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Ano 3 • Número 110

R$ 2,00 São Paulo • De 7 a 13 de abril de 2005

Policiais militares aterrorizam pobres no campo e na cidade

Parentes e amigos das vítimas da chacina no bairro Inconfidência, em Queimados (RJ), fazem passeata em defesa da paz, pelas ruas do município da Baixada Fluminense

A ausência do Estado, claramente manifestada na impunidade e na falta de políticas públicas, tem levado aqueles que deveriam ser agentes da lei a combater parcela do povo brasileiro. Na cidade, as vítimas são, na maioria, pessoas pobres, em especial negros e pardos. Ou seja, a maioria da população do país. Os criminosos confiam que vão continuar sem punição por suas investidas contra a vida e os direitos dos excluídos. Assim, dia 31 de março, policiais assassinaram 30 pessoas no Rio de Janeiro, a maior chacina da história do Estado. Para o ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, foi uma afronta ao Estado. Outra, ocorreu dia 5, quando integrantes de uma milícia armada, chefiada pelo tenente-coronel Copetti Neves, da PM do Paraná, foram presos por promover violentas desocupações de terras, sem autorização da Justiça. Em Santa Catarina, seis líderes do Movimentos dos Atingidos por Barragens ficaram detidos 24 dias, no primeiro caso, desde a ditadura, de prisão preventiva por descumprimento de interdito proibitório – ação movida para tentar evitar ocupações. Págs. 5 e 8

Progressistas querem um papa mais avançado

Na Venezuela, desapropriação de terras ociosas

Alessandro Costa/Agência O Dia/AE

Acostumados com a histórica impunidade no Brasil, agentes da lei atacam a população excluída

A chuva voltou a cair, mas as perdas da estiagem são irreversíveis. No Rio Grande do Sul, a safra de milho foi praticamente perdida e a de soja foi a menor

desde 1991. Nesse quadro, setores do agronegócio passaram a exigir socorro. Mesmo que, por anos seguidos, tenham obtido bons ganhos, como os grandes

sojicultores, sempre com acesso ao crédito oficial, que exclui milhares de micro e pequenos agricultores. Págs. 6 e 7

Celso Júnior/AE

O substituto do papa João Paulo II, falecido dia 2, deve estar disposto a discutir as relações entre ciência e religião, moral sexual e celibato. Essa é a expectativa de religiosos brasileiros ligados à Teologia da Libertação. Mas, seja qual for o escolhido, o conservadorismo da Igreja vai continuar, pois a maioria do Colégio Sagrado recebeu os ensinamentos das encíclicas de Karol Wojtyla. Pág. 9

Seca prejudica mais os pequenos

Protestos contra antiindigenismo do governo Lula Diversas etnias se movimentam para protestar contra a política antiindigenista do governo Lula, e lutar por seus direitos à terra, saúde e educação. O Abril Indígena vai denunciar que o governo, até agora, não demonstrou vontade política em relação às questões indígenas. Seu principal ato será a construção do acampamento Terra Livre, em Brasília, entre 24 de abril e 3 de maio. Pág. 3

Nigéria quer renegociar dívida externa Com uma dívida externa de 35 bilhões de dólares, a maior entre os países africanos, a Nigéria quer seguir os passos da Argentina na renegociação com os seus credores. O governo nigeriano, inclusive, manteve contatos com o argentino para tratar das questões relacionadas à administração da dívida. O presidente Olusegun Obasanjo conta com o apoio da Câmara dos Deputados, que enviou ao Senado moção em defesa do não pagamento da dívida externa. Pág. 12

A companhia inglesa Vestey Group, que se dizia proprietária de 56 mil hectares na Venezuela, percebeu que o presidente Hugo Chávez não estava fazendo bravatas ao defender a reforma agrária. A empresa teve metade de sua fazenda Los Cocos desapropriada por não desenvolver atividades produtivas e não provar que havia comprado a propriedade. Chávez destinou a área para camponeses sem-terra e pretende desenvolver ali os Núcleos de Desenvolvimento Endógeno, um dos projetos da revolução bolivariana para romper com o neoliberalismo. Pág. 10

Na Argentina, Câmara agrada política de Bush Pág. 11

Repressão não freia movimentos na Guatemala Homenagem ao papa, na Praça São Pedro, no Vaticano: linha conservadora pode ser mantida no governo da Igreja

E mais: DEBATE — O jornalista chileno Hernán Uribe defende a criação da Telesul como contraponto à hegemonia da informação dos EUA e Europa, e o economista Jean Marc von der Weid discute a composição da CTNBio. Pág. 14 TEATRO — Após pressão, prefeitura de São Paulo volta atrás e mantém Programa Municipal de Fomento ao Teatro. Pág. 16

PUC-SP pode perder título de filantrópica A Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP) corre o sério risco de perder seu título de filantrópica. O Ministério Público Federal entrou com ação civil pública contra a Fundação São Paulo, mantenedora da universidade, por entender que esta não converte 20% de sua renda bruta em projetos de assistência social, medida exigida das instituições de ensino filantrópicas. Para o movimento estudantil, a PUC ficará cada vez mais elitizada. Pág. 4

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De 7 a 13 de abril de 2005

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Bernardete Toneto, 5555 Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino, Marcelo 5555 Netto Rodrigues, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Assistente de redação: Fernanda Campagnucci e Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

Morre um papa conservador e ambíguo O mundo está vivendo momentos de tristeza pela morte do papa João Paulo II. Alguns vêem nele um grande líder, com posições avançadas na questão social, na defesa dos pobres, da paz, na condenação da guerra. Outros o criticam pelo fato de ter condenado o comunismo, por seu conservadorismo no aspecto eclesial, teológico e ainda no que diz respeito à moral sexual. O fato é que, em João Paulo II, prevalecia a missão religiosa da Igreja – mas não sua missão social. Se ele tivesse dito “vamos apoiar os pobres e comprometer a Igreja com as reformas em nome do Evangelho e da tradição profética”, outro teria sido o destino político da América Latina. Pelo contrário, João Paulo II organizou a restauração conservadora em todo o continente: afastou bispos proféticos e colocou bispos distanciados da vida do povo. Fechou instituições e sancionou seus docentes. Houve uma grande contradição entre as atitudes do papa e seus ensinamentos. Externamente, João Paulo II apresentavase como um defensor do diálogo, das liberdades, da tolerância, da paz e do ecumenismo; pediu perdão em várias ocasiões pelos erros e condenações eclesiásticas no passado; reuniu-se com líderes de outras religiões para rezar, unidos, pela paz mundial. Mas, dentro da Igreja, calou o direito de

expressão, proibiu o diálogo e produziu uma teologia com fortes tons fundamentalistas. Porém, em seu papado, merecem ser citados dois documentos que foram marcos no que se refere à doutrina social da Igreja: A Encíclica “Laborem Exercens”, sobre o trabalho humano, de 1981; e “Tertio Millennio Adveniente”, sobre a preparação para o ano 2000. Ao tratar do conflito entre trabalho e capital, o papa escreveu: “Tal conflito se manifestou entre o mundo do capital e o mundo do trabalho, ou seja, entre o grupo restrito, mas muito influente dos patrões e empresários detentores dos meios de produção e a multidão mais numerosa de gente que se achava privada de tais meios (...) Tal conflito foi originado pelo fato de que os operários punham as suas forças à disposição do grupo dos patrões e empresários e de que este, guiado pelo princípio do maior lucro da produção, procurava manter o mais baixo possível o salário para o trabalho executado pelos operários. Há, ainda, outros elementos de exploração ligados com a falta de segurança de trabalho e com a ausência de garantias quanto às condições de saúde e de vida dos operários e de suas famílias”. Percebe-se que o papa tinha uma clara visão da origem do conflito en-

tre capital e trabalho: a exploração. Na preparação do Jubileu do ano 2000, no documento “Tertio Mellennio Adveniente”, o papa foi feliz ao se referir às dívidas dos países pobres: “Assim, no espírito do livro do Levítico (25,8-12), os cristãos deverão fazer-se voz de todos os pobres do mundo propondo o Jubileu como um tempo oportuno para pensar, além do mais, numa consistente redução, senão mesmo no perdão total da dívida internacional, que pesa sobre o destino de muitas nações”. Deste documento originou-se todo o processo de luta e articulação pelo perdão, cancelamento ou moratória da dívida externa dos países pobres, arrebanhando cristãos, não-cristãos, ateus, profissionais, cientistas, enfim, milhões de pessoas que lutam pelo resgate das dívidas. Foi na esteira dessa orientação do papa que surgiu a Campanha Jubileu 2000 – “Por um Milênio sem Dívidas” –, que organizou os plebiscitos da dívida externa e da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Com a morte de João Paulo II, resta-nos confiar na sensibilidade social dos cardeais reunidos em Roma para que a escolha do novo papa possibilite à Igreja ouvir o grito dos pobres do mundo por justiça, trabalho e paz.

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES SAÚDE E RÁDIOS COMUNITÁRIAS Temos acompanhado do nosso canto, o universitário, o rol de iniciativas fiscalizadoras que a Anatel tem realizado junto às rádios comunitárias. Nesse processo, a agência não obedece as recomendações de cautela solicitadas pela sociedade civil e, pior, até pelo grupo técnico interministerial (GTI), criado pelo decreto presidencial de 26 de novembro de 2004, que solicitou maior comedimento nas ações de fiscalização durante o período atribuído a ele para propor nova regulação do setor (1º semestre de 2005). No tocante aos motivos alegados pela Agência, gostaríamos de destacar a importância dessa mídia para o Sistema Único de Saúde. De acordo com os artigos 196 e 198 da Constituição, a Saúde é um direito de todos e dever do Estado. Segundo esses artigos, há a necessidade de incorporar o controle da comunidade em todas as etapas do processo, que vão do planejamento à execução e avaliação das ações desenvolvidas no nível local pelo Sistema de Saúde. Nesse sentido, é preciso tornar público que as rádios comunitárias têm nos ajudado a levar informações de Saúde, mobilizar recursos locais e reforçado o desenvolvimento da cidadania por meio do estímulo à participação da comunidade nos conselhos de Saúde. Seja no simples processo de convocação da população, seja no processo de divulgação das discussões ali realizadas. É nossa opinião que a legislação da comunicação comunitária há muito escapou do terreno estritamente técnico das comunicações para tornar-se elo importante para as políticas públicas

de Educação, Transporte, Meio Ambiente, Segurança e, naturalmente, Saúde. Cabe, ainda, ressaltar que estão protocolados no Ministério das Comunicações (MC) mais de 10 mil pedidos de regulamentação dessas pequenas emissoras. Paulo Rogério Gallo São Paulo (SP) DEPOIS DAS ELEIÇÕES A campanha do candidato José Serra à prefeitura de São Paulo sempre reiterou que a melhor parceria para os moradores de São Paulo era SerraAlckmin e não Marta-Lula, e chegou a insinuar que o Bilhete Único não estava melhor porque a prefeita não tinha influência suficiente junto ao governador a fim de ampliá-lo para o metrô. Essa era a conversa antes da eleição. Depois da eleição, o próprio Alckmin tratou de dissipar esperanças, aumentando substancialmente as tarifas do metrô, enquanto Serra fazia o mesmo com as tarifas dos ônibus. Ora, durante o período da parceria Marta-Lula, a Petrobras, que está subordinada a Lula, manteve a gasolina e o diesel congelados durante um ano e meio. Marta, por seu lado, manteve as passagens de ônibus congeladas por igual período e prometera mantê-las congeladas também durante todo este ano, se fosse reeleita. Como isso não ocorreu, resta-nos esperar que a parceria de Serra com Alckmin, que comanda os pedágios do Estado, pelo menos nos facilite algumas rotas de fuga. Maria Conceição S. Lima Schramm São Paulo (SP)

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CRÔNICA

O ovo da serpente Luiz Ricardo Leitão A sinistra chacina de trinta pessoas na Baixada Fluminense, vítimas de grupos de extermínio financiados pelas “elites” de comerciantes locais e compostos, em sua maioria, por policiais militares dos batalhões da região (que se valem do “biscate” para aumentar a sua “renda mensal”, sem prestar contas à Receita), nos faz recordar os piores momentos da ditadura, quando o “Mão Branca” e o “Esquadrão da Morte” imperavam na periferia carioca. Já em 1994, quando publicou “Condomínio do Diabo”, retratando o cotidiano violento das classes populares do Rio de Janeiro, a socióloga Alba Zaluar denunciava o mito de “classes perigosas” que se abatera sobre a população pobre, deixando-a vulnerável à ação repressiva dos policiais, que vêem sistematicamente os moradores de favelas como potenciais criminosos ou, no mínimo, cúmplices dos traficantes varejistas que operam nos becos e vielas dos bairros populares (sua pesquisa iria inspirar o romance Cidade de Deus, de seu colaborador Paulo Lins, e o filme de Fernando Meirelles). Enquanto isso, os bem-sucedidos atacadistas, ou seja,

os que financiam todo o comércio de drogas, legalizam pouco a pouco suas atividades, “lavam” seus lucros com negócios ditos legais e vão viver nos bairros de burguesia, em especial na Barra da Tijuca, a versão tupiniquim da Miami de Collor, Nicolau & cia. Cecilia Coimbra, ex-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, também desmascarou esse mito, em sua obra Operação Rio, em que descreve a ocupação do Rio pelo Exército, em 1994, operação que a imprensa qualificou como vital para promover o fim da “criminalidade” na zona metropolitana do Rio. Um ano depois, as estatísticas provavam que tudo não passara de uma vistosa manobra do governo FHC, com a colaboração das autoridades estaduais. E pior: Cecilia nos revelou que os sucessivos equívocos da portentosa ação das Forças Armadas serviram para justificar prisões ilegais de trabalhadores e a estigmatização profunda dos bairros populares. Inquietante, porém, é constatar que, duas décadas depois da ditadura, a verdadeira “pena de morte” que as classes dominantes brasileiras impõem aos habitantes das peri-

ferias e bairros excluídos segue em vigor. Aliás, não é por acaso que os maiores índices de aprovação à pena capital estão entre as elegantes senhoras da zona sul da cidade, em particular os “novos-ricos” da Barra da Tijuca. Pior cego, no entanto, é aquele que não quer ver: tão violentas quanto as quadrilhas que desfilam nas páginas de Cidade de Deus são as gangues de alta classe média da Barra. São brancos, bem vestidos, atléticos e saudáveis, porém tão agressivos e covardes quanto os matadores da Baixada ou, por que não lembrar?, os falcões de Bush, para os quais o governo dos EUA serve apenas de balcão de negócios para suas vendas de petróleo e armas. Quem será pior: os playboys da Barra, os “esquadrões da morte” da periferia ou os garotões do Pentágono? Eis os ovos da serpente do neoliberalismo. Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba)

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NACIONAL MOVIMENTOS SOCIAIS

Indígenas engrossam protestos de abril Tatiana Merlino da Redação

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em aí o Abril Indígena. É com esse chamado que organizações de diversas etnias estão programando uma série de atividades para este mês em todo o Brasil. O objetivo é protestar contra a política “antiindigenista” do governo Luiz Inácio Lula da Silva e assegurar seus direitos sobre a terra, saúde e educação. As mobilizações estão sendo organizadas pelo Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI). Dia 31 de março, os indígenas lançaram um manifesto contra as políticas do governo Lula. O documento critica a ausência de políticas públicas e a demora em homologar em área contínua a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. As organizações cobram, também, a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista com a participação de organizações indígenas e também reformulações na política de saúde indígena do governo federal.

Roberto Barroso/ABr

Várias etnias anunciam manifestações com crítica ao governo Lula, exigindo direitos sobre a terra, a água e a educação

TERRA LIVRE Líderes indígenas e funcionários da Funai promovem ato em defesa das áreas indígenas, em Brasília

grande acampamento batizado de “Terra Livre” na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, entre 24 de abril e 3 de maio. De acordo com Feitosa, a expectativa é que 800 indígenas participem do acampamento. “Serão armadas malocas onde ocorrerão plenárias e seminários. Será uma espécie de conferência dos povos”, diz. Como parte das comemorações do Dia Nacional do Índio, 19 de abril, haverá manifestações e atos públicos contra o governo em vários Estados do país.

SEM-TERRA

Em Pernambuco, pressão pela reforma agrária Rodrigo Valente de Recife (PE) As grandes mobilizações sociais no campo já se tornaram tradicionais no mês de abril. Desde a violenta chacina de Eldorado dos Carajás, no Pará – que vitimou 19 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 17 de abril de 1996 –, o período é marcado pelo ascenso da luta pela reforma agrária. Em 2004, foram mais de cem ocupações de latifúndios; e este ano os movimentos sociais prometem mais. Ainda neste mês haverá uma grande marcha de 10 mil pessoas a Brasília, para cobrar o compromisso do governo com o processo de reforma agrária. Este ano, a jornada foi iniciada por ocupações em Pernambuco. Até o fechamento desta edição, dia 5, os movimento sociais já tinham realizado mais de 15 ocupações de latifúndios no Estado para pressionar o governo federal a cumprir as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Em Pernambuco, a meta é assentar 8,8 mil famílias em 2005. Com os cortes realizados no orçamento, representantes do próprio governo têm dito que os números são inatingíveis. Em 2004, o governo não conseguiu assentar nem 10% dessa meta.

SUBSISTÊNCIA As ocupações ocorreram da Zona da Mata ao sertão pernambucano, tendo como destaque a ocupação pelo MST da Fazenda Lagoa, em Manari, município mais pobre do país. A cidade, onde uma a cada

dez crianças morre antes do primeiro ano de vida, tem 57% da população analfabeta, não dispõe de saneamento básico. A renda per capita é de R$ 30 mensais e, na prática, não existem fontes primárias de renda; a população vive basicamente de lavoura de subsistência, assistência governamental e aposentadorias. Segundo o dirigente estadual do MST Jaime Amorim, a ocupação, além de reivindicar o assentamento das famílias, chama a atenção para o descaso governamental para municípios pobres como Manari. “Em regiões com esses índices sociais, a reforma agrária é a principal política pública capaz de reverter tal situação de pobreza estrutural”, diz Amorim. O MST também denuncia que, na ocupação do Engenho Cangaia, em Belém de Maria, na Zona da Mata, seguranças expulsaram da propriedade à bala 85 famílias. Em protesto contra a violência, os sem-terra montaram acampamento na área urbana do município. A direção do movimento informou que fará queixa no Ministério Público de Pernambuco contra o proprietário por formação de milícia armada e violência contra os trabalhadores rurais. As 15 ocupações em Pernambuco – 13 só do MST – são o início da intensificação das mobilizações pela reforma agrária. O contingenciamento de mais da metade do orçamento do Ministério do Desenvolvimento, anunciado pelo ministro da Fazenda Antônio Palocci, estendeu a luta da jornada de abril, além da reforma agrária, pela imediata mudança da política econômica do governo.

As mulheres indígenas também resolveram se mobilizar contra a falta de política indigenista do governo Lula. A organização das Mulheres de Roraima enviou, dia 5, uma carta ao presidente contra a demora em resolver “questões vitais para os povos indígenas, como o reconhecimento de suas terras”. Quarenta lideranças femininas assinaram o documento que também critica a Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 38/1999 do senador Mozarildo Cavalcante (PTB/RR). O parla-

mentar pretende reduzir em 50% as terras indígenas e unidades de conservação da área territorial de cada Estado. O senador quer também submeter a homologação da terra indígena à aprovação do Congresso Nacional.

