Ano 3 • Número 106
R$ 2,00
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São Paulo • De 10 a 16 de março de 2005
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Igualdade, liberdade, justiça e paz
No Dia Internacional da Mulher, mais de 40 mil participam da Marcha Mundial de Mulheres pelas ruas da capital paulista
A batalha ainda não terminou na Bolívia Os movimentos sociais anunciaram que vão prosseguir com os bloqueios de estradas no país. As organizações querem que o governo aumente os impostos para as transnacionais que exploram o gás natural e convoque uma nova Assembléia Constituinte. A tendência é que os conflitos sociais se agravem na Bolívia. O presidente Carlos Mesa se nega a cumprir os com-
promissos definidos na agenda de outubro de 2003, quando as organizações depuseram Gonzalo Sanchez de Lozada e Mesa, então vice-presidente, assumiu. Em vez disso, em uma manobra extremada, Mesa ameaçou renunciar e conseguiu que o Congresso lhe desse mais fôlego político para se opor aos movimentos sociais. Pág. 9
Anatel e polícia fecham rádio comunitária
EUA querem sua democracia na América Latina
Contrariando orientação da Presidência da República, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não mudou sua rotina de fiscalizações e fechou, na semana passada, em parceria com a Polícia Federal, a rádio comunitária Estância, em São Roque, no interior de São Paulo. Grupo interministerial, encarregado de avaliar a regulamentação da radiodifusão comunitária no país, tem até metade do ano para apresentar resultados eficazes. Pág. 4
Estiagem no Sul prejudica agricultores A falta de chuvas no Rio Grande do Sul está produzindo uma realidade caótica principalmente entre os pequenos produtores rurais. A produção de leite caiu cerca de 72 milhões de litros e a saca de soja já perdeu quase metade de seu valor. Agricultores e assentados ligados à Via Campesina e à Federação dos Trabalhadores de Agricultura Familiar (Fetraf-Sul) decidiram se mobilizar para cobrar ações emergenciais dos governos gaúcho e federal. Pág. 13
Dado Galdieri/AP/AE
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ivididas em quatro alas de cores e temas diferentes – igualdade, liberdade, justiça, paz e solidariedade –, cerca de 40 mil pessoas marcharam pelas ruas de São Paulo, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Mais de 50 entidades aderiram à manifestação que lançou a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade. “Desde a década de 80 não vemos uma articulação entre campo e cidade tão forte entre as feministas”, disse Nalu Faria, da Marcha Mundial de Mulheres. O evento consolidou a construção de uma articulação entre as organizações. As mulheres também se mobilizaram em outras cidades do país. Em Brasília, um grupo se encontrou com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, e criticou os cortes orçamentários que prejudicam a reforma agrária. Em Chapecó (SC), cerca de mil mulheres acamparam na praça central. Em Pernambuco, duas mil homenagearam a missionária Dorothy Stang, assassinada no Pará. Pág. 3
Robson Fernandes/AE
Feministas levam cerca de 40 mil pessoas às ruas de São Paulo para lançar a Carta Mundial das Mulheres
A soberania alimentar nas mãos de Lula A Câmara aprovou, dia 2, o Projeto de Lei de Biossegurança, que dá à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) o poder de decisão para liberar transgênicos. Agora, o plantio e a comercialização desses produtos depende de sanção presidencial. Vêm aí ameaças aos pequenos agricultores, ao meio ambiente, à saúde dos consumidores, à soberania alimentar e até à balança comercial. Págs. 2 e 13
Tortura corre solta no Espírito Santo
Pág. 10
Camponeses do Haiti dão lição na luta por terra Pág. 11
Jornalista italiana relata seu seqüestro Pág. 11
Na Bolívia, mais um protesto contra a política econômica de Carlos Mesa
E mais: CUBA — Sociólogo estadunidense James Petras lança campanha pedindo liberdade e Nobel da Paz aos cinco cubanos presos irregularmente nos Estados Unidos. Pág. 10 DEBATE — Manifesto defende que a única saída possível para o Brasil passa pela forte atuação do Estado como gestor de um projeto nacional centrado na questão social. Pág. 14
No Espírito Santo, a situação dos presídios preocupa entidades de defesa dos direitos humanos, como a Pastoral Carcerária, o Conselho Estadual de Direitos Humanos e o Juizado da Quinta Vara de Execuções Penais. Eles denunciam a tortura de presos, superlotação, adolescentes infratores cumprindo pena em presídios, ambiente insalubre e instalações físicas comprometidas. Pág. 5
Cerco político aos povos indígenas Em dois anos de governo Lula, foram assassinados 63 índios, e a tendência é esse quadro de violência se agravar ainda mais. A avaliação é de dom Franco Masserdotti, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Em entrevista ao Brasil de Fato, ele acusa Lula de trair promessas de campanha, ser refém de políticas econômicas que provocam a destruição ambiental e colocam em risco a sobrevivência dos povos indígenas. Pág. 8
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De 10 a 16 de março de 2005
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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NOSSA OPINIÃO
A lei de bio-insegurança
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s interesses das transnacionais e seus testa-de-ferro brasileiros venceram mais uma vez. Infelizmente. Por uma impressionante maioria de mais de 300 votos, sob o protesto de muitos deputados e com a bancada do PT dividida, foi aprovada a Lei de Biossegurança, que na prática libera totalmente o plantio e o comércio de sementes transgênicas no Brasil. Ou seja, agora há liberdade total para as empresas fazerem o que quiserem, e total insegurança total para o ambiente, para os agricultores e para os consumidores. Foi um jogo de astúcia. A direita, que domina os meios de comunicação, o Congresso Nacional e parte do governo Lula, se articulou e escondeu os verdadeiros problemas que há ao redor do tema, mostrando para a população apenas a polêmica pesquisa com células-tronco. E, manipulando a opinião pública, aprovou, sem debate, a lei de transgênicos. Referente à lei dos transgênicos, os movimentos ambientalistas, as entidades da sociedade civil e a Via Campesina exigiam apenas o direito da precaução e o direito de esgotar a pesquisa. O que queriam as transnacionais? O direito de propriedade privada e de monopólio sobre as sementes; o direito de explorar o ambiente, sem qualquer responsabilidade; o direito de cobrar royalties dos agricultores.
Conseguiram, com votos obtidos de deputados e senadores, sabese lá a que preço (comenta-se que, na última campanha eleitoral, deputados de todos os partidos, inclusive os do PT, receberam doações da transnacional Monsanto). Obtiveram sucesso, no mínimo, com a omissão do Palácio do Planalto e com a total articulação do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi atropelada por um trator e ninguém entende por que ainda continua no ministério. Foi uma vergonha nacional, celebrada pela grande mídia burguesa. No programa de governo apresentado ao povo brasileiro durante a campanha presidencial, inclusive com assinatura de Antônio Palocci, ministro da Fazenda, o presidente Lula se comprometeu a manter o direito de precaução e não liberar os transgênicos enquanto a pesquisa não desse respostas satisfatórias. Ledo engano. Afinal, quem ainda acredita em promessa de campanha? Em 2004, os agricultores gaúchos pagaram R$ 80 milhões em royalties para a Monsanto. Agora, as transnacionais poderão cobrar royalties também do algodão, depois do milho, do girassol etc. As empresas agradecem o presente e
certamente, nas próximas campanhas eleitorais, ajudarão a “genuína democracia parlamentar”, abastecida legalmente pelas generosas contribuições do setor privado. Resta agora às entidades ambientalistas provarem ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a Lei de Biossegurança, além de sua irresponsabilidade social, é claramente inconstitucional, pois a Constituição garante o direito à precaução e a defesa do meio ambiente. Aos consumidores, resta a vontade política de se conscientizar, de se mobilizar, para exigir que o governo cumpra as leis do direito do consumidor, de fazer constar nos rótulos a especificação da composição de produtos transgênicos, até agora desrespeitados olimpicamente pela maioria das empresas (no ano passado foram comercializadas mais de cinco milhões de toneladas de soja transgênica gaúcha no mercado interno, e misteriosamente nenhum produto dela derivado constou no rótulo, para o consumidor saber). Por que será que as empresas têm tanto medo de colocar no rótulo da origem transgênica da soja, se ela é tão benéfica para a população? Às gerações futuras caberá o julgamento do nível de comportamento que o Parlamento brasileiro teve nesses anos.
FALA ZÉ
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CARTAS DOS LEITORES CASO DOROTHY STANG O artigo na Tribuna da Imprensa comentando sobre a atuação de dom Tomás Balduíno nas lutas sociais no Brasil falha por não apresentar propostas concretas para a solução do problema em pauta. Dom Tomás Balduíno, sempre correto em suas afirmações, palestras, artigos, propostas de reforma agrária e defesa dos movimentos sociais, também falha ao não apresentar propostas para os problemas ocorridos no Estado do Pará. Vários outros comentaristas têm cometido o mesmo erro. Qualquer pessoa, viajando pelo Brasil, pode observar o criminoso desmatamento e destruição das nascentes nas áreas com plantações de soja, algodão e pastagens. Quantos fiscais do Ibama seriam suficientes lá na Amazônia? 50, 100, 1.000, 10.000 ou mais? Primeiro, é evidente que teríamos que iniciar imediatamente uma reforma agrária pra valer, inclusive confiscando as terras destes desmatadores e madeireiros que tenham ou não firmas registradas. Nossas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) podem perfeitamente ser convocadas, pois se trata de defender a preservação da natureza, dos seres humanos ameaçados e principalmente este incalculável patrimônio tão cobiçado pelas potências hegemônicas mundiais, principalmente pelo império estadunidense. O Batalhão da Selva Amazônica, tão bem treinado para a luta na selva, com rigor, acabaria com estes predadores da natu-
reza e do ser humano. Sua permanência em qualquer região ameaçada não seria temporária, mas sim definitiva, contribuindo inclusive para o desenvolvimento da região, como sempre acontece onde se instalam batalhões das Forças Armadas. Vão alegar que não há dinheiro para tal. Dinheiro, há de sobra. Onde estão os desvios da Previdência? O escândalo do Banestado? O dinheiro das privatizações? O dinheiro do AeroLula? O dinheiro para as tropas no Haiti? O pagamento da divida externa e interna? Blasco Miranda de Ourofino por correio eletrônico SAUDAÇÕES Sou assinante do Brasil de Fato. Acho um jornal comprometido com a verdade, coisa rara nos meios de comunicações deste país. A cada edição que recebemos, com certeza, surgem novidades, denúncias e falcatruas. Mas também saem notícias que nos fazem ter um pingo de esperança. O acordo entre Lula e Chávez. A reportagem sobre o Cooperativismo praticado pela (Copavi) em Paranacity (PR) do MST nos faz acreditar que o nosso Brasil poderá ter solução, é só o senhor presidente Luiz Inácio da Silva deixar o Lula agir. Desde já meus cumprimentos a este jornal pois os senhores estão fazendo um brilhante trabalho. Souto Florianópolis (SC)
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CRÔNICA
A águia e a macroeconomia Leonardo Boff Há anos quando escrevi o livro A águia e a galinha, uma metáfora da condição humana, estudei a fundo o comportamento das águias. E percebi que nele há grandes lições que podemos aplicar a situações atuais. Hoje me proponho recolher uma delas que não pôde ser explorada no referido livro: a forma como as águias ensinam seus filhotes a ser autônomos e a voar com suas próprias forças. É sabido que as águias fazem seus ninhos no alto das montanhas ou na copa das grandes árvores. O tamanho do ninho é considerável: um metro de altura, três de comprimento e dois de largura. Depois de nascer, os filhotes ficam ai por dois meses, alimentados pela mãe até estarem aptos a voar. Após certo tempo, a mãe escasseia a comida. Em substituição, começa a pairar longamente sobre o ninho a fim de mostrar aos filhotes o vigor de suas asas e sua capacidade de voar. Então desce sobre o ninho e começa a empurrar o filhote contra a borda até fazê-lo cair. E ao cair, se apressa em ampará-lo sobre suas asas estendidas. E depois o devolve ao ninho. Repete várias vezes a cena, pairando sobre o ninho, fazendo círculos para desafiar os filhotes a superarem o medo, a
confiarem em suas jovens asas e a quererem voar. E faz isso até os filhotes se libertarem. Curiosamente o livro do Deuteronômio testemunha este fato: “Deus é semelhante à águia que desperta a ninhada, voando sobre seus filhotes, estendendo as asas para segurá-los e carregá-los sobre suas penas” (32,11). É a prova de risco e de coragem que a mãe-águia submete o filhote para que ganhe confiança em suas próprias forças e comece a voar autonomamente. A fim de impedir que volte ao ninho, remexe as folhas e os galhos para fazê-lo não mais habitável. Finalmente, o filhote começa a voar e procura por ele mesmo o seu próprio alimento. Agora é já águia adulta. A lição é cristalina: não podemos ficar eternamente no berço e sob a asas dos pais. Há que enfrentar a vida com seus desafios que muitas vezes nos fazem dizer:”Meu Deus, será que estou à altura”? Percebemos o risco e a possibilidade do fracasso. Mesmo que fracassemos, sempre podemos aprender. Por outro lado, nunca falta alguma asa a nos amparar e algum ombro amigo no qual podemos nos apoiar. Resumindo: vamos ganhando coragem para voar por nós mesmos e seguir
o rumo que nós mesmos traçamos. Outra lição: as tarefas que nos propomos, devem conter exigências que pareçam ir além de nossas forças. Caso contrário, não descobrimos nosso poder nem conhecemos nossas energias escondidas e assim deixamos de crescer. Esta lição aplico-a à atual política econômica do governo. Sabidamente manteve-se a macroeconomia neoliberal, aceitando o receituário do FMI e do Banco Mundial. O que obrigou sacrificar as políticas sociais punindo os pobres. É a opção preguiçosa dos que preferem ser galinhas a águias. Recusam a difícil alternativa de discutir, negociar e pressionar até abrir um caminho novo que faça da economia um instrumento da política social voltada para as maiorias. Essa atitude os faria ser águias e não galinhas. Estes é que garantem as transformações sociais imprescindíveis para superar as desigualdades gritantes. O destino de um povo é ser águia e voar autonomamente. Missão dos políticos é fazer o que fazem as águias com os filhotes: estimular o povo a voar livremente e a plasmar o destino de seu país. Leonardo Boff é teólogo
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NACIONAL RESISTÊNCIA NA LUTA
Mulheres vestem São Paulo de lilás Milhares de pessoas de dezenas de organizações da cidade e do campo comemoram o Dia Internacional da Mulher que subiram no carro de som e começaram seu show. Em suas letras, a defesa dos direitos feministas: “Mulheres, Força, Atitude, Dignidade, Honra, é o que queremos. Lutando contra as armadilhas do preconceito”, dizia a principal música que entoavam para a multidão. Fabiana, 23 anos, que é babá e cuida de uma biblioteca comunitária na favela, quando canta rap, vira Nega Luz. Emocionada, confessou: “Hoje, foi um dia muito importante pra gente. Vendo essa mobilização fico com mais vontade de mudar a sociedade”. Para Talita Alves Lopes, de 16 anos, a mulher ainda não conseguiu seu lugar na sociedade. A seu ver, os homens acham que as mulheres são incapazes. “Isso também é culpa das mulheres. Muitas delas são submissas”, comenta. Talita estava acompanhada de outra jovem. “Estamos apenas ficando”. Segundo ela, na marcha, muitas mulheres e homens olharam espantados para elas.
Anderson Barbosa
Bel Mercês, Dafne Melo e Tatiana Merlino da Redação
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uem passou pela Avenida Paulista no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, em plena terça-feira, foi surpreendido com a presença de 40 mil mulheres em marcha para o centro da capital, cantando palavras de ordem e apresentando suas reivindicações. Mas não foram apenas motoboys, pedestres e trabalhadores da região que se surpreenderam com a massiva presença feminina. Miriam Nobre, coordenadora da Marcha Mundial de Mulheres (MMM) no Brasil, entidade que organizou o ato, também teve suas expectivas superadas. “Falávamos em 30 mil, mas a confirmação da presença de 40 mil pessoas pela Polícia Militar mostra uma adesão ainda maior do que imaginávamos”, avalia. Para Nalu Faria, também coordenadora da Marcha, outro fator importante foi a representatividade do evento, que contou com a presença de mulheres de mais de 50 organizações, entre elas o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Sempreviva Organização Feminista (SOF), União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras. “Desde que eu milito no movimento feminista, na década de 80, que não vemos uma articulação entre campo e cidade tão forte, entre as feministas”, completa Nalu.
MÍNIMO MAIOR
Marcha percorrerá 50 países até chegar, dia 17 de outubro, ao seu destino final em Burkina Faso
QUATRO ALAS Na avaliação de Miriam, o resultado da marcha demonstra que “o feminismo tem um diálogo muito grande com a sociedade”. Segundo ela, desde 2000, quando a Marcha nasceu, houve muitos avanços. Entre eles, a articulação com os movimentos sociais. “A reforma agrária, a discriminação racial e a luta contra os transgênicos foram se incorporando às nossas bandeiras, assim como a luta contra a violência e o aborto fazem parte das bandeiras dos movimentos”, observa. As mullheres da marcha se divi-
SUPERAÇÃO Na concentração, ainda no vão livre do Museu de Arte de São Paulo, a coordenação do ato anunciou: “Temos aqui cerca de 30 mulheres deficientes físicas que precisam de ajuda para acompanhar a marcha. Convocamos voluntárias para adotar uma companheira!” Apesar das dificuldades inerentes à cadeira de rodas e muletas, a maioria das deficientes demonstrava muito ânimo, cantando músicas e hinos e rindo a maior parte do tempo. Dora Simões, do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente, que organizou o
Diversas manifestações e protestos do Dia Internacional da Mulher marcaram a semana em todo o Brasil. Mais de mil camponesas fecharam o trevo de acesso à cidade de Chapecó, Santa Catarina, dia 7, dando início às atividades da mobilização. Depois, seguiram para o centro do município, onde montaram acampamento na praça principal. No dia 8, fizeram o lançamento simbólico da Carta das Mulheres para a Humanidade. Já em São Luís, Maranhão, entre os dias 5 e 8, em frente ao prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), foi montado o acampamento estadual das mulheres trabalhadoras rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No dia 8, a Secretária de Agricultura do Estado, Conceição Andrade, recebeu as mulheres para uma reunião. A pauta incluiu compromissos específicos relacionados às mulheres assentadas, como os programas de atendimento a saúde no campo, a viabilização de campanhas de documentação da trabalhadora rural e o acesso a crédito subsidiado voltado para a produção.
BRASÍLIA Cerca de 60 mulheres da Via Campesina promoveram uma manifestação na porta do Ministério da Fazenda, em Brasília, e um grupo de cinco representantes foi recebido
RAP NA RUA A marcha também contou com a participação massiva de jovens mulheres. As meninas do grupo Luzidio vieram da favela do Inferninho, no município de Embu das Artes, para mostrar o seu rap, pela primeira vez, numa manifestação social de rua. No começo, estavam nervosas, mas ficaram mais à vontade depois
Denise Lima
Mobilizações por todo o país da Redação
grupo, contou que a presença delas foi uma maneira de reivindicar os direitos dessas mulheres, que têm inúmeros problemas de comunicação e acesso ao trabalho, à moradia e ao transporte. “Nossa luta é a mesma das outras mulheres mas, além de tudo, temos dificuldades específicas”, salientou. No Brasil, 15,5% da população tem algum tipo de deficiência física.
o direito ao aborto é uma questão de saúde”, afirma. Ela acha que a questão também é de classe. “As ricas fazem aborto em clínicas, as pobres fazem com agulhas de tricô e remédios. Isso tem que mudar”.
