BRASILDEFATO Ano I ■ Número 25 ■ São Paulo ■ De 21 a 27 de agosto de 2003
Circulação Nacional
R$ 2,00
federação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), mais de 20 mil pessoas foram a Brasília, dia 19, protestar contra a reforma da Previdência. Trabalhadores da educação e outros servidores públicos manifestaram seu repúdio a um projeto que abre caminho para a privatização da Previdência, além de acelerar o desmonte do Estado. Desmonte do Estado Um desmanche que não
poupou a universidade pública, que, sem recursos, corre o risco de perder milhares de professores. A paralisação de servidores federais, que começou dia 8 de julho, já atinge 35 instituições públicas de ensino superior. Pág. 4 O deputado federal Ivan Valente (PT-SP) e Padre Roque, secretário da Educação do Estado do Paraná, analisam a situação da universidade pública no Brasil. Veja na seção Debate Pág. 14
■ Servidores protestam contra a reforma da previdência, em Brasília, dia 19
Movimentos preparam agenda de protestos Movimentos sociais de todo o mundo estão preparando uma série de manifestações para o mês de setembro. O objetivo é fazer oposição à nova ofensiva do projeto neoliberal que vai ser discutido
Fertilizante poupa dólares e ambiente Uma companhia de biotecnologia, em Goiânia, abre caminho para a produção de um fertilizante mais econômico, que reduz os efeitos nocivos no ambiente e dispensa importações. O composto biológ ico BioAtivo, como foi chamado, substitui o ácido sulfúrico e pode reduzir o custo de produção e economizar alguns milhões de dólares ao país. Pág.13
Banestado: relatora aponta omissão do Banco Central Pág. 6
Jovens da periferia fazem jornalismo com visão crítica
durante a V Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún (México), entre os dias 10 e 14 de setembro. No Brasil, as principais atividades serão a Campanha de Va-
cinação contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o Grito dos Excluídos e as mobilizações populares estaduais por soberania nacional, trabalho e desenvolvimento. Pág. 9
Requião ataca transnacionais e faz críticas ao Congresso O gover nador do Paraná, Roberto Requião, declarou, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, que a oposição feita no Congresso não faz sentido. Ele enfatizou o cance-
Tributária: uma proposta que muda Indianos encontram pesticida para ficar tudo como está A União quer a parte de leão dos impostos, os Estados querem aumentar sua participação, os municípios, idem. É um arremedo de reforma, e que, no essencial, não ataca a questão central do sistema tributário vigente, altamente concentrador e que penaliza os mais pobres. Desconfia-se que a equipe econômica quer centralizar a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS),
e manter a alíquota de 0,38% da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O governo também quer preservar a liberdade para gastar 20% do orçamento da União como quiser. Para isso, prorrogaria a Desregulamentação de Recursos da União (DRU) que permite desviar 20% dos recursos destinados a áreas sociais para pagar os juros da dívida. Pág. 5
lamento de contratos de 200 milhões de dólares com as transnacionais e foi categórico sobre os transgênicos:“Se tivesse na minha mão, eu queimava”. Pág. 7
em Coca-Cola
Zapatistas governam zonas livres no México
Laboratór ios de Kerala, na Índia, acusam a Coca-Cola de utilizar grandes concentrações de cádmio (metal usado na indústria nuclear) na preparação dos refrigerantes. Dia 12, a Pepsi-Cola e outras companhias de refrigerantes também foram criticadas por organizações não governamentais por distribuír bebidas com doses inaceitáveis de pesticidas. Pág. 11
Cinco regiões de Chiapas, no Sul do México, estão sendo administradas por civis indígenas, numa ação decretada pelo Exército Zapatista de Liber tação Nacional (EZLN), dia 9. O EZLN começa a executar, por iniciativa própria, os Acordos de San Andrés — firmados com o presidente Vicente Fox — que reconhecem a autonomia dos povos indígenas. Pág. 10
E mais: TRANSGÊNICOS – A suspensão da liminar que proibia o plantio e a comercialização de transgênicos não altera a legislação; a soja geneticamente modificada continua proibida no país. Pág. 3 RENDA EM QUEDA LIVRE – Os salários dos trabalhadores e as retiradas dos empresários caíram 9,7 % no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2002. Pág. 5 REFORMA AGRÁRIA– O Supremo Tribunal Federal anulou a primeira grande desapropriação do governo Lula, dos 13,2 mil hectares do complexo Southall, em São Gabriel (RS). Pág. 6
Pág. 16 IRAQUE: Atentado a bomba em Bagdá mata o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, alto-comissário da Organização das Nações Unidas (ONU). Pág.11 ÁFRICA – Os conflitos em torno dos latifúndios dos antigos colonos brancos estão se intensificando na África do Sul, em Angola e em Zimbábue, entre outros países da África. Pág. 12
BRASIL DE FATO De 21 a 24 de agosto de 2003
Lideradas pela Con-
Sérgio Lima/Folha Imagem
Servidores da educação repudiam reforma
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Fala, Zé!
A brutal agonia do Império
Ohi
NOSSA OPINIÃO
O que o capitalismo tem a oferecer para a humanidade? Uma primeira resposta é dada por um breve olhar para a “periferia” do sistema - África, Oriente Médio, América Latina, os países pobres da Ásia. Bilhões de seres humanos são vítimas da exclusão social, da fome, de epidemias e guerras. Mas também o “centro” do sistema é agora engolfado por uma crise de grandes proporções e de conseqüências de amplitude histórica. A sucessão de tragédias sociais em algumas das principais metrópoles do mundo globalizado, observada nas duas últimas semanas, é emblemática: contam-se pelo menos cinco mil mortes em Paris, provocadas por uma onda insuportável de calor, que, por sua vez, é conseqüência da elevação da temperatura média da Terra (efeito estufa); e o “apagão” na costa leste dos Estados Unidos e do Canadá, que deixou sem eletricidade pelo menos 50 milhões de seres humanos, provavelmente provocado por sobrecarga no sistema de distribuição de energia, como conseqüência do excesso de consumo (aparelhos de ar condicionado, televisores, geladeiras etc). Nos dois casos, a tragédia foi provocada pela lógica do lucro. Em nome da elevação dos índices de produtividade e dos interesses gerais das transnacionais, o emprego da tecnologia despreza as preocupações com o equilíbrio ambiental. O capital não aceita sequer adiar os lucros para amanhã, em nome da preservação do planeta hoje. A lista de tragédias ambientais produzidas pelo capital é infinita, da devastação das florestas temperadas européias à doença da “vaca louca”, passando pela plantação das sementes transgênicas, com efeitos ainda pouco conhecidos sobre o corpo humano e a natureza. Soma-se às catástrofes ambientais a total degradação de valores e princípios éticos, mesmo quando se refere àqueles que fundaram a política burguesa. George Bush admite, abertamente, ter mentido ao acusar Sadam Hussein de possuir armas de destruição em massa; Tony Blair, pressionado pelos integrantes de seu próprio partido (trabalhista), tenta escapar, mas vê o seu governo implodir em um escândalo político de grandes dimensões, cujo emblema é o cadáver de David Kelly, o cientista britânico cujo laudo foi falsificado para permitir a participação de Londres no ataque ao Iraque. Em nome do “combate” ao terror, a Casa Branca aniquila com o que ainda restava de democracia nos Estados Unidos e instaura um governo de inspiração fascista, adotando a prática da “guerra preventiva” consagrada por Adolf Hitler (atacar o “inimigo” antes que ele reúna forças para resistir e, eventualmente, antes mesmo que ele saiba que é o “inimigo”). Foram atiradas ao lixo as mais elementares noções de “equilíbrio civilizado entre as nações”, interlocução e busca do bem comum. O capitalismo, na sua versão neoliberal globalizante, só pode multiplicar as catástrofes sociais, mesmo no centro do sistema. Paris e Nova York emitem, hoje, os sinais do esgotamento e decomposição do império. Quanto mais longa a sua agonia, pior será para a humanidade.
BRASILDEFATO
BRASIL DE FATO De 21 a 24 de agosto de 2003
CONSELHO POLÍTICO: ■ Achille Lollo ■ Ari Alberti ■ Ariovaldo Umbelino ■ Assunção Ernandes ■ Aton Fon Filho ■ Augusto Boal ■ Cácia Cortez ■ Carlos Marés ■ Carlos Nelson Coutinho ■ Celso Membrides Sávio ■ Claus Germer ■ Dom Demétrio Valentini ■ Dom Mauro Morelli ■ Dom Tomás Balduíno ■ Edmilson Costa ■ Elena Vettorazzo ■ Emir Sader ■ Egon Krakhecke ■ Erick Schunig Fernandes ■ Fábio de Barros Pereira ■ Fernando Altemeyer ■ Fernando Morais ■ Francisco de Oliveira ■ Frederico Santana Rick ■ Frei Sérgio Gorgen ■ Horácio Martins ■ Ivan Valente ■ Jasper Lopes Bastos ■ ■ João Alfredo ■ João Capibaribe ■ João José Reis ■ João José Sady ■ João Pedro Stedile ■ Laurindo Lalo Leal Filho ■ Leandro Konder ■ Luís Alberto ■ Luís Arnaldo ■ Luís Carlos Guedes Pinto ■ Luís Fernandes ■ Luis Gonzaga (Gegê) ■ Marcelo Goulart ■ Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind ■ Mário Maestri ■ Nalú Faria ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs ■ Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
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CONSELHO EDITORIAL: ■ Alípio Freire ■ César Benjamim ■ César Sanson ■ Hamilton Octávio de Souza ■ Kenarik Boujikian Felippe ■ Luiz Antonio Magalhães ■ Luiz Eduardo Greenhalgh ■ Luiz Bassegio ■ Maria Luísa Mendonça ■ Milton Viário ■ Neuri Rosseto ■ Plínio de Arruda Sampaio Jr. ■ Ricardo Gebrim ■ Editor-chefe: José Arbex Jr. ■ Editor-assistente: Mustafa Yazbek ■ Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Marilene Felinto, Nilton Viana, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu ■ Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ■ Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Javelberg, Ricardo Teles ■ Ilustradores: Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, Natália Forcat, Nathan ■ Projeto gráfico: Wladimir Senise ■ Diagramação: Valter Oliveira Silva ■ Tratamento de imagem: Helena Sant‘Ana ■ Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho ■ Jornalista responsável: José Arbex Jr. Mtb 14.779 Administração: Silvio Sampaio Secretaria de redação: Tatiana Merlino Assistentes de redação: Letícia Baeta, Maíra Kubík Mano e Tatiana Azevedo Sistemas: Sérgio Moreira Programação: André de Castro Zorzo DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA PARA TODO O BRASIL EM BANCAS DE JORNAIS E REVISTAS Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 FERNANDO CHINAGLIA Campos Elíseos – CEP 01218-010 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP RUA TEODORO DA SILVA, 907 TEL.: (21) 3875-7766 redacao@brasildefato.com.br RIO DE JANEIRO - RJ Gráfica: FolhaGráfica
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Cartas de leitores FATOS POLÍTICOS Admiro o trabalho deste jornal. A melhor crítica é sempre a mais fundamentada. Peço que me abram espaço para alertar sobre dois fatos “políticos” atuais. Primeiro, a mentira do FMI quanto à supervalorização do câmbio e a não exposição do problema ao público, como evidenciou depoimento de Gustavo Franco, na CPI e nas páginas deste jornal. A opinião e a ação do povo não pode aceitar tal segredo de contratos ou omissões quando se trata de 30 bilhões de dólares, trabalho e divisas nacionais. Onde está a Justiça? Outro fato ‘’político’’ tragicômico foi a entrega do prêmio TIM de música. Fiquei pasmo quando vi artistas de renome e talento indiscutível, merecedores de nossa admiração por sua inteligência, caindo nas graças da propaganda globeleza, enquanto assistimos ao espetáculo da bem provável aquisição de 38 % da Brasil Telecom pelos ‘’italianos’’. Como é possível tal manipulação da opinião pública? Senhores, ajudem-me a entender
isto. Brasil de Fato é o único que dá pra ler de verdade. Nicola Cherubini, São Paulo (SP) PROSTITUIÇÃO A manifestação do ministro Superior do Trabalho, Vantuil Abdala, sobre a legalização da prostituição (ver http://conjur.uol.com.br/textos/ 20888), está na mesma linha da matéria do Brasil de Fato e ambos estão errados.A profissão de prostituta já está no Código Brasileiro de Ocupações (CBPO) e, então, o que falta regulamentar? O projeto apresentado é mera demagogia porque esse é um tipo de atividade que somente pode ser exercida como prestador(a) de serviços autônomos. Não pode haver relação de emprego com ninguém porque, embora ser prostituta constitua crime, explorar a prostituição é um delito. A prostituta não comete delito mas o eventual “empregador” pratica crime. Então, em sendo atividade autônoma, não há o que regulamentar, sendo bastante a inserção no CBPO, que leva às demais conseqüências daí decorrentes: declarar imposto de renda com
rendimentos obtidos desta atividade, recolher INSS pelo carnê de autônomo etc. Aliás, o projeto tão falado não acrescenta nada em termos de direitos. João José Sady, São Paulo (SP) OMISSÕES Em recente matéria sobre a Anatel e sua defesa dos interesses das corporações, o jornal Brasil de Fato ignora e omite a questão das rádios livres e comunitárias. Considerado o maior jornal da “esquerda brasileira” ou das “forças progressistas”, o jornal mostra mais uma vez a visão de curto alcance da esquerda brasileira a respeito do caráter estratégico dos meios de comunicação, em especial a rádio. Em matéria de página inteira (chamada principal na capa) o assunto sequer é citado. Quando o assunto das rádios comunitárias foi tratado em outra edição, foi numa perspectiva legalista, rasa, sem ir às raízes do problema, como tem feito o movimento institucionalizado de rádios comunitárias. Thiago Galletta, Porto Alegre (RS)
As cartas devem ser encaminhadas com identificação, município e telefone do remetente.
Quem somos Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores.
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SEGURANÇA ALIMENTAR
NACIONAL
O TRF suspendeu a liminar que proibia o cultivo e a comercialização dos transgênicos, mas a medida não liberou as sementes geneticamente modificadas; a Monsanto conseguiu patentes de todas as espécies de soja transgênica e o Brasil é o único que pode barrar essa ameaça
Transgênicos continuam proibidos suas sementes legalmente, a Monsanto teria de registrar a soja Roundup Ready (RR) e o herbicida glifosato no Ministério da Agricultura.Antes disso, só contrabandeando seus produtos, como fez no Rio Grande do Sul.
Claudia Jardim, da Redação
A
polêmica cr iada pela desembargadora Selene de Almeida, do Tribunal Regional Federal (TRF) da Primeira Região, ao anunciar a liberação do cultivo e do plantio da soja transgênica, dia 12, provocou confusão entre os ministérios e organizações civis e pode ter aberto mais um precedente para a contaminação da soja da próxima safra. A decisão suspendeu a sentença da 6º Vara da Justiça Federal, que proibia o plantio de organismos geneticamente modificados (OGM). O mérito da ação ainda será apreciado por mais dois desembargadores e, apesar das dúvidas, o procurador da República, Aurélio Rios, assegurou que a liminar não tem poderes legais para eximir a transnacional Monsanto de submeter as sementes transgênicas ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) exigido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Além disso, a Lei nº 10.688/03 (convertida da Medida Provisória nº 113/03) mantém a proibição do plantio e da comercialização de soja transgênica para a próxima safra. Só está liberada a comercialização da soja cultivada ilegalmente no Rio Grande do Sul, até março de 2004. A análise do engenheiro agrônomo Rubens Nodari, do Ministério do Meio Ambiente, é de que mais uma vez se tentou abrir um precedente para a introdução do cultivo transgênico no país.“É evidente que a desembargadora foi pressionada pela Federação Agrícola do Rio Grande do Sul e pela Monsanto para emitir essa liminar. Com isso, outro passo foi dado para criar o fato consumado”. Para Nodari, essa decisão serviu apenas para criar mais confusão e provocar a contaminação de mais uma safra.“ Criou-se uma falsa expectativa. Muitos agricultores podem comprar sementes transgênicas acreditando que foram liberadas. O governo precisa estar atento para não ter o mesmo problema da soja deste ano, na safra 2004”, alerta o engenheiro agrônomo. PERIGO EM 2004 O plantio da próxima safra de soja começa já no próximo mês o que, para o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT/RS), foi o principal motivo da decisão do
Produção nacional de soja Total: 52 milhões e 210 mil toneladas Fonte: Conab
TRF em acatar o pedido da transnacional. “As ações da Monsanto estão em queda. Eles precisam cobrar royalties de qualquer maneira para não quebrar”, afirma Görgen. A introdução da soja transgênica no Brasil é fundamental para a Monsanto por dois motivos: a soja brasileira representa hoje a única alternativa de produção em grande escala de soja convencional e o mercado europeu tem acirrado cada vez mais as restrições aos alimentos transgênicos. “Essa questão é política e representa a soberania nacional
e alimentar. Quem é favorável aos transgênicos é contra a soberania do país”, afirma o deputado federal Adão Pretto, do Núcleo Agrário do PT.
liminar para a tomada de qualquer decisão que coloca em risco sua biodiversidade. “Por ser um país megadiverso, não poderia haver outro caminho. Na ausência de segurança em relação ao meio ambiente, nós devemos ser cautelosos”, explicou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante reunião com lideranças do governo no Senado. Além disso, para comercializar
PRECAUÇÃO O Brasil ratificou, em 1992, a Convenção de Biodiversidade. Com isso, adotou o principio de precaução como instrumento pre-
A cronologia da contaminação no Brasil ◆ 1995 – É regulamentada a lei de biossegurança e criada a Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio), responsável pelo controle das atividades e dos produtos que utilizam biotecnologia no país. ◆ 1996 – A Monsanto inicia pesquisas com soja geneticamente modificada. ◆ 1997– A CTNBio aprova o início dos testes de campo da Monsanto, com sementes geneticamente modificadas ◆ 1998 – A Monsanto envia pedido para o plantio da soja transgênica (Roundup Ready) à CTNBio. A comissão emite parecer técnico favorável, considerando que não há risco ambiental ou alimentar no consumo da soja, sem realizar nenhum teste. O órgão argumenta que a soja RR é equivalente à soja convencional. No mes-
◆ Março 2003 – O governo Fernando Henrique não fiscalizou o plantio e os agricultores do Rio Grande do Sul cultivaram ilegalmente soja transgênica, com sementes contrabandeadas da Argentina. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina Medida Provisória nº 113, liberando a comercialização da soja transgênica para consumo interno, exige a rotulagem dos alimentos e proíbe a contaminação da safra 2004.
mo ano, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), junto com o Greenpeace, encaminha uma ação civil pública e conseguem liminar na Justiça, proibindo a plantação e comercialização da soja transgênica, argumentando que o comércio de OGMs não estava regulamentado e que a lei exigia o estudo prévio de impacto ambiental. ◆ 2000 – O juiz Antônio Prudente, da 6º vara da Justiça Federal do DF, emite sentença incorporando a liminar de proíbição do plantio e comercialização da soja RR. A União e a Monsanto recorrem ao Tribunal Regional Federal da 1ª região contra a decisão, mas têm os pedidos negados.
◆ Junho 2003 – MP vira a lei nº 10.688 e mantém a proibição do cultivo e comercialização dos transgênicos para safra 2004. ◆ Agosto 2003 – A desembargadora Selene de Almeida, mais uma vez, dá parecer favorável ao recurso movido pela Monsanto, mas não modifica o quadro proibitivo dos transgênicos.
◆ 2002 – Uniâo e Monsanto enviam novo recurso ao TRF. O voto da relatora, juíza Selene de Almeida é favorável à liberação do plantio e da comercialização.
