Ano 3 • Número 118
R$ 2,00 São Paulo • De 2 a 8 de junho de 2005
Dinheiro do povo escorre pelo ralo Marcelo Garcia
Dívidas, fraudes, sonegação, benefícios fiscais fazem sumir bilhões de reais, enquanto programas sociais ficam à míngua
Centenas de milhares de venezuelanos exigem a extradição do terrorista anticastrista Luis Posada Carriles dos Estados Unidos
Venezuela contra o terror dos EUA
Na Amazônia, um desmatamento sem precedentes
Posada Carriles. Um dia antes, o Departamento de Estado dos Estados Unidos anunciou que não iria atender à solicitação do presidente Hugo Chávez. Os
venezuelanos vão, agora, enviar uma comissão de deputados para pressionar o Congresso estadunidense. Pág. 9
Sergio Lima / Folha Imagem
A ação do agronegócio na Amazônia brasileira é um dos estímulos ao aumento do desmatamento, que registrou índices elevadíssimos em 2004, prejudicando uma área equivalente à do Estado de Alagoas. Entre as práticas predatórias que formam o ciclo da destruição incluem-se a exploração madeireira, pecuária, agricultura (soja, sobretudo) e especulação imobiliária. Pág. 14
Uma marcha de centenas de milhares de venezuelanos cobriu Caracas de vermelho, dia 28 de maio, para exigir a extradição do terrorista anticastrista Luis
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uma conta aproximada, quase R$ 444 bilhões desapareceram num buraco negro, perdidos num emaranhado de dívidas não cobradas ou perdoadas, fraudes, sonegação, obras paralisadas, subsídios e incentivos fiscais. Um montante igual a tudo que foi arrecadado pelo governo federal em impostos e taxas, em 2004. O equivalente a 25% de todas as riquezas que o país produziu, ou 58% mais do que os R$ 281 bilhões destinados aos programas sociais. Isso significa que a receita total da União, Previdência incluída, dobraria sem aumento de impostos. Basta ao governo cobrar as dívidas de empresas e pessoas físicas, cortar subsídios e vantagens fiscais, combater fraudes, sonegação e desperdícios. Assim, não seria mais necessária a contínua política de arrocho, juros altos e cortes de recursos e investimentos públicos. E ficaria provado, de uma vez por todas, que faltam recursos e que, portanto, o descalabro em áreas como Saúde e Educação resulta de decisões políticas. Pág. 7
Cooperativa do agronegócio na mira da Justiça Agricultores se mobilizam para pedir ao poder público que investigue fortes indícios de crimes – de enriquecimento ilícito até desaparecimento de grãos – na Cooperativa Tritícola de Palmeira das Missões (Copalma), no Rio Grande do Sul. No Piauí, lideranças do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) sofrem ameaças e atentados ao denunciar irregularidades em prefeituras. Pág. 3
Os perigos que rondam a vida política do país
Chilenos opinam sobre programa de governo
Apesar de estabelecidas fórmulas democráticas na Constituição, o Brasil não vive em uma democracia plena. É uma pseudodemocracia porque está muito longe de ser um regime em que todo o poder emana do povo, como diz a Carta Magna. A análise é do professor Goffredo Telles, que acaba de fazer 90 anos. O país, hoje, avalia, vive em perigo porque a lei está desacreditada – situação irregular e perigosa. Pág. 8
Em torno de 200 mil chilenos participaram, dia 28 de maio, de uma consulta popular para elaboração de um programa de governo antineoliberal. Convocado por forças progressistas do Chile, o referendo ofereceu a possibilidade de escolher a partir de uma lista de propostas de caráter social. Entre elas, um plano contra o desemprego. O resultado será levado ao Congresso Nacional no dia 5 de junho. Pág. 10
Juiz barra a privatização de Alckmin O governo tucano de São Paulo viu frustrada sua mais recente tentativa de dar seqüência às privatizações no Estado. No dia 30 de maio, o juiz federal Wilson Zauhy Filho anulou os efeitos do leilão de venda da Nossa Caixa Seguros, arrematada, seis dias antes pela transnacional espanhola Mapfre. Sindicalistas e parlamentares comemoraram a decisão, pois evita a dilapidação do patrimônio público, demissões em massa e queda de qualidade dos serviços. Pág. 4
Ocupação – Integrantes do Movimento dos Atigidos por Barragens (MAB) ocupam a representação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que financiou a Barragem de Cana Brava (GO)
Parada Gay leva Seis mil debatem 2,5 milhões às agroecologia em ruas de SP evento no Paraná Pág. 4
E mais: CUBA – Em São Paulo, organizações de solidariedade com a ilha exigem mais determinação do governo brasileiro em relação aos problemas por que passa o povo cubano. Pág. 9 TRANSPARÊNCIA – Com a CPI dos Correios, Partido dos Trabalhadores pode entrar na pior crise, após 20 anos de defesa da ética. Pág. 13
Pág. 5
França diz não à Constituição Européia Pág. 11
Eleições podem acirrar violência na Libéria O país africano – onde uma organização estadunidense de mercenários treina a polícia – está às vésperas de uma eleição que pode levar de volta ao poder os responsáveis por um massacre histórico, no início dos anos 90, que deixou 200 mil mortos e 350 mil refugiados, em 14 anos de guerra. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, advertiu: “É elevadíssimo o risco de que se repitam os abusos, as crises institucionais e a violência”. Pág. 12
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De 2 a 8 de junho de 2005
CONSELHO POLÍTICO
NOSSA OPINIÃO
