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Ano 3 • Número 111

R$ 2,00 São Paulo • De 14 a 20 de abril de 2005

ONU: no Brasil, moradia é barraco O

déficit habitacional no país é estimado em 7 milhões de unidades, das quais 80% estão em áreas urbanas. Cerca de 1,6 milhão de habitações se localizam em assentamentos precários como favelas, onde moram 6,6 milhões de brasileiros. O diagnóstico sobre as condições de moradia e acesso à terra no Brasil, publicado com exclusividade por Brasil de Fato, é do relator especial da ONU para Moradia Adequada, Miloon Kothari, feito a partir de sua visita ao país, em maio de 2004. No seu relatório, ele pede rapidez na resolução de problemas relacionados aos direitos territoriais e na execução da reforma agrária. O especialista parte do princípio de que todos os direitos humanos são inter-relacionados e indivisíveis, e relaciona o direito à moradia aos direitos a alimentação, água, saúde e acesso a saneamento. Por isso, alerta para a privatização desses serviços básicos. Págs. 6 e 7

Luciney Martins

Relatório constata que direito à habitação digna não é respeitado, já que milhares de brasileiros vivem em favelas

De acordo com relatório da Organização das Nações Unidas, o déficit habitacional no Brasil é estimado em 7 milhões de moradias

Triste legado de Carajás ainda é regra no país

Movimentos sociais da América Latina, articulados com organizações do Haiti, exigem a retirada das tropas estrangeiras do país caribenho, lá estaciona-

das desde meados de 2004. Uma delegação internacional esteve no país e criticou a atuação das tropas. Em entrevista ao Brasil de Fato, o pacifista argentino

Adolfo Pérez Esquivel afirma que o Haiti é o retrato da devastação que políticas neoliberais causam. Pág. 9

Márcia Mendes/ JC Imagem/AE

Nove anos depois, o 17 de abril ainda é uma data marcada pela impunidade, violência no campo e ausência de reforma agrária massiva. A pouco dias dessa data, a Justiça libertou o fazendeiro Adriano Chafik, réu confesso do assassinato de cinco trabalhadores em Felisburgo (MG). O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) planejam ações para denunciar a atualidade da reforma agrária. Pág. 3

Tropas devem desocupar o Haiti

Nas Américas, a Carta Mundial das Mulheres Lançada no Brasil, em 8 de março, a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade viaja pelo continente. Passou pela América do Sul, estacionou no Caribe e se encaminha para a América do Norte. Carrega mensagens de solidariedade e paz, pregando a democracia, a justiça social e a tolerância. Seu texto é resultado de mutirão de organizações feministas de todo o mundo. Pág. 10

Maioria do PT ratifica política econômica

Alckmin quer privatizar Sabesp e Metrô

Em encontro nacional, a ala majoritária do PT, liderada pelos ministros José Dirceu e Antonio Palocci, defendeu a política econômica do governo, as metas de ajuste fiscal e o controle da inflação. Para o deputado federal Ivan Valente, o documento representa “a maior traição dos últimos 25 anos”. A esquerda do Partido dos Trabalhadores reagiu, e quer a criação de uma frente de oposição. Pág. 4

Com a terceirização e a abertura de capital, o governo paulista dá seqüência a uma forma de privatização sorrateira. No Metrô e na Sabesp, os funcionários já sofrem os efeitos da sobrecarga de trabalho gerada pela má qualidade dos serviços das prestadoras conveniadas. A população será a próxima prejudicada, porque a desestatização pode reduzir custos, não melhorar os serviços. Pág. 5

Acampados do MST de Pernambuco distribuem produtos à população de São Lourenço da Mata

Lançada frente Nas assembléias Mineradora de deputados por sobre a Alca, desafia lei e rádios populares o povo decide destrói aqüífero Pág. 4

Pág. 5

Pág. 13

Orçamento é ficção. Governo corta e arrocha

Movimentos pedem renúncia de Gutiérrez

Depois de cortar quase R$ 16 bilhões do orçamento 2005 aprovado pelo Congresso, a equipe econômica conseguiu arrochar ainda mais. Entre 1º de janeiro e 1º de abril, segundo o Ministério do Planejamento, foram investidos menos de 1% do valor autorizado para todo o ano. Os números do orçamento da União incluíam uma previsão de R$ 21,7 bilhões para investimentos, antes do corte. O novo limite foi fixado em R$ 9,3 bilhões, 57% a menos. Pág. 8

Os movimentos populares e a oposição equatoriana lançaram uma ofensiva para exigir a renúncia do presidente Lucio Gutiérrez por ter destituído a Corte Suprema de Justiça. Detalhe: os novos juízes são ligados ao Partido Roldosista Equatoriano e ao Partido Renovador Institucional Ação Nacional, do milionário empresário Álvaro Noboa. Dia 5, a Assembléia de Quito convocou a população a realizar protestos diários até a destituição da Corte. Pág. 11

E mais: ÁFRICA — Na Nigéria, o presidente Lula discutiu a integração entre africanos e sul-americanos, que pode culminar na realização de uma reunião de governos dos dois continentes. Pág. 12 ARTE — Carlos Latuff explica por que passou de um simples profissional para um cartunista militante. Pág. 16


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De 14 a 20 de abril de 2005

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Bernardete Toneto, 5555 Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino, Marcelo 5555 Netto Rodrigues, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Assistente de redação: Fernanda Campagnucci e Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

Importantes lições para o Brasil Quito, Equador: 50 representantes das mais importantes organizações e movimentos sociais ocupam, pacificamente, as escadarias da Catedral Metropolitana para exigir a renúncia do presidente coronel Lúcio Gutiérrez, o fim da participação do país nas negociações do Tratado de Livre Comércio dos países andinos (TLCan) com os Estados Unidos e no Plano Colômbia de ocupação militar estadunidense da Amazônia e repressão à guerrilha. Caracas, Venezuela: a nação comemora mais um aniversário da derrota do golpe de Estado desferido em 11 de abril de 2002, quando o presidente Hugo Chávez foi temporariamente afastado do poder (e a mídia privada, comandada pelo bilionário Cisneros, divulgava, incessantemente, a falsa versão de que ele teria renunciado ao cargo). O que há de semelhante entre os dois cenários? O protagonismo popular. Foi o povo mobilizado que assegurou a volta de Chávez, como é o povo mobilizado que agora exige o fim de um governo completamente identificado com os interesses da Casa Branca e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Qual a diferença entre os dois cenários? A natureza do governo. No caso da Venezuela, trata-se de um governo identificado com a herança bolivariana antiimperialis-

ta, que tomou para si a missão de derrotar uma burguesia parasita, mantida, economicamente, graças aos petrodólares, e politicamente às custas da repressão e da desorganização popular. Para realizar a sua missão, Chávez convoca a mobilização permanente do povo, estimulado a vigiar e a criticar as ações do governo. O presidente venezuelano definiu uma agenda que responde às reais necessidades do povo. Em vez de adotar um discurso palatável para o imperialismo, como fazem muitos governantes no continente, o presidente venezuelano reafirma seu compromisso contra as desigualdades e coloca em curso um vigoroso projeto de transformação social. Como mostrou o Brasil de Fato na edição 110, o governo venezuelano leva adiante sua reforma agrária, desapropriando inclusive as poderosas transnacionais para democratizar o acesso à terra – no caso, a britânica Vestey Group teve de devolver sua fazenda ao Estado por não conseguir provar sua posse. No Equador, a história tomou outro curso. O presidente Gutiérrez foi alçado ao poder sobre os ombros de esperançosos movimentos sociais, os mesmos que hoje, frustrados por sua traição, pedem a sua renúncia. O com-

bativo movimento indígena local carrega boas lembranças de quando foi à luta, tendo destituído dois governos nos últimos anos: Jamil Mahuad, em 2000, e Abdalá Bucaram, em 1997. Gutiérrez trilhou rumo oposto ao de Chávez. Depois de eleito, aderiu às diretrizes emanadas por Washington. Não ouviu as demandas populares. Fez aliança com a oligarquia retrógrada do país e estendeu tapete vermelho para a elite local. Ignorou a situação dos milhares de equatorianos que, ano após ano, são obrigados a migrar para a Espanha ou para os Estados Unidos por não ter perspectiva de emprego no país. Sua popularidade logo despencou. A saída encontrada por Gutiérrez para se perpetuar no poder acelerou seu desgaste, interferindo no poder judiciário (veja reportagem na página 11). As lições que podem ser extraídas desse quadro? A mudança é possível, como mostram os venezuelanos, mas depende de uma profunda articulação entre as aspirações populares e os governantes. Estes, quando divorciados de suas origens, só podem cair nos braços dos mesmos inimigos que antes juravam combater, como mostram os equatorianos. Tudo isso são importantes lições para o Brasil.

FALA ZÉ

OHI

CARTAS AOS LEITORES

Ajude a manter o Brasil de Fato Caros amigos e amigas Durante todo o ano de 2002, intelectuais, artistas, jornalistas e representantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral. Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de 7 mil militantes sociais, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta. Nos últimos dois anos, o jornal sobreviveu graças a uma grande disposição de transpor os obstáculos que qualquer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos resistindo!

Mas, neste momento, estamos precisando de apoio extra para driblar as dificuldades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos custos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribuição de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e de esquerda. Mesmo elogiado por todos, tanto por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assinaturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal. Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, conquiste mais uma assinatura com um (a) amigo (a). Se você é vinculado (a) a algum sindicato ou movimento, coloque nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas. Contamos com seu apoio. Conselho Editorial do Brasil de Fato

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

A reforma agrária e o rosto de Deus Marcelo Barros A partir do 1º de Maio, movimentos sociais como a Via Campesina, o Grito dos Excluídos, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) somam-se ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na 2ª Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que parte de Goiânia rumo a Brasília. A marcha tem como objetivo envolver a sociedade e pressionar o governo para que apresse uma reforma agrária efetiva e que garanta justiça no campo. É também o modo de celebrar o 9 º aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás, quando policiais do Pará assassinaram 21 lavradores sem-terra e feriram dezenas de acampados. Essa marcha pela reforma agrária não será religiosa, mas nos recorda o sentido mais profundo da Páscoa, festa que, no mundo antigo, começou com um movimento de hebreus

oprimidos por liberdade e para ter uma terra livre. No Brasil atual, o movimento que, para mim, mais manifesta esse rosto amoroso de Deus é o MST. Estou convencido disso desde que, em 1980, acompanhei os lavradores acampados na Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta (RS), e junto com eles enfrentei a forte repressão policial ali montada. Naquele momento, vi que a esperança e a humanidade daquelas famílias pobres, homens, mulheres e crianças, vinha da mística, energia que continua a encher de amor e fé na vida os acampamentos e assentamentos do MST, espalhados pelos 23 Estados onde o movimento está organizado. Essa força misteriosa explica a coragem de homens, mulheres e crianças que enfrentam dificuldades e perseguições, mas não esmorecem. É a mística que vejo no olhar e na luta profética de lideranças como João Pedro Stedile e tantos outros que poderiam

estar cuidando de sua vida e de sua carreira pessoal, se não vivessem totalmente consagrados a ver o sorriso das crianças e o sonho de Deus realizados. Entregam cada alento de sua respiração para que construamos um Brasil mais justo e solidário para nossos filhos. O MST testemunha o rosto amoroso de Deus ao defender a democratização da posse e do uso da terra, ao trabalhar por uma reforma agrária que garanta a todos o direito de viver na terra e trabalhar. Ensina os lavradores a utilizar técnicas de cultivo que produzam alimentos sadios e respeitem a natureza. Prioriza as formas de cultivo e produção sociais e cooperativas. Tudo isso parece concretizar a palavra de Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10, 10). Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 29 livros, entre os quais o romance A Festa do Pastor, da Editora Rede

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NACIONAL LUTA PELA TERRA

O fantasma de Carajás ainda está vivo Jorge Pereira Filho da Redação

T

riste coincidência. Poucos dias antes do trágico aniversário de 17 de abril de 1996, quando 19 sem-terra foram mortos em Eldorado dos Carajás (PA), a Justiça brindou os brasileiros com uma notícia: o fazendeiro Adriano Chafik, réu confesso do assassinato de 5 trabalhadores em Felisburgo (MG), em novembro de 2004, seria solto para responder o processo em liberdade. Não é sem motivo que, passados nove anos do bárbaro massacre no Pará, o 17 de abril continue uma data emblemática e ainda longe de ser resolvida. Em 2005, a marca deste Dia Mundial de Luta pela Terra continua a ser a impunidade, a violência contra os trabalhadores rurais e a ausência de uma política massiva para democratizar o acesso à terra. Mesmo concentrado nos preparativos para o início da Marcha Nacional pela Reforma Agrária, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está preparando uma série de ações para denunciar a permanência dessa situação e discutir a necessidade da reforma agrária com a sociedade brasileira. “Para nós, essa data tem um forte conteúdo simbólico. Além de ser um dia de se fazer a luta pela reforma agrária, é um momento de protesto contra a impunidade e a violência no campo”, explica João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do movimento.

Márcia Mendes/JC Imagem/AE

MST denuncia que reforma agrária não avança com impunidade, violência dos latifundiários e modelo econômico

Em comemoração dos 17 anos de atuação no Pernambuco, militantes do MST distribuem alimentos da reforma agrária

veículos de comunicação, pautados pelo agronegócio, mantêm uma campanha permanente para batizar a reforma agrária como uma política retrógrada, incompatível com a atual situação do país. Ignoram, por exemplo, que o Brasil continua líder no ranking da concentração de terra e que, sem fazer a reforma agrária, não conseguirá acabar com a fome e a miséria até 2015 — um dos oito compromissos assumidos com as Metas do Milênio, em 2000, na Organização das Nações Unidas, ao lado de 191 nações. A atualidade do tema se reafirma, ainda, pelo vigor que os semterra continuam a se mobilizar pelo país. Só, em abril de 2004, foram pelo menos 109 ocupações de áreas,

POR JUSTIÇA O esforço do MST para trazer à tona esse tema enfrenta a resistência da elite agrária. Os grandes

de acordo com o governo federal. Desde quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT) começou a fazer um levantamento estatístico do tema, em 1997, o Brasil não registra menos do que 190 ocupações anuais no país, chegando a assinalar, em 1999, 593 ações.

CONTEÚDO EXPLOSIVO Sem políticas públicas que respondam à altura essa demanda, o Brasil é chamado, em pleno século 21, a resolver problemas de conflitos agrários. São fantasmas como o cruel assassinato da freira Dorothy Stang, em 12 de fevereiro, mesmo depois de avisar que estava marcada para morrer às autoridades públicas, também no Pará. A religiosa de 73

Bernardo Alencar de Belo Horizonte (MG) A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) soltou, dia 7, o assassino e réu confesso Adriano Chafik Luedy, acatando o pedido de habeas corpus de sua defesa. Adriano Chafik é acusado de ser o mandante da chacina que matou cinco trabalhadores rurais semterra e deixou outros 13 feridos, inclusive uma criança de 12 anos, em 20 de novembro de 2004 no acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha (MG). Chafik, agora, responderá em liberdade à ação penal. Os cinco ministros do STJ decidiram, de forma unânime, por revogar a prisão preventiva contra Chafik expedida por um juiz de primeira instância de Minas Gerais e, depois, confirmada por um colegiado do Tribunal de Justiça do Estado. Após realizar leitura do decreto de prisão, o ministro do STJ Gilson Dipp entendeu que não havia fundamentos na decisão da Justiça mineira para justificar a custódia cautelar do assassino.

OMISSÃO E AMEAÇAS Para a advogada Giane Alvares, do setor de Direitos Humanos do MST, a decisão é passível de contestação. “Todas as circuntâncias apontam contra Chafik que, além de réu confesso, é reconhecido por vítimas como autor de ameaças. Além disso, ele fugiu do local do crime e se entregou em São Paulo”, explica. Até o julgamento, um outro decreto de prisão preventiva contra Chafik ainda poderá ser expedido. Porém, isto só irá acontecer caso sejam apresentados novos elementos. E estes “novos elementos” já

Luciney Martins

Chafik é solto. Crime de Felisburgo continua impune

Ato contra a impunidade na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

estão aparecendo – e o STJ tem conhecimento disso. Os acampados do Terra Prometida receberam, recentemente, novas ameaças e os sem-terra da região temem que algo lhes aconteça. Com a libertação de Chafik, os camponeses avaliam que os coronéis da região vão se sentir encorajados a cometer novas atrocidades, depois da omissão da Justiça e do governo federal. Ademar Ludwig, coordenador do MST em Minas Gerais, acredita que “essa omissão, essa irresponsabilidade do governo federal e da Justiça são os principais culpados pelas mortes que estão acontecendo no campo”. Ludwig acredita que “deste jeito é natural que os

assassinos covardes sintam que estão livres para matar e cometer mais crimes”. Para o jurista e professor de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Frank Mata Machado, no Brasil há uma tendência a criminalizar os movimentos sociais. “Fica claro que há uma utilização de sutilezas técnicas que reinterpretam o direito e favorecem aos latifundiários e os poderosos do país. Quando a Justiça julga casos como os de ocupações de terras ela é firme, não abre brechas, no caso dos assassinatos cometidos contra os semterra sempre encontra meios de ser branda”, considera o jurista.

anos, assassinada por um fazendeiro, é outro sintoma desse sentimento de onipotência da oligarquia rural. Indícios disso não faltam: de acordo com a CPT, entre 1985 e 2004, foram assassinados 1379 sem-terra, mas apenas 75 casos foram julgados. Pior: apenas 5 mandantes e 64 executores foram condenados. Os próprios autores do massacre de Eldorado dos Carajás podem ter sua prisão suspensa pela Justiça. Corre na 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) um pedido de habeas corpus para os autores do assassinato condenados, os oficiais Mário Pantoja e Raimundo Lameira. O processo será analisado pelo mesmo ministro que liberou Adriano Chafik: Gilson Dipp.

“O Estado brasileiro não está preparado para fazer reforma agrária. O poder judiciário e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) têm uma estrutura conservadora e não ajudam para que a posição do ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) e do presidente do Incra seja cumprida”, avalia Rodrigues, do MST. O movimento reivindica que o julgamento do crime de Eldorado dos Carajás seja federalizado, como permite a reforma do Judiciário, aprovada no final de 2004. A idéia é que, distante da influência do poder local, a Justiça tenha mais isenção na análise do caso. Outro debate que o MST quer fomentar na sociedade é a respeito do modelo econômico do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “Com essa política de superavit primário elevado e pagamento de juros não sobra nada para a reforma agrária”, considera Rodrigues. Essa discussão envolve uma avaliação sobre os reais efeitos que os grandes proprietários dizem que trazem ao país. “O agronegócio, por meio dos meios de comunicação, diz que para resolver o problema no campo é preciso aumentar a fronteira agrícola e exportar mais grãos. Dizemos o inverso. Precisamos distribuir terra e aumentar a produção para os próprios brasileiros e resolver o problema da fome”, diz Rodrigues. O próprio Congresso Nacional reconheceu a importância da data e marcou, a pedido do deputado federal Wasny de Roure (PT-DF), uma sessão solene dia 14 para comemorar o Dia Mundial de Luta pela Terra.

