Ano 1 • Número 33 • São Paulo • De 16 a 22 de outubro de 2003
Circulação Nacional
Elite reforça ofensiva para impor a Alca
Judiciário insiste em não abrir a caixa-preta “Tem gente querendo tapar o sol com a peneira, dizendo que não há grupos de extermínio e esquadrões da morte”. A afirmação do secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, esquentou ainda mais a polêmica sobre a proposta de submeter o judiciário a uma inspeção internacional. Para os juízes, ao acatar a sugestão de Asma Jahangir, relatora da Organização das Nações Unidas, o governo estaria transferindo sua responsabilidade, o que violaria a soberania do país. Pág. 4
E mais: GUERRA FISCAL – Cada vez mais, Estados oferecem dinheiro do contribuinte para atrair empresas. A farra das últimas semanas já deve reduzir a arrecadação dos próximos onze anos em R$ 24 bilhões. Pág. 5 ÁFRICA – Segundo informações da ONU, 200 milhões de africanos podem morrer de Aids até que a doença seja controlada. Atualmente, o continente abriga 70% dos contaminados de todo o mundo. Pág. 12 DEBATE – Os jornalistas Luciano Martins Costa e Celso Schröder discutem o “Proer da mídia”, ajuda que o governo federal estuda para salvar empresas de comunicação da falência. Pág. 14
O violento massacre desta semana, que deixou cerca de 60 mortos e mais de 200 feridos, não intimidou a população da Bolívia, que continua a pressionar pela saída do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, apoiado pelos Estados Unidos e a Organização dos Estados Americanos . O país, paralisado, vive clima de insurreição popular. Os movimentos sociais exigem o fim do acordo de exportação de gás natural para países da América do Norte e punição dos responsáveis pelos assassinatos. Manifestantes da cidade de El Alto chegam à Praça dos Heróis, em La Paz, Bolívia, para pedir a renúncia do presidente
Petrobras, troféu do povo brasileiro Entre a primeira concessão, aos ingleses, para a exploração de petróleo no Brasil, em fins dos anos 20, até a criação da Petrobras, em 1953, muita água rolou. Afinal, relatórios pseudocientíficos garantiam a inexistência do ouro negro no país. Mas, a campanha “O Petróleo é Nosso”, que levou milhares de brasileiros às ruas, garantiu
a criação da estatal. Hoje, a Petrobras é uma potência, supre boa parte do consumo interno, é a número um em tecnologia de exploração em águas profundas, foi responsável pela implantação da indústria de base no Brasil. Apesar dos governos Collor e Fernando Henrique terem tentado desmanchar a empresa. Págs. 6 e 7
Págs. 2 e 10
Um milhão de famílias assentadas O Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA) encomendado pelo governo prevê o assentamento de 1 milhão de famílias, em quatro anos. Elaborado para ser uma política de combate à pobreza e ao desemprego, mais do que um instrumento de distribuição de terras, o plano possibilita a criação de 3,5 milhões de empregos, e
uma renda média mensal de 3,5 salários mínimos para trabalhadores que hoje não têm de onde tirar o seu sustento. O PNRA, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve receber nos próximos dias, tem como base as desapropriações, e propõe a reformulação dos critérios para cálculo do valor da terra. Pág. 8
Parlamentares querem liberar herbicida ilegal
Mais de 3 mil crianças, filhas de trabalhadores rurais sem-terra, marcharam pelo centro de Recife (PE) em defesa da reforma agrária e contra a medida provisória que liberou o plantio de transgênicos
Marcio Baraldi
Pág. 9
Levante popular exige mudanças na Bolívia
Marcos Michael/ JC Imagem/AE
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m cerco foi armado pelas elites para pressionar o Ministério de Relações Exteriores a sucumbir aos interesses dos Estados Unidos nas discussões do acordo da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Depois das críticas feitas pelo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, à postura “intransigente” do ministro Celso Amorim, a grande imprensa veiculou informações de que o governo trocaria a equipe de negociações da Alca. A “notícia” logo foi desmentida pelo porta-voz da Presidência, André Singer. Para o economista Paulo Nogueira Batista Jr., a postura brasileira nas negociações em Cancún e em Trinidad e Tobago incomodou os EUA, que imediatamente acionaram seus “prepostos” no Brasil em defesa de suas propostas. A tentativa de manter a subserviência do país, impedindo qualquer atitude soberana nas negociações, provocou uma reação dos movimentos sociais, que lançaram um manifesto de repúdio aos ataques ao Ministério de Relações Exteriores. No entanto, o documento não apóia a manutenção das negociações sem a realização de um plebiscito oficial para a sociedade decidir se o Brasil deve aderir à Alca.
Dado Galdieri/AP/AE
A imprensa e os setores alinhados com os EUA atacaram o Itamaraty por defender os interesses do Brasil nas negociações
Bush promete intensificar cerco a Cuba Os Estados Unidos anunciaram, dia 10, novo ataque ao regime cubano. As medidas do governo querem endurecer o embargo, dificultar a entrada de dinheiro e intensificar a campanha pela liberdade de expressão na ilha. A medida é eleitoreira, destinada a agradar aos milhares de dissidentes cubanos residentes na Flórida – Estado marcado por suspeitas de fraude eleitoral na votação que colocou George Bush na Presidência dos EUA. Em resposta, o chefe da missão diplomática de Cuba nos EUA, Dagoberto Rodríguez, mandou um recado a Bush: “pare de atuar como um caubói fora-da-lei” e “começe a ouvir as vozes das nações do mundo”. Pág.11
Mais uma irregularidade sobre o plantio de transgênicos pode ser acatada pelo governo. Duas propostas de emendas à medida provisória querem ignorar a lei de proibição do herbicida glifosato. Por isso, a indicação dos técnicos do governo, que se opuseram a tal concessão, gerou mal-estar no Ministério da Agricultura. No ano em que o Brasil atinge o posto de maior exportador de soja mundial, fica provado que os EUA manipulam informações para supervalorizar ou rebaixar a cotação do produto. Págs. 3 e 5
CPT denuncia aumento dos assassinatos Pág. 8
Garimpo ameaça índios Cinta Larga Pág. 13
Dois milhões fazem a festa do Círio de Nazaré Pág. 16
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De 16 a 22 de outubro de 2003
NOSSA OPINIÃO CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • Claus Germer • Dom Demétrio Valentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes • Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • César Benjamim • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Eduardo Greenhalgh • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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As lições do altiplano boliviano
A
Bolívia é um pequeno país incrustado entre os Andes e a bacia amazônica. Lá vivem menos de 8 milhões de habitantes, a maioria de origem indígena – separada pelos colonizadores de seus hermanos mayas, que vivem do outro lado da cordilheira, no Peru. Falam quéchua e possuem uma forte identidade cultural, que lhes dá ainda sentido de identidade nacional. Seu território sempre foi muito rico em minérios (prata, cobre, estanho), petróleo e, mais recentemente, gás. Apesar de um território rico, os indicadores de qualidade de vida de sua população estão entre os mais baixos do mundo. No passado, em 1952 - 1953, um movimento político uniu a maioria dos trabalhadores, indígenas e camponeses. O movimento desembocou numa revolução que impôs a estatização das minas e a distribuição da terra. Em poucos anos, os dirigentes e as elites traíram o povo. E desde então, a Bolívia ingressou numa enorme crise de modelo de desenvolvimento. Mas o povo não se entregou. Ao
contrário, as lutas foram incessantes. Nas cinco décadas seguintes, houve uma média de um presidente por ano! E ente eles muitos generais. Tudo isso é o pano de fundo, o contexto histórico que permite dimensionar a gravidade da crise atual. Ela tem raízes históricas no elevado grau de espoliação daquele povo, na falta de um modelo de desenvolvimento que tire o povo da pobreza. E agora se agrava por um governo aristocrático e neoliberal, que não entendeu o recado das urnas nas ultimas eleições – quando as esquerdas, unidas em torno do Movimento ao Socialismo (MAS), conquistaram quase a metade dos votos para a candidatura de Evo Morales, que disputou o segundo turno presidencial. A gota d’água veio quando o atual presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, um “gringo” colonizado pelo Estados Unidos que ainda fala com sotaque inglês, atreveuse a entregar, mais uma vez, toda riqueza representada pelo gás para uma empresa estadunidense, exa-
tamente como o governo anterior entregou parte das reservas para outra empresa estadunidense explorar e revender ao governo brasileiro (o gás que se usa em São Paulo e outros locais vem da Bolívia, mas os dólares vão para os Estados Unidos). Felizmente, na Bolívia há um processo de retomada de mobilizações de massa. O povo continua lutando por mudanças nas ruas, ao ver que as elites não acataram o significado das urnas. Agora, uma rebelião popular que exige mudanças na política econômica, com melhores condições de vida para o povo e respeito à soberania nacional. O final da história pode demorar, mas certamente terá o povo como principal ator. As lições do altiplano boliviano deveriam ser absorvidas por todos os governos latino-americanos que ainda não compreenderam que o neoliberalismo e outros projetos assemelhados não resolvem os problemas do povo. Mais dia, menos dia, o povo se levanta!
FALA ZÉ OHI
CARTAS DOS LEITORES RS EXCLUÍDO A não inclusão da metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul no Fundo de Desenvolvimento Regional, plano federal de ajudas às regiões mais pobres do país, é mais uma demonstração da incapacidade ou da influência dos senhores políticos, governantes do RS. O sr. FHC prometeu ajuda, e o que fez? Pior ainda tem sido a atuação dos governos do Estado. Falam, falam, mas pouco ou quase nada fazem. Parece, inclusive, que todos nós esquecemos que aquela região, hoje não só uma das mais pobres do Estado, como do país, já foi o maior sustentáculo econômico e cultural do Rio Grande, quando por mais de um século alimentou e sustentou não só o Estado, como outras regiões do Brasil. Pagou contas do governo central, além de muito contribuir para o que o Estado é hoje. Além do mais, na região estão algumas milhares de famílias de nossos irmãos que necessitam de ajuda, não de esmolas. João Carlos da Luz Gomes Porto Alegre (RS) FEBEM Inicialmente, venho parabenizar por este excelente jornal. No número 31, “Governo de SP esconde mortes na Febem”, parece que finalmente surgiu a ponta de um iceberg, onde o governador Alckmin atingiu o píncaro da hipocrisia:
querer tapar o sol com a peneira! De uma população de 70% de analfabetos funcionais (aqueles que lêem uma notícia mas não entendem), ele pode querer esconder os grupos (oficiais!) de extermínio, a violência no campo. Mas, dos organismos internacionais, ele não vai conseguir esconder. Esse caso da Febem vai perseguir o governador em seus piores sonhos, já ameaça o secretário Saulo de Castro e pode “explodir” à tona o restante do iceberg. Esse caso não ficará impune a ele (fingir esconder ele pode). O “caso Febem” é a pedra no sapato do governador, e isso ainda vai dar o que falar. Felizmente, temos o Brasil de Fato, para divulgar isso com a devida relevância. Antonio Marcos Vicentini Campinas (SP) SAUDAÇÕES Como assinante do jornal Brasil de Fato tenho a grata satisfação de cumprimentar a equipe pela excelência das matérias e pelo esforço jornalístico para oferecer um canal de comunicação soberano, frente às conhecidas pressões exercidas sobre a mídia em nosso país. Em especial, gostaria de salientar a importância das questões tratadas na edição 25. Tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla Brasília (DF)
EDIÇÃO ELETRÔNICA Felicito o jornal eletrônico de vocês. De fato, ao abri-lo pela primeira vez, senti-me realmente no Brasil, na internet nacional e no mundo de língua portuguesa. Felicito-o, pois, não tanto por preencher a reconhecida necessidade de “um jornal de esquerda”, nem tanto, igualmente, pela gente iminente com que conta mas, principalmente por ter percebido o quanto a dominação cultural é importante e o quanto devemos rejeitá-la. Os detalhes de tal dominação – bem pouco sutis, aliás – raramente são percebidos pela dita esquerda. Assim, a questão da língua, inclusive da língua informática. Com que alegria, portanto, me achei diante de um SÍTIO, que tem página INICIAL em vez de home e onde não encontrei (espero ter buscado bem!) uma só palavra informática em inglês. Tive uma impagável sensação de limpeza e alívio, pela qual lhes agradeço! Parabéns pela coerência! M. L.de C. Armando Buenos Aires, Argentina ERRAMOS Na edição 32, página 8, na matéria “Relatório denuncia execuções sumárias em SP”, a data do assassinato dos filhos de Elias Isac dos Santos está errada. O ano foi 2001 e não 1991.
Brasil de Fato estimula o debate Brasil de Fato completa nove meses de existência. O caminho até agora percorrido foi muito longo, árduo e gratificante. Multiplicamos a criação de comitês de apoio por todo o país, estampamos em nossas páginas as notícias do Brasil e do mundo ignorados pela grande mídia, oferecemos perspectivas distintas de interpretação dos fatos políticos, culturais e econômicos, e criamos feição e estilos próprios. Não é pouco, mas ainda não é suficiente. Faz parte do nosso desafio
incorporar ao processo de produção, divulgação e distribuição do jornal um número cada vez maior de pessoas, movimentos sociais e mídias independentes. Queremos multiplicar os comitês de apoio, ampliar a rede nacional de todos os envolvidos na sustentação do jornal. Com esse objetivo, resolvemos intensificar a organização, em todo o território nacional, de debates, palestras e mesas redondas envolvendo os integrantes de nosso Comitê Editorial. Consideramos isso tão importante que
resolvemos liberar o jornalista José Arbex Jr. de suas funções como editorchefe do Brasil de Fato para dedicar a essas atividades um tempo ainda maior do que o já dispensado. Estamos certos de que a aposta na crescente interação entre o Comitê Editorial e os comitês de apoio já formados, as universidades, os sindicatos e os movimentos sociais é o caminho mais seguro para a consolidação do Brasil de Fato como um jornal independente de expressão nacional.
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NACIONAL SEGURANÇA ALIMENTAR
Moisés Araújo
Emendas propõem liberar herbicida ilegal Utilizado no plantio de soja transgênica, o glifosato tem substâncias cancerígenas e foi rejeitado por técnicos do governo
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uas emendas à Medida Provisória (MP) 131, de autoria dos deputados Leonardo Moura Vilela (PP-GO) e Augusto Nardes (PP-RS), sugerem a suspensão da obrigatoriedade do registro do glifosato (exigência da Lei nº 7.802), herbicida utilizado no plantio da soja transgênica. Caso as propotas sejam acatadas pelo relator da MP, deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), outra lei será suprimida para atender, principalmente, os interesses da transnacional Monsanto. Pimenta, que deve entregar seu relatório até 10 de novembro, garante: “Não tenho idéia de tornar a medida menos restritiva do que já é. A MP deve ser melhorada, inclusive, com a ampliação da cautela sobre o meio ambiente”. Porém, a indicação de Pimenta para a relatoria da MP foi duramente criticada pelos deputados contrários à liberação dos transgênicos. E ele mesmo admite que seu posicionamento favorável aos transgênicos orientou a decisão no Planalto.
TÉCNICOS REJEITAM Mesmo se o plantio da soja transgênica for mantido e a MP 131 for transformada em lei, o agricultor, em tese, não poderá plantar as sementes da soja transgênica Roundup Ready. Isso porque o Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos (CTA) rejeitou, dia 9, o herbicida glifosato (Roundup). Por lei, a aplicação do produto só é permitida no período anterior ao nascimento da planta. Porém, para produzir a soja transgênica, o herbicida deve ser aplicado depois da planta ter despontado na terra. Na avaliação dos técnicos do CTA, não há uma situação de emergência que justifique o descumprimento da lei. “Pode ser uma emergência econômica, mas não fitossanitária”, diz Letícia Silva, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A proibição causou descontentamento no Ministério da Agricultura: vai de encontro à posição do ministro Roberto Rodrigues, fiel defensor dos transgênicos e do agronegócio. Proibir o glifosato é aniquilar a produção da soja transgênica. Tanto é que o técnico do Ministério da Agricultura, Júlio Sérgio de Britto, que compõe a comissão, preferiu não comentar a decisão. Os alertas dos técnicos, de acordo com o deputado federal Edson Duarte (PV-BA), reforçam as posições contrárias à liberação. “Mais uma vez foi tomada uma decisão para atender às transnacionais. Não há amparo legal para o uso do glifosato”, critica o deputado. A ilegalidade do herbicida já tinha sido apontada, dia 3, pelo Instituto de Defesa do Consumidor, que entrou com uma ação na Justiça contra o Ministério da Agricultura e a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Rio Grande do Sul para impedir os agricultores de utilizar o glifosato.
DESMORALIZADO Mantida a proibição do glifosato, o Ministério da Agricultura e a Anvisa terão de fiscalizar a aplicação do herbicida nas lavouras. No entanto, é grande o descrédito em relação ao cumprimento da lei. “Foi aberto o precedente para ilegalidade. Está na hora da Justiça e da Polícia Federal reagirem em nome da legislação e da democracia”, alerta Duarte. Do outro lado, o discurso é o mesmo. Os produtores gaúchos reafirmam a falta de credibilidade do governo. “Eles fazem leis para serem descumpridas. Não tem mais moral, não há controle nenhum no campo”, revela Ezídio Pinheiro, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag/RS). De acordo
com Pinheiro, os produtores já têm o herbicida em casa e não vão deixar de usá-lo.
PERIGOS À VISTA A preocupação dos pesquisadores se refere à quantidade do herbicida aplicado para desenvolver a soja transgênica. Pela legislação brasileira, a soja pode ter no máximo 0,2 miligramas de glifosato por quilo. Se a Anvisa detectar mais do que isso, o grão deve ser destruído. Ao contrário do que anunciam os defensores do cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs), o produtor precisa aplicar o glifosato em grandes quantidades, intensificando os riscos. O engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro explica que o glifosato é composto por substâncias potencialmente cancerígenas, entre elas a nitrosamina e a dioxina. “Uma área onde se utiliza glifosato não pode ser considerada segura para a produção de alimentos”, avalia. No entanto, para ele, o uso intensivo do glifosato é um dos problemas. O herbicida também ameaça a fertilidade do solo e seu poder é cumulativo, isto é, suas propriedades não são destruídas com facilidade.
