Ano 1 • Número 32 • São Paulo • De 9 a 15 de outubro de 2003
Circulação Nacional
Movimentos vão à luta contra desemprego A
esperança que mobilizou o Brasil nas últimas eleições presidenciais está se desfazendo. Mas os movimentos sociais não vão cruzar os braços diante de um país que ficou mais pobre: a renda da população ocupada caiu, o desemprego aumentou, as condições de trabalho ficaram mais precárias. Os gastos sociais do governo, que servem para irrigar a economia, foram cortados no início do ano, as empresas estatais e as instituições oficiais de crédito estão proibidas de investir, por causa do acordo com o Fundo
Monetário Internacional (FMI), que o governo Lula está pensando em renovar. Por tudo isso, a Coordenação de Movimentos Sociais prepara novas mobilizações que unificam as reivindicações da CUT, do MST, da UNE, da Marcha das Mulheres, do Grito dos Excluídos e das pastorais sociais. Os objetivos da luta são emprego, desenvolvimento e distribuição de renda. Preocupa muito aos movimentos sociais a continuidade da política econômica neoliberal no governo Luiz Inácio Lula da Silva, que exige enormes sacrifícios ao povo brasileiro.
Saif Dahlah/AFP
Desenvolvimento, distribuição de renda, emprego, são as reivindicações unificadas das organizações sociais no Brasil
Israel pode levar Oriente Médio para a guerra
Justiça deve barrar transgênicos O governo cria mais problemas do que soluções em relação ao cultivo de soja transgênica. Outra vez dá sinais de omissão no cumprimento dos artigos da medida provisória (MP) que, em tese, poderiam proteger a biodiversidade e a saúde. O Ministério da Agricultura anunciou que a fiscalização ao plantio iniciado dia 1º deve começar no final do mês. No Ministério do Meio Ambiente, as áreas de preservação ainda não foram definidas. Enquanto prevalece a negligência, o Supremo Tribunal Federal vai analisar as três ações de
Ao defender a participação popular nas discussões sobre a política econômica, o senador João Capiberibe (PSB-AP) critica a irresponsabilidade das elites que contraíram a dívida externa. “A dívida deve ser renegociada a partir dos interesses da sociedade”, avalia. Contrário à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), ele analisa a reação estadunidense às posições do governo brasileiro: “Se eles se sentem incomodados, é porque a condução das negociações nos favorece”. Pág. 5
E mais: AMÉRICA LATINA - O Grito dos Excluídos, uma iniciativa brasileira, ganha edição ampliada: o Grito Continental. A mobilização acontece, dia 12, em 22 países. Pág. 10 CRIME AMBIENTAL - Indústrias de celulose incentivadas pelo Projeto Jari são as responsáveis por emissão de soda cáustica no Rio Jari e pela poluição do ar no Pará. Um desastre ecológico é esperado para breve. Pág. 13 LUTA PELA TERRA - O fotógrafo Douglas Mansur mostra seu trabalho de 15 anos acompanhando movimentos de trabalhadores sem-terra no Brasil e no Paraguai. O resultado é objeto de pesquisa na USP. Pág. 16
Tropas israelenses intensificam ataques a palestinos em Jenin, na Cisjordânia
Violência e mortes são rotina na Febem
Luciney Martins/ Rede Rua
Capiberibe acusa elites pela dívida
inconstitucionalidade movidas contra a MP. Entre os pedidos, está o do procurador geral da República Cláudio Fonteles. Se não for barrada pelo STF, a MP pode sofrer emendas no texto original – porém, sem o aval do vice-líder do governo no Senado, João Capiberibe (PSBAP), que renunciou ao cargo por discordar da liberação da soja modificada. “Não vou defender um projeto contrário as minhas convicções, que ameaça a saúde e o ambiente, além de legalizar a subversão à lei”, critica. Pág. 3
Diante da ofensiva militar de Israel contra a Síria, domingo, dia 5, os países da Liga Árabe acusam o primeiro-ministro israelense Ariel Sharon de querer arrastar o Oriente Médio para uma espiral da violência. A versão de Israel – apoiada pelos Estados Unidos – diz que o alvo na Síria era uma base do grupo palestino Jihad Islâmica, responsável pelo atentado que resultou em 19 mortos, dia 4, num restaurante em Haifa. Mas a Síria afirmou que se tratava de um acampamento de refugiados palestinos onde não há nenhum grupo terrorista. Os EUA evitaram criticar Israel e vetaram a condenação ao ato, no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Contrariando a proibição contida no “Mapa da paz”, Israel também segue adiante com a construção da muralha que separa a Cisjordânia do território israelense e de mais de 500 casas em assentamentos judeus, situados em território palestino, decisão condenada pela ONU. Pág. 11
Mães de internos da Febem protestam contra mortes e maus-tratos em unidades da fundação, no centro de São Paulo
Projeto quer o fim do analfabetismo Capital externo O governo federal acaba de escrever. O programa já enfrenta não significa lançar o projeto Brasil Alfabeti- problemas: o Fundo de Manutenzado, com a meta de alfabetizar ção e Desenvolvimento do Ensicrescimento 20 milhões de pessoas até 2006. no Fundamental e Valorização Com base no Método Paulo Freire, a iniciativa pretende atingir cerca de 60 milhões de brasileiros que não conseguem ler ou
do Magistério (Fundef) não pode financiar programas de alfabetização de jovens e adultos. Pág.7
O economista José Sant´Ana, da Universidade de Brasília, acredita que a livre movimentação de dólares, em operações de curto prazo, só faz agravar a crise econômica. Ao multiplicar a dívida dos países e exigir a elevação dos juros, a especulação externa resulta em retração e causa desemprego. Para Sant’Ana, não há a menor relação entre crescimento e liberdade para entrada de capitais. Praticamente todos os países que controlaram os capitais especulativos tiveram mais sucesso no enfrentamento de crises geradas pela falta de dólares e conseguiram retomar o crescimento a taxas mais expressivas do que o Brasil, por exemplo. Pág. 5
Neste ano, oito internos foram assassinados nas unidades da Fundação Estadual do BemEstar do Menor (Febem) de São Paulo. A denúncia é de 13 entidades de direitos humanos, que entregaram um documento sobre as violências à relatora das Nações Unidas, Asma Jahangir, com relatos de torturas e abusos sexuais. Um dos jovens mortos era Sidney Queiroz, vítima de queimaduras. A sindicância que apontou suicídio não convence familiares, que chamam a Febem de “escola de criminosos”. Pág. 8
Bolivianos exigem renúncia do presidente Pág. 10
Crimes do Pará vão a tribunal internacional Pág. 6
Alca cria impasse entre EUA e Mercosul Pág. 9
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De 9 a 15 de outubro de 2003
NOSSA OPINIÃO
Chega de miséria!
FALA ZÉ
Infelizmente é crescente, junto à população brasileira, a sensação de que o medo está vencendo a esperança. O que temos visto, ontem, como hoje, é a adoção de políticas econômicas cujos resultados aumentam a exclusão social. Os números recordes de desempregados em todas as capitais e o expressivo aumento de famílias em acampamentos de sem-terra são apenas as faces mais visíveis dos resultados sociais da política econômica adotada. A miséria salta aos olhos de quem anda pelas ruas das grandes cidades, ou percorre empobrecidas áreas rurais – a triste paisagem é de desempregados, sem-teto, sem-terra, legiões de famintos e pedintes. A renda mensal recebida pela população ocupada desabou 13,8% em agosto, em comparação com o mesmo mês de 2002. De acordo com dados oficiais, o Brasil crescerá apenas 0,98% em 2003. Como a população cresce 1,5% ao ano, não é preciso ser especialista para concluir que o primeiro ano do governo Lula empobreceu ainda mais o povo brasileiro. Em política, nada acontece por acaso. Torna-se imperativo, pois, estabelecer uma conexão entre as condições de vida do povo, cada vez piores, e a decisão política de produzir um superávit primário de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas pelo país em um ano), maior que os 3,75% do governo Cardoso. Ainda em nome desse superávit, a atual equipe econômica não hesitou em cortar os gastos sociais para 2,45% do PIB, ainda menos que os 2,59% do PIB do governo FHC. E, mesmo assim, o governo continua gastando de 7% a 8% do Produto para pagar os juros da dívida. As próprias empresas estatais, por imposição do acordo assinado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) ainda pelo governo FHC, estão impedidas de investir nas áreas que atuam, e seus lucros devem ser canalizados para a geração do superávit primário. Da mesma forma, o BNDES e a Caixa Econômica não podem financiar o setor público. Como crescer com esta camisa-de-força imposta pelo FMI? Tudo é seguido à risca para acalmar o mercado e obter a credibilidade do sistema financeiro internacional. Para que serve obter credibilidade junto a um sistema imoral e promotor da pobreza em nosso planeta? Em que parte do mundo a política do FMI promoveu a distribuição da riqueza? Ao contrário, a política do Fundo favoreceu sempre a concentração da riqueza e a espoliação dos países do Terceiro Mundo, em benefício dos países ricos. Apenas no governo tucano (1995-2002), enquanto o país recebeu empréstimos de 281,2 bilhões de dólares, pagou, em juros e amortizações, 341,5 bilhões de dólares. Em oito anos, 60 bilhões de dólares emigraram daqui para os países ricos. E, mesmo assim, a dívida externa saltou de 119,6 bilhões de dólares, em 1994, para 195,5 bilhões de dólares em 2002. Fala-se agora, num novo acordo com o FMI. A justificativa é que, hoje, é possível conseguí-lo em melhores condições. E que é um dinheiro barato. Ora, o FMI até poderá fazer algumas concessões. Mas não abrirá mão de continuar exigindo superávits primários, promovendo a transferência de recursos da sociedade para o pagamento do serviço da dívida. E continuará impondo seu figurino recessivo, além de exigir plena liberdade à movimentação de capitais. O FMI continua sendo, sim, o mesmo de sempre. É preciso enfrentá-lo e derrotá-lo. O povo brasileiro espera isso do governo Lula.
Cartas dos leitores DESMEMORIADOS Sobre a reforma tributária em andamento, cumpre esclarecer (refrescando a memória de uns e outros): àqueles antes contrários a qualquer aumento da carga tributária e que estão à frente da reforma é bom que se diga que o texto em estudo deixa claro que poderão resultar em aumentos. E para os que estão hoje na oposição é bom lembrar que foi no governo anterior (19952002) que eles aprovaram aumentos que elevaram a carga tributária, de 25% para 36%. Agora, a briga de Estados e municípios é por uma maior participação na divisão do bolo, independentemente de quaisquer outros fatores. O ideal seria a manutenção do percentual atual, que poderia render mais para todos, desde que o próprio bolo do PIB viesse a crescer com o reaquecimento de toda a economia. O governo passaria a ter mais recursos para investimentos em todas as áreas. Voltaríamos ao pleno emprego e, quem sabe, enfim a uma melhor e mais justa distribuição da renda. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS)
CONSELHO POLÍTICO
Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino • Assunção Ernandes • Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • Claus Germer • Dom Demétrio Valentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes • Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL
Alípio Freire • César Benjamim • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Eduardo Greenhalgh • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim • Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre Peschanski, 55 Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 55 Carlos, João R. Ripper, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício 55 Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi, 55 Natália Forcat, Nathan • Diretor de Arte: Valter Oliveira Silva • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistentes de redação: Letícia Baeta, Maíra Kubík Mano e 55 Tatiana Azevedo 55 Programação: André de Castro Zorzo 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 5555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 5555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 5555555555 redacao@brasildefato.com.br 5555555555 Gráfica: FolhaGráfica 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ
SAUDAÇÕES Vocês são demais! Não consigo ficar sem ler e arquivar esse jornal. Aprendi a gostar dele em razão do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Movimento dos Pequenos Agriculto-
res. Esse jornal é a cara do Brasil e por isso chama-se Brasil de Fato. Selma dos Santos Dealdina São Mateus (ES) GOVERNO LULA Não sou assinante desse combativo semanário porque, aposentado do Banco do Nordeste, estou há quase sete anos sem reajuste, sofrendo 45% de desconto em minha aposentadoria. O governo Lula tem negociado com nossas entidades representativas faz sete meses, mas nenhuma indenização foi recebida. O governo Lula me faz lembrar o governo de Lech Walessa, um operário pró-estadunidense escolhido pelo imperialismo para pôr fim a algumas instituições do socialismo na Polônia. Sei que o governo Lula tem melhorado um pouco nossa política externa. Faz lembrar o governo Jânio Quadros, que condecorou Che Guevara e praticou uma política interna ultraconservadora. Quando renunciou, os trabalhadores foram às ruas para garantir a posse de João Goulart, pois todos sabiam que Jânio havia renunciado para voltar com mais poderes. Quem não aprende as lições da História é condenado a repetir seus erros. Espero que esse não seja o caminho do jornal. Toda sexta-feira compro um exemplar do Brasil de Fato e, depois de lê-lo, passo a outro companheiro que não pode comprá-lo. José de Souza João Pessoa (PB)
TRANSGÊNICOS Gostaria de ter a alegria de um cavalo que acabou de comer meio saco de milho. Contudo, não posso pois mantenho minha preocupação com a liberação de plantio de soja transgênica, um retrocesso social, político e econômico para a nossa nação. É um retrocesso social porque os pequenos produtores de sementes serão prejudicados e, portanto, haverá desemprego, o que não preocupa o pessoal da Monsanto nem os banqueiros internacionais. É um retrocesso econômico porque enquanto o mundo inteiro luta por uma agricultura sadia e sem agrotóxicos, teremos de nos submeter à volta da aplicação de herbicidas perigosíssimos, cujos efeitos são conhecidos. Está mais do que provado que podemos produzir alimentos sem agrotóxicos, mas alguns desavisados ou políticos negam-se a enxergar. Resta-me o consolo de semanalmente encontrar-me no Brasil de Fato, cuja leitura nos dá esperanças de construção de uma sociedade mais justa. José Leonel Cruz da Rosa Pelotas (RS)
ERRAMOS A ilustração publicada na página 14 da edição 31 saiu sem crédito. O autor é Kipper.
Brasil de Fato estimula o debate Brasil de Fato completa oito meses de existência. O caminho até agora percorrido foi muito longo, árduo e gratificante. Multiplicamos a criação de comitês de apoio por todo o país, estampamos em nossas páginas as notícias do Brasil e do mundo ignorados pela grande mídia, oferecemos perspectivas distintas de interpretação dos fatos políticos, culturais e econômicos, e criamos feição e estilos próprios. Não é pouco, mas ainda não é suficiente. Faz parte do nosso desafio
incorporar ao processo de produção, divulgação e distribuição do jornal um número cada vez maior de pessoas, movimentos sociais e mídias independentes. Queremos multiplicar os comitês de apoio, ampliar a rede nacional de todos os envolvidos na sustentação do jornal. Com esse objetivo, resolvemos intensificar a organização, em todo o território nacional, de debates, palestras e mesas redondas envolvendo os integrantes de nosso Comitê Editorial. Consideramos isso tão importante que
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NACIONAL SEGURANÇA ALIMENTAR
MP dos transgênicos é contraditória Claudia Jardim da Redação
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva não afinou o discurso com seus assessores, e voltou a afirmar que o motivo da liberação do cultivo da soja transgênica era a escassez de sementes, mesmo depois de o Ministério da Agricultura ter garantido que estão disponíveis 244 mil toneladas de sementes, no Rio Grande do Sul. Volume que seria suficiente para cobrir a área total de produção, e ainda sobraria para o plantio de mais 250 mil hectares, de acordo com o economista Jean Marc von der Weid, da Assessoria e Serviços em Agricultura Alternativa (ASPTA). Enquanto o presidente da República insiste em se basear em dados imprecisos para justificar sua decisão política, visivelmente resultado das pressões da Monsanto, do governo e das federações agrícolas gaúchos, os ministérios responsáveis pela regulamentação da medida provisória continuam reunidos em intermináveis discussões, sem nenhuma conclusão prática.
CORPO MOLE O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, declarou que o governo não teria condições de fiscalizar toda a safra transgênica, por isso, a alternativa era a sua liberação. Mesmo assim, não se
Márcio Fernandes/ Folha Imagem
Um governo omisso: não fiscaliza, não define áreas de preservação, não obriga o cumprimento da lei de rotulagem
O argumento do governo de que não teria condições de fiscalizar toda a safra transgênica não convence
pretende aumentar o número de pessoas responsáveis pela fiscalização do plantio, de acordo com Marcos Vinícios Coelho, fiscal federal e representante do Ministério da Agricultura na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). “Ainda não temos o número definido de fiscais disponíveis, mas não se pretende aumentá-lo”, afirma Coelho. A fiscalização deve começar apenas no dia 26 de outubro, prazo li-
mite para os agricultores assinarem o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta (TAC), no qual devem declarar que plantaram soja transgênica. Coelho diz que a fiscalização se estenderá desde o plantio até a colheita. Porém, se as áreas cultivadas estiverem na lista das regiões a serem preservadas, a fiscalização será tardia. “Ainda não sabemos como serão prevenidas as áreas excluídas”, justifica o representante da CTNBio.
“A prática do fato consumado leva à descrença qualquer medida legal. Sabe-se que nada vai ser fiscalizado, como até agora, o que provocou a expansão da semente produzida pela Monsanto”, critica o senador João Capiberibe (PSB-AP).
