BRASILDEFATO Ano I ■ Número 21 ■ São Paulo ■ De 24 a 30 de julho de 2003
Circulação Nacional
R$ 2,00
Greves, marchas e ocupações exigem mudanças Antônio Gaudério/Folha Imagem
Juízes estaduais e trabalhistas anunciaram sua adesão, a partir de 5 de agosto, à greve dos servidores públicos federais, contra a reforma do sistema previdenciário proposta pelo governo federal, com votação pelo Congresso prevista para o começo do próximo mês. Duas semanas após o início da paralisação, o movimento reunia pelo menos 460 mil trabalhadores, quase 60% do total nacional, incluindo funcionários do Banco Central. O comando pretende montar, em Brasília, um acampamento com servidores de todo o país. Pág. 5 Ocupação dos Sem-Teto – Seis mil trabalhadores sem teto iniciaram, dia 19, a ocupação de quatro prédios públicos, em São Paulo, e de um terreno de 200 mil m2, da Volkswagen, em São Bernardo do Campo. A mobilização conta com o apoio de sindicatos e da Comissão Internacional dos Trabalhadores da Volkswagen. A transnacional anunciou o corte de 4 mil funcionários das suas fábricas no Brasil; metade trabalha no ABC. Pág. 3 Marcha dos Sem-Terra – Em São Sepé e São Gabriel (RS), milícias ruralistas bloquearam a BR–392, para impedir a marcha de 800 sem terra rumo ao município de São Gabriel. A marcha começou em 10 de junho. O bloqueio desafia as determinações da Polícia Federal contra a formação de milícias e foi condenado como ilegal pelo secretário da Reforma Agrária gaúcho, Vulmar Leite. Pág. 3
Sem-teto ocupam terreno ocioso da Volkswagen, em São Bernardo do Campo (SP)
Caos social viola direitos humanos no Brasil No Brasil, as violações dos direitos humanos, nas áreas de saúde, ambiente, educação, moradia, terra urbana e rural, trabalho, alimentação e água são tão graves quanto as execuções sumárias, a tortura e as prisões ilegais. Essa é a principal conclusão de um relatório da Plataforma Brasileira, grupo de organizações não governamentais, em parceria com a Organização das Nações Unidas. Apresentado na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça), o relatório foi lançado em São Paulo, dia 17. “Só com a pressão popular e o engajamento da sociedade vamos conseguir garantir os direitos humanos. As políticas públicas não serão feitas sem essa pressão, isso tem de chegar aos tribunais internacionais”, afirma Jean Pierre Leroy, um dos relatores. Pág. 7
Paralisia por contaminação de petróleo
Na economia, um primeiro semestre lamentável
No caso de dois trabalhadores que ficaram paraplégicos após terem ajudado a recolher o petróleo vazado em Araucária (PR), em 2000, sem uniformes de proteção e sem máscaras, os laudos médicos concluíram que se tratava de “infecção a vírus”. Com isso, esses brasileiros não puderam solicitar indenização à Petrobras, que os contratou, por meio de uma empresa terceirizada, para colaborar no serviço de limpeza do petróleo, que vazou no rio Iguaçu. Pág. 8
Até junho, as atividades econômicas foram a nocaute em conseqüência das decisões do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Desemprego em alta, renda em baixa, perdas salariais, consumo em declínio, elevação de estoques na indústria. O aperto monetário e fiscal tiraram dinheiro de circulação. Em vez de investimentos, os recursos foram para o pagamento de juros da dívida e remuneração dos banqueiros e especuladores detentores de títulos federais. Pág 4
Hip-hop faz festival no Oeste paulista Pág. 16
AMÉRICA CENTRAL – Com a colaboração dos EUA, os governos de Honduras e El Salvador estão propondo a unificação dos exércitos da América Central. Pág. 10 TONY BLAIR – A morte de um cientista ligado aos serviços de informação ameaça até mesmo pôr fim ao governo do primeiro-ministro britânico. Pág. 10 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE – Transnacionais estão de olho no petróleo do país africano, que sofreu um golpe militar no dia 16. Pág. 12 DEBATE – O deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) e o economista Reinaldo Gonçalves (UFRJ) discutem a reforma da Previdência e os rumos do governo federal. Pág. 14
BRASIL DE FATO De 24 a 30 de julho de 2003
Pág. 7
E mais:
Márcio Baraldi
Na CPI do Banestado, Gustavo Franco, ex-presidente do BC, admite irregularidades nas remesssas via CC5
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Fala, Zé! Ohi
NOSSA OPINIÃO
Canalhas no poder É segredo de polichinelo o fato de que George Bush e o vassalo Tony Blair inventaram a fábula sobre as “armas de destruição em massa” de Sadam Hussein, como pretexto para invadir o Iraque. A morte do cientista britânico David Kelly, anunciada dia 18, por aparente suicídio, lançou novas evidências de que um bando de delinqüentes ocupa os centros do poder mundial. Kelly, 59 anos, especialista em armas biológicas, ajudou a produzir um dossiê para o governo britânico, sobre o poder bélico de Hussein. O dossiê foi apresentado ao Parlamento britânico, em setembro de 2002, porém adulterado, para atribuir a Hussein muito mais poder do que de fato tinha. Em maio, a emissora pública BBC denunciou a manobra, citando uma fonte do serviço secreto britânico. O governo desmentiu, e chegou a exigir a retratação da emissora. Kelly, sob suspeita de ter sido a “fonte” da BBC, passou a ser pressionado por jornalistas e políticos. Nessa condição, foi submetido a uma sabatina pela Comissão das Relações Exteriores da Câmara dos Comuns. Dia 18, foi encontrado morto, com o pulso esquerdo cortado. A BBC admitiu, depois disso, que ele foi mesmo a “fonte” da denúncia. Paralelamente, ao longo das últimas semanas, a Casa Branca foi levada a confirmar que as supostas armas de destruição em massa foram, de fato, apenas um pretexto para a invasão. Tony Blair sente as pressões pela renúncia, mas afirma que pretende manter o cargo de primeiro-ministro. George Bush permanece impávido na Casa Branca. Não só não se fala em impeachment presidencial, como a polícia política ager com crescente desenvoltura nos Estados Unidos. Esse mesmo bando de escroques fala, agora, na invasão de Cuba, já ocupa militarmente regiões inteiras da Amazônia (na Colômbia e no Equador), pressiona para que o Brasil ceda a base de Alcântara. Esses bandidos não querem “negociações”, mas sim pilhar as riquezas do mundo: cobiçam as reservas de biodiversidade, petróleo e água do continente sul-americano. Em nome dos interesses das corporações que eles representam, eles mentem, roubam, assassinam. Se alguém ainda tem alguma dúvida, pense um pouco na farsa e na irresponsabilidade envolvendo o caso David Kelly. Alguns, ingenuamente, acreditam que desafiar a vontade dos delinqüentes da Casa Branca poderia conduzir determinado país – o Brasil, por exemplo – ao isolamento internacional. Ao contrário: Hussein, nos últimos meses, cedeu a todas as exigências da camarilha Bush – Blair; chegou ao limite de abrir sua própria residência aos inspetores da ONU. Todos conhecem os resultados. Bandidos não negociam. Não se detêm diante de nada. Contra eles, é preciso, com urgência, mobilizar e esclarecer o povo sobre as estratégias do imperialismo. No caso concreto do Brasil, trata-se de organizar a campanha de assinaturas por um plebiscito oficial contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
BRASILDEFATO CONSELHO POLÍTICO: ■ Achille Lollo ■ Ari Alberti ■ Ariovaldo Umbelino ■ Assunção Ernandes ■ Aton Fon Filho ■ Augusto Boal ■ Cácia Cortez ■ Carlos Marés ■ Carlos Nelson Coutinho ■ Celso Membrides Sávio ■ Claus Germer ■ Dom Demétrio Valentini ■ Dom Mauro Morelli ■ Dom Tomás Balduíno ■ Edmilson Costa ■ Elena Vettorazzo ■ Emir Sader ■ Egon Krakhecke ■ Erick Schunig Fernandes ■ Fábio de Barros Pereira ■ Fernando Altemeyer ■ Fernando Morais ■ Francisco de Oliveira ■ Frederico Santana Rick ■ Frei Sérgio Gorgen ■ Horácio Martins ■ Ivan Valente ■ Jasper Lopes Bastos ■ ■ João Alfredo ■ João Capibaribe ■ João José Reis ■ João José Sady ■ João Pedro Stedile ■ Laurindo Lalo Leal Filho ■ Leandro Konder ■ Luís Alberto ■ Luís Arnaldo ■ Luís Carlos Guedes Pinto ■ Luís Fernandes ■ Luis Gonzaga (Gegê) ■ Marcelo Goulart ■ Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind ■ Mário Maestri ■ Nalú Faria ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs ■ Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
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CONSELHO EDITORIAL: ■ Alípio Freire ■ César Benjamim ■ César Sanson ■ Hamilton Octávio de Souza ■ Kenarik Boujikian Felippe ■ Luiz Antonio Magalhães ■ Luiz Eduardo Greenhalgh ■ Luiz Bassegio ■ Maria Luísa Mendonça ■ Milton Viário ■ Neuri Rosseto ■ Plínio de Arruda Sampaio Jr. ■ Ricardo Gebrim
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■ Editor-chefe: José Arbex Jr. ■ Editor-assistente: Mustafa Yazbek ■ Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Marilene Felinto, Nilton Viana, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ■ Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ■ Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Javelberg, Ricardo Teles ■ Ilustradores: Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, Natália Forcat, Nathan ■ Projeto gráfico e diagramação: Wladimir Senise ■ Tratamento de imagem: Maurício Valente Senise ■ Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho ■ Jornalista responsável: José Arbex Jr. Mtb 14.779 Administração: Silvio Sampaio Secretaria de redação: Tatiana Merlino Assistentes de redação: Letícia Baeta, Maíra Kubík Mano e Tatiana Azevedo Sistemas: Sérgio Moreira DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA PARA TODO O Programação: André de Castro Zorzo B RASIL EM BANCAS DE JORNAIS E REVISTAS Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 FERNANDO CHINAGLIA Campos Elíseos – CEP 01218-010 RUA TEODORO DA SILVA, 907 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP TEL.: (21) 3875-7766 redacao@brasildefato.com.br RIO DE JANEIRO - RJ Gráfica: FolhaGráfica
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Cartas de leitores REFORMA AGRÁRIA A frase do governo atual é : “A reforma agrária será feita dentro da lei”. Até parece que já vi esse filme. É apenas uma reprise do que o governo anterior falou. Em ambos os casos, o recado foi e é o seguinte: não haverá reforma agrária, apesar dos números apresentados pela própria ONU que apontam mais de 75% das terras brasileiras em mãos de um pequeno grupo que detém propriedades imensas, a maioria com pouca ou mesmo nenhuma produtividade. E tudo porque as leis que aí estão beneficiam apenas as elites dominantes, que fazem as leis (comprandoas) diretamente junto aos nossos doutos legisladores. Ademais, é bom que se diga e se repita sempre o seguinte: apenas cinco homens são donos de áreas suficientes para assentar um milhão de famílias, ou seja, mais do que foram assentados até agora e do que provavelmente serão nos próximos anos. São mais de 35 milhões de hectares, ou algo superior à superfície de muitos países. João Carlos da Luz Gomes, Porto Alegre (RS)
SAUDAÇÕES Quero parabenizar a feliz idéia de uma imprensa alternativa e indenpendente: o Brasil de Fato. Não tenho mais estômago para continuar assistindo tanta subserviência da grande mídia, que ainda é patrocinada pela secular dominação burguesa. Tenho incentivado a assinatura do jornal a muitas pessoas e sindicatos. Joana de Faria de Souza e Silva, Toledo (PR) MALES DO CAPITALISMO Os males da organização social capitalista estão expostos, não compartilhemos a desgraça de um sistema que prioriza o lucro ao invés do ser humano. Este sistema está destruindo por completo a moral, vejo as crianças se tornando seres violentos, imorais e insensíveis.A violência aumenta, o absurdo se torna cotidiano, a inércia e o conformismo prevalecem acima da indignação e da coragem. Levantemo-nos e confrontemos esta situação. É através da impetuosidade individual de cada um que se dará a união para a nossa vitória. Não há o que aguardar. A dignidade, a liberda-
de e o respeito não se negociam, não se discutem, é um dever, e os únicos que não merecem este direito são os que se opõe e agridem a liberdade dos outros. A luta se dá no cotidiano, primeiro em nosso íntimo e depois ao nosso redor. Sejamos o exemplo da pessoa contemporânea do mundo que almejamos construir, um mundo sem exploração, corrupção, hipocrisia e maldade. Portanto, combatamos os vícios que este sistema nos impõe, nos diferenciando da sociedade corrompida e alienada para transformá-la num exemplo de conduta que levará a construção de uma vida melhor. Rodrigo N. Matsui, Santos (SP)
ERRAMOS A foto que ilustrou a reportagem “Encontro analisa situação de moradores de rua do país” (pág. 8, edição 10) não é de autoria de Adriana Medeiros, mas do fotógrafo carioca Maurício Scerni.
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REFORMA URBANA
NACIONAL
Na Grande São Paulo, sem-teto ocupam terreno da transnacional alemã Volkswagen e cinco prédios vazios; no interior do Rio Grande do Sul, latifundiários tentam, mas não conseguem, barrar marcha de 800 trabalhadores rurais
fim de semana dos dias 19 e 20 marcou a retomada das mobilizações dos movimentos por moradia na Grande São Paulo. Seis mil trabalhadores sem teto ocuparam quatro prédios públicos, na capital paulista, e um terreno ocioso de cerca de 200 mil metros quadrados, em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, que pertence à transnacional alemã Volkswagen. A ação articulada representou um fortalecimento das mobilizações dos sem-teto. “Há milhões de pessoas que não têm condições dignas de moradia. Essa situação só vai mudar quando o povo se mobilizar para pressionar o poder público. Nós tivemos uma vitória nas urnas. Agora, precisamos de outra nas ruas”, afirmou Jota, um dos coordenadores estaduais do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que organizou a ocupação em São Bernardo do Campo. A mobilização já conta com o apoio de sindicatos da região. No dia 23, os sem-teto se reuniriam com representantes da Comissão Internacional dos Trabalhadores da Volkswagen para discutir ações solidárias entre os trabalhadores. A transnacional anunciou que vai cortar 4 mil funcionários das suas
fábricas no Brasil. Destes, 2 mil trabalham em São Bernardo. Dois dias depois da ocupação, a imprensa burguesa tentou desmoralizar a mobilização popular. Reportagem do Jornal Nacional, da Rede Globo, buscou mostrar que a ocupação era feita de oportunistas, por gente que já tinha onde morar.“Eles estavam mal intencionados. Uma equipe de reportagem entrou pelos fundos do terreno e ficou a manhã toda caçando uma história que pudesse comprovar que aqui só tinha oportunistas. Não tiveram coragem de mostrar, por exemplo, os sem-teto que trabalharam na Volkswagem, mas que hoje vivem na favela por terem sido demitidos”, conta Aninha, da coordenação estadual do MTST. A reportagem da Globo ignorou, intencionalmente, a situação de pessoas como Miguel Pereira de Oliveira que há três anos não consegue um emprego com carteira assinada. Por uma triste coincidência, o último emprego fixo de Oliveira foi em uma empresa que prestava serviços para a Volkswagen.“Fiquei um ano só, depois disso terminou o contrato da empresa com a Volks e fui demitido”, conta o desempregado. Oliveira é cearense, tem 45 anos e veio para São Paulo há duas décadas porque não encontrava trabalho. “Eu sou eletricista, en-
■ Integrantes do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC) tentam ocupar prédio da Rua Rego Freitas, centro de São Paulo, dia 21 canador, mestre-de-obras, caminhoneiro. Mesmo assim, não consigo trabalhar”, afirma. Oliveira mora, hoje, com seus quatro filhos e sua companheira na favela da Biquinha, em Santo André. “Resolvi participar da ocupação porque não tenho condições dignas de vida. Eu vivo em um barraco com minha família e estou cansado desta vida”, afirma. Seu filho, com 20 anos, está desempregado também e, apesar de ter concluído o segundo grau e feito curso de telemarketing, não consegue trabalho. Histórias como a de Miguel
Pereira de Oliveira são a regra. Mais de 1 milhão de pessoas vivem sem condições mínimas de moradia, apenas na cidade de São Paulo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o equivalente à população da cidade de Guarulhos (SP). De acordo com estudo da prefeitura de São Paulo, a área de favelas na cidade cresceu 30% só nos anos 90.Toda essa questão foi ignorada pela maior televisão do país. “A Rede Globo tentou colocar a culpa no indivíduo, no pobre, como faz a elite brasileira. Isso porque a Globo defende esse modelo que produz pobreza e miséria”, afirma Jota. O acampamento, em São Bernardo do Campo, foi batizado de Santo Dias em homenagem ao metalúrgico morto pela polí-
REFORMA AGRÁRIA
Fazendeiros, fora-da-lei, tentam barrar marcha de sem-terra ão bastou contratar milícias para aterrorizar os trabalhadores rurais do Rio Grande do Sul. Os fazendeiros de São Sepé e São Gabriel, no dia 20, resolveram desafiar decisões do governo federal, que condenou a ação de milícias no campo, e bloquearam a Ponte do Verde, na BR-392, para impedir que uma marcha de 800 trabalhadores rurais sem terra prosseguisse até o município de São Gabriel. A marcha, que começou em 10 de junho, segue para o complexo Southall, formado por cinco fazendas – Estância do Céu, Santa Adelaide, do Salso, Caieira e Posto Bragança – no total de 13,2 mil hectares.“A nossa intenção é conversar com as populações das cidades que vamos percorrer, para conscientizá-las da importância da reforma agrária”, afirma Miguel Stedile, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os sem-terra reivindicam a desapropriação do complexo Southall, suspensa por uma liminar do Supremo Tribunal Federal. Na madrugada do dia 21, policiais militares encerraram o bloqueio dos mais de 400 ruralistas após horas de negociação. Durante a ação, os latifundiários, montados a cavalo e com faixas de protesto, interromperam o tráfego de veículos por diversas horas.
A atitude dos fazendeiros foi condenada pelo secretário da Reforma Agrária do Rio Grande do Sul, Vulmar Leite. “O que os ruralistas fizeram é ilegal, já que as pessoas foram cerceadas no direito de ir e vir e não podiam se movimentar livremente pelo local”, afirmou. Logo no começo da manhã, debaixo de chuva, os sem-terra prosseguiram com a marcha. O trabalhador José Gilberto Leal conta que em todas as cidades em que passaram foram bem acolhidos pela população.“Fizemos trabalho nas escolas, nas praças, para explicar à sociedade que a única maneira de acabar com a fome e o desemprego é a reforma agrária”, afirma o lavrador, acampado há dois anos e meio no município de Júlio Castilho (RS). PANFLETO RURALISTA A desapropriação das estâncias de Southall foi decretada no dia 20 de maio pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, que anunciou que o assentamento de 530 famílias na região seria um modelo da nova reforma agrária pretendida pelo governo federal. “Desde então os latifundiários têm demonstrado atitudes desesperadas, desde o panfleto entregue à população a essa barreira na ponte”, avalia Stedile. O panfleto que circulou em São Gabriel incitava a população à violência contra os trabalhadores rurais sem terra.
