“quanto maior a participação no planejamento estratégico, mais chances ele tem de refletir os verdadeiros anseios e interesses da sociedade”. JUROS, SUPERÁVIT ETC. Mas os objetivos declarados do PPA não se coadunam com a política econômica comandada pelo ministro Antonio Palocci, da Fazenda, que inclui a manutenção da taxa de juros básica em 26,5% ao ano (por decisão do Comitê de Política Monetária), metas de superávits primários (despesas menos receitas da União, Estados, municípios e estatais) de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2006 e a taxa de desemprego chegando a mais de 20% em regiões como a Grande São Paulo. Para o economista Lécio Mo-
Flávio Cannalonga
Em discussão, o projeto de um outro Brasil
■ Pequena agricultora em Pau-dos-Ferros (RN): plano para crescimento sustentável, criação de empregos e inclusão social rais, assessor técnico da Câmara dos Deputados, o plano pode “servir como instrumento de mobilização dos que estão insatisfeitos com a continuidade”. Especialista em Planejamento e Orçamento Público pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Morais enfatiza as dificuldades para alterar o modelo vigente. Ele acredita que uma política de desenvolvimento geradora de emprego e renda, defendida por Lula durante a campanha, é “incompatível com a atual política fiscal e monetária”, que classifica de muito rígida e que não permite qualquer expansão do crédito. A busca de superávits primários recordes “bombeia, permanentemente, dinheiro para fora da economia”, afirma. No início de 2003, para “surpreender positivamente” a comunidade financeira internacional e nacional, o governo federal definiu um contingenciamento orçamentário de R$ 14 bilhões. De nada adiantaram as reclamações de alguns ministros, entre eles Cristovam Buarque, da Educação. UMA VIRADA? Um dos primeiros debates em torno do PPA é sobre suas chances de interferir no caminho trilhado pelo
governo Lula. Uns, duvidam. Outros vêm no PPA o reflexo de uma mudança na economia que o Planalto planeja para os próximos meses. O documento do Planejamento resgata o compromisso com promessas contidas no programa de governo da campanha. Nele, o desenvolvimento e o crescimento voltam a ganhar prioridade,assim como a geração de empregos, distribuição de renda, aumento do mercado consumidor, através da inclusão das camadas mais pobres, e combate às desigualdades regionais e sociais em geral. O texto apresenta, sempre, as propostas dentro de uma lógica de desenvolvimento sustentável e de respeito ao meio ambiente. Para Lécio Morais, a primeira versão do plano apresenta um certo equilíbrio entre a política monetária ortodoxa em vigor e um projeto que elege o desenvolvimento como prioridade. “Ao longo do processo, ele irá, definitivamente, para um desses lados, mas se trata de um documento que traz uma sinalização de mudança,”observa.
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prazo. As diferenças, segundo Dulci, são as metas sociais relativas à saúde, à educação, à erradicação do analfabetismo. Ele destaca que essas metas devem ter peso semelhante aos indicadores econômicos e de infra-estrutura. Porém, no seminário realizado na Câmara dos Deputados, intitulado “O PPA no Governo Lula: Participação e Controle Social”, os representantes do governo tiveram dificuldade em apresentar exemplos concretos dessas metas. Aliás, o texto base do plano não faz menção a qualquer número concreto ou indicador objetivo. O PPA 2000-2003, chamado de Avança Brasil, foi um fracasso. Roberto Boccácio Piscitelli, do Fórum Brasil do Orçamento, teme que também este próximo PPA vire uma peça de fantasia.“O orçamento (da União) já é uma quase-ficção”, afirmou, durante o seminário. Para que isso não aconteça, será necessário “acompanhar
A primeira versão do PPA 2004-2007 é um conjunto de boas intenções, cujos constrangimentos são enunciados com clareza, do começo ao fim. As metas são aquelas que levaram Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto: fundamentalmente, desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Mas, antes, a estabilidade tem de estar assegurada, a inflação debelada e a vulnerabilidade externa sob controle. E, naturalmente, as reformas tributária e previdenciária, aprovadas. Embora a execução do PPA não seja obrigatória, é nele que são apontados os investimentos mais importantes dentro de um projeto de desenvolvimento. Também é o plano que orienta a elaboração do Orçamento da União para os quatro próximos anos, incluindo o primeiro ano do governo seguinte. A Constituição estabelece que o governo federal tem de apresentar o PPA ao Congresso até o final de agosto do primeiro ano da administração, e o Congresso tem prazo até o final do ano para examinar a proposta do Executivo. Alguns pontos do PPA 2004-2007: ■
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Antonio Biondi escreve para o portal de notícias Ciranda Brasil (www.cirandabrasil.net)
ONGs temem fracasso novo plano pode priorizar as questões sociais, de desenvolvimento,as questões centrais que foram apresentadas durante a campanha”, pondera Sérgio Haddad, presidente da Associação Brasileira de ONGs (Abong). Ele ressalva, porém, que não acredita que um plano possa significar uma virada nas políticas de governo,“até porque essas políticas são o resultado de todas as forças e interesses envolvidos”. Já Luiz Dulci, coordenador dos debates sobre o PPA, assegura que o governo está empenhado em corresponder às expectativas da sociedade e reconhece que o não cumprimento das metas implicará um elevado desgaste político. Em alguns de seus principais temas, o PPA 2004-2007 assemelhase ao anterior, do governo Fernando Henrique Cardoso. Ambos dão destaque a questões de infra-estrutura, objetivos macroeconômicos, desenvolvimento de médio e longo
Um lado diz sim, o outro diz não
cada centavo do orçamento; discutir, denunciar, exigir; dar valor a cada centavo dessa valiosa e imensa carga tributária”. O acordo com o FMI e outros tantos com organismos financeiros internacionais podem ser uma pedra a mais no caminho do PPA. O problema foi levantado por Flávia Barros, assessora política da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. “Historicamente, junto com os empréstimos desses bancos, recebemos uma série de imposições políticas, que muitas vezes contradizem nossa legislação e até nossa Constituição”, diz Flávia Barros. Dulci limita-se a responder que não há qualquer acordo que interfira na autonomia de projetos de desenvolvimento. Piscitelli vai além.“Será possível conciliar o apreço aos mercados, a manutenção das metas, os superávits primários crescentes com o combate à desigualdade, a geração de empregos,o combate à fome?”.(AB)
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Problemas: concentração da renda e riqueza, exclusão social, baixa criação de emprego, as barreiras para a transformação dos ganhos de produtividade em aumento de rendimentos das famílias trabalhadoras. Programas de emergência são necessários, mas insuficientes para erradicar a pobreza, o analfabetismo, o trabalho precoce, a mortalidade infantil. Isso requer crescimento sustentado. PIB: o Brasil reúne condições para crescer mais de 4% ao ano. Papel do Estado: é decisivo, como condutor do desenvolvimento social e regional e indutor do crescimento econômico. Pré-requisitos: o PPA deve ter sólida base econômica, baseda em três fundamentos: a) consistência fiscal caracterizada por uma trajetória sustentável para a dívida pública; b) inflação baixa e estável; c) contas externas sólidas, ou seja, um saldo em conta corrente que não imponha restrições excessivas à política monetária. Incompatibilidades: o governo precisará compatibilizar os objetivos de crescer o máximo, ampliar a inclusão social, reduzir o desemprego e as disparidades regionais e fortalecer a cidadania, com as restrições decorrentes da necessidade de consolidar a estabilidade macroeconômica no país. Esta depende da manutenção do ajuste do balanço de pagamentos (o país não pode consumir mais do que produz), de um superávit primário consistente com a necessidade de financiamento público. Juros: a queda da inflação abre espaço para a redução das taxas de juros e, portanto, para o crescimento econômico. Custo do dinheiro: é essencial expadir a capacidade produtiva com políticas que incentivem o investimento e o aumento da produtividade. É preciso reduzir o custo do investimento, pela diminuição do custo da intermediação financeira e da desoneração dos bens de capital. O governo pode financiar o investimento privado, em condições mais favoráveis do que as de mercado. Recursos escassos: definir prioridades é crucial, porque os recursos disponíveis para fomento do investimento são limitados. Investimento público: fundamental na ampliação da infra-estrutura. Porém, no atual contexto de restrição fiscal, sua capacidade será relativamente limitada. A saída é ampliar a participação do investimento no total dos gastos públicos (os investimentos devem crescer mais rapidamente do que os gastos correntes do governo). Políticas regionais: terão prioridade porque o mercado não pode ser o único determinante do ordenamento territorial, já que promove concentração econômica, acirrando as desigualdades sociais. Consumo de massa: o PPA quer que o crescimento seja movido pela expansão do consumo de massa, com base na incorporação dos trabalhadores ao mercado consumidor. Uma das virtudes desse modelo é seu efeito positivo sobre o balanço de pagamentos, entre outros motivos pelo fato de que a cesta de consumo das famílias de menor renda é pouco intensiva em importações. (AB)
MOVIMENTO SINDICAL
NACIONAL
A maioria dos 2.712 delegados do 80 Congresso da Central Única dos Trabalhadores decidem, por ampla maioria, não exigir a suspensão imediata do pagamento da dívida externa e vetam a campanha por um plebiscito oficial sobre a Alca; Luiz Marinho é eleito presidente
“Não posso responder a essa pergunta. Não tenho certeza de que essa afirmação é verdadeira”, afirmou o novo presidente da CUT, Luiz Marinho. Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, Marinho disse que não sabia dizer se o dinheiro arrecadado com as contribuições sociais, como CPMF e Cofins, é desviado dos gastos sociais e usado em outras despesas do governo, como já reconheceu o próprio Chefe da Casa Civil, José Dirceu, em seminário do Partido dos Trabalhadores. O dinheiro dessas contribuições deveria ir para o custeio da seguridade social, que envolve previdência, saúde e benefícios assistenciais. Mas, desde 1994, o governo utiliza parte da verba arrecadada para pagar principalmente os juros da dívida externa. Marinho disse desconhecer tal fato, que poderia questionar, por exemplo, se a previdência é deficitária. Mesmo assim, colocou-se contrário à tese de que a central deveria se opor à proposta do governo. “Não podemos defender outra reforma, iríamos nos chocar contra o desejo da sociedade e do governo. A CUT não pode ficar isolada”, afirmou. A reforma da previdência foi o tema mais polêmico discutido no Congresso. Ao mesmo tempo em que a visão majoritária dentro da CUT defende o apoio a Lula, o governo encaminhou uma proposta de reforma que diminui os direitos de cerca de 30% trabalhadores filiados à central, que são servidores públicos. Os delegados sindicais aprovaram, no Congresso, o texto mais ameno em relação à reforma do governo. A proposta, encabeçada pela Articulação Sindical, defendia mudanças específicas no texto da reforma, mas não contesta a criação do sistema de previdência complementar. No plenário, o ex-presidente da CUT, João Felício, defendeu a proposta da Articulação Sindical: “Se não estabelecermos o teto mínimo, a sociedade vai pensar que a CUT está ao lado dos setores privilegiados. Apenas 5% dos servidores públicos vão ficar fora do nosso teto proposto.Temos a chance de ter nossa proposta acatada”.