Anderson Barbosa
diram em quatro alas de cores e temas diferentes: igualdade, liberdade, justiça, paz e solidariedade. Clara Charf, viúva de Carlos Marighella, e integrante da coordenação da Secretaria Nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores, lembra das conquistas do movimento feminista desde quando começou a atuar, no final da Segunda Guerra Mundial. “Hoje, discutimos publicamente temas como a violência doméstica. Antes, as mulheres tinham vergonha de falar sobre isso”. De acordo com a petista, mesmo na esquerda há muito machismo. “Não adianta ser revolucionário no discurso e, ao chegar em casa, deixar a mulher fazer todo serviço doméstico. Quero ver como eles se comportam no dia-a-dia”. Clara completa 80 anos em junho, e continua a defender o direito ao aborto. “Hoje, no Brasil,
O aumento progressivo do salário-mínimo foi uma das principais questões levantadas na marcha. O tema estava na ala de cor laranja, que também abordou a questão econômica, soberania alimentar e transgênicos, e reforma agrária. A proposta da Campanha pela Valorização do Salário-Mínimo organizada pela Marcha é dobrar o valor do mínimo para R$ 730. Segundo Miriam Nobre esse aumento não só representaria maior rendimento para os trabalhadores, mas também ajudaria, a longo prazo, a diminuir a desigualdade social. “As diferenças salariais no Brasil são muito grandes. É preciso criar a consciência de que é necessário diminuir essa desigualdade, e até rever nossos hábitos de consumo”, diz. Outra parcela da população que ganharia com a valorização do mínimo é a de mulheres mais pobres. De acordo com documento da Marcha, o aumento do mínimo beneficiaria imediatamente 13,940 milhões de mulheres que ganham até um salário-mínimo. Entre essas, estão 2, 6 milhões de trabalhadoras rurais e cerca de 3 milhões de empregadas domésticas, a maioria negras.
Nesse dia, nem elas mediram esforços para ir à Marcha Em Chapecó (SC), trabalhadoras rurais montam acampamento na praça principal
pelo secretário-executivo do Ministério, Bernard Appy. Elas entregaram um documento se opondo aos cortes no Orçamento Geral da União na área de reforma agrária e ao agronegócio, aspectos indentificados como responsáveis pelo aumento da pobreza no campo. O manifesto enfatiza que quem mais sofre, empobrece e morre no campo são as mulheres. O texto pede também medidas urgentes de prevenção, combate e superação de todas as formas de violência praticadas contra o sexo feminino, punição dos responsáveis diretos e indiretos pelos assassinatos no campo e mudanças imediatas na política econômica, que privilegia os banqueiros. A cidade de Vitória, Espírito Santo, recebeu o 4º Acampamento Estadual das Mulheres Assentadas
e Acampadas do MST, entre os dias 5 e 8. O encontro contou com a participação de trabalhadoras do campo e da cidade, representantes de mulheres indígenas e quilombolas e autoridades políticas. A idéia dos capixabas era dar visibilidade à luta pela reforma agrária, educação, saúde e combate à violência no campo. Já em Recife, Pernambuco, mais de duas mil mulheres tomaram as ruas da cidade e fizeram um ato em uma homenagem à missionária norte-americana Dorothy Stang, assassinada no Pará em razão de conflitos agrários. As manifestantes pretendem cobrar do governo ações pela melhoria da qualidade de vida nas cidades. (Com informações da Agência Brasil — Colaboraram Erick Schuning, Rafael Bavaresco e Rosane Lima)
Brasil é ponto de partida de Carta Mundial A disposição das alas na Marcha não foi ocasional. Os temas seguem os tópicos defendidos pela Carta das Mulheres para a Humanidade, lançada dia 8, em São Paulo. Dentro de cada tópico, são abordadas questões como direito ao aborto, soberania alimentar, reforma agrária, desmilitarização, violência sexista, livre orientação sexual, críticas a acordos de livrecomércio, entre outros. O texto da carta foi fruto da colaboração de mulheres de todo o mundo. “A carta representa o mundo que nós, mulheres, queremos construir”, explica Brigitte Verdière, da Marcha Mundial de Mulheres. A partir do dia 8, a Carta vai percorrer 50 países, onde ocorre-
rão manifestações até o dia 17 de outubro, data em que chega ao seu destino final, em Burkina Faso, um dos países mais pobres do continente africano, onde há matrimônios forçados, altos índices de violência doméstica e mutilações genitais. Naquele dia, a Marcha irá coordenar 24 horas de ação feminista em todo o globo. Além da principais cidades de cada país, a Carta passará pelas fronteiras, para simbolizar a integração mundial entre mulheres. De São Paulo, o documento segue para Porto Xavier (RS), onde um ato irá marcar sua passagem para a Argentina. (BM, DM e TM) Para ler a Carta na íntegra, acesse www.sof.org.br
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Espelho
...é antidemocrática Para quem não entendeu o recado da charge, o texto da revista elucida a questão: os sem-terra estariam “mamando nas tetas do Estado”, e usando o dinheiro para financiar “invasões”. Veja tenta mostrar que existe uma correlação direta entre o número de ocupações e o volume de recursos que o MST recebe do governo e afirma que na gestão Lula os sem-terra dispõem de muito mais dinheiro do que em governos anteriores. A tese é um absurdo, mas o fato é que a charge da revista é reveladora: o que Veja não admite é o “leite” da vaquinha do Estado ser usado para promover desenvolvimento social, reforma agrária, democratização dos meios de comunicação e outros avanços. Quer a vaquinha verde e amarela só para ela... E o caloteiro? Não deixa de ser engraçado: praticamente toda a grande imprensa passou o ano de 2002, durante a campanha eleitoral, cobrando do PT sinais claros de respeito aos contratos firmados na gestão de Fernando Henrique. Um dia, Duda Mendonça e os articuladores políticos da candidatura de Lula se encheram e mandaram divulgar a “Carta aos Brasileiros”, para acalmar os mercados. Até Lula começar a governar, ninguém acreditava muito na Carta. Dois anos depois, o candidato derrotado por Lula em 2002, e que fazia campanha baseado justamente no terrorismo da quebra dos contratos, vence a eleição para a prefeitura de São Paulo, assume o cargo e decide... romper os contratos firmados por sua antecessora, Marta Suplicy, dando amplo calote nos fornecedores da prefeitura. Mas o tucano José Serra está tranqüilo, pois a mídia amiga nem se lembra de cobrar coerência de políticos do PSDB. Kirchner paulistano? Na verdade, Serra está se tornando uma espécie de versão paulistana do presidente argentino Néstor Kirchner, que decretou a moratória do país. Nesta semana, o alcaide reafirmou que a dívida da cidade é impagável e que pretende lutar por uma renegociação ampla. Também disse que não vai pagar a todos os credores porque “a prefeitura não tem máquina de dinheiro”. É possível que a prefeitura esteja realmente em situação falimentar, embora não seja esta a versão que circula nos bastidores do Palácio do Anhangabaú. Serra estaria valorizando a crise financeira para justificar uma eventual administração sem brilho; ou lucrar com a melhoria da situação das finanças públicas. Registro necessário Ridícula a polêmica envolvendo a fotografia de Chico Buarque e sua suposta namorada no mar do Leblon. Fez bem quem não publicou a foto, mas fez melhor ainda quem resolveu não discutir os critérios jornalísticos da publicação ou não da foto. Tanto assunto mais importante e gastam tinta com uma besteira deste quilate.
Anatel e PF continuam reprimindo A Presidência da República teria sugerido mudanças nas ações, mas, na prática, nada mudou Bel Mercês da Redação
Milhares aguardam regularização
Q
uinta-feira, 3 de março, mais uma rádio comunitária foi fechada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em parceria com a Polícia Federal (PF), no interior do Estado de São Paulo. Desabilitada sem receber notificação prévia por meio de intimação, procedimento que deveria ser usado, a Rádio Estância, que atendia à população de São Roque, coincidentemente, iria começar a transmitir o boletim de notícias do jornal Brasil de Fato. Ricardo Campolim, da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) de São Paulo, contou que a PF não entregou, como deveria, um documento com a relação dos equipamentos confiscados na Estância, o que deixa a rádio sem provas de que foi repreendida. Marcelo Zelic, também da Abraço, diz que, agora, a repressão é seletiva, que visa, sobretudo as emissoras cujo noticiário questiona politicamente o governo. “O intuito é não deixar as rádios comunitárias se articularem com os movimentos sociais”, afirma. A ação Anatel-PF é sempre a mesma: policiais, armados com metralhadoras e cassetetes, invadem a sede |da emissora, apreendem os equipamentos e levam todos que encontram, algemados, para a delegacia. Segundo Sofia Hammoe, da representação brasileira da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc-Brasil), no governo Lula, a repressão tem sido a pior possível. “No final do ano passado, houve intensa onda repressiva, com operações violentas de fechamento massivo por região. A Anatel fazia uma lista de rádios próximas e, em um único dia, fechava várias”, relata. Apoiada em instrumentos legais
Agentes da PF apreendem equipamentos da rádio comunitária de Sta. Cruz do Sul (RS)
como a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Constituição Federal e o Pacto de São José da Cos-ta Rica (assinado pelo Brasil em 1992), que asseguram o direito de livre expressão aos cidadãos, a Amarc e o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), solicitaram uma audiência à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), sediada em Washington, para denunciar a repressão às rádios comunitárias. A Comissão atendeu ao pedido e, em 28 de fevereiro, o governo brasileiro teve de se comprometer com a OEA a abrir para a sociedade a discussão sobre a legislação de radiodifusão comunitária.
MAIS UM GRUPO Também em função da repressão e da lentidão no processo de análise dos pedidos de legalização das rádios, é que foi criado, em novembro de 2004, a pedido da Presidência da República, um grupo interministerial encarregado de avaliar a fiscalização e a regulamentação da radiodifusão comunitária no país. Coordenado
pelo Ministério das Comunicações, com participação de sete órgãos do governo, o grupo tem prazo de 180 dias, a partir de sua instituição, em janeiro deste ano, para apresentar resultados. O secretário de comunicação eletrônica do Minicom, Sérgio Diniz, coordenador do grupo, diz que, antes de tornar a discussão pública, o grupo teve de ser “nivelado”. Para isso, ele convidou representantes da Anatel às duas últimas reuniões, onde falaram sobre técnica em radiodifusão e fiscalização.
PROMESSAS “Tinha gente no grupo que não entendia nada de rádio comunitária”, admite Diniz, acrescentando que, por isso, não adiantava abrir o grupo às entidades da sociedade civil. “Minha equipe tem de estar em sintonia para responder às reivindicações. Agora que a Anatel explicou o processo, podemos ouvir os pleitos da sociedade civil. As entidades têm que ter paciência”, diz. Sérgio Diniz assegura que o grupo vai estudar meios de agilizar o processo de avaliação dos pedidos
Para uma rádio comunitária ser considerada legal, deve obter a autorização junto ao Ministério das Comunicações (MiniCom). Atualmente, cerca de 2.600 emissoras têm esta autorização. Por outro lado, outras 12 mil estão no ar ilegalmente, com pedido protocolado, aguardando resposta do MiniCom. As rádios são fechadas e autuadas, com base na Lei Geral de Telecomunicações (LGT n. 9742/97), criada em 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. A LGT prevê pena de até 4 anos para quem opere atividade de “telecomunicações” clandestinamente. O confisco do equipamento, para a Anatel, é legitimado com o mandado de busca e apreensão, raramente apresentado nas ações da Polícia Federal.
protocolados no Minicom. E que vai lutar para que as rádios funcionem na legalidade. Ele defende o trabalho de fiscalização da Anatel: “Rádio não pode funcionar sem licença do ministério”. Gilberto Carvalho, assessor direto do presidente Lula, declarou à Agência Carta Maior que a Anatel recebeu orientação de mudar sua rotina de fiscalização durante o período de trabalho do grupo interministerial, que deverá ser notificado antes de qualquer iniciativa de fechamento de emissora comunitária. Como orientação não é lei, a Anatel, que age com autonomia, não atendeu ao pedido. Um dia após a declaração de Carvalho, a Rádio Estância foi fechada.
Em São Paulo, articula-se a resistência Desde o dia 3, circula pelos gabinetes da Assembléia Legislativa de São Paulo, em busca de assinaturas, documento elaborado pelo deputado Simão Pedro (PT-SP) que propõe a criação de uma frente parlamentar em defesa da radiodifusão comunitária no Estado. A idéia do parlamentar é de uma frente mista, composta também de vereadores e deputados federais que queiram aderir à luta. A previsão é que o anúncio da frente parlamentar seja feito até o final do mês. Em entrevista ao Brasil de Fato, Pedro explica por que elaborou esse projeto. Brasil de Fato – Desde quando o senhor está pensando na criação da frente? Simão Pedro – No ano passado, recebi da Abraço a informação de que muitas rádios estavam sendo fechadas no Estado. Então solicitamos uma audiência pública à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia para ouvir os representantes da Anatel e da Polícia Federal. A audiência foi realizada no dia 6 de dezembro e, durante debate com vários deputados presentes, surgiu a idéia de uma frente para organizar a ação dos parlamentares no apoio às rádios comunitárias. Em resumo, a proposta nasceu em função de uma demanda real. BF – Como será a atuação da frente? Simão Pedro – A arena principal será na Assembléia Legislativa e, a partir dela, a ação ganhará o interior, com os vereadores. O principal objetivo da frente é apoiar os movimentos e as entidades de radiodifusão comunitários, para que seja possível construir uma política
Arquivo Pessoal
A vaquinha da Veja... Os líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) são alvo freqüente da ira da publicação semanal mais vendida no Brasil – a revista Veja, da Editora Abril. Há algum tempo, João Pedro Stedile foi retratado em uma montagem fotográfica que o transformava em um James Bond, pistola em punho, ao lado de um texto que o qualificava como fora-da-lei. Na edição desta semana, Stedile reapareceu no semanário mais anticomunista do país, desta vez em um desenho, ordenhando uma simpática vaquinha verde e amarela. Dentro do balde de leite da charge estão os militantes sem-terra, munidos de bandeiras e foices.
Cimi
Luiz Antonio Magalhães
RÁDIOS COMUNITÁRIAS
Cimi
da mídia
NACIONAL
Segundo o deputado, o governo irá cobrar a fiscalização aos abusos de autoridade
nacional. É a ausência dessa política que permite à Anatel e à Polícia Federal continuar a repressão, que vem desde o governo FHC, fechando as rádios. Com aquela velha desculpa de que interferem na comunicação da Aeronáutica, o que não é verdade. BF – A frente daria um basta ao fechamento das emissoras? Simão Pedro – Nós queremos cobrar do governo a fiscalização aos abusos de autoridade, e garantir que não haja interferência das grandes emissoras comerciais. As entidades querem participar do processo, para que o direito à comunicação possa ser exercido em sua plenitude. E querem o fim da repressão. BF – Qual será a posição da frente em relação às entidades de representação das rádios comunitárias? Simão Pedro – Nós vamos cobrar a participação da sociedade civil. Não tem sentido desenvolver um grupo para elaborar uma proposta sem a participação da sociedade organizada. Até porque
Quem é
foi feita, no ano passado, meio às pressas, uma espécie de conferência, que não foi deliberativa, sem uma pauta bem determinada. Os movimentos, por meio das várias entidades, estão reivindicando a realização de uma conferência com método, com organização, para que possam ter participação e voz na formulação de uma política para a radiodifusão comunitária que não existe.
Simão Pedro é deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores de São Paulo e apresentou o projeto de lei que regulamenta o GNU/Linux no Estado de São Paulo. Professor universitário e mestre em sociologia política pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), participou da fundação do PT e é membro da executiva estadual do partido.
BF – Será possível discutir uma legislação estadual paralelamente à discussão da Lei de Comunicação de Massa? Simão Pedro – Na verdade, a comunicação de massa deve ser regulamentada por lei federal. O que houve, inclusive por iniciativa dos vereadores aqui na Câmara Municipal de São Paulo, foi a tentativa de implementar uma proposta de autonomia do município para definir uma política de regulação da radiodifusão. Isso não foi para frente. Queremos que esse assunto volte à tona. Acho difícil pensar em uma legislação estadual, mas a questão de uma regulamentação
municipal deve ser retomada. E nós vamos pressionar. São Paulo é estratégica. Podemos propor moções, fazer audiências públicas, organizar debates. Interferir, no sentido de construir. BF – O senhor propõe a criação de um Conselho Estadual de Comunicação Social... Simão Pedro – A idéia de um conselho federal circula pelo governo central. Como nossa frente é estadual, propomos um conselho em São Paulo para deliberar, acompanhar e formar uma legislação. Evidentemente, com forte participação da sociedade civil. (BM)
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NACIONAL SISTEMA PRISIONAL
No Espírito Santo, um mundo cão O
desrespeito aos direitos humanos e a ineficiência do Estado fazem com que a maioria dos presídios brasileiros sejam verdadeiras bombas-relógio e fábricas de criminosos. No Espírito Santo a situação é alarmante. Abalado por constantes rebeliões, o sistema penitenciário capixaba vem sendo alvo de denúncias feitas pela Pastoral Carcerária, Conselho Estadual de Direitos Humanos e o Juizado da Quinta Vara de Execuções Penais. Foram constatados tortura de presos, superlotação, menores infratores cumprindo pena em presídios, ambiente totalmente insalubre e comprometimento da estrutura física. Esse fato e esse cenário constam de relatórios elaborados por comissão multidisciplinar formada por entidades como Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Conselho Regional de Medicina e Conselho Estadual de Direitos Humanos. Os relatórios foram feitos com base em levantamentos realizados em presídios dos municípios de Viana, Cariacica e Vila Velha, na região metropolitana de Vitória.
PRESENÇA DA PM De acordo com a coordenadora da Pastoral Carcerária no Espírito Santo, Isabel Aparecida da Silva, as torturas e espancamentos ocorrem devido à presença da PM dentro dos presídios, autorizada a partir de um pedido de intervenção feito pelo governo capixaba há seis anos. Em uma vistoria no presídio de seguran-
Entidades de defesa dos direitos humanos denunciam a prática da tortura sob forma de espancamento, tiros de bala de borracha e contaminação por gás lacrimogêneo
ça máxima, em Viana, feita em janeiro pela comissão multidisciplinar no presídio de segurança máxima, foi constatada a prática da tortura em mais de 60 presos, sob forma de espancamento, tiros de bala de borracha e contaminação por gás lacrimogêneo. Para Isabel, a ação violenta da PM nos presídios capixabas inviabiliza qualquer projeto em relação aos presos. “A polícia do Espírito Santo é uma das mais violentas. A Pastoral Carcerária e o Movimento de Direitos Humanos vêm denunciando sistematicamente essa situação, colocando em risco nossas vidas. Até os diretores de presídios podem ser considerados reféns”, afirma. Entidades de direitos humanos do Estado já enviaram relatório ao presidente Lula, Ministério de Justiça e Anistia Internacional, cobrando providências.
coordenadora da Pastoral: a presença da PM é o principal motivo dos espancamentos e rebeliões nos presídios. Segundo Lemos, não há qualquer relação harmônica entre polícia e presos. Ele solicitou várias vezes que a PM deixe os presídios, mas não foi atendido. No relatório da inspeção dos presídios da Glória, em Vila Velha, se verificou que os policiais não têm as mínimas condições para desempenhar suas funções. Faltam desde munições, alojamentos e sistemas de comunicação, até treinamento. A própria PM reconhece a falta de condições de trabalho. Outro dado alarmante é que o armamento utilizado pela polícia e os equipamentos de proteção tampouco são adequados para a atividade. O relatório traz o depoimento de um policial que declara que aprendeu a atirar com o fuzil durante uma rebelião. Os resultados divulgados pela comissão multidisciplinar sobre os presídios de Vila Velha, Viana e Cariacica mostram que até a estrutura
FALTA TUDO O diagnóstico de Carlos Eduardo Lemos, juiz da Quinta Vara de Execuções Penais, é o mesmo da
O poder público pede tempo
Em relação às denúncias apresentadas pela comissão multidisciplinar, a assessoria de comunicação da Secretaria de Justiça e Cidadania do Espírito Santo pediu um prazo de 15 dias para elaborar um conjunto de ações. Até o momento, só houve o anúncio de reformas em presídios da Grande Vitória e interior, incluindo o Hospital de Custódia e o presídio de segurança máxima de Viana. A conselheira nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Marta Falquetto, entende que é necessário montar uma equipe técnica de fiscalização das obras nos presídios, e abrir concursos públicos para agentes carcerários. Em relação à tortura, ela afirma que até o momento nenhum crime dessa natureza foi esclarecido. Para o juiz Carlos Eduardo Lemos, é necessário que o governo estadual defina um plano de ação de curto prazo. Como medidas iniciais, ele propõe maior participação do Ministério Público Federal e a liberação de um presídio construído no município de Colatina, em agosto de 2004, até hoje não inaugurado. Lemos sofre ameaças de mor-
te e afirma que não titubeará em pedir a interdição de presídios no Estado. Quanto à recuperação dos presos capixabas, ele desabafa: só se for pela providência divina, porque eles saem revoltados com o sistema.(EAS)
A situação, em números •
O ES tem 14 presídios, dos quais dez sob jurisdição da Quinta Vara de Execuções Penais. Dos dez presídios, apenas dois atendem as condições mínimas exigidas pela lei. 1.300 presos: esse é o excedente de ocupantes nos dez presídios. 2.500 presos: é o excedente que existe levando em conta os presos de delegacias. Lotação esgotada: há 4.670 presos em todo o sistema carcerário do Estado, 40% acima de sua capacidade.