O uso de agrotóxicos, como o Roundup, contamina os alimentos, a água e o solo
Quem é a Monsanto A Monsanto não é especializada em sementes, como muitos pensam, mas na produção de produtos químicos. Em 1998, a transnacional comprou as indústrias Cargill e Brasbak/Dekab para fazer a venda conjunta da semente com o herbicida Roundup e aumentar as vendas de seu principal produto. Sua história mostra a “segurança” garantida pela empresa. De acordo com a revista The Ecologist, de 1998, a cidade de St. Louis, sede da empresa nos Estados Unidos, apresenta taxas muito altas de morte fetal, nascimentos prematuros, mortalidade infantil e asma. A região teve que ser evacuada em 1992, por ordem do governo, por estar totalmente contaminada por dioxinas, utiliza-
Greenpeace
Claudia Jardim da Redação
das na fabricação dos herbicidas que a Monsanto começou a produzir na década de 40. É importante recordar que o PCB, produto químico também utilizado como herbicida nos EUA, foi proibido nos anos 70, após comprovação que provocava câncer. A Monsanto era dona do fabricante de PCB. No dia 5 de janeiro de 2002, o jornal estadunidense Washington Post informou que a Monsanto saiu do setor químico e passou a só se dedicar à agricultura. O braço químico da Monsanto foi comprado pela Solutia. Em agosto, Monsanto e Solutia entraram em entendimento com as milhares de vítimas da contaminação e se comprometeram a pagar 700 milhões de dólares em indenizações.
CPI deve revelar contrabandistas O governo de Luiz Inácio Lula da Silva pode enfrentar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre transgênicos. Proposta pelo senador João Capiberibe (PSB/AP), a CPI deve apurar o contrabando e o plantio ilegal de soja transgênica no país. As mais de 30 assinaturas a favor da realização da investigação revelam a insatisfação no Senado. “As autoridades brasileiras não podem ser coniventes com as denúncias sobre contrabando de sementes transgênicas e o conseqüente plantio ilegal em território nacional, com agressões flagrantes ao ordenamento jurídico vigente e apoio de instituições nacionais e talvez estrangeiras”, critica o senador, que na semana passada renunciou ao cargo de vice-líder do governo no Senado por ser contrário à MP. A CPI pode revelar os motivos do governo para liberar o plantio da soja transgênica sem a realização de qualquer estudo de impacto ambiental (EIA). Porém, segundo pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), 77% dos deputados e senadores não estão interessados pelo tema. (CJ)
Transgênico é menos produtivo Pelos índices de produção de soja estadunidense dá para se ter uma idéia das “vantagens” anunciadas pela Monsanto e pelo governo gaúcho para convencer os agricultores a plantar sementes modificadas. A safra de soja estadunidense deste ano é a menor desde 1996 (considerando a manipulação das informações – leia reportagem na página 5), segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Isso tem provocado um aumento nos preços do grão. Já as vendas externas do grão do Brasil devem somar, este mês, cerca de 26 milhões de toneladas métricas, o que supera as exportações dos EUA em 2,42 milhões de toneladas. Só a produção de soja brasileira deve atingir um recorde de 60 milhões de toneladas. É esse o risco que a economia estadunidense pretende eliminar com a introdução dos transgênicos no Brasil.
REDUÇÃO ANUNCIADA Segundo dados da Organização para Agricultura e Alimentos (FAO, em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU), enquanto os produtores brasileiros colhiam 2,57 quilos por hectare, em 2002, os estadunidenses produziam 2,52 quilos por hectare. “A produtividade brasileira é maior e a produção tem crescido 8,8% ao ano, desde 1996, enquanto nos EUA o crescimento anual é de apenas 1,8%”, analisa o engenheiro agrônomo Gerson Teixeira. A redução gradual na produtividade das lavouras transgênicas há muito vem sendo anunciada por especialistas. A diminuição da fertilidade do solo e o surgimento de novas espécies de ervas daninhas obrigam o agricultor a aumentar
RENDIMENTO DA SOJA Comparação entre Brasil e EUA
Ano
Rendimento (Kg/ha)
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Brasil 2,25 2,30 2,35 2,37 2,40 2,71 2,57
EUA 2,53 2,62 2,62 2,46 2,56 2,66 2,52
Fonte:FAOSTAT www.fao.org/waicent/portal/statistics_en.asp
a quantidade de herbicida e, por conseqüência, gastar mais. “Não se trata de algo a ser percebido já na safra 2003-2004. Porém, os resultados negativos, especialmente para os agricultores familiares, se farão sentir pela redução na rentabilidade potencial das lavouras e da receita líquida global dos estabelecimentos, no final do próximo ano agrícola”, afirma o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, doutor em engenharia de produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Os dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, sigla em inglês) sobre a produção de soja na Argentina reforçam: a produtividade da safra 2002/2003, é igual à de 1997/1998, antes dos transgênicos. Outro aspecto que deve encarecer ainda mais a produção é o processo de segregação da soja, obrigatório para realizar a rotulagem dos alimentos. Esses custos não são considerados no mercado estadunidense, onde os alimentos não são rotulados. (CJ)
Manifestação contra transgênicos reúne mais de 35 mil pessoas em Auckland, Nova Zelândia, dia 11. Promovido pelo Greenpeace, Mothers Against Genetic Engineering e Auckland GE Free Coalition, o protesto também aconteceu em Wellington, Christchurch, New Plymouth e Timaru. Os neozelandeses pediram a extensão da moratória contra os organismos geneticamente modificados no país, proibidos até final de outubro.
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NACIONAL DIREITOS HUMANOS
Judiciário reage à inspeção internacional Tatiana Merlino da Redação
Elza Fiúza/ABR
Proposta feita pela relatora da ONU amplia debate sobre o desrespeito aos direitos humanos a mesma preocupação em relação a direitos humanos de outras nações. “Não toma nenhuma medida concreta em relação ao campo de concentração de Guantanamo, mantido pelos Estados Unidos. A ONU é um exemplo de fracasso na política de paz e segurança das nações”, diz.
“O
Brasil não deve ter medo de expor seus problemas. Precisamos da verdade para melhorar nossas políticas públicas e para aprofundar a democracia e o respeito aos direitos humanos”. A opinião do secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, esquenta a polêmica envolvendo membros do Judiciário contrários à relatora da Organização das Nações Unidas (ONU), Asma Jahangir. No último dos 18 dias de sua visita ao Brasil, a relatora especial para execuções sumárias sugeriu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma inspeção internacional na Justiça brasileira. Na ocasião, a proposta da relatora da ONU foi endossada pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Ele declarou que, com todo o respeito que a Justiça brasileira merece, “todos sabemos que esse não é o Judiciário dos nossos sonhos e, por isso, precisamos reformá-lo”. Nilmário Miranda concorda. “Tem gente querendo tapar o sol com a peneira, dizendo que não há grupos de extermínio e esquadrões da morte. Esse é um dos países que mais mata no mundo. Há excesso de armas e muita impunidade, que não é só do Judiciário”, diz. Sobre a sugestão da relatora da ONU, avalia: “Ela fez apenas um retrato do que existe”.
CRÍTICAS
Tribunal de Justiça do Maranhão quer “um juiz mudo, cego e surdo”, protesta Luís Jorge Moreno
diciário “para se eximir de responsabilidade”. Para ele, o presidente Lula só concordou com a inspeção por ter “rixas pessoais” com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Maurício Corrêa. As primeiras críticas à possível inspeção partiram do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Francisco Fausto,
para quem o Brasil seria colocado no mesmo plano do Iraque, “uma república submetida ao controle internacional”. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ministro Nilson Naves, afirmou que a inspeção seria mais uma tentativa de controle do Poder Executivo sobre o Judiciário. O presidente do STF, Maurício
Secretário pede proteção que não vem
SOBERANIA “Uma inspeção por organismos estrangeiros quebra o princípio de soberania da Nação”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Fernandes Coutinho. Convencido de que a relatora da ONU desconhece o funcionamento do Judiciário brasileiro, ele repassa responsabilidades para o Legislativo. “Não somos nós que temos que aparelhar o Estado, nem fazemos leis arcaicas que protegem os grupos de extermínio”. Coutinho acusa o ministro da Justiça de transferir a culpa ao Ju-
O secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, classifica de “lamentável” o assassinato de duas testemunhas ouvidas pela relatora da ONU, Asma Jahangir. A primeira vítima foi Flávio Manoel da Silva, morto em Pedras do Fogo (PB) cinco dias depois de conversar com a relatora. A segunda foi o mecânico Gerson Jesus Ribeiro, assassinado em Santo Antônio de Jesus (BA), pouco mais de duas semanas depois de narrar o assassinato de seu
irmão, em agosto de 2002. Miranda afirma que o sargento acusado de coordenar o grupo de extermínio na região já havia sido identificado antes da visita da relatora, mas nenhuma providência foi tomada. “Em geral eles apenas transferem o líder do esquadrão da morte para outro lugar, o que não impede que continue exercendo suas funções”. Logo após conversar com a relatora, as testemunhas começaram a receber telefonemas com amea-
Claudio Bombieri/Ekos
Juiz é afastado por “aproximação” com movimentos populares O juiz Luís Jorge Silva Moreno foi acusado por “aproximação de lideranças populares” e “excesso de fala”, sem direito à defesa. Em sessão fechada, dia 10 de setembro, o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) acatou, por maioria absoluta, uma representação contra Moreno – que já estava afastado de suas funções desde 2000, quando uma ação foi apresentada ao TJMA, que instaurou um processo administrativo disciplinar. O juiz poderá receber a pena de “remoção compulsória a bem do interesse público”, não aplicada no Estado desde a ditadura militar. Moreno foi empossado há três anos no município de Zé Doca (MA). Decretou a prisão de ladrões de gado da região, além de ordenar o fechamento de uma creche por falta de higiene e segurança. O juiz também deu andamento a um processo de assassinato, ocorrido em 1995, que envolvia um conhecido pistoleiro local e um capataz do pecuarista Cláudio Azevedo, fundador da União Democrática Ruralista (UDR) no Estado. Moreno participou de diversas
ças de morte. “Depois disso falei com o secretário de Segurança da Bahia por telefone e pedi garantia de vida para as pessoas”, conta Miranda, para quem a melhor atitude a ser tomada seria prender o sargento. Nada ocorreu e no dia seguinte Gerson Ribeiro apareceu morto. O secretário teme que mais testemunhas sejam assassinadas. Ele defende a votação, até dezembro, da lei que federaliza os crimes contra os direitos humanos.
EDUCAÇÃO
PERSEGUIÇÃO POLÍTICA
da Redação
Corrêa, estendeu as críticas ao presidente Lula, afirmando que o apoio do governo à iniciativa mostra “mávontade” em relação ao Judiciário. Presidentes de 27 Tribunais Regionais de Justiça (TRJ) lançaram uma carta em repúdio à sugestão de inspeção no Judiciário, classificada como “humilhante proposta”. Para Coutinho, a ONU não tem
Dança na rua, por escola pública de qualidade da Redação
TJ do Maranhão quer “um juiz mudo, cego e surdo”, protesta Luís Jorge Moreno
mobilizações, que reuniram cerca de 3 mil pessoas, pela implantação do Conselho Tutelar, exigência aprovada pela Câmara Municipal de Zé Doca em 1996. Ele orientou a população sobre a função do órgão e realizou debates sobre direito e cidadania. Durante o exercício de sua função, foram redigidos 308 processos
Nilmário Miranda rebate as críticas do presidente do STF, considerando seu comportamento contraditório. Lembra que, quando era ministro da Justiça, Corrêa assinou tratados internacionais por meio dos quais o Brasil se compromete a receber visitas de inspeção para verificar o cumprimento de acordos. A carta conjunta dos TRJs também é alvo de críticas do secretário. “O Brasil estendeu esse convite a todos os relatores da ONU, eles podem vir quando quiserem. Além do mais, o relatório ainda não foi apresentado e o Judiciário também tem de dar satisfação à sociedade”. Miranda também refuta a opinião dos juízes, que na carta afirmaram que a investigação de casos de violação aos direitos humanos não é atribuição do Judiciário. Nem todos vêem a inspeção com maus olhos. Para o juiz de Direito Luís Fernando Barros Vidal, a proposta merece apoio e incentivo. “É necessária a discussão dos problemas estruturais do Judiciário, como a subordinação aos interesses políticos das esferas executivas do governo, em especial as polícias civil e militar”. De acordo com Vidal, a reação de seus colegas foi totalmente equivocada. “A questão já foi solucionada há muito tempo. Quando um país tem problemas relacionados a direitos humanos, a relativização da soberania em favor das Nações Unidas é aceita”. Para ele, o Judiciário teme mostrar seu histórico comprometimento com as polícias. “Acredito que um véu encobre a falta de independência em relação ao Ministério Público”, fala, referindo-se à parcela “preponderante do Judiciário” que pensa e age como guardiões dos interesses do Estado, e não da cidadania.
e proferidos mais de 120 atos judiciais. Apoiado por líderes populares da região, Moreno acredita que o TJMA deseja “um juiz mudo, cego e surdo”. Removido para outro município, ele pretende entrar com um mandado de segurança contra a decisão e requerer seu retorno à comarca de Zé Doca. (Colaborou Moisés Matias, de São Luís)
Colocar a educação pública de qualidade na pauta das prioridades, no centro do debate nacional e em todas as praças do país. Esse é a proposta da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, articulada, há quatro anos, por 120 instituições e organizações da sociedade. Para chamar atenção sobre essa histórica reivindicação, a Campanha organizou, no dia do Professor, 15 de outubro, as chamadas “cirandas pela Educação”, com apresentações de danças de roda em vários locais públicos. Com o intuito de pressionar o Congresso Nacional para que aumente os recursos destinados à Educação no orçamento de 2004, as mobilizações do dia 15 reuniram estudantes, educadores e diferentes movimentos sociais como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Durante esta semana, a Cam-
panha também está sugerindo aos cidadãos que enviem mensagens eletrônicas aos parlamentares federais cobrando o aumento dos recursos orçamentários, o cumprimento da lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que prevê recursos ao ensino fundamental, e mais participação social na definição de políticas públicas de Educação. Além do aumento de recursos nos orçamentos da União e dos governos estaduais e municipais, a Campanha tem propostas para o aprimoramento dos mecanismos de participação da sociedade civil nas políticas públicas de educação. Para os representantes da Campanha, “a maioria desses mecanismos carece de clareza quanto às suas atribuições e ainda não são espaços de influência política. Um bom exemplo de limitada participação social é a elaboração dos planos municipais e estaduais de educação, que estabelecem as metas educacionais para os próximos dez anos. A maioria está sendo feita sem a participação da sociedade”.
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De 16 a 22 de outubro de 2003
NACIONAL EXPORTAÇÕES
EUA manipulam mercado da soja Lauro Jardim de São Paulo (SP)
M
aior produtor mundial de soja, os Estados Unidos não se limitam a impor barreiras à entrada de produtos agrícolas importados, dificultando a vida de países exportadores como o Brasil. As previsões de plantio e colheita das safras, sob responsabilidade do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), equivalente ao Ministério da Agricultura brasileiro, influenciam todo o mercado mundial, derrubando preços, quando há supersafras, ou puxando para cima as cotações da soja e de outros grãos ao redor do mundo, quando há quebra de produção. Nas duas últimas safras, pelo menos, aquelas previsões têm sido claramente manipuladas pelo governo estadunidense, de forma a favorecer suas exportações e ampliar os ganhos de exportadores e produtores do país. A colheita da soja nos Estados Unidos acontece no segundo semestre de cada ano, com o grão entrando no mercado mundial a partir de setembro. Usualmente, o pico de oferta da soja estadunidense (mais de 74 milhões de toneladas no ano passado) ocorre entre outubro e dezembro, coincidindo exatamente com a entressafra no Brasil e Argentina, que realizam o plantio da soja na mesma época, e colhem a safra no primeiro semestre. Os EUA são responsáveis por quase 40% da oferta mundial de soja, e qualquer mudança nas previsões de sua safra afetam pesadamente todo o mercado.
PRIMEIRO DERRUBA... Em julho, o Departamento de Agricultura divulgou sua primeira previsão para a safra que os Estados Unidos ainda estão colhendo, apontando uma produção de 78,5 milhões de toneladas, quase 6% a mais do que a safra passada (74,3 milhões de toneladas). Os números do USDA projetavam uma produção mundial de 207,5 milhões de
Mauro Zafalon/ Folha Imagem
Quando as safras brasileira e argentina são comercializadas, as previsões estadunidenses derrubam as cotações
Há décadas, os Estados Unidos fazem os preços da soja oscilarem de acordo com a conveniência de seus produtores e exportadores
toneladas, mais de 13,5 milhões de toneladas acima da soja colhida em 2002, em todo o mundo. Dois meses depois, às vésperas do início das exportações estadunidenses, o mesmo USDA revisou seus números, reduzindo a safra estadunidense para 71,9 milhões de toneladas, simplesmente 6,6 milhões de toneladas a menos, o que derrubou a previsão mundial para 201 milhões de toneladas (quase 6,5 milhões a menos). Até ali, os preços da soja no mercado internacional, regulados pela Bolsa de Chicago (maior bolsa de mercadorias do mundo), vinham baixando, atingindo praticamente US$ 190 por tonelada (R$ 545 por tonelada ou R$ 32,70 por saca de
60 quilos) no final de julho – queda de quase 20% desde abril. A queda, não por coincidência, aconteceu no mesmo período em que Brasil e Argentina exportaram o grosso da safra. Depois da revisão patrocinada pelo USDA, os preços da soja, claro, voltaram a subir, saindo de US$ 216 no início de setembro, para US$ 229 (cerca de R$ 657 por tonelada ou R$ 39,40 por saca) – um aumento de 6% em uma semana, e praticamente 20% acima dos níveis observados no final de julho.