Movimentos realizam ações conjuntas na capital
O agropecuar ista Alfredo Southall, proprietário das terras, recorreu da decisão e, no dia 10 de junho, a ministra Ellen Gracie Northfleet, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar suspendendo a desapropriação até o julgamento do mérito de uma ação que contesta as vistorias feitas pelo Incra em dezembro de 2001. De acordo com a denúncia feita pelo deputado estadual frei Sérgio Görgen (PTRS), Southall deve ao INSS, à Fazenda Nacional, ao Banco do Brasil e a outras instituições financeiras R$ 37.356 milhões. Mais da metade da dívida é aos cofres públicos. NOVOS ACAMPAMENTOS Apesar das ações dos latifundiários em São Gabriel, trabalhadores sem terra montaram, na noite do dia 22, quatro novos acampamentos no Rio Grande do Sul, nos municípios de Canguçu, Erechim, Palmeira das Missões e Santa Cruz do Sul. A expectativa dos coordenadores das ocupações é reunir 7 mil famílias de pequenos agricultores que não possuem terra para trabalhar. Paulo Facioni, da coordenação da Via Campesina, movimento que apóia as ações dos sem-terra, afirmou que os novos acampamentos serão temporários e devem se estender até o final da semana, quando serão realizados atos públicos em favor da reforma agrária.
Maíra Kubík Mano, da Redção erca de 3.5 mil integrantes de movimentos de moradia ocuparam cinco prédios na região central de São Paulo (SP), dia 21.Todas as ações foram acompanhadas pela polícia e em um dos edifícios, na rua Rego Freitas, houve confronto direto. Nesse caso, os sem-teto foram impedidos de entrar e sofreram agressões verbais. Os cincos prédios estavam vazios e, até o fechamento desta edição, não havia nenhuma ordem de reitegração de posse, embora a polícia continuasse cercando os locais.
Para o Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), uma das 12 organizações que participam da ocupação,“a expectativa agora é de pressionar para que se agilize os projetos de moradia popular”. O MSTC calcula que existam mais de 200 imóveis vazios apenas no centro. Os sem-teto pretendem continuar nos locais ocupados, esperando por um projeto de aquisição dos edifícios ou outras propostas dos governos estadual e municipal. Eles também reivindicam o atendimento de 2 mil famílias até o final do ano e a disponibilização de todos os prédios abandonados há mais de dois anos para moradia popular.
Leonardo Melgarejo
Claudia Jardim, da Redação
cia, durante greve em 1979. Sua luta se tornou símbolo do movimento operário no ABC. A área ocupada pelas famílias pertence à Volkswagen, que comprou o terreno para ampliar suas instalações, sob a promessa de gerar mais empregos. Desde 1990, entretanto, o terreno estava desocupado e, ao mesmo, cresceu o número de desempregados. “A Volks chegou a ter 44 mil trabalhadores aqui na região do ABC. Hoje, só tem 14 mil”, conta Jota. Quanto ao terreno, a empresa pretendia vendê-lo a outro grande grupo econômico. No fechamento desta edição, a juíza da 4a Vara Cívil, Maria de Fátima dos Santos, concedeu liminar de reintegração de posse para a Volkswagen. Os sem-teto acampados pretendem resistir.
■ Ruralistas bloqueiam a Ponte do Verde, em Santa Maria, para impedir marcha dos sem terra rumo a São Gabriel
BRASIL DE FATO De 24 a 30 de julho de 2003
Jorge Pereira Filho, da Redação
Anderson Barbosa
Seis mil sem-teto ocupam áreas da Grande São Paulo
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NACIONAL
O trabalhador, sem alternativa, está comprando menos comida; o consumo das famílias continua ladeira abaixo, derrubando as vendas no comércio e na indústria; o resultado da política econômica do governo é doloroso: perdas salariais e mais desemprego
CONJUNTURA
A Fazenda coloca a economia em nocaute O consumo despenca...
Lauro Jardim, de São Paulo (SP) o mundo da fantasia em que vivem burocratas e analistas econômicos, se discute se a economia está, ou vai entrar em recessão. Um tipo de debate que parece gerar muito mais fumaça do que fogo. Ou seja, literalmente inútil, diante dos números mais recentes sobre a atividade econômica, apurados por diferentes institutos de pesquisa oficiais e privados. No mundo real, o trabalhador/assalariado – ou seja, quem ainda conseguiu manter seu emprego – corta na própria carne para espichar o salário, reduzindo o consumo de comida. Em São Paulo, as vendas no varejo de produtos não duráveis, grupo que inclui os alimentos, desabaram 10,1% em junho, diante do mesmo período do ano passado. Em maio, segundo levantamento mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as vendas de alimentos já haviam sofrido baixa de 6,3% em relação a igual mês de 2002 (veja o gráfico). MAIS PERDAS Se já era complicada, a situação vem se agravando, enquanto o governo não inicia a prometida virada em sua política econômica. Dados ainda preliminares do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) mostram que 65% dos acordos trabalhistas negociados no primeiro semestre
Vendas reais no varejo Comparação com o mesmo período no ano anterior, em % 4,0 2,0 0,0 -2,0 -4,0 -6,0 -8,0 -10,0 -12,0 -14,0
-1,1 -1,6
1,9 2,3
1,1
0,3 -1,9
-2,0
0,6 0,0 -1.4
-2.0 -3,7
-5,1 -4,9
-6,1 -11.4
jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez jan fev mar abr mai jun Fonte: IBGE
2003
2002
... e o emprego também Variação do nível de emprego da indústria paulista (%) 0,56 0,6 0,4 0,08 0,2 0,02 0,01 00 -0,02 -0,05 -0,2 -0,14 -0,20-0,18 -0,24 -0,4 -0,30 -0,32 -0,6 -0,42 -0,49 -0,52 -0,58 -0,8 -0,73 -1,0 -0.98 -1,2 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez jan fev mar abr mai jun Fonte: Fiesp
2002
2003
deste ano contemplavam reajustes inferiores à variação acumulada em 12 meses pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Somente 12% dos acordos conseguiram algum ganho real (ou seja, aumento superior à inflação), enquanto 22% apenas empataram com a alta do custo de vida. Para efeito de compara-
ção, nos primeiros seis meses do ano passado, 59% das categorias com dissídio obtiveram correção igual ou superior ao INPC. Tornou-se hábito, também de acordo com o Dieese, o parcelamento dos reajustes acordados nos dissídios, o que tem provocado novas perdas salariais. A entidade acredita que este deverá ser o pior ano para as negociações coletivas
desde que iniciou seu acompanhamento, em 1995. Mais: na região de São Paulo e Mogi das Cruzes, 300 empresas metalúrgicas atrasaram o pagamento de salários no mês passado, de um universo de 6 mil empresas, diante de apenas 15 em maio. Claramente, com a queda das vendas, as empresas estão sem caixa para fazer frente a seus compromissos mais imediatos, como a remuneração dos trabalhadores. No mês passado, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), foram demitidos mais 4.654 empregados, o maior corte realizado pela indústria desde junho de 1995, no terceiro mês consecutivo de demissões neste ano(veja o gráfico). Nos últimos 12 meses, apenas na indústria de São Paulo, foram fechados 53.458 postos de trabalho. Ainda em junho, as vendas de papelão ondulado pela indústria encolheram 14,2%. O setor é considerado como um termômetro da economia, já que o papelão é largamente utilizado como embalagem.A indústria petroquímica, que produz plásticos e derivados, tem paralisado a produção temporariamente, por causa dos estoques elevados. VAREJO RECUA A coleção de números negativos só tem crescido nas últimas semanas, o que mostra uma economia literalmente na lona. Maior centro do consumo do país, o mercado paulista também naufra-
ga. O mais recente levantamento da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) mostra que as vendas do comércio no Estado caíram 6,75% em junho, sempre em relação ao mesmo período do ano passado. No primeiro quadrimestre deste ano, o varejo ainda anotava um desempenho relativamente positivo, levando-se em conta o fraco desempenho de 2002, e acumulava um avanço ao redor de 6%. Em queda desde maio, as vendas encerraram o primeiro semestre deste ano com tímida variação de 1,36% sobre os seis primeiros meses de 2002. Mesmo entre consumidores de maior poder aquisitivo já há sinais de desgaste. Segundo dados da Associação Brasileira dos Lojistas de Shopping (Alshop), o faturamento do setor no primeiro semestre apresentou queda de 2%, o pior desempenho em dez anos. Não é à toa que o comércio paulistano tenha decidido antecipar para este mês a liquidação de inverno, tradicionalmente realizada em agosto. Refletindo um consumo debilitado pelo arrocho dos salários, a inflação, na capital paulista, medida pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe), ficou negativa em 0,35% nas quatro semanas encerradas em 15 de julho. Houve queda de preços em quase todos os setores, o que apenas confirma a dose excessiva do remédio empurrado goela abaixo do país pelo Banco Central.
Como o BC prejudica o mundo real
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SEM DINHEIRO Por isso, os indicadores continuam negativos. Aliado ao achatamento dos salários, um outro tipo de arrocho foi imposto pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central: o estrangulamento da oferta de dinheiro para irrigar a economia, que travou o ritmo normal dos negócios. Desde dezembro, o total de dinheiro em mãos das pessoas, ou depositado em contas correntes nos bancos, desabou, encolhendo 22,5% até maio deste ano. Em valores, o saldo das contas e do dinheiro em poder do público caiu de R$ 107,8 bilhões para R$ 83,6 bilhões. Ou seja, mais de R$ 24,2 bilhões dei-
xaram de circular na economia, bloqueando seu crescimento. Obviamente, esse dinheiro não evaporou. Ele foi parar em outros bolsos. Uma parte do enxugamento corresponde aos cortes de despesas realizados pelo governo federal para economizar recursos dos impostos e pagar os juros de sua dívida. SEMPRE A DÍVIDA Por esse caminho, o Tesouro Nacional deixou de gastar R$ 20,5 bilhões com saúde, educação, projetos sociais e outros investimentos, nos primeiros cinco meses deste ano, para remunerar investidores/ especuladores que cobram juros altíssimos para financiar a dívida do governo federal. Outra parte do dinheiro foi transformada em títulos da dívida federal, vendidos a bancos, corretoras, instituições financeiras em geral e grandes empresas. Títulos que vão render juros altíssimos aos seus donos, obrigando o governo a cortar mais despesas, economizar novos recursos para pagar aqueles juros, num círculo vicioso. O resultado mais imediato dessa política pode ser traduzido nos números divulgados pelo IBGE. Em maio, no sexto resultado negativo consecutivo, o volume das vendas no comércio varejista caiu 6,1% em relação ao mesmo mês do ano passado, e acumula uma queda de 5,6% nos primeiros cinco meses de 2003, também comparado aos mesmos meses de 2002. Os produtos de maior valor, como carros e eletrodomésticos, cujas vendas dependem da oferta de crédito e de seu custo (os juros), anotaram tombos de 11,8% e 10,7%, respectivamente. A que-
da afetou o faturamento do varejo, que perdeu 6,6% entre janeiro e maio deste ano. NÃO HÁ VAGAS A política de arrocho prolongado ao crédito, e de corte de despesas públicas, também ajudou a elevar a taxa de desemprego que, em maio, atingiu 12,8% diante de 11,9% em igual mês de 2002. O total de desempregados aumentou 15,3%, pulando de 2,341 milhões para 2,701 milhões nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo órgão. São 360 mil desocupados a mais. O total de pessoas com algum tipo de ocupação chegou mesmo a crescer 5,5% no mesmo período, significando a criação de 950 mil novas ocupações.A questão é que chegaram ao mercado de trabalho mais 1,310 milhão de pessoas à procura de emprego, que a economia não conseguiu
absorver. Simplesmente porque parou de crescer. O mais grave é que tem encolhido a proporção de empregados com carteira assinada: de mais de 45% em maio de 2002, eles passaram a representar, em maio deste ano, 44,2% do total de ocupados. Para complicar, o desemprego cresceu mais rapidamente entre pessoas com mais anos de estudo. Enquanto o número de desempregados sem instrução aumentou 9,5% na comparação com maio de 2002, o total dos sememprego com mais de 11 anos de estudos cresceu 28,5%, e já soma 1,090 milhão, ou pouco mais de 40% do total de desempregados em maio último. PÁTIOS CHEIOS É também o Ipea que prevê queda de 0,9% para toda a economia no segundo trimestre. A
indústria automobilística, diante do desempenho sofrível verificado em junho, iniciou julho com anúncios de planos de demissão “voluntária”. A produção de veículos, no mês passado, despencou 14,4% na comparação com maio, e ficou 1,9% abaixo dos níveis de junho de 2002. O setor teve o pior semestre em quatro anos, com vendas desabando 8,2%, incluindo os veículos importados. Em junho, o percentual de queda frente ao mesmo mês de 2002, numa coincidência, também foi de 8,2%, com o licenciamento de apenas 100,1 mil veículos. As montadoras refazem suas previsões e estimam a venda, neste ano, de 1,4 milhão de veículos no mercado interno (7% abaixo da previsão inicial). Quase 107 mil veículos acumulam-se nos pátios das fábricas, sem compradores. (LJ)
Ayrton Vignola/Folha Imagem
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discussão teórica em relação ao estágio atual das atividades econômicas, elaborada com base em um economês que mais confunde do que explica, tem efeito prático nulo diante do novo avanço do desemprego, ou da queda constante do consumo das famílias, que responde por quase 60% do Produto Interno Bruto (PIB), que mede toda a riqueza produzida pelo país em determinado período. Segundo dados preliminares do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão subordinado ao Ministério de Planejamento, o consumo familiar teria registrado, entre abril e junho deste ano, o oitavo trimestre consecutivo de baixa. São 24 meses de retração. Dois anos de privação de consumo, conseqüência da perda de renda, via arrocho dos salários, e do desemprego. Não há economia que resista.
■ Em julho, o pátio da Volkswagen, em São Bernardo do Campo (SP), estava lotado
REFORMA DA PREVIDÊNCIA
NACIONAL
O movimento dos servidores federais cresce; antes da adesão dos funcionários do BC e dos juízes, eram cerca de meio milhão de grevistas; mudanças na proposta de reforma não mudam quase nada e ainda abrem o caminho para fundos privados de pensão
Luís Brasilino, da Redação erca de 464 mil funcionários públicos federais estão paralisados desde o início, no dia 8, do movimento contra reforma do sistema previdenciário proposto pelo governo federal. Com duas semanas, a greve atraía a adesão de 58% dos servidores. Ampliando o quadro, no dia 21, juízes estaduais e trabalhistas também anunciaram que vão parar entre 5 e 12 de agosto. E no dia 22, os funcionários do Banco Central também aderiram. As entidades em greve estão organizadas em torno da Coordenação Nacional das Entidades dos Servidores Federais (CNESF), as entidades representativas dos trabalhadores em greve incluem funcionários de educação, pesquisa estatística e geográfica, seguridade social, serviço público federal, auditoria-fiscal, judiciário, saúde e previdência social. O comando da greve programa para o início de agosto – uma semana antes da data marcada para a votação da reforma da Previdência no Congresso – montar em Brasília um acampamento com servidores de todo o país. Pretendem, antes, marcar reuniões com parlamentares e realizar encontros com as três esferas do funcionalismo (municipal, estadual e federal). PARAR TUDO Os servidores alegam que o governo não os chamou para negociar e pedem a paralisação da discussão no Congresso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 40, que regulamenta a reforma. Dentre os principais pontos do projeto está o estímulo à criação de fundos de pensão,
já que o teto para as contribuições foi estipulado em R$2.400,00. Caio Teixeira, coordenador geral da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe), considera que a proposta do governo acabará desembocando na privatização dos fundos de pensão e que, por isso mesmo, precisa ser detida. “As reformas foram elaboradas sob uma ótica que atende aos interesses dos bancos.A da Previdência está sendo feita em nome da redução do “risco Brasil” e a Tributária, para diminuir o “custo Brasil”. A próxima será para eliminar o Brasil”, ironiza Nory Celeste Ferreira, vice-presidenta do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco). Nory e Teixeira acreditam que a PEC 40 é desnecessária. Eles afirmam que previdência não é deficitária e que boa parte de seus recursos é usada para pagar os juros da dívida externa. A vicepresidenta da Unafisco destaca que o governo gastou, até maio, R$ 65 bilhões com o pagamento dos juros, e por isso, ele defende a reforma alegando que, em 20 anos, economizaria R$ 52 bilhões. Os servidores em greve concordam que existem algumas distorções no sistema previdenciário, mas avaliam que não é necessária uma reforma para resolvê-las.“O problema é o salário, ele, sim, deveria ter um valor condizente com a realidade brasileira”, apontaTeixeira. Segundo Nory, não existe vontade política para fazer essas mudanças. PACTO SOCIAL? Uma das estratégias de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a construção de uma aliança entre todos os setores da
Rafael Neddermeyer/AE
Cresce adesão à greve dos servidores
■ Servidores invadem o Salão Verde da Câmara, tentando chegar ao plenário, onde se realizava dia 22, reunião da bancada do PT para tratar da reforma sociedade. E, para encontrar consensos, foi criado o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). A greve dos servidores públicos federais demonstra que esse caminho não é tão fácil como se imaginava. Cristina Miranda, da coordenadação do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), acredita que os trabalhadores não estão expressivamente representados no CDES. “Acreditamos que o consenso para a criação do pacto social não está sendo buscado”, denuncia, criticando o Conselho por ser quase inteiramente dominado por representantes de grandes empresas e do sistema financeiro. Nory é mais enfática. Para ela, grande parte dos integrantes do Conselho deveria estar na cadeia pelo que deve a Previdência.
Juízes param em agosto Os juízes estaduais e do trabalho decidiram entrar em greve entre 5 e 12 agosto.A decisão foi tomada no dia 21.Após a paralisação, em assembléia, eles vão decidir o futuro da mobilização. Os magistrados não querem interromper a reforma no Congresso, mas sim negociar ponto a ponto as mudanças com o governo. Dentre suas reivindicações estão a manutenção da paridade e da integralidade. Além disso, os magistrados pedem aumento do subteto de seus salários de 75% para 90,25% dos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Se essa reivindicação for aceita, um juiz estadual poderá receber até R$ 15.496,65. O desembargador Guinther Spode, secretário geral da AMB, classifica sua categoria de diferente, apesar de salientar que os magistrados buscam a união de todos os setores. “Não podemos nunca deixar de lado o discurso que nos remete a um tratamento especial”, diz. Em nota oficial, o presidente em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Antonio Busato, afirma que “é preciso ficar claro que se trata de um movimento classista, que visa receber, a todo custo, um tratamento diferenciado, e não de defesa de suas prerrogativas”. No dia 22, os procuradores e promotores do Ministério Público decidiram também entrar em greve.