Marcha sairá dia 2 de maio Marcelo Netto Rodrigues da Redação A Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que teria início no dia 17 de abril (Dia Mundial de Luta pela Terra), foi adiada para o dia 2 de maio em virtude de todas as atenções da sociedade estarem voltadas à eleição do novo papa, a ser escolhido a partir do dia 18. Com a mudança da data, a marcha, que sairá de Goiânia, chegará a Brasília no dia 17 de maio. “Diante da morte do papa, o clima na sociedade impede que a reforma agrária volte a ser o principal debate (neste momento), assim, consultamos aliados e apoiadores que foram unânimes em concordar com a alteração da data do início da marcha”, diz nota do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A marcha é organizada também pela Via Campesina, Grito dos Excluídos e Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os atos de lançamento da marcha nas capitais também sofreram alterações. Marcados para o dia 15 deste mês, foram transferidos para o dia 29, com exceção do Rio de Janeiro, que manterá a sua atividade. Assim, os 10 mil marchantes vindos de 23 Estados brasileiros vão se concentrar no dia 1º de maio próximo ao estádio Serra Dourada, em Goiânia (GO), para participar de ato político em homenagem ao Dia do Trabalhador. De lá, no dia seguinte, começam uma caminhada de 233 quilômetros até Brasília, percorrendo em média 15 quilômetros por dia.

OBJETIVOS Até o início da marcha, o número de ocupações de terra deve aumentar em todo o Brasil, mas nada comparado ao mesmo período do ano passado, batizado pela imprensa de “abril vermelho”. As ocupações de abril sempre acontecem para relembrar o massacre de

Eldorado dos Carajás, ocorrido no Pará, em abril de 1996. Ao chegar a Brasília, os participantes da marcha vão entregar um documento aos Três Poderes contendo 15 reivindicações referentes às políticas agrária, econômica, nacional e internacional do governo Lula. Na questão agrária pede-se, entre outros pontos, o cumprimento da meta de assentar 430 mil famílias sem-terra até o final do mandato; a implantação de agroindústrias nos assentamentos; a defesa da Amazônia e da água, e a aprovação imediata da lei de expropriação das fazendas com trabalho escravo. Já na política econômica, os marchantes querem que os R$ 60 bilhões do superavit primário anual sejam investidos em emprego, moradia e saúde pública; que não seja concedida autonomia ao Banco Central; que a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) não seja assinada e que haja auditoria pública da dívida externa, como determina a Constituição, entre outros pontos. E no que diz respeito à política em geral, o texto fala em mobilizar o Congresso para a aprovação do projeto de lei sobre o Plebiscito Popular; em retirar imediatamente as tropas brasileiras do Haiti; e em democratizar o uso dos meios de comunicação de massa no país, revendo as concessões políticas e liberando o uso das rádios e tevês comunitárias. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) anunciou, dia 6 de abril, ter recuperado para o seu orçamento anual R$ 400 milhões dos R$ 2 bilhões congelados no início do ano. Mesmo assim, com este dinheiro, ainda segundo o MDA, só será possível assentar 70 mil das 115 mil famílias estimadas para 2005. O orçamento para reforma agrária em 2005 era de R$ 3,7 bilhões. Após o contingenciamento forçado, meses atrás pelo governo, ele tinha caído para R$ 1,7 bilhão, o suficiente para assentar apenas 40 mil famílias.


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Espelho Os cuidados da Folha... A pesquisa realizada pelo instituto Datafolha sobre a popularidade do prefeito José Serra, após os três primeiros meses da gestão tucana na capital paulista, revelou uma situação catastrófica para quem tinha alguma esperança de ser candidato à Presidência da República. Com 37% de rejeição, Serra é o prefeito mais mal avaliado no período de 3 meses de governo, desde que a enquete começou a ser feita, na gestão do falecido Jânio Quadros. Pior: 70% dos paulistanos acham que ele está deixando a desejar e fez menos do que esperavam que fizesse como prefeito da cidade. ... com seu ex-colunista Apesar da contundência dos números, o jornal Folha de S. Paulo editou com muito cuidado a pesquisa de seu instituto sobre o seu ex-colunista e atual prefeito paulistano. Em primeiro lugar, o leitor não achou o material no primeiro e mais nobre caderno, mas na capa do caderno Cotidiano, que no domingo fica escondido no final do jornal. Nas reportagens, a Folha parecia estar com vergonha dos números que revelava e a todo tempo lembrava que os analistas percebiam um “espaço” para a recuperação da popularidade de Serra. Faltou dizer A Folha de S. Paulo, sempre ela, resolveu pegar no pé do governo Lula por causa dos seus gastos com publicidade. Em meio a uma salada de números, tentou provar que a gestão petista está “quase” chegando no recorde de Fernando Henrique Cardoso. O secretário de Comunicação do Governo, Luiz Gushiken, mandou explicar à Folha que este governo adota um sistema mais transparente para contabilizar o que é gasto com publicidade e, desta forma, não faria sentido comparar a cifra petista com a da gestão tucana, que escondia parcela substancial do aporte, como o que era feito pelas estatais. O ombudsman da Folha, em sua crítica interna que pode ser acessada pela internet (www.folha.com.br/ ombudsman), questionou o jornal e elaborou a pergunta que realmente não quer calar: se o governo é realmente transparente, por que não divulga o montante que paga para cada grupo de comunicação do país. O problema todo é que talvez a Folha não tenha vontade de saber a resposta desta pergunta. Nepotismo no jornalismo O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), é ele próprio um defensor assumido do nepotismo. Irritado com as críticas que vem sofrendo por conta de sua postura — que, diga-se de passagem, é pelo menos bastante corajosa, uma vez que ele a defende com argumentos —, ameaçou divulgar os nomes dos parentes e cônjuges de jornalistas contratados — com e sem concurso — pelo Congresso Nacional. Que Severino tenha feito a ameaça, tudo normal, revela o temperamento e o caráter do presidente da Câmara. Mas que os jornalistas tenham silenciado — e o que se viu, com raríssimas exceções, foi um silêncio constrangido — é uma péssima sinalização para a opinião pública. Fica até parecendo que Cavalcanti realmente tem o que apresentar. Novos amigos O Globo, da família Marinho, não vacilou em relação à cobertura dos resultados do encontro da tendência majoritária do PT. O jornal, sem pudor, afirma que “atirar contra essa política (do ministro Antonio Palocci) será um caso estrondoso de suicídio, digno de entrar nos livros de História”. Será que é preciso dizer que a decisão do Palocci de não intervir contra a desvalorização do dólar salvou a lavoura dos Marinho, que estão endividados na moeda estrangeira?

Maioria do PT defende a ortodoxia Documento reafirma que equilíbrio fiscal e estabilidade continuam sendo dogmas do governo Tatiana Merlino da Redação

Alaor Filho/AE

Luiz Antonio Magalhães

POLÍTICA ECONÔMICA

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uem ainda apostava numa possível mudança na ortodoxia econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva pode perder as esperanças. Durante seu encontro nacional, dias 9 e 10, no Rio de Janeiro, o chamado “Campo Majoritário” do Partido dos Trabalhadores lançou o documento “Bases de um projeto para o Brasil”, que defende veementemente a política econômica do governo. No seu projeto, o Campo Majoritário, integrado, entre outros, pelos ministros Antonio Palocci, da Fazenda, José Dirceu, da Casa Civil, Luiz Gushiken, da Comunicação e Gestão Estratégica, e José Genoíno, presidente do PT, considera que as metas de ajuste fiscal nas contas públicas, o superavit primário e o controle da inflação perseguidos pelo governo não são incompatíveis com o programa do PT e com os seus objetivos históricos de aumentar a oferta de emprego e a distribuição de renda. “Isso nada mais é do que a assimilação do paloccismo”, afirma o deputado federal Ivan Valente (PT/SP), referindo-se à política econômica do ministro Antonio Palocci. Para ele, o documento representa “a maior traição dos últimos 25 anos”. Segundo Valente, dentro do governo não há interesse em enfrentar o capital financeiro, por falta de coragem. Então, “defende-se o equilíbrio fiscal para justificar a política econômica. Assim, estão transformando vício em virtude”, avalia.

José Genoíno, presidente do PT, comanda grupo majoritário que aplaude a política econômica do governo

mente apóia, como reivindica para si a responsabilidade pela política econômica”, afirmou. Com mais de 60% das 83 cadeiras da direção petista, o campo majoritário argumenta que as mudanças fazem parte de um processo. “A redução da taxa de juros é essencial, porém, é um processo a ser pacientemente construído, combinado com equilíbrio fiscal, reformas e investimento público eficiente”, afirma o documento. Para Jorge Luis Martins, o Jorginho da executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e dissidente do PT, o documento representa uma “debandada de qualquer visibilidade de ruptura com a lógica monetarista do governo”. Segundo Jorginho, aqueles que tinham alguma esperança na mudança da política econômica do governo podem desistir. “Quem tinha ilusões, que vá procurá-las em outro lugar”, afirma. Ele lembra que ficou claro “que o governo jogou a

DEFESA DOS JUROS O ministro José Dirceu, antes crítico da política de juros, por exemplo, foi um dos maiores defensores da política econômica. “Ela está voltada para os problemas reais do país, como a busca de estabilidade e o controle da inflação. O PT tem consciência disso e não so-

toalha. Isso é muito triste do ponto de vista histórico”. O encontro também decidiu apoiar a reeleição de José Genoíno para a presidência do partido nas eleições de setembro, e serviu para armar politicamente os dirigentes da maioria petista para o encontro nacional do PT, em dezembro.

REAÇÕES A esquerda do PT reagiu ao documento, e defende a criação de uma frente única de oposição interna, elaboração de um programa comum e uma chapa para o diretório nacional. Também discute a possibilidade de o ex-deputado Plinio Arruda Sampaio ser o seu candidato contra José Genoino na eleição para renovar a direção nacional. Sampaio aceita, desde que haja consenso na esquerda. Para o deputado Ivan Valente, é importante que o candidato de oposição seja um nome que “represente resistência, polarize a militância e

tenha visibilidade”. Ele ressalta, ainda, que esse debate não é apenas interno. “Ele diz respeito a toda sociedade, que precisa discutir essa política nefasta”. O deputado petista defende o nome de Sampaio para representar o bloco de esquerda por ser uma das referências históricas do PT. Jorginho concorda, mas acredita que, para alguns setores da esquerda, o ex-deputado é muito radical. “Ele não é uma pessoa de ficar no meio do caminho”. O dirigente da CUT acredita que a esquerda do PT deveria fazer oposição renunciando aos cargos que ocupa, e criando uma chapa de oposição real, com autonomia para fazer duras críticas ao governo. “Senão, ficamos apenas na argumentação”. Segundo ele, a esquerda corre o perigo de ficar na ilusão, achando que pode fazer algo para salvar esse governo, um dos maiores vexames da história dos trabalhadores. “O PT aderiu às políticas neoliberais”.

MÍDIA

Pela comunicação popular Bel Mercês da Redação Articulada pelo deputado estadual Simão Pedro (PT), foi lançada, dia 6, na Assembléia Legislativa, a Frente Parlamentar em Defesa da Radiodifusão Comunitária no Estado de São Paulo. A Frente é integrada por 22 deputados de diferentes partidos e cinco entidades da sociedade civil: Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço), Sindicato das Emissoras de Rádios Comunitárias, Associação Mundial das Rádios Comunitárias, Fórum pela Democracia das Comunicações e Associação Nacional Católica de Rádios Comunitárias. No Brasil, desde a criação da Lei 9612, em 1988, milhares de entidades protocolaram no Ministério das Comunicações (MC) pedidos para concessão pública de rádio. Até agora, apenas 8% desses pedidos foram analisados. Das emissoras existentes, cerca de 2.600 têm autorização e 12 mil estão no ar ilegalmente, com pedido protocolado, aguardando resposta do ministério. “A comunicação é um direito inalienável do ser humano, garantido na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, lembrou Simão Pedro, durante o debate onde foi criada a Frente. Para que esse direito seja respeitado, os deputados pretendem criar um Conselho Estadual de Comunicação Social, além de conselhos municipais. Outra proposta é incentivar a participação de entidades repre-

sentativas do movimento no Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), criado pelo governo federal em 2004, e encarregado de avaliar a fiscalização e a regulamentação da radiodifusão comunitária no país. O deputado Carlos Neder (PT) ressaltou a necessidade de mudar a legislação. “É preciso expandir as práticas de comunicação comunitária com um ideal plural, a serviço do fortalecimento da democracia da comunicação”, afirmou. Os parlamentares também se comprometeram a trabalhar pela agilização de análise dos pedidos de outorga no MC e no Congresso, e a lutar contra as ações violentas da Polícia Federal. “A repressão e fechamento das rádios continua. Precisamos de uma fiscalização feita pela comunidade”, afirmou Ricardo Campolim, da Abraço. Ele lamentou que a Lei 9612 não regulamenta, mas sim proíbe o funcionamento de inúmeras emissoras. A Frente deverá ainda estudar a criação de um Fundo de Apoio à

Radiodifusão Comunitária no âmbito estadual. Para Sérgio Gomes, da Oboré (Projetos Especiais em Comunicações e Artes), a questão do financiamento pode ir além: “Devem existir recursos para que as emissoras não dependam de políticos, de igrejas ou do narcotráfico. E uma legislação que vise a auto-sustentação”, lembrou. Adriel Ferreira, locutor da Rádio Conexão, sediada em Heliópolis, a segunda maior favela da América Latina, na cidade de São Paulo, está esperançoso: “Eu espero que eles levem em consideração a nossa participação nas reuniões. Temos que trabalhar juntos contra a repressão e a favor da legalização”. Franklin Castro Bocoaca, da Rádio Latina Sat/Infinita, que atende uma comunidade latino-americana residente na cidade, concorda que a Frente deve ser uma união de forças. “Sozinhos não conseguimos nada. Se essa idéia dos deputados for honesta, nós estamos com eles. E nós somos a base”, concluiu.

Agência Alesp

da mídia

NACIONAL

Simão Pedro (PT), na Frente Parlamentar em defesa da Radiodifusão Comunitária

Rádios devem ser legítimas, não legalizadas Bruno Zornitta do Rio de Janeiro (RJ) A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não tem poder de polícia, apenas fiscalizatório. A afirmação foi feita pela advogada e cientista política Soraya Mendes, durante a videoconferência nacional organizada por entidades representativas das rádios comunitárias, dia 8. “Cabe à Anatel aplicar a Lei 9612/98, onde não estão previstas lacração e apreensão de equipamentos”, disse a advogada. Soraya esclareceu que o ponto principal da discussão é saber se a rádio é legítima, e não se está legalizada: “O direito só existe se estiver legitimado e essa legitimação vem do povo”. A videoconferência tratou também da realização da Conferência Nacional de Rádios Comunitárias, prevista para setembro. As entidades não concordam com a idéia do governo de tratar apenas do tema “desenvolvimento local”, deixando de lado a discussão sobre a repressão às rádios e a elaboração de um novo marco regulatório. Para o movimento, é necessário discutir a digitalização dos meios e a elaboração da Lei Geral de Comunicação de Massa. As entidades aproveitaram o encontro para reforçar a orientação de não pagamento ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).


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NACIONAL ASSEMBLÉIAS POPULARES

O povo no centro das decisões políticas Igor Ojeda da Redação

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einventar a democracia”. Essa é a idéia da assembléia popular, o novo instrumento de luta da Campanha Brasileira contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e da Rede Jubileu Sul/Brasil, que consiste num espaço destinado para a população opinar sobre os problemas locais e nacionais, propor soluções e aprovar decisões do interesse de sua comunidade. Ou seja, participar da vida pública. “A assembléia popular é uma forma de articular os atores sociais com algum grau de organização. A idéia surgiu dentro da campanha contra a Alca, dentro da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). Seu objetivo principal é levar às comunidades o debate sobre a economia mundial, e outros temas relacionados como dívida externa, livre-comércio e a política econômica brasileira dependente”, explica Milton Viário, presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul. Um dos desafios é tornar as assembléias populares uma prática política sistemática de tomada de decisões, não apenas de discussões. No entanto, a idéia não é contrapô-las ao modelo de democracia representativa vigente no Brasil, apesar de todos os seus defeitos, e sim complementá-la.

Marlene Bergamo/ Folha Imagem

Nas assembléias, a população discutirá e proporá soluções para problemas nacionais e de sua própria comunidade

Assembléias populares querem promover debates ligados à economia mundial, como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a dívida externa

ais e, em setembro a Assembléia Popular nacional. Entre os idealizadores das assembléias há consenso sobre a necessidade de preparar o povo para as discussões. Ou seja, esclarecêlo sobre as causas dos seus problemas e fazê-lo pensar politicamente. Para isso, antes da realização das reuniões, serão aplicados nas comunidades questionários sobre os problemas nacionais e os da sua própria região. As questões levantadas servirão como pauta para as assembléias. Outro desafio, senão o maior, é continuar realizando assembléias populares depois de setembro. Para isso, segundo Milton Viário, “as comunidades e os militantes sociais, diante dos problemas le-

PREPARAÇÃO “Vamos buscar uma combinação dessa democracia participativa com a democracia tradicional. Acreditamos que, se nas assembléias houver uma participação bastante representativa da população, os políticos eleitos se sentirão mais pressionados. Aí a vontade do povo pode prevalecer”, argumenta Viário. Em junho e julho, devem ocorrer as assembléias nos municípios. Em agosto, as estadu-

vantados, precisam conseguir permanecer organizados”, explica. Outra forma de garantir a continuidade dessa forma de discussão é fazer com que das assembléias surjam ações mais concretas. “Quanto mais conseguirmos pluralizar o debate, mais aumentaremos a pressão social necessária para o governo se posicionar, se colocar do lado do povo, que é o lado onde a gente espera que ele se coloque”, analisa Everson Soares Matos, da Pastoral da Juventude do Meio Popular do Paraná e da Coordenação dos Movimentos Sociais do Paraná. Além disso, em setembro, “pretendemos levar 15 mil pessoas que tenham participado das assembléias para Brasília, para apresentar o resultado e as reivindicações ao pre-

sidente da República, ao Superior Tribunal Federal, a todas as instâncias. Para dizer o que o povo está pensando”, promete Milton Viário.

FORMADORES Entre os dias 8 e 10 de abril, foi realizado em Belém (PA), Goiânia (GO), Recife (PE) e São Paulo (SP) o 5º Encontro de Formadores da Campanha Contra a Alca e o Livre Comércio, ocasião em que foi discutida a implementação das assembléias populares. Responsável pela organização das reuniões em cada município, o formador terá papel fundamental no processo, que é o de “facilitar a discussão, trazer fatos cotidianos das comunidades para explicar o modelo econômico mundial. Se formos

depender de alguns mecanismos convencionais, como a imprensa que está aí, a gente não consegue fazer esse debate”, afirma Matos. Para Roberto Morales, da secretaria operativa da Campanha contra a Alca no Rio de Janeiro, “cada formador vai se transformar no coordenador da assembléia popular; ele que vai ter que ir à sua comunidade, sua escola, o bairro onde mora, e ganhar as pessoas para a assembléia popular, ensiná-las a fazer a assembléia”, diz. Entre o final de abril e o começo de junho (datas ainda não definidas), vão ocorrer assembléias estaduais de formação. Aqueles que quiserem participar como formadores devem escrever para jubileubra sil@terra.com.br.