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CARTAS DOS LEITORES PARABÉNS PELO JORNAL Espero que dias melhores venham a me ajudar e eu possa assinar o Brasil de Fato, por enquanto, compro-o quando posso. Muito obrigado pela atenção que me foi dada e continuem com este projeto que, ao meu ver, foi muito bem elaborado. Raoni Dornelles Leães por correio eletrônico FÁBRICA DE FAZER BANDIDOS No final dos anos 90, um jornal de grande circulação publicou uma matéria na qual dizia que a escola pública era uma “fábrica de fazer bandidos”. Segundo a matéria, o aluno saia da escola pública pronto para ser inserido no mundo do crime. Desprezando-se toda situação social de miséria e abandono na qual vive este jovem que mal consegue sobreviver até terminar os oito anos do ensino fundamental. Para mim, o jornalista também deve fazer parte daquele grupo de pessoas que acham que a escola sozinha deve promover o milagre da inclusão ignorando as desigualdades e as injustiças sociais, o desemprego e tudo mais que integra este modelo econômico excludente. Mudar a estrutura da Febem é um desafio tão
grande quanto reconhecer qual é a verdadeira fábrica de fazer bandidos e quem as administra. Rosana Izzo por correio eletrônico A REVOLUÇÃO NÃO PODE PARAR Esperamos que o governo Serra tenha coragem suficiente para reconhecer o valor da grande revolução no transporte público iniciada pela prefeita petista (Marta Suplicy) e dar continuidade à mesma. Como exemplo, temos o que aconteceu quando os ditadores militares que assumiram o país em 1964 puseram na cadeia muitos brasileiros que gritavam na rua “tudo pelo Petróleo para Petrobras”. Contudo, apesar de ser essa uma bandeira dos adversários, implementaram aquela medida e hoje, apesar de muitas traições ocorridas no caminho, a Petrobras é a força que é. Por que não estender o corredor exclusivo para ônibus da Consolação até a Paulista, levando a revolução democrática no trânsito até a mais tradicional avenida de São Paulo? Antonio Rodrigues de Souza São Paulo, SP
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O povo não pode “quebrar a cara”
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os últimos dias, a mídia capitalista não tem economizado espaços para noticiar o ringue criado por os senadores e deputados federais entre os que se opõe e os que defendem a instalação de mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito – agora é a vez da CPI dos Correios. Repete-se, com sinais trocados, o que aconteceu no governo FHC: a oposição (agora PSDB e PFL) aposta na CPI como forma de desgastar o governo. Já a base parlamentar do governo – com algumas exceções – não poupa esforço para impedir sua instalação. A similitude é tão grande que o ministro Palocci não teve dúvidas: “Uma nova CPI põe em risco a economia do país”. Não é preciso ter boa memória para recordar que esta era a frase preferida da equipe econômica de FHC, usada sempre para impedir a instalação de CPI naquele governo. O governo tem razão quando diz que a oposição tenta fazer da CPI um palanque eleitoral. Como ainda não tem um candidato forte para as eleições de 2006, preocupa-se unicamente em desgastar a imagem do governo. Além de não ter um candidato, também não tem uma proposta para o país, uma vez que o atual governo – como o Palocci insiste em dizer – implementa a mesma política econômica de FHC. Por isso, tornase ridícula a figura do senador Jorge Bornhausen (PFL), tentando ser
oposição ao governo. Certamente, ele se sentiria mais à vontade como líder do governo. No governo, o PSDB e PFL protagonizaram a destruição da economia nacional e a subserviência ao capital internacional. Não há razão para não imaginar que os tucanos – longe de serem perus bêbados – almejam serem hienas para fartarse no cenário de destruição que eles mesmos construíram, em oito anos de governo FHC. Se esses parlamentares realmente têm interesse em combater a corrupção e tornar transparentes as atividades do parlamento, poderiam aprovar, imediatamente, o Projeto de Lei 4718/2004 que prevê a regulamentação do artigo 14 da Constituição Federal,sobre o uso de plebiscitos e referendos populares. Não há nada mais democrático do que ouvir o povo. Mas o governo Lula erra também. Erra ao dar continuidade à política neoliberal de FHC. Assim, de nada adianta o presidente Lula dizer que aqueles que torcem pelo fracasso do Brasil vão “quebrar a cara”. Ora, um modelo econômico que prioriza apenas a agroexportação e promove os astronômicos lucros dos bancos, mesmo que tiver êxito, não serve para o povo brasileiro. No êxito desse modelo econômico, é o povo brasileiro quem quebrará a cara.
O governo erra também ao repetir os métodos de barganha com os parlamentares para assegurar uma maioria no Congresso Nacional. Os interesses pessoais de alguns parlamentares estarão sempre em primeiro plano. A voracidade destes, será sempre insaciável. O custo será cada vez mais elevado. Quem se vende para um lado, no dia seguinte poderá estar somando-se com o outro. E nesse jogo de interesses, são medíocres os políticos que se vangloriam de suas habilidades de negociar apoios. A esperteza que julgam ter, se esvai quando termina a moeda de troca. Para a esperança vencer o medo, é necessário fazer política de outro jeito. Romper com a forma tradicional de fazer política é trazer o povo para o palco das decisões políticas do nosso país. É ouvir o povo e chamá-lo para que encha as ruas em defesa dos seus interesses, da soberania do nosso país e da justiça social. Quando o povo estiver nas ruas, certamente haverá menos espaços para as práticas de corrupção. Quando o povo puder decidir sobre os rumos do país e tiver mecanismos para participar ativamente na política, o nepotismo e o clientelismo – prática de fazer política tão bem exercida pela elite brasileira – não predominarão mais em nossos parlamentos.