Mudanças não trazem benefícios s mudanças na reforma da previdência não vão trazer benefícios para a maioria da população brasileira, mas vão, isto sim, abrir espaço para a atuação livre dos fundos privados de pensão, como interessa ao capital financeiro. Essa é a avaliação de líderes dos servidores públicos e deputados federais ligados às correntes de esquerda do Partido dos Trabalhadores (PT), que reafirmaram sua posição contrária à Proposta de Emenda à Constituição nº 40 (PEC 40/03). O deputado José Pimentel (PTCE) apresentou, no dia 18, o relatório substitutivo da PEC 40/03 que será debatido pelos deputados antes de ser levado à votação no Plenário. O texto pouco alterou a situação dos servidores. Embora a grande mídia tenha divulgado que o novo texto garante a integralidade (aposentadoria com valor equivalente ao do último salário) e a paridade (reajustes iguais para funcionários da ativa e aposentados) para os funcionários públicos da ativa, não foi bem isso que estava escrito. VOLTA ATRÁS “O relatório é um retrocesso no pouco que se tinha avançado nas negociações. Realmente, chegou-se a cogitar a paridade e a integralidade. Assim, a reforma se-
ria uma política de Estado, e inviabilizaria os fundos de pensão, já que acabava com o teto. Mas, depois da pressão do capital financeiro e dos governadores, voltou-se atrás”, explica o deputado federal IvanValente (PT-SP). Com isso, acrescenta, volta também a lógica do debate, segundo a qual a reforma da previdência está voltada apenas para o ajuste fiscal e para as necessidades do capital financeiro internacional. Para Valente, o governo comete um erro político com a reforma da previdência. “O governo resolveu enfrentar o serviço público e cometeu um erro político.Você não pode ter uma postura que jogue pobres contra remediados”, avaliou. A posição do parlamentar é compartilhada pelo Comando Unificado de Greve dos Servidores Públicos Federais (CNUG). Em nota oficial, os servidores em greve avaliam que as mudanças na reforma da Previdência “definem um modelo de Estado em que não há espaço para as questões sociais”. PRIVILÉGIOS Segundo o CNUG, esse modelo foi rechaçado pela população nas últimas eleições.“Um Estado que privilegia o capital financeiro, os especuladores, os agiotas e os latifundiários que se escondem da palavra do momento: mercado”, escreveram os funcionários públicos.
Revolta aos servidores o fato de o governo estabelecer critérios inatingíveis para o servidor público ter direito à aposentadoria integral. De acordo com a nova proposta apresentada por José Pimentel, o funcionário deverá responder, no caso dos homens, a quatro exigências: 35 anos de contribuição; 20 anos de trabalho no serviço público; mais de 60 anos de idade; e 10 anos de permanência no último cargo. Condições draconianas, na avaliação do deputado IvanValente. “Se você somar as quatro condições, você vai deixar mais gente trabalhar por mais tempo”, diz o parlamentar. Para aqueles que não cumprirem as quatro exigências, a aposentadoria será calculada a partir de nova lei a ser regulamentada pelo Congresso. TUDO NA MESMA “É inaceitável. Primeiro, porque, se fosse integral, não precisava fazer cálculo. As quatro condições exigidas pelo governo são cumulativas e inviáveis. Um professor muda de cargo de dois em dois anos. Ele vai ter de permanecer 10 anos no mesmo cargo se quiser garantir aposentadoria integral. É uma brincadeira”, afirma José Domingues, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). O próprio presidente do PT, José Genoíno, reconheceu, em entrevistas à
grande imprensa, que o governo cedeu apenas simbolicamente, pois, na prática, nada mudou. Outra alteração anunciada pelo governo, a concessão da paridade (reajustes iguais para servidores ativos e aposentados), também foi criticada pelos servidores. O substitutivo do deputado José Pimentel estabelece que a nova fórmula de cálculo das aposentadorias será sobre a remuneração fixa e não sobre o salário integral do servidor. FUNDOS DE PENSÃO “É uma esculhambação. Dois terços do salário do servidor são de gratificações. Isso porque o governo não quis reajustar o salário do funcionalismo e passou a conceder gratificações por produtividade, por exemplo. O curioso é que o servidor público paga 11% de imposto sobre o seu salário integral. Por que na hora de reajustar a aposentadoria o governo quer levar em conta só a remuneração fixa?”, pergunta Domingues. A nova proposta da reforma da previdência também mantém a contribuição dos atuais aposentados e pensionistas com benefício superior a R$ 1.058,00. Para os futuros aposentados, o teto será de R$ 2.400,00. A postura do governo contraria a reivindicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de um teto de R$ 4.800,00.
Essa limitação é fundamental para garantir a atuação dos fundos de pensão. Pois, para o servidor que ganha acima deste valor, será preciso recorrer a esse tipo de investimento. “Aí está o verdadeiro objetivo da reforma da Previdência: abrir espaço para os fundos de pensão. Se o governo quisesse mesmo reduzir os altos salários, era só fazer cumprir a Constituição, que estabelece que todo servidor, seja do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, tenha o mesmo teto salarial. O governo não quis comprar a briga com o Judiciár io”, avalia Domingues. SEM INCLUSÃO O substitutivo de José Pimentel não fala, no entanto, em expandir os benefícios da Previdência Social aos 40 milhões de brasileiros que dela estão excluídos. Para Domingues, não haverá conquista social com as mudanças propostas pelo governo. “Os trabalhadores do setor privado não vão receber nada a mais com a reforma. Quem vai ganhar é o mundo do capital que, no Brasil, se apropria de 66% da riqueza produzida no país, enquanto o do trabalho fica com apenas 34%”, afirma o vice-presidente do Andes. Segundo Domingues, essa relação vai ficar ainda mais desequilibrada: “A reforma vai aumentar a proporção das riquezas sob domínio do capital no Brasil.”
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Jorge Pereira Filho, da Redação
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DESMONTE DO ESTADO
spremida entre cortes freqüentes em seu orçamento e a necessidade de atender a uma demanda sempre crescente no meio rural, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) teria de reformular toda a sua estrutura e redirecionar o seu trabalho, de forma ainda mais radical do que tem feito em anos mais recentes, para incrementar a produção de tecnologias para a agricultura familiar no país. “É impensável que pouco mais de dois mil pesquisadores consigam transferir tecnologia para milhões de pequenos produtores que hoje não têm acesso à pesquisa”, afirma Valter Cauby Endres, vicepresidente do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf). Ele considera essencialmente correta a crítica que se faz à Embrapa por ter concentrado todo seu esforço na pesquisa de commodities (produtos negociados em bolsas de mercadorias) agrícolas destinados à exportação, a partir dos anos 70.
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EXPORTAÇÃO A proposta era estimular a produção de grãos exportáveis, explorados pela agricultura empresarial, concentradora da renda e da propriedade no campo. “Partia-se do pressuposto equivocado, tecnicamente, segundo o qual a tecnologia criada e desenvolvida para os grandes produtores serviria também para os pequenos, quando isso não é verdadeiro”, afirma Endres. Segundo ele, já faz algum tempo que a área técnica da Embrapa tenta dar um maior equilíbrio entre os projetos destinados à agricultura empresarial e aqueles voltados para a agricultura familiar e a pequena produção agropecuária. “Pelo menos, nos últimos cinco anos, temos tentado atualizar o enfoque”, acrescenta. Tenta-se, por exemplo, canalizar maiores volumes de recursos para tecnologias com aplicação em alimentos básicos, com produção em pequena escala, como batata, hortaliças, feijão, pequenas propriedades leiteiras, manejo pecuário e exploração de recursos agroflorestais em sistemas ambientalmente sustentáveis (ou seja, que preservem o meio ambiente).
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NO CAMPO A questão é que a pesquisa, aqui, exige uma “outra dimensão acadêmica”, que as universidades e centros tecnológicos, hoje, não estariam aparelhados para fornecer, na maioria dos casos.“O pesquisador tem de trabalhar muito próximo do agricultor. E a pesquisa, neste caso, não pode ser feita em laboratório, mas no campo”. Esse conceito relativamente novo de pesquisa agropecuária, continua Endres, também exige novos conhecimentos, avança pela área da sociologia e do comportamento social, envolve um tipo de aprendizado não acadêmico. Endres reconhece que, atualmente, há muito poucos pesquisadores preparados para assumir o novo figurino. Por isso mesmo, insiste ele,“será preciso um esforço extra para formar gente para fazer isso”. Não se trata de preparar apenas pesquisadores, mas também extensionistas com a mesma
visão, para que funcionem como difusores da tecnologia entre os pequenos agricultores.“A Embrapa teria de ter uma outra estrutura apenas para atender a agricultura familiar”. MAIS PESSOAL Na visão de Marisa Barbosa, diretora da Embrapa, a empresa precisaria de mais pessoal e de mais recursos financeiros para dar conta do recado. Ela diz que há áreas que mereceriam uma atenção maior da Embrapa, mas estariam sendo negligenciadas, como a exploração de energias renováveis, à base de biomassa. “Se conseguíssemos recursos, poderíamos dar ênfase maior a pesquisas nesta e em outras áreas, fora da agropecuária convencional”, afirma. Com recursos, seria possível escapar do dilema “agricultura empresarial versus agricultura familiar”. “Não podemos sair das áreas tradicionais, e não vamos deixar de trabalhar com a agricultura empresarial. Mas precisamos avançar em direção a três grandes linhas: a agricultura empresarial, a familiar e o segmento de estudos estratégicos, que alimentam o acúmulo de conhecimento, como biotecnologia e biossegurança”, defende Marisa. Como exemplos de projetos nesta linha,ela cita o desenvolvimento de sementes de algodão naturalmente colorido, produzido organicamente (sem adubação química e, em princípio,sem agrotóxicos, o que resulta em menor nível de agressão ao meio ambiente). Aquelas sementes aplicam-se à pequena agricultura do Nordeste e a cultura exige o uso intensivo de mão-de-obra. A Embrapa trabalha, ainda, no aperfeiçoamento de técnicas para pecuária leiteira baseada no uso de animais geneticamente mais simples e de custo mais baixo – uma atividade também mais intensiva em mão-deobra (que gera mais empregos). Marisa acrescenta que a Embrapa também adota conceitos de pecuária orgânica, com menor dependência de produtos químicos no cultivo de pastagens e na criação dos animais.
■ Há tempo dedicados a resolver problemas relacionados ao agronegócio, os pesquisadores da Embrapa não estão preparados para transferir tecnologia aos pequenos produtores
SEGURANÇA ALIMENTAR
Transgênicos sem rumo definido Carlos Tautz, do Rio de Janeiro (RJ) toque de caixa, a Casa Civil da Presidência da República planeja enviar ao Congresso, até 1º de agosto, um projeto de lei (PL) para regulamentar a comercialização de transgênicos no Brasil e, assim, superar a indefinição do governo neste assunto. Mas, ao contrário do que sugere o programa do ex-candidato Luíz Inácio Lula da Silva, –em quatro oportunidades o PT expressa cautela quanto aos organismos geneticamente modificados (OGMs) – o governo federal tem sido, no mínimo, ambíguo ao tratar de OGMs. “Noventa por cento do ministério, e eu pessoalmente, somos contra. Mas, o governo vai estimular, através do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), um debate científico para encontrar uma saída”, disse Lula em audiência com o MST, (aquela do boné), dia 2 de julho. Mas, as palavras do presidente não tranquilizaram as organizações não governamentais e movimentos sociais que tentam, sem sucesso, desde dezembro de 2002, uma audiência com Lula para lhe mostrar os malefícios dos transgênicos. O presidente até chegou a se comprometer, na reunião de março do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), a ouvir o Grupo de Trabalho do Consea sobre o tema, o que não aconteceu. LOBBY PODEROSO As posições oficiais têm sido definidas pelo ministro da Agri-
Elza Fiuza/ABR
Lauro Jardim, de São Paulo (SP)
A Embrapa não tem como atender os pequenos produtores José Paulo Lacerda/AE
NACIONAL
Na Embrapa, faltam recursos e pessoal, e apenas dois mil pesquisadores não conseguem transferir tecnologia para milhões de agricultores familiares; o governo federal continua indefinido sobre a questão dos transgênicos, e sem dar ouvidos aos movimentos sociais
■ Defensores do agribusiness e dos transgênicos têm um forte aliado no governo, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues cultura, Roberto Rodrigues, expresidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag). É ele quem, no governo, comanda um lobby pró-transgênicos, que conseguiu indicar Érico Feltrin, ex-assessor de Pratini de Moraes, antecessor de Rodrigues, para supervisionar, pela Casa Civil, a redação do PL. Agrônomo, Feltrin participou da viagem de parlamentares, funcionários públicos e representantes da sociedade civil aos Estados Unidos e África, paga pela embaixada dos EUA, que incluiu visita à sede da Monsanto. Na oportunidade, segundo integrantes da comitiva, Feltrin teria assumido publicamente posição prótransgênicos. POUCO TEMPO O projeto de lei está sendo discutido por uma comissão de nove ministérios, à qual o movimento social teve pouco acesso. A urgência na elaboração de
um PL sobre tema complexo em tão pouco tempo foi uma exigência dos ruralistas à Casa Civil, para que a bancada dos latifundiários apoiasse a proposta de medida provisória (MP) que liberou a safra ilegal de soja transgênica em 2003. Para aprovar a MP, em 14 de maio, José Dirceu concordou em elaborar um novo PL e, de quebra, engavetou outro projeto, mais antigo, elaborado pela atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, quando senadora pelo Acre. No seu PL, ela propunha moratória de cinco anos para OGMs. Dirceu também garante que, em 2004, os OGMs serão reprimidos. Mas ele parece ter esquecido que, no Rio Grande do Sul, onde a soja contaminada por transgênicos foi colhida sem qualquer restrição, há desobediência civil aberta em relação à próxima safra, e sementes transgênicas serão usadas na safra 2003/2004.
ESCÂNDALO
NACIONAL
Relatório inédito da Plataforma de Direitos Humanos, organização brasileira que agrega várias entidades, feito em conjunto com a ONU, equipara as violações dos direitos econômicos, sociais e culturais à prática de tortura e prisões ilegais
Luciney Martrins/rede Rua
Caos social viola direitos humanos no Brasil Letícia Baeta, da Redação
■ Eleonora Menicucci, relatora dos direitos à saúde, fala da ocorrência, em Pernambuco, de casos de mortes maternas seis relatores organizou missões aos Estados brasileiros onde a população denunciou haver violações dos direitos humanos. É a primeira vez que um país adota, isoladamente, tal procedimento. CATÁSTROFE O relatório aponta problemas graves nas seis áreas abordadas. Seguem alguns exemplos: No município de Barreiras, na Zona da Mata em Pernambuco, existe apenas um hospital conveniado com o Sistema Único de Saúde (SUS), a Clínica João Alfredo. Segundo a relatora Eleonora Menicucci, da área da saúde, “No prazo de um mês aconteceram seis mortes maternas absolutamente evitáveis, sendo que uma mãe foi enterrada com o feto vivo na barriga”. Foram realizadas audiências com o Ministério Público (MP) e a população sobre as seis mortes. Eleonora afirma que, desses casos, apenas três tinham processos em andamento no Ministério Público, dos quais um foi arquivado, por falta de provas.
Em Alcântara, ao Norte do Maranhão, a ampliação da base militar expulsa comunidades de quilombolas, cujo direito às terras é garantido pela Constiuição. Durante quase vinte anos, o município ficou abandonado pelo poder público. Quem governa são os militares. A Plataforma Brasileira entrou em contato com a Fundação Palmares e o Ministério do Desenvolvimento para pedir o reconhecimento das áreas como remanescentes de quilombos.As comunidades que resistem sofrem ameaças e ainda não receberam o título das terras. Nelson Saule Jr., relator do direito à moradia e terra adequada complementa: “Existem hoje 2 mil áreas de remanescentes de quilombos identificadas. Destas só 29 têm a titulação até o momento. Há uma preocupação muito grande com a lentidão com que o novo governo está enfrentando a questão da demarcação, do reconhecimento e da proteção das terras”. Ele propõe a criação de um grupo interministerial para tratar da questão territorial.
ESCÂNDALO BANESTADO
SEM RESPOSTAS O ex-presidente do BC foi evasivo ao responder indagação do senador Pedro Simon (PMDBRS), que quis saber porque, três dias depois da autorização ter sido
Elza Fiuza/ABR
economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central (BC), em depoimento à CPI do Banestado, que investiga a evasão ilegal de divisas para o exterior, apenas confirmou que o esquema das contas CC5 tornava possível a prática de fraudes e de irregularidades, em prejuízo da economia nacional. Franco era diretor da Área Internacional do BC na época em que foram criadas condições excepcionais para operações de envio de dinheiro para o exterior, beneficiando diretamente a apenas cinco instituições financeiras. No período, cerca de 30 bilhões de dólares saíram do país através de operações ilegais que não foram detectadas nem pela fiscalização do Banco Central, nem da Receita Federal. Paulo Cardoso, coordenador de fiscalização da Receita Federal, chegou a declarar à CPI que o órgão apenas carimbava as guias em que se registrava a saída de valores, sem, no entanto, conferir o conteúdo dos carros de valores que transitavam pela fronteira com o Paraguai.“A resolução do BC mandava apenas carimbar, mas não verificar o conteúdo”, disse ele em depoimento na semana anterior.
As missões de investigação da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos e Sociais começaram em novembro de 2002 e terminaram em abril deste ano. Para saber em que regiões a situação estava mais crítica, foi elaborado um modelo de comunicação no qual as pessoas fizeram denúncias de violação dos direitos humanos. Os relatores organizaram visitas a esses locais e a outros com situação exemplar. O trabalho final é um livro de 456 páginas (Edições Bagaço). A íntegra do relatório está no endereço eletrônico www.dhesc.org.br. A missão sobre o meio ambiente, organizada por Jean Pierre Leroy , foi realizada no Pará, numa região que abrange desde a região do rio Tapajós e a BR 164 – a Cuiabá-Santarém, a oeste, até a Bacia do Xingu, a leste; e desde o limite do município de Atamira, ao sul, até o rio Amazonas, ao norte. A relatora da saúde, Eleonora Menicucci, e sua equipe visitaram o Estado de Pernambuco, para relatar os problemas da saúde da mulher negra. Em Paulínia (SP) foi analisado o impacto sobre a saúde dos ex-trabalhadores da empresa Shell Brasil S.A. que, segundo o relatório, contaminou o meio ambiente da região com produtos químicos. Nelson Saule Jr., relator de direitos humanos à moradia adequada e à terra urbana, organizou missões para ilha de Marambaia (RJ) e Alcântara (MA) para acompanhar a disputa de terra pelos quilombolas e pela Marinha brasileira. Em São Paulo, trabalhou com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e, na Bahia, com a comunidade dos índios Pataxós Hãhãhãe. Os problemas educacionais foram pesquisados por Sérgio Haddad, em Fortaleza (CE). O município de Santo André (SP) recebeu visita por apresentar boas práticas de gestão pública e economia solidária. O relator Flávio Valente trata da questão indígena no Piauí. (LB)
Saule também defendeu, durante o lançamento, a reforma urbana e divulgou um dado do IBGE: existem hoje, no Brasil, seis milhões de pessoas sem casa para morar e 5,5 milhões de imóveis fechados. “Se esses imó-
Governo anistia empresários sonegadores Da Redação
■ Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, depõe na CPI que investiga a remessa de dólares para o exterior, dia 22 concedida pela autoridade monetária, apenas cinco bancos solicitaram permissão para a prática das operações financeiras que tinham sido apresentadas como uma alternativa caso ocorresse alguma situação especial no mercado de câmbio. Uma situação curiosa também cercou o depoimento de Franco à CPI: o ex-presidente do BC alegou que o Tribunal de Contas da União (TCU) que, em auditoria, constatara irregularidades nas operações em foco, não tinha conhecimento de um voto aprovado pela diretoria do BC referendando a as alterações nas contas CC5 para envio de dinheiro ao exterior. Segundo Franco, por lapso, por esquecimento, ou por alguma causa que ele desconhece, o texto do voto não foi remetido ao TCU quando solicitado, mas, ape-
veis estivessem sendo utilizados, com certeza a grande parte da população que vive nas favelas e cortiços teriam assegurados o direito à moradia, principalmente nas grandes cidades e metrópoles”, acredita Saule.