...DEPOIS PUXA No começo de outubro, os preços internacionais da soja alcançaram a faixa de US$ 250 por tonelada (R$
717,50), uma alta de 31,3% desde 31 de julho. Está mais do que claro que os produtores e exportadores estadunidenses, que já recebem subsídios de bilhões de dólares, serão duplamente favorecidos – primeiro, pelos incentivos distribuídos pelo governo e, agora, pelo aumento dos preços externos, por conta da manipulação promovida pelo Departamento de Agricultura. Para quem acha que tudo não passa de mais uma teoria conspiratória, relembre-se o que aconteceu no ano passado. Também em julho de 2002, o USDA apresentou ao mercado sua primeira previsão para a safra 2002/2003, colocando a produção estadunidense em 77,8
milhões de toneladas, e estimando uma safra mundial de 189,4 milhões de toneladas. Em agosto, houve um corte de 6 milhões de toneladas naquelas previsões, o que reduzia a safra de soja dos EUA para 71,5 milhões de toneladas. Os preços, que giravam em torno de US$ 170 por tonelada em maio, pularam para US$ 216 em setembro, num avanço de 27%. Em janeiro, mais de dois meses depois de concluída a colheita estadunidense, o USDA corrigiu seus números, elevando a produção de soja dos EUA para 74,3 milhões de toneladas – quase 4,5% abaixo da previsão original, mas 2,8 milhões de toneladas a mais do que a previsão anunciada em agosto de 2002.
GUERRA FISCAL
A contabilidade da verdadeira farra promovida pelos governos estaduais nas últimas semanas ainda está para ser fechada. As primeiras estimativas indicam que os incentivos aprovados por quase todos os Estados podem variar de R$ 16 bilhões a R$ 22 bilhões, ou R$ 24 bilhões nos próximos 11 anos, algo como R$ 1,4 bilhão a R$ 2,2 bilhões por ano. Num festival de doações, gentilmente patrocinado pelo contribuinte, os governadores aproveitaram o que parecia ser a última janela para aprovação de privilégios fiscais, para desviar bilhões de reais da arrecadação de impostos, diretamente para os cofres de grandes empresas e grupos econômicos. Segundo a proposta de reforma tributária que inicia sua tramitação no Senado, o dia 30 de setembro deveria ser a data final para a contratação de benefícios fiscais por empresas supostamente interessadas em realizar projetos de investimento nos Estados. A partir dali, as vantagens recebidas teriam prazo de 11 anos. Houvesse a informação correta ao contribuinte, seria possível prever reações ao ataque promovido aos cofres públicos, com aberta colaboração e estímulo escancarado de governadores que decidiram leiloar o futuro de seus Estados. O que não parece ter ficado claro para a opinião pública, ainda hoje, é que a redução e o perdão de impostos são pagos diretamen-
te pelo contribuinte, pelo cidadão comum, sob a forma de serviços de educação e saúde de baixa qualidade, filas e maus-tratos nos postos de atendimento à população, falta de pessoal e paralisação de obras vitais para os Estados, por falta de recursos. E, finalmente, mais concentração da renda.
Fernando Vivas/Agência A Tarde/AE
Doações com dinheiro do contribuinte
BENESSES A guerra fiscal entre os Estados traduz-se, portanto, na distribuição de benesses fiscais e de outras vantagens não confessadas pelos governos, que, sintomaticamente, preferem manter em segredo todas as concessões asseguradas a empresas privadas – como se não fosse obrigação dos governantes prestar contas sobre a destinação e o uso que se dá ao dinheiro dos impostos, do contribuinte, de todos nós. “Essa é a guerra fiscal. Política hoje transformada em verdadeiro leilão de benesses sem qualquer amparo constitucional, que tem no âmbito de isenções, reduções e diferimentos (adiamento) do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) o principal responsável pelo imenso volume de incentivos fiscais oferecidos aos empreendimentos produtivos”, afirma Kátia Cibele Graeff Perius, do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Para o economista Manuel Salgueiro Rodrigues Júnior, que estudou dois casos concretos de incen-
Ministro Furlan, na fábrica da Ford, em Camaçari (BA), mais uma das beneficiadas
tivo a empresas do setor de fiação e tecelagem no Ceará, embora ache algum tipo de ganho local, a “guerra fiscal causa prejuízos à federação como um todo”, já que esta tenderá a arrecadar menos impostos. Adicionalmente, políticas de incentivo em geral produzem um “aumento contínuo dos custos para manter a indústria na região, o que pode caracterizar dependência da empresa em relação aos incentivos fiscais”. Mas há outros inconvenientes, como as distorções causadas pelos incentivos na concorrência entre empresas, favorecendo deslealmente aque-las escolhidas para receber os incentivos, que podem ganhar mercados ou ampliar lucros mais
facilmente, expulsando empresas menores do mercado, causando o fechamento de empregos – já que, em geral, os benefícios favorecem indústrias de maior porte, deixando migalhas para pequenas e médias empresas.
ABSURDOS O Rio de Janeiro abriu a fila ao encaminhar e obter a aprovação da Assembléia Legislativa de nove projetos, todos concedendo algum tipo de benefício fiscal (isenção ou redução de impostos) a empresas. Entre absurdos do gênero, o Estado isentou de impostos todas as operações de entrada e saída de mercadorias realizadas nos portos do
Estado por empresas fluminenses. Minas Gerais, por meio de decretos, concedeu isenções a 138 empresas, abrindo mão de uma arrecadação estimada em R$ 20 milhões. O governo de Santa Catarina aprovou projeto que isenta a AmBev, maior grupo fabricante de cervejas e refrigerantes da América Latina, de recolher 75% do ICMS durante 10 anos. Pior: a empresa não precisará devolver o imposto ao Estado, o que transforma o benefício em perdão quase total. O governo petista de Mato Grosso do Sul prorrogou por até dez anos todos os benefícios concedidos a 179 empresas, abrindo mão de 65% do ICMS naquele período. No Rio Grande do Sul, mais 91 empresas poderão se apropriar de 67% do ICMS também durante uma década. A General Motors, que já havia recebido privilégios incríveis, no passado, poderá usá-los novamente quando, e se, decidir ampliar sua fábrica no Estado. Na Paraíba, mais 100 projetos e/ou empresas foram beneficiados à última hora. Em Goiás, o governo pressionou e conseguiu aprovar, em 10 horas, um pacote de benefícios, votados na madrugada pela Assembléia Legislativa. Foram concedidas reduções de impostos para empresas de medicamentos, agroindústrias e outras. Além disso, foram aprovados pelo menos créditos de R$ 1,2 bilhão a 45 empresas, que poderão adiar por até mais 11 anos o pagamento de 73% do ICMS. (LJ)
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NACIONAL PETROBRAS
Uma luta memorável do povo brasileiro
Brasil de Fato – Participante ativa da campanha, a senhora pode contar essa epopéia do povo brasileiro? Maria Augusta Tibiriçá – Para contar essa história, escrevi um livro, que os interessados podem procurar nas bibliotecas, porque está esgotado. “O Petróleo é Nosso – A Luta contra o Entreguismo e pelo Monopólio Estatal”, prefaciado pelo saudoso senador Severo Gomes, foi lançado pela Editora Vozes, em 1983. BF – É verdade que a senhora estava grávida durante a campanha? Maria Augusta – Eu tive quatro filhos durante a campanha. Minha filha costuma brincar dizendo que ela é derivada do petróleo. O pior era viajar, deixando os filhos pequenos. Na introdução do meu livro, digo que a parte mais difícil era essa. Um dia, um dos meus filhos disse que quando crescesse ficaria muito ao lado dos filhos. Me dava um nó na garganta. Aí eu disse: quando mamãe viajava era para defender o petróleo. “Então por que você não dizia que era essa a finalidade?”, perguntou uma vez o mais velho. BF – Quais os jornais que mais deram cobertura à campanha? Maria Augusta – Imprensa Popular, do Partido Comunista, e o Diário de Notícias, de Orlando Dantas. Um dia, eu estava com o general Felicíssimo Cardoso e passávamos em frente do Radical. Sugeri que subíssemos à redação. Fomos muito bem recebidos, chamaram repórteres, nos fotografaram. No dia seguinte, as nossas fotos saíram com todo destaque, na primeira página, com os dizeres: “Encham-se os cárceres, mas os patriotas defenderão o petróleo”. BF – Que fatos a senhora mais lembra deste período? Maria Augusta – Os jovens tiveram um papel muito importante. Depois que o general Horta Barbosa lançou a tese do monopólio estatal do petróleo, em setembro de 1947, os estudantes foram para as ruas. Hoje, queremos que os jovens conheçam essa história e se integrem na luta, não só em defesa da própria Petrobras, como da soberania nacional e de outras riquezas do Brasil que estão sendo vilipendiadas. Em fevereiro de 1948, o presidente Eurico Gaspar Dutra enviou ao Congresso o Estatuto do Petróleo, altamente lesivo aos interesses nacionais. Eu atuei muito na propaganda e no intercâmbio com os Estados. Elaboramos volantes para esclarecer a opinião pública, e foi isso que conseguiu mobilizar o povo em todo o país. No dia 4 de abril de 1948, foi lançado, na Associação Brasileira de Imprensa, o Centro de Estudos em Defesa do Petróleo. Em junho de 48, no Rio, foram realizados 21 comícios, concorridíssimos. BF – E na época, o Brasil não
BF – Como a jovem Maria Augusta se engajou nesta campanha? Maria Augusta – A rigor, comecei nas lutas sociais aos 10 anos, porque minha mãe, Alice Tibiriçá, era uma combatente. Na época, havia várias uniões femininas de bairros e centros democráticos: a Liga Antifascista do bairro da Tijuca, presidida pelo general Euclides Figueiredo; o Centro Democrático do Catete-Laranjeiras, o qual era presidido pela minha mãe e integrado entre outros, pelo vice-presidente da República, Café Filho e por mim. Considero a campanha do “Petróleo é Nosso” como a maior página da história já vivida pelo povo brasileiro. A luta foi intensa. Em 1951, a II Convenção Nacional de Defesa
Com a criação da Petrobras, Getúlio Vargas atraiu a ira das transnacionais Divulgação
A
história mostra que nas lutas do povo brasileiro a mulher sempre teve uma participação de destaque. Como a da médica Maria Augusta Tibiriçá, 86 anos, ativa participante da campanha “O Petróleo é Nosso”. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ela conta como foi a luta que culminou com a assinatura, por Getúlio Vargas, da Lei 2004, que criou a Petrobras.
estava integrado pelas comunicações, como hoje. Maria Augusta – Sim. Enquanto no Rio foram 21 comícios e dez conferências em locais fechados, em São Paulo, ocorreram 31 comícios e muitas tantas conferências. Isso dá uma idéia de como a campanha prosperou, mesmo sem a mídia. Mas, na verdade, nunca podíamos contar com ela, como até hoje. Tínhamos o Jornal de Debates, dirigido pelo Marcos Pimenta, que abriu uma página central para noticiar a campanha. Mas tivemos que criar nosso próprio jornal, o Emancipação.
“Hoje, queremos que os jovens conheçam essa história e se integrem na luta, não só em defesa da própria Petrobras, como da soberania nacional e de outras riquezas do Brasil que estão sendo vilipendiadas”, defende a médica Maria Augusta Tibiriça
do Petróleo reafirmou as posições da I Convenção contra o Estatuto do Petróleo apresentado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, contra a entrega de refinarias, e contra a instalação de uma grande refinaria no Pará. Esta acabou indo para Cubatão. BF – Foi árduo o caminho até a criação da Petrobras... Maria Augusta – O Estatuto do Petróleo não vingou. Eleito presidente, Vargas enviou para a Câ-
mara o anteprojeto da Petrobras, que não era o ideal, pois tinha muitas brechas, como permitir a participação no setor de entidades organizadas no país. Ora, estas podiam ser estrangeiras, desde que se organizassem no Brasil. Daí a importância de se conseguir, depois, a distinção entre empresa brasileira de capital nacional, e estrangeira. De 1951 para 1952, o projeto correu na Câmara. Finalmente, Getúlio Vargas chamou os parlamentares que constituíam
Meio-ambiente incomoda muita gente Luís Brasilino da Redação Licitações para prospecção e exploração petrolífera na região dos Abrolhos (BA) foram suspensas pela Justiça federal até o julgamento de ação civil pública movida pelo Ministério Público (MP) Federal contra a Agência Nacional de Petróleo, responsável pelas concorrências. A ação é baseada em estudo de sensibilidade ambiental, segundo o qual a atividade petrolífera na região poderia ser muito prejudicial à diversidade biológica de Abrolhos, a maior do Brasil. Para Guilherme Dutra, responsável pelo Programa Marinho do Conservation International do Brasil (entidade que, ao lado de mais cinco organizações não-governamentais, realizou os estudos), as atividades sísmicas, necessárias para mapear o fundo do oceano, afetariam a audição de peixes e mamíferos, desorientando-os e, em certos casos, causando a sua morte. A segunda etapa da extração, a perfuração, lançaria
substâncias tóxicas na água. Já a produção (extração e transporte), em caso de vazamento, poderia devastar toda a fauna e a flora da região. Este estudo também foi encaminhado aos Ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia. E, diz Dutra, as autoridades concluíram que, “com a tecnologia existente hoje, não valeria a pena fazer uma atividade com esse risco”.
SUJEIRA Sérgio Dialetachi, coordenador da Campanha de Energia do Greenpeace Brasil, faz um alerta: “a indústria petroleira, em geral, é suja” e os cuidados com o meio ambiente precisam ser permanentes. Mas, “a necessidade de bater recordes atrás de recordes acabou tornando a Petrobrás mais relaxada”, acrescenta o ambientalista. Nas comemorações dos 50 anos da empresa, o presidente Lula prometeu que, ao fim de seu mandato, em 2006, o Brasil será auto-suficiente na matéria-prima. Para atingir o objetivo, o plano estratégico 2003-2007 da empresa
prevê investimentos de 29,2 bilhões de dólares na construção, montagem e aquisição de materiais. E não mais do que 3% desse valor, ou 948 milhões de dólares, vão se destinar ao Programa de Excelência em Gestão Ambiental e Segurança Operacional (Pegaso). Nem tudo na história da Petrobras são glórias, pelo menos em relação ao meio ambiente. Além da emissão de gases poluentes na atmosfera, pelo menos dois grandes desastres sujaram de óleo a trajetória da estatal. A tragédia da Vila Socó, em Cubatão (SP), foi em 1984. Num incêndio causado pelo vazamento de milhares de litros de gasolina por baixo da favela de Vila Socó, mais de 100 pessoas morreram, de acordo com relatos dos sobreviventes. Na Baía da Guanabara, 1.300 metros cúbicos de óleo escaparam de um duto da empresa, em janeiro de 2000. Os prejuízos não foram contabilizados, mas sabe-se que o desastre resultou na morte de peixes, aves, moluscos e da vegetação local. A região só deve se recuperar em dez a 15 anos. Arquivo BF
Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)
Mário Jacobskind
A mobilização em defesa do monopólio durou anos até a criação da estatal. Mas os combatentes continuam alertas
A Baía de Guanabara, no Estado do Rio de Janeiro, vai levar de dez a 15 anos para se recuperar do desastre provocado pelo vazamento de óleo de um duto da empresa, em janeiro 2000
o embrião da Frente Parlamentar Nacionalista, e eram ligados ao Centro Nacional de Petróleo. Durante a tramitação do projeto da Petrobras, houve três substitutivos: um do deputado Euzébio Rocha, do PTB, outro do deputado Bilac Pinto, da UDN; e um de Osvaldo Fonseca. Apoiamos os três, ressalvando que o mais completo era o de Bilac Pinto, que pedia o monopólio estatal para todas as fases da indústria. Mas foi o substitutivo de Euzébio Rocha que baseou o acordo final. Getulio propunha que se mantivesse o nome Petrobras. No Senado, o projeto foi aprovado com a inclusão dos contratos de risco. Quando voltou para a Câmara, o deputado Arthur Bernandes fez um discurso contundente, em 15 de setembro de 1953, onde dizia que entregar o petróleo aos trustes justificaria por si só uma revolução. Finalmente, a 3 de outubro de 1953, Getúlio sancionou a Lei 2004, criando o monopólio estatal de petróleo. BF – A história, portanto, mostra que desde o início os trustes, hoje as transnacionais, sempre estiveram de olho neste filão... Maria Augusta – Exato. Com a assinatura da Lei 2004, Getúlio atraiu a ira dos trustes sobre ele. Pouco tempo depois, a crise, a Carta Testamento e o seu suicídio. O Centro de Estudos em Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, então presidido pelo general Felicíssimo Cardoso, tio de Fernando Henrique, lançou nota oficial dizendo, no final, que nos regozijávamos pela vitória alcançada mas, ao mesmo tempo, lançávamos um brado de alerta: a campanha do petróleo prosseguia, pois o inimigo voltaria a investir. Foram seis anos de luta até a assinatura da lei, e continuou. BF – E hoje, quem diria, o próprio FHC contribuiu para enfraquecer a Petrobras. Quem diria, porque ele participou da campanha junto com o tio e o pai, e 40 anos depois fez coisas lesivas aos interesses da empresa. Maria Augusta – Sim. Tivemos uma segunda etapa de mobilização, na Constituinte, com a participação dos trabalhadores da Petrobras. Foi quando conseguimos a ordem econômica da Constituição de 1988, e os dispositivos da Lei 2004 foram praticamente inseridos nela, proibindo-se os contratos de risco, além de caracterizar nitidamente o que era empresa nacional de capital nacional e empresa nacional de capital estrangeiro. O povo brasileiro e os trabalhadores comprovaram, nestes 50 anos, que a nossa tese era justa.