ANISTIA A política indígena do governo Lula também é considerada decepcionante pela Anistia Internacional. Em relatório divulgado dia 30 de março, a entidade afirma que o governo coloca os povos indígenas

CMS centra esforços contra política econômica Igor Ojeda da Redação Exigir do governo Lula a mudança de sua política econômica excludente, unir as demandas estaduais e municipais às nacionais e realizar uma grande mobilização dos movimentos sociais em setembro, em Brasília. Estas foram as principais decisões da Plenária Nacional da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), realizada no dia 1º de abril, em São Paulo, que contou com a presença de nove Estados: Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. O encontro também foi uma oportunidade para os atores sociais discutirem o papel atual da CMS na conjuntura nacional. Para Antonio Carlos Spis, secretário de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), isso está indefinido. “Será que a desarticulação ocorrida esse ano – já que em encontro no ano passado 17 Estados haviam comparecido – não está relacionada com essa indefinição?”, questiona. Spis explica que, antes da eleição de Lula, quando os movimentos sociais se uniam no Fórum Nacional de Lutas, havia uma posição clara contra o neoliberalismo e o governo Fernando Henrique Cardoso. Depois da posse de Lula, um presidente com ampla penetração nos movimentos sociais, a CMS teria ficado um pouco perdida. “Ficou aquele pensamento de que o Lula iria resolver os problemas. Vimos que não é bem assim. Há ainda muitas forças de direita para enfrentar. No Congresso, na luta pela reforma agrária, na imprensa conservadora”, alerta. Nalu Faria, da Marcha Mundial

Douglas Mansur

Para o vice-presidente do Conselho Indígenista Missionário (Cimi), Saulo Feitosa, o Abril Indígena pretende denunciar que o atual governo “até agora não demonstrou vontade política em relação às questões indígenas”. “Lula vive sob a pressão do agronegócio, dos grupos políticos e está totalmente paralisado em relação aos povos indígenas”, diz Feitosa. O vicepresidente do Cimi acredita que os fundiários, a violência e a nãodemarcação das terras indígenas são os maiores problemas que os índios enfrentam hoje. O principal ato do Abril Indígena será a construção de um

“bem abaixo na lista de prioridades” e os priva das terras que precisa para sobreviver. O relatório afirma que havia grandes esperanças de mudança com o início do governo petista. Antes de ser eleito, o PT divulgou um documento chamado “Compromisso com os Povos Indígenas no Brasil”, no qual reconhecia erros cometidos no passado e prometeu demarcar terras e respeitar a autonomia dos povos indígenas. Entre as recomendações feitas pela Anistia está a “definição de políticas claras e de estratégias específicas para tratar das questões de direitos humanos e de problemas relativos à terra que afetam a população indígena brasileira” e a revisão da estrutura, recursos e funções da Fundação Nacional do Índio (Funai) O relatório tem apoio de entidades como Cimi e Conselho Indigenista de Roraima (CIR). O vicepresidente do Cimi, Saulo Feitosa, considera o documento um relato fiel à realidade dos índios. “Concordamos com as avaliações e recomendações feitas no relatório”, afirma. “Eles tiveram o cuidado de, além de levantar dados oficiais, fazer visitas in loco” Já o líder indígena Julio Macuxi, do CIR, acredita que a análise da Anistia está correta “porque a atuação desse governo chega a ser pior que a dos governos passados”. Macuxi lembra que a nação tem uma dívida muito grande com os índios, mas que o “governo nunca assumiu isso”. Segundo o líder indígena, o relatório da Anistia “deu destaque para a situação mais grave do país, pois no Mato Grosso do Sul há inúmeras mortes por desnutrição, além de alto índice de suicídio e homicídio”, diz.

Nova política energética e reforma agrária estão na agenda de luta

da Mulheres, faz a mesma avaliação: “Parte dos movimentos sociais da CMS ajudou a eleger o Lula. Portanto, é um processo novo, complexo. Ao mesmo tempo que tenta manter autonomia e posição crítica, mantém uma relação diferenciada com este governo”, diz. A partir de agora, no entanto, esta relação começará a ser marcada pela exigência da alteração de rumos da política econômica do governo petista e pela contemplação das políticas sociais. “Hoje, na CMS, há uma avaliação mais consensual de que é preciso centrar a luta na mudança da política econômica”, avalia Nalu. Por isso mesmo, no dia 22 de setembro, a CMS promoverá em Brasília uma grande mobilização com esse tema. Além de realizar cobranças

mais contundentes do governo, o ato terá também o objetivo de consolidar nacionalmente o nome da entidade. Outro tema bastante discutido na plenária foi a descentralização da CMS, com o fortalecimento da atuação nos Estados e municípios. Na visão dos participantes do encontro, além da necessidade de unificar as agendas regionais e nacionais, existem demandas sociais locais que não estão diretamente relacionadas ao governo federal, mas que deveriam ser discutidas com governadores e prefeitos. Assim, o desafio proposto no encontro é garantir que aconteçam articulações nos outros 18 Estados não representados na Plenária Nacional. Até o final do mês, já são esperados os primeiros resultados dessa ramificação.


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da mídia Luiz Antonio Magalhães

Números enganam... Uma das formas mais simples de manipular as notícias é por meio da divulgação de números, valores e percentuais errados ou que levem o público a imaginar uma situação irreal. Na Folha de S. Paulo, a série de reportagens que vêm sendo publicadas sobre os gastos da gestão Lula é exemplo de manipulação. Em uma das matérias, o jornal diz que houve um inchaço nos gastos do governo em função da contratação de 114.158 funcionários. Na verdade, esse número inclui os 67 mil recrutas do Exército, Aeronáutica e Marinha que são incorporados ao governo (37 mil por alistamento obrigatório e 30 mil no programa Soldado Cidadão). ... e têm uso político A manipulação da Folha não acaba aí. Mesmo excluídos os 67 mil pracinhas das três Forças, o resultado não retrata a contratação havida sob a administração Lula. Segundo informou, em carta ao jornal, Carlos Alberto Azevedo, chefe da assessoria de comunicação do Ministério do Planejamento, 48 mil pessoas ingressaram por concurso público no Poder Executivo civil, dos quais 23 mil são efetivos, sendo 7.220 em 2003 e 16.122 em 2004; e 25 mil são temporários. Desse total, 6.500 são servidores do Judicário e do Legislativo, sobre os quais o Poder Executivo não tem nenhuma ingerência. Em outras palavras, o governo Lula contratou de verdade 41.500 funcionários, entre concursados e temporários – menos da metade dos tais 114 mil que a Folha quis fazer crer. O que falta informar A cobertura da grande imprensa sobre a morte do papa João Paulo II vem sendo, de modo geral, bem-feita, com diversos articulistas tentando explicar aos leitores o significado da presença do polonês Karol Wojtyla no comando da Igreja Católica por mais de um quarto de século. O que faz falta na extensa cobertura dos grandes veículos é um mapeamento mais amplo do estado da Igreja hoje. Dizer que João Paulo II foi conservador e combateu a Teologia da Libertação não resolve porque muita gente nem sabe direito o que foi tal teologia. A abordagem que ficou faltando é complexa, mas fundamental: o que representa hoje o crescimento dos carismáticos? Está realmente havendo um refluxo dos ideais progressistas na Igreja? Onde eles resistem e por que eles refluem? Comunitárias vão a Lula A luta das emissoras de rádio e televisão comunitárias prossegue. Dia 4, o presidente Lula recebeu uma carta aberta, assinada pela diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal e pela diretoria da TV Comunitária de Brasília. No documento, é relatada ao presidente uma tentativa de ingerência por parte de fiscais da Anatel na TV Comunitária de Brasília. A queixa da emissora de Brasília sobre a ação da agência reguladora não é a primeira. Desde o início do governo Lula continua a política da gestão anterior de intimidar e muitas vezes reprimir o funcionamento das rádios comunitárias, que durante o governo Fernando Henrique eram chamadas de “piratas”. Sorte de Maia O prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (PFL), é um homem de sorte. Se a chacina que deixou 30 mortos na Baixada Fluminense dia 31 de março tivesse ocorrido em qualquer outra data, a repercussão do episódio na imprensa nacional e internacional seria avassaladora, provavelmente uma espécie de “Caso Lunus” – aquele que sepultou os sonhos presidenciais de Roseana Sarney – em sua candidatura presidencial. Maia anda reclamando que a TV Globo está “pegando pesado” com a sua gestão na área de Saúde, mas a verdade é que ele escapou do pior graças ao calvário e à morte de João Paulo II. Se a chacina tivesse ocorrido duas semanas antes ou duas depois da morte do pontífice, o PFL provavelmente já estaria procurando outro candidato à Presidência.

NACIONAL EDUCAÇÃO

PUC-SP pode perder benefícios Ação do Ministério Público pode suspender certificado de filantropia Dafne Melo da Redação

“P

ara nós, do movimento estudantil da PUCSP, a ação não é uma surpresa”, diz Wagner Hosokawa, recém-formado em Serviço Social, sobre a iniciativa do Ministério Público Federal (MPF), dia 23 de março, de entrar com uma ação civil pública contra a Fundação São Paulo (mantenedora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) pedindo a cassação do do seu título de filantrópica. Legalmente, as instituições de ensino filantrópicas devem converter 20% de sua renda bruta em projetos de assistência social. Márcio Shusterschitz da Silva Araújo, procurador que assina a ação, conta que a decisão de mover a ação se deu após o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) realizar uma fiscalização em 1999, que concluiu que a universidade não cumpria os 20% de gratuidade na prestação de serviços, o que inclui projetos sociais e bolsas concedidas a alunos de baixa renda. O INSS encaminhou uma representação administrativa ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) para que não fosse renovado o certificado de beneficente da PUC-SP. O Conselho acabou arquivando o documento e manteve a classificação.

CRÍTICAS Na ação, Shusterschitz alega que a PUC-SP não cumpre os 20% de gratuidade. Mas o procurador vai além. A seu ver, os projetos sociais existentes hoje na universidade e a doação de bolsas não podem ser vistas como assistência social, o que impossibilita a isenção do pagamento da seguridade social, mesmo que cumprisse os 20%. Como exemplo, ele cita a doação de bolsas para filhos de professores, que são computadas como assistência social; e serviços prestados em clínicas da universidade. “As clínicas médicas são exigências curricu-

Jefferson Coppola/Folha Imagem

Espelho

Funcionários da PUC-SP protestam contra as demissões ocorridas na universidade, que pode perder o título de filantrópica

lares. O objetivo central é qualificar a formação dos alunos e não prestar serviços de assistência social”, argumenta. Shusterschitz entende que, “no atual modelo, quem perde é a Seguridade Social, enquanto as instituições educacionais podem ganhar de outras formas”. Ele acredita que as atividades filantrópicas podem justificar outras formas de isenção fiscal. Apesar de a ação ter como foco a PUC-SP, se for vitoriosa, pode abrir precedentes para que o mesmo ocorra em outras instituições filantrópicas no país que utilizam de gratuidades semelhantes.

RETROCESSO Apesar de não ter sido recebida com surpresa, a ação preocupa a comunidade universitária. Erson Martins, da direção da Associação de Professores da PUC-SP (Apropuc), acredita que a falta de transparência da universidade em relação aos 20% de gratuidade e nas questões financeiras em geral é umas das causas da ação. Wagner Hosokawa concorda: “A universidade nunca mostrou como se dá os 20% de gratuidade, o que é uma luta antiga do movimento estudantil”.

PASSELIVRE

Entre os dias 28 de março e 1º de abril, o Movimento Passe Livre (MPL) realizou a semana nacional de mobilização, com diversas manifestações em diferentes cidades do país. A data foi tirada na Plenária Nacional pelo Passe Livre, em 29 de janeiro, no 5º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. No dia 30 de março, em Florianópolis, 200 manifestantes foram até a prefeitura, exigir do prefeito Dário Berger (PSDB) que aplique imediatamente a Lei 1.137/04, promulgada em novembro de 2004, que concede o passe livre “para os estudantes, nos serviços de transportes coletivos explorados, permitidos ou concedidos pelo município.” Em seguida, fecharam a avenida em frente ao terminal central, estendendo uma bandeira de 10 metros com a inscrição: “Passe Livre Brasil”. O ato terminou com um “catracaço”, manifestantes pulando catracas e entrando pela porta traseira do ônibus, exibindo cópias da lei 1.137/04.

AUMENTOS Em Campinas (SP), onde as passagens aumentaram recentemente, no dia 31 de março, cerca

GREVE A ação movida contra a PUCSP ocorre em meio a prolongada crise da instituição, que começou na década de 90 e perdura até hoje. Segundo Erson Martins, nesse período, a universidade perdeu os subsídios que recebia do governo, o que desequilibrou suas finanças e resultou em uma dívida que hoje chega a R$ 54 milhões. Martins acredita que esse é um motivo a mais para exigir a transparência da reitoria, não só

em relação aos 20% de gratuidade, mas para instaurar uma auditoria pública e independente das contas da instituição, que possibilite entender a crise. Convencida de que a dívida não será resolvida apenas com a negociação com os bancos, a reitoria da PUC-SP reduziu a folha de pagamento de 80% para 60% da receita. O resultado da medida já se fez sentir: os funcionários estão em greve desde o dia 21 de março, em protesto contra a demissão de 12 pessoas e por um reajuste salarial de 7,66%. A reitoria informou que as demissões resultaram de reestruturações, reconhece a validade da reivindicação, mas só poderá fazer a correção exigida em 2006, pois, agora, “há problemas mais urgentes”. Os professores também realizaram uma paralisação no dia 29 de março, protestando contra os recorrentes atrasos nos pagamentos dos salários, desde 2003. É possível que o salário referente a março não seja pago, considerando que apenas 40% do pagamento de fevereiro foi feito. Mais: só foram quitados 20% do 13º de 2004, e a reitoria se recusa a pagar o dissídio dos professores.

CURSINHO DA POLI

Estudantes protestam em várias cidades Daniel Guimarães de Florianópolis (SC)

Para o assistente social, se a universidade perder o título, será um “grande retrocesso em sua história”, que irá prejudicar ainda mais os alunos e a qualidade do ensino. “Sem a obrigatoriedade de doar bolsas, a universidade ficará cada vez mais elitizada”. Já se deixar de cumprir os projetos sociais, “ela se aproxima mais das privadas, distanciandose do projeto inicial”. Hosokawa, entretanto, acredita que deveria ser cobrada mais transparência das instituições educacionais filantrópicas, com uma forte regulamentação, ao invés do título ser retirado. Procurada pela reportagem do Brasil de Fato, a reitoria da PUCSP não se manifestou.

de 2 mil pessoas foram às ruas. Aproximadamente 30 instituições de ensino participaram do ato, que paralisou oito importantes vias da cidade, e ocupou terminais de ônibus. Uma carta de reivindicações foi entregue à prefeitura. A Guarda Municipal e a Polícia Militar foram ativadas para reprimir a manifestação, e três estudantes foram presos. Também no dia 31, em Feira de Santana (BA), 800 estudantes criticaram o aumento da tarifa para R$ 1,40, concedido em fevereiro pelo prefeito José Ronaldo (PFL), durante as férias escolares, evitando protestos. Em Londrina e Curitiba (PR), durante toda a semana, houve panfletagens em escolas e terminais. Os estudantes foram para as ruas, pararam ônibus e dialogaram com a população. O objetivo das mobilizações foi dar visibilidade nacional ao movimento que, de acordo com as resoluções aprovadas por consenso na Plenária, reivindica a gratuidade no transporte coletivo, inicialmente para estudantes. Depois, pretende estendê-la, para toda a sociedade e conseguir que o transporte não seja mais comercial. Este foi o primeiro período nacional de mobilizações. O próximo está programado para 26 de outubro, dia da aprovação do projeto em Florianópolis.

Grêmio faz representação no Ministério Público da Redação O Ministério Público recebeu, dia 28 de março, uma representação pedindo a investigação da atual gestão do Cursinho da Poli (CP). O documento é assinado pelo grêmio dos alunos da Escola Politécnica de Engenharia, da Universidade de São Paulo, o Grêmio Politécnico (GP), e o vereador Carlos Giannazi (sem partido - SP). No documento, a diretoria é acusada de usurpação de bem público para fins privados, demissão de quatro professores por motivos políticos, descumprimento do estatuto do Grêmio (criador e mantenedor do cursinho) e a minimização de seu papel no cursinho, entre outras denúncias. A iniciativa dá continuidade às ações do movimento dos Amigos do CP, que ganhou força em fevereiro deste ano, após a demissão de quatro professores que vinham questionando publicamente os rumos da instituição. O movimento tem o apoio da Associação de Docentes da USP (Adusp), do DCE da universidade e da Associação de Alunos do Cursinho da Poli (AACP), além de ex-alunos e ex-professores. Após as demissões, uma carta de repúdio à atitude da direção foi assinada por intelectuais como Francisco de Oliveira, Ariovaldo

Umbelino, Demetrio Magnoli e Fabio Konder Comparato.