LEI DE BIOSSEGURANÇA A ministra do Meio Ambiente assegurou que a decisão judicial não vai interferir no processo do projeto de lei em elaboração na Comissão Interministerial. O projeto ainda está sob sigilo, mas o fato é que não há consenso entre os ministros sobre o destino a ser dado a pesquisas, plantio e comercialização dos organismos geneticamente modificados. Os ministros da Agricultura, Roberto Rodrigues, e do Desenvolvimento, Luís Fernando Furlan, apóiam a liberação dos transgênicos. Já Marina Silva, Miguel Rosseto, do Desenvolvimento Agrário, e Roberto Amaral, de Ciência e Tecnologia, são contrários aos OGMs. Os outros ministros que compõem a Comissão ainda não se pronunciaram. Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, José Dirceu, da Casa Civil, Celso Amorim, de Relações Exteriores, José Graziano, de Segurança Alimentar e Humberto Costa, da Saúde, sinalizam a falta de unidade e a queda de braço a ser travada antes da apresentação do projeto de lei (PL) à Câmara Federal. O que tem preocupado os parlamentares contrários ao cultivo de sementes geneticamente modificadas é a urgência com que se pretende votar o PL de Biossegurança - no máximo em 45 dias. Dia 19, os parlamentares do Núcleo Agrário do PT se reuniram com o ministro-chefe da Casa Civil, para tentar adiar o envio do projeto à Câmara. “Queremos conhecer o conteúdo do projeto. Se for favorável aos transgênicos, a direita e a bancada ruralista têm maioria, votarão favoráveis à liberação e não poderemos fazer nada para impedir”, afirmou o deputado federal Adão Pretto (PT/RS).
Leia mais sobre transgênicos na entrevista com o governador do Paraná, Roberto Requião, na página 7.
■ Soja transgênica tomou conta do Rio Grande do Sul pequenos agricultores e na biodiversidade daquele país. MONOPÓLIO O campo de cultivo agrícola argentino passou a ser dominado pela produção de soja. Em 1994, eram dedicados 5,9 milhões de hectares para esse cultivo. Hoje, chegase a 12,7 milhões de hectares. Os cientistas argentinos apontam que
o crescimento da cultura de soja transgênica já contaminou cerca de 130 mil hectares de florestas, reduzindo a biodiversidade da região. As mudanças no modelo agropecuário argentino provocaram crises na produção e no abastecimento da população. Alimentos tradicionais como lentilhas, grão de bico, milho e leite passaram a ser substituídos pela soja. A escassez foi tanta
que, em 2002, pela primeira vez em sua história, a Argentina teve de importar leite do Uruguai. De acordo com uma reportagem publicada pela revista The Ecologist, os criadores de gado estão lutando para sobreviver, à medida que são forçados a ocupar áreas cada vez mais marginais. MONOCULTURA “O país nunca foi um modelo clássico de agroexportação pois exportavámos os mesmos alimentos que comíamos e isso garantia nossa segurança alimentar”, afirma Miguel Teubal, pesquisador no Grupo de Estudos Rurais da Universidade de Buenos Aires. “Agora somos a república da soja, uma monocultura que está destruindo a subsistência das pessoas e moldando o caminho para a fome”, acrescenta. Os defensores das sementes transgênicas no Brasil afirmam que os produtores vão decidir o
tipo de soja que querem plantar, caso o governo federal libere o plantio. No entanto, diversas pesquisas apontam que a lavoura transgênica pode contaminar a produção vizinha. “O pólen levado pelo vento não vai ser detido por lei ou por cercas e o agricultor terá a lavoura contaminada e terá de pagar royalties à Monsanto”, afirma Carlos Eurico Germer, engenheiro agrônomo do Comitê de Defesa do Consumidor (SC). O Brasil representa a única alternativa de produção livre de transgênicos no mundo. As restrições aos organismos geneticamente modificados têm crescido cada vez mais no mercado europeu e asiático porque a maioria dos consumidores desses países não quer se alimentar com transgênico. A produção de sementes geneticamente modificadas só interessa aos Estados Unidos e à transnacional Monsanto (CJ).
BRASIL DE FATO De 21 a 27 de agosto de 2003
No dia 5 de maio, a transnacional Monsanto conseguiu mais uma vitória na Organização Mundial do Comércio (OMC), que lhe concedeu o direito de patente, não apenas sobre a Roundup Ready, mas sobre toda variedade de soja transgênica. Isso significa que se o Brasil, segundo maior exportador de soja do mundo, adotar o cultivo transgênico, a Monsanto terá o controle de 91% da soja do mundo. Por isso as seguidas tentativas de criar o fato consumado e conseguir, em definitivo, a liberação de seus produtos no país. Se para entender o que vai representar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) para o Brasil aponta-se a triste realidade mexicana com o acordo similar, o Nafta, o mesmo paralelo pode se traçar, sobre a introdução da soja transgênica no Brasil, em relação à Argentina. Para isso, basta verificar os efeitos da soja modificada na agricultura, na vida dos
Jefferson Bernardes/Folha Imagem
Argentina: um exemplo para se evitar
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NACIONAL
Mais de 20 mil pessoas, em Brasília, protestaram contra o projeto de reforma, que abre caminho para a privatização da Previdência e acelera a implementação do Estado mínimo; o desmanche não poupou a universidade pública, que corre o risco de perder milhares de professores
MOBILIZAÇÃO
Um sonoro não à reforma da Previdência ANDES
Luís Brasilino, da Redação (*)
A
DESMONTE DO ESTADO
Número
BRASIL DE FATO De 21 a 27 de agosto de 2003
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FALÊNCIA Foi notável a deterioração do ensino superior público no governo FHC. Em 2001, Paulo Renato de Souza, então ministro da Educação, previu fim da universidade pública “em cinco ou seis anos”. A gestão FHC fez o que pode para isso. Mas a substituição do governo pelo capital privado no ensino superior é um projeto antigo, gestado ainda durante a ditadura militar. O ministro Paulo Renato apenas o implementou, analisa Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A seu ver, quando se faz uma retrospectiva do governo FHC, constata-se que muito foi feito para quebrar a universidade pública. Assim, qualquer coisa que remediasse a situação pareceria interessante. E a privatização seria uma alternativa. MAIS PARTICULARES Os professores estão entre os mais atingidos pela política neoli-
MG, PR, PI, RJ e MT
Universidades
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DF; AM; MA; RJ; RS; BA; PB (parcial), AL; MT; MS; PE; SC; SE; AC; AP; ES; PI; RN; Rural (PE); Rural (RJ); Juiz de Fora, Ouro Preto e Uberlândia (MG); Pelotas (RS); e Federal Fluminense (RJ)
Outros
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Escola Paulista de Medicina, Faculdades Agrárias do Pará e Fundação de Ensino Superior de São João Del Rey (MG)
(*) Até 12/08
ter os servidores unidos.“A greve das federais está sofrendo desgaste, os caixas das entidades estão baqueados, e os servidores estão muito bravos e desapontados”, afirma Américo Kerr, presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp). No entanto, ao invés de desanimados, os manifestantes avaliam a paralisação de forma positiva. Segundo Edvaldo Rosas, coordenador geral da Federação dos Sindicatos das Universidades Brasileiras (Fasubra), a greve mostrou à sociedade que essa reforma é fiscal e não social; colocou os servidores como atores prin-
Estados. O fato de a paralisação ser avaliada como positiva os estimula a não interromper a pressão sobre o governo. “Apesar de estarmos desapontados com os políticos eleitos por nós mesmos, vemos o momento atual como crucial na luta do trabalhadores explorados . O povo deve continuar na rua, nós vamos continuar lutando”, enfatiza Teixeira. A paralisação dos servidores federais começou em 8 de julho e chegou a atingir 70% de adesão. Eles protestam contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 40, que reforma a previdência. O desapontamen-
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to se deve ao fato de a maioria do funcionalismo ter votado em Lula, e de muitos deles serem filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT). Por isso, vêm na atitude do governo uma ruptura com as bandeiras defendidas historicamente pelo PT. Para Kerr, da Adusp, o governo está mantendo a política neoliberal.“Apostando nos cidadãos brasileiros, o país pode crescer muito mais do que condicionando seu desenvolvimento ao mercado financeiro”, conclui. (*) Colaboraram Rodrigo Dantas e Gabriela Campos Afonso, de Brasília (DF)
Sem recursos, universidades públicas agonizam em todo o país
Maíra Kubík Mano, da Redação Iniciada no dia 8 de julho, a greve dos servidores das universidades federais atingia 35 estabelecimentos até a segunda semana de agosto. Ou seja, 60% das universidades e Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) suspenderam atividades.A mobilização ocorre num momento em que as universidades públicas têm cada vez menos recursos, e que a Organização Mundial do Comércio (OMC) discute a abertura do país a instituições estrangeiras privadas de ensino. Nessa primeira paralisação do governo Luiz Inácio Lula da Silva, os servidores protestam, sobretudo, contra a reforma da Previdência, em votação no Congresso. Aprovada a reforma, estima-se que as universidades podem perder até 7 mil professores.
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■ Protesto de servidores da educação, em Brasília, dia 19 cipais de um governo em disputa; e provou a unidade e o poder de mobilização da categoria. Caio Teixeira, coordenador geral da Federação dos Trabalhadores do Judiciário Federal (Fenajufe), concorda. “Além de o governo ter usado a polícia contra os trabalhadores, o movimento rachou a base de sustentação do Partido dos Trabalhadores e conseguiu retardar a aprovação do projeto”, avalia. Ele espera que o Senado também altere a proposta e, desse modo, adie a votação final para 2004. Mas, dizem os sindicalistas, a agenda de mobilizações continuará nos
Localidade
Centros de Educ. Tecnol. (Cefets)
TOTAL
Anderson Barbosa
aprovação da PEC-40/03, em primeiro turno, na Câmara Federal, não desanimou os servidores públicos. Depois do ato do dia 6, que levou mais de 70 mil pessoas à capital federal, no dia 19, de 20 a 25 mil pessoas participaram, em Brasília, da terceira marcha contra a reforma da previdência em tramitação no Congresso Nacional. Organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e pela CUT, com o apoio da UNE e da UBES, a marcha manifestou a indignação de educadores, estudantes, trabalhadores da educação e demais servidores com uma proposta de reforma que aprofunda o desmonte do Estado, além de abrir o caminho para privatizar a previdência. Entretanto, este pode ter sido o último ato público de uma paralisação de quase um mês e meio. Na quinta-feira, 21, em assembléia ampliada da coordenação das entidades públicas federais deve ser decidido o fim da mobilização. Os sindicalistas defendem a saída unificada do movimento para man-
INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR PARALISADAS (*)
■ Professores protestam contra sucateamento das universidades beral do último governo. As perdas salariais dos servidores federais somaram 120% ao longo dos oito anos FHC, e o baixo poder aquisitivo dos docentes gerou uma onda de aposentadorias, antes incomuns na rede pública. José Domingues de Godoi Filho, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (Andes-SN), acredita que,
por isso, “os professores migraram para as universidades particulares, que têm mais recursos e pagam melhores salários”. De fato, a partir da década de 80, houve um crescimento do ensino superior privado, que hoje representa 75% do total de instituições de ensino. Para ocupar as vagas ociosas (aposentados e falecidos que não foram substituídos) nas universida-
des públicas, que chegam a 7.000 em todo o país, foram contratados professores com vínculos precários, sem os mesmos direitos dos antigos titulares. Em 2001, professores, estudantes e demais funcionários realizaram a mais longa greve das universidades federais. O movimento durou cerca de três meses, mobilizou 95% das instituições, mas só conseguiu um pequeno aumento salarial. FUNDAÇÕES Além do sucateamento, outro problema é o da proliferação das fundações de direito privado, sem fins lucrativos e isentas de impostos, criadas dentro das próprias universidades públicas. Instituídas na década de 60, para driblar a burocracia e agilizar a captação de recursos, com o passar dos anos, elas se tornaram um negócio muito proveitoso. O ano de 1998 foi um dos mais lucrativos para essas instituições na Universidade de São Paulo (USP). Juntas, as três fundações da Faculdade de Economia e Administração (FIA – administração, Fipecafi
Professores: corrida à aposentadoria Para escapar dos efeitos da reforma da Previdência, cerca de 7 mil professores de universidades públicas podem se aposentar, estima o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Super ior (Andes-SN). Para Américo Kerr, presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), a preocupação maior é com o futuro da categoria, já que as condições de trabalho na rede pública serão muito inferiores às da rede privada. “Antes, a aposentadoria era inte-
gral, mas, agora, com a depreciação do serviço público, haverá desencanto com a profissão”, afirma Kerr. Mas as contas do Ministério da Educação (MEC) são outras: apenas mil professores estariam dispostos a encerrar a carreira, e essas vagas seriam cobertas por outras 2 mil, a partir de setembro. Jorge Gregory, da Secretaria de Ensino Superior, diz que “o objetivo do MEC é recompor o quadro de professores nas universidades federais nestes quatro anos de governo, abrindo 8 mil vagas”.
Para tentar barrar a corrida às aposentadorias, o MEC pretende criar uma bolsa de R$3.000,00, exclusiva para professores em condição de se aposentar, que decidam permanecer em atividade. A perspectiva do governo é beneficiar 300 docentes, porém, os critérios ainda não foram definidos. Mas Américo Kerr considera o incentivo inadequado porque “desvia recursos para pessoas já assalariadas, ao invés de destiná-los a bolsas para estudantes de graduação e pós-graduação”.
– pesquisas contábeis, atuariais e financeiras, e Fipe – pesquisas econômicas) obtiveram, via convênios com empresas, R$ 134,52 milhões, o equivalente a 16% do orçamento total da USP, segundo informa a revista da Associação de Docentes da USP (Adusp). Para Américo Kerr, presidente da Adusp, “as fundações representam um mecanismo de privatização da universidade por dentro”, porque sua principal função é a complementação salarial de professores contratados sob regime de dedicação exclusiva, o que não é permitido. A seu ver, isso é conseqüência de sistemáticas perdas salariais, o que obriga o professor a buscar outras fontes de renda. PESQUISA As universidades públicas respondem por cerca de 80% de todas as pesquisas realizadas nos cursos de pós-graduação no Brasil. Durante o governo FHC, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal fonte de recursos públicos para pesquisas, cortou despesas. Resultado: apenas na USP, as bolsas de pesquisa diminuíram de 11 mil para 5.800, entre 1996 e 2001 – um corte de 47%. No ano passado, o governo federal chegou a cancelar todas as cotas de novas bolsas de mestrado e doutorado para quem não se titulou dentro do prazo, que, aliás, foi reduzido para quatro anos no doutorado, e dois no mestrado. Sofrendo com a falta de verbas, as universidades públicas foram buscar financiamento externo de empresas privadas. Com isso, a pesquisa foi direcionada para atender às prioridades dos patrocinadores que, muitas vezes, entram na universidade através das fundações.
QUESTÃO TRIBUTÁRIA
NACIONAL
Além de procurar manter a fatia dos impostos, o governo fala em mudanças limitadas da tributação, ameaça não fazer modificação alguma e, para ceder aos governadores, quer aumentar a carga; enquanto isso, a economia pára, renda cai e o desemprego aumenta
José Cruz/ABR
A reforma que não reforma quase nada Lauro Jardim, de São Paulo (SP)
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epois de muita confusão e indecisão, a reforma tributária pode sair bem mais magra do que se anunciava.Tudo por conta da disputa entre a União, governos estaduais e prefeituras por uma fatia maior no bolo de impostos, taxas e contribuições arrecadados. Enquanto o governo tenta preservar uma estrutura de impostos injusta e concentradora da renda, aumentam as desconfianças de que, para a equipe econômica, interessaria apenas centralizar a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e manter a alíquota de 0,38% da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), tornando este imposto definitivo. O governo também quer preservar a liberdade para gastar 20% do orçamento da União como bem entender. Para isso, pretende prorrogar a Desregulamentação de Recursos da União (DRU), que lhe permite desviar 20% recursos destinados à saúde, educação e a outros setores para pagar os juros da sua dívida. TUDO NA MESMA Como proposta de reforma, o projeto federal não reforma praticamente nada. Governadores e prefeitos querem rever a divisão dos impostos, o que fazia parte do receituário petista em outros tempos. Os Estados pedem a divisão da Contribuição de Intervenção em Domínio Econômico (Cide) e da CPMF. Os governadores conseguiram 25% da Cide, o que estará sujeito a um aumento da contribuição. Os recursos, algo como R$ 2 bilhões a R$ 2,5
■ Aos governadores, o ministro Palocci promete muito pouco bilhões, devem, obrigatoriamente, ser destinados à construção, conservação e manutenção de rodovias. Mas o governo central recusa-se a conversar sobre a CPMF, afirmando que a arrecadação tem destinação definida para a Previdência (26% da receita), Sistema Único de Saúde (53% dos recursos) e para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (21% do total). FEDERAÇÃO? A questão, no entanto, é que o governo federal passou a concentrar uma participação cada vez maior na receita dos impostos, por meio da criação de contribuições que não precisariam ser divididas com Estados e municípios.Agora, para abrir mão do poder de legislar sobre política tributária, os Estados querem compensações sob a forma de uma descentralização das receitas. A partir 1992, contrariando a Constituição de 1988, a participação da União na receita total de impos-
tos pulou de 58% para quase 64%. A fatia dos Estados retornou aos níveis de 1989, recuando para 23,6%. As prefeituras praticamente mantiveram sua participação, graças aos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), com perdas ligeiras para 12,8% ante 13,1% no ano passado. Dados do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam) mostram que a participação dos municípios já foi de 18% em 1989. Outro fato reforçou a campanha das prefeituras em favor da descentralização. Num reflexo da crise econômica e do fim de receitas extraordinárias recolhidas pela União em 2002 (como o Imposto de Renda pago pelos fundos de pensão, por exemplo), os repasses de recursos para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) desabaram de R$ 2,484 bilhões, em maio, para R$ 1,463 bilhão em julho. O FPM é constituído por 22,5% da arrecadação do
Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Brasil segue na contramão dos países mais desenvolvidos, o que ajuda a entender porque a concentração de renda se mantém em níveis elevados. Entre os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as nações mais ricas, o Imposto de Renda responde, na média, por 34% da arrecadação total, frente a apenas 21% no Brasil. Entre outros motivos, porque, no país, a alíquota máxima do IR se limita a 27,5%, diante de 45% no Chile, 40% em Barbados e na Espanha, e 57% nos Estados Unidos e na Suíça. Os impostos sobre bens e serviços têm uma participação de 31% entre os mais desenvolvidos, perante quase 50% no Brasil. Nos países ricos, os impostos sobre a propriedade de bens imóveis chegam a representar uma fatia de 9% das receitas totais e mais de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e se limitam, aqui, a 1,6% da arrecadação, e a menos de 0,5% do PIB. Para piorar, enquanto a carga tributária saiu de menos de 30% do PIB em 1994, para 35,9% no ano passado, no Brasil, os gastos com juros pularam de 25% para 40% das receitas. No mesmo período, a fatia da receita reservada aos gastos sociais recuou de 13% para 11%, agravando a concentração da renda. Além de morder firme uma parte cada vez maior dos produtos de consumo, os impostos indiretos (como o ICMS) castigam mais fortemente as faixas de renda mais baixa. Para as famílias com renda mensal disponível de até dois salários mínimos, a mordida dos impostos pesava 33,7%, diante de 26,5% em 1996.
PREFEITURAS PARAM Eis por que milhares de prefeituras decidiram protestar, no mês passado, cerrando as portas, ou reduzindo o expediente diário, a título de contenção de despesas. Estima-se que 4 mil prefeituras tenham aderido à redução de serviços, já que, segundo o Ibam, nada menos do que 74,8% dos municípios, ou 4.117 entre 5.507, têm no FPM sua principal fonte de receita. Na média do país, ainda conforme dados do Ibam, as receitas tributárias próprias, somados os impostos Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Sobre Serviços (ISS), respondem por 17,5% da arrecadação total das prefeituras, percentual que cai para 3,3% no Centro-Oeste. Entre janeiro e julho, para uma inflação acumulada na casa dos 15,4% nos 12 meses encerrados em julho, o dinheiro do FPM cresceu apenas 6% em relação aos primeiros sete meses do ano passado, o que indica uma queda real (ou seja, descontada a inflação) de quase 8%. Em 2003, os repasses somaram R$ 13,505 bilhões até julho, diante de R$ 12,743 bilhões entre janeiro e julho de 2002. Dia 10 de setembro, os prefeitos prometem marchar sobre Brasília. DISTORÇÕES Disputas à parte, o projeto do governo não pretende corrigir as distorções, a maior delas a que concentra a cobrança de impostos sobre o consumo, preservando o patrimônio de pessoas e empresas. Nisso, o
CONJUNTURA
LADEIRA ABAIXO O que esperar de uma economia que vem alargando o seu exército de desempregados e não consegue sequer repor o poder de compra dos salários e rendimentos? Ao que indicam os dados, as condições para a retomada do crescimento ainda não “estão dadas”, como passaram a afirmar alguns dos principais auxiliares do presidente Lula. Até o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reconheceu que a economia está “tecnicamente” em recessão.