FALA ZÉ
OHI
CRÔNICA
Religiosas na marcha do MST Leonardo Boff A marcha do MST sobre Brasília suscitou pelo Brasil afora muita solidariedade. Um grupo cabe ser ressaltado, o CRB-solidariedade: as 50 religiosas que andaram mais de duzentos quilômetros desde Goiânia, representando a Conferência dos Religiosos do Brasil.. Era impressionante vê-las em seus hábitos cinza, inseridas na multidão, algumas idosas, marchando em fila, compenetradas e joviais. Por duas razões este grupo é relevante. Em primeiro lugar, ele mostra que a Igreja da libertação está viva, apesar de todo o esforço que se fez para desmantelá-la ou tornála invisível. São muitas centenas as religiosas que se inserem nos meios pobres e populares, especialmente no interior do pais e nas periferias das cidades. Elas entenderam que o voto de pobreza que professam implica mais que não ter, exige mais que uma dimensão espiritual de disponibilidade e abertura para Deus. Ser pobre desafia a fazer-se pobre por amor e solidariedade para com os pobres. A presença delas no MST, cujos membros são em sua maioria cristãos, assegura que esta luta por Terra representa, além de seu aspecto social
e político, também um dos bens do Reino e que a causa está ancorada no coração de Deus. Em segundo lugar, estas religiosas fazem o contraponto a tantas críticas que se veiculam pela midia, vindas dos estratos intelectuais da sociedade. Deixemos de lado aqueles para os quais “o MST não passa de uma corja de impostores” e seu líderes “um bando de bandoleiros”. Estes se desqualificam a si mesmos e não merecem sequer reparo. Mais sutil é a crítica de intelectuais que, num tempo, eram pela transformação da sociedade mas que hoje, em face do desencanto geral, assumiram uma visão demissionista. Há quem considera o MST “populações retardatárias da história”, que apresentam “demandas fora de época”, com valores tirados “do estoque de idéias conservadoras: a propriedade da terra, o trabalho comunitário, a religião, a família, a comunidade”. Mal sabe ele que tais valores, na atual crise ecológica, são os que garantem o futuro da Terra. Tais afirmações são típicas da elite iluminista, bem funcional ao sistema discricionário brasileiro, elite que segundo o grande historiador José Honório Rodrigues “nunca se
reconciliou com o povo, negou seus direitos, arrasou sua vida e, logo que o viu crescer, negou-lhe pouco a pouco sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe pertence”(Conciliação e reforma página 16). Aqui a arrogância se soma à ignorância. Que sabem tais intelectuais do trabalho civilizatório feito pelo MST, fundando 1.300 escolas por onde passaram 160 mil crianças e adolescentes, envolvendo cerca de três mil educadores e alfabetizando 30 mil adultos? Até a primeira universidade popular do Brasil o MST fundou, em Guararema-SP. O MST desafia a sociedade organizada a colocar-se também em marcha de mudança porque o Brasil que herdamos não nos dignifica. Merecemos um destino melhor, a construir. Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É também autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos
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De 2 a 8 de junho de 2005
NACIONAL AGRONEGÓCIO
Cooperativa coleciona irregularidades Daniel Cassol de Palmeira das Missões (RS)
Daniel Cassol
Pequenos agricultores se mobilizam para pedir investigação na Copalma, que enfrenta grave crise
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Pequenos agricultores recebem ameaças e sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeira das Missões é alvo de atentado
que precisam ser investigadas, saiu dos armazéns da Copalma”, lembrou o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS), na semana passada, em pronunciamento na Assembléia Legislativa. Para Rosa, a crise na cooperativa é fruto da crise do agronegócio como um todo, baseado em um modelo de produção que não se sustenta: “Não se trata de mais uma vez tentar salvar a cooperativa. A disputa agora é entre dois modelos de agricultura”. O presidente do Sindicato Rural do município, Hamilton Dias, afirma que o setor do agronegócio não está conseguindo gerar renda, em virtude dos altos custos de produção da lavoura, da pior seca da história do Estado e da queda no preço do
No Piauí, trabalhadores sofrem ameaças Suzane Durães de Brasília (DF) Mobilizações realizadas na semana passada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no interior do Piauí demonstraram que o coronelismo, o voto de cabresto e a escravidão acabaram, mas essas práticas ainda existem no país, principalmente na Região Nordeste. Durante ações do MPA Curral Novo, Queimada Nova e Francisco Santos, os prefeitos se comportaram como donos do povo, da prefeitura e da polícia. De acordo com os agricultores, o prefeito de Curral Novo visitou algumas comunidades, ameaçando os trabalhadores caso comparecessem à audiência marcada. “Nós não nos intimidamos, pois cerca de 200 pessoas de 16 comunidades compareceram ao local. Quem ousa contrariar esses coronéis é perseguido, amedrontado e ameaçado”, conta Maria José da Costa, da direção do MPA. Devido à pressão do povo em frente à prefeitura, o prefeito recebeu os manifestantes na Câmara Municipal, juntamente com os vereadores. Além de defender a pauta nacional da Via Campesina, as mobilizações também serviram para denunciar irregularidades nas duas prefeituras. Em Curral Novo, o prefeito não cadastrou os agricultores para o programa Garantia Safra 2004/2005, da Secretaria de Desenvolvimento Rural. O Garantia Safra permite que os agricultores