Rejeição à proposta do governo Para o diretor sindical Júlio Turra, o centro da questão não era esse. “O texto aceita o princípio dos fundos de pensão complementar. É uma ilusão acreditar que vamos conseguir alterar pontos da reforma por meio de mecanismos no Congresso. A CUT deveria rejeitar essa proposta do governo, como vários servidores federais já chegaram a um acordo que condena essa reforma”. Na visão de Jorge Luís Martins, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Calçados de Franca, foi uma posição equivocada. “A reforma da previdência não pode ser feita a partir da lógica fiscal, na lógica do aumento do tempo de trabalho e da criação de sistema de aposentadorias complementares. Os fundos de pensão vão transferir recursos da esfera pública para o setor privado”, afirmou. A proposta aprovada defende a criação de fundos de pensão públicos fechados, geridos por representantes do governo e dos trabalhadores. O texto é contrário a algumas propostas do governo: a taxação dos inativos, o aumento da idade mínima de aposentadoria do servidor, a mudança de critério de cálculo das aposentadorias. E propõe a elevação do teto dos servidores de R$ 2.400 para R$ 4.800, o fim do fator previdenciário para cálculo de aposentadorias do INSS, a regulamentação das aposentadorias especiais, instituição de uma gestão paritária para os regimes previdenciários, combate à sonegação, elevação do piso para trabalhadores rurais, pagamento de seguro de trabalho para servidores públicos e a paridade no reajuste para ativos e inativos. (JPF)
Tendências dividem delegados avia, pelo menos, três correntes divergentes entre os sindicalistas. A Articulação Sindical, por exemplo, defendia que a CUT não apoiasse a campanha pela convocação de um plebiscito oficial para o povo brasileiro decidir sobre a participação do Brasil na Alca.“Seria um desperdício de dinheiro público. Já temos um plebiscito em que votaram dez milhões de pessoas. Isso basta. Além disso, não achamos que o Brasil deva deixar as negociações. O governo tem de negociar com todos. Mas nós vamos manter posição contrária à Alca”, afirmou. A AS defendeu também bandeiras estranhas ao movimento sindical. No início do Congresso, integrantes do governo brasileiro e sindicalistas da CUT discutiram com centrais internacionais o investimento dos fundos de pensão, controlados por trabalhadores no exterior, no Brasil. Questionado pelo Brasil de Fato se esse dinheiro não poderia ir apenas para o mercado financeiro, Marinho respondeu:“Não é papel da CUT dizer onde os fundos vão investir. Mas para o movimento sindical, é interessante investir no setor produtivo. É preciso que o Brasil capte recursos em fundos de pensão porque temos necessidade de atrair investimentos”. PROTECIONISMO Outra bandeira estranha ao movimento sindical, defendida por integrantes da AS na reunião com sindicalistas estrangeiros, foi a do fim do protecionismo internacional.“Seria um atraso apoiar as barreiras comerciais. Os países ricos nos negam o direito de colocar nossos produtos no exterior. Nós devemos cobrar o fim do protecionismo para fortalecer a economia brasileira”, analisou Marinho. Sobre a dívida externa, o novo presidente da CUT opinou que o Brasil não tem condições de romper com o FMI. “Mas vejo que o governo vem se distanciando e criando condições para isso”, disse. Já o presidente do Sindicato das Indústrias de Calçados de Franca, Jorge Luís Martins, o
Maria, que concorreu à presidência pelo PSTU nas últimas eleições, condenou as decisões do Congresso Nacional. “A CUT é construída desde 83 com o lema de que temos de lutar. Agora, vai chamar CUT para lucrar”, afirmou, ao comentar o apoio de sindicalista à criação dos fundos de pensão complementares. Segundo José Maria, a gestão pública não muda a lógica desses fundos. “Para o fundo de pensão dar certo, ele tem de aumentar a exploração dos trabalhadores.Veja só o caso da Previ, que investiu em empresas que, depois de compradas, tiveram de demitir milhares de empregados”, avaliou. Na visão do principal nome do MTS, o Congresso vai gerar conflitos. “A CUT vive uma crise de tempos e há um processo de burocratização na central. Unidade de ação para defender o governo não existe. Temos de ser contra a Alca e não a favor da continuidade das negociações. Os sindicatos e trabalhadores vão continuar sua luta e isso vai gerar contradição”, concluiu.(JPF)
Jorginho, não via com tanto otimismo a mesma realidade.A idéia de convencer centrais sindicais a investir os fundos de pensão no Brasil foi combatida. “O internacionalismo dos trabalhadores tem de ser feito na resistência ao neoliberalismo. É incoerente. O governo vai buscar fundos de pensão lá fora, enquanto aqui os bancos só emprestam recursos para grandes empresários”, afirmou, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. ROMPIMENTO COM FMI Jorginho, que encabeçava o grupo Fortalecer a CUT, posicionouse: “Acreditamos que o fato de o PT ter chegado ao governo não resolve a luta de classes. Os trabalhadores devem continuar mobilizados para defender seus interesses”. Para o sindicalista, a central não deve se confundir com o governo e o seu principal papel deve ser o de pressionar para o rompimento com o modelo do FMI e a renegociação da dívida externa. “Nossa luta é para o governo reorientar nossa agenda. A reforma da previdência não pode ser discutida a partir da lógica fiscal. Nós apoiamos o governo eleito e acreditamos que a CUT tem de ficar independente, e não se transformar numa subsede do governo federal”, afirmou. Outra corrente era a liderada pelo MTS. O sindicalista José
Luiz Marinho é o novo presidente Como já se esperava, o metalúrgico Luiz Marinho foi eleito presidente da entidade. A Chapa Unir a CUT, liderada pela Articulação Sindical, teve apoio da maioria (74,6%) dos delegados votantes e derrotou a CUT Independente e Democrática, que somou 23,3% dos votos. Agora, o campo majoritário ficará com 24 dos 32 cargos da executiva nacional. Além da Articulação Sindical, o grupo era composto principalmente pela Corrente Sindical Classista e pela CUT Socialista e Democrática. A segunda chapa, que terá 6 cargos na executiva, envolveu a corrente Fortalecer a CUT, ligada às tendências mais progressistas do PT, e o Movimento por uma Tendência Socialista (MTS), alinhado com o PSTU.(JPF)
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
Texto final ameniza críticas às reformas
Diferente do que mostrou a grande mídia, o Congresso da CUT não foi um simples conflito entre “lulistas” e “radicais”. Foi, sim, um debate sobre como os trabalhadores devem se posicionar em relação aos desafios da conjuntura atual. No balanço final, prevaleceu a posição hegemônica da corrente Articulação Sindical, grupo ligado à corrente majoritária do Partido dos Trabalhadores (PT).
Victor Soares/ABR
INATIVOS Sobre a reforma da previdência, a maioria dos delegados sindicais apoiou a tese de que a central deve propor apenas mudanças pontuais na reforma da previdência. Os sindicalistas se posicionaram contra a taxação dos servidores inativos e contra o aumento na idade mínima para aposentadoria no funcionalismo, mas não contestaram a criação dos fundos de pensão. (Veja reportagem nesta página)
■ O presidente Lula discursou na abertura do 8o Congresso da CUT, em São Paulo, para 2.712 delegados; não faltaram cenas de pugilato explícito durante os debates Jõao Zinclar
8º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) rejeitou palavras de ordem tradicionais dos movimentos sociais e dos sindicalistas, como o rompimento imediato com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a suspensão do pagamento da dívida externa. A campanha para exigir do governo um plebiscito oficial para decidir a participação do Brasil na Área de Livre Comércio da América (Alca) também não foi apoiada pelos delegados sindicais. Como as propostas vencedoras contaram com a grande maioria dos votos, sequer foi necessária a contagem. Bastou o contraste visual obtido pelos crachás erguidos. Os 2.712 trabalhadores reunidos no histórico encontro, realizado em São Paulo entre os dias 5
e 7, reafirmaram, no entanto, a posição crítica em relação a esses temas. Mas, em lugar de palavras de ordem como “Na luta contra o FMI e a dívida externa”, recusadas pela plenária, ficaram frases como “a CUT apoiará todas medidas que criem as condições políticas para estancar a sangria provocada pela dívida externa, que apontem para o objetivo final de libertar a nação desse flagelo”.
Marcello Casal Jr./ABR
Jorge Pereira Filho, da Redação
Jõao Zinclar
Congresso da CUT rejeita bandeiras históricas dos trabalhadores
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NACIONAL
As graves irregularidades envolvendo a TV Globo merecem ampla divulgação e o estreito acompanhamento do Congresso segundo o Sindicato dos Jornalistas do DF; no Rio de Janeiro, moradores de favelas se articulam contra as execuções
MÍDIA
que a exploração de concessões de serviço público deve estar em rigorosa sintonia com a lei” - diz o documento - “e considerando ainda que o expediente de fraudes, inclusive em grandes conglomerados, não é especialidade brasileira, como registram os episódios de megaempresas estadunidenses que tiveram suas falências decretadas após a descoberta de sistemática prática não regular junto ao mercado , o Sindicato dos Jornalistas do DF julga necessários a mais ampla divulgação e o mais estreito acompanhamento do episódio em tela, através do que o Conselho pode dar inestimável contribuição à sociedade brasileira”. O documento registra que, embora se trate da mais importante empresa de comunicação do País, a quarta maior rede de televisão do mundo, o processo jurídico vem sendo noticiado apenas pelo jornal “Tribuna da Imprensa”, e por deputados da Assembléia Legislativa de São Paulo. “Estão em jogo os interesses públicos” - sustenta o sindicato - “já que uma concessão da União para serviços de radiodifusão resulta de empreendimento que faz uso de recursos públicos, tem missão socioeducativa-informativa definida na Constituição Federal e não pode, em
Da Redação Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Brasília solicitou ao Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, a formação de uma comissão destinada a acompanhar o processo jurídico no qual se questiona a legalidade da constituição da afiliada da Rede Globo em São Paulo, responsável pela metade do faturamento do conglomerado. Segundo o presidente do sindicato, jornalista Edgard Tavares, as concessões para os serviços de radiodifusão são públicas, devendo ser revestidas da mais absoluta regularidade,tendo em vista o impacto da comunicação sobre a cidadania. “Trata-se de uma questão social relevante e o sindicato tem compromissos com as grandes causas sociais”, afirma Tavares. No ofício dirigido ao Conselho, o presidente do sindicato lembra a existência de um parecer da Procuradoria da República apontando a ocorrência de graves irregularidades na transferência da antiga TV Paulista para a propriedade da Rede Globo de Televisão, envolvendo, inclusive, a falsificação de documentos e certidões, comprovada por perícia do renomado Instituto Del Picchia. “Considerando
Eugënio Neves
Sindicato pede fiscalização do Congresso no processo da TV Globo
hipótese alguma, considerar-se acima das leis”. Lembrando que o Congresso é o órgão responsável pela autorização e renovação de concessões e outorgas, Edgard Tavares recomenda que a comissão seja composta por membros de entidades da sociedade civil representadas no Conselho de Comunicação Social, frisando, porém, que não deve restringir seu trabalho ao exame desse único episódio, cujo processo tra-
RIO DE JANEIRO
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
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Otávio Magalhães/AE
Movimento Popular de Favelas no Morro da Mineira promoveu uma discussão sobre as execuções sumárias nas favelas. Estiveram reunidos, dia 29 de maio, dezenas de lideranças e moradores das favelas Mineira, Turano, Borel, Formiga, Pedras Preciosas,Acari, Jacarezinho, Zinco,Andaraí, Grajaú, Cavalão, Irajá; organizações não governamentais; representantes dos deputados estaduais André (PV) e Jorge Picciani (PMDB); do Conselho Distrital de Saúde da Tijuca e do Conselho Tutelar também da área da Grande Tijuca, bairros da zona Norte do Rio de Janeiro. Nos últimos meses, as execuções aumentaram assustadoramente: quatro no morro do Borel e oito na comunidade da Mineira. Segundo dados recentes da Anistia Internacional (AI) no relatório sobre a situação dos direitos humanos em 2003, os níveis de violência no Brasil são comparáveis aos de zonas de guerra ou à situação em Israel e nos territórios palestinos.Apenas nos primeiros três meses deste ano, a polícia no Rio de Janeiro matou 350 pessoas, de acordo com afirmações de Tim Cahill, pesquisador da Anistia. O especialista considera “altíssimo” o índice de mortes pela polícia e por crimininosos. O problema no país são as “execuções extrajudiciais”, em que “milhares de pessoas foram mortas em confrontos com a polícia,“muitas vezes em circunstâncias descritas pelas autoridades como“resistências seguidas de mortes”, alerta Cahill.
das Comunicações também não emitiu ainda qualquer opinião oficial sobre o assunto, muito embora o processo judicial já tenha comprovado irregularidades que envolvem o Dentel, órgão ministerial hoje extinto. Referindo-se às dificuldades financeiras que as Organizações Globo atravessam hoje, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, declarou à Folha de S. Paulo que “ a crise da empresa será tratada como uma questão de Estado”.
