Ano 3 • Número 114
R$ 2,00 São Paulo • De 5 a 11 de maio de 2005
Rumo a Brasília, por mudanças S
ob o sol quente do Planalto Central, doze mil semterra chamam a atenção de todo o país, e do mundo, para a mobilização dos movimentos sociais por mudanças na política econômica. A Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que saiu de Goiânia (GO) dia 2, é um instrumento de luta não apenas pelo direito à terra, mas por mais de uma dezena de reivindicações, entregues pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dia 3, ao ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto. “Não aceitamos que os R$ 2 bilhões da reforma agrária sejam destinados aos juros da dívida”, disse Fátima Ribeiro, da direção nacional do MST. “O compromisso do governo é assegurar recursos integrais para o cumprimento de todas as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária”, garantiu o ministro. Se for verdade, terá valido a pena o esforço do “seu” Luiz, de 97 anos, que faz questão de ficar na linha de frente da marcha. Pág. 7
Luciney Martins
Milhares de sem-terra iniciam longa caminhada para exigir reforma agrária e uma nova política econômica
Da luta contra a Alca, nasce uma alternativa Os presidentes cubano e venezuelano, Fidel Castro e Hugo Chávez, ratificaram a implementação da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). Durante o 4º Encontro Hemisférico de Luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que ocorreu em Havana (Cuba), no final de abril, eles assinaram 49 acordos sociais e econômicos, visando criar um modelo de integração solidária no continente. Págs. 2 e 9
Bolivianos viram escravos no Brasil Todos os anos, milhares de bolivianos saem de seu país em busca de melhores condições de vida. Entram no Brasil de forma ilegal e acabam submetidos a situações degradantes, em pequenas confecções da cidade de São Paulo, onde driblam a clandestinidade. Mulheres e homens costumam ser atraídos para a escravidão por falsas promessas de bons salários, feitas em jornais e rádios bolivianos. Pág. 8
Dia 1º de Maio: críticas, sorteios e espetáculos O Dia Internacional do Trabalhador, 1º de Maio, no Brasil, foi marcado por críticas à política econômica. Até Luiz Marinho, presidente da CUT e um dos principais defensores do presidente Lula, sugeriu alternativas às altas taxas de juros como forma de combater a inflação. Setores mais à esquerda, contudo, foram mais incisivos ao criticar o atual governo federal por retirar direitos, deteriorando as condições de vida do trabalhador. Pág. 3
Vindos de 23 Estados, 12 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra iniciaram dia 2 uma caminhada de 200 quilômetros para exigir mudanças no país
Júri popular condena uso do amianto Pág. 4
Enquanto a inflação cede, BC sobe juros Pág. 5
A nova doutrina militar de Hugo Chávez Pág. 10
E mais: SEM-TETO – Diante do déficit habitacional de seis milhões de moradias, movimentos de sem-teto do Rio e de São Paulo ocupam prédios vazios. Pág. 6 DIREITOS HUMANOS – Mais de dois milhões de pessoas estão atrás das grades nos Estados Unidos, que promovem o maior encarceramento de massa desde o pós-guerra até hoje. Pág. 11
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De 5 a 11 de maio de 2005
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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Contra a Alca, o projeto popular da Alba Finalmente, surge uma alternativa popular contra o projeto imperialista da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Uma alternativa concreta para a integração dos povos latinos americanos que possibilitará um projeto comum para a luta popular em nossos países. A Alternativa Bolivariana para as Américas e o Caribe (Alba) é uma proposta de integração diferente. Enquanto a Alca corresponde aos interesses do capital transnacional, buscando a liberação absoluta do comércio de bens, serviços e investimentos, a Alba se concentra na luta contra a pobreza e a exclusão social, expressando as reivindicações históricas da luta popular. O confronto entre a Alba e a Alca expressa dois caminhos opostos para o futuro de nossos países. O governo dos Estados Unidos pretende que a Alca seja exatamente a conclusão lógica em nível continental do processo de implantação do neoliberalismo em toda a América Latina. As regras que vêm sendo negociadas não são nada mais do que o esforço para blindar os princípios neoliberais. Já a proposta da Alba se fundamenta na criação de mecanismos que fortaleçam vantagens cooperativas entre as nações, que permitam compensar
as assimetrias existentes nos países do hemisfério. A mera possibilidade das nações estabelecerem mecanismos de trocas que não se baseiam em divisas acumuladas em dólar, representa uma imensa perspectiva para o desenvolvimento econômico e social. A Alba se baseia na cooperação por meio de fundos compensatórios que corrijam as disparidades e fortaleçam a soberania de seus integrantes. Trata-se de uma proposta que envolve governos e movimentos sociais. Eis porque o presidente da Venezuela Hugo Chávez afirmou que “a Alba é uma integração para a vida e não para a morte”. O principal inimigo da unidade da nossa América é o imperialismo que se mescla e confunde com as nossas oligarquias nativas. A luta contra a Alca gerou a principal experiência de unidade entre os movimentos sociais de nosso hemisfério. Agora, no 4º Encontro Hemisférico de Luta contra a Alca, realizado em Havana (Cuba), entre os dias 27 e 30 de abril, os delegados deliberaram um salto de qualidade nesta luta. Passar da mera resistência para a construção de um Projeto Popular. Contra a intenção
imperialista da Alca a alternativa popular da Alba. Nosso continente, pouco a pouco, retoma o ascenso da luta de massas. A consolidação da revolução bolivariana na Venezuela, os levantes populares no Equador e na Bolívia, as intensas manifestações na Guatemala e na Nicarágua, a vitória da Frente Ampla no Uruguai, a instabilidade do governo neoliberal no Peru e até mesmo a surpreendente manifestação mexicana contra o intento golpista de excluir um candidato que não surge do sistema dominante. Todos estes fatos evidenciam que nosso continente já não é o mesmo para as pretensões imperialistas dos Estados Unidos da América. O novo que está nascendo é a unidade latino-americana e caribenha, a segunda e definitiva independência; o velho que está morrendo é a desintegração e a exploração imperialista. Estamos ingressando num novo período histórico, onde será fundamental o papel dos movimentos sociais para conquistar a verdadeira unidade entre nossos povos, como sonharam Bolívar, Marti, Sandino e Che e que tantas lutas e vidas já nos custou.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS AOS LEITORES
Ajude a manter o Brasil de Fato Caros amigos e amigas Durante todo o ano de 2002, intelectuais, artistas, jornalistas e representantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral. Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de 7 mil militantes sociais, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta. Nos últimos dois anos, o jornal sobreviveu graças a uma grande disposição de transpor os obstáculos que qualquer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos resistindo! Mas, neste momento, estamos precisando de apoio extra para driblar as dificuldades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos custos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribuição de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e
de esquerda. Mesmo elogiado por todos, tanto por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assinaturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal. Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, conquiste mais uma assinatura com um (a) amigo (a). Se você é vinculado (a) a algum sindicato ou movimento, coloque nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas. Contamos com seu apoio. Conselho Editorial do Brasil de Fato
ERRAMOS Além do fotógrafo João Roberto Ripper, assina o artigo sobre a resistência do povo Guarani do Mato Grosso do Sul, publicado na página 16 da edição 113 do Brasil de Fato, o fotógrafo documentarista Carlos Carvalho. O texto foi publicado originalmente na coluna de Carvalho no Jornal Já (www.jornalja.com.br), de Porto Alegre (RS), criada para dar visibilidade à fotografia gaúcha e, ao mesmo tempo, atualizar os gaúchos sobre o que acontece no restante do país.
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CRÔNICA
O novo papa e a realidade social brasileira Marcelo Barros Há mais de um mês, o assunto predileto nos meios de comunicação é o papa. No Brasil, católicos e não católicos foram obrigados a acompanhar pela imprensa e pela televisão cada detalhe do ritual barroco do conclave dos cardeais e as maiores emissoras de televisão do país se mudaram para Roma a fim de transmitir o enterro de um papa, eleição e coroamento do outro. Os comentaristas se revezavam em expressar sua admiração pela pompa sagrada que, como nos filmes do rei Artur e da Távola Redonda, apresenta a monarquia absoluta como sendo divina. Alguns órgãos de imprensa mais críticos frisavam o seu espanto com a escolha que os cardeais fizeram do cardeal Ratzinger como o novo papa Bento XVI. Apesar de que, há 40 anos, a Igreja Católica tem repetido que política é uma atividade humana digna e nobre, os homens da Igreja fazem
questão de repetir, mesmo contra todas as evidências, que os cardeais se reuniram por nove dias, discutiram os assuntos da Igreja, mas não estabeleceram nenhuma estratégia política. O novo papa teria sido escolhido diretamente pelo Espírito Santo. Dificilmente, Deus reclamará de mais este uso do seu santo nome. Agora, trata-se de verificar que conseqüências poderá ter para o mundo e para o povo o fato de que os cardeais, não apenas física, mas também espiritualmente isolados do povo católico, votaram, não apenas em um homem que pode ser uma pessoa boa, digna e reta, mas em um projeto de Igreja para o momento atual. Ao que tudo indica, este projeto eclesial confirma que o diálogo que o papa João XXIII tinha estabelecido entre a Igreja e a humanidade, diálogo já há alguns anos praticamente rompido, continuará ainda não realizável. Desde a década de 80, o Conse-
lho Mundial de Igrejas, que reúne 340 Igrejas, propõe um processo conciliar – caminhada de diálogo e consulta das comunidades e seus pastores – sobre o engajamento da Igreja com a paz, justiça e defesa da Criação. Na Igreja Católica, vários cardeais e bispos tinham escrito ao papa João Paulo II pedindo que este convocasse um novo concílio, a partir de um processo de consultas e reflexão das bases. Por enquanto, a sociedade civil que tem dados passos significativos deste processo nos diversos fóruns de cidadania e no Fórum Social Mundial, não pode apontar a estrutura da Igreja Católica como ensaio deste novo mundo possível, mas conta com muita gente que crê e aceita consagrar suas vidas à Paz, à Justiça e à Defesa da Criação. Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 29 livros, entre os quais o romance A Festa do Pastor, da Editora Rede
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NACIONAL DIA DO TRABALHADOR
Uma só crítica à política econômica A
s manifestações de 1º de Maio, Dia do Trabalhador, tiveram algo em comum, neste ano: em maior ou menor grau, em todas elas, choveram críticas ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em especial à sua política econômica. Em São Paulo, palco dos principais atos do país, foram realizados três eventos. Na Avenida Paulista e na Praça Campo de Bagatelle, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical, respectivamente, atraíram centenas de milhares de pessoas para assistir aos shows com bandas de música pop, além de sorteios de casas e automóveis. Já na Praça da Sé, Centro da capital, aproximadamente 4 mil manifestantes participaram de uma passeata promovida por pastorais operárias, pela esquerda da CUT e do PT e por partidos como o PSTU, o PSOL, o PCO, dentre outros. Ao ato da Força compareceram personagens, como o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), que nada têm a ver com a história, muito menos as lutas da classe trabalhadora. O único fato digno de registro foi a fragorosa vaia com a qual quase 1 milhão de pessoas brindou Severino Cavalcanti (PP), presidente da Câmara dos Deputados.
salário-mínimo, obrigando-os a trabalhar mais dez anos para não terem corte de até 45% nas suas aposentadorias, privilegiando os fundos de pensão e o capital financeiro”, lista Heloísa.
RETROCESSO
A reclamação dos trabalhadores é geral: política econômica do governo não gera empregos
ministros da administração petista: José Dirceu, da Casa Civil, e Ricardo Berzoini, do Trabalho. Marinho falou da necessidade de uma inversão da lógica da condução da economia no país. “Não é possível continuar controlando a inflação a partir dos juros. Está provado, até pela ata do Copom (Comitê de Política Monetária), que são alguns setores localizados, como o de preços indexados, os oligopolizados e o sistema financeiro que causam os principais aumentos”, lembrou. O presidente da CUT cobrou um enquadramento destes setores por meio de um processo de negociação que conte com a mão forte do governo federal. Segundo Marinho,
JUROS Na Avenida Paulista, Luiz Marinho, presidente da CUT, surpreendeu ao criticar a política econômica do governo Lula, ao mesmo tempo em que defendia a sua reeleição. Até porque no evento estavam dois
ESQUERDA Para quem foi à Praça da Sé, contudo, as críticas de Marinho são superficiais. De acordo com a senadora Heloísa Helena (PSOLAL), a política econômica de Lula aprofunda o projeto neoliberal. “Ela joga na pocilga do capital mais da metade da riqueza produzida pelos brasileiros, enquanto a
Afinal, o que comemorar no dia 1º de Maio? da CUT desvirtuam a memória da luta. “Os shows desmobilizam e alienam a classe trabalhadora”, opina. “Os espetáculos vão passar, mas o desemprego continua, o achatamento salarial se acentua e a repressão aumenta”, acrescenta Waldemar Rossi, coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo. No entanto, Renato Rabelo, presidente do PCdoB, pensa de outra forma. Presente à Avenida Paulista, onde discursou, ele avalia que, pelo nível do movimento popular brasileiro, o formato de
manifestação promovido pela CUT é necessário para mobilizar um grande número de pessoas. “Optamos por esse modelo porque, antigamente, nós falávamos para nós. Mas uma Central precisa falar para si e para a sociedade. Por isso, nesse 1º de Maio, grande parte da população presente certamente não é nem sindicalizada. Mas a CUT não pode ter apenas uma visão sindical, é preciso se preocupar com questões de cidadania”, observa Adi dos Santos Lima, presidente da Federação Estadual dos Metalúrgicos de São Paulo. (LB)
Anderson Barbosa
A diferença entre os atos da Praça da Sé e o da CUT, na Avenida Paulista, no 1º de Maio, em São Paulo (SP), levantou uma questão para o movimento sindical: o Dia do Trabalhador é uma data de festa ou de luta? Na Paulista, a direção da Central Única dos Trabalhahdores reuniu centenas de milhares de pessoas, atraídas pelo anúncio da apresentação de dezenas de grupos de pagode e música pop. No Centro da cidade, 4 mil militantes participaram de uma passeata cujos microfones transmitiam discursos políticos. Na Sé, Dirceu Travesso, diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, lembra que a data homenageia os mártires de Chicago (Estados Unidos) que, em 1887, foram enforcados por sua luta em defesa da redução da jornada de trabalho para 8 horas. “É um dia para comemorar, no sentido de puxar pela memória, a história de nossos antepassados, atualizá-la e defendê-la”, afirma. Para Travesso, a melhor forma de homenagear é dar continuidade à luta dos que tombaram na defesa dos trabalhadores. “Isso significa combater a reforma sindical, levantar as bandeiras do internacionalismo, da solidariedade ao povo iraquiano e da exigência da retirada das tropas brasileiras do Haiti, e denunciar o governo Lula como pró-imperialista e que ataca os trabalhadores”, diz Travesso.
As manifestações ao redor do mundo
Em Havana, cubanos celebram a luta dos trabalhadores e conquistas sociais
da Redação
ESPETÁCULO Pedro Paulo Vieira Carvalho, diretor da executiva da Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), também no ato da Sé, acredita que manifestações como a promovida pela cúpula
grande maioria das mulheres e dos homens não tem terra, teto, nem dignidade, e vivencia uma situação de miserabilidade, sem crescimento”, analisa. A parlamentar acredita que este modelo econômico trouxe consigo uma série de outras medidas nocivas ao trabalhador, como a privatização das águas, do saneamento, da infra-estrutura e da geração de energia, no bojo das Parcerias Público-Privadas (PPPs). “O Lula também fez a Lei de Falências, jogando os créditos das massas falidas para os banqueiros ao invés dos trabalhadores; e a reforma da Previdência, que penalizou mais de 99% dos trabalhadores do setor público que ganham um
os altos juros engordam o endividamento, o que aumenta a necessidade de um superavit primário maior. “Assim, falta dinheiro para investimento em infra-estrutura e, não havendo isso, a economia brasileira não terá como suportar um crescimento eventual de demanda”, conclui.
O 1º de Maio para mim é político. Quero terra para trabalhar e água indo do alto para me alimentar”, diz Armando Izidro, pedreiro português, desempregado há mais de 10 anos, dos 48 em que mora no Brasil
O deputado federal Ivan Valente (PT-SP) acredita que a política econômica atual é suicida, pois não tem uma proposta de desenvolvimento sustentável e atrela cada vez mais o país ao capital financeiro. O petista, no entanto, preferiu centrar fogo na reforma sindical, apresentada pelo governo ao Congresso dia 2 de março. “De modo geral, a proposta é um retrocesso”, declara. Segundo Valente, a proposta fere, por exemplo, o direito de greve, ao obrigar uma comunicação prévia de 72 horas antes de qualquer paralisação, e ao permitir a contratação de pessoas durante a mobilização, instituindo o fura-greve. “Enquanto isso, se fortalece brutalmente as centrais sindicais, verticalizando o movimento e estabelecendo um cupulismo sindical em detrimento das assembléias de base dos trabalhadores”, afirma. Para Jorge Luís Martins, da executiva nacional da CUT, o momento é dramático para o trabalhador brasileiro. Jorginho, como é conhecido, diz que a classe corre o risco de perder direitos históricos enquanto vê a sua situação se deteriorar cada vez mais. “Estamos esclarecendo os trabalhadores sobre o que está ocorrendo e, ao mesmo tempo, tendo que quebrar a esperança dos que acreditavam que o Lula, quando chegasse ao governo, poderia trazer uma transformação maior”, observa o sindicalista.