INDEFINIÇÕES O plantio no Rio Grande do Sul começou no dia 1º de outubro, mas as áreas de preservação ainda
não foram definidas. O geneticista Rubens Nodari, do Ministério do Meio Ambiente, adiantou que cerca de 900 áreas devem ser excluídas e, delas, quatro estão localizadas no RS. O mapa completo das áreas preservadas deve ser anunciado somente no dia 10. Um contra-senso que significa que, principalmente a população e as terras gaúchas estão ameaçadas de contaminação. Conforme aponta pesquisa do deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS), há pelo menos duas reservas índigenas no Estado onde predomina o plantio de soja transgênica. Uma sucessão de equívocos que não podem ser simples coincidência. E para justificar o descumprimento de mais uma lei, o decreto de rotulagem, a saída anunciada pelo presidente da República é a criação de mais uma comissão interministerial para cuidar da rotulagem da soja modificada e dos alimentos que contém transgênicos. A promessa da vez é que, em 15 dias, será definido o símbolo a ser utilizado (um “T”) para sinalizar que o produto contém organismo geneticamente modificado. Há uma consulta pública no endereço www.mj.gov.br/sde, onde a população pode dar suas sugestões. Até prova em contrário, resta saber se dessa vez a lei será cumprida e se os produtos realmente serão rotulados.
Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) e as alianças políticas do governo no Congresso serão colocadas à prova. Dia 3, o procurador geral da República, Cláudio Fonteles, entrou com pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a medida provisória (MP) 131 que libera o cultivo da soja transgênica. João Capiberibe, vice-líder do governo no Senado, renunciou ao cargo por também considerar que a MP libera atos ilícitos, e não pode votar a favor de tal decisão. Os três pedidos de Adin, movidos pela Procuradoria Geral, Confederação Nacional dos Agricultores (Contag) e pelo Partido Verde (PV) têm como principal argumento a ausência de estudos de impacto ambiental (EIA). Além disso, Fonteles acredita que a MP legitimou situações irregulares e atos criminosos como o contrabando de sementes da Argentina, o uso de agrotóxicos sem registro (glifosato) e o plantio de sementes não autorizadas. O economista Jean Marc von der Weid, da Assessoria e Serviços em Agricultura Alternativa, vai além, ao afirmar que a inconstitucionalidade vem desde a MP 113, que liberou a comercialização da soja modificada, em março. “Houve pouca reação contrária porque se confiava que o governo faria cumprir a lei. Agora, a desconfiança é total, inclusive do judiciário”, afirma. Outro ponto da MP que causou polêmica foi a assinatura do Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta (TAC). O documento atribui ao agricultor a responsabilidade por possíveis danos que a soja modificada possa causar ao ambiente, e proíbe a reprodução das sementes para o próximo ano. Para Manoel José Santos, presidente da Contag, a exigência é contraditória porque reconhece a ilicitude do cultivo e pune apenas o produtor. “A decisão exime a Monsanto (produtora das sementes) e o Estado de qualquer responsabilidade”, avalia. A multa para os agricultores que não cumprirem as exigencias do TAC será de, no mínimo, R$ 16.110.
Além de arcar com as conseqüências do plantio, que o presidente da Embrapa, Clayton Campanhola, admitiu desconhecer, os produtores terão de pagar royalties (pagamento por cessão do direito de uso) à Monsanto. Lúcio Mocsányi, diretor de comunicação da transnacional, afirma que a indústria ainda não definiu os preços, mas “pretende que o valor seja justo em relação aos benefícios oferecidos pela tecnologia”.
Jefferson bernardes/Folha Imagem
De novo, a decisão está nas mãos da Justiça
DECISÃO As ações que serão julgadas pelo STF terão como relatora a juíza Ellen Gracie Nortfleet. A juíza esteve envolvida na polêmica decisão que desautorizou o primeiro decreto de desapropriação de terras do governo Lula, em São Gabriel (RS). O senador João Capiberibe (PSB-AP) também considera que a MP 131viola a Constituição. E para não votar a favor da medida provisória dos transgênicos renunciou ao cargo de vice-líder do governo no Congresso, dia 3. “Não me sinto à vontade em defender um projeto que atinge minhas convicções pessoais, que pode colocar em risco a vida humana, o ambiente, e que legaliza a subversão à lei”, critica.
Sacas de semente de soja modificada em propriedade: monopólio da Monsanto
O senador ressalta que, além das conseqüências ambientais, o monopólio das sementes pela transnacional Monsanto coloca em risco o agricultor e a agricultura. “O produtor ficará dependente da indústria para plantar e terá que pagar royalties, o que vai encarecer a produção e reduzir as exportações”. As 109 emendas propostas à MP devem ser votadas em regime de urgência, até 10 de novembro. A bancada ruralista e os parlamentares favoráveis à liberação querem alterar o conteúdo do TAC e estender o período de comercialização da soja transgênica, prevista até 31 de dezembro de 2004. Já os deputados contrários à medida, que defendem o princípio de precaução, querem ampliar as restrições à MP. Para o deputado federal Adão Preto (PT-RS), além de proibir a venda de grãos da safra 2003 como semente em outros Estados, deve ser vetada qualquer comercialização da soja modificada na forma de grãos. O argumento é que alguns grãos se perdem durante o transporte da safra e poderiam contaminar áreas de soja convencional. (CJ)
Ingleses rejeitam alimentos modificados Sanjay Suri de Londres (Inglaterra) A Grã-Bretanha começa a acomodar o corpo depois de constatar que a maioria da opinião pública é contrária ao cultivo de transgênicos. Um complexo processo de consulta pública patrocinado pelo governo mostrou que 54% dos britânicos opõem-se à produção de cultivos geneticamente modificados, fato que influirá no debate a esse respeito que acontece na União Européia (UE). “O estudo mostra um grande problema político para o governo britânico, pois muitos de seus membros estão entusiasmados com os transgênicos. Agora, ficará muito mais difícil para eles incentivar a comercialização desses
produtos”, disse a ativista Doug Parr, da organização Greenpeace Internacional. A oposição do público aos transgênicos também faz prever uma colisão com os Estados Unidos, que exerce “uma pressão considerável” para que a Grã-Bretanha aceite tais cultivos, como fez com Egito, Filipinas, Sri Lanka e “muitos outros” países, afirmou Parr. A ativista contou que Londres está na vanguarda européia em matéria de estudos sobre transgênicos, tanto científicos quanto de opinião pública, por isso “terá um papel significativo no estabelecimento da política da UE” a esse respeito. O governo não fez nenhum comentário oficial a respeito da consulta. A ministra do Meio Ambiente, Alimento e Assuntos Rurais, Mar-
garet Beckett, declarou: “Dissemos que escutaríamos e escutaremos”. O estudo revela que quanto mais interessados estão os consumidores sobre os transgênicos, mais intensa é a preocupação e mais firmes são suas atitudes. Também indica que há pouco apoio para comercializar o quanto antes produtos geneticamente manipulados, e que há desconfiança generalizada em relação ao governo e às companhias transnacionais do setor da biotecnologia. O resultado da pesquisa foi o relatório intitulado GM Nation? (Nação transgênica?), divulgado na última semana de setembro. 54% dos pesquisados afirmaram que não querem de modo algum cultivos transgênicos na Grã-Bretanha; 18% disseram que aceitariam
esse cultivo se não houvesse risco de contaminação de outros cultivos, e 13% responderam desejar mais pesquisas antes de ser tomada uma decisão. Apenas 2% disseram que os cultivos transgênicos são aceitáveis “em qualquer circunstância”; 8% responderam que lhes agradaria ingerir esses produtos, contra 86% que disseram o contrário. O Ministério do Meio Ambiente, Alimentos e Assunto Rurais informou que “o governo não está nem a favor e nem contra os transgênicos. Mantém a mente verdadeiramente aberta e quer tomar uma decisão apoiada pela informação e pela evidência adequada”. O debate, acrescentou, “foi realizado longe do governo e por uma junta independente”. (IPS)
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NACIONAL DÍVIDA EXTERNA
O capital especulativo, além de aumentar a dependência, fabrica crises em série Países com crescimento acelerado, nos últimos anos, controlaram a entrada e saída de recursos externos de curto prazo Lauro Jardim de São Paulo (SP)
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esquisas recentes mostram que não há a menor relação entre crescimento econômico e ampla liberdade para a entrada e saída de capitais, afirma o economista José Sant’Ana. Ao contrário, a livre movimentação de dólares especulativos, em operações de curto prazo (menos de 12 meses), agrava a crise, ao multiplicar a dívida de países e governos e ao exigir, em seguida, a prática de juros invariavelmente nas nuvens, resultando em retração econômica e desemprego. Doutor em Economia pela Universidade de Manchester (Inglaterra), e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), Sant’Ana argumenta que praticamente todos os países que escolheram políticas de controle de capitais especulativos, assim definidas as aplicações externas de curto prazo , tiveram maior grau de sucesso no enfrentamento de crises causadas pela falta de dólares, e conseguiram retomar o crescimento mais rapidamente, e a taxas mais expressivas do que o Brasil, por exemplo. Aqui, o governo insiste em preservar liberdade ampla e geral para o dinheiro especulativo de curtíssimo prazo. “Os países emergentes que estão crescendo, adotam algum tipo de controle de capitais. Isso ocorre na China, Malásia, Cingapura, Taiwan. Entre os que estão crescendo e mantêm reservas altas, a Coréia do Sul é o único país que não controla capitais, embora já tenha adotado mecanismos de controle no passado”, comenta Sant’Ana. Para ele, a adoção de políticas de controle da conta de capitais (por onde transitam as aplicações em dólares e em outras moedas estrangeiras) poderia ajudar o país a enfrentar ataques especulativos e, ainda, a “sustentar a
autonomia nas decisões domésticas de política econômica”.
CASSINO GLOBAL Aquele tipo de política responde a exigências objetivas e concretas, impostas pela dinâmica das finanças internacionais. O mundo financeiro internacional, única instância a que se aplicam integralmente os conceitos da globalização pretendida pelos países ricos, “tornou-se um cassino global”, que movimenta, diariamente, US$ 1,5 trilhão. “Grande parte (desse movimento) é pura especulação financeira”, sem bases na economia real, prossegue Sant’Ana. “Não se criam empregos, não se constroem fábricas e não são produzidos bens e serviços”.
A especulação financeira internacional, continua o economista, tornou-se mais rentável do que “a pirataria e o contrabando”. A diferença é que os riscos são bem menores. Os investidores/especuladores levantam dólares, lá fora, a custos de 1% ou 2% ao ano, e aplicam o dinheiro em títulos do governo brasileiro, com remuneração de 22% ou 25% ao ano.
A entrada desses capitais, ao aumentar a oferta de dólares no mercado interno, pode provocar a elevação do real, barateando e estimulando as importações, de um lado, e encarecendo e reduzindo as exportações, de outro. O resultado, neste caso, seria uma redução do superávit comercial (da diferença entre exportações e importações), afetando a capacidade de o país honrar compromissos externos e gerando crises externas.
JUROS ALTOS Para evitar tais efeitos negativos, o governo vende títulos públicos no mercado (ou seja, endividase) para, em seguida, trocar os reais obtidos pelos dólares trazidos pelos
especuladores, que passam a exigir juros cada vez mais altos. A dívida do governo cresce, dispara o gasto com juros, o que aumenta o déficit do governo (a diferença entre despesas e receitas do setor público). Qualquer mudança de mercado provoca a fuga daqueles especuladores, deixando o país sem dólares, mais endividado e em crise. Políticas de controle dos capitais de curto prazo atuariam preventivamente, ao conter e regular, no início, a entrada de dólares especulativos. Entre 1991 e 1998, o Chile, conta Sant’Ana, obrigou os investidores a depositarem 30% dos dólares no Banco Central, sem qualquer remuneração. O dinheiro de curto prazo, que chegou a representar 96,3% de todos os dólares que entravam no Chile, teve sua participação reduzida para 2,8% em 1997.
MUNDO IRREAL A euforia observada hoje nos mercados financeiro e de capitais, no Brasil, diz Sant’Ana, com alta nas bolsas de valores, queda do dólar e do tal “risco Brasil” (que mede, em tese, a capacidade de o país pagar suas dívidas), tem pouco a ver com a política econômica escolhida pelo governo Lula. Tratase, em sua análise, de uma tendência global, que favoreceu, em igual medida, países altamente endividados como Brasil, Rússia e México. A grande diferença é que os dois últimos conseguiram reduzir sua vulnerabilidade a crises externas, ao contrário do Brasil. Na Rússia, com dívida externa ao redor de US$ 120 bilhões, as reservas em dólar representam metade daquele valor. No México, as reservas internacionais alcançam US$ 50 bilhões, e correspondem a 62,5% da dívida de US$ 80 bilhões. No Brasil, as reservas são suficientes para cobrir apenas 7% da dívida externa.
A forte recuperação da balança comercial brasileira, movida a boas doses de exportações de produtos básicos e alguma queda das importações, não foi suficiente, até agosto, para iniciar um processo consistente de recomposição das reservas internacionais do país. Os dólares guardados pelo Brasil para fazer pagamentos externos, depois de descontados os recursos colocados à disposição pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), estacionaram em 18,2 bilhões de dólares, ainda 19,7% abaixo do valor das reservas internacionais em agosto de 2002. Aquela quantidade de dólares foi quase 37% menor do que os 28,9 bilhões de dólares acumulados até abril de 2002, antes que a economia mergulhasse em sua mais recente crise. As reservas internacionais de um país, compostas por dólares, ouro e outros ativos (títulos emitidos pelo Tesouro dos Estados Unidos, por exemplo), são um dos indicadores utilizados para aferir a capacidade de honrar compromissos internacionais, e de enfrentar turbulências externas, causadas pela interrupção temporária da entrada de dólares na economia. São uma espécie de garantia de que o país não vai quebrar, mesmo se houver dificuldades momentâneas para levantar recursos no mercado internacional.
POSIÇÃO PRIVILEGIADA Quando ostenta reservas elevadas, como a China com seus mais de 300 bilhões de dólares (quase toda a riqueza gerada pela economia brasileira em um ano), um país pode se dar ao luxo de negociar em
posição privilegiada com seus credores, assegurando condições mais razoáveis para pagar sua dívida, o que significa juros mais baixos e prazos de pagamento mais longos. Pode, portanto, escolher políticas de crescimento acelerado, já que sobrarão mais recursos, internamente, para financiar aquelas políticas. Mais claramente, esse país (real, nos casos da China, Índia, Coréia do Sul, Taiwan, e outros) não precisará impor sacrifícios aos seus cidadãos para pagar sua dívida, porque estará menos vulnerável à pressão dos credores.
Marie Hippenmeyer/AFP
Reservas não bastam para pagar as contas
PESO DA DÍVIDA No Brasil, desde os anos Fernando Henrique Cardoso, não existe folga para a adoção de políticas de crescimento, porque todos os esforços do país estão concentrados para conseguir recursos (em dólares) para honrar os juros e as prestações devidas aos credores internacionais. A abertura acelerada da economia a importações promoveu uma verdadeira queima de dólares da qual a economia ainda não se recuperou. A falta de dólares força o país a manter juros altos, para atrair investidores externos, o que causa a retração da atividade econômica, queda da produção e das vendas, desemprego, arrocho de salários e mais crise, num círculo vicioso. Para romper esse círculo, é que muito especialistas têm defendido o controle de capitais e uma nova renegociação da dívida, de forma a amenizar seu peso para os brasileiros. Os dados mais recentes do Banco Central (BC) mostram que o total de reservas livres corres-
Será preciso recorrer aos doleiros para pagar os 42 bilhões do serviço da dívida?
pondiam a 7,7% da dívida externa total, em agosto. O país poupou 18,2 bilhões de dólares até agosto, mas deve 237,2 bilhões de dólares. Dívida que vai exigir, neste ano, o desembolso de 42,9 bilhões de dólares a título de juros e amortizações (as prestações cobradas pelos credores sobre o principal da dívida externa). Apenas aqueles pagamentos já são mais de duas vezes superiores às reservas brasileiras.