REFIS
Franco admite fraude na CC5 Da Redação
Investigações foram feitas com base em denúncias
nas três anos depois, quando a normatização das contas CC5 já havia sido alterada. A senadora Ideli Salvati (PT-SC) estranhou que um voto do BC com uma decisão de tamanha importância, ficasse esquecido. “Um voto desses é inesquecível”, afirmou ela. A afirmação de Gustavo Franco de que as normas das contas CC5 fizeram com que as operações ilegais de doleiros e de fraudadores fossem controladas foi rebatida pelo relator da CPI, deputado José Mentor (PT-SP), que estranhou o fato de um instrumento de controle ter resultado numa evasão de aproximadamente 30 bilhões de dólares, inclusive porque foi detectado, por exemplo, que apenas um doleiro, individualmente, chegou a movimentar cerca de 1 bilhão de dólares, volume considerado extraordinário.
cupado com as greves, negociações, marchas e contramarchas da reforma da Previdência, o mundo político nem deu a devida atenção à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à lei do Refis 2 (Program de Recuperação Fiscal). É estarrecedor: ao disciplinar o refinanciamento das dívidas de empresários com o fisco, o Refis 2 também permitiu anistia criminal àqueles que respondem a processos por crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita. Quando a lei foi aprovada, em 30 de maio, houve uma forte controvérsia entre parlamentares que fazem parte da base petista. O líder do gover no no Senado, Aloízio Mercadante, retirou o projeto alegando inconstitucionalidade. Apesar disso, o vice-líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho (PT-SP), adotou uma postura mais condescendente, para dizer o mínimo, e afirmou:“Se o empresário quer regularizar sua situação, parcelar e pagar suas dívidas, por que manter a possibilidade de prendê-lo”. TENTATIVA INÚTIL O presidente da República chegou a vetar um artigo, imaginando que, com isso, impediria a inclusão, no Refis 2, de empresários processados criminalmente
por sonegação de impostos, ou por apropriação indébita de contribuição de empregados não repassadas ao Instituto Nacional de Seguridade Social. Em tese, eles não poderiam ser incluídos no processo de anistia e direito de saldar suas dívidas parceladamente, em até 180 meses. Triste ilusão do presidente. Na realidade, num outro artigo, de número 9, a supressão no texto final, de quatro vocábulos, restabelecia o caráter amplo da anistia aos empresários colhidos em ilegalidade. O mais absurdo é que o benefício incluía os que deixaram de pagar o fisco e se apropriaram de contribuição de empregados sem repassá-las à Seguridade Social – prática que os integrantes do PT condenavam nos termos mais duros, quando ainda faziam parte da oposição. Depois de significativo silêncio sobre o tema, os escritórios de advocacia que assessoram empresários colhidos nas situações assinaladas comemoraram a forma final da lei sancionada pelo Palácio do Planalto. Suas declarações de júbilo ajudaram a esclarecer porque o deputado Professor Luizinho saiu-se vitorioso no embate com o senador Aloizio Mercante. O fato é que o Refis 2 foi mais uma peça na engrenagem que move os acordos entre o governo federal e os partidos da oposição, no quadro das reformas.
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s violações dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais no Brasil são tão graves quanto as execuções sumárias, a tortura e as prisões ilegais, na medida em que também matam todos os dias. É o que constata o relatório, inédito no país, sobre Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais 2003, feito em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU). Apresentado na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça), em abril, o relatório foi lançado na capital paulista, dia 17. “Só com a pressão popular e o engajamento da sociedade vamos conseguir garantir os direitos humanos. As políticas públicas não serão feitas sem essa pressão, isso tem de chegar aos tribunais internacionais”, afirma Jean Pierre Leroy, especialista em meio ambiente. O documento foi produzido pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos e Sociais, uma rede de organizações não governamentais que atua em parceria com o programa de Voluntários da ONU e a Secretaria Especial de Direitos Humanos do Brasil. Para produzir o relatório, a Plataforma Brasileira adotou a mesma metodologia até então empregada apenas pela ONU para analisar focos de problemas no mundo. Os estudos abrangem várias áreas de atuação: saúde, meio ambiente, educação, moradia, terra urbana e rural, trabalho, alimentação e água. Um grupo de
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NACIONAL
Dois trabalhadores que atuaram na remoção do petróleo vazado em Araucária (PR), no ano 2000, ficaram paraplégicos pelo envenamento; os exames médicos deram “infecção viral” e eles não têm direito a indenização; pesquisa no Equador ajuda a compeender a situação
DESCASO DA PETROBRÁS
operador de máquinas desempregado Juracir Francisco da Silva, 33 anos, enfrentou uma das substâncias mais venenosas do mundo com jeans, blusa e um par de tênis. Ele trabalhou na remoção do petróleo vazado da Refinaria PresidenteVargas (Repar), no município de Araucária, região de Curitiba, há três anos, quando 4 milhões de litros do produto escaparam por um oleoduto que se rompeu. Foram 10 dias de serviço no rio Iguaçu, para onde parte do óleo escapou. A TRAGÉDIA DE JURACIR Como cerca de 500 trabalhadores, Juracir Francisco da Silva sentiu fortes dores de cabeça, náuseas, vômitos e sangramento pelo nariz por causa do contato direto com o petróleo. São sintomas em pessoas que sofreram envenenamento. O desempregado ficou mais próximo do óleo que outros trabalhadores. Houve um turno em que trabalhou 36 horas numa área contaminada. Meses depois estava paraplégico. O petróleo é formado por substâncias tóxicas como benzeno, mercúrio e ácidos que, inalados, afetam o sistema nervoso e a capacidade de coordenação dos movimentos. O primeiro laudo médico, solicitado pelo Sindicato dos Petroleiros do Paraná (Sindipetro), demorou dois anos e meio para ficar pronto. O objetivo era usar o laudo num eventual processo de indenização contra a Petrobras, dona da refinaria onde ocorreu o vazamento. A conclusão oficial é que Silva foi vítima de uma infecção viral, segundo documento do Centro de Apoio à Saúde do Trabalhador (Cemast), da Secretaria Estadual de Saúde. ”É mais plausível descartar a contaminação viral do que a contaminação por petróleo”, diz o diretor do Sindipetro, Jaime Ferreira, lembrando das substâncias tóxicas que compõem o petróleo. Há três semanas, o sindicato obteve um novo laudo que confirma que Silva foi contaminado pelo petróleo. Assinado pelo médico Jorge Mesquita Huet Machado, da prestigiada Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, o documento, ao qual Brasil de Fato teve acesso com exclusividade, prova que há ligação entre a paralisia e a remoção do óleo. ”Há um nexo irrefutável entre a
exposição ocupacional ao petróleo e o quadro de paralisia apresentado pelos trabalhadores (Juracir e Marcondes) que estiveram envolvidos no combate ao vazamento, definido pelo consenso técnico sobre o efeito da exposição do petróleo no sistema nervoso periférico causador de polineurites periféricas e paralisias”, escreve o médico, que aponta a contaminação devido à falta de equipamentos de proteção. Com o documento, os colegas de sindicato têm uma prova para um processo contra a Repar. Silva tem sua interpretação sobre a recusa da Petrobras em reconhecer seu caso. A empresa teria de admitir que arriscou a vida de centenas de trabalhadores contratados para a remoção do produto apesar de nenhuma experiência com petróleo. Silva lembra que, já no pátio da Repar, foi deslocado para uma área de petróleo a remover. Não recebeu máscara, roupa especial ou qualquer orientação para manusear petróleo. Os trabalhadores almoçavam nas encostas do rio, a poucos metros do produto. Suas únicas ferramentas eram baldes, colheres e pedaços de madeira. “Quando a gente estava no final do serviço deram uma luva de borracha, um macacão desses que se usa na chuva e um par de botas.” Não ajudou muito. Pessoas que trabalham em condições insalubres precisam de máscaras especiais, roupas impermeáveis e capacetes. “Eles (trabalhadores) cheiraram petróleo, comeram com petróleo e se besuntaram com petróleo”, diz Ferreira, do Sindipetro. Na época do vazamento, este repórter testemunhou as precárias condições dos que atuavam na linha de frente para recolher e impedir que o óleo avançasse pelo Iguaçu. A direção da Petrobras só se mexeu (e mesmo assim dando equipamento rudimentar aos trabalhadores, como os descritos acima por Silva) quando as primeiras denúncias chegaram à imprensa. Os índices de evaporação das substâncias do petróleo só passaram a ser medidos nove dias depois do vazamento, quando a quantidade de substâncias tóxicas expelida pelo óleo já era menor. Para sobreviver, Silva recebe R$ 250,00 do Sindipetro e R$ 240,00 do INSS. Ele e outro trabalhador (leia abaixo) foram os únicos a se manifestar e reivindicar indenização. Mais gente pode estar assim, sem saber que sua saúde possa ter ligações com o tra-
no rio com balde. Não usei máscara. Eles (Petrobrás) nem me falaram que o produto era perigoso e poderia causar intoxicação”. Um dia depois do trabalho, ele começou a sentir fortes dores nas costas e no peito. Tinha dificuldade para respirar. “O médico do posto receitou 14 injeções.Tomei quatro e aí paralisou tudo da cintura para baixo.” Luz ficou in■ Vazamento de óleo bruto da Repar, em Araucária (PR), em julho de 2000 ter nado quatro meses. Pegou infecção hospitalar. ”Eu era uma pessoa que anbalho na Repar. Cerca de 2,5 mil sondas para urinar. Como o posto dava pra lá e pra cá. Você sabe pessoas foram contratadas tempode saúde do seu bairro não tem essa como é vida de vendedor: tem de rariamente para remover o óleo. quantidade, ficava sem ir ao banheigastar muita sola do sapato. Como “A maioria gente humilde sem ro, e teve uma infecção que o fez é que dois dias depois de sair lá condições de associar seu estado perder um rim. Por causa da parada Repar, fiquei assim, sendo uma de saúde com trabalho insalubre”, lisia, o órgão só esvaziava com sonpessoa saudável?”, indaga. O caso diz Ferreira, do Sindipetro. das. Os dentes caíram e sofre com dele também foi analisado pelo Sem o dinheiro do sindicato feridas na cabeça. Pelos 10 dias na Cemast, centro cuja sigla diz apoiar e do INSS, Silva, que fica deitado Repar, recebeu R$ 220,00. É poua saúde do trabalhador. O diago dia inteiro, não poderia pagar o co para quem combateu os efeitos nóstico foi mielite transversa caualuguel, de R$ 170,00, alimentar de uma das maiores catástrofes sada por infecção viral. os quatro filhos, e custear parte ambientais registradas no país. Por Na medicina, a mielite é vista dos remédios usados para comenquanto, só lhe resta desabafar: como o resultado de infecções em bater as seqüelas que apareceram “Outros é que cometeram o critantas circunstâncias diferentes após o trabalho na Repar. Ele vem me e eu é que fui o preso.” que fica impossível atestar oficiperdendo as forças nos dois braalmente se Luz foi prejudicado ços, o que o impede de usar muDRAMA DE MARCONDES pela falta de proteção quando liletas.“Não posso mais pescar, coiO vendedor autônomo e sadava com produtos venenosos. sa que eu adorava.” Para se pateiro José Marcondes Portela da Com o laudo da Fiocruz obtido locomover, só cadeira de rodas. O Luz, 43 anos, trabalhou oito dias pelo Sindipetro isso pode mudar. equipamento que conseguiu do na remoção do óleo da Repar. Luz recebe auxílio social do SUS não passa pela porta do quarFicou paraplégico, como Silva. INSS de R$ 240,00. Por causa to e ele precisa se arrastar até a “Trabalhei do dia 17 (24 horas da paralisia, mudou-se para a casa cozinha para alcançá-la. depois do vazamento) ao dia 25 de uma irmã, que o ajuda na vida Silva precisa, por mês, de 150 de junho (de 2000). Colhia o óleo doméstica. Os três filhos, uma menina de nove anos, outra de 12 e um garoto de 16, só conse■ Juracir Francisco da guem vê-lo a cada 15 dias. O Silva (ao lado) e José detalhe é que todos moram em Marcondes Portela da Curitiba, mas em pontos oposLuz: vítimas da tos da cidade. “A menorzinha Petrobrás, que sente muito minha falta.” contesta na Justiça até Em nota oficial, a Repar deshoje multa de R$168 carta responsabilidade com a conmilhões, aplicada pelo taminação de trabalhadores. GaIbama rante ter tomado providências para a segurança dos que atuaram na remoção do óleo, embora, como dito antes, este repórter testemunhou a precariedade das condições de trabalho.A assessoria da empresa informa que foram feitas, na época, análises das amostras de hidrocarbonetos. Constatou-se que o nível de produtos químicos expelidos naturalmente na evaporação mantinha-se “abaixo do limite mínimo de segurança”. No entanto, se a empresa é parte envolvida no caso, como poderia atestar, com confiança e credibilidade, esta segurança? Passados três anos, a empresa ainda contesta na Justiça o valor ram mortes na família num espaço de um ano. Nas áreas não exposda multa, de R$ 168 milhões, aplitas, o número de óbitos foi de 0,91%. Os números demonstram, cada pelo Instituto Brasileiro do portanto, que a exposição ao óleo também pode ser fatal. Meio Ambiente e Recursos NaO estudo lembra, mais uma vez, que sintomas como dor de cabeturais Renováveis (Ibama). Alega ça, vômitos, náuseas etc..., representaram os diagnósticos mais freque não pode ser penalizada duas qüentes das comunidades mais próximas dos campos de exploração. vezes pelo mesmo crime ambienA pesquisa mostra que o risco de um aborto espontâneo nesses lotal, por já ter pago outra multa, cais era 152% maior do que nas regiões onde a população está proexpedida pelo órgão de defesa do tegida dos efeitos nocivos do petróleo. meio ambiente no Paraná, o IAP, Camponeses entrevistados nas áreas de risco relataram na pesquique notificou a Repar em R$ 40 sa que não associavam sintomas como tosse e pigarro ao contato milhões. O ex-diretor da refinacom o petróleo. Essas pessoas até encaravam o óleo como um proria, Luís Valente Moreira, e o exduto que poderia ser usado para aplicações na pele e tratamento de presidente da Petrobrás, Henri problemas estomacais. Funcionários de empresas exploradoras chePhillipe Reichstul, são os procesgavam a garantir aos moradores que o petróleo tinha propriedades sados em ação criminal movida medicinais. pelo Ministério Público Federal San Carlos também registrou 2,3 vezes mais casos de câncer do (MPF). O MPF pede indenizaque os verificados na capital do país, Quito. As enfermidades eram ção de R$ 2 bilhões á Petrobras provocadas pelo despejo de petróleo nos rios usados como fonte de por danos ambientais causados nos consumo de água da população e da evaporação de gases venenosos rios Barigüi e Iguaçu, atingidos durante o manuseio do produto. (DV) pelo vazamento. Albari Rosa
Dimitri do Valle, de Curitiba (PR)
Pedro Serapio/Gazeta do Povo
Anatomia de dois crimes
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Situação no Equador ajuda a compreender drama de trabalhadores do PR
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San Carlos, na selva amazônica equatoriana, está muito longe de Araucária (PR). Mas quando se trata de contaminação por exposição ao petróleo, o exemplo de San Carlos ajuda a esclarecer o destino que tiveram o operador de máquinas Juracir Francisco da Silva e o sapateiro e vendedor José Marcondes Portela da Luz. Desde o final dos anos 60, quando a exploração do combustível fóssil se acentuou no Equador, o número de abortos espontâneos foi duas vezes maior em San Carlos, onde existem poços de petróleo. O mesmo resultado foi constatado nos casos de câncer, coceiras de pele, dores de cabeça, irritação na garganta, nos olhos, náuseas, enjôos, vômitos, infecções e gastrites. Alguns desses sintomas, vale lembrar, foram notados nos trabalhadores que atuaram na remoção do óleo que vazou da refinaria de Araucária. Portanto, não há como sustentar que os dois entrevistados desta reportagem tiveram sintomas que foram obras do acaso ou provocados por uma infecção viral misteriosa. O levantamento que apontou o crescimento no número de doentes que moravam perto de áreas de exploração de petróleo, em San Carlos, foi preparado pela Escola de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Londres. A pesquisa, divulgada no ano 2000 pelo jornal espanhol El País, demonstrou que 11% dos moradores residentes a menos de cinco quilômetros dos poços de petróleo registra-
Ano I ■ Número 21 ■ Segundo Caderno
Movimentos sociais do Equador unem-se por governo popular João Alexandre Peschanski e Jorge Pereira Filho, da Redação epresentantes de dezenas de movimentos sociais do Equador decidiram estabelecer uma pauta única de reivindicações e mobilizações para pressionar o presidente Lucio Gutiérrez a mudar os rumos da política econômica do país. No Congresso dos Povos do Equador, dia 12, as organizações defenderam o rompimento dos acordos firmados entre o governo e o Fundo Monetário Internacional (FMI) e escreveram uma “Estratégia unificada para derrotar o neoliberalismo”. Também foi acertado o dia 21 de agosto como a data nacional de luta contra a política econômica vigente no Equador. Apesar de criticarem Gutiérrez, os movimentos sociais não pretendem romper integralmente com ele, pois esperam que ele estabeleça um real governo popular. A avaliação é de Patricio Zhingri, membro da coordenação da Confederação Indígena dos Povos da Nacionalidade Kichwa (Ecuarunari), ligada à Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), maior organização popular de seu país. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Zhingri salientou que é preciso resgatar o espírito de
Martin Bernetti/AFP
Durante o Congresso dos Povos do Equador, dia 12, representantes de dezenas de entidades e organizações sociais equatorianas decidiram unificar sua estratégia de luta para mudar a orientação da política econômica do país; isto – advertem – não significa romper com o presidente Lucio Gutiérrez, mas forçá-lo a cumprir suas promessas, ou seja, fazer um governo voltado para as classes populares
INTERNACIONAL
BRASILDEFATO
■ População do Equador participa de consulta sobre a dívida externa, dia 10 de abril de 2000. Três anos depois, movimentos sociais se mobilizam para organizar plesbiscito nacional sobre a Alca esperança com o qual o atual governo foi eleito, no final de 2002. Segundo a Conaie, em uma primeira vitória dos movimentos sociais, Gutiérrez aceitou criar uma auditor ia da dívida pública equatoriana, calculada em 11,2 bilhões de dólares. A proposta, definida pela confederação e entregue ao governo em junho, defende o estabelecimento de núcleos não governamentais para fiscalizar e denunciar pessoas e empresas que se favorecem com a dívida do país.