PRIVATIZAÇÃO-SP

Luís Brasilino da Redação A ameaça de privatizações volta a assombrar a população do Estado de São Paulo. Desta feita, estão na alça de mira do governo estadual estradas, saneamento, transportes, energia e processamento de dados. Ou seja, grande parte do que restou do processo de desestatização implementado pelo então governador Mario Covas, na segunda metade da década de 90. A motivação atual do governo é fiscal, avalia o deputado estadual Nivaldo Santana (PCdoB/SP). “A dívida do Estado é maior do que o dobro da sua receita anual e as privatizações são uma solução alternativa, de curto prazo, para aumentar a arrecadação e fortalecer o nome de Geraldo Alckmin (governador de São Paulo) para as eleições de 2006”, acrescenta. Segundo Santana, a única privatização que será feita nos moldes tradicionais é a PED – Presidido, enda Companhia tre 1996 e 1998, pelo atual governador de de Transmissão São Paulo, Geraldo de Energia EléAlckmin, o programa trica Paulista operou entre 1995 (CTEEP). No e 2000, com atribuidia 1° de feveções de coordenar a privatização de sete reiro, Alckmin empresas paulistas, en-viou à Asnegociar a concessembléia Legissão de estradas e repassar o controle lativa o projeto de outras sete estade lei n° 2/05 tais para o governo que altera o Profederal. Por fim, comandou a abertura grama Estadual de capital da Sabesp de Desestatizae da Eletropaulo. ção (PED), que

Marlene Bergamo/ Folha Imagem

Alckmin (PSDB) quer entregar o que sobrou

Metrô de São Paulo está na lista das privatizações do governador

permite incluir as transmissoras nas privatizações. As demais transferências de estatais ao setor privado vão ter nova modalidade. “O governo age de forma sorrateira, deixando comer pelas beiradas”, resume Flávio Godoi, presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. Por sua vez, Helifax Pinto de Souza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema), observa que, antigamente, as empresas eram vendidas em leilões na bolsa de valores, e quem dava mais levava. Agora, o governo recorre à abertura de capital e terceirizações. Souza conta que, na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), os setores

comercial e de manutenção já estão, em grande parte, terceirizados, e que a expansão da rede de água e o controle de qualidade serão os próximos. No metrô, informa Godoi, a manutenção também foi terceirizada, assim como a área de projetos.

NA SURDINA De todo modo, os metroviários tiveram o que comemorar nos últimos dias. Lançando mão de uma brecha na legislação do PED, foi aberta, em novembro de 2004, uma licitação para a concessão do serviço de arrecadação (bilheterias, catracas e produção de bilhetes) — unificado no que o governo chamou de Metropass. Dia 25 de fevereiro, contudo, graças a irregularidades no conteúdo do proje-

to e a pressões dos trabalhadores e de parlamentares oposicionistas, a diretoria da estatal foi obrigada a revogar a concorrência. O presidente do sindicato dos metroviários espera por uma nova tentativa do governo mas prevê que, ao menos por ora, os paulistanos escaparam de uma boa. “Implantar o Metropass é entregar a chave do cofre ao bandido. Mais de 90% da arrecadação do Metrô vêm das bilheterias e, terceirizando o serviço, a maior parte da receita passaria à iniciativa privada”, explica. Ou seja, caberia ao empresário relatar quanto dinheiro entrou no Metrô, e quanto seria repassado à estatal. De quebra, há percalços nas áreas terceirizadas do Metrô, o que, diz Godoi, sobrecarrega os técnicos da estatal, responsáveis pela resolução de todos os problemas que surgem. “Recentemente, um novo sistema de portas para alguns trens da linha Norte-Sul, fabricado por uma empresa privada, apresentou defeitos, que tiveram que ser corrigí-los”, ilustra. Para Helifax de Souza, do Sintaema, isso não surpreende. “A terceirização tem duas conseqüências diretas: precarização das condições de trabalho e prejuízos ao atendimento. É um recurso utilizado para baixar custos, não melhorar o serviço”, argumenta.

ABERTURA DE CAPITAL O Sintaema também luta em outra frente contra as privatizações, a abertura de capitais. Atual-

mente, 50% menos um dos ativos da Sabesp são controlados pelo setor privado. Para Souza, apesar de não haver qualquer iniciativa do governo do Estado para aumentar aquele percentual, ao ter participação privada no seu capital, a Sabesp acaba se preocupando mais com rentabilidade e menos com saúde pública. “Se reduz custos, por exemplo, o excedente vai para os rentistas, não para os trabalhadores ou para investimentos na empresa”, pondera Souza. Por isso, pequenas cidades paulistas podem ter dificuldades para renovar contratos com a Sabesp. Segundo o presidente do Sintaema, os novos acionistas não querem prestar serviços a quem oferece baixa rentabilidade, estão interessados em fazer negócios na Grande São Paulo. Por enquanto, alguns prefeitos conseguiram prorrogar contratos por mais um ano, ou menos. Porém, caso não renove com a Sabesp, o município vai precisar criar sua própria empresa, ou privatizar o abastecimento de água. Para piorar, as parcerias público-privadas (PPPs), que o governo estadual fez aprovar na Assembléia em maio de 2004, e o federal, na Câmara, em dezembro, começam a ser estudadas como uma forma de privatizar outras empresas e serviços. Segundo o deputado Nilvaldo Santana, podem entrar nesse esquema a segunda fase da construção da linha 4 do Metrô, a Rodovia dos Tamoios, o Poupatempo e o Porto de São Sebastião.


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NACIONAL MORADIA

Milhões sem uma vida digna

Fatos em foco Quinta coluna Os ministérios da Fazenda e da Agricultura estão, deliberadamente, provocando o estrangulamento dos 39 centros de pesquisas da Embrapa. O não repasse de verbas orçamentárias inviabiliza pesquisas para o desenvolvimento e melhoria de sementes e produtos, enfraquece a tecnologia brasileira e favorece a dependência externa. Reciprocidade 1 O Supremo Tribunal Federal deve decidir se autoriza ou não a quebra do sigilo bancário do atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acusado de sonegação e evasão de recursos, lavagem de dinheiro e, ainda por cima, de ter arquivado vários inquéritos contra o BankBoston, onde trabalhou durante anos. Reciprocidade 2 O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, declarou a sua posição à respeito ao jornal O Estado de S. Paulo de 10/04/2005: “Confio muito no caráter, nos procedimentos, na conduta de Henrique Meirelles, do nosso presidente do Banco Central, assim como confio no nosso Supremo Tribunal Federal”. Como se pode ver, é um ministro muito confiante. Superavit primário Sete policiais militares já foram identificados como autores da chacina ocorrida há duas semanas na Baixada Fluminense. Agora, compete ao Poder Judiciário atuar rapidamente. Mas a punição dos criminosos não basta para conter a onda de violência se não houver mudança do modelo econômico, e nem uma prestação efetiva de serviços do Estado nas regiões mais carentes do país. Desvio social A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social acusa o governo de desviar recursos da previdência para engrossar o pagamento dos juros aos credores internacionais. De acordo com a entidade, o setor não teve déficit coisa nenhuma em 2004, mas superavit de R$ 42 bilhões. A contabilidade oficial é que inverteu o resultado. Lucro garantido Além de ter conseguido isenções tributárias municipais e estaduais por dez anos, a fábrica da MercedesBenz em Juiz de Fora, Minas Gerais, recebeu, em 1996, financiamento de 80 milhões de dólares do Banco de Desenvolvimento do Estado, com juros anuais de 3,5%. Isso mesmo: 3,5% ao ano. Agora que algumas regalias estão para acabar, a empresa resolveu parar suas atividades e deixar sem emprego 1.160 trabalhadores. Capitalismo é isso aí. Ambição imperial Não satisfeito com as guerras que promove, com os países que ocupa, com os genocídios que comete, com os ataques sistemáticos a governos legítimos de países soberanos, o governo George W. Bush, dos Estados Unidos, e sua ação imperialista, vivem criando novos “inimigos” todos os dias. Agora o “eixo do mal” passa também pela pobre Nicarágua, só porque o líder sandinista Daniel Ortega decidiu – mais uma vez – disputar a Presidência da República. Briga paulistana O secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, Mauro Ricardo Costa, responsável pelo relatório que enquadra a administração anterior na lei de responsabilidade fiscal, precisa agora explicar vários processos de improbidade nos cargos que ocupou durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Está sentindo o gosto do próprio veneno. Petismo dominante O grupo político denominado Campo Majoritário, que controla a direção nacional do PT, reunido no Rio de Janeiro no último final de semana, aprovou um programa adaptado às práticas do governo de coalizão presidido por Lula, a reeleição de José Genoíno e o abandono de antigas propostas de luta do partido. Não se pode mais acusar o partido de falta de coerência.

Brasileiros que vivem em condições sub-humanas não têm seus direitos respeitados, diz a ONU da Redação

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alta de moradia, escassez de terra, déficit habitacional e impropriedade das habitações – um conjunto de problemas que afeta, sobretudo, os mais pobres. Entre esses, em particular as mulheres, além das comunidades afrobrasileiras e dos povos indígenas. Esse foi o quadro encontrado no Brasil, por Miloon Khotari, relator especial da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que esteve no país em 2004, em missão oficial, a convite do governo, para examinar e relatar a situação da moradia. Ou seja, para avaliar sua adequação ao direito a um padrão de vida digno. O relatório foi apresentado à Comissão em fevereiro, em Genebra (Suíça). Nele, o especialista pede rapidez na resolução dos problemas relacionados aos direitos territoriais e na execução da reforma agrária, apontando para a relação entre terra e pobreza rural e urbana, e a realização do direito à moradia adequada.

Rose Brasil/ABr

Hamilton Octavio de Souza

Palafitas na favela Brasília Teimosa, em Recife (PE): retratos de um país extremamente desigual

Brasil de lidar com as condições de vida e de moradia de todos os grupos vulneráveis ou marginalizados.

CONTRASTES Com uma população de mais de 184 milhões de pessoas, espalhada em mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, o Brasil é um país de contrastes gritantes, diz o relatório. Atualmente, cerca de 82% dos brasileiros vivem em cidades, que não estavam preparadas para suportar uma rápida urbanização. Isso criou problemas como o crescimento de assentamentos informais e a demanda crescente por serviços básicos. O governo federal se comprometeu a resolver estas questões, mas são muitos os obstáculos, sobretudo quando a redistribuição da riqueza e da terra é crucial para solucionar os problemas. O déficit habitacional é estimado em 7 milhões de unidades, das quais 80% em áreas urbanas, e 40% concentradas no Nordeste. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6,6 milhões de famílias brasileiras não têm onde morar, enquanto um terço das residências é desprovido de rede de esgoto.

DESIGUALDADE O Brasil é extremamente desigual. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) 2002-2006, o país está entre as dez maiores economias do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de aproximadamente 4 mil dólares. Mas, em 2003, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 14,5% da população vivia em condições de extrema pobreza, e 34,1% dos brasileiros são pobres. As discrepâncias entre as áreas urbanas e rurais são marcantes. Assim, em 1996, enquanto 92% das moradias urbanas tinham acesso à rede de água, apenas 15,7% das moradias rurais eram atendidas. Em 1997, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos descobriu disparidades similares a respeito da pobreza entre áreas urbanas e rurais: 66% da população rural do Brasil vivia abaixo da linha de pobreza, em comparação a 38% das pessoas nas áreas urbanas.

SEM POLÍTICAS De acordo com o Censo Demográfico de 2000, 1,6 milhão de unidades habitacionais estão localizadas em assentamentos precários, entre os quais favelas, onde moram 6,6 milhões de pessoas (veja pág.7). Além de cortiços e conjuntos habitacionais degradados. Apenas metade de todos os municípios adotou alguma política habitacional. Menos municípios ainda fizeram tentativas sérias para proporcionar o direito à moradia adequada. A dívida externa brasileira, ligada a empréstimos do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, e as políticas financeiras conservadoras adotadas pelo governo afetaram a capacidade do

POBREZA E SERVIÇOS As desigualdades e exclusão socioeconômicas também exercem um impacto direto na moradia e na terra. As estatísticas mostram que o déficit habitacional afeta 83,2% das famílias de baixa renda que recebem três salários-mínimos ou menos; apenas 2% das famílias que recebem mais de 10 salários-mínimos ou mais são afetadas. O alto déficit habitacional também é um reflexo do alto número de famílias de baixa renda que vive em assentamentos informais e coabitações familiares. De 1991 a 2000, as taxas de crescimento das favelas foram significativamente mais altas do que as taxas globais de crescimento de residências.

O que é moradia adequada É “o direito de toda mulher, homem, jovem e criança de ganhar e manter um lar e uma comunidade protegidos nos quais possa viver em paz e com dignidade” Com base no conceito de que todos os direitos humanos são inter-relacionados e indivisíveis, o relator relaciona o direito à moradia aos direitos a alimentação, água, saúde, acesso a saneamento; ao trabalho, bens de raiz; o direito à segurança da pessoa e do lar; e a proteção contra o tratamento desumano e degradante em todas as suas atividades, com atenção especial às minorias e grupos vulneráveis ou marginalizados.

Além do déficit quantitativo, cerca de 10 milhões de unidades habitacionais são consideradas inadequadas qualitativamente, devido à falta de acesso a uma rede de água encanada, infra-estrutura inadequada, redes de esgoto e drenagem insuficientes, e superlotação. Quanto ao saneamento, 12,1 milhões de residências urbanas particulares, sobretudo as habitadas por famílias de baixa renda, não contam com o serviço. As mulheres representam uma pequena minoria na tomada de decisões e na vida pública. Recebem, em média, menos que os homens pelo mesmo tipo de trabalho e são a maior parte dos trabalhadores em setores de emprego informal, ou que desempenham tarefas servis ou arriscadas. O número de lares chefiados e sustentados por mulheres aumenta, mas elas têm menos probabilidade de obter aprovação para empréstimos, créditos e empréstimos hipotecários, o que limita seu acesso à habitação formal.

PRIVATIZAÇÃO Tanto os movimentos sociais, quanto os ministérios enfatizam que a plenitude do direito à moradia adequada é abrangente, e inclui, entre outros benefícios, o acesso a serviços como assistência à saúde, educação, eletricidade e saneamento. Mas isso está longe da realidade.

As recomendações do relator especial da ONU O relator especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU considera que os desafios enfrentados pelo Brasil nos setores da habitação e, conforme o caso, no setor agrário são opressivos. Uma abordagem integrada do cumprimento das obrigações internacionais dos direitos humanos deve nortear as políticas e ações do governo em todos os níveis, incluindo distribuições orçamentárias e decisões relacionadas à moradia, terra, água, saneamento, eletricidade e proteção contra despejos, bem como os serviços para mulheres e comunidades carentes em caráter prioritário. Entre as sugestões do

relator especial destacam-se: *Fundo de Garantia por Tempo de Serviço: deve ser usado para prover recursos para o Fundo Nacional de Moradia Popular, cujo uso deve ser da competência do Ministério das Cidades e do Conselho Nacional das Cidades; *Reforma agrária: precisa ser acelerada, assim como devem ser agilizados os processos de desapropriação e concessão de escrituras. É recomendada a criação de força-tarefa interministerial para solucionar as questões de redistribuição de terra e apropriação de grandes propriedades rurais, de acordo com as disposições constitucionais que garantem a

função social da terra; *Políticas, programas e financiamentos habitacionais: devem se concentrar nos segmentos pobres e vulneráveis da população; *Privatizações: o governo deve ter extrema cautela em relação à privatização dos serviços de moradia e serviços básicos relacionados ao cumprimento do direito à moradia adequada, como água, eletricidade e saneamento; devem ser estabelecidas medidas de proteção para garantir que privatizações não comprometam os direitos humanos, principalmente os das minorias, mulheres e mais necessitados.

Miloon Khotari ressalta que, mesmo a lei de direitos humanos admitindo o fornecimento privado de serviços básicos (incluindo água, educação, eletricidade e saneamento), é responsabilidade dos governos garantir que privatizações não violem os direitos humanos da população. No Brasil, entretanto, os encargos sobre os pobres – por exemplo, em conseqüência da privatização e da ausência de tarifas diferenciadas para eletricidade – têm subido excessivamente. No final da década de 90, com a privatização, as tarifas para os consumidores residenciais aumentaram 65%, muito acima da inflação. A privatização também foi particularmente prejudicial a mulheres e crianças, já que, no país, 34,1% dos lares urbanos e 24,1% dos rurais elas são as principais provedoras de renda, bem como, as chefes da família.

SEM REFORMA Após o golpe militar de 1964, relata Khotari, o governo começou uma reforma agrária, mas, a adoção do Estatuto da Terra não solucionou as questões de terras ociosas e grandes latifúndios. Ao contrário, estimulou reassentamentos em terras desocupadas da Amazônia. A situação foi agravada pelo cultivo da soja em grandes propriedades do Sul, um problema que persiste e causa um vasto desflorestamento, apropriação ilegal de terras e conflitos. Segundo o relatório, movimentos como o dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surgiram em resposta à extrema concentração de terra em grandes propriedades rurais (latifúndios), à prática da grilagem, e à modernização da agricultura que expulsa de suas terras os pequenos produtores rurais. Como a implementação de políticas territoriais e de habitação para reverter a desigualdade social e territorial é lenta, a ocupação de terras ociosas e desocupadas se tornou uma forma importante de pressão política para a realização da reforma agrária e a regularização de assentamentos. Segundo os depoimentos recebidos pelo relator especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU, o governo Lula não cumpriu a meta de assentamentos de famílias sem-terra, nem fez a reforma agrária.


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De 14 a 20 de abril de 2005

NACIONAL MORADIA

Aqui, ao invés de habitação, barraco Tatiana Merlino da Redação

D

uas camas, fogão, fotos de artistas coladas na parede, um gato preto dormindo num colchão, prateleira com óleo e açúcar, boneca de pano pendurada, piso molhado e um forte cheiro de mofo. Esse é o apertado barraco de Cícera dos Santos, na favela Santa Rosa, zona leste da cidade de São Paulo, onde vivem ela, duas crianças e o marido. Antes de mudar para o barraco, ela morava na rua, embaixo da estação Brás do metrô. “Era muito melhor do que aqui”, lamenta. No ano passado, a prefeitura retirou os moradores debaixo do metrô, considerada área de risco, e os transferiu para um albergue. No barraco de lona onde vivia na rua, Cícera tinha televisão, cama, e fogão. Na mudança para o albergue, deixou seus pertences com o “pessoal da prefeitura, que prometeu guardar as coisas e devolver depois”. No entanto, os objetos nunca mais foram encontrados. A experiência no albergue foi muito traumática para sua família. A filha, hoje com sete anos, e o filho, com 12 anos, “sofreram tentativas de abuso sexual”. Foi quando a moradora de rua conseguiu dinheiro emprestado com uma colega e comprou o barraco da Rua Monsenhor de Andrade.

PRECARIEDADE Para as cerca de 60 famílias que moram na favela, além da falta de acesso aos serviços de água encanada e luz, e da inexistência de rede de esgoto, quando chove, a precariedade de suas habitações é ainda mais evidente. No barraco

Luciney Martins

Em São Paulo, é menos pior ficar debaixo do viaduto do que se aglomerar em situações miseráveis nas favelas de 1991 a 2000, as taxas de crescimento das favelas foram mais altas do que taxas globais de crescimento de residências.

SEM SAÍDA

Quando chove, no barraco de Cícera, a água chega quase até o joelho e o que está no chão começa a boiar

de Cícera, o que está no chão, começa a boiar. “Chove aqui dentro, e a água chega quase até o joelho”, conta. As paredes do barraco, de madeira muito fina, e o teto improvisado feito de telha, madeira e papelão, não suportam a chuva. “Se der uma chuva forte, o barraco não agüenta”, diz. Quando a chuva acaba, vem o pior: chegam os ratos, assíduos freqüentadores da moradia de Cícera e de seus vizinhos. A moradora da favela da Santa Rosa conta que seu filho já foi parar no hospital três vezes com vômito e diarréia.