PARANÁ
Moradores de favelas se organizam na luta contra as execuções Rumba Gabriel,do Rio de Janeiro
mita com enorme lentidão da Justiça do Rio de Janeiro. O Conselho de Comunicação Social encaminhou o documento do sindicato para uma de suas subcomissões, que ainda não se pronunciou sobre a proposta. Entretanto, o presidente do Conselho, José Paulo Cavalcanti, disse que a tendência deve ser a de aguardar o pronunciamento da Justiça. Embora oficialmente comunicado pelo deputado estadual paulista Afanásio Jazadji, o Ministério
Professores querem melhorar rede estadual Dimitri Stein, de Curitiba (PR)
■ O secretário dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, mantém reunião com a comunidade do Borel, dia 22 de maio
A história que se repete De 1994 até 1998, os registros de ocorrências policiais começaram a aumentar. Coincidências ou não, eram todos muito parecidos — o que acabou chamando a atenção dos diversos setores ligados aos direitos humanos no Rio de Janeiro. O “fenômeno” era resultado da chamada premiação “faroeste”, como ficou conhecida a remuneração adicional introduzida durante o governo Marcelo Alencar, comandado pelo general Newton Cerqueira, então secretário de Segurança Pública. Essa premiação incentivou os dedos nervosos dos policiais no Rio de Janeiro. As informações constantes dos autos quase sempre davam conta de ocorrências de confrontos com “ perigosos meliantes”. Como as testemunhas eram os policiais, conclusão: mais um negro pobre favelado morto. Ao lado do corpo, armas e drogas. O “Kit-Assassino”, ao qual o secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, se referiu durante o encontro com parentes dos mortos no Morro do Borel, durante operação do 6º BPM (Tijuca), em abril. A exemplo do que ocorreu no Morro do Borel, a favela do Jacarezinho conheceu de perto a mesma história. No dia 10 de maio de 1998, quatro rapazes foram executados. Segundo policiais que participaram da operação, todos do 3º BPM (Méier), os mortos seriam traficantes que reagiram a tiros à entrada do comboio da PM. Na tal operação alegaram ter apreendido 257 papelotes de cocaína, dois fuzis AR-15, três pistolas, um revólver e uma suposta carta do Comando Vermelho. Alan, Damião Flávio, Charles e Wanderley foram levados para o hospital Salgado Filho, no Méier, enrolados em lençóis, onde chegaram mortos. Eram todos trabalhadores, inclusive os menores, que pertenciam ao Centro Salesiano do Menor e prestavam serviços à Petrobras. (RG)
epois de dois meses de intensas discussões, os professores da rede estadual de ensino do Paraná concluíram um documento que aponta soluções para democratizar o setor. Um dos desafios centrais é evitar que a educação acabe virando mero negócio de empresas terceirizadas, que, apresentando-se como organizações não governamentais (ONGs), acabam vendendo os seus serviços ao Estado. As propostas elaboradas pelos professores da rede estadual foram entregues ao secretário de Educação do Estado, Maurício Requião. O secretário prometeu analisá-las. ELEIÇÃO DIRETA Uma das principais reivindicações é o retorno da eleição direta para diretor de escola. No governo passado, de Jayme Lerner, a eleição direta foi substituída por uma lista de candidatos, saídos de uma espécie de vestibular controlado pela Secretaria da Educação. Para os professores, isso caracterizou ingerência política do governo num processo tradicionalmente aberto a pais, alunos e professores. O monitoramento dos educadores tinha uma óbvia explicação política: a categoria reúne 60 mil pessoas, entre professores e funcionários. Trata–se do maior contingente organizado de trabalhadores do Estado. Muito importane, portanto, do ponto de vista eleitoral. Outro pedido apresentado ao
secretário Maurício Requião é o veto à participação de associações de pais e professores e supostas ONGs no gerenciamento de recursos públicos para obras em escolas. A prática, observada no governo anterior, supostamente aberta e democrática, acabou não alcançando os resultados desejados. Muitas comissões tiveram problemas na prestação de contas do dinheiro público. QUALIFICAÇÃO “Educação é responsabilidade do Estado e não da comunidade ou de ONGs”, afirmou Janeslei Albuquerque, secretária de imprensa do núcleo Curitiba-Norte da APP. Ao encaminhar o documento ao secretário, os professores também oficializaram a necessidade de ampliar programas de qualificação aos profissionais do ensino. Como o atual governo tem maioria na Assembléia Legislativa, a categoria pediu que Maurício Requião se empenhasse em aprovar o plano de cargos e salários de professores e funcionários. O projeto está parado na Casa, o que sugere falta de vontade política. Maurício Requião concordou com as propostas, mas pediu paciência. Ele disse que sua prioridade é a “reconstrução da estrutura pública de ensino, já que muitos serviços estavam terceirizados”. Entre eles, a formação e contratação de professores. O secretário declarou estar estudando como irá unificar as formas de aprendizado.Até o ano passado, o currículo era diferente de uma escola para outra.
Ano I ■ Número 15 ■ Segundo Caderno
As crianças palestinas se tornaram alvos preferenciais do exército israelense: são mortas, mutiladas, torturadas e vivem sob uma constante experiência de terror, segundo a ONG Programa Internacional de Defesa das Crianças; em 2002, 43% dos menores assassinados tinham menos de 13 anos
Crianças palestinas são alvo do exército israelense João Alexandre Peschanski, da Redação esde o início da Intifada, 426 crianças palestinas foram assassinadas pelo exército israelense, podendo assim ser consideradas alvos preferenciais de ataques militares. A informação é do Programa Internacional de Defesa das Crianças (DCI), entidade não governamental que atua no Oriente Médio desde 1992 e funciona como órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU). Os relatórios anuais do DCI também denunciam outras violações aos direitos de jovens palestinos, como detenções arbitrárias e casos de tortura. As crianças representam 18% das 2.370 vítimas do governo de Israel desde o levante palestino – e a proporção só tende a crescer. Em 2001, 98 crianças foram assassinadas; um ano depois, esse número era de 192. Até o início de abril, o DCI já registrava 42 casos.
Em nota oficial, Pierre Poupard, enviado do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na Palestina, se declarou preocupado com o fato de o exército israelense não diferenciar adultos e crianças em ofensivas militares. Com base em dados do DCI (v. quadro abaixo), a maioria das vítimas jovens não foi assassinada durante conflitos, mas por conseqüência de ações unilaterais das tropas de Israel, como bombardeios e atentados. Poupard também destacou que a idade das vítimas não corresponde à de potenciais inimigos. Em 2002, 43,2% das crianças mortas tinham menos de 13 anos.
nos um tipo de violação de seus direitos: de restrições a acesso a escolas, a até graves problemas físicos e psicológicos. O mesmo estudo aponta que, desde o início da Intifada, cerca de 10 mil jovens sofreram algum tipo de ferimento causado por soldados de Israel. As agressões a menores são justificadas pelo exército israelense e pelo primeiro-ministro do país, Ariel Sharon, na medida em que as crianças integrariam grupos terroristas e seriam usadas para espionar assentamentos judeus na Palestina e atacar militares em emboscadas. Mas as violências cometidas contra crianças não são apenas militares.“A outra face do horror é a progressiva piora da situação social dos palestinos”, comentou o chefe da divisão alemã do Unicef, Dietrich Garlichs, que denuncia: uma em cada três crianças passa fome nos territórios ocupados. De fato, por embargos comerciais e bloqueios militares, Sharon está criando uma situação de calamidade social na região.
TERROR CONSTANTE A maior parte das crianças palestinas que escaparam de ataques militares não saiu ilesa – todas já foram vítimas de violência. Segundo o primeiro relatório de 2003 do DCI, 1,7 milhão de crianças palestinas vivem na Cisjordânia e na Faixa de Gaza (territórios invadidos pelo exército israelense) e quase todas já sofreram pelo me-
POBREZA De acordo com um relatório da Unicef divulgado no início do ano, 500 mil crianças palestinas se alimentam com aquilo que é enviado pela ajuda humanitária. A principal razão da carência de comida é a pobreza — 57,8% das famílias da Cisjordânia e 84,6% das de Gaza vivem com menos de dois dólares por dia. Um estudo da Unicef revelou que 75% das crianças palestinas que moram em territórios ocu-
Menores palestinos assassinados em 2002 Idade 0-8 anos 9-12 anos 13-15 anos 16-17 anos TOTAL
Quantidade 50 33 62 47 192
Circunstância de morte Quantidade Conflitos Bombardeios Atentados/Assassinatos Tiroteios Cercos* Minas Demolições de casa TOTAL
30 67 19 50 9 12 5
INTERNACIONAL
BRASILDEFATO
pados pelo exército israelense sofrem algum tipo de distúrbio emocional, geralmente causado por freqüentes experiências de ofensivas militares e barulhos de bombardeios e disparos. Psicólogos da entidade avaliam: em meninos e meninas de até 5 anos, o medo cria manifestações constantes de ansiedade e problemas de fala. Nos de até 12 anos, além de reações de pânico e estresse, Intifada – Levante observa-se também palestino contra a muita agressividade. ocupação israelense No grupo dos de 13 na Cisjordânia e em a 18 anos, o contato Gaza; começou em com conflitos gera setembro de 2000, após provocações condutas rebeldes e deliberadas do então um sentimento de candidato a primeiroimpotência e de ministro de Israel, retração do mundo. Ariel Sharon Segundo o relatório de 2002 do DCI, grande parte dos problemas psicológicos e emocionais das crianças palestinas é agravada pela falta de acesso à educação. Desde o início da ocupação israelense, há 35 anos, 350 escolas foram fechadas ou destruídas – 18 delas foram transformadas em barreiras militares e outras 18 em centros de detenção. Além disso, as instituições de ensino permaneceram fechadas por ordens de soldados de Israel, em média, 35% do tempo, e, em alguns casos, por mais de um ano. Para mais informações sobre a situação das crianças na Palestina, acesse a página da Internet do Programa Internacional de Defesa das Crianças: www.dci-pal.org (em árabe ou inglês).
Terror e esperança para o movimento pacifista
192
* Crianças mortas por falta de tratamento médico devido a cercos militares Fonte: Relatório de 2002 do Programa Internacional de Defesa das Crianças (DCI)
■ Criança palestina caminha perto de soldado israelense na cidade de Hebron, na Cisjordânia, dia 8
Sharon mantém 350 jovens presos primeiro-ministro israelense,Ariel Sharon, mantém sob rígido regime carcerário 350 palestinos menores de idade. Os jovens estão em diversas prisões de Israel, o que dificulta o acompanhamento dos casos por movimentos sociais e entidades ligadas à promoção dos direitos humanos. O Programa Internacional de Defesa das Crianças (DCI), entretanto, tem se mobilizado para verificar as condições dessas crianças
– e a entidade avalia que a maioria dos menores sofre graves violações de seus direitos. Em relatório do dia 30 de maio, o DCI aponta que todas as crianças, incluindo algumas de 13 anos, foram submetidas a formas de tortura durante a detenção (espancamentos, ameaças a seus familiares, restrições a tratamento médico e falta de comida). No estudo, o DCI apresenta o relato de um adolescente de 15 anos, Ibrahim Muhammad al-Haji, que ficou preso durante dois meses:
“Eles me prenderam no dia 18 de março e, no dia 1º de abril, decidiram me manter na detenção e suspender o processo. A situação é insuportável. Os guardas nos obrigam a ficar na posição de Shabeh (uma posição de tortura) e nos amarram as mãos a uma perna, e temos que ficar de frente para o muro.” Esse caso não é uma exceção já que, desde o início da Intifada, o número de crianças palestinas em prisões israelenses aumentou em 50%. (JAP)
Pela primeira vez na história de Israel,Ariel Sharon, líder da direita nacionalista e primeiro-ministro, fala em público sobre a “necessidade de pôr fim à ocupação”. Mais destacável ainda é o fato de ter dito que “chegou o momento de dividir a terra entre os israelenses e os palestinos”. Essas declarações são de um general acostumado à guerra, eleito duas vezes para preservar enclaves judeus na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e a idéia de uma “Grande Israel”. Para o movimento israelense pró-paz, este é um momento vitorioso. Finalmente, sua tenaz e ininterrupta luta deu frutos e sua ideologia, considerada uma traição antipatriótica por muitos no passado, obteve o reconhecimento – não explícito – de seus adversários. Entretanto, esta espetacular mudança na direita encontra a esquerda confusa, depois de ter sido duramente derrotada nas eleições nacionais de janeiro. Tanto o Partido Trabalhista quanto o partido socialdemocrata Meretz travaram seguidas guerras internas e culparam seus próprios dirigentes e uns aos outros pela amarga derrota. Os movimentos pacifistas extraparlamentares e as organizações sem fins lucrativos estão em severa crise financeira por causa de uma total retenção nos envios de fundos por parte de doadores europeus e estadunidenses, os quais se sentem frustrados pela situação política e pelo afastamento das perspectivas de paz na região. Os sucessivos atentados suicidas por parte de militantes palestinos foram outro golpe no movimento israelense pela paz. Todas as vezes que existem motivos para a esperança ou algum sintoma de reinício das negociações, os grupos terroristas Hamas e Jihad golpeiam e espalham mais terror nas ruas israelenses. Outro golpe no movimento pela paz em Israel veio da deslegitimação de Iasser Arafat, um aliado que foi reconhecido no decorrer de três décadas. Embora desacreditando que Sharon seja sério na questão da paz e interpretando sua súbita mudança como meramente tática, resultado da pressão estadunidense e um caminho para evitar uma crise aberta com o governo Bush, a maior parte dos esquerdistas israelenses tem de apoiar os movimentos do primeiro-ministro para evitar que a ultradireita bloqueie o renovado processo de paz. A ironia dessa situação é que, se um acordo de paz for alcançado, o mérito será creditado à direita, que se opôs a tais acordos durante anos, enquanto a esquerda será deixada de lado pelos livros de história e fora do poder político, apesar de sua longa luta pelo mútuo reconhecimento e pelo direito dos palestinos à liberdade e a um Estado próprio. (Agência IPS)
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
Nasser Shiyoukhi/AP/AE
Sarah Ozacky-Lazar, de Givat Haviva (Israel)
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IRAQUE
Soldados iraquianos farão ataques suicidas se EUA não paguem salários Paulo Pereira Lima, da Redação os últimos dias, os iraquianos têm intensificado os ataques às tropas estadunidenses. Na segunda-feira, dia 9, um soldado foi morto no Oeste do país, enquanto personalidades iraquianas se reuniam para examinar os planos dos Estados Unidos para o futuro político.Vinte e nove soldados dos EUA morreram em ataques ou acidentes desde o 16 de maio, quando o presidente Bush anunciou, em tom de avassaladora vitória, o fim dos combates no Iraque. Os mais recentes atos de violência demonstram as dificuldades enfrentadas pela administração civil e pelos soldados estadunidenses para restaurar a ordem no país num momento em que os governos dos EUA e de seus aliados sofrem com críticas internas e externas aos motivos que os levaram à invasão. A situação tende a se agravar ainda mais porque milhares de soldados iraquianos exonerados estão na linha de frente das manifestações que se multiplicam por todo o país. Em sinal de desespero, alguns até ameaçam lançar ataques suicidas contra as tropas dos invasores, caso o novo governo não pague seus salários atrasados e benefícios. No dia 2, cerca de 3 mil soldados do desmantelado Exército iraquiano se concentraram na frente do quartel da administração estadunidense, em um palácio ocupado anteriormente pelo presidente deposto Sadam Hussein, em Bagdá. A maior parte do protesto transcorreu pacificamente, apesar de terem ocorrido alguns choques entre manifestantes e soldados estadunidenses. “Todos nós vamos nos tornar
homens-bomba”, declarou o capitão Khairi Jassim à agência Reuters.“Vou transformar minhas seis filhas em bombas para matar os norte-americanos”, prosseguiu. Uma comissão de antigos oficiais se reuniu com membros das forças de ocupação. Quando saíram, eles disseram aos demais que receberam uma promessa de discussão das demandas, apesar de não terem recebido nenhuma promessa de pagamento. Em maio, o estadunidense encarregado do governo civil do Iraque, L. Paul Bremer, dissolveu as Forças Armadas, diversos departamentos de segurança e o Ministério da Defesa, mantidos anteriormente pela administração de Sadam. A dissolução provocou cerca de 400 mil demissões. “A maior parte dos iraquianos está contente com o fim do regime de Sadam, mas não com a atual situação, porque essa mudança veio com a guerra e a ocupação, não pacificamente e pelas mãos do próprio povo”, disse Hamid Majid Mousa, secretário-geral do Partido Comunista Iraquiano, que viveu anos no exílio e na clandestinidade no Curdistão. Em entrevista ao jornal italiano Il Manifesto, Mousa afirmou que seu partido agora vai poder trabalhar publicamente para que seu povo vença o medo de fazer política e tome em suas próprias mãos o futuro do país. “Como iraquianos, temos de encontrar uma solução ao caos partindo da formação de um governo com a nossa cara e da afirmação de nossos direitos. Queremos um governo real; não o previsto pela resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que dá plenos poderes aos invasores, e aos iraquianos apenas o papel de ‘consultores’.”
