BDF_028

Page 1

Circulação Nacional

Ano 1 ■ Número 28 ■ São Paulo ■ De 11 a 17 de setembro de 2003

R$ 2,00

Aperta o cerco aos pobres Jaime Puebla/AP/AE

Na reunião da OMC, em Cancún, os países ricos tentam, novamente, impor seus interesses

Governo de Vicente Fox, do México, montou forte esquema policial para reprimir manifestações populares anti-globalização

Chilenos lembram golpe de Pinochet Na semana em que são lembrados os 30 anos do golpe de Estado que assassinou o presidente chileno Salvador Allende, dia 11 de setembro de 1973, movimentos de direitos humanos do Chile organizam seminários e manifestações em todo o país. Familiares dos cerca de 3 mil desaparecidos durante a ditadura do general Augusto Pinochet fizeram greve de fome. Os parentes das vítimas não querem indenização, mas punição. Por isso, protestaram contra a proposta do governo Ricardo Lagos, que sugere a diminuição da pena de torturadores. Pág. 11

Grito dos Excluídos mobiliza 2 milhões no 7 de setembro Pág. 8

Pataxó lutam para retomar suas terras Pág. 13

Aumenta força da literatura de cordel Pág. 16

Transgênicos proibidos

Cai participação Violência no do Estado campo faz mais na Sabesp três vítimas Mediante manobras, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, conseguiu aprovar na Assembléia Legislativa, em agosto, a redução do controle estatal na empresa de água, ignorando sua função social. A prefeitura petista da capital paulista tem projeto para criar sua própria empresa de serviços de água e saneamento, que também poderia ser terceirizada. Mas em Cochabamba, na Bolívia, mobilização da população fez o caminho inverso, derrotando a privatização do setor e expulsando a estadunidense Bechtel do país. Pág. 5

Mais três sem-terra foram assassinados este mês: um em Alagoas, dia 7, e dois no Paraná, dia 2. Em Sergipe, a guarda civil realiza uma ação de despejo violenta, que resultou na hospitalização de um policial três semteto . Reforma agrária – Com a troca de presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os trabalhadores temem uma política de terras mercantilista. Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente da Comissão Pastoral da Terra, dom Tomás Balduíno, considerou o ministério da Reforma Agrária “uma excrecência”. Pág. 7

E mais: REFORMA TRIBUTÁRIA – Os poucos avanços na proposta, como taxação do patrimônio, foram suficientes para o ataque dos setores conservadores. O projeto segue para o Senado, onde deve sofrer alterações. Pág.5 PLANOS DE SAÚDE – Decisão do Supremo dá às empresas o direito de decidir o tempo de internação dos pacientes na UTI. A medida ameaça cerca de 2,4 milhões de pessoas que assinaram acordos a partir de 1999. Pág. 6 ÁFRICA – A suposta democracia racial conquistada pela África do Sul com o fim do apartheid, em 1994, está ameaçada. No país de maioria negra, um grupo de extrema direita volta a pregar a supremacia racial branca. Pág. 12 DEBATE – A reforma e a contra-reforma trabalhista são discutidas pelo deputado federal Vicente Paulo da Silva (PT-SP) e pela deputada Luciana Genro (PT-RS). Pág. 14

O Tribunal Regional Federal cassou a decisão da desembargadora Selene de Almeida, que favorecia a liberação do cultivo de sementes transgênicas. A cassação fortalece a luta dos movimentos sociais que, dia

12, vão acampar em Brasília. Para conter o crescimento das exportações brasileiras, os EUA pretendem impor quarentena à soja, sob o pretexto de contaminação. Pág.3

Paulo Bitenca

O

s países em desenvolvimento chegam ao encontro divididos. De um lado, o bloco de nações integrado por China, Cuba e Índia, entre outros, não aceita discutir questões como investimentos e compras governamentais, que comprometem a sua soberania. De outro, o Brasil insiste no acesso aos mercados para seus produtos agrícolas, correndo o risco de não conseguir nada. Enquanto isso, os países ricos avançam na defesa dos interesses de suas corporações, costurando acordos que não deveriam estar na OMC, como o de comércio de serviços. E o governo Vicente Fox armou esquema para impedir a entrada de líderes de movimentos antiglobalização como o boliviano Evo Morales, da Via Campesina. Págs. 9 e 10

Salvador: estudantes protestam contra aumento de ônibus

Pág.6


2

De 11 a 17 de setembro de 2003

NOSSA OPINIÃO

FALA, ZÉ!

Chantagem em Cancún Os Estados Unidos e a União Européia mantêm suas disputas e divergências no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), principalmente no que se refere à política de subsídios agrícolas. Isso não impede que ambos se unam para impor ao Brasil e aos países do chamado Terceiro Mundo a sua agenda de “livre comércio”, isto é, os interesses das suas respectivas corporações transnacionais. Prova disso é o documento conjunto por eles preparado como “contribuição” para o debate na Rodada de Cancun, concentrada sobre os temas mais vitais para o conjunto da humanidade: comida, agricultura e serviços. O documento conjunto, também assinado por Japão e Coréia do Sul, propõe a inclusão, nas negociações, dos chamados “novos temas”, ou “temas de Singapura”: investimentos, compras governamentais e políticas de concorrência. Trocando em miúdos, os “novos temas” têm por objetivo impedir, em nome do “livre comércio”, que governos nacionais adotem estratégias autônomas de desenvolvimento, mediante a criação, mobilização e proteção de indústrias e tecnologias consideradas vitais e estratégicas. Implicam a renúncia a qualquer projeto nacional soberano. Imagine, por um instante, o que seria o admirável mundo novo desejado pelas corporações: fazendas imensas cultivariam monoculturas (de soja, milho, trigo etc.) para exportação, com altíssima produtividade assegurada pelo uso de engenharia genética e doses colossais de herbicidas e pesticidas, sem qualquer consideração com os efeitos na saúde humana, na saúde dos animais e no ambiente. A água, privatizada, também será controlada por elas. Além disso, claro, os serviços de saúde, assim como toda a infra-estrutura pública (educação, saneamento básico etc.). E quem não tiver dinheiro para pagar por esses serviços? Paciência... Não se trata de ficção, embora pareça. A estratégia de impor os “novos temas”, exatamente com esse perfil, foi inspirada pela política de pressão e chantagem praticada pelos Estados Unidos sobre os países do Terceiro Mundo, mediante a adoção de negociações bilaterais ou regionais — como aquelas que, no contexto da América Latina, praticamente forçaram o Chile a assinar um tratado de livre comércio com Washington, ou ainda as que têm por objetivo criar o Acordo de Livre Comércio da América Central (Cafta). É óbvio que os negociadores estadunidenses, com esses acordos, querem isolar o Brasil – e, em menor escala, a Venezuela - no âmbito da América Latina, para mais facilmente impor a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Da mesma forma, EUA e EU prometem, agora, adotar uma política agrícola mais “flexível” aos países que resolverem adotar os “novos temas” para, com isso, dividir a oposição, em grande parte liderada pelo governo brasileiro. O documento conjunto dos EUA e da UE foi qualificado como “ultrajante” pelo chanceler Celso Amorim, mas a tática de “dividir para reinar” produz efeitos. Há países latino-americanos como Argentina, Chile, México, Costa Rica e Colômbia que, apesar de tudo, apóiam, ainda que parcialmente, a inclusão dos “novos temas” . Mas há, em todo o mundo, enorme resistência. Não por acaso, a Cidade do México e Cancun mais se assemelhavam a praças de guerra, no início da rodada de negociações. O deputado boliviano Evo Morales, dirigente da Via Campensina, foi impedido de entrar no país, assim como outros conhecidos ativistas da luta contra a globalização capitalista. Eles têm medo, por saber que lutam contra os interesses mais sagrados e legítimos dos povos do mundo.

CONSELHO POLíTICO: Marcos Arruda ■ Maria Dirlene Marques ■ Mário Augusto Jakobskind Mário Maestri ■ Nilo Batista ■ Oscar Niemeyer ■ Pastor Werner Fuchs Pedro Ivo ■ Raul Pont ■ Reinaldo Gonçalves ■ Renato Tapajós ■ Ricardo Antunes ■ Ricardo Rezende Figueira ■ Roberto Romano ■ Rodolfo Salm ■ Rosângela Ribeiro Gil ■ Sebastião Salgado ■ Sérgio Barbosa de Almeida ■ Sérgio Carvalho ■ Sérgio Haddad ■ Tatau Godinho ■ Tiago Rodrigo Dória ■ Uriel Villas Boas ■ Valério Arcary ■ Valter Uzzo ■ Vito Gianotti ■ Vladimir Araújo ■ Vladimir Sacheta ■ Zilda Cosme Ferreira ■ ■ ■

Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL:

Participe do jornal O Brasil de Fato foi criado a partir da colaboração e da união de diversas pessoas e movimentos sociais comprometidos com um projeto popular para o país. Por isso, as reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos – jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. Basta entrar em contato com a redação ou com os comitês de apoio. As pessoas também podem se tornar colaboradoras do Brasil de Fato e propor reportagens, enviar eventos e ajudar a divulgar o jornal.

Acesse a nossa página na Internet www.brasildefato.com.br

Cartas dos leitores ACABOU A DISPUTA Creio que já passou da hora de abandonarmos a tese de que este governo está “em disputa”. Ele optou pelas classes dominantes. Em nove meses, não há políticas que indiquem melhoras para os trabalhadores. O conjunto das classes dominantes se mantém praticamente sem fissuras. As reformas propostas atendem aos interesses do capital. As alas progressistas do PT são expulsas. Mesmo reconhecendo que o jornal tem apresentado muitos dos problemas do governo, sugiro que o Brasil de Fato – cujo potencial crítico é visível – se distancie do governo Lula, denunciando o desserviço para os trabalhadores que este governo representa, com desastrosas conseqüências materiais e ideológicas. É necessário se pensar em uma alternativa partidária. Felipe Gava Cardoso, Americana (SP) POUCOS FATOS O nome Brasil de Fato não faz

Alípio Freire ■ César Benjamim ■ César Sanson ■ Hamilton Octávio de Souza ■ Kenarik Boujikian Felippe ■ Luiz Antonio Magalhães ■ Luiz Eduardo Greenhalgh ■ Luiz Bassegio ■ Maria Luísa Mendonça ■ Milton Viário ■ Nalu Faria ■ Neuri Rosseto ■ Plínio de Arruda Sampaio Jr. ■ Ricardo Gebrim

jus ao conteúdo deste jornal, que é muito bom, porém, é muito político e pouco factual. Aborda questões amplas, internacionais e não se aprofunda em questões pontuais. Pode ser que eu esteja enganada, mas não vi matéria falando sobre o estatuto do desarmamento, ou falando dos assassinatos diários que ocorrem causados por pessoas portadoras de armas. Fala-se muito de movimentos, manifestações, protestos, EUA, Iraque, transgênicos, mas pouco se fala de outros problemas brasileiros tão ou mais graves como estes. Adriana Aparecida Pereira Chainho, São Paulo (SP) SAUDAÇÕES Admiro muito a coragem de vocês de enfrentar a grande mídia e lutar contra o imperialismo e a rapina finaceira internacional. Continuem a luta. Gabriel, Aracajú (SE)

ESCLARECIMENT0 Na edição passada do Brasil de Fato, na página 8, no texto de chamada, atribuímos erroneamente ao Prof. Bautista Vidal, nosso entrevistado, a afirmação de que a explosão da Base de Alcântara teria sido fruto do servilismo dos técnicos brasileiros que não defendiam os interesses nacionais. Tanto no texto que abre a entrevista, como no conteúdo das análises do nosso entrevistado, estava expresso que “a explosão de Alcântara era fruto de anos e anos de servilismo dos dirigentes nacionais que não se respeitam nem defendem os interesses brasileiros frente aos interesses internos”. Na realidade, todo o progresso tecnológico brasi-leiro é fruto de um trabalho abnegado, de cientistas patriotas e competentes , sempre vítimas de algum tipo de restrição/sabotagem pelas políticas governamentais neoliberais ou da ação direta dos interesses externos sobre o Brasil. Pedimos desculpas ao Prof. Bautista Vidal pelo equívoco e aos leitores por induzi-los a erro, aqui reparado.

■ Editor-chefe: José Arbex Jr. ■ Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Marilene Felinto, Nilton Viana, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu, Bernardete Toneto ■ Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ■ Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Javelberg, Ricardo Teles ■ Ilustradores: Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, Natália Forcat, Nathan ■ Diretor de arte: Valter Oliveira Silva ■ Pré-impressão: Helena Sant’Ana ■ Revisão: André Fernandes ■ Jornalista responsável: José Arbex Jr. Mtb 14.779 Administração: Silvio Sampaio Secretaria de redação: Tatiana Merlino Assistentes de redação: Letícia Baeta, Maíra Kubík Mano e Tatiana Azevedo Sistemas: Sérgio Moreira Programação: André de Castro Zorzo Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 Campos Elíseos – CEP 01218-010 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP

redacao@brasildefato.com.br Gráfica: FolhaGráfica DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA PARA TODO O BRASIL EM BANCAS DE JORNAIS E REVISTAS FERNANDO CHINAGLIA RUA TEODORO DA SILVA, 907 TEL.: (21) 3875-7766 RIO DE JANEIRO - RJ

Quem somos Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores.

COMO PARTICIPAR Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br.

QUANTO CUSTA O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00.

COMITÊS DE APOIO Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato.

AL BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA -

brasil-al@brasildefato.com.br brasil-ba@brasildefato.com.br brasil-ce@brasildefato.com.br brasil-df@brasildefato.com.br brasil-es@brasildefato.com.br brasil-go@brasildefato.com.br brasil-ma@brasildefato.com.br brasil-mg@brasildefato.com.br brasil-ms@brasildefato.com.br brasil-mt@brasildefato.com.br brasil-pa@brasildefato.com.br

PB PE PI PR RJ RN RO RS SC SE SP

-

brasil-pb@brasildefato.com.br brasil-pe@brasildefato.com.br brasil-pi@brasildefato.com.br brasil-pr@brasildefato.com.br brasil-rj@brasildefato.com.br brasil-rn@brasildefato.com.br brasil-ro@brasildefato.com.br brasil-rs@brasildefato.com.br brasil-sc@brasildefato.com.br brasil-se@brasildefato.com.br brasil-sp@brasildefato.com.br

Para assinar, ligue (11) 3038-1432 ou mande uma mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br


3

De 11 a 17 de setembro de 2003

NACIONAL SEGURANÇA ALIMENTAR

Justiça proíbe transgênicos Agestado

População ganha com decisão do TRF proferida no dia 8 sobre cultivo e comercialização de OGMs Claudia Jardim, da Redação

■ Ação da Polícia Federal em fazendas com plantação transgênica

Consumidor (Idec), a decisão beneficia a população. “Isso garante a obrigatoriedade dos testes de impacto ao meio ambiente e dos riscos à saúde”, diz o técnico do Idec, organismo que junto com o Greenpeace é responsável pela ação civil que em resultou na liminar de proibição. PRECAUÇÃO A discussão sobre os trans-

Os EUA tentam enferrujar a soja Não bastaram os altos subsídios à agricultura. Para garantir sua hegemonia nas exportações, os Estados Unidos voltam a utilizar estratégias nada ortodoxas, como a proposta de quarentena da soja brasileira. Em resposta ao crescimento das exportações de soja do Brasil, que neste ano deve chegar ao posto de maior exportador mundial, o Departamento de Agricul-tura dos EUA propôs quarentena à soja. A alegação é que a safra brasileira estaria contaminada com a praga chamada ferrugem da soja. Para detectar a suposta presença da doença nas lavouras, Hossein El-Nassar, funcionário do Departamento de Agricultura dos EUA, fez uma visita não autorizada à região de Barreiras (BA). A estranha presença do funcionário norte-americano foi denunciada pelo chefe de gabinete da Secretaria de Defesa Agropecuária, Jorge Salim Waquim. Ele chegou a levantar a hipótese de bioterrorismo porque o esporo (microorganismo que causa a ferrugem) está na lista de componentes para o terrorismo biológico elaborada pelos EUA. Após a visita, o Departamento de Defesa e Inspeção Vegetal (DDIV), do Ministério da Agricultura, recebeu a proposta de uma série de medidas de quarentena. A proposição, recusada pelos técnicos brasileiros, restringe a comercialização da soja brasileira e seus derivados com os Estados Unidos. Os especialistas brasileiros afirmam que as medidas de quarentena só poderiam ser aceitas se fossem precedidas de um processo oficial de análise de risco de praga, e não de uma simples visita. O ministério afirma que, mesmo no caso de contaminação da soja, o esporo não sobreviveria ao transporte da carga. SUSPEITAS Para o deputado federal Ivan