■ Brasil hoje: enquanto o crescimento não vem, a miséria aumenta A crise, na verdade, não parou de produzir indicadores negativos.A indústria e o comércio regrediram. No sétimo mês consecutivo de baixa, as vendas do comércio caíram 5,4% em junho, diante de igual mês de 2002. No semestre, o varejo vendeu 5,6% a menos, o pior desempenho nos cinco semestres que compõem a série de dados da Pesquisa Mensal do Comércio, realizada pelo IBGE. CORTE DE GASTOS Desta vez, nenhum segmento escapou da retração, segundo o IBGE, cuja pesquisa mostra que o brasileiro cortou gastos com roupas, calçados, eletrodomésticos, veículos, bebidas e até com alimentos. Os su-
permercados lideram as quedas em junho, com perdas ao redor de 8%. A redução das vendas de alimentos, bebidas e fumo chegou a 6,6% no primeiro semestre, comparadas a um período (os primeiros seis meses de 2002) em que haviam baixado 0,9%. Os consumidores de renda mais baixa, segundo o IBGE, têm sido os mais afetados: são os produtos de consumo popular que passam a indicar as maiores retração. Nesse cenário, a indústria encolhe cada vez mais. Conforme o Iedi, mantidas as condições atuais, “não há sinais de retomada nos próximos meses”. Ao contrário, o que se vê é um aprofundamento da recessão. A produção industrial, que recuou
2,6% entre maio e junho, ficou 2,1% abaixo dos níveis de junho do ano passado. E, pela terceira vez consecutiva neste ano, foram registradas baixas para todos os setores da indústria, com destaque negativo para a produção de máquinas e equipamentos (bens de produção), que despencou 6,4% diante de junho de 2002. MENOS INVESTIMENTOS A queda nos bens de produção significa que, as empresas reduzem investimentos em novas indústrias, e na ampliação de suas fábricas, diminuindo as chances de retomada do crescimento. Porque não haverá para quem vender. Segundo o Iedi, em vários seto-
res a produção recua aos níveis de 1991. Na indústria do vestuário, a produção atual é 36% menor do que há 12 anos. A fabricação de eletroeletrônicos, remédios, cimento e material plástico retornaram aos níveis do começo da década de 90. No caso dos eletroeletrônicos (tevês, aparelhos de som e imagem em geral), no primeiro semestre, a produção foi apenas 2,3% maior do que nos primeiros seis meses de 1991, em plena crise do governo Collor. PERDAS DE RECEITA Inevitavelmente, a arrecadação de impostos é afetada pelo mau desempenho da economia. Em julho, a receita de impostos caiu 4,8% frente a julho de 2002. Em alguns casos, como o do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a queda superou os 20%, enquanto a arrecadação da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL), cobrada às empresas, caiu 30%. Para complicar ainda mais, a perspectiva de crescimento das vendas volta a ser bombardeada pelo avanço da inadimplência (calote). O total de cheques devolvidos por falta de fundos, em julho, saltou 21,7% em relação ao mesmo mês do ano passado, pulando de 13,8 para 16,8 cheques sem fundos em cada lote de mil documentos compensados pelo sistema bancário. Foi o segundo maior índice desde 1991, conforme a Serasa (Centralização de Serviços Bancários). Entre janeiro e julho, a média de cheques sem fundos chegou a 15,9 em mil compensados, num aumento de 10,4% diante dos mesmos sete meses de 2002, e o mais alto desde 1991. (LJ)
BRASIL DE FATO De 21 a 27 de agosto de 2003
O rendimento médio do brasileiro, o que inclui desde salários pagos, às retiradas mensais feitas pelos donos de empresas, voltou a cair no primeiro semestre. O tombo foi de 9,7% em relação aos primeiros seis meses de 2002, quando aquele rendimento já tinha recuado 4,3% frente ao mesmo período de 2001. Na verdade, aponta o Instituto de Estudos para Desenvolvimento Industrial (Iedi), os rendimentos vêm murchando desde o primeiro semestre de 1999. Na mesma linha, o total de rendimentos recebidos pelas pessoas ocupadas, que atingiu, em junho, cerca de R$ 16 bilhões, emagreceu 4,4% na comparação entre o primeiro semestre de 2003 e idêntico período do ano passado. Sendo que a massa de rendimentos tinha diminuído 2,6% no primeiro semestre de 2002. A queda reflete, além da redução do ganho médio das pessoas ainda ocupadas, o avanço do desemprego, que bateu nos 13% em junho, diante de 11,9% no mesmo mês de 2002.
Adrovando Claro
Economia em recessão. Só desemprego cresce
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NACIONAL
O STF anulou o que seria a maior desapropriação já realizada no RS; a relatora substituta da CPI do Banestado considerou que houve omissão do BC no controle das contas CC-5; em SC, estão sendo investigandos desaparecimentos de processos de benefícios do INSS
REFORMA AGRÁRIA
Leonardo Melgarejo
Supremo impede desapropriação de latifúndio na cidade de São Gabriel Claudia Jardim, da Redação, e Miguel Stedile, de Porto Alegre (RS)
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em a lei garante a reforma agrária. O primeiro decreto de desapropriação de terras assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dia 14, com a suspensão da desapropriação dos 13,2 mil hectares do complexo Southall, em São Gabriel (RS). Para os oito ministros que votaram contra a decisão do presidente, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) teria desrespeitado a exigência de notificação prévia para realizar a vistor ia que apontou a improdutividade do imóvel. Os trabalhadores sem-terra acompanharam o julgamento por rádios de pilha e pela transmissão de um caminhão de som, à beira da rodovia BR 290, em Santa Margarida do Sul. Dia 12, a marcha de 800 trabalhadores rurais que seguia para São Gabriel foi proibida pelo juiz Loraci Flores da Silva, da 2º Vara de Santa Maria. O impedimento do direito constitucional de ir e vir transformou a marcha em um “presídio a céu aberto”, nas palavras dos lavradores.A marcha a São Gabriel foi idealizada para exigir que o governo federal anulasse a suspensão da desapropriação, ordenada pela ministra do STF, Ellen Gracie, no final de maio. A ministra aceitou o pedido do proprietário do latifúndio. VISTORIA ZERO O episódio é resultado do movimento “Vistoria Zero”, criado em 1998 pelos proprietários do Rio Grande do Sul, com o objetivo de impedir o Incra de fazer inspeções nos imóveis. No caso a
■ Sem-terra ocupam área cedida pelo agricultor Antonio Pinto fazenda Southall, o procurador regional do Incra no Rio Grande do Sul, Flávio Santana, denuncia que o proprietário também participou do bloqueio na entrada da propriedade, junto com a Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e com fazendeiros de outras regiões. “Alfredo Southall estava lá e abusou do direito de defesa da propriedade ao impedir a inspeção. O Supremo não poderia premiá-lo com a suspensão do decreto”, analisa Santana. Para realizar a vistoria, o Incra entrou com pedido na Justiça e foi autorizado a exercer o poder de polícia, en-
trando na propriedade sem comunicação prévia. Como a lei Agrária (8.629/93, § 5º ) diz que “no caso de fiscalização decorrente do exercício de poder de polícia, será dispensada a comunicação” ao proprietário, a argumentação do Supremo torna-se infundada.“O STF pisou em cima da lei da qual deveria ser guardião. A ação sinalizou, para aqueles que lutam pela reforma agrária, que o caminho da lei é o caminho da frustração”, afirma o deputado estadual Frei Sérgio Görgen. A área em disputa é constituída por cinco fazendas, com capacida-
de para assentar cerca de 600 famílias. Ao final do julgamento, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que a decisão do STF não impede que o decreto de desapropriação das fazendas seja refeito. No entanto, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, já sinalizou que não pretende retomar o processo a curto prazo — e, mesmo que o fizesse, uma nova vistoria levaria entre seis meses a um ano. Enquanto isso, as famílias continuam à espera. Apesar da decepção com a decisão do STF, a determinação dos trabalhadores em chegar a São Gabriel não foi abalada. “Não é a primeira vez que enfrentamos a violência do latifúndio e a insenbilidade do Judiciário. Foi assim em regiões que hoje estão tomadas de assentamentos, como Bagé e Livramento”, afirmou Nina Tonin, da Coordenação Estadual do MST. O deputado federal Adão Pretto (PT/RS), indignado, disse que “o governo não vai conseguir fazer a reforma agrária enquanto o Judiciário continuar interpretando a lei em favor dos latifundiários”. Para ele, a desapropriação do complexo Southall representaria um importante avanço na redistribuição de terras no país.“A reforma agrária não é importante só para os sem-terra, mas para toda a sociedade. É a melhor maneira de gerar empregos e acabar com os problemas sociais na cidade e no campo. Porém, o Supremo preferiu dar as costas ao povo para beneficiar um único proprietário”, avalia o deputado. “O STF deveria ter consciência e não colocar a idéia conservadora de sacralidade da propriedade acima de tudo e de todos”, acrescenta o procurador do Incra.
CASO BANESTADO
Proprietário rural acolhe sem-terra O desfecho da marcha a São Gabriel foi favorecido por Antônio Carlos Pinto, proprietário rural que cedeu uma área de seis hectares, a três quilômetros da entrada de São Gabriel, para os trabalhadores acamparem. Dia 16, o juiz Loraci Flores voltou atrás em sua decisão e permitiu que os sem-terra se deslocassem de ônibus, até o município, onde foram recepcionados por um ato com 7 mil pessoas convocadas pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Esperamos que decisões como essa do STF, que emperram a reforma agrária, não se repitam”, declarou o presidente nacional da CUT, Luiz Marinho. Ao final do ato, Marinho e o presidente estadual da Central, Quintino Severo, assumiram o compromisso de apoiar a luta pela reforma agrária em conjunto com os trabalhadores rurais. Mesmo com a vitória no STF, a chegada pacífica dos lavradores e o apoio da população local, os latifundiários continuaram a praticar atos de violência. No retorno a Porto Alegre, um ônibus de estudantes que participaram da manifestação foi apredejado e uma estudante ficou ferida. Após o incidente, o acampamento em São Gabriel será reforçado por sem-terra acampados em Capão do Leão e em Livramento, que deverão se transferir para o local.
ESCÂNDALO
Para relatora da CPI, houve omissão do Banco Central e Tereza Grossi não convenceu
Fraudes do INSS em SC
Elza Fiúza/ABr
Leonardo Franklin, de Curitiba (PR)
BRASIL DE FATO De 21 a 27 de agosto de 2003
Da Redação
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A deputada Irini Lopes (PTES), relatora substituta da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Banestado na reunião do dia 19, considera que houve omissão do Banco Central (BC) no controle das operações financeiras das instituições que operavam com contas CC-5 na região de Foz do Iguaçu (PR), permitindo a lavagem de dinheiro e a evasão de bilhões de dólares do país. Ao final da reunião da CPI na qual foi ouvida a ex-diretora de Fiscalização do BC, Tereza Grossi, Irini declarou que a depoente não a convenceu com as respostas dadas a seus questionamentos. ”Não estávamos interessados em saber a época em que ocorreram inspeções e onde estava cada um dos servidores do Banco Central, mas queríamos uma noção de conjunto da instituição”, disse a relatora. Com esse raciocínio, o senador Jefferson Péres (PDT-AM) pediu a opinião pessoal da ex-diretora do BC sobre uma possível falha da instituição na concessão e no contro-
■ A ex-diretora de fiscalização do Banco Central, Tereza Grossi, presta depoimento na CPI do Banestado le das autorizações especiais a cinco agências bancárias de Foz do Iguaçu que deram margem “à hemorragia de remessas por contas CC-5, configuradas como operações ilícitas e que levaram tempo para ser apuradas no BC”. Para Tereza Grossi, porém, o BC, dentro de suas competências, agiu bem.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) lembrou que a CPI do Sistema Financeiro concluiu que houve responsabilidade de Tereza Grossi no prejuízo causado pelas operações de socorro aos bancos Marka e FonteCindam, o que levou o então procurador-geral da República, Geraldo
Brindeiro, a oferecer denúncia, aceita pela Justiça, contra a ex-diretora. Para o senador, o Banco Central demonstra desprezo e deboche pelas outras instituições, o que pode ser atestado pela demora no atendimento às solicitações de informações.As declarações de diretores do Banco Central e da Receita Federal, que não assumem a competência sobre a fiscalização dos carrosfortes que cruzavam a fronteira com o Paraguai, segundo Simon, viraram motivo de “piada nacional”. A senadora Ideli Salvatti (PTSC) quis saber de Tereza Grossi qual foi a sua participação na elaboração de correspondência enviada pelo ex-diretor de Fiscalização do Banco Central Carlos Mauch à direção do Banestado acerca das ir regular idades na agência do banco em Nova York, em que o esquema envolvendo contas CC-5 já fora detalhado. A ex-diretora disse que não se lembra dos termos da carta, nem se Mauch usou na carta informações colhidas por ela em uma das inspeções realizadas pelo Banco Central em Nova York.
Uma força-tarefa entre o Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) está investigando o desaparecimento de processos de benefícios já concedidos em todo o Estado de Santa Catarina. Há indícios de um grande esquema de desvio de dinheiro. Somente em Florianópolis, cidade de 350 mil habitantes, são 150 mil benefícios. De acordo com o procurador CelsoTres, cerca de cem mil dos processos que justificariam os benefícios desapareceram, certamente com a conivência de funcionários do INSS. Tres calcula que, se 70% dos processos foram fraudados, a um salário mínimo por benefício,seriam R$ 16,8 milhões mensais, ou, R$ 201,6 milhões ao ano, somente em Florianópolis. Em julho, o governo federal divulgou os resultados de um trabalho semelhante realizado no Rio. Lá, o INSS pagou, de 1963 até 2001, 82.563 pensões por morte em nome de pessoas que, no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), estar iam vivas, com vínculos empregatícios ativos e recebendo remunerações mensais.
ENTREVISTA
NACIONAL
Contra os transgênicos e simpatizante dos sem-terra, o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), conta que cancelou contratos com transnacionais e diz que o governo de Lula vai melhorar o país porque “pior do que o governo Fernando Henrique Cardoso é impossível”.
Dimitri do Valle, de Curitiba (PR)
O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), cancelou R$ 200 milhões em contratos na área de informática. Questiona o preço do pedágio cobrado em rodovias federais que cortam o Estado e acordos feitos entre a Companhia Paranaense de Energia (Copel) e transnacionais para a compra de energia. Se fossem mantidos, segundo ele, poderiam decretar a falência da estatal até outubro. “Eu não me elegi para bancar transnacionais em contratos rigorosamente ilegais”, justifica. As medidas visam sanear o caixa do Estado e garantir a realização de seu plano de governo, que conta com muitas medidas na área social, como a distribuição diária de um litro de leite para cada criança pobre do Paraná e a anistia do ICMS para pequenas empresas. Como um dos interlocutores mais próximos do governo Lula, Requião pede ao presidente para definir a estratégia de diálogo com o Congresso que, na opinião dele, é “ruim, igual a do Fernando Henrique Cardoso”. Contudo, diz que o governo tem condições de fazer uma administração melhor que a de FHC.“Pior que o do FHC é impossível. Só mesmo o Fernando Henrique outra vez para se superar”, afirmou nesta entrevista ao Brasil de Fato, quando se posicionou contra a liberação dos transgênicos e elogiou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), classificado como “uma benção de Deus para o Brasil”, por organizar e representar, com legitimidade, os pleitos das camadas mais carentes da sociedade. Brasil de Fato - Qual era a situação do Paraná quando o senhor assumiu o governo? Roberto Requião - Literalmente quebrado e desmontado. Estava reduzido a nada. Todas as atividades públicas terceirizadas. Um verdadeiro festival de organizações sociais e ONGs recebendo dinheiro público para prestar ações que seriam obrigação do Estado. Superfaturamento em tudo. Eu, inicialmente, eliminei cerca de R$ 200 milhões em contratos na área de informática. Eram ilegais. Utilizaram essas organizações sociais para justificar a inexistência da licitação pública. Eram contratos caríssimos e desnecessários. BF - É possível reverter essa situação? Requião - Recuperar prejuízo é muito difícil no Brasil. Quando fui relator da CPI dos Títulos Públicos, levantamos toda a brutal desonestidade na depreciação dos títulos, na “cadeia da felicidade”, que beneficiou grandes bancos. Até hoje, nada ocorreu na Justiça. Pior do que isso: o governo Fernando Henrique, no plenário do Senado, legalizou os títulos, a pretexto de que a anulação deles provocaria um desastre na estrutura bancária do Brasil. Agora, o que eu posso fazer é reorganizar o Estado. Decretei uma moratória (de 90 de dias, que durou de janeiro ao final de março), enxugando o Estado, reduzindo preços e custos, hierarquizando prioridades para não haver dispersão de recursos públicos. BF - Quais as prioridades para essa administração? Requião - Qualquer administração no Brasil hoje é a geração de emprego. Nós temos investido pesadamente nisso. Eu liberei qualquer microempresa de qualquer tipo de imposto, reduzi para 2%, para empresas que faturam de R$ 15 mil a R$ 40 mil, para 3% de R$ 40 mil a R$ 100 mil e para 4% de R$ 100 mil a R$ 125 mil. Eu estou dando quatro anos de dilação para o início do pagamento do ICMS, sem juro, apenas com correção monetária, para todos os investimentos industriais nas regiões deprimidas do Estado. 73% dos municípios do Paraná tem IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) abaixo da média nacional; 30% da população habita esses municípios. Estou dando dois anos para iniciar o pagamento do ICMS da energia elétrica nessas regiões deprimidas. E o Paraná não incorporou o aumento de 25% estabelecido pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Por quê? Porque a inadimplência estava muito grande. O aumento do preço iria aumentar a inadimplência. Então, nós estamos usando um artifício: o aumento vai na conta. Quem pagar em dia ganha um desconto no valor do aumento e desta forma nós temos a energia mais barata do Brasil. BF - O senhor está revendo contratos na Copel, na Ferroeste (estrada de ferro privatizada em 1997), na Companhia de Abastecimento de Água do Estado, nas montadoras e no pedágio. Como recebeu as críticas por isso? Requião - Ou não sabem o que estão dizendo ou estão tentando defen-
der as ilegalidades praticadas no Paraná. Eu estou estabelecendo o equilíbrio econômico-financeiro da Copel. Nos obrigaram a comprar energia que não precisamos, por preços absolutamente incríveis em relação aos praticados no mercado. Enquanto a Copel que é superavitária em energia e vende no mercado de São Paulo a R$ 5,00 o megawatt, nós estávamos comprando a R$ 42,00 da UEG (usina termelétrica de Araucária, da companhia estadunidense El Paso) e a R$ 28,00 da Cien (companhia Argentina). Teríamos que vender essa energia, se houvesses linha de transmissão, mas nem isso há. Se eu não tivesse tomado essas providências, a Copel teria deixado de pagar a folha em março e estaria falida em outubro. Eu não me elegi para bancar transnacionais em contratos rigorosamente ilegais. A diretoria da Copel já teve a prisão decretada, está toda com os bens indisponíveis. Quem não está na cadeia é porque se beneficia de foro privilegiado. Estou me apoiando na súmula 473 do Supremo Tribunal Federal (STF), que me obriga a anular contratos feitos contra a lei e contra o interesse do Estado.