France Presse
Luís Brasilino da Redação
Giorgio D’Onofrio
Com música pop e sorteios de carros e casas, CUT e Força Sindical atraem milhares às suas manifestações, em SP
Venezuela - Milhares de trabalhadores tomaram as ruas da capital, Caracas, exigindo melhores salários e condições de trabalho. Em discurso, o presidente Hugo Chávez disse: “É impossível atingir nossas metas pelo capitalismo, tampouco é possível buscar uma via intermediária. Convido toda a Venezuela a marchar pela via do socialismo do novo século”. Cuba - Mais de 1,3 milhão de cubanos se uniram, na Praça da Revolução, em Havana, antes do nascer do sol, com representantes sociais e sindicalistas de 60 países para rejeitar as agressões estadunidenses. Na ocasião, o presidente Fidel Castro anunciou aumento de salários, aposentadorias e pensões. Chile - Cerca de 50 mil pessoas compareceram a um ato convocado pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT), em Santiago, quando foi anunciada uma paralisação de 48 horas, caso o Congresso aprove uma lei flexibilizando a legislação trabalhista. Bolívia - Em La Paz, sindicatos cobraram do governo de Carlos
Mesa a nacionalização do gás e ações contra o desemprego, que bate recordes e já chega a 15,3% da população. América Central - Organizações populares convocaram protestos em El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Costa Rica e Honduras contra a assinatura do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos. França - Milhares de trabalhadores se mobilizaram na capital, Paris, exigindo melhores salários e rejeitando o “capitalismo global”. Os franceses também se manifestaram contra a aprovação da Constituição da União Européia. Alemanha - Os protestos na capital, Berlim, rechaçaram as reformas do governo social-democrata de Gerhard Schröder. Os trabalhadores cobraram medidas contra o desemprego, situação em que estão mais de 5 milhões de alemães. Espanha - Em Madri, sindicatos exigiram mais “emprego e proteção social” do governo de José Luis Rodríguez Zapatero. (Fonte: La Jornada www. jornada.unam.mx e Prensa Latina www.prensa-latina.com)
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Espelho
SAÚDE NO TRABALHO
Indústria do amianto: culpada
da Redação
Recados do império 2 Para não ser injusto com a Folha, é preciso destacar o comportamento exemplar que os outros veículos tiveram na cobertura da secretária Rice. Não faltam voluntários para justificar uma ação extremada dos Estados Unidos contra a Venezuela. “O que cada dia fica mais claro é a intenção jactanciosa, e suicida, (de Hugo Chávez) de buscar o confronto pelo confronto com os EUA”, defendeu o diário O Globo, em editorial dia 3. Quer imprensa mais golpista? Alca X Alba Bastou o governo argentino esboçar insatisfação com a política externa brasileira para a mídia neoliberal repetir sua cantilena: é preciso retomar as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e abandonar essa história de integração sul-americana. Quanto ao anúncio dos acordos da Alternativas Bolivarianas das Américas (Alba), os jornais se esforçaram para relativizar os ganhos de um novo modelo de integração com foco na redução de pobreza e desigualdade. Exemplo: “A Alba parece condenada a não passar disso, um ruído”, frase do colunista Clóvis Rossi, também da Folha. Lei Geral O governo federal publicou, em 27 de abril, o decreto que cria o Grupo de Trabalho Interministerial responsável pela elaboração do anteprojeto da Lei Geral de Comunicação Eletrônica. Participarão do grupo nove órgãos federais, sendo que a Casa Civil coordenará o trabalho e será incumbida da articulação junto a outros órgãos, entidades públicas ou organizações da sociedade. O Ministério das Comunicações será consultor do projeto. A sociedade reivindica Foi protocolada, no dia 3, nas secretarias da Casa Civil e do Ministério da Cultura, uma carta redigida por diversas entidades organizadas da sociedade exigindo a abertura para participação formal no processo de elaboração e debate sobre o anteprojeto da lei geral de Comunicação Eletrônica. O Brasil de Fato assinou o documento, ao lado, entre outros, da Campanha pela Ética na TV, da Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação (CRIS Brasil) e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). MST – Comunicação em marcha Uma rádio comunitária móvel funcionará, instalada em um caminhão, durante a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que partiu de Goiânia no dia 1º. A programação poderá ser sintonizada pelos participantes por meio de rádios portáteis e levará informações sobre atividades do dia, cuidados com saúde e alimentação. Um dos pontos do documento “Por que Marchamos”, que ressalta os motivos da caminhada, pede pela democratização dos meios de comunicação e fim da repressão às rádios comunitárias, alegando que “não haverá democracia sem que o povo e as formas de organização social não tenham direito à informação.”
Júri simulado expôs os perigos da utilização do mineral e condenou sua utilização Dafne Melo da Redação
O
uso do amianto foi banido por um júri simulado, no dia internacional das vítimas de acidentes e doenças do trabalho, 28 de abril. Realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o Tribunal do Amianto deu voz a entidades representativas da sociedade civil, que deixaram claro sua posição em relação ao uso do mineral, também conhecido como asbesto – substância considerada cancerígena pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O júri, formado por representantes da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas, da Associação Luso-Brasileira de Justiça do Trabalho, do Sindicato dos Advogados de São Paulo, da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), entre outros, decidiram de forma unânime pelo fim do uso do mineral. Na platéia, estavam diversos trabalhadores vitimados pelo amianto e integrantes do Movimento 28 de abril, que reúne vários sindicatos e associações em defesa da saúde do trabalhador.
Antônio Gaudério/Folha Imagem
Recados do império 1 O Departamento de Estado dos Estados Unidos financiou uma jornalista da “independente” Folha de S. Paulo para fazer reportagens na Colômbia e na terra de George W. Bush. O objetivo era mostrar que os estadunidenses estão se preparando para dar “uma reposta militar” se houver um avanço do que eles chamam de “populismo radical” na América Latina. Na mira, Venezuela, Equador e Bolívia. Bush usou a Folha para dar um recado aos brasileiros, em meio à visita da secretária Condoleezza Rice. E o jornal vestiu a carapuça de menino de recados do império. A matéria saiu na edição de domingo, a mais lida.
Trabalhadores doentes por terem trabalhado com o amianto na fábrica da Eternit em Osasco (SP)
Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina. O asbesto é conhecido por suas propriedades físicas – é altamente resistente – e seu uso é milenar. No início do século 19, porém, a medicina começou a descobrir seus efeitos nocivos. Segundo René Mendes, médico e presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, hoje não há dúvidas de que a fibra é cancerígena e de que não existe uso controlado ou seguro, como preconiza a indústria do setor. Desde 1995, a legislação federal proíbe a exploração, a comercialização e o uso de alguns tipos de amianto. Entretanto, até hoje, o tipo crisotila é liberado. Seu uso é proibido apenas em quinze municípios de três Estados (PE, RS e RJ). No mundo, 42 países, incluindo toda a União Européia, já fizeram o banimento até mesmo do crisotila. Atualmente, no Brasil, está em tramitação o projeto de lei 2.186, de
LEGISLAÇÃO O tribunal foi presidido pelo chefe do Departamento de Direito do Trabalho da USP, Marcus Orione Gonçalves Correia, que classificou o momento como “histórico” para a faculdade, pois foi a primeira vez que o salão nobre recebeu “os verdadeiros destinatários da missão universitária, que são as pessoas do povo”. Também participaram do julgamento o deputado federal Roberto Gouveia (PT-SP), o deputado estadual Zilton Rocha, (PT-BA), o secretário municipal do meio ambiente da cidade de São Paulo Eduardo Jorge (PV-SP) e Fernanda Giannasi, fiscal do Ministério do Trabalho e fundadora da Rede
1996, dos deputados federais Eduardo Jorge e Fernando Gabeira, que pretende estender a proibição ao crisotila. Se depender da pressão da bancada do amianto no Congresso, a situação continuará como está.
PROPAGANDA Dia 17 de março, o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP), se reuniu com os deputados Carlos Alberto Leréia (PSDB), Sérgio Caiado (PP), Pedro Canedo (PP), Pedro Chaves (PMDB), Sandes Júnior (PP), Ronaldo Caiado (PFL) e Capitão Wayne (PSDB), todos de Goiás, Estado onde há a maior produção do mineral. Também estiveram presentes diversos produtores da região. Do encontro, saiu o comprometimento do presidente da Câmara de que o projeto de lei não seria votado. O Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), entidade que representa os fabricantes no Brasil,
Cultura afro, ainda longe das escolas Érica Alcântara de São Paulo (SP) Mais de um ano depois de o presidente Lula ter aprovado a Lei 10.639, que determina a inclusão do ensino da história e da cultura afro-brasileira na sala de aula, ativistas do movimento negro, educadores e educandos pressionam os governos para evitar que a medida se torne mais uma lei progressista “que não pegou”. O presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Carlos Ramiro de Castro, avalia que ainda não existe uma capacitação dos professores sobre o assunto: “Estamos pressionando o governo sobre o processo de formação necessário para a implementação da lei”. Ramiro de Castro ressalta que, independentemente da lei, sempre existiu um coletivo anti-racismo no Sindicato, onde realizam atividades como cursos, seminários, encontros e vídeos para subsidiar os professores ao abordarem o tema em sala de aula A Lei 10.639/2003 obriga as escolas de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, a adotarem o conteúdo programático que inclui a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, assim como resgatar a colaboração do negro nas áreas sociais, econômicas e as políticas pertinentes à história do país. “O Brasil está atrasado nessa história, assumimos que somos constituídos de diferentes povos e que a di-
Giorgio D’Onofrio
da mídia
NACIONAL
foi chamado para o júri simulado, mas não compareceu. Outra questão abordada no evento foi a campanha publicitária do IBC, veiculada no final do ano passado em revistas e cartazes de rua. A Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) fez um pedido para a retirada das propagandas no Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), que decretou a suspensão da campanha, em que o crisotila era mostrado como um produto inofensivo. Os anúncios também procuravam ressaltar o número de trabalhadores que o setor emprega, cerca de 200 mil. Fernanda Giannasi diz que o dado, além de tudo, é falso. De acordo com cadastro do Ministério do Trabalho, são apenas 3.500 postos de trabalho. O IBC fez três mudanças seguidas na campanha, que só então foi liberada pelo Conar. A Abrea, agora, luta pela suspensão definitiva.
Movimentos preparam Cúpula de Informação Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)
Ensino sobre a África e os afro-brasileiros ajuda a reparar a história
versidade não é o problema, mas é uma pena que isso tenha que acontecer por lei, que não tenha entrado naturalmente. A lei serve para impulsionar alguns processos e em outros momentos selar processos de luta”, diz a empreendedora social da ONG Ashoka, Isabel Santos.
EXPERIÊNCIAS Isabel enfatiza a necessidade de se qualificar a formação do docente. Segundo ela, o ensino sobre a África nas escolas não é apenas contar o que é o continente africano. “A criança precisa aprender desde pequena que a diversidade não cabe dentro de uma escala hierárquica. Aprendemos a pensar ‘eurocentricamente’ e falar da história da África e dos afro-brasileiros é mexer com esse modo de pensar”, afirma Isabel. Enquanto no geral a história afro continua distante das salas
de aulas, iniciativas em alguns colégios já colocaram a medida em prática, com algum sucesso. O professor Carlos Adalberto, do Colégio Rio Branco, no bairro de Higienópolis em São Paulo, afirma que há três anos aborda os temas ligados à África. Desde janeiro deste ano, trabalha com o projeto “África Sonhos e Realidade” com alunos da 7º série. Carlos Adalberto diz que houve boa aceitação por parte dos alunos e conta com o apoio de fundações, como a Zumbi dos Palmares. Na região metropolitana de São Paulo, a Escola Estadual Armando Sestini, em Caieiras, desenvolve um projeto chamado “Ler o Mundo”, que inclui o estudo da cultura africana. A vice-diretora, Flavia Juliato, diz que o ensino baseia-se em pesquisas realizadas pelos professores e alunos, visitas a museus, trabalhos fotográficos e entrevistas.
Representantes dos movimentos sociais participaram de uma vídeoconferência nacional, entre os dias 25 e 26 de abril, na sedes do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), para discutir a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, que será realizada em Tunis, capital da Tunísia, em novembro. A reunião também foi uma preparação para a Conferência Regional Ministerial da América Latina e Caribe, que acontecerá entre 8 e 10 de junho, no Rio de Janeiro. “A informação deve servir como bem público e não como mercadoria”, afirmou o professor Marcos Dantas. Ele propõe como alternativa um pacto social que garanta a apropriação do conhecimento informatizado e suas riquezas. Beatriz Tibiriçá, ex-coordenadora dos telecentros de São Paulo, testemunhou “a inclusão de 640 mil usuários de baixa renda usando a tecnologia para dar voz às comunidades”. Os representantes do movimento indígena Marcos Terena e Heliana Potiguara ressaltaram o desejo de seu povo de participação. Foram sugeridas a construção de uma proposta política em conjunto – que será encaminhada ao Ministério das Relações Exteriores com o propósito de unificar o discurso da delegação brasileira na Cúpula Mundial – e a aproximação com movimentos sociais da América Latina.
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De 5 a 11 de maio de 2005
NACIONAL POLÍTICA ECONÕMICA
Lobby para aumentar (mais) os juros Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
Agência Brasil
O ritmo de elevação dos preços começa a perder força, mas o Banco Central continua agindo sem quaisquer limites
O
país parece ter entrado em uma fase aguda de ciclotimia nos últimos dias, com a ajuda dos setores que defendem juros cada vez mais altos para a economia. Há coisa de duas semanas, até mesmo economistas e analistas mais conservadores deixaram-se convencer de que o Banco Central (BC) havia ultrapassado os limites do razoável em sua política de juros elevados. Portanto, teria chegado o momento de congelar as taxas, ainda que em patamares escorchantes, porque seus efeitos sobre o nível da atividade econômica já se faziam sentir. Em outras palavras, a economia entrava em desaceleração e, em conseqüência, os riscos de aumentos generalizados de preços teriam ficado para trás. Por isso, a máquina de remarcar juros do BC poderia repousar em paz. Nem se passaram sete dias e o discurso mudou da água para o vinho. As análises e constatações de antes não valem um real furado. Em quase pânico, o lobby dos juros altos volta a clamar por novas elevações da taxa para segurar os preços e evitar que a inflação fuja do controle. A reação, totalmente descabida, como se poderá comprovar, foi provocada pela divulgação de índices de inflação mais elevados do que o esperado pelo mercado. Antes de qualquer conclusão emocional, ou motivada pela mais pura especulação, cabe averiguar qual a tendência real apontada por aqueles indicadores de preços, e avaliar se há, de fato, riscos de descontrole inflacionário.
DESACELERAÇÃO As pesquisas de preços disponíveis mostram que inexiste risco de descontrole dos preços e, por isso, não haveria razões objetivas para novas elevações dos juros, embora o BC não pareça se orientar por “razões objetivas”. Centrando a análise no comportamento da taxa de inflação oficial, na quarta-feira passada, 27 de abril, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA) de abril, apurado entre os dias 15 de março e 13 de abril. Para lembrar, o IPCA-15 é o mesmo IPCA que mede a inflação oficial, só que pesquisado entre a segunda quinzena de um mês e a primeira do mês seguinte. O noticiário econômico concentrou-se na comparação da taxa de abril com o IPCA-15 de março, mostrando que a inflação mensal mais do que dobrou desde então, saindo de 0,35% para 0,74%. Obviamente, não dá para negar que houve o salto, mas esta é apenas uma parte da verdade.
MENOS IMPACTOS A outra parte, também demonstrada pela pesquisa de preços do IBGE, indica que os preços em geral já entraram em outra fase, com desaceleração no ritmo de alta observado até março. Nesse mês, o IPCA havia saltado para 0,61%, crescendo 0,26 ponto percentual relação ao IPCA-15 medido entre a segunda quinzena de fevereiro e as primeiras duas semanas de março – isso significa dizer que a taxa
Pesquisas de preços divulgadas em abril indicam que não há razões objetivas para novas elevações dos juros, como quer o Banco Central
quase dobrou em duas semanas, sob influência da alta dos alimentos, em conseqüência da seca no Sul, do aumento das tarifas de ônibus e dos preços do vestuário, com a entrada de novas coleções no mercado e o fim das liquidações de verão. Entre o final de março e as duas primeiras semanas de abril, o ritmo de alta dos preços arrefeceu, com o IPCA-15 chegando a 0,74% (apenas 0,13 ponto percentual acima do IPCA de março). Detalhe: se desconsiderada a alta das tarifas de ônibus, que responderam por quase 30% do índice, a inflação se manteve praticamente inalterada, na faixa de 0,5% ao mês.
REFLUXO Ainda no item transportes, a taxa de variação dos preços vem igualmente perdendo força. As despesas do consumidor com deslocamento haviam crescido 0,34% até a primeira quinzena de março, passando a indicar uma alta de 1,33% no fechamento desse mês (quase um ponto percentual a mais). A taxa média de variação observada pelo IBGE para os 30 dias terminados em 13 de abril indicava que a alta havia alcançado seu pico, tendendo a refluir nas próximas semanas. Com base no IPCA-15 de
abril, o grupo transportes apresentou uma variação de 1,55%, ou meros 0,22 ponto percentual acima da taxa verificada no final de março. Um segundo foco, que tende a perder força, daqui para frente, foi o aumento de 2,45% nas tarifas do telefone celular. Juntos, os chamados preços administrados, que estão submetidos a algum tipo de controle ou acompanhamento pelo governo (como planos de saúde, remédios, combustíveis, transporte coletivo, água e esgoto, telefones e energia elétrica), subiram 1,31% até o final da primeira quinzena de abril, diante de 0,45% em março. Como esses aumentos já foram absorvidos pelo índice de inflação, o seu impacto tende a perder força nas próximas semanas.