HISTÓRICO Criado em 1987, pelo Grêmio Politécnico, o Cursinho da Poli nasceu com o objetivo de atender jovens de baixa renda, e se tornou uma referência na defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade. De acordo com o estatuto de 1989, é responsável pela administração do Cursinho a gestão eleita do Grêmio Politécnico. O movimento dos Amigos do CP alega que, por meio de uma manobra legal, o grupo político que ganhou as eleições do grêmio de 1996 a 2002, conseguiu se manter na diretoria do Cursinho mesmo após perder as eleições do grêmio. Desde então, a diretoria seguiu rumos mercadológicos, aumentando as mensalidades e diminuindo o número de bolsas. Outra acusação é que a direção quer transformar o Cursinho em uma fundação para criar, posteriormente, faculdades privadas. A representação solicita ao Ministério Público, entre outras medidas, que realize uma auditoria independente das contas do Cursinho, revisão para reelaboração do atual estatuto e da minuta de criação da fundação, imediata readmissão dos professores demitidos e garantia do direito de livre organização da AACP. (DM)


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NACIONAL LATIFÚNDIO ARMADO

Polícia desmascara milícia no Paraná Igor Ojeda e João Alexandre Peschanski da Redação

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ma força-tarefa formada pela Polícia Federal e as polícias Militar e Civil do Paraná prendeu, dia 5, oito integrantes de uma milícia armada, acusada de promover violentas desocupações de terras, sem autorização da Justiça em propriedades rurais do Estado. Os integrantes da milícia tiveram prisão preventiva decretada sob acusação de formação de quadrilha, tráfico internacional de armas, exercício arbitrário das próprias razões e violação de direitos humanos. A quadrilha era comandada pelo tenente-coronel Waldir Copetti Neves, preso em Curitiba pela operação batizada de Março Branco. Copetti trabalhava na logística da Polícia Militar. A organização era mantida financeiramente por fazendeiros ligados ao sindicato rural de Ponta Grossa, que pagavam mensalidades para obter o patrulhamento armado de suas fazendas, além da garantia de reintegração imediata no caso de ocupações realizadas pelos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Orlando Kissner/AE

Quadrilha era financiada por fazendeiros e tinha ligações com tráfico internacional de armamentos

Prisão de policiais militares envolvidos em milícia armada representa o desmonte de estratégia do agronegócio

Entre o material apreendido havia dezesseis armas contrabandeadas do Paraguai e compradas no Brasil, recibos de pagamento de fazendeiros de Ponta Grossa, fotografias e investigações realizadas dentro do MST, binóculos para vigilância, equipamentos de rádiotransmissão, relatórios elaborados pela própria quadrilha e três veículos destinados ao patrulhamento rural. De acordo com Delazari, a força-tarefa irá continuar a investigar o envolvimento da quadrilha em outros crimes, inclusive homicídio. Roberto Baggio, da coordenação do MST do Paraná, afirma que a prisão dos integrantes da milícia “representa o início de um desmonte da estratégia que a elite paranaense do agronegócio lançou mão na década de 90, que utilizava-se de métodos nazistas para eliminar

ARMAMENTO PESADO Segundo o secretário de Segurança Pública do Paraná, Luiz Fernando Delazari, “a milícia tinha duas funções. Uma era um trabalho de fiscalização para evitar as ocupações, ou seja, formação de segurança privada sem autorização. A outra era, caso tivesse famílias sem-terra em alguma fazenda, desocupar a área”. Além disso, a força-tarefa encontrou provas que o “forte armamento” utilizado para tal era obtido por meio do tráfico internacional de armas. Os policiais ainda realizaram outras prisões preventivas e mandados de busca e apreensão em Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa.

o MST, dos pontos de vista físico e político”. Segundo Baggio, na época do governo Jaime Lerner (1995-2002) o latifúndio agia em conjunto com o Estado. “A maioria dos despejos e assassinatos era uma ação coordenada entre as milícias e o poder público. E envolvia prefeitos, deputados e o Poder Judiciário”, completa. Em nota oficial, a CPT do Paraná comemora as prisões, principalmente a de Copetti, que “tem uma longa história de violência contra os trabalhadores rurais do Paraná” e que era “um dos principais estrategistas da repressão promovida pelo governo Jaime Lerner, que promoveu uma verdadeira política de violação de Direitos Humanos no Estado, fato pelo qual foi condenado internacionalmente”. A nota alerta também para a “gravidade

RIO GRANDE DO SUL

Nanda Duarte de Porto Alegre (RS) O projeto de lei que regula as Parcerias Público-Privadas (PPPs) no Rio Grande do Sul passou pela Assembléia Legislativa com um veto, no mínimo, inusitado. O governador Germano Rigotto (PMDB) vetou a emenda que excluía dos serviços passíveis de PPP a captação, o tratamento e a distribuição de água. “A água é um bem de todos, não uma mercadoria”, protestou o deputado Estilac Xavier (PT), autor da emenda, durante a seção plenária do dia 29 de março, que decidiria sobre o veto. A deputada Jussara Cony (PC do B) reforçou: “Água é fator de soberania nacional.” O líder da bancada do PMDB, Fernando Záchia, apoiou o veto, lembrando que o projeto das PPPs começou com o governo Lula. Disse, ainda, que o PT estaria querendo minar o crescimento político do PMDB, com as diversas ressalvas que os correligionários do partido estariam fazendo às propostas do governo gaúcho. Aliás, os defensores da inclusão dos serviços de água nas parcerias com o setor privado repetiram os argumentos da imprensa do Estado: apontaram para as rivalidades políticas em jogo, em detrimento do cerne da questão – a água pode servir ao lucro privado, ou deve ser administrada com o único intuito de garantir o seu acesso universal? A qualidade do serviço de saneamento básico no Rio Grande do Sul e o entendimento de que a água,

Luiz Ávila

Água pode ser privatizada

da situação que as milícias privadas têm gerado no campo”, no Paraná e em todo o Brasil. Por parte do governo federal, o compromisso com sua erradicação tem longa data. Em julho de 2003, em entrevista ao Brasil de Fato, o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, afirmou que o governo não iria tolerar a ação de grupos armados por latifundiários. Na ocasião, ele disse que os proprietários que financiassem e organizassem milícias teriam suas terras confiscadas, e estas seriam destinadas à reforma agrária.

AGENTE CAUSADOR “É preciso desmistificar o agronegócio, pois seu crescimento não está ligado ao desenvolvimento do país, como muitos dizem, mas ao aumento da exploração dos

Dirigentes do MAB são soltos em SC da Redação

Na Assembléia Legislativa, movimentos sociais pressionam deputados

hoje, é um bem estratégico, eram os principais motivos para a exclusão da água do PPP. Cerca de 98% da população gaúcha é atendida pela Companhia Riograndense de Saneamento, serviço que deveria ser valorizado e assegurado “sem brechas para a privatização”, segundo Mauri Ramme, presidente do Sindiágua.

AQÜÍFERO Um dado importante a considerar é a estratégica localização do Rio Grande do Sul sobre boa parte do Aqüífero Guarani, uma das mais importantes reservas de água potável do mundo e que, por isso, desperta a atenção e a cobiça internacionais. Mas o debate público sobre a questão não teve o merecido destaque. Pelo contrário, os principais veículos convencionais de comunicação do Estado mal noticiaram polêmica do veto. Entretanto, foi a inclusão da água

nas PPPs que levou um grande público à Assembléia. Mais de 400 vozes vaiaram os deputados quando saiu o resultado da votação. Com 18 votos a favor, o veto foi aprovado por não atingir o quorum mínimo para a sua rejeição, 28 votos. Na opinião de Estilac Xavier, se a PPP não é privatização, também não a evita. O deputado e o presidente do Sindiágua estão preocupados com um protocolo de intenções assinado em 2003 entre o governo e a espanhola Ibadesa, empresa que atua na área de saneamento, entre outras. Na ocasião, o governador Germano Rigotto afirmava que, com o protocolo, estava aberto o caminho para os investimentos da Ibadesa. “Há um grande potencial para parcerias entre os setores público e privado no Estado”, declarou. À época, o projeto de regulamentação das PPPs sequer havia sido encaminhado.

trabalhadores”. A frase é de Antonio Canuto, secretário nacional da CPT, entidade que considera os fazendeiros como principais geradores de violência rural. De acordo com o relatório “Conflitos no Campo”, publicado pela organização, em abril de 2005, os Estados onde o agronegócio mais se expande são aqueles onde mais se registram atos de violências contra camponeses e indígenas, inclusive por meio de milícias armadas. Em 2004, as vítimas do agronegócio chegaram a 39. Em 2003, foram assassinadas 73 pessoas. Por isso mesmo, Roberto Baggio, do MST, vê o fim do latifúndio como solução possível. “Esperamos que o governo federal realize a reforma agrária, única forma de acabar com a violência no campo, por meio da promoção da justiça social”.

Após 24 dias presos, as seis lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) foram libertadas dia 4. Em audiência no Fórum de Campos Novos (SC), a juíza da comarca local, Adriana Lisboa, libertou os presos antes mesmo da análise do habeas corpus. Outros quatro integrantes do movimento, no entanto, continuam com o mandado de prisão decretado. Os líderes foram levados de suas casas em 12 de março, quando a Polícia Militar invadiu as residências pela madrugada ameaçando prender as mulheres, caso as lideranças não se entregassem. O MAB denuncia que os presos sequer tinham processo quando foram levados. Este é o primeiro caso de prisão preventiva por descumprimento de interdito

proibitório – ação movida por latifundiários para evitar ocupações – que se tem notícia desde os tempos da ditadura militar. Os dirigentes do MAB avaliam que as prisões foram uma forma de perseguição. “Os companheiros são lideranças da região e estavam organizando os agricultores atingidos pela barragem, mas as empresas não admitem que façamos mobilizações e lutemos pelos nossos direitos, então mandam nos prender”, diz André Sartori, coordenador do MAB na região. A barragem de Campos Novos é do consórcio Enercan, formado pelas empresas Companhia Brasileira de Alumínio/CBA, Companhia Níquel Tocantins, CEEE, Celesc e Companhia Paulista de Força e Luz/CPFL. O principal acionista da CPFL é o Grupo VBC: Votorantin, Banco Bradesco e Camargo Corrêa.

Medalha Chico Mendes premia vítimas da repressão da Redação “Nenhum deles – os torturadores da época da ditadura militar no Brasil – chegou a ser processado criminalmente. Proponho que o Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM) encabece uma ação de denúncia contra a aplicação fraudulenta da Lei da Anistia de 1979 em nosso país”. Essa foi a mensagem do jurista Fábio Konder Comparato, um dos agraciados com a 17ª

Medalha Chico Mendes de Resistência, criada pelo GTNM em 1988, no Rio de Janeiro, em homenagem ao líder seringueiro morto naquele ano. A medalha foi dada ainda ao poeta Thiago de Mello; in memoriam, à freira Dorothy Stang e a Honestino Guimarães, presidente da União Nacional dos Estudantes, desaparecido desde 1968; e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).


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NACIONAL ESTIAGEM

Alerta para um modelo em crise Entre dezembro de 2004 e fevereiro de 2005, média de chuvas foi a menor em 62 anos

Hamilton Octavio de Souza

Ranking revelador Com um Produto Interno Bruto (PIB) de 605 bilhões de dólares, o Brasil é a 12ª economia do mundo em números totais, mas pula para o 39º lugar na classificação quando o PIB passa a ser per capita, que equivale, em média, a 8.540 dólares para cada cidadão brasileiro, por ano. Esse valor está abaixo até mesmo da Argentina, que ocupa o 30º lugar, e tem renda média de 12.910 dólares por habitante. Carga tributária O Sindicato dos Auditores da Receita Federal (Unafisco) divulgou levantamento que mostra o crescimento da carga tributária para os trabalhadores, com descontos do imposto de renda na fonte, nos dois primeiros anos do governo Lula. Em 2002, no governo FHC, o IR retido na fonte representou 1,67% do PIB; em 2003, foi para 1,70% e, em 2004, aumentou para 1,79%. Bajulação elitista A comissão de educação do Senado aprovou, dia 29 de março, a criação do Prêmio Roberto Marinho de Jornalismo, uma iniciativa dos senadores Hélio Costa (PMDB) e Antonio Carlos Magalhães (PFL). Vale lembrar que todos os envolvidos foram fiéis colaboradores da ditadura militar e se beneficiaram particularmente dela — assim como a concessionária TV Globo. Podridão palaciana 1 O espertinho Henrique Meirelles fez mil manobras para esconder sua condição de controlador de algumas empresas, sonegou impostos e realizou lavagem de dinheiro. Está tudo provado, mas ele continua na presidência do Banco Central e protegido pelo Palácio do Planalto. Podridão palaciana 2 A minirreforma ministerial mexeu pouca coisa na administração federal, mas arrastou para dentro do governo Lula o senador Romero Jucá, do PMDB, conhecido malandro com folha corrida mais suja que pau de galinheiro. Perguntar não ofende: como o PT convive com gente desse tipo sem parecer igual? Farra musical É mesmo incrível como os ocupantes de cargos públicos gostam de esbanjar o dinheiro público: na última semana, o Banco do Brasil distribuiu gratuitamente centenas de convites para o show da cantora Maria Bethânia, no DirecTV Music Hall, em São Paulo. Na portaria, cada ingresso custa entre R$ 70 e R$ 120 reais. A farra atual com o dinheiro do povo continua igual à de todos os tempos. Expurgo petista Respeitado no meio do professorado de São Paulo, por sua seriedade e compromisso, o vereador Carlos Giannazi está sendo vítima de novo processo de expulsão do PT, agora por não ter participado do esquema de eleição de um tucano para a presidência da Câmara Municipal. O diretório paulistano, dominado pela torcida organizada da Marta Suplicy, não tolera divergências e costuma “eliminar” quem pensa diferente. Violência sistêmica Juízes do Espírito Santo mandam matar juiz que investigava crime organizado. Fazendeiros do Pará mandam matar religiosos, sindicalistas e trabalhadores rurais que defendem a reforma agrária e a floresta. Policiais militares do Estado do Rio matam 30 pessoas na baixada fluminense só para fazer demonstração de poder. O modelo econômico gera desigualdade e exclusão; a inércia e a corrupção do aparelho de Estado geram a impunidade; os mais fortes controlam a sociedade pela violência. O Brasil se desintegra.

Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS)

P

ela segunda vez consecutiva, o Rio Grande do Sul foi atingido por uma forte seca no verão, período de maior atividade agrícola no Estado. Desta vez, 442 entre os 496 municípios gaúchos solicitaram a decretação de estado de emergência, 52 a mais dos que entraram com o pedido em 2004, também por causa da falta de chuvas. O racionamento de água para o consumo doméstico atingiu 26 cidades – algo inédito para os gaúchos. O milho, cultura motor da pequena propriedade, foi praticamente todo perdido. A soja, principal produto de exportação do Estado, teve a sua menor safra desde 1991. A pesca foi proibida durante dois meses pelo Ministério do Meio Ambiente em rios importantes do Estado e em toda a bacia do Rio Uruguai. Os números traduzem uma situação crítica para a região, com impacto mais severo sobre micro e pequenos produtores, que não têm acesso ao crédito agrícola oficial e ao seguro rural. Mas são, também, como um sinal de alerta, indicando que as profundas alterações no uso do solo provocadas pelo agronegócio tradicional podem ter contribuído para acelerar mudanças no clima local. “O que a gente tem observado é

Seca prejudica produção de milho e também da soja, principal produto de exportação do Rio Grande do Sul

que, desde a década de 90, a temperatura e uma série de fenômenos climáticos estão mudando. Alguns cientistas atribuem às causas naturais, outros à ação do ser humano sobre o meio ambiente. O que provavelmente está acontecendo é uma mistura das duas coisas”, argumenta o ecologista e engenheiro agrônomo da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Arno Kayser. Ele responsabiliza o processo de

aquecimento global pelo aumento da temperatura e, em grande parte, pela estiagem.

AQUECIMENTO Pesquisa recente divulgada pela Agência Espacial dos Estados Unidos (Nasa) informou que 2004 foi o quarto ano mais quente em mais de um século. Os resultados do levantamento, realizado pelos cientistas Makiko Sato e James Hansen, do Instituto Goddard para Estudos Espaciais, mostraram que, no ano passado, os termômetros registraram uma temperatura média 0,48°C acima da média verificada entre 1951 e 1980. As quatro maiores médias desde o final do século 19 ocorreram em anos recentes, sendo o mais quente o de 1998, seguido por 2002, 2003 e 2004. No Rio Grande do Sul, para se ter uma idéia, em março, chegaram a ser registrados 41,3°C, índice mais alto dos últimos 22 anos, somente atrás dos 41,9ºC de janeiro de 1985. Boa parte das cidades gaúchas enfrentou o mais longo período de temperaturas acima dos 30°C, segundo dados da Estação de Climatologia de Campo Bom.

Desmatamento agrava situação climática O Rio Grande do Sul já teve seu território com 40% de cobertura vegetal. Devido à “modernização” da agricultura e ao desmatamento, nas décadas de 1970 e 1980 (a fim de expandir as terras para a monocultura da soja, principalmente), aquela cobertura caiu drasticamente para 5% em fins dos anos 90 e, hoje, com alguma recuperação, estima-se que o Estado tenha conseguido preservar somente 7% de sua cobertura vegetal original. O ecologista e engenheiro agrônomo da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Arno Kayser salienta a importância de uma agricultura sustentável como forma de fixar o carbono na Terra ao invés de liberá-lo para a atmosfera, o que agrava o efeito estufa. “Para isso, é importante manter as florestas e recuperar as áreas degradadas com vegetação, usar menos preparação do solo e mais rotação de culturas, utilizar

matéria orgânica na adubação, substituir o diesel pelo biodiesel nos tratores, dar oportunidade para energias alternativas, como o vento e a própria energia hidráulica”, ensina o engenheiro agrônomo.

MUDAR Ele deixa claro que, para atingir esses objetivos, não basta pensar de uma outra maneira a prática agrícola, mas é preciso, também, mudar a matriz energética do país, o que é bem mais complicado diante dos poderosos interesses econômicos envolvidos. “Na maioria dos países, a matriz energética é baseada ou em carvão ou em petróleo. Mudar seria utilizar outras formas de produzir energia, como as centrais eólicas e a biomassa – combustíveis à base de vegetais, como álcool e o hidrogênio. Mas isso precisa ser um esforço global”, salienta Arno Kayser. (RC)

EFEITO ESTUFA A emissão em larga escala de gases como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), por indústrias, queimadas e mesmo pelo rebanho bovino, provoca a formação de uma camada ao redor do planeta, que retém raios do sol na atmosfera, causando aquecimento. “Acontece que essa camada está ficando forte demais, acrescentando

calor que antes não tinha”, comenta Kayser. Com o aumento da temperatura, as regiões tropicais recebem mais calor, deslocando massas de ar quente para a atmosfera e fazendo com que as águas oceânicas fiquem menos densas. Para chover, explica o especialista, são necessários uma baixa pressão atmosférica e um alto índice de umidade no ar. Às vezes até ocorre um abaixamento da pressão, quando passa uma frente fria, mas não tendo a umidade não chove. “Provavelmente é isso que vem acontecendo no RS. Temos tido um ciclo de baixa umidade no ar, decorrente dessa diminuição de frio nas correntes marinhas, resultando na estiagem”, afirma o ecologista.

QUEIMADAS De acordo com pesquisa feita por geólogo da Unisinos, universidade de São Leopoldo (RS), a ação do homem, tanto na cidade quanto no campo, vem sendo fundamental para agravar o efeito estufa. Nos centros urbanos, a queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) e a produção exacerbada de lixo são os principais causadores desse processo nocivo. Já no campo, a agricultura convencional acaba contribuindo, sobretudo, com a queima de florestas. “As queimadas são o principal fator de geração de carbono na atmosfera. Hoje, somos os campeões mundiais de queimadas”, alerta Hansen. De acordo com Kayser, 75% das emissões brasileiras de gases formadores do efeito estufa são decorrentes de queimadas.

Concentração da renda e da terra Para Dinarte Belato, professor de sociologia rural da Unijuí, universidade de Ijuí (RS), a estrutura fundiária do país, baseada na monocultura e em grandes propriedades, também tem a sua parcela de responsabilidade nas alterações climáticas. A seu ver, muitos produtores trocaram a agricultura diversificada pelo cultivo da soja, entusiasmados com os altos preços alcançados nos últimos anos. Na safra 2003, a produção da oleaginosa no Estado foi recorde, atingindo 9,579 milhões de toneladas, diante de uma colheita média ao redor dos 6 milhões de toneladas nas safras anteriores. Mas o cenário se inverteu a partir de maio do ano passado, e o preço da soja no mercado internacional caiu perto de 40%, desde então. Nos primeiros meses de 2004, a saca chegou a ser cotada em cerca de R$ 50 e, no início deste ano, era negociada entre R$ 20 e R$ 22. O professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Carlos Mielitz, também considera social e ambientalmente devastadores os reflexos gerados pela monocultura e pelo sistema de produção

que ela sustenta, o agronegócio. “É um modelo de produção agrícola extremamente frágil. O fato de ter uma única cultura comercial acaba fazendo com que seja uma atividade deficiente”, argumenta.