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NACIONAL PETROBRAS
Afinal, a empresa provou sua competência P
ara chegar ao seu porte atual, a Petrobras teve de enfrentar resistências internas e as das transnacionais, que nunca se conformaram com a sua existência. Ao fazer um balanço da empresa, não se pode deixar de destacar o papel dos petroleiros e da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), criada há 40 anos. Com 4.500 associados a Aepet pretende que a Petrobras deixe de ser uma empresa financeira e volte a ter duas finalidades: manter o petróleo sob controle dos brasileiros e abastecer o país aos menores custos para a sociedade. Lamentavelmente, isso sumiu do planejamento estratégico da empresa, observa o engenheiro Fernando Siqueira, presidente da Aepet, em entrevista ao Brasil de Fato. Brasil de Fato – Que balanço o senhor faria destes 50 anos? Fernando Siqueira – Quando a empresa começou a operar, o país tinha reservas de 15 milhões de barris e uma capacidade de refino de 2.500 barris por dia. Hoje, as reservas passaram para 15 bilhões de barris, ou seja, aumentaram mil vezes. A capacidade de refino é de 1,8 milhão de barris diários. A Petrobras tem 75 plataformas fixas e 40 flutuantes, 11 refinarias no Brasil, quatro no exterior e uma produção de 2,1 milhões de barris por dia. Um avanço considerável. A Petrobras fez convênios com muitas universidades, absorvendo e repassando tecnologia para o mercado nacional. Chegou a ter 5 mil fornecedores de equipamentos com tecnologia de ponta, que concorriam com os melhores do ramo em todo o mundo.
até a privatizar a refinaria Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul, vendendo 30% dela para a Repsol da Argentina, via troca de ativos. A idéia era fazer o mesmo com a refinaria Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e as demais. BF – Depois do furacão FHCReichstul, ainda há o risco de privatização? Siqueira – Há, porque um grupo remanescente desse governo fatídico continua na Petrobras. Temos esperança que a empresa resista porque, o governo Collor, querendo desmantelá-la, em dois anos mudou seis presidentes e 26 diretores. Foi um terremoto ao qual a empresa conseguiu resistir pela capacitação de seus técnicos. Mas Reichstul atingiu duramente esse grupo de técnicos quando o fragmentou, espalhando gente pelas 40 diferentes unidades. Isso enfraqueceu muito o poder tecnológico da empresa e vai levar um bom tempo para que volte a ser o que era. Os técnicos, hoje, estão em cargos burocráticos. Foi um trabalho pernicioso para desmantelar e desnacionalizar a empresa. Ela está resistindo, mas a nova administração ainda mantém boa parte desse pessoal remanescente da era Reichstul. BF – Como o Reichstul atingiu seus objetivos? Siqueira – Ele duplicou o salário dos gerentes, que ganhavam em torno de R$ 10 mil a R$ 12 mil por mês, e passaram a ganhar por volta de R$ 30 mil. Se perdessem os cargos, voltariam a receber os salários antigos. En-
tão, todos passaram a defender as idéias de Reichstul e impregnaram-se da catilinária de que a Petrobras tinha que ser uma empresa financeira, dar lucro, ir para o exterior. BF – Nesse caso a mídia também entra no jogo? Siqueira – Sem dúvida. A mídia tem interesse em que esse pessoal permaneça, porque são os responsáveis pelo processo de desnacionalização. Esse grupo se reúne semanalmente para conspirar. Tivemos o geólogo Guilherme Estrela nomeado para diretor da área de exploração e produção, que é a mais importante, e ele sofreu vários ataques da imprensa. O gerente-geral da Bahia, Antonio Ribas, foi escolhido pelos sindicatos e parlamentares por sua competência (tem mestrado e doutorado em gestão de negócios) e sofreu uma carga fortíssima. Inclusive do deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), porque suspendeu a venda de campos maduros na Bahia, ou seja, que estão produzindo há muito tempo. Na gestão passada, alguns desses campos ainda não eram
“O governo Fernando Henrique Cardoso não só promoveu a abertura comercial, dificultando a sobrevivência dos empresários nacionais, como ainda criou um decreto que isenta empresas estrangeiras do imposto de importação”, diz Fernando Siqueira
maduros, mas tinham boa produção. O Opportunity, do empresário financeiro Daniel Dantas, andou arrematando esses campos e o David Zilberstein também está por trás disso. Quando o Ribas e o Estrela suspenderam a venda, houve uma reação muito grande, porque o lobby do Opportunity queria comprar os campos baratos, e produzir usando as instalações da Petrobras. BF – Como presidente da Aepet, o senhor poderia explicar como está o quadro atual dos trabalhadores da empresa? É grande o número de terceirizados? Siqueira – A política de pessoal é predatória. Quando a YPF argentina foi privatizada, tinha 37 mil empregados. Depois, foi enxugada e ficou com 7 mil. Trinta mil foram contratados como terceirizados e com o salário pela metade, sem nenhuma garantia social. Foi uma débâcle no corpo técnico da empresa. Estavam fazendo o mesmo na Petrobras. Tínhamos 60 mil empregados no início da década de 90, produzindo em torno de 800 mil barris diários. Hoje, estamos com 34 mil, assim mesmo porque entraram 4 mil novos, e 116 mil terceirizados. BF – Como é o regime do terceirizado? Siqueira – O terceirizado, desculpe a expressão, é uma vítima do gigolô de mão-de-obra, que aluga o trabalho do empregado, não investe nele, não dá treinamento,
Walter Firmo
Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)
Alessandra Bandeira
Apesar de resistências de toda ordem, e mesmo da sabotagem, a petrolífera nacional está entre as maiores do mundo
BF – Mas isso se manteve? Siqueira – Lamentavelmente, esse conjunto de indústrias foi praticamente extinto no governo Fernando Henrique Cardoso quando ele não só promoveu a abertura comercial, dificultando a sobrevivência dos empresários nacionais, como ainda criou o Repetro, ou seja, um decreto que isenta empresas estrangeiras do imposto de importação. Criou-se o instituto da importação temporária de equipamentos que vão ficar no Brasil por 30 anos. Com isso, a indústria nacional de equipamentos de petróleo foi praticamente arrasada perdendo-se empregos da maior qualificação. Muitos dos empregados dessas empresas se transformaram em vendedores ou corretores de imóveis. Perdeu-se uma tecnologia na qual o país investiu maciçamente em treinamento de pessoal. Uma perda irreparável e praticamente sem volta. BF – E a tecnologia da empresa? Siqueira – Vale lembrar, também, que nesse meio tempo, a tecnologia que a Petrobras desenvolveu e repassou para a nossa indústria ganhou dois prêmios internacionais. A tecnologia gerada na empresa foi muito atacada na administração Henri Philippe Reichstul, que seguiu a orientação do Crédit Suisse-First Boston no governo Fernando Collor. Pretendendo vender a Petrobras, o então presidente recebeu a sugestão de privatizá-la gradativamente, a começar pelas subsidiárias, o que conseguiu. Por isso o Reichstul dividiu a Petrobras em 40 unidades de negócios e pretendia transformar cada uma delas numa subsidiária para privatizar. Chegou
assistência médica, nem apoio nenhum. O fornecedor de pessoal quer apenas dinheiro às custas do terceirizado, que exerce funções estratégicas. Chegamos a ter empresas trabalhando fiscalizadas por terceirizadas. Ou seja, o fiscal da própria empresa a fiscalizava. Uma distorção completa. BF – De que forma isso afeta a Petrobras? Siqueira – Afeta à medida que coloca em risco os serviços. O baixo treinamento, o baixo nível de tranqüilidade desses empregados faz com que a qualidade dos serviços piore. Tivemos uma série histórica de 17 acidentes, em 23 anos. A partir da gestão do Reichstul, tivemos nove acidentes em 1999, 34 em 2000 e 22 em 2001, incluindo aí a P-36 da Bacia de Campos. Além de ser um problema conseqüente da privatização, também suspeito que esses acidentes foram provocados por sabotagem, já que se pode colocar o sabotador ou sabotadores no meio desses terceirizados. Nessa questão de terceirização também teve muito nepotismo. Gerentes e empregados começaram a contratar parentes e amigos através de firmas fornecedoras de mão de obra, as terceirizadas. A Aepet está cobrando da diretoria da empresa, mas o departamento jurídico diz que os contratos em andamento não podem ser suspensos. Além disso, há funções estratégicas como produção de petróleo e inspeção de equipamentos, que estão sendo terceirizadas para uma mão-de-obra não completamente treinada. Isso põe em risco a operação do nosso sistema. BF – E os acidentes com as plataformas? Foram sabotagem? Siqueira – Sim. A melhor forma de você jogar uma empresa contra a opinião pública é fazer derrame de óleo, sujar o meio ambiente. Denunciei no Senado quando houve o afundamento da P-36. No dia seguinte, acabaram os acidentes. Eu levei a questão para o Ministério Público, para a Marinha, mas, infelizmente, não temos tido um bom retorno. O Ministério Público do Rio de Janeiro é muito ruim. Mandei um dossiê com os indícios de sabotagem, inclusive seis providências inexplicáveis tomadas com a Plataforma P-36 que um técnico com o mínimo de conhecimento não tomaria. Juntas, essas decisões afundaram a plataforma. Eles responderam que não havia provas evidentes. Ora, quem investiga é o Ministério Público. Se eu tivesse as provas não precisava mandar para lá.
Plataforma central fixa de Enchova na Bacia de Campos (RJ): acidentes podem ter sidos causados por sabotagem
BF – E a mídia, em relação à Petrobras? Siqueira – Em 1994/95 houve uma campanha insidiosa contra a Petrobras. A Veja, por exemplo, fez uma matéria de dez páginas, me entrevistou e ao presidente anterior da Aepet, vários diretores da empresa e não fez uma linha de elogios. Só paulada. Fizemos uma réplica que eles se recusaram a publicar. Entramos na Justiça. A Petrobras fez também uma réplica ponto por ponto e a revista também não publicou. Transformou isso em anúncio para ser pago e a Veja não aceitou dizendo que não podia se desmoralizar perante os leitores.
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De 16 a 22 de outubro de 2003
NACIONAL REFORMA AGRÁRIA
Plano prevê assentar 1 milhão de famílias da Redação
A
ssentar 1 milhão de famílias em quatro anos e, com isso, gerar 3,5 milhões de empregos é a principal proposta do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai receber nos próximos dias. Cumpridas as metas estabelecidas pelo plano, os trabalhadores rurais sem-terra – e, hoje, sem renda – atingiriam um rendimento médio mensal de 3,5 salários mínimos. Os objetivos da reforma agrária do governo Lula, portanto, ultrapassariam a simples redistribuição de terras para combater os dois principais problemas nacionais: a pobreza e o desemprego. Encarregado pelo governo de elaborar o PNRA, que dará prioridade para a implantação da reforma agrária em áreas onde estão as maiores concentrações de latifún-
Douglas Mansur
Será entregue nos próximos dias o Plano Nacional de Reforma Agrária, elaborado a pedido do presidente Lula
Plano pretende acabar com a grilagem e a farra de latifundiários “premiados” pelas desapropriações
dios do país, o jurista Plínio de Arruda Sampaio, consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, em inglês), montou seis grupos com mé-
dia de 40 técnicos e especialistas. Segundo apuração feita pelo Brasil de Fato, o plano tem como elemento básico as desapropriações por interesse rural e reformula o
cálculo do valor da terra. Essa revisão foi feita a partir de estudos que comprovaram a necessidade de corrigir o preço da terra. “É preciso impedir que as desapropriações se
tornem um prêmio para o dono da terra improdutiva”, comentou uma fonte especializada. Está sendo sugerida, também, a redução do tempo para a desapropriação. Outras precauções do novo plano são o combate à grilagem e a regularização dos títulos por meio de um levantamento rigoroso de dados. Os integrantes da equipe responsável pelo plano entendem que, com a tecnologia disponível, hoje, é um absurdo o governo não saber exatamente onde estão as terras improdutivas. Uma novidade de interesse dos novos assentados é o estabelecimento de um prazo de três anos para que o pequeno agricultor faça sua opção definitiva pela modalidade de posse da terra. Segundo o novo plano, os assentados poderão escolher entre – parcela familiar – modo coletivo e modo misto, que mescla as duas opções anteriores.
Jorge Pereira Filho da Redação Brasil de Fato - Quais seriam os impactos de uma reforma agrária na sociedade? Ariovaldo Umbelino de Oliveira - A reforma agrária é o caminho para corrigir a estrutura fundiária extremamente concentrada do país. No Brasil, segundo estatísticas de 1998, as propriedades com mais de 1 mil ha (1,6%), somam mais de 220 milhões de hectares. Enquanto existem menos de 70 milhões de hectares ocupados com propriedades inferiores a 100 ha (85,3%). Inclusive, as propriedades com mais de 5 mil ha (0,2% ou menos de 8 mil imóveis) detêm mais de 100 milhões de hectares. É uma estrutura fundiária com os maiores latifúndios que a história da humanidade já registrou. E, quando se aplica a Lei nº 8629/93, que define se a terra é produtiva ou improdutiva, verifica-se que entre as grandes propriedades apenas 30% são produtivas, enquanto 70% ou mais de 166 milhões de hectares, são improdutivas. BF - Qual a relação que essa reforma poderia ter com o problema do desemprego, com o desenvolvimento de mercado interno? Oliveira - A reforma agrária é a alternativa mais barata para geração massiva de emprego. No Brasil, o público potencial a ser atendido pela reforma agrária varia de 3 milhões a 5 milhões de famílias. Uma reforma agrária ampla e geral poderia gerar algo em torno de três empregos diretos e pelo menos mais dois indiretos. Uma proposta de 2 milhões de assentamentos poderia gerar rapidamente os dez milhões de emprego prometidos pelo governo. Quanto ao desenvolvimento do mercado interno, os efeitos seriam multiplicadores. Haveria aumento da produção de alimentos e o conseqüente aumento de oferta nas cidades. E a venda geraria uma massa de renda que ampliaria o mercado de consumo nas cidades onde os assentamentos fossem realizados. BF - A quem interessa a reforma agrária? Oliveira - A reforma agrária interessa aos camponeses e aos trabalhadores rurais que nunca tiveram terra à disposição na história do país. As terras sempre estiveram à disposição das elites que delas se apoderaram, sobretudo
Arquivo JST
Os pequenos produzem mais do que os grandes Quem é Estudioso dos movimentos sociais na zona rural, Ariovaldo Umbelino de Oliveira chefia o Departamento de Geografia e o Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo. É autor dos livros Modo capitalista de produção e agricultura (Ática), A agricultura camponesa no Brasil, A geografia das lutas no campo (Contexto) e Amazonia: monopólio, expropriação e conflitos (Papirus).
de forma ilegal. Uma análise dos processos de obtenção de terras na Amazônia Legal constata que a grilagem foi e é uma constante. Os camponeses somente tiveram acesso a uma pequena parte das terras, por meio de suas lutas. O grande exemplo atual foi o governo de Fernando Henrique Cardoso, que não elaborou um plano nacional de reforma agrária, mas foi pressionado pelos movimentos
sociais para fazer um número expressivo de assentamentos. BF - Recentemente, uma revista fez uma reportagem defendendo a tese de que não existem semterra no Brasil. O que o senhor acha disso? Oliveira - Uma parte da mídia é porta-voz das elites econômicofinanceiras ou das elites intelectuais que são contra a reforma
Aumentam os assassinatos de trabalhadores rurais Bruno Fiúza da Redação No ano em que os trabalhadores sem-terra intensificam a luta contra o latifúndio e os grandes proprietários rurais equiparam milícias particulares com armamento militar, os números da violência no campo batem recordes. Isso é o que mostra o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado dia 10, com levantamentos parciais do conflito agrário no período de janeiro a setembro de 2003. O dado mais expressivo aponta 60 assassinatos de trabalhadores rurais, o dobro do registrado no mesmo período do ano passado. Esse é o maior índice de assassinatos desde que a CPT passou a registrar as mortes no campo, em 1985. Constam, ainda, do relatório, 223 trabalhadores presos até agora, 40% além dos 158 presos ao longo de todo o ano de 2002. Após a divulgação do relatório da CPT, a Ouvidoria Agrária Nacional, órgão ligado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), divulgou o seu
relatório de conflitos, dia 13. Há uma grande diferença entre os números dos dois relatórios, no que se refere às ocupações de terra. A CPT indica 259 ocupações, até o final de setembro, enquanto a Ouvidoria Agrária fala em 191 ocupações no mesmo período. Apesar da divergência, a ouvidora substituta, Maria de Oliveira, não discorda dos números da CPT, pois a ouvidoria contabiliza dados da própria pastoral e dos movimentos de trabalhadores rurais. Segundo Maria, “algumas ocupações podem ter escapado”. O relatório da CPT traz também o número de novos acampamentos, considerado “impressionante” pela pastoral. São 147, contra 57 no mesmo período do ano passado. Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT, esclarece que os movimentos de trabalhadores rurais vêm se articulando cada vez mais em acampamentos, além das ocupações, desde que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso editou medida provisória que colocava as terras ocupadas indisponíveis para reforma agrária, por um período de dois anos.
agrária. Como se vê, para essa revista, ligada aos setores financeiros, a história do capitalismo se escreve pelo avesso. No Brasil existem, hoje, mais de 170 mil acampados. Não é possível compreender a história recente sem compreender os movimentos sociais dos sem-terra, quer queiram, quer não. BF - O que o senhor acha do argumento de que não há espaço para a agricultura camponesa, e sim para os empreendimentos com alta produtividade e alto grau de mecanização? Oliveira - É necessário apresentar dados para rebater essa posição de uma parte dos intelectuais brasileiros muitas vezes repetida pela mídia sem reflexão alguma. Vejamos os recentes levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): na pecuária, onde os grandes estabelecimentos dizem reinar absolutos, os pequenos estabelecimentos familiares detêm 37,7% do rebanho bovino, 78% dos caprinos, 55% dos ovinos, 87% dos suínos e 87% das aves. Enquanto isso, os grandes estabelecimentos têm
22% do rebanho bovino, 2% dos caprinos, 9% dos ovinos, 2% dos suínos e 1% das aves. Nas lavouras, a situação é semelhante. A diferença entre pequenos e grandes é de 55% para 15% no algodão herbáceo; 39% para 19% no arroz; 74% para 5% na batatainglesa; 79% para 5% no feijão; 90% para 1% na mandioca; 55% para 11% no milho; 60% para 4% no trigo; 85% para 1%,na banana; 75% para 1% no cacau; 70% para 2% no café e 51% para 11% na laranja. Portanto, quem mais produz alimentos são os pequenos estabelecimentos, não os grandes. Quanto à mecanização, pouco mais de 11% dos estabelecimentos agropecuários têm tratores e só 6% têm colheitadeiras – equipamentos concentrados nos grandes estabelecimentos. Ou seja, a tecnologia chegou aos grandes e médios estabelecimentos, mas quem produz mais alimentos são os pequenos. Os grandes proprietários detêm a terra como reserva patrimonial e de valor; as mantêm improdutivas. A reforma agrária vai ampliar a base produtiva. Só é contra quem quer continuar “escondendo” a terra improdutiva.