Valores em R$ milhões Variação (%)
10.207
13.917
+36,3
União
5.900
9.984
+69,2
Governo federal
8.068
10.026
+24,3
HABITAÇÃO
Governos locais*
4.982
3.194
-35,9
Um grupo de despesas importante no orçamento do consumidor, com grande peso no cálculo da taxa de inflação, entrou em desaceleração em abril. Os custos da habitação, que incluem aluguel, gás de cozinha e utensílios domésticos, passaram a indicar uma taxa de variação acumulada de 0,71% entre 15 de março e 13 de abril, diante de 0,85% nos 30 dias de março. Idem para os gastos com edu-
(*) Estados e municípios
Taxa mensal de variação, em % Março (IPCA-15)
Março (IPCA)
Abril (IPCA-15)
Geral
0,35
0,61
0,74
Alimentos e bebidas
0,17
0,26
0,48
Habitação
0,63
0,85
0,71
Artigos de residência
0,43
0,18
0,28
Vestuário
0,10
0,60
0,83
Transportes
0,34
1,33
1,55
Saúde e cuidados pessoais
0,48
0,25
0,47
Despesas pessoais
0,31
0,30
0,44
Educação
0,43
0,43
0,22
Comunicação
0,09
0,19
0,42
Fonte: IBGE
ção e amenizando a carestia. Em março, a pesquisa do IEA apontava um salto de 5,86% nos preços agrícolas, considerando os valores recebidos pelos produtores paulistas. Nos 30 dias encerrados na primeira semana de abril, a taxa de variação havia recuado para 3,44%. Na segunda semana de abril, a taxa mensal despencou para 0,01% – a menor
JUROS GALOPANTES Março/2005
Pesquisa mostra que alimentos param de subir Em São Paulo, maior centro distribuidor de alimentos do país, com influência ampla sobre todo o mercado, os levantamentos semanais de preços realizados pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) apontam uma reversão na tendência de alta dos preços agrícolas. A virada pode influenciar os preços pagos pelo consumidor, barateando os custos da alimenta-
meio ponto percentual e passou a subir 0,23 ponto (de 0,6% no final de março para 0,83% nos 30 dias encerrados em 13 de abril). A alta dos alimentos foi puxada pelo quiabo (19%), tomate (13,7%), vagem (12%) e batata inglesa (9,8%). Os cereais pararam virtualmente de subir e tendem a indicar baixa, nas próximas semanas.
Março/2004
O RITMO DOS PREÇOS
Setores
cação: depois de absorvidos os aumentos do material escolar, no retorno às aulas, a taxa de variação dos preços do segmento caiu praticamente pela metade (de 0,43% para 0,22%). Os preços das roupas, calçados e acessórios continuaram pressionando, mas com menor força. A taxa do grupo havia engordado em
variação em 13 semanas. O efeito seca, que reduziu a oferta de alimentos, vem perdendo força, prenunciando menores aumentos, ou até queda, dos principais preços agrícolas, à medida que avança a colheita e venda da safra. Em resumo, nunca houve risco de descontrole inflacionário, como alega o lobby dos juros altos. (LVF)
Variáveis Setor público
Fonte: Banco Central
Gastos com serviço da dívida saltam quase 70% O contribuinte continua carregando nas costas o duplo fardo dos juros altos. Primeiro, ao tomar dinheiro emprestado e pagar as taxas mais elevadas do planeta. Segundo, ao ver o dinheiro dos impostos que recolhe ser desviado, em escala crescente, para honrar as despesas com juros da dívida do governo central. A recente escalada dos juros, que o Banco Central (BC) se esforça para preservar, cobrou um preço salgado em março, espetando uma conta de R$ 9,98 bilhões no balcão do governo central. Comparada a março do ano passado, a despesa da União com juros aumentou nada mais, nada menos do que 69,2%. Os dados são oficiais e foram divulgados na sexta-feira, 29 de abril pelo BC. Todo o dinheiro que o governo economizou, às custas de cortes em gastos essenciais para o funcionamento do Estado e em investimentos públicos, foi suficiente para cobrir 72% da conta dos juros no mês. O resultado foi um rombo de R$ 2,8 bilhões apenas em março, quase 33% a mais do que em igual mês de 2004.
ROMBO Nos primeiros três meses deste ano, quando os juros estavam ligeiramente menores do que hoje, os gastos da União com juros atingiram praticamente R$ 28 bilhões, num aumento de 40% frente aos R$ 22,1 bilhões desembolsados entre janeiro e março de 2004. Como só havia R$ 17,8 bilhões reservados pelo governo para fazer frente àquela despesa, o rombo, no
trimestre, cresceu cinco vezes, pulando de R$ 2 bilhões nos mesmos três meses do ano passado para R$ 10,1 bilhões neste ano. O déficit total do setor público, no entanto, chegou a encolher, caindo de R$ 10,8 bilhões para R$ 10,2 bilhões (menos 5,5%). A queda foi possível em função do arrocho imposto aos governos estaduais e prefeituras, que conseguiram derrubar seu rombo em pouco mais de 94% no primeiro trimestre deste ano (de R$ 6,8 bilhões para R$ 387 milhões). Isso porque conseguiram pagar 32,5% a menos de juros.
DESEQUILÍBRIO O gasto com juros de todo o setor público, incluindo a União, governos estaduais, prefeituras e empresas estatais das três esferas, aumentou 21% no primeiro trimestre e aproximou-se de R$ 38 bilhões. Passou a representar 8,4% de todas as riquezas que o país produziu no período, conforme estima o BC. Só perdeu para o primeiro trimestre de 2003, quando aquela relação alcançou 12,5%. Os números apurados pelo próprio BC mostram com nitidez que a política de juros altos provocam desequilíbrios crescentes nas contas do setor público, ao criar rombos cada vez maiores. Nos 12 meses encerrados em março, essa despesa voltou a ser recorde, batendo em R$ 134,8 bilhões. Para encerrar, o governo federal gastou com juros, em apenas um trimestre, mais de três vezes todo o dinheiro reservado para investimentos da União neste ano. (LVF)
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NACIONAL MORADIA
Sem-teto ocupam prédios do INSS
Hamilton Octavio de Souza
Famílias do Rio de Janeiro e de São Paulo resistem à polícia para garantir direito constitucional
Festa insólita A CUT e a Força Sindical fizeram festa milionária no 1º de Maio, transformaram em show o que antes significava manifestação de luta. Não se sabe o que comemoraram nesses tempos de superexploração neoliberal: o desemprego continua batendo recordes, muitos trabalhadores foram jogados na informalidade e a alta rotatividade no trabalho promove a redução da massa salarial. Rabo preso O governo federal deve iniciar nova campanha para levantar a auto-estima do povo brasileiro. O mote agora está em cima dos bons exemplos, aquilo que deve servir de referência para todos. Obviamente, o governo não poderá mostrar o ministro da Previdência, Romero Jucá, nem o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ambos enrolados em denúncias pesadas. Traseiro alheio Conhecido pelas besteiras que fala, o presidente Lula anda atirando para o lado errado. Há poucos dias, ele disse que o brasileiro é comodista e não levanta o “traseiro” nem para pedir aos bancos juros menores. Ele se esqueceu de dizer que é função do governo controlar os juros, mas isso não tem sido feito por falta de coragem para enfrentar a especulação financeira.
Rafael Luiz do Rio de Janeiro (RJ)
N
a madrugada de 26 de abril, mais de cem trabalhadores sem-teto, apoiados por ativistas que lutam pelo direito à habitação, ocuparam um prédio abandonado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) há pelo menos 20 anos, no Centro do Rio. O imóvel de oito andares, localizado na Avenida Venezuela, número 53, foi batizado como Ocupação Zumbi dos Palmares em homenagem ao líder escravo que coordenou o maior quilombo de Pernambuco, entre 1604 e 1694. Poucas horas após a entrada dos sem-teto, o INSS entrou com ação de reintegração de posse, acatada pela juíza Salete Maccaloz, Titular da 7ª Vara Federal, na tarde do dia 27 de abril. A liminar da juíza ordenava o despejo das famílias, se preciso, com uso da força policial. Assessorados pela Rede de Advogados Populares, os sem-teto entraram com recurso. Apesar de não ter suspendido a reintegração, eles conseguiram que a juíza impusesse algumas determinações: que sejam providenciados abrigos às famílias, que o Conselho Tutelar tome ciência da situação das crianças que estão no prédio e que um oficial de Justiça visite o local para fazer a notificação do estado do imóvel e dos ocupantes. No dia 28, foi realizado um ato de apoio à ocupação. Trabalhadores sem-teto, estudantes, sindicalistas e simpatizantes reuniram-se em frente ao prédio, onde discursaram
Ocupação Zumbi dos Palmares, no Rio: mais de cinco milhões de imóveis vazios ou abandonados no país
em defesa dos ocupantes. Após os discursos, os manifestantes deram as mãos em um abraço simbólico do edifício.
COMO BICHO “Estou aqui porque não tenho moradia. Vou ficar e resistir até o fim, em nome de Deus”, disse Maria do Socorro, uma das ocupantes do imóvel. Socorro morou no bairro de Santo Cristo, onde pagava R$ 260 por mês de aluguel, mas precisou se mudar para a casa de uma amiga por não conseguir arcar com a despesa. Depois de um período desempregada, conseguiu emprego de doméstica Anderson Barbosa
Marcha histórica Mobilizados pela Via Campesina, MST, CPT e Grito dos Excluídos, mais de 10 mil trabalhadores rurais semterra marcham de Goiânia até Brasília. Além da reforma agrária, reivindicam mudanças na política econômica do governo – principalmente para gerar empregos, redistribuir renda e melhorar as condições de vida da população. Dia 17 de maio, eles realizam ato público na Esplanada dos Ministérios.
Bruno Zornitta
Fatos em foco
Tempo perdido O Palácio do Planalto tem colocado como prioritária a coligação do PT com o PMDB para as eleições presidenciais de 2006. Pode até lavar os pés, entregar ministérios e cargos nas estatais, mas dificilmente haverá acordo formal entre os dois partidos, já que os governadores e alguns caciques peemedebistas preferem lançar candidatura própria ou caminhar com o PSDB.
Escalada crítica O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, tem aumentado bastante suas críticas ao governo a que pertence, ora contra os juros, sobre a falta de entrosamento da equipe, em defesa da Alca etc. Ou ele está sendo contrariado em algo ainda não descoberto pela imprensa, ou está preparando uma saída estratégica do governo. Vigésimo round Já virou luta de resistência a definição governamental sobre o projeto de massificação da informática. Há meses o governo tenta definir se fica com os programas livres, disponíveis sem custo algum, ou utiliza os proprietários, que favorecem principalmente a empresa Microsoft, dos Estados Unidos. Os entreguistas de sempre atuam contra o interesse nacional. Ofensiva ideológica O Departamento do Pentágono dos Estados Unidos, responsável pela política exterior e militar daquele país, tem levado jornalistas brasileiros para seminários em Miami e em outros centros sob seu comando. Nesses seminários, os instrutores justificam as “razões” do império e criticam os governos mais resistentes da América Latina. Na época da guerra fria, era contra o “perigo vermelho do comunismo”. Agora, é contra o “populismo radical”.
Movimento dos Sem-Teto do Centro comemora 1º de Maio com ocupação
Em SP, ocupação marca 1º de Maio Maurício Reimberg de São Paulo (SP) Frio intenso e garoa fina, o relógio marca 23 horas e 58 minutos do primeiro dia de maio, no Centro de São Paulo. A aglomeração começa a acontecer nas imediações. É o início da ação direta do movimento popular de moradia. E, ao mesmo tempo, o fim simbólico das comemorações do Dia do Trabalhador, marcado por grandes showmícios promovidos pela CUT e pela Força Sindical. “Enquanto alguns fazem festa, viemos denunciar”, diz Ivanete Araújo, uma das coordenadoras da Frente de Lutas por Moradia (FLM), responsável pela ocupação na madrugada. A Frente conta com doze movimentos filiados e mais de dez mil famílias organizadas. Há cerca de 300 imóveis ociosos no Centro da cidade. Aproximadamente 700 pessoas abriram passagem por uma pequena porta de madeira trancada com cadeado, em um terreno de muros altos, e ocuparam o imóvel do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), no Anhangabaú. O movimento acredita que podem ser construídas 540 unidades habitacionais no terreno e no prédio – um entre os 5 mil imóveis ociosos que se estima serem de propriedade do INSS no país. Papéis picados caíam das janelas do prédio vizinho e faixas foram estendidas com os dizeres: “Policias: não queremos guerra, queremos moradia”.
belião de presidiários, em lugar de retratar as diversas crianças e os idosos resistindo, no interior do prédio.
ORGANIZAÇÃO Vale destacar também o espírito organizativo dos sem-teto. Eles realizam, todos os dias, duas assembléias para tratar das questões internas da ocupação. Nessas assembléias, as tarefas são divididas entre os moradores, organizados em seis comissões: limpeza, cozinha, portaria e segurança, hidráulica, elétrica e divulgação. Todos devem obedecer o regimento interno da ocupação, que fica afixado nas paredes. Há também um mural com notícias recortadas de jornais. No momento, aproximadamente 150 famílias estão no interior do edifício. Os ocupantes pedem a solidariedade da sociedade no sentido de enviar alimentos, material de limpeza, construção e eletricidade. Pedem também que sejam enviadas moções às autoridades envolvidas, no caso, o INSS, o juiz da 7ª Vara Federal e o Ministério das Cidades. Um modelo de moção de apoio, assim como o endereço eletrônico das autoridades, podem ser encontrados na página da internet do Centro de Mídia Independente (CMI), www.midiaindependente.org
RIO GRANDE DO SUL
Romaria do trabalhador reúne 5 mil
Júlio Penz
Rádio poderosa Chamou a atenção no noticiário internacional sobre a derrubada do presidente Lucio Gutiérrez, do Equador, o papel desempenhado pela rádio comunitária La Luna na mobilização popular. Dirigentes da emissora explicaram que a rádio apenas abriu os microfones para as reclamações do povo. O restante foi feito pelo próprio povo, nas ruas.
duas vezes por semana, do qual tira seu sustento. “Meu dinheiro é para pagar o estudo do meu filho, para que ele seja visto como gente, não como bicho, do jeito que nós somos”, desabafou. A ação dos sem-teto se fundamenta no direito à moradia, garantido pela Constituição Federal em seus artigos 5º, 6º, 182 e 183, assim como no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01). A lei estabelece que toda propriedade deve cumprir sua função social. No entanto, o próprio governo informa que existem 5.030 milhões de imóveis vazios ou abandonados no país. O déficit habitacional, segundo informações da página do Fórum Nacional de Reforma Urbana na internet, foi estimado, no ano de 2000, em mais de 6 milhões de moradias. A realidade social brasileira, no que diz respeito a habitação, é um tema que passa longe do noticiário dos grandes meios de comunicação. Estes, em vez de alertar para a necessidade da reforma urbana, limitam-se a criminalizar os movimentos que lutam por essa bandeira. A cobertura da Ocupação Zumbi dos Palmares foi exemplo disso. Os veículos optaram por mostrar imagens de sem-teto com os rostos cobertos por camisetas, como em uma re-
Julio Penz de Caxias do Sul (RS)
Em Caixias do Sul, trabalhadores gaúchos protestam contra os baixos salários
Apesar das lideranças demonstrarem o caráter não-agressivo da ocupação, a Polícia Militar agiu de forma intimidatória e repressora. Após bloquear as vias de acesso ao terreno, bombas de efeito moral foram arremessadas para o outro lado do muro, onde estavam presentes mulheres e crianças menores, com o intuito de dispersar as pessoas que ficavam na rua. Os policiais também usaram gás pimenta, que se espalhou nos arredores. Houve correria e revolta, mas a situação foi controlada com a permanência dos manifestantes no local. A presença da imprensa inibiu a violência e acabou por amenizar o confronto, permeado pelo clima tenso durante toda a madrugada. Ao ser questionada sobre a ação, Ivanete enfatizou: “Se as famílias não se moverem, o governo não faz
nada”. E completou: “O que tem para comemorar? O dia do trabalhador desempregado, sem moradia?”. Para ela, a reivindicação é, sobretudo, por “dignidade”. Dia 2, por volta das 17 horas, a área foi desocupada, após acordo firmado na reunião dos coordenadores com os representantes do Ministério das Cidades, em Brasília. Integrantes da Secretaria de Habitação garantiram que o prédio será comprado pelo governo federal com recursos do Programa de Arrendamento Residencial. O artigo 6º da Constituição Federal afirma que “todo cidadão tem o direito à moradia”. Quem atua ao lado do movimento social dos trabalhadores sem-teto percebe que, no Brasil, e em muitos outros países do mundo, a questão social ainda é caso de polícia.
Aproximadamente cinco mil pessoas participaram da 10ª Romaria do Trabalhador e da Trabalhadora em Caxias do Sul (RS), que teve como lema este ano “Trabalho, fonte de dignidade, direito de todos”. A Romaria é promovida pela Pastoral Operária e pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil e acontece de dois em dois anos, desde 1987. Representa um amplo processo de reflexão, organização dos trabalhadores e promoção de atividades de mobilização social, questionando baixos salários e impulsionando lideranças populares a intervir politicamente na sociedade. Entre vários temas discutidos durante a Romaria, o que mais preocupa os trabalhadores são as mudanças introduzidas pelas novas tecnologias de genética, da robotização, da mecanização e das comunicações associadas a formas inéditas de organização da produção – que alteram o mercado de trabalho, a identidade do trabalhador e as possibilidades dos seus movimentos associativos.