FUTURO DIFÍCIL Dito de outra forma, se contasse apenas com suas reservas para pagar os juros e as prestações a vence-
rem neste ano, o Brasil deixaria de quitar mais de 57% dos pagamentos devidos. Estaria inadimplente, como a Argentina. A diferença é que a Argentina tomou a decisão de não pagar seus credores enquanto não conseguisse retomar o crescimento e renegociar a dívida. Mais ainda: as reservas representavam, em agosto, o equivalente a quatro meses e meio de importações. A relação é ainda muito baixa, já que o BC chegou a registrar reservas suficientes para 15 meses de importações, em 1993. Para complicar, o cenário futuro, projetado pelo mesmo BC, parece mais árido. Em 2004, os
compromissos relacionados à dívida externa vão crescer 30,4%, somando 55,9 bilhões de dólares em juros e amortizações, o que vai exigir novos esforços para conseguir dólares suficientes para fazer todos os pagamentos. Por isso mesmo, o BC já antecipa, para 2004, a volta do déficit em transações correntes, que registram a diferença entre exportações e importações, pagamentos de royalties, lucros e dividendos, despesas com viagens internacionais, fretes, seguros, aluguéis. O rombo previsto aproxima-se de 6,3 bilhões de dólares, cinco vezes mais do que o estimado para este ano. (LJ)
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NACIONAL LIVRE COMÉRCIO
Em defesa da autonomia, sem o FMI S
e a decisão sobre a assinatura de um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) for baseada em números, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão do Ministério do Planejamento, garante que o Brasil tem reservas suficientes para dispensar novas amarras e conseguir honrar suas dívidas até 2007. No entanto, além dos números, as implicações de um novo sim ao Fundo podem significar novos obstáculos ao desenvolvimento social do país, podado pelo receituário do FMI. Para o senador João Capiberibe (PSB), contrário a um novo acordo, a sociedade precisa participar das discussões e saber que enquanto a política econômica estiver sob o comando do FMI, o país não terá autonomia para conduzir a sua política econômica. Capiberibe critica a irresponsabilidade das elites políticas que contraíram a dívida, mas não defende a moratória. “A dívida deve ser renegociada a partir dos interesses da sociedade, que já se sacrificou demais”, avalia. Quanto aos incômodos dos Estados Unidos frente às posições brasileiras na negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) o senador acredita que é um dos aspectos positivos do governo Lula. “Quando eles se sentem incomodados, é porque a condução das negociações contempla a sociedade brasileira”. Brasil de Fato – O que acha da assinatura de um novo acordo com o FMI ? João Capiberibe – Temos que avaliar até que ponto ter a política econômica mutilada pela monitoração do FMI pode melhorar a economia, permitindo que ela volte a crescer com distribuição de renda. Sem recorrer ao FMI, poderíamos retomar a plena autonomia da condução da política econômica. Mas se assim for, haveria represálias? Se houver, a sociedade brasileira está preparada para as conseqüências da retaliação dos mercados financeiros globais? Fomos tutelados, perdemos a soberania na condução da política econômica. O governo Lula diz que pretende recuperar a autonomia perdida, mas, desde que assumiu, radicalizou na aplicação do receituário do FMI, e provocou essa recessão que estamos vivendo, o desemprego etc. Agora, o governo está diante de uma situação nova, mas é preciso que ele esclareça à sociedade quais são as conseqüências das duas atitudes – assinar, ou não, um novo acordo. BF – O Brasil precisa deste acordo? Capiberibe – Acredito que não, e podemos mostrar para a socieda-
Quem é O senador João Capiberibe (PSB-AP) nasceu no Amapá, em 1947. Zootecnista, assumiu a secretaria estadual de Agricultura e a prefeitura de Macapá e, em 1994, apoiado por uma ampla coligação de esquerda, foi eleito governador do Amapá, tendo como principal bandeira o desenvolvimento sustentável e a defesa do meio ambiente. O senador foi o primeiro vice-líder do governo Lula no Senado.
de suas implicações. Fala-se numa espécie de seguro: ir ao FMI para garantir que não haja uma possível crise lá na frente. Só que das crises nós não conseguimos sair até agora. Temos problemas sérios de crescimento econômico, desemprego e exclusão. O que garante mesmo tal negociação é o grau de consciência da sociedade, capaz de suportar, inclusive, as conseqüências de bloqueios que o capital financeiro pode realizar contra o país.
nossa dívida. Metade de tudo que é produzido, de todo o esforço da sociedade, é para honrar os compromissos da dívida externa e interna. Quem paga é cada cidadão brasileiro que tem o direito de reivindicar informações a esse respeito. Aberta a discussão, poderíamos chegar a uma consulta popular, mas o tempo é curto. Teríamos de intensificar a discussão e ao final fazer uma consulta. O governo teria de agir respaldado na decisão da sociedade: se ela quer ou não recorrer ao FMI.
BF – Uma consulta popular poderia esclarecer a sociedade? Capiberibe – Inicialmente, o debate deveria passar na Câmara e no Senado, e depois ser ampliado para a sociedade para que ela tome conhecimento sobre a
BF – Seria importante fazer uma auditoria na dívida? Capiberibe – A dívida foi contraída pelas elites. Foram elas que conduziram o país a esse beco sem saída, do endividamento ab-
surdo, que compromete o futuro, o desenvolvimento econômico e a paz social. A dívida, hoje, é uma das causadoras dos conflitos. Os recursos que deveriam ser investidos em saneamento, saúde, educação, infra-estrutura, são drenados para pagar os compromissos da dívida. Não estou seguro se é possível estabelecer uma auditoria, porque ela, evidentemente, indicaria quem são os responsáveis, que tiveram interesses e atitudes de muita cumplicidade com o grande capital e com os mercados financeiros internacionais. A auditoria só iria confirmar e dar esses nomes. BF – A moratória é uma alternativa para que os recursos não sejam drenados? Capiberibe – Acho que a dívida deve ser renegociada a partir dos interesses da sociedade, que já se sacrificou demais. Na medida em que o Brasil tem a opção de contrair ou não novos compromissos com o FMI, tem espaço para uma negociação muito mais autônoma, independente e soberana. Mas a dívida existe sim, temos de reconhecer. Se foi contraída de maneira irresponsável, é um fato que devemos apurar e até punir quem conduziu tão mal o país, mas temos de reconhecer que a dí-
vida foi contraída pelos brasileiros. A moratória não é a saída porque é um problema da sociedade brasileira. Foram as elites brasileiras que endividaram o país, mas nas relações internacionais, foi em nome da sociedade. BF – Como avalia a condução das negociações do acordo da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) ? Capiberibe – A política externa é um dos aspectos positivos do governo Lula. Sou absolutamente contrário à criação da Alca, seria um domínio total dos países, uma anexação à economia estadunidense. É fundamental o fortalecimento dos mercados regionais com o Mercosul e a ampliação do bloco com os países Andinos (Colômbia, Peru, Equador, Bolívia e Venezuela) como o Brasil tem proposto. É importante que o país negocie a Alca a partir do Mercosul, respondendo como bloco. Claro, isso tem causado dificuldades no processo de negociação e me parece que os Estados Unidos, que são os grandes condutores deste processo estão se sentindo pouco confortáveis com essas posições. E quando eles se sentem incomodados é porque a condução que está sendo dada contempla a sociedade brasileira.
Empréstimos subordinam o país Luís Brasilino da Redação A Campanha Jubileu Sul concluiu a primeira parte da Auditoria Cidadã, estudo que visa detalhar os contratos de empréstimos externos tomados pelo Brasil. Os novos dados são referentes à primeira grande fase de endividamento do país, de 1964 a 1971. Nesse período, 51% dos contratos analisados tinham uma Cláusula Contratual Incerta, segundo a qual as taxas de juros poderiam ser alteradas unilateralmente pelos credores. A adoção de juros flutuantes para correção da dívida é, para o economista Rodrigo Ávila, coordenador do projeto, a principal causa do crescimento da dívida no período. Além disso, 45% dos contratos analisados são uma ameaça à soberania do país. Outros são abusivos
Douglas Mansur
Claudia Jardim da Redação
Roosevelt Pinheiro
Capiberibe acredita que um novo acordo com o Fundo vai amarrar as decisões sobre as políticas econômicas do país
governo brasileiro. Ou seja, a decisão está nas mãos dos investidores internacionais. Existem, ainda, cerca de 20 normas como essas em diferentes contratos assinados na época. Para saber maiores detalhes, visite o endereço de Internet www.jubileubrasil.org.br/dividas/ auditoria.pdf.
SITUAÇÃO ATUAL
Mais de 6 milhões votaram pela auditoria da dívida em 2001
e só beneficiam o credor. Para se ter uma idéia, na maior parte do total financiado (53%), todos os pagamentos de juros, encargos e taxas de compromisso estão livres de qualquer taxação por parte do
Os pesquisadores da Jubileu Sul prevêem uma tarefa dura, daqui para frente. Em 1994, o então presidente Fernando Henrique Cardoso começou a transformar os contratos de empréstimos externos em títulos públicos. Em conseqüência, a quantidade de documentos a ser analisados multiplicou, pois os contratos formais regulavam grandes volumes de capital e os títulos são bem mais específicos.
Apesar disso, Ávila cita um exemplo de como a situação permanece a mesma: em 2003, em dois empréstimos (de 2 bilhões de dólares) feitos ao Brasil por bancos internacionais, consta uma cláusula assegurando que a regulação de qualquer litígio entre as partes será feita de acordo com as leis de Nova York (EUA). Segundo Ávila, desde a aceleração do endividamento em função da adoção de juros flutuantes, a dívida externa brasileira se tornou impagável. “Mesmo com um superávit comercial (diferença positiva entre o que um país vende e aquilo que importa) recorde, o Brasil só consegue pagar os juros das dívidas, mas nunca o principal”, afirma. Para ele, a auditoria é uma forma de justificar a renegociação da dívida – “quitada há muito tempo, com os juros já pagos”.
PETROBRAS
Uma história que completa meio século de conquistas da Redação Muita água, ou melhor, petróleo, rolou, entre o século XIX, quando um inglês arrematou a primeira concessão para exploração de petróleo no Brasil, e a lei 2.004, de 3 de outubro de 1953, que criava a Petróleo Brasileiro S.A. Ao longo de quase 90 anos, a história do ouro negro no país assistiu ao solitário embate de Monteiro Lobato, a censura de seu “O Escândalo do Petróleo” e a sua prisão; o relatório do estadunidense Mr. Link negando, terminantemente, a possibilidade de existência de petróleo no país;
a criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), em 1938; a iniciativa do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo de levar às ruas a campanha O Petróleo É Nosso. A história da Petrobras é, em grande parte, a história da industrialização brasileira. Ao longo do tempo, seus pesados investimentos contribuíram, decisivamente, para a implantação e a consolidação de uma indústria naval local que, por pouco, em governos passados, não desapareceu por completo, em conseqüência da diminuição de encomendas, substituídas por importações. Além disso, a empresa,
que tem como sócio majoritário o Estado, provou que é possível desenvolver tecnologia no país, com sucesso. A Petrobras é dona da melhor tecnologia do mundo para exploração de petróleo em águas profundas. Ao final da década de 50, a Petrobras tinha uma única refinaria – a Presidente Bernardes, em Cubatão (SP) – , sua produção se limitava a 65 mil barris por dia (b/d) e a capacidade de refino não passava de 2.500 b/d. Hoje, são 16 refinarias, cinco das quais no exterior, a produção diária é de 1,59 milhão de barris, a capacidade de refino che-
ga a 2 milhões b/d. As reservas de petróleo, no passado avaliadas em 170 mil b/d, atualmente são estimadas em 13 milhões b/d. A Petrobras foi produto de uma campanha cívica em escala nunca vista no Brasil até então. A poderosa oligarquia agrária e o imperialismo defendiam que no Brasil não havia petróleo para produção em escala comercial, conforme relatório elaborado por uma comissão liderada pelo engenheiro estadunidense Walter Link; e que a exploração do petróleo em território nacional, inclusive a importação, deveria ficar a cargo de capitais privados.
Ao longo de 50 anos, a Petrobras comprovou que no país há petróleo, e muito. Em 1997, com a Petrobras, o Brasil se tornou um dos poucos países do mundo – são 16 – que produzem mais de um milhão de barris por dia de petróleo. A produção brasileira, hoje, supre 88% do consumo interno. Em 1997, entrou em vigor a legislação que começou a abrir o setor petrolífero à iniciativa privada. Nem por isso, porém, a Petrobras teve a sua liderença de mercado ameaçada. (No próximo número, Brasil de Fato apresentará reportagens especiais sobre os 50 anos da Petrobras.)
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NACIONAL MOBILIZAÇÃO
Movimentos unificam luta por emprego Maria Luisa Mendonça da Redação
Silva, com a manutenção de juros altos, superávit primário e livre fluxo de capitais. Os efeitos desse modelo são claros. Segundo Márcio Pochmann, secretário de Desenvolvimento e Trabalho do Município de São Paulo, entre 2002 e 2003 o desemprego nas grandes cidades cresceu cerca de 14%. Em alguns municípios do Estado, este índice chega a 73%. Pochmann aponta também que o desemprego entre pessoas com nível universitário cresceu 60%, e que sete de cada dez vagas abertas estão concentradas em quatro setores: limpeza, segurança, trabalho doméstico e vendedores ambulantes. “O resultado é a destruição da classe média e a polarização da sociedade entre ricos e pobres”, explica.
A
coordenação dos movimentos sociais prepara novas mobilizações no sentido de unificar as reivindicações de entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Marcha das Mulheres, o Grito dos Excluídos e diversas pastorais sociais. A pauta comum dessas organizações se baseia em um documento com propostas para geração de empregos, desenvolvimento e distribuição de renda. Em reunião realizada dia 29 de setembro em São Paulo, as entidades denunciaram o profundo impacto que as políticas neoliberais têm causado no país. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a dívida pública passou de R$ 60 bilhões para R$ 800 bilhões de reais. Ao mesmo tempo, os setores públicos e nacionais perderam um terço do controle industrial. Hoje, quase 50% da economia estão nas mãos do capital estrangeiro.
Anderson Barbosa
O documento apresenta propostas para geração de emprego, desenvolvimento e distribuição de renda
SEM CARTEIRA Outro item pesquisado por Pochmann se refere à destruição do trabalho assalariado e sindicalizado. Dos 45 milhões de trabalhadores assalariados no Brasil, apenas 27 milhões têm carteira assinada e 12 milhões são sindicalizados. O número de trabalhadores não assalariados chega a 35 milhões. Esses setores não têm representação de classe nem regulamentação pública. “Não há política para desempregados e existe grande fragmentação nos programas sociais”, afirma o secretário.
MODELO ECONÔMICO A principal preocupação dos movimentos sociais é a continuidade da política econômica neoliberal no governo de Luiz Inácio Lula da
Movimentos sociais cobram do governo políticas para combater o desemprego
Para a representante da Marcha das Mulheres, Nalu Faria, é necessário incluir uma análise de gênero, pois a mão-de-obra feminina é predominante no mercado informal. “Existe uma recomposição de classe na sociedade e esse modelo contribui com a destruição dessa cons-
ciência. Precisamos construir uma crítica comum e ampla, não há como separar a política social da econômica”, diz. A coordenação dos movimentos sociais decidiu apoiar diversas atividades, começando com uma semana de campanha contra os trans-
PARÁ
gênicos, de 11 a 16, promovida pela Via Campesina e pela Marcha das Mulheres. Para dia 12, o Grito dos Excluídos Continental prepara manifestações em 22 países contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a dívida e a militarização. Dia 17, a Marcha das Mulheres vai lançar a Campanha pelo Aumento do Salário Mínimo. Dia 19, a Ação da Cidadania Contra a Fome inicia debates sobre o tema “O Brasil que nós queremos”. A campanha visa cobrar ações concretas do governo para erradicar a fome. De 6 a 9 de novembro, as entidades vão organizar palestras e mobilizações no Fórum Social Brasileiro, em Belo Horizonte (MG). A CUT definiu como prioridade a Campanha pela Redução da Jornada de Trabalho, por mais empregos, e em defesa de um outro modelo econômico, com reforma agrária e aumento do salário mínimo. Entre os dias 10 e 14 de novembro, a UNE vai organizar uma jornada de lutas em defesa da educação pública. De 18 a 21 de novembro, ocorrerão marchas do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), com o objetivo de denunciar os efeitos do modelo neoliberal na agricultura familiar. No Rio Grande do Sul, diversas entidades organizam a “Marcha dos Sem”, prevista para 23 de novembro.
MEMÓRIA
Luís Brasilino da Redação Nos dias 29 e 30 de outubro será realizado o Tribunal Internacional para Julgar os Crimes do Latifúndio no Estado do Pará. O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, o ex-governador paraense Almir Gabriel e o latifúndio do Estado do Pará irão para o banco dos réus, acusados de violar o direito à vida, à liberdade, ao trabalho e às futuras gerações. O Tribunal, que será presidido pelo jurista Hélio Bicudo, viceprefeito de São Paulo (SP), não tem jurisdição; seus objetivos são principalmente de caráter político. Bicudo vê no julgamento a possibilidade de discutir a questão agrária no Brasil, a injustiça no campo, os direitos humanos, a ecologia, entre outras questões relevantes à mobilização popular. Espera-se criar pressão política de modo a evitar crimes dessa natureza. Trazendo à tona essas discussões, o Tribunal também contribui com a conscientização da população a respeito dos temas abordados. Além disso, Bicudo alerta para o fato de que algumas das acusações poderão ser levadas a instâncias internacionais; essas, sim, com efeito prático e imediato. Como a Organização dos Estados Americanos (OEA) que, ainda em 2003, obrigou, pela primeira vez, o governo brasileiro a pagar indenização de R$ 52 mil a um trabalhador escravizado. O crime aconteceu em 1992, com um jovem de 17 anos, na Fazendo Espírito Santo, localizada no Pará.
O MAIS VIOLENTO Segundo Rosa Maria Cardoso Cunha, advogada da acusação no Tribunal, os crimes que serão julgados se dividem nos seguintes grupos: direitos humanos, trabalho escravo, grilagem e ecologia. O Pará pode ser considerado o Estado mais violento do país. Entre 1971 e 2002, 726 trabalhadores rurais foram assassinados. O Estado abriga 1193 dos 1695
Arquivo JST
FHC, Almir Gabriel e latifúndios vão a tribunal
Massacre de 19 sem-terra, em 1996, é um dos crimes que vão a júri trabalhadores em regime de escravidão do país e 30 milhões de hectares de terra paraense foram griladas, causando a extração predatória do mogno da região. Outro grave problema regional é a impunidade. Para Darci Frigo, da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap), o sistema não funciona no sentido de distribuir justiça. “Se o delegado age corretamente, o procurador falha; se o delegado faz
um trabalho ruim e o procurador o conserta, a justiça se omite”, relata. Para se ter uma idéia da impunidade que paira no Pará, o assassinato de 19 trabalhadores rurais no massacre de Eldorado dos Carajás resultou em somente duas condenações. Pior: os condenados estão em liberdade.
JÚRI INTERNACIONAL Foram chamados para compor o júri do Tribunal onze defensores
dos direitos humanos de diversos países. Segundo Frigo, o “outro lado” não foi chamado para compor o júri porque não faria sentido convidar pessoas que fossem contra os direitos humanos. Os jurados são: Flávia Piovesan (professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Salete Macalóz (juíza federal do Rio de Janeiro), James Petras (professor em Nova YorkEUA), Dalmo de Abreu Dallari (professor da Universidade de São Paulo), Hebe de Bonafini (mãe da Praça de Maio – Argentina), Jenifer Harbury (advogada estadunidense), Padre Martinho Lenz (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), Gilberto Talahua (Via Campesina Internacional), Fernando Fernandes (Plataforma Rural da Espanha), Stephan Schwartzman (Rede de Ambientalistas dos EUA) e Carlos Frederico Marés de Souza Filho (professor universitário do Paraná). O evento será realizado no Teatro Gabriel Hermes, em Belém (PA), e conta com o apoio de diversas entidades e movimentos sociais, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Renap.