“Esses ratos dão doença e vírus na gente”, afirma. Certa vez, ao visitar a casa de uma vizinha grávida, ela encontrou um rato dentro de uma bacia com pratos para lavar. “Aqui não dá para viver. Com tanto lixo, vamos acabar morrendo de alguma doença”, relata a favelada.

FAVELADOS Outro visitante de seu barraco é uma aranha caranguejeira, que insiste em entrar pelos buracos do piso de madeira apodrecido pela água, completamente mofado. Para barrar a visita indesejável, o re-

curso foi colocar pedaços de tijolo nos buracos. E funcionou. Cícera trabalha com reciclagem há muitos anos, mas está parada por problemas de saúde. Ela tem tido hemorragias decorrentes de miomas no útero, e está esperando uma cirurgia. O marido, desempregado, ”faz um biquinho aqui e outro ali. Senão, não temos dinheiro nem para comprar a mistura”. Cícera dos Santos não sabe, mas assim como ela, no Brasil, 6,6 milhões de pessoas vivem em condições sub-humanas em favelas. Segundo o relatório da ONU,

De acordo com o relator nacional do Direito à Moradia Adequada no Brasil, Nelson Saule Jr., um dos fatores que levaram ao aumento da degradação das condições de habitação de muitas áreas de São Paulo é a falta de ações conjuntas entre Estado e municípios. “Nunca houve uma ação integrada para fazer um programa de impacto de urbanização e melhoria das favelas”, aponta o relator, acrescentando que, sem cooperação, “será inviável conseguir enfrentar os problemas habitacionais de qualquer região do país”. Assim como Miloon Khotari, relator da ONU, Saule Jr. acredita que, para implementar políticas de moradia, o governo deveria reduzir a meta do superavit de 4,5% para 3,25%. “Só assim conseguiremos recursos”, avalia. Aos 37 anos, Cícera também não sabe o que é superavit primário, mas reclama da “falta de atenção dos governantes, que só falam, falam, fazem cadastro, mas continuam deixando a gente morando em áreas de risco”, diz. A favela Santa Rosa está localizada na zona cerealista, e dia e noite passam caminhões pela Rua Monsenhor de Andrade, hoje, estreita depois que os barracos foram avançando e tomando conta da rua. O sonho de Cícera é “juntar um dinheirinho e ir embora”. Se não der, prefere voltar para o metrô Brás, e se juntar às dez mil pessoas que dormem nas ruas, na região metropolitana de São Paulo.

Além da falta de ações conjuntas entre Estado e município, a degradação das condições de moradia em São Paulo também aumentou em decorrência da “não viabilização de áreas para interesse social”, de acordo com avaliação do relator nacional do Direito à Moradia Adequada no Brasil, Nelson Saule Jr.. Ele explica que só nos últimos três anos a região central da cidade começou a ser utilizada para o desenvolvimento de alguns programas de interesse social. “No centro, há muitos prédios fechados e abandonados que poderiam ser revertidos para habitação e interesse social da população que não tem acesso ao mercado imobiliário”, afirma. Como isso não ocorre, analisa, a alternativa que resta aos sem-teto é ocupar áreas de mananciais ou de risco, “muitas vezes distantes dos locais onde é possível conseguir trabalho”. Há um ano, Samuel Perseliano dos Reis, esposa e filha moram na favela do Moinho, região central da capital. Espremida por duas vias férreas (Santos-Jundiaí e Sorocabana), a favela tem uma população de mais de mil pessoas vivendo em situação de risco.

“A gente tem que prestar muita atenção, olhar para os dois lados, senão já viu”, alerta Reis. Ele hesita, mas acaba contando que várias pessoas foram atropeladas pelo trem. A cancela não funciona. Quem sabe, lê; “Pare, olhe e escute”. Um sininho avisa quando o trem passa. Mas, às vezes, também não toca.

Fotos: Luciney Martins

Entra governo, sai governo e nada muda

UM, OUTRO, OUTRO... Os primeiros moradores do Moinho – a maioria catadores de papel – começaram ocupando um prédio abandonado. Encostados ao muro da linha do trem, surgiram outros barracos. E outros e outros. A família de Reis já tinha morado na favela do Moinho, mas mudou para outra, em Guarulhos, em busca de melhores condições de vida. “Mas demos cabeçada. Lá não conseguia emprego de jeito nenhum”, lembra ele. Então voltou para o Moinho. “Aqui perto não é tão difícil conseguir serviço”, argumenta. Além da falta generalizada de emprego, explica ele, a situação se agrava quando diz que mora numa favela. “Tem muito preconceito. Aí que eu não arranjo nada mesmo”, lamenta.

A família de Reis vive num barraco de dois cômodos, feitos de madeira e telha

Dona Ruth comprou seu barraco, onde mora com dois filhos e a nora, por R$ 1.500

Reis já trabalhou como motorista de uma transportadora e como pedreiro. Há oito anos não consegue mais nada. Hoje, seu trabalho é de catador. Todos os dias ele sai com sua perua atrás de material reciclável no bairro de Higienópolis. “Tiro uns R$ 10, R$ 15 por dia”, conta ele.

DIFICULDADES Maria Aparecida, a esposa, trabalhou fazendo faxina em casa de família, escola e firma. Nos últimos anos, sem conseguir emprego, começou a ajudar o marido. Ela reclama da dificuldade que tem para lavar as roupas da família. A água é apanhada em uma torneira na entrada da favela. Banho, diz, só de bacia. A luz é de ligação clandestina, “e tem vezes que a gente fica vários dias sem”, conta. Reis gostaria de “comprar uma casinha”. Ele está cansado. “Quando a gente é mais novo, tem mais ânimo para lutar”, lamenta o catador de 48 anos. Enquanto não consegue sua “casinha”, ele vai vivendo no barraco de dois cômodos, feito de madeira e telha. A favela do Moinho, onde moram cerca de 400 famílias, mudou

muito desde a primeira vez que Samuel dos Reis morou lá, em 1999. “Era tudo mato, e não tinha tudo isso de gente. Cada vez chega mais e mais”.

IMÓVEIS, HÁ Próxima de Reis mora Ruth Tristão, dois filhos e uma nora, Maria Edileuza. Júlio, o filho mais novo, é portador de deficiência física, e sua pensão ajuda nas despesas da casa. Há mais de dois anos na favela do Moinho, Dona Ruth

comprou o barraco “não sei de quem” por R$ 1.500. Ela também desconhece quem é o dono da área onde estão as centenas de famílias do Moinho. “Cada um fala uma coisa”, desconversa. A moradia de dona Ruth é de madeira e papelão. No seu interior, a divisão de cômodos é de plástico. “Não tenho do que me envergonhar”, diz ela.” Assim como Reis, dona Ruth trabalha catando material reciclável – papelão, latinha, cobre e ferro. E “está esperando Deus melhorar sua vida”. Enquanto dona Ruth, Samuel Reis e milhares de outros brasileiros vivem em malocas sem condições mínimas de habitabilidade, no país, existem cerca de 5,5 milhões de imóveis abandonados e não utilizados. “Levando em conta que o déficit habitacional brasileiro é de 7 milhões de moradias, uma simples equação mostra que boa parte dele poderia ser resolvido com os imóveis vazios”, argumenta Nelson Saule Jr. Em São Paulo, acrescenta, a situação também poderia melhorar muito com a utilização dos imóveis vazios – há 400 mil deles, em relação a uma demanda da ordem de 500 mil moradias.

Déficit habitacional brasileiro é estimado em 7 milhões de moradias


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De 14 a 20 de abril de 2005

NACIONAL NAVALHA NA CARNE

O orçamento, engessado como sempre Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

D

epois de impor um corte correspondente a quase R$ 16 bilhões ao orçamento aprovado pelo Congresso para 2005, a equipe econômica do governo federal conseguiu apertar ainda mais o arrocho decretado em fevereiro. Entre 1º de janeiro e 1º de abril, segundo dados do Ministério do Planejamento, foram gastos, efetivamente, com investimentos, apenas R$ 135,2 milhões, equivalentes a 0,62% do valor autorizado para todo o ano. Os números do orçamento da União, consolidados pelo Planejamento, incluíam uma previsão de R$ 21,7 bilhões para investimentos, antes do corte. O novo limite para esse tipo de despesa foi fixado em R$ 9,3 bilhões (57% a menos) pela Portaria nº 56, de 22 de março. Para 2005, o governo já havia acertado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), antes mesmo de encerrado o acordo com a instituição, a autorização para investir mais R$ 2,7 bilhões, a maior parte em projetos para o setor de transportes. Assim, os investimentos totais da União podem atingir algo próximo a R$ 12,1 bilhões até o final do ano – isso se o governo não descumprir novamente a lei orçamentária, como tem ocorrido sistematicamente, ano após ano. Ainda que considerada essa previsão, os dados do Planejamento deixam claro que o governo terá que acelerar a liberação de recursos caso pretenda cumprir a meta (achatada) de investimentos em 2005: até 1º de abril, saíram dos cofres do Tesouro apenas 1,1% do projetado, incluído o dinheiro negociado com o FMI.

PARALISIA Como se sabe, a política de arrocho aos gastos públicos, além de levar a máquina estatal à virtual paralisia, afetando a qualidade dos serviços prestados à sociedade, tem como único objetivo fazer com que sobrem mais reais para pagar os juros da dívida pública federal, que consumiram nada menos do que R$ 83,3 bilhões nos 12 meses encerrados em fevereiro deste ano. O aperto prossegue mesmo diante do desempenho da arrecadação federal. Nos dois primeiros meses de 2005, dado mais recente divulgado pelo Ministério da Fazenda, as receitas atingiram R$ 57,1 bilhões,

Gustavo Roth/ Folha Imagem

Governo arrocha despesas, mas a arrecadação de impostos cresce e atinge recorde de R$ 57 bilhões até fevereiro

Tesoura da equipe econômica não poupou o orçamento do Ministério da Saúde

com crescimento nominal de 12,2% em relação ao primeiro bimestre do ano passado. A receita, em fevereiro, foi recorde para o mês, chegando a R$ 25,1 bilhões.

SETE VEZES MAIS Feitas as contas, o gasto do governo federal com juros deverá ser mais de sete vezes maior do que a dotação estabelecida para a conta de investimentos ao longo deste ano. As despesas de custeio, entre janeiro e 1º de abril, atingiram R$ 10,9 bilhões, representando 16,7% dos valores incluídos no orçamento. A dotação inscrita no orçamento de 2005 previa R$ 65,5 bilhões para o custeio da máquina federal – o que inclui não somente gastos com material de escritório, cafezinho, diárias e passagens aéreas, como também os recursos destinados a programas sociais. A tesoura da equipe econômica podou R$ 6,5 bilhões daquele total, reduzindo os recursos para custeio para R$ 59 bilhões (10% a menos). Os economistas dos ministérios da Fazenda e do Planejamento alegam, para justificar os cortes, que as receitas projetadas pelo Congresso, ao aprovar o orçamento, teriam sido superestimadas, já que embutiam previsões de crescimento que tenderiam a não se confirmar, neste ano.

A sanha fiscal não deixou incólume nem mesmo a menina dos olhos do Planalto: o orçamento do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome foi reduzido em 16%, de R$ 7,4 bilhões para R$ 6,2 bilhões. Mas a equipe econômica, como visto, não se limitou a cortar despesas pura e simplesmente. O arrocho prossegue durante a execução do orçamento, extrapolando até mesmo os cortes estabelecidos. A tecnocracia, literalmente, senta-se sobre o cofre público e segura recursos para setores essenciais, como saneamento básico, educação, saúde, assistência social e outros. Tome-se o caso do Ministério da Saúde, num exemplo. O orçamento do ministério não teve cortes e preservou todos os R$ 32,8 bilhões originalmente definidos pelo Congresso. Mas, por decisão da equipe econômica, só foram liberados e gastos, até 1º de abril, míseros 0,23% dos investimentos autorizados para 2005. Ou, R$ 6,1 milhões dos R$ 2,6 bilhões aprovados. Para custeio, a Saúde recebeu quase R$ 7,2 bilhões no mesmo período, equivalentes a 23,8% do valor total orçado (R$ 30,1 bilhões). O setor pode-se considerar, de certa forma, privilegiado, já que, na média, o governo conseguiu executar

menos de 13% do orçamento definido para custeio e investimentos.

QUASE À MÍNGUA Na autorização de gastos, os ministérios dos Transportes, Integração Nacional, Cidades e Agricultura fi-

guram entre os mais penalizados pela mão pesada da equipe econômica. Com investimentos inicialmente estimados em R$ 6,3 bilhões, mais tarde reduzidos para R$ 1,1 bilhão, o setor de transportes recebeu meros R$ 322 mil até 1º de abril (0,005% do valor original e 0,03% dos recursos ditados pela equipe econômica). Na mesma linha, só 3% dos recursos para custeio foram liberados para a pasta dos Transportes, o que significa menos recursos para estradas, ferrovias e portos. O Ministério da Integração Nacional, responsável pela implantação do mais que polêmico projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, teve liberados R$ 202 mil para investimentos, ou 0,009% dos R$ 2,3 bilhões programados antes do corte. Com o enxugamento, a previsão de investimentos do ministério desabou para R$ 902,5 milhões (61,5% a menos). Mesmo tomando-se o novo limite, os gastos já efetuados mal chegam a 0,02% do total. A dotação atualizada até março para a Integração Nacional estabelecia a destinação de quase R$ 2,6 bilhões para a pasta, mas a tesoura definiu um limite inferior a R$ 1,1 bilhão, 59% a menos. Considerando-se o valor original, foram gastos pelo setor apenas 0,49% (ou 1,2% quando levado em conta o que restou depois dos cortes).

Quem se importa com a produção? O Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) tampouco escapou à sanha contracionista da Fazenda & companhia. Seu orçamento original estava fixado em R$ 1,9 bilhão, a maior parte dos quais reservados para investimentos (R$ 1,2 bilhão). Mas o MDA foi autorizado a gastar menos de R$ 1,3 bilhão, num corte de 33%, restando R$ 788,4 milhões para investimentos (36% a menos). A despeito das pressões no campo, apenas 3% dos valores originais (ou 4,5% do orçamento revisto) foram gastos até 1º de abril. Até o final de março, o MDA havia consumido quase 70% da verba destinada à desapropriação de terras (R$ 322 milhões dos R$ 480 milhões autorizados). Com a perspectiva de esgotamento dos

recursos antes do final do primeiro semestre, no início de abril o governo anunciou a liberação de mais R$ 400 milhões para a área. No balanço geral dos cortes, as despesas de custeio e investimento destinadas ao cumprimento da política social do governo caíram de R$ 51,5 bilhões para R$ 48,1 bilhões (menos 6,5%). O orçamento para projetos de infra-estrutura (estradas, portos, ferrovias, saneamento e outros) encolheu 41,7%, de R$ 17,6 bilhões para R$ 10,3 bilhões. Os ministérios ligados à produção (agropecuária e abastecimento, indústria, comércio exterior, turismo e desenvolvimento agrário) foram contemplados com os maiores cortes, já que seu orçamento desabou de R$ 4,7 bilhões para R$ 2,5 bilhões (menos 45,9%). (LVF)

Cidades e saneamento, vítimas da tesoura Reprogramadas, as despesas de custeio e investimento do Ministério das Cidades deveriam superar R$ 2,7 bilhões, dos quais R$ 2,3 bilhões estariam reservados para investimentos. O limite de gastos autorizado para a área, no entanto, foi derrubado para R$ 632,7 milhões, num tombo de 77%. Quase todo o corte se concentrou na conta de investimentos, que perderá quase 90% dos recursos originais, sobrando R$ 242,3 milhões. Daquele total, até 1º de abril, segundo o Ministério do Planejamento, foram efetivamente investidos no Cidades meros R$ 10,6 milhões, ou 4,4% do valor fixado pela equipe econômica e 0,45% do total autorizado pelo Congresso, via lei orçamentária. Para o setor de saneamento, na área do Ministério das Cidades, restaram, depois dos cortes, R$ 88 milhões dos quase R$ 1,3 bilhão autorizados. Os projetos de saneamento básico como um todo deveriam receber uma injeção de R$ 6,1 bilhões em 2005, com recursos de várias fontes, incluindo, além do orçamento da União, empréstimos e repasses de instituições financeiras e do Fundo de Garantia do Tempo de

A SANGRIA EM CADA MINISTÉRIO Em milhões de reais Ministérios

Aprovados

Liberados

Diferença

Corte, em %

805,4

547,2

258,2

-32,0

7.158,2

1.628,4

5.529,8

-77,2

Comunicações

845,0

254,4

610,6

-72,3

Cultura

480,0

213,4

266,6

-55,5

Meio Ambiente

704,3

392,9

311,4

-44,2

Planejamento

474,0

349,1

124,9

-26,3

1.934,3

1.298,9

635,4

-33,0

621,8

89,4

532,4

-85,6

Defesa

5.550,0

4.700,0

850,0

-15,3

Integração

2.594,0

1.072,0

1.522,0

-58,7

Turismo

1.060,0

119,0

941,0

-89,0

Desenvolvimento Social

7.400,0

6.200,0

1.200,0

-16,2

Cidades

2.747,0

632,7

2.114,3

-77,0

Transferências a Estados, DF e municípios

1.040,0

146,4

994,0

-95,6

Trabalho Transportes

Desenvolvimento Agrário Esportes

Fonte: Ministério do Planejamento

Serviço (FGTS). Daquele total, apenas R$ 1 bilhão não sofreram cortes até aqui.

MÃOS ATADAS O FGTS dispõe de R$ 2,7 bilhões para investir em saneamento, mas está virtualmente de mãos

amarradas, por decisão da equipe econômica. Em junho do ano passado, o Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelos ministros da Fazenda, Planejamento e pelo presidente do Banco Central, aprovou resolução que proíbe o Fundo de emprestar a empresas e instituições

do setor público.