recebam os recursos, caso haja perda da produção. A prefeitura afirma que foi avisada do cadastramento quando faltava apenas três dias para acabar o prazo, por isso os cadastros não foram feitos. As iniciativas da prefeitura na área de saúde também estão paradas. Em vez de comprar uma ambulância para a comunidade, o prefeito preferiu uma caminhonete que custou R$ 63 mil. “Segundo ele, é para ajudar o povo, mas não consertou a ambulância que está com o motor fundido e não tem outra”, diz Maria José. Em Queimada Nova, a situação não é diferente. As lideranças do MPA também estão sendo ameaçadas. Na semana passada, uma agricultora escapou de um tiro quando colhia tomate em sua propriedade. O autor do disparo disse que a intenção era acertar um passarinho. Em um programa de rádio, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacobina disse que os agricultores são imigrantes, desabrigados, mentirosos e que a intenção é dividir o movimento sindical. Para o MPA, o descaso em relação à agricultura camponesa só produz o atraso no campo e a desorganização no abastecimento de alimentos para a sociedade. “É lamentável que a população do campo, que tem capacidade e vontade de produzir alimentos, seja impedida de exercer esse papel”, afirma Romário Rossetto, da direção nacional do MPA.
produto, especialmente a soja. Essa crise atinge setores como a indústria de máquinas, que na região está vivendo um processo de demissão em massa. “Concordo que devemos
rediscutir o nosso processo de produção, mas isso não pode ser feito de um dia para o outro”, avalia. Sobre a crise na Copalma, entende que o principal fator é a frustração nas
lavouras de soja, trigo e milho. A Copalma foi procurada, por telefone e na sede da cooperativa, mas porta-vozes disseram que os dirigentes não iriam se pronunciar.
DIREITOS HUMANOS
Relatório da anistia comprova: as violações continuam Tatiana Merlino da Redação Jaqueline Duque Patriarca, de 13 anos, voltava de uma festa com uma amiga, às 5h30 do dia 18 de julho de 2004, quando foi assassinada numa viela da Favela do Mangue, em Sapopemba, zona leste de São Paulo. Segundo uma testemunha, ela foi abordada por dois homens encapuzados e chegou a dizer, antes de morrer: “Não sei de nada, senhor; pelo amor de Deus, não faz isso comigo”. Após o tiro, algumas pessoas viram oito homens saindo da favela – cinco deles fardados. Moradores do bairro acusaram os policiais militares de serem os autores do homicídio. Na época, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil instaurou um inquérito policial. Hoje, quase um ano após o assassinato da jovem, as investigações estão paradas. No Brasil, assassinatos não esclarecidos como o de Jaqueline viraram rotina. “Centenas, talvez milhares de civis foram mortos por policiais e pouquíssimos casos foram efetivamente investigados”, acusa o relatório anual da organização não-governamental Anistia Internacional, divulgado dia 25 de maio.
POLICIAMENTO INEFICAZ A principal conclusão do texto é de que os níveis de violação de direitos humanos permaneceram extremamente elevados, apesar das iniciativas da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), ligada ao governo federal. “Denúncias de policiamento ineficaz, violento e corrupto levantaram dúvidas quanto à eficácia das propostas do governo”, diz o texto. De acordo com Tim Cahill, pesquisador da Anistia e especialista em Brasil, os projetos da SEDH não têm o apoio político e financeiro, tanto de outros setores do governo federal como dos governos estaduais. “Assim, mesmo tendo certa importância, os projetos
Daniel Cassol
heques sem fundo na praça, sumiço de grãos dos agricultores e demissão de funcionários escancararam a crise na Cooperativa Tritícola de Palmeira das Missões (Copalma), na região Noroeste do Rio Grande do Sul – mais um exemplo do perfil do agronegócio na chamada “região da produção”. “Várias cooperativas estão nessa situação, mas a pior é a Copalma”, diz o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeira das Missões, Virgílio da Rosa. Dia 16 de maio, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) fez uma mobilização em frente à cooperativa. Em documento entregue ao Ministério Público, ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal, o sindicato apresentou uma série de denúncias contra a cooperativa, tendo em vista que o MPA vem recebendo inúmeras informações e reclamações de seus associados sobre ilegalidades e irregularidades praticadas pela Copalma. Segundo o documento, a Copalma teria vendido sem autorização produtos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “Há indícios e informações de enriquecimento ilícito de dirigentes da cooperativa”, diz o texto. No dia seguinte à mobilização, lideranças do MPA na região começaram a ser ameaçadas por telefonemas anônimos. Na madrugada do dia 19, a sede do sindicato foi atingida por quatro tiros. A Polícia Civil instaurou inquérito para investigar as denúncias contra a cooperativa. Em 2001, o MPA também fez mobilizações para denunciar o alto endividamento da Copalma e o atraso em quatro meses no prazo para eleger nova diretoria. “Essa cooperativa foi uma das que criaram um grave problema para o Rio Grande do Sul no ano passado. Uma parte da soja que foi para a China contaminada com agrotóxicos, segundo informações
Segundo relatório da Anistia, centenas de civis foram mortos por policiais
acabam se tornando atos de resposta à comunidade de direitos humanos, em vez de projetos sérios para combater as violações”, avalia Cahill. No documento da Anistia há referências à participação de policiais em esquadrões da morte – por exemplo, o espancamento e a morte de sete moradores de rua no Centro de São Paulo, em agosto do ano passado. Dois policiais militares e um segurança particular foram acusados pelo crime. Mas as acusações foram retiradas por insuficiência de provas. A Anistia também cita o uso generalizado e sistemático de tortura: “O sistema carcerário caracterizou-se pela superlotação, pelas rebeliões e pela corrupção”.