BF - O senhor trava uma batalha jurídica contra as concessionárias que exploram o pedágio. Quando essa situação terá fim? Requião - Eu tenho que resolver esse problema, que é um problema do Paraná e do Brasil. A solução do Paraná vai influenciar o pedágio nacional. Não tem prazo algum. Eu tenho dificuldades com sentenças judiciais. Por exemplo, esta última quando foi decretada a nulidade de um grupo de auditoria porque determinou o juiz que a auditoria teria que ser feita pelo Departamento de Estradas de Rodagens (DER). Como se eu, como governador, não pudesse assumir a função da Secretaria de Transportes ou de qualquer outra secretaria. Uma sentença que veio atrapalhar o processo, mas nós estamos fugindo das confusões judiciais. Ao invés de contestar a medida judicial, eu determinei que o DER faça a auditoria. Por decreto, estou colocando à disposição do departamento os auditores do Estado do Paraná de todas as secretarias. Assim vou cumprir a minha obrigação de realizar a auditoria para baixar o preço ou encampar as empresas. O que eu não posso admitir é que o Paraná continue pagando esses absurdos de contratos absolutamente ilegais. BF – E em relação à Sanepar e à Ferroeste? Requião - Na Sanepar, eu decretei a nulidade do pacto de acionistas, que dava o controle da empresa para um grupo francês que tinha 32% das ações (o Vivendi). Isso é uma verdadeira loucura. Assumi o controle da Sanepar, demiti os diretores que não estavam vinculados ao Estado, anulei a pré-qualificação feita pelo governo anterior, que entregava na mão de meia dúzia de empresas cuidadosamente selecionadas, para administrarem uma quantia acima de R$ 1 bilhão em obras. A Sanepar foi desmontada pelo governo anterior. A Sanepar prestava serviços para o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Bird (Banco Mundial), para o
mundo inteiro, inclusive para o Japão. O governo anterior montou um esquema de obras em que a Sanepar não tem nem o gerenciamento das obras, não faz um projeto e nem julga a possibilidade de um aditivo contratual que fica a cargo da empresa privada também. Não pudemos aceitar isso e estamos fazendo a empresa navegar com a qualidade dos seus funcionários, no leito do rio da seriedade que era por onde ela navegava antes do governo anterior assumir. Já com a Ferroeste, houve um contrato por 30 anos, foi uma estrada que eu construí, custou US$ 340 milhões. O governo anterior fez um novo contrato, que teve três anos de carência, permitindo à empresa vencedora, a Ferropar, pagar R$ 21 milhões em 30 anos, pela posse e concessão da estrada. Veja bem, eu falei que o custo foi de 340 milhões de dólares e falo em 21 milhões de reais agora; e mesmo esse pagamento trimestral, através de um aditivo, foi dilatado de três anos para sete anos de carência . A Ferropar em seis anos, investiu R$ 6 milhões. Nós vamos tomar providências quanto a isso.
BF - O senhor recomendaria ao presidente Lula adotar essas mesmas decisões que o senhor vem adotando no Paraná? Requião - O presidente Lula tem um acordo para fazer com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em outubro. Precisa ser um acordo de maior fôlego. O presidente Lula tem a possibilidade de ser seriamente prejudicado pela influência do mercado, das grandes empresas, do grande capital. Eu, no lugar do Lula, seria mais moderado do que sou no Paraná, mesmo sabendo que estava engolindo algumas falcatruas, em função da política global do país. Mas acho que essas coisas têm de ser revistas. Por exemplo, eu acho que dar continuidade aos contratos de pedágio do governo anterior, do Fernando Henrique, na modalidade contratada, de fazer novos contratos com a mesma préqualificação que entrega as rodovias do Brasil a seis grupos empresariais, desqualificaria o governo do presidente Lula. Eu espero que ele não faça isso. Que ele não admita que isso ocorra. BF - O governo Lula tem condições de ser melhor que o governo FHC? Requião - O Lula tem condições de fazer um governo excepcional. Pior que o do FHC é impossível. Só mesmo o Fernando Henrique outra vez para se superar. Eu tenho confiança no Lula, mas acho que em alguns setores a assessoria do Lula se amedronta um pouco mais do que devia. Mas eu não faço reparos ao presidente, não faço reparos à política econômica até agora porque o Lula, no sentido contrário, se transformaria num [Hugo] Chávez (presidente da Venezuela), criticado, batido pela imprensa toda. Você veja, por exemplo, quem votou contra a reforma da previdência: a extrema direita do Paraná. Não tem nenhum sentido, é a oposição pela oposição cega e doida. Agora, eu acho que o relacionamento do governo com o Congresso é ruim, é igual a do Fernando Henrique. BF - O que precisa mudar? Requião - Precisa mudar tudo. Não
era preciso entrar no jogo de troca de favores, das nomeações. Deputado não é eleito para nomear ninguém, é para legislar e fiscalizar o Estado. É o que acontece aqui no Paraná, nenhum deputado indica cargos, mas eles têm a máquina do Estado absolutamente aberta para que eles vejam o que está ocorrendo, façam a crítica, denúncias. Eu estabeleci por decreto que o Estado é obrigado a fornecer aos deputados em cinco dias úteis qualquer informação que qualquer deputado queira, da situação ou da oposição.
BF - Qual a sua avaliação sobre a reforma agrária no país e o contexto em que o Paraná está inserido nesse tema? (O Estado é o segundo do país - perde só para Pernambuco - em número de sem-terra: 15 mil). Requião - Não se trata mais de reforma agrária. Se trata de luta contra a carestia, o desemprego. Ao contrário do que acontece no mundo, onde há uma tendência irreversível de êxodo rural, no Brasil está havendo uma volta ao primitivismo. Nós estamos tendo um êxodo ao contrário: governos que se sucederam com uma política neoliberal não criaram emprego e nem trouxeram desenvolvimento para o país. Viveram a ilusão da automação, da robotização e do capital estrangeiro, conforme a teoria da dependência do Fernando Henrique e do Enzo Falletto, que pregavam a dependência como instrumento de desenvolvimento econômico. A falta de geração de emprego faz com que o Brasil tenha hoje, o Paraná não está fora do Brasil, um movimento contrário ao movimento no mundo. As pessoas se iludem com a possibilidade de uma regressão primitiva ao campo e com a ilusão de viverem com dignidade com três alqueires de terra e uma vaca, um cavalo, um arado de tração animal e meia dúzia de galinhas. É evidente que isso não pode ocorrer. Nós temos que gerar emprego acima de tudo. Reforma agrária é importante, mas ela não tem as dimensões que se dá na mídia. A pressão é a pressão da luta contra a carestia, como ocorreu em São Paulo, há vinte anos atrás. Eu estou trabalhando para enfrentar o problema pela raiz, gerando emprego, com as dilações de prazo, todos os programas de redução de impostos. Trabalhamos também nos efeitos, com programas compensatórios, como a distribuição de um litro de leite para cada criança pobre no Estado. Ao mesmo tempo, estamos organizando a agricultura familiar. Não estamos comprando leite de grandes usinas. Estamos organizando a produção do pequeno produtor. BF - Qual o papel dos movimentos sociais nessa conjuntura? Requião - O papel dos movimentos sociais é formidável, é o papel da denúncia. Eu tenho dito, para o horror do pessoal conservador, que o MST é uma benção de Deus ao Brasil. Porque ele organiza os movimentos e estabelece a possibilidade de termos interlocutor. Não fosse assim nós teríamos grupos selvagens, sem direção e experiência, assaltando caminhões em estradas, armazéns no interior. Isso não significa que o MST esteja sempre correto, não tenha de ser
Quem é Formado em Jornalismo e Direito, com especialização em Planejamento Urbano, Roberto Requião de Mello e Silva foi deputado estadual (1982 - 1985), prefeito de Curitiba (1985 - 1989), governador (1990 - 1994) e senador (1995 - 2002). Voltou ao Palácio Iguaçu na eleição passada. O governador é filho de Wallace de Mello e Silva, prefeito de Curitiba nos anos 50.O avô,WallaceThadeu de Melo e Silva, foi presidente da câmara de vereadores de Curitiba; o bisavô, Justiniano de Melo e Silva, nascido em Divina Pastora, no Sergipe, migrou para o Paraná na época do império, quando foi secretário da Educação e da Saúde da então província. Socialista, Justiniano fundou o primeiro partido operário do Brasil, em 1890, no Paraná.
em determinados momentos reprimido, que a gente não tenha de garantir as propriedades produtivas com energia. Mas o MST, de certa forma, organiza o protesto do movimento social que, sem esse tipo de organização e ideologização, se transformaria num movimento de saque indiscriminado, imediato dos desesperados e famintos. Eu acho o MST bom e eu sou um interlocutor do MST. Estamos mediando isso no Paraná. Tivemos 26 invasões, fizemos 13 reintegrações. Eu só vejo na mídia nacional as invasões, não vejo nenhuma notícia sobre as reintegrações absolutamente pacíficas e negociadas, sem nenhuma morte, nenhum acidente.
BF - Qual é a sua posição sobre os transgênicos e a polêmica sobre a sua liberação ou não no mercado brasileiro? Requião - Se você fosse diabético, não me perguntava isso. A insulina é transgênica. O problema dos transgênicos é a possibilidade de provocar um grande acidente, pode causar a morte de milhões de pessoas, de uma hora para outra, novas doenças, mas o problema fundamental é o monopólio dos grupos. Nós ficaríamos na mão de dois ou três grupos internacionais. Num primeiro momento até venderiam a semente mais barata, que é o caso da Monsanto, e num segundo momento escravizariam os mercados. Não há nenhum benefício no Brasil em comprar a semente transgênica da Monsanto para depois utilizar a Roundup Ready, que é um mata-mata, que força que a produção caia 20% para diminuir o custo da capina e alguns cuidados. É um mau negócio pro Brasil o mercado dos transgênicos. Você viu outro dia que a revista Istoé denunciou que eles facilitaram o contrabando de sementes transgênicas para o Brasil e depois queriam cobrar royalties dos produtores brasileiros e dos compradores externos, quando na verdade os royalties se esgotariam na compra das sementes. Nós temos de tormar muito cuidado com esses monopólios. O Paraná é um Estado livre de transgênicos. O porto de Paranguá não embarca transgênicos. O governo vai apoiar uma lei na Assembléia Legislativa para eliminação definitiva dos transgênicos. O Paraná é um Estado limpo de transgênicos. BF - O governo federal tem essa mesma clareza em relação aos transgênicos? Requião - Não sei. A Marina Silva (ministra do Meio-Ambiente) é absolutamente contra os transgênicos. Mas não sei. No governo federal nós temos lá os Paloccis da vida que perguntam: mas plantaram já? O que fazemos com o que foi plantado? Se tivesse na minha mão eu queimava. Se é proibido, ninguém poderia ter plantado. Eles prejudicam o país. O mercado de não-transgênicos é um nicho no mercado de grãos do mundo e o Paraná vai ter 20% a mais de preço num prazo curto pelo fato de garantir a qualidade do Paraná nos seus grãos. Inclusive estamos fazendo um pacto com algumas seguradoras que vão trabalhar conosco na classificação dos grãos e na pesagem. Quem comprar um grão exportado pelo Paraná vai ter a garantia das seguradoras da qualidade e do peso.
BRASIL DE FATO De 21 a 27 de agosto de 2003
Ricardo Stuckert/ABR
“Não fui eleito para bancar as transnacionais em contratos ilegais”
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NACIONAL
A violência no Rio de Janeiro vai muito além da ação dos criminosos: a polícia comete desmandos contra vendedores ambulantes e a sociedade civil se organiza em milícias que rendem assaltantes, dão voz de prisão a menores e destroem drogas encontradas pelas ruas
VIOLÊNCIA URBANA
Samuel Tosta
Camelôs se organizam contra a violência Nestor Cozetti, do Rio de Janeiro (RJ)
“A
cidade do Rio de Janeiro assiste estarrecida, todos os dias, à Guarda Municipal agredir trabalhadores, violentar física e moralmente os direitos dos cidadãos”. Essa denúncia foi feita na Carta à População, assinada pelo Sindicato dos Trabalhadores Informais (Sintran). Em entrevista ao Brasil de Fato, o cearense Djacir Alves de Lima, presidente do Sintran, fala dos abusos cometidos contra os ambulantes. Lima também é líder dos Movimentos Unidos dos Comerciantes Ambulantes, apoiados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). Brasil de Fato – A luta dos camelôs tem legitimidade? Djacir Alves de Lima – Sim, porque a profissão de camelô está na Lei Federal nº 6586, de novembro de 1978. Para fins trabalhistas e previdenciários, somos classificados como autônomos. No Rio de Janeiro, também existe a Lei Municipal nº 1876/92, considerando comerciante ambulante todos os que exercem pequenas atividades comerciais, ou de porta em porta, por conta própria. Mas o trabalhador das ruas está desorganizado, precisa garantir seu espaço de atividade. BF – Por que a Guarda Municipal ataca tanto vocês? Lima – Eles dizem que é por causa das mercadorias piratas.
■ Violência P OLÍCIA MATA BRASIL
■ Ação policial contra camelô que trabalhava na Rua São José, no Castelo, Rio de Janeiro Nós sugerimos que se organizem barracas padronizadas e, mantendo a ordem, a limpeza e a disciplina, não haveria mais a venda da produção pirateada. Enquanto não houver emprego para todos, penso que a pirataria continuará.
uma empresa de vigilantes, mas tem lá um dispositivo que diz que pode atuar como guarda municipal. É desvio de função. O prefeito César Maia age ilegalmente manipulando a opinião pública e reprimindo o camelô, que é tratado como bandido.
Mas a polícia não quer saber se o produto é pirata e prende até quem vende balas e biscoito nacionais. Batem e prendem sem dar auto de apreensão, pois só os fiscais é que têm o direito de apreender. Além disso, a Guarda Municipal é terceirizada, está registrada como
BF – Como os ambulantes se organizaram em torno do Sintran? Lima – Começou com uma iniciativa minha, a que se juntaram outros, há três anos, com a intenção de fundar o sindicato. E tem dado resultado: a Guarda Municipal já
recuou muito em função das nossas mobilizações. Recuou, mas continua truculenta. Nós queremos que eles façam seu trabalho constitucional, que é cuidar do patrimônio público. O trabalho informal é produto da exclusão social. O sindicato jamais vai defender a pirataria, mas o que existe hoje é a fome do trabalhador, é a falta de comida. É questão política e não de polícia. O trabalho informal é a maior expressão da luta contra o desemprego.
* Colaborou Luis Patrola, da coordenação estadual do MST
Divulgação
Milícia internacional atua como polícia
BRASIL DE FATO De 21 a 27 de agosto de 2003
Rodrigo Brandão, do Rio de Janeiro (RJ)
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Eles são apenas vinte - oito adultos e doze crianças e adolescentes menores de 18 anos. Atendem pelo nome de “Guardian Angels” (do inglês “anjos da guarda”), uma organização não governamental transnacional surgida nos Estados Unidos há mais de duas décadas, e se consideram “um modelo positivo para os outros”. Nas ruas do Rio de Janeiro, o grupo forma pequenas milícias sem armas, para combater o crime. Na zona Sul, onde vivem os cariocas mais endinheirados, os “anjos da guarda” rendem assaltantes, destroem drogas em poder de viciados, interpelam e dão voz de prisão a grafiteiros. “Preocupo-me quando civis resolvem fazer justiça. Isso é obrigação da polícia”, disse o músico Marcelo Yuka ao portal da Internet Viva Favela que, há cerca de um mês, publicou reportagem sobre incidentes envolvendo os Angels e grafiteiros em frente ao Jockey Club, no bairro da Gávea. Na noite do dia 18 de julho, os rappers Emerson Facão e Alexandre Tigrão e o grafiteiro Carlos Esquivel pintavam caricaturas no muro do Jockey, quando foram abordados pelos “Guardian Angels”. Os rappers e o grafiteiro foram chamados de vândalos e tiveram as latas de tinta apreendidas. Levados por guardas municipais a uma delegacia, foram autuados por crime ambiental. Os guardas chegaram ao local após serem chamados pelos “Angels”. Fundada em Nova York, em 1979, e hoje espalhada por 67 cidades dos Estados Unidos e por núcleos no Canadá, México, Japão, Itália e Inglaterra, além do Brasil, a “Guardian Angels” é comandada no
■ “Anjos“ patrulham o calçadão de Copacabana, no Rio de Janeiro Rio de Janeiro pelo casal Auta e Henrique Maia. Ela, uma vendedora e estudante de direito, de cerca de 35 anos, 1,85m de altura e especialista em jiu-jitsu. Ele, guarda municipal de 43 anos e mais de 1,90m, que há vinte anos fundou os “Anjos da Guarda” - só a partir de fevereiro deste ano o grupo passou a fazer parte da ONG estadunidense “Guardian Angels”. Como a maioria dos integrantes da filial brasileira, Henrique também estuda direito. “Nós nos baseamos no artigo 301 do Código de Processos Penais, que permite a qualquer cidadão prender infratores em flagrante delito”, diz Henrique, que se vangloria de ter sido responsável por cerca de mil prisões nos últimos vinte anos. Para a jurista Celeuta Ramalho, delegada da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os “Angels” violam pelo menos três artigos (o 1º, o 3º e o 5º) da Constituição de 1988, que tratam de cidadania e direitos humanos. “Há também um caso de ingerência internacional em um assunto de competência do Estado
brasileiro”, alega Celeuta. Procurado por nossa reportagem, o Ministério Público Estadual informou, por meio de sua assessoria, que só se pronunciaria sobre o caso se houvesse denúncia contra o grupo. APOIO DE AUTORIDADES Os “Angels”, aliás, costumam ter o apoio de autoridades da área de segurança e políticos influentes.Até algumas semanas atrás, ocupavam uma sala no prédio da 6ª Região Administrativa da capital, que inclui bairros como Gávea, Lagoa e Jardim Botânico, todos de classe média alta e cercados de favelas. Depois que a “cessão” da sala - sem qualquer licitação ou processo transparente - foi denunciada pela imprensa do Rio, os “Angels” foram “despejados”. Outro exemplo: também procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública informou, por meio da assessoria de imprensa, que “conhece e apóia” as atividades dos “Angels” e que eles “não interferem nas funções da polícia, além de ajudar a promover o bem comum”. Um dos princi-
pais líderes do grupo, o estudante de direito Philipp Wege, de 33 anos, trabalha no gabinete do deputado estadual Paulo Melo, líder do PMDB na Assembléia Legislativa do Rio e ex-integrante de comissões da Casa sobre a área de segurança pública. Joel Rufino dos Santos, professor de Literatura da UFRJ, vê implicações graves na atuação de grupos como os “Guardian Angels”. “Eles ferem direitos humanos básicos. O limite da liberdade individual só pode ser constrangido por lei e pela autoridade policial do Estado”, diz. Quem já os viu em ação tem motivos para se preocupar. Em uma série de demonstrações acompanhada por uma equipe de televisão e por nossa reportagem, Henrique, que luta jiu-jitsu e caratê, imobiliza um assaltante “interpretado” por Philipp Wege e lhe dá voz de prisão. Em outra simulação, crianças cheirando cola de sapateiro são abordadas de forma ríspida e um dos “Angels” arranca da mão do “menino” uma garrafa com o “tóxico”. O mais curioso e preocupante é que os “Guardian Angels” voltam à luz - e à grande mídia - quando as autoridades ensaiam uma série de ações “moralizadoras” no Rio, como a repressão ao comércio ambulante e sua vertente mais ampla, a Operação Zona Sul Legal, criada para, segundo o governo estadual, retirar das ruas crianças, adolescentes e mendigos, além de coibir “pequenos delitos”, como prostituição e roubos sem armas de fogo. Objetivos semelhantes aos anunciados pelos “Angels”. “A ideologia desses grupos é a da limpeza social. E isso é fascismo”, conclui o professor Rufino dos Santos.
* Colaborou Zilda Ferreira
MAIS NO
O Brasil é o país da América Latina com o maior número de mortos pela polícia, em 2002. Um relatório da Anistia Internacional aponta que, somente nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, a polícia fez 1.355 vítimas. O segundo país na lista da entidade de direitos humanos é Honduras, onde 556 crianças e adolescentes foram mortos no mesmo período. Em 2003, o número de mortos pela polícia já cresceu. Até maio, a Polícia Militar (PM) paulista havia matado 453 pessoas, 60% do número de mortos em 2002 e 73% do total de mortos pela PM em 2001.