ATÉ A AGRICULTURA O arrocho atingiu em cheio o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Os cortes foram menos severos do que no caso do Ministério das Cidades, mas

a verba restante tem sido liberada a conta-gotas. De menos de R$ 1,2 bilhão, o dinheiro para custeio e investimento foi reduzido para R$ 626,5 milhões (menos 46%). Até 1º de abril, foram liquidados R$ 91,4 milhões ou 14,6% do orçamento, depois do ataque da equipe econômica. Comparado aos valores originais, saíram para o Mapa apenas 7,8% do total. No caso dos investimentos, a Agricultura havia recebido uma dotação de R$ 355,2 milhões, logo derrubada para R$ 90,6 milhões (74,5% a menos). Mas somente R$ 3,1 milhões foram gastos até 1º de abril (ou 0,87% da dotação original). Considerado fundamental para os planos do governo, que pretende manter o país na liderança do mercado mundial de carne bovina, o programa de combate à febre aftosa sofreu corte de 46,5% (de R$ 65,3 milhões para R$ 35 milhões). A Secretaria de Defesa Agropecuária, que deveria cuidar da sanidade das carnes e dos produtos agrícolas, terá apenas 40% dos R$ 162 milhões autorizados ou quase metade dos R$ 112 milhões gastos em 2004. (LVF)


Ano 3 • número 111 • De 14 a 20 de abril de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO HAITI

Delegação defende retirada de tropas João Alexandre Peschanski da Redação

O

problema do Haiti não é militar, e não há por que continuar com a intervenção de tropas estrangeiras, estabelecidas no país desde o início do ano passado. A avaliação é da Missão de Investigação e Solidariedade com o Povo Haitiano, encabeçada pelo pacifista Adolfo Pérez Esquivel e por Nora Cortiñas, da entidade argentina Madre de la Plaza de Mayo. A Missão, composta por 20 integrantes de movimentos sociais da África, da América do Norte, da América Latina e do Caribe, esteve no Haiti entre os dias 2 e 8, onde se encontrou com representantes do governo, da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti Missão das Nações Unidas para (Minustah) e de a Estabilização no organizações soHaiti (Minustah) ciais haitianas. — Destacamento Em nota oficivil e militar da Organização das Nacial, a delegação ções Unidas (ONU) internacional que, desde junho considerou que de 2004, ocupa o Haiti. O comando o problema no das tropas da mispaís caribenho são — que conta é econômico e com cerca de 4 mil soldados, 1.200 do social, e precisa Brasil — está sob ser resolvido por a responsabilidade essa perspectiva. do general brasilei“Nesse caso de ro Augusto Heleno Pereira Ribeiro. crise, as tropas intensificam a tensão da situação, já bastante difícil. Além disso, atacam a soberania do Haiti”, afirma Sandra Quintela, do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), uma das representantes brasileiras na missão. Segundo Sandra, a retirada das tropas deve ser gradativa e seguir

Ana Nascimento/ABr

Depois de visitar o país, uma missão internacional de movimentos sociais vai pressionar por fim da ocupação

Tropas brasileiras fazem patrulhamento no bairro de Citè Soliel, um dos mais violentos de Porto Príncipe, no Haiti

um calendário elaborado pelos movimentos sociais haitianos. As organizações integrantes da missão vão articular audiências com seus governos para que pressionem para a retirada das tropas do Haiti. A articulação, no caso do Brasil, é ainda mais fundamental, pois é responsabilidade do país o comando das tropas da Minustah. Sandra diz que os representantes brasileiros da missão querem, até o final de abril, articular audiências com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de integrantes dos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores.

ELEIÇÕES ESTRATÉGICAS Para Sandra, as eleições, previstas para outubro (municipais) e novembro (legislativas e presiden-

ciais), são de suma importância para a estabilização do país. Por isso mesmo é preciso dissipar o cenário de violência no Haiti, que sofre com o alto grau de militarização. Ao mesmo tempo, deve-se garantir a autonomia e soberania do país. Os pleitos estão sendo coordenados pela Organização dos Estados Americanos (OEA), o que Sandra considera um risco: “O organismo internacional não tem experiência na preparação de eleições e pode pôr tudo a perder”. A missão defende que outras instituições, como a União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore), o Instituto Interamericano de Direitos Humanos e a Comissão Assessora de Promoção Eleitoral (Capel), ajudem o povo a organizar o pleito.

Com o aval do primeiro-ministro haitiano, Gérard Latortue, a OEA — responsável pelo financiamento quase integral dos escrutínios, estimado em 44 milhões de dólares — criou, em meados de 2004, missões especiais para gerenciar as eleições no Haiti. Técnicos estrangeiros vão escolher os locais de votação e controlar a fiscalização, sem passar por mecanismos de controle da sociedade haitiana.

DESRESPEITO A DIREITOS Em nota, a missão elencou outros pontos para a estabilização do Haiti. Em especial, o apoio às organizações haitianas que, segundo Sandra, “lutam, resistem e mostram dignidade, em um momento difícil, que poucos teriam”. Também foi

destacada a importância de garantir o Estado de Direito no país, que estaria sob ameaça, devido a constantes ataques aos direitos humanos da população. Em maio, a missão pretende divulgar um relatório sobre o desrespeito a direitos dos haitianos, enfocando, entre outros aspectos, violações cometidas por integrantes da Minustah. A delegação internacional propõe que os fundos destinados a projetos de desenvolvimento no Haiti não precisem ser reembolsados pela população haitiana e que se orientem para a realização da reforma agrária no país. A maior parte da população haitiana é formada por camponeses. Os integrantes da missão defendem políticas que garantam a soberania do país, e não investimentos em zonas francas, como ocorre atualmente, onde se explora trabalhadores sem benefícios para o país. Para garantir que esses aspectos, e outros, sejam levados em consideração pelos organismos internacionais e pelo governo haitiano, a missão se compromete a manter o acompanhamento constante da situação no Haiti e reforçar os contatos com as organizações sociais do país.

Quadro da crise População total: 7,66 milhões de pessoas População abaixo da linha da pobreza: 82% Taxa de analfabetismo: 52,9% Expectativa de vida: 51,7 anos População com acesso a água potável: 40% Fonte: Missão Internacional de Investigação e Solidariedade com o Povo Haitiano

ENTREVISTA

O retrato extremo da América Latina

Brasil de Fato – Por que há tropas estrangeiras no Haiti? Adolfo Pérez Esquivel – É a pergunta que nos colocamos incessantemente. As tropas no Haiti são diferentes das que ocupam outros países. O general Heleno tem outra sensibilidade militar, diferente das que conhecemos. Diz claramente que não é a força que vai resolver o problema de Haiti, mas que a solução depende de programas sociais, nos quais

os soldados poderiam ajudar. Para os programas, entretanto, Estados Unidos e União Européia não estão enviando os recursos necessários. É preciso construir infra-estrutura básica, melhorar as condições nos hospitais, nas escolas, no saneamento. A permanência das tropas, hoje, não faz sentido, mas, mesmo que houvesse os tais programas sociais, deveria ser limitada e reorientada. Um dos aspectos fundamentais é a formação da polícia haitiana, com capacitação e equipamentos, cumprindo de forma efetiva e correta a função policial. Hoje, o efetivo policial é de apenas 4 mil homens, insuficiente para controlar o país. Essa força policial, a ser constituída, precisa ter ética, ter responsabilidade e ser acompanhada pela população. BF – As tropas estrangeiras fazem um trabalho de observação. Não dão a impressão de estar imobilizadas diante da desgraça de um povo? Esquivel – Não cabe às tropas a reconstrução do Haiti. O auxílio internacional, nesse sentido, deveria vir por meio de equipes civis de solidariedade, cujo financiamento foi prometido pelas grandes potências. A União Européia diz que vai esperar o fim das eleições, marcadas para outubro e novembro, para enviar ajuda, ou seja, só no ano que vem. Não faz sentido deixar tropas estacionadas no Haiti. A população está se cansando de ver essas tropas em seu país, sem entender o que fazem. Além disso, o Estado haitiano é praticamente sem força. Isso ficou claro em nossa conversa com o presidente, Boniface Alexandre, e com o primeiro-ministro, Gérard Latortue. É um Estado mais formal que real. Quando o presidente nos

recebeu, no Palácio do Governo, havia pessoas loiras, de olhos azuis, que eram soldados estadunidenses, marines, acompanhando a reunião. Por quê? BF – Por que deixar tropas estacionadas no Haiti? Quais são os interesses por trás disso, considerando ingênuas as declarações de que estão no país por solidariedade? Esquivel – Há interesses muito claros do Canadá, da França e principalmente dos Estados Unidos. Há interesses econômicos e estratégicos, como a proximidade a Cuba. Há também um aspecto que não é muito debatido: com o seqüestro de Jean-Bertrand Aristide, presidente haitiano deposto em 2004, os estadunidenses quiseram abortar o movimento popular que se expandia justamente contra Aristide. Derrubaram o presidente e impuseram um sistema com o qual controlam os movimentos sociais haitianos. O problema é que esse sistema não consegue solucionar a grave situação social do país. Acontecem diversos ataques aos direitos humanos, até mesmo por parte dos soldados, acusados de estupros. São casos pontuais, investigados e reprimidos quando ocorrem, mas que aumentam o nível de tensão do país. O Haiti é um lugar onde a esperança, a capacidade de viver dignamente estão sendo roubadas. Nessas condições, a população tenta sobreviver, mudando as coisas. BF – Se a mudança não vem do Estado e das potências estrangeiras, de onde pode surgir? Esquivel – Existem grupos, no próprio Haiti, que lutam para edificar um novo projeto social, mas não é ainda uma força alternativa ao caos social e à dominação estran-

geira. Isso leva um tempo... É um processo que caminha com outros, como a reforma das instituições, como o poder Judiciário. A impunidade jurídica é imensa e a corrupção, enorme. BF – A situação catastrófica de Haiti é uma exceção na conjuntura latino-americana? Esquivel – É o reflexo, extremado, de políticas que afetam todo o continente, e todo o mundo. É resultado do neoliberalismo, do saque que ocorre em todos os países pobres. Os povos de todo o mundo devem olhar a situação haitiana e ver a materialização da prática neoliberal. Precisam olhar para o Haiti e ver como podem lutar para que não sejam arrastados para a mesma situação. Deve-se reforçar a solidariedade com o povo haitiano, com base em relações de povo a povo, para que se construa autonomia, soberania e sustentabilidade. É preciso inserir a luta do povo haitiano em um quadro de luta de todo o continente. Até mesmo porque o povo haitiano sofre os mesmos males que outros povos. Em janeiro, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional exigiram que o governo haitiano pagasse parte dos juros de sua dívida externa, algo como 52 milhões de dólares. Isso é um crime, pois gera ainda mais pobreza. A dívida haitiana deve ser perdoada. BF – Como propagar a paz no continente, vista como um modelo alternativo ao vigente? Esquivel – Os povos estão deixando de ser espectadores para tornar-se protagonistas da mudança social. No Haiti, existem muitas organizações fortes, como as camponesas e as feministas. Precisam estar vinculadas

a organizações de todo o continente, um pouco como ocorre no Fórum Social Mundial. Agora, é preciso que tenhamos força para desenvolver nossa própria política, alternativa à das grandes potências. Elas têm, de forma clara, o que querem para o mundo. Precisamos ter nossa agenda, claramente definida. Há, entretanto, muita pressão das grandes potências para que a América Latina não surja como uma forma alternativa de modelo político. A repressão aos movimentos populares do Haiti é exemplo disso. (JAP) Divulgação

O Haiti é um país desolado – o mais pobre de todo o hemisfério ocidental. Desde 29 de fevereiro de 2004, está sob intervenção militar estrangeira cujas tropas são de responsabilidade de um general brasileiro, Augusto Heleno Pereira Ribeiro. Essa intervenção é apenas mais uma na longa série de ocupações militares das quais o país já foi vítima. A difícil – e triste – situação haitiana não é uma exceção. Mostra a política, levada ao extremo, das grandes potências para os países da América Latina. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o pacifista argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz em 1980, mostra que miséria e dominação militar são conseqüências do neoliberalismo, modelo que os Estados Unidos querem impor a todo o continente. Esquivel esteve à frente da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade com o Povo Haitiano, que visitou o Haiti no início deste mês e que prepara um relatório sobre ataques a direitos humanos no país. Segundo o ativista, a esperança do Haiti depende de dois fenômenos: a intensificação da solidariedade entre os povos e a resistência dos movimentos sociais de todo o continente à política de dominação das grandes potências. “Precisamos ter nossa agenda, claramente definida”, afirma.

Quem é Prêmio Nobel da Paz em 1980, devido à sua luta contra a ditadura militar argentina, Adolfo Pérez Esquivel é um defensor histórico dos direitos humanos na América Latina. Preside a Fundação Latino-America pela Paz e Justiça e a Liga Internacional pelos Direitos Humanos e Libertação dos Povos. Em suas atividades, destaca-se a defesa de protestos não-violentos e a identificação com as lutas populares, que registra em seu livro Caminhando com o Povo (1995).


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AMÉRICA LATINA MULHERES

Na linha de frente da luta continental Lançada no Brasil, a Carta para a Humanidade passa por 16 países das Américas, antes de seguir para a Europa João Alexandre Peschanski e Tatiana Merlino da Redação

O

discurso da solidariedade viaja por todo o continente americano. Lançada dia 8 de março no Brasil, a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade percorre cidades de 16 países das Américas. Do texto ecoa a necessidade de unir as lutas dos povos: “Faz um chamado a todas as mulheres e homens e a todos os grupos oprimidos do planeta a proclamar individual e coletivamente seu poder para

transformar o mundo e modificar radicalmente as relações existentes e transformá-las em relações baseadas na igualdade, na paz, na liberdade, na solidariedade e na justiça”. A união das mulheres não se faz esperar. Por onde passa a Carta ocorrem mobilizações. Na Argentina, na Bolívia e no Uruguai, em meados de março. No Equador e no Peru, no final desse mesmo mês. No início de abril, a Carta passou por Colômbia, Haiti e Trinidad e Tobago. Continua sua viagem por Cuba, a partir de 10 de abril, e daí por Honduras, El Sal-

vador, México, Estados Unidos, Canadá e Quebec. Em maio, a Carta segue para a Europa. Depois, vai para Oceania, Ásia, Oriente Médio e África. A longa viagem termina em 17 de outubro, em Burkina Faso, completando um circuito de 50 países em oito meses.

VALORES GLOBAIS Atividade paralela à Carta, uma colcha de retalhos está sendo transportada e confeccionada gradualmente, ganhando novos pedaços, feitos pelas mulheres de cada país,

de acordo com seus costumes. A Carta propaga valores fundamentais para toda a humanidade – valores que, segundo as organizações de mulheres que promovem a viagem da Carta, não são praticados na atual sociedade. Prega a igualdade, destacando a luta contra a discriminação. Defende a liberdade: “Nenhum ser humano pertence a outro. Nenhuma pessoa pode ser objeto de escravidão, ser forçada ao casamento, submetida a trabalhos forçados, ser objeto de tráfico e de exploração sexual”. Aponta ainda a importância da solidariedade e da

justiça, como bases para uma sociedade melhor. Por fim, destaca a paz, garantia de uma vida digna. A missão da Carta pelo mundo é organizada pela Marcha Mundial das Mulheres, ação do movimento feminista internacional, que reúne seis mil grupos de 159 países. Em cada região, as organizações de mulheres seguem uma pauta de luta unificada, simbolizada pela Carta, à qual vinculam suas lutas específicas. * Leia texto completo da Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade em mmm.softwarelivre.

org/cartamundial.php

CANADÁ

HAITI As necessidades populares Nossa organização nasceu em 1986, ano em que acabou a ditadura no Haiti. A idéia original era montar estratégias para melhorar a condição social das mulheres haitianas. Percebemos que isso não se faria sem mudar toda a sociedade haitiana. A igualdade de gênero só virá com a obtenção de outros direitos, tão fundamentais como esses. É preciso entender como funciona a sociedade, quais são as necessidades populares, para montar a luta das mulheres haitianas. Começamos então a fazer grupos de alfabetização, destacando a luta pelos direitos sociais e a questão de gênero. Estamos em um país miserável, e a educação é difícil, pois falta estrutura. Precisamos conquistar nossos direitos e as mulheres estão dispostas a lutar. Marie-Évelyne Larrieux, Solidariedade das Mulheres Haitianas (Sofa)

Apoio dos homens Uma das nossas intenções é integrar os homens nas questões feministas. Não somos as únicas no mundo. Dos grupos integrantes da Marcha, há alguns mistos. Se vamos fazer uma caminhada, fazemos com os homens. Queremos que eles mudem sua mentalidade e nos apóiem. Não é uma luta contra os homens, pois nesse mundo que queremos construir estaremos juntas e juntos. Em diversos países, as mulheres estão confiantes nos resultados das ações. Brigitte Verdière, Marcha Mundial das Mulheres no Canadá

CUBA Propagar o socialismo Nós, mulheres cubanas, temos o privilégio de viver em um país onde o povo tem voz e participa ativamente da política, orientando para as transformações sociais. É um privilégio, mas é também uma grande responsabilidade. Nosso trabalho é fazer avançar a consciência cultural e social para erradicar, de vez, a visão patriarcal do mundo, que ainda está presente em Cuba. Na formação, o principal é trabalhar a juventude para desenvolver uma compreensão da questão de gênero. Não se imagina uma sociedade socialista sem ter avançado na luta pelo direito das mulheres. Por isso, a organização das mulheres cubanas está disseminada, pois está na base da construção de nossa sociedade. Arelis Santana, Federação de Mulheres Cubanas (FMC)

COLÔMBIA Por melhor qualidade de vida Hoje a Colômbia enfrenta um aumento dos índices de pobreza e indigência, que chegam a 50% e 30% respectivamente. As mulheres representam 75% da população pobre e indigente do país. Além disso, há mais de quatro décadas o país vive em guerra civil, com efeitos imensos sobre as mulheres. Elas representam 65% da população que sofre despejos forçados. As que têm algum tipo de liderança nas comunidades vêm sofrendo detenções nos últimos meses. No país, estão se formando inúmeras organizações de mulheres que lutam por uma melhor qualidade de vida por meio de alternativas econômicas ao modelo capitalista. Mariela Rivera-Santander, Marcha Mundial de Mulheres na Colômbia

EQUADOR Valorizar o poder feminino A Carta sintetiza visões das mulheres, de presente e de futuro, sobre um mundo diferente. Traça as linhas comuns de nossas propostas, alimentadas pela diversidade de existências e realidades das mulheres. Constatamos isso com a passagem da Carta pelo Equador. A Carta e a colcha percorreram mais de mil quilômetros em nosso território. Num país onde se conjugam desigualdades socioeconômicas, de gênero, étnicas e que tem uma história de colonialismo e neocolonialismo, a luta pela igualdade tem várias nuances. A opressão feminina no Equador tem várias expressões: há trabalho escravo, desemprego, subempregos, segregação. Há limites de acesso a recursos produtivos, obstáculos para a representação e participação políticas, além de obstáculos ao exercício de direitos sexuais e reprodutivos. Estamos diante de um processo de mudanças urgentes e, neste momento, estar unidas é indispensável para sonhar. A união recupera e valoriza nosso poder, nos dá certeza de que mudanças são possíveis. Magdalena Léon, Red Latinoamericana Mujeres Transformando la Economía (REMTE)

PERU A esperança na transformação Recebemos a colcha no lago Titicaca, o mais alto do mundo. Em Lima, incluímos nosso retalho e apresentamos nossa própria colcha nacional, que representa nossos sonhos, esperanças e a decisão das mulheres peruanas de lutar por um mundo melhor para mudar a sociedade. Queremos transformar a vida das meninas e das mulheres em nosso país e no mundo todo. No Peru, as mulheres viveram 20 anos de violência durante o governo de Alan García Pérez. Além de dor, neste país há esperança de construir a paz. Queremos uma vida pacífica para as mulheres, sem violência doméstica, urbana, e sem violência na sociedade onde há instituições que geram discriminações e tentam mercantilizar o corpo das mulheres. Rosa Guillén, Marcha Mundial de Mulheres no Peru

ARGENTINA Erigir uma verdadeira democracia A luta das Madres de la Plaza de Mayo se iniciou com a necessidade de um resgate histórico na Argentina. Colocar nas ruas os rostos e os nomes das milhares de pessoas assassinadas e desaparecidas durante a ditadura. Nossos filhos. Na época, não nos chamavam de madres, mas de locas. Tivemos que vencer o preconceito e a apatia política. Foi também o momento de as mulheres tomarem as ruas. Levantamos as bandeiras da luta contra a pobreza, a fome, a injustiça, exigindo democracia. Foi o momento de colocar as mulheres no centro da política. O mesmo que ocorreu durante o movimento piquetero, quando as mulheres tiveram uma importância fundamental. As mulheres tomaram a política nas mãos e tomaram, nas ruas, a responsabilidade de erigir uma verdadeira democracia. Nora Cortiñas, Madres de la Plaza de Mayo

BRASIL Incorporação de novas bandeiras O feminismo tem um diálogo muito grande com a sociedade. Desde que a Marcha nasceu, em 2000, houve muitos avanços no Brasil, como a articulação dos movimentos sociais. A reforma agrária, a discriminação racial e a luta contra os transgênicos foram se incorporando às nossas bandeiras, assim como a luta contra a violência e o aborto fazem parte das bandeiras dos movimentos. Um outro mundo não é possível sem a presença feminista. O nosso objetivo com a Carta é estabelecer vínculos e ligações por meio dessas fronteiras, que em muitos casos são uma imposição artificial capitalista. Miriam Nobre, Marcha Mundial de Mulheres no Brasil


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AMÉRICA LATINA EQUADOR

Protestos pedem renúncia de Gutiérrez Bruno Fiuza de Quito (Equador)

H

Moncayo conclamou as forças armadas equatorianas a se colocar ao lado do povo, e não do presidente Gutiérrez, a quem responsabilizou pela crise institucional. As declarações de Moncayo foram consideradas golpistas pelos apoiadores de Gutiérrez. Diante dessa reação, a oposição recuou e procura não falar abertamente em renúncia. Para dar continuidade aos protestos, convocou uma paralisação geral para o dia 13, em Quito, que deve ser acompanhada por Guayaquil.