Samir Mezban/AP/AE
INTERNACIONAL
Novos ataques de iraquianos às tropas ocupantes demonstram o elevado preço econômico e moral que os EUA terão de pagar para manter a ocupação do Iraque; o jornalista português Carlos Fino, que cobriu a invasão de Bagdá, critica a parcialidade da mídia estadunidense
■ Soldados iraquianos demitidos discutem com soldados estadunidenses durante um protesto em Bagdá, segunda–feira, dia 9
Invasores imprimem moeda com rosto de Sadam Da Redação s forças anglo-estadunidenses derrubaram as estátuas de Sadam Hussein, metralharam seus retratos, mas agora são obrigadas a imprimir milhões de cédulas de dinar com o rosto do ex-ditador. Isto porque, desde a invasão, a economia do Iraque está um caos: o Banco Central está praticamente desmantelado, não há controle sobre a falsificação de notas e as
autoridades dos Estados Unidos, responsáveis pela cr iação de uma nova moeda, não conseguem se articular. O problema é que as cédulas de 10 mil dinares (cerca de R$ 30), criadas por Sadam em seu último ano de governo, são fáceis de copiar e grandes quantidades delas foram roubadas durante a invasão do Iraque. Os comerciantes não as aceitam e, quando o fazem, por apenas 70% de seu valor, enfurecendo os iraquianos que re-
cebem seus salários com elas. Todos desejam as notas de 250 dinares (R$ 0,75), o que obrigou o Banco Central a imprimir milhões dessas cédulas. Todas têm a foto do jovem Sadam – nos dois lados. As autoridades estadunidenses reconheceram o constrangimento de ter de voltar a usar notas com a imagem do ex-ditador, mas disseram ser esta a única forma de não aumentar a fúria da população.
ENTREVISTA
Jornalista critica parcialidade da mídia
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
urante a invasão estadunidense do Iraque, em transmissões diárias para todo o mundo, o jornalista português Carlos Fino mostrou detalhes das operações militares e da vida de Bagdá, progressivamente destruída pelas bombas. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele analisou a cobertura da ofensiva, criticando a parcialidade de correspondentes dos Estados Unidos, que, em alguns casos, trabalharam vestindo a farda dos invasores.
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Brasil de Fato – Qual é sua experiência como correspondente? Carlos Fino – Fui correspondente em Moscou na era de Leonid Brejnev (secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, de 1966 à 1982) e depois com Mikhail Gorbachev (secretáriogeral de 1985 a 1991). Estive na 1ª guerra da Chechênia (1994), no conflito no Kosovo (1999) e na ofensiva dos EUA no Afeganistão (2001). Tenho memórias duras, mas pude me adaptar a isso. O que me incomoda é ser encaixado no papel de herói. Não me sinto bem no papel de ver misérias e voltar para contar.
Lindomar Cruz/ABR
Edson Capoano, especial para o Brasil de Fato
Quem é Carlos Fino é jornalista da Rádio e Televisão Portuguesa e foi correspondente em Bagdá, durante a ofensiva estadunidense.
BF – No Iraque, em qual momento você percebeu que ser da imprensa não lhe daria segurança? Fino – Sempre. Não tínhamos garantia alguma. Antes, havia um regime com lógica e regras, havia uma relativa segurança. Quando o conflito começou, a situação desmoronou. BF – Para os brasileiros, ficou a impressão de que os canais e agências estadunidenses e inglesas eram partidárias às causas de seus países. Qual é sua impressão? Fino – As grandes cadeias de televisão estadunidenses demons-
traram maior parcialidade, tanto que a direção da BBC criticou algumas atitudes de redes, sobretudo a Fox. É só ver como exemplo as transmissões de Dan Rather, com farda de soldado. Porém, acredito que o jornalismo não deve ser neutro. Há um conjunto de valores acumulados pelo jornalista que no final devem ser levados em
conta. Por outro lado, há o envolvimento emocional do jornalista. Como corresponder às notícias sem os sentimentos?
BF – O maior acesso à informação (cobertura ao vivo da TV, internet, etc) aproximou mais o telespectador da realidade
dessa guerra ou o distraiu dos reais motivos do conflito? Fino – Mesmo com toda essa cobertura, ainda assim houve áreas obscuras. A quantidade pode enganar e se passar por qualidade. Não vimos verdadeiras batalhas, por exemplo. Só pirotecnia de tanques, bombardeios, mas não os combates, como a resistência contra as tropas inglesas, as batalhas para a tomada do aeroporto de Bagdá, etc. Nessa guerra, não se encontrou a fórmula do verdadeiro correspondente como antigamente, como no Vietnã. Por outro lado, tínhamos coletivas de imprensa no Kuwait em salas com ar-condicionado.
BOLÍVIA
Paulo Pereira Lima, da Redação epresentantes de quarenta organizações sociais da Bolívia lançaram,dia 2,em Sucre,no Sul do país, as bases do Estado Maior do Povo (EMP), organização que pretende “reformar a Bolívia sobre um novo modelo econômico e político, com a finalidade de conseguir a independência definitiva do povo boliviano”. O ato de lançamento ocorreu após três dias de encontro, que contou com a participação de uma centena de camponeses, indígenas, representantes sindicais, em sua maioria do setor agrário, e de delegações departamentais (províncias) da poderosa Central Operária Boliviana (COB). O deputado e líder cocaleiro
Evo Morales aproveitou o evento para convocar a dissolução do Exército e para o estabelecimento de um novo Estado boliviano socialista e camponês. Candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais e dirigente dos camponeses plantadores de coca, Morales é também líder da oposição no Congresso com seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS).“Quem sabe o Estado Maior do Povo possa substituir este Exército inimigo do povo”, disse Morales, referindo-se à repressão contra as manifestações populares nos últimos meses e que provocou diversas vítimas. Na avaliação dos líderes populares, as instituições do Estado “estão completamente desacreditadas pelos contínuos casos de corrupção e, por isso, só resta transformar e
CMI
Organizações populares querem nova Constituição para o país
■ Lideranças populares fundam o Estado Maior do Povo mudar as bases do Estado”. Eles destacaram que “é tempo de deixar de lado a apresentação contínua de petições para obterem a
atenção do governo, pois as respostas conseguidas por essa via têm sido somente remendos para os conflitos sociais agudos”.
AMÉRICA LATINA
Na Bolívia, lideranças populares lançam uma organização que propõe um novo modelo econômico e político para o país; no Equador, as nações indígenas rompem com o governo Gutierrez; no Chile, a jornalista Patricia Verdugo fala das feridas deixadas pela ditadura de Pinochet
E propuseram que o Congresso seja substituído por uma Assembléia Constituinte Popular. Morales sugeriu que os sindicatos formem “comitês de autodefesa” armados para se oporem às políticas neoliberais do governo. Exigiu ainda a expulsão dos representantes na Bolívia do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Ao mesmo tempo, no Congresso boliviano, um grupo de 25 deputados opositores continuavam em greve de fome para exigir do governo a inclusão de suas propostas na agenda das sessões extraordinárias do Legislativo. Entre agosto e setembro, em Sucre, está prevista outra assembléia da EMP para a qual serão convidados representantes de outras organizações.
EQUADOR
Nações indígenas proclamam independência Marcelo Larrea, de Quito (Equador) s nações indígenas do Equador declararam sua independência política em relação ao governo do presidente Lúcio Gutiérrez. A poderosa Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), em assembléia que reuniu as suas três filiais, Confederação de Nacionalidades Indígenas da Costa Equatoriana , Confederação de Povos da Nacionalidade Kichwa do Equador, dos Andes, e Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana, avaliou as resoluções tomadas por seus organismos de base e resolveu proclamar a independência.
Em amplo debate, foram questionados a Carta de Intenção e o Acordo Stand By subscritos por Gutiérrez com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que concentram a orientação da economia do país no pagamento da dívida externa. A Conaie ratificou sua oposição a esse programa de ajuste que contém a elevação dos preços do gás e dos impostos; a eliminação de direitos trabalhistas e a privatização de setores rentáveis e estratégicos. O delegados insistiram na saída do ministro da Economia, Maurício Pozo, a quem acusaram de atuar como um agente do FMI e dos detentores dos papéis da dívida. Foram ainda discutidas a participação crescente do Equador no Plano Colômbia, com a im-
posição de uma zona de guerra, na fronteira Norte do país, e a proposta de Gutiérrez ao Grupo do Rio, reunido em Cuzco, Peru, para que a ONU obrigue as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) a um cessar-fogo, ou então a enfrentar uma intervenção militar multinacional. Os indígenas expressaram seu mal-estar com a a pretensão de Gutiérrez de dividir o movimento indígena, promovendo uma organização anexa a seu partido que, com a participação pessoal do presidente, entrega picaretas e pás das comunidades,“o que,aliás,não contribui para a resolução de nenhum dos problemas fundamentais que a população indígena sofre no campo”. O deputado indígena Salvador Quishpe afirmou que “a Conaie
é o pai e a mãe do governo de Gutiérrez, pois, caso não tivesse convocado em janeiro de 2000 o levante que depôs o governo de Mahuad, o coronel Gutiérrez não haver ia existido na política equatoriana. Conseqüentemente, é dever da Conaie exigir do presidente as retificações que o povo pede para que se cumpram as promessas da campanha eleitoral”. Leonidas Iza, presidente da CONAIE, advertiu que “a organização vigiará de fora para dentro as ações do presidente Gutiérrez. Em 16 de junho próximo, será realizada uma reunião de cúpula que contará com a participação de todas as autoridades eleitas e proclamadas, para elaborar um projeto que exija de Gutiérrez o compromisso com o povo. A ela comparecerão os diri-
gentes do Pachakutik (Movimento Político Indígena Contra a Fome e a Corrupção) e deverá ser decidido se seus funcionários vão continuar ou não no governo”. Iza frisou que pode ser convocado um plebiscito para que o povo decida quem fica e quem sai do governo. Gutiérrez foi eleito em novembro passado por uma aliança entre o seu partido, a Sociedade Patriótica e o Pachakutik, do qual a Conaie é coluna vertebral.Agora, o presidente perdeu o respaldo da organização social mais poderosa do país, com a qual pôde ter – e não tem mais – uma sólida base de legitimidade política para o exercício do poder. Marcelo Larrea é correspondente da Adital no Equador e diretor do jornal “El Sucre”
CHILE
Os tristes dias do Chile
Brasil de Fato – Como está o país hoje? Patrícia Verdugo – As cifras macroeconômicas estão equilibradas, como dizem os economistas. A inflação é baixa. Exportamos cobre, madeira para celulose, ferro, salmão, vinho e milhares de outros produtos. Mas o desemprego ainda é alto (8,9%) e os que trabalham o fazem por muitas ho-
ras por dia. O salário mínimo é de cerca de 150 dólares e com isso uma família não consegue comer o suficiente. Temos uma renda de 5 mil dólares per capita, mas o problema grave é a diferença entre ricos e pobres que continua crescendo. O resultado de tudo isso é que as pessoas estão estressadas, cansadas e de mau humor.