Valente (PT-SP), várias hipóteses podem ser levantadas sobre a presença de El-Nassar no Brasil. Uma delas é a tentativa de propaganda indireta da soja transgênica, supostamente isenta de doenças, e a consequente divulgação de contaminação do grão brasileiro, para enfraquecer o mercado nacional. Outro aspecto que intriga parlamentares e produtores rurais foi a liberação de El-Nassar sem investigar os motivos que o trouxeram clandestinamente ao País. Valente solicitou uma audiência pública com os ministérios da Agricultura e de Relações Exteriores para explicar o fato. Ao avaliar o caso, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, declarou que “o Brasil está tirando alguém do mercado e esse alguém não vai ficar satisfeito com isso”. “Tirar os EUA do mercado” significaria assumir o primeiro lugar no ranking de exportações, atingindo a comercialização externa na ordem de 8 bilhões de dólares. No entanto, apesar de os números revelarem que o Brasil só tem a ganhar com a manutenção do plantio da soja convencional, o ministro Rodrigues mantém-se favorável à liberação do cultivo de soja transgênica. (CJ)

SAFRA GAÚCHA A decisão dos cerca de 150 mil agricultores gaúchos, que apesar da ilegalidade prometem cultivar transgênicos, preocupa os dois lados em disputa. O plantio da próxima safra começa em 1º de outubro e, conforme o deputado Adão Pretto (RS), também do Núcleo Agrário do PT, a desobediência à lei está sendo estimulada pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). “Agora não há mais des-

gênicos no País passa longe de partidarismos e ideologias. O deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS), que integra a Comissão de Agricultura da Câmara, ficou insatisfeito com a decisão do dia 8. Para ele, a ilegalidade dos transgênicos representa um atraso ao desenvolvimento da biotecnologia no Brasil e traz intranquilidade aos produtores gaúchos. Para o deputado Edson Duarte

culpa para a Farsul enganar os produtores. Eles terão de cumprir a lei”, diz. Os produtores do Rio Grande do Sul, Estado responsável por cerca de 18% da produção de soja do País, jogam com a sorte. Acreditam que, a exemplo do que aconteceu na safra anterior, a comercialização da soja transgênica será liberada. O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, declarou que vai fazer cumprir a lei. LEI DE BIOSSEGURANÇA A contenda será decidida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “No momento certo”, como prometeu, será enviado ao Congresso o projeto de lei sobre os transgênicos, baseado em dados científicos e não ideológicos. Os movimentos sociais e organizações não governamentais não se preocupam apenas com a discussão científica. Estão atentos à soberania alimentar e às consequências do plantio de transgênicos para os agricultores. E, apesar de o governo federal não estimular o debate com a sociedade, uma pesquisa realizada pelo Ibope, em 2001, mostra que 71% dos brasileiros não querem comer alimentos transgênicos.

Ministério não avisa Embrapa sobre licenciamento A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) afirma: não foi notificada do licenciamento para pesquisas de campo com mamão transgênico. A autorização foi anunciada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no dia 25 de agosto. “Ficamos surpresos com a notícia porque até agora não recebemos qualquer documento oficial autorizando experiências em campo”, afirma Paulo Ernesto Meissner Filho, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura. Ele assegura que, até agora, os testes não saíram do laboratório. A ministra justificou o licenciamento durante almoço com empresários da Câmara de Comércio França-Brasil, alegando que o Brasil não pode se basear em estudos realizados nos Estados Unidos e Canadá. “Como é que vamos achar que os estudos feitos se aplicam automaticamente à realidade de um país que tem milhares de espécies diferentes?”, questionou. Desde 1993, a Embrapa realiza estudos com mamão transgênico. A intenção é desenvolver um gene que torne a planta resistente ao vírus da mancha

Cléo Velleda/Folha Imagem

Acabaram as dúvidas em relação à ilegalidade do plantio de transgênicos: no dia 8, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no Distrito Federal, cassou a decisão judicial que beneficiava a liberação dos transgênicos no país. Por dois votos a um, os desembargadores Antônio Ezequiel e João Batista Gomes Moreira derrubaram a decisão de 12 de agosto, proferida por Selene Maria de Almeida. Na ocasião, a desembargadora deu parecer favorável à ação da Monsanto, suspendendo a ação civil pública de proibição de cultivo e comercialização de transgênicos. Na prática nada mudou: ainda prevalece a Lei nº 10.688/03, que mantém a proibição de cultivo e comercialização de transgênicos para a safra 2004. “A decisão reestabelece o caos jurídico criado pela inócua decisão anterior”, avalia Mariana Paoli, coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace. Para Sezifredo Paz, consultor técnico do Instituto de Defesa do

(PV-BA), a decisão do TRF é positiva porque prioriza o princípio da precaução, privilegiando a saúde da população e a preservação do meio ambiente. “Foi um caminho de avanço à modernidade. A população não pode ser cobaia de experimentos de transnacionais”, afirma. O deputado Paulo Pimenta (RS), do Núcleo Agrário do PT e com posições favoráveis aos transgênicos, acredita que o governo federal deveria fornecer sementes para estimular o plantio convencional. “Os agricultores só têm semente transgênica e não comprarão a convencional. Existe mercado para os dois tipos de soja”, avalia.

■ Técnicos da Embrapa ficaram surpresos com testes em mamão

anelar transmitida pelo inseto pulgão. Segundo os pesquisadores, a doença é responsável pela queda de produção nas regiões de Cruz das Almas nos estados da Bahia e do Espírito Santo. Pairam muitas dúvidas quanto à legitimidade dos testes realizados com o mamão transgênico Sunset, dos Estados Unidos. O pesquisador Joe Cummins, da Universidade de Western Ontário (Canadá), revela mais um dado preocupante: a tecnologia utilizada no processo de modificação genética do papaia foi isenta de

qualquer avaliação de segurança pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos. Segundo Cummins, igual ao que acontece com outros alimentos transgênicos, a sequência genética utilizada para combater a mancha anelar é potencialmente alergênica. O pesquisador da Embrapa assegura que os testes brasileiros realizados em laboratório não apresentaram riscos de alergias. No entanto, concorda que a Embrapa só poderá concluir os testes depois de 4 anos de pesquisa de campo. (CJ)

Via Campesina monta acampamento em Brasília De 12 de setembro a 16 de outubro, acontece em Brasília o Acampamento Nacional contra os Transgênicos, pela Soberania do Brasil. Participam cerca de 600 trabalhadores rurais ligados à Via Campesina do Brasil. O objetivo do acampamento é mobilizar setores organizados da sociedade sobre a implemen-

tação do projeto de lei a ser enviado ao Congresso e que definirá o rumo dos transgênicos no país. Para conscientizar a população, palestras e debates abordarão os riscos que os organismos geneticamente modificados podem trazer para a soberania alimentar, à saúde e ao meio


4

De 11 a 17 de setembro de 2003

NACIONAL REFORMA TRIBUTÁRIA

Conservadores atacam os pequenos avanços da reforma Lauro Jardim, de São Paulo (SP) Aprovado em primeiro turno pela Câmara, na madrugada de quinta-feira, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que pretende criar um novo sistema de cobrança de impostos passou a ser alvo, nas últimas semanas, de uma verdadeira avalanche de críticas conservadoras. O ataque mira especialmente os poucos avanços defendidos pelo projeto, que tenta reduzir o peso dos impostos sobre consumidores e assalariados, transferindo parte da carga para grandes fortunas, donos de imóveis e de grandes patrimônios, seguindo uma tendência observada nos países mais desenvolvidos. Às custas de concessões de última hora aos Estados menos desenvolvidos, e aos municípios, o governo federal conseguiu 378 votos a favor, 70 acima do mínimo necessário. Apenas 53 deputados votaram contra. Criticada por reconcentrar poderes excessivos em mãos da União, e proibir Estados e o Distrito Federal de legislarem sobre matéria tributária, criando uma legislação única para o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), os alvos escolhidos pelos conservadores têm sido outros. Os ataques concentram-se, a esta altura, contra a progressividade definida pelo projeto para os impostos sobre herança, compra e venda de imóveis, propriedades rurais e contra a possibilidade de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) por meio de lei ordinária (o que, em tese, facilitaria sua aprovação e aplicação, na prática). A intenção, aqui, é cobrar mais de quem tem mais (daí a progressividade), aplicando-se alíquotas mais elevadas daqueles impostos aos maiores patrimônios e exigindo-se alíquotas proporcionalmente mais baixas quando menor for o patrimônio a ser tributado. Trata-se, portanto, de redistribuir a carga fiscal (o peso dos impostos), tornando-a menos injusta. ARREPIOS A simples menção à progressividade daqueles impostos parece causar arrepios de pavor nas correntes mais conservadoras da política e dos meios empresarial e financeiro. Na verdade, o Brasil não estaria inovando se e quando passar a adotar um tratamento tributário mais justo, cobrando o que é devido de quem tem mais condições de pagar. A baixa cobrança de impostos sobre patrimônio, aliás, ajuda a explicar a persistente tendência de concentração da renda em favor dos mais ricos. A taxação sobre o patrimônio, no país, responde por apenas 1,6% da receita total de impostos e sua arrecadação representa menos de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), que soma todas as riquezas e todo o patrimônio acumulados durante um ano pelos brasileiros. Nos países mais desenvolvidos do planeta, como Estados Unidos, Reino Unido e França, a participação daquele tipo de

Agestado

Projeto tenta cobrar mais impostos de quem tem mais e pretende abrir informações sobre empresas

■ Deputados governistas comemoram votação em primeiro turno da reforma tributária, após cederem à pressão da elite conservadora

impostos sobre as receitas totais dos governos varia entre 9% e quase 10%, chegando a quase 3% no caso francês. Comparada ao PIB, a taxação do patrimônio de estadunidenses, ingleses e franceses varia entre 2% a 3%, ou quatro a cinco vezes mais, proporcionalmente, do que no Brasil. Para contemplar as pressões mais conservadoras, o projeto que saiu da primeira votação na Câmara (e que deverá sofrer alterações no Senado, segundo ante-

PRINCIPAIS PONTOS (*) ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) ✓ Passa a ter apenas cinco alíquotas para todo o país, a serem definidas por resolução votada por três quintos do Senado Federal. ✓ A alíquota máxima será de 25%, mas alimentos de primeira necessidade e medicamentos de uso humano terão alíquota mínima, e poderão ser isentos, segundo lei complementar. ✓ Os incentivos fiscais concedidos até 30 de setembro de 2003 serão mantidos por 11 anos, três além da proposta inicial. Fica proibida a concessão de novos incentivos.

Fundo para exportações ✓ Vai compensar Estados e Distrito Federal pela perda com a isenção de ICMS dos produtos exportados, prevendo-se um total R$ 6,7 bilhões. Os Estados deverão destinar 25% dos recursos aos municípios.

ITR (Imposto Territorial Rural) e IPVA (Imposto sobre Valor Agregado) O Imposto Territorial Rural continua a cargo da União, mantendo-se o repasse de metade de sua arrecadação para o município onde se situa o imóvel. Fica mantida também a progressividade do imposto, de forma a desestimular as propriedades improdutivas. O IPVA passa a incidir

cipa o senador petista Aloizio Mercadante), a progressividade será facultativa no caso do imposto sobre compra e venda de imóveis inter-vivos (ITBI). Se passar no Senado, a progressividade será transformada em obrigatória para os impostos sobre heranças, que teve fixada uma alíquota máxima de 15%, em outra concessão aos conservadores, e imóveis rurais. IMPUNIDADE O projeto, de outra forma, con-

também sobre aviões, barcos, navios e jet skies. As alíquotas mínimas serão definidas pelo Senado e poderão ser diferenciadas, segundo o tipo e utilização do veículo.

Compra e venda de imóveis O imposto sobre compra e venda de imóveis continua na competência dos municípios. Sua alíquota poderá ser progressiva em razão do valor do imóvel (maior o valor, maior a alíquota), além de diferenciada de acordo com sua localização e uso.

Imposto sobre heranças e doações Permanece a cargo dos Estados.Terá alíquotas progressivas, que serão definidas por lei complementar, com limite máximo de 15%, admitida a diferenciação de alíquotas em razão do grau de parentesco.

seguiu excluir a proposta que favoreceria a impunidade de sonegadores em geral, que abria a possibilidade de adiar indefinidamente a abertura de processos pelo não pagamento de impostos. A proposta, recusada pelo relator do projeto, deputado Virgílio Guimarães (PT/MG), adiava a abertura do processo penal até o encerramento das discussões da dívida tributária em esfera administrativa. Na prática, tornavam quase nulas as chances de processar

Desvinculação de Receitas A desvinculação de receitas da União (DRU) será prorrogada até 2007. O governo federal poderá continuar usando 20% da receita de impostos e contribuições (retirando recursos de áreas como saúde) para pagar os juros de sua dívida.

Empréstimo compulsório Poderá ser criado somente por lei complementar e para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de desastre ambiental, de guerra externa ou sua iminência.

Serviços importados O Imposto de Importação e Imposto de Exportação poderão ser cobrados sobre serviços.

Imposto do cheque A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) permanece provisória, com alíquota de 0,38% até 2007.

Previdência

Contribuição sobre combustíveis

Zona Franca de Manaus e Informática Prorroga por 10 anos, até 2023, os incentivos fiscais à Zona Franca de Manaus, e mantem os benefícios da Lei de Informática até 2019.

A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) passa a incidir também sobre a importação de serviços. Os Estados ficarão com 25% da arrecadação para o financiamento de programas na área de transportes. Daquele percentual, os Estados repassarão 25% aos municípios, segundo critérios estabelecidos em lei.

Fica estabelecida a transição gradual da cobrança da contribuição à Previdência da folha de pagamento para o faturamento da empresa.

(*) Aprovados no primeiro turno de votação na Câmara Federal. A proposta ainda será apreciada pelo Senado.

criminalmente os sonegadores. Em outro avanço, o PEC abre um precedente importante na busca por maior transparência e justiça fiscais. Se aprovado nas próximas rodadas de votação na Câmara e no Senado, o projeto autoriza o acesso de associações e sindicatos em geral a informações relacionadas a benefícios, subsídios e vantagens fiscais concedidas a empresas. O sigilo, nesta área, tem contribuído para esconder concessões especiais e excessivas, que distorcem a concorrência entre empresas e concentram ainda mais a renda, ao transferir a grupos privilegiados uma parcela dos impostos pagos por todos os contribuintes. FAVORECIMENTOS Somente neste ano, somados os benefícios concedidos pelos governos estaduais e federal, as empresas receberão perto de R$ 50 bilhões, desviados dos impostos e retirados de setores essenciais como saúde e educação que enfrentam dificuldades e distorções gravíssimas, por falta de recursos. O projeto, no entanto, poderia ter avançado mais se tornasse obrigatória a publicação e divulgação à opinião pública, aos contribuintes, de todos os benefícios fiscais e, ainda, de toda e qualquer operação de empréstimo com recursos oficiais. Também condenada por setores empresariais e correntes mais conservadoras, a cobrança de impostos e contribuições sobre produtos e serviços importados, a bem da verdade, apenas restabelece condições de igualdade frente a empresas nacionais, que já pagam aqueles impostos. O país deixa de favorecer a importação, numa ajuda, ainda que modesta, no combate à torra de dólares.