A Conaie sugeriu uma série de outras medidas para Gutiérrez, que este não ratificou. Entre elas, a suspensão do pagamento da dívida externa e o fim do processo de privatização de áreas estratégicas do país, principalmente dos recursos naturais, como água e petróleo. A ALCA EM QUESTÃO Segundo Zhingri, todos os movimentos populares do Equador são contra a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
“Esse acordo não produzirá nada além de fome, miséria e desemprego”, afirma. Nesse sentido, a Conaie e outras organizações sociais estão pressionando Gutiérrez para que realize um plebiscito oficial sobre a Alca em 12 de outubro. No entanto, o presidente equatoriano, diz Zhingri, parece estar cada vez mais disposto a aceitar a Alca e não fazer a consulta popular. E, segundo ele, os movimentos sociais do Equador vão continuar lutando para que isso não aconteça.
Organizações lançam manifesto ANÁLISE
Osvaldo León, de Quito (Equador) ouco antes de completar seis meses de governo, o presidente equatoriano Lucio Gutiérrez teve de repousar dois dias por causa de uma labiritinte, atr ibuída pelos médicos ao estresse. Não faltaram interpretações de que foi um sintoma do labirinto em que o presidente se está metendo, por dar mais ouvidos à elite do que ao povo a quem deve a eleição. Gutiérrez foi eleito por uma aliança entre seu partido, Sociedade Patriótica (SP), e o Movimento de Unidade Plurinacional Pachakutik-Novo País (PK), cuja espinha dorsal é a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), com o apoio do Movimento Popular Democrático (MPD) e grande número de organizações sociais. Foi eleito para eliminar o neoliberalismo, como líder do contingente militar que apoiou a rebelião indígena e popular que pôs fim ao governo do ex-presidente Jamil Mahuad, em janeiro de 2000. Mal tomou posse, porém, Gutiérrez aderiu ao programa das elites de manter o neoliberalismo. Nomeou para a economia uma equipe vinculada aos bancos e aos conglomerados mais poderosos, liderados pelo ministro da Economia, Mauricio Pozo. Na perspectiva de assinar um acordo com o Fundo Monetário Internacio-
nal (FMI), decretou de imediato um aumento dos preços da gasolina, diesel e eletricidade. Em sua terceira semana de governo, assinou nos EUA uma Carta de Intenções com o FMI, com congelamento dos salários no setor público e reformas trabalhistas, tributárias e alfandegárias, revisão dos subsídios aos serviços públicos, tudo para servir a dívida externa, inclusive usando as reservas do Instituto de Segur idade Social. Gutiér rez se apresentou como o maior aliado do presidente estadunidense na luta “contra o narcotráfico e o terrorismo”. Não faltaram exigências para que Gutiérrez mudasse de rumo e cumprisse as promessas de campanha. Em maio, os professores entraram em greve contra a redução do orçamento para educação e os petroleiros pararam, em protesto contra a privatização, além de greves em outros setores públicos. Como a greve dos petroleiros, com a suspensão da entrega de combustíveis, gerou a antipatia da opinião pública, o ministro do setor, Arboleda, aproveitou para “denunciar” a greve como tendo “mordomias” por objetivo. Sindicalistas e grevistas foram despedidos, presos sem mandado e tiveram seus domicílios invadidos pela polícia, sem ordem judicial. As reivindicações dos petroleiros foram aceitas e a privatização do setor foi suspensa, mas o governo manteve a política de desmantelamento dos sindicatos.
Então, o subsecretário do Ministério do Governo, do PK, renunciou, denunciando um “círculo obscuro” em torno do secretário da Administração, coronel Patricio Acosta, que estaria formando corpos de vigilância e de espionagem. O presidente Gutiérrez passou a atacar a imprensa. Em meio a isso tudo, a Conaie realizou, a 16 de junho, a I Reunião de Cúpula das Nacionalidades, Povos e Autoridades Alternativas, que aprovou um “Mandato” de 82 pontos para que o governo mudasse sua política. O documento, em seguida entregue a Gutiérrez, exige o fim do neoliberalismo. As contradições se agravam na aliança governamental SP-PK. A SP é um partido comandado por militares autoritários, sem definição ideológica a não ser a fidelidade ao caudilho, Gutiérrez. O PK é um movimento forjado nas lutas sociais e indígenas para aprofundamento da democracia. O fato é que os coronéis estão cada vez mais dando o tom: Gutiérrez proibiu os membros do PK no governo de fazerem críticas públicas e busca forjar um acordo de governabilidade com o partido majoritário no Parlamento, o Partido SocialCristão (PSC), de direita, do ex-presidente León Febres Cordero. O MPD já se afastou do governo e seus integrantes renunciaram aos cargos. O PK discute também esse passo.
Martin Bernetti/AFP
O labirinto de Gutiérrez
■ Gutiérrez comemora 100 dias de governo, em 24 de abril
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“Esperamos seis meses. Estabelecemos compromissos com Lucio Gutiérrez para cumprir o mandato, a fim de refundar a república, reativar a produção, sair ordenadamente da dolarização, derrotar a corrupção pública e privada, deter a Alca, defender a soberania e impulsionar uma integração diferente. Mas vemos com indignação que Gutiérrez optou por continuar a política neoliberal. Cresceram o desemprego e o subemprego e nos levaram a um crescente envolvimento na guerra da Fronteira Norte. E surgiram novas formas de autoritarismo, com a perseguição aos dirigentes trabalhistas, indígenas, populares e sociais, e a reimplantação da Doutrina de Segurança Nacional. Hoje, chamamos todas as nossas organizações e nosso povo a dizerem: Basta! 1 Vamos organizar, em nível setorial, regional e em cada província, o Congresso dos Povos, para defender a soberania, o patrimônio nacional, a vida e a democracia. 2 Chamamos todas as forças sociais, indígenas, produtivas e políticas, que estejam dispostas a enfrentar a política neoliberal, a participarem neste processo de unidade e luta. 3 Convocamos todo o povo equatoriano, fraudado pela traição do governo, a nos mobilizarmos dia 21 de agosto de 2003. 4 Para buscar uma saída para a crise, reivindicamos: a) Deter as privatizações e concessões do petróleo, eletricidade, seguridade social, telecomunicações, educação e saúde. b) Impulsionar a luta por um Plano de Emergência de reativação econômica, que comece pelo apoio ao campo e às empresas públicas e bancários e por suspender a ‘salvação’ dos bancos falidos. Esta é a hora da Unidade.Vamos juntar nossas forças para construir o país que desejamos para todas e todos, porque sabemos que Outro Equador É Possível.”
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INGLATERRA
Morte de cientista agrava crise política Paulo Pereira Lima, da Redação
por 56% dos entrevistados.
mentira que o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e o premiê britânico, Tony Blair, tentaram pregar ao mundo – a de que o Iraque possuiria armas de destruição em massa – está colocando seus respectivos governos numa grave crise política. Na Inglaterra, o aparente suicídio do cientista inglês David Kelly, dia 18, mergulhou o governo de Blair na maior crise política desde sua eleição, em 1997. Kelly era a principal fonte da reportagem da rede de rádio e TV estatal BBC, que revelou a manipulação do dossiê do governo britânico a respeito dos armamentos iraquianos. A morte do cientista, que trabalhava para o ministério da Defesa, já provocou danos à popularidade e à credibilidade do premiê trabalhista. É o que revela uma pesquisa divulgada pelo jornal The Daily Telegraph, dia 21: 39% dos britânicos desejam que ele renuncie, enquanto 41% acreditam que deve continuar. A pesquisa mostrou ainda que 68% acham que, no geral, o governo não foi honesto no episódio. O Parlamento, que submeteu o médico a duro interrogatório, três dias antes de sua morte, foi responsabilizado
RENÚNCIA A pesquisa divulgada pelo The Daily Telegraph refere-se apenas ao episódio da morte de Kelly. Sondagens anteriores, porém, já indicavam queda na confiança no governo Blair, principalmente pelo envolvimento na invasão do Iraque. De acordo com uma pesquisa divulgada dia 14 pelo jornal Daily Mirror, 2/3 dos eleitores acham que o premiê lhes forneceu informações falsas sobre o conflito. Pressão pela renúncia vem também de ex-integrantes do governo.A ex-ministra dos Transportes, Glenda Jackson, defende que uma investigação dos magistrados exigiria paralisação dos trabalhos do governo, por isso Blair deveria se demitir. O chefe do inquérito sobre a morte do cientista britânico disse que vai tomar sua própria decisão sobre a amplitude da investigação. Hutton, escolhido pelo primeiro-ministro, enfatizou que seu trabalho será, tanto quanto possível, público e que ele, não o governo, vai decidir até onde ir. “Deixo claro que caberá a mim decidir o correto dentro de meus termos de referência sobre as questões objeto de minha investigação”, disse. “Meus termos de referência são
Eugene Hoshiko/Pool/AFP
INTERNACIONAL
O Governo Blair enfrenta dificuldades diante do aparente suicídio do denunciante da manipulação de dossiê oficial sobre armamentos; cresce isolamento do presidente dos Estados Unidos; imperialismo pretende criar e controlar forças armadas na América Central
■ O premiê britânico, Tony Blair, discursa em conferência na China, dia 22: mentiras sobre as armas de destruição em massa no Iraque provoca crise no governo estes: urgentemente realizar uma investigação sobre as circunstâncias que cercam a morte do dr. Kelly.” CORTINA DE FUMAÇA Há quem acredite que a investigação deva ir mais a fundo. A ex-ministra do Desenvolvimento Internacional, Clare Short, que pediu demissão por ser contra a ação no Iraque, afirma: “É incrível como se procura desviar a atenção das verdadeiras questões a serem discutidas: Como entramos na guerra? As informações dos serviços secretos foram aumentadas para sugerir que o
IRAQUE
MILITARIZAÇÃO
Agora, Bush precisa da ONU
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Jim Lobe, de Washington (EUA)
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eorge W. Bush está com graves problemas e talvez apenas a Organização das Nações Unidas possa ajudá-lo. A essa altura, Bush parece precisar pouco menos do que um milagre para salvar sua presidência sem ajuda. Por exemplo, encontrar um vasto esconderijo de armas de destruição em massa nas montanhas iraquianas, ou uma vigorosa reativação da economia estadunidense. Para salvar seu governo, Bush deveria abandonar o agressivo unilateralismo que dominou sua política externa, pedir perdão aos tradicionais aliados de Washington que não apoiaram a guerra contra o Iraque e fazer com que o Conselho de Segurança da ONU se encarregue da ocupação desse país. Dia 15, a Índia indicou claramente que, como outros países, apenas enviará tropas para manter a paz no Iraque em operação autorizada pelo Conselho de Segurança. Bush havia pedido ao governo indiano 20 mil soldados. Isso é o que legisladores do Partido Republicano (no poder) e do Partido Democrata (oposição) desejam desesperadamente, como comprovou, dia 21, em Washington, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, durante entrevista com parlamentares depois de ter se reunido com Bush. A passagem para a ONU do comando no Iraque também é a proposta de experientes funcionários diplomáticos, cujas advertências antes da guerra foram motivo de gozação pelos falcões do Partido Republicano, donos da política externa desde os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington. E é também o que
Iraque representava um ameaça iminente? Em vez de oferecer respostas, o governo continua o seu ridículo ataque contra a BBC”, diz Clare, referindo-se ao fato de que, desde o começo deste mês, o governo vem acusando a BBC de ter questionado sua “integridade” ao afirmar que ele e sua equipe manipularam o relatório sobre as armas do Iraque para justificar a campanha militar. A disputa com a BBC é uma “cortina de fumaça”, impedindo que as razões pelas quais o país apoiou os EUA sejam efetivamente discutidas. Em relação às investigações, o ex-ministro das Relações Exterio-
res, Robin Cook, escreveu no jornal britânico The Independent: “Lorde Hutton foi intimado a fazer o impossível. Recebeu a incumbência de dirigir o inquérito sobre os acontecimentos que conduziram à trágica morte de Kelly e, ao mesmo tempo, o alerta para não estudar os fatos que conduziram à guerra no Iraque”. Enquanto o escândalo tende a minar mais a base política de Blair, nos EUA o Partido Democrata insiste em uma Comissão Parlamentar de Inqúerito (CPI) para investigar os verdadeiros motivos que levaram à invasão. Com novas baixas no Iraque (já somam 151) e dúvidas sobre os motivos da guerra, uma pesquisa da revista Times e da rede de TV CNN aponta a primeira forte queda no apoio a Bush. Mais da metade dos americanos (51%) tem dúvidas sobre a capacidade do presidente de dirigir o país. É uma alta de dez pontos em relação a março, mês da invasão. Já a aprovação ao presidente caiu de 63% em maio para 55%. Bush, que concorre à reeleição em 2004, também vem sendo acusado de manipular informações sobre o Iraque.Vale lembrar : mais de quatro meses depois da invasão, ainda não se encontraram as armas de destruição em massa de Sadam Hussein.
começam a sussurrar nos ouvidos de Bush seus próprios assessores econômicos e políticos. A mensagem desses assessores é que os Estados Unidos não podem suportar sozinhos a ocupação, e que devem conseguir muita ajuda, embora ao custo de perder controle. A mesma mensagem chega ao presidente vindo do chamado “governo permanente”, ou seja, da alta burocracia que permanece enquanto os presidentes passam, e em especial a relacionada com a segurança nacional. É claro que esses funcionários estão fartos da arrogância dos falcões reunidos em torno do vicepresidente, Dick Cheney, e do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, aos quais culpam de conduzir o país ao afundamento no Iraque. GUERRILHA O diretor da (CIA), George Tenet, assumiu, dia16, perante senadores, responsabilidade pela referência errônea de Bush, antes de invadir o Iraque, a supostas tentativas iraquianas de fabricar armas nucleares, mas também assinalou que falcões da Casa Branca e do Departamento de Defesa pressionaram pela inclusão dessa referência. O general John Abizaid, novo comandante no Iraque e diretamente designado por Rumsfeld, contradisse o secretário da Defesa, também nesse dia, em sua primeira ida ao Congresso, ao indicar que as tropas sob seu comando enfrentam uma “clássica campanha do tipo guerrilheira”, cada vez mais efetiva e talvez organizada em escala regional. Esses ataques causaram, até sábado, dia 19, 36 baixas estadunidenses desde que Bush declarou encerradas as grandes hostilidades da guerra contra Bagdá, no dia 1º de maio, e Rumsfeld vem afir-
mando que não se deviam a um movimento organizado de resistência. Segundo informação filtrada pelo Departamento de Estado e pela CIA, os falcões tentaram silenciar, intimidar ou desacreditar analistas que não compartilhavam suas convencidas previsões sobre a campanha iraquiana. Estas eram de que os soldados seriam recebidos como “libertadores” pela população iraquiana, que não faria falta uma força de ocupação após a guerra e que seria fácil converter o Iraque em país próspero e democrático, que enviaria milhões de barris de petróleo barato. Dia16, o programa “Bom Dia América”, da poderosa rede estadunidense ABC, apresentou entrevista com soldados em Faluja. “Se Rumsfeld estivesse aqui, lhe pediria para renunciar”, disse um dos entrevistados. Por outro lado, oficiais militares dizem aos jornalistas que a ocupação do Iraque pode destruir a capacidade do exército para manter seus atuais soldados e recrutar outros. Há indícios de que Bush percebe o que ocorre, especialmente depois de sua reunião com Annan. Washington havia mostrado pouco interesse em novas resoluções da ONU sobre o Iraque, mas esta semana o secretário de Estado, Colin Powell, começou a indagar que tipo de decisão do Conselho de Segurança poderia habilitar a participação de potências ocidentais, entre elas a Alemanha, na ocupação do Iraque. “Agora que a guerra terminou, deveríamos nos concentrar na estabilização do Iraque e convertê-lo em um país pacífico e próspero”, disse Annan. As perguntas são o que a ONU pedirá para tirarWashington do aperto em que se encontra, e se Bush aceitará pagar. (IPS/Envolverde)
Estados Unidos planejam exército regional na América Central Da Redação egundo El Diario de Hoy, jornal de El Salvador, dois presidentes centro-americanos estão com um plano de reorganizar a presença militar na América Central: Ricardo Maduro, de Honduras, e Francisco Flores, de El Salvador. De acordo com o jornal, ambos redigiram um documento durante uma reunião na Costa Rica, na qual traçaram um plano de compor um exército regional, idéia que foi logo posta em circulação entre os demais governos da região. Participa também do plano o presidente estadunidense George W. Bush. Maduro e Flores pensavam anunciar o plano durante a reunião do CAFTA, sigla em inglês do Acordo de Livre Comércio da América Central, que ocorreu entre os dias 16 e 20 de junho, para aproveitar a integração econômica obrigatória sobre a qual se baseia o acordo comercial, forçando uma integração militar regional e possíveis reduções nos gastos militares, em troca de maior ajuda dos Estados Unidos e, talvez, da Europa. ESTRATÉGIA O plano se tornou público através do subsecretário de Estado dos EUA para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Daniel Fisk, que chegou a fazer comentários menosprezando o valor das forças armadas da região. Em 18 de junho, Fisk fez de Washington uma recomendação, quando se realizava, em Honduras, a quinta rodada de negociações do CAFTA, para que os países assinem um pacto de não-agressão e empreendam uma profunda
reforma de seus exércitos para enfrentar melhor as ameaças do terrorismo e do crime internacional. Documentos regionais informam que os EUA estão procurando criar um exército regional, sob o comando da Organização das Nações Unidas, que operará em função dos interesses estadunidenses. Parte da preocupação de Fisk, ao pretender supervisão internacional para os exércitos locais, se deve aos “excessivos” números encontrados nos inventários de armamentos, especialmente mísseis terra-ar, que, disse, poderiam cair em mãos de “máfias internacionais” e “terroristas”. Grande parte da militarização da própria região é decorrente das políticas bélicas dos EUA.A referência mais provável de Fisk é a Nicarágua, cujo exército possui mísseis SAM 7 que restaram da guerra dos “contras”, instigada pelos Estados Unidos (1981-90). O vice-chanceler nicaragüense, Salvador Stadhagen, reconheceu que os EUA têm interesse em ver uma “racionalização” das forças da região, como está prevista também nos planos de outras nações desenvolvidas que fazem doações. Porém, disse, já existe o Tratado Marco de Segurança Democrática (TMSD), assinado em 1996, para garantir a paz regional. “No equilíbrio regional de forças, devem ser levados em conta todos os elementos, tanto de armamentos quanto de pessoal, mas já ocorreram consideráveis reduções da parte da Nicarágua”, disse Stadhagen, que, como o ministro da Defesa José Adán Guerra, qualificou de redundante o pacto de nãoagressão sugerido por Fisk. Agência Adital/Notícias Aliadas
OPRESSÃO
esde 1980, o Exército turco massacrou cerca de 30.000 civis curdos, fuzilou sumariamente mais de 7.000 guerrilheiros, destruiu 3.000 aldeias de camponeses curdos, perdendo nas operações de contraguerrilha uns 5.000 soldados, na maioria voluntários das tropas de elite treinadas por estadunidenses no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Por efeitos da Guerra Fria, nada aconteceu na Assembléia das Nações Unidas. Os vetos dos EUA e da Grã-Bretanha sempre impediram moções contra a Turquia denunciando o massacre do povo curdo. Isso foi possível em virtude do oportunista silêncio das potências ocidentais.Assim, os curdos foram condenados a se transformar em um povo em exílio: 1,8 milhões vivem na Europa e mais de 7 milhões se espalharam entre Iraque, Irã, Síria e Armênia, e outros 3 milhões foram obrigados a morar onde há maioria de turcos. Em novembro de 1999, o primeiro ministro Bulent Ecevit (líder do dito Partido da Esquerda Democrática), reconhecia que durante seu governo, nas prisões turcas havia mais de 6 mil militantes do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK) com penas entre 10 anos e prisão perpétua. Ecevit admitia, também, que nas montanhas da Anatólia ainda havia cerca de 5.000 guerrilheiros em armas e outros 8.000 estavam espalhados nas bases que o PKK implantou, a partir de 1995, na Síria e no Iraque ao longo da fronteira turca.