Quem é Consagrada por sua produção em defesa dos direitos humanos, Patrícia Verdugo escreveu sobre o Chile na ditadura de Pinochet. Ganhou o Prêmio Nacional de Jornalismo no Chile e o prêmio Maria Moors Cabot, a mais importante homenagem a escritores estrangeiros nos EUA
BF – E o que fazem os movimentos sociais? PV – A ditadura aplicou o máximo de terror por quase 20 anos e desarmou todo o tecido social de organizações que o Chile tinha. E o que se refez, na luta contra a ditadura, ficou logo desanimado. De 90 em diante, não houve estímulos para que o povo se filie a sindicatos ou organizações populares. O incentivo foi para que cada cidadão fique sozinho, que se vire individualmente. BF – Qual a porcentagem
dos que ainda apóiam Pinochet? PV – Calcula-se que um terço da população é de direita pinochetista. Isso inclui muitos jovens. São filhos de militares ou de pessoas visceralmente anticomunistas. BF – E Allende? PV – Em 2000, foi possível colocar uma estátua do presidente Allende em frente do Palácio de La Moneda. Mas a imprensa, de direita, impõe sobre ele uma forte censura, a não ser para criticá-lo.
BF – E os desaparecidos políticos? PV – Pinochet dizia que os presos e desaparecidos eram uma invenção de seus inimigos. Provamos que Pinochet mentia. O caso da “caravana da morte” abriu uma jurisprudência muito importante. Quer dizer, entende-se que um preso, cujo corpo não aparece, é considerado seqüestrado. E como o seqüestro é um delito em execução permanente, seus autores não podem ser beneficiados pela anistia ditada pelo mesmo Pinochet. BF – Por que é difícil encontrar obras de autores chilenos no Brasil? PV – Na América Latina, não sabem o que estamos pensando, cantando, criando. Cortaram nossas redes de comunicação e os EUA nos deixaram conectados ao cordão umbilical da CNN, UPI e AP. Esse é o plano de Washington para que não voltemos a coordenar ações que não sejam do seu gosto.
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
uem estudou a história do Chile, tinha no país andino, ao lado de Cuba, o exemplo de luta.Ali, Luis Emílio Recabarrén, líder operário mineiro, fundou o primeiro Partido Comunista da América do Sul. O Chile é a pátria de Gabriela Mistral e Pablo Neruda, dois Prêmios Nobel de Literatura.Violeta Parra e Victor Jara, os maiores nomes da Nova Canção Chilena, juntavam a beleza da poesia com a denúncia social. O Chile foi o primeiro país a colocar no poder, pela via eleitoral, um presidente socialista, Salvador Allende, apoiado pelo Partido Comunista. No entanto, o Chile foi também o primeiro país, ao lado da Bolívia, a experimentar o modelo neoliberal; a mistura de ditadura militar com neoliberalismo econômico produziu efeitos tão profundos que conseguiram apagar o brilho da sociedade chilena, que hoje vive um melancólico dia-a-dia de pessoas estressadas e distantes do passado. A jornalista Patrícia Verdugo, autora de Caravanas da Morte, livro que liga Pinochet ao assassinato de presos políticos, explica melhor esse triste panorama.
Alexandre Barbosa
Alexandre Barbosa, de São Paulo (SP)
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ÁFRICA AFRICA
Continente aposta em alianças com o Brasil Jarbas Oliveira
INTERNACIONAL
O Fórum Brasil-África revelou sintonia entre o que os vizinhos do continente negro esperam do gigante latino-americano e o que o governo Lula pretende ao se reaproximar das nações do Sul; organizadores dizem que o encontro superou as expectativas
Marilene Felinto, enviada especial a Fortaleza (CE) pr imeiro “Fórum Brasil-África: Política, Cooperação e Comércio”, que ocorreu em Fortaleza (CE), dias 9 e 10 de junho, abriu com franco otimismo quanto às relações Sul-Sul: entre o “continente” Brasil e as nações do continente africano (em oposição aos países desenvolvidos, do hemisfério Norte). O vice-presidente José de Alencar, que representou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mencionou, em seu discurso de abertura, a “grande vontade” de Lula de ter estado presente ao evento, dada à tarefa que seu governo se propôs de reformular e fortalecer a política externa brasileira em relação à África. Referindo-se ao Brasil como um país de ampla mestiçagem, Alencar afirmou que o fórum – organizado pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro e pelo Grupo de Embaixadores Africanos de Brasília) – foi, ao mesmo tempo, uma iniciativa de conhecer os diagnósticos e as perspectivas das delegações visitantes sobre os temas africanos e as relações com o Brasil e o reconhecimento das possibilidades de cooperação bilateral.
■ Abertura do Fórum Brasil/África, em Fortaleza (CE),(a partir da. dir.) Nkosazana Dlamini Zuma (ministra dos negócios estrangeiros da África do Sul), Lúcio Alcântara (governador do Ceará), José Alencar (vice-presidente do Brasil) e Pedro Pires (presidente de Cabo Verde) O presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, único chefe de Estado presente, disse que a eleição de Lula representa “na democracia brasileira o triunfo das orientações políticas em prol de um desenvolvimento justo”. Pires se disse convencido de que a experiência brasileira no combate à pobreza e à exclusão social será útil ao desenvolvimento africano.
Para a ministra dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, Nkosazana Dlamini Zuma, as ações de reatamento dos laços entre África e Brasil, tomadas pelo governo Lula, deveriam ter acontecido mais cedo, não apenas por razões históricas,“mas porque somos vizinhos e temos culturas similares”. A ministra disse que seu país aguarda com grande expec-
tativa a visita que Lula fará à África do Sul no início de agosto. “A cooperação entre Brasil e África do Sul é excelente e nós queremos estabelecer uma relação exemplar entre nações do Sul, ainda mais agora, com a aliança trilateral entre Brasil, África do Sul e Índia”, afirmou Zuma. A diretora-geral do Instituto Nigeriano de Assuntos Interna-
cionais, professora Joy Ogwu, disse que a iniciativa brasileira de reaproximação com a África é um marco. “Particularmente nesta época de política globalizada”, afirmou Ogwu, “os países do Sul precisam desenvolver relações estratégicas para estabelecer a paz e o desenvolvimento, de modo que haja uma guerra conjunta contra a pobreza.” Para ela, a posição de líderes em suas respectivas regiões permite a Brasil, Nigéria e África do Sul acelerarem a cooperação mútua,“de modo complementar, sem competição”. O escritor angolano José Eduardo Agualusa, um dos representantes de Angola no Fórum, que tratou dos modelos de intercâmbio cultural e das áreas de interesse em comum entre o Brasil e os países africanos de língua portuguesa, acha que seu país está falando um português “pobre” e que o Brasil pode contribuir com o ensino da língua ali. Agualusa definiu o atual estágio do português como uma “criação conjunta de todos os povos que a falam”. O escritor também questionou a exaltação da “lusofonia”, não do conceito, mas da palavra:“Lusofonia é uma palavra mentirosa, porque não há ninguém que fale lusitano, nem os portugueses; o que se fala é português. Portanto, a palavra é uma contradição”.
“África renasce e nos motiva”, diz ministro
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Brasil de Fato – A que se deve a iniciativa por um Fórum Brasil-África neste momento? Celso Amorim – Não há dúvida de que este evento ganhou dinâmica e projeção em função da prioridade que o governo do presidente Lula decidiu atribuir às relações com o continente africano. Começamos por idealizar um evento para 250 pessoas e hoje temos mais de 600 pessoas que se inscreveram. Já de início, a nossa expectativa está sendo amplamente superada. É diretriz do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o Brasil se volte mais concretamente para a África. Para operar de forma mais eficaz esses objetivos, retirando o relacionamento do estado letárgico a que fora relegado, é necessária profunda revisão dos parâmetros que orientam as relações Brasil – África. O caráter amplo deste fórum atende exatamente à necessidade de recolher importantes subsídios para a tarefa de reformular e redefinir a política externa brasileira em relação à África. BF – Como é possível se relacionar com a África sem explorar este continente historicamente espoliado em todos os sentidos por colonizadores e neocolonizadores?
Amorim – É importante frisar que o Governo brasileiro conta com o setor privado e a sociedade civil de nosso país para transformar os laços de amizade que nos unem aos povos da África em progresso econômico e social, em benefício mútuo. Os caminhos para a África se reabrem e apontam um reencontro solidário de brasileiros e africanos, em sintonia com a motivação e as aspirações de amplos setores de nossa sociedade. Nos países que visitei – em graus variados – vi muita pobreza, mas não estagnação. Há, mesmo entre os países mais pobres, um certo dinamismo, ainda que seja um dinamismo feito mais de expectativas do que de realizações. As relações Brasil-África atendem, no plano político, a múltiplos interesses brasileiros, entre eles o estreitamento do diálogo e da cooperação com países do hemisfério Sul que compartilham, no cenário internacional, preocupações e demandas semelhantes às do Brasil. No plano econômico, a aproximação com a África pode representar mais oportunidades para a promoção do comércio exterior brasileiro, para a internacionalização de empresas brasileiras e também das capacidades nacionais, que ganham dimensão internacional pela expansão dos programas de cooperação técnica, científica e tecnológica executados por órgãos e instituições brasileiras.
Quem é
Antônio Cruz/ABR
Brasil quer eliminar o “estado letárgico” que vinha marcando seu relacionamento com os países africanos. Daí a iniciativa tomada pelo governo de realizar o fórum Brasil-África, em Fortaleza. Para o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o Fórum superou amplamente as expectativas do Itamaraty. Em entrevista ao Brasil de Fato no dia 6 de junho último, Amorim falou sobre o estreitamento do diálogo com os países do hemisfério Sul, especialmente os africanos, objetivo do fórum. O embaixador traçou um quadro das relações Brasil-África no plano político, econômico, cultural e afetivo e disse que o Brasil quer uma relação de solidariedade com a África. “Queremos fazer negócios, sim, porque acreditamos que estes serão um fator de dinamização das relações. Mas o espírito dominante será o da solidariedade e não o da ganância pura e simples.” (Marilene Felinto)
A orientação africana da política externa brasileira responde ainda, internamente, à justificada expectativa de amplos setores da sociedade brasileira, como afro-descendentes e acadêmicos. Como declarou o Presidente Lula, o estreitamento das relações com a África constitui para o Brasil uma obrigação política, moral e histórica. Pude verificar grande demanda – em alguns casos até mesmo em termos de cobrança – pelo Brasil no outro lado do Atlântico: superados o regime do apartheid e os conflitos internos em Angola e Moçambique e estando em processo de pacificação alguns outros países na África, as sociedades africanas se mobilizam para cicatrizar as feridas do passado e lidar com as carências do presente. Trata-se de um processo de renascimento que não pode deixar de nos motivar. Respondendo mais especificamente às suas perguntas: queremos fazer negócios, sim, porque cremos que estes serão um fator de dinamização das relações. Mas o espírito dominante será o da solidariedade e não o da ganância pura e simples. Creio que os africanos percebem essa diferença em relação a outros países. Por isso, entre outras razões, estão tão abertos à cooperação conosco.
O embaixador Celso Luiz Nunes Amorim, 60 anos, é ministro das Relações Exteriores, cargo que também ocupou no governo Itamar Franco. Em maio, esteve em sete países africanos, preparando a visita que o presidente Lula fará em agosto a África do Sul, Angola, Moçambique, Namíbia e São Tomé e Príncipe.
BF – O Sr. esteve no Zimbábue. O que pôde avaliar da crise institucional do país? Amorim – Minha visita ao Zimbábue ocorreu no contexto de uma visita que fazia a todos os países da África Austral em que o Brasil mantém uma missão diplomática residente. Fui com o intuito de dialogar com as autoridades locais e obter diretamente informações que nos permitam melhor compreender a situação daquele país. Foi uma visita curta, mas fez-me perceber que as autoridades locais estão sentindo a necessidade do diálogo. É um processo complexo, com dificuldades tanto do lado do governo quanto da oposição. O que ficou claro para mim, em contatos com governantes de vários países da região, é que há uma grande preocupação em evitar qualquer forma de intervenção externa. Por isso, todos me pareceram interessados em apoiar alguma forma de entendimento. Sobre o processo de reforma agrária, ele já está concluído e o Governo local está procurando agora meios, sobretudo financeiros, para garantir a atividade produtiva nas áreas distribuídas a novos proprietários. Não é uma problemática desconhecida para nós e talvez haja oportunidade de oferecer-
mos alguma cooperação, na medida em que a situação se estabilize.