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NACIONAL REFORMA AGRÁRIA
Com o pé na estrada, pelo direito à terra 12 mil pessoas iniciaram a marcha nacional rumo a Brasília, onde apresentarão reivindicações sociais ao governo
PRIMEIRO DE MAIO
A Marcha Nacional pela Reforma Agrária, uma cidade em movimento, avança lentamente em direção à capital federal
funcionar de forma orgânica e coordenada, com 12 mil pessoas agindo como se fossem uma só. É inacreditável constatar que, em meio a tanta gente, não acontecem brigas, confusões ou furtos. As barracas de cada Estado ocupam quase um quilômetro quadrado, em combinações impensáveis. Não é em qualquer lugar que Bahia faz fronteira com São Paulo ou Rio Grande do Norte com Santa Catarina e todos se entendem. A marcha é uma cidade em movimento. Todos os dias, o acampamento é montado e desmontado, avançando lentamente em direção à capital federal. Para que tudo esteja pronto quando a marcha chegar a um novo local de acampamento, mais de mil militantes se antecipam em 31 caminhões, 9 ônibus e 27 carros. Em cerca de quatro horas, armam gigantescas tendas brancas (com capacidade de até 800 pessoas cada), providenciam água, banheiros e descarregam as bagagens mais pesadas dos participantes. Deixar os pertences nas mãos de pessoas desconhecidas, em meio à bagagem de 12 mil pessoas, exige um alto grau de desprendimento e confiança no outro. Ainda mais quando – como acontece com a maioria dos marchantes – se leva
AMIGOS DO MST Além das delegações de semterra de 22 Estados mais o Distrito Federal, também marcham “amigos do MST” de diversos países: África do Sul, Bolívia, Espanha, Itália, Paraguai, Suíça e Turquia. José Maria Recio Rivas, do grupo de apoio Red Euro-Latinoamericana, da Espanha, se diz apaixonado pelo MST: “A organização de milhares de pessoas conduzida pelo movimento é surpreendente. Aqui me alimento
MOCHILAS NAS COSTAS “Estamos começando mais uma jornada que os livros de História vão registrar no futuro, e vocês são os atores”, disse João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a militantes sociais concentrados no ginásio do Estádio Serra Dourada, um dia antes do início da marcha. “Daqui sairão definições para os nossos próximos passos”, acrescentou Ademar Bogo, do setor de formação nacional. “Com a mochila nas costas, trocamos de lugar todos os dias para importunar a burguesia”, disse Bogo, referindo-se aos militantes do MST, que para ele devem ser vistos como guerrilheiros de um outro tempo. Para caminhar, cada participante recebeu uma mochila e um chapéu de palha (no lugar do tradicional boné vermelho). Bogo prevê que um dia os trabalhadores voltarão a Brasília “para enterrar vícios e defeitos e plantar árvores que produzam frutos para
“Seu” Luiz tem lugar de honra na linha de frente
Sem-terra de 22 Estados e “amigos do MST” de sete países participam da marcha
MST entrega pauta da marcha ao ministro Beatriz Pasqualino de Brasília (DF)
Cristiano Navarro
Dez Estados estão à frente da delegação de São Paulo quando “seu” Luiz Beltrami, 97 anos incompletos, percebe que a delegação de Minas Gerais já está puxando a marcha em direção ao Centro de Goiânia. De botas em vez de chinelos, ele – que marcha por São Paulo – empunha sua bandeira do Brasil com flâmulas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra costuradas. Com muita pressa de chegar na linha de frente da marcha, acelera o passo e passa rapidamente pela delegação do Maranhão. Alcança a de Mato Grosso do Sul, quando alguém grita para os mais jovens: “Olhem, é o ‘seu’ Luiz, de 97 anos, sigam o exemplo dele”. Duas pessoas se colocam em seu caminho para tirar fotos. Nesse momento, ele já ultrapassou as delegações de Pernambuco e do Rio Grande do Sul, mas faltam ainda dois quilômetros. “Seu” Luiz põe a mão na coxa esquerda, quando o trajeto fica mais íngreme e confessa: “Na subida, tem de manerar o passo, senão amanhã ninguém agüenta mais caminhar”. Outro marchante se admira: “Eu te disse, eu estava falando do velhinho e olha ele aí”. Alguém replica: “Ah, ele só vai até o Centro de Goiânia, não vai marchar até Brasília, não”. Outro responde: “Você não sabe que ele andou 1580 quilômetros
alimentar a sociedade brasileira que hoje tem fome de comida, sonhos e esperanças”.
nas malas quase tudo o que se tem. Mas não há incidente. Na chegada, todos recuperam suas coisas, devidamente distribuídas pelas tendas de cada Estado.
Seu Luis: “Na subida, tem de manerar o passo, senão amanhã ninguém agüenta”
de São Paulo a Brasília na marcha de 1997?” Falta um quilômetro e “seu Luiz”, que anda com o dobro de velocidade dos outros caminhantes, chega à delegação do Espírito Santo. Ele afasta as faixas que atrapalham sua passagem, numa última tentativa de estar à frente da longa fila dos milhares de caminhantes.
Ainda não consegue. Dia 11, quando a delegação de São Paulo estiver à frente da marcha, “seu” Luiz poderá finalmente repetir o seu feito das marchas de 1997 e 1999 – desta vez, ele puxará 12 mil pessoas, fazendo pensar que não foi um simples acaso ele ter alcançado o Espírito Santo na marcha descrita acima. (MNR)
Numa espécie de aquecimento para a marcha, no Dia do Trabalho, 1º de Maio, a delegação de Minas Gerais conduziu os marchantes por quatro quilômetros até a Praça Cívica, no Centro de Goiânia, onde houve um ato político-cultural. O arcebispo dom Washington Cruz e o pastor Ariovaldo Ramos, da Aliança Evangélica Brasileira, lembraram que Jesus também não se instalou comodamente no norte da Palestina. Durante os discursos, entre os quais o do prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), foram citados os mártires da luta pela terra de cada Estado. Goiás foi lembrado por ter sido o palco da resistência camponesa em Trombas e Formoso, nos anos 50, e por ser o berço da Comissão Pastoral da Terra e do MST. Ao final, houve a bênção de pães que foram repartidos entre os sem-terra.
Cristiano Navarro
O
s 12 mil participantes da Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que dia 2 saíram de Goiânia rumo a Brasília, debaixo de sol forte, já haviam vencido, até dia 4, data do fechamento desta edição, 44 dos 220 quilômetros da BR-060. A marcha deve chegar à Esplanada dos Ministérios dia 17. Das 30 audiências agendadas pelos organizadores com quase todos os ministérios para discutir uma pauta com 16 pontos, 12 já estavam confirmadas nos primeiros dias da marcha. Os caminhantes, organizados em três filas, se estendem por quatro quilômetros de extensão e têm levado cinco horas para dar conta de um percurso médio diário de 16 quilômetros, a uma velocidade de 3 km/h. A rádio itinerante “Brasil em Movimento” FM 88,5, criada especialmente para a marcha em parceria com a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), é a única forma eficaz de comunicação simultânea com os marchantes – cada um carrega um radinho para escutar as orientações. Para se ter uma idéia do tapete vermelho formado pelas bandeiras ao longo do caminho, quando a primeira delegação completa o trajeto, a última ainda leva quase duas horas para chegar. Em um sistema de rodízio, que procura valorizar todas as delegações, a cada dia um Estado diferente puxa a marcha, indo para o final da fila no dia seguinte. A imagem impressiona. A quantidade de pessoas é tamanha que quem está marchando raramente consegue ver o início ou fim da coluna. Militantes de cada Estado, identificados por coletes de diferentes cores com o símbolo do movimento, dividem-se em setores de saúde, segurança, infra-estrutura e comunicação. A cada 3 quilômetros, caminhões-pipa fornecem água aos marchantes para atenuar o calor excessivo do Planalto Central. O espírito de sacrifício está estampado no rosto de cada caminhante, como o sem-terra da Bahia que caminha com uma muleta, e outro do Rio Grande do Norte, que usa um triciclo movimentado por manivela. Todo esse aparato faz a marcha
de companheirismo e amor diariamente. Todos têm responsabilidades ao mesmo tempo em que se sentem protagonistas da luta. Se um dia eu vier morar no Brasil, só haverá sentido viver entre os sem-terra.” Caminham também representantes dos movimentos Atingidos por Barragens, Pequenos Agricultores, Mulheres Camponesas, Trabalhadores Desempregados, Cáritas, quilombolas, Trabalhadores Sem Teto, pela Estatização das Fábricas Ocupadas e 90 religiosos – freiras, aspirantes a freiras e seminaristas da Conferência de Religiosos do Brasil que vão se revezar ao longo da marcha –, além de um repórter da Al Jazeera no Brasil.
Luciney Martins
Marcelo Netto Rodrigues enviado especial a Goiânia (GO)
Uma comissão de representantes da Marcha Nacional pela Reforma Agrária entregou, dia 3, a pauta com as reivindicações da mobilização ao ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, e ao presidente nacional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart. Esse foi o primeiro e o mais importante dos diversos encontros agendados com representantes do governo para acontecer durante a marcha. Os pontos apresentados no documento se referem ao fortalecimento do Incra e à situação dos acampamentos e assentamentos. O descontigenciamento dos recursos para a reforma agrária foi a questão mais enfatizada durante a reunião. “Nós não aceitamos que os R$ 2 bilhões da reforma agrária sejam destinados a pagar juros da dívida”, disse Fátima Ribeiro, da direção nacional do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ela se refere ao corte anunciado no orçamento do ministério de 2005. Ante às críticas, o governo prometeu que iria desbloquear R$ 400 milhões desse corte. Até agora, no entanto, a liberação efetiva de re-
cursos se limitou a R$ 250 milhões. Com isso, a meta do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) de assentar 400 mil famílias até o fim de 2006 fica inviabilizada. O presidente do Incra traçou um cenário pessimista: “Os recursos para obtenção de terra acabam no próximo mês. Estamos selecionando terras para não gastar todo o dinheiro”. Mas o ministro Rossetto está otimista: “Estamos confiantes – e esse é o compromisso do governo – de assegurar recursos integrais para o cumprimento de todas as metas do PNRA“. Na opinião do ministro Rossetto, todos os pontos citados na pauta dialogam com o fortalecimento de uma reforma agrária qualificada para o Brasil. “Minha expectativa é de que possamos avançar bastante com relação a esses temas e responder a esse grande sonho de milhares de famílias que querem trabalhar na terra”. Na reunião, ficou acertado que nos próximos dias serão negociados os diversos pontos de reivindicações para que, no começo da próxima semana, o ministério se pronuncie oficialmente se vai atender à pauta completa. Como lembrou Fátima Ribeiro, “a esperança é a última que morre e é por isso que estamos em marcha”.
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De 5 a 11 de maio de 2005
NACIONAL TRABALHO ESCRAVO
Migrantes, uma crônica da vergonha Tatiana Merlino da Redação
“P
recisa-se de costureiros para trabalhar no Brasil. Salário de 300 dólares ao mês, com direito a moradia e alimentação”. Um anúncio semelhante a esse atraiu Jorge* e Maité*, que acreditaram ser essa a maneira de sair da miséria em que viviam, na periferia de La Paz, capital da Bolívia. Venderam todos os móveis que tinham e partiram rumo ao Brasil. Aqui, contudo, não saíram da miséria. Jorge só compreendeu o que estava acontecendo quando ele e sua esposa demoraram quatro meses para pagar uma dívida que tinham com o coiote (agenciadores), trabalhando duro, das sete da manhã até meia-noite. “Às vezes, até três da manhã, morando num lugar muito ruim”, conta. Se soubesse que a vida seria assim, Maité nunca teria vindo. Mas era tarde demais. O casal procurou outra fábrica. Depois de dois meses de trabalho, nada a receber. Brigaram com os empregadores e procuraram uma terceira fábrica. A mesma coisa. Na quarta, apareceu um tumor no pescoço de Jorge. Feita a cirurgia, descobre-se que decorria de tuberculose ganglionar. Maité também contraiu tuberculose. Com dificuldade de trabalhar, Jorge foi agredido pelo dono da confecção, também boliviano, e o casal foi expulso da fábrica. Eles foram acolhidos pela Casa do Migrante, onde vivem há quatro meses, e estão em tratamento de saúde.
Gustavo Roth/Folha Imagem
Todos os anos, milhares de bolivianos entram ilegalmente no Brasil em busca de trabalho, e são superexplorados
Maioria dos imigrantes bolivianos vive e trabalha em confecções no bairro Bom Retiro, Centro da capital paulista
Os empregadores também se aproveitam da ignorância dos imigrantes em relação à legislação brasileira e abusam do terror psicológico.
TERRORISMO “Eles dizem que se o trabalhador sair, será pego pela polícia e preso. Assim, eles não saem e produzem mais”, afirma padre Pattussi. Outra maneira de cercear a liberdade dos trabalhadores é apreendendo os seus documentos logo no primeiro dia de trabalho. Em muitos casos, os imigrantes também ficam enredados em um ciclo vicioso de dívidas, trabalhando por longos períodos sem receber, para cobrir os custos da viagem para o Brasil. O que aconteceu com Maité e Jorge. No entanto, devido à sua presença ilegal no país, os imigrantes não protestam quando seus empregadores não cumprem o que prometeram, tornando-os presas fáceis para os donos de fábrica que utilizam mãode-obra barata. A situação degradante a que são submetidos os imigrantes é “pior do que no interior”, diz Juan Plaza, coordenador da Casa do Migrante. Em situação irregular, e clandestinos, os estrangeiros sofrem ainda mais do que os escravos do campo, pois não têm como recorrer ao Mi-
ESCRAVIDÃO A história de Jorge e Maité é semelhante à de milhares de bolivianos que saem de seu país fugindo da miséria, e entram ilegalmente no Brasil todos os anos para trabalhar em pequenas confecções da cidade de São Paulo, em condições comparáveis ao que os defensores de direitos humanos chamam de escravidão moderna. Os operários daquelas fabriquetas costumam ser atraídos para a escravidão pelas falsas promessas de bons salários feitas por coiotes, por meio de anúncios em jornais e rádios bolivianos. De acordo com o padre Roque Pattussi, coordenador do Centro Pastoral do Migrante – entidade ligada à Igreja Católica que apóia os imigrantes no país – há grupos que são trancados em porões, fechados com grades, correntes e cadeados.
nistério do Trabalho. “Essas pessoas são submetidas a condições sub-humanas porque não existe na legislação nada que as proteja. Pelo contrário. Nem a legislação trabalhista, nem o Estatuto do Estrangeiro lhes dão respaldo”, acrescenta Plaza. Ele diz que a legislação brasileira dificulta o trabalho dos defensores dos direitos dos imigrantes, e os impede de fazer um “trabalho mais agressivo”. A última coisa que os estrangeiros que vivem em situação degradante querem é que a Polícia Federal apareça, observa Plaza. Nesse caso, explica, terão que pagar multas onerosas e, de um jeito ou de outro, pelo menos eles estão trabalhando. Para o coordenador da Casa do Migrante, a solução é permitir aos imigrantes obter um visto legal de trabalho. Para isso, é preciso mudar a legislação pertinente, argumenta Plaza.
DEGRADAÇÃO As confecções localizadas na região central da capital paulista, e que agora estão se expandindo para o interior do Estado, ficam escondidas para não ser detectadas pela polícia. Nelas, a maioria dos trabalhadores começa a jornada às 7 horas e acaba
meia-noite, com um intervalo curto para as refeições. Em média, ganham 50 centavos por peça de roupa montada, cujo preço de venda nas lojas da região é de até R$ 60. Se danificam uma peça, devem pagar o preço do varejo do item, não os 50 centavos que recebem. Para não levantar suspeitas, as máquinas funcionam em lugares fechados, sem ventilação nem luz natural. Geralmente, os imigrantes moram no local de trabalho, onde vivem em péssimas condições de higiene.
INSALUBRIDADE “Em alguns lugares, só têm direito a tomar banho uma vez por semana”, denuncia padre Roque Pattussi. Para economizar, os empregadores alimentam mal os costureiros, que também ficam o dia inteiro respirando pó. Nessas condições insalubres, a saúde das pessoas vai ficando debilitada. “Eles acabam contraindo doenças como tuberculose, doenças de pele, problemas na coluna. As mulheres também não fazem acompanhamento pré-natal porque não têm documentos e têm medo de ir ao hospital. E ainda trabalham até os últimos meses de gravidez”, afirma a advogada Ruth Camacho, que presta assessoria jurídica aos imigrantes. E também
não vão ao hospital porque perdem o dia de trabalho, e têm aluguel, alimentação, água e luz descontados. Assim, continuam trabalhando, mesmo doentes.
EGOÍSMO Enquanto no interior o trabalho forçado geralmente envolve brasileiros, na cidade de São Paulo, “infelizmente, são os próprios compatriotas que os exploram”, lamenta padre Pattussi. Ou seja, as confecções costumam ser dirigidas por gerentes bolivianos, que trabalham para lojistas coreanos. De acordo com o padre da Pastoral do Migrante, o mundo do imigrante está piorando e ele está se tornando egoísta. “Antes, os imigrantes procuravam se unir para ser fortes. Agora, querem ser ricos para ser fortes. A exploração vem gerando uma eterna repetição de experiências ruins”, observa o padre Patiussi. Prova disso, foi o que Maité e Jorge ouviram de seus empregadores bolivianos, ao questionarem as condições de trabalho a que foram submetidos: “Nós sofremos, vocês também têm que sofrer”. *Por questões de segurança, os nomes dos entrevistados foram modificados.