1995: “QUESTÃO CURDA” Nesse período, no Primeiro Mundo havia amplo debate sobre a necessidade de Israel dar aos palestinos a oportunidade de criar um Estado nacional, através de um complexo processo de negociações (Acordos de Oslo). Apesar do clima de distensão, os generais turcos – donos incontestáveis do país – desfecharam a primeira grande “operação de limpeza étnica” nas regiões curdas. Durante quase três anos, generalizou-se o massacre dos curdos, sendo perseguidas todas suas organizações civis, centros comunitários, cooperativas, grupos culturais e de caráter humanitário, chegando-se a destruir fisicamente cerca de três mil aldeias, suspeitas
■ Curdos pedem libertação de seu líder, preso há quatro anos na Turquia, durante manifestação em Estrasburgo, na França de apoiar os guerrilheiros do PKK. Os curdos contrários à administração turca eram levados a regiões de maioria turca. É evidente que os generais e as elites turcas (inclusive os mullah sunnitas) contaram com o oportuno silêncio dos países da OTAN e das monarquias árabes, para as sanguinárias operações de limpeza étnica contra os curdos.
Na véspera da execução (em 20 de junho os militares haviam enforcado outro líder do PKK curdo, Semdin Salik) a oposição européia e os exilados curdos obrigaram os governos europeus a intervir junto à União Européia e ao Conselho de Europa. Conseqüentemente, o embaixador da Alemanha em Ancara, Johaim Vergau, confirmava ao presidente turco Suleiman Demirel que “(...) se o Tribunal Militar vai efetivar a pena de morte de Ocalan por enforcamento, a Tur-
A PRISÃO DE OCALAN Aos 15 de fevereiro de 1999, após ter saído da embaixada da Grécia em Nairobi, o líder do PKK, Abdullah Ocalan, foi preso por policiais do Quênia e agentes da CIA. Logo foi entregue aos oficiais da polícia militar turca, cujo avião “casualmente” tinha aterrisado no aeroporto queniano. Na verdade, foi uma escandalosa operação diplomático-policial que começou na Rússia com o chanceler Primakov dando a Ocalan um passaporte russo. Porém, denunciava ao SISMI (Serviço Secreto Militar Italiano) esse passaporte como de um “terrorista”. Ocalan foi preso no aeroporto italiano de Roma, e o primeiro-ministro “o progressista e ex-PCI”, Massimo D’Alema, logo lhe negava o asilo político, mas em função da pressão da opinião pública o expulsava da Itália. O SISMI italiano (por ordem de D’Alema) informava à CIA que Ocalan ia a Nairobi pedir asilo na embaixada grega. Ali,o embaixador negava a Ocalan que seu governo estivesse interessado em lhe conceder asilo político. Ao sair da embaixada, o líder do PKK era preso por policiais quenianos e agentes da CIA. Aos 29 de junho de 1999 o Tribunal Militar, após um processo-farsa, condenava ao enforcamento o líder do PKK, Abdullah Ocalan.
quia pode esquecer sua candidatura a membro da União Européia (...)”. Ocalan, continua isolado no corredor dos condenados à morte da prisão militar de Imrali, enquanto outros 4 mil presos políticos se revezam em uma greve de fome pelo fim da tortura e da indiscriminada aplicação da lei antiterrorismo. Desde dezembro de 2000, 72 presos morreram por terem assumido a greve de fome até as extremas conseqüências. Achille Lollo é diretor da Revista Conjuntura Internacional
A história do povo curdo
Mladen Antonov/AFP
EUA NA TURQUIA Tal como no caso palestino, a história curda mudou quando as lideranças adotaram o conceito de guerra de libertação nacional, assumindo posições antiimperialistas e anti-sionistas, uma vez que o exército turco mantinha relações preferenciais com o exército e os serviços de espionagem israelenses. Ao deixar a esquerda reformista turca e constituir em 1978 o PKK, os líderes curdos, Abdullah Ocalan e Semdin Salik (enforcado pelos militares em maio de 1999), logo foram taxados de “rebeldes”, de forma que, com o golpe de 1980, os militares transformaram os planaltos da Anatólia num segundo Camboja.A “caça ao rebelde curdo” fez com que o sistema prisional fosse transformado em grande campo de concentração para todos os opositores (comunistas, socialistas, anarquistas e feministas).
A opção do PKK de atuar nos moldes de movimento de libertação nacional com um exército guerrilheiro clandestino enraizado na sociedade curda – capaz de defender os territórios “libertados” nas montanhas – foi um projeto político que Abdullah Ocalan implementou a partir de 1978, somando a experiência do grupo de guerr ilha iraniano Feddayn Qalk (dizimado em 1976 pela polícia secreta do então xá Reza Phalevi) e das organizações marxistas palestinas (FPLP, de George Habash, e a FDPLP, de Nayef Hawatmeh). O imediato sucesso político e militar do PKK obrigou os generais turcos e seus homólogos estadunidenses do Comando Sul da OTAN a modernizar o disciplinado mas obsoleto exército turco, transformando-o em uma máquina tecnológica de guerra, com grande capacidade operacional apontada contra a então URSS e capaz de fazer frente ao chamado “inimigo interno”. Uma mudança que permitia à OTAN tornar a Turquia sua “linha de frente”, onde os EUA instalavam baterias de foguetes balísticos de ogiva nuclear, apontados contra a URSS. Esse contexto conferiu aos generais de Ancara um “poder estratégico” fora do normal (em 1974, contrariando o parecer da ONU, a Turquia invadiu a ilha grega de Chipre a pretexto de defender a “minoria turca”) que abria as portas daTurquia aos investimentos da Comunidade Econômica Européia (100 milhões de euros por ano),além de triplicar o valor da ajuda militar estadunidense ( 1 bilhão de dólares). Porém, a importância estratégica da Turquia ficou consolidada somente após a vitória da Revolução Islâmica no Irã de Komeini e as dificuldades do exército israelense em esmagar a resistência dos palestinos.
Em 1995, o povo curdo somava 38 milhões de pessoas: 300.000 no Norte da Síria, 18 milhões no Curdistão no Norte do Iraque, 14 milhões oficialmente habitavam a Anatólia, na Turquia; 4 milhões no Curdistão iraniano e quase dois milhões emigraram para a Europa (550.000 só na Alemanha). Em 1750/1867, o grande reino curdo Zand é submetido pelo Império Otomano (turcos e persas). 1921 - Após a I Guerra Mundial o Tratado de Sevres (art. 62, 63 r 64) previa um Estado curdo independente, o Curdistão. No entanto, França e Grã-Bretanha dividiram o Curdistão nos seus protetorados de Síria e Iraque e a nascente Turquia. 1923 - Após terem descoberto petróleo na região curda e para reduzirem a influência política da revolução soviética na região, as potências ocidentais retiram do Tratado de Lausanne o artigo que definia a criação do Estado curdo. 1924 - Primeiro massacre de curdos por parte do Exército turco. 1925 - Surge o Curdistão Vermelho e Socialista (Província Curda Autônoma) no Azerbaijão. 1929 - Stalin revoga o estatuto de autonomia para o Curdistão Vermelho. 1944 - Os curdos do Irã libertam grande parte do Curdistão iraniano. 1946 - Com a chegada do Exército Vermelho, os curdos iranianos proclamam a República de Mahabad, nos moldes do socialismo soviético. Porém, em 1948 prevalecem as regras da Guerra Fria que devolvem o território da república curda ao Irã. 1964 – Inicia-se a guerrilha no Norte do Irã e do Iraque. 1978 - Ocalan cria na Turquia o PKK (Partido dos Trabalhadores Curdos), que se tornará a maior organização político-militar curda, propondo a reunificação do povo curdo e a reconstrução da nação curda a partir da luta armada na Turquia. 1999 - Em 15 de fevereiro, Ocalan é capturado pela CIA em Nairobi (Quênia) e entregue aos militares turcos. Em 29 de junho, num processo-farsa, é condenado ao enforcamento. Os protestos na Europa suspendem até hoje a execução.Alem de Ocalam, cerca de 6 mil curdos continuam presos em condições subumanas. (AL) M A R
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■ Curdo refugiado na Bulgária exibe bandeira com imagem de Abdullah Ocalan, líder do PKK, durante manifestação em defesa dos direitos humanos dos curdos na Turquia
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A REGIÃO CORRESPONDENTE AO CURDISTÃO
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BRASIL DE FATO De 24 a 30 de julho de 2003
Achille Lollo, especial para o Brasil de Fato
Pierre Andrieu/AFP
Curdos: tragédia de um povo
INTERNACIONAL
Durante quase três décadas, por motivos conjunturais e de ordem estratégica, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha acobertaram o genocídio efetuado pelos governos militares turcos e depois oficializado pela nova ordem política dos “democráticos” Suleyman Demeriel e Bulent Ecevit
Bagdá
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ÁFRICA AFRICA
Petróleo gera crise em São Tomé e Príncipe Marilene Felinto, da Redação entro de pouco tempo, São Tomé e Príncipe será o Kuait da África. A previsão de analistas internacionais refere-se ao assédio que o arquipélago da África Ocidental vem sofrendo desde quando foram recentemente descobertas importantes reservas de petróleo em suas águas territoriais. Não é à toa a comparação com o Kuait, pequeno país do Golfo Pérsico que possui um décimo das reservas de petróleo do mundo e foi motivo de guerra entre Iraque e Estados Unidos (Primeira Guerra do Golfo, em 1991). É também o óleo negro que está por trás da crise política que levou a um golpe de Estado em São Tomé e Príncipe no dia 16. Embora o líder da junta militar golpista, major Fernando Pereira, não tenha mencionado o petróleo em suas declarações, não é de hoje que se acusa o presidente deposto, Fradique de Menezes, de corrupção nos acordos de exploração de petróleo com transnacionais estrangeiras. Segundo agências internacionais, Menezes, que cancelou contratos de exploração de petróleo já existentes quando assumiu o poder em 2001, já admitiu ter obtido 100 mil dólares de uma companhia estadunidense envolvida na exploração do petróleo são-tomense. Os golpistas duvidam das palavras do ministro dos Recursos Naturais, Rafael Branco, preso durante o golpe, de que a prioridade de investimento com os fundos vindos do petróleo se-
riam saúde, educação e a melhoria das condições de vida da população. Pelo contrário, os militares acusam o governo deposto de ignorar as condições de pobreza extrema e fome em que vive a imensa maioria dos 140 mil habitantes de São Tomé e Príncipe, um dos países mais pobres do mundo, com renda per capita anual (renda de cada habitante do país divindo-se igualmente as riquezas) estimada em insignificantes 280 dólares (cerca de 840 reais). No Brasil, a renda per capita anual é de 3,5 mil dólares (cerca de 10 mil reais). Na África do Sul, um dos países mais ricos da África, é de 3 mil dólares. Enquanto nos Estados Unidos, sobe para 34 mil dólares (cerca de 102 mil reais). AMEAÇA NIGERIANA O presidente Fradique de Menezes estava em visita à Nigéria no dia 16 de julho último, quando uma junta militar derrubou-o do poder em São Tomé e Príncipe, numa ação já vista, por observadores internacionais, como uma disputa interna pelo controle de reservas de petróleo estimadas em 11 bilhões de barris. Em janeiro, Menezes havia dissolvido o Parlamento por causa de divergências com deputados pelo direito de fazer acordos petrolíferos. Entretanto, as primeiras receitas vindas da exploração do combustível estão previstas para entrar em caixa somente em 2007, quando se espera que o petróleo comece a jorrar. São Tomé e Príncipe, país de língua portuguesa que se tornou
Foto AP/AE
INTERNACIONAL
O golpe de Estado que derrubou o governo são-tomense no dia 16 tem em sua raíz a cobiça por reservas petrolíferas recém descobertas; a junta militar que tomou o poder acusa o governo de corrupção e de ignorar a miséria do povo
■ Decretado toque de recolher em São Tomé, capital do arquipélago no Oeste da África independente de Portugal em 1975, assinou em 2001 um acordo com a Nigéria estabelecendo a exploração conjunta de suas reservas petrolíferas. Pelo contrato, questionado por vários setores da sociedade são-tomense, a Nigéria fica com 40% das receitas obtidas e São Tomé e Príncipe com 60%. Companhias petrolíferas como ExxonMobil e Shell esperam produzir um milhão de barris por dia num período de dez anos se a exploração confirmar as expectativas. A Nigéria, o maior produtor de petróleo da África, produz 2 milhões de barris/dia. A Arábia Saudita, um dos maiores produtores do mundo, extrai quase 8 milhões de barris/dia.
Para defender seus interesses no país, a Nigéria ameaçou na semana passada intervir militarmente em São Tomé e Príncipe caso os golpistas não recuem, mas autoridades nigerianas têm negado essa intenção. Fradique de Menezes tem conseguido o apoio dos principais líderes africanos para voltar à Presidência de seu país. No último dia 18, a junta militar que tomou o poder em São Tomé e Príncipe assinou um memorando de entendimento mediado por Nigéria, Estados Unidos, África do Sul e Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP, da qual fazem parte Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Mo-
BRASIL DE FATO De 24 a 30 de julho de 2003
Estados Unidos terão base militar no país
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no Golfo da Guiné. O potencial produtivo de suas reservas é de 250 mil barris por dia. Calcula-se que a renda per capita do país poderá duplicar, indo para 460 dólares. Mas organizações humanitárias internacionais discordam das previsões positivas da corrida ao ouro negro na África. A Global Witness, por exemplo, acha que a riqueza advinda do petróleo em São Tomé e Príncipe pode ir para os bolsos da elite do país, para contas bancárias na Suíça, como aconteceu em outros países africanos, inclusive a Nigéria. Previsões, entretanto, a não ser as de lucro certo, não barram o avanço das transnacionais sobre o arquipélago africano. As petrolíferas estadunidenses ExxonMobil, Chevron e Shell, que também investiram milhões de dólares no Chade, já estão a postos em São Tomé e Príncipe. Para os EUA, o petróleo africano tem enorme importância estratégica.A África responde por cerca de 15% das importações estadunidenses do combustível, e a expectativa é de que as importações, contando com a produção do Golfo da Guiné, cresçam para 25%. O objetivo é reduzir a dependência de importações do Oriente Médio, onde estão concentradas mais de 65% das reservas do planeta. A África tem 4% do total mundial de reservas. Com exceção da Nigéria, os países do Oeste da África produtores de petróleo não são membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que reúne os maiores produtores mundiais, especialmente os árabes.
No início deste ano, o governo deposto de São Tomé e Príncipe assinou acordo com os EUA para instalação de uma base militar na ilha, alegando a necessidade de proteger a exploração de petróleo nas águas do Golfo da Guiné. Além de brasileiros, nigerianos Foto AP/AE
os Estados Unidos ao Brasil, passando por Portugal e Nigéria, todos tentam marcar presença no arquipélago que é a mais nova sensação do Oeste da África. Em abril deste ano, o Brasil inaugurou sua primeira embaixada em São Tomé e Príncipe, ainda sem embaixador. O objetivo, segundo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, é o interesse na cooperação na área de petróleo, inclusive no que diz respeito a regulamentação, licitações e outros procedimentos necessários a empresas brasileiras com negócios no país. A Petrobras já fornece cooperação técnica a São Tomé. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia incluído o país na sua visita à África, entre 6 e 12 de agosto, mas o golpe de Estado, repudiado pelo governo brasileiro, pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela União Africana e outros organismos internacionais, pode mudar esse roteiro. São Tomé e Príncipe era o único país de língua portuguesa onde o Brasil ainda não tinha representação diplomática. Previsões otimistas calculam que o petróleo trará uma explosão de crescimento para São Tomé e Príncipe, a exemplo do que se verificou na Guiné Equatorial, que teve taxas de crescimento de 65% ao ano graças ao petróleo. Cita-se ainda o exemplo do Chade, outro país muito pobre do centro-norte africano que se juntou à lista dos produtores de petróleo depois da recente construção de um oleoduto que vai levar seu combustível a um terminal no Atlântico, passando por Camarões,
e estadunidenses, há diversos outros interessados nas águas profundas daquela baía:Angola treina atualmente as forças de segurança de São Tomé. A estatal angolana Sonangol atuou como consultora nas negociações do governo sãotomense com a Nigéria.
çambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste). O memorando tratava, entre outros, da abertura do espaço aéreo e das condições de regresso de Menezes ao país. O líder golpista, Fernando Pereira, já fala, porém, em convocar eleições. Nigéria Camarões Golfo de Guiné
Guiné Equatorial
Gabão
Congo
Ilha do Príncipe Angola Ilha de São Tomé
São Tomé e Príncipe ● ● ●
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Localização: África ocidental Capital: São Tomé Línguas: português (oficial), português crioulo e ngola Nacionalidade: são-tomense Divisão política: sete distritos Regime político: república parlamentarista Moeda: dobra Religiões: católica e protestante
■ Militar golpista vigia prédio público em São Tomé e Príncipe
H i s t ó r i a Este foi o segundo golpe de Estado sofrido por São Tomé e Príncipe depois da independência em relação a Portugal (1975). As Forças Armadas do país também tomaram o poder em 1995, em rebelião de curta duração. São Tomé e Príncipe compreende duas pequenas ilhas e várias ilhotas localizadas no Golfo da Guiné, costa Oeste da África, na altura da linha do Equador. A maior ilha é a de São Tomé, onde vive 80% da população são-tomense. A paisagem é de densa floresta tropical e diversos vulcões inativos. Seu ponto culminante é o pico de São Tomé, com 2.024 metros de altura. A economia baseia-se na produção de cacau, responsável por mais de 90% das exportações. O governo tem investido na exploração de petróleo, depois da recente descoberta de grandes reservas do combustível. Os navegadores portugueses invadiram o arquipélago em 1471. Os holandeses apoderaram-se das ilhas no século 17, mas os portugueses tomaram-nas de volta. A cultura de cana-de-açúcar era intensa nesta época, mas declinou quando cresceu a produção brasileira. As ilhas tornaram-se, então, entroposto para a exportação de escravos, inclusive para o Brasil, atividade encerrada somente em 1876. Em 1960, começa o movimento pela independência, liderado por um grupo nacionalista que se tornaria, em 1972, o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), de orientação marxista. O MLSTP assumiu o governo logo depois da independência, como partido único. Em 1990 foi adotada uma Constituição que estabeleceu o pluripartidarismo. As eleições presidenciais de julho de 2001 foram vencidas por Fradique de Menezes (da Ação Democrática Independente), após dez anos de governo de Miguel Trovoada (sem partido). A eleição de Menezes gerou instabilidade política, por causa da força parlamentar do MLSTP-PSD, que tem a maior bancada. Em pouco mais de um ano, Fradique de Menezes formou quatro governos. Em 2002 foi eleita primeira ministra Maria das Neves (MLSTP-PSD), presa e depois libertada pelos organizadores do golpe de Estado no dia 16, que também a acusam de corrupção.