■ Tortura TORTURADOR ENTRA PARA A ACADEMIA DE POLÍCIA O ex-torturador e delegado aposentado da Polícia Federal Roberto Felipe de Araújo Porto trabalhou como colaborador da Academia Nacional de Polícia, entre fevereiro e maio de 2003, conforme denúncia recebida pelo Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro. Roberto Porto é citado cinco vezes no projeto Brasil Nunca Mais, por ter participado do espancamento e tortura de militantes de esquerda no Ceará, durante o regime militar.
■ Violência no campo T RABALHADOR RURAL É ASSASSINADO NO PARANÁ O sem-terra Venilton Ribeiro Ferraz foi assassinado dentro de seu barraco, dia 14, no acampamento Dorcelina Folador, em Cascavel (PR). O trabalhador rural recebeu um tiro de espingarda calibre 12 na cabeça. Foi o segundo assassinato no acampamento, que ocorreram depois que fazendeiros da região montaram uma milícia armada. Segundo um relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), até junho de 2003 vinte trabalhadores rurais foram assassinados no campo.
■ Febem E NTIDADES
DE DIREITOS
HUMANOS AGENDAM AÇÕES
Cerca de 30 entidades de direitos humanos se reuniram dia 18, em São Paulo, para discutir a atual crise da Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem). Na pauta, estavam as declarações de autoridades do governo do Estado de São Paulo, que criticaram a atuação das organizações de direitos humanos, depois da morte de um funcionário da Febem, dia 13. No encontro, organizado pela Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (Amar) e pela Comissão de Direitos Humanos da OAB, foram deliberadas algumas ações para os próximos dias. As entidades deverão lançar um manifesto em defesa do cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê a construção de pequenas unidades de internação nos municípios de origem dos jovens e a divisão dos internos por idade.Também estão previstas audiências com o presidente da Febem, Paulo Sérgio de Oliveira, e uma visita à unidade de Franco da Rocha, considerada a mais problemática do Estado.
Ano I ■ Número 25 ■ Segundo Caderno
Movimentos preparam mês de manifestações A
Grito dos Excluídos marca comemorações do Dia da Pátria A coleta das assinaturas para o abaixo-assinado contra a Alca terminará no dia 7 de setembro, Dia da Pátria, quando ocorrerá o Grito dos Excluídos. Será um dia de manifestações e atos públicos, por todo o Brasil. “Queremos denunciar o modelo econômico excludente, questionar todas as formas de dominação e denunciar projetos que desrespeitem a soberania nacional. Nossa proposta inclui valores para a construção de uma sociedade diferente”, explica Ari Alberti, secretário nacional do Grito dos Excluídos. O Grito, organizado no Brasil desde 1995, este ano terá o lema: “Tirem as mãos, o Brasil é nosso
chão”. Para Alberti, o protesto tem como objetivo tornar os excluídos protagonistas das transformações sociais. Em Fortaleza (Ceará), movimentos sociais estão organizando a mobilização em blocos: haverá um grupo contra a Alca, um em defesa do emprego, e mais um para reivindicar moradia, entre outros. No final do dia, os organizadores vão entregar um documento aos governantes.“A idéia é questionar essa proclamada independência do Brasil, que aprendemos na escola, mas na prática sabemos que não é bem assim.Temos uma relação de dependência com os países ricos e uma dívida externa enorme”, afirma Alberti.
Organizações sociais convocam boicote aos produtos dos EUA Na semana de 8 a 14 de setembro, os movimentos sociais promovem, em todo o continente, um boicote aos produtos das transnacionais dos Estados Unidos. A Via Campesina, presente em 116 países, com 60 milhões de camponeses, pretende organizar bloqueios de rodovias, aeroportos e ferrovias para impedir a circulação de mercadorias. Nas grandes cidades, o boicote vai visar produtos de, pelo menos, quatro transnacionais dos Estados Unidos: McDonald´s, Coca-Cola, Texaco e Esso. A intenção dos ativistas é dis-
cutir com a sociedade civil formas de se opor ao projeto imperialista dos Estados Unidos. Para Ari Alberti, secretário nacional do Grito dos Excluídos, o boicote representa uma oposição aos interesses econômicos das transnacionais que apóiam o presidente George Bush.“Além do mais, ajuda a potencializar a crítica a esse imperialismo, que produz armas e fabr ica guer ras”, completa Alberti. No dia 12, a Via Campesina também pretende organizar um acampamento, em Brasília, contra a liberação dos produtos transgênicos.
CALENDÁRIO DAS MOBILIZAÇÕES SOCIAIS 1 A 7 DE SETEMBRO ✔ Vacine-se contra a Alca Semana de coleta de assinaturas do abaixo-assinado para exigir do governo a convocação de plebiscito oficial sobre a participação do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (Alca). ✔ Organização: Campanha Brasileira contra a Alca (www.jubileubrasil.org.br) Onde: Em todo o Brasil
Jorge Pereira Filho, da Redação s mobilizações populares vão ocupar a cena novamente, em setembro de 2003.A exemplo do que ocorreu nos protestos contra a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, movimentos sociais preparam manifestações simultâneas, em todo o mundo, para expressar a insatisfação da sociedade civil contra o modelo neoliberal, o imperialismo e a militarização. No Brasil, três atividades deverão concentrar as atenções: a Campanha Vacine-se contra a Alca, o Grito dos Excluídos e a marcha popular nas capitais por soberania nacional, trabalho e desenvolvimento. O clima é propício para as manifestações. De 10 a 14 de setembro, o balneário paradisíaco de Cancún, no México, receberá a V Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). O encontro é encarado como uma ofensiva dos países ricos em incluir temas controversos nas negociações comerciais. “Está em jogo, nessa reunião, a ampliação do mandato da OMC. Eles querem incluir novos temas, como investimentos e compras governamentais, além de aumentar o alcance dos acordos já existentes de serviços e de propriedade intelectual”, afirma Fátima Melo, da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip). Essa inclusão representaria um aumento do poderio da OMC para estabelecer normas e regras comerciais no mundo todo. Na prática, significaria um novo ataque contra a soberania nacional dos países e a autodeterminação dos povos. Ficaria ameçada a capacidade de cada
SETEMBRO NAS RUAS!
7 DE SETEMBRO ✔ Grito dos Excluídos Mobilizações criativas e descentralizadas com o tema “Tirem as mãos: o Brasil é nosso chão!” Organização: Grito dos Excluídos (www.gritodosexcluidos.org.br) Onde: Em todo o Brasil 8 A 14 DE SETEMBRO
nação de decidir como tratar, por exemplo, questões de saúde, de educação ou, mesmo, do uso da água. “Nada disso pode ser negociado. Água ou educação não são mercadorias e, por isso, não podem ser discutidas na OMC”, explica Fátima. A reunião tem uma estreita relação com a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O Estados Unidos, por exemplo, tentam implantar no continente, via OMC, alguns temas que estão sendo
barrados nas negociações da Alca. “Nessa reunião, os Estados Unidos pretendem aprofundar o neoliberalismo”, afirma Ricardo Gebrim, presidente do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo e coordenador da Campanha Nacional contra a Alca. Para Gebrim, as mobilizações populares serão ações conjuntas de movimentos sociais em todo o mundo e é fundamental organizar a resistência contra o projeto imperialista no Brasil.
Campanha de vacinação defende plebiscito contra a Alca A Campanha Vacine-se contra a Alca entrará no contexto de mobilizações contra o neoliberalismo. De 1º a 7 de setembro, durante a Semana da Pátria, serão recolhidas assinaturas para um abaixo-assinado exigindo que o governo federal convoque um plebiscito oficial para ouvir a população sobre a adesão do Brasil às negociações da Alca. De acordo com documento divulgado recentemente pela Campanha Contra a Alca, a idéia é fazer uma ampla dicussão com a sociedade civil para ver se interessa ao
povo brasileiro negociar um acordo que nega a soberania nacional. Já existe um projeto de lei, em tramitação no Senado Federal e de autoria do senador Saturnino Braga (PT-RJ), que propõe a interrupção das negociações da Alca e a realização dessa consulta ao povo. O abaixo-assinado é mais um instrumento para fortalecer essa reivindicação. Para participar da mobilização, é só copiar o abaixo-assinado na página da campanha na internet (www.jubileubrasil.org.br) e recolher assinaturas.
Brasil faz mobilização gigante em dia de protestos mundiais A maior mobilização popular está agendada para 13 de setembro. Nesse dia, serão realizados protestos mundiais contra a globalização neoliberal e a militarização. No Brasil, a Coordenação dos Movimentos Sociais organiza, nas capitais estaduais, uma manifestação gigante, com mobilizações populares por soberania nacional, desenvolvimento, trabalho. E também contra a Alca e a OMC. “Por enquanto, estão sendo realizadas plenárias com os movimentos sociais de todas as regiões do país”, explica Antonio Carlos Spis, secretário de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que participa da coordenação. De acordo com ele, a idéia é
fazer uma ampla manifestação e dar visibilidade à divulgação de um documento em defesa da soberania nacional. “A discussão gira em torno de um projeto de desenvolvimento nacional com soberania, que estrangule as limitações orçamentárias para investimentos em políticas sociais”, diz Spis. Já foram realizadas plenárias nas regiões Norte, Nordeste e Sul. Dia 23 de agosto, ocorrerá o último encontro, em São Paulo, com a participação dos movimentos sociais da região Sudeste, mais representantes do Estado do Paraná.A plenária será realizada, a partir das 9 horas, no Clube da Cidade (Rua Monte Serrat, 230, Tatuapé), ao lado do metrô Carrão.
✔ Boicote às mercadorias dos Estados Unidos Em protesto contra o imperialismo e as guerras de Bush, boicote dos produtos de quatro transnacionais dos Estados Unidos: McDonald´s, Coca-Cola, Texaco e Esso. Organização: Campanha Brasileira contra a Alca (www.jubileubrasil.org.br) Onde: Em todo o Brasil ✔ Protesto no campo Mobilizações de camponeses em toda a América Latina contra o neoliberalismo e a Organização Mundial do Comércio (OMC) Organização: Vía Campesina Onde: América Latina 10 A 13 DE SETEMBRO ✔ Jornada contra as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) Protestos contra a realização da V Reunião Ministerial da OMC e o neoliberalismo Organização: Movimentos sociais Onde: Cancún (México) 12 DE SETEMBRO ✔ Acampamento contra os transgênicos Acampamento da Via Campesina contra a liberação dos transgênicos e o neoliberalismo Organização: Vía Campesina Onde: Brasília 13 DE SETEMBRO ✔ Dia de mobilizações populares por soberania nacional, desenvolvimento, trabalho, contra a Alca e a OMC Grandes mobilizações populares puxadas por diversos movimentos sociais contra o neoliberalismo e a favor de um modelo de desenvolvimento justo e igualitário Organização: Coordenação dos Movimentos Sociais Onde: Em todas as capitais do Brasil ✔ Marcha Global contra a globalização e a guerra Manifestações contra o neoliberalismo e a militarização Organização: Movimentos Sociais Onde: Em todo o mundo 16 DE SETEMBRO ✔ Entrega dos abaixo-assinados Delegações estaduais entregarão ao governo federal os abaixo-assinados recolhidos durante a Campanha Vacine-se Contra a Alca Organização: Campanha Brasileira contra a Alca (www.jubileubrasil.org.br) Onde: Brasília
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A sociedade civil organiza atividades e protestos em defesa da soberania nacional e contra o neoliberalismo; em todo o mundo acontecerão manifestações simultâneas durante o encontro da OMC em Cancun (México); a Campanha Vacine-se contra a Alca, o Grito dos Excluídos e uma marcha popular nas capitais serão as principais mobilizações no Brasil
INTERNACIONAL
BRASILDEFATO
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MÉXICO
Zapatistas criam governos autônomos Jesus Carlos/Imagenlatina
AMÉRICA LATINA
Os zapatistas criaram na região de Caracoles, México, cinco zonas territoriais agora governadas por civis indígenas eleitos pela comunidade; na Guatemala, um golpista e exditador concorre à presidência; no Paraguai, novas esperanças com a eleição de Nicanor Frutos
Sally Burch, de Quito (Equador)
O
Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) decretou, dia 9, a criação das Juntas do Bom Governo nas cinco zonas territoriais mexicanas sob seu controle. A partir de agora, essas regiões receberão o nome de Caracoles. Paralelamente, os rebeldes zapatistas declararam a extinção dos Aguascalientes, antigos centros de difusão política e cultural criados em agosto de 1994, poucos meses depois da aparição pública do ELZN. Com essa medida, o movimento zapatista projeta-se novamente no cenário político mexicano e começa a implementar, sem pedir permissão a ninguém, os Acordos de San Andrés. O documento, firmado com o governo federal em 1996, reconhece a livre determinação e a autonomia dos povos indígenas e o respeito às formas próprias de eleição de suas autoridades. Os Acordos de San Andrés são constantemente ignorados pelas autoridades mexicanas. Em uma cerimônia na comunidade de Oventic - um dos cinco Caracoles, ao lado de Morelia, La Garrucha, La Realidad e Roberto Barrios -, o comandante Javier, integrante do Comitê Clandestino Revolucionário Indígena, anunciou oficialmente as mudanças para 20 mil pessoas e para os representantes dos 33 municípios autônomos chiapanecos. Com a criação dos Caracoles, o governo ficará nas mãos dos civis indígenas eleitos por suas comunidades. Essas instâncias coexistirão com os municípios constitucionalmente formados, mas vão operar de forma independente do governo oficial de Chiapas. Na prática, foi criado um poder paralelo. RESPOSTA A resposta do governo do presidente Vicente Fox foi conciliatória, reconhecendo inclusive que as Juntas do Bom Governo poderiam ser compatíveis com a Constituição mexicana. As autoridades federais consideraram positivo que
■ Mural zapatista no povoado La Realidad, em Chiapas, no Sul do México: controle indígena
Plano La Realidad – Tijuana O subcomandante Marcos não participou das comemorações, mas deixou uma mensagem para o público no lançamento da Rádio Insurgente, criada pelos zapatistas - e cujo slogan é “a voz dos que não têm voz”. Marcos afirmou que “o exército zapatista não pode ser a voz dos que mandam, mesmo que mandem bem e obedecendo, pois o EZLN é a voz dos de baixo”. O subcomandante garantiu que as forças zapatistas manterão suas posições para defender o povo. Nas celebrações, a comandante Esther, do EZLN, convocou os povos indígenas do México a defender o direito de serem mexicanos: “Não podemos deixar de ser índios para sermos reconhecidos como mexicanos”. O ELZN defendeu também o apoio ao chamado Plano La Realidad -Tijuana, que nasceu como “uma resposta aos planos que a classe política pretende implantar
A região de Chiapas
no país” (em alusão ao Plano Puebla-Panamá). O plano alter nativo dos zapatistas tem sete acordos e sete demandas. Entre as propostas, destacam-se o respeito à autonomia e independência das organizações sociais; a promoção de formas de autogoverno e autogestão em todo o território nacional; e o impulso da rebeldia e a resistência civil e pa-
GUATEMALA
PARAGUAI
O futuro nebuloso
BRASIL DE FATO De 21 a 27 de agosto de 2003
José Eduardo Mora, de San Jose (Costa Rica)
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A candidatura presidencial do exditador da Guatemala Efraín Ríos Montt (1982-1983) atiça a crise política mais profunda que vive esse país desde o final da guerra civil, em 1996. A quatro meses para a eleição de 9 de novembro, a deterioração social, a corrupção governamental, o aumento da violência e a falta de confiança nas insituições do Estado determinam o clima de incerteza no país. A sentença da Corte de Constitucionalidade, que na semana passada obrigou o Tribunal Supremo Eleitoral a inscrever Ríos Montt, de 77 anos, como candidato governamental da Frente Republicana Guatemalteca (FRG), contribui para dividir ainda mais a sociedade. Segundo a constituição, nenhuma pessoa que tenha participado de um golpe de Estado pode postular a presidência. Mas quatro dos sete juízes da Corte de Constitucionalidade deram sinal verde para a candidatura. Entre 1982 e 1983, o então general Ríos Montt lançou uma cam-
cífica frente às disposições do mau governo e dos partidos políticos. Foi proposta uma rede de comércio básico entre as comunidades e o fomento do consumo básico nos locais e comércios nacionais. O zapatismo confirmou sua participação nas jornadas mundiais contra a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em setembro.
o EZLN promova entre as comunidades que simpatizam com o movimento “uma nova forma de organização política, desmilitarizando sua estrutura”. Com um “chamado respeitoso”, o governo federal convidou o ELZN a retomar o diálogo que permita avançar na construção da paz justa e digna. Acrescentou também que “valorizará os sinais emitidos pelo Exército Zapatista, pensando que pode ser a base para buscar mecanismos para restabelecer o processo de negociação”. A atitude do governo foi interpretada como um esforço para minimizar o custo político de não ter conseguido impedir que o ELZN tenha regulamentado um poder paralelo no México.Além disso, múltiplas vozes acolheram favoravelmente o acontecimento, considerado como inevitável depois que o Congresso Nacional e a Suprema Corte de Justiça mexicanos negaram a essência das propostas indígenas para a reforma constitucional de 2001. Os representantes do Congresso Nacional Indígena (CNI) presentes na inauguração Plano Puebla-Panamá dos Caracoles e (PPP)— Projeto, das Juntas do defendido pelo Bom Governo presidente mexicano anunciaram que Vicente Fox, de vão se somar à investimentos em infra-estrutura para iniciativa de facilitar o comércio na promover a auAmérica Central com o tonomia indíMéxico. Os gena em todo o movimentos sociais da região são contra o país e, dessa maPlano por considerá-lo neira, aplicar na parte da estratégia da prática os direiimplantação da Alca. tos dos povos indígenas. Em um comunicado, as delegações indígenas afirmaram que, “com o chamado dos nossos irmãos do EZLN, foi iniciado o tempo de fortalecer e aprofundar nossos processos de autonomia indígena nos seus diversos âmbitos e níveis”. As delegações também assinalaram que se “trata de uma importante contribuição em defesa da soberania nacional, que dia a dia é entregue pelo Estado, na prática e na lei, aos interesses da globalização neoliberal”. (Alai)
panha contra-insurgente em que morreram dezenas de milhares de guatemaltecos, segundo dados de organizações humanitárias.A defesa de Ríos Montt alegou que o artigo constitucional foi promuldado em 1985, quando Ríos Montt havia abandonado o poder e portanto não pode ter efeitos retroativos. ”A decisão da Corte tem um alto conteúdo político, viola o estabelecido por nossa carta magna e debilita a institucionalidade do país”, disse Sandino Astúrias, diretor do Centro de Estudos de Guatelamala, instituição não governamental. Em sua opinião, o procedimento dos juízes incentiva a divisão do país, já confrontado pelas medidas do atual governo da FRG, encabeçado pelo presidente Alfonso Portillo. “A situação da Guatemala é tão delicada que até mesmo o exército e a polícia se prestaram a tomar parte do complô que apoiou a inscrição do ex-general Ríos Montt. Prova disso são as eclosões de violência ocorridas recentemente”, afirmou Astúrias, referindo-se às manifestações de seguidores de Ríos Montt
na capital guatemalteca, dia 23 de julho, que resultaram na morte do jornalista Héctor Pérez por parada cardíaca quando fugia de uma multidão que o perseguia. Segundo Astúrias, a convocatória da FRG a centenas de camponeses das zonas mais distantes da nação demonstrou que o partido governante está disposto a empregar “a violência, a contra-insurgência e os poderes ocultos para alcançar seus objetivos”. O governo fortaleceu o temível Estado Maior Presidencial (EMP), que devia se disolver como previam os acordos de paz firmados em 1996 por grupos insurgentes e governo, pondo fim a 36 anos de guerra civil. A isso se somou, em maio, a absolvição de três altos militares que integraram o EMP, acusados do assassinato da antropóloga Mirna Mack. A impunidade se expressa em intimidações e assassinatos. Entre janeiro de 2002 e fevereiro deste ano, 103 juízes e fiscais foram ameaçados de morte e vários foram assassinados, segundo a organização internacional Anistia Internacional, com sede em Londres. (IPS/Envolverde)
Urgências e esperanças Alejandro Aciscioli, de Assunção O presidente eleito do Paraguai, Nicanor Duarte Frutos, assume um cargo que vem atado a uma esteira de crise econômica, corrupção e pobreza. Embora seu Partido Colorado governe sem interrupção desde 1947, a população alimenta expectativas de mudança. Duarte Frutos deverá enfrentar urgentemente a redução do déficit fiscal, reformas do aparelho do Estado e a segurança social, o combate à corrupção e uma política monetária que aponte, a médio prazo, para a reativação da produção, afirmam especialistas. Por sua vez, a população parece dar um crédito ao governo. Segundo pesquisas, o Movimento Sem-Teto e organizações camponesas aquecem os motores reclamando moradia digna e melhores condições de vida na área rural. Dia 14 começou uma greve do pessoal da prefeitura de Assunção contra a demissão de 850 funcionários, um ajuste que teve o apoio do próprio Duarte Frutos.Além disso, duas dúzias de organizações sociais e grupos de esquerda começaram a
mobilizar-se contra o que qualificam de “criminalização das lutas sociais”. O Movimento Sem-Teto, que reúne cerca de 7 mil famílias sem casa da área urbana, e a Mesa Coordenadora de Organizações Camponesas, pedem a liberdade de trinta dirigentes sociais presos. No campo econômico, os focos de urgência estão “mais ou menos situados no campo fiscal, embora o problema maior se apresentará na área de competência do Ministério da Fazenda”, disse à IPS o economista Luís Campos, graduado na Universidade de Sorbonne, na França. Os ingressos fiscais estão paralisados porque se requer “um coquetel de medidas que garantam menores gastos do Estado e um aumento na arrecadação”, ressaltou. Segundo uma estimativa da Consultores & Associados, a evasão de impostos aumentou de 42,5%, em 1998, para 73,5%, no ano passado. No momento, o Estado cumpre apenas as obrigações salariais e deixa de lado o pagamento a fornecedores e dos juros da dívida. (IPS/Envolverde)
ÍNDIA
Coca-Cola é acusada de poluição Deshakalyan Chowdhury/AFP
D. Rajeev, de Thiruvananthapuram (Índia)
A
■ Indianos protestam contra a Coca-Cola em Calcutá, dia 11
ANÁLISE
Consumismo gera tragédia Cena de guerra: milhares de cadáveres, fala-se em até 5 mil, são amontoados em armazéns e tendas refrigeradas, à espera do enterro, que pode demorar até quinze dias, por falta de coveiros. O número de mortos nessa época do ano, segundo registros dos hospitais e da polícia, saltou de 39 para 180 por dia.Alguns apartamentos exalam um odor insuportável de corpos em decomposição. Um sindicato de policiais pede ao governo que o Exército ajude na remoção dos corpos. Muitos se desesperam. Paris chora seus mortos de calor. No outro lado do Atlântico, um “apagão” paralisa uma vasta região no Leste dos Estados Unidos (Estados de Nova York, Nova Jersey, Connecticut, Massachusetts, Ver mont, Pensilvânia, Ohio e Michigan) e Canadá (Estado de Ontário, onde ficam as cidades de Toronto e Ottawa). A área abriga cerca de 50 milhões de habitantes. O “apagão” começou às 16h do dia 14, e produziu pânico numa população ainda traumatizada com os atentados de 11 de setembro de 2001 e continuamente amedrontada pela política paranóica que emana da Casa Branca. O “apagão”, aparentemente, foi causado por uma sobrecarga no sistema de fornecimento de energia elétrica, causada pelo excesso de consumo (em particular, o uso desenfreado de aparelhos de ar condicionado).