PROTEÇÃO LIMITADA Referindo-se a casos como o da missionária estadunidense Dorothy Stang, assassinada no Pará, em fevereiro, a Anistia acusa autoridades de fornecer proteção insuficiente a defensores de direitos humanos sob ameaça. De acordo com o coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, o programa de proteção aos defensores de direitos humanos da SEDH jamais saiu do papel. “Se o defensor de direitos humanos for contar com esse programa, é melhor ele fugir
do país ou se trancar em casa”, ironiza. Para o advogado, a SEDH é uma incógnita, “não mostrou a que veio e infelizmente só funciona para lançar cartilhas. Seria necessário ter orçamento para intervir nas linhas de ação dos Estados”. O relatório da Anistia cita a aprovação do Estatuto do Desarmamento como um avanço, mas acusa o governo de não dar seguimento ao apoio, expresso pelo próprio presidente da República, a uma campanha internacional em favor de um tratado sobre comércio de armamento, visando o controle da venda de armas. Relatando violações em 131 países, o texto responsabiliza diretamente os Estados Unidos pelo agravamento da situação de direitos humanos no mundo. “Alguns estão tentando promover uma nova política que utiliza a retórica da liberdade e da justiça para destilar o medo e a insegurança”, denuncia Irene Khan, secretária-geral da Anistia, referindo-se à guerra do terrorismo. O documento da Anistia explica como as autoridades estadunidenses ostentavam ideais de “justiça e liberdade”, enquanto seus soldados eram acusados de torturas e maus-tratos, tanto na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá, quanto na base naval de Guantánamo, em Cuba.
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PRIVATIZAÇÃO-SP
Vitória dos sindicatos
da Redação Afinação tucana A maioria da imprensa empresarial está apostando numa CPI dos Correios bem barulhenta e escandalosa, tanto para ajudar na elevação da audiência e das vendas, para estimular o governo a gastar mais em publicidade, como também para verificar a afinação da orquestra da oposição – leia-se PSDB e PFL – para as eleições de 2006. O governo e o PT estão precisando de muita competência política para sair ilesos da própria armadilha em que se meteram. Atitude arriscada A posição do senador Eduardo Suplicy, do PT, favorável à CPI dos Correios, tem sido bem-vista pela sociedade e pela base partidária. Mas está sendo maliciosamente explorada pela mídia para desgastar ainda mais o governo Lula e a direção do PT. O caso já provocou a queda do governo na pesquisa de opinião realizada pela Confederação Nacional dos Transportes. Marketing evangélico A tradicional comemoração de Corpus Christi, que sempre forneceu lindas imagens de ruas decoradas para as procissões católicas, perdeu espaço na mídia para a manifestação dos evangélicos, no mesmo dia. Pelo menos foi essa a opção dos dois principais jornais de São Paulo, a Folha e o Estadão, que deram nas capas de sexta-feira, dia 27 de maio, as fotos da multidão de evangélicos na Avenida Paulista. Justiça vendida Chamada pela revista Veja de “perua”, em título de matéria jornalística, quando ainda era prefeita de São Paulo, Marta Suplicy entrou com ação judicial para pedir indenização por danos morais, mas o juiz Airton Pinheiro de Castro, de São Paulo, indeferiu. Ele aceitou o argumento de que o termo “perua” pode ser usado nos limites da crítica. Vale imaginar do que é possível xingar um juiz dentro dos limites legais. Crime econômico De acordo com o jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, os pais do jornalista Bruno Kauffmann pretendem processar a EPTV, afiliada da Rede Globo, por danos morais. O jornalista morreu aos 31 anos de idade, em 2004, em acidente rodoviário, por ter sido obrigado a dirigir, em serviço, o veículo da emissora, que havia dispensado seus motoristas profissionais por economia. O objetivo é denunciar as condições de trabalho impostas pela Rede Globo. Pesos diferentes A TV Globo deu boa cobertura, dia 31 de maio, à manifestação dos ruralistas que pedem ajuda do governo para prorrogar financiamentos bancários. A emissora ouviu os manifestantes, mostrou imagens positivas e não utilizou recursos técnicos e editoriais para distorcer os fatos – o que é bem diferente de quando faz a cobertura jornalística do MST e de outros movimentos populares. É a chamada “imparcialidade” a favor dos empresários. Perseguição covarde Agentes da Anatel e policiais militares fecharam, dia 20 de maio, a Rádio Comunitária Novo Ar, de São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro, que funciona desde 1998 e realiza um excelente trabalho social na região. A rádio tem um telecentro comunitário, uma biblioteca e um cursinho popular em parceria com a UERJ. Ninguém consegue entender por que um órgão federal como a Anatel tem que calar um veículo de comunicação fundamental para uma pequena parcela da comunidade fluminense. Nova tentativa Concessionário de serviço público de radiodifusão, por meio do SBT, o empresário Sílvio Santos decidiu recolocar na programação um novo espaço de telejornalismo, já que ele está devendo – e muito – à Constituição Federal. Todas as emissoras de rádio e TV são obrigadas, por lei, a ter programas informativos e jornalísticos, mas o SBT ficou muito tempo sem cumprir a exigência. Em 30 dias estréia um novo telejornal, provavelmente nos moldes tradicionais. Não se sabe por quanto tempo.