Distribuição de terras diminuiria conflitos Apesar do número de ocupações deste ano ser inferior aos de anos como 1998 e 1999, Lourival Plácido de Paula, da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em São Paulo, diz que 2003 foi marcado por um elemento novo e poderoso: “A esperança concreta da realização da reforma agrária por um governo de um partido surgido dos movimentos sociais”. Essa também é a análise de Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT. Ele esclarece que a reforma agrária prevista na constituição de 1988 não é um instrumento para remediar conflitos, mas uma reforma planejada, que envolve a desapropriação de terras. Isso é o que defende também Maria de Oliveira, ouvidora substituta da Ouvidoria Agrária Nacional, para quem o latifúndio é a origem dos conflitos no campo. Na opinião de Maria, os latifúndios devem ser penalizados, inclusive com confisco de terras, e é preciso cobrar dos grileiros as terras públicas tomadas por eles. Dom Tomás vê o crescimento
dos assassinatos de trabalhadores rurais como resultado de duas fontes de “repressão violenta”: uma comandada pelos latifundiários, por meio da criação de milícias armadas, e outra formada pelas alianças da elite com governos estaduais, que utilizam a polícia em ações de despejo e repressão. “A violência no campo é gerada pelos grandes latifundiários, que se armam diante de qualquer possibilidade de reforma agrária; de uma parcela conservadora do judiciário, que sustenta a impunidade nos conflitos do campo; e do próprio governo federal, na medida em que demora para lançar um plano nacional de reforma agrária”, afirma o religioso. A ouvidora Maria de Oliveira concorda com essa avaliação e reforça: “O maior equívoco do governo é não ter lançado ainda um plano de reforma agrária”. Apesar da demora, Plácido de Paula, diz que o MST ainda confia que o governo elabore e ponha em prática um plano nacional de reforma agrária, pois se trata de um compromisso assumido com a sociedade. (BF)
9 Ano 1 • número 33 • De 16 a 22 de outubro de 2003
SEGUNDO CADERNO LIVRE COMÉRCIO
Império pressiona por rendição à Alca Jorge Pereira Filho e Claudia Jardim da Redação
A grande mídia encampa a campanha pelo enfraquecimento das políticas externas brasileiras e cria boatos sobre o Itamaraty
G
Foto: Agência Brasil
rupos empresariais apoiados pelo capital estadunidense, agroexportadores e a grande mídia lançaram uma ofensiva contra o Ministério das Relações Exteriores: desencadearam uma campanha pela mudança de tom nas discussões da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A menos de um mês da reunião ministerial de Miami, nos Estados Unidos, querem fazer o governo aceitar um acordo abrangente e ambicioso. A sociedade organizada respondeu com um manifesto (veja o texto abaixo). “Lula ordena moderação na discussão da Alca”, “Brasil peita EUA: coragem ou estupidez?”, “Governo vai substituir negociadores da Alca”. Essas foram as manchetes dos jornais Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e da revista Veja. Para os jornais, no prazo de uma semana, o Brasil teria reorientado sua política externa com um discurso mais palatável e, a partir de agora, os ministros Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), Roberto Rodrigues (Agricultura) e Antonio Palocci (Fazenda) liderariam as negociações internacionais.
MUNDO REAL Na verdade, não foi isso que aconteceu. O porta-voz da Presidência, André Singer, reafirmou que a posição do Brasil é resultado de política interministerial e sua coordenação está a cabo do Itamaraty, como determinou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com Singer, não há posição pessoal nessa questão, mas sim uma posição de governo, que é executada pelos ministérios. O ministro da Casa Civil, José Dirceu, acrescentou: “O Itamaraty executa a política definida pelo governo. O presidente Lula é quem decide qual é a política externa do país”. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim reafirmou a sua posição, dizendo que o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, continuaria no cargo, apesar da pressão dos defensores da Alca, interessados em queimá-lo. “Quem comanda as negociações, por ordem do presidente Lula, sou eu. O dia em que tiver que tirar um negociador, tem que tirar a mim”, disse. Para Amorim, a Alca é um projeto geopolítico e vai além da discussão sobre livre comércio. Se a realidade não condizia com o que estava escrito nos jornais, por que as manchetes destacaram essa revolução nas negociações externas? “A imprensa burguesa, por ignorância, apóia a Alca e repete a defesa do livre comércio”, avalia a socioeconomista Sandra Quintela, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). Para Sandra, setores agroexportadores encampam essa campanha pelo acordo: “O Brasil vai bater um recorde na produção de soja e esse grupo de latifundiários acredita que pode ter acesso ao mercado dos EUA na Alca. Roberto Rodrigues e Furlan representam esse setor dentro do governo”. O Ministério da Fazenda também estaria participando dessa ofensiva contra uma posição soberana do Brasil nas negociações. O secretário de Assuntos Internos da Fazenda, Otaviano Canudo, afirmou, em entrevista ao Estado de S. Paulo, que voltou da reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) com o empenho de se envolver mais na questão da Alca.
O ministro Amorim (à dir.) e o embaixador Samuel Pinheiro (à esq.): pressão dos Estados Unidos
Elite atrelada aos EUA defendem acordo “Os Estados Unidos, descontentes, mobilizaram seus prepostos em seu país e no Brasil. Parte da elite prefere atender aos interesses estadunidenses. É lamentável”, opina o economista Paulo Nogueira Batista Júnior. Para a ativista estadunidense Lorri Wallach, representantes comerciais dos EUA estão divulgando boatos de que o Itamaraty teria sido “enquadrado”. A ativista afirma que, segundo esses funcionários da Casa Branca, o Brasil recuaria, na reunião de Miami, e aceitaria a proposta estadunidense. Para Nogueira Batista, a posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dependerá do jogo de pressões da sociedade. Mabel de Faria, da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), conta que a pressão dos
EUA já foi vista em outros países, como Bolívia e Colômbia. Ela acha que os ministros Furlan e Rodrigues contam com a grande imprensa para impor sua visão. “Não estranhamos a postura da grande mídia, que é favorável ao agronegócio. A Veja é completamente manipulatória e desinformada”, avalia Mabel. A revista citou a Rebrip, ao lado da Central Única dos Trabalhadores (CUT), como uma das convidadas a participar da reunião ministerial em Trinidad e Tobago, no início do mês. O texto se refere à Rebrip (integrada por dezenas de organizações não-governamentais, movimentos sociais e sindicatos) como uma entidade representante de indígenas. “Lamentamos que os índios não estejam entre os nossos filiados, e achamos que eles tam-
bém deveriam ser consultados nas negociações da Alca”, diz uma nota oficial da Rebrip. “Os empresários sempre participaram dos fóruns específicos de negociação da Alca. Outros setores da sociedade só começaram a participar a partir de março, quando o governo abriu o processo de negociação”, explica Gustavo Codas, assessor da Secretaria de Relações Internacionais da CUT. Para ele, o momento é crucial: “É de se esperar que setores da sociedade brasileira, vinculados ao capital estadunidense, tentassem a ofensiva. Estamos em um momento de luta política entre o que Lula anunciou na campanha e a vontade desses setores”.
PLEBISCITO OFICIAL De acordo com o sindicalista, a
posição do governo Lula dependerá da luta política que está sendo travada no continente. A CUT participa da campanha para que a sociedade se manifeste. “Esse debate com a sociedade civil deve se ampliar para uma consulta em um plebiscito oficial”, afirma Codas (leia artigo de Emir Sader na página 10). Para o economista Reinaldo Gonçalves, é inadmissível ministérios terem posições contrárias sobre a Alca. Para ele, ambos os lados estão equivocados: “Rodrigues, Furlan e Antonio Palocci copiam a agenda estadunidense e fazem seu jogo, o que é um absurdo. Amorim utiliza a tática dos EUA de aceitar a Alca, definindo alguns temas, o que é uma estratégia equivocada. O Brasil deve dizer não à Alca”. (JPF e CJ)
Organizações repudiam ataques Os movimentos sociais lançaram um manifesto em repúdio aos ataques contra o Ministério das Relações Exteriores (MRE). Assinam o texto a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), a Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (Rebrip) e a Via Campesina - Brasil. Veja os principais trechos. “As negociações sobre a criação da Alca chegam a um momento crucial. Alguns setores da imprensa, revelando desconhecer a dinâmica negociadora, optaram por atuar explicitamente em apoio aos interesses particulares de setores do empresariado e do agribusiness, veiculados por alguns ministérios e, ainda mais preocupante, aos interesses do governo dos EUA, atacando com argumentos ideológicos a estratégia formulada pelo Minis-
tério das Relações Exteriores. A estratégia do MRE tem como grande mérito a criação de uma perspectiva de longo prazo sobre a integração entre os interesses nacionais e as possibilidades da integração econômica internacional, ao contrário de estratégias sujeitas a interesses estreitos expressos por alguns outros ministérios que acompanham de perto as negociações. Consideramos que o processo negociador da Alca, tal como construído até aqui, apresenta enormes limitações aos interesses das maiorias sociais no interior de cada um dos países, e um risco potencial grave para projetos de desenvolvimento nacional. Em que pese a criatividade e altivez da estratégia do MRE, permanecer no processo negociador em curso implica fazer concessões progressivas para fugir de posições de isolamento, como mostrou a dinâmica da reunião de Trinidad e Tobago, nas quais o Bra-
sil e o Mercosul acabaram abrindo a possibilidade de discutir, mesmo com restrições, os chamados “novos temas” no âmbito da Alca. Ao acompanhar de perto o processo negociador, reforçamos ainda mais nossas convicções sobre os riscos nele envolvidos. Entre esses riscos estão a abertura para a discussão do tema investimentos no processo bilateral de negociações entre o Mercosul e os EUA, assim como em Cancún o governo brasileiro expressara sua disposição de discutir os chamados “novos temas” no âmbito da OMC. Estamos convencidos que o Brasil não pode correr o risco de, em nome de tentar ampliar o acesso ao mercado dos EUA, fazer concessões em áreas estratégicas para o desenvolvimento nacional. Consideramos que o governo dos EUA tem dado sucessivas demonstrações que não cederá precisamente onde estão os interesses dos setores exportadores
brasileiros: as restrições contidas no (TPA) Trade Promotion Authority, a Farm Bill, a necessidade de ganhar apoio para a próxima eleição presidencial em Estados que se beneficiam dos subsídios e das regras antidumping vigentes, e que os EUA demonstraram em Trinidad e Tobago sua decisão de não incluílos na mesa de negociações. Reafirmamos a posição de nossas organizações contrárias à criação da Alca. A participação em delegações oficiais é um passo muito importante para garantir a transparência do processo, inclusive para aqueles que a ele se opõem. Entretanto, essa participação e reconhecimento da transparência do processo não podem se confundir com o apoio político ao acordo em negociação, apoio este que só cabe ao conjunto da população brasileira se manifestar legitimamente, através da realização de um plebiscito nacional sobre a adesão ou não do Brasil à Alca.”
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AMÉRICA LATINA BOLÍVIA
Massacrado, povo exige saída de Lozada Fotos CMI
Protestos deixam cerca de 60 mortos e mais de 200 feridos. População não se intimida e exige fim da política neoliberal da Redação
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assacrada por forças policiais e do Exército, a população da Bolívia continua mobilizada e não desiste das manifestações pela renúncia do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. Os protestos, reprimidos com violência nos dias 12 e 13, resultaram na morte de cerca de 60 pessoas e mais de 200 feridos desde setembro. Várias cidades estão paralisadas. A opinião pública mundial ficou sensibilizada com as mortes de bebês na capital La Paz, em decorrência da falta de oxigênio, causada pelo colapso nos centros de saúde. A mobilização de vários setores sociais aumentou, depois da decisão do governo de exportar gás – a principal riqueza natural da Bolívia – a mercados da América do Norte por um porto chileno. O protesto foi imediato e deu origem a um movimento que, além de pedir a renúncia de Lozada, repudia a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). As organizações exigem também que os responsáveis pelas mortes ocorridas nos últimos conflitos não fiquem impunes e sejam julgados pela Justiça civil e militar, como vem ocorrendo com os militares implicados nas mortes de 12 e 13 de fevereiro. O ativista de direitos humanos Pablo Solón define a situação como uma “verdadeira insurreição popular” que tem seu epicentro em La Paz e na cidade de El Alto. Os manifestantes bloquearam ruas e estradas nas principais regiões do país. Os movimentos sociais abrangem desde organizações aymaras do altiplano até grupos quechuas, mineiros, professores, trabalhadores da saúde e dos transportes e padeiros em greve. Diretor da Fundação Solón,
organização de pesquisa e advocacia em La Paz, Pablo Sólon nega que a Bolívia enfrente uma guerra civil. “Na verdade, está acontecendo um massacre dentro do país, mas o governo pretende mostrar ao mundo que está defendendo a democracia de um golpe de Estado”, diz. Ele refere-se ao pronunciamento público do presidente no dia 12, que depois de ordenar a fortificação militar da sede do governo, assegurou que não renunciaria ao cargo e que poderia decretar estado de sítio.
DESIGUALDADE
Indígenas e trabalhadores pedem a renúncia do presidente Lozada e o fim do processo de privatização das estatais
Consórcio transnacional tem lucro de 2.400% Os conflitos na Bolívia têm origem clara: a miséria. No pequeno país, dois terços da população vivem abaixo do nível de pobreza e mais de dois milhões de pessoas literamente passam fome. Dos 8,8 milhões de habitantes, pelo menos três milhões não têm acesso a luz elétrica e água potável. Na década de 80, a Bolívia sofreu uma profunda recessão econômica. A explosão popular nasce da tentativa de evitar a entrega do gás a preços irrisórios a um conglomerado estrangeiro. O presidente Sánchez de Lozada – dono de um dos maiores grupos mineiros da Bolívia – foi presi-
dente entre 1992 e 1997, período em que colocou em prática um extenso programa de privatização. Dois dias antes de terminar seu mandato anterior, editou um decreto por meio do qual autorizava a privatização da exploração, transporte e comercialização do gás boliviano. O beneficiário foi o consórcio Pacific LNG, composto pelas transnacionais British Gas (BG), British Petroleum (BP) e Repsol/YPF Por cada dólar entregue ao Estado boliviano, por conta de impostos e regalias pela concessão da exploração de fontes de energia, o consórcio ganhará 24 dólares, caso
seja concretizado o projeto de exportação do gás boliviano para a América do Norte. As projeções da Pacific, apresentadas pelo presidente da British Gas, Edward Miller, estabelecem que a receita prevista para as transnacionais será de 1.369,6 milhão de dólares em média, anualmente, enquanto o pagamento de impostos e regalias ao Estado oscilará entre 40 milhões a 70 milhões de dólares. Em um prazo de 20 anos, período de duração do contrato de exportação, as transnacionais petrolíferas calculam ganhar mais de 27 bilhões de dólares.
ALCA
Emir Sader de São Paulo (SP) As declarações do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, sobre a necessidade de uma economia com um comércio exterior cada vez mais centrado nas exportações agrícolas implica negociar prioritariamente a participação do Brasil na Alca, para não ver afetada sua entrada no maior mercado importador do mundo – o norte-americano. Ao defender as posições – que Clovis Rossi bem caracterizou como de “quinta colunas”, tentando enfraquecer de dentro do governo as posições oficiais brasileiras em relação à Alca e ao Mercosul – Rodrigues evidenciou como a prioridade de uma ou de outra forma de integração ao mercado mundial, implica em modelos econômicos diferentes e até mesmo antagônicos e como a opção por uma ou outra prioridade têm implicações estratégicas sobre o futuro do Brasil, requerendo efetivamente a realização de um plebiscito oficial para que o povo brasileiro decida de forma direta sobre os seus destinos futuros. Um modelo que tem na exportação de produtos primários um de seus eixos fundamentais, aliado à liberalização econômica, que debilita a capacidade industrial e tem feito regredir a pauta exportadora brasileira e sua capacidade competitiva no mercado internacional, conduz o país obrigatoriamente na direção da Alca – com todas suas conseqüências negativas –, pela dependência que gera de um comércio exterior saturado e com preços sempre em baixa. Não por acaso os ministros da Agricultura e do Desenvolvimento
Renato Stockler
Brasil: é hora do plebiscito oficial
Os conflitos envolvem forças desiguais. De um lado está um exército bem equipado e, de outro, uma multidão armada de paus e pedras. Já começam a surgir dissidências. Apesar do discurso de unidade, um oficial do Exército revelou à Rádio Erbol que as Forças Armadas estão divididas. De um lado está o alto comando e, de outro, os jovens oficiais que “não são produto das ditaduras vividas na Bolívia”. O vice-presidente Carlos Mesa rompeu com o presidente, e o ministro do Desenvolvimento Econômico, Jorge Torres Obleas, renunciou ao cargo. Em contrapartida, Sánchez de Lozada recebeu total apoio da embaixada estadunidense e da Organização dos Estados Americanos (OEA), que em resolução aprovada por unanimidade rejeitou “categoricamente qualquer ação que atente contra o sistema democrático”. Correm boatos de que o Movimento pela Soberania dos Povos articula um golpe de Estado. A suspeita é negada pelas organizações, que asseguram lutar com instrumentos democráticos e não pela via militar. (Agências internacionais)
Campanha começa em novembro Luiz Bassegio e Luciane Udovic (*) de São Paulo (SP)
Movimentos sociais querem sensibilizar a população e cobrar do governo um plebiscito sobre a Alca
– recebendo o apoio dos ministros da área econômica – defendem esta via, que representa a manutenção e o aprofundamento dos princípios liberais que têm norteado a política econômica e a prioridade exportadora. A Alca é o seu desembocadouro natural, representando a consolidação da forma atual de inserção subordinada do Brasil no mercado mundial. A lógica da prioridade do Mercosul é distinta. Ela supõe a integração regional, o favorecimento dos mercados internos dos países da região, portanto o incentivo ao desenvolvimento industrial e tecnológico, o fortalecimento da capacidade de consumo do mercado
interno – condições de uma inserção soberana do Brasil no mercado internacional. Esta posição, sustentada pelo Ministério de Relações Exteriores, com grande sucesso – ao contrário do que dizem os órgãos da mídia e dos colunistas que se deixam pautar diretamente pela posição norte-americana e aderem à postura de quinta-colunas -, é a que melhor expressa a prioridade do social – atendendo assim as necessidades dos ministérios da área social – com que Lula foi eleito. O presidente brasileiro reafirmou esta semana a linha do Itamaraty. Essa opção pela transcendência que tem para o tipo de país que quere-
mos construir, requer uma participação direta da cidadania, mediante um plebiscito oficial – conforme expressou o PT em resolução aprovada este ano e conforme pleiteiam os movimentos sociais e civis. Desta forma o governo poderia contar com uma definição clara e expressa da população brasileira, que fortaleceria sua orientação no plano externo, com seus desdobramentos internos. Uma data como a de 21 de abril do próximo ano pode ser uma boa escolha para que os brasileiros se pronunciem pela prioridade da Alca ou do Mercosul e, por intermédio dela, do futuro que querem para o Brasil.