DENÚNCIA
AMBIENTE
A empresa suíça Nestlé é denunciada sob a suspeita de irregularidades na exploração e na comercialização de água da região de São Lourenço (MG); políticos e entidades locais estão recorrendo à Justiça para aumentar o controle público dos recursos hídricos e minerais
DISPUTA JURÍDICA Uma das principais acusações contra a atuação da transnacional na região de São Lourenço diz respeito à produção da água desmineralizada e com adição de sais, comercializada como Nestlé Pure Life. A empresa alega que a adição de sais após a retirada dos minerais da água, inclusive ferro, é feita em quantidades definidas e aprovadas pelo Ministério da Saúde. A autorização do Ministério para a produção da Pure Life, comercializada como água de mesa, conforme a empresa, tem respaldo na legislação da Agência Nacional deVigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, consta da Ação Civil: “Informo que não houve autorização de exploração do Poço Primavera, visto que não é competência deste órgão tal autorização”. Diz o gerente industrial da Empresa de Águas São Lourenço: “A Nestlé tem autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para exploração do Poço Primavera e autorização da Anvisa/Ministério da Saúde para industrialização e comercialização da Nestlé Pure Life”. Dentre as questões da ação pública contra a Nestlé, muitas são referentes a danos ambientais. De acordo com o documento, um estudo realizado no Circuito das Águas (São Lourenço, Cambuquira, Caxambu, Lambari e Distrito de Águas de Contendas do rio Verde), em 1999, pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), vinculada ao Ministério das Minas e Energia, em parceria com a Companhia Mineradora de Minas Gerais (COMIG), e o Centro de De-
EXPLORAÇÃO CRESCENTE De acordo com o texto da ação civil pública, que utiliza dados dos relatórios anuais de lavra encaminhados à promotoria pelo DNPM, a extração de água do subsolo, feita pela São Lourenço, vem aumentando. Comparando os relatórios observa-se que a produção passou de 6.269.148 litros de água mineral engarrafada, em 1972, para 27.627.768 litros, em 1999.Ainda de acordo com o texto da ação, a São Lourenço informou que, em 1999, foram produzidos 15.714.665 litros da água Pure Life; no ano 2000, a produção foi de 21.289.530 litros; e que no ano de 2001, até o mês de agosto, foram produzidos 17.546.116 litros de água desmineralizada. Apesar da ação civil pública ressaltar o aumento na extração de água no Poço Primavera, a retirada pela Nestlé está dentro do limite estipulado pelo DNPM.“O Departamento Nacional de Produção Mineral deu autorização para a empresa explorar 222 milhões de litros/ano, mas envasamos 49 milhões de litros/ano” conta Marcelo Marques. O representante da Nestlé explica também que o volume permitido pelo DNPM é calculado por monitoramento contínuo e testes de vazão e recuperação dos poços captados, com o objetivo de garantir a realimentação do aqüífero. Desde o início da tramitação da ação civil, o juiz Wilson dos Santos concedeu uma liminar suspendendo a exploração do Poço Primavera, pela Nestlé. No entanto, a transnacional entrou com agravo, no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, e quatro dias após a interdição do poço, há cerca de um ano e meio, conseguiu a suspensão da liminar. Para Cássio Mendes, vereador pelo PT em São Lourenço e membro do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam), o poço deve ser interditado o mais rápido possível.”Se o processo demorar de 5 a 10 anos para ser julgado e eles continuarem retirando a água, daqui a dez anos a gente pode nem ter água mais. Aí, do que é que adianta ganhar o processo se não vai ter água nenhuma?”, desabafa o vereador. A discussão da utilização de
■ Audiência pública (à esq.) realizada em abril, na Câmara Municipal de São Lourenço, contou com a participação de lideranças políticas e populares para discutir os estragos causados pela transnacional suíça. Abaixo, Parque das Águas de São Lourenço, em Minas Gerais
recursos hídricos e minerais no Sul de Minas ganhou novo vigor com a audiência pública realizada em abril na Câmara Municipal de São Lourenço. Dentre os participantes estavam o presidente da Comissão de Meio Ambiente e deputado estadual Ronaldo João da Silva, do PDT, o deputado federal Odair Cunha, do PT, o representante do Ministério do Meio Ambiente, João Bosco Senra, o representante do Ministério Público Federal, Afrânio Nardi, o gerente industrial da São Lourenço, Marcelo Marques e o promotor de Justiça, Pedro Paulo Aina. A audiência foi iniciativa dos deputados estaduais Rogério Correia e Laudelino Augusto, do PT. A discussão tratou, dentre vários assuntos, da legalidade da exploração do Poço Primavera e do rebaixamento do nível do lençol freático, que poderia estar sendo causado pela superexploração das fontes do Parque de São Lourenço.
Laudelino Augusto conta que, de acordo com a discussão em São Lourenço, ficou claro que a água na região é considerada recurso mineral e não hídrico. Em relatório elaborado pelo DNPM para embasar a discussão na audiência, o departamento sugere que se realize um trabalho de produção de dados sistemáticos e confiáveis para o gerenciamento do aqüífero. Segundo o relatório, para a formação de um banco de dados sobre rebaixamentos e vazões bombeadas e cadastramento dos poços na região do Parque das Águas, é necessária a formação de uma gestão integrada em conjunto com órgãos responsáveis pela gestão hídrica e ambiental. De acordo com o promotor Pedro Aina, a fiscalização ambiental fica a cargo da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Segundo a assessoria da Feam, a Empresa de Águas São Lourenço tem licença de operação, concedida pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). Conforme o represen-
tante da Nestlé, Marcelo Marques, as fontes da Empresa são freqüentemente vistoriadas pelos técnicos da Feam.“Todos os pareceres emitidos até o momento afirmam que a empresa opera de maneira consistente com os regulamentos do setor”, diz Marques. No mês de junho, a pedido da Justiça, foi enviado a São Lourenço um dos maiores especialistas em recursos hídr icos do país, o geólogo Aldo da Cunha Rebouças, professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), para avaliar as atividades da empresa e elaborar um laudo. O prazo para a entrega da avaliação é até o final do mês de agosto mas, de acordo com Aldo Rebouças, o documento deve ficar pronto ainda em julho.As discussões a respeito da atuação da empresa na região Sul de Minas continuam. Possivelmente no próximo mês, será realizada na Assembléia Legislativa de Minas Gerais uma segunda audiência pública.
Água pura e rica em minerais deputado Laudelino Augusto acredita que para a Nestlé é mais barato captar água naquela região, por ser água extremamente pura. O representante da Empresa de Águas São Lourenço explica que o negócio depende de um abastecimento permanente de água pura.“Nosso investimento na fábrica de São Lourenço é de 25 milhões de dólares e o retorno sobre esse valor é de longo prazo”, conta Marcelo Marques. De acordo com a assessoria do deputado Rogério Correia, ainda não se sabe qual é o interesse da Nestlé em explorar a região, já que a empresa desmineraliza a água que retira do Poço Primavera. No entanto, segundo Luiz Baku, coordenador do gabinete de Rogério
Correia, existem discussões que ressaltam o fato de a água de São Lourenço ser a mais rica do mundo em lítio, mineral muito caro. Talvez esse esteja entre os atrativos para as multinacionais que exploram água na região. RISCO PARA O TURISMO Segundo o promotor Pedro Paulo Barreiros Aina, a atividade da Nestlé é um risco à imagem do município. “Em uma cidade que vive do turismo proporcionado pelas águas minerais, uma exploração predatória, excessiva, que vem prejudicando as demais fontes do Parque das Águas, só vai acarretar a diminuição do fluxo de turistas”. O diretor industrial da Nestlé, Marcelo Marques, afirmou que a São Lourenço tem o
maior interesse em ver as fontes protegidas, tanto em quantidade quanto em qualidade e pureza. O processo continua tramitando na cidade. Resta o parecer do desembargador e relator do caso, que deve decidir se a tramitação do processo prossegue com a empresa fazendo o uso da Fonte Primavera ou com o poço fechado. De acordo com o representante da Nestlé, a empresa já forneceu todos os documentos que comprovam a legalidade de sua atuação local. Ele ressaltou ainda que há duas semanas um perito de renome internacional foi enviado à cidade para avaliar as atividades da empresa. O laudo ainda está em fase de elaboração e deve ser entregue dentro de prazo já estipulado. (EL)
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transnacional Nestlé está sendo alvo de várias denúncias de irregularidades na exploração de água em São Lourenço, Sul de Minas Gerais. Ela é proprietária da Empresa e do Parque das Águas de São Lourenço, que até 1992 eram da empresa Perrier Vittel, que detinha concessão para explorar águas minerais. Após a aquisição, foram repassados à Nestlé os direitos da antiga proprietária do terreno. Contudo, freqüentes denúncias e manifestações mostram que a população local e representantes do poder público não estão satisfeitos com a atuação da empresa na região. Em dezembro de 2001, o promotor de Justiça do Meio Ambiente de São Lourenço, Pedro Paulo Barreiros Aina, entrou com uma ação civil pública, no Ministério Público de Minas Gerais, pedindo que a Empresa de Águas São Lourenço, fosse condenada pela exploração indevida de água na cidade e proibida de extrair água do poço profundo denominado Fonte Primavera.A ação vem de um inquérito instaurado, em meados de 2001, para apurar denúncias de irregularidades. O Movimento de Cidadania pelas Águas, organização de São Lourenço, também é contrário à ação da Nestlé na região. A entidade, que lidera movimento contra a Empresa de Águas, luta para que seja exercido controle público dos recursos hídricos e minerais da cidade.
senvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), constatou que os níveis estáticos das fontes, quando construídas as primeiras captações, estavam próximos ou acima da superfície dos terrenos, mas atualmente se encontram em processo de rebaixamento contínuo. O estudo revelou também que o único poço, na época da realização do trabalho, era o Primavera (perfurado em 1996) e que até fins de 1997 permanecia jorrando continuamente sem utilização da água extraída.A produção da água desmineralizada começou apenas em 1999. Ao fim do estudo chegou-se à conclusão de que a diminuição em peso dos principais componentes das águas minerais de São Lourenço provavelmente está relacionada com as alterações das condições de exploração do aqüífero. Consta nas considerações finais, também, que os aqüíferos da região são de produtividade limitada e que, portanto, as demandas deverão adequar-se às limitações.
Giovani Pereira/Folha Imagem
Edilene Lopes, de Belo Horizonte (MG)
Fotos: Luciane Lee
Transnacional Nestlé é acusada de desrespeito a recursos naturais
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Natália Forcat
DEBATE
REFORMA DA PREVIDÊNCIA
A reforma e os nossos compromissos
Natália Forcat
Henrique Fontana governo Lula assumiu um compromisso com todo o país e, especialmente, com o progresso econômico e social das camadas mais pobres da população. Um compromisso com milhões de brasileiros e brasileiras, submetidos a condições indignas de vida e trabalho, que, nas últimas décadas, não têm recebido a devida atenção do poder público. Esse compromisso deve se traduzir em políticas públicas baseadas nos princípios da inclusão e da justiça social. É a partir desta premissa que queremos propor uma reflexão sobre o necessário debate da Previdência. Para compreender a opção do nosso governo contida na proposta de reforma é preciso reconhecer um diagnóstico financeiro e uma escolha política. A partir desse diagnóstico e desta escolha, buscamos basica-
mente dois resultados: uma maior eqüidade na Previdência brasileira, a sustentabilidade do sistema em médio e longo prazo e o redirecionamento de parte de seus recursos para investimentos em políticas sociais e na recuperação da infra-estrutura do país. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que é verdadeiro o argumento daqueles que dizem que, se somarmos o orçamento total da seguridade social, no lado das receitas e diminuirmos o total de gastos com previdência, saúde pública e assistência social, temos um superávit. Mas é preciso que se diga com clareza que herdamos um país que utiliza parte desses valores para pagar juros e amortização da dívida. A pergunta que tem de ser feita aqui é: existem condições políticas para que o governo Lula diminua o montante desses pagamentos ou interrompaos completamente? Acreditamos que não é correta a avaliação daqueles que definem as dificuldades e limites do nosso governo como sendo uma questão de falta de coragem e coerência. Defendemos que o critério fundamental para analisar essas dificuldades e limites é mais a correlação de forças e menos os critérios da coragem e da coerência. Afinal de contas, considerando as restrições objetivas impostas pela conjuntura econômica internacional, temos ou não condições de reduzir ou interromper o pagamento dos encargos da nossa dívida externa, uma pesada herança que recebemos? Acreditamos que não, neste momento, mas o governo Lula está trabalhando, interna e externa-
mente, para alterar esse quadro de restrições, diminuir progressivamente o gasto com juros e retomar o crescimento e o desenvolvimento do país. É nesse cenário que queremos abordar a questão do diagnóstico financeiro da Previdência. Consideremos o problema das fontes de financiamento direto do sistema previdenciário. A Previdência no Brasil convive com dois sistemas muito distintos. Um deles, administrado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), serve aos trabalhadores do setor privado, das empresas públicas e de muitas prefeituras. As contribuições de patrões e empregados cobrem 81% das despesas com pagamento de benefícios, sendo que, entre as empresas e trabalhadores urbanos, esse índice chega a 96%. O outro sistema, que serve aos funcionários públicos, contabiliza uma arrecadação direta (levando em conta uma contribuição dos governos duas vezes a dos servidores públicos) de apenas 36% dos gastos com benefícios. Há, portanto, uma grande desigualdade entre os dois sistemas. Cada real que falta para o pagamento de aposentadorias e pensões é coberto com contribuições sociais e tributos arrecadados de toda a população (como a CPMF, por exemplo). Em 2002, a arrecadação tributária do setor público destinou R$ 56 bilhões ao pagamento desses benefícios nos dois sistemas previdenciários. O regime do INSS precisou de R$ 17 bilhões para fechar suas contas e cumprir seus compromissos com 19 milhões de beneficiários. Já o sistema do setor público precisou de R$ 39 bilhões, mais que o dobro, para pagar benefícios a 3,2 milhões de pessoas. Reduzir essa desigualdade e a pressão
sobre os orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios significa liberar esses recursos orçamentários para outras finalidades, como moradia, saneamento, educação, saúde e segurança, além de permitir o início de uma política de recuperação salarial dos servidores públicos e também do salário mínimo. Esse diagnóstico financeiro expõe uma escolha política feita pelo país que precisa ser corrigida no sentido de tornar o sistema previdenciário mais justo, equilibrado e eqüitativo. Há, portanto, uma nova escolha política a ser feita, que deve levar em conta um alto grau de desigualdade entre os setores público e privado. É importante destacar que esse desequilíbrio não é culpa dos servidores públicos e tampouco do governo Lula. Não acreditamos que os servidores públicos sejam uma categoria privilegiada na sociedade brasileira, responsável pelas distorções que estão ameaçando a própria sobrevivência do sistema previdenciário. Pelo contrário, a atual situação de desestruturação do serviço público é resultante de décadas de aplicação de políticas que levaram à privatização do Estado. Queremos reverter esse quadro e começar a reconstruir o serviço público brasileiro de forma a que ele possa se transformar em um poderoso agente promotor de desenvolvimento e justiça social. E é por acreditar nisso que entendemos que as divergências, preocupações e angústias geradas pela proposta de reforma devem ser exaustiva e respeitosamente debatidas pela sociedade para que possamos chegar a uma decisão positiva para o país. Deputado Federal (PT/RS) e vice-líder do partido na Câmara
A Previdência e o gênio do mal
BRASIL DE FATO De 24 a 30 de julho de 2003
Reinaldo Gonçalves
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reforma da Previdência Social, proposta pelo Governo Federal, é prejudicial aos trabalhadores e ao Brasil. O projeto de Lula é claramente concentrador de renda e riqueza, além de provocar maior fragilização do Estado e montar uma bomba de efeito retardado com os fundos de pensão complementar. Lula será responsável por uma maior desigualdade em decorrência da redução da renda pessoal disponível do servidor público e seus pensionistas. Isso ocorrerá em função dos seguintes aspectos: a) muda a regra de transição para os atuais servidores se aposentarem ao criar um “imposto de antecipação” correspondente a 5% para cada ano e, portanto, reduz os proventos do aposentado; b) pensionistas receberão 70% do valor dos proventos do servidor falecido; c) taxação de aposentados e pensionistas (a chamada contribuição previdenciária) para remunerações superiores a R$ 1.058 (atuais aposentados e pensionistas e R$ 2.400 (os futuros); d) elimina a paridade entre a remuneração de ativos, de um lado, e inativos e pensionistas, de outro. A tendência será cada vez mais uma redução da renda real dos aposentados pois não há definição do indexador das aposentadorias e pensões. Provavelmen-
te, se repetirá a síndrome do INSS por meio do qual 10 salários mínimos se transformaram em 7,8; e) o cálculo das aposentadorias dependerá de uma fórmula ainda não definida que elimina a integralidade da aposentadoria. A perda do trabalhador dependerá do sistema de ponderação, dos indexadores e do período considerado; f) leva o servidor a fazer um plano de previdência complementar; g) a proposta de Lula não tem nada a respeito do Regime Geral da Previdência (INSS), que representa uma verdadeira vergonha e humilhação para aposentados, pensionistas e todos aqueles que precisam usar seus serviços. O único ponto positivo da proposta é a fixação do teto para remuneração dos servidores. Para os servidores da União esse teto será igual a remuneração dos ministros do STF e para os servidores dos Estados e Municípios o teto será igual à remuneração de governadores e prefeitos, respectivamente. A reforma previdenciária de Lula enfraquecerá o Estado. O servidor público não tem seguro saúde, FGTS e outros benefícios dados pelo setor privado para os seus empregados. A maior fragilização do Estado ocorrerá na medida em que a proposta de Lula elimina dois dos principais estímulos para a carreira no serviço público, a saber, a integralidade e