Alckmin é derrotado; cheio de vícios, venda da Nossa Caixa Seguros é barrada pela Justiça Luís Brasilino da Redação
O
governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) sofreu a primeira grande derrota do seu projeto de retomada das privatizações. No dia 30 de maio, o juiz Wilson Zauhy Filho, da 13ª Vara Federal paulista, reconheceu a existência de diversos vícios no leilão da Nossa Caixa Seguros, realizado seis dias antes, e anulou seus efeitos. O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região comemorou a decisão que, na sua avaliação, dificilmente será revertida. “Quando a Nossa Caixa foi constituída havia, e ainda há, uma cláusula dizendo que o seu capital não pode ser aberto. Ela tem de ser uma empresa pública”, esclarece Luiz Cláudio Marcolino, presidente do Sindicato. A decisão do juiz Zauhy Filho anula a venda da Nossa Caixa Seguros para a transnacional espanhola Mapfre que, dia 24 de maio, a havia adquirido por R$ 226 milhões. Uma bagatela, segundo declarou aos jornais Antonio Cássio dos Santos, presidente da subsidiária brasileira da empresa. Marcolino acredita que o bem público foi resgatado, ao contrário do que diz o governo do Estado, que defende a privatização sob o argumento de que melhora a gestão das empresas. No entanto, as desestatizações de empresas públicas promovidas a partir da década de 90 tiveram efeito contrário. Segundo Marcolino, por exemplo, depois que o Banespa foi vendido, em 2000, ao grupo Santander, da Espanha, milhares de funcionários foram demitidos, as condições de trabalho dos que ficaram piorou e o banco perdeu boa parte das contas que eram do Estado.
Arquivo Brasil de Fato
da mídia
NACIONAL
Sindicalistas do setor elétrico protestam contra a privatização da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista
senvolvimento e da igualdade. “Nos anos 90, o mundo experimentou um veneno: a diminuição do Estado”, recorda o parlamentar. Na prática, o que se viu foi a dilapidação do patrimônio público, demissões em massa e queda de qualidade nos serviços oferecidos. Para o economista José Carlos de Assis, editor-chefe da página Internet Desemprego Zero (www. desempregozero.org.br), normalmente, a privatização de empresas de utilidade pública, é prejudicial, pois elas constituem monopólios. Além disso, nos setores elétrico e de telefonia a elevação das tarifas gera uma pressão inflacionária constante, devido aos termos inscritos nos respectivos contratos de privatização. Atualmente, os preços administrados – luz, telefone, água, gás e combustíveis – são responsáveis por cerca de um terço da inflação.
EFEITOS CRIME
O deputado estadual Sebastião Arcanjo (PT-SP), o Tiãozinho, acredita que, há mais de 15 anos, está posta uma discussão sobre alternativas para a promoção do de-
No caso dos bancos estaduais foi ainda pior. “Os Estados perderam um importante instrumento de gestão de política econômica e, com a
Lei de Responsabilidade Fiscal, hoje eles parecem províncias. Não têm liberdade fiscal, tributária e nem de gastos”, descreve Assis. O economista avalia que a venda de bancos públicos foi um crime perpetrado por influência de ideologia fabricada pelo Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial. Ideologia essa que explica a nova investida do governo paulista contra as estatais. “É uma disputa de agenda entre setores conservadores: a equipe econômica federal e o PSDB de São Paulo. O Alckmin retoma as privatizações para rivalizar com o programa do presidente Lula, já que a grande diferença entre os dois nessa área é que o último não desestatizou nada”, observa Tiãozinho.
TRANSMISSORA Ao contrário da Nossa Caixa Seguros, a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP) não conseguiu ainda se livrar dessa ameaça. No dia 18 de maio, a Assembléia Legislativa de São Paulo aprovou o projeto de lei
(PL) 02/2005 que permite a inclusão da empresa no programa estadual de desestatização (PED). De acordo com Wilson Marques de Almeida, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia), se o governo cumprir o calendário atual, a privatização não será concluída antes de outubro. “Os próximos passos serão a contratação da consultoria, depois o leilão. Nós vamos contestar ambos”, informa Almeida. Ele acredita que a melhor solução para a CTEEP seria o governo federal assumir parte dela. As empresas de transmissão são hoje as jóias do setor de energia em São Paulo. Todos os blecautes que atingiram o Estado tiveram sua origem em problemas na transmissão. São linhas bastante longas nas quais qualquer problema gera um efeito dominó que afeta todas as áreas. “Tudo isso pode ficar precário com a privatização. O objetivo da empresa privada que a adquirir será o lucro, e não o bem público”, arremata o sindicalista.