5

De 11 a 17 de setembro de 2003

NACIONAL ESTADO MÍNIMO

Avança a privatização dos serviços de água em São Paulo Anamárcia Vainsencher, da Redação Lenta e firmemente, avança o processo de redução da presença do Estado nos níveis federal, estadual e municipal. Agora, os serviços essenciais estatais que ainda restaram, como o da água e de saneamento, estão passando ao controle de empresas privadas. No dia 27 de agosto, o governo Geraldo Alckmin (PSDBSP) reduziu de 70 para 51% o controle acionário do Estado na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Já a prefeitura petista da cidade de São Paulo pretende criar uma empresa municipal de serviços de água e saneamento, cuja futura concessão poderia ser terceirizada, inclusive à própria Sabesp. O Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema) ficou indignado com a aprovação do Projeto de Lei (PL) 410/03. Em nota, o Sintaema afirma que os deputados governistas, indiferentes às manifestações dos trabalhadores e do sindicato, fizeram valer a vontade do governador. Alckmin, diz a nota, reafirma seu compromisso com interesses privados, encolhe e desmonta o Estado, indiferente aos danos sociais que resultam deste processo. E desconsidera que a venda das ações da Sabesp compromete a função social da empresa. DESMONTE DO ESTADO

ATRAIR O CAPITAL O PL do governo paulista alterou a Lei 8.523, de 1993, que autoriza o Poder Executivo a alienar ações de propriedade da Fazenda do Estado. Pela lei, o

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem

Alckmin reduz controle estatal da Sabesp e prefeitura paulistana cria empresa de água e saneamento

■ Rodízio de água no Guarujá (SP): governador Geraldo Alckmin promove desmonte do Estado

controle estatal se dava pela posse de 2/3 das ações com direito a voto. Agora, o controle da Fazenda do Estado, será assegurado desde que detenha mais da metade (50% + 1) das ações com direito a voto. Ao justificar a alteração, o governo do PSDB argumentou que a exigência de controle de 70% acabava “inibindo a realização de operações no mercado de valores mobiliários, que podem contribuir para o fortalecimento da estrutura de capital da Sabesp, abrindo espaço para a realização de novos investimentos na área de saneamento básico”. Quanto à Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), quer, ela mesma, gerir os serviços de água

e de esgotamento sanitário da cidade. Para isso, enviou à Câmara, em 16 de abril, uma primeira versão de PL que, além de propor a criação de uma empresa municipal de água e saneamento (um objetivo do ex-prefeito Celso Pitta), cuja concessão poderá ser entregue a terceiros, admite a possibilidade de correção de preços e tarifas pelo câmbio. Aqui, leia-se dolarização, a exemplo do que fez o governo Fernando Henrique Cardoso com as empresas de telefonia. A idéia de entregar ao setor privado serviços essenciais como os de água e esgoto não é nova dentro do Partido dos Trabalhadores (PT). Em março de 2000, versão preliminar de estudo do Instituto Florestan Fernandes (Cen-

tro de Estudos e Pesquisas de Políticas Públicas do PT) levantava a hipótese de privatização de serviços de água e esgoto, uma alternativa para obter recursos para enfrentar os dois primeiros anos do mandato petista na cidade de São Paulo. RESISTÊNCIA O economista e vereador Odilon Guedes (PT-SP) considera que a PMSP tem o direito de gerir os serviços de água e esgotamento, mas discorda tanto da privatização, como da dolarização das tarifas. Guedes pondera que cerca de 60% do faturamento da Sabesp (o equivalente a R$ 3 bilhões anuais) são gerados no município de São Paulo.

Nem por isso, porém, a prefeitura tem qualquer participação no planejamento dos serviços prestados à cidade, e ainda levanta dúvidas se o preço da água cobrado pela Sabesp não é mais caro para os paulistanos do que para as populações de outras municipalidades atendidas. No projeto da PMSP, o caminho para a privatização do futuro serviço municipal de água e esgoto está no artigo 28, que admite a possibilidade de a municipalidade abrir mão da titularidade dos serviços em favor de terceiras empresas. E a correção de tarifas pela correção cambial está no artigo 7º do mesmo PL. Segundo Guedes, a prefeitura prometeu retirar esse último artigo do projeto de lei.

Tatiana Merlino, da Redação A concessão da água de Cochabamba, a terceira maior cidade da Bolívia, para a empresa estadunidense Bechtel, em 1999, é um dos maiores exemplos de conflitos gerados pela privatização do sistema de abastecimento de água. Assim que assumiu o controle, a empresa aumentou as tarifas e as indexou ao dólar, sem melhorar os serviços. Revoltada, a população levantou-se contra a privatização, e cerca de 100 mil pessoas foram às ruas protestar, até conseguir que o contrato de 40 anos com a Bechtel fosse rompido. O movimento ficou conhecido como “Guerra da Água”. Em entrevista ao Brasil de Fato, Elizabeth Peredo, uma das participantes do Encontro Jurídico Contra a Alca, realizado de 29 a 31 de agosto, em Piracicaba (SP), conta como a mobilização popular foi capaz de expulsar a Bechtel da Bolívia. Brasil de Fato – Como foi a privatização da água em Cochabamba? Elizabeth Peredo – Em Cochabamba, há grande escassez de água. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) pressionaram o governo boliviano para privatizar o ser-

Renato Stockler

Bolivianos expulsam transnacional Quem é Elizabeth Peredo é representante da organização de direitos humanos Fundação Sólon e do Movimento Boliviano de Luta Contra a Alca, que integra sindicatos, fundações, organizações não-governamentais e fundações.

viço de água, com a desculpa que ela era mal distribuída. A estadunidense Bechtel assumiu o abastecimento. Um dos primeiros golpes para a população foi a elevação das tarifas, de até 300% em certas regiões, além da indexação das tarifas ao dólar. Tudo isso sem melhorar o serviço. Muitas famílias chegaram a empenhar 60% de sua renda para pagar água. Também foi aprovada uma lei para a água potável, concedendo fontes de águas por 40 anos para a empresa, e de 5 anos para as comunidades. Permitia, ainda, que a empresa expropriasse as redes alternativas de água, e proibia qualquer sistema alternativo ao seu.

BF – Como o povo de Cochabamba conseguiu barrar as ações da Bechtel? Elizabeth – A “Guerra da Água” foi uma resposta dos movimentos sociais da Bolívia às estratégias das transnacionais e dos acordos de comércio para ampliar seus mercados. Para aprovar a privatização, o governo recorreu à força militar e, diante da resistência civil, o exército de todo o país foi enviado a Cochabamba. A mobilização popular de 2000 foi impressionante, estabeleceu elos entre as populações indígena e urbana. Durante oito dias a população tomou as ruas, e conflitos deixaram um morto e muitos feridos.

A luta de todos tinha os mesmos objetivos: a saída da Bechtel, a modificação da lei e a volta dos direitos civis. A partir da “Guerra da Água”, os grupos dominantes se deram conta do poder das mobilizações sociais, porque, com isso, conseguimos expulsar uma empresa e destruir um plano nacional de privatização. BF – E depois? Como está a situação da água em Cochabamba hoje? Elizabeth – Reconquistamos a empresa municipal, a Cemapa, de cuja direção participam os bairros. A população opina sobre a distribuição de água, para que seja mais justa. A

Cemapa está construindo um modelo de estruturas tarifárias por categoria social. É um trabalho interessante, mas muito difícil, porque se trata de uma empresa com controle social, num contexto neoliberal. BF – A luta contra a Alca começou com a briga contra a privatização da água? Elizabeth – Sim, esse foi o primeiro passo para se organizar na Bolívia um movimento contra a Alca. Com o episódio Cochabamba, nós vivemos o capítulo de serviços e o de inversões do acordo. O primeiro se refere à privatização, o segundo a uma legislação que protege as empresas privadas. Agora, a Bechtel exige da Bolívia idenização de 25 milhões de dólares por ter perdido a possibilidade de lucrar durante 40 anos. Só para se ter uma idéia, esse valor corresponde ao salário de 3 mil professoras rurais, durante um ano. No começo, o movimento era restrito a Cochabamba. Hoje, as críticas à Alca estão nas agendas de todos os movimentos sociais. Na Bolívia, há uma expectativa enorme de que o Brasil promova debates e ajude toda a América Latina a dizer não à Alca.


6

De 11 a 17 de setembro de 2003

NACIONAL EDUCAÇÃO

Estudantes páram Salvador Os estudantes de Salvador (BA) pararam a cidade por mais de uma semana, em protesto contra o aumento de tarifa dos ônibus municipais. A mobilização, que assumiu proporções inéditas na história recente do Estado, envolveu milhares de jovens e tornou a capital baiana a nova referência de luta para o movimento estudantil. O aumento, de R$ 1,30 para R$ 1,50, foi o segundo neste ano, acumulando 33,68% de reajuste. Dia 13 de agosto, foram feitas algumas manifestações localizadas. A partir do dia 28, o movimento se intensificou, quando alguns grêmios estudantis começaram a bloquear o tráfego dos ônibus. Durante as manifestações, um jovem que assistia a mobilização morreu atropelado por um ônibus. Nos dias que se sucederam, as mobilizações, que surgiam espontaneamente, paralisaram as principais avenidas, incluindo o centro e a área comercial da cidade. Esse movimento não tem liderança, mas tem representatividade, afirmou Roque Peixoto, presidente da Associação Baiana de Estudantes Secundaristas (Abes). Somente após uma semana de manifestações, em que toda a cidade teve a rotina alterada pela interrupção do transporte coletivo, a prefeitura deu os primeiros ace-nos para uma possível negociação. A reunião da prefeitura com os representantes estudantis, dia 4, garantiu uma série de conquistas, como a extensão da meia passagem para a pós-graduação e durante todos os dias do ano; o congelamento da tarifa por um ano e a reimplementação do Conselho Municipal de Transportes, com representação estudantil. O que parecia ser uma solução negociada demonstrou-se insuficiente e suscitou divergências entre os manifestantes. Alguns se sentiram excluídos das negociações, como os estudantes de cursinho pré-vestibular e de supletivos. Em assembléia realizada dia 5, com sete mil estudantes, foram rechaçadas as propostas acordadas com a prefeitura e os estudantes reafirmaram a disposição de não parar as mobilizações até que se aprove a redução da tarifa.

Welton Araújo/Folha Imagem

Débora Alcântara, Lília Souza e Paulo Magalhães Filho, de Salvador (BA)

■ Estudantes pressionam prefeitura e empresas para reduzir tarifas de ônibus de Salvador, que aumentou de R$ 1,30 para R$ 1,50

Impunidade na morte de estudante carioca Rodrigo Brandão, do Rio de Janeiro (RJ)* A morte de Kleber Mendonça Júnior – vítima da truculência das empresas de ônibus – continua impune mais de dois meses após o crime. Dia 1º de julho, Kleber foi atropelado em Bento Ribeiro, subúrbio do Rio de Janeiro, quando tentava embarcar em um coletivo pela porta da frente, por onde entram os passageiros amparados pela Lei do Passe Livre. O motorista Alexandre Ribeiro Duarte o impediu de entrar e ainda o arrastou preso na porta dianteira. O jovem, que por coincidência era filho de um motorista de ônibus, morreu atropelado pelo próprio veículo. A tragédia aconteceu um dia após o Tribunal de Justiça do Rio ter revogado a Lei Estadual do Passe Livre, que garante 100% de isenção nas passagens de ônibus intermunicipais a estudantes da rede pública, deficientes físícos e idosos – a gratuidade das pas-

sagens continua em vigor, graças a uma liminar. Detalhe: a revogação nem havia sido publicada no diário oficial – já que a justiça acabara de entrar em recesso – e não se estendia às linhas limitadas ao município do Rio, amparado por outra lei. Segundo o gabinete do deputado estadual Carlos Minc (PT), o fim do passe livre provocaria uma evasão escolar de 140 mil estudantes. Duarte, que responde ao crime em liberdade, vem sofrendo pressões da empresa onde trabalha para modificar seu depoimento – ele chegou a dizer que recebera ordens para não deixar ninguém entrar sem pagar – e assumir sozinho o crime. “Se o passe livre cair no Rio, único Estado com 100% de gratuidade, nenhuma lei semelhante emplaca mais”, preocupa-se Rodrigo Rubinatto, da Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas do Rio. *Colaboraram Rafael Rossi e Rodrigo Octavio

Provão dá lugar a sistema articulado Maíra Kubík Mano, da Redação O Provão, ou Exame Nacional de Cursos, está com os dias contados. Por sete anos, o exame foi uma das estrelas do projeto educacional do ex-ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, e deve acabar em 2004. A proposta de mudança vem da Comissão Especial de Avaliação, instalada pelo atual ministro Cristovam Buarque, com o objetivo de reformular o processo de avaliação do Ensino Superior. O relatório da Comissão deve ser encaminhado à Câmara dos Deputados para ser debatido publicamente. O novo Sistema de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), proposto pela Comissão, não se restringe à prova aplicada aos estudantes, mas pretende avaliar a universidade de forma ampla. Para José Dias Sobrinho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presi-

SAÚDE

Para Justiça, lucro acima da vida Jorge Pereira Filho, da Redação Dia 21 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar diminuindo direitos de cerca de 60% dos conveniados de planos de saúde. A decisão, polêmica, favorece os grupos privados do setor e coloca os lucros das empresas acima da vida. Os maiores prejudicados são aproximadamente 2,4 milhões de brasileiros que assinaram contrato com as operadoras antes de janeiro de 1999. “Na prática, a liminar atenta contra a saúde e a vida”, avalia Maira Feltrin, advogada do Instituto de Defesa do

Consumidor (Idec). Para entidades de consumidores e para a própria Agência Nacional de Saúde (ANS), a liminar não reduzirá direitos, pois continua valendo o Código de Defesa do Consumidor (CDC). De qualquer forma, os grupos privados ganharam um argumento para defender seus interesses. Se dependesse apenas do STF, os planos de saúde poderiam, arbitrariamente, despejar pacientes que estão internados em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) por mais tempo do que o previsto em contrato. Ou, então, reajustar mensalidades de conveniados com mais de 60

anos, sem autorização prévia da ANS. “Pelo código do consumidor, essas práticas são consideradas abusivas. Isso significa que o conveniado continuará resguardado, mesmo depois da decisão do Supremo”, explica Maira. Segundo um comunicado oficial da ANS, nada está decidido. O órgão, que regula a atuação dos planos de saúde, aconselha os usuários a não aceitar propostas de alteração contratual ou ajustes indevidos. A polêmica gira em torno da aplicação da Lei dos Planos de Saúde, que entrou em vigor no início de 1999. Para os grupos

privados, a legislação não poderia ser retroativa. Ou seja, conveniados antigos não teriam direito aos benefícios garantidos pela lei, como a proibição da definição de prazo máximo de internação em UTI. Passado esse período, pelos contratos antigos, o paciente poderia ser removido da UTI mesmo sem receber alta do médico. O Supremo acatou a reclamação das empresas de saúde. “A decisão do STF, no entanto, é uma liminar, e o Código de Defesa do Consumidor é uma lei. Há uma jurisprudência que favorece o conveniado no caso de um conflito com os planos de saúde”, diz Maira.

dente da Comissão, “trata-se de uma mudança de paradigmas porque estamos substituindo os instrumentos de avaliação isolados por instrumentos articulados entre si”. AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL O Sinaes está dividido em três partes: a auto-avaliação, que será realizada pela comunidade de cada universidade; a avaliação externa, organizada por um grupo nacional; e o Processo de Avaliação Integrada do Desenvolvimento Educacional e da Inovação de Área (Paideia). Considerado uma espécie de substituto do Provão, o Paideia será aplicado a grupos de estudantes e dividido por áreas do conhecimento. Além disso, cada aluno será avaliado no começo e no final do curso, para acompanhar a evolução do aprendizado. Rodrigo Pereira, diretor de Políticas Educacionais da União Nacional dos Estudantes (UNE) e membro da Comissão, ressalta o avanço no sistema de avaliação: “pela primeira vez, os estudantes poderão participar de todo o processo”. POLÊMICA Apesar da Comissão ter concluído seu relatório, o debate sobre o novo sistema de avaliação está apenas no começo. Há quem defenda o Provão para avaliar as diferenças dos cursos sob o mesmo parâmetro. Pelo Sinaes, levam-se em conta as particularidades de cada currículo e o propósito de cada universidade. Outro ponto polêmico é o ranking de instituições, elaborado a partir dos resultados do Provão, que deve ser extinto. Até este ano, os conceitos obtidos pelos cursos eram divulgados pelo antigo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Para Pereira, “os conceitos não refletiam o índice de qualidade do curso e não orientavam a instituição e o governo para promover qualquer melhoria”.


7

De 11 a 17 de setembro de 2003

NACIONAL REFORMA AGRÁRIA

Mudança no Incra gera surpresa respeita a autonomia dos trabalhadores. Não uma reforma agrária compensatória, neoliberal, de agência ou de mercado.” Também o deputado federal Adão Pretto (RS), do Núcleo Agrário do PT, se disse surpreso com a demissão de Resende. Para o deputado, “neste momento em que a direita está se radicalizando contra as lutas do povo, essa medida favorece apenas a ela e ao latifúndio”. Pretto confirmou que o Núcleo Agrário do PT não foi consultado nem informado sobre a demissão. Nas notas divulgadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, há preocupação com a possibilidade de mudança de rumo e um pedido para que se mantenha o compromisso histórico do Partido dos Trabalhadores com a reforma agrária. Os apelos das entidades e

Sal Freire, de Brasília (DF) Apesar de alguns jornais terem noticiado, dias antes, a iminente mudança no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e de hoje se saber que a demissão já estava decidida há pelo menos um mês, o próprio ex-presidente do órgão, Marcelo Resende, só tomou conhecimento da exoneração, por meio do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, dia 2, quando houve o anúncio para a imprensa. Para Resende, sua saída significa uma ruptura histórica: “Eu vinha desenvolvendo a política construída ao longo da história pelo Partido dos Trabalhadores, pelos movimentos sociais, baseada numa reforma agrária massiva, que enfrenta o latifúndio improdutivo, as terras griladas e que

Elza Fiuza/ABR

O presidente demitido, Marcelo Resende, foi pego de surpresa e diz que houve uma ruptura histórica

■ Rolf Hackbart (à esquerda), empossado na presidência do Incra

movimentos, feitos diretamente ao presidente da República, surgem aparentemente como último recurso na tentativa de salvar o que se apresenta como um naufrágio do “sonho de transformar a terra não em mercadoria, mas em um lugar que gere vida”, segundo a concepção de Resende.