MANIFESTAÇÕES Enquanto isso, dia 11, um grupo de 50 pessoas ligadas a uma organização social chamada Foro Urbano ocupou a Catedral de Quito. Segundo Cristina Ceballos, coordenadora do Foro Urbano Juvenil, a ação foi realizada para exigir a destituição da Corte e a renúncia do presidente Gutiérrez. No mesmo dia, aproximadamente 30 pessoas do Foro Urbano fez um protesto do lado de fora da catedral e, do outro lado da praça, em frente ao palácio do governo, cerca de 200 pessoas se reuniram gritando palavras de ordem em apoio ao presidente Lucio Gutiérrez.

ACIRRAMENTO Dia 5, a Assembléia de Quito convocou a população a realizar protestos diários até a destituição da atual Corte e a reversão da anulação das acusações contra Bucaram. O prefeito de Quito, general Paco Moncayo, e o governador da província de Pichincha, Ramiro González, ambos da ID, estavam à frente das mobilizações. No próprio dia 5, os dois apareceram em rede nacional de TV, em um programa no qual o general Divulgação

á três meses, o Equador vive uma grave crise política e institucional que se aprofundou nas duas últimas semanas com o retorno ao país, dia 2, do ex-presidente Abdalá Bucaram. Tudo começou dia 8 de dezembro de 2004, quando uma maioria parlamentar articulada pelo presidente Lucio Gutiérrez destituiu todos os juízes da antiga Corte Suprema de Justiça e do Tribunal Constitucional, e elegeu novos magistrados de maneira inconstitucional, como atestou o próprio relator da ONU, Leonardo Despouy, durante visita ao país, em março. Desde a nomeação da nova Corte, a oposição vinha pedindo sua anulação. O governo, no entanto, se manteve inflexível, insistindo em uma consulta popular que a referendaria ou não. Os novos juízes são ligados ao Partido Roldosista Equatoriano (PRE), liderado por Bucaram, e ao Partido Renovador Institucional Ação Nacional (PRIAN), do milionário empresário Álvaro Noboa. A situação se arrastava há mais de três meses quando, dia 31 de março, o presidente da corte, Guillermo Castro Dáger, amigo pessoal do líder

roldosista, anulou as duas acusações de corrupção contra Bucaram que levaram à sua deposição, em 1997, e que lhe impediam de voltar ao país. A chegada de Bucaram foi a gota d’água. A oposição, agora, além de exigir a destituição da Corte Suprema de Justiça, voltou a pedir a renúncia de Gutiérrez. Essa oposição é composta, basicamente, pela aliança entre os social-democratas da Izquierda Demorática (ID) e os indígenas do Pachakutik com o Partido Social Cristiano (PSC) de León Febres Cordero, que é o maior do país, principal representante da oligarquia euqatoriana, e que controlava a antiga Corte Suprema de Justiça.

CMI

A crise política e institucional se agravou com a volta ao país do ex-presidente Bucaram, deposto por corrupção

Movimentos sociais e indígenas pedem a renúncia do presidente equatoriano

ANÁLISE

Oposição quer afastar ex-presidentes Jairo Rolong

Venezuela livre – Presidente Hugo Chávez retoma o poder após tentativa de golpe da direita venezuelana, dia 11 de abril de 2002

MÉXICO

Direita derruba governador da cidade do México da Redação A capital mexicana, dia 7, reagiu ao afastamento de Andrés Manuel Lopez Obrador, do Partido da Revolução Democratica (PRD), do cargo de governador do Distrito Federal. Os setores mais conservadores vêem o episódio como uma manobra tática para enfraquecer Obrador, que seria o favorito às eleições presidenciais de 2006. Se o ex-governador fosse eleito, seria o primeiro presidente mexicano de esquerda em sete décadas. Cerca de 330 mil pessoas percorreram as principais ruas da cidade do México em apoio ao governador. A deposição de Obrador resultou de um processo movido contra ele por expropriação de um edifício privado, para construir uma rua de acesso a um hospital. O proprietário do edifício recorreu à Justiça, pedindo a suspensão da imunidade do governador. Com apoio do Partido de Ação Nacional (PAN) e do Partido da Revolução Institucional (PRI), a Câmara dos Deputados sancionou o pedido. Em discurso após sua cassação, Obrador confirmou seu objetivo de concorrer às eleições internas do PRD para ser candidato à Presidência, em

2006, e lamentou o episódio. “São procedimentos desonrosos para nossa incipiente democracia”, afirmou.

CONSPIRAÇÃO Obrador também acusou o presidente da Suprema Corte, Mariano Azuela, de se reunir com o atual presidente, Vicente Fox, do PAN, para tramar contra ele. Fox, de seu lado, não escondeu sua satisfação com o afastamento do governador da cidade do México. “É um sinal de que no México há respeito pelas leis e pela legalidade”, afirmou. O ex-governador da capital mexicana anunciou que o PRD vai organizar um comitê nacional, formado por dois membros do partido e três cidadãos independentes, que vão organizar o movimento de resistência civil em sua defesa. Outra medida, é a organização da “Marcha do Silêncio”, protesto que se realizará dia 24. Para analistas, uma hipotética vitória da esquerda no México seria favorável às recentes investidas dos governos latino-americanos para intensificar o processo de integração da América Latina, o que não estaria de acordo com os interesses de Washington. (Com agências internacionais)

Diversos setores da oposição ao coronel Lucio Gutiérrez, presidente do Equador há mais de dois anos, diariamente promovem confrontos, sobretudo na capital, Quito. Representantes da oposição, formada pela Assembléia Nacional dos Povos do Equador, liderada pela Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), e outros segmentos sociais e políticos, explicaram que as mobilizações que vem fazendo têm como objetivo “forçar saída das esferas decisórias de todos aqueles que contribuíram para a crise política, econômica, social e ética que afeta o Equador, começando pelo governo Lucio Gutiérrez”. Para eles, essa é condição indispensável para refundar o país e construir um governo popular. Entre os vários segmentos que constituem a oposição, a Conaie se diferencia dos setores liderados pelo prefeito de Quito e pelo gover-

nador da província de Pichincha, ambos da Izquierda Democrática (ID). A Confederação também luta contra a negociação do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos, pela recuperação da soberania nacional e pelo direito à autodeterminação dos povos. Na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra (Suiça), Santiago de la Cruz, vicepresidente da Conaie, tem denunciado as violações aos direitos dos povos indígenas equatorianos e a grave situação política em que se encontra o país. O fato de terem regressado ao país ex-mandatários como o expresidente Abadlá Bucaram, deposto por corrupção em 1997, aumentou a insatisfação com o regime de Guitiérrez. Quando o presidente da Corte Suprema suspendeu as investigações contra ex-dirigentes acusados de improbidade, abriu-se uma nova frente de oposição, canalizada pela Izquier-

da Demorática (ID) e pelo Partido Social Cristiano (PSC), ao lado de setores das câmaras de comércio e organizações não-governamentais. Para resolver o problema e recuperar as composições originais da Corte e dos Tribunais de Justiça, basta uma simples votação por maioria no Congresso. No entanto, a correlação de forças no interior do Legislativo poderia pender a favor do governo, como aconteceu em dezembro. Mas nem todos estão contra Gutierréz. A embaixada estadunidense reiterou seu apoio ao presidente com a visita de Bantz Craddock, chefe do comando conjunto das forças armadas dos EUA. Na ocasião, os Estados Unidos informaram que a ato era “uma cortesia para expressar seu apreço ao Equador, pelos vínculos de amizade e a cooperação para promover a paz e a segurança no hemisfério”. Jairo Rolong é jornalista

PERU

Camponeses conseguem aumentos Pierfrancesco Curzi e Pedro Carrano de Andahuaylas e de Lima (Peru) Enquanto o governo do Peru discute a assinatura do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos, os camponeses produtores de batata do sul do país obtêm uma conquista importante: conseguiram elevar o preço do seu produto de 1 sol (moeda local) para 4 soles por 11,5 kg de batata. O valor era fixado pelo governo, que também é o maior comprador da batata, até o momento. A mobilização pelo aumento começou na cidade de Andahuaylas, na madrugada do dia 1º, quando os camponeses bloquearam as vias que levam ao sul, ao norte e ao oeste (inclusive à capital Lima) do país. Além do aumento do preço da batata, os camponeses reivindicavam a melhoria de uma estrada im-

portante da região. Dia 3, os protestos reuniram 20 mil trabalhadores na feira central de Andahuaylas. O presidente Alejandro Toledo demorou a atender às reivindicações, enviando representantes só cinco dias depois, e ainda assim não houve entendimento, pois os produtores queriam falar diretamente com o ministro da Agricultura. Nesse período, houve violência por parte da polícia, que cercou as imediações do aeroporto da região (os representantes governistas só aceitavam discutir naquele local). Dois jovens ficaram feridos, um deles gravemente, ao receber um disparo de gás lacrimogênio no rosto. Uma semana depois, houve o acordo. A estratégia dos movimentos camponeses de bloquear estradas e fazer greves também acontece em outros países altiplânicos: vias foram paralizadas durante todo o mês de março na Bolívia (onde

os povos originários reivindicam royalties para o país sobre a exploraçao de gás e petróleo); no Equador, a população faz greves contra o governo do presidente Lucio Gutierrez. A assinatura do TLC entre Peru e EUA teria conseqüências diretas para os pequenos produtores, e uma disputa como a de Andahuaylas com o governo já não seria mais possível pois o Estado estaria proibido de investir na produção local, segundo as leis do tratado. No caso do cultivo de batatas, a variedade de 4 mil tipos diferentes desse tubérculo seria comprometida. Já existem sinais dessa realidade. Uma reportagem do diário La República analisou o por quê dos atuais baixos preços da batata: “Os consumidores optaram por trigo e seus derivados a partir da importação desse produto, que vem subsidiado dos EUA”.


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INTERNACIONAL INTEGRAÇÃO

Lançada Cúpula América do Sul-África Mylena Fiori de Abuja (Nigéria)

U

m dos resultados que podem surgir da quarta viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao continente africano – entre os dias 10 e 14, com passagem por Camarões, Nigéria, Gana, Guiné Bissau e Senegal – pode ser a realização de uma Reunião de Cúpula América do Sul-África, com chefes de Estado dos dois continentes, provavelmente no início de 2006. Na Nigéria, o presidente Olusegun Obasanjo pediu apoio a Lula para organizar essa reunião. O presidente brasileiro disse que durante muito tempo o Brasil e os outros países da América do Sul tiveram seus olhos voltados para a União Européia e para os Estados Unidos, e o mesmo ocorreu com a África. “Chegou o momento de nos olharmos um pouco e de perceber que temos muita coisa para fazer juntos”. Ele lembrou que o século 20 terminou com um bilhão de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, em razão da má distribuição da riqueza no planeta. Segundo Lula, os líderes dos países em desenvolvimento têm que tomar uma decisão: “Queremos continuar sendo pobres ou queremos dar um passo adiante?”, indagou. “Se o século 19 foi da Europa e o século 20 dos Estados Unidos, por que o século 21 não pode ser nosso? Depende apenas de acreditarmos nisso”, disse o presidente brasileiro. Lula convidou o presidente nigeriano para visitar o Brasil como convidado especial das comemorações de 7 de Setembro – data em que pretende dar uma resposta sobre a

Ricardo Stuckert/PR

Os presidentes Lula e Obasanjo, da Nigéria, começam a costurar reunião com chefes de Estado dos dois continentes

Presidente Lula durante apresentação de grupo nigeriano, na chegada à capital Abuja, na Nigéria

possibilidade concreta de realização da sugerida Reunião de Cúpula entre os países sul-americanos e africanos. “Se tudo der certo, depois dessa visita do presidente do Brasil, teremos muito mais acordos para assinar e poderemos tornar mais práticos os nossos discursos de integração entre a América do Sul e a África”, reiterou o presidente da Nigéria.

REFORMA DA ONU A reforma da Organização das Nações Unidas (ONU) e a necessidade de ampliação do Conselho de Segurança da ONU também foram discutidos na África. A República de Camarões manifestou apoio à

candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho. Na Nigéria, Lula alertou: “Seguiremos defendendo firmemente a presença permanente da África em um Conselho de Segurança reformado”. Com a Nigéria, o Brasil ainda negocia a transferência de tecnologia para produção de medicamentos anti-retrovirais. No ano passado, em Bangkok, durante a 15ª Conferência Internacional da Aids, o Brasil assinou um acordo inédito com quatro países, para criar uma rede de transferência de tecnologia para combater a doença. Rússia, China, Ucrânia, Nigéria e o Brasil se comprometeram a trocar

informações sobre fabricação de preservativos, medicamentos, melhoria de exames, além de cooperar na pesquisa de vacinas. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, logo após desembarcar na República de Camarões, dia 10, explicou que em alguns países a ênfase maior seria comercial, enquanto, em outros, cultural ou política – dependendo do potencial de cada um. Amorim lembrou que, no discurso de posse, o presidente Lula colocou a África como prioridade de política externa. Com essa viagem, Lula terá visitado 14 países africanos desde o início de seu

mandato – mais do que todos os presidentes anteriores, de acordo com Celso Amorim. Nesse período, o intercâmbio comercial entre Brasil e África deu um salto (veja quadro abaixo). O Brasil importa sobretudo petróleo da Nigéria e exporta produtos variados, de maneira bastante distribuída. “Em alguns, países, como Camarões, a relação ainda é pequena comercialmente, na faixa dos 30 milhões de dólares, mas há um grande potencial”, assegurou o ministro. De acordo com Amorim, os temas mais importantes em matéria de cooperação são pesquisa, educação e saúde. O ministro destacou, por exemplo, um acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na Nigéria. Também há grande possibilidade de ser fechado acordo de transferência de tecnologia para laboratórios de anti-retrovirais. Em Gana, deve ser assinado acordo para a criação de linhas aéreas para o Brasil – hoje, quem quiser ir àquele país precisa passar por Londres. Na Guiné-Bissau, destaca-se projeto para criação de um centro de formação profissional com apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), semelhante a outro feito em Angola. Quanto ao Senegal, o ministro destacou a relação de ordem cultural – por sugestão do Senegal, a próxima reunião dos intelectuais africanos será no Brasil, em 2006.

Mylena Fiori, enviada especial da Agência Brasil a Camarões, Nigéria, Gana e Guiné Bissau e Senegal – www.radiobras.gov.br

Hippolyte A. Djiwan de Cotonou (Benin)

PAÍSES COM OS QUAIS O BRASIL INTENSIFICA COOPERAÇÃO E RELAÇÕES COMERCIAIS

Ricardo Stuckert/PR

A união das vozes e das responsabilidades O presidente brasileiro mostrou que está consciente de que o Norte não deve mais falar em nome do Sul e de que já é tempo da África e de outros países do Sul unificarem suas vozes e responsabilidades. Em novembro de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva foi à África do Sul e outros países do Sul da África, como Angola, Moçambique, Namíbia e São Tomé e Príncipe. Em dezembro do mesmo ano, esteve na Líbia e no Egito. Em julho de 2004, esteve no Gabão e São Tomé e Príncipe. Desta vez, um dos pontos altos da viagem de Lula à África foi a visita à Nigéria, república composta de 36 Estados, com 923.768 km², e mais de 130 milhões de habitantes. A Nigéria é uma potência, principalmente na Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao). Em 2003, o comércio do Brasil com a África totalizou cerca de 6 bilhões de dólares, dos quais perto da metade negociada com a Nigéria, grande produtora de petróleo – o que justifica a presença, na comitiva de Lula, de vários dirigentes da Petrobras. Cada Estado africano pretende estreitar relacionamento com o Brasil. “A sua visita é o ponto de partida para um novo elo em nossas relações, em domínios como a educação, a agricultura, a saúde, o transporte e a pesquisa”, disse a Lula, dia 10, em Yaoundé, o presi-

dente camaronês Paul Biya. Na Nigéria, no Senegal e em Gana, há importantes comunidades brasileiras e relações diplomáticas. A Embaixada em Gana inclui também o Togo, enquanto a

da Nigéria abrange o Benin. A do Senegal cobre os países limítrofes. Em Camarões, a Embaixada do Brasil, fechada em 1999, foi reaberta recentemente, dia 11. O presidente camaronês Paul

Biya afirmou que “a reforma ora em curso no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas deveria conceder ao Brasil o lugar que lhe compete em razão de seu peso demográfico e econô-

mico”. Esse era um dos principais assunto das conversações entre Lula e os presidentes africanos. Também está na pauta a organização do Fórum Social Mundial, que se realizará na África, em 2007.