• • • •
Fonte: Juiz Carlos Eduardo Lemos
MASMORRA Nem mesmo o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), em Cariacica, preenche os requisitos mínimos de dignidade humana. Em ofício enviado ao governador Paulo Hartung (PSB-ES), em janeiro, o juiz Carlos Eduardo Lemos compara o hospital a uma “masmorra medieval”, devido às condições em que se encontram os internos. Durante a inspeção que fez no início de 2004, Lemos se deparou com pacientes dormindo no chão, vários locais com odor insuportável de urina e banheiros destruídos e sujos. E constatou que enfermeiras e médicos não permaneciam no local em tempo integral. O ambiente foi
considerado tão insalubre que o juiz Lemos pediu sua interdição.
PAREDE DE ISOPOR A estrutura física dos presídios está em estado lastimável. Mesmo com constantes reformas, e apesar de alguns serem relativamente novos, sua estrutura foi condenada pelo Corpo de Bombeiros e pelo CREA. No presídio de segurança máxima de Viana, as paredes internas foram construídas com isopor. A edificação tem cerca de cinco anos, foi inaugurada durante a gestão do governador José Ignácio Ferreira e, segundo a assessoria de comunicação da Secretaria de Justiça, foi construída pela firma Blokos Engenharia, uma das maiores do Estado. Na avaliação do juiz Carlos Eduardo Lemos, os gastos com os presídios são elevados e ineficazes. Segundo ele, somente a reforma da Casa de Custódia de Viana vai custar aos cofres públicos o equivalente R$ 500 mil e, mesmo assim, não vai resolver o problema de infra-estrutura e capacidade prisional
DIREITOS HUMANOS
Febem: a crise continua Pastoral Carcerária
Prisões capixabas estão com 40% acima de sua capacidade
física está comprometida, colocando em risco a vida de presos e funcionários. Os integrantes da comissão apontaram problemas na parte elétrica, esgoto, iluminação, proliferação de insetos e fungos, além de deficiências graves na assistência médica, alimentar e judiciária.
Tatiana Merlino da Redação Divergências nas áreas pedagógica e de segurança estão gerando uma crise na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). Representantes de entidades de direitos humanos e de defesa da criança e do adolescente se reuniram com o secretário de Justiça de São Paulo e presidente da Febem, Alexandre de Moraes, dia 7. No encontro, entregaram um documento, com 10 sugestões, pedindo “o fim das intervenções arbitrárias da área de segurança nas áreas técnica e pedagógica e a reformulação do setor de segurança da Febem”. No documento, as organizações também pedem o fim das chamadas “trancas coletivas”, medida que prevê o isolamento dos internos, como punição após fugas ou rebeliões. Segundo as entidades, a medida viola a Constituição Federal, que determina a individualização das punições e a necessidade de apuração prévia para determinar a responsabilidade de cada adolescente. “Temos uma preocupação muito grande com as trancas. Os jovens precisam ser responsabilizados individualmente”, afirma Ariel de Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). Marina Onofre, do Conselho Tutelar de Vila Prudente, acreditou nas boas intenções do secretário, mas ressaltou as contradições na instituição: “A tranca não condiz com o projeto pedagógico”. Alexandre de Moraes responde às críticas dizendo que as trancas coletivas só acontecem quando os jovens que promovem as fugas não são responsabilizados, e “quando é absolutamente necessário”. Para o
Sérgio Castro/AE
Erick Alessandro Schunig de Vitória (ES)
Pastoral Carcerária
Cenário: desrespeito à dignidade humana, omissão e ineficiência do Estado, truculência da Polícia Militar
Repressão ainda faz parte do cotidiano da Febem, nas unidades de São Paulo
padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Menor, as trancas incentivam os jovens a cometer infrações. “O secretário disse que aqueles que não são trancafiados se sentem mal, porque ficam malvistos perante os outros, e acabam fazendo alguma coisa para ficarem como os outros. Eu disse: se isso acontece, tem algo errado”, contestou.
DEMISSÃO As divergências entre as áreas pedagógica e de segurança resultaram na demissão da psicóloga Elizete Miranda, que ocupava o cargo de diretora de divisão do complexo Vila Maria. De acordo com ela, a medida prova que a política de contenção ainda existe na instituição. “O projeto pedagógico ainda está em fase de construção, e, na prática, o que continua acontecendo é repressão”. Elizete ficou na Febem por 28 dias e foi demitida, de acordo com
a assessoria da instituição, por se recusar a cumprir medidas de segurança como a “tranca coletiva”. O estopim para a saída da psicóloga ocorreu dia 1º, quando uma das unidades do complexo teve fuga de 39 internos. Segundo Elizete, a ordem da entidade era que todos os internos fossem trancados, “mas não havia condições para isso, porque não havia ferrolhos nem funcionários para fazer isso”. A assessoria do secretário informou que a medida foi adotada em caráter excepcional. A psicóloga aponta diversas irregularidades na área de segurança, como entrada da tropa de choque da Polícia Militar sem permissão, “falhas no procedimento da revista, e constrangimento dos meninos na hora das escoltas”. Além disso, segundo Elizete, os jovens passam muito tempo na ociosidade, “já que o projeto pedagógico ainda não foi desenhado”.
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NACIONAL DINHEIRO FÁCIL
Bancos: R$ 118 bilhões em juros
Oficialismo mata A CUT nasceu no processo de luta dos trabalhadores – nos anos 70 e 80 – contra o peleguismo e por sindicatos independentes do Estado, combativos, representativos e organizados desde a base. A postura dos dirigentes da CUT em relação ao governo atual está provocando descontentamentos e debandadas. A lição do passado não foi aprendida. Debandada cutista Em seu 24º congresso, realizado em Curitiba, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – Andes – aprovou a desfiliação da CUT, com 196 contra 86 votos, por considerar que a central sindical tem apoiado medidas do governo contrárias aos interesses dos trabalhadores. O Andes representa mais de 70 mil professores de nível superior. Obra tucana Não se sabe ainda se o caso de corrupção citado em discurso do presidente Lula dizia respeito ao empréstimo do BNDES para o grupo estadunidense AES comprar a Eletropaulo, no leilão de privatização durante o governo FHC; o fato é que aquele empréstimo foi totalmente irregular, tem processo na Justiça, e a empresa continua dando calotes no Estado e no povo. Vespeiro conservador A imprensa burguesa, representante dos interesses do imperialismo no Brasil, faz questão de bater pesado nas iniciativas do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, especialmente quando ele puxa outros países para suas propostas, como a emissora pública TV Sul, a empresa petrolífera com Brasil e Argentina e um banco de desenvolvimento só da América Latina. É muita ousadia contra o império neoliberal. Brasil fantasma A história é no mínimo curiosa e merece registro: um assessor direto do ministro Luiz Furlan, que ganhava salário de 6 mil reais por mês, aparece como dono de banco e de empresa localizados em paraíso fiscal, os quais transferiram milhões de dólares para o estelionatário Banco Santos, sob intervenção do Banco Central. Como é possível que ninguém do BC e do governo federal sabia da atuação clandestina do ilustre banqueiro? Dedo duro O jornal inglês Financial Times publicou estranha notícia no dia 25 de fevereiro, segundo a qual o ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, teria recomendado “ao governo dos Estados Unidos imediata reaproximação com a América Latina, para evitar que a região tome rumos perigosos” devido ao crescimento dos governos de esquerda no continente. Dá para acreditar? Avanço argentino Depois de dar um banho na negociação da dívida pública, o presidente Néstor Kirchner, da Argentina, resolveu agora endurecer na negociação das tarifas públicas das empresas privatizadas durante o governo Carlos Menen, nos anos 90. Para segurar os preços da água, energia elétrica e telefonia, Kirchner ameaça até reestatizar as concessionárias. Pergunta adequada Em entrevista para a revista Sem Terra, a escritora chilena Marta Harnecker, depois de analisar que o governo do PT é sustentado por alianças instáveis, ela propõe um estudo baseado na seguinte questão: “Qual foi a contribuição efetiva do governo Lula, desde a sua posse, para a acumulação de forças e o fortalecimento do campo de esquerda no Brasil?” Desespero imoral O autodenominado Grupo de Apoiadores da Gestão da Marta Suplicy tem enviado, pela internet, mensagens emocionadas em defesa da ex-prefeita de São Paulo contra os ataques feitos pela atual administração do PSDB. Vale lembrar que a prefeita petista não combateu o tucanato na sua gestão, nomeou secretários de direita, fez aliança com a Fiesp, alijou a esquerda do PT da campanha eleitoral, bajulou ricos e poderosos até mesmo na denominação de bens públicos. Não é o caso de pedir para a TV Globo defender o seu legado?
Priscila Rangel de Brasília (DF)
E
m muitos casos, o brasileiro paga as maiores taxas de juros do mundo. Em janeiro de 2005, os juros mensais do cheque especial estavam em 8,31% (160,63% ao ano) e 6,21% mensais, em média, eram cobrados nos empréstimos pessoais (106% ao ano). É o que aponta pesquisa da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). O mesmo valia para pessoas jurídicas (empresas): juros de 4,18% ao mês para capital de giro, e 5,75% para conta garantida. A fatura é salgada, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): anualmente, cidadãos e empresas desembolsam R$ 118 bilhões em juros. Com estas taxas, o país continua entre aqueles que possuem os maiores spreads bancários do mundo. (Spread é a diferença entre a taxa cobrada pelas instituições financeiras para emprestar dinheiro, e a taxa que pagam para captar recursos). No Brasil, em 2004, o spread atingiu, em média, 28,1 pontos percentuais, segundo o Banco Central (BC).
Mauricio de Souza/Hoje em Dia/Folha Imagem
O brasileiro paga uma das maiores taxas de juros do mundo
Hamilton Octavio de Souza
Funcionários do banco HSBC, em Belo Horizonte (MG), realizam protesto contra a insegurança e o trabalho aos sábados
tante elevados, mas ainda menores do que no Brasil, de acordo com a pesquisa. É o caso da Argentina, com 15,4 pontos percentuais ao ano; da Bolívia com 13,6; e da Venezuela com 12 pontos. A diferença é ainda maior quando a comparação é feita com o spread anual dos bancos nos países desenvolvidos: 3 pontos percentuais nos EUA; 1,8 ponto no Japão; 3,1 pontos na área do Euro, segundo o Iedi. Isto significa que se um brasileiro adquiriu um empréstimo de R$ 500, em 2003, a arrecadação líquida para o banco (o spread) foi de R$ 218,50. Se, na mesma época, o empréstimo de mesmo valor tivesse sido tomado na Argentina ou no Japão, teria gerado ganhos líquidos de R$ 77 e R$ 9, respectivamente. Para o economista e professor Marcos Cintra, vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas, o que determina o spread bancário é o poder de mercado. “Como a demanda é
CARTEL Em 2003, o país disputava com o Paraguai o título de campeão dos spreads altos. Segundo estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), baseado em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil estava em primeiro lugar, com 43,7 pontos percentuais ao ano – o maior entre 102 países pesquisados. Mas para o BC, à época, o spread seria de 31,9 pontos e o Brasil estaria em segundo, atrás do Paraguai (37,6 pontos percentuais). Outros países latino-americanos também apresentaram spreads bas-
maior que a oferta de recursos e o setor bancário no país é centralizado e cartelizado, o valor do spread vai lá para o alto”.
SEM CONCORRÊNCIA Na avaliação do economista, a concorrência entre os bancos é fraca, eles agem de comum acordo, são oligopolistas e com isso detêm o poder de fixação de preços. “A atuação da Febraban é muito questionável, pois os executivos dos bancos se reúnem lá para traçar estratégias de mercado”, critica. Nos Estados Unidos, diz Marcos Cintra, não existe um órgão que funcione como a Febraban, pois a concorrência entre os bancos é enorme, o que beneficia o consumidor. “Se dois presidentes de bancos são vistos almoçando juntos, já se abre um processo contra eles por suspeita de negociação comercial e, conseqüentemente, de cartelização”, enfatiza Cintra.
O economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Roberto Luis Troster, afirma que a atuação da instituição é cooperativa e não influencia na competitividade entre os bancos que, segundo ele é grande. “Uma prova de que existe muita competitividade no setor bancário é o caso dos bancos estrangeiros, que chegaram cheios de expectativas ao Brasil e não obtiveram grandes resultados por aqui”, exemplifica. Troster afirma que, para baixar o spread bancário no Brasil é preciso reduzir o compulsório (quantia recolhida dos bancos pelo BC para diminuir a liquidez do mercado), os impostos e os recursos direcionados ao crédito rural e imobiliário. Além disso, “para os juros caírem, é necessário aumentar as garantias para quem fornece o crédito”, analisa. (Da Agência Brasil, www.radiobras.gov.br)
INCLUSÃO DIGITAL
Governo enfrenta EUA e defende software livre Luís Brasilino da Redação A disputa entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, no que diz respeito à sociedade da informação, promete marcar o ano de 2005. Será mais um embate entre o bloco dos países em desenvolvimento, que defendem o conhecimento compartilhado como forma de promover inclusão digital e o bloco dos que estão a favor da propriedade intelectual para proteger o patrimônio de grandes corporações. “Os EUA são o principal centro mundial de desenvolvimento de software livre. Foi lá que nasceu o conceito, derivado da noção de liberdade do conhecimento”, informa Carlos A. Afonso, diretor de planejamento da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits). Ao mesmo tempo, porém, as principais empresas de software proprietário do mundo são estadunidenses e estão, como qualquer outro produto, sob forte proteção dos governo do país. No Brasil, o governo federal determinou que todos os programas comprados por entidades públicas ou para projetos que envolvam recursos públicos sejam prioritariamente de tecnologia livre. “Além disso, há uma campanha para que outros setores, além da União, migrem para essa plataforma em nome da liberdade do conhecimento, da independência em relação a monopólios mundiais do software, e para evitar a evasão de recursos com pagamento de licenças a empresas estrangeiras”, conclui Afonso.
Juliana Bruce/ Ciranda
Fatos em foco
Sérgio Amadeu, presidente do ITI, alerta para possíveis ameaças dos Estados Unidos
Segundo Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), autarquia vinculada à Casa Civil da Presidência da República, é preciso cuidado para que os Estados Unidos não reproduzam a conduta dos tempos das privatizações das empresas públicas brasileiras: “Como obrigar o Brasil a privatizar um segmento econômico? Com sanções comerciais, pressão internacional, com a mídia influenciando a opinião pública brasileira. Os fabricantes de software interferem, por exemplo, diretamente dentro do governo”. Amadeu conta que o Brasil tem condição de contribuir, juntamente com outros países e com a sociedade civil do primeiro mundo, com a criação de um mundo mais igualitário. “Um mundo onde a sociedade
da informação não seja o da reprodução da desigualdade. Os EUA tentam passar a imagem de isolamento do Brasil, o que não é verdade”, revela o presidente do ITI.
AGENDA Entre os dias 17 e 25 de fevereiro foi realizada, em Genebra (Suíça), a segunda reunião preparatória para a próxima conferência da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) – um fórum vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) –, agendada para novembro em Túnis (Tunísia). O encontro marcou de vez a polarização entre as propostas brasileira e estadunidense. A partir de Genebra, começa uma corrida em busca do apoio de diversos países para a proposta final da CMSI, que será concluída em Túnis.
No entanto, entre 8 e 10 de junho, no Rio de Janeiro (RJ), o Brasil pretende conquistar o apoio de seu continente na Cúpula da América Latina e do Caribe. Os Estados Unidos manifestaram interesse em participar do encontro, o que o transformaria em hemisférico, mas os ativistas brasileiros tendem a rejeitar a proposta como forma de minimizar a influência estadunidense. Além disso, o Brasil vai continuar disputando idéias na opinião pública mundial e articulando com governos importantes como o chinês, o indiano e o sul-africano, uma vez que as propostas para a carta final da CMSI só serão tomadas por consenso. “Podemos não avançar, mas devemos evitar que, no plano de ação da Cúpula, entrem dispositivos contrários a nós”, diz Amadeu. Para o presidente do ITI, a chance na CMSI é a Europa perceber que deve tomar um caminho autônomo no cenário internacional, contribuindo para democratizar um pouco mais as relações da informação.
Sociedade da informação — O mundo criado por meio da utilização de tecnologias de informação e comunicação envolvendo aquisição, armazenamento, processamento e distribuição do conhecimento por meios eletrônicos como o rádio, a televisão, o telefone e o computador. Software livre — Programa de computador que pode ser executado, copiado, distribuído, modificado e aperfeiçoado livremente. Software proprietário — Programa de computador pertencente a alguma pessoa ou empresa que pode cobrar de quem quiser utilizá-lo.
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NACIONAL MOVIMENTOS SOCIAIS
Crescem mobilizações contra barragens No Dia Internacional de Luta, 14 de março, mobilizações vão denunciar as injustiças de um modelo excludente poluem o meio ambiente e exportam matéria-prima barata para os países ricos”, argumenta.
Arquivo MAB
Fernanda Campagnucci da Redação
N
o Brasil, mais de um milhão de pessoas foram atingidas pela construção de barragens. Cem mil famílias podem ser expulsas de suas terras nos próximos três anos, período ao longo do qual 70 usinas hidrelétricas estão previstas para sair do papel. É nesse quadro que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), associado a ambientalistas, setores da Igreja e organizações não-governamentais, como a coalizão Rios Vivos (rede internacional de organizações e comunidades), articula para 14 de março o Dia Internacional de Luta contra Barragens. A data é comemorativa do Primeiro Encontro Internacional de Atingidos por Barragens, em 1997, realizado em Curitiba (PR). Na ocasião, atingidos e organizações de 20 países elaboraram a Declaração de Curitiba, que unifica as lutas e institui o 14 de março como dia de ações contra a mercantilização das águas e da energia e contra a conivência do Estado com as empresas transnacionais. Em 2003, na segunda edição do encontro, 62
DESAFIOS
Em 2004, o Movimento dos Atingidos por Barragens organizou uma marcha com 14 mil pessoas de Goiânia a Brasília
países se reuniram em Rasi Salai, na Tailândia. No ano passado, o MAB realizou ocupações de terras e hidrelétricas e protestos em diversos Estados. Na avaliação de Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do movimento, a mobilização de 2005 será muito maior. “Fizemos,
em 2004, uma marcha com 14 mil pessoas de Goiânia a Brasília. Mil lideranças de atingidos e ameaçados por barragens participaram da Conferência Nacional da Terra e Água, em novembro, quando também houve outra jornada contra as empresas. O movimento está crescendo”, relata.
A luta dos ameaçados e atingidos por barragem é também contra a política energética do Brasil que, segundo Cervinski, enquadra-se totalmente no modelo econômico vigente. “As grandes empresas, principalmente da indústria do alumínio, recebem energia elétrica a preços subsidiados pelo governo,
Na semana do dia 14, estão programadas mobilizações em todas as regiões brasileiras, em 15 Estados. Os desafios são muitos: propor alternativas ao modelo energético vigente, que não interessa à população; denunciar injustiças contra as famílias que não recebem indenizações por suas terras, ou recebem valores absurdos, como em Cana Brava, Goiás, onde uma família recebeu R$ 39 reais; conter o avanço de projetos grandiosos, como o Complexo Rio Madeira, entre os Estados de Rondônia e Amazonas, que faz parte de um projeto de infra-estrutura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) para a América Latina, e o conjunto de obras de Tijuco Alto para a Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Votorantim, no Vale do Ribeira (SP), entre outros. “Enquanto houver problemas, as ocupações e mobilizações vão continuar”, afirma Cervinski. Ele repudia a orientação do governo, que insiste em associar as barragens ao desenvolvimento.
Rafael Bavaresco de São Luís (MA) Duzentos e setenta trabalhadores rurais ligados ao MST, acampados em frente ao prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em São Luís, há quinze dias, ouviram de Raimundo João, superintendente de gestão estratégica nacional do órgão, que a situação do antigo assentamento Cabanagem (desde dezembro à espera de perícia judicial) será acompanhada pela Procuradoria Federal. O juiz responsável pelo caso, Roberto Veloso, da 3ª Vara Federal, terá que designar novo perito para a área de 6.200 hectares, de-
nominada Santa Catarina Formiga, no município de Matões do Norte, a 120 km da capital. As famílias, no momento, estão no km 147 da BR-135.