João Zinclar

Marcha histórica O MST, a Via Campesina e o Grito dos Excluídos iniciam, na próxima semana, a grande marcha de Goiânia até Brasília, que deve ser integrada por mais de 10 mil pessoas. A luta é pela reforma agrária, mas o sentido da caminhada tem a ver com o descontentamento geral do povo com a política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

João Zinclar

Fatos em foco

MODERNIZAÇÃO A monocultura foi um instrumento importante no projeto de expansão capitalista a partir dos anos 60. “Os militares queriam um Brasil industrializado e urbanizado. A agricultura tinha funções a cumprir, como a geração de divisas, de matéria-prima e de alimentos baratos para as cidades”, afirma Mielitz. O processo de modernização do campo liberou mão-de-obra para a indústria e a construção civil, completa o economista. O Sul, em especial o Rio Grande do Sul, era a região mais preparada para modernizar a agricultura, utilizando a soja como cultura de expansão. A agricultura, no Estado, era mais tecnificada, o que facilitava a mecanização, conta Mielitz. Ele considera que os impactos da implantação da monocultura, que prepondera até hoje no Estado,

Monocultura também contribui para mudanças climáticas

são claramente negativos. “A monocultura intensiva podia ser muito funcional para o modelo que se pretendia implantar, mas era perversa do ponto de vista social, concentrando a renda e a propriedade da terra. Passados quase 40 anos, estamos vendo as conseqüências disso”, argumenta. Atualmente, o quadro continua o mesmo, mas com forte participa-

ção das transnacionais. Belato, da Unijuí, diz que o sistema capitalista modificou a agricultura, tornando necessária a utilização de maquinário e de herbicidas, fornecidos por grandes corporações internacionais. “As transnacionais, com os instrumentos e o capital, fazem as políticas agrícolas no lugar do Estado”, analisa o professor. (RC)


7

De 7 a 13 de abril de 2005

NACIONAL ESTIAGEM

Choradeira x crise real na agricultura Grandes produtores rurais torram lucros das safras na compra de terras, camionetes de luxo e máquinas agrícolas

D

urante três anos consecutivos, a agricultura deitou e rolou, colhendo lucros em abundância, em função dos bons preços registrados entre 2002 e os primeiros meses do ano passado. Os ganhos beneficiaram especialmente os produtores de soja, em particular os de grande porte, com acesso garantido ao crédito rural oficial – que exclui centenas de milhares de micro e pequenos agricultores. Nos últimos dois meses, foram exatamente os grandes que moveram céus e terras, com direito a passeatas de tratores, protesto em Brasília e manchetes na imprensa, para reclamar socorro financeiro do governo. O movimento, que ganhou os corredores e o plenário da Câmara dos Deputados e do Senado, alegava que o setor não teria como suportar a elevação recente dos custos de produção em um momento de baixa dos preços, numa combinação que ameaçava impor (supostos) prejuízos a toda a agricultura. Em meio à choradeira, os produtores do Sul do país começavam a contabilizar as perdas reais trazidas pela seca – a mais severa em décadas (veja página 6). Os prejuízos, confirmados parcialmente pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), na casa dos bilhões de reais, serviram para reforçar a cam-

Em milhões de toneladas Produto

2003/2004

2004/2005

Variação (%)

Algodão

2,099

2,233

6,4

217

280

6,3

Arroz

12,808

12,809

-

Feijão

2,994

2,837

-5,2

Milho

42,191

39,039

-7,5

Soja

49,770

53,119

6,7

Trigo

5,8051

6,021

2,9

Amendoim

Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)

panha de setores do agronegócio que deveriam explicar melhor as suas contas.

não teriam como honrar os financiamentos obtidos para compra de sementes e fertilizantes.

AJUDA

JOIO & TRIGO

Ao longo de março, o governo anunciou uma série de medidas, atendendo às queixas do setor agrícola. A ajuda total, incluindo o adiamento de dívidas e a promessa de liberação de recursos, pode se aproximar dos R$ 6 bilhões – metade dos quais representada pela renegociação de empréstimos contratados para o financiamento de colheitadeiras, tratores e implementos agrícolas. Os agricultores familiares das áreas atingidas pela estiagem, que afetou os Estados do Sul e partes de Goiás e Mato Grosso do Sul, devem receber – segundo promessa do governo – algo como R$ 1 bilhão. Uma parcela de R$ 300 milhões deve ser destinada a cooperativas de agricultores das regiões afetadas que, do contrário,

Uma parcela dos produtores – os que não foram atingidos pela seca – abriu a boca contra as medidas anunciadas por Brasília. Motivo? Eles queriam mais. Por exemplo, que todas suas dívidas – incluindo as que já tinham sido parceladas no governo FHC – fossem adiadas indiscriminadamente, pouco importando se os prejuízos tivessem sido reais ou não. O governo decidiu que a ajuda, se necessária, será decidida após exame caso a caso, desde que o produtor comprove que perdeu, ou que terá prejuízo quando tiver que vender sua produção. A esta altura, é preciso mesmo diferenciar cada situação, analisando criteriosamente as perdas alegadas, de forma a evitar injustiças e a concessão de benefícios a quem não precisa. Nas primeiras semanas

QUEBRA

Queixas? Mas os preços voltam a subir O movimento arquitetado pelo agronegócio, que tem representação no Congresso, pretendia misturar tudo no mesmo saco e arrancar recursos e benefícios do governo de forma generalizada. Não por coincidência, há um estranho silêncio no setor e, nos últimos dias, quase não se ouve mais falar em crise. O motivo parece estar na reação de preços dos principais produtos esboçada nas últimas semanas. Desde março, depois de confirmadas as perdas no Sul, os preços da soja e do milho subiram praticamente 20%, retomando e, em alguns casos, superando, médias históricas. O movimento das cotações é confirmado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). Na semana encerrada no dia 1º de abril, os preços médios da soja encostaram em R$ 35 por saca, em relação aos R$ 28,50 a R$ 29 de fevereiro. Obviamente, em comparação com os níveis recordes (e irreais) observados no ano passado, persiste um tombo de 33,5%. Acontece que todo o mercado sabia que patamares entre R$ 50 e até R$ 60 a saca, não se manteriam, porque

Quem planejou vender sua produção pelos valores alcançados no começo de 2004, pensando em lucros ainda mais gordos, vai, literalmente, dar com burros n’água. Mesmo assim, a reação atual dos preços coloca a cotação da soja quase 90% acima dos valores registrados na primeira semana de abril de 2000 e 60,5% mais do que em igual período de 2001, conforme o Cepea. No caso do milho, de acordo com pesquisa semanal da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (EmaterRS), a saca chegou a ser cotada a R$ 20,30 na região, também no início deste mês, correspondendo a uma variação de 20,5% em relação a março e 9,5% mais do que no mesmo período do ano passado. Considerando a média histórica verificada entre 1999 e 2003 para o mês de abril, a saca do milho estava 23,5% mais cara. Os dados mostram que, quem conseguiu escapar da seca, poderá ter um bom ano, a despeito de todo o aumento de custos observado no ano passado. (LVF)

Em milhões de toneladas 131,9 123,4

Algodão Arroz Milho Soja Trigo

Aumento da produção mundial

22

23

13

21

13

Ampliação dos estoques mundiais

22

130

14

58

8

Preços internacionais

-40

32

-30

-37

-17

Estoques brasileiros

59

26

-7

383

153

Preços internos

-44

-35

-6

-33

-20

Custos de produção

19

14

15

17

10

Dez/2004

Fev/2005

119,5

119,2

Mar/2005

Safra de 2003/2004

Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)

Medidas excluem meio milhão de agricultores Miguel Enrique Stédile de Porto Alegre (RS) Nem mesmo os prejuízos da pior seca dos últimos 40 anos parecem ter sensibilizado a equipe econômica do governo federal. Na avaliação da Via Campesina gaúcha, as medidas divulgadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 16 de março, em Erechim, são insuficientes. O governo prometeu liberar R$ 408 milhões para ações imediatas e anunciou a antecipação de R$ 800 milhões com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para a safra de inverno. As dívidas de custeio foram prorrogadas por dois anos. Os laudos do Proagro (seguro agrícola) serão mais flexíveis, de acordo com a gravidade e a extensão da seca. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, também propôs a criação de um fundo conjunto, formado pelo governo federal e Estados do Sul, para auxílio emergencial aos produtores. Assim como o “bolsa estiagem”, distribuído no ano passado, o benefício se restringe aos agricultores que não recorreram ao Pronaf, excluindo 584.594 pequenos agricultores da região. Por isso, a Via Campesina reivindica um crédito

de toneladas. Ou seja, a estiagem acabou com todo o ganho esperado para este ano, causando uma quebra equivalente a 12,4 milhões de toneladas – volume equivalente a dois meses de consumo doméstico de milho e soja. Só os produtores gaúchos deixarão de colher, de acordo com a Conab, pouco mais do que 8,8 milhões de toneladas (71% da perda total, no país). No caso do milho, por exemplo, a quebra no Sul responderá por 83% do total (2,7 milhões, em menos de 3,3 milhões de toneladas). Nas contas da Conab, considerando apenas a redução na colheita de milho e soja, os prejuízos são estimados em R$ 5,55 bilhões. Configura-se, no caso, uma situação de perdas efetivas, o que exige pronta intervenção do governo, para evitar que milhares de famílias de agricultores deixem a atividade.

Os estragos provocados pela seca se concentram nas culturas de soja e milho

RECUPERAÇÃO

Fev/2004-2005 em %

Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)

Por causa da seca, os números obtidos em março apontaram para uma safra inferior a 119,5 milhões

ESTIMATIVAS PARA A SAFRA 2004/05

os Estados Unidos previam colher uma safra recorde em 2004/2005 (algo como 85,7 milhões de toneladas, quase 19 milhões de toneladas a mais).

PANORAMA RECENTE DA AGRICULTURA Variável

de março, diante da grita geral do setor, a Conab enviou equipes ao campo para fazer um levantamento extra e averiguar a extensão dos estragos provocados pelo clima. Os dados coletados mostram claramente que as perdas se concentram nas culturas de soja e milho, com o Rio Grande do Sul representando mais de 70% da quebra. Em fevereiro, a Conab havia divulgado uma pesquisa de campo projetando uma produção de 131,9 milhões de toneladas para a safra de grãos de 2005. Isso representaria um salto de quase 11% em relação às 119,1 milhões de toneladas colhidas em 2004 ou quase 12,8 milhões de toneladas a mais.

ESTIMATIVA DE PRODUÇÃO DAS PRINCIPAIS CULTURAS DA SAFRA EM GRÃOS

João Zinclar

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

para manutenção familiar para todos pequenos agricultores.

AÇÕES INSUFICIENTES A proposta do benefício para agricultores que não acessaram o Pronaf e foram atingidos pela estiagem já havia sido implementada pelo próprio governo federal no ano passado. Apesar de ter oferecido R$ 16 milhões para os atingidos pela estiagem em 2004, até o início de março deste ano, 3.950 deles ainda não haviam retirado o auxílio de R$ 300 por cabeça. “As medidas do governo são importantes, mas insuficientes”, analisa Gilberto Tuttenhagen, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), acrescentando que, na prática, o governo está jogando o problema para o ano que vem, quando o agricultor terá acumulado dívidas de custeio e de financiamento. Para o integrante do MPA, o seguro-agrícola também não amenizará os prejuízos da estiagem. “O Proagro resolve a vida do banco, mas como o agricultor vai sobreviver se não colheu nem para comer? Além disso, dependendo da produtividade do município estimada pelo banco no contrato, os agricultores vão receber muito pouco”, afirma.

Para onde foi o dinheiro das safras Nos demais casos, para os produtores que não foram atingidos pela seca, eventuais prejuízos serão resultantes do jogo do mercado e do risco inerente ao próprio negócio. Ou seja, trata-se de uma situação que merece o acompanhamento do governo, mas que deveria ser manejada pelo próprio setor, com recursos próprios. Afinal, para onde foi todo o lucro obtido nas safras anteriores, quando a soja ocupou áreas de pastagens e de florestas, empurrada por exportações recordes? Mais uma vez, os dados concretos deixam pouca margem a dúvidas: houve um forte movimento de acumulação de patrimônio desde quando os lucros começaram a crescer. Mais claramente, os produtores destinaram seus ganhos para a compra de terras, camionetes de luxo, colheitadeiras (inclusive importadas) e tratores. No primeiro caso, até meados de 2003, os preços das terras acumulavam uma variação real (já descontada a inflação), numa média regional, entre 34%, na região Nordeste, e 82% no Centro-Oeste, na comparação com o final de 2001, segundo levantamento da empresa de consultoria FNP. Observada a variação por Estado, houve saltos ainda mais expressivos no período, com alta de 700% em Mato Grosso, 623% na Bahia (nova fronteira de expansão da soja), 344% em Minas Gerais e 249% no Paraná. Indiscutivelmente, o mercado de terras foi movimentado pelos lucros da soja. O mesmo no caso das camionetes: as vendas internas aumentaram 24% no ano passado, saindo de menos de 178 mil para quase 220 mil unidades. Na média dos últimos três anos, as vendas de máquinas agrícolas atingiram 39,4 mil unidades, num salto de 62% em relação à média observada nos anos 90. (LVF)


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De 7 a 13 de abril de 2005

NACIONAL DIREITOS HUMANOS

Terrorismo policial mata 30 no Rio Na maior chacina da história fluminense, o mais difícil para as autoridades parece ser encontrar seus motivos

“J

á vi muita coisa, mas nunca algo desse tipo. O que me chamou a atenção foi a falta absoluta de motivos”. Estas foram as primeiras palavras do ministro Nilmário Miranda, secretário Nacional de Direitos Humanos, ao ser questionado pelo Brasil de Fato acerca da maior chacina da história do Rio de Janeiro. No dia 31 de março, 30 trabalhadores, adolescentes e crianças foram mortos, aleatoriamente, na Baixada Fluminense. Até o momento, as principais suspeitas recaem sobre policiais militares – dia 5, onze já estavam presos. Procurando explicações, Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, em entrevista coletiva, levantou a hipótese de afronta ao Estado. “Quem o fez, quer mostrar que não tem medo e resiste ao Estado como instituição democrática”, afirmou. De seu lado, Miranda acredita que o crime parece ter inspiração terrorista. “Eles quiseram mandar um recado ao Estado e nós devolvemos: podem vir, mas saibam vocês que não haverá impunidade”, garante o secretário.

12 de fevereiro) todos os suspeitos foram presos e estão sendo investigadas hipóteses de novos mandantes”, relata Miranda. O secretário acredita que, desta forma, o governo deixa claro que não haverá impunidade. “Governador, senador, deputado, policial e juiz federal, desembargador, seja quem for, ninguém está acima da lei”, enfatiza.

Publius Vergilius/Folha Imagem

Luís Brasilino da Redação

CRIMINALIZAÇÃO

Marcos Vinícius foi uma das vítimas da chacina em Queimados, na Baixada Fluminense

que não haverá impunidade e abrir inquérito na PF. E bom o governo estar falando sério, alertam especialistas. “Ao longo de 20 anos, nossa posição sobre esses casos é a mesma, ou seja, é a crença na impunidade que alimenta a violência contra os direitos humanos”, declara Cecília Coimbra, fundadora do Grupo Tortura Nunca Mais. Diogo Lyra, pesquisador do Centro de Justiça Global, reforça: a certeza de impunidade conduz rapidamente à barbárie. Casos de impunidade são o que não falta na história recente do Rio de Janeiro. Os mais emblemáticos são os dos policiais responsáveis por duas chacinas, em 1993. Uma foi em frente à Igreja da Cande-

IMPUNIDADE Assim, Thomaz Bastos prometeu como única resposta possível uma perseguição implacável e uma punição dura aos assassinos. “Pusemos a Polícia Federal (PF) trabalhando junto com a Militar e a Civil. Eles estruturaram para a região uma espécie de gestão integrada, força-tarefa”, descreveu o ministro. Segundo Miranda, quando há um crime deste tipo, “de gravidade e que envolve direitos humanos”, o governo se desloca rapidamente para o local para encorajar a comunidade, anunciar publicamente

lária, centro do Rio, quando 45 crianças de rua foram assassinadas com rajadas de metralhadoras, e oito morreram. Poucas semanas depois, 21 pessoas foram mortas numa favela no subúrbio de Vigário Geral, em retaliação pela morte de um grupo de policiais envolvidos com o tráfico de drogas. Dez anos depois, três dos seis policiais acusados pela morte dos meninos, foram julgados e absolvidos. Na chacina de Vigário Geral, dos 52 policiais militares acusados, apenas seis foram condenados, e um deles está foragido até hoje. O governo sabe disso. Segundo Nilmário Miranda, se os criminosos temessem a punição,

não cometeriam tais massacres. A impunidade os encoraja a chegar ao extremo. Mas, de acordo com o secretário, o governo tem um novo padrão de atuação.

FIRMEZA? “Em Unaí-MG (onde três fiscais do trabalho e um motorista foram assassinados em janeiro de 2004), as pessoas foram presas. Quem não está preso, é por proteção judicial mas estão indiciados e estamos preparados para o julgamento. Em Felisburgo-MG (cinco sem-terra foram mortos enquanto dormiam, em novembro de 2004), os autores, inclusive o mandante, estão presos. No caso da Irmã Dorothy Stang (assassinada em Anapu-PA no dia

Segundo Lyra, da Justiça Global, há dois motivos para a matança da Baixada Fluminense. Um, é específico: o recado de um grupo de policiais que se sentiu traído pela atitude do comandante que prendeu, anteriormente, alguns policiais por desvio de conduta. Outro, geral, é a criminalização da pobreza pois, para Lyra, a sociedade só se dói por quem ela julga ser seu igual. “É esse preconceito que permite a violência dentro da favela, generalizando morador e traficante. Isso permite que ações policiais que resultam em mortes sejam justificadas pela suposta descoberta de algumas armas e drogas”, argumenta o pesquisador. Nilmário Miranda concorda. “Eles escolheram as vítimas a esmo, mas só morreu pobre, não tem ninguém da classe média. E, praticamente, todos são negros ou pardos. Isso denota uma discriminação racial e social”, constata. Para Lyra, o morador de favela sofre bem mais do que qualquer outro cidadão carioca, pois está à mercê tanto dos traficantes quanto da polícia. “Eles não têm para quem reclamar porque não encontram solidariedade na sociedade, na mídia e na Justiça, uma vez que não são vistos como um igual”, retrata o pesquisador. (Colaboraram Mario Augusto Jakobskind e Nestor Cozetti, do Rio de Janeiro)

Tatiana Merlino da Redação Dia 1º de março de 2002, Josimas Ramos de Souza e quatro amigos foram presos e torturados por policiais militares. Eles caminhavam no centro de São Paulo quando três PMs desceram de uma viatura e começaram a agredi-los com chutes. Sem explicação, foram levados a um distrito policial. Lá, foram ofendidos e humilhados. Souza foi ameaçado de morte, chutado e aterrorizado por falsos disparos na cabeça. O Ministério Público denunciou os policiais com base na lei de tortura, e o episódio virou um processo criminal. Casos como esse não são raros no Brasil, onde a tortura é praticada, na maior parte das vezes, por policiais civis e militares, e principalmente em delegacias e presídios. No entanto, os torturadores contam com a impunidade e a lentidão da Justiça para continuar a agir. Segundo informações do Distribuidor Criminal de São Paulo, de 2000 a 2004, 192 inquéritos policiais sobre crimes de tortura foram instaurados na cidade de São Paulo. Destes, apenas 59 viraram processo de tortura. O número inexpressivo de processos demonstra que, oito anos após a aprovação da Lei da Tortura, em 7 de abril de 1997, sua aplicação é insignificante. “A eficácia prática dessa lei é muito pequena, e a ausência do Estado é muito grande”, afirma o presidente do Movimento Ministério Público Democrático, Airton Florentino de Barros.