BF – Como andam as negociações da cooperação trilateral entre Brasil, África do Sul e Índia? Amorim – Trata-se da primeira reunião, em caráter preliminar e exploratório, para estimular a articulação e cooperação entre países do Sul. A pauta inicial é a busca de pontos de convergência, inclusive no tocante à interlocução com os países desenvolvidos. Queremos, também, contribuir à promoção do desenvolvimento social e econômico em nossos países, a partir da troca de experiências e esforços conjuntos. Estou seguro de que projetos concretos trilaterais irão emergir, pois o potencial é imenso nos campos econômico-comercial, de ciência e tecnologia, educacional, sem falar da concertação política. Lembre-se que o MERCOSUL está em negociação com a SACU (União Aduaneira do Sul da África), da qual o país líder é sem dúvida a África do Sul, e também com a Índia. Será absurdo sonhar com a possibilidade de articular esses movimentos em uma área de livre comércio envolvendo as três regiões/países?
SOFTWARE LIVRE
Plataforma aberta desafia Bill Gates squeça os computadores e as linguagens cifradas. Pense num quarto de hotel e, em seguida, na sua própria casa. O software (programa de computador) proprietário é como se fosse um quarto de hotel. Para usá-lo, você tem que pagar diária, e não pode mexer em nada que não lhe agrade, como trocar os quadros de lugar. O exemplo mais conhecido são os produtos Microsoft (o sistema operacionalWindows, entre outros), empresa do bilionário Bill Gates. O software livre é como se fosse a casa própria. Você pode trocar os móveis de lugar e, o melhor de tudo, não precisa pagar aluguel. Os programas de códigos fechados (proprietários) são produzidos por empresas que não informam a forma de seu desenvolvimento. Nas plataformas abertas, os códigos
fontes (o coração de um software) são conhecidos, e seus vale “desenvolvedores” estimulam sua multiplicação. Um dos grandes argumentos dos defensores dos programas livres é que o valor pago pela licença de uso do software proprietário não fica com empresas brasileiras. A indústria de informática movimenta, no Brasil, 3,2 bilhões de dólares por ano e remete, em divisas, cerca de 1 bilhão de dólares em royalties (licenças de uso) para as matrizes de grandes corporações de informática, como a Microsoft. No Brasil, apenas 8% das pessoas têm acesso à Internet; e 52% usam programas pirateados. PROJETO BRASILEIRO No Brasil, os defensores do software livre pressionam governos e demais organizações públicas a adotar os programas de código aberto. Para isso, foi criado o Projeto Software Livre Brasil (PSL-
Segurança e economia estimulam empresas As empresas estão aderindo ao software livre pela sua segurança e baixo custo. Como não gastam recursos com licenças, suas despesas com a implantação de programas de código aberto são referentes aos serviços de desenvolvimento, treinamento dos funcionários e suporte técnico. Entre as grandes empresas que trocaram seus sistemas de informática incluem-se as Lojas Renner, Casas Bahia e a Lojas Colombo. Entre os bancos, o do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) foi o primeiro a migrar para o Linux, seguido pelo gigante HSBC. Atualmente, inúmeras instituições financeiras avaliam o sistema, que roda em “ilhas”, isto é, em alguns departamentos, serviços ou produtos. Segundo Stefan Wieczrec, diretor da G&P, empresa de treinamento em tecnologias da informação que tem como clientes 200 das maiores empresas brasileiras, 80% dessas grandes corporações possuem sistemas de informática operando com software livre. “A adesão por programas de código aberto vem crescendo muito e o maior responsável por isso é a própria Microsoft, com sua política abusiva de preços”, afirma. A implantação de programas de código aberto em uma empresa não é fácil, principalmente quando o usuário final vai fazer a migração, pois o monopólio do software proprietário fez com que as pessoas se alfabetizassem em informática conhecendo apenas um tipo de programa. O sucesso da migração de sistemas Microsoft, por exemplo, para programas de software livre está no planejamento, treinamento e suporte. “Se não há uma preparação do pessoal, o processo pode ser traumático, inviabilizando o projeto”, ensina Stefan Wieczrec. Mas nada disso paralisou o grupo Herval, há 40 anos no mercado gaúcho com lojas de móveis, eletrodomésticos, materiais de construção e ferramentas, além de indústrias química e moveleira. Rudnei Rufatto, gerente de informática do grupo, afirma que as 32 lojas da rede operam, há três anos, com software livre, o que significa uma economia de R$ 500 mil por ano.“Estávamos querendo uma ferramenta que nos possibilitasse crescer com maior segurança e o software livre nos deu a melhor resposta”. O grupo pretende ampliar a utilização dos programas de código aberto para outras unidades de negócio. (CBO)
BR), com o apoio do governo federal. A deliberação foi tomada na sessão de encerramento do IV Fórum Internacional Software Livre, realizado neste fim de semana, em Porto Alegre. A decisão de impulsionar o software livre por meio de uma articulação nacional - reunindo diferentes níveis de governo, entidades públicas e privadas, empresas, universidades, programadores e usuários - foi recebida com entusiasmo pelas cerca de quatro mil pessoas que participaram do fórum. O evento contou com 269 palestrantes e nele estavam representantes de 24 Estados e 14 países. Nos dias 19 e 20 de agosto, no Senado Federal, o Software Livre Brasil realizará sua primeira atividade, divulgando, à comunidade internacional, que o país está aberto para apoiar e implantar softwares livres. O PSL-BR inspira-se no Projeto Software Livre RS, que liderou a organização dos quatro fóruns internacionais, estimulou o desenvolvimento de soluções abertas na administração pública, além de ter atraído várias empresas de tecnologia para programas de códigos fontes abertos. Marcelo Branco, um dos coordenadores do PSL-RS e diretor técnico da Empresa de Processamento de Dados da Prefeitura de Porto Alegre, declarou que, com a iniciativa, o país ficará em condições muito favoráveis para disseminar o software livre. Segundo Branco, o país gasta mais de 1 bilhão de dólares em pagamentos de royalties, montante que poderia ser destinado à área social.
Governo oferece alternativa ao Windows O governo federal vai alterar o software para declaração do Imposto de Renda.Até hoje, diz Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (INTI), o programa distribuído pela Receita Federal só podia ser utilizado em computadores que tivessem Windows instalado. “O Serpro (empresa pública de processamento de dados vinculada ao Ministério da Fazenda) já está trabalhando na solução deste programa em software aberto e nós vamos colocá-lo em operação no ano que vem”. Segundo Amadeu, a diretoria do Serpro aprovou a criação do Programa Corporativo de Software Livre, institucionalizando o uso dos programas livres como política da empresa. Com esse programa, o Serpro está pronto para atender eventuais demandas do governo para implantação de software livre em todos os órgãos públicos. Na abertura do IV Fórum Internacional de Software Livre, representando o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu,Amadeu deixou claro que o uso e o desenvolvimento de software livre é uma política de governo. Outra medida imediata é a alteração das páginas (sites) oficiais dos órgãos da União, para que possam ser visualizadas também por navegadores desenvolvidos em código aberto. “Hoje, a maioria dos sites do governo só é visualizada em Explorer (navegador da Microsoft) e nós queremos adequar o código dessas páginas a todos os outros navegadores.” Mas o presidente do INTI disse que a implementação do software livre no governo federal vai ser lenta e gradual. “Quando a gente migrar um órgão, ou um implantar um solução diferente em informática, ela terá de funcionar bem, porque o usuário comum está acostumado com determinados programas, devido ao monopólio do software proprietário”, ponderou. Mas garantiu que haverá resultados concretos desse processo de mudança digital na esfera federal até a metade de 2004. (CBO) ■ O IV Fórum Internacional do Software Livre, realizado em Porto Alegre, contou com 269 palestrantes e com delegados de 24 Estados brasileiros e de 14 países
Fotos: Luiz Abreu
Cristina Bartholomay Oliveira, de Porto Alegre (RS)
AMBIENTE VIRTUAL
A cada ano, o Brasil remete 1 bilhão de dólares às empresas de software (programa de computador), como a Microsoft; a solução é adotar do software livre, como o Linux, perspectiva defendida por um encontro internacional realizado em Porto Alegre, e abraçada pelo governo Lula
sistema operacional de código fonte aberto mais conhecido é o GNU/Linux, criado pelo finlandês Linus Torvalds e desenvolvido permanentemente por pessoas no mundo todo, que contribuem no aperfeiçoamento do sistema operacional, através de milhares de mensagens enviados a um núcleo moderador (kernel), atualmente coordenado por Marcelo Tosatti, um brasileiro de 21 anos. Muitas administrações públicas estão economizando com o uso de software livre. Entre elas, a prefeitura de Porto Alegre, pioneira na iniciativa, e o governo do Rio Grande do Sul. “Implantamos software livre no Estado e economizamos R$ 30 milhões na instalação do correio eletrônico para 7 mil funcionários;
R$ 40 milhões na Rede Escolar Livre RS, com a informatização das escolas; 300 mil dólares com a opção do software livre na Universidade do Estado do Rio Grande do Sul; além de R$ 9,6 milhões no Banrisul, com a implantação do Linux nos caixas eletrônicos”, conta Marcelo Branco. Como todo o custo da licença do software proprietário é pago pelo usuário, “é impossível acabar com a exclusão digital no Brasil usando a lógica dos sistemas proprietários”, avalia Branco. Para ele, a inclusão digital não passa simplesmente por distribuir computadores conectados à Internet.“Isso seria nos enxergar como meros consumidores de uma tecnologia produzida fora. É assim que os Estados Unidos nos vêem”, alerta.