CAMARÕES

NIGÉRIA

GANA

GUINÉ-BISSAU

SENEGAL

Localização: centro-oeste da África Nacionalidade: camaronesa Cidades principais: Iaundê (capital), Douala, Bafousam, Garoua, Maroua Línguas: francês e inglês (oficiais) População: 15,1 milhões (2000) Moeda: Franco CFA Religiões: cristianismo (52,2%), animismo (26%), islamismo (21,8%)

Localização: centro-oeste da África Nacionalidade: nigeriana Cidades principais: Abuja (capital), Lagos, Ibadan, Kano Línguas: inglês (oficial), haussá, fulani, iorubá, ibo, ibibio, efik População: 130 milhões Moeda: naira Religiões: 50% muçulmana; 40% cristã; 10% religiões tradicionais

Localização: oeste da África Nacionalidade: ganense Cidades principais: Acra (capital), Kumasi, Tamele, Tema, SekondiTakoradi Línguas: inglês e línguas regionais População: 20,2 milhões (2000) Moeda: cedi novo Religiões: 38% tradicionais, 30% islamismo, 24% cristianismo

Localização: oeste da África Nacionalidade: guineense Cidades principais: Bissau (capital), Bafatá, Farim, Gabú Línguas: português (oficial), crioulo, dialetos regionais População: 1,2 milhão (2000) Moeda: franco CFA Religiões: crenças tradicionais

Localização: oeste da África Nacionalidade: senegalesa Cidades principais: Dacar (capital), Thiès, Ziguinchor, Saint-Louis Línguas: francês (oficial), línguas regionais (ulof, fulani, serere, diola) População: 9,5 milhões (2000) Moeda: franco CFA Religiões: 92% islamismo, 2% cristianismo, 6% religiões tradicionais

Os presidentes Lula e Obasanjo (Nigéria) comemoram assinatura de acordos

O mapa dos negócios • A corrente comercial passou de 6,137 bilhões de dólares para 10,43 bilhões de dólares, de 2003 para 2004 • As exportações brasileiras para a região cresceram 48,42%, totalizando 4,24 bilhões de dólares • As importações atingiram a cifra de 6,18 bilhões de dólares – 88,75% a mais do que em 2003 Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior


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AMBIENTE AMBIENTE

Mineradora começa destruição de aqüífero Bernardo Alencar de Belo Horizonte (MG)

A

pós um processo de licenciamento viciado, que atropelou uma série de leis ambientais e ameaça mananciais de abastecimento público, a empresa Minerações Brasileiras Reunidas (MBR) começou a explorar 173 milhões de toneladas de minério de ferro de alto teor na mina de Capão Xavier, localizada no município de Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. A mina de Capão Xavier está sobre um aqüífero formado pelos ribeirões Fechos, Catarina, Mutuca e Barreiro, responsáveis pelo fornecimento de água para 320 mil pessoas – 9% da população de Belo Horizonte e 7% da população da região metropolitana da capital mineira. A área da mina também abriga uma rica biodiversidade, que inclui espécies endêmicas como um microcrustácio de 500 milhões de anos, e grutas de formação rara – entre as 3.500 grutas cadastradas no Brasil, existem somente seis com as mesmas características das de Capão Xavier. De acordo com frei Gilvander Moreira, religioso que apóia e coordena movimentos sociais ligados à área ambiental e à luta pela reforma agrária, “os estudos de impacto ambiental afirmam que a mineração em Capão Xavier, com o rebaixamento do lençol freático, provocará um grande estrago nos

Ana Carolina/ Folha Imagem

Com o apoio do governo do Estado de Minas Gerais, empresa inicia mineração proibida por lei

Lei estadual proíbe qualquer tipo de atividade de extração mineral em áreas de mananciais de abastecimento público

mananciais ali existentes, reduzindo em até 40% a vazão dos córregos por eles alimentados”.

OPERAÇÃO ILÍCITA Frei Gilvander Moreira questiona : “O que deve prevalecer é a mineração ou a água? O interesse público ou o privado?”. Para ele, trata-se de uma escolha: água para

o consumo humano, para a flora, para a fauna e para assegurar o abastecimento das futuras gerações, ou cerca de 170 milhões de toneladas de ferro, estimadas em R$ 6,5 milhões, para a MBR. Ameaçado de morte por sua luta contra a destruição causada pelas mineradoras e pela reforma agrária, o padre ainda chama a

atenção para o fato de que minerações como a de Capão Xavier são ilícitas, de acordo com a Lei Estadual nº 10.793/92, que proíbe qualquer tipo de atividade de extração mineral em áreas de mananciais de abastecimento público. Tramitam na Justiça duas Ações Populares, uma no Estado de Minas Gerais e outra na Justiça Federal; e

uma Ação Civil Pública do Ministério Público Estadual, assinada por cinco promotores, movida contra a MBR, o prefeito de Belo Horizonte (Fernando Pimentel, PT), o governo de Minas (Aécio Neves, PSDB), e órgãos estaduais. Na Assembléia Legislativa de Minas Gerais foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a situação da mineração. Antônio Carlos Cabral, que mora vizinho à mina e integra o Movimento Capão Xavier Vivo, reclama que “a destruição, a mineração, acontece numa região residencial” – a mina fica às margens da BR-040, saída para o Rio de Janeiro. Engenheiro civil e um dos coordenadores do Movimento Capão Xavier Vivo, Ricardo Santiago acredita que o grande culpado pelas ações da mineradora é o governo de Minas. “Belo Horizonte só está onde está porque o fundador da cidade, Aarão Reis, viu que na região dos mananciais de Capão Xavier havia muita água. Aí o senhor Aécio Neves autorizou a mineração e a depredação de uma área ambiental só pensando no dinheiro que essas empresas poderosas podem dar para sua campanha na época das eleições”. Santiago ainda reclama: “Como podemos ser enganados dessa forma? A MBR cuida da Praça da Liberdade e faz uma propaganda imensa disso, mas destrói o meio ambiente sem avaliar as conseqüências futuras”.

SOBERANIA ALIMENTAR

A república argentina da soja O ex-guerrilheiro argentino Jorge Rulli acha que os temas ambientais são os mais importantes dos movimentos sociais de seu país. Porta-voz do Grupo de Reflexão Rural, ele fala sobre sua luta contra a soja. Brasil de Fato – A sua organização passou da luta contra a soja transgênica para a luta contra qualquer tipo soja. Por quê? Jorge Rulli – A soja é um sistema global de dependência tecnológica, contaminação transgênica, concentração de terra. Constitui um modelo de agroexportação e de agricultura sem agricultores, causando despovoamento no campo e superpopulação nas cidades. A Argentina não precisa produzir soja. Temos proteína suficiente para alimentar toda a população com a nossa carne, da qual estamos entre os maiores produtores mundiais. Em vez de produzir comida para nossos cidadãos, produzimos forragem para os rebanhos europeus.

BF – Como a população aceitou uma mudança tão grande? Rulli – A população foi bombardeada com campanhas de “solidariedade” patrocinadas pelo governo e por transnacionais. A soja, atualmente, é muito popular. Os exportadores doam um quilo de soja para cada tonelada exportada; as doações vão para os refeitórios comunitários, inclusive da Caritas e do Rotary Club. O problema é que a soja não é cozida adequadamente e perde as propriedades nutritivas – há crianças alimentadas com soja que são desnutridas. A soja exige cuidados custosos para ser cozida e nem todos os voluntários que a servem podem sustentar

esses cuidados, ou nem são informados sobre isso. Existem “vacas mecânicas” para espremer a soja e fazer o “leite”, que não substitui adequadamente o leite animal. Há 50 % de soja em hambúrgueres, biscoitos, massas, farinhas e óleo. A soja mudou completamente os hábitos alimentares dos argentinos. Além disso, a soja que produzimos é de forragem ou para óleos, com resíduos de

A economia argentina se tornou pura especulação financeira, diz Rulli

glifosato cem vezes superiores ao da soja para o consumo humano. Pode ser verdade que o glifosato é inócuo para o ser humano, como diz a Monsanto, mas a soja recebe um coquetel de inseticidas certamente nocivos. Possivelmente por isso estão aumentando os casos de asma infantil e de outras doenças respiratórias, puberdade precoce, distúrbios hormonais, anemias e fragilidade óssea.

Sul resiste à cobiça de transnacional

Agricultores se negam a pagar por royalties da soja transgênica

da Redacão Divulgação

BF – Como se chegou a essa situação? Rulli – Há trinta anos, havia muita mão-de-obra nos Pampas e éramos o celeiro do mundo. Com o neoliberalismo, a economia argentina se tornou pura especulação financeira. Hoje, 50 % da população está abaixo do nível da pobreza e somos simples produtores de matérias-primas para o Primeiro Mundo. Nem processamos as matérias-primas: exportamos 30% da soja em óleo e 70% em grãos. A república da soja começou nos anos 90, mas os verdadeiros problemas surgiram em 1996, com a soja transgênica. A Monsanto desenvolveu o herbicida glifosato, depois encontrou uma planta resistente a esse glifosato, tirou-lhe um pedaço do DNA e o injetou no DNA da

1990, foi usado 1 milhão de litros de glifosato; em 2001, foram 120 milhões de litros. Não só a soja transgênica se expande, como outras plantas estão sendo “imunizadas” e exigem doses maiores. Insetos e pequenos animais comiam as ervas; agora que as ervas não existem, atacam a soja, e os cultivadores precisam comprar os pesticidas Monsanto. As florestas estão dando lugar a campos de sojas e por isso há espécies de tamanduá em extinção. Hoje, a Argentina é o segundo produtor de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) do mundo.

Agência Brasil

soja. A isso se chamou revolução biotecnológica! Resultado: a única soja resistente ao glifosato da Monsanto é a soja da Monsanto, que vende o pacote inteiro – glifosato, sementes transgênicas e maquinário industrial para a semeadura direta. Não há mais necessidade de trabalhadores; só de uma pessoa que controle as máquinas, além de possibilitar duas colheitas por ano. Os custos de produção em larga escala são tão baixos que qualquer pequeno produtor fica sem mercado. Em nove anos, as sementes transgênicas passaram de 800 mil hectares a 15 milhões de hectares. Terras de vacas leiteiras deram lugar à soja, diminuindo a disponibilidade de leite para a população. Antes desse boom, a Argentina fazia rotações de cultivos ou entre cultivo e criação de animais. Isso mantinha a fertilidade da terra. A monocultura da soja empobrece o solo, que precisa cada vez mais de fertilizantes, fornecidos por outras multinacionais, como a Cargill. A Monsanto, que vendeu as sementes transgênicas sem condições há dez anos, agora está exigindo os direitos sobre sua patente – 3 dólares por tonelada de sementes importadas pela Argentina nos últimos 10 anos, isto é, 150 milhões de dólares. Em

Simone Bruno de Buenos Aires (Argentina)

Foi duramente rechaçada, pelos ministros da Agricultura da Argentina, do Brasil e do Paraguai, a exigência da Monsanto de receber royalties pela soja transgênica colhida, além do que os agricultores pagam pelas sementes. Um comunicado emitido depois de uma reunião especial do Conselho de Agricultura do Sul, da qual também participaram representantes da Bolívia, do Chile e do Uruguai, informou que “os royalties só devem ser cobrados no momento da compra da semente”. Depois desse encontro, realizado dia 7, em Cartagena de Indias,

na Colômbia, as ações da Monsanto despencaram em 8% no mercado de Nova York, segundo a agência Bloomberg. A notícia de que a empresa estadunidense está enfrentando resistência na arrecadação de taxas pelas sementes modificadas, na América do Sul, provocou a maior baixa dos últimos dez meses nas ações da companhia. Em reação à posição unânime dos países do Sul, a Monsanto ameaçou entrar com ações judiciais nos países importadores e impedir os embarques de soja transgênica cobrando 15 dólares por tonelada, no caso da Argentina, sobre grãos, farinhas ou derivados da oleaginosa. (Com Agências Internacionais)


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DEBATE MÍDIA

A violência da imprensa Hamilton Octavio de Souza ontrolada majoritariamente pelas elites das classes dominantes, e organizada como empresa comercial com objetivo de lucro, a imprensa brasileira incorpora e reproduz, na sua atividade jornalística, de um lado, os mesmos componentes históricos, culturais e políticos formadores dessas elites e, de outro lado, as características expressas no capitalismo periférico e submisso ao centro do imperialismo. Portanto, não há qualquer contradição no fato de a imprensa brasileira ter sido gerada na corte do império e ter herdado, primeiro, os cacoetes da realeza e, segundo, as posturas dos senhores de engenho, dos barões do café e dos capitães da indústria. Nasceu, assim, pelas mãos dos poderosos para servir aos interesses dos poderosos, muito mais para controlar o povo do que para libertar. O desenvolvimento capitalista acrescentou ao sistema de comunicação o modo operacional baseado na contínua modernização tecnológica, na disputa do mercado, na concentração empresarial, na oligopolização do setor e na exploração da mão-de-obra – todos no sentido de proporcionar a maior e a mais rápida acumulação do capital, a disseminação de padrões de consumo – essencial para a economia de larga escala e para a globalização dos mercados – e a hegemonia do pensamento liberal. A consolidação desse modelo foi possível porque funciona em perfeita sintonia com o poder político do Estado, o qual, de um lado, tem sido também poder concedente e fiscalizador do sistema de radiodifusão, e, de outro, tem sido o “parceiro” que fornece os mais variados tipos de sustentação, desde empréstimos nos bancos públicos, isenções para a aquisição de equipamentos e papéis, até veiculação publicitária com forte injeção de dinheiro público nessas empresas privadas. Ao longo de mais de um século, o Estado brasileiro e o sistema privado de comunicação – dentro do qual estão inseridos a imprensa e a atividade jornalística – atuam de forma unificada na defesa dos interesses das classes dominantes, prioritariamente para a preservação dos privilégios de suas elites e do capitalismo. A imprensa funciona, escreveu o professor francês Serge Halimi, como os novos cães de guarda do sistema. Isso explica por que a imprensa – a chamada “grande imprensa”, que é constituída pelos principais jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão que operam comercialmente – tem sido, ao longo de anos, tão hostil aos movimentos sociais formados pelas camadas populares e pelos trabalhadores do campo e da cidade. Na verdade, ela reproduz fielmente a visão das elites, que sempre consideraram “perigosas” as pessoas oriundas do povo. Isso explica também por que essa imprensa tem sido hermética em fornecer espaço editorial para setores subalternos, excluídos e marginalizados da sociedade, e também aos grupos políticos, aos partidos e aos movimentos que se propõem a defender ou a representar esses setores localizados na base da pirâmide econômica e social. Para o professor Perseu Abramo, alguns veículos da imprensa brasileira se constituem como partidos da burguesia, com programa próprio e com inserção direta na luta de classes. Nesse sentido, a violência praticada pela imprensa se configura na ausência de efetiva prática

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democrática na cobertura jornalística dos fatos da sociedade e, também, na imposição de uma visão de mundo única e exclusiva daqueles que tudo têm e tudo podem, pois controlam a economia, a política, o aparelho de Estado e demais instrumentos de pressão disponíveis na sociedade, em especial o sistema de comunicação social. Embora se esforcem em demonstrar que o país vive uma democracia, que existe liberdade de expressão garantida na Constituição Federal, que o jornalismo praticado pelos principais veículos de comunicação seguem normas de isenção, imparcialidade e preceitos éticos iguais para todos, os donos da imprensa não conseguem esconder as suas posições de classe, os seus interesses econômicos e políticos, as suas preferências e os seus enfoques editoriais particulares.

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Qualquer leitura mais atenta dos jornais e revistas, e qualquer pesquisa nos arquivos de qualquer veículo da chamada “grande imprensa”, vão comprovar que a manipulação e a distorção funcionam como regra permanente, e não como uma exceção. Ou seja, a exclusão, o preconceito, a crítica deliberada e o tratamento que atendem melhor o interesse dominante, fazem parte do processo de produção do jornalismo, desde a seleção da pauta, a escolha das fontes, até a edição final do material. No caso específico da televisão, o universo de manipulação abrange também o tempo de exposição, a imagem e o som utilizados em cada matéria

jornalística. A voz das classes dominantes – de seus representantes nas mais diferentes atividades profissionais e humanas – e de todos aqueles que se pautam pelo pensamento neoliberal, é sempre determinante na maioria dos veículos, embora expresse apenas o que interessa para a minoria da população brasileira. A maioria do povo brasileiro não consegue colocar a sua voz nesses veículos do sistema comercial-burguês, apesar de ser maioria. As principais manifestações populares e os principais movimentos sociais sempre ficaram de fora ou foram maltratados pela “grande imprensa” comercial-burguesa. Da mesma forma que a história oficial procurou esconder e distorcer os movimentos de Canudos, Caldeirão, Contestado, Porecatu e tantos outros, a imprensa tem escondido manifestações populares que pipocam pelo Brasil afora, normalmente de contestação aos poderes das forças dominantes. Um exemplo bem específico é o movimento desencadeado pelos metalúrgicos da Scania, em 1978, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, com desdobramentos nos anos seguintes e que rompeu o cerco da ditadura militar no sindicalismo, derrubou a política de arrocho salarial, mobilizou multidões, articulou a solidariedade das classes trabalhadoras, contribuiu para o fortalecimento das lutas pelos direitos e liberdades do povo, e que projetou inúmeras lideranças operárias, inclusive o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Durante o período das greves do ABC, a imprensa paulista e do Brasil fez o que pôde para distorcer o movimento, principalmente porque tinha a desculpa de estar sob a mira da ditadura; as notícias dos jornais, diariamente, tratavam as lutas dos trabalhadores como lutas subversivas, comandadas por

“perigosos comunistas” ou então como atitudes provocativas para estimular o endurecimento do regime. A TV Globo, na época, gravava horas de imagens nas assembléias dos metalúrgicos e pouco colocava no ar, mas as fitas eram passadas para o 2º Exército identificar os “agitadores” do ABC. O papel da imprensa comercial-burguesa ao longo dos anos 80 e 90 se restringiu a ridicularizar, intrigar, desmoralizar e acusar os movimentos de trabalhadores da cidade e do campo que se articularam em torno da CUT, do MST, do PT e de inúmeras organizações locais e regionais. Quantas vezes a imprensa não instigou os governos e as forças policiais do sistema a reprimir greves de funcionários públicos e de operários, ou as ocupações de sem-terra na luta pela reforma agrária? Alguém ainda se lembra da violenta repressão do governo FHC contra os petroleiros, estimulada pelos editoriais dos principais veículos de comunicação do país? Nos últimos anos, o alvo principal da “grande imprensa” tem sido o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), especialmente depois que o movimento demonstrou uma grande capacidade de articulação, nacional e internacional, diante do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, e com a marcha de abril de 1997, que culminou com uma grande concentração

na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Desde então, os veículos mais conservadores, geralmente ligados ao capital internacional, ao agronegócio e ao latifúndio (mesmo porque muitos veículos pertencem a famílias oriundas da oligarquia rural), têm atacado sistematicamente as ações e as lideranças do MST. Tentam, por meio dos mais diferentes recursos e argumentos, criminalizar um movimento que organiza as famílias no campo e estimula a construção de um país mais justo e mais igualitário. O Estadão chegou a manter correspondentes específicos para produzir matérias distorcidas sobre ocupações de terra, acampamentos e assentamentos. As TVs Globo, Record e Bandeirantes adoram produzir matérias parciais, preconceituosas e, às vezes sórdidas, sobre o MST, geralmente com comentários maliciosos e maldosos dos apresentadores dos telejornais. A revista Veja, da Editora Abril, dedicou várias reportagens de capa ao MST, entre as mais famosas as que ostentavam as manchetes “A marcha dos radicais” e “A tática da baderna”. Sobre essa última, o coordenador nacional do MST João Pedro Stedile, ofendido e caluniado no material jornalístico, ganhou ação na Justiça contra a revista, que foi condenada a uma indenização de 200 salários mínimos. Ficou provado que a revista havia manipulado deliberadamente para denegrir a imagem pública do líder do movimento. A violência praticada pela imprensa é o tipo de violência que não atinge apenas os alvos escolhidos e as vítimas diretas, pois ela contamina e corrói o conjunto da sociedade, na medida em que sonega a compreensão da realidade e alimenta uma visão distorcida, dissemina a intriga, a calúnia e o preconceito, não respeita a verdade dos fatos. A luta contra a violência e contra a impunidade implica, também, na defesa de um sistema de comunicação efetivamente democrático, que mostre o Brasil sem restrições e que garanta ao povo o direito de expressar livremente a sua opinião – sem manipulação.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista, professor da PUC-SP, editor da revista Sem Terra e diretor da Associação dos Professores da PUC-SP (Apropuc)

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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA Promovido pelo Centro Cultural do Ministério da Saúde, o objetivo do festival é estimular e divulgar a prevenção da Aids e de doenças sexualmente transmissíveis. A exposição apresenta 172 trabalhos dos 300 selecionados para a fase final do festival, realizado em Brasília, no ano passado. O público vai conhecer cartuns de diversos países. Haverá palestras, mesas-redondas, oficinas e vídeo-debates. Local: Pça. Marechal Âncora, s/ n.º, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2240-5568