TOLERÂNCIA Para a historiadora e integrante do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Angela Mendes de Al-

Anderson Barbosa

Impunidade e lentidão na apuração das torturas Inquéritos policiais para crimes de tortura* Ano

Número

2000

21

2001

31

2002

33

2003

44

2004

63

2005 (Até 24/2)

11

Acumulado 2000/05

203

*Com base na Lei 9455/97 Nº de processos de tortura 1/1/2000 a 17/6/2004: 59 Fonte: Distribuidor Criminal de São Paulo

“O policial precisa atuar dentro da lei, e não recorrer a crimes para apurar outros crimes”, afirma o promotor Carlos Cardoso

meida, a lei é “apenas uma fórmula aprovada pelo governo e que não está sendo cumprida“. Para ela, a sociedade brasileira é tolerante com a tortura, “aceita como uma necessidade para castigar os chamados criminosos”. Como a sociedade está dividida entre ricos e pobres, a seu ver, crimes cometidos por pessoas de classe média são aceitos, mas, quando envolve pobres, a atitude muda. Entretanto, a juíza Kenarik Boujikian Felippe considera a aprovação da lei um avanço para que o crime de tortura não fique impune.”Mas a lei tem que ser aplicada”, alerta. Para ela, todos os envolvidos no processo criminal estão falhando porque muitos operadores do direito preferem fingir que a tortura não existe, o que

favorece a impunidade. “É como se os agentes que torturam ignorassem as leis”, diz. Pior: quem não tem dado atenção necessária à tortura é o Ministério Público: “Eles não tem um banco de dados das denúncias, estudos, nem linha de ação Se tem uma promotoria específica para o combate à sonegação fiscal, por que não tem uma para tortura?”.

OTIMISMO Mas há, também, avaliações otimistas da lei de tortura, segundo as quais ela está “começando a pegar”, como acredita o promotor Carlos Cardoso, assessor de direitos humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. “A aplicação da lei está aquém do desejável,

mas, nos últimos anos, houve um aumento progressivo dos casos denunciados”, pondera, acrescentando que o Ministério Público tem se empenhado muito. Um exemplo de sentença é a proferida pela juíza Kenarik Boujikian Felippe, da 16ª Vara Criminal de São Paulo. Dia 15 de fevereiro, ela condenou a 12 anos e seis meses de prisão dez policiais militares pelo crime de tortura contra duas pessoas, durante uma operação, em fevereiro de 2004. É a sentença com maior número de PMs condenados no Estado, nesse tipo de crime, segundo avaliação extra-oficial do MP e da Justiça. Pela sentença, todos os réus perdem suas funções. Mas ainda podem recorrer ao Tribunal de Justiça.

Uma das maneiras de combater a tortura institucional é acabar com as justificativas dadas pelos agentes policiais para validar a prática. Muitos deles afirmam que os torturados são bandidos, que recorrem à tortura como método de investigação para combater a criminalidade. De acordo com o promotor Carlos Cardoso, para que a lei seja efetivamente aplicada é necessária uma mudança institucional “mais arrojada” nas cúpulas da polícia. “Eu não vejo um esforço oficial do sistema de segurança público condenando a prática da tortura”, analisa. Segundo ele, um policial precisa ser formado para atuar dentro da lei, e não recorrer “a crimes para apurar outros crimes”. O corporativismo existente nas corregedorias de polícia também atrapalha a aplicação da lei, acredita Cardoso. Ele defende a estruturação das corregedorias dentro das polícias, mas com um grau de autonomia maior do que o atual, para que os policiais que desempenham esse papel se sintam seguros. “Afinal, são colegas se investigando,” observa.


Ano 3 • número 110 • De 7 a 13 de abril de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO IGREJA EM REFORMA

Progressistas esperam debate mais aberto Marcelo Netto Rodrigues da Redação

C

omo manda o ritual, Karol Józef Wojtyla é chamado três vezes por seu nome de batismo, mas já não responde. O carmelengo (cardeal que assume interinamente a administração da Igreja) bate sutilmente na testa de João Paulo II com um martelo de prata e diz: “O papa está morto”. Em Roma, são 21h37 do dia 2 de abril de 2005 quando encerram-se os 84 anos de vida e quase 27 anos de pontificado do primeiro papa não-italiano, em quase 500 anos. O 263º sucessor do apóstolo Pedro. Os indícios da vocação marqueteira de Wojtyla apareceram em outubro de 1978, quando foi escolhido papa. Ao assumir o nome de João Paulo II, sob o pretexto de homenagear seu antecessor, ele absorvia em sua pessoa, numa só tacada, o legado de Paulo VI e de João XXIII – dois papas progressistas que patrocinaram mudanças radicais na Igreja.

Celso Junior/AE

Religiosos brasileiros ligados à Teologia da Libertação querem papa que discuta bioética e moral sexual

Multidão participa do funeral do papa João Paulo II, peregrino e defensor dos direitos humanos

com ele, as coisas começaram a ficar mais claras quando João Paulo II se posicionou contra a revolução sandinista na Nicaraguá. “Ele era uma figura de caráter forte, que se sentia no dever de salvar a unidade e a integridade da Igreja. Mas para isso trabalhava de um modo um pouco áspero, tenso, criando essa sensação de controle, de centralização, de desconfiança, mantendo uma Cúria feita à sua imagem e semelhança: conserva-

CAÇA ÀS BRUXAS “Num primeiro momento, se esperava que João Paulo II reforçasse o Concílio Vaticano 2º, apesar de que Wojtyla, no próprio Concílio, havia manifestado atitudes teologicamente fechadas”, diz o bispo dom Pedro Casaldáliga, um dos apoiadores da Teologia da Libertação. De acordo

dora teológica e canonicamente”, completa Casaldáliga.

O PRÓXIMO PAPA Segundo Frei Betto, um dos teólogos da libertação, a rigor, qualquer católico do sexo masculino é virtual candidato e poderá vir a calçar as sandálias do Pescador: “Mesmo um leigo pode ser eleito. Nesse caso, será imediatamente ordenado padre e bispo, como ocorreu com João XIX (eleito em 1024) e Bene-

O conservadorismo atuante de João Paulo II João Alexandre Peschanski da Redação

SEM SURPRESAS Desde o falecimento de João Paulo II, a grande mídia discute a sucessão pontifical como se fosse uma competição livre e democrática. O que não é verdade. Seja qual for o papa eleito, a linha conservadora será mantida por conta da constituição católica — conjunto de regras que todo pontífice deve seguir — aprovada por João Paulo II em 1996. Participam da eleição 117 cardeA IGREJA CATÓLICA EM NÚMEROS Habitantes no mundo: 6,1 bilhões Católicos no mundo: 1 bilhão Católicos na América Latina: 86,8% da população total Paróquias: 216 mil Bispos: 4.649 Padres: 405.067 Seminaristas: 112.244

ais — 21 da América, dos quais 4 brasileiros (dom Cláudio Hummes, dom Geraldo Majella Agnelo, dom José Falcão Freire e dom Oscar Eusébio Scheid). Os cardeais se reúnem sob sigilo absoluto, no Vaticano, onde elegem o sucessor de João Paulo II, que deve obter dois terços dos votos. O papa teceu uma rede de apoiadores da qual seu sucessor dificilmente vai poder escapar. Dos 164 integrantes do Colégio Sagrado, principal instância do Vaticano, ele nomeou 144. A maioria deles recebeu os ensinamentos — conservadores — de encíclicas e documentos produzidos pelo papa, que correspondem a 80 mil páginas. Encíclica – Documento pelo qual o papa transmite sua interpretação sobre a doutrina católica. Concílio Ecumênico Vaticano 2º – Reunião eclesiástica convocada em 1962 e encerrada em 1965. Marcou uma mudança na linha da Igreja Católica, agora mais identificada com a luta contra a pobreza.

Fonte: Anuário Estatístico do Vaticano, publicado em 2003. Celso Junior/AE

Falecido dia 2, o papa João Paulo II entra para a história como uma figura onipresente da política mundial. Eleito pontífice em 1978, o polonês Karol Wojtyla viajou mais do que todos os seus predecessores. Segundo o Vaticano, ele visitou 129 países, percorrendo, em aviões, carros e barcos, algo como 1,7 milhão de quilômetros — 31 voltas ao redor do mundo. De todos os périplos, a imagem que fica é a de um homem em uma redoma de vidro, protegido contra ataques terroristas, sendo acompanhado por centenas de milhares de pessoas. Com o domínio de diversos idiomas, força de convencimento e inegável coragem física — manteve uma agenda de viagens carregada, apesar das seqüelas dos ferimentos causados pelo atentado do qual foi vítima em 1981, driblou os efeitos da doença de Parkinson e um câncer no intestino — João Paulo II desenvolveu uma linha política e moral muito conservadora e de grande impacto. Em 1995, publicou a encíclica “Evangelium Vitae”, condenando o aborto e a eutanásia. Atacou também o divórcio e o concubinato. Considerou pecados graves a masturbação, a fornicação, a pornografia, o homossexualismo e o uso de meios contraceptivos.

Soviéticas (URSS), país que existiu de 1922 e 1991 e se fundamentou no pensamento comunista.

ANTICOMUNISTA No início de seu pontificado, Wojtyla se colocou dois grandes desafios: restaurar a Igreja, abalada pelo Concílio Ecumênico Vaticano 2º, e reforçar a presença do cristianismo, a partir do que chama de “nova evangelização”. Seus objetivos não eram realizáveis sem o desmonte da interferência socialista na Igreja, e do comunismo em geral. Assim, em 1997, ele aprova a excomunhão do teólogo Tissa Balasuriya, do Sri Lanka, acusado de marxismo. O papa também não poupou repressão a seguidores das correntes progressistas da Igreja, principalmente na América Latina, e críticas à União das Repúblicas Socialistas

Há anos católicos defendem que o papa renuncie o cargo de chefe de Estado

dito IX (eleito em 1032)”. Como essa possibilidade é nula, o próximo papa, em tese, será o cardeal que melhor lidar com os seguintes temas: evangelização, crise da fé e das vocações, herança do Concílio Ecumênico Vaticano 2º, colegialidade nas decisões da Igreja, papel da mulher e dos leigos, questões de ética e bioética e moral sexual. Não deve ser um papa tão novo quanto João Paulo II, escolhido aos 58 anos, pois há a tradição

de alternância entre pontificados longos e curtos. “Esperamos que seja um papa da América Latina, da África ou da Ásia”, declara Frei Betto. “Um homem que abra, na Igreja, o debate em torno dos temas congelados por João Paulo II: células-troncos, moral sexual, celibato facultativo, papel da mulher na Igreja, uso de preservativo, epidemia da Aids, movimento ecumênico, decréscimo no número de fiéis e padres. Sobretudo, um papa que sobreponha o Evangelho ao direito canônico, o amor à lei, a misericórdia à disciplina, a justiça às conveniências, a alegria à dor, a liberdade à opressão”, finaliza Frei Betto. O importante, na opinião de dom Casaldáliga, não é que o papa seja de um lugar ou de outro: “O que conta é sua visão, sua postura, sua atitude. Pode ser alguém do Terceiro Mundo, mas de tendência conservadora. Também pode ser um africano, mas é importante que seja um africano, africano, não um africano ocidentalizado”. Sobre as chances de dom Claúdio Hummes se tornar o próximo papa, dom Casaldáliga lembra que ele também é “um homem da Cúria Romana”. Canonicamente, é mais conservador, apesar de ter tido papel importante, em Santo André, na época da ditadura militar, quando deu respaldo às reivindicações dos operários.

ANÁLISE

Herança de um papa e do papado Marcelo Barros Diante da morte de um ente querido, a saudade e a sensação de perda não permitem que o assunto da herança seja levantado prematuramente. No caso do falecimento de um papa como João Paulo II, refletir sobre sua herança para a Igreja e para o mundo é a melhor forma de honrar sua memória. Em quase 500 anos, ele foi o primeiro papa não italiano, um cardeal vindo da parte do mundo, então dominada pelo comunismo. Esperavase que fosse um homem de diálogo e com capacidade de inserir a Igreja em um mundo que não era mais uma civilização de costumes cristãos e no qual padres e bispos mandavam. Vinte e sete anos depois não é fácil avaliar o longo pontificado de João Paulo II. Sem dúvida, Karol Wojtyla inovou o modo de ser papa, ao inaugurar um ministério itinerante. O mundo inteiro admirou a figura espiritual do papa peregrino que percorreu todos os continentes. Em meio a um mundo de guerras, pregou a paz; em países ricos, insistiu no diálogo entre as nações; condenou regimes ditatoriais e ensinou a todos o direito dos pobres, dos índios, dos negros e a sacralidade de todo ser humano. É difícil distinguir o que se deve à personalidade forte e carismática desse papa e os elementos decorrentes da estrutura do papado. Foram dele as tentativas de uma reforma espiritual da Igreja, tarefa na qual parece não ter conseguido muito êxito. Talvez porque fortaleceu uma organização da Igreja Católica como uma diocese única na qual ele era o bispo com jurisdição universal. Os bispos locais deveriam se comportar como meros auxiliares do verdadeiro bispo que era o papa. Dentro deste modelo medieval de Igreja, era difícil fazer reformas que supõem outra forma de organização eclesial. João Paulo II, vindo da experiência da Igreja em país comunista, acabou reforçando na organização eclesiástica um forte absolutismo

doutrinário e disciplinar. Insistiu no extremo dogmatismo da moral sexual, assinou a condenação da Teologia da Libertação, negou à mulher participação plena nos ministérios eclesiais e tentou restaurar o discurso religioso no debate público da sociedade pós-moderna. Nestes dias, os cardeais se reúnem em Roma para analisar a situação atual da Igreja Católica e enumerar certos critérios a partir dos quais deverá ser escolhido o próximo papa. A profunda santidade pessoal de João Paulo II indica para a Igreja Católica o compromisso de voltar à simplicidade do Evangelho e unir-se às outras Igrejas no testemunho do amor divino para com a humanidade. Provavelmente, do mundo inteiro, virão pedidos para que se valorize uma maior autonomia das Igrejas locais, se reencontrem caminhos de mais profundo diálogo da Igreja com o mundo atual, com as outras Igrejas cristãs e com as demais religiões. Desde a década de 60, muitos fiéis e bispos ilustres como dom Hélder Câmara, propõem que o papa renuncie ao cargo de chefe de Estado, entregue o Vaticano para ser um Museu da Humanidade e assuma plenamente o cargo de bispo da Igreja local de Roma, colocando o primado petrino a serviço da unidade das igrejas e da paz mundial. Certamente, vale hoje para toda a Igreja a recomendação que os bispos latino-americanos fizeram em 1968, na sua 2ª assembléia geral em Medellín, na Colômbia: “Que se apresente cada vez mais nítido o rosto de uma Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo o poder temporal e corajosamente comprometida na libertação de todo o ser humano e de toda a humanidade” (Medellín. 5, 15 a) . Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e teólogo da libertação. Tem 27 livros publicados, dos quais o mais recente é o italiano Il Sapore della Libertà, Ed. Meridiana, 2005


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De 7 a 13 de abril de 2005

AMÉRICA LATINA VENEZUELA

Um latifúndio de miséria e abandono Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

Fotos: TV Vive

Começa a reforma agrária de Chávez, uma esperança para os sem-terra que vivem sem perspectiva no país

Combate às irregularidades

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POBREZA Na fazenda Los Cocos, o cenário se assemelha aos rincões do Nordeste brasileiro. Os llaneros que trabalham na propriedade protagonizam um dia-a-dia marcado pela pobreza, provocada pela concentração de terra e pelo esquecimento do poder público, durante décadas. “Não podemos plantar, nem ter criação nenhuma. Tínhamos um porco e o administrador mandou vender, senão matava”, conta Fernando Linhares, que deixou a família na cidade vizinha, São Fernando. Esposa e filhos residem em cidades próximas enquanto os homens saem à procura de trabalho. Responsáveis pelo trato dos animais, os llaneros recebem

Trabalhadores rurais da fazenda Los Cocos, no Estado de Apure, são beneficiados pela reforma agrária

cerca de R$ 7 por dia – se tiverem trabalho – e não vêem perspectivas de mudanças. “Não é justo que os ingleses sejam donos de nossas terras e que nós, venezuelanos, não tenhamos direito de plantar nada. O que podemos fazer? Os ricos mandam aqui”, lamenta José Armas, ao conduzir os gados para o pasto, montado a cavalo.