Ele lembra o que aconteceu nas décadas de 60 e 70, quando alguns pensavam que distribuir televisão para o povo democratizaria a informação no país. “Sob
o ponto de vista econômico e do conhecimento, nós só incluiremos o Brasil no mundo digital se nossos “desenvolvedores” de software, nas nossas empresas e universida-
des, puderam influir de fato nos rumos da tecnologia digital. Caso contrário, não passaremos de meros consumidores aos olhos dos países desenvolvidos”.(CBO)
Só falta ser acessivel a pessoas comuns Um dos maiores ícones entre os “desenvolvedores” e apoiadores do software livre é um mexicano de 29 anos, que preside a Gnome Foundation. Miguel de Icasa tem, hoje, a tarefa de dar ao GNU/Linux uma interface amigável, capaz de ser utilizada por pessoas comuns, sem conhecimentos avançados em tecnologia. Segundo ele, o software livre
já satisfaz 90% das necessidades das empresas e das administrações públicas, pois inclui calculadora, processador de texto, correio e browser (navegador), entre outros itens. Mas para os consumidores domésticos, ele admite que o sistema ainda não está pronto, devendo demorar 4 ou 5 anos para satisfazer as necessidades desses usuários. Icasa destaca, ainda, que o software livre vem sendo adotado por admi-
nistrações públicas da América Latina e da Europa por representar redução de custos e independência tecnológica, além de ser uma garantia de segurança nacional e de propiciar a criação de uma indústria local. Outra vantagem é a capacidade de suportar qualquer idioma, enquanto o Office suporta apenas 24 dos mais de 8.000 idiomas existentes. (CBO)
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
Linux ganha adeptos em todo o mundo
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DEBATE
TELEVISÃO PÚBLICA
Por uma rede nacional de TV Laurindo Lalo Leal Filho
Kipper
atual crise da TV Cultura de São Paulo nada mais é do que uma nova fase cíclica, que se repete regularmente ao longo de sua história. Mantida desde 1969 por uma fundação de direito privado, o que lhe dá total independência gerencial em relação ao Estado, a emissora tem como fonte de recursos prioritária — e em muitos momentos única — o tesouro estadual. Criou-se dessa forma uma relação tensa entre quem libera as verbas e quem as administra. Essa é a raiz institucional de todas das crises. O modelo público consagrado internacionalmente é aquele que se mantém independente do Estado e do comércio, política e financeiramente. No Brasil, a única experiência concreta que se aproxima desse tipo é a da Fundação Padre Anchieta, que tem
como referência a BBC. Como na emissora britânica, ela também é dirigida por um Conselho Curador autônomo e representativo da sociedade, com amplo poder de decisão e do qual deve ser cobrada responsabilidade pública. São hoje 45 membros, bem mais do que quando a instituição foi criada. O que parecia ser uma prática democrática ao ampliar o número de integrantes, revela-se agora causadora de uma aparente inoperância, com a diluição de responsabilidades. Cabe lembrar que, na BBC, o Conselho tem 12 integrantes e seus recursos vêm de uma taxa anual paga pelos telespectadores. Outra referência importante para a televisão pública no Brasil foi dada pela Constituição de 1988 que, em seu artigo 223, diz que no país deve ser “observado o princípio da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal”. Esboçou-se ai o tripé sobre o qual deveria funcionar a televisão brasileira. Infelizmente a realidade é outra. O modelo comercial segue hegemônico. Como reverter esse quadro? Do ponto de vista institucional, com a criação de um Conselho Coordenador Nacional das Emissoras não comerciais, reunindo neste primeiro momento todas as instituições existentes no país que se enquadrem nesse perfil. Es-
taria assim formada uma poderosa rede pública de televisão, com poder de produção e irradiação, capaz de competir com as emissoras comerciais. Do ponto de vista do financiamento, nenhuma das alternativas hoje existentes deve ser descartada, com exceção do anúncio comercial, incompatível com a linguagem de uma televisão pública. O apelo ao consumo, conquistado através da emoção, é inconciliável com uma programação mais reflexiva, balizadora do modelo. Mas devem ser considerados os recursos provenientes do Estado, aqueles originados de apoios culturais, os vindos de doações efetuadas por pessoas físicas e jurídicas e os originados da cobrança de aluguel das emissoras comerciais pelo uso do espectro eletromagnético, que é público, levando à constituição de um fundo mantenedor da rede pública nacional de televisão. O PAPEL DO GOVERNO O ideal é que neste momento as emissoras não comerciais sejam mantidas com recursos de diversas fontes, simultaneamente, para evitar que apenas um financiador possa se valer da situação para impor os seus interesses. Cabe ao Estado, no entanto, participação constante e significativa no financiamento para dar viabilidade e permanência ao projeto e para cumprir sua responsabilidade com a difusão da informação e da cultura. Apoiada nessa base financeira, a nova rede iria disputar audiência com as redes comerciais, como ocorre hoje em países como a França, a Alemanha e o Reino Unido, onde, apesar da onda privatista, as emisso-
ras públicas têm em torno de 50% da audiência. E agora o ponto mais importante. O suporte institucional e financeiro é fundamental, mas só ele não garante qualidade. É preciso abrir os canais públicos aos criadores brasileiros, impedidos pelo oligopólio de mostrar o que fazem. A isso se associa o papel crítico da própria televisão, que só uma emissora não comercial pode fazer, e a sua tarefa principal: oferecer programas de qualidade em toda a grade horária. Dessa forma estaria sendo dada oportunidade ao público de se acostumar com o “biscoito fino”, no dizer de Oswald de Andrade. Sem conhecer o que é bom, fica difícil exigir o melhor. O resultado de uma programação desse tipo levaria a televisão comercial a rever seus padrões, como aliás já aconteceu quando a programação infantil da TV Cultura de São Paulo atingiu dois dígitos de audiência e forçou um dos concorrentes a investir numa programação de melhor qualidade. A nova crise da TV Cultura coincide com a chegada ao poder nacional de um novo governo. Da combinação desses dois fatos, havendo vontade política, pode surgir uma verdadeira rede pública de televisão no Brasil, com a missão de elevar o grau de cultura e cidadania da absoluta maioria da população brasileira, que tem na TV a sua única janela para o mundo. Laurindo Lalo Leal Filho é jornalista e sociólogo, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
O desmonte do Estado
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
Beto Almeida
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s dificuldades verificadas na TV Cultura de São Paulo nos obrigam a uma discussão cuidadosa, como se tratássemos de algo em situação de fragilidade, mas que deu aO Brasil um exemplo de televisão de qualidade humanizadora em meio a um processo de crescente degradação. Um dos ângulos deste debate é enveredar pelo viés da eficiência administrativa, pensando que eventuais equívocos de ordem organizacional possam responder pelos fundamentos da crise que nos preocupa. Neste sentido, é fundamental que se encontrem os caminhos mais democráticos para que os problemas administrativos apontados pelos trabalhadores da TV Cultura sejam rigorosamente apurados. Será justo descontextualizar as dificuldades da TV Cultura de um ambiente em que, em inúmeros países, os modelos de televisão pública vêm sendo submetidos à implacável onda neoliberal, esvaziando e desmontando o Estado, cujos resultados mais evidentes são a redução e a precarização dos serviços públicos oferecidos à sociedade? Nos anos 90, uma descomunal onda de privatização atingiu a TV pública na Europa, que havia sido, desde o seu surgimento, um instrumento com expressiva capacidade de elevação informativocultural, nas mãos dos poderes públicos. O resultado da onda de desmonte do Estado no continente europeu, no campo da comunicação, vem sendo o rebaixamento da qualidade dos conteúdos, na medida em que, em substituição aos mecanismos de condução
dos poderes públicos, a TV pública sucumbiu diante do mercado e suas regras discricionárias e excludentes. Na França, durante décadas, o programa de maior audiência em horário nobre na TV pública foi uma revista literária. Privatizados alguns canais, a TV francesa hoje tenta resistir à avalanche da produção audiovisual estadunidense, mas já foi rebaixada aos “reality shows”, inimagináveis aos padrões da cultura francesa anos atrás. Os mitos intencionalmente espalhados para fabricar o consenso de que TV nas mãos do poder público será necessariamente ruim, monótona ou “chapa branca” contrastam com esta experiência européia do pós-guerra, quando, não apenas a TV e a rádio, mas também o cinema, experimentaram uma combinação de forte crescimento estrutural e elevação qualitativa reconhecidos. Estamos discutindo uma TV Cultura que provou a todos sua capacidade de fazer televisão em rigorosa sintonia com as recomendações constitucionais, alcançando premiações internacionais pela qualidade de sua produção, mesmo não tendo sempre as melhores condições financeiras, a disponibilidade dos recursos necessários para o empreendimento televisivo. E aqui entramos no âmago da questão. Apontam os números que desde 1995 a TV Cultura vem recebendo menos recursos do governo estadual. Coincide com o período mais radical do processo de desmonte do Estado, das privatizações. Será possível discutir as restrições orçamentárias à TV Cultura desli-
gando-as da orientação política que levou à privatização irregular da Eletropaulo, a verdadeira sabotagem a que foi submetido o Banespa antes de sua privatização? É possível entender as dificuldades que a emissora atravessa, seu sucateamento, abstraindo do empurrão que a Cultura sofreu para disputar publicidade comercial? A alegação de que os recursos são escassos contradiz com o vertiginoso crescimento do volume de recursos destinados a saldar os serviços das dívidas dos Estados, decretando uma insolvência prática dos mesmos. Não se pode ignorar também o volume de recursos que pela via da renúncia fiscal foi destinado para eventos culturais, na maioria das vezes de pequeno acesso à grande massa da população. PROPOSTA A exemplo do petróleo, cujas concessões implicam em movimentação expressiva de recursos, as concessões para que empresas de comunicação utilizem um bem social e finito, que é o espectro eletromagnético, também deveriam ser feitas mediante remuneração ao Estado, consubstanciando recursos suficientes para sustentar e viabilizar um sistema público de radiodifusão. Os representantes da TV comercial certamente vão reclamar. Ora, por acaso os gigantescos conglomerados de comunicação privados hoje existentes no Brasil foram construídos sem o decidido aporte de recursos públicos? Que razão haveria para negar a uma emissora como a TV Cultura os recursos necessários para não apenas continuar seu trabalho qua-
lificado? Como negar à sociedade o direito de ter acesso a uma televisão humanista, educativa e cidadã, frente ao deletério processo de baixaria audiovisual que se constata nas emissoras comerciais, que recebem crescentes recursos dos poderes públicos para o desempenho de papel tão lamentável? Não é surpreendente que o Palácio do Planalto afirme que “a crise da Globo será tratada como uma questão de Estado”, enquanto as emissoras públicas estejam entre a penúria e a indigência? Estaria a TV Cultura sendo castigada por sua qualidade? Assim, a proposta que apresentamos para enfrentar este quadro a que estão sendo conduzidas as emissoras públicas é a de que uma lei institua uma taxação pelo uso do espectro eletromagnético, um bem público caro e finito, angariando recursos que constituiriam um fundo de apoio à radiodifusão pública. Se o governo federal pode destinar recursos públicos para saldar dívidas de grupos privados, nada mais lógico que se pensar uma alternativa capaz de promover uma relação mais equilibrada entre o sistema comercial de radiodifusão e o sistema público, que não tem hoje os meios necessários para a disputa da audiência porque os recursos públicos estão direcionados a sustentar um modelo de televisão que registra fraco compromisso com a cultura, com a soberania nacional e com a responsabilidade social da informação. Beto Almeida é jornalista, membro da Comissão de Liberdade de Expressão do Sindicato dos Jornalistas de Brasília
AGENDA
Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie e-mail para agenda@brasildefato.com.br
CONGRESSO DA UNE DOS
ESTUDANTES
SP - “DE
■ O repentista Sebastião Marinho e O Bando de Maria se apresentam em São Paulo
ATINGIDOS POR BARRAGENS DF - ENCONTRO NACIONAL
OLIVEIRA –
● Dia 12 de junho Por sua contribuição ao pensamento social brasileiro, o professor de sociologia Francisco de Oliveira receberá do vereador Nabil Bonduki (PT-SP) o título de cidadão paulistano. Além da homenagem, professores da Universidade de São Paulo (USP) debaterão o trabalho e o pensamento de Oliveira. 14h – Palestra “Desenvolvimento, modernidade e atraso: a dinâmica brasileira”, com a participação das professoras Leda Paulani (economia) e Heloísa Starling (história). 16h30 – Palestra “Os territórios, a cidade, as formas de habitação”, com a presença dos professores de sociologia Lúcio Kowarick e Vera da Silva Telles e do vereador Nabil Bonduki ■ Francisco de 19h30 – Entrega do título e conferência de encerramento Oliveira Local: Anfiteatro de História da USP – Av. Profº Lineu Prestes, 338 – São Paulo-SP Mais informações: (11) 3091-3727/3111-2530, nedic@usp.br ou nabil.bonduki@uol.com.br
DE
POR
BARRAGENS
MÍDIA INDEPENDENTE (CMI)
DO
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO MA – SEMINÁRIO NACIONAL: ORÇAMENTO PARTICIPATIVO, GESTÃO PLANEJAMENTO DA CIDADE
E
● De 17 a 20 de junho O seminário tem como objetivos: aprofundar as experiências de orçamento participativo no Brasil, promovendo trocas de experiências entre as entidades e pessoas envolvidas e auxiliando as discussões em torno do aprofundamento da democracia. Estão convidados a participar do evento organizações não governamentais, movimentos populares, pesquisadores, vereadores, gestores públicos, conselheiros e delegados de orçamento participativo. Local: Rio Poty Hotel – Av. dos Holandeses, lote 25 – São Luís-MA Mais informações: www.saoluis.ma.gov.br/opseminario, opseminario@saoluis.ma.gov.br ou (98) 222-5724 / 222-9343
DIREITOS HUMANOS
A TESTEMUNHA IRAQUIANA INTERNET – CENTRO
ATINGIDOS
A TAREFA CRÍTICA
JST
DE
DOS
● Até dia 13 de junho O encontro, realizado de três em três anos, pretende reunir 1.200 atingidos por barragens de todas as regiões do Brasil. Serão discutidas e definidas as linhas gerais do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para o próximo período, bem como as formas de luta contra as barragens no Brasil. Local: Universidade Nacional de Brasília (UNB), no Centro Comunitário Athos Bulcão – Brasília-DF Mais informações: (54) 522-1857, www.mabnacional.org.br, mab@mabnacional.org.br
FRANCISCO DE OLIVEIRA SP – SEMINÁRIO: FRANCISCO
REPENTE O FORRÓ”
● Terças-feiras, dias 17 e 24 de junho, às 21h Série de encontros entre diversas gerações de músicos de forró. No evento, idealizado pelos jornalistas Theresa Dino e Marco Aurélio Olímpio, também ocorrerão apresentações de repentistas. A proposta dos shows é resgatar a tradição e a cultura dessas manifestações culturais originalmente nordestinas. Segue abaixo a programação: • dia 17: Sebastião Marinho e Andorinha (repentistas), Oswaldinho do Acordeon e Arleno Farias (forró) • dia 24: Sebastião Marinho e Luzivan Mathias (repentistas), Rouxinol Paraibano e O Bando de Maria (forró) Local: Sesc Pinheiros - Av. Rebouças, 2876 – São Paulo-SP Mais informações: (11) 3814-4912, theresadino@hotmail.com
SP – SEMINÁRIO IRAQUE
O novo portal de informações Al-MuaJaha (do árabe, “A testemunha iraquiana”) traz notícias independentes da situação do país – os idiomas disponíveis são o inglês e o árabe. Seu endereço é www.almuajaha.com e seu formato se parece com o dos outros centros de mídia independente, com matérias vindas de diversos pontos do país e análises. O lançamento ocorreu no dia 29 de maio. Dica: Aproveite para acessar o CMI brasileiro, em www.midiaindependente.org, e o portal internacional (em inglês), em www.indymedia.org
DE
EDUCAÇÃO
E
ACESSO
À
JUSTIÇA
● Dia 16 de junho, das 9h às 13h O seminário tem como objetivo ser um espaço de formação, debate e reivindicação de políticas públicas: instalação de Centros de Integração de Cidadania (CIC) nos distritos do Campo Limpo, Capão Redondo e Jardim Ângela, construção de equipamentos educacionais suficientes para atender à demanda com qualidade. Local: Sede da Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB). Estrada de Itapecerica da Serra, 1935 – Vila Prel-SP Mais informações: (11) 5511-9762/5517-6431
CIDADANIA DF - VIII PRÊMIO CIDADANIA MUNDIAL ● Inscrições até dia 30 de junho Promovido pela Comunidade Bahá’í do Brasil, o tema deste ano é Em Prol da Redução das Desigualdades Sociais no Brasil. Podem se candidatar todas as instituições e indivíduos que promovem ações que visem suprir as necessidades imediatas das populações menos favorecidas, com atuação na área de trabalho e renda; de combate à fome e à desnutrição; de acesso à saúde, à moradia, ao lazer, à educação e à cultura de alfabetização. Local: FHIS, QL8, conjunto 2, casa 15 – Brasília-DF Mais informações: premio@bahai.org.br, (61) 364-3594, www.bahai.org.br/premio
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UNIÃO NACIONAL
Fotos: divulgação
DA
● De 18 a 22 de junho O evento é o principal fórum de discussão do movimento estudantil universitário e os organizadores esperam receber cerca de 10 mil pessoas. Para participar do congresso, é preciso cadastrar-se (para mais informações sobre isso, acesse a página de Internet www.une.org.br); a taxa de credenciamento varia de R$ 20,00 a R$ 60,00, dando direito a hospedagem e a alimentação. Para o encontro, a UNE está organizando diversas atividades e palestras, às quais se pode ter acesso também pelo portal da entidade. Abaixo algumas delas: • quarta-feira, dia 18: abertura – 20h • quinta-feira, dia 19: painéis simultâneos sobre conjuntura nacional e internacional. Por exemplo: • Alca e Dívida: o agravamento da dependência, com a participação dos políticos Luiz Fernandes (PCdoB) e Dirceu Travesso (PSTU) • Reforma Tributária, com a presença da deputada federal Iriny Lopes (PT) e de um representante do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco) • As possibilidades de Reforma da Previdência, apresentado pelos deputados federais Cláudio Magrão (PPS) e Ivan Valente (PT) • Reforma Agrária: por um Brasil sem latifúndio, com a participação do deputado federal Adão Preto (PT) e de um representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) • sexta-feira, dia 20: painéis simultâneos sobre educação e universidade. Por exemplo: • Reforma Universitária no Brasil, com a presença do secretário nacional de ensino superior, Carlos Antunes • A Educação e os tratados comerciais, com Wrana Panizzi, a presidenta da Associação Nacional dos Dirigentes ■ Lideranças da UNE se encontram com o das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) ministro da Educação Cristovam Buarque Local: Universidade Federal de Goiás (UFG) – Rod. Goiânia-Nerópolis, km 12 – Goiânia-GO Mais informações: www.une.org.br ou (11) 5574-7821
Foto: Renata Mielli
GO – 48º CONGRESSO
MÚSICA
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CULTURA
Com uma dívida estimada em R$ 48 milhões, a emissora está passando por um acelerado processo de deterioração do seu patrimônio intelectual e tecnológico; o governo cortou verbas da emissora e a atual administração reprime funcionários que pedem auditoria nas contas.