DIVERSIDADE SEXUAL
Direitos iguais: nem mais, nem menos Tatiana Merlino da Redação Sob o lema “Parceria Civil Já! Direitos iguais: nem mais, nem menos”, a Parada Gay de 2005 reuniu aproximadamente 2,5 milhões de pessoas em São Paulo, segundo os organizadores. A escolha do tema não foi por acaso. Em 2005, se completam dez anos desde que o projeto de Parceria Civil, de autoria da ex-deputada federal do Partido dos Trabalhadores Marta Suplicy, foi para o Congresso Nacional, onde está parado. “Isso é um descaso, um desrespeito. Esse assunto é tratado como menor, foi negligenciado sem jamais ter sido votado em plenário”, afirma Reinaldo Pereira Damião, presidente da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, que reivindicou o reconhecimento oficial da união entre pessoas do mesmo sexo. Para que o projeto seja finalmente votado, integrantes do movimento gay começaram, durante a parada, uma coleta de assinaturas para um abaixo-assinado dirigido à Câmara dos Deputados, com previsão de entrega no segundo semestre. O que se busca com a parceria, segundo Damião, não é o casamento dos gays, mas o direito de poder dividir bens e receber herança deixada pelo companheiro, “entre outros procedimentos que poderiam implicar numa perda econômica em caso de separação ou morte do parceiro”. “Não queremos nem menos, nem mais. Queremos os mesmos direitos dos heterossexuais”, diz Damião. “Ainda somos tratados como cida-
Giorgio D’Onofrio
Espelho
Direitos negados
Em ritmo de festa, Parada Gay de São Paulo reivindica respeito e cidadania
dãos de segunda categoria. Se até os cachorros têm leis de defesa, por que os gays não têm?”, questiona. A MAIOR DO MUNDO Considerada, pelo segundo ano consecutivo, o maior evento do gênero no mundo, a parada de São Paulo reuniu o dobro do público de eventos similares em São Francisco (Estados Unidos) e Toronto (Canadá). Além do número de participantes, a parada “ampliou a visibilidade dos homossexuais do ponto de vista político”, acredita o presidente da parada. Para ele, apesar de ainda não haver uma lei que ampare os direitos dos homossexuais, há um relativo aumento do apoio da sociedade: “Isso ficou claro pelo aumento do número de famílias, crianças e idosos no evento”.
A presença de jovens também foi significativa na parada de 2005. Carolina Lima, coordenadora do coletivo virtual e-sampa, (www.e-sampa. com, página da internet destinada a dar informações sobre homossexualismo e organizar discussões sobre o assunto), atribui o aumento de jovens na parada ao crescimento de grupos de discussão na internet, e à discussão do homossexualismo juvenil na mídia. “Antes eles não tinham referências e não sabiam como fazer um círculo homossexual”, afirma. Carolina acredita que a parada é importante para adolescentes gays, que em sua maioria tem muitos conflitos na escola e em casa: “Os jovens não têm com quem conversar sobre sua sexualidade e sofrem sérias seqüelas em decorrência desse isolamento. Na parada, podem compartilhar suas idéias”.
• não podem casar • não têm reconhecida a união estável • não adotam sobrenome do parceiro • não podem somar renda para aprovar financiamentos • não somam renda para alugar imóvel • não inscrevem parceiro como dependente de servidor público • não podem incluir parceiros como dependentes no plano de saúde • não participam de programas do Estado vinculados à família • não inscrevem parceiros como dependentes da Previdência • não podem acompanhar o parceiro servidor público transferido • não têm a impenhorabilidade do imóvel em que o casal reside • não têm garantia de pensão alimentícia em caso de separação • não têm garantia de metade dos bens em caso de separação • não podem assumir a guarda do filho do cônjuge • não adotam filhos em conjunto • não podem adotar o filho do parceiro • não têm licença-maternidade para nascimento de filho da parceira • não têm licença maternidade/ paternidade se o parceiro adota filho • não recebem abono-família • não têm licença-luto para faltar ao trabalho na morte do parceiro • não recebem auxílio-funeral • não podem ser inventariantes do parceiro falecido • não têm direito à herança
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AMBIENTE SEGURANÇA ALIMENTAR
Faltam políticas para a agroecologia Thea Tavares, Aline Gonçalves e Cássia Faxina de Curitiba (PR)
Adilson Borges
Em Cascavel, evento com mais de 6 mil participantes critica transgênicos e defende produção sem agrotóxicos
M
ais de seis mil pessoas, caminhando por cerca de cinco quilômetros pelas ruas de Cascavel (PR), distribuíram à população dez toneladas de frutas, produzidas, sem agrotóxicos, pela agricultura familiar e nos assentamentos de reforma agrária da região. Assim foi o início do 4º Encontro da Jornada de Agroecologia, realizado de 25 a 28 de maio no Centro de Convenções e Eventos de Cascavel, promovido por mais de 20 instituições ligadas a entidades de agricultores familiares, camponeses, organizações não-governamentais (ONGs) que atuam no setor e representações acadêmicas. A sede do evento fica em uma das regiões-símbolo do latifúndio paranaense e do modelo baseado no agronegócio, na produção extensiva e de exportação, na monocultura da soja e na utilização em larga escala de agroquímicos e das tecnologias herdadas da “revolução verde”. E a Jornada, segundo seus promotores é o fórum de discussão e elaboração de propostas de agroecologia que reúne o maior número
Organizações ligadas a pequenos agricultores cobram do governo federal fiscalização da rotulagem dos transgênicos
de camponeses das Américas. A presença do governador Roberto Requião, no ato de encerramento dos trabalhos, dia 28, não deixou dúvidas sobre a posição do executivo estadual em relação às demandas principais da Jornada.