MORADIA CAMPONESA
Projeto beneficia mais doze Estados Maíra Kubík Mano da Redação “O trabalho com a habitação no campo está sendo reconhecido”. Para José Santana Filho, coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) do Rio Grande do Sul, esse é o significado do prêmio Melhores Práticas de Gestão Local, recebido este mês pelo projeto Moradia Camponesa. O projeto, desenvolvido pelo MPA e pela Cooperativa de Crédito
Rural de Novo Sarandi, é o primeiro a dar subsídios exclusivos para a habitação no campo. Os programas de crédito anteriores financiavam essencialmente a lavoura ou a infra-estrutura da propriedade. Criado em 2002, o Moradia Camponesa tem apoio financeiro da Caixa Econômica Federal e do governo do Estado do Rio Grande do Sul e, até agora, beneficiou 8.124 camponeses com renda mensal em torno de R$ 200. Este mês, começa a segunda etapa do programa, que além do
Rio Grande do Sul vai atingir outros doze Estados, a maior parte no Nordeste. Para a nova fase, foi feita uma parceria com o governo federal, que deve liberar mais subsídios. O Moradia Camponesa também concorre ao prêmio Habitat, da Organização das Nações Unidas (ONU), que julga as melhores práticas mundiais de gestão local. Para Santana, a publicidade em torno do projeto “tem um significado político de provar que é possível fazer habitações para camponeses”.
Manifestações lembram Santo Dias Os 24 anos do assassinato do operário Santo Dias da Silva serão lembrados em uma série de manifestações em São Paulo. No dia 25 será reinaugurada a Praça Santo Dias, em frente à Paróquia Nossa Senhora das Graças, em Vila Remo, onde Santo e sua mulher Ana Dias moravam. O Centro de Atendimento ao Idoso do bairro também passa a levar o nome do operário. No dia 30, o Comitê Santo Dias realizará um ato em frente à fábrica Sylvânia, no bairro de Santo Amaro, local onde o sindicalista foi assassinado. A tradicional manifestação começa com um ato simbólico: o nome de Santo Dias será escrito no asfalto, com tinta vermelha. Em seguida, os manifestantes seguem em procissão até o Cemitério de Campo Grande, onde foi construído um mausoléu em homenagem ao operário, visitado por centenas de pessoas todos os anos. Santo Dias da Silva nasceu em 1942, em Terra Roxa, no Paraná. Foi lavrador, diarista e bóia-fria. Em 1961, foi expulso das terras onde era colono, por exigir registro em carteira profissional. Migrou para São Paulo com a familia – a mulher Ana e dois filhos. Metalúrgico, foi demitido por participar de campanhas coletivas por aumento de salário e adicional de horas extras. Integrou o Movimento Contra a Carestia, foi candidato a vice-presidente da chapa 3 da Oposição no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e, membro do Comitê Brasileiro pela Anistia. Foi assassinado pelas costas pelo PM Herculano Leonel quando comandava um piquete de greve no dia 30 de outubro de 1979, em frente a fábrica onde trabalhava. No dia do enterro, foi celebrada missa para milhares de pessoas na Catedral da Sé, de onde saiu uma caminhada que se transformou em uma das maiores manifestações populares durante o regime militar.
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NACIONAL EDUCAÇÃO
Analfabetismo com os dias contados? Renato Stockler
Bruno Fiuza e Maíra Kubík Mano da Redação
Moisés Araújo
Governo pretende alfabetizar 20 milhões de brasileiros até 2006. A meta, ambiciosa, já enfrenta entraves burocráticos
“F
ui procurar emprego, preenchi a ficha para a vaga de faxineira e me chamaram para ser datilógrafa em uma escola da prefeitura. O problema é que eu sou analfabeta”. Dessa forma Joazina Luís Pereira, moradora da favela do Moinho, na região central da capital paulista, perdeu o futuro emprego. Igual a outros 16 milhões de brasileiros, Joazina é analfabeta absoluta, ou seja, incapaz de ler ou escrever um simples bilhete. Somado aos chamados analfabetos funcionais (pessoas consideradas alfabetizadas, mas incapazes de entender o que lêem), esse número sobe para mais de 60 milhões de pessoas. Para enfrentar o problema, o Ministério da Educação (MEC) lançou no dia 8 de setembro o projeto Brasil Alfabetizado. A iniciativa estabelece convênios com instituições de ensino que têm experiência na educação de jovens e adulMétodo Paulo tos. A meta é Freire – é uma práalfabetizar 20 tica pedagógia que milhões de braparte da vivência cotidiana do aluno para sileiros, acima elaborar os contede 15 anos, até údos estudados. O método foi criado em 2006. O repas1960 pelo educador se de verbas sePaulo Freire. rá proporcional ao número de alunos. A princípio, o governo pagará R$ 95 por aluno, sendo R$ 80 destinados à instituição e R$ 15 para o educador. O projeto não estabelece um método pedagógico único, mas orienta para o uso dos princípios do Método Paulo Freire. Segundo a assessoria de imprensa do projeto, “é importante não ter uma metodologia fixa para respeitar as diferenças regionais”. Ao final do curso, os estudantes serão avaliados em relação ao domínio da leitura, escrita e operações matemáticas básicas. Os cursos não têm duração préestabelecida, mas o MEC sugere
Saber ler e escrever não significa dominar a língua Analfabetismo não é apenas uma situação caracterizada por não saber ler e escrever. O Índice Nacional de Alfabetismo Funcional – resultado de uma pesquisa elaborada pela organização nãogovernamental Ação Educativa em parceria com o Instituto Paulo Montenegro, para avaliar o grau de letramento da população brasileira – estabelece 3 níveis de compreensão de textos escritos:
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Nível 1: Nesse estágio encon-
tram-se as pessoas capazes de localizar apenas informações simples em uma única frase – 30% da população
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Nível 2: É aquele em que as pessoas conseguem localizar informações em textos curtos – 37% da população
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Nível 3: É o nível em que há domínio pleno das habilidades básicas de leitura e escrita – 25% da população
MEC quer alfabetização em seis meses; especialistas contestam
que sejam aplicados em período de seis a oito meses. Para a professora Maria Alice de Paula Santos, coordenadora do programa de ensino de jovens e adultos do Instituto Paulo Freire, “seis meses é pouco para garantir o aprendizado”. Segundo ela, educar é um processo mais amplo, que vai além da alfabetização. É necessário que o aluno possa dar continuidade aos seus estudos depois de alfabetizado. O maior impasse para a articulação com o sistema regular de
educação são os vetos a projetos de educação de jovens e adultos. Conforme determinação expedida no governo Fernando Henrique Cardoso, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) só pode repassar verbas a crianças matriculadas no ensino fundamental. A retirada dos vetos foi encaminhada pela Secretaria de Ensino Fundamental ao Ministério da Casa Civil. Segundo João Luiz Homem de
Carvalho, secretário extraordinário de Erradicação do Analfabetismo, a continuação da ação alfabetizadora envolve também o Projeto Leituração. O programa pretende estimular a leitura com obras clássicas da literatura reescritas em linguagem de fácil acesso. Os livros serão entregues aos alunos cadastrados através dos Correios. Também será estimulada a criação de bibliotecas domiciliares e um projeto de lei prevê a inclusão de livros em cestas básicas.
Para Maria Alice, o atual projeto do MEC é um avanço em relação ao programa Alfabetização Solidária do governo FHC pois, ao propor uma parceria com a sociedade civil, se mostra mais amplo e aponta para uma continuidade do processo de educação. Um exemplo de diálogo é a Comissão Nacional de Alfabetização, criada junto com o programa de alfabetização e que pretende ser um espaço de discussão de políticas públicas aberto à participação da sociedade civil.
TELEVISÃO
Ações buscam controle social da programação Bruno Fiuza da Redação Duas iniciativas prometem regular a programação da TV aberta no país. Do lado do Executivo está a Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, que procura dialogar com as emissoras para melhorar a qualidade da programação. No âmbito do Legislativo, tramita na Câmara Federal um projeto de lei de autoria do deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), que tem por objetivo a criação de um código de ética para a televisão brasileira. Orlando Fantazzini coordena a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”. Para ele, apesar de positiva, a proposta do Ministério da Justiça é insuficiente, pois reproduz a frustrada proposta de auto-regulamentação tentada em 2000 pelo ex-ministro da Justiça José Gregori. “Essa é a história de um grande lobby das emissoras, que não admitem nenhum controle sobre suas ações”. A assessoria de imprensa da Secretaria Nacional de Justiça esclarece que procura mais o diálogo permanente com as emissoras do que a auto-regulamentação. O objetivo é esclarecer as regras de advertência aos programas que infringem as regras de classificação indicativa. A regulação da programação
da TV aberta está prevista no artigo 220 da Constituição de 1988. O artigo esclarece que cabe ao governo federal a classificação de programas, de acordo com horários e públicos mais adequados para sua exibição. Tem também a responsabilidade de criar instrumentos legais que permitam ao telespectador se defender de programas que contrariem os princípios que a programação de rádio e televisão deve atender. Definidos pelo artigo 221, esses princípios incluem, entre outros, o respeito a valores éticos e sociais e a preferência a finalidades culturais e informativas.
População denuncia baixaria da Redação A campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania” divulgou a lista dos programas mais denunciados por cenas de sexo e de violência na televisão. O ranking é encabeçado pelos programas do Ratinho e do Gugu, ambos do SBT. Desde que a campanha foi criada, em novembro do ano passado, foram feitas 2.487 denúncias. De acordo com a secretária Nacional de Justiça, Cláudia Chagas, é preciso regulamentar o artigo constitucional que determina o respeito aos valores éticos e sociais da família. Ela explicou que o Ministério da Justiça monitora toda a programação da televisão aberta,
das 6h às 20h. Os filmes e programas recebem classificação por faixa etária e o descumprimento a essa determinação resulta em uma advertência que, se não for aceita, pode ser encaminhada ao Ministério Público, a quem caberá requerer ao Judiciário as medidas punitivas. Foi isso o que ocorreu recentemente com o programa “Domingo Legal”, retirado do ar. “A programação está se excedendo e o nível está baixando, com cenas de sexo e violência em plena tarde”, disse a secretária. O coordenador da campanha, deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), propôs a criação de uma comissão com representantes de organizações não-governamentais, do
Ministério da Justiça e parlamentares para regulamentar o capítulo da Constituição que trata da programação das emissoras Na opinião da secretária, é preciso mobilizar a sociedade para impulsionar um projeto dessa natureza: “A regulamentação pode ser uma saída que a sociedade pode buscar”. Cláudia Chagas acha que o problema passa pela disputa de audiência. “A produção dos programas disputa o Ibope nivelando por baixo a programação – e isso é muito preocupante. Em busca da audiência, cada um quer apresentar uma cena mais chocante que o outro”, alertou. Quem quiser participar da campanha ligue para 0800-619619.
composta pelos minitros José Viegas (Defesa), José Dirceu (Casa Civil), Nilmário Miranda (Secretaria Especial de Direitos Humanos) e pelo advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro da Costa. Familiares dos desaparecidos contestaram o decreto que instituiu a comissão. Eles temem que o novo grupo esvazie o trabalho que vem sendo desenvolvido, desde 1995, por uma comissão especial, ligada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
bro, uma mobilização nacional em defesa do passe livre nos transportes municipais. No início da semana, secundaristas de João Pessoa (PB) fizeram protestos e bloqueios contra o reajuste, autorizado pelo prefeito da cidade, de 10% nas passagens de ônibus. Esse é o segundo aumento do ano: as passagens já subiram 10,5% em janeiro, a título de elevação do preço do combustível. Como eles, estudantes de vários Estados organizam manifestações contra os aumentos de passagens e em defesa do passe livre. Em São Paulo (SP), foi criado um comitê pelo passe livre, composto por grêmios de dezenas de escolas.
> Fatos do Brasil > Lula sugere abrigar sem-
teto em prédios desocupados O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que as famílias semteto sejam acomodadas nos prédios desocupados nos grandes centros urbanos. “Temos que encontrar um jeito de transformar esses prédios desocupados em habitações para os mais pobres, porque aí não precisa mais fazer saneamento; a energia elétrica e a água já estão lá e as pessoas vão morar nos centros com salário compatível ao que ganham”, disse o presidente, no início da semana, em Blumenau (SC). Lula propôs que Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo
encampem a proposta, uma vez que, nos grandes centros urbanos, existem 4,5 milhões de residências desocupadas, enquanto o déficit habitacional no país é de 6,5 milhões de casas.
> Comissão vai levantar da-
dos sobre mortos no Araguaia O governo estabeleceu uma comissão interministerial que terá até 180 dias, a contar do dia 6, para levantar informações sobre a localização dos restos mortais dos militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que participaram da Guerrilha do Araguaia. Coordenada pelo ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), a comissão é
> Dia nacional de manifestações estudantis pelo passe livre Os estudantes de todo o país convocaram, para dia 10 de outu-
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De 9 a 15 de outubro de 2003
NACIONAL VIOLÊNCIA
Febem: rotina de mortes e torturas Entidades denunciam oito assassinatos de internos da Febem, onde são freqüentes os casos de maus-tratos e violência Tatiana Merlino da Redação
mês. “São casos que geram suspeitas de participação ou de omissão de agentes de segurança. O Estado não está garantindo a vida e a integridade física dessas pessoas”, diz Alves, que prevê o futuro dos jovens “ embaixo da terra ou em presídios”.
R
RELATÓRIO As entidades de direitos humanos entregaram um relatório sobre as oito mortes à relatora especial da ONU sobre execuções sumárias, Asma Jahangir. De acordo com o
é usada após tentativas de fuga, quando funcionários espancam os adolescentes seminus e de cabeças baixas. Na segunda, quando há transferência de unidade, os internos passam por um “corredor polonês” formado por monitores e funcionários, que agridem enquanto gritam normas de disciplina. O relatório faz outra denúncia a partir de dados da Vara da Infância e da Juventude. Levantamento mostra que na capital paulista morrem por mês cerca de 20 ex-internos da Fe-
Moisés Araújo
evolta. Esse é o sentimento que acompanha mães cujos filhos foram mortos na Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem). “É uma escola de criminosos”, desabafa Solange Queiroz, mãe de Sidney, jovem que morreu dia 6 de setembro, em decorrência de queimaduras na Unidade do Tatuapé. Sindicância realizada na Fundação levantou a hipótese de suicídio. Em 2003, oito adolescentes morreram nas unidades da Febem de São Paulo ou em carceragens de delegacias de polícia. Sidney foi encontrado com 70% do corpo queimado. A Febem argumenta que o rapaz colocou fogo no próprio colchão, o que obrigatoriamente geraria queimaduras nas pernas.Contudo, ficou provado que o fogo atingiu a parte superior do corpo do rapaz, a partir da cintura. Ariel de Castro Alves, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – seção São Paulo, derruba o álibi da Febem: “O garoto estava sozinho na cela. Quem deu fogo a ele?”, questiona. Sidney tinha duas passagens pela Febem. Na primeira, na Unidade Franco da Rocha, foi torturado. Até hoje, Solange não recebeu explicações sobre o acidente e acredita que o filho não cometeria suicídio, pois esperava a liberação, prevista para esse
documento, os garotos são torturados com pedaços de pau, canos, ferros e correntes. Os monitores optam por praticar afogamentos no vaso sanitário ou em baldes para não deixar marcas. Segundo alguns jovens, eles sofrem até três sessões de tortura diariamente, além de abusos sexuais. As rebeliões ocorreriam após espancamentos e provocações de funcionários. Do relatório consta a descrição de duas práticas de tortura: o “repique” e a “recepção”. A primeira
Segundo alguns internos, as rebeliões nas unidades da Febem ocorrem após espancamentos e provocações de funcionários
bem, jovens sob custódia do Estado e cumprindo medidas de liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade. “A Febem é uma instituição que mata fisica e psicologicamente esses jovens”, indigna-se Conceição Paganelle, da Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco (Amar).
PRISÃO O presidente da Febem Paulo Sérgio de Oliveira admite que ocorrem torturas dentro das unidades. Contudo, alega que poucos funcionários usam violência, pois podem ser punidos e afastados de seus cargos. Quanto aos assassinatos, diz que estão sendo investigados, mas faz uma ressalva: “Alguns jovens são tão violentos que o Estatuto da Criança e do Adolescente não é aplicável a eles. Não se iluda em achar que esses adolescente poderiam ser tratados em locais abertos como se fossem escolas. Isso não existe, o jovem quer fuga”. Oliveira orgulha-se do fato de ex-internos que praticaram os assassinatos cumprirem pena no sistema penitenciário. “Os que mataram funcionários e adolescentes e são maiores de 18 anos vão para a cadeia. O Estatuto da Criança e do Adolescente não é para eles. Infelizmente temos de admitir isso”, fala. O presidente da instituição promete fechar a Unidade 31 de Franco da Rocha até 31 de dezembro.