MAIS PROBLEMAS No Maranhão, estão 22% de todos os assentamentos do país, mas ainda existem muitos latifúndios. São 460 áreas em conflito no Estado e cerca de 2.800 famílias sem-terra distribuídas em 15 acampamentos. Alguns com oito anos de espera, como é o caso do “Lote 7”, no município de Lajeado Novo. Em agosto de 1997, 70 famílias ocuparam 500 hectares de um total de 2.820 hectares. Até hoje, não foi feita a vistoria da área; 53 famílias
Em abril, marcha pela reforma agrária Marcelo Netto Rodrigues da Redação Na primeira Marcha Nacional pela Reforma Agrária, em 1997, 1.500 sem-terra andaram 1.200 quilômetros, em 60 dias. Agora, eles vão caminhar menos, mas com muito mais gente. No mínimo 10 mil sem-terra devem marchar por 210 quilômetros, em 17 dias. A Marcha, que tem por objetivo colocar em pauta a reforma agrária e criar condições políticas para a sua realização no governo Lula, sairá de Goiânia em 17 de abril e deve chegar em Brasília no dia 2 ou 3 de maio. Intencionalmente, a chegada da Marcha não vai coincidir com o Dia do Trabalho, um domingo – o que inviabilizaria a entrega das propostas colhidas ao longo do caminho. Organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pela Via Campesina e pelo Grito dos Excluídos, a Marcha vai contar, ainda, com o apoio do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que, juntos, prometem se somar à caminhada com 5 mil representantes. Dois dias antes do início da Marcha, que percorrerá em média 13 quilômetros por dia, o MST realizará atos conjuntos em cinco grandes capitais. O dia 17 de abril foi escolhido por ser o Dia Internacional da Luta
pela Terra e Dia Nacional da Reforma Agrária. A data foi instituída pela Via Campesina Internacional para homenagear os 21 trabalhadores rurais mortos no massacre em Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996. As marchas obtiveram algumas conquistas para os assentados, mesmo durante a gestão Fernando Henrique. Após a Marcha de 1997, pressionado, o governo aumentou de R$ 2.500 para R$ 7.500 o valor do Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (Procera), além de estender seu tempo de carência de 2 para 5 anos. Outra vitória foi a liberação de mais R$ 5.000 para a produção, o que ficou conhecido como “Procerinha”. Da Marcha de 1999, saíram as negociações das dívidas que ficaram fixadas em 10% do valor quando pagas à vista e 30% se financiadas por 15 anos, obtendo ainda três anos de carência. “Marchar não é uma coisa nova para obter conquistas”, diz uma das cartas-convite para a Marcha. “O povo hebreu, que fugia da escravidão do Egito, marchou 40 anos em busca da Terra Prometida, 1.250 anos a.C. Os sem-terra de hoje são os hebreus daquela época. A palavra “hebreu” significa aquele que tem seu lombo curvado de tanto fazer esforços. Como sabemos, a luta pela ‘Terra Prometida’ ainda não acabou e continua 2005 anos depois de Cristo”, finaliza o texto.
ainda resistem; plantam e vivem no local, mas sem saber até quando. Não são menores os problemas de acampamentos mais recentes, como o Oziel Alves Pereira, próximo à BR-010. Há oito meses, 600 famílias ocuparam uma área de propriedade da concessionária de energia Celmar, ocorreu um despejo e hoje aguardam vistorias em fazendas de cidades próximas como Estreito e Açailândia. Algumas terras vistoriadas pelo Incra foram consideradas improdutivas, mas o processo é lento. Enquanto isto, os agricultores continuam trabalhando por diárias em latifúndios, onde ganham de R$ 10 a R$ 12 reais, dependendo da boa vontade dos fazendeiros.
Rafael Bavaresco
Centenas de assentamentos sem solução
Em São Luís, no Maranhão, 270 trabalhadores aguardam regularização de terras
Em São Paulo, protesto contra aumento das passagens Igor Ojeda da Redação Cerca de 200 pessoas participaram, dia 7, de manifestação pelas ruas do centro de São Paulo contra o aumento da tarifa de ônibus. Desde a meia-noite do dia 5, o preço passou de R$ 1,70 para R$ 2,00. O acréscimo, de 17,67%, superou os 15,9 % da inflação medida desde janeiro de 2003 (data do último reajuste) pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Organizado pelo Comitê de Luta pelo Passe-Livre São Paulo, o ato contou com a presença de integrantes de movimentos sociais e estudantes, que caminharam até a sede da Prefeitura. Lá, um assessor do prefeito José Serra se ofereceu para conversar com um ou dois manifestantes, proposta que não foi aceita. “Eles que estão a nosso serviço, que desçam aqui e conversem com a gente, com todo mundo, e não com uma pequena cúpula”, afirmou Mayara Vivian, do comitê.
ALTA EXCESSIVA Além de exigir a volta do valor da passagem para R$ 1,70, os manifestantes apresentaram mais duas reivindicações: o passe-livre para estudantes, jovens e desempregados e a volta da integração
gratuita nos terminais de ônibus, benefício cancelado no final de fevereiro pelo governo Serra. Para Mayara, o ato não se limitou ao protesto pelo preço das passagens. “Estamos aproveitando essa indignação em relação ao aumento da tarifa para conscientizar as pessoas também sobre o passelivre, que é nosso direito, como aconteceu em Salvador e Florianópolis”, diz. Gabriel Coelho Garcia, do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), concorda. Argumentando que, desde 1994, o preço da tarifa de ônibus sofreu um acréscimo de 400%, enquanto a inflação do período foi de 136%, segundo o IBGE, ele reforça a necessidade da luta pelo transporte público gratuito. “Num primeiro momento, o passe-livre seria para estudantes carentes e desempregados, pois as pessoas não têm como pagar a passagem. Não tinham quando era R$ 1,70, têm muito menos agora”.
MAIS VIOLÊNCIA No orçamento municipal de 2005, foram aprovados R$ 360 milhões em subsídios para o sistema de transportes, inclusive com os votos dos vereadores do PSDB, partido do prefeito José Serra. Tal valor garantiria a gratuidade aos idosos e a meia passagem para os estudantes, e ainda asseguraria a manutenção da passagem em R$
1,70 pelo menos até o final do ano. Para o sociólogo Robson Oliveira, o preço das passagens de ônibus tem relação direta com a violência das grandes cidades. Isso porque, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), os trabalhadores já comprometem mais de 50% de seu salário com a cesta básica. Agora, com a tarifa a R$ 2 reais, um paulistano passará a gastar, em média, R$ 100 mensais com transporte público. “Nos últimos dez anos, venho acompanhando a evolução da população de moradores de ruas nas principais cidades do Brasil, EUA e Europa. Verifiquei que, no geral, esta população cresceu mais de cinco vezes em praticamente todas as capitais observadas, e o preço do transporte sempre foi um fator preponderante nesta situação”, afirma Oliveira. Em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Salvador e Porto Alegre, acrescenta, o alto valor das passagens ajudou a levar toda um população residente nas periferias para debaixo da pontes e marquises do centro. “O mais grave é que esta situação, juntamente com a completa falta de alternativas e a fome, vem levando parte da população excluída à prostituição, ao tráfico de drogas e ao crime”, completa Robson Oliveira.
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NACIONAL POVOS INDÍGENAS
Governo vacila e o cerco político se fecha Dom Franco Masserdotti, presidente do Cimi, diz que Lula traiu promessas de campanha e é refém de políticas econômicas
U
m dos maiores exemplos da omissão do governo federal em relação aos povos indígenas é a recusa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em assinar a homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. Essa crítica é de dom Franco Dom Masserdotti, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em entrevista ao Brasil de Fato. A omissão de Lula incentivou os poderes locais a criarem novos obstáculos jurídicos para a conclusão do processo de identificação daquela área. “A cumplicidade ativa de setores do Poder Judiciário nesse processo revela que o cerco político e jurídico se fecha sobre os direitos dos povos indígenas”, diz o bispo do Cimi, organismo criado há mais de 30 anos e ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Dia 25 de fevereiro, dom Dom Masserdotti e sua equipe apresentaram uma análise do atual quadro de violência contra os povos indígenas e seus direitos constitucionais, na nota Paz e Terra para os Povos Indígenas. Segundo a nota, ao contrário do que se esperava, o governo Lula não trouxe nada que sinalizasse uma mudança significativa de rumo das políticas indigenistas. “Essa política de frases bonitas, sem práticas bonitas, cria uma situação de insegurança e fortalece setores contrários aos povos indígenas. A violência que temos visto no Estado do Pará acontece em diversos lugares do Brasil onde há povos indígenas”, analisa o bispo. Em dois anos de governo Lula, foram 63 índios assassinados. A tendência é esse quadro se agravar ainda mais com o avanço do agronegócio, que provoca a destruição ambiental e cultural e coloca em risco a sobrevivência dos povos e de suas formas de vida. “Para os povos indígenas, a terra não é apenas um lugar para o trabalho e para a sobrevivência econômica. É também espaço de sobrevivência cultural, e por isso precisam de terras, e de terras que não estejam ameaçadas”, explica. Brasil de Fato – Que balanço o senhor faz da política indigenista do governo Lula? Dom Franco Masserdotti – Nosso balanço não é positivo. Eu diria que existe uma continuidade, até agora, daquilo que já estava acontecendo no governo Fernando Henrique Cardoso. Tínhamos confiado muito na possibilidade de uma mudança, inclusive com base nas promessas de campanha de Lula. Nos primeiros meses de 2003, encaminhamos ao Ministério da Justiça um miniprojeto para concretizar algumas idéias que o próprio Lula, em campanha, havia apresentado. Reforçamos nossa visão a respeito da necessidade de fazer da questão indígena uma ocasião para uma nova política de democracia participativa. BF – O Cimi defende o fim da Fundação Nacional do Índio (Funai)? Dom Masserdotti – A Funai podia ser repensada, não mais como um organismo vinculado ao Ministério da Justiça, mas como braço executivo das políticas indigenistas, que seriam pensadas e planejadas por meio da participação popular. Haveria um conselho superior das políticas indigenistas com representantes do governo, dos povos indígenas e das entidades indigenistas e interessadas. Isso confluiria depois nesse conselho superior das políticas indigenistas. Quando apresentamos essa proposta, até fomos bem recebidos, ouvimos elogios. Mas, depois, nunca mais fomos consultados.
mundo rural, nos últimos 20 anos houve mais de 800 assassinatos de posseiros em confronto com grileiros e fazendeiros. O caso da irmã Dorothy Stang é símbolo dessa situação que se torna cada vez mais grave.
Ademir Almeida/Diário MS/AE
Paulo Pereira Lima da Redação
BF – Como o senhor avalia a nova presidência na Câmara dos Deputados? Dom Masserdotti – Parece que está prevalecendo um corporativismo escandaloso entre os parlamentares, e cada vez menos é dada atenção a assuntos como o Estatuto dos Povos Indígenas, engavetado há anos. A conjuntura atual torna mais difícil a articulação em favor dos povos indígenas e movimentos populares.
Na região de Dourados (MS), seis crianças indígenas, comprovadamente desnutridas, morreram de janeiro até agora
BF – O projeto foi engavetado? Dom Masserdotti – Sem dúvida. Não é que pretendêssemos que o nosso projeto fosse aprovado, mas que pelo menos toda a problemática fosse reexaminada, entrasse no debate político, levando em conta também o fato que isso fazia parte da campanha política do candidato Lula. Porém, praticamente, isso não deu em nada.
A grande heresia do governo é o fato de que em nome da governabilidade não se governa. Lula é refém dos poderes econômicos e políticos locais e centrais BF – A criação desse conselho é uma sugestão do Cimi, apoiado pelos movimentos indígenas? Dom Masserdotti – É uma sugestão nossa, mas já estava embutida nas próprias propostas políticas da campanha eleitoral do Lula. Era uma tentativa de concretizar aquilo que estava sendo previsto em linhas gerais. Entre os povos indígenas, hoje, o clima é de total decepção, porque não aconteceu nada daquilo que se esperava. A minha impressão é que há uma diferença entre o atual governo e os anteriores: o diálogo é muito mais fácil. Porém, esse diálogo termina em nada. Quer dizer, nascem novas promessas, mas não se chega a qualquer conclusão. BF – Isso vale para a situação da terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima? Dom Masserdotti – Se o presidente assinar o decreto de homologação, sem dúvida, vai abrir as portas para outras homologações que estão emperradas. O problema é que não temos sinais de que isso possa acontecer. Dias atrás, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos prometeu mais uma vez que o decreto seria assinado. De novo, mais uma promessa. BF – Por que essa recusa em assinar a homologação da Raposa/ Serra do Sol. Há empecilhos políticos? Dom Masserdotti – Eu acho que a razão da recusa é simbólica. É paradigmática daquilo que, também, provoca recusa em outros lugares no resto do Brasil, no sentido de que o governo é bastante vacilante e está cada vez mais direcionado a forças políticas contrárias aos povos indígenas. O Lula foi eleito, mas a maioria das bancadas
parlamentares não está de acordo com o programa apresentado em campanha. São forças contraditórias na coalizão que dá sustentação ao governo e que, às vezes, são um pouco oportunistas. Para mim, é muito esquisito conviver numa mesma coalizão siglas tão opostas como o Partido dos Trabalhadores e o Partido Liberal. BF – Como o senhor avalia essas alianças políticas em nome da governabilidade? Dom Masserdotti – A grande heresia do governo é o fato de que em nome da governabilidade não se governa. Em nome da governabilidade não se avança. Eu acho que o Lula é refém dos poderes econômicos e políticos locais e centrais, que condicionam demais as políticas econômicas do governo e o desenvolvimento de políticas sociais mais audaciosas. Sempre acreditei que o poder econômico – quer dizer, quem detém os meios de produção – condiciona a política de um país. É isso o que está acontecendo. Mas eu gostaria também de fazer uma outra observação: a eleição do Lula tinha criado um caminho um pouco milagreiro. Temos um presidente que é do povo, então ele vai resolver todos os nossos problemas. Acontece que, na história, nunca se deu uma democracia de cima para baixo. Uma democracia é sempre feita de lutas populares. Por isso, é preciso continuar o diálogo. Sem muita esperança, mas sem perder por completo a esperança. É necessário também que, de forma democrática e articulada, os movimentos sociais e populares se juntem para fazer pressão social, superando pequenas diferenças. Que possam se unir para ser esse movimento de força, de pressão popular que vem da rua, que vem do mundo rural, para realmente exigir que se realize a democracia que está dentro das normas e do espírito da atual Constituição cidadã.
Queremos ajudar o atual governo para que realmente ele se abra para uma visão mais corajosa, que deixe de lado essa política tão vacilante, tão condicionada BF – Como seria esse movimento de contestação ao governo? Dom Masserdotti – Nós não queremos fazer uma contestação ao governo, no sentido de que-
rer derrubar Lula, sonhando um outro governo que possa fazer melhor pelas causas populares. A gente sabe muito bem que não é por aí. Um cacique indígena lá da Bahia, eleito vereador pelo PT, disse que o seu partido traiu um pouco a causa dos índios, mas também que no PT ainda restaria uns 30% de petistas que amam os índios. Nos outros partidos não há nem 3%. Não é dizer: “Vamos agora derrubar esse governo para construir outro que seja mais de esquerda!”. Não estamos trabalhando nessa perspectiva. Queremos ajudar o atual governo para que realmente ele se abra para uma visão mais corajosa, que deixe de lado essa política tão vacilante, tão condicionada. Deixe de lado também aquela obsessão pela reeleição em 2006, que parece paralisar uma agenda política do governo mais aberta ao social.
BF – A morte de crianças indígenas por desnutrição no Mato Grosso do Sul também revela um descaso do governo e do congresso? Dom Masserdotti – Esses casos são a ponta do iceberg que revela o mal-estar de uma sociedade que não está assumindo seus problemas com seriedade suficiente. Os povos indígenas recebem também pouca atenção da opinião pública. É preciso que casos como esse chamem atenção, muitas vezes do ponto de vista negativo, como no ano passado, quando houve a morte de garimpeiros em Rondônia, na reserva Roosevelt. A imprensa caiu em cima daquele fato, e recordo que naquele dia estávamos juntos na assembléia dos bispos, e dom Antônio Possamai (bispo da diocese de Ji-Paraná) disse: “Nós condenamos esse comportamento, mas devemos também condenar as provocações, condenar o fato de que os Cinta-Larga eram 70 mil e foram reduzidos a 7 mil”. Arquivo Cimi
Até agora, somente 30% das terras foram demarcadas e, muitas vezes, são ameaçadas e invadidas por garimpeiros e mineradores BF – Essa política de alianças partidárias em vista da reeleição pode prejudicar ainda mais os povos indígenas? Dom Masserdotti – Acho que sim. É claro que na política a gente não deve ser ingênuo, mas também não é justo condicionar demais a construção de uma nova democracia participativa, da atuação das normas constitucionais, a esses ventos que sopram de um lado para o outro em função de uma reeleição. No governo Lula foram assassinados 63 índios, a maioria deles por problemas de conflitos de terra. Isso também é devido ao terrível fenômeno da impunidade. Essa violência não é restrita aos povos indígenas, mas faz parte de uma violência maior, que envolve todo o Brasil, muito ligada à problemática da terra. A violência no campo tem como um dos capítulos aquela contra os índios. E se trata de um problema ainda mais grave dada a particularidade em que se encontram esses povos, pela disposição constitucional que exige que essas terras tradicionais sejam devolvidas a eles. Até agora, somente 30% das terras foram demarcadas e, muitas vezes, são ameaçadas e invadidas por garimpeiros e mineradores. Tudo isso faz parte de uma violência mais geral. Só no Pará, epicentro da violência no
Quem é Dom Franco Masserdotti, 63 anos, é bispo da diocese de Balsas, no sul do Maranhão, região do cerrado que vem sendo invadida pela monocultura da soja. Membro da Congregação dos Missionários Combonianos, dom Masserdotti é italiano de Bréscia. Formado em sociologia, está no Brasil há mais de 30 anos.
BF – A retomada das terras pelo movimento indígena tem ganhado força nos últimos anos? Dom Masserdotti – Os povos indígenas não estão apenas cansados de esperar por mudanças. Eles estão vendo que está acontecendo justamente o contrário do que eles esperavam. Um exemplo é o avanço do agronegócio como algo fundamental para o equilíbrio da balança de pagamentos, que se apresenta como salvação da economia brasileira. O agronegócio avança, destruindo a natureza e ocupando as áreas dos povos indígenas. Para os povos indígenas, a terra não é apenas um lugar para o trabalho e para a sobrevivência econômica. É também espaço de sobrevivência cultural, e por isso estes povos precisam de terras, e de terras que não estejam ameaçadas.
Ano 3 • número 106 • De 10 a 16 de março de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO BOLÍVIA
Movimentos mantêm reivindicações E
m meio a uma nova ofensiva dos movimentos sociais bolivianos, o presidente Carlos Mesa decidiu lançar mão de um recurso extremo e enviou ao Congresso, dia 7, uma carta renunciando ao cargo. Com a medida, Mesa sinalizou que não está disposto a recuar frente às mobilizações populares que exigem a realização de reformas contrárias ao neoliberalismo, definidas em outubro de 2003, quando o então presidente Gonzalo Sanchez de Lozada foi deposto e Mesa, vicepresidente, assumiu o posto. O presidente, no entanto, sabia que não corria riscos. Dois dias após seu anúncio, o Congresso decidiu, de forma unânime, pela sua permanência. Os partidos conservadores, aliados de Mesa, são maioria entre os parlamentares. Já os movimentos sociais não queriam que assumisse o posto o presidente do Congresso, o ultraconservador Hormando Vaca Diez. Ao ameaçar deixar seu cargo, o mandatário boliviano colocou em prática uma manobra para se fortalecer politicamente e tentar neutralizar o novo levante dos movimentos sociais.
TRANSNACIONAIS Em 21 de fevereiro, as principais organizações populares se uniram em torno de uma plataforma comum, batizada de “Pacto de Unidad”, e fizeram quatro reivindicações básicas (leia quadro abaixo). A articulação reuniu setores camponeses, indígenas e urbanos e possui, como um dos pontos convergentes, o enfrentamento direto com as transnacionais. A primeira dessas bandeiras é a exigência que o Congresso aprove uma lei elevando a cobrança de royalties sobre o gás explorado na Bolívia de 18% para 50%. Os movimentos entendem que esses recursos naturais devem ser utilizados para apoiar o desenvolvimento industrial do país, e não para serem explorados por transnacionais que enviam sua produção ao exterior, não contribuin-
também podem deixar de nos ajudar”, afirmou. O presidente procurou jogar, ainda, a população contra as organizações. “Não vou governar a Bolívia para um grupo corporativo. Meu compromisso é com você que está aí, que não o deixam circular, não o deixam trabalhar porque todo dia nos seguem ameaçando”, discursou.