ENTREVISTA

PARANÁ

Brasil de Fato – O que o senhor acha das possibilidades de arrendamento de terras ou de compra de lotes pelos agricultores, sugeridas pelo ministro do Planejamento, Guido Mantega? Dom Tomás – Acho que seria uma reforma agrária totalmente de mercado. Uma reforma agrária que interessaria a quem? Aos fazendeiros, aos que fizeram estoques de terras para agora negociar com o Estado, que é quem tem dinheiro para comprar. BF – Por que a reforma agrária anda tão devagar? Dom Tomás – Uma das razões é a herança passada, que sucateou, desativou o Incra, e depois caminhou na direção de uma reforma agrária compensatória. Para redirecionar o quadro — que, acredito, era o trabalho do Marcelo Resende — seria preciso frear isso e continuar dentro do ritmo possível. Não houve possibilidade de fazer um projeto de reforma agrária, mesmo porque esse projeto não estava completo. Se não houver um plano nacional de reforma agrária que defina responsabilidades, metas, com orçamento adequado, qual será o caminho? O caminho histórico, que começou com os negros jogados fora da senzala: ocupação, mansa e pacífica. BF – Como o senhor analisa o desempenho do ministro Miguel Rosseto, do Desenvolvimento Agrário?

Milícias matam três sem-terra

Arquivo JST

Bruno di Vizia, de Curitiba (PR)

Quem é Dom Tomás Balduíno preside a Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde 1997. Natural de Posse (GO), foi ordenado frei dominicano no final dos anos 40. Desde 1967, quando se tornou bispo, atua na diocese do município de Goiás, região dominada pela oligarquia rural.

Dom Tomás – Nós não concordamos com a forma que ele vem atuando. Minha nota para ele é zero. BF – É preciso tirar o Rosseto para a reforma agrária avançar? Dom Tomás – Na minha opinião, o próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário é uma excrecência. Foi criado como medida compensatória por causa do massacre de Eldorado dos Carajás. Existia o Incra, mas o Incra é suficiente para fazer a reforma agraria. Criar duas entidades para o mesmo fim, sempre com a questão de quem é inferior quem é superior... Essa é minha opinião pessoal, não é a da CPT. Eu acho que o ministério constitui um estorvo para a reforma agrária. Foi criado para acalmar uma população que cobrava de Fernando Henrique Cardoso uma reforma agrária. BF – De que forma o Incra vai ser afetado com a mudança? Dom Tomás – Não sabemos qual será a autonomia do novo presidente. A gente reconhece a trajetória do novo presidente do Incra, Rolf Hackbart, mas houve uma mudança na instituição. O Incra não tem mais aquela autonomia salutar, para poder levar adiante o processo de reforma agrária. BF – O que o senhor acha da

verba de R$ 1 milhão destinada pelo governo para a reforma agrária, no próximo ano? Dom Tomás – Está muito aquém do planejamento, porque o plano de reforma agrária que foi até pedido pelo presidente Lula coloca como patamar 1 milhão de famílias assentadas, em quatro anos de governo. Então o orçamento tem que acompanhar isso. Dinheiro há. Abaixo desse patamar, é considerar a reforma agrária apenas como ação social. BF – Mas onde está esse dinheiro? Dom Tomás – Está no superávit primário, que eu considero uma obscenidade. (SF)

As mílicias do campo continuam a assassinar trabalhadores sem-terra. No dia 7, o líder do assentamento Dom Hélder Câmara, Luciano Alves da Silva, conhecido como Grilo, 28 anos, foi assassinado numa emboscada, no município de Craíbas, Alagoas. Grilo caminhava em direção ao seu assentamento, na zona rural de Folha Miúda, acompanhado por José Soares dos Santos, quando foi interceptado e executado com tiros no peito e na cabeça, por dois pistoleiros que estavam numa moto. O sem-terra havia participado da recuperação de alimentos em rodovias federais e estaduais para pressionar o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a liberar cestas básicas para 17 mil famílias de acampados e assentados no Estado. O governador Ronaldo Lessa (PSB) determinou rigor na apuração e pediu empenho para que o crime seja esclarecido rapidamente. De acordo com a Central Pastoral da Terra, existem, no mínimo, mais 10 lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sendo ameaçadas de morte por jagunços e pistoleiros. No Paraná, a história se repete.

Leanrdo Melgarejo

Bispo considera o superávit primário uma “obscenidade” Ao comentar a mudança na presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o bispo Dom Tomás Balduíno alerta para o risco de continuidade na política de reforma agrária de mercado e reitera a reivindicação dos trabalhadores rurais de um plano constitucional para o setor.

Mas na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o tema causou polêmica. Segundo Graça Amorim, diretora de reforma agrária da Contag, não era hora de mudar. “Isso dá um corte na reforma agrária, atrasa o processo. Esperamos que o novo presi-

dente tenha a mesma política, que é a do PT”. A posição, amplamente noticiada, do presidente da Contag, Manoel dos Santos, é de que não há nenhum problema na substituição de pessoas que ocupam cargos de confiança: “Minha expectativa é que melhore, porque não é possível mudar para piorar”. O novo presidente do Incra é o economista gaúcho Rolf Hackbart. Desde fevereiro, era assessor do líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante (PT-SP). Ele também assessorou a bancada do PT na Câmara, entre 1991 e 2000, em temas agrários. Não é um desconhecido dos trabalhadores rurais. O deputado Adão Pretto afirma: “Cresci na luta ouvindo análises da conjuntura de João Pedro Stedile, Frei Sérgio e do Rolf. Eles eram nossos palestrantes em todos os encontros do movimento sindical e social no Rio Grande do Sul.”

■ Mais de dez lideranças estão ameaçadas de morte no PR

Os sem-terra Paulo Sérgio Brasil, 36 anos, e Anarolino Vial, 52, foram atingidos por tiros disparados por seguranças da Fazenda Coqueiro, em Foz do Jordão, a 340 quilômetros de Curitiba. Segundo integrantes do MST, o confronto aconteceu na manhã do dia 2, quando alguns trabalhadores se encaminhavam à fazenda para terminar um roçado e começar o plantio em uma área de 21 hectares. Os trabalhadores foram surpreendidos por cerca de vinte seguranças fortemente armados que iniciaram os disparos. Brasil morreu no local, e Vial, atingido na cabeça, faleceu três dias depois. A Fazenda Coqueiro já havia sido considerada improdutiva pelo Incra.

Falta política para semi-árido Cerca de três mil trabalhadores rurais sem-terra e pequenos agricultores realizaram, dia 9, uma mobilização no município de Canindé do São Francisco (SE). O governo do Estado (PFL) mais uma vez usa violência contra os trabalhadores. Determinou à Polícia Militar cerca de 500 policiais bloquear todas as entradas de acesso ao município, para impedir o ato. Além de assentados e acampados da região, participaram parlamentares, entidades e apoiadores

da reforma agrária. A manifestação foi um alerta sobre a situação dos sertanejos, que reivindicam uma política imediata para o semi-árido, onde este ano houve perda de 100% da safra. É necessário que os governos estadual e federal tomem medidas urgentes. Não é de agora que alertamos sobre essa realidade, argumenta Roberto Araújo, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra. Os agricultores também

denunciaram a ação violenta da Polícia Militar, dia 4, durante manifestação na rodovia estadual Jucelino Kubitscheck, entre Poço Redondo e Canindé. Mesmo sendo um ato pacífico, os soldados do Batalhão da Polícia Militar chegaram atirando e informaram que “a ordem do Comando Geral da Polícia Militar e da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe era acabar o ato a qualquer preço”. Seis pessoas ficaram feridas.


8

De 11 a 17 de setembro de 2003

NACIONAL MOBILIZAÇÃO

Um grito por soberania

Renato Stocker

Renato Stockler

■ Em Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Salvador, São Paulo, Aparecida do Norte e outras 1.500 cidades, a população foi às ruas para exigir do governo a realização de um plebiscito oficial sobre a Alca

Toninho Almada/Hoje em Dia/Folha Imagem

Movimentos lançam modelo alternativo de desenvolvimento Empenhada em concretizar sua proposta de “organizar a esperança”, a Coordenação dos Movimentos Sociais divulgou, dia 7, um projeto alternativo de desenvolvimento econômico e social para o Brasil. Veja, abaixo, trechos dos principais tópicos do documento “Soberania Nacional, Desenvolvimento, Trabalho, Distribuição de Renda com Inclusão Social”. Reforma agrária. Desenvolvida no bojo de uma política agrícola que, além de garantir acesso à terra, de preferência em pequenos coletivos, proporcione apoio técnico; assistência financeira subsidiada, nova forma de distribuição da produção rural, e garantia de preços contra a especulação de intermediários. Política industrial, política de rendas e política de emprego. A política industrial deverá voltar-se para o aumento da produção de bens-salário, a fim de atender à imensa demanda reprimida constituída pelos milhões de brasileiros e brasileiras praticamente excluídos do mercado de bens de consumo. A política de rendas visará a fixar salários que possibilitem assegurar uma demanda dinâmica para o setor industrial. A política de emprego estará atenta para ajustar a modernização tecnológica, preferencialmente via inovação gerada no país, ao objetivo de pleno emprego. Programa de construção de moradias populares. Destinado a satisfazer uma demanda de cerca de 10 milhões de moradias, a fim de acabar com palafitas,

Douglas Mansur

“Tirem as mãos, o Brasil é nosso chão!” Essas foram as palavras de ordem em centenas de cidades do Brasil, dia 7, durante o 9º Grito dos Excluídos. Caminhadas, celebrações, desfiles e diversas atividades envolveram mais de 2 milhões de pessoas em todo o país. Em Aparecida (SP), cidade simbólica do Grito, as manifestações foram feitas junto com a 16ª Romaria dos Trabalhadores. Pela manhã, houve a vacinação contra o vírus da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A população foi convocada a se proteger do vírus assinando com uma caneta em forma de seringa o abaixo-assinado que exige do governo federal a realização de um plebiscito oficial. O bispo emérito de Volta Redonda (RJ), dom Valdir Calheiros, de 82 anos, participou do Grito em Aparecida, como todos os anos: “Deus sempre escutou o grito dos pobres”. Para o padre Alfredo Gonçalves, assessor das Pastorais Sociais da Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil, “é fundamental que as pastorais estejam ao lado dos excluídos do sistema imperialista que privilegia os lucros em detrimento da pessoa humana”. Doris Trujillo, da Federação do Seguro Campesino do Equador, ressaltou: “Homens, mulheres e crianças trazem suas vozes a esta cerimônia de fé, mas que também é uma proposta política de vida, uma proposta de esperança para dias melhores.” O Grito, que aconteceu em mais de 1500 localidades e mobilizou as principais capitais do país. Em Vitória, reuniu 12 mil pessoas; no Recife, 15 mil; em Salvador, 30 mil; em Belém, 5 mil; em São Paulo, 3 mil; em Cuiabá, 3 mil; em Curitiba, 2 mil; entre outras, como Porto Alegre, Florianópolis, Belo Horizonte, Manaus etc. Ari Alberti, da secretaria nacional do Grito, avaliou: “A campanha deste ano seguiu sua trajetória de reflexão sobre a independência e a soberania, independentemente do novo governo. Houve uma clareza e firmeza das pessoas que estão envolvidas na luta popular em defesa da dignidade e soberania dos povos”.

Douglas Mansur

Luiz Bassegio e Luciane Udovic, de Aparecida (SP)

Alcione Pereira/Diário de Pernambuco/Folha Imagem

O Grito dos Excluídos, realizado em 7 de setembro, mobilizou 2 milhões de pessoas em todo o país

■ Manifestante participa do Grito dos Excluídos em Aparecida (SP) mocambos, casebres, cortiços e favelas. A adoção de um sistema autogestionário para a construção dessas casas dará trabalho a centenas de milhares de trabalhadores. Projeto de reformulação do sistema nacional de saúde pública. Torná-lo preventivo das doenças, principalmente as endêmicas. O serviço de saúde pública deve proporcionar atendimento condizente com a dignidade das pessoas. Projeto de reformulação do sistema de educação pública. Com o objetivo de universalizar o acesso à escola, em todos os níveis, reformulando também seu conteúdo. Educação que prepare cidadãos – e não meros reprodutores do sistema capitalista – capazes de assumir o desafio da construção da Nação brasileira. Sistema de transporte. A

construção de extensa rede de estradas de ferro, além de reduzir a agressão ao meio ambiente, significará para o Brasil um desenvolvimento que encurtará distâncias, tornando mais rápido o transporte de cargas, com o conseqüente barateamento dos produtos, sobretudo agrícolas. Apoio às lutas dos povos indígenas. Implementar a demarcação e garantias às suas terras e culturas. A Constituição de 1988 estabelece o reconhecimento aos direitos originários às terras que os índios ocupam tradicionalmente, fixando a responsabilidade da União em demarcá-las. Atendimento social. Temos carência também de um sistema de atendimento social para recuperação de drogados, apoio à terceira idade, orientação para o planejamento familiar, amparo e orientação à infância e à adolescência desamparadas. Apoio às micro, pequenas e média sempresas, assim como às cooperativas de trabalho. Será fundamental para atender às grandes demandas originadas do novo surto de desenvolvimento. Cada nova empresa estará gerando novas vagas de trabalho, regionalizando o desenvolvimento e elevando o padrão de vida local. Esporte amador, lazer e vida. Investir num sistema de esportes amadores resultará em melhorar as condições de saúde e de vida de nosso povo, contribuirá para desenvolver sua cultura, além de propiciar lazer e principalmente inclusão social.


9 Ano 1■ número 28

De 11 a 17 de setembro de 2003

SEGUNDO CADERNO

Na agenda, nova rodada neoliberal Movimentos sociais articulam protestos mundiais e países ricos e pobres divergem sobre suas propostas na reunião de Cancún, no México populares com governos e instituições neoliberais.

Com a legitimidade questionada e mais um risco iminente fracasso, a Organização Mundial do Comércio (OMC) realiza a 5ª conferência ministerial, de 10 a 14 de setembro, em Cancún, México, na qual participam representantes de 144 países. Lá, está em jogo a elaboração de acordos que, implementados, vão significar a ampliação das políticas neoliberais para todos os integrantes da OMC, independente da vontade dos seus povos. Nas principais capitais mundiais, uma série de protestos simultâneos contestam as políticas da OMC. No Brasil, a Coordenação dos Movimentos Sociais organiza passeatas nas capitais, dia 13. Nos Estados Unidos, também estão agendados protestos em dezenas de cidades. Em Cancún, foi montado um esquema de guerra. O governo do México arquitetou um plano de repressão às manifestações e uma lista foi feita com os principais nomes de ativistas e lideranças dos movimentos anti-globalização. O parlamentar boliviano Evo Morales, da Vía Campesina, teve sua entrada negada, por ser considerado um militante ultra-radical. Já o lingüista estadunidense Noam Chomsky foi classificado de militante moderado. Em entrevista ao jornal mexicano La Jornada, Chomsky, ironicamente, afirmou ser uma insulta ser chamado de moderado. Para ele, o futuro da humanidade será definido no embate das mobilizações

IMPOSIÇÕES Motivos para protestar não faltam. Desde a sua fundação, a OMC se mostrou um organismo anti-democrático e injusto. Nela, os países ricos monopolizam as decisões e tentam impor seus interesses às nações mais pobres. Em Cancún, o bloco dos grandes – EUA, União Européia, Japão e Canadá – vai tentar implantar uma nova agenda mundial de políticas neoliberais que favorecem suas transnacionais. Trata-se de um conjunto de medidas que reduzem a capacidade de os países definirem sua própria legislação, em tudo muito similares às existentes em acordos como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), ou em acordos bilaterais. Alguns “Novos Temas” são o centro do interesse dos países ricos (leia página 10): investimentos, compras governamentais e políticas de concorrência. Entretanto, paralela e perigosamente, interesses centrais dos grandes avançam através de alguns acordos que não deveriam estar na OMC, caso do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (General Agreement on Trade in Services – GATS). Com objetivo de liberalizar totalmente o setor, inclui na categoria de serviços de construção, computação e arquitetura, a educação, energia (petróleo e gás), serviços ambientais (água e saneamento), correios, esportes, turismo, transportes.