O aumento da violência policial em São Paulo é resultado da política estabelecida pela Secretaria de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin. A avaliação está no relatório “São Paulo: política de segurança pública ou de extermínio?”, elaborado por 13 entidades de direitos humanos. O documento lista 21 ações de grupos de extermínio, que resultaram em 50 mortes, mais sete casos de execuções sumárias, com oito mortes. Também apresenta denúncias de ameaças de policiais, torturas, maus-tratos e mortes na Febem e em instituições prisionais e uma análise da ação do Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância (Gradi). “Não temos dúvida que existe um grande responsável pelo crescimento das violações aos direitos humanos por parte de policiais e grupos de extermínio”, afirma o relator da Comisão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, Renato Simões (PTSP). Para o deputado, a ilegalidade foi institucionalizada e a Secretaria
Luciney Martins/ Rede Rua
Relatório denuncia execuções sumárias em SP
Familiares protestam contra mortes e os casos de maus-tratos aos internos da Febem de São Paulo
de Segurança Pública deve ser responsabilizada por isso. O documento foi entregue a Asma Jahangir, relatora especial sobre execuções sumárias da ONU. A ação do Gradi recebeu destaque no relatório. Criado em 2000
para combater crimes de intolerância, acabou se tornando um grupo de execuções, respaldado por uma política de segurança pública de olho na opinião pública. “O Gradi nos faz lembrar o Esquadrão da Morte no tempo da ditadura”, diz
MORADIA
VOTO ELETRÔNICO
Lei abre espaço para fraudes da Redação Os eleitores brasileiros estão mais vulneráveis às fraudes. A avaliação de especialistas e técnicos em informática refere-se à Lei do Voto Virtual (Lei nº 1503/03). O projeto, do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), foi aprovado no dia 1º na Câmara dos Deputados. A lei, que teve o apoio do governo federal e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Sepúlveda Pertence, entra em vigor nas próximas eleições. Com o “voto virtual cego”, acaba o registro impresso. A partir de agora, o eleitor não terá mais como conferir, fisicamente, o seu voto, que ficará registrado em programas de computador.
Frederico dos Santos, do Movimento Nacional de Direitos Humanos. “É uma organização vinculada à Secretaria e que pratica execuções sumárias”, completa Simões. Sandra Carvalho, da organização não-governamental Justiça Global,
avalia que as polícias de São Paulo e Rio de Janeiro estão entre as mais violentas do mundo, eliminando suspeitos criminais. Para ela, as autoridades valem-se do medo e da insegurança da população e a polícia torna-se mais truculenta. “O secretário (de Segurança Pública) tem sido no mínimo conivente com essa política de extermínio”, completa. Os alvos dos grupos de extermínio são jovens entre 16 e 24 anos, pobres e residentes das periferias das grandes cidades. “É um verdadeiro massacre. Os parentes das vítimas são perseguidos e ameaçados de morte”, diz Ângela Mendes de Almeida, do Grupo Tortura Nunca Mais. Os assassinatos são cometidos por policiais civis e militares, com predominância de casos nas cidades de Ribeirão Preto e Guarulhos. Um exemplo é o do segurança Elias Isac dos Santos, que em 1991 teve os dois filhos assassinados em Guarulhos em um período de três meses. Encontrou o corpo de Leandro, de 19 anos, mas ainda procura os restos mortais de Rodrigo, morto aos 17 anos. (TM)
Em 2002, algumas seções eleitorais testaram um modelo com módulo impressor apresentado pelo TSE. O teste atendia à determinação de projeto de lei do então senador Roberto Requião (PMDB-PR), segundo o qual 5% dos votos deveriam ser impressos para serem auditados, em uma tentativa de coibir fraudes. Além disso, o eleitor fazia o procedimento do voto eletrônico e, depois, verificava se sua escolha correspondia ao voto impresso.
FRAUDES Sob a argumentação de que a experiência trazia transtornos e tinha custo elevado, os deputados acabaram com essa determinação. Alguns parlamentares alertaram
para aumento de possibilidade de fraude no sistema eleitoral. Com a Lei 1503/03, a possibilidade de conferência pelo sistema impresso é anulada. A nova lei acaba com a obrigatoriedade de a Justiça Eleitoral realizar auditoria aberta no seu sistema informatizado antes da publicação dos resultados finais do pleito. Além disso, o texto aprovado permite que o Sistema Eleitoral Informatizado contenha programas fechados de computador. Segundo Amílcar Brunazo Filho, coordenador do Fórum do Voto Eletrônico, a partir de agora o TSE será obrigado a abrir somente 3% dos programas de computadores usados nas eleições brasileiras à auditoria dos partidos .
Em 30 anos, 2 bilhões viverão em favelas da Redação Metade da população humana mora em áreas urbanas, mas 40% das aglomerações habitacionais nelas existentes podem ser classificadas de favelas, segundo relatório do Programa de Assentamentos Humanos da Organização das Nações Unidas (UN-Habitat). A estimativa se baseou no levantamento das porcentagens de habitações sem construção permanente, cuja distância do acesso à água é superior a 200 metros, sem serviços de saneamento, de energia elétrica e de espaço suficiente por pessoa. De acordo com Naison D. Muti-
zwa-Mangiza, chefe de análises de políticas do UN-Habitat, na Ásia, cerca de 550 milhões de pessoas vivem em favelas. Na África, são 187 milhões; na América Latina e Caribe, 128 milhões. Outros 54 milhões de seres humanos vivem em condições similares nos países ricos. E as perspectivas são desanimadoras, de acordo com o UN-Habitat: em menos de três décadas, o número de favelados pode dobrar para 2 bilhões, em todo o mundo. Esse e outros dados constam do “Relatório Global sobre Assentamentos Humanos: o Desafio da Favela”, livro da ONU que será lançado nos próximos dias.
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De 9 a 15 de outubro de 2003
INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO
Síria pediu uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para condenar a agressão, mas os EUA se opuseram a condenar Israel George Baghdadi, de Damasco (Síria)
I
srael se arriscou a ampliar o conflito do Oriente Médio, ao ter levado à Síria sua luta contra a resistência palestina, mas a reação militar não parece ser uma opção para Damasco, que tem de enfrentar também os Estados Unidos. “A Síria exercerá a contenção contra a agressão de domingo”, anunciou o chanceler sírio, Farouk al-Sharaa, em carta à Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Israel, o alvo atacado na Síria era uma base do grupo palestino Jihad Islâmica, responsável pelo atentado de sábado, dia 4, num restaurante em Haifa, com 19 mortos. Mas a Síria afirmou que se tratava de um acampamento de refugiados palestinos, 20 quilômetros a noroeste de Damasco, e que não apóia nenhum grupo terrorista, ao contrário do que dizem Israel e os EUA. A Síria pediu uma reunião imediata do Conselho de Segurança da ONU para condenar a agressão. Mas o Conselho encerrou o debate sobre o assunto sem CS-ONU – Espécie adotar nenhude órgão executivo ma decisão. Os integrado por quinze países-membros, EUA, membros cinco dos quais do Conselho são permanentes e com direito a com poder de veto (EUA,França, Grãveto, se opuseBretanha, China e ram terminanRússia) e outros dez temente a concom assento temdenar Israel; porário seu embaixador e presidente atual do conselho, John Negroponte, afirmou que “a Síria está do lado errado na guerra contra o terrorismo” e considerou “incrível” que a resolução não mencionasse o atentado em Haifa.
SOLIDARIEDADE A Liga Árabe, reunida igualmente a pedido de Damasco, na noite de domingo para segunda-feira, de 5 a 6, no Cairo (Egito), acusou Israel de querer arrastar a região para uma “espiral de violência” e pediu à ONU para intervir imediatamente a fim de deter “as provocações israe-
Kevin Frayer/AP/AE
Única alternativa é barrar Israel lenses” contra a Síria. O secretáriogeral da organização, Amr Mussa, questionado se os árabes temem, após a incursão israelense, uma extensão do conflito no Oriente Médio, respondeu: “Sim, é o que tememos”. O comunicado da Liga Árabe proclamou igualmente “sua inteira solidariedade com a Síria e seu apoio a todas as medidas que tomar para responder a esta agressão”. O presidente egípcio, Hosni Mubarak, telefonou para seu colega sírio, Bachar al-Assad, para oferecer-lhe “o apoio total do Egito”, segundo a TV egípcia. Os dois presidentes falaram “sobre as gestões iniciadas pela Síria no cenário internacional, com vistas a revelar a verdade da agressão israelense, principalmente rebater as afirmações mentirosas de Israel em relação à presença de organizações terroristas no território sírio”. (IPS)
Palestinos tentam fugir dos atentados provocdos por tropas israelenses em Gaza
EUA apenas ladra contra a política de Sharon Thalif Deen de Washington
à Comissão de Direitos Humanos da ONU em março do próximo ano. A muralha que separa a Cisjordânia do território israelense é vista como um novo obstáculo para a aplicação do mapa da paz – o programa visando a paz elaborado pelo Quarteto (instância de mediação internacional formado por Rússia, ONU, União Européia e Estados Unidos). O governo israelense anunciou o
O governo do primeiro-ministro Ariel Sharon, apesar das objeções de Washington, decidiu seguir adiante com a construção da muralha, formada por trincheiras, torres fortificadas com guardas e sensores eletrônicos, numa tentativa de dissuadir a entrada de combatentes palestinos em Israel. Além disso, convocou licitação para construção de 530 moradias no assentamento judeu de Beitar Illit, 24 no de Ariel e 50 no de Maale Adumim, todos na Cisjordânia, contrariando a proibição contida no “mapa da paz”, apoiado pelos EUA. “Chegou a hora de condenar a muralha, pois é um ato de anexação ilegal, bem como a anexação de Jerusalém oriental e das Colinas de Golan foi considerada ilegal”, afirmou John Dugard, relator especial da Organização das Nações Unidas sobre a situação nos territórios ocupados. “O que presenciamos na Cisjordânia é um claro e visível ato de anexação sob a desculpa da segurança”, escreveu Dugard no relatório que apresentará
início da segunda fase de sua construção com um novo traçado que, segundo críticos, incluirá territórios palestinos ocupados por Israel desde 1967. O custo total da obra é estimado em 1,5 milhão de dólares. O Banco Mundial advertiu que a sobrevivência de aproximadamente 150 mil palestinos estará ameaçada pela primeira fase da barreira, que já foi completada, e a organização
humanitária Human Rights Watch assinalou que as outras fases afetarão outros 150 mil. Na semana passada, o governo dos Estados Unidos ameaçou descontar o custo da muralha das garantias de um empréstimo que concedeu a Israel no valor de 9 bilhões de dólares. Mas o analista Asad Abu Khalil, da Universidade da Califórnia, afirmou que a ameaça era uma “vergonha”. (IPS/Envolverde)
Tributo a Edward Said Em resposta a artigo publicado na Folha de S.Paulo, em que o poeta Nelson Ascher atacou a reputação do recém-falecido intelectual palestino Edward Said, 187 personalidades subscreveram o seguinte manifesto, que o jornal publicou como tendo apenas quinze assinaturas “O artigo do sr. Nelson Ascher publicado na Folha de S.Paulo de 29/09/2003, a pretexto de comentar a morte de Edward Said, é uma ofensa a todos os que alimentam
– como fez o intelectual palestino durante toda a sua vida Ð a esperança de ver israelenses e palestinos conviverem em paz, com justiça. O escrito é uma baixeza deliberada e covarde, que merece repúdio e não resposta.” Assinam, entre outros: Antonio Candido, Arnaldo Antunes, Betty Mindlin, Bia Lessa, Caio Navarro de Toledo, Carlos Nader, Carlos Nelson Coutinho, Celso Furtado, Cesar Benjamin, D. Demétrio Valentini, Emir Sader, Fábio Konder Comparato, Francisco de Oliveira, Gilberto Du-
pas, Jacob Gorender, José Arbex Jr., José Mindlin, Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria Lygia Quartim de Moraes, Maria Victoria Benevides, Marilena Chauí, Marilene Felinto, Michel Rabinovich, Milton Temer, Paulo Arantes, Paulo Daniel Farah, Paulo Roberto Pires, Paulo Sergio Pinheiro, Renina Katz, Ricardo Antunes, Roberto Leher, Roberto Schwarz, Ruy Castro, Sergio Augusto, Sergio Lessa, Vladimir Sacchetta, Wagner Nabuco, Walnice Galvão, Zenir Campos Reis.
Daniel Merli De São Paulo (SP)
O
sociólogo português Boaventura de Souza Santos esteve no Brasil para o lançamento do Fórum Social Mundial, que em 2004 será realizado em Mumbai, capital da Índia. Segundo ele, o movimento pode reunir alternativas ao neoliberalismo. Sobre o governo Lula, ele ainda mantém dúvidas. “O rumo do governo ainda não está definido”, afirma. Brasil de Fato – Por que em sua obra o senhor critica a definição de sociedade civil? Boaventura de Souza Santos - O conceito de sociedade civil, que em princípio é positivo, relativo aos movimentos e organizações sociais, acabou sendo muito usado pelo neoliberalismo para designar tudo o que não era Estado. Daí criou-se a contraposição entre Estado e socidade civil, que alimenta um certo fundamentalismo anti-estatal. BF – Mas o senhor também faz outras críticas? Boaventura – O conceito de sociedade civil também foi usado pelo neoliberalismo para criar um tipo bem específico de organização não-governamental. É o chamado business iniciative,
uma iniciativa do mundo dos negócios. São organizações não-governamentais criadas por empresas, que se tornam firmas disfarçadas. É uma forma de as empresas entrarem no conceito de sociedade civil. Daí segue uma série de funções do Estado, cumpridas por essas ONGs empresariais com financiamento público. BF – O que é o’’fascismo social’’ relatado em seus textos? Boaventura – Acho que hoje caminhamos para sociedades politicamente democráticas e socialmente fascistas. As desigualdades sociais são tão grandes que não se resolvem pelo simples direito do voto universal. Nas grandes cidades foram criadas zonas civilizadas e zonas selvagens. Quem vive nessas zonas selvagens não vive na sociedade civil e sim em estado da guerra, de todos contra todos. BF – Nesse mundo de fascismo social e guerras imperiais, como criar alternativas? Boaventura – Nesse momento não temos uma alternativa com “a” maiúsculo e sim alternativas com “a” minúsculo. O objetivo do Fórum Social Mundial é justamente conjugar essa diversidade de alternativas.
Agência Brasil
A sociedade é socialmente fascista Quem é Boaventura de Souza Santos é professor de sociologia da Universidade de Coimbra, em Portugal. Seu doutorado, na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, foi sobre formas de organização social em comunidades que viviam afastadas dos serviços públicos. Uma das comunidades visitadas por Boaventura para esse estudo foi a Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, na década de 70. Atualmente, está envolvido com o projeto da Universidade Popular dos Movimentos Sociais.
BF – Isso é possível? Boaventura – É preciso saber, de antemão, que essas alternativas serão plurais e nem todas no mesmo sentido. Temos de conviver com isso. Por exemplo, qual é a posição que se deve tomar diante das agências multilaterais como Banco Mundial, OMC ou FMI? Para algumas pessoas, essas organizações devem ser democratizadas. Outros pensam que isso nunca será possível. Qualquer dessas hipóteses é eventualmente possível e convive hoje no Fórum Social Mundial. BF – Como o senhor vê o Brasil quase um ano após a virada?
Boaventura – É cedo para analisar e geralmente os intelectuais são muito apressados em fazer julgamentos finais. Obviamente estou na expectativa, já que o presidente Lula é um companheiro de luta de todos nós. Uma coisa curiosa é que, apesar de todas as diferenças históricas, o debate atual lembra muito o que foi travado entre fevereiro e outubro de 1917 na Rússia. Aquele também era um momento especial, mas as pessoas não sabiam o que viria pela frente: grandes mudanças ou uma frustação enorme. BF – Em uma entrevista em janeiro, senhor disse o governo Lula assumia com um pé atrás, por causa do medo da crise que assolou a Argentina. Boaventura – Eu acho que o governo Lula fez uma opção pela governabilidade em primeiro lugar. Isso tem muito que ver com o fantasma dos fracassos do governo de João Goulart, interrompido pelo golpe
militar de 64. Tem a ver também com o recente fracasso do governo argentino de De la Rúa. Esse receio era aumentado pela origem revolucionária de Lula, que veio da esquerda, do movimento sindical. Qualquer modificação poderia suscitar uma reação exagerada das agências internacionais, como o FMI. Por isso, a escolha do PT pela governabilidade, gerada na armadilha da continuidade. BF – É possível mudar esse quadro? Boaventura – As intervenções internacionais de Lula têm sido cada vez mais duras, cobrando o fim da hipocrisia neoliberal que comanda o mundo. Isso e a postura do Itamaraty a respeito da OMC e da Alca mostram que o governo busca criar espaço internacional para manobrar. Eu acredito que, internamente, Lula também possui margem de manobra para criar uma agenda diferente. (Ciranda Brasil)
9 Ano 1 • número 32 • de 9 a 15 de outubro de 2003
SEGUNDO CADERNO LIVRE COMÉRCIO Moisés Araújo
Negociações da Alca chegam a um impasse
PROBLEMAS
Com o bloqueio das discussões, setores conservadores defenderão mais concessões Jorge Pereira Filho da Redação
A
s negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) chegaram a um impasse na reunião técnica, realizada entre 30 de setembro e 3 de outubro, em Trinidad e Tobago. No balanço das conversas, os Estados Unidos deixaram claro que não vão abrir mão de nada para implantar a Alca e que, mesmo assim, vão encontrar muitos países dispostos a aceitar suas condições para participar do acordo. A disputa diplomática foi tão acirrada que levou o ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, a declarar que os EUA estão fazendo ameaças para conseguir adesões ao acordo. A reunião foi polarizada, principalmente, por duas propostas. Uma, dos EUA, em defesa de uma Alca ampla e ambiciosa. Outra, do Mercosul, a favor de uma espécie de Alca light, que suaviza a proposta original, mas mantém acordos prejudiciais à soberania dos países, como o capítulo de investimentos, que dá poderes a uma transnacional para processar um país que afete seus lucros. Para Adhemar Mineiro, repre-
O Brasil, pela proposta do Mercosul, aceita negociar o polêmico capítulo de investimentos, com duas condições. A primeira é que os países não sejam obrigados a ratificar esse capítulo. A segunda é que sejam excluídos desse capítulo os países desenvolvidos: Canadá e Estados Unidos. “Teoricamente, isso é um problema”, comenta o representante da Rebrip. A nova proposta do Mercosul, não detalhada, beneficia as transnacionais estadunidenses. A Venezuela teve uma posição dúbia na reunião. Embora não quisesse quebrar a unidade dos países andinos – defensores de uma Alca abrangente –, os venezuelanos consideraram inviável o prazo final das negociações, até 2005. Além disso, segundo a Constituição daquele país, as definições só podem ser tomadas depois de uma consulta popular oficial. No Brasil, lembram juristas, a Constituição de 1988 prevê plebiscitos no caso de acordos como o da Alca, que limita a soberania nacional. Em 2002, dez milhões de brasileiros votaram por um plebiscito oficial em uma mobilização organizada pela Campanha Nacional contra a Alca. Em 2003, dois milhões de pessoas subscreveram abaixo-assinado em apoio a projeto em tramitação no Senado, que prevê um plebiscito sobre a Alca.
sentante da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) que acompanhou as negociações em Trinidad e Tobago, as conversas dificilmente vão evoluir para uma proposta unificadora. A seu ver, há um impasse e os países terão de assumir sua posição. Os EUA já tomaram a sua.