Paul Sancy/AP/AE
José Arbex Jr., da Redação
■ Morador de Detroit, nos EUA, observa TV movida a bateria “Excesso de consumo” é a chave para entender também as mortes de Paris e de outras importantes cidades européias: a onda de calor é resultado do crescente aquecimento da temperatura média do planeta, provocado pelo efeito estufa (decorrente das emissões descontroladas de gás carbônico). Em Paris e NovaYork, trata-se do desequilíbrio ambiental, produzido pelo consumo desenfreado de energia e pelo total desprezo para com o equilíbrio saudável do ecossistema. Em nome dos interesses econômicos dos Estados Unidos (ou, mais precisamente, de sua indústria automobilística e petrolífera), George Bush rompeu com o Protocolo de Quioto, que restringe a emissão de gases estufa. Mesmo sabendo que, no limite, a sua política conduz ao suicídio planetário, Bush não recua. Os interesses imediatos do capital não aceitam quaisquer res-
trições ao lucro. É o princípio de funcionamento que só pode produzir o caos, como dizia Karl Marx. Não importam, para o capital, a saúde pública e o meio ambiente. Essa mesma mentalidade criou a doença da “vaca louca”, quando os pecuaristas britânicos, em nome da produtividade, misturaram pó da carcaça moída do gado à ração que alimentava as vacas, assim transformando seres herbívoros em canibais. Os produtores contavam com a cumplicidade ou total ausência das autoridades sanitárias. Outro desastre de grandes proporções vem sendo gestado pela indústria dos transgênicos. Mais uma vez, em nome do lucro, transnacionais como a Monsanto tentam forçar, em todo o mundo, o plantio e a exploração comercial de sementes geneticamente modificadas, sem atentar para os alertas de seu impacto no corpo humano e na natureza.
tos fechados para que não contaminem as fontes de água locais. A organização ambientalista Greenpeace pediu o fechamento da central de engarrafamento, ainda antes da confirmação do segundo estudo da Junta. O Greenpeace realiza há mais de um ano campanha contra a central de Plachimada, à qual acusa de contaminar as águas da aldeia e afetar a população local. “Esta é a prática habitual em outros Estados indianos, apesar da lei de proteção ambiental”, disse o coordenador de campanhas da organização, Ameer Shahul. AMEAÇAS O primeiro estudo da Junta revelou que o nível de cádmio nos refrigerantes é quatro vezes mais alto do que o permitido, chegando a 201,8 miligramas por quilo, quando o limite é de 50 miligramas por quilo. O Centro para a Ciência e o Meio Ambiente anunciou há alguns dias que as centrais engarrafadoras extraem água subterrânea contaminada e se aproveitam das flexíveis leis indianas sobre potabilidade.A CocaCola e a Pepsi-Cola ameaçaram iniciar ações legais contra o Centro, mas o parlamento indiano se antecipou e proibiu a distribuição de doze refrigerantes mencionados no estudo feito pelo grupo de especialistas. A polêmica pelo cádmio é apenas a mais recente das várias que a
fábrica da Coca-Cola vem enfrentando desde que iniciou sua produção, em março de 2000. Há três anos vem sendo alvo de protestos por parte dos habitantes da região onde está instalada. Os moradores, reunidos no Adivasi Samrakshana Sangam (Grupo de Proteção Tribal), disseram que as operações da CocaCola contaminaram todas as suas fontes de água.A transnacional nega as acusações e garante que sua estratégia de utilizar água da chuva preserva os recursos da região, mas o Conselho da localidade próxima de Perumattuy - também afetada cancelou a licença para explorar sua água subterrânea. A Coca-Cola teve de apelar contra a decisão do Conselho - que tem forte poder como uma organização descentralizada do Estado - junto ao governo do Estado de Kerala. O presidente do Conselho de Peruymattuy, A. Krishnan, afirmou que não está disposto a renovar a licença da CocaCola, a menos que esta apresente uma solução para a aguda escassez de água potável nas aldeias e para os problemas causados pelos “fertilizantes”.“Se o governo tomar uma decisão contrária, lutaremos em um tribunal”, advertiu Krishnan.A Coca-Cola e sua rival Pepsi-Cola também são objeto de um boicote por parte de grupos marxistas e islâmicos que insistem para que os indianos não comprem produtos de origem estadunidense, em protesto contra a invasão do Iraque. DIREITO DA POPULAÇÃO O vice-presidente da CocaCola indiana, D. R. Mathur, afirmou que a redução da água subterrânea em Plachimada se deve ao fato de que, entre 2001 e 2002, foram registradas poucas precipitações, e destacou que a companhia construiu três recipientes para coletar água de chuva. Mathur lamentou a rejeição por parte da comunidade em relação à central, que permitiu a criação de 500 empregos diretos e mais de mil indiretos. A fábrica foi instalada quando o governo estadual era dirigido pelo Partido Comunista.Agora, os comunistas estão na oposição e pediram que o governo espere uma última investigação antes de fechar a central. A Coca-Cola “não tem direito de extrair uma grande quantidade de água na região que é usada pela população para beber”, afirmou o secretário do Partido Comunista, PinarayiVijayan. (IPS/Envolverde)
Morte de comissário da ONU mostra descontrole dos EUA sobre o Iraque Da Redação O atentado a bomba contra a sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Bagdá, que dia 19 matou, entre outras pessoas, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, alto-comissário da ONU no Iraque, é uma demonstração de que a situação no país foge ao controle da potência ocupante, os Estados Unidos. Os militantes islâmicos contrários à invasão estadunidense do Iraque provaram que podem atacar onde e como quiserem, inclusive os lugares que deveriam estar mais protegidos. A morte de Vieira de Mello ocorreu em um momento crucial. Além de estar sendo cotado para substituir Kofi Annan como secre-
tário-geral da ONU,Vieira de Mello, que já tivera atuação de destaque na transição para o governo independente do Timor Leste, vinha acusando as autoridades estadunidenses como responsáveis pela falta de água e energia e até de alimentos para grande parte da população iraquiana. Dia 15, em entrevista a correspondentes internacionais em Bagdá, Vieira de Mello havia cobrado de público as responsabilidades do governo dos EUA junto à população iraquiana. Também comparou a situação iraquiana a uma hipotética situação brasileira:“Se houvesse tanques estrangeiros na praia de Copacabana”. Com isso quis dizer que a população do Iraque está insatisfeita e irritada com a presença estadunidense.
BRASIL DE FATO De 21 a 27 de agosto de 2003
France Press
transnacional Coca-Cola está envolvida em nova polêmica na Índia, pois laboratórios oficiais acusaram a engarrafadora do Estado de Kerala de entregar dejetos tóxicos a camponeses como se fossem fertilizantes. O presidente da Junta de Controle da Poluição em Kerala, Paul Thachil, pediu à fábrica que deixe de distribuir entre os agricultores da região esse “lixo perigoso”, depois de constatar que o “fertilizante” havia contaminado com cádmio a água de uma vasta área que rodeia a aldeia de Plachmada, no distrito de Palghat. Thachil diz que ordenou nova investigação para confirmar a presença de grandes concentrações de cádmio (metal usado na indústria nuclear) nas águas tóxicas que surgem do processo de preparação dos refrigerantes. Os pesquisadores do Centro recolheram amostras no prédio da central e esperam terminar o estudo até o final deste mês. A pesquisa da Junta não poderia acontecer em pior momento para a Coca-Cola. Dia 12, as companhias de refrigerantes na Índia, incluindo a Pepsi-Cola, foram alvo de duras críticas por parte de organizações não governamentais, segundo as quais quase todas as bebidas distribuídas nesse país contêm doses “inaceitáveis” de pesticidas de uso comum. A direção da subsidiária indiana da Coca-Cola rechaçou enfaticamente as críticas, mas nos últimos dias se nega a comentar o informe da Junta. Entretanto, Thachil disse que a companhia prometeu submeter-se às instruções da Junta e armazenar os resíduos tóxicos em compartimen-
INTERNACIONAL
Na Índia, duas transnacionais competem em crimes ambientais: a Coca Cola entrega dejetos tóxicos a camponeses e coloca pesticida nos refrigerantes; empresa da Dow Química continua contaminando solo e água; nos EUA e na Europa, os trágicos efeitos do consumismo exacerbado.
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ÁFRICA AFRICA
Luta por terra mobiliza africanos Marilene Felinto, da Redação
A
África tem um longo caminho a percorrer na busca por uma solução para os conflitos agrários. Um dos mais urgentes problemas africanos - a crônica crise alimentar e a desnutrição tem entre suas causas a distribuição injusta da terra, herança de séculos de domínio europeu sobre o continente. Em grande parte dos países africanos, imensos latifúndios de terras férteis estão nas mãos dos
descendentes de europeus da era colonial. Os conflitos vêm se acirrando em vários países, entre os quais África do Sul, Angola e Zimbábue. Em Moçambique, embora a reforma agrária tenha assegurado a posse da terra a todos os camponeses, é preciso constante vigilância para que a lei seja cumprida. Ali os camponeses se organizam para interferir nas políticas agrárias e garantir desenvolvimento rural e aumento da produção. No Zimbábue, até pouco tem-
po, 70% das terras cultiváveis pertenciam a fazendeiros brancos. Desde o ano 2000, o presidente zimbabuano Robert Mugabe vem realizando uma reforma agrária compulsória, confiscando latifúndios de brancos e entregando-os à maioria negra. A política de Mugabe levou o país a uma crise política, econômica e alimentar. Tem recebido dura oposição da comunidade internacional, que critica a reforma pelo viés racial e alega que as terras são entregues a agricultores despreparados para
cultivá-las, a partidários e aparentados do presidente. Mas foi o viés racial que fudamentou toda a ação colonial de posse da terra na África. Em diversos países o regime de terras estabelecia que só os brancos tinham direito de propriedade sobre a terra. Angola ainda se ressente da ocupação abusiva de terras por parte de comerciantes e empresas coloniais. Embora a terra seja propriedade do Estado, os camponeses angolanos ainda lutam por
acesso a títulos de posse e pela defesa de suas culturas tradicionais, ameaçadas pela intervenção de uma elite latifundiária local. Na África do Sul, cerca de 65 mil brancos, que são menos de 1% da população, detêm mais de 80% das terras férteis. Estima-se em 26 milhões o número de sem-terra no país de 40,4 milhões de habitantes. O Movimento das Pessoas Sem Terra da Áfr ica do Sul (Landless People Movement – LPM) é um dos grupos mais ativos do continente.
Philippe Desmazes/AFP
INTERNACIONAL
Várias nações do continente africano enfrentam movimentos de pressão popular por justiça no campo; países como África do Sul, Angola e Zimbábue experimentam formas de compensar a população local pelos danos resultantes da invasão e posse colonialista de seus territórios
Mar Mediterrâneo
Luanda ANGOLA
OCEANO ATLÂNTICO Harare ZIMBÁBUE
MOÇAMBIQUE Maputo
Pretória ÁFRICA DO SUL
OCEANO ÍNDICO
■ Sem–terra sul–africanos protestam durante Conferência de Johannesburgo, em agosto de 2002
Moçambique já fez reforma agrária N
inguém pode comprar nem vender terra em Moçambique, país de língua portuguesa, localizado no Sudeste da África. Desde a independência em relação a Portugal, e durante o governo socialista de Samora Machel (1975-1986), toda a terra moçambicana foi nacionalizada. “O maior desafio agora em Moçambique não é o acesso à terra, mas sim o desenvolvimento rural, que inclui aumento da produção, distribuição e consumo”, disse Diamantino Nhampossa, da União Nacional de Camponeses (Unac) moçambicanos. Em entrevista ao Brasil de Fato por correio eletrônico de Maputo, Nhampossa contou como se dá o uso da terra num país em que a reforma agrária já foi feita. A União Nacional de Camponeses é o principal movimento organizado de luta pela terra, pelo aumento da produção, pelo acesso aos mercados, a crédito agrário e à participação na elaboração de políticas governamentais de desenvolvimento. Criada formalmente em 1993, a Unac participou da formulação da atual Lei de Terras (1997) daquele país, que prevê a distribuição eqüitativa e sustentável da terra e dos recursos naturais entre o povo moçambicano. A Unac sugeriu o artigo da lei que trata do direito de uso por cidadãos moçambicanos que já estejam utilizando a terra há pelo menos dez anos. A organização conta com cerca de 60 mil membros reunidos em associações e cooperativas de todo o país. (MF)
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Brasil de Fato – Quais os objetivos da União Nacional de Camponeses?
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Diamantino Nhampossa – A missão da Unac é lutar por um maior protagonismo dos camponeses, mulheres e homens, promover e ampliar qualitativa e quantitativamente a auto-organização dos mesmos, com vistas ao fortalecimento dinâmico das comunidades, intensificar ações que contribuam para garantir a soberania alimentar das famílias camponesas e defender seus interesses sociais, econômicos e políticos.
BF – A terra ainda é propriedade exclusiva do Estado em Moçambique? Nhampossa – Moçambique tornou-se independente em 1975,
e, já nessa altura, a primeira constituição declarava que a terra era propriedade do Estado. A nova constituição, aprovada em 1990, veio confirmar isso. É o Estado que determina as condições do uso e aproveitamento da terra. A política nacional de terras estabelece como prioridade eliminar a pobreza e promover o desenvolvimento econômico e humano auto-sustentado. Para isso pressupõe-se assegurar os direitos do povo moçambicano sobre a terra e outros recursos naturais. A Lei de Terras aprovada em 1997 veio dar o pontapé final à questão da terra ao apresentar os mecanismos através dos quais as pessoas podem ter acesso à terra. O acesso só é possível através do direito de uso e aproveitamento, isto é, o direito de uso pode ser
obtido por pessoas singulares nacionais que, de boa fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos 10 anos ou por autorização de pedido apresentado por pessoas singulares ou coletivas na forma estabelecida na lei. Essas formas de ocupação permitem o gozo pleno do direito de uso e aproveitamento de terra pelos camponeses sem que sejam obrigados a apresentarem um documento escrito passado pelas autoridades.
BF – Há um movimento pela reforma agrária? Nhampossa – A verdadeira reforma agrária em Moçambique foi realizada depois da independência, através da nacionalização da terra. A partir daquele momento, todas as formas de ocupação de terra que vigoravam no período colonial foram revogados. Muitas terras que eram ocupadas pelos colonos foram abandonadas e em seguida algumas paulatinamente ocupadas por moçambicanos. O processo global da socialização do campo que se seguiu à independência serviu também para fazer a reforma agrária. O maior desafio agora em Moçambique não é o acesso à terra, mas sim o desenvolvimento rural, que inclui aumento da produção, distribuição e consumo. BF – É possível comprar terras em Moçambique? Nhampossa – Não. A terra em Moçambique não pode ser comprada, vendida, alienada, hipotecada nem penhorada. Existe um regime especial para as pessoas que queiram usar a terra para fins de investimento. Os investidores podem requerer o direito de uso e aproveitamento da terra por um período máximo de 50 anos. Nesses casos, os pedidos de uso e aproveitamento de áreas até ao limite máximo de mil hectares são autorizados pelos governadores provin-
ciais [estaduais], enquanto que os pedidos de áreas entre mil e dez mil hectares são autorizados pelo Ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural e os de áreas de mais de dez mil hectares são autorizados pelo conselho de Ministros.
BF – Quais as regiões de terras cultiváveis? Nhampossa – Mais da metade das terras do país são aptas para a prática de agricultura. Algumas zonas têm tendências para secas cíclicas, o que não permite a produção agrícola sem sistemas de irrigação. Mais de 80% da população vive nas zonas rurais e pratica a agricultura de subsistência. Os camponeses têm terra, mas a falta da chuva durante algumas épocas do ano pode ser a razão principal para uma fraca produção agrícola. As culturas mais cultivadas são milho, mapira (grão de sorgo ou milho fino ou miúdo), mandioca, batata doce, amendoim, feijão e variedades de legumes. As províncias do Norte são mais produtivas, apesar de terem falta de mercado para colocar os seus produtos, enquanto que no Sul, onde está localizada a capital, a produção é menor e tem o mercado das cidades inundado de produtos agrícolas oriundos da vizinha África do Sul. BF - Como a Unac vê a situação no Zimbábue? Nhampossa – A situação da reforma agrária no Zimbábue é deveras complicada e suscita muita emoção nos debates e até chega a atingir meandros raciais. Existe informação contraditória sobre o destino das terras: se elas são realmente retiradas dos brancos e entregues aos camponeses sem terra ou se são entregues a uma elite de nacionais que não precisam dela necessariamente. A luta de libertação que levou à independência do Zimbábue em 1980 fundou-se na necessidade de
haver uma maior partilha da terra pelos zimbabuanos. As expectativas que o povo zimbabuano tinha em relação à terra não chegaram a ser satisfeitas durante as duas décadas de independência.