Não serão medidos esforços para a realização de um plebiscito oficial sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em outubro de 2004. Para isso, mais de 60 entidades que compõem a coordenação nacional da campanha brasileira contra a Alca se reuniram, dias 4 e 5, na 12ª Plenária Social Nacional sobre a Alca, em São Paulo. Apesar das pressões dos Estados Unidos para que o país assine o acordo em 2005, o diplomata Marcelo Vasconcelos, do Ministério das Relações Exteriores, que participou do encontro, garantiu que o Brasil mantém a decisão de não assinar qualquer acordo lesivo à soberania do país. Para pressionar o governo a cumprir este compromisso, o lançamento da nova campanha será feito na marcha de abertura do Fórum Social Brasileiro (6 a 9 de novembro) em Belo Horizonte (MG). Com o apoio da coordenação nacional dos movimentos sociais, serão feitos cursos de formação para esclarecer a população sobre a necessidade de resistir à estratégia econômica, política e militar dos EUA na criação do bloco. Aos parlamentares serão enviados cartões para exigir a aprovação do Projeto de Lei 71/2001, que prevê a suspensão das negociações do Brasil na Alca. (*) Integrantes da secretaria do Grito dos Excluídos Continental e da coordenação da campanha brasileira contra a Alca.
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INTERNACIONAL
Pobreza leva dois bilhões a favelas em 30 anos
Sena Sprague/Unicef
MORADIA
ONU prevê que, sem investimentos em moradias e saneamento, até 2030 um quarto da população mundial viverá em favelas da Redação
em assentamentos precários, em meio à pobreza. Na introdução ao relatório, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, lembra que a população pobre está se movendo do interior para a cidade. Apesar de o crescimento acelerado das favelas ser evidente, há pouco ou nenhum planejamento para acomodar a população que se desloca em busca de uma vida melhor. A falta de habitação, água, saneamento e emprego abrem caminho para a explosão da criminalidade. A ONU-Habitat, com sede em Nairóbi, Quênia, fez o estudo baseado em dados recolhidos em 37 cidades em vários países. Em 2001, diz o relatório, 924 milhões de pessoas – 31,6% da população urbana mundial – viviam em favelas, a maioria delas em países em desenvolvimento. O aumento é resultado de um processo de urbanização rápido e desorganizado, sobretudo no mun-
A
té 2030, cerca de dois bilhões de pessoas viverão em favelas no mundo. A previsão é do Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas (ONUHabitat). No documento “O Desafio das Favelas - Relatório Global sobre a Moradia Humana 2003”, divulgado dia 6, a organização diz que o problema agravou-se em consequência da urbaniFavela – Denomização aceleranada “aglomeração da e do aumensubnormal” pelo Instituto Brasileiro to da pobreza, de Geografia e Ese classifica a sitatística (IBGE). É o tuação de “vernúcleo urbano onde, gonhosa”. com praticamente todas as deficiências Atualmenem infra-estrutura, te, cerca de um se concentram famíbilhão de peslias de baixa renda vivendo em assentasoas vive em mentos precários. favelas. Esse número deve dobrar em três décadas. Ou seja, um quarto da população prevista de 8 milhões de pessoas viverá
do em desenvolvimento.Cerca de 60% dos moradores de favela do mundo estão na Ásia, principalmente na Índia, Paquistão e Bangladesh. A África é responsável por 24% desse total. Outros 14% estão na América Latina, especialmente no Brasil.
POLÍTICAS INCLUSIVAS O relatório faz um apelo para que se trate do problema do desemprego entre os habitantes das favelas e da população urbana pobre em geral. “As políticas para as favelas devem estar integradas com políticas de redução da pobreza urbana mais amplas, focadas nas pessoas, que lidem com aspectos como emprego e renda, abrigo, comida, saúde, educação e acesso a infra-estrutura e serviços urbanos básicos”. Para a ONU, as políticas têm de ser inclusivas e deveriam envolver os próprios moradores na identificação dos seus problemas e na implementação de soluções.
Avanço das favelas tornou-se fenômeno mundial, segundo relatório da ONU
CUBA
ANÁLISE
José Arbex Jr. da Redação O mundo caminha rapidamente para uma perigosíssima crise de civilização. Não confundir com o “choque de civilizações” supostamente diagnosticado pelo pensador vulgar Samuel Huntington, celebrado pela mídia como sofisticado cientista político. Edward Said disse a palavra final sobre Huntington (aliás, um antigo aliado da ditadura brasileira): ele cria a fábula do suposto “choque de civilizações” de forma caricatural e infantil, como se existissem civilizações puras, homogêneas e monolíticas, não atravessadas pela luta de classes, e como se o “choque” entre elas se assemelhasse a uma luta de boxe – “de um lado, com tantos quilos, o Ocidente; de outro, o Islã...”. Um sintoma da crise de civilização é a admissão tácita de que aquele que possui a força bruta pode, apenas por esse fato, atacar outros povos e nações, ainda que para isso apresente, como “justificativa”, a pura e simples mentira. Foi o que fez Israel, ao atacar a aldeia de Ain Saheb, na Síria, e alvos civis no sul do Líbano. O facínora Ariel Sharon, primeiro-ministro israelense, alega que na aldeia síria são treinados “terroristas” palestinos. Mesmo os “especialistas” entrevistados pela rede CNN, sempre simpáticos a Israel, notaram que a aldeia jamais foi mencionada, nem mesmo quando o presidente George W. Bush ameaçou atacar a Síria, logo após a invasão do Iraque. Também Bush foi levado a admitir ter mentido sobre a capacidade de destruição de Sadam Hussein, como pretexto para invadir o Iraque; o seu fiel vassalo britânico Tony Blair foi desmascarado pelo mesmo motivo. Ambos continuam ocupando os seus cargos, e isso é o mais preocupante. Em regimes minimamente democráticos, os governantes devem pelo menos convencer a opinião pública de que suas razões são verdadeiras, ou de que seus atos correspondem ao interesse do bem público. Quando Bush admite ter falsificado os dados sobre as supostas “armas de destruição em massa” do Iraque, desaparece qualquer jus-
Kevin Frayer/AP/AE
Sinal de barbárie
Estados Unidos prometem endurecer embargo da Redação
Tropas israelenses invadiram campo de refugiados de Rafah, na Faixa de Gaza
tificativa moral para o ataque. Ora, se a opinião pública está suficientemente entorpecida para aceitar esse fato, então a democracia agoniza. Não há como evitar o paralelo com os primórdios da Alemanha nazista, quando a população recebia com indiferença ou mesmo alegria a notícia das invasões promovidas por Adolf Hitler, cuja única justificativa era a luta pelo “lebensraum” (espaço vital). Outro sintoma da crise de civilização é a desfaçatez e leviandade com que Sharon e seus asseclas do governo israelense decretaram a morte (ou expulsão dos territórios palestinos ilegalmente ocupados) de Yasser Arafat. É impressionante. Todas as normas do convívio entre as nações e os Estados foram deixadas de lado. Pior ainda foi a total indiferença e o desprezo com que Sharon, apoiado por Bush, recebeu a comunicação de que a ONU, por esmagadora maioria, condenou o seu decreto de morte. Curiosamente, em fevereiro de 1989, a mídia armou, com razão, um barulho infernal quando o aiatolá Komeini, do Irã, emitiu a “fatwa” (sentença de morte) contra o escritor Salman Rushdie. É notável o contraste oferecido pelo tratamento relativamente ameno que a mesma mídia dedica a Sharon. Arafat foi democraticamente eleito pelo povo palestino, com um número muito maior de votos (em termos relativos e absolutos) do que os conferidos pelos israelenses a Sha-
ron. Se pesa sobre Arafat a acusação de “patrocinar o terrorismo”, então ele deveria, no mínimo, ser levado a julgamento pelo Tribunal Penal Internacional, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em julho de 2002. O TPI, com sede em Haia (Holanda), tem por missão julgar crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade. A corte é comandada por 18 juízes, indicados pelos países que ratificaram o tratado, entre os quais o Brasil. Não por acaso, o TPI nasceu sem a participação dos Estados Unidos, que não aceitam sequer a hipótese de terem algum de seus cidadãos julgados por instâncias internacionais. Bush faz uma campanha de pressão internacional, mediante acordos bilaterais, para impedir o desenvolvimento de qualquer iniciativa séria de constituição de um tribunal que fuja ao controle da Casa Branca. A própria ONU e todas as instâncias multilaterais de diálogo político agonizam, quadro que combina com a ditadura das instâncias econômicas, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Estranho paradoxo: no auge do chamado mundo globalizado, os músculos exibidos pelo bom e velho Estado nacional são a única fonte real de autoridade e poder. A humanidade regride para fases anteriores à instalação da ONU. É um claro sinal de barbárie.
O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, anunciou, dia 10, nova pressão sobre Cuba. O governo estadunidense promete endurecer o embargo a viagens à ilha, combater transferências ilegais de dinheiro para o país e intensificar a campanha para tentar romper o “embargo de informação” imposto pelas autoridades cubanas. No pacote inclui a criação de um organismo responsável por planos “para o dia em que Cuba abandone o comunismo”. Bush tenta ganhar o apoio – e os votos – dos cerca de 400 mil estadunidenses de origem cubana na Flórida, que podem ser decisivos nas eleições presidenciais de 2004. A relação de Bush com os dissidentes cubanos teve seu pior momento em julho, quando o governo estadunidense mandou de volta 15 imigrantes, depois de receber garantias de que eles não seriam executados por seqüestrar um barco. Jeb Bush, irmão do presidente e governador da Flórida, criticou a decisão. No primeiro semestre deste ano, a prisão de 75 dissidentes pelas autoridades cubanas e a execução de três seqüestradores de um barco tiveram grande repercussão internacional.Em junho, o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, pediu a ministros da Organização dos Estados Americanos, em um encontro no Chile, que acompanhassem os esforços estadunidenses na promoção de uma transição pacífica em Cuba. Fidel Castro ridicularizou a idéia, dizendo que seu país teve uma transição em 1959, quando ocorreu a Revolução. No dia 9, o chefe da missão diplomática de Cuba em Washington, Dagoberto Rodríguez, mandou um recado a Bush, para “parar de atuar como um caubói fora-da-lei” e “começar a ouvir as vozes das nações do mundo”. Lembrou que a Assembléia Geral das Nações Unidas repetidamente pediu urgência aos Estados Unidos na suspensão de seu embargo a Cuba. Antes, no dia 7, o governo cubano negou as acusações, pelo governo estadunidense, de que es-
taria promovendo um programa de armas biológicas. O Ministério do Exterior de Cuba afirmou, em nota oficial, que “as falsidades e mentiras contra Cuba” vão se intensificar nas próximas semanas, porque no dia 9 de novembro haverá votação, nas Nações Unidas, a respeito do embargo comercial imposto à ilha pelos Estados Unidos.
CAUSA DOS CINCO “A ordem de prender os patriotas cubanos filtrados nos grupos terroristas cubano-americanos de Miami foi dada pela Casa Branca, no âmbito de uma série de medidas tomadas para satisfazer os dirigentes da comunidade miamense”. A confissão aberta é da assistente de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, em carta enviada em nome do presidente norte-americano George Bush. A carta, do dia 3, foi endereçada ao representante estatal republicano David Rivera, que segundo Condoleezza compartilha os pontos de vista do presidente “quanto à nossa política sobre Cuba”. Afirma que o presidente “continua comprometido em ajudar o povo cubano” e depois refere-se às campanhas anticubanas implementadas atualmente, com o apoio do Departamento de Estado e parte de um “esforço internacional para apoiar” o povo de Cuba. Entre as medidas, lista o julgamento em que foram acusados e condenados por espionagem cinco cubanos que jamais se aproximaram de qualquer segredo de Estado dos EUA. A chamada “Causa dos cinco” está sendo examinada pelo Tribunal de Apelação de Atlanta. A carta sustenta a hipótese de que a prisão dos cinco cubanos foi decretada em resposta à ira dos dirigentes da Fundação Nacional Cubano-Americana, depois da prisão, em Porto Rico, de várias pessoas ligadas à organização. Sobre a política intervencionista estadunidense, Condoleezza menciona a “formação de uma coligação multilateral para provocar uma mudança” e uma “resposta efetiva à transição em Cuba”. (Com agências internacionais)
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Aids pode dizimar população africana África concentra 70% dos infectados pelo vírus da Aids no mundo, cerca de 30 milhões de pessoas Marilene Felinto da Redação
A
Infectados no mundo > 42 milhões Infectados na África subsaariana (final de 2002) > 30 milhões de pessoas (1 em cada 11 adultos), de um total de 291 milhões de habitantes da região; 70% dos novos casos do mundo Mortes no continente > 15 milhões de pessoas já morreram; só em 2002 foram 2,3 milhões de mortos Órfãos > 11 milhões em todo o continente (perderam ao menos um dos pais, vítimas da Aids) Mulheres e crianças
> em toda a África, 60% dos infectados são mulheres e crianQuenianos protestam durante Conferência Internacional sobre Aids e Doenças Sexualmente Transmissíveis na África ças; 3 milhões de crianças com menos de 15 anos PAÍSES MAIS ATINGIDOS > Botsuana: 38% dos adultos (de 15 anos a 49 anos) > Zimbábue: 34% > Suazilândia: 33% > Lesoto: 31% > África do Sul: 25% (1 em cada 10 sul-africanos; 250 bebês nascem com Aids por dia no país; em 12 anos, a incidência do HIV aumentou de menos de 1% para 20%; a porcentagem de leitos ocupados nos hospitais cresceu de 26% para 70% de adultos e de 26% para 30% de crianças. > Quênia: 15% (Nairóbi) Fontes: Programa Conjunto das Nações Unidas para HIV/Aids (Unaids) e Organização Mundial da Saúde (OMS)
dense. Uma tentativa de aumentar esse valor para 2 bilhões de dólares foi derrotada na votação. A crítica de Lewis a Bush centrou-se principalmente no fato de o presidente dos EUA não ter tido escrúpulos de pedir ao mesmo Congresso 87 bilhões de dólares para o que seu governo chama de “guerra contra o terrorismo”. A educação também tem sofrido dramaticamente, com grande número de crianças incapazes de ir à escola, ou com professores incapa-
Países com maior número de infectados (em %)
citados de irem à escola por estarem infectados.