INGENUIDADE “É uma posição ingênua a de setores brasileiros que acreditam ser importante negociar para ter acesso ao mercado agrícola dos EUA”, afirma Mineiro. Na reunião, o negociador estadunidense afirmou, oficialmente, que os EUA não vão discutir apoio interno a seus agricultores e leis antidumping no âmbito da Alca. Na América do Sul, espera-se que setores mais identificados com o projeto estadunidense orquestrem uma campanha favorável à Alca. “Os setores sociais dentro de cada país vão usar o argumento do isolamento para defender a Alca”, opina Mineiro. No Brasil, o jornal O Estado de São Paulo publicou reportagens avaliando que o Brasil se isolou por ter tropeçado na reunião de Trinidad e Tobago. A Folha de S. Paulo defendeu, em editorial, que o país não insista nas confrontações,
os EUA, como o Canadá e o México, ou que estão prestes a concluir acordos bilaterais, como o Peru. Os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) defenderam um tratamento diferente para nações em desenvolvimento na Alca. “A proposta final prevê a negociação em quase todos os setores iniciais, mas em vários, como compras governamentais e políticas de concorrência, está centrada na discussão de transparência e acesso a mercados”, explica Mineiro.
Crescem, em todo o mundo, manifestações contra o imperialismo dos EUA
pois haveria vantagens na Alca. A divisão dos países da América Latina, em Trinidad e Tobago, refletiu o poder de pressão dos EUA, além dos interesses de cada nação. Em última análise, Argentina e Brasil seriam os maiores prejudicados se o acordo fosse firmado nas condições exigidas pelos EUA, pois são os mais desenvolvidos da região. Nos países menores do continente, interessaria às elites dominantes o acesso ao mercado estadunidense para produtos agrícolas específicos,
como gêneros tropicais. Em troca, estariam dispostas a renunciar a qualquer projeto de desenvolvimento autônomo. Essa é a visão de 14 países do Caribe, que apóiam a iniciativa da Alca no modelo proposto pelos EUA. “São países alheios às preocupações do Brasil porque têm economias pequenas e interesses particulares”, analisa Mineiro. Já a Costa Rica liderou um grupo de 13 países em torno de um acordo “abrangente e ambicioso”. São nações que já assinaram tratados com
João Peschanski
O cavalo de Tróia colombiano falhou Hector Mondragon (*) Quando os delegados da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún, admitiram o fracasso do encontro, eles também estavam anunciando o fracasso de Jorge Humberto Botero, ministro colombiano do Comércio Exterior. Ele falhou na missão de dividir os países periféricos, e preparar terreno para um acordo que atendesse aos interesses das transnacionais dos Estados Unidos, União Européia (UE) e Japão. A Colômbia era membro do G21, a heterogênea aliança que conseguiu aglutinar 23 países, e na qual o Brasil esteve ao lado de nações tão diferentes como Cuba, Malásia, China, Equador, África do Sul, Argentina e Egito. Nela também estiveram inimigos inconciliáveis como Índia e Paquistão. A unidade se baseava em um ponto fundamental: nada seria negociado se EUA e UE não aceitassem um acordo concreto sobre a eliminação de subsídios às suas exportações agrícolas. Nenhuma proposta revolucionária. Aliás, uma proposta perfeitamente de acordo com a doutrina de ‘livre comércio’, que é contra a concorrência desleal. Entretanto, foi uma proposta que deixou às claras a hipócrita doutrina do ‘livre-comércio’, mostrando que as regras são fixadas contra os países pobres. Como diz a Lei do Funil, larga para eles, estreita para nós.
UNIDADE O G21 se tornou um símbolo da rebelião da periferia de todos os continentes, que se uniu para reivindicar tratamento especial para certos produtos ou casos. Como disse Lula, ninguém respeita um negociador servil. É com a cabeça erguida que se pode abrir novos
Nos Estados Unidos, alegria com o fracasso das negociações da Organização Mundial do Comércio
espaços. Mas a missão do governo colombiano era quebrar o bloco da periferia, o que não conseguiu. “A OMC assassina os agricultores”, gritavam, do lado de fora, milhares de pessoas, em memória de Lee Kyung Hae, o agricultor coreano que tinha se suicidado. Depois disso, como poderia alguém aceitar as vagas declarações dos EUA, ou da UE, sobre o fim dos subsídios às suas exportações, em troca da abertura para investimentos, proteção às patentes e regimes de garantias às transnacionais? Como poderia alguém aceitar o extermínio contínuo de camponeses sem uma
agenda sequer para a eliminação de subsídios? O ministro da Agricultura colombiano, e ex-presidente da Associação de Proprietários Rurais, esperava que o presidente Uribe defendesse seus interesses em Cancún, e acreditava que a partipação no G21 serviria a esse objetivo. Mas o objetivo do ministro colombiano do Comércio Exterior ficou claro quando, depois do fracasso da reunião, ele declarou que “o resultado adverso não poderia ser atribuído à UE, nem aos EUA, mas à inflexibilidade de alguns países em desenvolvimento”.
Além de sua encenação no G21, no encontro de Quirama, com os países andinos e o Brasil, o governo colombiano defendeu o fortalecimento da comunidade andina e uma aproximação com o Mercosul. Mas, na realidade, o governo Uribe costurava um acordo de livre-comércio com os EUA.
PLANO COLÔMBIA Robert Zoellick, ministro estadunidense do Comércio Exterior, esteve em Bogotá dia 8 de agosto, preparando as negociações com seu colega colombiano, e se encontrou com Uribe. Durante o fiasco de Can-
cún, em artigo no Financial Times, Zoellick escreveu que os EUA não iriam esperar pelos resultados de Cancún para prosseguir seu programa de firmar acordos de livrecomércio com os países que classificou de “podem fazer”, em relação aos “não vão fazer”, encabeçados pelo Brasil. A posição da Colômbia era clara, e não foi apenas a visita de Zoellick que provou isso. Dez dias depois de Zoellick, Donald Rumsfeld chegou ao país para acertar os planos militares de “estabilidade regional”, que ficaram prontos em 27 de agosto. O empresário Rumsfeld tem ligações com empresas que hoje fazem parte dos grupos Monsanto e General Dynamics, transnacionais importantes no Plano Colômbia, com suas fumigações e helicópteros. Em julho, a Pfizer, parte do conglomerado Monsanto, parabenizou a Colômbia por ser o único país andino a aprovar as leis “corretas” sobre propriedade intelectual. Uribe promoveu o algodão Bt, geneticamente modificado, um produto Monsanto, que tem, entre outras características, a propriedade mágica de proteger o subsidiado algodão estadunidense. Bush já assinou tratados com o México e com o Chile, e negocia com países da América Central. As campanhas para cercar os países em acordos de livre comércio têm se fortalecido com a intervenção militar na Colômbia. Mas ninguém esquecerá o que aconteceu em Cancún quando, um dia, os mais fracos se uniram, se fortaleceram e não se deixaram dividir, apesar da insistência da delegação colombiana. (*) Artigo original publicado na página da Internet ZNet
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AMÉRICA LATINA BOLÍVIA
Milhares exigem renúncia do presidente da Redação
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ma maré humana de dezenas de milhares de pessoas exigiu mais uma vez na Bolívia, dia 7, o fim do mandato presidencial de Gonzalo Sánchez de Lozada, o milionário que governa o país mais pobre da América do Sul – e que minimizou os protestos, ameaçando encarcerar os opositores. “Não vou renunciar à presidência porque minha mulher quer continuar sendo a primeira-dama da nação”, brincou Sánchez de Lozada, num discurso transmitido em rede nacional pela televisão. Mas o dia foi marcado pela intensificação dos protestos contra o presidente, marchas massivas pelas ruas das cidades e novos bloqueios de estradas no Centro e no Sul da Bolívia. Segundo Sánchez de Lozada, apenas 8 mil pessoas estariam exigindo a sua renúncia e “gerando conflitos artificiais, ferindo as leis e a democracia”. A esse “reduzido grupo de pessoas”, prometeu “o cárcere, se prosseguirem em seu afã de desestabilizar o governo e derrubá-lo”. No entanto, a cada momento aumenta o número dos que exigem a renúncia. Em La Paz, por exemplo, uma gigantesca maré humana, de mais de 50 mil pessoas, se deslo-
Aizar Raldes/AFP
Lozada diz que não vai renunciar e faz ameaças aos populares, enquanto aumentam as manifestações
Mais de 50 mil bolivianos fazem manifestação em La Paz, exigindo a deposição do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada
cou a partir da cidade de El Alto, exigindo “a cabeça do presidente” e a renacionalização do gás e do petróleo, setores estratégicos hoje controlados por transnacionais. A multidão, que bradava slogans combativos e havia sido convocada pela Central Operária Boliviana (COB), marchou durante mais de seis horas, em cumprimento do cronograma de manifestações decidida pelo último encontro trabalhista nacional, em que se resolveu fechar
o cerco em torno do presidente, até conseguir a sua saída. O executivo da Central Operária Regional de El Alto, Roberto de la Cruz, declarou à Rádio Panamericana: “As organizações sociais da cidade mais combativa do país já não pedem atenção às suas reivindicações; agora, pedem a renúncia de Lozada. O tempo já acabou, o prazo já terminou, e o sol já se pôs para este governo, por isso ocorre esse levante popular de El Alto, para pedir ao
governo que abandone o Palácio, se não quiser sangue e morte no país”. Desde as primeiras horas do dia 6, se intensificaram os bloqueios de estradas no Altiplano, em especial em Huarina, Batallas, Achacachi, no rumo do Lago Titicaca e de Oruro. Outros bloqueios ocorreram nos Yungas de La Paz, onde estão detidos mais de 200 caminhões. Dirigentes camponeses confirmaram que, na chamada região do Trópico, em Cochabamba, e nos Vales
Países se preparam para o Grito Continental da Redação A iniciativa, que começou no Brasil, se expande agora para outras partes do mundo. Trata-se do Grito Continental, uma edição ampliada do Grito dos Excluídos, que este mês vai mobilizar pessoas em 22 países da América Latina, com atividades contra a Área do Livre Comércio das Américas (Alca), os tratados da Organização Mundial do Comércio (OMC) e todas as formas de opressão que sofrem os países mais pobres e menos desenvolvidos. Na Bolívia, os motivos do Grito são pela defesa do gás, contra a Alca e a militarização e pelos recursos naturais. O Grito boliviano está marcado para dia 12, em diversas cidades. Os graves acontecimentos ocorridos estes dias na Bolívia, com repressão ao povo patrocinada pelo governo de Gonzalo Sánchez de Lozada, requerem a máxima solidariedade das forças populares de todo o continente, segundo afirma a coordenação do Grito na Bolívia. Na Costa Rica, a mobilização acontece dia 10, com a Jornada Nacional de Luta envolvendo o movimento indígena e camponês. Os povos indígenas estarão comemorando também 511 anos de resistência e enfatizando a posição contra o neocolonialismo capitalista.
Povo quer terras de volta
Faltando apenas três semanas para a segunda renovação pela paz em Vieques, as organizações viequenses e da ilha grande convocam a população para uma caminhada, dia 12, com o objetivo de reafirmar suas exigências de limpeza e devolução das terras que hoje são ocupadas pela agência de vida silvestre dos Estados Unidos. Alguns meios de comunicação informaram que a limpeza nos terrenos que a marinha contaminou durante décadas tornou-se perigosa. Espera-se que centenas de porto-riquenhos caminhem do antigo acampamento García até a praia da Prata, onde será realizado um ato para exigir que a agência devolva ao povo viequense suas terras ocupadas por esse órgão estadunidense.
> BÉLGICA
Cientista propõe auditoria das dívidas externas
João Zinclar
Este mês, milhares de militantes da esquerda em todo o mundo vão lembrar os 36 anos da morte do revolucionário Che Guevara. Ele foi assassinado dia 8 de outubro de 1967, por ordens diretas da CIA, aos 39 anos, na Bolívia – onde tentava organizar a revolta popular. Ernesto Guevara La Serna nasceu na província argentina de Rosário, em 14 de junho de 1928. Estudou medicina e, aos 23 anos, cruzou a América em uma viagem de sete meses. Em 1954, foi para a Guatemala apoiar o governo do presidente Jacobo Arbens, derrubado por um golpe militar patrocinado pelos Estados Unidos. Depois foi para o México, onde se integrou a um grupo de revolucionários cubanos – Nico Lopez, Camilo
Cienfuegos, Raul e Fidel Castro. Foi o único argentino de um grupo de 82 guerrilheiros que lotou o iate Grama para derrubar o ditador Fulgêncio Batista. Em 1º de janeiro de 1959, liderou a entrada em Havana, começando o governo revolucionário em Cuba. Ocupou vários cargos no primeiro escalão do governo de Fidel. Em 1965, deixou o governo para organizar a guerrilha na América Latina. Para ele, a única forma de libertar a América dos ditadores era derrubá-los. Seis anos depois da vitória da revolução cubana, faria a sua última viagem: à Bolívia. Desde o começo do regime revolucionário, Che confiou na mobilização voluntária do povo para levar com firmeza todas as tarefas da revolução. Para ele, não bastava combater os efeitos do capitalismo, era preciso combater as causas.
> Fatos do Mundo > PORTO RICO
Espera-se coletar pelo menos 200 mil assinaturas em todo o país para mostrar a oposição da cidadania em relação ao avanço do Tratado de Livre Comércio no país e no continente. Para isso, vários postos de coleta de assinaturas serão instalados nas cidades da Costa Rica. Em El Salvador o Grito é pela paz, pela dignidade e pela soberania. Será realizado dia 12, dentro da programação da Jornada Mundial de Protestos contra a OMC e a Alca. A crise econômica e social do país, afirmam os movimentos, são as conseqüências das políticas neoliberais que estão sendo aplicada há anos e sem freio. “Nosso povo está sofrendo porque, a cada dia, há menos o que comer, tudo está mais caro, há menos empregos, menos saúde, as epidemias se multiplicaram e estão matando centenas de salvadorenhos”, afirma a secretaria do Grito em El Salvador. Bertha Flores, da coordenação do Grito em Honduras, informou que os movimentos estão em uma luta intensa. Desde o final de agosto, o país vem realizando vários eventos preparativos para o Grito Continental, dia 12. As mobilizações seguirão pelos dias 13, 14 e 15 em várias cidades, com fechamento de rodovias e pontes, além de atos públicos em frente à casa presidencial. (Adital)
O povo não esquece o revolucionário Che da Redação
de Chuquisaca e Potosi, as estradas também foram parcialmente bloqueadas por cocaleros e camponeses leais ao deputado Román Loayza, um dos dois dirigentes da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB). O outro executivo da Confederação, Mallku Felipe Quispe, está em greve de fome há mais de três semanas na cidade de El Alto, juntamente com 200 dirigentes provinciais, exigindo a saída de Lozada e a anulação do projeto de exportação de gás para os Estados Unidos, por um porto chileno. O projeto, impulsionado pelo consórcio transnacional Pacific LNG e apoiado pelo governo, implica uma renda anual de 1,3 bilhão de dólares para as empresas petrolíferas e apenas entre 40 milhões e 70 milhões de dólares anuais para o Estado boliviano. Os protestos receberam apoio das organizações sociais do Norte de Santa Cruz, que se declararam em estado de emergência para cumprir as determinações da COB e exigir a desistência, pelo governo, do projeto do gás. Por causa da presença de militares, os mineiros de Huanuni e outros distritos vão iniciar uma marcha em Oruro, rumo a La Paz. (Alai)
O cientista político e historiador belga Eric Toussaint propôs a auditoria das dívidas externas nacionais como primeiro passo para declarálas “odiosas”, ou, contratadas sob condições ilegais ou antiéticas. A proposta foi feita na conferência de abertura do II Encontro da Dívida Social, realizado entre os dias 17 e 19 de setembro, na cidade venezuelana de Barquisimeto. A auditoria consiste em determinar quem contratou a dívida, sob quais condições, com que fins e como foi gasto o empréstimo, além de determinar se o contrato foi autorizado pelo parlamento do país e se o documento respeita as leis nacionais. As dívidas contra o interesse dos povos podem ser questionadas por uma doutrina do direito internacional.
> EQUADOR
Indígenas retiram apoio ao presidente Lucio Gutiérrez
Exemplo do revolucionário ainda inflama defensores de uma América Latina livre
O movimento indígena Pachakutik decidiu retirar seu apoio ao presidente do Equador, Lucio Gutiérrez. Os indígenas, que participavam do governo desde as eleições, declararam oposição à política de alianças de Gutiérrez com setores de direita e criticaram a subordinação do país ao FMI. Reunidos em seu III Congresso, os indígenas substituíram a direção do movimento, que antes apoiava o governo. O novo líder, Gilberto Talahua, afirmou que o movimento está debilitado e e deve sair sozinho nas eleições regionais de 2004.