ABANDONO Poucas crianças freqüentam a escola, construída pelos ingleses no interior da fazenda. Falta transporte e recursos para comprar material básico como cadernos e livros. A maioria dos adultos que trabalha na fazenda é analfabeta. Apure é um dos Estados com menor índice de desenvolvimento humano do país. De acordo com o Programa das Nações Unidas para

Governo retoma terras de empresa inglesa As primeiras batalhas da “guerra contra o latifúndio” foram ganhas nas duas últimas semanas. O Instituto Nacional de Terras (INTI) anunciou o resgate de 56 mil hectares de terras das fazendas Los Cocos (Apure), dia 31 de março, e mais 12 mil hectares de El Charcote (Cojedes), ambas, até então, consideradas de propriedade da companhia inglesa Vestey Group. A companhia, que detém mais de 350 mil hectares de terras em todo o país, não apresentou documentos que comprovassem a compra das propriedades, em seu poder há 90 anos. A fazenda Los Cocos revela a situação de miséria em que vivem os “sertanejos” venezuelanos. Apenas 8 mil hectares foram considerados produtivos. A outra propriedade, El Charcote, é um dos casos emblemáticos da luta pela terra no país. Há três anos, a fazenda começou a ser ocupada por trabalhadores semterra que, desde então, resistiam sob o fogo cruzado da ameaça dos donos da companhia e da falta de apoio do governo local para a produção agrícola. O processo de resgate dos mais de seis mil hectares de terras improdutivas foi marcado pela entrega de 127 cartas agrárias – instrumento que legaliza o uso

da terra às famílias ocupantes. A parcela considerada produtiva da fazenda seguirá sob o controle da Vestey Group. “A companhia permanecerá, mas não em qualidade de proprietários das terras, mas sim com um certificado de produtividade, que deverá ser solicitado”, explica o assessor jurídico do governo de Cojedes, Alfredo Dascoli. A Lei de Terras, promulgada em 2001, garante o direito de uso da terra quando existe produção. A empresa tem 60 dias para recorrer da decisão. Dois meses também é o tempo necessário para o governo implementar um Núcleo de Desenvolvimento Endógeno, um dos projetos em que se baseia o novo modelo econômico projetado pelo governo Hugo Chávez. Baseado na criação de cooperativas, em especial destinadas à agricultura, cada núcleo poderá gerar 1,5 mil postos de trabalho. A partir dos anos 70, com o chamado boom petroleiro, o país passou a basear sua economia na extração do petróleo e abandonou a agricultura, fragilizando a soberania alimentar. Atualmente, a Venezuela importa 70% dos alimentos necessários para alimentar a população. (CJ)

o Desenvolvimento (PNUD), o nível de pobreza é semelhante ao de países africanos como Congo e Zimbábue. A liberdade de ir e vir é limitada pela falta de dinheiro e pela distância da cidade. “Saio da fazenda a cada quatro meses, quando peço ao múcio para que me levem de carro”, conta a cozinheira Maria Hidalgo, que recebe o equivalente a R$ 5 para preparar comida para os llaneros. “Só recebo quando eles vêm trabalhar. Se passam o mês todo sem trabalho, também não tenho de onde tirar dinheiro”, conta. “Aqui tem terra que não pisa uma vaca sequer. Pura terra ociosa”, afirma o índigena Vander de La Cruz. Há alguns quilômetros da casa de Maria, cerca de 180 famílias de etnia Yaruro ocupam 900 hectares de terra, onde plantam o “conuco” (agricultura de subsistência). Segundo uma investigação realizada pelo INTI, duas etnias indígenas foram extintas nesta região nos últimos cem anos. “Quando nasci, aqui não havia cerca. Quando demos conta estava tudo cercado, e já não podíamos mais trabalhar na terra como antes”, recorda La Cruz.

a criação de cada animal é necessário dispor de um hectare. “Ainda que tivessem essa quantidade de gado, coisa que não acredito, a companhia tem mais da metade da fazenda em improdutividade”, comenta o comandante do Exército, Alejandro Maya, gerente de recursos naturais do INTI, responsável pela inspeção. “No inverno, metade das savanas se inundam com a chuva e temos que recolher o gado para as áreas secas”, justifica o administrador da fazenda, o inglês Philip Louis. De posse das terras no início do século passado, a companhia não apresentou ao Estado a documentação que comprovasse a aquisição da propriedade. “Os documentos estão na sede central da

A “guerra contra o latifúndio” foi declarada pelo presidente Hugo Chávez em dezembro de 2004, ao lado de outras nove prioridades da nova etapa da revolução bolivariana. Já em janeiro de 2005, Chávez assinou um decreto que permite corrigir a morosidade e a burocracia da Lei de Terras, promulgada em 2001 com o objetivo de fazer a reforma agrária. Essa mesma lei foi um dos fatores que provocou a ira da oposição e culminou no frustrado golpe de Estado de 11 de abril. Mas, para o governo venezuelano e os camponeses sem-terra, essa legislação se mostrou insuficiente e, desde que entrou em vigor, apenas 130 mil famílias foram assentadas. O Instituto Nacional de Terras (INTI), atualmente, está realizando inspeções nas terras consideradas improdutivas e exigindo o título de propriedade de quem se diz dono das fazendas. A maioria dos terrenos analisados, até agora, não possui documentos que comprovam a aquisição da terra. Se comprovadas as irregularidades, o instituto poderá declarar a área como terra pública e destiná-la para reforma agrária, entregando o direito de uso da terra às famílias sem-terra. Os camponeses receberão também crédito e apoio para a formação de cooperativas.

companhia Vestey Group”, afirma o administrador. Após a inspeção, o governo anunciou o resgate das terras (veja reportagem abaixo).

Llanero – Sertanejos venezuelanos, habitantes das planícies. Múcio – Maneira como os escravos chamavam aos seus senhores, antes da independência do país, em 1821.

Venpres

ma hora e meia de carro é o tempo que se leva partindo da cerca de entrada da fazenda Los Cocos à sede central da administração. Mais de 56 mil hectares, em sua maioria improdutiva, formam a paisagem da propriedade da companhia inglesa Vestey Group. A reportagem do Brasil de Fato acompanhou, no final de fevereiro, uma das inspeções que o Instituto Nacional de Terras (INTI) realizou no Estado Apure, em cumprimento de uma das determinações da nova etapa da revolução bolivariana: a guerra contra o latifúndio. Em dezembro de 2004, o presidente Hugo Chávez, anunciou os 10 pontos estratégicos para a criação de uma nova estrutura social, política e econômica no país. Dessa relação de prioridades, a reforma agrária é considerada um instrumento fundamental para estimular outro modelo produtivo, com base no cooperativismo e no desenvolvimento agrícola. A idéia é romper, a médio prazo, com a extrema dependência da economia em relação à extração do petróleo. O INTI integra uma comissão criada em janeiro de 2005 para traçar o mapa do latifúndio na Venezuela. O organismo poderá retomar, para o Estado, as fazendas cujo título de aquisição não for comprovado legalmente.

IMPRODUTIVIDADE Segundo um informe entregue ao INTI, a companhia cria cerca de 17 mil cabeças de gado. Na Venezuela, a estimativa é que para

Presidente Chávez já comemora pequenas vitórias na guerra contra o latifúndio

Reação: camponês é assassinado No mesmo dia 20 de março, quando o presidente Hugo Chávez reforçava em seu programa dominical Alô Presidente a política de combate ao latifúndio, o trabalhador rural Luis Enrique Perez foi morto a facadas na fazenda Agualinda, no estado Barinas. O camponês era membro de uma cooperativa agrícola criada há quatro anos por 46 famílias que ocuparam parte da fazenda de 18 mil hectares, considerada improdutiva, de propriedade de Armando Mogollón, acusado de ser o mandante do assassinato pelos camponeses. “Éramos 46 e o latifúndio tombou mais um. Não vamos mais seguir suportando sem fazer nada”, protesta a trabalhadora

rural Maribel Urpin a caminho da rodovia central do município Ezequiel Zamora, onde os agricultores realizaram uma manifestação exigindo justiça. “Não foi por acaso que mataram um companheiro no mesmo dia em que o presidente esteve aqui. É um recado dos latifundiários”, afirma Rafael Dávila, um dos líderes camponeses da região. Desde que foi promulgada a Lei de Terras, em 2001, a violência contra os camponeses aumentou. Estimase que mais de 300 trabalhadores rurais foram assassinados entre 2001 e 2005. A maioria dos crimes nunca foi a julgamento. Quando não justificam as mortes qualificando os agricultores de “invasores de terra”, os meios de comunicação simplesmente ignoram

as mortes. “Não soube de nada disso”, afirma o comerciante Roberto Cruz, que cruzava a rodovia para Caracas, quando os agricultores bloquearam a passagem. O prefeito, o procurador agrário e o Exército tentaram controlar a manifestação que só foi interrompida quando os representantes do poder público assinaram um manifesto elaborado pelos trabalhadores rurais exigindo do governo federal e regional mais segurança no campo, justiça à morte de Enrique Perez e o cumprimento da Lei de Terras. “Será de total responsabilidade do Estado qualquer assassinato e o que venha a ocorrer em conseqüência do latifúndio” diz o documento. (CJ de Ezequiel Zamora/Venezuela)


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INTERNACIONAL ARGENTINA

Sob pressão, Câmara aprova lei antiterror Deputados argentinos sancionam legislação antiterrorista um dia após presidente dos EUA telefonar para Néstor Kirchner

A

Câmara de Deputados aprovou, dia 30 de março, duas leis antiterroristas reivindicadas pelos Estados Unidos há muito tempo. Algumas de suas normas favorecem uma eventual ação ditatorial que se poderia colocar em prática na Argentina. Apenas a minoria parlamentar da esquerda e algum setor da opositora União Cívica Radical (UCR) votaram contra a iniciativa estadunidense. A estratégia do presidente George W. Bush é buscar alinhar as nações latino-americanas com sua política antiterrorista, cuja aplicação poderá implicar graves violações aos direitos humanos e dos povos e da legislação internacional. Uma das iniciativas impulsionadas por Washington e convertida em lei é o Convênio Internacional para a Repressão do Financiamento ao Terrorismo, adotado pela Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU), em dezembro de 1999, em Nova York. A outra é a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, adotada pela assembléia da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Bridgetown, Barbados, em junho de 2002. Para serem aprovados, os dois acordos contaram com o apoio do governista Justicialismo, grande parte da UCR e partidos das províncias. O tratado da ONU se impôs por 156 votos a favor e 26 contra; e o da OEA por 156 a 23.

realizaram a votação horas depois de um fato favorável à Argentina. Em Nova York, o juiz Tohmas Griesa autorizou o desbloqueio de 7 bilhões de dólares em bônus argentinos que estavam em inadimplência, apesar de advertir que é preciso esperar a decisão da Corte estadunidense.

France Presse

da Redação

ANTECEDENTES

Oposição alerta que Estados Unidos já usaram argumento do combate ao terrorismo em defesa de seus próprios interesses

Ambos os convênios tiveram o respaldo dos Estados Unidos. No final de março, o secretário de Defesa estadunidense, Donald Rumsfeld, inclusive defendeu a necessidade de o Congresso argentino aprovar esses convênios, durante visita a Buenos Aires. “Como já foi demonstrado

com a série de argumentos falsos para invadir e ocupar outros países, sabemos que Washington pode inventar qualquer tipo de trama não para frear o terrorismo – que eles praticam de forma quase permanente –, mas sim para pressionar países ou tirar de seu caminho dirigentes

políticos adversos”, sustentou um analista local. A aprovação dos convênios ocorreu um dia após Bush telefonar para o Kirchner em um contato que gerou uma assombrosa diversidade de interpretação de todo espectro político. Os deputados também

GUATEMALA

BOLÍVIA

Mais protestos contra o tratado de livre-comércio

DE GRÃO EM GRÃO Depois da paralisação das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o governo estadunidense colocou em marcha uma nova orientação para ampliar o neoliberalismo no continente: passou a negociar tratados de forma bilateral (entre dois países, como Chile e Estados Unidos) ou regio-

da Redação As transnacionais petrolíferas que atuam na Bolívia, entre elas a Petrobras, estão praticando terrorismo verbal contra os parlamentares. A acusação foi feita pelo senador Oscar Zamora, parlamentar que preside a comissão responsável por revisar a nova Lei de Hidrocarbonetos aprovada pela Câmara dos Deputadas, com apoio das organizações sociais, que eleva impostos para a exploração do gás. Segundo Zamora, as transnacionais não aceitam pagar os 50% de impostos fixos que estabelecem a nova lei e, por isso, estão ameaçando deixar a Bolívia se não for aprovada uma legislação favorável a seus interesses. O parlamentar respondeu que os senadores não vão ficar acuados diante da pressão. As empresas petrolíferas contam com um forte aliado: o presidente boliviano, Carlos Mesa, que já se pronunciou oficialmente contra a legislação. Zamora, no entanto, crê que as transnacionais não deixarão o país e acatarão a legislação que será feita de acordo com a vontade cidadã expressa no referendo realizado em 2004. “Para onde vai a Petrobras se na Bolívia obtém o gás mais barato da região”, perguntou. Recentemente, diretores da estatal brasileira e a própria ministra Dilma Rousseff (Minas e Energia) disseram publicamente que a empresa se opu-

Protestos contra tratado com Estatos Unidos reúnem diversos setores sociais

nal. O conteúdo desses acordos é similar ao da Alca. No caso da empobrecida região da América Central, o presidente George W. Bush contou com a colaboração da elite local e de governos conservadores para negociar, em apenas um ano, um tratado de livre-comércio que terá grave impacto sobre suas populações. Em 2004, os presidentes de Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Nicarágua e República Dominicana assinaram o acordo com os estadunidenses. Foi o primeiro passo para o Cafta entrar em vigor. Resta, ainda, que os Congressos desses países (inclusive o dos EUA) ratifiquem o tratado.

PRIVATIZAÇÕES Em alguns casos, será necessário também a aprovação de adaptações na Constituição. Os parlamentares de El Salvador e Honduras estão em processo mais avançado e já confirmaram a participação de seus países no tratado. Em 9 de março, foi a vez de os deputados guatemaltecos ratificarem a decisão do presidente Oscar Berger. “Agora, o Congresso está encaminhando uma séria de alterações constituicionais para adaptar a legislação ao acordo. Vem aí um pacote de lei de privatizações”, diz Contreras. Atualmente, na Guatemala, os serviços de água, saúde, infra-es-

trutura e energia estão sob controle do Estado. Com a privatização, as empresas privadas estadunidenses serão as maiores beneficiadas, pois o Cafta prevê tratamento nacional para o capital dos países signatários do acordo. Assim, os estadunidenses ganharão o direito de disputar a concessão para explorar essas atividades. Outra ameaça aos interesses populares é a questão do direito de propriedade intelectual. Em 2004, depois de uma intensa campanha, os movimentos locais conseguiram derrubar uma portaria que proibia a comercialização de medicamentos genéricos. Agora, com a assinatura do tratado, as farmacêuticas estadunidenses ganharão mais proteção para suas patentes e os genéricos voltarão a ficar fora das prateleiras. Pior para a população que terá de pagar mais pelos remédios. Os camponeses também vão perder. O Cafta eliminará os impostos cobrados sobre o milho produzido nos Estados Unidos, onde os agricultores contam com bilhões de dólares em subsídios governamentais. “Como o milho estadunidense é mais barato, os camponeses guatemaltecos vão ter de trabalhar mais para conseguir manter a sua renda atual, pois os preços do produto vão cair. Vai aumentar a exploração”, prevê Contreras.

nha à elevação de impostos prevista pela nova lei. Outros ataques citados por Zamora são as ameaças de mover processos judicialmente contra o Estado boliviano por violação dos contratos de operação firmados na década passada. A validez desses contratos é questionada por diversos setores por não terem sido aprovados pelo Parlamento, como manda a Constituição. No final de março, um grupo de advogados entrou com uma ação na Corte Superior de La Paz pedindo a anulação desses contratos. As petrolíferas querem manter o atual estágio de impostos, que fixa em 18% o pagamento de royalties ao governo boliviano, entre outras taxas de efeito incerto. As empresas rejeitam também o dispositivo da nova lei que as obriga a renovar seus contratos, garantindo a propriedade estatal dos hidrocarbonetos. Outra medida que desagrada as companhias é o reconhecimento do direito dos indígenas de serem consultados sobre operações em seus territórios. Zamora prevê que, mesmo à revelia das transnacionais, a nova lei será aprovada até 15 de abril pelo Senado. Segundo ele, os senadores não farão mudanças fundamentais. O parlamentar considera que as transnacionais terão de mudar sua conduta (“negativa para Bolívia”) de vender sua produção a matrizes ou filiais por preços reduzidos. (Prensa Latina www.prensa-latina.org)

Marcelo Curia

As organizações sociais guatemaltecas prometem que não vão se abater com a ação violenta do governo e do exército, que deixou dois mortos durante protestos em meados de março. Em 7 e 17 deste mês, os movimentos populares estão programando grandes mobilizações nacionais para rechaçar a assinatura do Tratado de Livre Comércio da América Central (Cafta, na sigla em inglês). “Os protestos vão continuar porque esse acordo é inaceitável e atinge vários setores da população que estão se unindo, como professores, camponeses e trabalhadores de saúde”, conta Juan Caros Contreras, ativista da Mesa Global – entidade que atua ao lado dos principais movimentos sociais do país (como a Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas) na campanha contra o acordo proposto pelos Estados Unidos. Barrar esse tratado, no entanto, tem sido um desafio cada vez mais difícil para as organizações populares guatemaltecas. Apesar da resistência dos movimentos, nem toda a população está engajada nas mobilizações. “O governo desinformou os cidadãos, com muita propaganda a favor do acordo. Boa parte da população não tem consciência dos seus efeitos negativos”, explica Contreras. Segundo ele, os empresários locais também estão com o governo e apóiam a nova estratégia dos Estados Unidos para a região.

Transnacionais fazem ameaças

Paulo Pereira Lima

Jorge Pereira Filho da Redação

Durante muito tempo, esses dois convênios ficaram engavetados na Câmara argentina devido à elevada rejeição que o tema possuía na sociedade argentina, onde outros decretos antiterroristas já abriram brechas para o terrorismo de Estado, implantado entre 1976 e 1983. Os dois acordos aprovados pelos deputados poderiam ser neutros, “desde que uma grande potência como os Estados Unidos não os utilizasse para seus próprios interesses estratégicos e com capacidade de conspirar ativamente com falsificações diversas para obrigar sua implantação”, advertiu cerca de 50 organizações sociais, em um comunicado público. Em uma carta aberta ao presidente argentino, Néstor Kirchner, um grupo de entidades e intelectuais – entre eles, o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel – também rejeitaram o apoio do governo argentino à eleição do direitista Paul Wolfowitz como presidente do Banco Mundial, como quer George W. Bush. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)

Movimentos sociais bolivianos estão em alerta para manobras no Parlamento


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INTERNACIONAL DÍVIDA EXTERNA

Nigéria pede assessoria à Argentina da Redação

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urante o lançamento em seu país do relatório do Projeto Objetivos do Milênio das Nações Unidas, o presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, aplaudiu a estratégia da ONU para combater a pobreza no mundo, mas também cobrou da chamada comunidade internacional medidas sérias para o cancelamento da dívida externa dos países africanos. “Este ano nos oferece uma grande oportunidade para fazer a diferença. É uma oportunidade para garantir um mundo seguro e próspero para todos”, afirmou. A Nigéria é o país com maior população de todo o continente africano (mais de 130 milhões de habitantes) e possui um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo: 151. Pelo menos 70 milhões de nigerianos vivem com menos de 1 dólar por dia. Além disso, 10% de todos os doentes de Aids do mundo estão na Nigéria. A esperança de vida dos nigerianos é de 51 anos. Se a Nigéria não atingir os Objetivos do Milênio, o continente africano também não os atingirá, alertam os coordenadores do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Em todo o continente, o número de pessoas que vivem com menos de 1 dólar ao dia é de 313 milhões.