DIVISÃO
Milhares de manifestantes participam de protesto em El Alto, na Bolívia, contra o presidente boliviano, Carlos Mesa
do com o desenvolvimento local. Outra reivindicação popular é a expulsão da Águas de Illimani, controlada pela francesa Suez. A empresa foi a única beneficiada pelo programa de privatizações de recursos hídricos da Bolívia, paralisado em 2000 diante da forte resistência da população de Cochabamba. Em 1997, a Illimani passou a explorar o serviço de água potável de La Paz e El Alto. A experiência confirmou as previsões mais pessimistas. A transnacional piorou a qualidade do serviço, elevou as tarifas em mais de 200% e se negou a expandir a rede de abastecimento. “A empresa queria cobrar 400 dólares para fazer novas conexões, enquanto a renda média das pessoas não passava de 1 dólar por dia”, conta Maria Esther Udaeta, integrante da organização não-governamental Comissão para a Gestão Integral da Água, em entrevista ao Brasil de Fato. Detalhe: 25% da população de El Alto não possui acesso à água potável. Os insatisfeitos se articularam na Federação das Juntas de Vizinhos
Demandas populares vão crescer Alex Contreras Baspineiro de La Paz (Bolívia) “Linha dura, linha dura!”, bradavam um dia após o anúncio da renúncia centenas de manifestantes que apóiam o presidente Carlos Mesa. Não aceitam sua saída e pedem que solucione os conflitos sociais do país por meio da força. Mesa reconheceu, no discurso em que anunciou sua decisão, que as escolhas que faz seu governo seguem as recomendações da comunidade internacional, entendida como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e outros organismos de atuação no país. Para Mesa, esse é o motivo pelo qual se deve apresentar uma Lei de Hidrocarburantes que não fira os interesses desses grupos. Mesmo que o presidente asse-
gure que tenha apoio de 60% dos quase 9 milhões de habitantes do país, o certo é que a cada minuto que passa, crescem as demandas dos setores marginalizados. Em 15 meses de governo Mesa, houve 820 conflitos de 12.500 pontos de reivindicação, sendo que 4.250 foram atendidos. As organizações que ratificam o chamado “Pacto de Unidad” decidiram intensificar mobilizações, bloqueios e marchas. Enquanto em El Alto, a terceira maior cidade boliviana, prosseguem as manifestações contra o presidente, e na capital do país se sucedem as manifestações pró-Mesa, os seguidores de Morales bloquearam as estradas e isolaram as principais cidades do país (Santa Cruz, Cochabamba e Sucre). Uma vez mais, a Bolívia se vê em uma encruzilhada. (Agência Latino Americana de Informações, www.alainet.org)
O QUE QUEREM OS MOVIMENTOS SOCIAIS (PACTO DE UNIDADE) 1. Convocação de uma Assembléia Constituinte antes da realização do referendo para a autonomia da província de Santa Cruz, reivindicado pela elite local; 2. Aprovação de uma lei sobre a exploração do gás natural, elevando a cobrança de taxas para as transnacionais de 18% para 50%; 3. Expulsão definitiva da transnacional Águas de Illimani (controlada pela francesa Suez); 4. Fim das negociações do Tratado de Livre Comércio Andino e da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) com os Estados Unidos.
tual para 50%. Dezenas de rodovias que interligam o país foram bloqueadas pelos camponeses e indígenas. A própria capital e sede do govenro, La Paz, ficou sitiada. Frente ao cerco, Mesa surpreendeu e anunciou sua renúncia na televisão, em rede nacional, na noite de domingo, dia 6. O presidente fez um discurso agressivo, responsabilizando o líder da oposição, deputado Evo Morales, do Movimiento al Socialismo (MAS), e o líder da Fejuve, Abel Mamani, pela sua eventual queda. Comprovando a ingerência externa sobre os assuntos bolivianos, Mesa afirmou que a Bolívia poderia ficar ilhada no mundo, pois a comunidade internacional não aceita a proposta dos movimentos sociais. “Isso nos tem dito o Brasil, a Espanha, a França, a Inglaterra e o Fundo Monetário Internacional. Os Estados Unidos
(Fejuve) e foram para as ruas exigir a suspensão do contrato com a transnacional. Acuado pelos protestos, Mesa assinou, em janeiro, um decreto acatando a reivindicação, mas recuou logo em seguida. “O governo veio com uma proposta de firmar um novo contrato para a Suez continuar a explorar a água. Por isso, agora, queremos a saída da transnacional”, explica com exclusividade ao Brasil de Fato, Pablo Solón, secretário da Fundação Sólon e assessor da Fejuve.
BLOQUEIOS Outro estopim da nova crise foi a aprovação, pelos deputados, da Lei de Hidrocarburantes, estabelecendo em 18% a cobrança de royalties da exploração de gás. Os movimentos sociais iniciaram, então, uma ofensiva para o Senado elevar esse percen-
Para Solón, o presidente quer dividir a população. “Mesa detonou um processo de guerra civil de confrontação, não armada, está pedindo implicitamente que setores conservadores enfrentem outros setores”, analisou. Os movimentos sociais enfatizaram também que não exigem a saída de Mesa. Ocorre que, se o presidente sair, quem deve assumir o poder executivo é o líder do Congresso, Hormando Vaca Diez, um político conservador do Estado de Santa Cruz. Recentemente, Vaca Diez apoiou um movimento separatista na região liderado pela elite local ligada ao agronegócio. “As oligarquias querem que, antes de uma Assembléia Constituinte, se aprovem as autonomias, protegendo as empresas e os grandes proprietários de terra de possíveis transformações sociais”, explica Solón Morales classificou a atitude do presidente de chantagem. “Essa renúncia é uma manobra para não cumprir com a agenda de outubro de 2003, que previa a convocação de uma nova Assembléia Constituinte”, disse. Segundo o líder do MAS, enquanto não se alterar a legislação dos hidrocarburantes, os movimentos seguirão mobilizados, bloqueando as estradas. “Agora, sim, conhecemos o verdadeiro Carlos Mesa, aliado das transnacionais, e não defensor do povo boliviano”, completou.
BOLÍVIA EM NÚMEROS População: 8,5 milhões (2002) — 62% rural Composição étnica: Quéchuas (30%), mestiços (25%), aimarás (25%), e brancos (15%) População abaixo do nível da pobreza: 64% Índice de Desenvolvimento Humano: 114ª posição Expectativa de vida: 62 anos (homens) e 66 anos (mulheres) Desemprego: 11,7% Mortalidade infantil: 67,5 mortos em 1000 nascimentos Analfabetismo: 13% Dívida externa: 5,332 bilhões de dólares (3,7 vezes as exportações) PIB: cerca de 21 bilhões de dólares Principais atividades econômicas: petróleo, gás natural, soja Fonte: Instituto Nacional de Estadística
Brasil é favorável à permanência de Mesa Citado no discurso do presidente boliviano, Carlos Mesa, como um dos países que se opõe à reivindicação dos movimentos sociais, o governo brasileiro comentou a crise do país andino com posições contraditórias. Para a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, a ordem do Planalto era de não se envolver nos assuntos internos de países vizinhos. Já o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, informou aos jornalistas em Brasília que, desde que soube da decisão de Mesa, o governo brasileiro iniciou uma articulação entre as nações sul-americanas para defender a permanência de Mesa no poder. O governo brasileiro acompanha com especial atenção o desenrolar da história, sobretudo porque tenta proteger os investimentos da Petrobras no país. Garcia interpretou que o pedido de renúncia poderia funcionar como um “voto de confiança” ao presidente Mesa. De acordo com o diário Valor Econômico, fontes
CMI
Jorge Pereira Filho da Redação
Dado Galdieri/AP/AE
Organizações populares rejeitam chantagem do presidente Carlos Mesa e cobram as reformas prometidas
Partidos conservadores defendem “linha dura” contra os movimentos sociais
diplomáticas teriam manifestado apoio à proposta do presidente de manter em 18% os impostos sobre a exportação do gás. O assessor da Presidência fez, ainda, uma comparação, no mínimo, controversa: disse que o governo brasileiro estava agindo da mesma forma quando houve ameaça ao manda-
to de um presidente legítimo na região – em referência ao golpe contra Hugo Chávez, em 2002. A diferença entre os casos, que salta aos olhos, é que enquanto o presidente venezuelano foi seqüestrado e deposto à revelia, Carlos Mesa, por iniciativa própria, pediu renúncia. (JPF)
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AMÉRICA LATINA IMPERIALISMO
Bush impõe modelo no continente da Redação
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rioridades dos Estados Unidos na América Latina: assegurar a estabilidade política e promover a democracia em Cuba, na Bolívia, no Haiti e na Venezuela; manter a assistência à Colômbia e aos países andinos na luta contra o narcotráfico; impulsionar o livre comércio hemisférico iniciado na América Central. A informação foi fornecida, dia 3, por Roger Noriega, secretário-assistente do governo dos EUA para Assuntos do Hemisfério Ocidental em audiência com o Comitê de Relações Exteriores do Senado. Noriega ressaltou a preocupação do governo estadunidense de que “a agenda demasiado pessoal do presidente Hugo Chávez poderia minar as instituições democráticas em seu país e entre seus vizinhos”. E acrescentou que “apesar de nossos esforços para estabelecer uma relação de trabalho normal com o seu governo, Chávez continua definindo-se como oposicionista aos EUA”. Assim, assinalou Noriega ao Senado, “apoiaremos os elementos democráticos na Venezuela para que possa continuar mantendo o espaço político ao qual têm direito, e incrementaremos a consciência entre os vizinhos da Venezuela sobre os atos de desestabilização de
Marcelo Garcia
Secretário estadunidense diz que EUA vão atuar “para garantir estabilidade” e ampliar livre comércio
O presidente venezuelano Hugo Chávez, em visita à Índia, dia 7, voltou a afirmar que os Estados Unidos pretendem matá-lo
Chávez, com a expectativa de que se unam a nós em defesa da estabilidade, da segurança e da prosperidade da região”. Em relação a Cuba, o secretário informou que estão sendo aplicadas as recomendações da Comissão Presidencial de Assistência a uma Cuba Livre, para “agilizar uma transição democrática”. Segundo ele, os EUA vão continuar apoian-
do a transição política no Haiti e as eleições na Nicarágua, assim como vão fortalecer as instituições democráticas ameaçadas da Bolívia. Noriega reiterou a agenda de “reformas” para abrir as economias e ampliar o livre comércio, enfatizando a aprovação do acordo com a República Dominicana. Reforçou o compromisso para promover o Acordo de Livre Comércio das
Américas (Alca), com destaque para a cooperação do Brasil. “A relação pessoal entre os presidentes Bush e Lula é a mais aberta e positiva na história recente do Brasil”, afirmou.
INTERVENÇÃO NA VENEZUELA A imprensa colombiana denunciou, na semana passada, que os EUA querem dotar a Organização
CUBA
Primeiro, os Estados Unidos impuseram o bloqueio econômico a Cuba alegando que a ilha “exportaria a revolução”. Hoje, o pretexto é de que o governo de Fidel Castro não respeita os direitos humanos. O conceito de direitos humanos no contexto cubano foi o principal tema do seminário “A luta por direitos humanos plenos contra a globalização hegemônica”, promovido dias 3 e 4 pela Associação Cultural José Martí, do Rio de Janeiro. Na abertura dos trabalhos, a professora Zuleide Faria, presidente da Associação, definiu a proposta do encontro: “Este seminário é contra a condenação injusta a Cuba e quer dar início a uma luta internacional”. Depois de ressaltar que Cuba é o país que tem maior quantidade de médicos e de professores per capita do mundo, e também o primeiro em número de medalhas nas Olimpíadas, o embaixador de Cuba, Pedro Nuñez Mosqueda, disse que “a mídia fez um desenho único de direitos humanos como se fosse a única verdade, e não há um modelo único de democracia e direitos humanos. O presidente Hugo Chávez (Venezuela) ganhou seis eleições, mas, com a manipulação das notícias, não aparece para opinião pública como um democrata”. “As organizações não governamentais internacionais fazem denúncias e esquecem Guantânamo, Abbu-Ghabi e o racismo na Europa. Sob esse modelo de direitos humanos, só denunciam os países do Sul e nunca os do Norte. Querem condenar o sistema político, não os direitos humanos. Agradecemos a solidariedade e a única forma de agradecer é dizer que continuamos a resistir”, concluiu o embaixador de Cuba.
advogado e professor João Luis Pinaud, presidente do Centro de Estudos Superiores da Universidade Cândido Mendes: “Condenados sem processo, sem culpa formada, sem o mínimo dos requisitos processuais e penais que orientam o direito internacional. Respeito aos direitos humanos é isso? A luta de Cuba não é só de Cuba, é de toda a América Latina”. Para o ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Batista, atual presidente do Instituto Carioca de Criminologia, “o sujeito jurídico dos direitos humanos é imune a condicionamentos e conceitos de classe. Trata-se de um discurso propício ao imperialismo, que vai salvar, ainda que matando. São direitos humanos submissos ao discurso genocida dos Estados Unidos”. O direito das nações à autodeterminação, soberania e não intervenção foi discutido pelo professor Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que falou do perigo “das guerras preventivas ensaiadas no Iraque, a que Cuba está sujeita”. Segundo Lessa, para quem os EUA põem a “ordem mundial em risco permanente”, Cuba será incluída na política de integração latino-americana agora
capitaneada por Argentina, Brasil e Venezuela.
TERRORISMO O cônsul geral de Cuba, professor Carlos Trejo, lembrou os mais de 45 anos de bloqueio com 691 ações terroristas contra Cuba: “Só falta mesmo a agressão militar”. Ele disse que os cubanos estão preparados para séculos de bloqueio, mas não abdicarão da sua revolução. “A linha editorial dos grandes jornais não permite informações verdadeiras sobre o nosso país. Quando falam de Cuba, falam mal. É o bloqueio informativo. Pode-se mudar a palavra bloqueio para terrorismo”, concluiu. Considerado um verdadeiro desrespeito aos direitos humanos, o bloqueio comercial tem conseqüências dramáticas, como o impedimento da venda de remédios contra câncer. No Brasil, fábricas que tenham 10% de produtos estadunidenses não podem comercializar com Cuba. No final do encontro, que reuniu várias entidades, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que tem representantes estudando em Cuba, foi divulgada uma carta aberta de condenação à política imperial estadunidense, exaltando a resistência cubana.
Nestor Cozetti
Nestor Cozetti e Vitor Munhoz do Rio de Janeiro (RJ)
PRESOS NOS EUA O caso dos cinco cubanos presos nos Estados Unidos (veja reportagem ao lado) foi lembrado pelo
O professor Carlos Lessa: “EUA põem a ordem mundial em risco”
Campanha pela liberdade e Nobel da Paz João Alexandre Peschanki
Seminário lança movimento de solidariedade à ilha
dos Estados Americanos (OEA) de um “instrumento” que permita à organização intervir na Venezuela. Para o argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz em 1980, é possível que Washington promova um atentado contra Chávez, um governo “constitucional, eleito pelo povo e vitorioso no referendo”. Segundo reportagem do jornal El Tiempo, de Bogotá, “Washington começou a mover os pauzinhos para dotar a OEA de um instrumento que permita à Organização intervir em regimes que, a seu juízo, estejam se distanciando da democracia”. Fontes não identificadas garantiram ao periódico que a idéia é mudar a carta democrática do órgão na próxima assembléia geral dos 34 países integrantes, em julho, na Flórida (EUA). Da forma como está redigida, a carta dispõe de mecanismos para intervenção em um país onde foi rompida a ordem constitucional por um golpe de Estado ou onde houve o ascenso de uma ditadura – o que não é o caso da Venezuela. Caso a OEA se preste a ajudar os Estado Unidos a intervir na Venezuela, na opinião de Esquivel, o organismo deverá “desaparecer, pois sua função é democratizar e não prestar serviços a uma grande potência”. (Com agências internacionais)
Os cinco cubanos foram presos em Miami, em 1998
da Redação O sociólogo e professor estadunidense James Petras lançou uma campanha mundial de solidariedade aos cinco cubanos presos irregularmente nos Estados Unidos, acusados de espionagem. A campanha sugere a entrega do Prêmio Nobel da Paz de 2005 aos ativistas Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández, Ramon Labaniño e René González, por terem se tornado símbolo da luta pela paz mundial, numa iniciativa contra o terror. Os cinco foram presos em Miami, nos EUA, em setembro de 1998. O crime: faziam parte de um grupo que colhia informações sobre ações terroristas planejadas pelos extremistas de direita da máfia cubanoestadunidense localizada em Miami. Envolveram-se no combate ao terrorismo sem usar armas, apenas colhendo informações. Os dados eram enviados a Cuba e também a autoridades estadunidenses, a quem alertavam a respeito do tráfico de drogas. Acabaram condenados em um julgamento pleno de irregularidades, realizado em dezembro de 2001, durante o qual os jurados foram pressionados por extremistas de direita cubanos exilados. Antonio Guerrero e Ramon Labañino foram condenados à prisão perpétua; Fernando González a 19 anos de prisão e René González a 15 anos de detenção. O absurdo maior foi a da pena de Gerardo Hernández: duas prisões perpétuas. Depois do julgamento, os cin-
co passaram a ser submetidos a condições carcerárias com sanções adicionais que dificultam particularmente seu contato com as famílias. Eles chegaram a ficar presos incomunicáveis durante 17 meses, em celas estreitas, sem receber notícias. Eram alimentados através de frestas estreitas na porta da cela e submetidos a frio e a luzes permanentes. Várias vezes o governo estadunidense negou aos familiares vistos de entrada para que visitassem os presos. Em outras ocasiões, as autoridades dos EUA marcavam visitas para o inverno — com o objetivo claro de criar dificuldades para o acesso aos presos, que não estão em uma única prisão, mas espalhados pelos EUA: Gerardo está preso na Califórnia, Ramon no Texas, Fernando em Wisconsin, Antonio no Colorado e René na Flórida. A campanha pelo Nobel justifica a escolha porque os jovens deram uma contribuição importante à luta pacífica pela paz, “arriscando tudo para salvar seu povo de atos terroristas e dando um exemplo notável de que um mundo melhor é possível”. A indicação ao Nobel tem de ser referendada por uma personalidade já agraciada com o prêmio. São centenas de candidaturas todos os anos e o vencedor é escolhido em outubro, pelo Comitê Nobel, integrado por cinco membros. O prêmio, entregue no dia 10 de dezembro, aniversário de Alfred Nobel, consta de um diploma e um valor em dinheiro equivalente a 1,35 milhão de dólares. (Com agências internacionais)
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INTERNACIONAL IRAQUE
Jornalista italiana escapa por um triz da Redação
D
ez mil pessoas homenagearam, no dia 6, em Roma, Nicola Calipari, o agente secreto que morreu dia 4, em Bagdá, para salvar a jornalista Giuliana Sgrena, quando o carro que os levava para o aeroporto foi alvejado por tropas estadunidenses, logo depois de a jornalista ter sido libertada de seu seqüestro por insurgentes iraquianos. “Foi um acidente horrível. O presidente Bush telefonou ao primeiro-ministro Silvio Berlusconi para lhe oferecer as suas condolências e assegurá-lo de que haverá uma investigação completa a fim de compreender os fatos”, afirmou Dan Bartlett, assessor de comunicações da Casa Branca. E ressalvou: “Mas, numa zona de combate, particularmente nessa
estrada que leva ao aeroporto, em que ocorreram muitos atentados com carros-bomba, é preciso tomar decisões em frações de segundo e é muito importante conhecer os fatos antes de julgá-los”. No entanto, segundo os sobreviventes, o veículo que conduzia a jornalista e três agentes seguia em velocidade normal e estava chegando à entrada do aeroporto, num itinerário comunicado previamente à embaixada italiana. Giuliana, ferida no ombro, considerou que o ataque pode ter sido contra ela, já que os Estados Unidos não aceitam negociar com seqüestradores. Segundo jornais italianos, o governo Berlusconi teria pago até 6 milhões de dólares pelo resgate. O ministro das Comunicações, Mauricio Gasparri, pediu a Giuliana para se conter. “Compreendo as emoções destas horas, mas os que
estiveram sob estresse nas últimas semanas devem se controlar e evitar dizer coisas sem sentido.” Bush e sua secretária de Estado, Condoleezza Rice, afirmaram que o carro de Giuliana estava a alta velocidade e não atendeu à sinalização de um posto de controle da estrada, o que foi desmentido pela repórter e pelos agentes sobreviventes. A Itália tem 3 mil soldados no Iraque, apesar de a maioria da população italiana ter sido contrária à invasão daquele país. A Câmara dos Deputados, dia 14, vai se pronunciar sobre o financiamento da missão militar italiana. A esquerda já anunciou que vai votar contra e o próprio deputado Raffaele Costa, da Força Itália, o partido de Berlusconi, pediu que seja marcada uma data para a retirada dos soldados. (Com agência internacionais)
Ettore Ferrari/EFE/AE
A caminho de casa, Giuliana Sgrena por pouco não morre baleada “por engano” por soldados estadunidenses no Iraque
Giuliana Sgrena, após ser libertada: “Estadunidenses não querem que você volte”
HAITI
ANÁLISE
Velório do agente de inteligência italiano, Nicola Calipari, em Roma, na Itália
Giuliana Sgrena de Roma (Itália) Ele me fez tirar a venda de algodão e os óculos escuros. Senti alívio, não pelo que estava acontecendo e que eu não entendia, mas pelas palavras deste “Nicola”. Senti finalmente um consolo quase físico. O carro continuava pela estrada. Nicola Calipari agora estava sentado a meu lado. O motorista havia comunicado duas vezes à embaixada e à Itália que estávamos indo direto para o aeroporto, que eu sabia supercontrolado pelas tropas estadunidenses. Faltava menos de um quilômetro. Me lembro só dos tiros. Uma chuva de projéteis calou para sempre as palavras divertidas. O motorista começou a gritar: “Somos italianos, somos italianos...”. Nicola Calipari se jogou sobre mim, para me proteger e, de repente, ouvi o seu último suspiro, enquanto ele morria por cima de mim. Tive uma iluminação. Minha mente lembrou as palavras dos seqüestradores. Eles disseram que eu deveria ficar atenta, “porque são os estadunidenses que não querem que você volte”. Então, eu tinha considerado essas palavras como vazias e ideológicas. Mas agora, no carro, corriam o risco de ser a amarga verdade. O resto ainda não posso contar. Este foi o dia mais dramático. Mas o mês que passei seqüestrada mudou para sempre a minha vida. Toda hora havia uma verificação impiedosa do meu trabalho. Insistiam sobre os relacionamentos pessoais, sobre a família. “Peça ajuda ao seu marido”, diziam. E eu disse isso no primeiro vídeo que vocês viram.