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Prêmio Nobel de Literatura vai para um crítico do segregacionismo John Maxwell Coetzee, mais conhecido como J.M. Coetzee, é escritor e matemático. Nasceu em 1940, na cidade do Cabo (sul da África do Sul). É professor de filosofia e literatura na Universidade de Chicago (Estados Unidos). Mora atualmente na cidade de Adelaide, Austrália, onde também leciona. Entre suas principais obras publicadas no Brasil estão: “Terras e Sombras” (1974, esgotado); “No Coração do País” (1977, esgotado); “Vida e Época de Michael K.” (1983); “Desonra” (1999) e “A Vida dos Animais” (1999). O ex-presidente sul-africano Nelson Mandela enviou seus cum-
O escritor sul-africano John Maxwell Coetzee, que atualmente vive na Austrália
tanha. Coetzee ganhou duas vezes o Booker Prize (1983 e 1999), mas o Nobel, que oferece 1,3 milhão de dólares, não se refere a uma obra em particular, mas sim à contribuição do premiado à literatura universal. Nascido na Cidade do Cabo, Coetzee dá aulas na Universidade de Chicago. Segundo Horace Eng-
dahl, da Academia Sueca de Letras (que escolhe o vencedor) tratou-se de uma decisão fácil. O crítico literário sul-africano Mike van Graan disse que o prêmio concedido a Coetzee é “uma notícia fantástica” e oportuna, já que ocorre logo após concluída a campanha “Orgulhosamente sul-africano”, que
Mar Mediterrâneo
ARGÉLIA
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE São Tomé
Luanda
OCEANO ATLÂNTICO ANGOLA IQ UE
A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), fez visita oficial a Angola, Moçambique e África do Sul entre 27 de setembro e 4 de outubro, onde precisou explicar o significado da Seppir a deputados e jornalistas algo estranhados com o nome da Secretaria, que tem estatuto de ministério. A passagem de Matilde pelos três países da África austral é preparatória da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao continente, prevista para o início de novembro. A visita de Lula, que deveria ter ocorrido em agosto, mas foi adiada por questões de agenda interna, inclui também a Namíbia, São Tomé e Príncipe. Em Moçambique, a ministra explicou que a Seppir é “um organismo de assessoria ao presidente da República, com a função de estimular e coordenar, com outros ministérios, políticas na área de promoção da igualdade racial”. Em Angola, falando a deputados sobre a conscientização dos brasileiros pela igualdade racial, Matilde Ribeiro afirmou que a população negra brasileira sempre lutou por sua afirmação social, política e econômica. Disse que, embora o Brasil seja um país democrático, mantevese uma política de exclusão racial, na qual os negros, que representam 50% dos 170 milhões de habitantes, sempre foram excluídos do poder e da política. Também mencionou que parte dos 53% de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza é negra.
Como cronista daqueles que “escapam de suas cadeias e voltam seus rostos para a luz”, Coetzee trama em “Disgrace” uma paisagem pósaparhteid tão desoladora quanto a que pintara antes sobre o apartheid. “Este é o primeiro livro de Coetzee que aborda explicitamente a África do Sul posterior ao apartheid, e a paisagem que retrata não deixará ninguém acomodado, sem importar raça, nacionalidade ou ideologia”, disse o crítico Andrew O’Hehir. Esta é a segunda vez que um escritor sul-africano ganha o Nobel de Literatura. O primeiro coube a Nadine Gordimer, em 1991. Entre outros sulafricanos ganhadores do Prêmio Nobel estão o reverendo anglicano Desmond Tutu (Paz, 1984) e o líder político Nelson Mandela (Paz, 1993).
MB
Marilene Felinto e Lobão João da Redação e de Moçambique
durou todo o mês de setembro. A campanha procurou ressaltar o legado cultural do país, promover a África do Sul e incentivar os consumidores a comprarem produtos nacionais. Com a produção e venda de livros sul-africanos em quantidade muito baixa, o prêmio de Coetzee é um incentivo para o mercado editorial. Van Graan atribui a durabilidade literária do autor ao fato de continuar crescendo, apesar de ter 63 anos. O crítico faz uma clara diferença de estilos entre seu primeiro e mais famoso livro, “Waiting for the Barbarians” (Esperando pelos Bárbaros), que leva os leitores ao escuro coração do apartheid, e “Disgrace” (Desgraça), com o qual ganhou seu segundo Booker Prize.
Antônio Cruz/ABR
Ministra explica política de igualdade racial
primentos a Coetzee no dia 3 de outubro. Segundo a agência de notícias africana All Africa, Mandela disse em seu pronunciamento que o escritor “pode ter emigrado, mas nós devemos continuar a tratá-lo como um de nós. Seu consistente retrato da violência e das distorções do colonialismo e do apartheid faz dele um herói intelectual da história de nosso país.” Ainda segundo a All Africa, Mandela também se referiu ao “notável feito” da África do Sul, “um pequeno país do extremo sul da África”, que já produziu dois ganhadores do Nobel de Literatura. (MF)
NAMÍBIA
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romancista sul-africano John Maxwell Coetzee, agraciado no dia 2 de outubro com o Prêmio Nobel de Literatura, pintou uma paisagem desoladora de seu país, tanto da era do apartheid quanto do período posterior. Sua obra, caracterizada por sua austeridade, é ao mesmo tempo universal e depuradamente sul-africana. Aborda tanto o apartheid (segregação racial institucionalizada que vigorou nesse país até 1994) quanto a era seguinte, através do olhar complexo e fascinante dos protagonistas de seus romances. Mas Coetzee também se ocupou de temas universais no colapso e na reconstrução de seus personagens e na inspeção e introspecção da alma humana que permeiam seus romances. “Não sou a bandeira de uma comunidade, nem nada. Sou alguém a quem a liberdade se insinua (como a qualquer prisioneiro acorrentado) e que constrói representações de pessoas que escapam de suas cadeias e voltam seus rostos para a luz”, disse certa vez. A sua premiação com o Nobel é a jóia da coroa em um bom ano para os escritores da África do Sul. Os novelistas Damon Galgut, André Brink e Achmat Dangor também foram candidatos a prêmios internacionais. A novela de Galgut “The Good Doctor” (O Bom Médico) é finalista do Booker Prize (mais importante prêmio literário britânico), enquanto obras de Brink e Dangor podem ser premiadas na Grã-Bre-
Mandela chama Coetzee de herói
MO
Ferial Haffajee da IPS/Envolverde
Jerry Bauer/France Press
Obra do escritor J.M. Coetzee pinta paisagem desoladora do apartheid racial e social na África do Sul e no mundo
Windhoek Pretória
Maputo Johannesburgo ÁFRICA DO SUL
OCEANO ÍNDICO
Cidade do Cabo
Matilde Ribeiro, ministra da Promoção da Igualdade Racial
“Esta Secretaria tem ênfase na construção das políticas para a população negra”, ela acrescentou à imprensa moçambicana, “mas também deverá promover a interlocução com outros grupos discriminados, especialmente com a população indígena e, neste contexto, conhecer a África e estabelecer contatos com diversas organizações do continente
africano, buscando estreitar relações através do conhecimento de ONGs, de organismos governamentais e instituições de ensino”. Ela reconheceu, no entanto, que a criação da Secretaria que hoje preside, juntamente com o fortalecimento dos laços com a África, é um sinal importante da disposição do governo brasileiro de reconhecer
que o racismo existe e precisa ser combatido e erradicado. A Seppir foi criada em 21 de março de 2003. A visita aos três países serviu para identificar e discutir com autoridades de governo e representantes da sociedade civil ações em comum nas áreas social, política, e de história visando planos de cooperação bilateral e trabalho conjunto. Matilde Ribeiro encontrou-se em Angola com o procurador geral da República, Augusto da Costa Carneiro, ocasião em que se tratou do papel do judiciário no combate à violência e ao fortalecimento das instituições naquele país. Depois de uma guerra civil de quase 30 anos, Angola assinou acordo de paz em abril de 2002. O procurador disse que a questão central hoje em seu país é a reconstrução de Angola após a guerra civil. Matilde Ribeiro conheceu, em Luanda, capital angolana, os esforços para reconstrução das estruturas
destruídas durante a guerra civil. Ela disse ter ficado positivamente impressionada com o conjunto de ações traçadas pelas autoridades a fim de erradicar as seqüelas das batalhas e com o fato de o ministério da Assistência e Reinserção Social, além dos seus programas de apoio aos deficientes, órfãos e às classes sociais desfavorecidas, atender igualmente às milhares de vítimas da guerra. Em Moçambique, a ministra brasileira encontrou-se, entre outras autoridades, com Graça Machel, atual mulher do líder sul-africano Nelson Mandela e viúva de Samora Machel, herói da independência e primeiro presidente de Moçambique, morto em 1986.
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NACIONAL MEIO AMBIENTE
Projeto Jari produz desastre ambiental Paulo von Atzingen de Belém (PA)
Envolverde
Soda cáustica e poluição causam problemas no Pará e no Amapá, enquanto trabalhadores sofrem perseguições
A
DESRESPEITO Para o presidente do Sindicato Rural de Almeirim (PA), Waldivino Eterno Cardoso, além dos problemas ambientais, a Jari Celulose S.A. desrespeita os direitos trabalhistas e constitucionais. Persegue o sindicato e trabalhadores que se opõem ao regime de semi-escravidão a que são submetidos. Cardoso denuncia a invasão de sua residência e da sede do sindicato por policiais civis e seguranças da empresa: “Eles não possuem amparo legal para isso”. Cardoso está levando um dossiê sobre a Jari ao Ministério Público e à Ouvidoria Agrária, em Brasília. Do documento consta, entre outras irregularidades, a grilagem de terra na região de Bituba, em Almeirim. De acordo com Fernando Pires, vice-presidente do Sindicato, o litígio se dá em função de uma ação de interdito proibitório interposta pela Jari, que quer barrar os projetos dos agricultores locais. “As 90 famílias que ocupam a região estão ali há mais de dez anos; são portanto, proprietárias por fato e direito das terras”, garante Pires.
TRABALHO ESCRAVO O sindicato armazena outras denúncias contra a Jari. A partir de um vídeo feito em 2001, o Ministério do Trabalho comprovou in loco o trabalho escravo nas terras da empresa. As punições, porém, não ocorreram. Na época, houve uma grande mobilização, na qual morreu um trabalhador e que resultou apenas na transferência do delegado da Polícia Federal. Na região, trabalhadores que ingressam na Justiça contra a Jari ou outras empresas do grupo são incluídos em uma lista negra e não conseguem emprego em outra atividade. O fato já chegou ao Ministério do Trabalho, que autuou todas as empresas do grupo, obrigadas a assinar um termo – até agora não respeitado – de ajuste de conduta. Ocorrem práticas anti-sindicais por parte da empresa, que quer acabar com os sindicatos e excluir da comunidade seus dirigentes. Pressões psicológicas induzem os trabalhadores a abandonarem os sindicatos, com ameaça de demissões. O Sinpra hoje possui aproximadamente 2 mil associados e o Sintracel, cerca de 4 mil trabalhadores.
Sindicalista denuncia: Projeto Jari despeja sete toneladas de soda cáustica diariamente no rio Jari, sem nenhum tipo de tratamento
Tudo começou com a ditadura militar O Projeto Jari nasceu influenciado pelos princípios militares do fim da década de 60, segundo os quais poluição era sinônimo de “progresso”. Financiado por recursos do governo brasileiro, através do BNDES, e de bancos estrangeiros, a Jari Celulose foi inicialmente dirigida pelo empresário estadunidense Daniel Ludwig. Na época, o governo forneceu ao projeto uma área de 1,7 milhão de hectares, a maior parte coberta por florestas nativas. Estavam previstas a instalação de uma fábrica de celulose, com capacidade para 300 mil toneladas/ano, às margens do Rio Jari, no Estado
do Amapá, e criação de uma vila de porte médio e quatro microvilas em áreas florestais, com infra-estrutura e moradias, para até 30 mil habitantes. Ali seriam desenvolvidos projetos de exploração mineral de caulim e bauxita, pecuária extensiva e plantio de pinus e eucaliptos para abastecer a indústria de celulose. A fábrica de celulose e a usina termelétrica para o projeto foram construídas no Japão, montadas sobre plataformas e transportadas para o coração da floresta através do Rio Jari. Atualmente a Jari Celulose está sob o controle de grupos nacionais. A Saga Investimentos, do empresário Sérgio Amoroso, é a maior
acionista, e o BNDES possui 30% das ações. A Saga controla o grupo Orsa, terceiro maior produtor brasileiro de papel. O faturamento bruto anual do Grupo Orsa é respeitável: 140 milhões de dólares, empregando cerca de 1.500 trabalhadores. Possui em São Paulo três fábricas de papel e papelão: Paulínia, com capacidade para 132 mil toneladas/ ano de papel reciclado; Suzano, com capacidade para 144 mil toneladas/ano de chapas e caixas de papelão ondulado; e Nova Campinas, com capacidade para 144 mil toneladas/ano de papel. Hoje a Jari ocupa uma área de 1.734.606 hectares do Pará e do Amapá, sendo 44 mil hectares
plantados com eucaliptos para produção de celulose. O Sintracel e o Sinpra são as únicas frentes organizadas que sistematicamente contestam o imenso poder da Jari Celulose S.A. A onipresença da empresa na região é muito forte. De acordo com o presidente do Sintracel, a Jari controla as escolas e hospitais que atendem a população. “Ela é dona do aeroporto e das vilas ao redor, da fábrica, além de geradora e distribuidora de energia elétrica”, denuncia Uchoa, adiantando que, se medidas práticas não forem tomadas, mortes podem ocorrer, considerando o clima tenso na região.
Minas combate monocultura do eucalipto Edilene Lopes de Belo Horizonte (MG) Movimentos sociais do Norte de Minas Gerais são responsáveis pelo projeto “Reconversão agroextrativista: da monocultura de eucalipto aos sistemas agro-silvipastoris”. O objetivo é evitar que o Estado renove os contratos de comodato com as grandes reflorestadoras. Assim, seria possível destinar às comunidades de geraizeiros as terras públicas arrendadas às empresas para o plantio de eucalipto. Fazem parte da iniciativa os geraizeiros (população que habita os cerrados do Norte de Minas, no chamado Polígono das Secas), o Centro de Agricultura Alternativa (CAA), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e vários sindicatos de trabalhadores rurais. O projeto recebe apoio da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetaemg) e articulações de movimentos sociais, Rede Cerrado e Rede Alerta Contra o Deserto Verde. O projeto tem como meta a reconversão agroextrativista de 75 mil hectares de terras devolutas no município de Rio Pardo de Minas. Desse total, 30 mil hecCerrado - O bioma tares seriam desdo cerrado cobre tinados a 750 25% do território nacional. Formado por famílias de gechapadas e vales, já raizeiros semtem catalogadas 774 terra ou com espécies de árvores e arbustos. Contudo, pouca terra, que a fronteira agrícola já vivem na regiocupa quase 50% da ão. A proposta região. é que a população assentada nessa área desenvolva plantações de culturas como urucum, café e frutas exóticas, ou
Eliseu José de Oliveira
emissão de soda cáustica no rio Jari e a poluição do ar fazem prever um desastre ambiental na região entre o Pará e oAmapá. Altamente predatórias e poluentes, as indústrias de celulose só são viáveis quando suas ações de preservação se enquadram nos padrões científicos de sustentabilidade. Instalado em 1967, em pleno governo militar, o Projeto Jari obedeceu a princípios de segurança nacional e não de segurança ambiental. Ivanildo Uchoa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Papel e Celulose dos Estados do Pará e Amapá (Sintracel), diz: “A fábrica de celulose foi projetada para produzir 700 toneladas/dia. Hoje, produz cerca de 1.400 toneladas/dia, criando um desequilíbrio total”. A lagoa de decantação dos resíduos está totalmente assoreada e os reflexos já são sentidos pelos pescadores. O impacto ambiental proveniente das indústrias de celulose é nefasto. O desmatamento de florestas nativas e a poluição do ar não possuem nenhum tipo de controle ou planejamento. De acordo com Uchoa, sete toneladas de soda cáustica são lançadas diariamente no rio Jari, sem nenhum tipo de tratamento, pois a lagoa de decantação está “condenada”.
Pequenos agricultores e sem-terra tentam barrar o avanço do eucalipto
sistemas silvipastoris, como pastagens com essências nativas. Trinta mil hectares seriam utilizados para o cultivo de plantas típicas do cerrado, como pequi, baru e coquinho azedo. Os 15 mil hectares restantes estariam destinados à preservação do ambiente.
DEVASTAÇÃO E ÊXODO As entidades ressaltam que o plantio de eucalipto já causou muitos danos ao Norte de Minas e ao Vale do Jequitinhonha – devastação da flora, fauna e nascentes e o êxodo rural. O coordenador regional do CAA, Carlos Dayrell, diz que há várias forças contra a reconversão: reflorestadoras, empreiteiros e políticos envolvidos
com as empresas. Ele afirma: “Alegam que a monocultura do eucalipto traz benefício para a economia do município e que atende a demanda de carvão e madeira requeridos pelos setores industriais”. De acordo com Geraldo Armando, assessor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Curvelo (MG), muitos políticos da região usam como argumento o Protocolo de Kioto. O protocolo de intenções estabelece que países ricos devem financiar o plantio de florestas nos países subdesenvolvidos para despoluir o ar. Armando acha o argumento infundado e sem lógica, utilizado apenas para “privatizar o ar”. Ele argumenta: “Como árvores plantadas no Brasil vão despoluir o ar de
países como a Bélgica, por exemplo?”. O diretor-geral do Instituto de Terras de Minas Gerais (Iter), Luiz Antônio Chaves, calcula que das terras em questão, 15 mil hectares já não estão em poder das reflorestadoras. Desse total, 6 mil hectares estão disponíveis para o Iter avaliar o tipo de plantio mais adequado. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vistoriará, para efeito de reforma agrária, os 9 mil hectares restantes. Os idealizadores do projeto estão sendo procurados por movimentos de diversos municípios da região que querem aderir à reconversão. Estima-se cerca de 300 mil hectares atualmente em poder das reflorestadoras possam integrar o projeto.