■ Culto indígena em Cancún: protestos contra a OMC ocorreram nas principais capitais do mundo

Privatização e guerra, a estratégia do império xO que têm em comum a guerra contra o terrorismo e o livre-comércio? Na verdade, são os dois pilares sobre os quais se ergue o neo-império dos Estados Unidos, segundo o mais recente relatório publicado pelo Instituto de Políticas de Alimentação e Desenvolvimento, da organização não-governamental Food First. A política externa dos EUA está planejada para perpetuar e fomentar a privatização dos recursos do mundo inteiro, em benefício das transnacionais estadunidenses, diz o estudo. Isso preocupa, especialmente agora, por ocasião da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún. O relatório da Food First, intitulado “Preparar, apontar, fogo! Abertura de mercados e guerra: as estratégias do Império”, chama essas políticas de “a nova Doutrina Monroe”, e detalha como o poder militar e econômico dos EUA é usado para desacreditar as Nações Unidas, desprezar tratados internacionais e exigir a desregulamentação dos mercados de outras nações – tudo em nome da luta contra o terrorismo.

países, abertura de mercados em toda parte, analisa Anuradha Mittal, co-diretora da Food First e autora do relatório. “Enquanto milhares de civis iraquianos foram aterrorizados, humilhados, desfigurados, feridos e assassinados durante os bombardeios dos EUA e da Grã-Bretanha, os contratos para a reconstrução do Iraque foram dirigidos, como bombas inteligentes, diretamente para as maiores transnacionais estadunidenses”, denuncia Anuradha. O relatório também mostra como os EUA definem suas políticas com vistas à privatização. “É o cúmulo da ironia que, apesar de avaliações recentes do Banco Mundial de que a privatização não deu os resultados prometidos, as políticas estadunidenses continuam sustentando que a privatização serve em toda parte”, avalia Anuradha. Assim, completa, o que está acontecendo no Iraque é o desmantelamento sistemático do setor público, entregue em bandeja de prata às

EXPANSIONISMO As estratégias da guerra dos EUA “contra o terrorismo” são semelhantes às suas estratégias de expansionismo – invasão de

Alberto Corona López, de Havana (Cuba)

■ Apesar do forte esquema de repressão do governo mexicano, militantes contestam as políticas da OMC

Globalização é guerra por outros meios João Alexandre Peschanski, de Boston (EUA) Em 60 cidades, movimentos sociais dos Estados Unidos preparam atividades para marcar a resistência e conscientizar a população sobre a política da Organização Mundial do Comércio (OMC), reunida em Cancún. Este encontro ministerial deve definir os rumos da

OMC este ano, e preparar a estratégia para a criação de um acordo global de comércio, no final de 2004. “A reuniao da OMC não tem como objetivo acabar com a miséria no mundo, ou com a fome, mas simplesmente favorecer as transnacionais. Por isso, precisamos tirar a instituição dos trilhos”, diz Mary Turr, professora e ativista estadunidense. “Não

podemos permitir que os países mais ricos se sintam os donos do mundo, ou eles vão achar que podem invadir comercialmente, ou militarmente, todos os lugares que quiserem”, acrescenta. As principais manifestações estão marcadas para o dia 13, quando diversos movimentos sociais vão se unir para realizar um Dia Global de Luta contra as Corporações e a Guerra.

transnacionais estadunidenses, e criando a economia dos sonhos dos defensores da privatização. ALTO PREÇO O relatório assinala que o preço dessa guerra sobe a mais de 396 bilhões de dólares, enquanto os EUA enfrentam atualmente um déficit orçamentário crecente de 455 bilhões de dólares. Esses recursos vão sair de verbas que seriam utilizadas em serviços sociais como o subsídio aos desempregados, aos famintos, à saúde pública, tanto nos EUA como no exterior. O relatório conclui que, enquanto os EUA continuam a construção unilateral de seu império, os movimentos contra a guerra, no Norte e no Sul do planeta, estão se unindo para lutar contra a OMC, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), assim como outros tratados de livre comércio, que constituem uma guerra econômica contra os mais pobres. (Alai)

Oito anos de temor do fracasso Acervo CIMI

Jorge Pereira Filho, da Redação

Acervo CIMI

OMC

Criada em 1994, após os acordos de Marrakesh (Marrocos), ao fim da Rodada Uruguai (19871994) do então Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, em inglês), a Organização Mundial do Comércio (OMC) iniciou atividades em 1º de novembro de 1995, integrada por 126 países. Sua originalidade, em relação ao GATT, é o órgão de solução de conflitos, formado por especialistas que examinam as divergências entre países, e que podem impor mudanças nas políticas comerciais, além de poder autorizar um Estado a aplicar sanções econômicas contra outros. Na primeira Reunião Ministerial da OMC, em Cingapura, em 1996, as nações menos desenvolvidas protestaram porque suas economias não se beneficiaram das vantagens prometidas na Rodada Uruguai. Propos-se, então, um plano geral de eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias às exportações dos países atrasados, aumento de assistência técnica e aplicação das compensações contidas na Declaração de Marrakesh.

Na segunda reunião, em 1998, em Genebra, Suíça, a entidade foi criticada, sobretudo, pela falta de transparência. No ano seguinte, na reunião de Seattle, EUA, o pomo da discórdia entre ricos e pobres foi a agricultura. O fracasso desse encontro ainda está latente na memória coletiva, juntamente com as imagens de milhares de manifestantes reprimidos violentamente ao saírem às ruas em protesto contra o livre comércio. A OMC foi obrigada a fazer uma revisão profunda de sua gestão, na quarta reunião, em Doha, no Catar, em 2001, onde foi lançado o Programa de Desenvolvimento de Doha, com o objetivo de reformar o comércio mundial, a partir da agricultura, passando pela indústria, até o comércio de medicamentos e serviços. Mas, até hoje, não se concretizou a liberalização do comércio. Em Doha também foi ratificada uma declaração para garantir o acesso dos países pobres a medicamentos baratos, contra a qual os EUA impuseram obstáculos até que mal se conseguiu um acordo, às vésperas do atual encontro em Cancún. (Prensa Latina)


10

De 11 a 17 de setembro de 2003

INTERNACIONAL OMC

É inaceitável trocar produtos agrícolas por soberania Anamárcia Vainsencher, da Redação Os brasileiros praticamente desconhecem as propostas que o governo defenderá na 5ª reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún, México. Além disso, as informações dos responsáveis pelas negociações denotam posições ambíguas, centradas na defesa do acesso de produtos brasileiros, sobretudo agrícolas, aos mercados da Europa e dos Estados Unidos. Falta preparação ou experiência aos negociadores brasileiros? Seja como for, o fato é que a agenda de Cancún é muito mais ampla, e prejudicial ao Brasil, do que a simples possibilidade de aumentar as exportações, em sua maior parte de bens de baixo valor agregado. É como se, em troca de mais mercados, o governo brasileiro estivesse disposto a abrir mão da soberania nacional. O perigo começou quando o país decidiu jogar assuntos como investimentos e compras governamentais, que seriam discutidos no foro do Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca), para a OMC. Aqueles assuntos, mais a questão de regras de competição são chamados de “Novos Temas”, considerados inaceitáveis pela esmagadora maioria dos países menos desenvolvidos, agrupados no Global South. ARMADILHA “A estratégia brasileira, que passou a ser chamada de Alca light, pode ter efeito bumerangue na OMC”, alerta Lori Wallach, advogada especializada em comércio internacional, integrante da organização não-governamental Public Citizen. Em documento divulgado em agosto, Lori advertia que a posição do país é “uma perigosa armadilha para seus interesses nacionais”. Em relação aos “Novos Temas”, no item compras governamentais, o Brasil aceita discutir

Yuri Cortez/AFP

Adek Berry/AFP

Enquanto o Brasil quer abrir mercados para agricultura , países ricos avançam em questões essenciais

■ Robert Zoellick e Celso Amorim em Cancún

■ Indonésios participam de protesto mundial em Jacarta

sobre a sua transparência. Isso, na prática, significa dar satisfação a terceiros países (os integrantes da OMC) sobre as políticas de compras dos governos federal, estadual, municipais, um assunto de exclusivo interesse nacional. Essas políticas são importantíssimos mecanismos de estímulos à produção local de bens e serviços, assim como à pesquisa básica em áreas estratégicas e, geralmente, envolvem enorme soma de recursos. É uma área extremamente cobiçada pelos quatro grandes – Canadá, Estados Unidos, Europa e Japão. No capítulo investimentos, que pretende criar um marco regulatório supranacional de liberdade ampla, geral e irrestrita para investimentos estrangeiros, a posição brasileira é a de aceitar um acordo multilateral, genérico

e limitado ao investimento externo direto na produção. Hoje, o Brasil já é extremamente dependente do capital externo, uma vulnerabilidade que tem engessado o desenvolvimento autônomo do país, tamanho é o seu custo. E mesmo o investimento estran-geiro produtivo tem sua contrapartida, a remessa de lucros, dividendos e royalties para o exterior. Quanto ao tema políticas de competição, significa, simplesmente, acabar com políticas nacionais de preferência a empresas locais. OMISSÃO Lori Wallach destaca que, insistindo para que temas específicos como investimentos e compras governamentais sejam tratados na OMC, o governo brasi-

leiro está, de fato, apoiando as negociações sobre os “Novos Temas”, ou Temas de Cingapura, na 5ª reunião ministerial de Cancún. A posição brasileira é particularmente preocupante porque a maioria dos países menos desenvolvidos fechou posição contrária àquelas ques-tões. Segundo Lori, só o apoio do Brasil ou da China aos “Novos Temas” permitiria a sua discussão em Cancún. Não foi por outro motivo que o presidente dos EUA ligou para o presidente brasileiro e para lideranças da África do Sul, Índia e Paquistão insistindo para não abrirem mão da defesa de seus interesses agrícolas. Acesso a mercados, ao invés de investimentos, compras governamentais e políticas de competição. E o Brasil, lembra Lori, participou de todos os encontros dos países em desenvolvimento realizados em Genebra (Suíça) para elaboração do documento “Não aos Novos Temas”. Entretanto, não o assinou. Haveria duas hipóteses para a omissão brasi-leira: porque prefe-

re discutir aqueles assuntos na OMC, não na Alca; ou porque deu prioridade ao acesso aos mercados de seus produtos agrícolas, e realmente não se opõe aos “Novos Temas”. PERIGO Um sério risco para o Brasil. A especialista estadunidense diz que, em agosto, o United States Trade Representative (órgão do governo dos EUA encarregado de negociações comerciais) fez o negociador agrícola da OMC prometer ao Congresso estadunidense que não haveria qualquer acordo formal prejudicial ao país. “Isso significa que o Brasil correria o perigo de abrir mão de tudo relacionado aos ‘Novos Temas’, sem ter garantia de qualquer promessa para o setor agrícola. Sem esquecer que, no passado, mesmo promessas específicas no setor foram esquecidas ou quebradas”, avisa Lori Wallach. Ela diz mais: além de o Brasil dizer não a assuntos não exatamente comerciais como investimentos, compras governamentais e outros no âmbito da Alca, deveria também rejeitá-los na OMC e aliar-se aos demais países do Global South, e recusar o modelo Alca/Nafta para a integração regional latino-americana.

ALCA

Na Argentina, o debate ganha as ruas Jorge Pereira Filho, da Redação O presidente argentino Néstor Kirchner vai usar os meios de comunicação estatais para discutir com a sociedade os efeitos que a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) pode ter na saúde, no emprego, na educação e na soberania. A promessa foi feita a representantes da Autoconvocatória Não à Alca, campanha da sociedade civil argentina, que se reuniram em 26 de agosto com Kirchner. “Nós recebemos com cautela essa possibilidade. Embora Kirchner tenha dado sua palavra, queremos nos reunir com o secretário de Comunicação do governo federal para definir como vai se dar, na prática, o uso

dos meios estatais”, explica o jornalista Adrian Ruiz, da Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA), integrante da Autoconvocatória. A comitiva recebida pelo presidente foi encabeçada por Adolfo Perez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, e representava centenas de organizações e movimentos sociais, sindicais, políticos, estudantis e religiosos. A Autoconvocatória pediu a Kirchner que se retire das negociações da Alca e que discuta com a sociedade os efeitos que a adesão ao tratado idealizado pelos Estados Unidos pode ter na vida dos argentinos. DESFAVORÁVEL Kircher afirmou que a Argentina ainda estudava sua posição

nas negociações, mas concordou que o acordo não favorece o país. A Autoconvocatória vai realizar, entre os dias 20 e 26 de novembro, uma consulta popular com perguntas sobre Alca, dívida externa e militarização. A consulta é inspirada no plebiscito organizado pela campanha brasileira, em setembro de 2002, quando 10 milhões de brasileiros disseram não à Alca. Para Ruiz, a posição de Kirchner não é motivo de otimismo. “Há muita expectativa em relação a Kirchner, mas até o momento não há modificações importantes nas políticas neolibe-rais que levaram a Argentina ao caos. Por isso, o movimento social deve se manter autônomo, independente de quem seja governo”, avalia.

Aumentam as críticas ao acordo Da Redação A semana de coletas de assinaturas para exigir do governo um plebiscito sobre a Alca foi marcada por manifestações. Além do Grito dos Excluídos, uma plenária do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) discutiu a necessidade de resistir ao imperialismo. Federico Pagura, bispo metodista argentino afirmou que as igrejas não estão no mundo para servir de instituições apaziguadoras, mas devem criar espa-ços de resistência. Acrescentou que, um em cada três latino-americanos são pobres e a desigualdade vem aumentando no continente. Cibele Kuss, pastora luterana do Brasil, pediu que as igrejas combatam o imperialismo dos

Estados Unidos, que querem impor a Alca. JUÍZES A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) também critica a Alca. Para seu presidente, Grijalbo Coutinho, todo o acordo está voltado para o livre trânsito de mercadorias. “É um acordo comercial que não leva em consideração as relações de trabalho decorrentes”, analisa. Na avaliação de Coutinho, a Alca vai intensificar a terceirização e a precarização da mão-deobra. Ele afirma que a Anamatra vai pressionar o governo para que não ceda às pressões dos EUA e do capital financeiro estrangeiro, que têm interesse no acordo.


11

De 11 a 17 de setembro de 2003

INTERNACIONAL CHILE

Famílias de desaparecidos querem punição a torturadores Victor Rojas/AFP

Apesar do país viver em regime democrático, Pinochet e seus colaboradores continuam impunes Maíra Kubík Mano, da Redação Há 30 anos, o bombardeio do palácio La Moneda punha fim ao governo popular do presidente chileno Salvador Allende e instituía a mais sangrenta ditadura militar da América Latina, orquestrada pela agência de informações estadunidense CIA. O golpe executado pelo então comandante-em-chefe das Forças Armadas, Augusto Pinochet, resultou em 17 anos de violações aos direitos humanos e mais de 3 mil mortos. Apesar do país viver hoje em um regime democrático, Pinochet e seus colaboradores continuam impunes. Os corpos das vítimas da ditadura continuam desaparecidos. O último plano de direitos humanos para ressarcir as famílias das vítimas do golpe, apresentado pelo presidente do Chile, Ricardo Lagos, é tão polêmico que gerou até greve de fome. Durante 20 dias, três parentes de

■ Manifetações por todo o país lembraram Salvador All

desaparecidos protestaram contra o projeto. Em vez de condenar os envolvidos nos crimes políticos do período, como desejam os familiares

ende, assassinado há 30 anos

das vítimas, o projeto aumenta o valor das indenizações às famílias. A proposta também diminui as penas dos militares que colaborarem com as investigações e ins-

titui a obediência forçada, que considera inocentes todos os que se limitaram a cumprir ordens de oficiais superiores. Dia 11, a data do golpe será

VENEZUELA

lembrada com uma manifestação das famílias das vítimas e diversos movimentos populares do Chile em frente ao La Moneda. Lagos, que desejava a passeata dia 14, acertou com o Partido Comunista e alguns movimentos de direitos humanos apenas um ato, sem marcha, para a data oficial. O governo chileno afirmou ainda que irá colocar 30 mil policiais nas ruas, praticamente todo o efetivo do país, para conter os possíveis protestos. Além das manifestações, diversas atividades devem ocorrer durante todo o mês de setembro para lembrar a morte de Allende. Gilberto Gil, ministro da Cultura, representou o Brasil nos eventos durante o show El sueño existe, que reuniu 50 mil pessoas no Estádio Nacional de Santiago. Como parte das comemorações, o local, usado como campo de concentração durante a ditadura, passará a se chamar Víctor Jara, em homenagem ao cantor popular assassinado pelos militares no próprio Estádio.