ESPERANÇA E DEPRESSÃO Nos primeiros dias do seqüestro, não chorei nem uma lágrima. Estava simplesmente furiosa e dizia: “Mas como, vocês me seqüestram, a mim que sou contra a guerra?” Eles
abriam um diálogo feroz: “Sim, porque você vai falar às pessoas. Jamais seqüestraremos um jornalista que se fechou num abrigo. Depois, o fato de você dizer que é contra a guerra pode ser um artifício”. Eu dizia: “É fácil seqüestrar uma mulher fraca como eu. Por que não tentam os militares estadunidenses?”. Eu insistia em que eles não podiam pedir ao governo italiano para retirar as tropas, seu interlocutor “político” tinha de ser o povo italiano, que foi e continua contra a guerra. Foi um mês de alternativas entre fortes esperanças e momentos de grande depressão. Como quando, no primeiro domingo depois da sexta-feira do seqüestro, me fizeram ver um telejornal da Euronews. Vi uma gigantesca foto minha dependurada no Palácio da Prefeitura de Roma. E me senti reencorajada. Depois, no entanto, veio a reivindicação da Jihad, que anunciava a minha execução se a Itália não retirasse as tropas. Fiquei aterrorizada. Mas os seqüestradores me diziam que eu devia desconfiar daquela reivindicação. Tratavam-se de “provocadores”. Eu perguntava, “me diga a verdade, vocês querem me matar?” Me convidavam para assistir a um filme na TV. Os seqüestradores me pareciam um grupo muito religioso, rezavam continuamente versículos do Alcorão. Eu vivia num enclave em que não tinha mais certezas. Queria contar o banho de sangue em Faluja pelas palavras dos fugitivos. Os seqüestradores lançavam em meu rosto a sua verdade: “Não queremos ninguém, para que serve esta entrevista?” E agora me pergunto: foi um fracasso aquela recusa deles? Giuliana Sgrena é jornalista (Trechos do artigo publicado no dia 6 no jornal o Il Manifesto, de Roma)
João Alexandre Peschanski de Porto Príncipe (Haiti) A primeira conversa é sobre solidariedade e amizade. Quinze camponeses — nove homens e seis mulheres —, sentados em círculo, falam sobre a importância da confiança. Estão em Bassin Zim, no Plateau Central, região central do Haiti. Anima a conversa um representante do Movimento Camponês de Papay (MPP), principal organização social haitiana, com 200 mil integrantes. O país tem 7,66 milhões de habitantes. Os trabalhadores iniciam a preparação para ocupar uma terra do Estado, de 15 hectares, onde esperam constituir uma cooperativa agrícola. Vivem em uma das áreas mais áridas do Haiti. Não chove há 10 meses. “Com organização, conseguiremos vencer as dificuldades do solo, do clima e da miséria”, afirma a camponesa Zazify Dominique. Nas três próximas reuniões, no período de doze dias, aborda-se a questão fundiária no país. Os encontros fazem parte do processo de formação realizado pelo MPP. Chavannes Jean-Baptiste, da coordenação do movimento, acredita que a luta pela terra depende da constituição de uma nova consciência em relação ao trabalho coletivo e à sociedade. Os camponeses discutem as dificuldades da região. O solo é ruim. A água do rio está contaminada. As sementes são caras. Os bichos morrem de sede. Não há comida. Não há escola. Não há ajuda por parte do governo. Em média, os trabalhadores — e suas famílias, de 4 a 5 filhos — têm de meio a um hectare de terra. Vivem na propriedade, e desta tiram seus alimentos. Zazify diz que a produção é insuficiente para o sustento da família. “Um dia, como eu e dois filhos. Os outros esperam, comem no dia seguinte”, comenta.
agrícola para manter a família com uma média de meio hectare por camponês”, analisa Jean, mostrando o moinho de mandioca, com o qual se produz um pão chamado caçave, comercializado em toda a região. As duas reuniões que seguem tratam do fenômeno da escravidão. Primeiramente, a do passado e, depois, a do presente. Os camponeses de Bassin Zim definem o que consideram ser trabalho forçado. Falam do herói da Independência, Toussaint Louverture, que expulsou os colonizadores franceses em 1804, e comentam a distribuição da terra no país. Entre 70% e 80% da população haitiana vive no campo, mas, em sua grande maioria, são sem-terra. Isso porque grandes extensões estão nas mãos de poucos e são improdutivas. As fazendas lhes foram dadas por governos autoritários, principalmente o de François Duvalier (1957-1971), que distribuía favores — como terras — a seus apoiadores.
REFORMA AGRÁRIA Nos três encontros que seguem, os trabalhadores discutem a necessidade de reforma agrária,
considerada a única saída para acabar com a miséria do país, que atinge 85% da população, segundo estatísticas oficiais. Está em jogo também um novo modelo social. É no que acredita o camponês Miralis Charles, que trabalha para reflorestar seu vilarejo, em Grand Bassin, no Plateau Central. Ele monta estufas, não utiliza qualquer tipo de herbicida e planta dezenas de árvores por dia. A região, desértica, tem apenas 1,5% de sua vegetação original. Na décima-primeira conversa, o animador fala da vida em comunidade. Segundo Jean-Baptiste, é quando se inicia a estratégia para a ocupação de uma terra abandonada. O coordenador do MPP explica que, além da organização do trabalho, a cooperativa depende da criação de valores comuns e do respeito mútuo. No último encontro, define-se o local da ocupação, que deve ser feita sem violência. Os camponeses planejam entrar, juntos, na terra abandonada e produzir mandioca, arroz e feijão. Em cada um dos dez departamentos haitianos, outros camponeses se reúnem, discutem e, pouco a pouco, iniciam a luta pela terra.
Fotos: João Alexandre Peschanski
Alessandra Tarantino/AP/AE
Do seqüestro aos tiros Doze lições para a luta pela terra
Em área árida, trabalhadores haitianos organizam ocupação e plantação
DISCIPLINA E PACIÊNCIA Diz o animador, no quinto encontro: “Para ter êxito na luta pela terra, é preciso ter disciplina, paciência e perseverança”. Os elementos são fundamentais para elaborar a organização da vida em comunidade. É o que salienta Paul Jean, coordenador de uma cooperativa em Terrier Rouge, no nordeste do Haiti, pois “a propriedade é pequena, e precisa ter um esquema exemplar em sua dinâmica”. A terra, conquistada após ocupação de uma fazenda estadual abandonada, tem 22 hectares, onde trabalham 45 pessoas. “É preciso ter trabalho árduo e tecnologia
Na região do Plateau Central, no Haiti, não chove há dez meses
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INTERNACIONAL SUDÃO
União Africana não controla crise Faltam dinheiro, apoio logístico, equipamentos e decisão política para combater o genocídio em Darfur disse Woods, sugerindo que a ONU assuma no futuro a missão de paz em Darfur.
Nigrizia
Thalif Deen de Nova York (EUA)
A
s tropas da União Africana (UA) enviadas para conter a violência na região sudanesa de Darfur perderam força diante da falta de fundos, apoio logístico e equipamentos. Até o momento, somente foram enviados menos da metade dos 3.320 soldados prometidos pela organização para tentar controlar a grave crise humanitária no Sudão, definida pelo secretáriogeral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, como “um pequeno inferno na terra”. A “força completa da UA foi prometida em outubro. A cada dia de atraso no envio dos soldados é outro dia em que milhares de civis são vítimas de ataques”, disse Adrian McIntyre, da agência humanitária internacional Oxfam. Por sua vez, Emira Woods, do independente Instituto de Estudos Políticos, com sede em Washington, destacou que a União Africana carece de recursos e que “a comunidade internacional parece interessada em seu fracasso”. Os problemas em Darfur começaram nos anos 70 como uma disputa entre nômades árabes e agricultores negros. Em 2003, a tensão se transformou em uma guerra civil, quando guerrilheiros negros responderam às hostilidades das milícias Janjaweed (homens a cavalo), ao que parece apoiadas pelo governo. Estima-se que cerca de 400 mil pessoas morreram e 1,6 milhão estão refugiadas desde então. A Libéria, um país de três milhões de habitantes, é o maior contribuinte das missões de paz da ONU, com cerca de 15 mil soldados. A UA pôde enviar até agora cerca de mil soldados para Darfur, uma zona com o mesmo tamanho da França. O representante da União Africana em Cartum, Baba Gana Kingibe, assegurou em fevereiro perante o
INTERESSES ECONÔMICOS
Conselho de Segurança da ONU que a organização trabalhava arduamente para enviar todas as tropas prometidas até maio. Entretanto, assinalou que ainda espera “o indispensável apoio material e financeiro” prometido por Estados Unidos, União Européia, Grã-Bretanha, Canadá, Holanda e Alemanha, entre outros. Em uma recente viagem à Europa, Annan exortou os líderes do bloco europeu e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a ajudarem imediatamente a UA.
FALTAM RECURSOS “O mundo não consegue dar o apoio suficiente e necessário para proteger os civis em Darfur. Foram
População negra de Darfur se mobiliza para resistir ao genocídio
cometidas atrocidades em grande escala e há sofrimento a cada dia”, afirmou a Oxfam em comunicado divulgado, dia 7.”Vemos que as tropas da UA ajudam a reduzir as ameaças de violência nas áreas limitadas onde estão presentes”, disse a diretora regional da organização para o Chifre da África, Caroline Nursey. “Mas, a atual missão da UA necessita de mais recursos e pessoal para fazer seu trabalho da forma apropriada. Uma missão maior que inclua soldados, policiais e civis deve ser enviada o quanto antes”, acrescentou. Uma fonte da Oxfam disse que o
problema não é o fato de os países africanos se mostrarem renitentes a enviar tropas, mas a falta de experiência e as limitadas possibilidades de seus exércitos. Woods afirmou que o presidente estadunidense George W. Bush teve a aportunidade de ajudar Darfur destinando fundos para a UA no orçamento adicional aprovado em fevereiro, mas não o fez. Ativistas indicam que as forças da UA precisam realizar vôos constantes sobre Darfur para impedir bombardeios, e apoio de satélites para ajudar os refugiados. “A comunidade internacional não parece disposta a entregar recursos-chave”,
Unicef
da Redação Cinco cadeiras no Conselho de Segurança da ONU, duas das quais com direito de veto. São essas as exigências que os países africanos vão apresentar no âmbito do projeto de reforma da Organização das Nações Unidas, pelo secretário-geral Kofi Annan e que prevê uma maior representação da África num conselho ampliado para 24 integrantes, ao in-
vés dos quinze atuais. Hoje, a África tem três dos dez membros rotativos do conselho. Com base na proposta redigida pelos ministros das Relações Exteriores dos países africanos, reunidos na Etiópia, dia 8, será a própria União Africana que escolherá os países representantes da África na ONU. Há tempo a Nigéria, a África do Sul e o Egito apresentaram suas candidaturas a membros permanentes do Conselho de Segurança.
Capital sul-africana muda de nome Paulo Pereira Lima
A União Européia não consegue entrar em acordo a respeito das sanções contra o Sudão por causa dos massacres na região de Darfur. As sanções contam com o apoio da Alemanha, Áustria, Holanda e Irlanda, mas sofrem a oposição da Espanha, Itália e Suécia. França e a Grã-Bretanha exigem a aprovação às sanções pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Para a vice-ministra do Exterior alemã, Kerstin Müller, a matança continua porque o governo de Cartum e os rebeldes de Darfur não querem chegar a uma solução política e porque à comunidade internacional falta determinação para impor essa solução. A Alemanha propõe congelar os bens na Europa dos líderes políticos envolvidos no conflito e restringir suas viagens pelo continente. Ulrich Delius, da ONG Sociedade dos Povos Ameaçados, afirma que “o único instrumento eficaz seria um embargo do petróleo; o resto o governo sudanês não leva a sério”. Já o encarregado da ONU em Darfur, Jan Egeland, diz que a quantidade de vítimas do conflito cresce a cada dia, enquanto muitos integrantes de organizações de assistência são seqüestrados e assassinados, o que levou à retirada dessas organizações do Sudão. Uma missão da União Africana tenta controlar um cessar-fogo em Darfur, mas tem apenas 1.800 soldados, um décimo dos policiais de Berlim, para patrulhar um território do tamanho da França. Alguns observadores pensam que devem ser enviada tropas européias e es-
Chifre da África – Região Leste do continente, formada por dez países (Burundi, Dijibuti, Eritréia, Etiópia, Quênia, Ruanda, Somália, Sudão, Tanzânia e Uganda.
Africanos querem mais assentos na ONU
Sanções dividem União Européia Peter Deselaers de Berlim (Alemanha)
Na semana passada, Annan informou ao Conselho de Segurança que a missão de paz de 10 mil soldados prevista para ser enviada ao Sudão teria custo aproximado de 1 bilhão de dólares no primeiro ano de operação. Mas esta força estava originalmente destinada a vigiar o respeito a um acordo de cessar-fogo no sul do Sudão, e não ao controle da situação em Darfur. Por outro lado, a organização humanitária Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York, denunciou no mês passado que os milicianos das Janjaweed atacaram novamente várias aldeias e violaram mulheres e meninas. Deixaram os homens nus, bateram neles presos a árvores e os obrigaram a presenciar as violações. Alguns foram marcados com navalhas quentes. Estes crimes demonstram que a ONU tem de adotar ações urgentes para proteger os civis e castigar os responsáveis, afirmou a HRW. Porém, o Conselho de Segurança resiste a punir o governo sudanês e a qualificar a crise de “genocídio”, sobretudo devido ao fato de alguns de seus membros, como Argélia, China, Paquistão e Rússia, têm interesses econômicos, políticos e militares em Cartum. O Sudão produz cerca de 250 mil barris de petróleo por dia, dos quais grande parte vai para a China. Além disso, Pequim e Moscou são os principais fornecedores de armas do governo sudanês. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
Organizações humanitárias reclamam da falta de ações para conter massacre Pretória: agora chama-se Tshwane (“Somos uma coisa só porque vivemos juntos”)
tadunideneses. O Conselho de Segurança resiste a impor sanções ao governo sudanês e a considerar a crise como “genocídio”, sobretudo porque alguns de seus membros permanentes, a China e a Rússia, e rotativos, como a Argélia e o Paquistão, têm relações econômicas com Cartum. O Sudão produz 250 mil barris de petróleo por dia, a maior parte vendida à China. Além disso, a China e a Rússia são os principais forne-
cedores de armas ao Sudão. Com isso, cria-se o impasse. China e Rússia têm poder de veto sobre as decisões do Conselho de Segurança da ONU, o que torna improvável que o Conselho aprove sanções contra o Sudão. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br) África subsaariana – Abrange todos os países de população negra situados ao sul do deserto do Saara.
da Redação Tshwane – este é o novo nome de Pretória, a capital da África do Sul, depois que o Conselho Municipal (equivalente à Câmara Municipal) aprovou a substituição do velho nome colonial, que lembra os tempos do apartheid, por essa palavra zulu que significa “Somos uma coisa só porque vivemos juntos”. Pretória continuará sendo o nome
do centro da cidade, enquanto Tshwane designará a área metropolitana. A cidade foi fundada em 1855 por colonos bôeres (sul-africanos brancos de origem holandesa) e seu antigo nome homenageava Anndries Pretorius, que comandou os colonos na batalha vitoriosa contra os zulus em 1838, em Blood River. Tshwane é o nome de um dos primeiros chefes africanos que se estabeleceram na região.
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AMBIENTE TRANSGÊNICOS
Liberação só depende do presidente Projeto de biossegurança dá todo poder a uma comissão dominada por cientistas comprometidos com transnacionais
E
stá nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a responsabilidade de sancionar o projeto de lei (PL) de biossegurança, aprovado em definitivo pela Câmara Federal, dia 2. Além de liberar as pesquisas com células-tronco, o PL regulamenta o processo de comercialização de produtos transgênicos, em prejuízo da soberania alimentar do país. No dia 7, Roberto Requião, governador do Paraná, enviou um apelo à Presidência da República solicitando veto aos artigos da nova lei que tratam dos organismos geneticamente modificados (OGMs). “É uma última oportunidade que temos para livrar o nosso país da estratégia de dominação empreendida por algumas poucas empresas multinacionais que monopolizam a produção de sementes OGM”, diz trecho da carta. Requião sustenta não haver necessidade tão urgente, vital e decisiva para o presidente sancionar integralmente o projeto. Contudo, Rubens Nodari, gerente de projeto da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), lembra que o apoio dado pelos líderes do governo no Senado (Aloizio Mercadante — PT/SP) e na Câmara (Professor Luizinho — PT/ SP) ao PL de Biossegurança, quando tramitava em suas respectivas Casas, indica que o Planalto é favorável aos transgênicos. O deputado federal Adão Pretto (PT/RS) acredita que só uma grande mobilização nacional poderia
deres de instituições do Executivo. “A sociedade precisa se precaver para não haver outras usurpações, fazendo retroceder mais avanços socioambientais”, alerta.
Celso Junior/AE
Luís Brasilino da Redação
PODEROSA
Movimentos sociais esperam que presidente Lula não sancione lei de biossegurança, que prevê liberação dos transgênicos
gerar um veto presidencial. Para o otimista Edson Duarte, deputado federal (PV/BA), se refletir um pouco mais, Lula não sanciona o projeto. “Até o momento, ele não prestou atenção nas costuras feitas pelo Congresso, revogando atribuições de alguns de seus ministérios. Fazendo isso, ele se dará conta de que é um dos maiores crimes constitucionais da história do Brasil”, garante Duarte. Com outros membros do Partido Verde, o parlamentar baiano propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra as medidas provisórias (MPs) editadas em 2003
e 2004 que liberaram o plantio e a comercialização de soja transgênica. Os argumentos da época são os mesmos utilizados agora para criticar a aprovação do projeto de lei: ao dispensar estudo de impacto ambiental, a liberação de OGM é inconstitucional.