Apesar da dificuldade em estimar o número de bolivianos residentes na cidade de São Paulo, a Pastoral dos Migrantes calcula que existam 400 mil bolivianos somente na região metropolitana, dos quais apenas 40% (160 mil) em situação regular. Dos 240 mil ilegais, avalia-se que 160 mil estejam trabalhando em 18 mil oficinas de costura. De acordo com o padre Roque Pattussi, a legalização dessa massa de trabalhadores beneficiaria a todos. “Imagine quanto o Estado deixa de arrecadar de impostos com tantas pessoas ilegais”. Segundo os bolivianos e a Pastoral dos Migrantes, entre as medidas que devem ser tomadas para melhorar a situação dos imigrantes que vivem no Estado de São Paulo incluem-se a mudança no Estatuto do Estrangeiro e a legalização do trabalho do imigrante. Hoje, a sua permanência definitiva no Brasil só é possível quando o imigrante tem um filho nascido no Brasil, quando casa com um brasileiro, ou por meio de anistia (a última foi em 1998). O Estatuto, criado em 1980, durante a ditadura militar, veda aos estrangeiros com visto de turista, tem-
Paulo Pereira Lima
Estrangeiros querem ter direitos assegurados
Imigrantes sul-americanos recebem tratamento de saúde e apoio jurídico na Casa do Migrante, no Centro de São Paulo
porário ou de trânsito, o exercício de qualquer atividade remunerada, exceção feita àqueles que têm comprovação de quem os contratou. Por ser anterior à Constituição de 1988, o Estatuto diverge da Carta em questões como saúde e educação. Assim, não permite o acesso do estrangeiro
a estes serviços públicos, enquanto a Constituição assegura tratamento igual a todos.
COMISSÃO Os ministérios do Trabalho, da Justiça e das Relações Exteriores criaram uma comissão interminis-
terial para discutir a reforma do Estatuto do Estrangeiro. De acordo com Luiz Paulo Barreto, secretário executivo do Ministério da Justiça e presidente da comissão, o objetivo da mudança é regularizar os imigrantes ilegais e, caso isso não seja possível, devolvê-los ao país de
origem, “de maneira digna”. As principais alterações propostas são a criação de novas categorias de vistos (por exemplo, para professores, cientistas e empresários), a fim de incentivar a mão-de-obra qualificada e facilitar a emissão de vistos e documentos para imigrantes sul-americanos. Nesse caso, facilitar significará regras menos rígidas e caras, já que regularizar a situação ilegal chega a custar R$ 828 por pessoa, e dar visto de permanência de dois ano para que uma pessoa possa comprovar, durante esse período, residência e meio lícito de sobrevivência no país. Outra medida que está sendo estudada pelo Ministério do Trabalho é a criação de uma portaria que transforme o trabalho boliviano de ilegal para proibido, dando ao imigrante uma carteira de trabalho provisória e um tempo para regularizar sua situação no país. O maior sonho do boliviano Jorge é conseguir documentos legais e trazer seus dois filhos para o Brasil. “Agora que já me aconteceram tantas coisas, peço que me ajudem a ficar no Brasil. Legalmente. Prometo pagar meus impostos”, pede e promete. (TM)
Ano 3 • número 114 • De 5 a 11 de maio de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO RESISTÊNCIA
Alba, novo amanhecer nas Américas Maria Luisa Mendonça de Havana (Cuba)
N
o mesmo período em que ocorreu o 4º Encontro Hemisférico de Luta contra a Alca, de 27 a 30 de abril em Havana, os governos de Cuba e Venezuela firmaram 49 acordos de cooperação que dão início à implementação da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). “Alba significa ‘sol nascente’, significa um novo amanhecer nas Américas, onde os povos se levantam, dispostos a ser livres ou morrer”, anunciou o presidente Hugo Chávez. Os acordos da Alba incluem uma ampla gama de compromissos sociais e econômicos, baseados na solidariedade e no respeito à soberania dos povos. O primeiro ponto do documento diz respeito à saúde, com a formação de 30 mil médicos venezuelanos em Cuba. O governo cubano também se comprometeu a realizar 20 mil cirurgias em venezuelanos de baixa renda, que não têm acesso, por exemplo, a transplantes em seu país. Um dos programas em curso é a chamada “Operação Milagre”, pela qual milhares de venezuelanos cegos por problemas de catarata têm recebido atendimento em Cuba. “Durante um evento na periferia de Caracas, um menino de três anos, com o corpo todo queimado, burlou a segurança e veio correndo em minha direção dizendo: ‘Chávez, me salve! Me mande para Cuba!”, conta o presidente, que visitou o menino em um hospital de Havana.
Timothy Clary/AFP/Folha Imagem
Fidel e Chávez põem em prática novo modelo de integração; Encontro Hemisférico define prioridades para 2005
Manifestantes estadunidenses protestam contra política imperialista de Bush, em Nova York: os acordos da Alba incluem uma ampla gama de compromissos sociais
ciou também a instalação de uma sede da PDVSA (empresa petroleira da Venezuela) e do Banco Industrial da Venezuela em Havana. Em contrapartida, será criado um Banco de Cuba na Venezuela. Os dois países anunciaram ainda a criação da TV Sul, uma rede continental de televisão. Os 49 memorandos e acordos de cooperação incluem também iniciativas nas áreas de transporte, desenvolvimento tecnológico, turismo, meio ambiente, produção agrícola, entre outros. A implementação da Alba coincide com uma situação de impasse nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), prevista para ter início em janeiro de 2005. Este prazo não foi cumprido e, atualmente, não existe nem mesmo acordo sobre um calendário de ne-
ANALFABETISMO ZERO Outro objetivo fundamental da Alba é transformar a Venezuela em “território livre de analfabetismo”, a exemplo de Cuba. Para isso, o governo cubano vai aumentar seu apoio à educação popular. Nos últimos dois anos, educadores cubanos alfabetizaram 1 milhão e 400 mil pessoas na Venezuela. O governo venezuelano anun-
gociação. Isso representa uma importante vitória para os movimentos sociais que compõem a Campanha Continental Contra a Alca e reivindicam que seus governos abandonem esse projeto de submissão aos interesses do governo e das empresas estadunidenses. O impasse nas negociações da Alca levou os Estados Unidos a tentarem firmar acordos comerciais subregionais, como no caso dos Tratados de Livre Comércio (TLCs) Andino, da América Central e do Caribe. Mesmo recebendo grande pressão, muitos países dessas regiões se opõem às condições dos EUA ou têm problemas para justificar sua negociação, frente à forte oposição popular. Diante da dificuldade para estabelecer uma nova reunião minis-
terial da Alca, os Estados Unidos propuseram realizar uma Cúpula Presidencial sobre “governabilidade democrática, combate à pobreza e geração de emprego”, em novembro na Argentina. O anúncio de uma “agenda positiva” visa encobrir as reais prioridades dos EUA para a região: desestabilizar os governos de Cuba e Venezuela, avançar em acordos bilaterais que possam substituir a Alca (incluindo mecanismos de desvio de recursos do setor público para o privado, como as Parcerias Público-Privada), submissão dos exércitos latino-americanos e sua participação no Plano Colômbia, e controle de recursos estratégicos na região do Plano Puebla-Panamá, na Amazônia e na Tríplice Fronteira. Em oposição a esse evento, a Campanha Continental contra a
EQUADOR
Alca vai realizar uma Cúpula dos Povos em Mar Del Plata. A Campanha decidiu também priorizar a luta contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), que fará sua próxima reunião ministerial em dezembro. O Brasil tem um papel central na OMC e sua participação pode destravar as negociações sobre agricultura, bens industriais e serviços. Até a reunião do Conselho Geral da OMC, em julho, serão negociados acordos sobre setores estratégicos, como sistemas financeiros, energia, comunicações, saúde, transporte e educação. A posição do governo brasileiro na OMC pode determinar a capacidade de nosso país desenvolver políticas agrícolas e industriais, e de garantir direitos básicos para a sociedade.
BOLÍVIA
Bruno Fiúza de Quito (Equador) A queda do presidente Lucio Gutiérrez trouxe pelo menos duas mudanças significativas para o Equador – além da troca de governo. Uma é o processo que aponta para um realinhamento no plano internacional e outra é a necessidade de uma transformação do sistema político. Essa, em linhas gerais, é a avaliação que fazem o sociólogo Alejandro Moreano, da Universidade Andina Simón Bolívar, e Milton Benitez, diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Pontifícia Universidade Católica do Equador. Benitez analisa que o sistema político equatoriano entrou em colapso. Para ele, a representação por meio de partidos na América Latina sempre funcionou contra a democracia. “O que essa ‘partidocracia’ faz é confiscar do povo a possibilidade da sua participação soberana e converter as instituições do Estado em instâncias dos grupos oligárquicos”. Segundo o professor, foi justamente contra esse “confisco” da democracia que se ergueu o movimento encabeçado pelos foragidos de Quito. Para Moreano, a reivindicação dos manifestantes que pediam a saída de todos os políticos poderia significar “a abertura de uma nova situação onde o poder constituinte retornaria ao povo”. O professor analisa, no entanto, que a rebelião que derrubou Gutiérrez não atingiu um nível de maturidade que permitisse levar o processo até o final.
Rodrigo Buendia/AFP/ Folha Imagem
As lições que vêm dos Andes
Trabalhadores e indígenas anunciam que vigiarão as ações do novo governo
Moreano diz que, de agora em diante, é o governo de Alfredo Palacio que vai canalizar esse processo, desde que pressionado pela mobilização social. “Entramos em uma fase parecida com aquela pela qual passou a Bolívia, onde temos um governo que expressa a correlação de forças e tende a ir para a direita quando se enfraquecem as pressões sociais, mas quando essas mesmas forças se rearticulam, voltam a colocá-lo em outra direção”.
CONSULTA POPULAR A pressão por mudanças já está surtindo efeito. Palacio anunciou que vai realizar uma consulta popular, uma reforma política e convocar uma assembléia constituinte. Um outro sinal de que o jogo de pressões já se faz sentir é que, se-
gundo Moreano, “o regime nomeou dois cidadãos que tiveram posições bastante radicais para ministérios importantes”. O novo ministro de Governo é Maurício Gándara, figura conhecida pela defesa da soberania do país diante de questões como a base de Manta (reivindicada pelos Estados Unidos) e o Plano Colômbia. Já à frente do Ministério de Economia está Rafael Correa, economista progressista conhecido pela sua postura de questionamento da ordem neoliberal no Equador. Para Milton Benitez, as primeiras medidas de Palacio apontam para uma aproximação com o eixo de países representado por Argentina, Brasil, Venezuela e Uruguai, “essa nova corrente de Estados que, no contexto da crise neoliberal, adotaram o caminho de um desenvolvimento com
uma certa soberania e autonomia”. Moreano também vê mudanças na política externa: “A troca de governo (no Equador) pode mudar a situação na Comunidade Andina de Nações (CAN) e criar uma relação entre Venezuela, Equador e uma Bolívia onde os movimentos sociais estão pressionando. Com um governo de (Alejandro) Toledo debilitado no Peru, quem ficaria isolado seria o colombiano (Álvaro) Uribe, que representa os interesses dos EUA. Os recentes levantes na Bolívia e no Equador podem alterar a correlação de forças”. Segundo Benitez, são basicamente quatro as medidas anunciadas que apontam para uma reorientação: a intenção de manter a base de Manta dentro dos objetivos de policiamento para os quais ela foi criada, impedindo que se transforme em uma base político-militar como queriam os EUA; a intenção de não conceder imunidade aos soldados estadunidenses que atuam no Equador; a defesa de uma posição mais soberana nas negociações do Tratado de Livre Comércio (TLC) Andino, e a aplicação dos recursos vindos do excedente das vendas de petróleo no pagamento da ‘dívida social’, e para o pagamento da dívida externa. Maneira pela qual o ex-presidente Lucio Gutiérrez batizava os participantes dos protestos contra seu governo. Quer dizer, em português, algo como “marginais”. Depois, os próprios participantes adotaram o apelido.
Nova lei valerá para contratos em vigor da Redação O Senado boliviano ratificou, 28 de abril, um polêmico artigo que prevê a adequação obrigatória dos atuais contratos petrolíferos à nova lei sobre o petróleo e derivados, rejeitando pedido do presidente Carlos Mesa que se opunha à medida. A Lei de Hidrocarburetos já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está para ser votada pelos senadores. Entre suas principais medidas, está o aumento da cobrança de licença (royalties) para as transnacionais explorarem o gás e o petróleo bolivianos. Como o presidente também é contrário à lei, não se afasta a hipótese de um conflito entre o Congresso e o Executivo. Mesa está em intensa campanha afirmando que, se os senadores aprovarem uma lei obrigando as transnacionais a mudar sua posição na Bolívia, vão afugentar os investidores e farão com que o Estado responda a processos internacionais exigindo mais de 5 bilhões de dólares de indenização. Os senadores rebatem as ameaças e afirmam que as empresas não têm tanto poder de fogo. Fontes legislativas apontam que os próprios contratos das transnacionais estão sendo questionados porque não foram autorizados pelo Congresso. Até o fechamento desta edição, 4 de maio, o Senado não havia votado a nova Lei de Hidrocarburetos. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)
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De 5 a 11 de maio de 2005
AMÉRICA LATINA VENEZUELA
Um povo em defesa de sua soberania Cláudia Jardim de Caracas (Venezuela)
A
resposta da Venezuela frente à ameaça dos Estados Unidos de intervir no país está sendo preparada em pequenas reuniões nos bairros das cidades venezuelanas, onde militares com o auxílio das comunidades definem as estratégias para a formação das Unidades de Defesa Nacional (UDN). “Nós temos muitas riquezas naturais e os EUA têm pretensões de ocupar nosso território para controlá-las. O único meio para tentar dissuadir uma possível invasão é contar com a organização das comunidades para a defesa”, explica o major do Exército, Heriberto Castillo, um dos responsáveis pela formação das UDN. A Venezuela possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo, que era controlada pelos EUA até a chegada de Chávez à Presidência, em 1999.
Andrew Alvarez/ AFP/ Folha Imagem
Exército dá treinamento militar a cidadãos e organiza resistência frente à possibilidade de uma invasão dos EUA
Uma nova doutrina militar A formação das Unidades de Defesa Nacional (UDN) e a união cívico-militar fazem parte de uma nova doutrina militar que está sendo desenvolvida nas Forças Armadas Venezuelanas, com base na realidade e na história do país. Há décadas, os militares são formados por oficiais dos Estados Unidos. Na semana passada, o presidente Hugo Chávez suspendeu um intercâmbio de 35 anos com oficiais estadunidenses, após acusá-los de conspiração. Grande parte da tecnologia utilizada para a construção das armas de defesa venezuelanas vem dos Estados Unidos. Há poucos meses, Chávez encomendou a fabricação de armas e de 40 helicópteros durante sua visita a Rússia – medida que foi duramente criticada pelos estadunidenses. Um dos elementos que compõem essa nova estratégia militar serão táticas de batalhas terrestres. “A doutrina estadunidense que nos foi ensinada era a de combater a guerra de guerrilhas. Mas nossa realidade indica que esse pode ser um dos elementos que devemos utilizar em um eventual conflito”, explica o major do Exército, Heriberto Castillo. Outra iniciativa é colocar civis e militares venezuelanos para participarem de treinamentos com o objetivo de resistir ao que Chávez chama de “guerra assimétrica” – quando uma das tropas é consideravelmente inferior à outra. “É preciso admitir que nossos quadros não estão plenamente capacitados para suportar uma invasão territorial por parte do império estadunidense, considerando a capacidade tecnológica”, diz Castillo. (CJ)
TRABALHO COMUNITÁRIO De acordo com o sargento Octávio Sampayo, do 7º Corpo de Reserva do Exército, desde donas de casas a profissionais dos mais diferentes setores estão se inscrevendo nas UDN. Reunido em uma quarta-feira à noite no bairro de Cátia, periferia de Caracas, com cerca de 80 voluntários – dos quais 60% eram mulheres –, Castillo explicou quais serão as tarefas dos novos reservistas. Além de treinamento militar, as UDN serão treinadas para realizar trabalhos comunitários que envolvem a luta contra a pobreza, o acesso à saúde e educação. “Quando há consciência disso, estamos prontos para defender a nação de maneira integral”, explica o major. Maria Castellanos Miranda, uma das primeiras a chegar à reunião, explica por que os venezuelanos atenderam ao pedido do presidente para a população se mobilizar pela defesa nacional.
Venezuelanos atendem ao pedido do presidente Chávez e se mobilizam para defender a soberania nacional
“Antes, estávamos tão dominados que pensávamos que éramos gringos. Agora, resgatamos o conceito de pátria. Nossa revolução ninguém derruba e o povo está determinado a defender sua soberania”, comenta a advogada de 75 anos. Questionada se os venezuelanos hoje estariam preparados para resistir a uma invasão, Maria é enfática: “Também não estávamos preparados para o 11 de abril (golpe de Estado), mas o povo e os militares se uniram e resgataram o
presidente”, responde. A secretária Zalieny Wilclez, acompanhada de um dos seus três filhos que ouvia atentamente as orientações do major do Exército, diz estar feliz por poder ingressar à reserva. “Agora, temos consciência e oportunidade de lutar por nosso país. Se for preciso dar minha vida em troca da liberdade dos meus filhos, estou pronta”, afirma. Qualquer venezuelano, acima dos 18 anos, pode se integrar às
UDN. Em cada região do país será designado um comitê para organizar as comunidades que, segundo as estimativas do Exército, devem somar cerca de 1,5 milhão de novos reservistas. A participação de civis na defesa militar está garantida pela Constituição e pelas regras das Forças Armadas Nacional (FAN). De acordo com a Carta Magna, a “segurança da nação se fundamenta na corresponsabilidade do Estado e da sociedade civil”.
ESTRATÉGIA ESTADUNIDENSE
EUA perdem disputa na OEA
Em visita ao Brasil, de 26 a 27 de abril, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, deve ter se surpreendido com os discursos que ouviu em Brasília. Nos encontros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Celso Amorim (Relações Exteriores), recebeu afagos, ouviu elogios e, inesperadamente, sentiu atritos. Atritos cordiais, diga-se de passagem. O tema da discórdia foi principalmente as apreciações sobre o governo venezuelano. Viagens oficiais, quando se trata de países aliados (o que Condoleezza e os representantes brasileiros insistiram em denotar), são geralmente solenidades sem muito conteúdo. Foi esse o ambiente da visita do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, que esteve no Brasil em março. No caso da secretária de Estado, houve, no mínimo, quebra de protocolo.