BF – Como avaliam a luta pela terra na África do Sul? Nhampossa – A República da África do Sul constitui um exemple singular de luta contra a discriminação racial que teve sucesso. Contudo, a maior parte das terras permanece com uma minoria branca. Existem programas do governo visando fazer reforma agrária. Porém, a luta do LPM [Landless People Movement – Movimento dos Sem Terra] é importante para pressionar e apressar o processo da reforma. A melhoria das condições de vida das famílias sul africanas depende do acesso à terra e, neste momento, grandes extensões estão nas mãos de alguns latifundiários, que nem sempre usam a terra. BF – Conhecem o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra brasileiro? Nhampossa – Temos mantido relações muito estreitas com o MST desde 1998, dada a similitude das formas de luta perante o fenômeno globalizante do neoliberalismo. Companheiros do MST visitaram os camponeses da Unac para troca de experiência em mobilização, organização e produção. De mesmo modo companheiros da Unac estiveram no Brasil durante dois meses e se juntaram aos grupos do MST que, ao lado da Via Campesina, foram ao Fórum Social Mundial em 2003.
AGRICULTURA
AMBIENTE
Fosfato biológico desenvolvido por empresa brasileira, a partir de pesquisas indianas, ajuda os países em desenvolvimento a reduzir a dependência das importações e ainda contribui para baixar os custos de produção na agricultura
Fertilizante desenvolvido em Goiânia poupa dólares e preserva ambiente Divulgação
A
agricultura brasileira, sabe-se, sempre copiou modelos importados da Europa e dos Estados Unidos, regiões de clima temperado, que exigem soluções tecnológicas não exatamente adequadas ao solo e ao clima de países tropicais. Por isso, o país é obrigado a torrar milhões de dólares, todos os anos, com o pagamento de royalties (direitos pela exploração de patentes) por usar técnicas trazidas de outros países, e com importações de matérias-primas utilizadas, por exemplo, na produção de adubos e fertilizantes. Mas esses gastos poderiam ser reduzidos, com ganhos ambientais para o país, se a agricultura abandonasse os pacotes tecnológicos estrangeiros e passasse a utilizar técnicas apropriadas ao solo e ao clima brasileiros.
■ Instalações destinadas à fabricação de BioAtivo fertilizantes situada em Perolândia, Sudoeste de Goiás periores, nos dois casos, ao largo espectro de produtos criados pela química tradicional.
sairia por menos de 10 milhões de dólares (cerca de R$ 30 milhões), nos cálculos de José Roberto Barreto, diretor comercial da IFB. Para fazer a mesma quantidade de fertilizante, uma fábrica licenciada pela IFB gastaria aproximadamente 170 mil dólares (R$ 500 mil).A IFB Biotecnologia tem sede em Goiânia (GO), mas já fincou sua marca, por meio de 37 indústrias franquedas, em doze Estados. “A vantagem é que se pode pensar em indústrias descentralizadas, o que implicaria custos de transporte mais baixos para a agricultura”, aponta Barreto.
PRIMEIROS TESTES O problema é que, para fazer essa transformação, o processo desenvolvido por Dahr exigia 25 toneladas de composto orgânico para
■ Milho com boa formação de grãos e alta produtividade
Primeiro mundo ignora tecnologia que favorece os países em desenvolvimento
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Mas, se é tão bom assim, por que os países ricos e as grandes multinacionais que dominam o setor de fertilizantes não levaram adiante as pesquisas iniciadas na Índia? Por um simples motivo: o clima nos maiores consumidores de adubos e fertilizantes, os países europeus e os Estados Unidos, não favorece aquele tipo de tecnologia, que exige sol em abundância durante boa parte do ano, situação existente apenas nos países de clima tropical. Como resultado, tratou-se de impor ao restante do mundo uma tecnologia mais cara e mais agressiva ao meio ambiente, que só interessa à agricultura dos países ricos. Recusar o pacote tecnológico, empurrado aos países menos desenvolvidos pelos mais ricos, não significa, como se vê, uma “opção pelo atraso”, com conseqüente abandono de técnicas supostamente mais desenvolvidas. A questão, que não tem ficado clara nesse tipo de debate, é que tecnologia não é um bicho-de-sete-cabeças, acessível apenas aos países que dispõem de bilhões de dólares para isso. Tecnologia significa apenas saber fazer, utilizando os recursos disponíveis. No caso do fosfato biológico, utilizando a energia produzida pelo sol, lixo e rocha fosfática – de que o Brasil é detentor das maiores reservas mundiais. (LJ) ■ Plantação de milho com uso do BioAtivo fertilizantes
INOVAÇÕES O processo de produção também foi alterado. Ao contrário da técnica criada na Índia, onde todo o processo acontecia no campo, a primeira etapa da produção do fosfato biológico é realizada dentro das fábricas, quando o composto orgânico é lançado sobre a rocha. A fase final da solubilização é completada na área destinada ao plantio. “No processo químico tradicional, o solo consegue absorver entre 5% e 30% do fósforo contido nos adubos formulados. No caso do BioAtivo, 90% do fósforo é absorvido, o que permite utilizar menores volumes de rocha fosfática, poupando, mais uma vez, recursos naturais”, prossegue Barreto. Ao final da aplicação, o BioAtivo, por ter PH neutro, não acidifica, e ainda contribui para dar um maior equilíbrio ao solo, ao incorporar uma população maior de microorganismos. Ao longo do tempo, pode ocorrer uma redução na necessidade de adubações futuras, assim como há a possibilidade de recuperar o fósforo aplicado em adubações convencionais no passado. Isso ocorre porque cerca de 70% do fósforo contido em adubos tradicionais combinam-se, no solo, com metais como ferro, alumínio e manganês, gerando um produto insolúvel. Com o passar do tempo, e sob determinadas condições, o BioAtivo consegue quebrar aquelas associações, liberando o fósforo novamente para o solo.
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ANOS DE PESQUISA O inóculo biológico desenvolvido pela IFB foi resultado de anos de pesquisas comandadas pelo engenheiro agrônomo e sócio da empresa, Paulo Henrique Murgel. O empreendimento também teve a consultoria técnica do sanitar ista Samuel Murgel Branco, ex-diretor da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, fundador da Universidade Federal de São Carlos (SP), e um dos responsáveis pela introdução, no Brasil, da engenharia sanitária. Aquele inóculo nada mais é do que uma mistura de fungos e bactérias responsáveis por acelerar o processo de degradação de matérias orgânicas. O produto pode ser aplicado tanto na agricultura, em sistemas de adubação biológica, quanto na área de saneamento básico, com resultados equivalentes ou mesmo su-
MODELO NACIONAL “A grande descoberta foi o desenvolvimento do sistema para fazer o blend (mistura) de fungos e bactérias e otimizar o processo biológico”, conta Murgel. Depois de trabalhar quase quarenta anos com fertilizantes químicos tradicionais, o engenheiro agrônomo resolveu se dedicar a uma nova linha de pesquisas no começo dos anos 90, adotando como base o trabalho desenvolvido pelo agrônomo indiano J.S. Dahr, em uma estação experimental em Indore, na região central da Índia.
Dahr - que, por sua vez, retomou pesquisas iniciadas nos anos 20, no mesmo instituto, por Albert Howard, considerado “pai da agricultura orgânica” - desenvolveu um sistema de compostagem de resíduos agrícolas, utilizado no tratamento de lixo. Ele descobriu, por exemplo, que o composto obtido, quando lançado sobre a rocha fosfática moída, contribuía para o processo de fixação de nitrogênio do ar, e promovia a solubilização da rocha.
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MÚLTIPLOS BENEFÍCIOS O exemplo do Instituto Fosfatado Biológico (IFB Biotecnologia), uma empresa de pesquisa e desenvolvimento de biotecnologia, abre um caminho naquela direção. A companhia desenvolveu e colocou no mercado nacional, a partir de pesquisas realizadas inicialmente na Índia e aprofundadas no Brasil, um fertilizante com múltiplos benefícios: dispensa importações, reduz custos para a agricultura e ajuda a solucionar o pesado passivo ambiental gerado pela própria agropecuária e por outros setores. O resultado dessas pesquisas ganhou o nome comercial de BioAtivo, um composto biológico que atua na solubilização da rocha fosfática, substituindo o ácido sulfúrico. Para produzir o ácido Compostagem transformação em sulfúrico, o país composto, da parte importa praticaorgânica do lixo, que mente 98% de é aplicado suas necessidaposteriormente no des de enxofre, solo para manter a acidez e a ao custo de altemperatura estáveis. guns milhões de Funciona como um dólares. O ácido adubo que libera os é aplicado à ronutrientes de forma mais lenta cha fosfática para a produção de fósforo, um material solúvel (e, portanto, capaz de ser absorvido pelo solo, que assim recupera sua fertilidade), utilizado em diversas formulações de adubos. Além de poupar dólares, a técnica induz a uma redução de até 30% nos gastos diretos com adubação, na comparação com as despesas exigidas pelo sistema convencional, porque seu custo de produção é infinitamente mais baixo. Uma fábrica de ácido sulfúrico, tomando-se uma capacidade de produção de 70 mil toneladas por ano de superfosfato simples, não
uma tonelada de rocha. “Em 1993, procurei meu pr imo, Samuel Murgel Branco, para ajudar na parte de microbiologia. Era preciso reduzir o volume de material orgânico e aumentar a população de microorganismos para tor nar a solubilização mais eficiente. Reduzimos aquela relação para mais ou menos meio a meio (ou seja, uma tonelada de fungos, bactérias e material orgânico para cada tonelada de rocha)”, relata Murgel. Os primeiros testes de campo com o BioAtivo foram realizados ainda em 1993, pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo. Uma das vantagens do processo é que ele pode servir de solução para passivos ambientais (lixo e resíduos) gerados por usinas de açúcar e álcool, agroindústrias em geral, frigoríficos e granjas de aves e suínos, esgotos e lixo urbanos. Metade do composto é formado exatamente por resíduos orgânicos.
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Lauro Jardim, de São Paulo (SP)
■ Soja com boa formação e enchimento de grãos
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DEBATE
ENSINO PÚBLICO
Mensalidade, não; contribuição, sim O
merosos nas folhas de pagamento das instituições, limitou uma possível expansão das universidades públicas. De 1987 a 2000 não foi criada nenhuma nova instituição federal de ensino superior. Até 1990 concluíam o ensino médio, anualmente, cerca de 500 mil alunos. Em 2001 foram mais de dois milhões os concluintes. O reflexo deste crescimento já influenciou a estatística do ensino superior, cujas matrículas passaram de 1,5 para 2,7 milhões em dez anos. Calcula-se que hoje existem no Brasil quase 10 milhões de cidadãos com escolaridade média completa, que têm direito a se candidatar a um curso superior de graduação. Nos próximos dez anos, este montante chegará a 45 milhões. Se na situação atual a relação média de candidato por vaga nos cursos superiores federais e estaduais é igual a 10, imagine-se o que nos espera nesta década. Hoje, os 18% dos impostos da União representam cerca de R$ 9 bilhões. Destes, aproximadamente R$ 7 bilhões se gastam nas IFES, incluindo R$ 2 bilhões de pagamento dos aposentados. Acontece que desde 1995 não mudam estes valores. Por quê? É que os 100% da receita de impostos não tiveram crescimento real por conta da queda de arrecadação de IPI, IE e ITR. Assim, no nível federal, impõem-se quatro medidas: a) diminuição da sonegação e das isenções na cobrança dos impostos; b) política de incre-
mento de arrecadação do IR das grandes empresas, IPI, ITR e implantação do Imposto sobre Grandes Fortunas; c) novas fontes alternativas para pagamento da folha de inativos, fora dos impostos vinculados à MDE; d) fixação de um novo percentual vinculado para o ensino (25% em lugar de 18%) e subvinculação de 75% para a educação superior, através de um Fundo. Nos Estados, os gastos têm crescido em valores reais, assim como as matrículas. Mas as novas vagas nas universidades estaduais estão sacrificando a atenção ao ensino médio e à educação fundamental de jovens e adultos. Temos três sugestões: 1) vinculação mínima de 5% das receitas de impostos e transferências à educação superior – acima dos 25% já destinados ao ensino pela Constituição Federal; 2) esforço de arrecadação maior de ICMS, IPVA e principalmente ITCM – imposto sobre as heranças, hoje visivelmente subfaturado; 3) novas fontes alternativas para pagamento dos inativos da educação, liberando suas despesas para a MDE. Kipper
Padre Roque ensino superior, oferecido em instituições formais, começou a existir no Brasil com a transmigração da família real para o Rio de Janeiro. Eram cursos gratuitos, financiados pela erário real, que naquele tempo tinha como principal fonte o “quinto da Coroa”, cobrado sobre os produtos exportados do Reino e das colônias. Com a Independência, o tema da universidade veio à tona com mais força. Deputados da Constituinte queriam universidade em Minas Gerais, em Pernambuco, na Bahia, em São Paulo e, é claro, na corte do Rio de Janeiro. Até 1920, ocorreu uma preguiçosa expansão do ensino superior, financiado sempre por impostos. A crescente industrialização mudou o cenário: surgem a USP, a UPR, a UDF e a Universidade do Brasil; em 1931, o MEC; e em 1934, a vinculação para a educação de 10% dos impostos da União, que poderiam ser investidos no crescimento do ensino superior. Daí para frente, o Ministério da Educação vai fundar universidades ou “federalizar” dezenas de instituições de ensino superior que nas capitais e maiores cidades absorviam uma demanda crescente de estudantes. Essas novas universidades eram sempre financiadas pela arrecadação crescente dos impostos. Os Estados cuidavam de expandir suas redes de ensino primário e secundário. Somente São Paulo teve fôlego de investir uma parte de seu crescente ICM em sua grande e exemplar universidade, a USP. A Constituição Federal de 1946 garantiu a continuidade da aplicação de impostos no ensino superior, de forma crescente, mesmo com a queda da vinculação em 1967. Foi no período militar que multidões de concluintes dos cursos secundários pressionaram a criação, em todos os Estados, de universidades federais.E abriu-se um filão até hoje inesgotado para a iniciativa privada entrar com cursos pagos em todas as regiões e áreas do conhecimento. Mas a inclusão do custeio de hospitais universitários e do pagamento dos inativos, cada vez mais nu-
Estas sete sugestões podem alavancar aproximadamente R$ 6 bilhões a mais em curto prazo, R$ 4 bilhões no âmbito da União e R$ 2 bi nos Estados. E, em médio prazo, bem mais que isto. Esses R$ 6 bilhões a mais para os R$ 11 bilhões de despesas atuais representam a possibilidade de dobrar as vagas e talvez reverter o ritmo atual de privatização. Alguns pensam que a única saí-
da para sustentar a educação superior pública seria cobrar mensalidades dos alunos de classe alta e média. O PT é contra o ensino superior pago por três motivos: a educação escolar em qualquer nível é um direito, não uma mercadoria; a receita de mensalidades não representaria 30% dos atuais recursos e esgotaria seu potencial de solução para o problema da demanda em dois anos; e porque criaria uma tendência de a universidade direcionar sua oferta para a demanda dos que podem pagar. A proposta é a criação de um recurso público, com destinação específica para a educação superior. Seria uma contribuição social de 2 a 3% da renda bruta declarada no IR, a ser paga pelos detentores de diploma de cursos de graduação e pós-graduação obtidos em instituições públicas e gratuitas, diretamente para sua universidade. Quem tivesse diploma de curso pago ou uma renda anual inferior a R$ 25 mil estaria isento. Pelos nossos cálculos, de três milhões de diplomados em cursos gratuitos, cerca de dois milhões seriam contribuintes, com aporte médio de R$ 1 mil por ano. Esse novo recurso representaria R$ 2 bilhões a mais, que seriam distribuídos para as instituições na medida do número e renda de seus exalunos. Seria o início de um “círculo virtuoso”: quanto maior a quantidade e qualidade dos egressos, tanto maior seria esta nova fonte direta de recursos públicos, que responde à necessidade de distribuição e de retribuição de renda e de sucesso. E o fato de esta contribuição ser recolhida diretamente para cada universidade, federal ou estadual, teria um “efeito colateral” positivo: reforçar a autonomia de cada instituição, que investiria estes recursos no aumento das vagas, em suas sedes e poderia reservar uma parte para valorizar seus profissionais, além abrir concurso para acolher os mestres e doutores que enfrentam problemas de emprego e são hoje absorvidos pelas universidades privadas. Padre Roque é secretário da Educação do Estado do Paraná
Quanto vale a soberania do Brasil? Ivan Valente
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Banco Mundial se propõe a emprestar ao Brasil US$ 8 bilhões. Em dez anos (1987-97), recebemos US$ 17 bi, dos quais já foram “repostos”, com juros e pagamentos, US$ 27 bi. O Brasil é o segundo maior contribuinte do Banco Mundial, mas não define suas políticas. O Banco Mundial é formado por mutuários e contribuintes de vários países, mas o único que determina as políticas a serem seguidas é o país centro do império: os Estados Unidos da América, impondo aos países mutuários suas políticas neoliberais de ajuste, a pretexto de estar emprestando-nos dinheiro. Pois todo empréstimo, quer seja do Banco Mundial, do BID ou do Fundo Monetário Internacional, vem condicionado à execução de metas e objetivos fiscais, bem como delineado por diretrizes consolidadas nos documentos estratégicos destas instituições. O último que veio à lume, “Políticas para um Brasil Justo, Sustentável e Competitivo” traz várias novas (mas velhas) exigências. Esses organismos vêm impor, por
meio de documentos estratégicos como esse feito pelo Banco Mundial, a idéia de que temos de aumentar o superávit primário, diminuir a relação dívida/PIB, fazer mais ajustes fiscais e a reforma da Previdência. Traz a idéia de que o mercado pode ajustar e regular a vida, devendo estar livre de qualquer regulamentação e legislação que o constranja. E, para tanto, é necessário diminuir o chamado “Custo Brasil”, que é o quanto o empregador paga para a garantia de direitos dos trabalhadores. Ou seja, trata-se do debulho destes direitos, delineando sugestões para reformar as relações entre capital e trabalho (reforma trabalhista), o regime da previdência e os tributos. Tudo isto elaborado nos gabinetes do Banco, que enviam seus representantes a transitarem nos palácios para fechar as negociações. Ainda entre as exigências do Banco, salta aos olhos aquela que se refere à mudança na forma de financiamento do ensino público, em especial o ensino superior, no qual, alegam, “os gastos beneficiam apenas poucos privilegiados” e que, assim sendo, a
sua gratuidade deveria ser abolida e o sistema privatizado. Não de hoje que o Banco insiste na tese, e o tanto que se encaminhou para a privatização do ensino superior, com a abertura indiscriminada de universidades privadas, foi o quanto as políticas de cunho neoliberal no país puderam avançar, sobretudo no governo FHC, satisfazendo o quanto pôde o Banco Mundial. Como podem vir nos impor regras sobre assuntos que cabem a nós brasileiros discutir soberanamente? É que negócios são negócios. Por detrás desta exigência está o interesse dos Estados Unidos no mercado do ensino superior, com a inclusão da educação no Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços da Organização Mundial do Comércio. Se o acordo for firmado, todos os benefícios do sistema público devem ser estendidos a todas as instituições, nacionais ou estrangeiras, de modo que a “livre concorrência” se efetive. Aí, vale tudo – a educação deixa de ser um bem público para ser uma mercadoria como outra qualquer, os direitos sociais são convertidos em bens de consumo. Para tanto, o primeiro passo é acabar com a
gratuidade (contra a qual sempre será difícil concorrer). É preciso acabar com o sistema público que, historicamente, organizou e fecundou o “pensamento do contra” – contra a desigualdade e injustiça, contra os parâmetros civilizatórios vigentes, contra a ordem do capital. É preciso afastar a reflexão que encontre raiz no desenvolvimento nacional autônomo e soberano e importar pronto um produto estrangeiro. A questão é da maior gravidade, justificando a criação da Frente Parlamentar em Defesa do Financiamento Público e da Soberania Nacional no Congresso Nacional e de uma legislação que passe a controlar, fiscalizar e autorizar os empréstimos do Banco Mundial, do BID e do Fundo Monetário Internacional. Empréstimos são bem-vindos para financiamentos, investimentos, mas não com imposições de políticas públicas que ataquem a soberania e vitimem os trabalhadores e o povo brasileiro em seus direitos, bem como as futuras gerações.