ESTADOS UNIDOS

Juan Barreto/AFP

Bush nega fracasso Chávez cumpre primeira etapa de sua reforma agrária no Iraque Daniel Merli, De São Paulo Em uma cerimônia em que se juntou a líderes camponeses da América Latina, o presidente da Venezuela Hugo Chávez comemorou o sucesso da primeira fase do Plano Zamora. Segundo a agência Alai, nessa etapa do programa venezuelano de reforma agrária o governo entregou 1 milhão e 340 mil hectares de terra a mais de 60 mil famílias. O fato foi celebrado em uma cerimônia no interior do país. Compareceram Rafael Alegria, secretário-geral da Via Campesina (entidade que congrega a maior parte das organizações camponesas do mundo); o líder indígena Evo Morales, da Bolívia; Blanca Chancoso, da Confederação de Nações Indígenas do Equador (Conaie); e Egídio Bruneto, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O Plano Zamora é uma homenagem a Ezequiel Zamora, militar e filho de pequenos proprietários rurais. Ele foi o principal líder da Guerra Federativa, conflito entre o governo do Partido Conservador e pequenos comerciantes, agricultores e escravos. “O lema de Zamora, ‘Terra e homens livres’, foi a síntese das bandeiras da guerra no final do século XIX: abolição da escravatura e reforma agrária’’, explica o historiador cubano Andrés Castillo. SAQUE POR PETRÓLEO O Plano Zamora começou no início do ano e tem uma meta aparentemente pouco ambiciosa: entregar, até o final de 2003, terra para mais 800 mil pessoas.

■ Reforma agrária de Chávez beneficia 60 mil famílias

Contudo, na Venezuela esse fato tem um peso histórico. Em 1920, as terras públicas começaram a ser doadas às grandes corporações de petróleo, principalmente à anglo-holandesa Shell e à estadunidense Esso. “Os terrenos eram simplesmente doados ou vendidos a preço simbólico. Pior: o Estado recebia pouquíssimos impostos pelo petróleo explorado’’, conta o economista Federico Brito no livro “Venezuela século XX’’. Muitos terrenos nem chegaram a ser explorados e permanecem abandonados. Mas o efeito da migração para as cidades permanece até hoje: exclusão de 40% da população que vivem abaixo da linha de pobreza. ‘’O Plano Zamora é uma tentativa de desfazer esse saque por petróleo, devolvendo a dignidade aos lavradores’’, defende Max Arvelaiz, assessor direto do presidente Chávez. O país, um dos maiores exportadores de café no início do século XX, deixou a agricultura de lado depois que começou a explorar petróleo, tornando-se um grande importador de alimentos.

“Mesmo assim, a reforma agrária tem grande peso simbólico e é muito atacada pela direita’’, analisa.

Jornalista do Portal Porto Alegre 2003

João Alexandre Peschanski, de Boston (EUA) Em pronunciamento nacional, dia 7, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, pediu mais 87 bilhões de dólares ao Congresso para financiar as invasões do Afeganistão e do Iraque. No discurso, transmitido por todos os canais de televisão, ele abordou temas como vitória da civilização contra o terrorismo, luta pela liberdade e reconstrução dos territórios ocupados. O presidente falou, mas a maioria da população estadunidense não concordou. “Bush nos falou de vitória, mas a situação no Iraque é um desastre. Há atentados diários, pessoas morrendo de fome. É uma loucura que precisa parar”, afirmou Kevin Dodley, estudante de Psicologia da Harvard University. Dodley não é uma voz isolada. Segundo pes-

ARGENTINA

Crimes da ditadura Luís Brasilino, da Redação A Justiça argentina começa a analisar os primeiros processos contra os repressores do regime militar (entre 1976 e 1983), desde o final de agosto, quando o Congresso Nacional anulou as leis de Obediência Devida e de Ponto Final. As duas normas protegiam os torturadores de qualquer decisão do judiciário de puni-los. Dia 8, o promotor Eduardo

Freiler emitiu um pedido para abrir investigações contra os 39 repressores que tiveram sua extradição para julgamento na Espanha cancelada uma semana antes. Entre eles está Alfredo Astiz, acusado de sequestrar bebês de presos políticos e torturá-los na frente das mães. Com o fim da Obediência Devida e da Ponto Final, esperase que até 700 militares envolvidos com a ditadura argentina sejam processados por crimes contra os direitos humanos.

quisa veiculada pela imprensa dos EUA, 61% dos estadunidenses desejam o fim dessas ações militares e 47% deles acham que o presidente mente ou esconde fatos sobre a situação no Iraque. No cenário político, congressistas, até mesmo alguns do Partido Republicano (o de Bush), começam a questionar a estratégia do presidente. Diversos parlamentares e políticos do partido, como o senador John W. Warner, da Virginia, começaram a cobrar prestação de contas do dinheiro investido na invasão do Iraque – até agora, quase 100 bilhões de dólares. DECADÊNCIA Dois anos após o atentado às torres gêmeas do World Trade Center, os estadunidenses parecem cansados da política de “luta contra o terror” de Bush. Para Dodley, não adianta massacrar iraquianos e afegãos “para nos fazer esquecer que estamos de luto. Não se responde terror com terror, mas com paz”. Enquanto pede mais dinheiro para financiar a ocupação do Iraque, Bush menospreza a situação interna dos EUA, cada vez pior: em diversas cidades, como Los Angeles, o desemprego atinge quase 20% da população. Pela primeira vez em 50 anos, o nível de escolaridade do país baixou, reflexo de uma juventude forçada a trabalhar cada vez mais cedo. Ao mesmo tempo, a quantia pedida por Bush ao Congresso equivale a 163% do que o governo espera gastar com fundos emergenciais de educação (geralmente aplicados para ajudar estudantes carentes). Mesmo assim, Bush desponta como uma opção nas próximas eleições presidenciais de 2004.


12

De 11 a 17 de setembro de 2003

INTERNACIONAL ÁFRICA

Racismo persiste na África do Sul Aumento do número de extremistas brancos e casos de discriminação racial no esporte abalam o país

A democracia multirracial da África do Sul vem sofrendo abalos constantes, quase dez anos depois de encerrado o regime racista do apartheid (19111994), imposto ao país pela minoria branca. Um escândalo de discriminação racial na seleção de rugby sul-africana, bem como o crescimento de grupos extremistas de direita que pregam a supremacia racial branca, foram assuntos de destaque nas agências de notícias internacionais e na imprensa africana na semana passada. A crise tomou conta da seleção de rugby quando o jogador branco Geo Cronjé foi acusado de se recusar a dividir um quarto com o jogador negro Quinton Davids. Cronjé foi expulso do time que participará da Copa do Mundo de rugby na Austrália, com início marcado para 10 de outubro. O rugby é um esporte visto com reservas por grande parte da população negra sul-africana, por ser herança do colonizador europeu e domínio de jogadores brancos. Em 1997, o então técnico da seleção, Andre Markraaff, foi demitido por tecer comentários racistas sobre negros. Ao renunciar ao cargo de assessor de imprensa da seleção no dia 2 de setembro, Mark Keohane disse a um jornal sul-africano que não poderia continuar parte de um grupo em que o preconceito é tolerado e perdoado. Ele deu detalhes sobre as atitudes racistas dos jogadores brancos e contou que o técnico Rudolf Straueli achava que apenas quatro ou cinco jogadores nãobrancos mereciam vagas no time de 30 homens, mas que acabou indicando seis por ordem do diretor da Federação Sul-Africana de Rugby, Rian Oberholzer. No outro extremo, o ressurgimento do nacionalismo africâner (designação dos descendentes de colonizadores holandeses) vem ganhando adeptos em seitas como a Lewende Hoop (Esperança

■ Acima – no destaque, Quinton Davids, jogador negro da seleção de rugby (futebol americano) sul-africana, em jogo contra a argentina em Port Elizabeth, em junho de 2003 ■ À direita – fazendeiro branco armado contra supostos ataques de agricultores negros sem-terra na província de KwaZulu-Natal, na África do Sul

Argel Viva), do reverendo Willie Smith. Eles acreditam que os ARGÉLIA brancos sul-africanos são o grupo escolhido por Deus para dirigir os povos do mundo e que o atual governo negro do país é um castigo. OCEANO ATLÂNTICO A Lewende Hoop Luanda foi fundada há cinco ANGOLA anos e já conta com 30 congregações em todo o país. Pretória Em maio último, OCEANO ÍNDICO ÁFRICA DO SUL um grupo de 22 extremistas de direita acusados de uma série de atentados a bomba para alta traição, homicídio, tentativa derrubar o governo do Congresso de homicídio, terrorismo e posse Nacional Africano (ANC, na si- ilegal de armas. gla em inglês, atual partido no Também na semana passada, a poder) começou a ser julgado por Comissão Sul-Africana de Direitos Mar Mediterrâneo

Relações comerciais com Brasil atingirão 4 bilhões de dólares Os laços econômicos entre o Brasil e os países do chamado eixo Sul-Sul (América do Sul e África) seguem a política do fortalecimento definida pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Especialmente quando está em cena a aproximação comercial com a África do Sul, as negociações intensificam-se cada vez mais. Chega a São Paulo no dia 11 uma missão comercial sul-africana organizada pela Câmara de Comércio e Indústria da Cidade do Cabo (região sul do país), composta por sete empresas de pequeno e médio porte. Em busca de parceiros e compradores para seus produtos, a delegação ofere-ce desde maquinário industrial até produtos voltados para a in-dústria de carne processada, bebi-das e laticínios, entre outros. No dia 5, o ministro do Comércio e Indústria da África do Sul, Alec Erwin, foi convidado para uma reunião no Rio de Ja-

Fotos: Anna Zieminski/AFP

Marilene Felinto, da Redação

neiro com o ministro das Relações Exteriores brasileiro, embaixador Celso Amorim. Erwin estava a caminho de Cancún, onde aconteceria a 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). No encontro do Rio, os dois ministros examinaram os temas da agenda de Cancún e os avanços das negociações do acordo de preferências fixas entre o Mercosul e a África do Sul. África do Sul e Brasil vêm somando forças na OMC, firmando posições comuns de “tratamento especial e diferenciado” em diversos pontos de interesse coincidente, como nas negociações de produtos agrícolas e para quebra de patentes de medicamentos necessários ao combate de epidemias nos países pobres. Em junho, juntamente com a Índia, África do Sul e Brasil cria-ram o G-3, grupo dos três maiores países em desenvolvimento no eixo sul, com objetivo de ampliar as relações econômi-

cas do bloco e funcionar como um fórum para projeção do poder dos três países nos três continentes. Em maio, quando participou da segunda reunião da Comissão Mista Brasil-África do Sul, em Johannesburgo, o ministro Celso Amorim já sinalizava para a tendência de que o comércio bilateral entre os dois países – que gira atualmente em torno de 700 milhões de dólares – ultrapassasse a casa do 1 bilhão nos próximos dois anos, sobretudo porque a posição estratégica da África do Sul abre perspectivas de negócios com terceiros. O porto de Durban, por exemplo na costa leste da África do Sul, é a meta para as exportações brasileiras que se destinam ao Golfo Arábico. Recente avaliação do embaixador da África do Sul, Mbulelo Rakwena, estima em 4 bilhões de dólares o fluxo que o comércio bilateral poderá alcançar em quatro anos. (MF)

Humanos publicou um documento denunciando o crescimento da violência no campo e culpando o governo pelas condições de injustiça social, pelo abismo que separa

negros de brancos e pela lentidão no programa de reforma agrária. O relatório mostra que desde o fim do regime do apartheid, 1.500 fazendeiros brancos foram assassinados no país. Mais de 80% das terras férteis da África do Sul estão nas mãos dos fazendeiros brancos, que são acusados de não cumprirem leis trabalhistas e de empregarem trabalho infantil. Muitos agricultores negros vivem em estado de miséria absoluta. No dia 6 de setembro último, fazendeiros da província de North West acusaram o governo de amontoar centenas de famílias de agricultores negros em pequenos pedaços de terra sem lhes dar a assistência necessária para trabalhar a terra. Eles alertaram o governo do presidente Thabo Mbeki de que isso pode significar o fracasso da reforma agrária.

FATOS DA ÁFRICA ■

■ ARGÉLIA

■ ANGOLA

BALANÇA DESIGUAL

NOVA BANDEIRA

A ministra de Minas e Energia do Brasil, Dilma Rousseff, fez visita oficial à Argélia, nos dias 7 e 8, a convite do mesmo ministério argelino. Dilma entregou carta-convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, para uma visita ao Brasil, tendo em vista o aprofundamento do diálogo e a ampliação da cooperação entre os dois países. A ministra foi acompanhada de uma missão empresarial que inclui o secretário-executivo do ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Márcio Fortes de Almeida, além de representantes de empresas e entidades como BNDES, Petrobrás, Embraer, Banco do Brasil, construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Norberto Odebrecht, entre outras. O intercâmbio comercial BrasilArgélia totalizou 1,1 bilhão de dólares em 2002. O Brasil exportou para a Argélia 86 milhões e importou daquele país 996 milhões, gerando um déficit da ordem de 910 milhões. Os principais produtos de exportação brasileira foram açúcar e produtos de confeitaria, cereais e papel. Os principais produtos importados da Argélia foram combustíveis, óleos e ceras minerais.

Uma nova bandeira foi aprovada pela Comissão Constitucional da Assembléia Nacional angolana na semana passada. A bandeira atual (foto) ainda apresenta os símbolos que imitavam a foice e o martelo marxistas, herdados da ex-União Soviética. A proposta da nova bandeira vem com listras horizontais nas cores azul (simbolizando liberdade, justiça e solidariedade) e branco (paz, unidade e harmonia) e traz um sol com raios (as riquezas do país) sobre uma faixa central em vermelho (simbolizando sacrifício, tenacidade e heroísmo). A nova bandeira será agora submetida a plebiscito popular. Uma pesquisa da Rádio Nacional Angolana já revelou, porém, que a opinião pública é contra o novo símbolo. Também foi aprovada a alteração do hino nacional angolano .


13

De 11 a 17 de setembro de 2003

NACIONAL AMBIENTE

Cataguases continua impune Ernesto Rodrigues, de Belo Horizonte (MG)

D

escaso, omissão e desorganização. Esses são alguns elementos que compõem a trama do caso Cataguases, um dos maiores acidentes ambientais da história do País. Cinco meses depois do rompimento da barragem de resíduos da Florestal Cataguases, em 29 de março, os responsáveis continuam impunes. O desastre causado pela Florestal Cataguases, indústria de celulose localizada a 311 km de Belo Horizonte, contaminou com 1,2 bilhão de litros de lixo químico as águas dos rios Pomba (MG) e Paraíba do Sul (RJ). Em Minas Gerais, a briga entre o Ministério Público Estadual (MPE) e a Iberpar Empreendimentos e Participações Ltda., controladora da Florestal Cataguases, deve se intensificar. Na semana passada, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu liminar suspendendo a ação criminal movida pelo Ministério Público contra os representantes da Iberpar. A ação previa multa de R$ 7 mil/dia. Pressupunha também

Patrícia Santos/Folha Imagem

Tribunal de Justiça de Minas concede liminar suspendendo a ação criminal contra a empresa paralisação das atividades da empresa, por entender que não estava sendo cumprido o Termo de Ajustamento de Conduta acertado entre a Iberpar, Fundação Estadual do Meio Ambiente (a Feam, órgão fiscalizador da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Minas Gerais) e Ministério Público Federal. O desembargador José Antonino Baía Borges justificou a concessão da liminar para “uma avaliação mais criteriosa das razões apresentadas pela Iberpar”. A empresa sustenta que houve um termo de ajustamento de conduta com o próprio Ministério Público e a Feam, em que as questões resultantes deste compromisso seriam discutidas na Seção Judiciária Federal em Campos dos Goitacazes e, portanto, não poderiam ser apreciadas na Comarca de Goitacazes.