RENEGOCIAR A DÍVIDA Obasanjo falou na cidade de Abuja para uma platéia de 450 pessoas, entre líderes da sociedade civil, homens de negócios, acadêmicos, diplomatas e representantes de agências de desenvolvimento, e pediu um aumento na ajuda externa e no investimento externo dos países desenvolvidos, um acesso maior aos mercados e o alívio da dívida externa para a Nigéria e a África. “Pedimos à comunidade internacional para seguirem as recomendações

F. Payraudeau

Governo e deputados querem suspender o pagamento da dívida externa em favor da reconstrução econômica do país

NIGÉRIA Nome oficial: República Federal da Nigéria População: 130 milhões Superfície: 923.768 km2 Capital: Abuja Línguas: inglês (oficial), haussá, fulani, iorubá, ibo, ibibio, efik Religião: 50% muçulmana; 40% cristã; 10% religiões tradicionais Índice de pobreza: 38,2% Taxa de alfabetização: 57,1% Cresce pressão política para que a Nigéria deixe de pagar suas dívidas e atenda às necessidades da população

do Projeto Milênio e desafiamos os acionistas a seguirem o mesmo caminho e ajudarem na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio aqui”, afirmou o líder africano. Em relação à dívida externa, a Nigéria está para usar a mesma estratégia da Argentina. Em novembro de 2004, autoridades nigerianas pediram ao governo argentino assessoria na administração de sua dívida externa, a maior entre todos os países da África e estimada em 35 bilhões de dólares. A missão foi integrada por funcionários do Escritório de Administração da Dívida e chefiada pelo governador da província nigeriana de Kano, Ibrahim Shekarau. Segundo o representante, a delegação se reuniu com técnicos do Ministério da Economia e do Banco Central argentino para tratar de

questões relacionadas à “administração da dívida do país”. Os contatos ocorrem no momento em que cresce na Ni-géria a pressão política para que o país deixe de pagar sua dívida externa e possa atender, assim, necessidades domésticas, um dos principais argumentos usados pela Argentina para defender o desconto sem precedentes obtido na reestruturação de sua dívida, concluída em fevereiro. No início de março, a Câmara dos Representantes da Nigéria (equivalente à Câmara dos Deputados) adotou uma proposta na qual obriga o presidente nigeriano a suspender o pagamento da dívida externa em favor da reconstrução econômica do país e de um maior apoio aos projetos sociais. Durante a apresentação da moção, o vice-presidente da Câmara, Austin Opara, disse que “a Nigéria sofre a pressão da dívida

Presidente reage e adverte os credores

Eleição parlamentar livre e confiável

Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo, Opep) e desperdiça grande parte de suas receitas com “corrupção” e “má gestão” – sofismas para propagandear as tradicionais receitas “ortodoxas” dos organismos financeiros internacionais. “Eles (credores) têm de assumir sua parcela de culpa pelo endividamento porque estavam emprestando dinheiro sem a devida consideração da capacidade de absorção do país”, disse, ao jornal nigeriano This Day, Monsur Muhtar, diretor-geral do Escritório de Administração da Dívida do país. “Muitos empréstimos foram concedidos sem considerar a viabilidade econômica de os projetos financiados gerarem recursos para pagá-los, e também não se considerou nossa capacidade de executá-los”, afirmou. (Com agências internacionais)

ZIMBÁBUE Localização: África Austral (do Sul) Nacionalidade: zimbabuana Cidades principais: Harare (capital), Bulawayo, Chitungwisa Línguas: inglês (oficial), shona, ndebele Divisão política: dez províncias Regime político: república presidencialista Moeda: dólar do Zimbábue Religiões: protestante, animista, católica

da Redação

Presidente Mugabe promete enviar projeto de lei sobre a dívida

Opara ressaltou que a situação da Nigéria, após décadas de golpes militares e governo ditatoriais, é comparável à de qualquer outro país após sofrer anos de guerra, por isso os credores internacionais deveriam ter atuado com a redução ou o perdão da dívida. Ele citou os recentes casos do Afeganistão e do Iraque. Também ressaltou que a dívida nigeriana em 1985 era de 19 bilhões de dólares e que, apesar

ZIMBÁBUE

Divulgação

No final de março, o presidente nigeriano Olusegun Obasanjo disse que a negativa dos credores em aceitar a redução da dívida pode levá-lo a adotar medidas “unilaterais”. Ele alertou que a atitude tomada pela Câmara dos Representantes foi uma “advertência” aos credores e que, se o país não conseguir alívio para a dívida, a próxima iniciativa pode ser a apresentação de um projeto de lei sobre o assunto, que ele não vetaria. A reivindicação da Nigéria é ser beneficiada por programas de perdão da dívida externa que estão sendo estudados para países africanos com situação de pobreza extrema. Até agora, a resposta tem sido negativa. Os países enriquecidos alegam que a Nigéria é rica em recursos naturais (o país integra a

PERDÃO DA DÍVIDA

France Presse

da Redação

externa há mais de 25 anos”. Além disso, afirmou que a maior parte das atuais dívidas da Nigéria, principalmente com o Clube de Doadores de Paris e Londres e com o Banco Mundial (BM), foi contraída pelos sucessivos governos militares que arruinaram o país e que, em muitos casos, utilizaram o dinheiro recebido para o enriquecimento pessoal.

de pagar 37 bilhões de dólares entre 1985 e 2005, o endividamento do país se mantém em 35 bilhões. Na proposta da Câmara, está escrito que o pagamento anual aos credores internacionais representa 20% do orçamento nacional. Além disso, diz que – apesar dos esforços de Obasanjo em obter reduções substanciais ou o perdão total da dívida, estabelecer a Comissão Econômica e Financeira para lutar contra a corrupção e implementar importantes programas para a reforma econômica – os credores internacionais se opõem a qualquer redução da dívida. A proposta dos deputados, porém, foi rejeitada pelo Senado, e o orçamento aprovado depois pelo Congresso reserva recursos para pagar a dívida. Apesar de a moção ter fracassado, o governo vem dando sinais de que pode subir o tom nas negociações. (Com agências internacionais)

Com uma vitória legítima e inquestionável, o partido do presidente Robert Gabriel Mugabe, Aliança Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica (Zanu-PF), selou as eleições parlamentares do dia 3, colocando uma pedra sobre os protestos e as acusações de fraude feitas pela oposição – com apoio de fontes externas, especialmente de Washington e de Londres. A mesma avaliação foi feita por centenas de observadores eleitorais da União Africana e das delegações dos governos da Zâmbia, de Moçambique, de Maláui e da África do

Partidários do presidente Mugabe festejam vitória nas eleições

Sul, contradizendo os boatos de que o presidente Mugabe estaria isolado e desprestigiado. Ao contrário, seus vizinhos africanos apóiam e destacam os avanços registrados no país com a reforma da lei eleitoral, em acordo com as pautas democráticas estabelecidas pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC, em inglês). Mugabe, de 81 anos, foi reeleito em 2002, com mandato até o final de 2008. Brincando com a imprensa, disse que só se aposentará quando completar um século de vida. Apesar da crise econômica do país e do isolamento promovido pelo ocidente, das 150 cadeiras do parlamento, o Zanu-PF ficou com 78 cadeiras via eleição, e 30 por nomeação presidencial. O Movimento Democrático para a Mudança – apoiado pelo primeiro ministro britânico Tony Blair e encabeçado pelo sindicalista Morgan Tsvangirai, que Mugabe considera “um fantoche de Londres” e dos centros de poder externos – obteve 41 cadei-

ras, 16 a menos do que nas eleições de 2002. Em resposta a uma notícia de incitamento à sublevação popular, pelo movimento de Tsvangirai, Mugabe disse que “não se trata de gente pacífica”. Segundo o presidente, “instrumentos legais serão usados para prevenir qualquer ação de massa que possa conduzir a situações ilegais”. Com a vitória no parlamento, Mugabe e seu partido estarão mais confortáveis para promover mudanças na Constituição e conseguir implantar um programa de reforma agrária. A questão da terra, sobretudo dos latifundiários brancos, está no centro de todos os problemas do país. Submetido a severas sanções econômicas, que impedem o país de receber ajuda para os seus programas de luta contra a Aids, e passando por um grave período de seca, que afeta severamente a produção de alimentos, o Zimbábue ainda se mantém entre os países mais avançados do continente. (Com agências internacionais)


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DEBATE AMÉRICA LATINA

Telesul: batalha contra a desinformação uando, em maio, conforme previsto, surgir a estação de TV regional Telesul, uma iniciativa venezuelana respaldada por outras nações sul-americanas, terá se concretizado um grande triunfo na extensa batalha pelo estabelecimento de uma nova ordem informativa mundial, no lugar do que existe hoje – quase um monopólio dos Estados Unidos e da União Européia. Do projeto de Caracas participam também Argentina, Brasil e Uruguai, países que, junto com a Venezuela, reúnem 240 milhões de habitantes. Porém, suprida a carência de alternativas na comunicação atual, pode-se dizer que os espectadores se espalharão por todos os países do subcontinente, uma população de 500 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, a Telesul não é unicamente um projeto venezuelano, pois as propostas do presidente Hugo Chávez, suas críticas ao neoliberalismo e seus esforços em favor de uma real integração regional e de constituir a Confederação Sul-Americana de Nações, têm encontrado eco nos povos latino-americanos. Luis Bilbao escreveu, referindo-se à evidente internacionalização da revolução bolivariana: “Assim, a Venezuela aparece no centro de um círculo virtuoso de medidas econômicas e decisões estratégicas relativas à recuperação da soberania, à redistribuição da riqueza e à superação das calamidades do atraso, mediante uma reformulação conceitual e prática da democracia”. Nós acrescentamos que a vitória do referendo, em agosto do ano passado, que afiançou Chávez na presidência, foi observada como um triunfo de todos aqueles que, na região, constroem alternativas ao neoliberalismo. A proposta de Chávez de resistir a uma informação descaradamente parcial e mentirosa foi aprovada pelo Conselho de Ministros do Governo, em 23 de janeiro, e resul-

Q

tou em um canal televisivo sul-americano, segundo palavras do ministro de Informação Andrés Izarra, que analisou: “Será um contraste interessante com a informação transmitida pela CNN em espanhol e também com aquela que se transmite pelos demais meios internacionais, a qual é parcial e/ou nem sempre verdadeira”.

Latino-americana de Jornalistas. A Agência Latino-Americana e outro organismo, o Sistema de Informação Latino-Americano, emergiram nos marcos do Sistema Econômico Latino-Americano. Mas ambos, e outros, foram se desgastando até desaparecer, diante do desinteresse de alguns governos.

EXISTE O SUL?

PERSPECTIVAS

O destino histórico determinou que no Hemisfério Norte do nosso planeta se localizem as nações industrializadas e desenvolvidas, assim como no Hemisfério Sul se situam os países paupérrimos, a despeito de que neste último vivam 70% da população mundial. Em todas as estatísticas, os Estados subdesenvolvidos ganham os amargos recordes da pobreza, da fome, do analfabetismo, para mencionar apenas alguns dos contrastes entre as duas zonas geográficas. A informação jornalística, um dos principais elementos da cultura, também deve ser incluída nessas brutais diferenças. Em “Os meios contam um só mundo, sem o Sul”, Ana Delicado nos recorda que os Estados Unidos e a União Européia controlam 90% de toda a informação do planeta. Dos 300 principais meios de comunicação, 144 são dos EUA, 80 da União Européia e 49 do Japão. Um dado ilustrativo: os países pobres, onde vive 75% da humanidade, têm apenas 30% dos jornais do mundo. A autora aponta: “O Sul é modelado segundo os interesses do Norte. A fixação do pensamento único imposto pelo Norte redunda na concepção de um único mundo possível, com um único sistema econômico viável. Assim se distorce a realidade do Sul e se globalizam os valores da sociedade de mercado, com a conseqüente passividade social.

Transcorreram 25 anos desde que aquela comissão da Unesco emitiu um Informe Final, em que enfatiza ou reconhece o evidente — que a disparidade entre Norte e Sul se apresenta com crueza no âmbito da comunicação-informação sob o mecanismo de um falso “fluxo livre” que, a rigor, é a circulação de notícias em um único sentido. O tempo não curou as feridas e, ao contrário, o desequilíbrio informativo hoje é maior devido aos abanicos tecnológicos terem facilitado a seqüência emissãorecepção de mensagens elaboradas no Norte. Desde a queda do campo socialista europeu, aqueles emissores atuam com impunidade e converteram o jornalismo em um mecanismo de propaganda aberta, convencidos da carência de respostas. Com o atraente lema “Nosso Norte é o Sul”, e com a experiência de Aram Aharorian, seu diretor, a Telesul enfrentará uma dura tarefa, sob os ataques organizados da Sociedade Interamericana de Imprensa, que já começaram antes mesmo do início das operações. Sem dúvida, também existem elementos a favor. Antes, pensava-se apenas em agências informativas, cujo produto é difundido em certos meios de comunicação. A televisão, de certa maneira, vai direto ao telespectador. E no caso da Telesul só vai requerer o profissionalismo que supõe algo essencial como a reflexão da realidade dos fatos e sua explicação.

AVANÇOS E FRACASSOS

A constância dessa disparidade não é nova. Nos anos 70 do século passado, com a criação dos países não-alinhados,

Kipper

Hernán Uribe

começaram os esforços por uma Nova Ordem da Informação e da Comunicação, tema que é considerado pelas Nações Unidas e fundamentalmente pela Unesco, que instala uma Comissão Internacional sobre Problemas da Comunicação. Na realidade, o debate sobre a Nova Ordem é simultâneo ao da Nova Ordem Econômica Internacional, já que ambas as áreas estão relacionadas. Alguns frutos se obtêm das denúncias, disputas e propostas. Nascem o Pool de Agências de Países Não Alinhados; na África, a Agência de Imprensa Pan-Africana; no Caribe, a Agência de Notícias Caribenha.

Na América de língua castelhana, o mexicano Luis Javier Solana, presidente da Ação de Sistemas Informativos Nacionais, criado em 1979, e que agrega entidades estatais, proclama: “A nova ordem informativa e de comunicação que reivindicamos é essencialmente um problema de pluralismo democrático; é, sobretudo, um problema qualitativo”. Sempre com a colaboração da Unesco, nos anos oitenta entra em ação a Agência Latino-Americana de Serviços Especiais de Informação, com uma singular estrutura de direção, em que estavam representados Unesco, empresários e jornalistas — estes com a presença da Federação

Hernán Uribe é jornalista chileno

SEGURANÇA ALIMENTAR

O reino do faz-de-conta? Jean Marc von der Weid s demonstrações de euforia dos ruralistas e das empresas com a aprovação da Lei de Biossegurança intrigariam um turista desavisado. Afinal, o que se aprovou é uma liberação indiscriminada dos transgênicos? Nada disso. A lei exige que uma comissão de alto nível analise cada transgênico a ser liberado para uso comercial, verificando os riscos possíveis para o meio ambiente, para a saúde do consumidor e dos animais e para as plantas cultivadas. Esta comissão poderá pedir às empresas a realização de estudos de impacto ambiental ou para a saúde, se avaliar que as informações disponíveis apontam para algum risco a ser verificado mais profundamente. Porque a euforia dos pró transgênicos? Por um lado porque conseguiram afastar das decisões os órgãos de governo que são responsáveis pela saúde pública e pelo meio ambiente e que dispõem de recursos humanos para uma apreciação rigorosa caso a caso. Por outro lado, as empresas confiam que a nova comissão prevista na lei seja tão irresponsável e favorável à liberação sem reservas dos transgênicos quanto aquela criada pelo governo FHC e que atuou até a semana passada. Esta última fez inclusive um esforço concentrado de última hora

Kipper

A

para prestar serviço às empresas, liberando às pressas, em seção extraordinária, antes mesmo da sanção presidencial, o cultivo de algodão transgênico. Deve haver mesmo algo de muito arriscado na soja transgênica para justificar o enorme esforço da Monsanto de promover uma reforma na legislação brasileira que lhe permitisse vender suas sementes sem a realização de estudos de impacto ambiental. Afinal, a decisão judicial que impediu a CTNBio de liberar este cultivo data de 1998 e não o proibiu, apenas condicionou a liberação à apresentação destes estudos.

Quanto a Monsanto perdeu em royalties ao longo destes 7 anos? Quanto gastou em propaganda e lobby para formar opiniões a seu favor? Sem exagero, podemos estimar que gastos de marketing e lucros cessantes ultrapassam a casa do bilhão de dólares. Não era mais barato fazer o tal estudo? Aliás, a Monsanto contratou um estudo sobre a soja RR para uma empresa de consultoria do

ex-presidente do Ibama no governo FHC, Eduardo Martins, mas não o divulgou. Por que será? O que se espera da nova CTNBio é que seja isenta e rigorosa pois terá uma enorme responsabilidade perante o presente e o futuro do país. Ela não pode agir como a anterior, que em vez de se preocupar com a biossegurança fazia uma verdadeira apologia militante dos transgênicos. Desde logo, o governo tem que definir claramente os casos de conflito de interesses nesta comissão. È cabível que dela participem cientistas que estão trabalhando no desenvolvimento de transgênicos? Não importa se eles são contratados da Monsanto ou da Embrapa ou de uma universidade. O fato é que eles vão julgar a liberação de produtos do mesmo tipo que eles mesmos estão pesquisando. É óbvio que ninguém vai colocar rigor na liberação de um produto quando o seu entrará na pauta mais dia menos dia. É preciso que a composição do corpo de cientistas seja feita com o critério de conhecimento na área de trabalho da comissão, que é de biossegurança e não de promoção de transgênicos. A comissão anterior estava cheia de pesquisadores de transgênicos, alguns deles, inclusive, membros de uma ONG criada com recursos da Monsanto e da Syngenta para fazer lobby. Gostaria de ver na comissão especialistas em toxico-

logia e alergia, riscos já comprovados em outros países de alguns produtos transgênicos. Seria bom ver especialistas em microbiologia do solo que pudessem olhar os riscos dos transgênicos resistentes a herbicidas para a fixação biológica do nitrogênio, hipótese também trabalhada por cientistas americanos. Seria importante ver entomólogos que pudessem identificar os efeitos das plantas transgênicas com efeito tóxico para lagartas sobre outros insetos não alvo, caso já identificado também por pesquisadores americanos. Seria fundamental que esta comissão pudesse contar com pesquisadores capazes de avaliar os riscos de erosão genética em espécies nativas do Brasil como o algodão, o milho e o feijão. Se o governo agir com seriedade esta comissão de alto nível poderá ter um papel fundamental para o futuro do país, mas se ela for composta por um coro de asseclas das empresas ou de cientistas defendendo sua área de pesquisa estará consagrado o costume brasileiro de dar às palavras significados opostos ao seu sentido comum. Afinal, este é o país onde pois sim quer dizer não e pois não quer dizer sim. Para o governo Lula biossegurança quer dizer transgênicos? Jean Marc von der Weid é economista, assessor da FAO e diretor da ONG AS-PTA


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA NACIONAL 5º ENCONTRO DE FORMADORES SOBRE A ALCA Dias 8, 9 e 10 Regiões Sudeste/Sul, será realizado em São Paulo (SP) Local: Centro de Formação Pio XI, Rua Pio XI, 1.100, Alto da Lapa, São Paulo Mais Informações: (11) 5572-1518 e 3105-2516 com Rosilene e Fátima

RIO DE JANEIRO

Dia 13, às 19h30 Promovido pela Associação Amigos do Futuro, o encontro pretende ser um espaço onde entidades sociais e empresas socialmente responsáveis de Brasília se encontram para coordenar suas missões e discutir parcerias. Local: Centro Universitário de Brasília (UniCeub), Asa Norte, Brasília Mais informações: (61) 349-7857, (61) 349-2326

SHOW EM DEFESA DAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS Dia 8, a partir das 17h Artistas como Fred Martins, Marcelo Yuka, Black Alien, Canamaré, Bagabalô e Bloco dos Seqüelados se apresentam gratuitamente em defesa das rádios comunitárias e pela democratização da comunicação no Brasil. Segundo os organizadores, a repressão às emissoras comunitárias tem aumentado e o Ministério das Comunicações não cumpre o papel de capacitar os veículos de comunicações para desempenhar um papel social em prol da cultura brasileira, pela cidadania e pelo desenvolvimento. Local: Praça XV, no Centro, em frente à Assembléia Legislativa, Rio de Janeiro Mais informações: www.arruda.rits.org.br

ESPÍRITO SANTO Região Nordeste, será realizado em Recife (PE) Local: Seminário Cristo Rei, Rua Belmiro Correia, 144, Camarajibe Mais Informações: (81) 3421-2662 com Heleno ou Cristovam Região Norte, será realizado em Belém (PA) Local: Sede da CNBB, Travessa. Barão do Triunfo, 3151 Bairro do Marco, Belém Mais informações: (91) 226-2420, e 246-1306 com Selmo