paridade da aposentadoria. Isso fará com que cada vez seja mais difícil atrair pessoas de qualidade para o setor público. Lula será responsabilizado pela fragilização ainda maior do Estado brasileiro no médio e longo prazo. O obsessão fiscalista da reforma pode dar alguma folga orçamentária, mas reduzirá ainda mais a capacidade do Estado de ser a principal instituição para a organização e implementação de um projeto de desenvolvimento nacional. Nesse caso, a folga fiscal tem como contrapartida a destruição institucional. Como desenvolvimento é, antes de mais, a criação de instituições robustas, a obsessão de Lula com o efeito fiscal da reforma da previdência, terá como conseqüência o comprometimento do desenvolvimento nacional no médio e longo prazo. Lula está mostrando que é um chefe de Estado míope. Há, também, uma bomba de efeito retardado na reforma da previdência. Trata-se, aqui, da instituição do regime de previdência complementar para os servidores públicos. A privatização da previdência dos servidor significará no futuro uma séria crise social e financeira. A frágil institucionalização brasileira implica em elevado risco do setor de previdência privada. É muito provável que dentro de alguns anos o governo seja levado a fazer um Proer da previdência para resgatar os fundos de pensão privados que
quebraram. Teremos, então, mais um arrocho fiscal para gerar os recursos necessários para o futuro Proer da Previdência Social. Certamente, teremos uma situação de catástrofe social com pessoas idosas passando pela humilhação de ter sua remuneração reduzida significativamente. Lula poderá ser responsabilizado por um verdadeiro holocausto social. Ademais, os fundos de pensão privados representam uma excelente oportunidade de negócios para os bancos e as instituições financeiras nacionais e internacionais. Dessa forma, as taxas de administração a serem cobradas, bem como as operações espertas de compra e venda de ativos pelas instituições gestoras dos recursos, gerarão enormes lucros. Agrava-se, assim, a distribuição funcional da renda e a concentração de riqueza. Lula está querendo economizar recursos orçamentários com a redução do pagamento de pensões e aposentadorias dos funcionários públicos para transferi-los para banqueiros via pagamento de juros da dívida pública. Lula faz o povo chorar (desemprego explodindo etc.) e os banqueiros darem gargalhadas. Esses últimos estão até chamando Lula de “gênio político”. Para o povo, seria melhor chamá-lo de “gênio do mal”. Professor titular de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
MOBILIZAÇÃO RJ – ENCONTRO
SOBRE A
ALCA
● Dias 26 e 27 Promovido pela Campanha Contra a Área de Livre Comércio das Américas, o encontro pretende reunir mil militantes para discutir o acordo, a dívida externa e a militarização. Entre os palestrantes estarão João Pedro Stedile, Maria Luísa Mendonça e Paulo Passarinho. A coordenação do encontro solicita uma contribuição de R$2,00 para quem quiser participar. Local: Colégio Pedro II, Campo de São Cristóvão, 177, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2240-7693
■ Cartaz da Campanha Nacional contra a Alca
SOBRE
PR – FESTA: 10 ANOS DA COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA VITÓRIA (COPAVI) ● Dia 27, a partir das 10h Para celebrar a vitória da cooperação, as famílias do Assentamento Santa Maria organizam uma recepção aos apoiadores da reforma agrária. A Copavi foi criada por 29 famílias assentadas, em 1993, e funciona como um sistema coletivo de exploração agrícola. Por seu alto grau de desenvolvimento e sua infra-estrutura, a cooperativa é considerada uma referência nacional de êxito tecnológico e social no campo. No evento, haverá uma visita ao assentamento, atos políticos e místicas. Ao meio-dia, vai haver um almoço com alimentos produzidos na cooperativa, como melado, doce de leite e doce de banana. A partir das 14h, ocorrerão atividades de recreação. Local: Assentamento Santa Maria, Paranacity Mais informações: (41) 345-4225, mstpr@mst.org.br
MORADIA DF – SEMINÁRIO NACIONAL SUSTENTÁVEL
COMEMORAÇÃO
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
● De 28 a 30 Promovido pelo Ministério das Cidades, o seminário vai contar com apresentações e discussões sobre programas municipais e estaduais de regularização de assentamentos informais, assim como do Programa de Apoio, formulado pelo governo federal. No dia 30 de julho, também vai ser realizado o Encontro da Rede Latino-Americana sobre Regularização Fundiária, do qual participarão representantes de 10 países. Local: Ministério das Cidades, Esplanada dos Ministérios, bloco A, sala 218, Brasília Mais informações: (61) 411-4696
FOTOGRAFIA
Moisés Araújo
DF – EXPOSIÇÃO: “DENTRO DA LONA”
■ Sem-teto e moradores de cortiços ocupam prédio no centro da capital paulista
E
FORA
● Até o dia 27 A exposição da fotógrafa Regina Stella é resultado do acompanhamento de cinco anos no assentamento Recanto da Conquista, no Distrito Federal. A mostra ilustra como vivem e como são os lares de famílias sem terra. Muitas fotos da mostra foram tiradas no interior das moradias dos trabalhadores rurais. Local: Conjunto Cultural da Caixa Federal, Quadra 4, Lotes 3 e 4, Brasília. Mais informações: conjuntocultural@caixa.gov.br, (61) 414-9450
AGENDA
AMBIENTE SP – II ENCONTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E I ENCONTRO PAULISTA DE CENTROS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL ● De 24 a 26 Os eventos são direcionados a professores, educadores, pesquisadores, profissionais, estudantes e interessados em educação ambiental, além de representantes de movimentos sociais ligados à luta pela preservação do ambiente. Durante os encontros vão ocorrer conferências, oficinas, minicursos e grupos de trabalhos com temas variados. Também estão programadas atividades culturais, como feiras de trocas, uma mostras de vídeos ambientais e exposições de painéis com projetos de educação ambiental. Local: Rua 1 nº 1100, Rio Claro Mais informações: www.repea.org.br, comunicacao@repea.org.br, (11) 3871-1944
MULHERES SP – 1º SEMINÁRIO MULHER NEGRA
JUVENTUDE CE – 18ª SEMANA JOVEM
CONSCIÊNCIA NEGRA CE – DISCUSSÃO : “1º QUILOMBO” – RAÇA, JUVENTUDE, CULTURA ECOLOGIA
diversas instituições de ensino superior em economia, entidades classistas (conselhos, sindicatos e cooperativas) e estudantis, de todo o território nacional, a fim de desenvolver a discussão e o debate de atualidades econômicas, sociais e políticas. Além disso, visa facilitar o intercâmbio dos estudantes de economia, permitindo a troca de idéias e informações, de modo a contribuir para uma melhor e mais completa formação profissional. Local: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Campus da Praia Vermelha, Rio de Janeiro Mais informações: eneco2003@bol.com.br, (21) 3873-5299
E
Moisés Araújo
● Dia 24, a partir das 9h O evento, que terá a participação de 22 organizações da sociedade civil, vai ser um festival político-cultural, com apresentações de capoeira e de música, além de debates e exposições. A atividade faz parte das atividades de preparação das discussões que devem ocorrer na Semana de Consciência Negra, de 17 a 21 de novembro. Local: Instituto Terrazul, Av. Santos Dumont, 1267, loja 4, Fortaleza Mais informações: (85) 223-8005, (85) 9119-0786, com Preto Zezé
● De 25 a 27 Organizado pela Pastoral da Juventude da Paróquia de Amontada, o evento tem como tema “Juventude em luta por uma sociedade digna e fraterna”.O objetivo geral do evento é motivar os jovens a participarem com mais entusiasmo e compromisso nos serviços comunitários. Faz parte também do projeto um resgate da cultura popular local, despertando o talento dos jovens. Os assuntos que vão ser discutidos durante a semana são: “Juventude e os desafios sociais”, “O jovem e a família”, “A arte como forma de evangelização” e “Mística e espiritualidade”. Local: Salão da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Amontada Mais informações: (88) 636-1160
EDUCAÇÃO RJ -30º ENCONTRO NACIONAL ESTUDANTES DE ECONOMIA (ENECO) ■ Morador de Conceição dos Caetanos, quilombo remanescente do Ceará
DOS
● De 26 de julho a 1o de agosto O evento, realizado anualmente, tem como objetivo reunir estudantes de
DE
SAÚDE
DA
● Dia 29, a partir das 9h Promovido pela Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de São Paulo, o evento vai ser organizado em comemoração ao dia 25 de julho, “Dia da Mulher Negra”. Além de discussões e debates, também serão apresentadas formas de atuação e de reivindicação de pessoas que sofrem com discriminação. Local: Biblioteca Mário de Andrade, R. da Consolação, 94 Mais informações: falapret@uol.com.br
ECONOMIA SC – CONGRESSO LATINOAMERICANO DE MICROCRÉDITO ● Dias 30 e 31 O evento tem como objetivos discutir o futuro do microcrédito na América Latina e expor empreendimentos na área. Entre os palestrantes estarão especialistas brasileiros e de diversos países do continente, como México, Chile, Bolívia e Argentina, além do italiano Francesco Bicciato, considerado a maior autoridade de microfinanças no mundo. Local: Hotel Himmelblau, R. Sete de Setembro, 1415, Blumenau Mais informações: (47) 326-4267
BRASIL DE FATO De 24 a 30 de julho de 2003
Reprodução
Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie uma mensagem eletrônica para agenda@brasildefato.com.br
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CULTURA
Segunda edição do Festival Regional de Hip-Hop reúne, em Penápolis (SP), jovens interessados na expressão artística que representa a realidade e os anseios da periferia; grupo mambembe dedica-se a um trabalho cultural e de comunicação popular em Itajaí (SC)
PERIFERIA
O hip-hop canta no interior de SP hip-hop existe muito além das periferias das grandes capitais, como prova o 2º Festival Regional de Hip-Hop, que aconteceu em Penápolis (SP), realizado sábado, dia 19. O festival reuniu grupos da região do Oeste paulista para assistir e participar de apresentações dos seus quatro elementos – break, DJ, grafite e MC. Houve apresentações de música ao vivo, DJs, grafite e competições de Hip-hop – Do inglês mover os quadris. break. Surgiu no Bronx (Nova O lado negativo Iorque), nos anos 60, ficou por conta do para designar o Departamento de encontro entre os que hoje conhecemos como Cultura da prefeib.boys, DJs e Mcs. As tura, que havia profestas tornaram-se uma metido verba para maneira pacífica de organizar o evento, expressar a revolta da mas limitou-se a juventude da periferia emprestar o ginásio b.boys e b.gilrs – e o equipamento de dançarinos de break, som (de qualidade dança característica do inferior à do ano hip-hop passado). Assim, a MC – mestre de organização teve de cerimônias; rapper que buscar apoio do cocanta mércio local para conseguir os R$ DJ – disc jóquei, que faz os efeitos sonoros 400,00 necessários da música para a compra dos troféus, tintas e caGrafite – pinturas misetas. Sem verba, ou desenhos em muros o festival não pôde pagar o transporte
dos participantes de Bauru, Lins, Araçatuba e São José do Rio Preto. Resultado: dos 29 grupos inscritos, apenas 15 estavam presentes. Ainda assim, CarlosValenzuela, um dos nove integrantes da comissão ororganizadora, acha que vale a pena: “No interior, a diferença social é tão ou mais acentuada que na capital”. O b.boy Leonardo dos Santos, conhecido como Ado, completa:“Um evento como este promove a autovalorização dos excluídos”. OBSTÁCULOS As dificuldades para arranjar patrocínios e incentivos fazem parte do dia-a-dia dos hip hoppers. “Sofremos preconceito por conta das gírias e roupas que usamos. Para a sociedade, somos um bando de maloqueiros, e a mídia atrapalha ainda mais porque passam as notícias do jeito deles, como se a gente fosse bandido”, explica o b.boy Gerson de Faria. Ado conta que certa vez, em um baile, fizeram uma roda para dançar break. No mesmo instante, a música parou e seu grupo foi expulso. “Eu não entendi o que aconteceu. A gente só queria dançar”, lamenta. O hip-hop é mais do que entretenimento. Ele retrata o forte desejo de mudança da realidade social daqueles que vivem nas periferias. O preconceito, a violência, a pobreza e a discriminação são recriados nas letras de
música, nos desenhos e na dança. “O rap fala dos problemas que vivemos, e a dança expressa a nossa contestação”, explica a b.girl Cristiane Xavier Jorge. Os integrantes do movimento fazem um discurso consciente, pacifista e antidrogas, em um meio hostil: a periferia, não raro controlada por traficantes e submetida à violência policial. Tornam-se, portanto, alvo de uns e outros. Ou seja, a atuação não pode se limitar a letras de músicas provocativas. Para o grafiteiro Waldecir da Silva, o Bylla, “subir no palco e cantar é fácil. Difícil é ser verdadeiro no dia-a-dia, dentro de uma realidade que te reprime”. Rafael Rossini, b.boy de São José do Rio Preto, conta que uma vez foi abordado por policiais na frente da escola em que estuda. “Eles perguntaram onde estavam as drogas. Ficaram falando que quem usa roupa larga é tudo drogado, e começaram a dar uns tapas na gente. Humilhação existe, mas fazer o quê? Eles não sabem que o hip-hop serve pra tirar o pessoal da periferia do mau caminho”. O tema é recorrente nas letras. O refrão da música ”Já bolei um plano”, de Juliano da Silva, do grupo “Grito da periferia”, por exemplo, diz: “Rota na rua não vai me trazer incentivo”. Os grupos de rap da região lançaram sua primeira coletânea, “Teoria Perfeita”. A produção do CD, financiada pelos próprios in-
■ Pick-up toca músicas que falam da realidade da periferia; grafiteiro questiona a desigualdade social em seus desenhos; acrobacias desafiam a gravidade e impressionam com a precisão dos movimentos
Fotos: Luciney Martins/Rede Rua
Tatiana Merlino e Tatiana Azevedo, da Redação
tegrantes, teve uma tiragem de mil cópias, que se esgotou rapidamente. Com iniciativas desse tipo, conseguem conquistar apoios e simpatias da população. É o caso, por exemplo, de Fernando Vieira de Almeida, trabalhador rural de Avanhandava, um entusiasta do movimento: “O hip-hop fortalece o ego e a auto-estima, faz a gente se sentir importante”.
SANTA CATARINA
Arte popular: a barca do amor
BRASIL DE FATO De 24 a 30 de julho de 2003
idade de Itajaí, litoral de Santa Catarina. Pico de surf, ponto de pesca da sardinha, porto, periferia e hip-hop da melhor qualidade. Da margem do ItajaíAçu, na beira do mar, assoma uma barca. Não uma comum, dessas que andam na água. É barca de gente, de uma galera do bem. São cabeludos, artistas, mambembes, poetas, capturadores de imagens, malabaristas, artesãos e visionários. Um pequeno grupo que decidiu que a vida pode ser mais do que disputa no mercado de trabalho.
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MUDAR A VIDA Fabiano tem pouco mais de 20 anos, nasceu e cresceu na periferia. Tem mulher e três filhos. É a cara do hip-hop de Itajaí. Canta a dor e a beleza da vida dura que leva, canta o sonho, a esperança. Nos olhos apertadinhos traz a firme vontade de mudar a vida dos seus.Tel e Kandyce são atrizes, mambembes, dizem poemas e belos textos nos bares. Querem vida livre e precisam dividir o que sabem, o que sentem. Jeferson, Suzamara, Laura e Osíres são estudantes de jornalismo, contadores de histórias, querem mais do que o fazer limpinho das redações. Querem narrar a vida real. Juvenal respira imagens em movimento, faz cinema, vídeo e quer mostrar o drama e a comédia da vida. Roberto estuda Direito, entende das tramas da lei. Paulo é jornalista e foi quem começou tudo quando estudava. Diego tem 13 anos e mora na maior comunidade de periferia de Itajaí, o bairro Nossa Senhora das Graças, conhecido como Mata-
douro. É o mascote, espécie de anjo que ilumina tudo com o sorriso mais lindo do mundo. Fafau é o homem da estrutura. Faz tudo. Malabaris, perna-de-pau, inventa formas, prega, remenda, conserta. É oceanógrafo e dono da bússola. Ricardo é fotógrafo, capturador de almas, espírito vivo do jornalismo libertador. São os barqueiros, os “malucos” que, sem dinheiro, coletivamente, seguram o leme e enfunam as velas para onde poucos querem ir: a periferia. Tudo começou na universidade. Cansados de ver a instituição e seus “doutores” sugarem a vida das comunidades em teses e dissertações, decidiram romper o diapasão. Paulo Zembruski iniciou um projeto em Nossa Senhora das Graças. Um jornal de poste, que não era aquela coisa paternalista e demagógica de “dar voz a quem não tem voz”. Era um processo de construção conjunta. A comunidade como sujeito, não apenas objeto. Dali surgiu o embrião do que mais tarde seria a Barca do Povo, tocada por outro universitário, Leandro Pellizzoni. Mas, a instituição não estava preparada para caminhar com a periferia. Assustados, alguns professores e alunos reclamavam do ir e vir dos pobres, dos sujos, dos cabeludos, dos marginais. Autoritariamente, o projeto foi extinto, embora envolvesse estudantes e gente da comunidade com um jornal mensal e um programa de rádio semanal. Sem projeto e sem dinheiro para bancar os veículos de comunicação, os “barqueiros” tinham dois caminhos.Abandonavam tudo ou inventavam o jeito de seguir sem a ajuda da universidade. “Foi uma decisão difícil. O projeto já
existia há dois anos.As comunidades tinham a gente como referência para suas reivindicações, suas informações. Parar tudo seria como trair toda aquela gente. Então, depois de muita discussão, decidimos criar um Centro de Cultura, uma Ong, para que pudéssemos captar recursos e seguir com o trabalho”, conta Ricardo Casarini, um dos barqueiros. A burocracia foi um entrave. Jovens, sem experiência, penaram por meses entre cartórios, leis, estatutos. Mesmo assim, não pararam o trabalho. Sem qualquer tostão foram tocando o programa de rádio semanal e ainda conseguiram fazer mais um jornal. Fora isso, promoveram ações culturais com o hip-hop e exposições de fotografia. Até encontrar um parceiro que emprestasse grana para comprar uma kombi. Com ela, poderiam voltar a circular pelas comunidades com uma espécie de sede sobre rodas. O dinheiro veio e o trabalho já começou. CULTURA AMBULANTE O projeto que ousaram levar adiante é agora real.A kombi, que ainda não foi paga, é um centro cultural ambulante.Viaja levando conhecimento, formação, alegria, diversão. É um aprender com sabor, com arte. O grupo articula tardes de oficinas com as associações de moradores. Assim, no fim de semana, quando todos descansam, os barqueiros lançam suas redes no mar da vida popular. O carro, todo enfeitado, vira uma biblioteca. É estacionado num ponto da comunidade e as crianças são chamadas para ler, ouvir histórias, poemas. Também participam de oficinas
de fotografia de lata e “zines”. No processo, vão descobrindo que podem criar coisas belas, que podem fazer comunicação, que podem ser sujeitos. Cada grupo cria sua própria dinâmica. “A gente não impõe nada, apenas disponibiliza os livros, os gibis, os contadores, os artistas, os materiais.A criançada vai dando a direção. Claro que tudo tem um propósito, de formação, de despertar da cidadania, mas isso flui na caminhada a partir da experiência de cada um, mas mergulhada no coletivo”, explica Ricardo. O grupo de educadores de Itajaí faz tudo no amor, mas procura ajuda. Sem financiamento, o projeto pode morrer.Vai chegar a hora de pagar a kombi, os materiais de trabalho acabarão, as pessoas vão precisar de emprego para viver. Com o centro cultural legalizado e registrado esperam encontrar “boas almas” que financiem a ação. “Na verdade, a gente quer as verbas públicas, porque entende que o que é do povo tem de voltar ao povo, seja em forma de saúde, de educação ou arte. Nossa viagem é pela arte/educação/comunicação. Isso é direito humano e queremos estar aí, na fita.Assim, nossa prioridade é esse tipo de recurso”. Mas, enquanto isso não vem, a barca não afunda. Segue firme e sonhan-
do alto.“Queremos circular pela região, pelos cantões do Brasil e, depois, pela América Latina, levando a arte, a cultura e a comunicação popular”. ■ Movidos pela solidariedade, os “barqueiros” viajam pela periferia de Itajaí, divulgando arte e cultura popular Fotos: Paulo Sérgio Zembruski
Elaine Tavares, de Itajaí (SC)