PRÓ-MONSANTO Ao contrário das MPs, no entanto, o PL não libera diretamente transgênicos, a não ser a soja Roundup Ready, da transnacional Monsanto. Para os demais produtos, ela simplesmente regulamenta o processo de liberação. De acordo
com o projeto de lei, quem vai comandar as liberações é a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Nodari conta que o MMA sempre defendeu que órgãos ligados a seu ministério e aos da Agricultura e da Saúde fizessem estudos complementares aos da CTNBio. Mas a proposta aprovada pelo Congresso determina que só em caso de solicitação da CTNBio é que aqueles órgãos entram em ação. O gerente de projetos do MMA classifica a aprovação do PL um primeiro grande retrocesso ao permitir que prerrogativas legais retirem po-
Ainda segundo Nodari, o processo de análise de produtos feito pela CTNBio não tem uma rotina de normas e as liberações podem acontecer muito mais rapidamente. Entretanto, o ponto-chave é a composição da CTNBio. O economista Jean Marc Von der Weid, diretor da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA), conta que, dos 27 membros da Comissão, 12 são indicados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, do ministro Eduardo Campos, defensor dos transgênicos. Adão Pretto vai além: “Sabemos que muitos dos cientistas da CTNBio têm compromisso com a soberania do país, mas a maioria é capacho das multinacionais”. Para Edson Duarte, os poderes conferidos à Comissão são como os do presidente da República. “Ela vai avaliar assuntos econômicos, políticos, ambientais, de saúde pública, dentre outros”, afirma. O deputado diz, ainda, que, por isso, o PL da biossegurança libera em definitivo e sem qualquer segurança os produtos transgênicos. “Reduz os ministérios à condição de só se posicionar quando a CTNBio pedir, humilhando governo e sociedade por meio de uma medida tomada para proteger uma multinacional, em detrimento de toda a biodiversidade”, acrescenta Edson Duarte.
ESTIAGEM
Daniel Cassol e Miguel Stédile de Porto Alegre (RS) Pequenos agricultores e assentados ligados à Via Campesina deram início a uma jornada de mobilizações dia 8, no Rio Grande do Sul, reivindicando medidas emergenciais dos governos estadual e federal para amenizar os estragos de uma das piores secas que atingiram o Estado. Agricultores ligados à Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf-Sul) também estão se mobilizando. Dos 496 municípios gaúchos, 409 decretaram estado de emergência. Em localidades como Cruz Alta, Santana do Livramento e Uruguaiana, o índice de chuvas em fevereiro foi cerca de 80% menor do que o registrado no mesmo mês de 2004, segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater-RS). O mesmo levantamento da Emater de 3 de março mostra algumas conseqüências da seca: o preço da saca de soja caiu de R$ 49,72 para R$ 29,40, e a produção de leite diminuiu cerca de 72 milhões de litros. (Veja quadro). “Nunca vi uma seca como essa, de escassear chuva desde outubro, sem previsão de terminar. Há quem diga que é a pior dos últimos 40 anos”, afirma Telmo Moreira, assentado no município de Piratini, na região Sul do Estado. “A situação é de calamidade total. Onde não tem fonte, tem gente que tem que andar três a quatro quilômetros para buscar água”, relata. A situação de sua região não é diferente em outros locais: safra totalmente perdida, animais e mato nativos mortos, rios secos e terra rachada são paisagens do campo gaúcho nas últimas semanas. Na monocultura, os prejuízos são maiores. “Semeando uma única cultura, é maior o risco que uma seca acabe com todo o investimento”, diz Leonardo Melgarejo, engenheiro
Fotos: João Zinclar
Seca sem precedentes quebra safra gaúcha
Telmo Moreira: “Calamidade total devido à pior seca dos últimos 40 anos”
Via Campesina fecha estradas e cobra ações concretas do governo do Estado
agrônomo da Emater. Ele acrescenta que a monocultura é muito prejudicial também para a terra, que acaba ficando pobre em minerais pelo fato de ter sempre a mesma produção, que retira sempre os mesmos elementos, sem dar tempo para que eles naturalmente se reponham. “Enfim, a diversidade reduz os riscos”, conclui.
Outra iniciativa do governo Rigotto foi contratar uma empresa paulista para bombardear nuvens a fim de provocar chuva. O investimento, estimado em R$ 1 milhão, até agora não deu resultado, devido à escassez de um elemento essencial: nuvem.
PARALISIA Com as mobilizações, a Via Campesina quer cobrar do governo do Estado ações concretas, já que as medidas anunciadas no mês passado pelo governador Germano Rigotto são consideradas insuficientes. De seu lado, o governo federal se limitou a criar um grupo interministerial
para discutir as ações cabíveis. No entanto, para o agronegócio, já foram destinados R$ 6 bilhões em prorrogação de dívidas e créditos. Para o presidente da Emater, Caio Rocha, apesar dos prejuízos, “ há que se ressaltar as iniciativas que tornam mínimas as perdas da lavoura”. Ele se refere àquela prorrogação das dívidas e à promessa de abertura de novos poços artesianos. Na avaliação da Fetraf, há muito pouca fraternidade nas políticas públicas anunciadas até agora. “Pelo jeito, o governo gaúcho ainda não entendeu a gravidade da situação no Estado”, afirmou Altemir Tortelli, coordenador geral da FetrafSul/CUT.
DESEQUILÍBRIOS Para especialistas gaúchos, a forte estiagem não é apenas um fenômeno climático, mas resultado da ação do próprio homem. “A estiagem não é uma ocorrência isolada. Não tenho dúvida que os desequilíbrios ambientais resultam no aumento da temperatura global”, afirma Melgarejo. Tais desequilíbrios, acrescenta,
Os números da estiagem Milho
terá a menor colheita dos últimos 13 anos; a estimativa da produção ficou 55% abaixo do previsto para a safra.
Feijão
quebra de 50%.
Soja
queda de 45% na produção.
Arroz
o preço caiu de R$ 38,76, em média, em 2004, para R$ 24,58.
Leite
redução de 72 milhões de litros, e estimativa de perdas de R$ 40 milhões.
Total
as perdas nas lavouras de milho, arroz, feijão e soja no Estado chegam a 6,3 milhões de toneladas e correspondem à 73% da quebra da safra nacional.
têm como causa fundamental o modelo de desenvolvimento econômico e seu impacto direto no equilíbrio da natureza. Segundo o Ministério de Ciência e Tecnologia, o Brasil é responsável por 3% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa. As queimadas e desmatamentos são responsáveis por 77% das emissões brasileiras de gás carbônico, enquanto a agricultura é responsável pela mesma porcentagem de emissão do gás metano. “Há estudos que mostram um aquecimento de 4 a 4,5 graus no país, reduzindo o volume de chuvas no verão”, explica o engenheiro agrônomo Enio Guterres, assessor da Via Campesina no RS. Ele diz que 40% do território do Rio Grande já teve cobertura vegetal. Com a modernização da agricultura e o desmatamento, a cobertura despencou no final dos anos 90. Hoje, estima-se que esteja em apenas 7%. O agronegócio também é um dos responsáveis pelo aquecimento global. “Esse modelo se apóia na exploração irracional dos recursos naturais e despreza a capacidade de suporte ambiental, a fim de manter a própria estrutura capitalista”, afirma Melgarejo. (Colaborou Raquel Casiraghi)
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DEBATE
Carlos Lessa, Darc Costa, Brigadeiro Ferola, Bautista Vidal e Roberto Requião odo brasileiro deve ter acesso à felicidade de uma vida digna. O Brasil não pode escorregar para o medo do presente, nem para o futuro sem esperança. O brasileiro tem direito à dignidade e à segurança para si e seus filhos. A busca destes direitos é individual, porém cabe à sociedade estar organizada e aos governantes criar e velar pelas condições, de maneira que a busca não se frustre. O emprego, a atividade e a renda adequados são pré-condições para a realização individual. A disponibilidade e o acesso aos bens e serviços básicos, a dignidade nos locais de trabalho e de moradia são essenciais a cada indivíduo para o exercício de vida produtiva e gratificante. O Brasil, tendo como pano de fundo uma história multissecular de exclusão social e de complacência de sucessivas gerações de elite de poder e de dinheiro, com gigantescas distâncias sociais, vive nos últimos vinte anos um crescimento rastejante e assiste à crise social mais grave de sua história. Para milhões e milhões de brasileiros foi dissolvida a esperança e se instalou o medo na vida social. A nossa juventude, sem utopias e sem perspectivas, corre o risco de perder o ânimo. Os pais de família dormem intranqüilos quanto ao futuro. A matriz desta crise é o alto desemprego e o subemprego em níveis sem precedentes, acompanhado de marginalização social e índices crescentes de criminalidade e violência. Frente a este quadro, as elites do dinheiro e do poder pretendem sua unificação cósmica com os seus pares internacionais, pelo consumo, pelo patrimônio e pelos padrões contratuais. Na sua visão global de Brasil, o reduzem a um mercado. Desconhecem e mesmo repudiam a brasilidade. Sustentam um processo político que adota a negativa explícita de encarar a crise como um desafio nacional, a ser superado pelo esforço, combinado e coordenado dos próprios brasileiros. Assumem a crise social como inexorável subproduto da globalização e supõem sua superação num horizonte temporal indefinido, a partir do investidor estrangeiro. O discurso recorrente dos governantes, no último decênio, tem sido que o Estado Brasileiro quebrou, portanto não pode formular, liderar e executar a parte central de um processo de desenvolvimento econômico e social. Este discurso se apóia na idéia de que, na era da globalização, cabe ao capital internacionalizado resgatar o Brasil do subdesenvolvimento. O principal papel que se atribui ao Estado é criar as condições globais e parciais favoráveis à atração do investimento estrangeiro. Ao colocá-lo neste papel decisivo, do exterior surgem as regras de conduta que seus parceiros internos implantam. Declinam da formulação de um projeto nacional. Há neste discurso um misto de ingenuidade e má-fé. Abrir mão da idéia de Nação é reconhecer-se a incapacidade de enfrentar a crise social. O atual espaço-mundo é aberto aos movimentos de mercadorias, capitais, empresas, tecnologias, informações, de gente rica. Veda a livre movimentação da força de trabalho. E as nações prósperas cada vez constroem barreiras mais cerradas às correntes migratórias. Isto estabelece como axioma que a questão social somente é superável com o fortalecimento da Nação. O refrão ideológico de que a crise
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O Brasil tem saída! social será resolvida pelo mercado supõe que o investimento externo é comprometido com o desenvolvimento nacional. Esta é uma suprema ingenuidade. Se a Nação for um mercado em expansão, o investimento externo será por ele atraído. Porém, jamais será espontaneamente o criador deste mercado para o Brasil. O investimento externo foge e desconhece a pobreza. Não tem qualquer compromisso com a inclusão social. Se houver um projeto nacional, nítido e bem-sucedido, será bem-vinda a cooperação coadjuvante do investimento estrangeiro, que aporte tecnologia e recursos. Confiar na sua iniciativa e liderança é permanecer passivo ante o drama social ampliado. Há um componente de equívoco político no que tange ao diagnóstico da crise e à proposta de sua superação. Fortes interesses, beneficiados pela política econômica, se apóiam neste diagnóstico. O Brasil é vítima de uma relação de poder pela qual o aparelho do Estado, em sua instância de formulação e execução de política econômica, foi capturado pelas elites financeiras internacionalizadas, que estabelecem o formato conveniente para seu próprio enriquecimento e hegemonia. A economia política brasileira transformou-se em uma máquina poderosa e eficiente de transferência de renda dos pobres para os ricos, logo de cristalização da exclusão social. O grande capital financeiro, aqui reproduzido, estabeleceu as regras de sua própria internacionalização. Por força dos mecanismos de dolarização criados a seu favor pela elite do dinheiro dominante, a crise social é amplificada pela retração do setor produtivo e do trabalho, em relação às formas especulativas. Tal internacionalização financeira, com taxas básicas de juros reais, nos níveis mais extravagantes do mundo, e com uma política fiscal contracionista e sufocante, agrava recorrentemente a crise social. Fortalecer a Nação, robustecer o Estado Nacional e confiar nas próprias forças, é ampliar o exercício de soberania, premissa básica de qualquer projeto para o Brasil. Cada Estado é uma entidade política definida, inserida no espaço-mundo, do qual depende sob variados aspectos. Soberania não é autarquia. As relações internacionais, multi e bilaterais, são os veículos necessários desta soberania. Cabe exercitá-las com visão estratégica. O Continente sul-americano é ocupado por mais de dez países em situação equivalente ao Brasil. As linhas de força da geopolítica mundial empurram o continente sul-americano e a África subsaariana para a periferia. Nestes espaços cresce a consciência de uma progressiva fragilidade. O Brasil tem que exercitar sua multilateralidade com as nações sul-americanas e africanas. Despojado de qualquer veleidade dominatória. Esta integração é co-constitutiva e alavanca um projeto nacional brasileiro. Devemos, simultaneamente, fortalecer todos os fóruns internacionais. A crise brasileira, à qual as práticas neoliberais nos levaram, só será superada mediante a intervenção forte do Estado Nacional, à frente de um projeto centrado na questão social. Impõe o abandono do atual formato monetário-fiscal. A premissa é o reconhecimento de que o Estado democrático de direito é a instituição de construção do futuro. A cidadania política, pelo exercício do direito do voto, informado pela natureza da crise, pode implantar outro formato. Pode legitimamente acionar a seu favor o poder de regulação da ordem econômica,
que é inerente ao Estado. Não se propõe uma ruptura com o capitalismo mas se propõe, sim, uma ruptura com o neoliberalismo. Aqui não há contemporização possível, nada podemos esperar de bom das políticas neoliberais. O projeto para o Brasil tem que ser entendido como prioridade aos assuntos sociais, à inclusão de todos os cidadãos na plena cidadania civil, política e social
desemprego e o subemprego. A estabilidade deve ser matéria de construção de acordos e pactos entre os atores da vida brasileira. A política econômica a que estamos submetidos sufoca qualquer perspectiva de retomada sustentável do crescimento da economia. Este horizonte é particularmente sombrio para a juventude brasileira, na qual se concentra a maior proporção de desocupados. Cerca de 60% dos jovens
Kipper
MANIFESTO
e na regulação ética do uso de recursos e poderes públicos. Nacionalismo, sem vestígio de xenofobia, é a prevalência dos interesses nacionais na construção das decisões públicas. No caso brasileiro é fundamental a homogeneidade lingüística e cultural da Nação. Em simultâneo, deve ser propiciado o acesso da população nacional às culturas do mundo. É chave do projeto nacional aperfeiçoar todos os estágios do sistema educacional. Fortalecer a organização produtiva exige novos protagonistas econômicos. Os diversos agentes que compõem a chamada economia solidária devem ser incentivados. Em simultâneo, cabe principalizar as micro, pequena e média empresas, estimulando formas de cooperação que permitam a constituição de agregados produtivos equivalentes à grande empresa. Tais agregados, denominados arranjos produtivos locais, têm o mérito de uma aderência indissolúvel com a Nação. Seu controle não é transferível para o exterior, nem pretendem sua multinacionalização. Finalmente, é prioritário o desenvolvimento científico-tecnológico como dimensão crítica de pertencer e participar no espaço-mundo atual. É premissa maior do projeto nacional a certeza de que o Brasil pode ser palco de uma civilização do bem-estar. A partir do estágio de desenvolvimento de forças produtivas já alcançado, da disponibilidade de recursos a incorporar e da competência acumulada por nossa gente, poderemos atingir, em tempo relativamente rápido, padrões dignos de uma nação civilizada. Repudiamos o uso recorrente do alto desemprego como instrumento de estabilização de preços. É uma afronta ao próprio corpo político da Nação que grande parte dos brasileiros estejam afetados, direta ou indiretamente, pelo
de 14 a 25 anos não trabalham, nem estudam e estão ativamente procurando emprego. Está em nossas mãos, a partir de uma virada na política econômica a favor da maioria brasileira, implantar no Brasil o Estado do bem-estar social, onde a cidadania goza e exerce direitos básicos de saúde, de educação, habitação, saneamento e lazer. Estes direitos sociais têm que ser garantidos para todos os brasileiros, inclusive para os que não têm herança ou são portadores de deficiências. Todo aquele que assim o desejar deve ter direito ao trabalho remunerado e exercer uma atividade produtiva e gratificante. Disto emana uma diretiva forte para os planos de longo prazo. Têm que ser priorizados os serviços públicos essenciais, bem como todas as atividades ligadas às cadeias produtivas de bens e serviços da canastra popular. Embora a felicidade seja um conceito subjetivo, a ausência de condições materiais mínimas inviabiliza a realização pessoal de muitos compatriotas. Tem o Brasil um povo tornado admirável. Objeto de desatenção crônica foi capaz de, no exercício de uma sobrevivência difícil, desenvolver traços generosos. É um povo sem arrogância. Não afronta ninguém com a exaltação de suas qualidades e diferenças. Pelo contrário, está sempre aberto à recepção do que lhe chega e de quem chega. É propenso a trocas sincréticas com as demais culturas e visitantes. Para sobreviver, assimila e é extremamente criativo. Sendo precária sua inserção no mundo do trabalho,
valoriza o lugar de moradia. Faz do lugar o espaço de uma permanente socialização e desenvolve mecanismos de solidariedade. Não basta emprego e renda para superar a pobreza. Para a qualidade de vida é necessária a conviviabilidade. Esta é uma qualidade adquirida e consolidada na alma do povo brasileiro. A propensão à festa gigantesca, multiduniária, aberta a todos e sem violência, é a evidência inequívoca de que esta é uma qualidade praticada pelo popular brasileiro. Temos um povo que, tendo reduzidos preconceitos étnicos e religiosos, é capaz de construir uma civilização que renegue a violência. É fundamental que o brasileiro, por uma pedagogia política, amplie tudo o que sabe e a que pratica no lugar, para o âmbito da Nação. Sua fidelidade ao lugar será o fundamento de sua adesão ao primado do interesse nacional e à necessidade da robustez do Estado soberano. O pior legado do neoliberalismo não é, sequer, a atual tragédia social. É o rebaixamento de nossa auto-estima, fazendo com que muitos do povo acreditem não poder aspirar a uma melhoria de vida. O maior crime do neoliberalismo é matar a esperança dos brasileiros no Brasil como um todo. O massacre ideológico da auto-estima só favorece a reprodução de privilégios injustos, para e pelas elites dominantes. Esta situação é apresentada como uma fatalidade pétrea. É cancelada a aspiração de uma melhoria de vida em conjunto com os demais. Esta possibilidade é reduzida a uma selvagem competição com seu irmão e com a rejeição da solidariedade. A saída da crise não será formulada, apoiada ou implementada pelas elites dominantes. Exige a mobilização das instâncias e contra-elites próximas do próprio povo. Este será um ano decisivo, porque precede a sucessão presidencial. Será um desastre histórico insistirmos em um novo ciclo neoliberal. Por isso mesmo, o presidente Lula deve reavaliar suas alianças e visitar seu diagnóstico político-econômico. Eleito para mudar, ou ele muda ou perde sua base social. Temos confiança em que o povo irá em frente, em busca de um novo projeto nacional para o Brasil, independentemente do presidente Lula. Um povo que, a partir de uma prolongada ditadura, constituiu a democracia política sem derramamento de sangue, certamente será capaz de utilizar as liberdades políticas conquistadas para constituir pacificamente a inclusão social no Brasil. Os signatários deste manifesto conclamam o povo a acreditar, em primeiro lugar, na sua capacidade de intervir politicamente. Reiteram sua fidelidade ao ordenamento democrático como instrumento básico de aperfeiçoamento soberano e arbitragem de conflitos. Estão convencidos da potencialidade do Brasil e da qualidade de nosso povo. Os signatários saúdam iniciativas do tipo da Aliança Nacional Pelo Pleno Emprego e a correspondente Frente Parlamentar, que visam a mobilização da sociedade para uma nova política econômica. Carlos Lessa é economista e ex-presidente do BNDES. Darc Costa é ex-vice-presidente do BNDES. Brigadeiro Ferola é ex-comandante da Escola Superior de Guerra e ministro do Superior Tribunal Militar. Bautista Vidal é engenheiro especialista em energia, exministro no governo Geisel. Roberto Requião é governador do Paraná