Ivan Valente é deputado federal pelo PT de São Paulo
AGENDA
Confira algumas atividades populares, sociais e culturais desta semana. Para incluir seu evento nesta agenda, envie uma mensagem eletrônica para agenda@brasildefato.com.br
LIVRO SP - LANÇAMENTO O JORNALISMO CANALHA, DE JOSÉ ARBEX JR., EDITORA CASA AMARELA
NACIONAL SP - ENCONTRO JURÍDICO CONTINENTAL SOBRE A ALCA ● De 29 a 31 O objetivo do encontro é discutir amplamente as questões fundamentais sobre a Área de Comércio das Américas (Alca), como soberania e constitucionalidade, governabilidade e democracia, mundo do trabalho, crescimento econômico, indústria, comércio, acesso a mercados, meio ambiente, agricultura, direitos humanos e solução de conflitos. Serão discutidos aspectos jurídicos, econômicos e políticos, para possibilitar maior participação da sociedade nas definições sobre as negociações da Alca, tendo como pressuposto a justiça social e os direitos humanos.Os títulos das conferências são “Constitucionalidade e Soberania”, “Mundo do Trabalho e Solução de Conflitos”, “Serviços e Compras Governamentais”,“Agricultura”,“Comércio, Indústria e Soluções de Conflitos”,“Direitos Humanos”,“Mundo do Trabalho e Solução”,“Propriedade Intelectual e Maio Ambiente” e “Investimentos”. Políticos e especialistas nacionais e internacionais participarão do encontro. Entre os nomes confirmados estão o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel; o especialista em comércio internacional Walden Bello, das Filipinas;Antonio Raudilio Sanchez, presidente da Associação de Juristas de Cuba; Lori Wallach, advogada e diretora da Public Citizen; Elizabeth Drake, representante da AFL-CIO, a maior central sindical dos Estados Unidos; Anuradha Mittal, diretora do Institute for Food and Development Policy; Beverly Keene, coordenadora do Jubileu Sul na Argentina; Steven Shrybman, advogado da organização Council of Canadians; e Beinuzs Szmuclker, presidente da Associação Americana de Juristas. Do Brasil, participam João Pedro Stédile, da Via Campesina; o advogado Américo Masset Lacombe; o brigadeiro Sérgio Ferolla; Wilson Cano e Mariano Laplane, professores da Universidade Estadual de Campinas, entre outros. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mendes Faria Mello, o senador Eduardo Suplicy (PT/SP) e os deputados Luiz Eduardo Greenhalgh e Aldo Rebelo também estarão presentes. Organização: Grito dos Excluídos Continental, Jubileu Sul, Campanha Continental Alca Local: Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), Piracicaba Mais informações: (11) 3275-4789 / 3271-1237 e 9613-0247
MÚSICA LATINA SP - TARANCÓN E RAÍCES DE AMERICA Dias 30 (21h) e 31 (19h) Encontro histórico dos dois principais grupos de música latino-americana dos anos 70 e 80. O show faz parte do projeto Guantanamera, em comemoração aos 150 anos de nascimento do poeta cubano José Martí. Antigos rivais,Tarancón e Raíces de América cantam juntos pela primeira vez. Ingressos: R$ 5. Local: Memorial da América Latina, Auditório Simón Bolívar, Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, São Paulo Mais informações: (11) 3823-4600
IMPRENSA RJ - SEMINÁRIO: “MÍDIA E FAVELA” Dia 26, a partir das 13h Promovido pelo Brasil de Fato juntamente com a Associação Brasileira de Imprensa e o Movimento Popular das Favelas, o seminário vai propor formas de superar o preconceito em relação às favelas e seus moradores e discutir a cobertura da imprensa brasileira sobre o assunto. O seminário vai reunir personalidades dos diversos segmentos culturais, políticos e religiosos, como o professor e jornalista Marco Morel; a professora Cecília Coimbra, do
Grupo Tortura Nunca Mais e especialista em temas sobre a violência urbana; o compositor Zeca Pagodinho; o jornalista Hector Escobar, cor respondente a Agência Venezuelana de Notícias Venpress. Local: Auditório da Associação Brasilelira de Imprensa, 9º andar, Rua Araújo Porto Alegre 71, Rio de Janeiro. Mais informações: (21) 2240-7693
RÁDIOS COMUNITÁRIAS DF - V CONGRESSO NACIONAL DA ABRAÇO DE 24 A 26 O tema do congresso, organizado pela Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitár ia (Abraço Nacional), será “A Radiofusão Comunitária e o Governo Lula” Local: Auditório Petrônio Portela do Senado Federal (Brasília) Mais informações: abraconacional@ibest.com.br
MOVIMENTOS SOCIAIS CE – DEBATE: “O MST E O GOVERNO LULA” Dia 22, 19h Programação que integra o Observatório da Conjuntura. Será enfocada a atual situação agrária do país, discutindo o governo Lula, os movimentos sociais do campo e os
● Dia 25, às 19h30 Na ocasião haverá debate com o autor e os convidados João Pedro Stedile (MST), Hamilton Octávio de Souza (Revista Sem Terra), Carlos Dornelles e Freddy Balzán, cônsul da Venezuela Local: Auditório 333, 3º andar, Edifício Novo da Pontifícia Universidade Católica (PUC), Rua Monte Alegre, 984, São Paulo Mais informações: (11) 3819-0130
latifundiários. O palestrante será Ademar Bogo, integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O Observatório da Conjuntura é uma realização da CASA, espaço de experimentação de cultura e política de esquerda. No local funciona o escritório político de quatro parlamentares do PT e a sede cearense do Jornal Brasil de Fato. Local: Avenida Santos Dumont, 1028, Aldeota, Fortaleza Mais informações: (85) 253-5423, 257-5630
DESERTO VERDE ES - CICLO DE DEBATES: DESENVOLVIMENTO DE QUÊ E QUEM?
PARA
Até dia 22 Promovido pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde, o ciclo de debates irá abordar os seguintes assuntos: o uso da terra, a função do Estado e da sociedade civil na implantação de uma política agrária e seus impactos sócio-econômicos no campo e na cidade. O evento vai contar com a participação de representantes de movimentos sociais, do poder judiciário, lideranças políticas e religiosas, quilombolas e representantes veículos de comunicação alternativos no Espírito Santo. Local: Museu de Arte do Espírito Santo (MAES) Mais informações: (27) 3322-6330 ou (27) 3223-7436
MULHERES DF – MARCHA DAS MARGARIDAS 2003 RAZÕES PARA MARCHAR Dia 26 A marcha, promovida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e por diversas entidades parceiras, espera reunir 50 mil trabalhadoras em Brasília. As agricultoras realizarão manifestações por terra, água e salário mínimo digno. A questão da água e o combate à violência no campo também integram as reivindicações das Margaridas. No ano de 2000, a primeira Marcha das Margaridas, que representou a Marcha Mundial das Mulheres no Brasil, reuniu 20 mil trabalhadoras rurais, na maior manifestação de mulheres da história do Brasil. Local: Parque da cidade, Brasília Mais informações: www.sof.org.br,
MOVIMENTO SINDICAL SP – COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DA CUT A Central Única dos Trabalhadores irá co-
memorar a passagem dos seus 20 anos de idade no mesmo local em que foi fundada, em 1983: o Pavilhão Vera Cruz, em São Bernardo do Campo (SP). Durante dez dias haverá atividades comemorativas. A solenidade que irá marcar o aniversário será dia 28 de agosto, quando a CUT homenageará todos os ex-dirigentes que passaram pela Executiva Nacional e dará posse oficial à nova Executiva eleita no 8º Congresso Nacional, realizado em junho. No dia 29, no mesmo Pavilhão Vera Cruz, a CUT e a Rádio CBN realizarão um debate transmitido ao vivo para todo o país: “Os desafios do crescimento econômico”. O radialista Heródoto Barbeiro mediará o debate entre o presidente da CUT, Luiz Marinho; o ministro da Fazenda, Antônio Palocci; o economista Luiz Gonzaga Belluzzo e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, Horácio Lafer Piva. A participação é aberta. Mais informações: (11) 3272-9411
DEBATE SP – CICLO: “ADORNO HOJE” Até dia 18 de novembro O ciclo de debates será em homenagem ao centenário de nascimento de Theodor W. Adorno (1903-1969). Entre os participantes estarão professores de diversas universidades de São Paulo e Brasília, de convidados estrangeiros e artistas, com o intuito de discutir a atualidade de um pensamento que permanece vivo. O evento pretende focalizar, nos encontros programados, alguns temas e objetos específicos abordados pelo autor, buscando neles o sentido das mediações que os ligam à história e às contradições da sociedade como um todo. Local: Instituto Goethe São Paulo, Rua Lisboa, 974, Pinheiros, São Paulo Mais informações: (11) 3088- 4288
RELIGIÃO DEBATE: “AFIRMANDO
O SAGRADO
DIREITO DE DECIDIR EM TEMPOS DE FUNDAMENTALISMOS”
Dia 22, às 19h O debate marca a comemoração de 10 anos da organização não governamental feminista “Católicas pelo direito de decidir”, e irá discutir o projeto de reconhecimento legal das união entre pessoas homossexuais, e denunciar o preconceito que ele contém ao negar seus direitos civis como cidadãos. Entre os debatedores estão: Frances Kissling, Ivone Gebara, Mary Hunt, Fátima Jordão. Local: Câmara Municipal de São Paulo, Viaduto Jacareí, 100, São Paulo Mais informações: (11) 3107-9038
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CULTURA
Um projeto de inclusão social ensina jovens da zona Leste de São Paulo a fazer jornalismo crítico e valorizar seu bairro; na zona Sul, a Cooperativa Cultural da Periferia reúne talentos da comunidade para cantar e declamar em saraus semanais
PERIFERIA
Luciney Martins/Rede Rua
Jovens mostram o outro lado da notícia Letícia Baeta, da Redação
Um grupo de jovens da Cidade Tiradentes, na periferia de São Paulo, montou um serviço de comunicação local que veicula notícias de interesse da comunidade. Com visão crítica, os jovens “jornalistas” também combatem a manipulação das informações pela grande imprensa - em especial no que se refere à tendência da mídia em estigmatizar o distante bairro da zona Leste da cidade como um centro de criminalidade. Esse “núcleo de reportagem” é fruto de um projeto social coordenado pela Equipe Mídia e Ação, que faz parte do Projeto Ativismo Midiático - iniciativa de jornalistas voluntários que trabalham com mais um grupo de jovens, o Paramídias Populares, das zonas Oeste e do Centro de São Paulo. Para produzir o noticiário, os jovens “jornalistas” participam de oficinas de comunicação, saem a campo para apurar os fatos e redigem textos que são publicados numa página da Internet (veja o quadro ao lado). O grupo procura fazer o que chama de “contra-informação”, ou seja, veicular as notícias a partir da visão de quem está dentro da periferia. O portal é abastecido semanalmente, sob a orientação de profissionais do Mídia e Ação. A equipe da Cidade Tiradentes foi convidada a participar do IV Encontro de Mídia Alternativa, Next 5 Minutes (“Os Próximos 5 Minutos”, em inglês), em Amsterdã (Holanda), que começa dia 11 de setembro. Mas a viagem depende de patrocínio para as passagens. O grupo precisa conseguir recur-
Moradores de Cidade Tiradentes desmentem ‘pedágio` 13/03/2003 19:24
■ Integrantes da Equipe Mídia Ação, que atua na Cidade Tiradentes, periferia de São Paulo sos para custear a viagem dos nove integrantes, que deve ficar em R$15 mil. Até agora, a única conquista foi uma parceria com a Rádio 89 FM para anunciar a viagem e o trabalho realizado. Jeferson Lima de Souza, 25 anos, um dos integrantes da equipe, milita há mais de dez anos na região. Começou com um grupo de estudo marxista e já realizou diversas palestras sobre cidadania. Desde março, a Equipe Mídia e Ação promove palestras e oficinas de comunicação na Cidade Tiradentes com o intuito de criar um senso crítico na comunidade. Souza afirma: “O pensamento dominante ainda é o do Jornal Nacional, da Rede Glo-
bo. As pessoas com pouca instrução engolem o noticiário e isso vira verdade absoluta”. É esse comportamento que o grupo pretende transformar. “Queremos dar voz para o que há de bom na comunidade. Há dezenove anos, a Cidade vem apanhando, principalmente da TV Globo, que só mostra morte e violência”, acrescenta Souza. O objetivo desses profissionais da comunicação, segundo Alexandre Spatuzza, um dos mentores do projeto,“é ensinar aos jovens o jornalismo cidadão, criar a base para a Equipe Mídia e Ação, ensinar a captar recursos, como por exemplo as despesas da viagem para Holanda, e estimular o grupo a se tornar independente”.
A Cidade Tiradentes é formada por quatro conjuntos habitacionais (Cohab), ao redor do qual se aglutinaram várias casas e barracos. Segundo dados da própria Cohab, a população do bairro era de quase 400 mil habitantes, em 2002. No início do mês, a subprefeitura local promoveu o Pré-Fórum da Juventude, em que foram sugeridas políticas públicas para a população jovem da comunidade. Mas as iniciativas concretas não têm apoio do poder público. “Além da Equipe Mídia e Ação, o Força Ativa e a Oficina Cultural Hip Hop têm foco nos jovens que estão na rua sem fazer nada”, afirma Souza.
Tatiana Azevedo
Ilustres desconhecidos que fazem arte
BRASIL DE FATO De 21 a 27 de agosto de 2003
Tatiana Azevedo e Tatiana Merlino, da Redação
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Nem o frio de São Paulo consegue esvaziar o bar do Zé Batidão nas noites do sarau organizado pela Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa). No Zé Batidão, há cerca de um mês o sarau transformou o bar, em Piraporinha, Zona Sul de São Paulo, em um centro cultural. Toda quarta, mais de oitenta pessoas se reúnem, entre moradores da região e curiosos, para ouvir poesias, músicas ou simplesmente depoimentos pessoais. “As nossas mulheres apaixonadas vêm aqui fazer poesia”, conta o poeta Sérgio Vaz, responsável pelo projeto. Cr iada há três anos, a Cooperifa busca alternativas para a exclusão cultural da periferia. Segundo Vaz, o local escolhido foi um bar, pois é esse o principal espaço de integração social dos moradores da região, já que não há centros culturais na periferia da cidade. O sarau é um novo motivo para a reunião dessas pessoas. A noitada se torna possível porque um dos participantes empresta as caixas de som e o microfone. “Fazemos um rateio com o pessoal para pagar a condução”, conta Vaz. A vizinhança também apóia o acontecimento: a dentista do bairro dá 10% de desconto para quem freqüenta o sarau, e às vezes sorteiam-se três cortes de cabelo num salão dos arredores. São maneiras de estimular o convívio entre as pessoas, o comércio local e a inserção cultural de gente que não tem contato com arte. “Muitos viram uma apresentação de teatro pela primeira vez aqui”, conta Vaz. O acesso à poesia e à possibilidade de ser ouvido ajudam a de-
Transcrição de reportagem realizada pelos jovens do Mídia e Ação, publicada na página do grupo na Internet (www.zope.com.br/p0/ vazquez/cyberjornalismo/raiz/)
■ Moradores de Piraporinha reúnem-se às quartas para ler poesias, cantar e contar histórias senvolver o hábito da leitura. “O sarau me estimulou a escrever, me ajuda na comunicação e na autoestima. A gente se sente importante”, diz o poeta Gesiel Sanches da Silva, conhecido como Kenya. Samantha Pilar Ferreira concorda. Moradora da região, com apenas 15 anos, guardava seus poemas na gaveta, pois não acreditava que alguém se interessaria por eles. Na primeira vez em que foi a uma das noites da Cooperifa, já foi estimulada a compartilhá-los. Ela se sente parte de uma revolução:“As pessoas ficam surpresas porque é o povo da periferia, de quem não se espera qualidade. Quando eles ouvem um
texto bom, ficam perplexos, quase não acreditam”, diz. Ainda assim, as condições estão longe de ser ideais. “Nós pensamos em arte, mas não temos lugar na mídia”, conta Márcio Batista, poeta há dois anos. Sérgio completa:“Tem muita gente de talento, mas falta oportunidade”. E essa oportunidade é agora oferecida pela Cooperifa. O movimento pretende tirar o estigma de que seus moradores são todos traficantes. “Periferia não é só o que o Datena mostra no Cidade Alerta. O traficante é o único exemplo mostrado nesse programa. Então o poeta tem de ser o novo exemplo e o músico tem de ser também”, diz Vaz.
É uma quarta-feira gelada. Noite. A casa está cheia e o sarau vai começar. Sérgio Vaz pede silêncio e apresenta os artistas com um sorriso de satisfação. O primeiro poema declamado é Navio Negreiro, de Castro Alves. Como essa obra, grande parte das poesias são de cunho social. “Nós queremos a inclusão cultural. Queremos que o sarau cresça e atinja outros lugares, mas que os exemplos continuem na periferia para não se perderem”, afirma Vaz, que anuncia os planos do grupo para lançar um livro com a coletânea de todos os textos dos artistas da Cooperifa.
“Fiquei Surpresa”. É o que disse a moradora e comerciante cabeleireira Edileuza,do Barro Branco Distrito que fica na Cidade Tiradentes, ao saber através da grande imprensa que moradores deram declarações que, por falta de pagamento de ‘pedágio’, “traficantes haviam comandado o saque” ao supermercado Pomar que fica ao lado de seu salão, na Rua Antônio Carlos Mingue.Ela afirma nunca ter ocorrido pagamento de pedágio no local. Edileuza contou que algumas vezes mantém o seu comércio aberto até à 01:30 da manhã e nunca foi incomodada.Outros três comerciantes e residentes que se localizam já há muitos anos no bairro dizem que não existe e nunca existiu cobrança alguma. O supermercado localiza-se numa região muito movimentada com escolas, açougues, padarias e farmácias, perto de um terminal de ônibus, local este que serve não só como ponto comercial, mas também como residêncial, diretamente ligado a bairros como Inácio Monteiro e Castro Alves. Segundo o delegado titular da 54°DP, Filogene Rodrigues de Souza, foi um assalto simples e não um saque com o objetivo de matar a fome por terem sido levados máquinas registradoras,produtos de perfumaria e bebidas alcoólicas,fato constatado pela reportagem que visitou o mercado.As pratileiras estavam com uma boa quantidade de alimentos, enquanto as de outros produtos estavam quase vazias. O gerente do supermercado, Moises Dorielton, também acredita que as pessoas se reuniram para fazer um ato de vandalismo por não se tratar de pessoas que estariam realmente passando fome, o prejuízo do mercado foi de mais ou menos R$ 28 mil. O rendimento caiu, mas a população está ajudando o mercado. Ele diz também que costuma ajudar as famílias do local com alimentos. Como em qualquer lugar, há lados positivos e negativos, porém não podemos julgar o todo por atitudes violentas de um determinado grupo. Pessoas que cresceram e vivem no bairro até hoje nunca viram ou ouviram algo semelhante,portanto não acreditam que aconteça a cobrança do tal pedágio. “A razão desta ação é ainda desconhecida e objeto de investigação policial. Existe, no entanto, uma possibilidade de isto ser um alerta para a grave crise social e econômica pela qual o país está passando.Que roubar é crime, ninguém discorda, mas será que não há necessidade de uma investigação‘social’das reais causas de um acontecimento destes. Fica no ar a pergunta: Se foi um simples assalto, por que tanta gente mobilizou-se para arrombar um supermercado?” Integrantes da Equipe: Crislaine Andrade, Daniela de Camargo, Elisabeth Cristina de Lima, Jeferson Lima, Paula Fernandes, Weber Lopes Contato: midiacao@ativismomidiatico.com.br