■ Lama tóxica provocada pela barragem da empresa Cataguases

tavam sendo recuperadas e a paralisação da empresa causaria desemprego de centenas de trabalhadores. “O poder público mineiro falhou do início ao fim. As duas barragens estão lá há 14 anos sem qualquer monitoramento dos órgãos competentes”, completa. A liminar do Tribunal de Justiça coincide com a conclusão do inquérito da Polícia Federal de Campos (RJ), entregue, dia 5, à Justiça fluminense. São 3.500 páginas em 23 volumes, nos quais quatro diretores da empresa

NEGLIGÊNCIA “Não houve descumprimento de acordo”, diz o advogado da Iberpar, Antônio Fernando Pinheiro Pedro. Para ele, a ação do Ministério Público foi precipitada. Em sua defesa, Pinheiro Pedro alega que as barragens es-

são indiciados por crime ambiental, podendo ser condenados a penas de até 15 anos de prisão. A Feam alega que somente em 29 de agosto a Iberpar entregou os resultados dos ensaios de tratabilidade dos resíduos das barragens, atualmente em análise técnica. Representantes da fundação também negam riscos de novos rompimentos de barragens. Os documentos da Iberpar referentes às obras são aguardados para o dia 15. A superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do

Elza Fiuza/ABR

Liliane Luchin, de Brasília Quatro anos depois da retomada do Parque Nacional do Monte Pascoal pelos índios pataxó, lideranças ligadas à Frente de Resistência Pataxó participaram no dia 5 de uma audiência com Marcus Luiz Barroso Barros, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Na conversa, em Brasília, exigiram um compromisso oficial de que a instituição ambiental não moverá ação judicial para retirar as famílias do Parque Nacional do Descobrimento. As duas áreas reivindicadas como terras indígenas pelos pataxó estão localizadas no sul da Bahia. O Parque Nacional do Monte Pascoal, em Porto Seguro, foi ocupada em 19 de agosto de 1999, por cerca de 300 índios pataxó de nove aldeias localizadas nos municípios de Cabrália, Porto Seguro e Prado, juntamente com os pataxó hã-hãhãe. Eles retomaram a área de 22.500 hectares, considerada antigo território tradicional indígena, mas transformada em parque na década de 60. Já parte do Parque Nacional do Descobrimento, no município de Prado, foi ocupada entre abril e agosto deste ano, por três grupos familiares pataxó. Desde 1999, a Fundação Nacional do Índio (Funai) mantém um Grupo Técnico, em fase de estudos antropológicos, que deverá confirmar o direito tradicional sobre aquelas áreas. Entretanto, representantes do Ibama na região ameaçam: “Os índios terão de deixar a área, nem que seja através de ação judicial”. Segundo Xarru Ingorá Mirim, integrante da Frente de Resis-tência Pataxó, “a atuação do Ibama, através da chefe do Parque Nacional do Monte Pascoal, Milene Maia, tem provocado divisão interna. Joga índios contra índios”.

■ Pataxó interfere nos interesses de fazendeiros e empresas

Na década de 60 os pataxó foram expulsos de suas terras para dar lugar à criação do parque nacional. Em 2001, foi instituído um “acordo de cooperação técnica” entre os ministérios do Meio Ambiente e da Justiça para administrar o Monte Pascoal, à revelia do povo pataxó. Grande parte das terras imemoriais dos pataxó foi comercializada. Um exemplo é a criação do Parque Nacional do Descobrimento, em 2000, em área reconhecidamente indigena e que foi comprada da Brasil Holanda Indústria S.A.. A Bralanda, consórcio extrativista transnacional, durante anos explorou a Mata Atlântica. Expulsou as comunidades indígenas e grilou terras dos índios, posseiros e ribeirinhos. Em lugar da mata, surgiram campos abertos de samambaias, pastos e lagoas mortas.

Acervo do Cimi

Pataxó querem retomar terras do Monte Pascoal

Meio Ambiente (Amda), Dalci Ricas, chama a atenção: são necessárias providências para que acidentes desse tipo não se repitam. “Em questões de meio ambiente, existe o sagrado Princípio de Precaução. E, no caso de barragens, é preciso reduzir o risco a zero, o que só vai acontecer se elas forem retiradas”. Para Dalci, é obrigação do Estado punir os culpados. Porém, mais importante ainda é discutir quanto custa resolver o problema, por que outras “Cataguases” continuam ativas. Em Brasília, o Tribunal de Contas da União (TCU) acusou de negligência o Ibama, a Feam e o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF). A auditoria do TCU apurou que o Ibama recebeu denúncias, mas não tomou providências. Ao mesmo tempo, a Feam teria deixado as barragens sem fiscalização desde 1989, quando foi firmado um termo de compromisso para dar destino aos resíduos. A Feam possui 300 técnicos em todo o Estado de Minas, e dois dias depois do acidente em Cataguases, assinou um convênio com a Polícia Militar para reforço do efetivo.

Demarcação é principal reivindicação Em 1999, quando os pataxó retomaram o Monte Pascoal, existiam 9 aldeias. Atualmente são 15, todas no entorno do Monte Pascoal. No começo da década de 90, eram 3.500 indígenas; hoje são 6 mil. A principal organização das comunidades pataxó é a Frente de Resistência e Luta Pataxó e a sua mais importante bandeira, a demarcação do Monte Pascoal. De acordo com os índios, entre outras coisas, a retomada significa mexer em dezenas de fazendas, constituídas ilegalmente pelo “método” da grilagem na década de 70, com extração madeireira. Interfere também no projeto de monocultura do eucalipto levado a cabo pelas empresas de celulose Veracel e Aracruz Celulose, parceiras que pretendem plantar 1 milhão de hectares de eucalipto no extremo sul da Bahia.

Cimi denuncia desprezo do governo “No governo Lula, os povos indígenas adquiriram invisibilidade política, insignificância na agenda, e nem sombra de importância no orçamento”. Essa é a reação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) à política indigenista do governo. A manifestação da entidade, ligada à Igreja Católica, aconteceu no dia 8, data da posse do antropólogo Mércio Pereira Gomes (foto) na presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). O novo presidente da Funai ocupa o cargo em substituição a Eduardo Almeida, exonerado em 15 de agosto. Para o Cimi,

houve apenas mudança de nomes. “Os povos indígenas estão ‘invisíveis’ para o governo federal, para a mídia e para a sociedade brasileira desde o início do mandato do presidente Lula”, diz a nota. Classificando de desprezo as atitudes do governo em relação aos povos indígenas, o Cimi cobra uma série de atitudes, como as homologações de terra, inclusive da área indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. Exige também demarcações, recursos para garantir os territórios e vida das comunidades e diálogo.

Jornalistas discutem a Amazônia Denise Moura, de Rio Branco (AC) Cerca de 200 jornalistas brasileiros e de países vizinhos participaram nos dias 6 e 7, em Rio Branco (AC), do 1º Encontro Internacional de Jornalismo Ambiental da Amazônia. Convidados a conhecer de perto as bases do Sistema Integrado de Proteção e Vigilância da Amazônia (Sivam/

Sipam), questionaram os altos recursos investidos no programa em contraste com a baixa utilização dos equipamentos disponíveis. Biopirataria e a Convenção da Diversidade Biológica, assinada pelo Brasil durante a ECO-92 e ratificada pelo Congresso Nacional, foram assuntos analisados pelos jornalistas. Também houve discussões sobre unidades de conservação (parques e reservas

sob proteção florestal), recursos hídricos, gestão das bacias e manejo da pesca. Um assunto em destaque foi a “florestania”, que faz a junção de floresta com cidadania. Trata-se da ampliação, na Floresta Amazônica, dos investimentos do Estado em educação, saúde, lazer e extrativismo, garantindo o progresso sem desrespeitar a floresta e seus povos.


14

De 11 a 17 de setembro de 2003

DEBATE REFORMA TRABALHISTA

Discutir com a sociedade a mudança trabalhista Vicente Paulo da Silva

E

Kipper

m toda a minha atividade sindical sempre defendi, como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e presidente da CUT, que os trabalhadores não podem perder os seus direitos. Essa mesma certeza eu trouxe para a Câmara e levei à Comissão Especial que analisa a Reforma Trabalhista. A Comissão é composta por 37 membros e uma certeza vem norteando os trabalhos: anali-

samos juntos o que é comum, ressaltando os pontos convergentes. O dia-a-dia à frente das entidades sindicais me fez conhecer o que defendem as centrais sindicais e os empresários. Estou certo de que também por isso é importante ouvir o maior número possível de pessoas e entidades. Tivemos e estamos tendo muito trabalho: alguns temas vêm sendo analisados cuidadosamente. Há posições até antagônicas, mesmo entre dirigentes sindicais. Um desses

assuntos são as contribuições compulsórias (imposto sindical e sistema confederativo). Pelo imposto sindical é descontado anualmente um dia de salário, ao passo que no confederativo os valores de descontos mensais são decididos, para sócios e não-sócios, em uma assembléia que às vezes não é representativa nem democrática. Essa prática faz os sindicatos fantasmas, que não defendem os trabalhadores, sobreviverem apenas no papel, com o dinheiro pago por quem não vê no sindicato uma entidade que verdadeiramente o representa. Um sindicalismo cartorial, conseqüência de uma legislação arcaica e obsoleta. A liberdade e a autonomia sindicais, ao contrário, permitem que os verdadeiros sindicatos se fortaleçam, conforme princípios da Convenção 87 da Organização Internacio-

nal do Trabalho (OIT). O trabalhador, constatando que o sindicato luta pelos seus interesses, fará questão de o manter atuante, inclusive contribuindo financeiramente com a entidade. Essa é uma certeza já consolidada em grande parte do sindicalismo. A Convenção 87 da OIT, portanto, expressa a verdadeira liberdade e a verdadeira autonomia sindicais. São três os grandes grupos de “transformações” que têm sido debatidos pelos deputados da Comissão da Reforma Trabalhista: a estrutura sindical, o conjunto de leis trabalhistas e o necessário dinamismo jurídico-trabalhista. Crescem, a cada dia, as atenções voltadas à Comissão. Continuam, e são muito importantes, os debates sobre o tema no Fórum do Trabalho (criado pelo Ministério do Trabalho), na subcomissão da Reforma Trabalhista do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, nas centrais sindicais, entidades patronais, e entre os

operadores do Direito (Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho). Mas a Comissão da Câmara canalizará todas as contribuições, promovendo o amplo debate que a sociedade tanto precisa. Não se trata de discutir o projeto do governo FHC, de 2002, que flexibilizava os direitos dos trabalhadores. Estamos começando tudo de novo, preocupados com a qualidade do trabalho. Vivemos um tempo especial em nosso país. Não podemos e não devemos nos omitir. A contribuição de todos é essencial para (re) construirmos o Brasil. Um momento histórico, que nos emociona e deve nos encher de uma energia cidadã. Mulheres, homens e crianças querendo viver em um país melhor. Estamos no caminho certo, sem dúvida.

Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, é deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores e presidente da Comissão Especial da Reforma Trabalhista.

Luciana Genro

A

economia brasileira está estagnada. A atividade industrial em São Paulo caiu 1,1% em relação a igual período do ano passado. Comparado com o primeiro trimestre, a queda da indústria nacional foi de 3,75%, a pior desde 1995. Se a economia vai mal, imaginem o povo. Durante esse ano, 500 mil trabalhadores perderam seus empregos. Para a reversão desse quadro, o governo tem propagado a quatro ventos que as reformas encaminhadas ao Congresso Nacional são fundamentais. Qualquer semelhança com os discursos de governos anteriores não é mera coincidência. Todos sabem que meu voto como deputada federal foi contrário à Reforma da Previdência e à Reforma Tributária. Estou convencida de que votei de acordo com os interesses dos trabalhadores. A contra-reforma da Previdência foi ditada pelo FMI, com o objetivo de entregar a poupança dos trabalhadores para os bancos e os fundos de pensão, atacar os servidores e os aposentados, tudo isso mantendo os privilégios dos altos salários e dos juízes. Na contra-reforma tributária mais uma vez o objetivo antipopular está evidente: manter a CPMF e desviar recursos da educação e da saúde para o pagamento da dívida pública. Assim, atualmente, quando se fala de reformas no governo Lula, a primeira reação lúcida é

relembrar qual a reforma, ou melhor, qual a contra-reforma proposta por FHC na mesma área. Afinal, infelizmente, a agenda de Lula tem sido uma cópia do modelo neoliberal adotado pelos tucanos. Com a Reforma Trabalhista será diferente? Bem, o primeiro que deve ser dito é que não há concretamente uma proposta do governo para a Reforma Trabalhista. Há, porém, claros balões de ensaio. Tivemos uma série de declarações do ministro do Trabalho, todas elas na linha do ataque aos direitos dos trabalhadores. Foi assim que Jacques Wagner defendeu o fim da multa sobre o FGTS em caso de demissão e o parcelamento do 13º salário. Depois voltou atrás nas declarações, mas a idéia foi explicitada. E claramente. Além do mais, o próprio presidente Lula reforçou a linha do parcelamento do 13º salário, desta vez para as pequenas e médias empresas. Então, qual proposta concreta irá para discussão no Congresso Nacional? Ainda não sabemos. O governo enfrentará outra parcela de sua base social, notadamente os trabalhadores do setor privado como fez com a Reforma da Previdência no caso do setor público? Em nossa opinião, sim. A disposição do governo é seguir os interesses das grandes empresas. Pode não se expressar numa proposta de reforma a ser votada no Congresso. É possível, inclusive, que seu conteúdo seja bastante esvaziado. O que não será esvaziado é o ataque aos direitos dos trabalhadores no dia-a-dia. E nesses

Kipper

Uma nova contra-reforma

ataques o governo tem feito vistas grossas ou diretamente apoiado a patronal. Foi o caso da greve da GM de São José dos Campos no primeiro semestre. O ministro do Trabalho interveio diretamente para que não fosse concedido nenhum reajuste para supostamente não pressionar os índices inflacionários. Com tal atuação, não há como a patronal não ficar satisfeita com o governo. O desolador quadro dos reajustes salariais é um dos motivos da satisfação. Os acordos trabalhis-

tas atingiram, neste período, o pior resultado desde o Plano Real. Pesquisa nacional do Dieese mostra que 54% dos acordos assinados de janeiro a junho tiveram reajustes abaixo do INPC. O salário mínimo nacional é a miséria que todos conhecem, numa prova de que a intenção anunciada de dobrá-lo em quatro anos não passou de discurso de campanha. Enquanto isso, as corporações capitalistas seguem ganhando bem. E muito. Seus

lucros dispararam no primeiro semestre. É lógico que o brutal arrocho salarial é um ingrediente fundamental dessa lucratividade. Arrocho salarial, terceirização e aumento brutal da intensidade da jornada de trabalho. A renda dos brasileiros caiu pela sétima vez consecutiva em julho deste ano e o consumo das famílias no segundo trimestre deste ano teve uma retração de 4% em comparação com o anterior. Assim, os trabalhadores não podem ficar esperando nem do governo nem do Congresso Nacional. Está claro que a Reforma Trabalhista não inibirá a flexibilização, a terceirização, o arrocho salarial e o flagrante desrespeito diário aos trabalhadores. Infelizmente, a direção majoritária da CUT não está enfrentando esses temas como deveria e não desencadeia uma campanha nacional por aumento do salário mínimo, pela redução da jornada de trabalho sem redução dos salários, muito menos denuncia o avanço da flexibilização em suas próprias bases, como é o caso do ABC paulista. Ao contrário, seus líderes atuais e históricos mais importantes aceitam a idéia de que tudo está melhorando. Isso não é verdade. E está mais claro do que nunca que sem luta os trabalhadores não conquistarão nada e os grandes empresários seguirão com muitas razões para comemorar.

Luciana Genro é deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul


15

De 11 a 17 de setembro de 2003

AGENDA

agenda@brasildefato.com.br

TEATRO CHILE (DESTAQUE) SP - VICTOR HUGO, ONDE VOCÊ ESTÁ? DIA 13, ESTRÉIA ÀS 21H Baseada nos romances Os Miseráveis, Nossa Senhora de Paris, Gwyplaine, O homem que ri, do francês Victor Hugo, a peça é dividida em duas partes. A primeira, A Miséria – O Mar Infinito, estréia dia 13. Aos domingos, às 20 horas, será apresentada a segunda parte, entitulada “O Caminho das Barricadas e o Xale da Nova República”. As obras mostram a situação dos marginalizados pela sociedade, coincidindo com a abordagem das encenações do Ventoforte, teatro de resistência que irá completar 30 anos. Local: Teatro Ventoforte, Rua Brigadeiro Haroldo Veloso, 150, Itaim Bibi, São Paulo Mais informações: (11) 3078-1072

TRABALHO ESCRAVO RJ – I SEMINÁRIO SOBRE TRABALHO ESCRAVO E DEGRADANTE NO NORTE FLUMINENSE DIAS 17, 18 E 19, DAS 8H30 ÀS 12H E DAS 13H30 ÀS 18H O objetivo do seminário é debater com a sociedade o conceito de trabalho escravo e trabalho degradante, tendo como referência o Norte do Rio de Janeiro. Com a retomada da monocultura da cana-de-açúcar na região, a exploração do trabalho assalariado ressurge com uma prática de exploração da mão-de-obra que recebe salários irrisórios e vivem condições subumanas, conservando as relações escravistas de uma maneira diferente e moderna.