DISCÓRDIA VENEZUELANA Condoleezza chegou ao Brasil demonizando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. A mesma estratégia discursiva que adotou no Chile, Colômbia e El Salvador, países que também visitou. A secretária denunciou o que considera ser a fragilidade democrática venezuelana. Um país submetido a um governo instável, segundo ela, que impede que o povo tenha acesso à liberdade. A estratégia da secretária, a mesma do presidente George W. Bush,
Condoleezza Rice faz palestra sobre a política externa estadunidense, em Brasília
como veiculou o jornal estadunidense The New York Times, é articular a criação de um bloco latino-americano contra o líder venezuelano. Para concretizar seu projeto, Bush pretende viajar pela América Latina, incluindo o Brasil, no final do ano. Lula e seus ministros contrariaram a expectativa do governo estadunidense e não pouparam elogios a Chávez. O chefe da Divisão dos Estados Unidos e Canadá do Ministério das Relações Exteriores, Paulo Alvarenga, traduz a visão do governo brasileiro sobre Chávez: “Há um respeito muito grande em relação à Venezuela, país com o qual nós temos uma política de Estado. É um parceiro estratégico”.
MERO DESVIO? Aos olhos de Condoleezza, a atitude do governo brasileiro deve ter sido considerada um desvio.
Até mesmo porque, como ressalta Alvarenga, em entrevista ao Brasil de Fato: “As relações do Brasil com os Estados Unidos estão em uma das fases mais positivas. Há uma coincidência dos dois países em relação a valores universais, sobretudo a defesa da democracia, da paz, o combate ao terrorismo, o combate à corrupção. Há uma visão comum em relação a valores universais”. Tradicionalmente, a política externa brasileira se alinhou às orientações do governo estadunidense. No século 20, a não ser em curtos períodos, os presidentes e ditadores brasileiros se postaram na trincheira do país da América do Norte. Mais recentemente, essa atitude ficou clara nas tímidas declarações dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula sobre os ataques – que condenavam – ao Afeganistão e Iraque, respectivamente em 2001 e 2003.
da Redação
Nesse contexto, o engrossamento da voz da política externa brasileira pode gerar desconforto para os Estados Unidos. Mas a discórdia sobre a Venezuela não é um enfrentamento. Longe disso, como afirma Alvarenga, é mais uma discussão de rotina. Mostra, entretanto, que a identidade da política externa brasileira oscila. E convive com os extremos: segue a visão de mundo do governo dos Estados Unidos e defende, no discurso, a democracia da Venezuela. O primeiro país, com um presidente imperialista e ultraliberal, adota uma política de benefício aos mais ricos. O segundo se firma como uma alternativa à globalização econômica e fazendo políticas sociais radicais (reforma agrária, alfabetização massiva) que atendem às necessidades dos mais pobres.
Pela primeira vez nos 57 anos de história da Organização dos Estados Americanos (OEA), os Estados Unidos não conseguiram eleger seu candidato como secretário-geral. Dia 2, o ministro do Interior do Chile, José Miguel Insulza, foi escolhido como novo dirigente da OEA, apoiado pela Argentina, Brasil e Venezuela. O presidente George W. Bush costurou, no entanto, um acordo durante a visita da secretária de Estado, Condoleezza Rice ao Chile com o objetivo de reverter o resultado. Segundo o site Alia2, Insulza teria se comprometido a contribuir para a “democracia” em Cuba e a trabalhar para reativar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O chileno também teria aceito a missão de trabalhar para moderar o radicalismo do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Outro projeto que agrada aos EUA é a proposta que Insulza pretende levantar de criar mecanismos de fiscalização e controle dos países-membros e de Cuba, que não está na OEA, intervindo em seus assuntos internos. (www.alia2.net)
DEFINIÇÃO NA PRÁTICA Se, no discurso, oscila, a prática da política externa brasileira está bem definida. Rende-se ao modelo dos Estados Unidos. Reflexo disto é a participação na ocupação ao Haiti, iniciada em julho de 2004, aplaudida por Bush e condenada por associações da sociedade civil brasileiras e haitianas. Assim, a dissonância que se ouve em relação à Venezuela não pode ser entendida como um projeto autônomo de política externa. No máximo, sob o olhar disciplinador de Bush, pode ser vista como uma travessura. (Colaborou Igor Ojeda, da Redação)
Divulgação
João Alexandre Peschanski da Redação
Antônio Cruz/ABR
Brasil, o menino travesso do império
Insulza, novo secretário-geral da OEA
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INTERNACIONAL DIREITOS HUMANOS
Mais de 2 milhões estão presos nos EUA N
a cadeia, 726 pessoas a cada cem mil habitantes. Ou um preso a cada 138 residentes. Ou, ainda, 2,1 milhões de cidadãos atrás das grades. Seja como for que se o calcule, o novo dado publicado na semana passada pelo Departamento da Justiça estadunidense não poderia ser mais claro: nos Estados Unidos, está em curso um fenômeno que poderia ser definido, sem exagero, como “encarceramento em massa”, como de fato o qualificam colunistas respeitados da imprensa dos EUA. Em um ano – de 30 de junho de 2003 a 30 de junho de 2004 –, a população carcerária, de 48.452 pessoas, aumentou a uma taxa de 2,3 %. Isso significa que a cada semana, nos Estados Unidos, acabam na prisão 900 pessoas – apesar de, há dez anos, a taxa de criminalidade estar em queda. A tendência de crescimento das prisões vem ocorrendo há anos. “Esse dado está relacionado com as políticas contra as drogas, postas em ação entre os anos 80 e 90”, explicou Paige Harrison, funcionária do Departamento da Justiça e co-autora do relatório. Mas, segundo o Sentencing Project, uma organização nãogovernamental com sede em Washington que promove alternativas à prisão, muitos presos que permanecem nas celas estadunidenses foram condenados por delitos de pequena importância. “Se não começarmos a promover políticas alternativas à prisão, continuaremos a ser o país líder, de fato, em encarceramentos”,
Muitos presos que permanecem nas celas estadunidenses foram condenados por delitos de pequena importância
disse Malcolm Young, do Sentencing Project. Segundo dados do Justice Policy Institute, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar nas estatísticas mundiais por número de pessoas presas: 726 a cada 100 mil residentes. Na Grã-Bretanha, são 142 por cem mil; na China 118, na Itália cem. As estatísticas do Departamento
ANÁLISE
A marginalização termina na cadeia Patrizio Gonnella Prisões federais, prisões estatais, prisões de condado. Prisões privadas. Pulseiras eletrônicas. Liberdade vigiada, liberdade condicional. No total, 6 milhões de pessoas sujeitas a controle penal, das quais um terço trancafiado na cadeia. A cada 45 pessoas livres, há uma que está para entrar na cadeia, que poderia estar na cadeia, que já está na cadeia. Números que, no mundo, não encontram concorrente. A Rússia, com 500 presos a cada cem mil habitantes, e a China, com seu total obscuro de presos, são as únicas rivais significativas. É de se perguntar como, afinal, os Estados Unidos entraram no caminho do maior encarceramento de massa desde o pósguerra até hoje, no mundo inteiro. Só nos períodos de guerra houve números de tal porte, mas eram prisioneiros de guerra, soldados de um exército inimigo detidos num campo de aprisionamento. Hoje, ao invés disso, a grande reclusão estadunidense encontra explicações completamente diferentes. As raízes disso são as raízes de uma sociedade neoliberal que construiu seu próprio consenso sobre a exclusão social, sobre o encarceramento da pobreza. Aquela enorme quantidade de pessoas excluídas da democracia majoritária, marginais em relação aos processos produtivos, que conta como estatística negativa nos percentuais dos empregados, e se torna objeto das políticas de “tolerância zero”, de Rudolph Giuliani em diante. Os sem-casa, os dependentes de heroína, os afro-americanos não são mais um custo social, mas uma oportunidade econômica que se consolidou para o sistema público-privado das prisões estadunidenses. Há Estados em que a influência das prisões e dos presos sobre o Produto Interno Bruto é bem supe-
rior à produção industrial. Assim o número de presos cresce, o de desempregados diminui e as verbas sociais não são mais necessárias. Surge um mecanismo circular: menos bem-estar social, inevitabilidade da escolha pelo crime, repressão do desvio, difusão do encarceramento. Menos de um décimo dos presos está em prisões federais. Todos os outros estão em prisões estaduais, de condado ou privadas. O Departamento da Justiça não sabe o que acontece nessas celas, não dispõe nem de jurisdição nem de controle sobre essas prisões. Uma empresa privada que dirige uma cadeia pode impor o princípio do sigilo empresarial a quem quiser fazer perguntas sobre a qualidade de vida dos presos ou sobre o tratamento dado a eles. Mesmo quando quem pergunta é a Organização das Nações Unidas (ONU). Afinal, os Estados Unidos nunca quiseram assinar nem ratificar o protocolo da Convenção da ONU Contra a Tortura, que prevê um mecanismo de inspeção universal nos locais de detenção e nas prisões. Esses são os Estados Unidos da era de George W. Bush. No entanto, os Estados Unidos nem sempre foram assim. Há trinta anos os presos eram um sexto dos atuais. A política era menos brutal. O cinema estadunidense estava cheio de filmes que apresentavam outras visões sobre as cadeias. Papillon, Fuga de Alcatraz, The Blues Brothers. Sim, porque John Beluschi e Dan Aykroyd iniciam e terminam suas aventuras musicaissociais com presos. Hoje, a figura do preso simpático, do preso herói, do preso vítima, não pertence mais ao imaginário hollywoodiano e estadunidense em geral. Patrizio Gonnella é articulista do jornal Il Manifesto, www.ilmanifesto.it
da Justiça estadunidense confirmam, além disso, que a composição da população carcerária demonstra uma penalização das minorias e, em geral, das camadas sociais mais fracas. Estão presos 12,6% dos homens negros entre 20 e 30 anos, contra 3,6 % dos hispânicos e 1,7 % dos brancos. As mulheres continuam sendo o segmento que cresce mais veloz-
mente na população carcerária, com uma taxa anual de 2,9%. Segundo observadores do sistema judiciário estadunidense – que continua um dos mais avançados do mundo, ao menos formalmente, no que se refere aos direitos do acusado –, a partir dos anos 90 começou um “endurecimento” das regras processuais e do Código Penal. A
última polêmica começou no início deste ano, a partir de uma sentença que condenou a trinta anos de cárcere um consumidor de cocaína , quando foram revistas as regras de aplicação das penas, pisando o acelerador rumo a um sistema de penas mínimas obrigatórias, com penas muito pesadas para os reincidentes. (Il manifesto, www.ilmanifesto.it)
Human Rights quer colocar Rumsfeld no banco dos réus William Fisher de Nova York (EUA) O governo dos Estados Unidos deveria designar um promotor independente para investigar a responsabilidade de militares de alta patente e autoridades civis nas torturas cometidas no contexto da “guerra contra o terrorismo”, sugeriu a organização humanitária Human Rights Watch (HRW). “Cresce a evidência de que altos líderes civis e militares estadunidenses, incluindo o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld; o ex-diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), George Tenet; o ex-comandante-em-chefe das tropas no Iraque, Ricardo Sánchez; e o ex-comandante do acampamento de prisioneiros na base militar de Guantánamo, em Cuba, Geoffrey Millar, tomaram decisões que facilitaram e propagaram as violações da lei”, segundo a HRW. O relatório “Tortura sem castigo? Responsabilidade do comando pelos maus-tratos contra prisioneiros” foi divulgado dia 28 de abril, três dias antes de completar um ano da divulgação mundial de uma série de fotos documentando torturas cometidas por soldados estadunidenses na prisão iraquiana de Abu Ghraib. Na opinião da Human Rights Watch, um ano depois, “um muro de impunidade ainda cerca os arquitetos das políticas responsáveis pelos abusos”. O presidente do independente Centro pelos Direitos Constitucionais, com sede em Nova York, Michael Ratner, apoiou o pedido da organização: “Existe uma conspiração das autoridades que aprovaram e colaboraram com a tortura para ocultá-la”. O Exército estadunidense anunciou, na semana passada, a isenção de Sánchez de toda responsabilidade pelas torturas cometidas em Abu Ghraib, que provocaram a indignação mundial no ano passado. O Departamento de Defesa disse que Ru-
France Presse
Cinzia Gubbini de Nova York (EUA)
João Alexandre Peschanski
País é campeão em encarceramento: a cada 138 estadunidenses, um está na cadeia. Por semana, 900 novos detidos
Impunidade nos casos de tortura de presos em Abu Ghraib, no Iraque
msfeld nunca autorizou nem relevou os maus-tratos. A HRW solicitou ao procurador-geral que “designe um procurador especial para investigar qualquer autoridade estadunidense, sem importar sua patente nem status, que possa ter participado, ordenado ou tido qualquer responsabilidade de comando pelos crimes de guerra, torturas ou outros abusos cometidos contra prisioneiros sob custódia dos Estados Unidos”. A doutrina da responsabilidade de comando faz com que os superiores prestem contas pelos abusos cometidos por seus subordinados, caso não tenham tomado as medidas mínimas para detê-los.
PROMOTOR INDEPENDENTE Segundo a HRW, ainda, há evidências suficientes de que isso ocorreu em relação aos abusos em Abu Ghraib e Guantánamo, embora a prática de torturas fosse conhecida pelos superiores. A organização pediu que as investigações sejam feitas fora do âmbito do Departamento de Justiça, pois Gonzales foi um dos que aprovaram as técnicas de interrogatório aplicadas no Iraque e que violaram a lei internacional.
Gonzales, “como chefe do Departamento de Justiça, esteve muito envolvido nas políticas que derivaram nos crimes denunciados, e por isso não deveria estar em um conflito de interesses, pois ele também poderia ter algum grau de responsabilidade”, afirmou a Human Rights Watch. As normas do Departamento de Justiça exigem a designação de um promotor independente quanto existe um conflito de interesses. A HRW também recomendou ao Congresso a criação de uma comissão especial para investigar as torturas, como fez para analisar os passos do governo depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. A organização acusou Rumsfeld e outras autoridades de terem aprovado métodos coercitivos, como obrigar prisioneiros a ficar nus e em posições humilhantes e submetê-los a intimidações com cães. Esse tipo de tortura, inicialmente idealizadas para o centro de detenção de Guantánamo, foi aplicado sem restrições no Afeganistão e no Iraque, apesar de Washington condenar tais práticas por parte de outros governos, ressaltou a organização. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
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INTERNACIONAL TOGO
Oposicionista se declara presidente Noel Kokou Tadegnon de Lomé (Togo)
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ia 27 de abril, o candidato da oposição, Akitani-Bob, se declarou vencedor das eleições presidenciais do Togo, apesar de a Comissão Eleitoral Nacional Independente (Ceni) ter proclamado a vitória de Faure Gnassingbe, no dia anterior. O anúncio oficial, recebido com ira por simpatizantes da oposição, gerou uma onda de confrontos nas ruas da capital Lomé. Populares fizeram barricadas e a polícia respondeu com gás lacrimongêneo. “Levantaremos mais barricadas e faremos do Togo um país ingovernável”, afirmou o manifestante Celestin Soke. Mais de mil togoleses fugiram da violência e buscaram refúgio em Benin, segundo o escritório municipal da localidade fronteiriça de GrandPopo. Quando Akitani-Bob se declarou vitorioso, ocorreram novos protestos. Fala-se em uma dezena de manifestantes mortos a tiros e muitos feridos. Milhares de simpatizantes de Faure Gnassingbe, filho do falecido presidente Gnassingbe Eyadema, também saíram às ruas. Muitos chegaram do norte do país, reduto governista, armados de facões. O presidente da Ceni, Kissem Thangai Walla, afirmou que, segundo os dados preliminares, Gnassingbe obteve 60,22% dos votos e Akitani-Bob, 38,19%. O oposicionista moderado, Harry Olympio, conseguiu apenas 0,55%. A Ceni calculou que dois terços dos cidadãos aptos a votar compareceram às urnas. De todo modo, a própria comissão advertiu que não pôde apurar os votos depositados em urnas destruídas por manifestantes. “O presidente disse que essa
Pius Utomi Ekpei/AFP/ Folha Imagem
Em meio a confrontos violentos nas ruas da capital Lomé, Akitani-Bob desafia resultados oficiais governistas
TOGO Localização: Oeste da África Nacionalidade: togolesa Cidades principais: Lomé (capital), Sokodé, Kpalimé, Lama-Kara Línguas: francês, cabiê e euê (oficiais) Divisão administrativa: 5 regiões População: 5,1 milhões Moeda: franco CFA Religiões: crenças indígenas (70%), cristã (20%), muçulmana (10%)
Grupo de refugiados togolenses chega a Hilla Condji, no Benin: conflito acirrou-se entre partidários do governo e da oposição
vitória é de todo o povo de Togo”, afirmou o diretor da campanha de Gnassingbe, Komi Selom Klassou. O dirigente governista “planeja apelar a todos os cidadãos para construir um Togo estável”. Porém, a oposição advertiu que o governo cometeu uma “fraude maciça”, não só durante a votação, mas, também, no processo de verificação e na distribuição das credenciais. Jovens concentrados nas ruas gritavam em coro: “Nos roubaram a vitória”. As preocupações pelo que consideram uma má preparação das eleições levaram Akitani-Bob, Olympio e outro candidato de oposição que depois retirou sua candidatura, Nicolas Lawson, a reclamar o adiamento da votação. O então ministro do Interior,
François Boko, aderiu ao chamado, mas a resposta foi sua destituição. Agora, estaria refugiado na embaixada da Alemanha. A campanha eleitoral foi marcada por choques entre facções rivais em várias zonas da capital, nos dias 16 e 17 de abril. Estima-se que seis simpatizantes do governo e um da oposição morreram. “Nos negamos a aceitar que nos roubem as eleições pela enésima vez”, disse o secretário-geral da União de Forças pela Mudança (UFC), Jean Pierre Fabre, cujo partido era um dos seis que apoiavam a candidatura de Akitani-Bob. Faure Gnassingbe assumiu a chefia do Estado depois da morte de seu pai, em fevereiro, com apoio das forças armadas. Pressionado pela oposição, que qualificou sua
investidura de inconstitucional, concordou em convocar eleições e se apresentou como candidato da União do Povo Togolês. Muitos opositores exilados em Gana regressaram à capital, onde dirigentes convocaram uma resistência maciça ao novo governo. O subsecretário-executivo da Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental (Ecowas), Cheick Oumar Diarra, admitiu a constatação de várias irregularidades nas eleições. O bloco enviara cerca de 150 observadores. Porém, segundo Diarra, as irregularidades não foram suficientemente sérias a ponto de colocar em dúvida o resultado da votação. O presidente da Liga Togolesa de Direitos Humanos, Adote Ghandi Akwe, ad-
vertiu que não houve observadores durante a votação, o que, segundo ele, constituiu uma violação das leis eleitorais. A organização não-governamental (ONG) Iniciativa 150 garantiu que partidários do governo procuraram colocar irregularmente folhas de votação governistas nas urnas, ao mesmo tempo em que negavam acesso aos locais de votação aos seus representantes. “Depois das eleições, milicianos encapuzados levaram as urnas à força. De acordo com a lei, elas devem ser abertas em público”, afirmou a ONG. Gnassingbe se propõe formar um governo de unidade nacional. Gilchrist Olympio rejeitou sua oferta e o acusou de conduzir uma “farsa” eleitoral. (Colaborou Ali Idrissou-Toure, de Cotonou, Agência IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
ANÁLISE
Neville Gabriel
nerabilidade da África. O Sínodo Africano de Bispos se pronunciou firmemente a favor de que a Igreja se comprometa diretamente na transformação das causas fundamentais dos urgentes problemas sociais e das injustiças econômicas na África.