ESPERANÇA DE VACINA A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que dentre os 5 ou 6 milhões de pessoas que precisam de medicamentos antiretrovirais (medicamentos que aumentam a qualidade e o tempo de vida dos infectados) para o tratamento da Aids, nos países em desenvolvimento,
somente 300 mil têm acesso a eles. Segundo declaração do brasileiro Paulo Teixeira, diretor do departamento de HIV/Aids da OMS, na última Icasa, isso se deve à negligência da comunidade mundial e, particularmente, dos governos. Na última reunião da Organização Mundial do Comércio, em setembro, em Cancún (México), houve um acordo para facilitação de medicamentos genéricos (mais ba-
Georges Gobet/AFP
s estimativas já contabilizam 100 milhões de mortes por Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, na sigla em inglês) em toda a África até a pandemia ser controlada. E, se não houver uma reviravolta imediata na prevenção e no tratamento de vítimas, este cálculo pode atingir o alarmante número de 200 milhões, segundo Stephen Lewis, representante oficial da Organização das Nações Unidas (ONU) para Aids na África, em declarações à imprensa estrangeira no início de outubro. Relacionando a catástrofe da Aids na África com a Primeira Guerra Mundial e a peste negra, que se alastrou pela Europa no século 14, Lewis afirmou que a tragédia africana é incomparavelmente mais devastadora. Atualmente, dos 42 milhões de portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV, na sigla em inglês), que causa Aids, 30 milhões estão na África, a maioria na região ao sul do deserto do Saara (chamada África subsaariana). A doença está devastando famílias e comunidades, prejudicando a economia, afetando a educação escolar e diminuindo drasticamente a expectativa de vida. Em países como Botsuana, caiu para 35 anos. Em toda a África, a população mais atingida é a de mulheres jovens e crianças, somando 60% dos infectados. Há 3 milhões de crianças com menos de 15 anos portadoras do vírus. O número de órfãos (que perderam ao menos um dos pais, vítimas da Aids) já chega a 11 milhões em todo o continente. A falta de informação sobre uso de preservativos nas relações sexuais e o alto de número de estupros são os principais motivos de contágio entre mulheres jovens. Entre 21 e 26 de setembro, aconteceu em Nairóbi (capital do Quênia) a 13ª Conferência Internacional sobre Aids e Doenças Sexualmente Transmissíveis na África (Icasa, na sigla em inglês), com a presença de sete mil participantes, entre presidentes africanos, representantes de organismos internacionais e especialistas de vários países do mundo. A reunião, que acontece de dois em dois anos, teve como foco das discussões uma agenda tripla: execução imediata de programas de tratamento da doença em larga escala, visando a que a próxima geração de crianças africanas nasça livre do HIV e cresça num mundo sem Aids; que os infectados com o vírus tenham acesso a medicamentos e recebam os cuidados e o apoio a que têm direito; que o estigma e a discriminação contra as pessoas que têm Aids sejam eliminados. A próxima Icasa acontecerá na Nigéria, em 2005. O representante da ONU, Stephen Lewis, disse estar errada a visão ocidental segundo a qual os africanos são incapazes de ajudar a si mesmos no combate à Aids. Ele criticou a falta de interesse da comunidade internacional e especialmente as falsas promessas de ajuda do governo dos Estados Unidos. “Se os recursos forem adequados”, afirmou Lewis, “há esperança [de se debelar a doença na África]. Nós sabemos como aplicar o tratamento, como fazer com que as crianças não sejam infectadas pelas mães na hora do parto, como fazer com que as pessoas continuem vivas. Mas eu acho que há um terrível déficit moral no mundo Ocidental.” O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, prometeu 15 bilhões de dólares para assistência à Aids na África nos próximos 5 anos. Mas somente a liberação de 1,3 bilhão de dólares foi aprovada até agora no Congresso estaduni-
Simon Maina/AFP
NÚMEROS DA DOENÇA NO CONTINENTE
Dos 42 milhões de portadores da Aids, 30 milhões estão na África; número de órfãos já chega a 11 milhões no continente
ratos porque não pagam direitos de patentes) aos países africanos. A meta da OMS é fazer com 3 milhões de pessoas estejam recebendo tratamento contra a Aids até 2005, nos países em desenvolvimento. Hoje só 300 mil têm acesso aos medicamentos, apesar de a ONU estimar que até 6 milhões de pessoas precisam de tratamento no mundo. Entretanto, segundo cálculo da OMS, desde 2000 houve uma sensível queda nos preços de antiretrovirais. No início daquele ano, o tratamento por paciente custava cerca de 12 mil dólares ano. Já no final de 2000, esse valor caiu para 800 dólares por pessoa ao ano. Em maio, a OMS já recomendava antiretrovirais genéricos ao custo de 300 a 75 dólares por pessoa ao ano. Ainda assim, na África subsaariana, incluindo os países que já produzem genéricos, somente 50 mil pessoas tinham acesso a tratamento contra o HIV no final de 2002. A maior esperança para debelar a doença no continente é uma vacina que já vem sendo testada em seres humanos em países como Uganda, Quênia e Botsuana.
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NACIONAL POVOS INDÍGENAS
Garimpeiros de diamantes ameaçam índios M
ilhares de garimpeiros estão acampados na região do município de Espigão d’Oeste (RO). Eles querem invadir as terras dos índios Cinta Larga, nos Estados de Rondônia e Mato Grosso, para fazer extração de diamantes. A denúncia foi encaminhada ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, no final de setembro, pelo relator nacional para o Direito Humano ao Ambiente, Jean-Pierre Leroy – nomeado pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Dhesc Brasil), uma rede que trabalha para dar visibilidade a casos de violação de direitos humanos. O relator recomenda ao Ministério da Justiça o retorno da Polícia Federal aos postos de bloqueio e fiscalização, a liberação de recursos para o Plano Emergencial Pró-Cinta Larga, e que sejam requerido esclarecimentos dos Estados envolvidos no incentivo à exploração ilegal de recursos minerais. Segundo o ofício do relator, alguns garimpeiros estão fazendo valetas nas estradas de acesso às aldeias para “seqüestrar e prender lideranças até que os Cinta Larga ‘liberem’ o garimpo”. Ameaças de morte a líderes indígenas e funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) também seriam constantes. Daniel Silvestre, assessor de Jean-Pierre Leroy, infor-
o garimpo se intensifica de outubro a março, época das chuvas: “Os garimpeiros vão às áreas por Juína (MT) e por Espigão D’Oeste (RO) e facilmente saem legalizados, como se os diamantes tivessem vindo de áreas permitidas. A procura por diamantes na região é uma guerra, como ocorre em muitos países da África”, compara.
OUTRAS INVASÕES
Os Cinta Larga se sentem abandonados diante da ameaça dos garimpeiros, que contam com o apoio do governador de RO
mou que a Dhesc foi recentemente contatada após a Polícia Florestal de Rondônia e a Polícia Federal terem se retirado das áreas: “Por conta disso, e das ameaças dos garimpeiros de voltar às terras indígenas, estamos pedindo que, emergencialmente, as polícias voltem às áreas para garantir a integridade dos índios”. O clima está tenso pois os índios guerreiros do Cinta Larga estão resistindo, dispostos
Governo reduz terra dos Kayapó no Pará da Redação A Portaria 1.487, do Ministério da Justiça, reduziu em 307 mil hectares a terra indígena Baú, território do povo Kayapó, em Altamira (PA). Nos últimos anos, essa terra foi alvo de conflitos promovidos por empresas mineradoras, produtores rurais, políticos e prefeitura de Novo Progresso, que contestaram legalmente a demarcação. O ato do ministro Márcio Thomaz Bastos representa uma ameaça a todo e qualquer processo de demarcação de terra indígena. Em 1991, o então ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, havia declarado em portaria a posse permanente de Baú pelos índios. Embora em 1997 Nelson Jobim, ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, tivesse proposto a redução da área, no ano seguinte, o novo ministro da Justiça, Renan Calheiros, assinou outra portaria declarando a posse integral do território tradi-
cional. Finalmente, o ministro José Gregori determinou a imediata demarcação, nos limites já definidos desde 1991. Dessa forma, as primeiras etapas do procedimento demarcatório previstas por lei já haviam sido concluídas. Ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva restava apenas a homologação, por decreto presidencial. Mas um procurador do Ministério Público Federal no Pará, Nilo Marcelo de Almeida Camargo, propôs um “Termo de Conciliação e Ajuste de Conduta”, que serviu de base para a portaria do ministro Thomaz Bastos. Isso apesar de a negociação ser vedada pela Constituição. Ao negociar a redução da terra indígena Baú, o governo não só viola a Constituição, como legitima a aplicação do instrumento jurídico redutor de terra indígena, o Decreto 1775/ 96, que, na campanha eleitoral, o presidente Lula tinha prometido revogar.
a lutar, porém sem apoio da Polícia Federal, que, de acordo com o documento, estaria “retirando as equipes, as barreiras, o posto e a operação da região”. A invasão às terras indígenas estaria sendo incentivada pelo governador de Rondônia, Ivo Narciso Cassol. De fato, um ofício de Cassol, também encaminhado ao ministro da Justiça em 30 de setembro, propõe o “aproveitamento econômico do diamante do Rio
Roosevelt através da Companhia de Mineração de Rondônia”. O antropólogo João Dal Poz confirma a denúncia e lembra que há vários anos os garimpeiros invadem as terras dos Cinta Larga para retirada de diamante. “Já está tudo armado para o garimpo funcionar. Tem oito mil garimpeiros rondando, ameaçando seqüestrar os índios e a Funai está muito fraca para proteger”, diz. De acordo com o antropólogo,
Em janeiro, cerca de cinco mil garimpeiros haviam sido retirados das terras por meio de uma ação coordenada pela Funai, pela Polícia Federal e pela Polícia Florestal de Rondônia. A partir de então, espera-se a implementação do Plano Emergencial Pró-Cinta Larga. Na época, foi levantada a hipótese de envolvimento de autoridades e de políticos com o garimpo de diamante. Antes disso, em janeiro de 2002, dois funcionários da Funai de Cuiabá (MT) e quatro de Vilhena e Cacoal (RO) foram presos, acusados de facilitar a entrada de pelo menos 2 mil garimpeiros na área dos índios. Os Cinta Larga, que eram 5 mil em 1968, hoje são apenas 1300 índios, devido a constantes conflitos. Estão espalhados por 34 aldeias, em uma área de 2,7 milhões de hectares, nas contíguas terras indígenas Roosevelt, Serra Morena, Parque Aripuanã e Aripuanã, todas homologadas, em Rondônia e em Mato Grosso. (Estação Vida/Jornal do Meio Ambiente)
Eduardo Leão/ Arquivo Cimi
André Luís Alves de Cuiabá (MT)
Jesus Carlos/Imagenlatina
Com a Polícia Federal fora da área, garimpeiros fazem valetas nos acessos à aldeia Cinta Larga para seqüestrar índios
Portaria do Ministério da Justiça, que reduziu em 307 mil hectares a terra Baú, vai contra os direitos do povo Kayapó
AMBIENTE
Justiça põe em risco o Código Florestal Ernesto Rodrigues de Belo Horizonte (MG) Uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) pode colocar fim à reserva legal, importante instrumento de defesa do meio ambiente previsto no Código Florestal desde 1965. Segundo o dispositivo, toda propriedade rural deve reservar, no mínimo, 20% de sua área à preservação. A Lei nº 4.771 também prevê a obrigatoriedade de averbação das terras pelos proprietários. Os juízes do TJMG concluíram que falta amparo legal ao procedimento da reserva legal. Para eles, o mecanismo refere-se apenas aos imóveis que possuem área de florestas, o que não é uma característica
de todos imóveis rurais. Baseados nesse parecer, consideram a prévia averbação um desrespeito ao direito de propriedade, e o registro necessário apenas onde houver floresta. A deliberação é fruto da apreciação de um mandado de segurança, proposto pela Associação dos Notários e Registradores de Minas Gerais (Anoreg) e da Associação dos Serventuários de Justiça (Serjus). Eles alegavam tumulto nos processos de registro de imóveis nos cartórios do Estado, acarretando atrasos e impedimentos dos registros.
BIOMA AMEAÇADO Dois pontos têm suscitado discussões entre órgãos públicos, entidades ambientalistas e proprietários rurais. Um deles trata do significa-
do do termo “área de floresta”. O outro diz respeito ao direito de propriedade. Sobre a primeira questão, o Ministério Público (MP) do Estado de Minas Gerais diz que a lei refere-se a todos os tipos de cobertura vegetal. “Ainda prevê a recomposição de áreas desprovidas de formação”, afirma o assessor do Centro Operacional de Apoio das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Luciano José Alvarenga. O Ministério Público questiona a decisão e recomenda a averbação tal como era praticada antes. O professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais, Bernardo Machado Gontijo, concorda com o representante do MP e destaca que
não se pode sobrepor a floresta a outros tipos de cobertura vegetal. “O cerrado, que representa a maior parte da vegetação de Minas Gerais, está ameaçado. Bioma com rica biodiversidade, é tão importante quanto a floresta”, diz Gontijo, que é doutor em desenvolvimento sustentável. Contra a justificativa de que a reserva legal é uma restrição de uso da propriedade, o assessor do MP diz ser necessáAverbação – rio compatibiliProcedimento pelo zar o interesse qual os proprietários são obrigados a coletivo com o efetuar o registro de particular. Este suas terras junto aos também é um cartórios. dos argumentos do desembargador Francisco Figueiredo, voto vencido no julgamento do TJMG. Ele defendeu
a função social da propriedade, que se manifesta na preservação do meio ambiente. Para o presidente da Anoreg, Wolfgang Jorge Coelho, a averbação prévia é injusta ao submeter indiscriminadamente todo proprietário de terra à lei. Na sua opinião, ela só deve ocorrer se houver venda de terreno. A superintendente da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas, diz que a averbação é necessária pois garante a preservação. “A transmissão de propriedades tem sido uma oportunidade para a degradação da cobertura vegetal”. Para Maria Dalce, aqueles que reclamam da burocracia nos registros deveriam brigar por uma solução, e não matar o doente.
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DEBATE COMUNICAÇÕES
Um Proer para a mídia? ao BNDES. O senador Saturnino Braga, na Presidência da Subcomissão de Comunicação, foi cauteloso em relação à pertinência da oportunidade da reivindicação e encarou aparentemente com simpatia a sugestão de levar esse debate para um espaço semelhante às câmaras setoriais, onde a questão seria discutida em todos os seus ângulos e nuances. Conduzida pelo senador Hélio Costa, a reunião encaminhou a instituição de dois relatores para tentar construir uma proposta a
Celso Augusto Schröder epois das companhias aéreas, é a vez das empresas de comunicação pedirem dinheiro barato para o governo. Alegam uma crise estrutural que, a exemplo das empresas de aviação, só seria solucionada com a bênção monetária do Estado. E da mesma maneira que reivindicam a condição de atividade de interesse público, pressionam o BNDES para criar uma linha especial de crédito. Este é um debate fundamental para o setor, embora encaminhado de maneira enviesada. Se a alentada crise financeira é real ou anabolizada somente uma auditoria séria será capaz de responder. O que está em questão é se este segmento econômico merece este tipo de subsídio ou não. Até aqui, a investida das empresas se deu em dois movimentos. Por um lado, estão participando de uma discussão da reforma tributária promovida pelo Senado Federal, por meio da Comissão de Educação, e requerida principalmente pelo senador Hélio Costa (PMDB-MG). A audiência pública patrocinada pela Comissão convidou todo o setor empresarial assim como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e a Federação dos Trabalhadores em Rádio e televisão (FITERT). Somente o Fórum pela Democratização e a FITERT apresentaram propostas concretas de, mantidas as isenções existentes na PEC acordada na Câmara, que fossem estabelecidas contrapartidas para a sociedade. Na audiência, realizada em 1º de outubro, o Fórum também deixou claro que não faria a discussão da crise do setor em plena negociação de uma reforma constitucional. Num segundo movimento, antecipado por uma nota conjunta assinada pelas três principais entidades representativas dos empresários, foi introduzida a reivindicação da abertura de uma linha de financiamento junto
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ser referendada pelos mais de 50 senadores da Comissão. O FNDC e a ANJ foram as entidades designadas a elaborar esse documento. O Fórum prontamente elaborou o seu, mas não conseguiu agregar as propostas do setor empresarial na medida em que as mesmas, na versão do representante da ANJ, levaram muito tempo para serem elaboradas. Nesse meio tempo, as notícias, geradas pelos veículos de comunicação do próprio Congresso, sinalizavam quase que exclusivamente para a questão do BNDES, ignorando, ou tratando como dada, a questão dos subsídios na reforma tributária e não levando em conta as exigências de contrapartidas apresentadas pelo FNDC e a FITERT. O FNDC tem lembrado as condições privilegiadas em que aconteceu a estruturação do sistema de comunicação brasileiro a partir da ditadura militar, quando as grandes redes se formaram à sombra de condições muito favoráveis, sem os riscos inerentes ao empreendimento capitalista. Fatos recentes, como o Proer, demonstram a ameaça que operações dessa natureza podem oferecer. Mesmo que, de forma absolutamente transparente, tragam para a sociedade a possibilidade de contrapartidas que poderão ajudar a financiar os sistemas estatal e comunitário de radiodifusão, por exemplo, ou ainda promover a pesquisa e o desenvolvimento na área das comunicações. Ou seja, o dinheiro público e barato, que porventura a sociedade achar conveniente aplicar num setor estratégico que se pretende em crise, deve retornar para este mesmo público na forma de incentivos. Sejam materiais ou políticos, visando a promoção da regionalização da produção, a desconcentração da propriedade da mídia, o incremento da cultura nacional e salvaguardas efetivas para a democracia na comunicação. Celso Augusto Schröder é coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretário-geral da FENAJ
Só chapéu na mão não resolve Luciano Martins Costa omo emprestado o final do artigo de Alberto Dines, publicado no Observatório da Imprensa na semana passada: “Alguns empresários mais pessimistas (ou realistas) afirmam que a crise da mídia só tem duas saídas: ou o BNDES ou o investidor estrangeiro. Outros alertam para o perigo da Midiabrás. Mais uma razão para tirar das sombras assunto tão grave” Tentemos, então, lançar mais alguma luz sobre o tema. Em primeiro lugar, parece claro que as duas saídas precisarão se complementar. Sem o apoio do BNDES, nenhuma das nossas empresas de comunicação será atraente para os investidores. Em segundo lugar, precisamos examinar a acepção segundo a qual uma ajuda explícita do governo tiraria a autonomia da imprensa. Será? Em março de 2002, quando aprovou os critérios básicos para a participação no processo de reestruturação do capital e reorganização societária da empresa GloboCabo S.A., o BNDES não estaria proporcionando diretamente um alívio ao grupo Globo? Aliás, na condição de acionista da GloboCabo, com 4,8% do capital, o BNDES concedeu garantia de subscrição de ações de