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA CEARÁ Divulgação
CAMINHADA PELA PAZ Dia 11 A programação é encabeçada pela Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, sob organização da equipe da Campanha da Fraternidade (CF) 2005 do Nova Metrópole. A CF 2005 tem como tema “Felizes os que promovem a paz” e vem sendo discutida na região e celebrada em diversas programações. Local: Concentração na Av. Contorno Norte e encerramento na Av. C, quando haverá um culto ecumênico, Caucaia Mais informações: (85) 3213-1615
RIO DE JANEIRO MOSTRA DE FILMES: COMO ELIMINAR OS HOMENS DA FACE DA TERRA O livro Scum Manifesto: uma proposta para a destruição do sexo masculino, de Valerie Solanas, inspirou a criação dessa mostra de filmes que discute a política relacionada ao papel da mulher, satirizando a supremacia masculina no cinema. Programação: Dia 10: 17h - Bagdá Café; 19h - O estranho que nós amamos; 21h - Este mundo é um hospício Dia 11: 17h - Um tiro em Andy Warhol; 19h - Maus hábitos; 21h - A cidade das mulheres Dia 12: 19h - O estranho que nós amamos; 21h - Bagdá Café Dia 13: 17h - Este mundo é um hospício; 19h - Um tiro em Andy Warhol; 21h - As diabólicas Local: Centro Cultural Banco do Brasil, R. 1º de Março, 66, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 3808-2020
SANTA CATARINA 1º ENCONTRO CATARINENSE DO TERCEIRO SETOR De 30 de março a 1º de abril Realizado pela Fundação Casan e pela Fundação Nova Vida, com o apoio do Ministério Público de Santa Catarina, o evento busca oferecer as informações admi-
Durante encontro haverá uma palestra com a médica Rose Marie Inojosa. Coordenado pela Associação Palas Athenas, o Fórum é parte de um programa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e traz mensalmente um especialista para compartilhar seus conhecimentos e seu trabalho efetivo na construção de uma cultura de paz. A proposta da palestra é dialogar sobre o modelo das redes e sobre experiências que vêm trabalhando com esse modelo, buscando considerar seus ganhos, fragilidades e potencialidades. Local: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Av. Doutor Arnaldo, 715, São Paulo Mais informações: www.comitepaz.org.br 3º SEMINÁRIO PRO-TESTE DE DEFESA DO CONSUMIDOR Dia 17 O tema do seminário, promovido pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro-Teste) é “Alimentos: o consumidor está seguro?”. O evento, em comemo-
ração ao Dia Internacional dos Direitos do Consumidor e ao mês do 14º aniversário de vigência do Código de Defesa do Consumidor, reunirá especialistas internacionais e brasileiros para debater a segurança dos alimentos. Local: Centro de Convenções da Unicamp, Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, Campinas Mais informações: (11) 5573-4696 ramal 204, seminario@proteste.org.br ATO DE SOLIDARIEDADE À CUBA Dia 28 No dia em que as Nações Unidas devem votar sanções contra Cuba, propostas pelos Estados Unidos em função de questões ligadas a direitos humanos, movimentos sociais em São Paulo se mobilizam em frente à representação do Itamaraty para cobrar uma posição favorável à Cuba por parte do governo brasileiro, que se absteve ano passado. Local: ainda a definir Mais informações: (11) 3105-2516 MOSTRA: CANTOS POPULARES DO BRASIL
nistrativas e contábeis para o exercício da responsabilidade social. Serão discutidas as questões relativas a empreendedorismo, administração e legislação das organizações do terceiro setor. Local: Av. Max Schramm, 2199, Florianópolis Mais informações: (48) 224-6333, www.terceirosetor-sc.com.br
Até 31 de dezembro A exposição de longa duração traz objetos, fotografias, músicas e documentos da coleção de Missão de Pesquisas Folclóricas, enviada em 1938 por Mário de Andrade a registrar as manifestações folclóricas do Norte e Nordeste brasileiros. Local: Centro Cultural São Paulo, R. Vergueiro, 1.000, São Paulo Mais informações: (11) 3277-3611 sampa3.prodam.sp.gov.br/ccsp/ ccsp/index0.htm CURSO ONLINE “VOLUNTARIADO DE COOPERAÇÃO E AÇÃO HUMANITÁRIA” Promovido pela Coordinadora de ONG para el Desarrollo (Congde), o curso é direcionado para qualquer pessoa interessada em obter uma formação básica em voluntariado e cooperação. O treinamento tem duração de duas semanas. As inscrições são gratuitas e estão abertas ao longo do ano todo. As pessoas interessadas devem ter conhecimentos em internet e possuir correio eletrônico. Mais informações: voluntariado@congde.org, www.congde.org João Zinclar
CRIANÇA E ADOLESCENTE - 4º SEMINÁRIO REGIONAL DE FORMAÇÃO Até 28 de abril O seminário vai discutir a garantia dos direitos infanto-juvenis após 15 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente e a proteção integral para todas as crianças e adolescentes. O encontro é promovido pela Associacão Catarinense de Conselheiros Tutelares (ACCT), em parceria com o Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude da Procuradoria-Geral de Justiça, universidades e outros órgãos públicos e entidades comunitárias. Local: Municípios de Santa Catarina Mais informações: (47) 251-1863, acct@pmbrusque.com.br
SÃO PAULO 38º FÓRUM DO COMITÊ PAULISTA PARA A DÉCADA DA CULTURA DE PAZ Dia 15, às 18h
DIA INTERNACIONAL DE LUTA CONTRA A GUERRA Dia 19 No dia em que a ocupação americana do Iraque completa dois anos, movimentos sociais do mundo todo organizam manifestações e protestos contra os Estados Unidos. Local: Concentração às 14h no vão livre do Masp, Avenida Paulista, São Paulo Mais informações: (11) 3105-2516
MEMÓRIA
Gladys Marín: mulher, chilena e militante comunista Emir Sader A história chilena – esse formidável laboratório de experiências políticas na América Latina – está povoada de grandes personagens, porque grandes gestos produzem e, ao mesmo tempo, são produzidas por grandes personagens. Luis Emilio Recabarren, Salvador Allende, Miguel Enríquez são apenas três das mais conotadas expressões dessa história, que sempre produziu os fenômenos históricos em sua máxima radicalidade – do movimento mineiro à Frente Popular, dos partidos comunista e socialista ao governo da Unidade Popular, do MIR e da resistência à ditadura militar de Pinochet. Gladys Marin pertence a essa galeria de grandes personagens. Ela conquistou esse lugar com sua vida, com sua luta, com seu caráter, com seu olhar para o futuro, com os pés ancorados em um passado feito de coragem e de retidão. Quem pôde presenciar seu discurso na frente do Palácio de
la Moneda, na ocasião do 30º. aniversário do golpe militar, viu que ela carregava consigo todas as honras, todas as glórias, todas as lutas do povo chileno ao longo de tantas décadas. Sua voz ressoava na praça como rajadas de fogo contra a direita, contra o imperialismo, contra o capitalismo, defendendo os explorados, os oprimidos, os humilhados, os discriminados, que encontram nas suas palavras e na sua voz, a garantia de que a luta do povo chileno segue viva. Pudemos acompanhá-la ao novo batismo do Estádio Chile, onde a ditadura assassinou a Victor Jara, dando seu nome ao local e constatar – em um show de Sílvio Rodriguez –, a imensa simpatia que Gladys despertava naqueles milhares de jovens da nova geração da esquerda chilena. Poucos dias depois, ainda no mesmo mês de setembro do ano 2003, descobriu-se um câncer devastador em Gladys. Operada na Suécia, ela teve todos os tratamentos possíveis em Cuba – onde
recebeu as maiores homenagens do governo –, mas foi debilitando-se e agora recebemos, com lágrimas nos olhos, a triste notícia da sua morte. Mulheres como Gladys, com sua fisionomia marcada fortemente por traços de índia chilena, com sua pele morena, com seu olhar ao mesmo tempo sereno e agressivo, resgatam o melhor que o povo chileno e latino-americano produziu e continua produzindo. Mulher, comunista, chilena, combativa, dirigente, sua vida e sua morte são fortes apelos a todos os que mantêm a sensibilidade e a esperança em um futuro melhor para os nossos povos, para que convoquem dentro de si novas energias – com humildade, mas com força, com espírito autocrítico, mas sem resignação, com tolerância, mas com firmeza – para seguir a luta pela construção de um mundo como aquele pelo qual Gladys deu o melhor de si mesma – um mundo solidário e humano: um mundo socialista. Emir Sader é professor da USP e UERJ
Teatro popular perde o diretor Lino Rojas Ana Maria Fiori O diretor teatral Lino Rojas foi assassinado, no final de fevereiro, em São Paulo, depois de um seqüestro no centro da cidade. Peruano, ele tinha 62 anos e atuava na periferia da cidade, fazendo a ligação entre arte e justiça social. No final dos anos de 1970, dirigia um grupo de teatro estudantil, em quem procurou semear a indignação contra todo tipo de injustiça e desigualdade. Mais do que um artista de talento e competência reconhecidos, era um ser humano da melhor qualidade. Em 1989, iniciou o Projeto Semear Asas, de oficinas teatrais destinadas a adolescentes de São Miguel Paulista. Seu objetivo era formar profissionais de teatro a partir da valorização da origem desses jovens, de um resgate da identidade cultural. A partir da experiência, nasceu o Instituto Pombas Urbanas. Os adolescentes encararam a proposta como um projeto de vida. Sob a orientação de Lino, criou-se uma experiência
diferenciada sobre fazer arte em comunidades de baixa renda. Desde fevereiro de 2004, o Instituto Pombas Urbanas realiza o projeto Galpão Arte em Construção, para estruturar um centro cultural no bairro Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Lino estava animado com a idéia de colocar a arte, em suas diferentes linguagens, acessível à comunidade local, para que ela possa se organizar, resgatar sua identidade cultural, auto-estima e construção da cidadania. A atriz Juliana Flory conta que ele também dava assessoria a outras instituições e comunidades de baixa renda em projetos voltados para o jovem. Juliana diz que o instituto deve dar continuidade ao trabalho que Lino sempre desenvolveu com o Pombas Urbanas. “Ele nunca foi uma pessoa centralizadora. As decisões eram tomadas depois de discutirmos bastante. Pretendemos desenvolver as sementinhas que plantou ao longo dos anos.” Ana Maria Fiori é jornalista
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CULTURA
De 10 a 16 de março de 2005
TEATRO
Fuga do real ou reflexão? Ilzo José
Ilzo José
Ivaldo Marciano de Olinda (PE)
Ilzo José
Em Olinda, as peças saem dos teatros e vão para as ruas das periferias, com temática afro que saúda os quilombolas
Antônio Guedes
Ilzo José
Passarinho
Ilzo José
E
m meio às muitas opções de lazer existentes na sociedade capitalista, o teatro é aquela considerada como a mais chique, sobretudo para aqueles tidos como formadores de opinião e intelectuais em geral. Para alguns teóricos, teatro é algo que se faz exclusivamente nos recintos fechados (o teatro propriamente dito) e é constituído por público e atores. Entretanto, considerando que nem todos os atores possuem espaços para se apresentarem, e uma vez definido que poucos são os teatros dignos de receberem este nome, os dirigentes da Associação de Teatro de Olinda (ATO), de Pernambuco, afirmam que a arte pode ser feita em qualquer lugar e a rua é um palco por excelência, sobretudo para as visões de mundo excluídas dos horários nobres da televisão e das pautas dos grandes teatros. Para Ivo Rodrigues, presidente da ATO e membro dos grupos IfáRhadhá e Arteiros, a sentença do cantor Milton Nascimento ainda é válida: o artista tem de ir aonde o povo está. Os integrantes da ATO organizam grupos nas periferias de Olinda (Salgadinho, Peixinhos, Caixa D’Água, Cidade Tabajara, Chã da Mangabeira, Passarinho e Ouro Preto) e apostam na formação de novos atores, agentes para novas formas de organização social. Walter Araújo, autor e diretor, diz que o teatro não deve mostrar que existem aqueles que possuem tudo e os que estão excluídos das coisas boas da vida. É a idéia de que o teatro pode e deve ser feito em todos os locais
Os dirigentes da Associação de Teatro de Olinda defendem que a arte pode ser feita na rua para mostrar as visões de mundo excluídas da televisão e dos grandes teatros
onde existam seres humanos e que a diversão é apenas uma das muitas possibilidades a serem contempladas pelas peças, sendo outras a reflexão e do bom senso, que não ocorrem com freqüência.
berta Lúcia e Leonardo Soares insistem em dizer que não faria sentido para eles fazer teatro “sem construir consciências transformadoras que possam modificar a difícil realidade do país”.
TEATRO DE RUA
IFÁ-RHADHÁ EM CENA
Muitos grupos fazem teatro de rua em Olinda. A ATO congrega alguns, dos quais o Arteiros é um dos mais atuantes. Seus integrantes são afrodescendentes residentes nas áreas pobres da cidade. Ivo Rodrigues diz que o Arteiros trabalha com a idéia da subversão pelo riso. Ro-
Ifá-Rhadhá é outro grupo ligado à ATO, voltado para a questão racial. Um de seus espetáculos mais famosos é “Fragmentos de Liberdade”, que discute a situação sobretudo da mulher negra. As lembranças dos muitos quilombos que existiram em Pernambuco, a exemplo de Palma-
res e Catucá, são colocadas de um modo bastante positivo, mostrando que a situação dos brasileiros seria diferente se tivesse prevalecido o modo de vida quilombola. As peças do Ifá-Rhadhá quase sempre utilizam trechos da obra poética de Solano Trindade, poeta negro que viveu de 1908 até 1974, em meio às lutas contra o preconceito e a discriminação racial. O Ifá-Rhadhá, no último Carnaval desfilou junto com o Maracatu Nação Cambinda Estrela de Chão de Estrelas, com que mantém vínculos de discussão e organização.
Para encerrar, uma poesia de Ivo Rodrigues: “Quantas vezes iremos lutar nas frentes? Batalhas culturais são vencidas Quantas vezes será necessário gritar? Grito de esperança e agonia serão ouvidos... sempre presentes Estaremos como soldados Alertas, atentos Na certeza da consolidação de nossa luta O TEATRO VIVIDO UM VIVO TEATRO”.
LIVRO
Jornalista resgata um consagrado cineasta Há muito tempo as editorias de cultura estão em falta com um cidadão do mundo, de nacionalidade brasileira, e que se insere na galeria dos mais importantes diretores de cinema do planeta. Trata-se de Alberto Cavalcanti, um carioca que fez cinema, do bom e do melhor, na França, Inglaterra, Israel e aqui no Brasil deu o pontapé inicial da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em São Bernardo do Campo (SP), em 4 de novembro de 1949. Agora, neste início de 2005, o jornalista Sérgio Caldieri conseguiu, finalmente, resgatar o esquecido pela mídia e pelo cinema brasileiro, Alberto Cavalcanti, lançando o livro Alberto Cavalcanti, o Cineasta do Mundo, pela Editora Teatral Ltda. (R$ 20,00) Além de bem escrita, a reportagem histórica de Caldieri conta, em detalhes, passagens importantes da vida do cineasta, reconhecido internacionalmente, mas que ficou no ostracismo aqui no Brasil, por motivos inexplicáveis ou, talvez, pelo fato de nunca ter se alinhado a alguma corrente culturalpolítica, apesar do seu engajamento na questão social. É o caso de se perguntar: como é que um cineasta como Cavalcanti, que, em pleno 1941, no auge da 2ª Guerra Mundial, quando vivia na Inglaterra, fez uma sátira ao ditador italiano Benito Mussolini com o filme Yellow Caesar, equiparado pela crítica ao O Grande Ditador, de Charles Chaplin, ficou esquecido por aqui? Caldieri, inclusive, lembra mais um detalhe: o roteirista de Yellow Caesar, Michael Foot, acabou se tornando ministro de Estado na Inglaterra em 1977. Em qualquer livro de cinema escrito no Brasil, Chaplin pode ser encontrado com certa facilidade, já Alberto Cavalcanti... Em Alberto Cavalcanti, o Cineasta do Mundo, um importante
trabalho literário do gênero reportagem, que teve o incentivo do Ministério da Cultura, por meio da Secretaria de Audiovisual, Caldieri apresenta outras passagens relevantes da vida deste carioca que, vale sempre repetir, só fez sucesso no exterior, como a aproximação que ele teve com Bertolt Brecht. O próprio Cavalcanti conta em suas memórias, até hoje não editadas, e que Caldieri menciona no livro, o encontro que teve com a mais importante figura do teatro mundial do século passado. O motivo foi à peça de Brecht, O Senhor Puntila e seu Criado Matti, que Cavalcanti acabou adaptando para o cinema. Depois de contar a longa passagem que culminaria com a adaptação da peça para o cinema, Cavalcanti disse que “nunca pude esquecer minha chegada à casa do poeta, na Chausseestrasse. As janelas do salão do primeiro andar estavam todas abertas. Helena Wiegel, a grande atriz alemã, última esposa do poeta, estava presente. Quando eu olhava em direção ao cemitério contíguo, Brecht tomou o meu braço e me levou para uma janela de onde podia mostrar-se o túmulo de Hegel. Hoje o túmulo do poeta se encontra justamente ao lado daquele grande filósofo”. Cavalcanti conheceu pessoalmente, em um congresso de cinema realizado em La Sarras, na Suíça, uma outra figura exponencial cultura mundial, o cineasta russo Sergei Eisenstein. Numa época que a França estava voltada para o fascismo e as autoridades não queriam a permanência de Eisenstein no país, Cavalcanti, corajosamente, organizou um manifesto, pedindo apoio aos diretores franceses para que o cineasta russo ficasse. Todos se recusaram a assinar o manifesto que teve apenas duas adesões: as de Jean Benoit Lévy e a do próprio Cavalcanti. O também arquiteto Cavalcanti, formado na Suíça, que fez realiza-
ções importantes na época do cinema mudo, nos anos 20, é o responsável por 126 filmes. Em 1926, por exemplo, ingressou no Olimpo dos grandes diretores, como conta Caldieri, ao filmar En Rade. Já consagrado, Cavalcanti confirmou o seu aguçado senso social, ao dirigir Rien que les Heures, um filme que mostrava uma visão nada turística de Paris, considerado um marco do “início do realismo cinematográfico”. A película apresentava a vida mundana da então badalada capital cultural do mundo, com os miseráveis, os pobres e a prostituição; Cavalcanti observou tratar-se de “um sutil documentário social, um documento social sobre a falta de trabalho, sobre a vida em lugares miseráveis”. O trabalho, muito avançado e inovador para a época (década de 20), incomodou os censores, que chegaram a cortar trechos do filme. Cavalcanti não fez por menos enxertando em cada lacuna criada pela medida restritiva cartões que diziam “parte cortada pela censura”. O fato produziu grande efeito. Irritados, os censores acabaram liberando Rien que les Heures. Além de ser visto como o filme que possibilitou a entrada consagrada de Alberto Cavalcanti no cinema inglês, o “documento social”, conta Caldieri, exerceu notada influência tanto na obra do cineasta russo Dziga Vertov, em Kino Glatz, quanto na do alemão Walter Rutman, em Berlim, Sinfonia de uma Cidade. Cavalcanti, que “sempre procurou entender o povo, a cultura, o ambiente, pensar e sentir de acordo com o meio em que vivia, antes de lançar-se como diretor”, embora relegado a segundo plano no Brasil, dirigiu alguns filmes por aqui, um deles, a comédia Simão, o Caolho, nos anos 50, uma comédia que teve boa aceitação popular. O comentário mais significativo sobre a injustiça pelo não reconhe-
cimento de Alberto Cavalcanti pela mídia e mundo cinematográfico brasileiro, fica por conta de Françoise Gilbert, responsável pelo arquivo e objetos pessoais do consagrado internacionalmente diretor de cinema, que morreu em l982 aos 85 anos. A repórter de O Estado de S. Paulo, Elza Martins, perguntou a Françoise sobre sua relação com Cavalcanti e teve de registrar que “para o Brasil não tenho nada a declarar. Ele foi um artista conhecido internacionalmente e não somos nós que devemos falar sobre o seu trabalho ou sobre a sua vida em Paris. Cabe a vocês, brasileiros, perguntarem o porquê de essa pessoa maravilhosa Divulgação
Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)
jamais ter sido conhecida em sua própria terra”. É possível que, se fosse informada de que o jornalista Sérgio Caldieri, 23 anos após a morte de Alberto Cavalcanti, lançou este importante trabalho de resgate histórico dessa “pessoa maravilhosa”, Françoise respondesse com mais carinho à pergunta da repórter do Estadão. Em suma, Alberto Cavalcanti, o Cineasta do Mundo é leitura obrigatória para os cinéfilos e para os que quiserem conhecer uma reportagem histórica de peso, e que, de certa forma, dá início ao processo de resgate no país onde nasceu esta figura de relevo da cinematografia mundial.