DISTRITO FEDERAL OBSERVATÓRIO BRASÍLIA DO TERCEIRO SETOR

SEMINÁRIO: POLÍTICA SOCIAL NA ATUALIDADE De 13 a 15 No programa do encontro estão temas como política educacional; pobreza, cultura e práticas sociais; políticas públicas; capitalismo, Estado e sociedade; trabalho e informalidade; sociedade civil; crianças e adolescentes. Nos dias 11 e 12, haverá uma atividade préseminário com dois minicursos sobre o assunto. Local: Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Av. Fernando Ferrari, s/n, Vitória Mais informações: (27) 3335-2587, (27) 3222-0444

RIO GRANDE DO SUL SEMINÁRIO: TRABALHO INFANTIL: PONTOS E CONTRAPONTOS Dia 7 Seu objetivo é apresentar para a sociedade a problemática do trabalho infantil, as ações desenvolvidas pelos órgãos governamentais e não-governamentais do Rio Grande do Sul e os resultados alcançados. Entre os palestrantes estarão a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS); Joaquim Proença, conselheiro municipal dos direitos da criança e do adolescente, e André Kaminski, representante da prefeitura de Porto Alegre. Local: R. Coronel Genuíno, 130, Porto Alegre Mais informações: www.maristas.org Divulgação

Divulgação

MINAS GERAIS

2º CONGRESSO INTERNACIONAL DE MULHERES DO CAMPO De 20 a 24 O evento reunirá especialistas, pesquisadoras e trabalhadoras que discutirão velhos e novos aspectos relacionados à agricultura e à pecuária, bem como trabalho, direitos e cidadania das mulheres. Conferências e simpósios serão a base do congresso, que pretende uma integração total entre as mulheres que trabalham no meio rural, incluindo as mais diversas categorias sociais e áreas geográficas. As inscrições podem ser feitas pelo site www.mulheresdocampo.com.br/mulheresdocampo/inscricoes.asp Local: Centro de Eventos ABCZ, Uberaba Mais informações: www.mulheresdocampo.com.br

SÃO PAULO ENCONTRO DE CONTRACULTURA Dias 9 e 10 O 1º Encontro Cultural Universidade de Sorocaba (Uniso), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e MST será um espaço onde os universitários poderão discutir sobre educação e reforma universitária. Entre as atividades haverá debates sobre os seguintes temas: “A cultura dos sem-terra”, “A prática política de Che Guevara e a juventude”, “A história do movimento estudantil e sua importância” exibição de vídeos, apresentações teatrais e musicais. Local: R. Major João Elias, 419, Trujilo, Porto Feliz Mais informações: (15) 3224-4490 dce.capucho@ig.com.br ANIVERSÁRIO DE OITO ANOS DA REVISTA CAROS AMIGOS Em comemoração aos oito anos da publicação, haverá uma série de atividades, entre as quais uma mostra de capas, um ciclo de debates e uma festa. Programação: Ciclo de Debates até dia 8, das 19h30 às 21h30. Dia 7: O privilégio da informação – como garantir o acesso à informação livre e imparcial em um país onde a propriedade dos meios de comunicação está concentrada em alguns grandes grupos empresariais? palestrantes: José Arbex Jr., André Forastieri e Ferréz. Dia 8: A arte brasileira em nossos dias – tudo já foi dito ou ainda há o que criar? palestrantes: Tom Zé, maestro Lutero Rodrigues, Georgette Fadel e Juca Ferreira. Mostra de Capas até dia 10 –

quarta a sexta, das 13h às 22h; sábado e domingo, das 10h às 19h Dia 27: Festa no Blen-Blen Local: Sesc Pinheiros, R. Paes Leme, 195, São Paulo Mais informações: (11) 3819-0130 www.carosamigos.com.br 2º CURSO DE CAPACITAÇÃO EM GESTÃO PARTICIPATIVA DAS ÁGUAS De 24 a 30 Promovido pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), o curso abordará questões como políticas públicas de recursos hídricos, instrumentos de gestão e aspectos de conservação da água. Também haverá atividades sociais e culturais visando à integração dos alunos e o compartilhamento de atividades e experiências dos participantes em atividades associadas à temática do curso. A duração é de 60 horas/aula. Local: a definir Mais informações: www.iieb.org.br 9º CONGRESSO PAULISTA DE SAÚDE PÚBLICA Inscrições a partir de 1º de maio Realizado pela Associação Paulista de Saúde Pública e Universidade Católica de Santos, o encontro discutirá a relação entre saúde e desenvolvimento econômico, político e social. Local: Universidade Católica de Santos, Campos Dom Idílio, Santos Mais informações: (11) 3032-6209 www.apsp.org.br 15º CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL De 5 a 8 de julho – inscrições abertas Promovido pela Associação Brasileira de Leitura, com o apoio da Prefeitura de Campinas, o evento terá como tema “Pensem nas crianças mudas telepáticas” e irá debater a educação participativa. As atividades do congresso vão incluir oito conferências, 11 seminários e quatro encontros, reunindo, no mesmo espaço, profissionais da área de educação e pesquisadores de todo o país, com uma única proposta: aproximar a prática pedagógica e o trabalho profissional da pesquisa científica e do debate universitário. Local: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cidade Universitária Zeferino Vaz, Barão Geraldo, Campinas Mais informações: www.alb.com.br

A importância do conhecimento dos caiçaras que habitam na Juréia é destacada no livro da bióloga Rosely Alvim Sanches, que acaba de ser publicado pela Editora Annablume, de São Paulo. Com o título Caiçaras e a Estação Ecológica de JuréiaItatins, a obra é resultado de anos de trabalho e pesquisas na região, escrita pela autora a partir de sua dissertação de mestrado, defendida em 1997 na Universidade de São Paulo. Rosely conta que a paisagem preservada no litoral sul paulista faz da estação, conhecida pela sigla EEJI, uma das mais importantes unidades de conservação em Mata Atlântica do Brasil. “Por isso, deve ser integralmente protegida contra a destruição e a fragmentação enfrentadas por este ecossistema”, afirma. A EEJI surgiu na década de 1980, depois que os ambientalistas conseguiram o apoio da sociedade em sua luta contra a especulação imobiliária e a implantação de uma usina nuclear. Os problemas fundiários na região são muito antigos. A estação foi criada sobre um quadro de conflitos e um mosaico de ocupações, do qual fazem parte

propriedades de terra particulares, devolutas e áreas ocupadas por famílias tradicionais. O Estado tem domínio de apenas 5% das terras, e o restante se encontra em processo de desapropriação. Recentemente, um projeto de lei propôs a exclusão das áreas com ocupação humana da Estação Ecológica de Juréia-Itatins. Rosely argumenta que a EEJI é fundamental para a conservação da biodiversidade, mas é também um espaço para a identidade histórica dos caiçaras, habitantes originários do Vale do Ribeira. “Os caiçaras reivindicam melhores condições de moradia, liberdade para plantar e caçar, mas continuam sem saber qual será o seu destino”, diz a bióloga.

PERGUNTEM A ELES Ela explica que a história da Juréia-Itatins começa além dos limites da estação ecológica e está imersa no contexto político-econômico de ocupação do Vale do Ribeira. “É no decorrer do processo de colonização e miscigenação do português com o índio que tem origem e se desenvolve a cultura caiçara, que tem como horizonte temporal os últimos cinco séculos”, explica. Entre 1989 e 1997, com ajuda do grande conhecimento acumulado dos caiçaras sobre a Floresta Atlântica, Rosely registrou suas principais atividades de subsistência, como

agricultura, caça, coleta e pesca, associadas a calendários ecológicos. Ela reconstruiu a organização social caiçara e o histórico de ocupação da EEJI, e também relacionou espécies vegetais e animais, ciclos reprodutivos, hábitos alimentares, abrigos e áreas de ocorrência das espécies. A partir de sua pesquisa, a bióloga está segura de que é possível compatibilizar a presença dos caiçaras com a estação ecológica. “Basta elaborar, junto com eles, as regras de uso e controle, em vez de impôlas. Basta definir no zoneamento as áreas de uso direto e indireto, a partir da percepção deles, ou realizar um microzoneamento agrícola. Basta aprender, com eles, as características dos ciclos naturais, da ecologia das espécies vegetais e animais. Desde que a Estação foi criada, a ciência tem se beneficiado do conhecimento tradicional para desvendar as riquezas da região e de seu ecossistema, tão importante e ainda desconhecido”, argumenta. Segundo Rosely, manter os caiçaras na estação não constitui um desafio à legislação ambiental. “É uma questão de coerência ética, que considera a relação das famílias com o local, desde que os europeus pisaram ali. A história da Juréia-Itatins e os caminhos para sua preservação, em tempos modernos, dependem de quem nela viveu: perguntem a eles, aos caiçaras”, conclui.

Divulgaçã

Ana Maria Fiori de São Paulo (SP)

o

Caiçaras e a estação ecológica de Juréia-Itatins


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CULTURA

De 7 a 13 de abril de 2005

TEATRO

Sob pressão, prefeitura retoma fomento Fernanda Campagnucci da Redação

C

om um “patrão” montado em suas costas, um ator, usando uma placa de “empregado”, conversa com o público nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo. A cena, de uma peça do grupo Tablado de Arruar, fez parte de uma manifestação da categoria teatral, dia 30 de março, contra a suspensão do Programa Municipal de Fomento ao Teatro – lei de 2002 pela qual a prefeitura paulistana deve destinar R$ 6 milhões anuais a grupos de teatro. Vários atos de protesto como esse e o lançamento de um manifesto de repúdio fizeram a prefeitura de São Paulo recuar da decisão e reativar o programa. Sob as bandeiras “conquista da categoria teatral”, “contrapartida social”, “transparência e descentralização da cultura” e “modelo para o país”, os atores querem, agora, a solidificação e o aprimoramento de leis como essa. Segundo Luís Carlos Moreira, ator e diretor do grupo Engenho Teatral, a lei de fomento é importante pois “se contrapõe a tudo o que vinha sendo feito na política de cultura”. Entretanto, o ator considera pequena a verba destinada ao programa: “Vamos comparar, por exemplo,

Fotos: Luciney Martins

Classe teatral consegue reativar lei paulistana que concede recursos públicos para pequenas produções

Em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, grupos de teatro reivindicam o respeito às leis já conquistadas pela categoria, como a lei de fomento

com a lei de incentivo no município de São Paulo, cujo orçamento gira em torno de R$ 20 milhões. Só o Teatro Municipal, tradicionalmente freqüentado pela elite, recebe R$ 17 milhões – que ainda é pouco, mas é bem mais do que o que o programa de fomento concedeu, em dois anos, a mais de 50 grupos de toda a cidade”.

Outra iniciativa afetada pelos cortes foi o Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI). Criado pela lei de 2003, de autoria do então vereador Nabil Bonduki (PT-SP), o VAI tem por objetivo estimular a criação, o acesso, a formação e a participação do pequeno produtor e criador no desenvolvimento cultural da cidade, bem como

promover a inclusão dos jovens na cultura. De acordo com o diretor do Departamento de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura, José Carlos de Andrade, o corte de 30,5% ocorreu em todas as secretarias. “É uma contenção de despesas para readequar as finanças”, afirma. Para Nabil Bonduki, não houve uma análise de cada projeto antes

Teatro Fábrica: quando a lei entra em cena Bel Mercês da Redação

em andamento. No entanto, o dinheiro, previsto para ser repassado em outubro do ano passado, ainda não chegou.

Entre os 23 projetos contemplados na primeira edição da Lei de Fomento ao Teatro do município de São Paulo, em 2002, estava a construção da sede do Teatro Fábrica. O teatro recebeu R$ 70 mil, que, segundo o diretor artístico Roberto Rosa, serviram para alavancar a obra. Mas, para terminar o projeto, foram necessárias doações de materiais usados como fiação, madeira, aço e tintas, num total de R$ 150 mil. Em meados de 2004, o Teatro Fábrica foi contemplado pela segunda vez com recursos da lei, que serão empregados na manutenção de núcleos de pesquisa já

ESTADO PRIVATIZADO Rosa afirma que essa lei é fundamental porque subverte um modo de financiamento cultural característico no Brasil, preenchendo uma lacuna, que é o compromisso do Estado com as políticas públicas: “Esse dinheiro vai direto da prefeitura para o projeto, sem um patrocinador no meio. Quebra-se a prática predominante neste país, onde quem determina as políticas de cultura são os gerentes de marketing das empresas”, diz. Na esteira da mobilização da classe teatral, o Teatro Fábrica e o

movimento Arte contra a Barbárie organizaram, dia 4, o debate “O desmanche – a questão do Estado hoje”, com a presença do sociólogo Francisco Oliveira, professor da Universidade de São Paulo (USP). Esse foi o primeiro de uma série de eventos para discutir as relações entre arte e sociedade, que acontecerão durante o primeiro semestre, nas primeiras segundas e terças-feiras de cada mês, no Teatro Fábrica. O professor contou que, em uma pesquisa sobre o desmonte do Estado brasileiro, chegou à conclusão de que, na realidade, aconteceu um desmanche da sociedade civil. “Esse processo de autonomização do mercado anulou a sociedade civil e gerou um Estado absolutamente

paradoxal. É uma simbiose entre regulação estatal com interesses privados”, acrescentou. Segundo Oliveira, isso fica mais evidente na área da cultura, onde as duas principais estatais, Petrobras e Banco do Brasil, investem em projetos culturais como se fossem empresas privadas. “O primeiro critério para se avaliar alguma coisa é a rentabilidade e o retorno em marketing. Não tem importância gerar desemprego, se o produto render bastante”, diz o sociólogo. Teatro Fábrica Rua da Consolação, 1623, São Paulo, SP Fone (11) 3255-5922 www.fabricasaopaulo.com.br

de se fazer os cortes: “Qualquer corte no VAI é um absurdo, pois a verba já é muito pequena. Quem faz um corte horizontal desses, sem nenhum critério, não tem noção do projeto, que corre o risco de ser inviabilizado”. Bonduki lembra que, no ano passado, 66 grupos foram beneficiados com um orçamento de R$ 1 milhão, metade do que se previa no início do programa.

PAPEL DO ESTADO As leis de incentivo, por meio da renúncia fiscal, transferiram a responsabilidade do Estado pela cultura para a iniciativa privada. Contrário a essa tendência, o projeto de lei do deputado estadual Vicente Cândido (PT-SP), autor da lei de fomento, é resultado de um longo processo de discussão da classe teatral e propõe a criação de um Fundo Estadual de Arte e Cultura. Se aprovado, esse fundo deve destinar em torno de R$ 100 milhões a todo o Estado. Dia 11, em frente à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, às 18 horas, a classe teatral vai promover uma manifestação em defesa desse projeto de lei. Apesar de contar com a aprovação de 70 deputados e de já ter percorrido as Comissões do Legislativo Estadual, com parecer positivo em todas, o projeto ainda precisa entrar em pauta de votação na Assembléia.

CULTURA POPULAR

Maior encontro de congadas do país, a tradicional Festa de São Benedito atrai, todo ano, cerca de 150 mil pessoas para a cidade de Aparecida (SP). Em sua 96ª edição, realizada de 27 de março a 4 de abril, mais de 60 grupos de congadas, moçambiques e outras danças folclóricas se apresentaram. A festa é organizada pela própria comunidade, por aproximadamente 100 casais, que compõem a “comissão de sustentação”. “Nosso trabalho é voluntário, em nome de São Benedito. É uma festa de alegria, onde os casais se confraternizam”, conta o coordenador geral da comunidade de São Benedito, Antônio Siqueira Macedo, que há 6 anos participa da organização do evento, junto com sua esposa, Fátima Aparecida. Além desse trabalho voluntário, as famílias também recebem os grupos de congadas para almoçar em suas casas. Mestre da Cia. de Moçambique, criada há 40 anos, Paulo Saturnino faz questão de prestigiar o evento pois acredita que a tradição das danças está acabando. “Não temos apoio nem da prefeitura nem de ninguém, nossos filhos estão se desinteressando de nossa cultura”, lamenta Saturnino, que veio de Pin-

Fernanda Campagnucci

Festa preserva as congadas e os moçambiques

Mais de 60 grupos de danças populares participam da festa de São Benedito

damonhangaba (SP) para a festa.

FOLCLORE As congadas são uma procissão de escravos feiticeiros, juntamente com capatazes, damas de companhia e guerreiros, que levam a rainha e o rei negro até a igreja, onde serão coroados. Durante o cortejo, ao som de violas, atabaques e recorecos, realizam danças com movimentos que simulam uma guerra. Os moçambiques representam a luta entre cristãos e mouros. Para Marcos Silva, professor de História na Universidade de São

Paulo e pesquisador de caricaturas e cultura popular, essas manifestações são de grande importância como memória autônoma dos grupos sociais populares. “As congadas e os moçambiques nos deixam claro que os africanos trazidos para o Brasil como escravos eram seres humanos dotados de tradições, projetos, fantasias e necessidade de beleza. O mesmo pode ser dito em relação a uma dança de tradição popular européia, como o trança-fitas, trazida por imigrantes pobres”, explica Silva, também integrante do grupo Ô de Casa,

que representa peças e apresenta trança-fitas e pastoril. Os primeiros grupos de congadas e moçambiques foram trazidos para a cidade em 1922. E o número de grupos da Festa de São Benedito, que existe desde o início do século passado, aumenta a cada ano. “As manifestações resistem como práticas de identidade e auto-afirmação desses grupos. Dançando, cantando, representando, eles proclamam sua condição humana, suas potencialidades para simbolizar e transformar o mundo. É bom e aconselhável que governos e instituições democráticas apóiem essas manifestações, mas não vale a pena colocá-las como dependentes de patrocínios governamentais ou empresariais”, afirma Silva.

FIGURAS POPULARES Além do rei e da rainha, outras figuras folclóricas marcantes da festa são os bonecos gigantes montados em enormes balaios, com cabeças moldadas em papel machê. A tradição, vinda de São Luiz do Paraitinga, leva às ruas o casal João Paulino e Maria Agú, seus filhos, a pescoçuda futriqueira Mióta, a Bruxa e a Vaca Maluca. Durante a festa, dezenas de de-

votos também carregam um mastro, que simboliza a ligação entre o céu e a terra, por mais de um quilômetro, da casa de Domingos até a Igreja de São Benedito. Lá, o mastro é colocado em uma cova, onde centenas de pedidos foram jogados pelos fiéis. Há mais de 20 anos, o encarregado de fazer o mastro, desde a escolha da árvore que será cortada até a decoração do tronco, é José Benedicto Domingos. Ajudado por seu filho, ele faz uma decoração diferente a cada ano. Assim que a festa termina, um novo rei e uma nova rainha da festa são coroados. Depois disso, em todas as segundas terças-feiras do mês um terço é rezado na casa do casal “real”, onde a Irmandade promove um lanche comunitário. Antigamente, o rei era escolhido pelos integrantes da Irmandade de São Benedito, e procurava-se sempre contemplar um casal negro. Hoje, a escolha é feita por um processo de indicações e votação, mas a decisão final fica por conta do padre. A população só conhece o novo rei e a nova rainha no último dia da festa, durante a procissão, quando eles são homenageados. (FC de Aparecida do Norte/SP)


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