SP – DEBATE: “NUNCA ESQUECER: 30 ANOS DO ASSASSINATO DE SALVADOR ALLENDE” DIA 11, ÀS 19H Debatedores: João Pedro Stedile (MST); José Arbex Jr. (jornal Brasil de Fato); Marco Arroyo; Nivaldo Santana (PC do B); Renan Morales (Associação Brasileiro-Chilena de Amizade). No mesmo dia haverá o lançamento do livro História das Idéia Socialistas no Brasil, de Leandro Konder. Realização: jornal Brasil de Fato Apoio: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do estado de São Paulo (Sintaema). Local: Av. Tiradentes, 1323 (próximo à estação Armênia do metrô), São Paulo Mais informações: (11) 2131-0802 e 3329-3500

Local: Universidade Cândido Mendes Campos, Rua Anita Peçanha, 100, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2296-9669

AMBIENTE GO - CURSO “ÁGUAS – TECNOLOGIA PARA O USO SUSTENTÁVEL” DE 26 A 28 O curso, com 32 horas de duração, vai abordar desde o ciclo das águas e seu estado atual no planeta até o mapeamento e a demarcação de terrenos para eficiência hídrica. Local: Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (Ipec), Pirenópolis, Goiás Mais informações: (62) 331-1568 ou (61) 9645-6333

SP – PALESTRAS “POLÍTICA INTERNACIONAL - O BRASIL, A ALCA E O MUNDO GLOBALIZADO

Contra a barbárie do capitalismo Geraldo de Azevedo, da Redação Leandro Konder, médico e intelectual carioca, é autor de uma vasta e diversificada bibliografia. Com esse texto, “História das idéias socialistas no Brasil”, elabora uma síntese da ação do homem fazendo a História na História do Brasil do século 19 em diante. Seu trabalho tem como ponto de partida uma rápida visão de “o que tem sido o socialismo”, quando nos mostra fatos e personagens que, com maior ou menor grau de comprometimento, deram a sua contribuição para que os ideais do socialismo avançassem. E tanto avançaram que “as idéias socialistas chegam ao Brasil”, trazidas por viajantes e obras que espantavam, no início, alguns poucos interessados. Entretanto, a situação de opressão política e econômica era tal

que as idéias libertárias dos europeus foram aos poucos ganhando destaque. No início do século 20, as seqüelas da 1ª Guerra Mundial foram graves e um incipiente movimento operário começou a se manifestar contra as suas condições de trabalho, criando, aos poucos, um campo propício para o surgimento dos “comunistas brasileiros”. A partir de então, a História do Brasil foi uma sucessão de fortalecimento dos movimentos sociais e o conseqüente recrudescimento

DIAS 3, 4, 5, 9, 19 E 26 O Colégio de São Paulo, que funciona na Biblioteca Mário de Andrade, promove, em setembro, uma série de palestras sobre política internacional. O tema de abertura é “O poder unipolar e os desarranjos do mundo global”, com Gilberto Dupas, professor da USP. Local: Colégio São Paulo, Rua da Consolação, 94, Centro, São Paulo Mais informações: (11) 3241-5630

GOVERNO LULA RJ - DEBATE “BRASIL INDEPENDENTE? 8 MESES DE GOVERNO LULA” DIA 20, DAS 9H ÀS 19H30 O Pré-Vestibular Comunitário Vetor coordena uma série de debates sobre a situação do Brasil desde a posse de Lula. Temas como inserção do negro na sociedade, luta pela terra, segurança pública, inclusão

da reação burguesa, a contrarevolução brutal contra o povo que se revoltava ante sua situação de miséria, desmantelando a organização dos movimentos sociais, seqüestrando e assassinando seus militantes, a título da preservação da “segurança nacional”, ou seja, da superexploração a que os trabalhadores eram e são submetidos. Ao texto original a Editora Expressão Popular acrescentou dados sobre fatos e personagens, além de ilustrações, aumentando seu campo informativo e desenvolvendo um didatismo – de linguagem simples – muito útil à finalidade a que se propõe esta obra. Nesta época histórica, neste Brasil governado por forças ditas progressistas, esta obra é extremamente oportuna para a formação dos quadros que lutam contra a barbárie do capitalismo. CONFIRA História das idéias socialistas no Brasil (Leandro Konder) Preço: R$ 12,00 (+ reembolso postal) Telefax: (11) 3105-9500

social e discussões sobre a Alca e o Mercosul serão discutidos ao longo do dia. Local: Salão da Paróquia Santa Mônica, Av. Ataulfo de Paiva, 527, Leblon, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2274-4789 ou 9803-4676

HABITAÇÃO DF – SEMINÁRIO NACIONAL DE COOPERATIVISMO E ASSOCIATIVISMO: SOLUÇÕES PARA A HABITAÇÃO

DIAS 10 E 11 Além de realizar uma avaliação do setor, o seminário abrigará grupos de discussão sobre financiamento, políticas públicas e setoriais e legislação. Os principais objetivos do encontro são: identificar potencialidades, demandas, obstáculos e propostas para o setor de associativismo e cooperativismo habitacional e, com isso, viabilizar sua efetiva participação na nova Política Nacional de Habitação; construir um projeto que reforce e impulsione o setor; contribuir para a formulação da política de desenvolvimento urbano e para a 1ª Conferência Nacional das Cidades. O seminário, organizado pelo Ministério das Cidades, se destina a representantes de cooperativas habitacionais e associações habitacionais de autogestão e mutirão, movimentos populares de moradia e organizações sociais do meio urbano e rural; agentes de capacitação e assessoria; órgãos financiadores e operadores e agentes internacionais. Local: Escola Nacional de Administração Pública, SAIS, área 2A, Brasília Mais informações: (61)411-4669

HIP-HOP SP – EXPRESSÕES URBANAS DE 23 A 25, DAS 14H ÀS 17H Realizada em parceria entre a

Prefeitura de São Paulo, o Sesc São Paulo e o Consulado-Geral da França, a terceira edição do Ciclo Cultura e Sociedade – Expressões Urbanas fala da linguagem e das vivências do movimento hip-hop. Haverá uma oficina em que serão selecionados 25 dançarinos, amadores ou não, para ter aulas com profissionais franceses, além do show de Pyroman, rapper francês, que lançará seu CD, Incendie Lyrical, dia 27, às 17h30. Local: Inscrições no Centro Cultural São Paulo, Rua Vergueiro, 1000, São Paulo. Oficinas e show no Sesc Ipiranga, Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga, São Paulo Mais informações: (11) 3277-3611, ramal 221

RELIGIÃO CE - “CRISTIANISMO NA AMÉRICA LATINA” DIA 12, DAS 7H30 ÀS 12H O evento terá como lema “Igreja: Perspectivas e Desafios”. Debatedor: padre Antônio Aparecido da Silva (Toninho), da coordenação da Conferência dos Religiosos do Brasil Nacional. A oficina é uma promoção do Curso de Verão na Terra do Sol (CVTS), CRB/Fortaleza e Instituto Teológico Pastoral do Ceará (Itep). Local: Auditório do Seminário da Prainha, avenida Dom Manuel, número 3, Fortaleza Mais informações: Cristina (85) 253-7274

ALCA DF - ENTREGA

DOS ABAIXO-

ASSINADOS CONTRA A ALCA

DIA 16 Setembro é o mês em que estão previstas mobilizações contra a Alca, em toda a América Latina. Dia 16, em Brasília, delegações estaduais entregarão ao governo federal os abaixo-assinados recolhidos durante a Campanha Vacine-se contra a Alca. Organização: Campanha Bra sileira contra a Alca Mais informações: www.jubileubrasil.org.br


16

De 11 a 17 de setembro de 2003

CULTURA

Grupo encanta com cordel A literatura de cordel se adapta aos centros urbanos, ganha as escolas e ilumina os teatros Carlos Gustavo Yoda, de Santos (SP)

Brasil de Fato – Como funciona essa mistura entre música, poesia e teatro? Lirinha – Nós queremos contar uma história e para isso re-corremos à união de tantas manifestações, tantas tendências. Usamos recursos de teatro, música, iluminação, poesia, ritmo, tudo o que podemos para ex-plorar sentimentos universais como medo, desejo, dor, saudade, amor, guerra... BF – Qual é a principal característica do grupo? Lirinha – Mais do que releitura ou resgate dos ritmos regionais, queremos mostrar nosso jeito de fazer arte. Vários grupos trabalham com pesquisa, até de forma competente. O Cordel do Fogo Encantado tentar montar novos ritmos, novos sons que não necessariamente o maracatu ou a ciranda. BF – Isso significa fusão de manifestações culturais? Lirinha – O ser humano é resultado da soma do que viu com o que sonha. É impossível não trazer para o palco o que vivemos na infância, como a música religiosa africana ou os elementos do candomblé. Em nosso trabalho e em nossas vidas, não temos de fazer o ritmo tradicional, da forma que foi concebido, e sim imprimir a nossa marca. BF – Vocês acreditam que conseguem deixar essa marca? Lirinha – Não sei se conseguimos, mas a busca já faz a diferença. A possibilidade da música do sertão é infinita, assim como a música de qualquer outra região. Nossa intenção não é fazer uma releitura de Jackson do Pandeiro ou de Luiz Gonzaga, e sim ser uma continuidade desse trabalho, dando a nossa contribuição.

Fotos: Tatiane Oliveira

A cidade de Arcoverde é a porta de entrada para o sertão pernambucano. E foi a porta por onde, em 1997, o grupo Cordel do Fogo Encantado saiu para conquistar o mundo. Com muita originalidade, a banda alia a poesia oral e dos cantadores do Nordeste, histórias narradas em linguagem popular, à riqueza da música popular brasileira e do rock e fortes elementos afrobrasileiros. Lira Paz, o “Lirinha”, é o poeta-cantador do Cordel do Fogo Encantado. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele fala do trabalho do grupo e de como o Brasil ainda dá as costas para o interior.

Quem é Cordel do Fogo Encantado é formado por cinco artistas pernambucanos: o vocalista Lira Paz (Lirinha), o violonista Clayton Barros e os percussionistas Emerson Calado, Nêgo Henrique e Rafa Almeida. O grupo surgiu em 1997, na cidade de Arcoverde (PE), como um espetáculo teatral homônimo, baseado em música e poesia. A banda gravou dois CDs – “Cordel do Fogo Encantado” e “O palhaço do circo sem futuro”. Sucesso em shows pelo Brasil, os integrantes fizeram turnês pela Europa e foram apresentados ao grande público no filme “Deus é brasileiro”, de Cacá Diegues, onde interpretam a canção “Anjos Caídos”.

Novo jeito de aprender Letícia Baeta, da Redação Dia 28 de agosto. A mesmice na Escola Estadual Antônio Raposo Tavares, em Osasco (SP), é cortada pelo som da viola. Começa o empurra-empurra de crianças para entrar no colégio. Ninguém quer perder o espetáculo Cordel do conto engraçado, dos repentistas Costa Senna e Cacá Lopez, a um preço simbólico de R$ 1,00. O que é um desafio para os professores torna-se moleza para os repentistas: prender a atenção do público. Com poesia, eles explicam a história da literatura de cordel, usam figuras de linguagem, explicam regras de gramática e desmistificam a matemática. E o mais importante: falam do que não está nos livros acadêmicos, como a luta de Antônio Conselheiro, Gandhi, Chico Mendes e Paulo Freire. A literatura de cordel, assim como o repente, é uma das manifestações populares mais antigas do Brasil. Escrito em versos, em linguagem cabocla e satírica, o cordel é impresso em folhetos e vendido em feiras. Nasce para ser declamado pelo cordelista e cantado pelo repentista. No passado, era um tipo de jornal, que levava informações ao povo da roça. Hoje, adapta-se para sobreviver na grande cidade: repentistas gravam Cds e se organizam em associações; cordelistas cursam universidades e até oferecem palestras em empresas.

Mas é nas escolas onde o cordel encontra um porto seguro e se torna método de ensino. Leni Maria Gozzi , professora de Língua Portuguesa da Escola Antônio Raposo Tavares, acredita que o repente e o cordel estimulam nas crianças a criatividade, a produção artística, a literatura e o resgate do folclore. “Mostram que você também pode fazer arte. Basta ser criativo e ir à luta”, diz. MUDANÇA NA ESCOLA Com ela concorda o pesquisadorda cultura popular César Obeid, que defende a oralidade no ensino da Língua Portuguesa. Ele

classifica como “ultrapassado” o sistema educacional que forma apenas cidadãos alfabetizados tecnicamente, ou seja, incapazes de compreender um texto, uma informação e a realidade. “A oralidade no ensino de Língua Portuguesa é nulo. Nas bibliotecas, as pessoas ficam caladas e não conseguem ler”, avalia. Obeid, que também trabalha com cordel nas escolas, propõe uma “leitura viva”, primeiro em voz alta, depois em teatro, dança e mímica. Para ele, esse tipo de atividade deve entrar definitivamente na educação nos próximos dez anos, pois “as pessoas que

Da feira para a universidade Desde o século XVII a literatura de cordel era frequentemente declamada nas feiras portuguesas. Com a colonização do Brasil, se enraizou no Nordeste. Um dos mais importantes poetas do Brasil foi o cearense Patativa do Assaré, que morreu em 9 de setembro de 2002. A partir da década de 50, com o êxodo dos nordestinos para grandes centros urbanos como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, o cordel e a viola se espalharam pelo país e se recriaram. “Hoje existem cantadores que tocam e cantam muito bem. Há 40 anos, era aquele berro infeliz e dois acordes na viola”, explica o pesquisador Obeid. Pela primeira vez, eles têm acesso a aulas de

violão. Além disso, com a ajuda dos microfones, nas gravações de CDs diminuem o tom da voz e do violão. A maior parte dos 450 associados da União dos Cantadores e Repentistas do Nordeste, com sede em São Paulo, já gravou ao menos um CD. Mas, na opinião de Obeid, a nova tecnologia acabou com o improviso e, conseqüentemente, com a “graça” do repente: “Legal era ver os homens sofrendo e gaguejando para fazer o verso”, diz. TRADIÇÃO X MODERNIDADE As universidades também foram responsáveis por mudanças significativas. A principal foi a adaptação da linguagem, que dei-

BF – E os outros cantadores, admitem a mescla com outros ritmos? Lirinha – Ainda existe um conservadorismo muito grande, até mesmo desnecessário. O rótulo regional sempre existiu. Mas queremos fazer música com sentimentos universais. BF – Por que demora para surgir grupos como o Cordel do Fogo Encantado? Lirinha – O Brasil ainda dá as costas para o interior. Estamos presos ao eixo Rio-São Paulo, e de costas para o que acontece no Nordeste, nas periferias, nos subúrbios deste país.

assumem a literatura de cordel na educação gostam”. Prefeituras de cidades do Nordeste vão além e incluíram a literatura de cordel ao currículo escolar. No dia 9 de agosto, a prefeitura de Campina Grande, na Paraíba, entregou 160 cordéis nas 130 escolas da cidade. Segundo Terezinha Medeiros, diretora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Campina Grande, o objetivo do projeto Cordel na escola é integrar essa literatura na leitura das crianças. Em um ao, a prefeitura pretende expandir a distribuição de cordéis para jovens e adultos.

xou de ser matuta para se tornar “técnica”. Os acadêmicos interessados em pesquisar a literatura de cordel atraem os poetas para esse universo. Assim, muitos cordelistas ingressam em cursos superiores, como o próprio presidente da Academia Brasileira de Cordelistas, Gonçalo Ferreira. Poeta nordestino e formado em Letras, Ferreira avalia como positiva essa evolução da linguagem, que segundo ele garante o aperfeiçoamento da gramática. Com ele concorda a pesquisadora do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, Rita Amaral. “A adaptação do cordel na cidade é indispensável para a sua perpetuação. Os centros urbanos tendem a diluir todas a as culturas”, afirma. Apesar das mudanças, o essencial – estrutura do livreto, tom satírico e poético e expressão do pensamento do povo – está preservado. “O que mudou foi o cotidiano, e, com ele, os temas dos cordéis, que passaram a ser novelas, clones etc”, diz Rita Amaral.

(...) Mas, ai! de quem ignora/ o quanto vale a instrução/ de si próprio se deplora/ sofre a mais negra opressão/ serve até de zombaria o direito, a garantia,/ que merece o cidadão. (...) ■ Trecho de cordel do poeta João Martins de Athayde, no folheto A desventura de um analfabeto ou o homem que nunca aprendeu a ler.

■ Costa Senna e Cacá Lopez (ao microfone): cordel e repente como método de ensino


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.