TV CULTURA
Áurea Lopes, da Redação onsiderada um patrimônio cultural não apenas de São Paulo, mas do Brasil, a TV Cultura ainda está longe de uma saída para a crise que já resultou na demissão de mais de 250 trabalhadores, desde fevereiro, e no sucateamento do parque de equipamentos – a ponto de ilhas de edição, com vida útil de 3 mil horas, permanecerem em uso, sem manutenção, pelo dobro desse período, segundo denúncias de funcionários. Em uma audiência pública realizada em Brasília, dia 7, parlamentares e representantes de órgãos do setor de comunicações concluíram que o corte de verbas do governo do Estado de São Paulo é uma das principais causas da deterioração das condições de trabalho, da desmotivação dos empregados e do comprometimento da programação – programas suspensos, estréias adiadas e excesso de reprises. Jorge da Cunha Lima, presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Iha de edição – e das rádios Cultura, equipamento onde são diz que a emissora montadas e precisaria receber do preparadas as Estado R$ 100 mifilmagens feitas pelas equipes de lhões por ano, mas reportagem dos recebeu apenas R$ noticiários 68 milhões, no ano passado. Wladimir Herzog A Comissão de – jornalista da TV Cultura que foi preso, Ciência de Tecnotorturado e logia, Comunicação assassinado nos de Infor mática porões do (CCTCI) da CâDestacamento de Operações e mara dos DeputaInformações (Doidos também ouviu Codi) de São Paulo, questionamentos durante a ditadura sobre a atual admimilitar, em 1975 nistração da Fundação Padre Anchieta. Para Fred Ghedini, presidente do Sindicado dos Jornalistas do Estado de São Paulo, há dois problemas graves: suspeitas de mau
uso do orçamento e um desvio ético no fato de o presidente da Fundação fazer parte do Conselho Curador da instituição, que é o órgão responsável pela eleição da diretoria executiva. “Estamos encaminhando, junto com o Sindicato dos Radialistas, um abaixo-assinado solicitando a liberação das verbas do Estado, uma auditoria das contas e a troca da diretoria da Fundação”, informa Ghedini. O documento já foi assinado por metade dos funcionários da empresa. Mas o clima de repressão na redação que leva o nome de Wladimir Herzog retraiu a mobilização. Muitos foram pressionados pelas chefias a redigir uma retratação pública, sob pena de demissão, declarando que haviam assinado “sem conhecimento do conteúdo” do documento. Procurados pelo Brasil de Fato para falar sobre esses acontecimentos, os diretores da TV Cultura não concederam entrevista. O presidente do Sindicato dos Radialistas de São Paulo, Nilton Martins, critica também a forma autoritária com que foram feitas as demissões, “sem uma discussão com o sindicato, nem mesmo com o conselho curador”. “A atual administração está em descrédito”, reforça Paulo França, editor de texto que trabalhou na emissora durante quase onze anos e foi demitido recentemente. França, que passou pela primeira grande crise da TV Cultura, em 95, compara as duas situações: “Naquela época, o governador Mário Covas fez um corte geral, em todos os órgãos ligados ao Estado.As pessoas reagiram e houve muitas manifestações. Mas a emissora tinha qualidade, a gente tinha orgulho de trabalhar lá. Hoje, as falhas administrativas são gritantes e os trabalhadores estão sem ânimo para lutar diante de absurdos como: jornalistas substi-
Divulgação/AE
Sucateamento e repressão, em vez de qualidade
■ A apresentadora Inezita Barroso durante gravação do programa Viola, Minha Viola, da TV Cultura tuídos por estagiários, que são lançados no dia-a-dia sem orientação, repórteres que saem para a rua sem poder se comunicar com a redação por falta de celulares, equipes de produção que têm hora marcada para retornar de uma cobertura senão a próxima equipe não tem equipamento para trabalhar”. “Se você está filmando um acontecimento na rua e suja o cabeçote da máquina, pode esquecer, o trabalho é perdido, pois não temos uma simples fita de limpeza para resolver esse problema banal”, conta um funcionár io do departamento de telejornalismo. A CCTCI decidiu instituir uma comissão externa para visitar as instalações da emissora, conversar com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e com a curadoria das fundações do Ministério Público Federal. Além disso, será constituída uma subcomissão especial, sob a relatoria do deputado Jamil Murad (PcdoB-SP), para tratar da radiodifusão pública no Brasil.
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1 Foi pioneira na atuação como TV escola, com programação de educação à distância. O Projeto Telescola: Matemática para 6.a série - Introdução aos Números Inteiros foi o primeiro programa da emissora a receber um prêmio internacional, o Prêmio Japão - NHK Corporation, em 1975. 2 Mantém o mais antigo programa de música de raiz da televisão brasileira, o Viola, Minha Viola. 3 Criou o Repórter Eco, em 1992, a primeira série de programas de TV voltada para questões de ecologia e ambiente. 4 Em 1986, pôs no ar o Vitória, a primeira série de programas sobre esportes radicais. 5 Transmitiu Homens de Imprensa, em 1972, programa de questionamento da atividade jornalística que marcou época. 6 Estreou a programação, em 1969, com o Jovem, Urgente, programa conduzido pelo psicanalista Paulo Gaudêncio, que discutia questões cotidianas dos jovens. 7 Foi a primeira emissora de televisão a dar ampla cobertura ao Carnaval Paulista, desde quando os desfiles aconteciam na Av. São João, até o evento adquirir caráter de exclusividade comercial, em meados de 80. 8 Produziu vários cursos de formação e atualização profissional na década de 70, entre eles cursos de Corte e Costura, Desenho Técnico e Curso Básico de Administração de Empresas. 9 Reuniu, por meio do programa Metrópolis, um acervo com mais de 75 obras de renomados artistas brasileiros, a partir dos trabalhos especialmente executados para compor os cenários 10 Investiu na difusão da música erudita, inclusive brasileira.A Sinfonia Cultura, orquestra da Fundação Padre Anchieta, realiza, em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado, um projeto pedagógico, graças ao qual, os estudantes têm a oportunidade de conhecer os músicos e seus instrumentos (AL e RSB) Eugênio Neves
BRASIL DE FATO De 12 a 18 de junho de 2003
Dez motivos para preservar a TV Cultura
A TV pública é um direito da sociedade Uma TV pública não significa uma emissora estatal, patrocinada e controlada pelo governo. Uma TV pública também não é uma emissora privada, feita para competir no mercado e visar lucro. Uma TV pública é uma emissora gerenciada por um conselho composto por integrantes da sociedade, com programação voltada para a formação e o entretenimento da sociedade. “Uma TV pública é um direito da sociedade”, diz Laurindo Leal Filho, professor de telejornalismo da Universidade de São Paulo e autor do livro “Atrás das Câmaras”, sobre a TV Cultura. Dentro desse conceito, a TV pública deve ser mantida por um conjunto de recursos que inclui uma participação do Estado, cuja obrigação é prover seus cidadãos de cultura, entre outras necessidades. Mas não pode depender exclusivamente de verba oficial; ao contrário, requer uma multiplicidade de fontes de recursos. É desse jeito que funciona em todo o mundo. Na Inglaterra, por exemplo, todas as pessoas que têm TV em casa pagam uma taxa destinada ao canal público de televisão BBC. Nos Estados Unidos, a BBS é sustentada por fundações e até pessoas físicas, que fazem doações dedutíveis do imposto de renda. Brasil, naturalmente, a realidade econômica não permite essa sofisticação. A população já paga tributos demais. Então o que temos é uma TV, que deveria ser pública, tornar-se praticamente estatal, à mercê dos recursos e da conjuntura política do governo. Mas existem propostas como de Leal: “Em vez de cobrar uma taxa dos contribuintes, como no caso inglês, por que não cobrar um aluguel das emissoras comerciais, que usam as ondas públicas de graça?” Esse aluguel constituiria um fundo mantenedor dos canais públicos.
Opção de qualidade A falta de uma TV pública, no Brasil, tem conseqüências mais graves do que em muitos países. Aqui, uma TV independente exerce um papel muito mais forte porque a televisão é a única fonte de informação e entretenimento da maioria da população – 98% dos domicílios brasileiros têm aparelhos de TV, superando até mesmo a quantidade de aparelhos de rádio, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, hoje, o brasileiro – que lê pouquíssimo e não tem acesso a outros meios culturais como cinema e teatro – se informa e constrói sua bagagem cultural por meio da televisão. “E, o que é pior, pela televisão comercial, de baixa qualidade, caracterizada pela mesmice – há anos e anos você muda de um canal para outro e vê sempre a mesma coisa, sai uma novela entra outra, acaba um programa de auditório, começa outro”, analisa Leal, para quem a televisão não pode ficar estagnada, precisa experimentar novos modelos de programação.“Pior do que isso, aqui no Brasil a televisão retrocede, faz coisas cada vez mais simples, mais medíocres”, acrescenta. Leal esclarece que existe uma inversão dos fatos, quando se diz que o brasileiro “não tem cultura, não gosta de coisas boas”. É um grande equívoco, em sua opinião, o empresário Sílvio Santos, dono do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), dizer que sua emissora dá “o que o povo quer”, para justificar a baixa qualidade de sua programação.“Na verdade, essas emissora fazem o povo querer isso porque não oferecem alternativas. Como é que alguém pode gostar de algo que nunca experimentou, que não conhece? Não há como escolher.”, avalia Leal. Só uma TV pública, sem compromissos com índices de audiência e receitas publicitárias pode ousar, apresentar novidades, e assim formar o telespectador. Mas isso leva tempo, exige investimento, não se faz de um dia para o outro. (Colaborou Ruth Scharony Beno)