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DEBATE EDUCAÇÃO
Razão e sensibilidade João Luiz Homem de Carvalho despeito da ação governamental empreendida pelo Ministério da Educação, por meio do Programa Brasil Alfabetizado, a abolição do analfabetismo no Brasil depende da efetiva participação da sociedade. Os traumas sociais e humanos causados pelo analfabetismo são tão amplos e profundos que sua superação, mais que investimento e vontade do poder público, exige de todos nós solidariedade e ação. Quase 20 milhões de brasileiros acima de 15 anos de idade não sabem ler e escrever. Vista de perto, esta realidade revela seres humanos que ainda não alcançaram a condição de cidadãos, vivendo em verdadeiras zonas de exclusão, cujos limites só poderão ser transpostos por meio de ações humanitárias. O analfabetismo carrega um rastro imensurável de misérias. Um auto-retrato construído por analfabetos de várias idades, resultado de uma pesquisa qualitativa encomendada pelo MEC, descortina um cenário que estatísticas são incapazes de captar. “A pessoa que não sabe ler é cega.”
morrer de graça”. É um mundo de solidão, violência e angústia. “A gente fica isolado”. Nos depoimentos há raros sinais de auto-estima e reconhecimento de um talento admirável para sobreviver num mundo indecifrável e hostil. “Ensino eu não tenho, mas educação meu pai me deu: respeitar meus semelhantes”. A pesquisa não deixa dúvidas. “Não saber ler é uma tristeza medonha”. Não há analfabeto que não acalente o sonho de aprender. “Eu ia ler um livro até o fim”. Ler, escrever e fazer contas é a senha de acesso não apenas ao emprego, saúde e moradia, mas ao pleno direito de ir e vir, à privacidade e à dignidade. “A gente precisa do português até pra pegar um ônibus”. “Se eu recebesse um segredo que viesse por carta, só eu ia ler”. Para compreender o difícil mundo do analfabeto é preciso
sensibilidade. “Não tenho inveja de mais nada. Só de quem escreve ligeiro”. Depoimentos como esses nos obrigam a recusar a indiferença e nos convidam a deixar nascer a empatia e a vontade de participar para mudar. Este é o espírito que levou o presidente Lula a assumir a meta inédita de abolir o analfabetismo no Brasil, o que, como diz o ministro da Educação Cristovam Buarque, deverá contribuir para consolidar a República e a Abolição, se constituindo no maior legado deste governo. A mesma visão motiva inúmeras iniciativas de alfabetização existentes em todo o País, as quais o Ministério da Educação vem ampliando por meio do Programa Brasil Alfabetizado. Em parceria com Estados, municípios e organizações não-governamentais, já estamos garantindo a alfabetização de um milhão de pessoas e, graças à ação volun-
tária da sociedade, pelo menos mais 800 mil brasileiros estão em salas de aula. É grande a mobilização em favor da abolição do analfabetismo, mas é preciso ir além. É preciso um movimento nacional, que envolva a todos. Filhos, amigos, vizinhos, patrões devem criar meios para que jovens e adultos de seu círculo de convivência tenham acesso à educação. Devem encorajar e apoiar aqueles que vão enfrentar o desafio de aprender a ler e escrever numa idade desfavorável. Professores, profissionais liberais, donas de casa, aposentados, estudantes devem se apresentar como voluntários. Alfabetizar uma única pessoa já faz diferença. O mesmo engajamento é esperado de empresas, sindicatos, igrejas, clubes e associações. Cada uma destas organizações deve ter como meta a abolição imediata do analfabetismo em seus quadros e no seu entorno. Juntos, podemos transformar o Brasil num país alfabetizado. “Meu coração ia bater mais forte se eu soubesse ler”. João Luiz Homem de Carvalho é secretário Extraordinário de Erradicação do Analfabetismo, do MEC
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Não há brasileiro mais marginalizado que o analfabeto. “Antes não era assim. Hoje em dia não somos nada”. Sem acesso ao emprego, a maioria não tem renda fixa. Vivem nas invasões, nos lixões, debaixo de viadutos, nos confins da caatinga ou nas madrugadas da grande cidade em busca de restos do nosso dia. Passam fome. “A gente se sente apavorado, dá um nervosismo na gente”. Analfabetos não assinam o nome, não têm identidade. Têm vergonha. “Me sinto inferior”. Os homens são cabisbaixos, ofendidos pela impossibilidade de prover a família. “Um pacote de arroz é 10 reais. Eu não ganho nem cinco por dia”. As mulheres se viram. “Já sofri muito na cozinha dos outros, muito, e venho sofrendo”. Os jovens são pura revolta e incerteza. “Você pode escrever aqui mandando me matar e eu não vou saber ler. Vou
A educação é um direito humano Sérgio Haddad arantir o acesso das pessoas jovens e adultas à educação é, antes de tudo, respeitar um direito humano. Os jovens e adultos que não sabem ler, ou com pouca escolaridade, são pessoas que tiveram no seu passado um direito violado, perdendo uma importante ferramenta para pensar, pesquisar e ter acesso ao saber que é produzido pela humanidade. Sabemos que as pessoas que passam por processos educativos, em particular pelo sistema escolar, podem exercer melhor sua cidadania, pois têm condições mais favoráveis de realizar e defender outros direitos humanos (saúde, habitação, meio ambiente, participação política etc.). Em todo o País, em 2000, o
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analfabetismo absoluto atingia cerca de 16 milhões de pessoas com mais de 15 anos. Se somarmos os que passaram pela escola e continuam sem o domínio da leitura e da escrita – os analfabetos funcionais – o número sobe para mais de 50 milhões. Esta violação de direitos não afeta a todos de maneira igual. Na região Nordeste o analfabetismo absoluto era de 26,2%, enquanto no Sul era de 7,7%. Nas zonas rurais, 29,8% dos jovens e adultos não sabiam ler e escrever, enquanto nas zonas urbanas o índice era de 10,2%. Os índices também revelam outras formas de desigualdade. Entre a população negra, a taxa de analfabetismo era de 20%, contra 8,3% da branca. Entre as pessoas que vivem em famílias com rendimento entre cinco e dez
salários mínimos mensais era de 4,7%, enquanto que nas famílias com renda inferior a um salário mínimo mensal essa taxa subia para 28,8%. Historicamente, a educação de jovens e adultos tem sido tratada pelo poder público como política compensatória, de caráter assistencial, e não como um direito humano. No passado recente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vetou que esta modalidade fosse beneficiada por uma política universal, ao limitar o seu acesso aos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef. Ao mesmo tempo, incentivou uma política compensatória através do Programa Alfabetização Solidária. Em setembro, o governo Lula lançou oficialmente o Programa
Brasil Alfabetizado, que tem como objetivo alfabetizar 20 milhões de pessoas em quatro anos, em parceria com organizações da sociedade civil e utilizando metodologias diversas. No entanto, espera-se mais. Espera-se que, além das ações de alfabetização, jovens e adultos tenham continuidade em sistemas de ensino, conforme determina a Constituição de 1988, dentro de uma política de educação universal. Para tanto, é preciso incluir esta modalidade no acesso ao Fundef, derrubando o veto do expresidente e induzindo Estados e municípios a contemplarem esta camada da população em seus sistemas educacionais. Sem a garantia da continuidade escolar, o máximo que se conseguirá é aumentar o número do analfabetismo funcional.
Também é preciso combinar a educação com outras políticas de inclusão, pois a alfabetização isolada não resulta em desenvolvimento pessoal e social: não garante terra, trabalho, alimentação, moradia. O Brasil Alfabetizado já produziu um primeiro efeito: trazer para a cena pública o debate sobre o direito de jovens e adultos à escolarização, deixado de lado na gestão FHC. Resta ao governo e a sociedade civil lutar pela efetivação desse direito, não deixando que se perca em mais uma ação de campanha aligeirada. Sérgio Haddad é relator nacional para o direito à educação, secretário-executivo da ONG Ação Educativa e professor da PUC-SP
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AGENDA BRASÍLIA >AMBIENTE Sexta Conferência Ambiental do Distrito Federal Dia 9, às 8h O Fórum de Organizações NãoGovernamentais Ambientalistas do Distrito Federal e Entorno realiza a sua 6ª Conferencial Ambiental. Diversos ambientalistas vão discutir, em palestras e debates, o tema “Morar, produzir e conservar – o desafio do DF e entorno”. Ao final do evento será formulada a Sexta Carta Ambiental, a ser entregue na Pré-Conferência do Meio Ambiente do Distrito Federal. Inscrições gratuitas; podem ser feitas no local. Local: Auditório do Crea, 901 Sul, Brasília Mais informações: forum@ambiente.org.br, (61) 9968-8355 e (61) 9968-6902
CEARÁ >EDUCAÇÃO Seminário: Caminhos da Educação Infantil em Fortaleza De 9 a 12, abertura às 18h30 Na programação, seis mesas-redondas e 44 oficinas. O seminário pretende gerar um espaço de debate e proposições sobre o desenvolvimento da Educação Infantil em Fortaleza. O evento é uma promoção do Instituto da Cidade, do Centro Acadêmico (CA) de Pedagogia da UFC e da Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza (FBFF). As inscrições estão sendo feitas no Instituto da Cidade, no CA de Pedagogia da UFC e na FBFF. Local: Av. Santos Dumont, 1789, sala 201, Ed. Potenza, Fortaleza Mais informações: (85)224.5250, institutodacidade@terra.com.br
ESPÍRITO SANTO > Dia Nacional da Juventude Dia 26, a partir das 8h O Dia Nacional da Juvetude é uma
agenda@brasildefato.com.br
>IRAQUE Campanha de solidariedade ao povo do Iraque Organizada pelo Grupo Solidário São Domingos e pela Comissão de Justiça e Paz da Família Dominicana no Brasil, a campanha pretende que as pessoas mandem postais a todos os iraquianos, cristãos e muçulmanos, numa demonstração de que eles são respeitados, que têm sua dignidade como povo reconhecida. Foram distribuídos 15 mil postais com uma imagem de crianças iraquianas e a frase em árabe e português: “Não feche os olhos”. A matriz do cartão pode ser encontrada na página da Internet www.dominicanos.org.br
atividade promovida pela Pastoral da Juventude (PJ). Marcado por mobilizações com jovens de todo o país, vai celebrar a vida da juventude. “Lancemos as redes em águas mais profundas” é o lema escolhido pela PJ do Brasil para fortalecer a mística de um mundo possível para a juventude, em comunhão com o ano vocacional que convida os jovens a viver a vocação cristã. O tema “Políticas Públicas para a Juventude” quer despertar os jovens para a participação ativa na vida política do país. Promovido pela Pastoral da Juventude do Espírito Santo Local: Prainha de Vila Velha Mais informações: (27) 3223-6711 R238, www.pjcapixaba.com.br
lária, 79, 10º andar, Centro, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2223-1040, felipe@abiaids.org.br >COMUNICAÇÃO Seminário: Do analógico ao digital: possibilidades do movimento pela democratização da comunicação Dia 11, às 9h Realizado pelo Coletivo de Ativistas pela Comunicação (Comunicativistas), o evento tem início com um debate sobre a conjuntura nacional e a luta pela democratização da comunicação. Os grupos de trabalho vão abordar os temas: inclusão digital;
alternativas populares de comunicação livre; mudanças na produção audiovisual; e digitalização da radiodifusão. Uma plenária, a partir das 16h, encerra o seminário com um debate sobre possíveis desdobramentos. Local: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), auditório RAV 112, 11º andar Mais informações: comunicativistas@yahoo.com.br
SÃO PAULO >CULTURA Raízes Aéreas Dia 11, das 19 às 22h. Noite Cultural do Curso Realidade Brasileira. Haverá cordel e
RIO DE JANEIRO >VIOLÊNCIA >DIVERSIDADE Seminário: Homossexualidade: produção cultural, cidadania e saúde De 28 a 30 Promovido pelo projeto Juventude e Diversidade Sexual, da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Abia), o seminário quer discutir as produções culturais relativas à homossexualidade e suas implicações na qualidade de vida das pessoas. A programação apresenta mesas de debate, durante o dia, abordando temas como “Processos de estigmatização e estratégias de resistência” e oficinas e mostra de curtas, à noite. Gratuito. Local: Sede da Abia, R. da Cande-
de Detenção, Execução no Campo
rias no Brasil (1997-2003) A organização não-governamental Justiça Global e o NúNegros (NEN) divulgaram o relatório, dia 15 de setembro, simultaneamente em três países. O relatório, que vai subsidiar a visita da relatora da ONU sobre Execuções Sumárias ao Brasil, aborda os temas: Violência Policial, Grupos de Extermínio, Execução em Centros
Rio de Janeiro. As 349 execuções descritas seguem esse padrão de extermínio e impunidade garantida a quem tortura, fere e mata. A íntegra do relatório está disponível na página da Internet: www.global.org.br
música popular do Nordeste. O artista convidado é o cantador Sapiranga. Organização: Jornal Brasil de Fato e Curso Realidade Brasileira Local: Universidade de São Paulo Mais informações: realidadebrasileira@terra.com.br > CONJUNTURA Debate: Políticas Públicas Dia 10, às 19h30 Com o propósito de promover discussões sobre temas relevantes da atual conjuntura política, o projeto “Política pela Noite” é um ciclo de debates que pretende ampliar a discussão sobre as questões que influenciam os rumos e as políticas públicas na sociedade. O tema do primeiro encontro é “As experiências e os rumos da Economia Solidária no Brasil”, com a presença do secretário nacional de Economia Solidária, Paul Singer. Local: Centro Universitário Maria Antonia (USP), R. Maria Antonia, 294, Vila Buarque, São Paulo Mais informações: Wagner Melo, grilofalante75@yahoo.com.br >NEGROS Seminário: Herança e Cultura do Povo Africano no Brasil De 8 a 10 Entidades e parlamentares ligados ao movimento negro realizarão o encontro, que pretende ser um espaço de diálogo, troca de experiências e construção de caminhos para resgatar a cultura africana e afro-brasileira no Brasil, além de suscitar discussões e evidenciar os compromissos do país com os afro-descendentes. Painéis, apresentações musicais e uma celebração inter-religiosa estão entre as atividades programadas. Local: Câmara Municipal de São Paulo, Palácio Anchieta, Viaduto Jacareí, 100, São Paulo Mais informações: (11) 3111-2298, fatviei@hotmail.com, nunocoelho@uol.com.br
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CULTURA
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FOTOGRAFIA
A luta pela terra, nas lentes do fotógrafo O repórter fotográfico Douglas Mansur registra, em fotos e pesquisa, 15 anos da luta pela terra no Brasil e no Paraguai Tatiana Merlino da Redação Amadeu Trindade na cadeira de rodas no acampamento Jacometi; hoje com os filhos no assentamento Ireno Alves
Fotos: Douglas Mansur
“A
fotografia é um instrumento de documentação, transformação e conscientização.” A opinião é do repórter fotográfico paulista Douglas Mansur, que desde 1988 registra a luta pela terra no Brasil. O resultado desse trabalho já foi premiado, teve exposições no país e no exterior e atualmente é objeto de um projeto de pesquisa na Universidade de São Paulo (USP). A realidade dos semterra é tema do mestrado que Mansur desenvolve no Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina (Prolam), da USP. A dissertação versará sobre “Os horizontes da fotografia na documentação dos movimentos rurais do Paraguai e do Brasil”. Para o projeto, escolheu dois assentamentos: o José Dias, na região de Inácio Martins, no Estado do Paraná, e o assentamento San Isidro, na região do Alto Paraná, no Paraguai. Em 1989 Mansur fotografou as ocupações sem-terra nos dois locais. No meio do ano, retornou para registrar as conquistas dos assentados. “No assentamento San Isidro, reencontrei todas as pessoas. Elas se reconheceram nas fotos. Foi muito emocionante. O único registro daquela luta são as minhas fotografias. Sem elas, o pessoal não teria memória.”
Clair Pereira de Lima e o filho Rodinei, no assentamento José Dias, olhando a foto dos dois registrada enquanto construíam um fogão-debarro no acampamento; Rodinei tinha apenas um ano e a terra foi ocupada justamente no dia de seu aniversário, em 7 de agosto de 1988
CIDADANIA Mansur fotografa há 30 anos. Nos últimos 20 anos, armazenou mais de cinco mil negativos, classificados como fonte histórica dos movimentos sociais. Os primeiros trabalhos com o MST foram feitos em ocupações no Espírito Santo, Rondônia, Sergipe, Bahia e São Paulo. Desde o início, enfrentou dificuldades como a repressão sofrida pelos trabalhadores, carência de recursos financeiros e, principalmente, a falta “de cultura de fotografar”. “Fotografo as famílias quando ocupam a terra e depois, quando estão assentadas. Ali está um pouco de cada pessoa, desde quando ela não tem cidadania até quando toma consciência de seus direitos e briga por eles”, conta Mansur. Professor de fotojornalismo em duas universidades, ele costuma lembrar aos seus alunos que, em passado recente, os repórteres fotográficos jogavam seus negativos no lixo por não enxergarem a importância de seu trabalho no registro da história do país. Mansur afirma: “A fotografia só tem sentido quando guarda uma memória. Ela deve ser um instrumento pedagógico, de educação das pessoas”.
Cenas de vida de acampamentos dos semterra na região do Alto Paraná, no Paraguai, em 1989: “A fotografia só tem sentido quando guarda uma memória”, diz Mansur