RODA DE CHORO Até dia 25 Toda quarta-feira, os músicos Elisa Goritzki (flauta), Juvino Alves (clarineta), Dudu Reis (cavaquinho), Avelino Silva (violão 6 cordas), Gilson Verde (violão 7 cordas), Aloísio (surdo) e Cacau (pandeiro) são os anfitriões encarregados de abrir a Roda de Choro e acompanhar os convidados especiais, que sempre dão uma canja. Valor: R$ 5 Local: Teatro Vila Velha, Av. 7 de Setembro, Salvador Mais informações: (71) 336-1384

ccs@ccs.saude.gov.br

RIO GRANDE DO SUL

da TV Comunitária de Brasília; Günther Wolff, pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; irmã Delci Franzen, representante da Coordenação das Pastorais Sociais; Milton Viário, presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul; Plínio de Arruda Sampaio Jr., professor de Economia da Unicamp; uma representante do Movimento de Mulheres Camponesas; Ruth Ignácio, professora de Educação da PUC-RS Local: Centro de Eventos Medianeira, Estrada Costa Gama, 1009, Porto Alegre Mais informações:

ceca@ceca-rs.org

MINAS GERAIS

7º CURSO ECUMÊNICO DE PASTORAL POPULAR De 23 a 26 de junho O curso está dividido em painéis de debate, oficinas e visitas a experiências de organização social. Organizado por um Fórum Ecumênico composto por 13 entidades representativas do âmbito das ONGs ecumênicas, pastorais sociais das igrejas e apoiadores dos movimentos populares, o tema do encontro será “Solidariedade e paz na perspectiva da soberania econômica, política e cultural”. Entre os participantes, estão: Beto Almeida, jornalista e presidente

1º ENCONTRO NACIONAL DO MOVIMENTO NACIONAL CIDADÃS POSITIVAS De 11 a 15 de maio O evento é voltado para mulheres atuantes em suas comunidades, com perfil de liderança, predisposição para atuação em controle social, assistência e prevenção a doenças sexualmente transmissíveis. Devem comparecer participantes de todo o país. Local: R. Maria Borboleta, s/nº, Belo Horizonte Mais informações:

SÃO PAULO DO SAMBA JAZZ AO SAMBA BOP Dias 20 e 27, 19h Este mês, as “Quartas Instrumentais” têm o samba como carro-chefe, mostrando sua diversidade, com influências do jazz chegando ao samba bop. Apresentações de: Jazz Quatro, Daniel Garcia Quarteto, Marvio Ciribelli e Nilze Carvalho e Orquestra SemBatuta. Local: Teatro do Centro Cultural Justiça Federal, Av. Rio Branco, 241, São Paulo

Mais informações: (11) 3212-2565 11º BAZAR DE ARTE POPULAR PERUANA De 28 de abril a 1º de maio, das 10h30 às 20h Organizado pelo comitê das senhoras peruanas, o bazar traz peças decorativas, artesanato, roupas, jóias e acessórios de diversas regiões do Peru, além de bebidas e pratos típicos. A renda será revertida para a Associação de Reabilitação do Impedido Excepcional, de Lima. No ultimo dia do evento, haverá apresentação musical das peruanas Adriana Mezzadri e Daniela Figueroa, acompanhadas pelo violão de Rafael Barreiros Local: R. Antonio de Macedo Soares, 570, São Paulo Mais informações: (11) 5531-2837

RELATÓRIO: VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO HAITI Elaborado pela ONG Justiça Global, pela Faculdade de Direito e pelo Programa de Direitos Humanos da Universidade de Harvard, o relatório denuncia violações de direitos humanos cometidas pelas tropas brasileiras em missão da ONU pela estabilidade no Haiti. O documento analisa os três elementos principais da missão: o desarmamento, a segurança pública e os direitos humanos. Faz ainda uma avaliação do desempenho da missão no Haiti, assim como de outras operações de manutenção da paz da ONU. O relatório completo, em português, francês e inglês, está disponível em www.global.org.br

Arquivo BF

BAHIA

www.acp-sempreviva.org.br CONFEDERAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE REFORMAAGRÁRIADO BRASIL - CONCRAB

RIO DE JANEIRO

CGC 68.342.435/0001-58 - Fone/Fax: (11) 222-9174/223-9135 Alameda Barão de Limeira, 1232 - Sta. Cecília

SEMINÁRIO SOBRE MEIO AMBIENTE Dia 23, 10h Entre os temas que serão debatidos estão: mudanças climáticas, protocolo de Quioto e mecanismo de desenvolvimento limpo, efeito estufa, Convenção Quadro das Nação Unidas para as Mudanças Climáticas. Local: R. Macário Picanço, 825, Niterói Mais informações:

01202-002 - São Paulo - SP

EDITAL DE CONVOCAÇÃO O presidente da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB, no uso das atribuições que lhe confere o Estatuto Social da mesma, vem por meio deste CONVOCAR todas as suas afiliadas para a Assembléia Geral Ordinária que se realizará no dia 15 de Abril de 2005, na HIGS 706, Bloco I, Nº 43, em Brasília no Distrito Federal, às 10h30 (dez horas e trinta minutos), em primeira convocação, com a presença mínima de 2/3 (dois terços) dos associados, e em segunda e última convocação às 11h (onze horas) com 50% mais um dos sócios, com a seguinte ordem do dia: a) Prestação de Contas Anual; b) Destinação dos Fundos e Sobras, e/ou prejuízos; c) Avaliação das atividades em geral; d) Plano de atividades para o ano; e) Outros assuntos de interesse da sociedade.

aprec@aprec.org.br

Sendo só para o momento, saudações cooperativistas, Francisco Dal Chiavon Presidente São Paulo (SP), 5 de abril de 2005

1º FESTIVAL INTERNACIONAL DE HUMOR EM DST E AIDS Até dia 30

TRIBUNAL DO AMIANTO Dia 28, 18h O encontro pretende ser um espaço onde se possa conhecer todos os argumentos e a informações a respeito do amianto. Usado como matéria-prima na maioria das indústrias e em mais de 70% das residências brasileiras, o material é cancerígeno e provoca várias doenças graves. Quando entra no corpo humano pelo ar ou pela ingestão de água ou alimentos contaminados, os mecanismos naturais de defesa não conseguem eliminá-lo. Há vinte anos. países desenvolvidos baniram o uso e a comercialização do amianto. No Brasil, após dez anos de vigência da lei que pretendia intervir na questão, persiste a utilização do material, mantendo em aberto desafios e interrogações cruciais. Local: Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, Largo São Francisco, 95, São Paulo Mais informações: (11) 3105-2516, sindicato.adv@terra.com.br

Igor Ojeda da Redação Para celebrar o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, 19 de abril, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) prepara a 16a Semana dos Povos Indígenas, entre os dias 17 a 23, que exigirá do governo uma nova política indigenista. Para 2005, o lema é “Paz, Solidariedade e Reciprocidade nas Relações”. Todas as atividades e manifestações farão parte do chamado “Abril Indígena”. A atividade central organizada pelo Cimi será o Acampamento dos Povos Indígenas (apelidado de Terra Livre) na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), programada para os dias 24 e 29, para que os povos dos diversos Estados possam comparecer. São esperadas cerca de 800 lideranças. Durante o acampamento, as lideranças indígenas pretendem ir ao Congresso Nacional para alertar os parlamentares sobre os projetos de lei que comprometem os direitos de seus povos e exigir a discussão do Estatuto dos Povos Indígenas, que desde 1994 está paralisado na Câmara dos Deputados. Eles também vão pedir audiências no Ministério da Justiça e com o presidente Lula, para solicitar a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista, com a sua participação, e a demarcação de terras. “Como todos os governos anteriores, o atual também é movido por pressões. Se o movimento indígena não pressionar o governo para fazer valer seus direitos constitucionais e para

Divulgação

Luta por uma nova política indigenista

Cartaz da Semana dos Povos Indígenas, promovida pelo Cimi. Iniciativa culmina com o Acampamento dos Povos Indígenas, em Brasília, dia 24

cobrar o compromisso que existia antes da posse, ele vai ficar parado por causa das pressões das oligarquias locais”, afirma Roberto Liebgott, da Coordenação do Cimi do Rio Grande do Sul.

NOS ESTADOS Embora exista uma data oficial, cada regional do Cimi realizará os eventos nos seus Estados em datas

próprias. Em Belo Horizonte (MG), a semana será de 16 a 21. A partir do dia 18, será realizada a Assembléia do Conselho dos Povos Indígenas de Minas Gerais. No dia seguinte, haverá diversas atividades, como o ritual de oferenda ao sol, a pajelança de purificação e a caminhada até a Praça da Liberdade. Já o Cimi de Mato Grosso realizará, entre os dias 18 e 20, um

ciclo de debate sobre a questão indígena. Entre os temas, a demarcação de terras, a saúde e a educação dos índios e o avanço do agronegócio e seu impacto sobre os povos indígenas. Em Salvador (BA), entre os dias 26 e 28, será realizado o seminário “Presença, Resistência e Perspectivas”, que deve contar com a presença de cerca de 150 lideranças indígenas dos

13 povos do Estado. Em Manaus, (AM), diversas atividades estão programadas para o dia 19, com destaque para exposição de fotografias, artesanatos e pinturas, danças e caminhada. Em São Paulo, no mesmo dia, haverá uma confraternização das comunidades indígenas da cidade, com apresentação de danças tradicionais.


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CULTURA

De 14 a 20 de abril de 2005

ENTREVISTA

Militância, charges e livre reprodução O chargista Carlos Latuff conta como a sua arte se tornou um instrumento de luta em defesa da liberdade e dos povos Dafne Melo da Redação

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ntes mesmo de aprender a escrever, o carioca Carlos Latuff já fazia os primeiros desenhos. Iniciou sua carreira como ilustrador em uma pequena agência de publicidade, depois partiu para a imprensa sindical, onde trabalha desde 1990. Lá, informa o artista, foi que surgiu “o Latuff cartunista”. Em entrevista ao Brasil de Fato, o artista conta como, aos poucos, foi tomando consciência do poder que seus desenhos poderiam adquirir, se tornando um instrumento de conscientização. Apoiador incondicional da causa palestina, diz, ele é constantemente acusado de anti-semita em páginas na internet ligadas a “Israel, sionistas ou à direita, reacionários”, e comemora como sinal positivo a dor de cabeça que dá a seus críticos. A ocupação estadunidense no Iraque e a violência policial também foram alvo das charges de Latuff. Usando o princípio do copyleft (que, ao contrário do copyright, permite a reprodução parcial ou total de uma obra, desde que citada a fonte, e para fins não comerciais), antes mesmo do termo ser amplamente conhecido, o cartunista encontrou na Internet o meio para divulgar suas charges em todo o mundo.

BF – Mas não ficou só nisso, não é? Latuff – Não. Aconteceu uma coisa que me deixou muito satisfeito. Em 1997, representantes da Frente Zapatista de Libertação Nacional vieram dar uma palestra na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e fui atrás. Levei um desenhos e me apresentei, e o cara só “ah, tá, obrigado”. Mas aí quando viu o desenho, arregalou os olhos e falou: “Ah, você que é o Latuff!”, e me abraçou. Isso foi fantástico, foi a primeira experiência que tive envolvendo militância, internet e arte política. Tive um retorno direto da Frente. Eles usaram os desenhos em capa de livro, jornais, murais. Isso foi muito gratificante, além de perceber que por meio da internet, a minha arte os atingiu, eles se apropriaram dela como queria que fizessem e a usaram como mais um instrumento de luta. BF – Isto mudou a visão que você tinha do seu trabalho? Latuff – Quando conheci os zapatistas, deu um clique na minha cabeça porque, apesar de estar no movimento sindical, eu não era engajado. Até então, se me pagavam, eu fazia o trabalho. Tanto que uma das máculas da minha carreira foi ter ilustrado o jornal de campanha da primeira eleição do Fernando Henrique Cardoso. Infelizmente, hoje em dia, os artistas são meio michês, não importa se é o Maluf, ou o

A causa palestina e a ocupação estadunidense no Iraque são temas nas charges de Latuff; a questão da violência policial no Brasil rendeu a série A Polícia Mata

Garotinho, trabalham para quem pagar. Eu também era um prostituto, mas os zapatistas clarearam minha cabeça. Comecei a perceber a importância do meu trabalho dentro de um contexto social e entender que certas coisas não estão à venda. Tenho meu trabalho no movimento sindical, ganho por ele, mas não desenho mais para qualquer um. BF – Qual a importância da internet e do copyleft para a difusão dos seus desenhos? Latuff – O princípio do copyleft é o princípio de tudo. A internet se mostrou a grande oportunidade para levar meu trabalho para além do meio sindical, pois o público que atingimos é restrito. O Latuff não existiria sem a imprensa sindical, mas a limitação me preocupava, pois tinha a ambição de mostrar meu trabalho para outros. Percebi que a internet seria o meio de divulgar meu trabalho lá fora. Então comecei a usar o copyleft com os zapatistas, mas na época nem existia essa palavra, eu desenhava e falava “usem, reproduzam”. Primeiro, estava divulgando meu trabalho, segundo, divulgava uma causa e uma mensagem política que não vemos na mídia convencional. As pessoas levam a coisa adiante, colocam em uma página, em uma revista, estampam na camiseta. Hoje, para mim, a divulgação já se tornou uma preocupação secundária. A mensagem é o mais importante. BF – Você recebeu um convite para ir à Palestina. Como foi? Latuff – Justamente por causa de um desenho. Fui convidado por uma ONG, e fiquei 15 dias em territórios ocupados. O contato com os palestinos foi a maior experiência de minha vida. Quando você vai à Palestina, você volta outra pessoa. Em Hebron, na Cisjordânia, a universidade tinha buracos de bala nas paredes, crateras no chão causadas por granadas, devido aos ataques dos israelenses. Cada lugar que você vai tem uma história dessas para contar. Um estudante me levou até um território israelense, que mostra a

essência do conflito. O lugar mais parecia um acampamento militar, de tantos soldados. É um lugar infernal, com uma casa de um palestino de um lado, e de um colono israelense do outro. Conflito e tensão 24 horas por dia. Todas as casas tinham telas nas janelas para evitar a entrada de granadas. A menina israelense que me acompanhou no passeio dizia: “Um dia, o messias vai voltar e vai limpar os árabes dessa terra”. Era absurdo, e ela falava com a convicção do fanático religioso. Na volta, nós cruzamos com um grupo de palestinos e foi uma tensão absurda, ela olhando de rabo de olho. Fiquei me perguntando como as pessoas conseguem viver daquele jeito.

Depois de tudo que vi em 15 dias, voltei de lá convencido de que deveria apoiar a causa palestina. Quando você volta da Palestina, a primeira coisa que você quer é gritar, denunciar, expor o que viu BF – E o povo palestino? Latuff – Conheci um senhor, fui à sua casa, onde me contou sua versão, mostrou fotos. E abriu a carteira, tirou uns dentes e disse que eram dele, que os tinha perdido ao ser ferido por coronhadas de um soldado israelense. Disse que andava com aquilo na carteira para não esquecer a ocupação. Depois, chamou a filha, que devia ter uns seis anos. Despiu a menina na minha frente e me mostrou as queimaduras que a criança tinha por todo o corpo, conseqüência das bombas que os colonos israelenses jogaram pela janela da sua casa. Ali é que vi a realidade, o retrato da ocupação. Depois de tudo que vi em 15 dias, voltei convencido de que deveria apoiar a causa. Quando você

volta da Palestina, a primeira coisa que você quer fazer é gritar, denunciar, expor o que viu. BF – Suas charges sobre temas internacionais são muito conhecidas. E os temas nacionais? Latuff – Nos assuntos locais, o que faço está muito voltado para os jornais sindicais, mas entre os trabalhos que fiz está a série “A Polícia Mata”, sobre violência e corrupção policial, o que me rendeu duas visitas à delegacia. Em Cidade de Deus, fiz um grafite em um muro onde foi filmado um policial espancando um morador. Aí saí na Caras, até no Jornal Nacional... O Aqui e Agora fez uma reportagem e colocou coisas que eu não tinha dito. Aquela foi a minha primeira lição sobre a mídia: ela podia mentir, inventar. Naquela época meu ego de artista adorava ser acariciado pela mídia. A melhor maneira de comprar um artista, dentro do conceito michê que falei, é lhe dar 15 minutos de fama. BF – E como foi preso? Latuff – Fiz a página na internet com as charges, mas queria promovê-la. Então, fiz cartazes para colar pela cidade e paguei uns caras para pregar. De madrugada, liga um amigo avisando que eles estavam na delegacia. Fui para lá e assumi toda a responsabilidade. Tive que prestar depoimento, mas não aconteceu nada, só apreenderam alguns cartazes. Nisso, a TV Globo me procurou para dar entrevista, e fizeram uma matéria safada, canalha, como se eu tivesse cometido um crime, dizendo “o artista pode ser processado por tais crimes e a pena pode chegar a tantos anos de prisão”. Aí, aprendi a segunda coisa sobre a grande imprensa: ela é calhorda. A outra prisão foi em 2001, quando grafitei perto da Secretaria de Segurança Pública. Um policial me abordou, chegou a viatura, me levaram para a delegacia e foram outras horas de depoimento. BF – Você já desenha pensando em despertar a indignação das pessoas?

Arquivo pessoal

Brasil de Fato – Você trabalha no meio sindical desde 1990. Quando começou a abordar conflitos internacionais no seus desenhos, e com os quais você é mais conhecido? Carlos Latuff – Em 1996, quando vi um documentário sobre o movimento zapatista, que mexeu muito comigo. Pensei que poderia apoiá-los por meio da minha arte, mas não tinha ainda amadurecido a idéia de que isso poderia acontecer pela internet. Então, passei a enviar desenhos por fax. Mas aí pensei que, além de caro, o fax não podia ter cor e só eles viam. Aí pensei na página da internet – a Zapatista Art Gallery – onde outras pessoas pudessem ver e utilizar as imagens. Fazia os desenhos, colocava ali, e o próprio movimento e outras organizações usavam.

Quem é Carioca, Carlos Latuff é cartunista, ilustrador e desenhista profissional desde 1989. Além das charges que publica na internet, Latuff produz para a imprensa sindical, onde atua há mais de dez anos. A página na internet onde seu trabalho pode ser visto é www.latuff2.deviantart.com Latuff – Existe esse interesse, mas não me preocupo se vai agradar. Se me preocupasse, estaria em situação mais confortável, meu trabalho seria pautado para agradar o público e seria uma arte mais simpática. O trabalho em relação à Palestina, por exemplo, me rende os piores rótulos. Há várias páginas que me classificam de anti-semita e racista. O interessante é que esses meios estão sempre associados a Israel, sionistas ou à direita, reacionários. Esses dias, estava conversando com o Norman Finkelstein – judeu e autor do livro A indústria do Holocausto – sobre um incidente na Coréia do Sul. Tem um comitê de apoio à Palestina lá e eles estavam usando uns desenhos meus em Seul. Chegou um gringo e disse: “O Latuff é anti-semita, não usem os desenhos dele”. Isso aconteceu em Seul! Comentei isso com o Norman e ele disse: “Ótimo, é melhor ser visto do que ser ignorado, isso é um prêmio para você, quer dizer que você está atingindo seu objetivo”. Deixar um reacionário muito bravo é sempre muito bom.


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