PAUTAS COLONIAIS
Paulo Pereira Lima
Apesar de sua notável presença em muitas partes do mundo e de seu interesse por assuntos globais, João Paulo II foi um papa inteiramente europeu. Sua profunda preocupação pela Europa foi onipresente: queria que nesse continente fosse revivida a herança cultural cristã e que “respirasse com os dois pulmões”, o Oeste e o Leste. Entretanto, o desafio mais urgente que o mundo enfrenta hoje em dia tem mais um eixo Norte-Sul do que Leste-Oeste. O atual perigo para a África é que a competição no seio do Norte do mundo pelo domínio econômico e político global possa significar outro século dominado pela rivalidade e conciliação Leste-Oeste e que os mais pobres do mundo, que são precisamente os africanos, continuem sendo esquecidos. Apesar da apocalíptica tragédia cotidiana que é o Sul de um mundo onde mais de 800 milhões de pessoas vão dormir com fome, 24 mil morrem diariamente de inanição, seis milhões de crianças morrem a cada ano devido à desnutrição an-
tes de completarem 5 anos de vida e o HIV/Aids mata mais de dois milhões por ano, a África enfrenta a constante ameaça de ser deixada para baixo na lista de prioridades dos governantes do mundo. Com Bento XVI haverá uma verdadeira diferença para a África? A Igreja na África não tem outra opção a não ser ver-se comprometida na prevenção da Aids e no cuidado dos infectados por essa doença. Na África, a Igreja tem Aids. Ou seja, teologicamente falando, o “corpo de Cristo” tem Aids. Ao lado de impressionantes esforços da Igreja para ajudar os doentes de Aids, a experiência africana apresenta um sério desafio para a Santa Sé quanto a dar novo significado aos seus ensinamentos sobre a utilização de preservativos para prevenir o HIV/Aids. Seria uma derrota da moralidade continuar considerando os pecadores boas pessoas que simplesmente querem continuar vivas em meio a tantos perigos. Mas o desafio para a África vai mais além de tratar a pandemia. A Igreja deve abordar em profundidade a questão da vul-
Albergue para refugiados de guerra em Joannesburgo, na África do Sul
Paulo Pereira Lima
Uma Igreja com Aids observa Bento XVI
Apesar dos valentes esforços de alguns políticos africanos para renovar o continente, a maioria deles deve ser incentivada a acelerar os esforços para reverter a espiral descendente em que estão presos os pobres. Embora as relações políticas de perfil colonial talvez tenham terminado, certas pautas coloniais seguem caracterizando as relações econômicas da África com o mundo. A Igreja, com o novo papa, deverá trabalhar ativamente para transformar de uma vez o continente africano e sua situação na comunidade global. Entretanto, com algumas poucas e notáveis exceções, os dirigentes eclesiásticos africanos se omitem em se pronunciar com voz forte sobre as injustiças econômicas e políticas internacionais-chave que estão provocando o atraso do continente. E mesmo quando eles falam em defesa dos pobres suas vozes são ignoradas pelos líderes mundiais. Mas também seria ingênuo acreditar que a Igreja africana pode verdadeiramente representar de modo suficiente a opinião pública sem estar profundamente arraigada às realidades culturais dos povos do continente. Quando era cardeal, Joseph Ratzinger escreveu que nós deveríamos falar propriamente de “interculturação” e não de “aculturação” da Igreja e que a evangelização é o encontro
Africanos cobram ensinamentos da Igreja em relação ao uso do preservativo
do Evangelho por uma cultura através de sua expressão em sua forma cultural anterior. Estava certo. O novo papa deve construir dentro da Igreja a confiança de que o Evangelho pode ser inserido na cultura africana. Bento XVI, embora não seja um africano, poderia conseguir isso. Porque a África necessita não tanto de um papa africano, mas de um que no âmbito global esteja com a África. Os problemas desse continente não estão todos na África propriamente dita. Estão igualmente na América do Norte, Europa e China e tratam em grande parte da escravidão da dívida, da injustiça no intercâmbio comercial, da exclusão global e de velhas rivalidades geopolíticas sobre a democracia, da cultura dos direitos humanos e do desenvolvimento. A África necessita de mais paladinos em nível mundial que digam a ver-
dade aos poderes globais. Infelizmente, há muito poucos dirigentes preparados para apoiar sua retórica com ações. Além disso, as poderosas forças políticas e econômicas às quais se devem contrapor são cada vez mais esquivas. E o certo é que durante o período em que ocupou o cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Ratzinger não demonstrou um particular interesse pelos problemas da África. Sua principal preocupação foi a de conservar a ortodoxia no interior da Igreja Católica. Se o papa Bento XVI mantiver essa orientação, não haverá mudanças na África. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br) Neville Gabriel é coordenador do Departamento de Justiça e Paz da Conferência de Bispos Católicos da África Austral
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DEBATE DESINFORMAÇÃO
Quem precisa de Veja? tubro de 2000, pelo qual a Venezuela fornece a Cuba 53 milhões de barris diários de petróleo – metade do que a Ilha consome – a preços de mercado, com prazo de carência de até 15 anos. Além de pagar, Cuba compensa as condições de financiamento mediante o fornecimento de serviços médicos, educacionais e esportivos, além de remédios, vacina e açúcar. A íntegra do acordo pode ser lida em: http://www.asambleanacional.go v.ve/ns2/leyes.asp?id=175 Seria bom aos elementos responsáveis pelos textos de Veja darem uma lida antes de mentirem aos seus leitores.
Gilberto Maringoni presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frías, está atravessado na garganta da revista Veja. Os motivos são basicamente dois. Um é – chamemos as coisas pelos nomes – ideológico. Veja soma-se ao ódio de fundo – pelos nomes, pelos nomes! – classista, racista e político devotado ao mandatário venezuelano pela mídia de seu país, que o sataniza ao ponto de concluir tratar-se de um débil mental. A pauta é ditada pela imprensa estadunidense mais conservadora, tendo o Washington Post à frente. Veja acha que Chávez não é democrático. Até aí, é um direito de quem manda na publicação.
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pe Kip
Mas o ódio de Veja tem por base um outro elemento, mais concreto. Chávez estragou uma capa que deve ter dado muita satisfação à alta direção da empresa da família Civita. Recordemos a chamada de capa do número 1.747, datada de 17 de abril de 2002. A edição fechava na noite de sextafeira, 12 de abril. Menos de 20 horas antes, a oposição a Chávez – composta por membros do empresariado, em aliança com o alto comando das forças armadas, setores da burocracia petroleira e a Casa Branca – consumara um golpe que o retirara do palácio de Miraflores, acabando com as instituições democráticas do país. Veja não teve dúvidas. Sapecou na capa a chamada “A queda do presidente fanfarrão”. Na página 45, Veja sentenciava: “Sua queda foi recebida como boa notícia no mundo: melhorou o índice risco-país da Venezuela, a bolsa de Caracas disparou (alta de 8%) e o preço internacional do petróleo caiu 9%”. Todos sabem o resto da história. Quando chegou às bancas, na manhã de domingo, a edição estava para lá de velha. Milhões de venezuelanos nas ruas e uma inédita divisão do Exército abortaram o golpe. Veja sequer pediu desculpas aos leitores pela barriga, na semana seguinte.
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ESTRAGOU UMA CAPA
Agora Veja volta à carga na edição desta semana, aliás, primorosa no que revela de sua linha editorial. A capa é eloqüente: “Quem precisa de um novo Fidel?” Encimada pela expressão carrancuda do líder venezuelano, a manchete logo emenda: “Com milícias, censura, intervenção em países vizinhos e briga com os EUA, Hugo Chávez está fazendo da Venezuela uma nova Cuba”. CONDINHA PAZ E AMOR
A entrevista das páginas amarelas é com a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. O tom é todo Condinha paz e amor, como se vê pelo trecho seguinte: “Mesmo quando a missão inclui assuntos mais comezinhos, como as encrencas de Hugo Chávez na Venezuela e as hesitações brasileiras na Alca, Condi tem se saído extraordinariamente bem na Operação Simpatia. (...) Pianista, especialista em relações internacionais e fluente em russo, chegou a reitora de Stanford e, embora negue quase que diariamente, o
caminho da Casa Branca é uma possibilidade no horizonte”. Não há encrencas COM Hugo Chávez, mas encrencas DE Hugo Chávez, de acordo com o olho da entrevista. O pingue-pongue pauta a edição. Mas a grande arte está lá pelo meio da revista, sob o espirituoso título “O clone do totalitarismo”. Em seis páginas ficamos sabendo, entre outras coisas, o que se segue. Alguns comentários são colocados abaixo de cada trecho. ”Chávez dá dinheiro e apoio político e técnico para movimentos de esquerda latino-americanos”. Sequer a CIA consegue levantar uma única evidência de que tal fato esteja acontecendo. ”Venezuela substituiu a União Soviética como patrocinadora do regime castrista em Cuba, fornecendo petróleo e abastecendo o país de bens de consumo industrializados, tudo a preço simbólico ou a fundo perdido”. Não há preço simbólico ou fundo perdido. Há um acordo, firmado em 30 de ou-
O que tem acontecido na divisa com a Colômbia é uma intensa provocação à Venezuela. As forças armadas do país presidido por Alvaro Uribe são dirigidas, armadas e instruídas pelos EUA, através do Plano Colômbia “Ele diz a toda hora que os americanos querem matá-lo ou estão prontos para invadir o país. Até agora, de real, o que se viu foi o governo de George W. Bush evitar respostas às provocações.” Até agora o que de real se viu foi o governo Bush patrocinar, entre outras coisas, um golpe de Estado. Uma recomendação aos redatores de Veja: encomendem o recém-lançado livro El código Chávez – decifrando la intervención de los EE.UU. en Venezuela, da advogada estadunidense Eva Golinger (Fondo Editorial Question, 336 páginas). O volume é resultado de uma exaustiva garimpagem em documentos oficiais do Departamento de Estado e do Departamento de Defesa, obtidos sob o amparo da Lei de Liberdade de Informação (Freedom Information
Act). Em suas páginas, a autora desvenda – com fartas provas e evidências – as relações entre a entidade conhecida por National Endowment for Democracy (NED) e a oposição venezuelana, incluindo fornecimento de dinheiro e uso de chantagem política e estímulo à violência. É ressaltado ali que o embaixador estadunidense, Charles Shapiro, foi o primeiro a se reunir com o líder do golpe de 2002, Pedro Carmona. E, entre muito mais, o livro detalha – com os números de matrícula – as embarcações e aviões dos EUA que entraram em águas territoriais venezuelanas, sem autorização, durante o golpe. A matéria tem muito mais. É impossível dizer onde está a pior parte. É um panfleto, bem ao gosto do que faz na Venezuela a imprensa local. Como ela, Veja não trafega pelos caminhos do apego à realidade. Sua matéria-prima é a ficção e a lorota pura e simples. É parte do novo coro golpista que se avoluma contra um governo democraticamente eleito, tendo como repetidores outros órgãos da imprensa brasileira. Que os Civita façam isso, é papel deles. Mais uma vez – chamando as coisas pelo nome – é papel de sua classe social. A matéria é assinada por Diogo Schelp, Ruth Costas e José Eduardo Barella. São contratados e fazem o que o patrão manda. Servir bem para servir sempre, parece ser o lema. Talvez acreditem no que escrevam. Mas não deixa de ser deprimente a existência de gente que tope assinar uma peça totalmente editorializada e antijornalística, apenas para manter seus proventos no fim do mês. É certo que a vida anda difícil, mas tem um pessoal que pega pesado. Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista da Agência Carta Maior, é autor de A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez (Editora Fundação Perseu Abramo) e observador, a convite do CNE, no processo do referendo revogatório na Venezuela
MIGRANTES
Eles são muitos e nada poderá detê-los Luiz Bassegio “Nada os detém, saltam muros, cavam buracos, exploram túneis, viajam de trem, ocultos em caminhões, em frágeis lanchas, caminham de noite, mudam de nome, nacionalidade, clima, sotaque, amigos e família. Vão dispostos a tudo, mesmo contra todas as limitações que enfrentam no caminho: guardas, ladrões, gatos e coiotes. Têm todo o direito de migrar. Nada é ilegal” (Informe da Mesa Nacional de Migrações – Guatemala) lobalizar a cidadania, este foi um dos enfoques principais da 3ª Reunião do Observatório Interamericano de Controle dos Direitos dos Migrantes, realizada de 26 a 27 de abril, em Santo Domingo, República Dominicana, que contou com a participação de doze países das Américas e do Caribe. A partir da declaração de Kofi Annan, de que um dos temas mais relevantes dos direitos humanos para a Organização das Nações Unidas é a migração, os participantes procuraram fazer uma radiografia da situação nos países. Há um total de 87 milhões de migrantes na região, sendo que 57 milhões estão nos Estados
G
Unidos. Constatou-se que, se por um lado existe um sistema internacional para controlar e garantir os direitos para mulheres, crianças e povos indígenas, por outro, não há nenhum sistema de proteção, nem mecanismos para garantir os direitos humanos dos migrantes. São um dos grupos humanos submetidos à invisibilidade absoluta. Na condição de “indocumentados”, são privados do mais sagrado direito de ser reconhecidos e de reconhecer-se como seres humanos que têm direitos. Não figuram nas pesquisas, não respondem a perguntas e temem em revelar a sua condição para não se expor à xenofobia e à crueldade. CONSEQÜÊNCIAS DOS MUROS
Já é de conhecimento a existência do muro de mais de 3 mil quilômetros entre o México e os EUA. Além disso, tanto Guatemala como El Salvador estão sendo pressionados para que também detenham a onda de migração. Por isso não será de se estranhar a construção de novos muros. Só nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, foram 38 mil migrantes deportados do México para a Guatemala. Foram 6.500 mortos tentando a travessia nos anos de 1992 a 2003. Em El Salvador, no ano de 2004, foram deportados 34 mil dos EUA e os mortos foram 51. A soma de to-
dos os deportados no mundo, em 2004, é de 450 mil migrantes. Não é à toa que ao longo dos três mil quilômetros de muro na fronteira México/EUA, posicionam-se 11 mil agentes federais. Segundo o informe da Divisão de População e Assuntos Sociais e Econômicos da ONU, a cada hora 58 pessoas da América Latina e do Caribe saem de seus países e, a cada ano, uma em cada mil pessoas torna-se migrante. O CASO DA GUATEMALA
Com 11,5 milhões de habitantes, a Guatemala tem 10% da população vivendo fora do país. Somente no ano de 2000, emigraram 177 mil pessoas. Enquanto 63,9% migram de forma irregular via coiotes ou gatos, apenas 15% migram por meio do visto de turista. Cabe destacar que 79,3% dos emigrantes enviam remessas para os seus familiares, sendo que 49,4% dessas destinam-se a alimentação e vestuário das pessoas que ficaram no país de origem. Apesar de todos os problemas, é muito significativo o grande volume de remessas que os migrantes enviam para seus países. No caso de El Salvador, as remessas representam 63% dos ingressos financeiros ao país. Por outro lado, na República Dominicana, o total das taxas cobradas para a remessa
de dinheiro entre intermediários e governo atinge 51% do valor de cada remessa. POR QUE MIGRAR?