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até R$ 284 milhões, que o grupo realizou na totalidade, além de integralizar R$ 39 milhões em dinheiro e subscrever sobras de emissões públicas de ações da empresa. Uma disponibilidade que faltou, na mesma ocasião, para uma enorme lista de outras empresas, cujos processos aguardavam solução muito antes do socorro pedido pelo grupo da família Marinho. Entre elas, a Fundição Tupy, de Santa Catarina, de cujo capital o BNDES também participa, que quase naufragou por falta de ajuda. Alguém acha que um novo aporte, agora diretamente no jornal O Globo ou na Rede Globo, vai mudar o humor ou tirar a “independência” do jornalismo global? De uma forma ou de outra, o governo tem ajudado as empresas de comunicação, tanto nos projetos de importação de equipamentos como na tramitação de processos de toda espécie. Mesmo indiretamente, o BNDES ajuda a imprensa, por exemplo, quando financia a indústria de papel-jornal. Numa dessas operações, o presidente do banco, Carlos Lessa, comemorava na semana passada uma decisão de investimento, apoiada pelo banco oficial de fomento, que vai beneficiar diretamente os jornais: a ampliação da capacidade de uma fábrica que provavelmen-
te fará com que o Brasil deixe brevemente de ser importador de papel-jornal. Como se sabe, um dos motivos da elevação dos custos de empresas jornalísticas tem sido a redução do prazo de financiamento para a compra de insumos como o papel, que criou uma exigência adicional de capital de giro. Com o dinheiro mais caro, aumentaram as dificuldades. Com o dólar nas alturas, é o inferno. Com papel nacional suficiente e o financiamento mais leve, pode-se pensar em sobrevivência. Pode-se até pensar em um casamento de conveniência, uma vez que a perspectiva de alívio nos custos torna aplicável a lei que permite a associação com investidores estrangeiros. E não seria absurdo imaginar o BNDES como padrinho nessas bodas. Mas há pedras no caminho. Vejam a equação incômoda: a elevação do risco Brasil, agravada no fim do governo FHC, quando ficou evidente a iminente vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, apanhou em cheio as empresas de comunicação. A reversão desse cenário, culminando com a recente elevação da cotação de papéis brasileiros por conta da política econômica de Lula, somada a outras circunstâncias, representa uma realidade muito mais favorável às empresas de comunicação. A pergunta que
não quer calar: resistir à adesão, quem há de? De um modo geral, a imprensa não tem sido sistematicamente oposicionista. Com exceção da Folha de S.Paulo, já fazia alguns meses que a grande imprensa mais assoprava do que mordia. A “independência” fica por conta de um ou outro articulista, mais ou menos feroz, ao ponto de alguns deles já se haverem transformado em figuras do folclore jornalístico. Muito diferente do tempo em que Lula era tratado como leproso. As restrições quanto ao socorro do BNDES caíram de fato em 1997, apenas faltava a normatização por parte do banco, o que deve acontecer a partir do ano que vem, justamente pela manifestação de interesse da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e Associação Nacional das Editoras de Revistas (ANER). As novas políticas operacionais do BNDES não deverão configurar um programa tão explícito como o Proer, que permitiu a reestruturação do sistema financeiro nacional – na prática, as empresas de comunicação terão acesso a linhas de crédito oferecidas por agentes financeiros credenciados e sob garantia do BNDES. O que vai acontecer quando o dinheiro estiver disponível? Tenho um palpite:
acho que o eixo da oposição vai derivar para a esquerda. Para disfarçar o desconforto com um possível engajamento, os jornais vão soltar suas feras. Diante de qualquer queixa do governo, basta dizer: não posso censurar meu articulista. A ajuda do governo às empresas de comunicação pode não tirar a autonomia da imprensa, pelo simples fato de que elas já estão suficientemente comprometidas com instituições públicas, por conta da própria crise, e com os bancos credores. Por outro lado, a abertura de financiamentos em condições menos cruéis do que as que atualmente sacrificam as empresas não significaria necessariamente um comprometimento imediato, uma vez que elas paguem a dívida regularmente. O problema fica para depois, se não melhorarem as condições do mercado, e/ou se as empresas de mídia seguirem com o modelo de gestão que as conduziu ao buraco. Se não mudar a estratégia, se as empresas continuarem desviadas de seu negócio principal, não haverá dinheiro no mundo que as resgate. Não basta ter o pires na mão, mesmo cheio, se não temos recebido notícia de boas idéias para revitalizar o negócio. Luciano Martins Costa é jornalista
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AGENDA CEARÁ > FOME Seminário do Mutirão de Superação da Miséria e da Fome De 17 a 19 Dez representantes de cada diocese do Estado participarão do encontro. No dia 17, haverá uma conferência do padre Manfredo Araújo de Oliveira, com o tema “A Igreja e a superação da miséria e da fome no Ceará”. Dia 18, acontecerão oficinas temáticas sobre terra, água, trabalho, saúde, educação, meio ambiente e moradia. Dia 19, o padre Martinho Lenz, secretário da Comissão Nacional do Mutirão de Superação da Miséria e da Fome, apresentará a situação do Mutirão nacional, as iniciativas em andamento e as propostas de ação. O evento é promovido pela Comissão Regional do Mutirão e pelas Pastorais Sociais, e pretende estimular o engajamento no Mutirão no Ceará. Local: Auditório do Seminário da Prainha, R. Tenente Benévolo, s/n, Centro, Fortaleza Mais informações: (85) 252-4046, cnbbne1@fortalnet.com.br
mento Consulta Popular e um dos autores do livro A Opção Brasileira. Organização: Instituto Zequinha Barreto Local: Auditório do Sindicato dos Químicos de Osasco, Pça. Joaquim dos Santos Ribeiro, 265, Osasco Mais informações: izbarreto@ig.com.br
MINAS GERAIS > CATADORES Marcha dos Catadores Dia 27 No mesmo dia haverá uma audiência pública com o Ministério Público Federal para que o Movimento Nacional dos Catadores faça uma denúncia sobre a situação dos Catadores no Brasil. O evento será o marco da abertura do II Festival Nacional Lixo e Cidadania. Programação: 8h - Chegada na Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare), Av.do Contorno, 10.555, Barro Preto, Belo Horizonte 11h - Almoço 13h - Concentração para a Marcha no mesmo local Marcha até a Assembléia Legislativa, R. Rodrigues Caldas, 30, Santo Agostinho, Belo Horizonte 20h – Abertura do II Festival Nacional Lixo e Cidadania, Casa do Conde, R. Januária, 130, Floresta, Belo Horizonte Mais informações: (31) 3295-6320 / 9113-7603
MARANHÃO > QUILOMBOLAS 7º Encontro das Comunidades Quilombolas De 23 a 26 Com o tema “Terra, gênero, direito da criança e adolescente quilombola, religiosidade e políticas públicas”, o 7º Encontro das Comunidades Quilombolas do Maranhão é organizado pela Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, em parceria com o Centro de Consciência Negra do Maranhão (CCN/MA) e a Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDDH). O encontro constitui-se em um espaço de articulação e fortalecimento das comunidades, a fim de possibilitar a troca de experiências entre as lideranças presentes acerca da história de luta pela terra das várias comunidades. Local: Centro Paroquial São Raimundo, Codó Mais informações: (98) 232-9298
PARANÁ > AGROECOLOGIA Mutirão de Plantio de Campos de Produção de Sementes Crioulas, Alimentos Ecológicos e Reposição da Mata Ciliar Dias 17 e 18 As organizações promotoras da Jornada de Agroecologia convidam todos a participar do Mutirão de Plantio de Campos de Produção de Sementes Crioulas, Ali-
MARANHÃO > QUESTÕES SOCIAIS Lançamento da revista eletrônica Tipiti A revista eletrônica Tipiti, desenvolvida por ONGs maranhenses, nasceu em formato impresso, no início do ano. Hoje a publicação é um espaço de debate sobre políticas públicas, grandes projetos, questões indígenas, violência, questões agrárias e agrícolas. No primeiro número, os artigos em destaque são: Sociedade civil e o governo federal no plano plurianual 2004/2007; Campanha lançada no Médio Mearim defende a reserva legal e a mata ciliar; O Estado brasileiro e a educação (escolar) indígena: um olhar sobre o Plano Nacional de Educação; Enfrentando a pobreza na acumulação flexível. Mais informações: www.revistatipiti.com.br
mentos Ecológicos e Reposição da Mata Ciliar. O Acampamento Chico Mendes conquistou, em maio, a área anteriormente usada pela transnacional Monsanto para multiplicação de sementes transgênicas de soja e de milho. Local: Acampamento Chico Mendes, Ponta Grossa Mais informações: (41) 345-4225 > DESENVOLVIMENTO Conferência sobre Indicadores de Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida De 26 a 29 O evento pretende debater novas formas de mensurar o progresso e a prosperidade das nações, diferentes do Índice de Desenvolvimento Humano ou do Produto Interno Bruto. A idéia é formatar indicadores de desenvolvimento sustentável que possam auxiliar o planejamento de projetos sociais e ambientais das instituições governamentais que trabalham com desenvolvimento, financiadoras de projetos e das ONGs. Local: Av. Comendador Franco, 1.341, Jardim Botânico, Curitiba
Clássicos sobre a Revolução Brasileira Este pequeno livro contém alguns ensinamentos de dois grandes mestres em Brasil: Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes. Seu objetivo é contribuir para a análise das condições políticas e econômicas que marcam a atual fase de evolução da história brasileira, além de apontar erros e propor diretrizes. Com base nas condições específicas e peculiares à realidade brasileira, Caio Prado Jr. discute o que foi e o que é o Brasil e a revolução brasileira e, levando em conta o passado colonial e as heranças da dominação de classe que sujeitou e sujeita o país até os dias atuais, considera necessário que seja completada a transição da colônia de ontem para a nação de amanhã, com a promoção de uma ampla reforma agrária e a
agenda@brasildefato.com.br
E a essa rápida visão histórica o autor acrescenta os desafios que as forças progressistas devem enfrentar para superar os graves erros cometidos no decorrer da história da luta de classes. Com esses ensinamentos, fica clara a necessidade do enfrentamento do desafio que é a formação da consciência revolucionária do proletariado e da adoção de uma linha política autônoma, que atendam aos interesses estratégicos da luta de classes. (GA) superação da dependência ao capital internacional. Para Florestan Fernandes, as contradições do capitalismo dependente brasileiro apontam para uma direção em que o socialismo desponta como única alternativa capaz de superar as terríveis conseqüências desse sistema selvagem.
CONFIRA Editora Expressão Popular www.expressaopopular.com.br autores: Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes 160 páginas R$ 8,00 (+ reembolso postal)
Mais informações: www.susten tabilidade.org.br, (41) 264-2246, capacitae7e3o@ibqppr.org.br.
SÃO PAULO > TRANSGÊNICOS Fórum Internacional de Biotecnologia e Organismos Geneticamente Modificados Dias 23 e 24 O Fórum, organizado pela AlphaBio, Consultoria e Projetos em Ciências Biológicas e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) está estruturado em quatro mesas-redondas e três minicursos com o objetivo de esclarecer e informar sobre todos os temas relacionados a organismos geneticamente modificados. Local: Centro de Convenções da Unicamp, Campinas Mais informações: (19) 3233-0582, www.alphabio.ib.unicamp.br > TEATRO O Mercado do Gozo Até dia 26, de quinta a sábado às 21h; Domingo às 19h A Companhia do Latão volta ao palco com sua sétima peça, uma criação coletiva dos atores, com texto final de Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano. Como sempre acontece nos trabalhos da Companhia, o espetáculo aborda questões sociais, e nessa montagem o foco principal é a indústria cultural e a capacidade que o capitalismo tem de transformar tudo em mercadoria. Local: Teatro Cacilda Becker, R. Tito, 295, São Paulo Mais informações: (11) 3864-4513 > ECONOMIA Debate: Outra política econômica é possível? Dia 17, 19h Palestrante: César Benjamin, da Coordenação Nacional do Movi-
> FOTOGRAFIA Caminhada Fotográfica Todos os sábados, às 10h O Sesc Interlagos oferece oficinas gratuitas de fotografia em meio à natureza. A atividade é acompanhada por técnicos que estimulam a criatividade, proporcionam conhecimentos técnicos e encontros com amantes da fotografia na produção artística. As oficinas são gratuitas. Para participar basta fazer inscrição antecipada na central de atendimento da unidade. No mês de outubro será trabalhada a temática do Ambiente. Local: Sesc Interlagos, Av. Manuel Alves Soares, 1.100, Parque Colonial, São Paulo Mais informações: (11) 5662-9500 > SEGURANÇA ALIMENTAR Seminário: Segurança alimentar no município de São Paulo Dia 16, das 14h às 15h30 A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) estima que existam no planeta 840 milhões de seres humanos que sofrem de fome crônica, dos quais 799 milhões em países em desenvolvimento. Nos últimos oito anos, esse número diminuiu só em 2,5 milhões por ano. Para atacar esse problema, a FAO escolheu o lema “Aliança Internacional contra a fome”, para o Dia Mundial da Alimentação deste ano. O evento é gratuito e aberto ao público. A Faculdade de Saúde Pública (FSP) realizará o seminário com o objetivo de analisar a abordagem dessa questão nas políticas de combate à fome no município de São Paulo. Palestra da nutricionista e doutoranda em nutrição pela USP, Roseli Lopes de Macedo Leal. Local: Anfiteatro Paula Souza, Av. Dr. Arnaldo, 715, São Paulo Mais informações: (11) 3066-7787 > POBREZA Dia Internacional de Combate à Pobreza Dia 17 No Brasil, a Marcha Mundial das Mulheres, em seu dia de ação contra a pobreza, apresentará à população a campanha pela valorização do salário mínimo. Serão escritas cartas ao presidente da República. O texto afirma que recuperar o valor do salário mínimo é o caminho para o crescimento econômico, para distribuir renda e combater a pobreza. A proposta é dividida em duas etapas: a primeira é dobrar o valor do mínimo em quatro anos; a segunda é elevar o valor do salário mínimo até R$ 730,00. Mais informações: www.sof.org.br/marchamulheres, marchamulheres@sof.org.br
Informe Publicitário COOP. CENTRAL DE CRÉDITO RURAL DOS PEQ. AGRIC. E DA REFORMA AGRÁRIA – CREHNOR CENTRAL ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA EDITAL DE CONVOCAÇÃO O Coordenador Geral da Cooperativa Central de Crédito Rural dos Pequenos Agricultores e da Reforma Agrária - CREHNOR CENTRAL, inscrita no CNPJ sob o nº. 05.879.577/000139, estabelecida a Rua Julio Mailhos, 1376 – sala 08, no município de Sarandi, RS., no uso de suas atribuições que lhe confere o Estatuto Social, CONVOCA todas as cooperativas associadas que nesta data somam 03 (três) em condições de votar, para reunir em ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINARIA, a ser realizada no dia 27 de outubro de 2003 , nas dependências da Sede Social da Cooperativa, situada na Rua Julho Mailhos, 1376, Sala 08, no município de Sarandi –, RS, às 8:00(oito horas) em primeira convocação com a presença mínima de 2/3 (dois terços) dos associados em condição de votar, às 9:00 ( nove horas) em segunda convocação com a presença de metade mais um dos associados em condição de votar e às 10:00 (dez horas) em terceira e última convocação com a presença de qualquer número de associados em condição de votar, para deliberar sobre os seguintes assuntos: 1) – Alteração dos Arts. 26; 29 e seus § I, II; Art 30, § I; Art. 31, § V; Art. 35; 36; Art. 38, I, II; Art. 40 e Art. 40, VII; Art.41 e Art. 41, V, VIII, XI; Art. 42 e Art. 42 IX XII; Art. 43 e seu § único e Art. 49 do Estatuto Social; 2)- Assuntos Gerais de Interesse da Sociedade.
Sarandi (RS), 14 de outubro de 2003. Valdemar Alves de Oliveira Coordenador Geral
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CULTURA
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DEVOÇÃO POPULAR
Círio de Nazaré emociona povo de Belém Dois milhões de pessoas participam do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, uma das maiores festas populares do país da Redação Fotos de Maurício Scerni, enviado a Belém (PA)
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m uma das maiores manifestações religiosas do país, cerca de 2 milhões de pessoas participaram no dia 12 do tradicional Círio de Nossa Senhora de Nazaré, celebrado nas ruas de Belém do Pará há 211 anos. A festa, realizada sempre no segundo domingo de outubro, tem duração média de 5 horas. O Círio, festa de origem religiosa, é símbolo da cultura do paraense, envolvendo culinária típica, homenagens, reunião das famílias e o arraial. A procissão, que atrai milhares de pessoas, vai da Catedral, no centro histórico de Belém, até a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré. Atualmente o Círio é considerado o “natal dos paraenses”. A chegada da imagem em determinados pontos do percurso é marcada pela queima de fogos. A romaria atrai romeiros de toda Amazônia, de vários Estados e até do exterior. A imagem de Nossa Senhora de Nazaré fica exposta à visitação pública até dia 26. Entre os fiéis, há muitos paga-
dores de promessas. Eles acompanham a procissão segurando uma corda de 400 metros, que protege a imagem da santa. Imagem de sacrifício da multidão, a corda é motivo de disputa em todo o percurso. A tradição do Círio de Nazaré começou, em Belém, no início do século XVIII, quando Plácido José de Souza encontrou uma imagem da santa em um igarapé, enquanto dava água ao gado. A imagem levada para casa tornou-se atração para viajantes e moradores da pequena Belém colonial. Aos poucos, o povo passou a atribuir milagres à Virgem de Nazaré, sagrada padroeira do Pará. A devoção repete a história do Círio, que em Portugal nasceu na cidade de Nazaré, com uma imagem supostamente esculpida por São José. Em Belém, a imagem original achada por Souza tem 28 centímetros e fica no Glória, uma espécie de nicho na Basílica Nazaré. Ela já foi restaurada três vezes e nunca saiu da Basílica. Nas procissões é usada uma réplica, abençoada pelo papa João Paulo II em 1980. A imagem da santa é transportada em uma berlinda esculpida em madeira pelo artesão João Pinto,
A berlinda, que leva a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, é um dos símbolos do Círio
em 1964. O andor é decorado com flores compradas no sul do país, por serem mais resistentes ao calor e ao sol forte ao longo da procissão. Doze carros – entre eles os das crianças vestidas de anjos – desfilam durante o percurso. Eles recebem homenagens e recolhem objetos de promessas que simbolizam as graças alcançadas pelos fiéis. Antes da festa, são afixados cartazes nas casas, ruas e no mercado
Uma das mais tradicionais festas religiosas do país, o Círio reuniu cerca de 2 milhões de romeiros este ano; pagadores de promessa acompanham a procissão segurando uma corda de 400 metros, que protege a imagem da santa
Ver-O-Peso. Nos lugares por onde passa, a padroeira é saudada com queima de fogos e chuva de papel. Uma das mais antigas homenagens é a dos estivadores, que acontece desde 1946. Neste ano, para arrecadar fundos e garantir as homenagens à padroeira dos paraenses,os estivadores da ativa descontaram 30% da renda pelos trabalhos realizados. O roteiro cultural também faz parte da festa. O tradicional arraial de
Nazaré traz um parque de diversões à cidade. A Barraca da Santa também faz parte da programação obrigatória, com pratos típicos da culinária paraense. Uma curiosidade da barraca é a “sociedade do descanso”, loja especializada em alugar cadeiras para as pessoas que quisessem olhar a barraca. Maurício Scerni, repórter fotográfico do Brasil de Fato no Rio de Janeiro, há três anos vem documentando a festa.