Entre as múltiplas e complexas causas, o Observatório Interamericano identifica como principais causas da migração: - A globalização, que não cria postos de trabalho nos países pobres mas os concentra em alguns países ou em algumas regiões dos países; - O pagamento da dívida externa, que exige cortes dos recursos das áreas sociais como saúde, educação, habitação e reforma agrária; - A migração, como única saída que milhões de pessoas encontram para tentar melhorar as condições de vida; - Motivações familiares, como o desejo da reunificação familiar; - Fatores de expulsão nos países de origem, como o crescente desemprego e a pobreza generalizada em que vive a maioria da população dos países pobres; RECOMENDAÇÕES
Os participantes da reunião do Observatório Interamericano estarão alertas e denunciarão todas as formas de discriminação dos imigrantes relativas a cor, etnia, raça, país de origem, situação econômica e costumes. Destacam-
se, nessa perspectivas, as seguintes orientações: - Acabar com o paradigma em voga de que os migrantes são um perigo em potencial; - Apoiar a criação de um movimento de imigrantes onde eles sejam os protagonistas; - Assumir uma atitude antiimperialista e anti-racista destacando e promovendo a dimensão da interculturalidade; - Exigir um programa integral de regularização e integração de todos os imigrantes no Estados Unidos e nos demais países da região; - Incidir e contribuir na elaboração de uma legislação comum sobre as migrações na região; - Criar uma agenda internacional comum tendo em vista a proteção dos direitos humanos dos migrantes; - Lutar para construir as condições de criar uma cidadania e integração regional. Para dar continuidade aos debates, o Observatório Interamericano estará promovendo um Conversatório sobre Migrações, em São Paulo, no final do mês de junho, com a participação de imigrantes e agentes que trabalham com imigrantes de diversos países. Luiz Bassegio é secretário nacional do Serviço Pastoral dos Migrantes
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De 5 a 11 de maio de 2005
agenda@brasildefato.com.br
AGENDA PROJETO VÍDEO: CULTURA E TRABALHO Inscrições abertas De iniciativa da organização nãogovernamental Ação Educativa, o projeto apóia grupos e movimentos juvenis por meio da apropriação de técnicas e da estética do vídeo digital. O projeto começou em agosto de 2004 e termina em dezembro de 2005, com encontros semanais. Os interessados devem enviar a ficha de inscrição para o endereço eletrônico: inscricao@acaoeducativa ou entregar a inscrição no endereço da Ação Educativa - Rua General Jardim, 660, São Paulo (SP). Mais informações:(11) 3151-2333
BAHIA AULAS DE TEATRO, DANÇA E PERCUSSÃO O Projeto Beje Eró, de Salvador, abriu inscrições para aulas gratuitas de teatro, dança e percussão, para crianças e adolescentes. O curso de teatro desenvolverá metodologias baseadas nas técnicas de encenadores como Stanislavski e Grotovisk, entre outros. Local: R. Caminho 13, Casa 08, Salvador Mais informações:(71) 3381-1631, www.bejeero.com.br
sões estarão a invasão e violência de policiais em aldeias indígenas e a lentidão dos processos de demarcação das terras indígenas no Estado. Local: Comunidade Tapeba, Lagoa 1, na BR 222, km 17, Caucaia Mais informações: (85) 277-2959
DISTRITO FEDERAL 10º FÓRUM NACIONAL DA UNDIME 5e6 “Educação pública de qualidade, direito de todos” é o tema do Fórum da Undime, entidade que reúne os responsáveis pelos órgãos municipais de educação, com o objetivo de defender os interesses e a qualidade da educação pública municipal. Nos três dias do encontro serão montados painéis que focarão os seguintes temas: políticas públicas de educação; educação e direito; dez anos da Declaração de Salamanca, um desafio a vencer; educação e diversidade; e aprendizagem e cidadania. Haverá ainda duas palestras: “Educação e emancipação social”, com o professor Gaudêncio Frigotto, e “Um olhar crítico sobre a escola brasileira”, com o professor Miguel Arroyo. Local: Teatro Pedro Calmon do Quartel General do Exército, Setor Militar Urbano, Brasília Mais informações: (61) 3037-7888
CEARÁ 7ª CAPACITAÇÃO EM MASSA EM PLANEJAMENTO URBANO 2 a 11 de junho Promovida pela Escola de Planejamento Urbano e Pesquisa Popular, com o tema “Plano Diretor Participativo - Planejar a cidade, recriar a vida”, a capacitação vai discutir temas como economia solidária, meio ambiente e gênero. O curso pretende capacitar a população na aplicação dos principais instrumentos de garantia do direito à cidade e de acesso à moradia, previstos no Estatuto da Cidade. Local: Cearah Periferia, R. Carlos Vasconcelos, 1339, Fortaleza Mais informações: (85) 3261-2607 AUDIÊNCIA PÚBLICA: COMUNIDADES INDÍGENAS 5, a partir das 15h Durante a audiência serão debatidos problemas das comunidades indígenas no Ceará. Na pauta de discus-
MINAS GERAIS 5ª EDIÇÃO DO FESTIVAL ÁGUA PELA PAZ 2 a 5 de junho O objetivo do festival, que acontece em Caxambu, é conscientizar e mobilizar a população para a necessidade de preservar os recursos hídricos disponíveis, com enfoque na água mineral. A iniciativa pretende também estabelecer ações locais de preservação da água, principalmente no segmento educacional. Serão realizadas palestras, exposições, oficinas e vivências de educação ambiental, mostras de vídeo, apresentações de literatura, música e artes plásticas. Local: Praça Balão de Alfenas, 21, Caxambu Mais informações: festivalaguano terceiromilenio@hotmail.com
RIO DE JANEIRO POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: JORNADA DE TRA-
BALHO PARA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA 31, das 9h às 18h A jornada de trabalho é destinada a pessoas diretamente envolvidas com o cotidiano dessa população, com distribuição de quatro vagas por entidade. Incentiva-se a inscrição de pessoas em situação de rua. Local: Av. República do Chile, 245, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 3234-4710
SÃO PAULO ARTESANATO DO QUILOMBO 6e7 A Comissão Pró-Índio de São Paulo abre suas portas para mostrar ao público o artesanato que vem dos quilombos de Oriximiná, no interior do Pará. As peças artesanais são produzidas por mulheres quilombolas com o ouriço da castanha-do-pará, sementes e cipós coletados nas matas de seus territórios. A extração da castanha-do-pará faz parte da tradição dos quilombolas, que tiveram que aprender a extrair da floresta sua sobrevivência. Hoje, as mulheres quilombolas estão transformando os produtos da floresta em pulseiras, caixas decorativas e utilitários para escritório. Local: R. Padre Carvalho, 175, São Paulo Mais informações: (11) 3814-7228 1º JOGOS INDÍGENAS 6 a 8 de maio O evento contará com mais de 800 índios de 30 aldeias, vindos de 15 municípios de São Paulo. Além das competições, a arena indígena, com uma arquibancada com capacidade para 10 mil pessoas, estará aberta ao público a partir das 8 horas, onde a população poderá ter contato com a cultura indígena, por meio de visitas as tendas de artesanato e estande de pinturas corporais. No local também haverá uma exposição de fotos e praça de alimentação. No primeiro dia, a programação inicia, às 17 horas, com os jogos realizados na arena e nos campos de futebol. Às 20h será a abertura oficial da arena com desfile das aldeias e juramento dos atletas. Em seguida haverá apresentações musicais e culturais, além de show pirotécnico. Já no dia 7, serão disputadas as modalidades de Arco e Flecha, Cabo de
Guerra, Zarabatana e Luta Corporal, além dos jogos realizados no campo de futebol. No último dia de competição, acontecem as finais dos jogos na arena e nos campos de futebol. Às 14 horas, haverá o desfile das aldeias indígenas e por fim cerimônia de encerramento e a entrega de medalhas e troféus. Local: Rodovia Padre Manoel da Nóbrega (SP-55), Km 327, Itanhaém Mais informações: (13) 3421-1616, (13) 3421-1600 SEMINÁRIO 30 ANOS DE FEMINISMO NO BRASIL 7, 14 e 21 de maio Para celebrar os 30 anos de Feminismo no Brasil, a União de Mulheres programou um evento especial, onde acontecerão debates na Câmara Municipal, no horário das 14h às 17h. No dia 21, as atividades começam às 10h. Nos seminários serão discutidos temas como “Direitos sexuais e reprodutivos”, “Trabalho doméstico e feminismo” e “30 anos de feminismo e a questão da violência contra a mulher”. A programação também conta com exposições de cartazes, fotos, apresentações culturais e teatrais. As inscrições devem ser feitas pelo telefone abaixo. Local: Câmara Municipal, Viaduto Jacareí, 100, São Paulo Mais informações: (11) 3106 2367, www.promotoraslegaispopulares. org.br
Fotos: Dirceu P. Vieira
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Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Santa Catarina inaugurou, dia 20 de abril, em Chapecó, a Loja da Reforma Agrária. Por meio de um convênio entre a Cooperativa Central de Reforma Agrária de Santa Catarina e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), denominado de Projeto Terra Sol, começou a funcionar a primeira loja de produtos da reforma agrária do Estado. Inicialmente serão comercializados mais de 60 produtos dos assentamentos e da agricultura familiar – além dos livros da Editora Expressão Popular e materiais de divulgação da luta pela reforma agrária. Várias autoridades e representantes da sociedade civil e os seputados federais Luci Choinaski e Cláudio Vignatti, ambos do PT de Santa Catarina, participaram da inauguração da loja, que vai vender produtos industrializados e in natura, como grãos, leite e derivados, geléias, doces, vinhos, suco de uva, água ardente, frango. A marca Terra Viva, do MST de SC, já é conhecida em toda a região Sul do Brasil e em São Paulo. Mais de um milhão de pessoas consomem, diariamente o leite Terra Viva. Álvaro Santin, da direção nacional do MST, disse que a loja representa um pouco do que o movimento construiu em vinte anos
Produtos dos assentamentos levam a marca Terra Viva, conhecida no Sul
de luta em Santa Catarina. Ele aproveitou o momento para prestar contas, em público, das verbas que o MST recebe do governo: “Utilizamos os recursos do governo para capacitar nossos técnicos em administração de cooperativas, nossos agricultores e nossos pedagogos. A loja mostra o resultado. O nosso primeiro grande sonho é
produzir comida e aqui temos os frutos do nosso trabalho. Mas não é só isso que queremos. Queremos também o conhecimento, que sempre foi negado para a maioria da população. Na nossa loja estão os livros para permitir o acesso ao conhecimento a todos”. Para o superintendente regional do Incra, João Paulo Strapazzon, a
2ª CONFERÊNCIA REGIONAL SOBRE MUDANÇAS GLOBAIS: AMÉRICA DO SUL 6 a 10 de novembro - inscrições abertas Alguns dos principais temas a serem tratados são: variabilidade e mudanças climáticas; mudança climática regional e ecossistemas terrestres e aquáticos; impacto do uso do solo e aquecimento global nas mudanças climáticas regionais; e aspectos econômicos e risco ambiental das mudanças globais. Haverá uma área de exposição científica e outra comercial, com estandes dos patrocinadores e demais interessados em divulgar produtos e serviços. Local: Av. Ibirapuera, 2.927, São Paulo Mais informações: (11) 3721-4865
O PT E A LUTA DAS MULHERES 10, às 19h O debate vai abordar o tema do feminismo e o PT. Entre as palestrantes: Maria Luiza da Costa, Rosângela Rigo, Flávia Pereira e Dida Dias Local: Auditório do PT Municipal, R. Coronel Lisboa, 958, São Paulo Mais informações: (11) 5084-4112
Loja da reforma agrária é inaugurada em SC Dirceu Pelegrino Vieira de Chapecó (SC)
LANÇAMENTO DA REVISTA VERVE 7 10 A revista, com periodicidade semestral, é organizada pelo Núcleo de Sociabilidade Libertária da PósGraduação de Ciências Sociais. Durante o lançamento, haverá um debate sobre maio de 1968 com Eduardo Valladares, Edson Passetti e Margareth Rago. Local: PUC-SP, Auditório Biblioteca Nadir Kfoury, R. Monte Alegre 984, São Paulo Mais informações: (11) 3670-8517
Anderson Barbosa
NACIONAL
Loja tem um significado especial. De acordo com ele, “é o trabalho da reforma agrária no meio urbano”. Strapazzon conclamou todos os presente à inauguração da loja a assumir um compromisso: “A reforma agrária não pode ser responsabilidade só do Incra ou do MST, é uma luta de todos que querem uma sociedade justa e igualitária”.
MEMÓRIA
Morre um dos fundadores do Greenpeace
Morreu no dia 2, em Toronto, no Canadá, Bob Hunter, um dos fundadores e primeiro presidente da organização ecológica Greenpeace. Hunter, que faleceu aos 63 anos devido a um câncer de próstata, integrou o grupo que em 1971 saiu de barco de Vancouver, na costa oeste do Canadá em direção ao Alasca, para protestar contra os testes nucleares realizados pelos Estados Unidos no local. Embora não tenham chegado ao destino, o fato gerou repercussão suficiente para a suspensão dos testes e para a criação da entidade. Hunter foi também o autor do nome do navio da organização, “O Guerreiro Arcoíris”, inspirado em lenda indígena que diz que um dia todas as raças se juntarão em um só guerreiro para salvar o planeta.
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CULTURA
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ARTES PLÁSTICAS
As cores do sofrimento feminino Igor Ojeda da Redação
“A
mulher sofre mais que o homem, sofre por pobreza e por causa do homem também. Não é mesmo?” É, sim senhora. Como questionar alguém com a história de vida de Edíria Carneiro? Nos seus “mais de 80 anos nas costas”, ela experimentou um pouco de tudo. Convivência com a pobreza na Bahia, onde nasceu e foi criada, militância comunista, exílio político, casamento com o dirigente do Partido Comunista do Brasil (PC do B), João Amazonas, anos de clandestinidade em São Paulo... E, claro, uma intensa produção artística. “A mulher pobre é um animal de carga”, constata a artista que conhece o sofrimento feminino – elemento principal das obras que compõem sua exposição em comemoração aos 80 anos do jornal A Classe Operária, do PC do B. Em quase todas as telas, a expressão de angústia e tristeza no rosto das retratadas. Mulheres representando as diversas facetas da sobrevivência em uma sociedade machista e desigual. A vida na favela, a ausência de um teto, a prostituição, o êxodo em busca de uma vida melhor, o trabalho e a luta no campo. Depois de quase toda uma vida artística dedicada à gravura em metal, Edíria retoma a pintura de óleo sobre tela, arte que não exercitava desde os tempos de estudante da Escola de Belas Artes da Bahia. Percebeu que a idade não permitia mais realizar o esforço requerido pelos trabalhos em metal e em madeira. O tema que sempre ilustrou sua obra, no entanto, permaneceu. Pobreza e sofrimento do povo brasileiro. Desta vez, com o foco na figura feminina.
A MISÉRIA DE PERTO Edíria viveu a infância e a adolescência em muitas cidades do interior baiano, tanto no sul do Estado quanto no sertão. “Eu via a pobreza, a miséria, e aquilo me tocava. Via aquela pobre gente, que não tinha um sapato para pôr, que fazia farinha para comer. Sempre senti muito a miséria”. Como uma das fontes de inspiração para sua arte, observava as pessoas que iam todos os dias ao Convento de São Francisco, em Salvador, atrás de sopa gratuita. Foi aí que o comunismo passou a fazer parte de sua vida. Lá pelos seus 20 e tantos anos, começou a ler sobre o assunto – “em espanhol, pois naquele tempo não havia tradução do russo para português”. Os livros eram emprestados de seu primo, Edson Carneiro, conhecido especialista em temas afro-brasileiros. Em 1945, por meio do militante Mário Alves, Edíria filiou-se ao Partido Comunista do Brasil. Não sem a resistência da família que, bastante religiosa, abominava os comunistas “comedores de criancinha”, como freqüentemente aparecia em cartazes da época. Mas, depois de um tempo, seus parentes acabaram compreendendo e aceitando sua luta.
CONTRIBUIÇÕES AO PARTIDO A partir de então, passou a contribuir com a revista Seiva, fazendo ilustrações. No mesmo ano, Edíria viajou para o Rio de Janeiro para participar do 9º Congresso da União Nacional dos Estudantes, representando a Escola de Belas Artes. Naquele tempo, ir para o Rio era um escândalo. A cidade era comparada a Paris, com suas histórias de boemia e libertinagem. Mas ela foi mesmo assim. Mal sabia que essa decisão mudaria sua vida definitivamente. “Foi uma viagem inesquecível”. Era tempo de guerra, e viajar de navio era muito perigoso, pois havia a ameaça de ataques de submarino alemães. “Para mim, que era jovem, foi uma aventura.” No Rio, Edíria
foi convidada a fazer ilustrações para as publicações Classe Operária e Momento Feminino. Decidiu ficar. Fez cursos de artes plásticas e ajudou o Partido ilustrando cartazes e folhetos usados nas mobilizações. “Nesse período conheci o João, acontecimento que modificou toda a minha vida”. Iniciaram um longo casamento. Em 1948, o Partido Comunista foi posto na ilegalidade. Edíria e Amazonas, que corria o risco de ser preso, partiram para São Paulo, onde passaram a pular de casa em casa, para não levantar suspeitas. “A gente não podia fazer nada. Às vezes fico contando em quantos lugares a gente morou, acho que foram uns 18”. Viúva desde 2002, Edíria vive hoje no bairro paulistano da Bela Vista, o popular Bixiga. Não precisa mais mudar de casa a toda hora. Não há ditadura, perseguições aos “subversivos”. Não há mais aquela efervescência política de outros tempos. Mas a artista continua firme nas suas convicções. Revolta-se com as notícias nos jornais, com as injustiças contra os excluídos. E dispara: “Eu acho que quem vai resolver os problemas do mundo serão os comunistas”.
Fotos: Divulgação
Com mais de 80 anos, a artista plástica Edíria Carneiro, comunista convicta, mostra sua nova arte
Serviço: Exposição Edíria Carneiro e Exposição Histórica de 80 anos do jornal A Classe Operária Até 8 de maio Parlamento Latino-Americano – Parlatino. Av. Auro Soares de Moura Andrade, 564, Barra Funda, São Paulo. Entrada gratuita De volta à pintura, a artista plástica Edíria Carneiro expõe o sofrimento da mulher brasileira