Assim, Requião adiantou que vai abrir uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei de Biossegurança, aprovada recentemente pelo Congresso Nacional. O evento mostrou que o governo paranaense e a Jornada são parcei-
ros quando se trata de defender que o Paraná seja uma área livre dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Ações no campo da cobrança da rotulagem dos alimentos transgênicos também são passos nessa caminhada estratégica.
Tramita, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembléia Legislativa do Paraná, um projeto de lei (PL nº 194/2005), de autoria da deputada estadual Luciana Rafagnin (PT), que exige a rotulagem dos OGMs e dos alimentos que possuam mais de 1% de matéria-prima transgênica na sua fabricação. Embora já exista uma legislação federal sobre a questão, Luciana acredita que uma lei estadual agilizará a fiscalização no Paraná. “Precisamos garantir aos consumidores o direito à informação. A falta dessa informação nos tira o direito de escolher que produto queremos levar para casa: se o transgênico, ou o alimento natural”, diz a deputada. O secretário nacional da Agricultura Familiar, Valter Bianchini, que representava o presidente Lula e o ministro Miguel Rossetto no evento, enfatizou os crescentes investimentos do governo do PT na agricultura familiar via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). “Passamos de menos de R$ 2 bilhões destinados ao crédito rural do setor para investimentos de mais de R$ 7 bilhões nas diversas modalidades do Programa,” informou.
Compromisso com o meio ambiente e a saúde Um dos maiores críticos da falta de políticas públicas para a agroecologia foi o cientista gaúcho Sebastião Pinheiro. A seu ver, os grandes produtores abocanham a maior fatia dos incentivos governamentais. Isso, diz, é uma contradição, porque, no país, cerca de 70% dos alimentos são produzidos pela agricultura familiar. “Precisamos decidir se queremos valorizar a produção de commodities ou a de alimentos. Se nosso desafio é aumentar a produtividade, sem compromisso com o meio ambiente e a saúde, ou o da segurança alimentar em todas as suas vertentes”, disse. Pinheiro denunciou, ainda, a “sofisticação das ameaças” contra a agroecologia e a agricultura familiar. “Antes, os venenos nos intoxicavam. Agora, quando buscamos alternativas sustentáveis, temos de enfrentar toda uma política que impede que a família sobreviva no campo”, analisa. Outra convidada da Jornada de Agroecologia foi a ambientalista Sílvia Ribeiro, ativista da ONG ETC - Erosão, Tecnologia e Concentração, com sedes no México e Canadá, defensora dos direitos de índios e agricultores familiares.
DESTRUIÇÃO Ela não poupou críticas às políticas de expansão dos transgênicos, das “sementes suicidas” e, mais recentemente, da nanotecnologia. Sobre os transgênicos, alertou para o fato de eles estarem contribuindo para uma reforma agrária ao inverso: “Cerca de 40% das propriedades rurais desaparecem após a implantação das lavouras transgênicas”. Ela ressaltou a importância da agroecologia, do resgate das sementes crioulas no combate à dependência das grandes transnacionais, destacando que todo o desenvolvimento da biotecnologia está direcionado ao lucro e a tornar cada vez mais artificiais os alimentos. Ante a destruição da natureza resultante do modelo econômico hegemônico, Sílvia adverte: “Cresce cada vez mais o conceito de que a agricultura é fabricante de produtos, não de alimentos”. Sua palestra foi acompanhada pelo depoimento de Wilfred Mendonza, representante dos povos indígenas Zapatecas do México. Ele se emocionou ao relatar que seu povo vem resistindo ao projeto dos transgênicos, em defesa de sua
preservação cultural. “O milho é nativo da nossa região e tem um significado sagrado. Cuidar do nosso milho é preservar nossa identidade cultural e a própria presença dos povos indígenas no continente americano”, disse. Paulo Mayer, pesquisador e coordenador da Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia (AOPA), com números de pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
apontou as consideráveis diferenças entre o agronegócio e a agricultura familiar no Brasil. De um lado, as propriedades com mais de 200 hectares representam apenas 5,3% dos estabelecimentos rurais existentes, ocupam mais de 70% da área agrícola e utilizam apenas 12,7% da mão-deobra ocupada no setor. Do outro, no extremo oposto, está a agricultura familiar, que abriga 93,8% dos estabelecimentos rurais, ocupa 29%
de área e, nesse espaço, emprega 87,3% de toda a mão-de-obra dedicada à agricultura. Essa mesma agricultura familiar é responsável por 67% da produção de feijão, 59% da de suínos, 52% da produção de leite e 49% do milho. A cada ano, 90 mil estabelecimentos agrícolas deixam de existir no Brasil e, desses, estima-se que 97% sejam familiares. Mayer mostrou, ainda, como a produção extensiva de soja no país
contribui para a erosão: para cada quilo de soja produzido, perde-se 20 toneladas de solo por hectare/ano. “A agroecologia é a base científica da produção sustentável de alimentos, ou seja, do modo ambiental, econômico, social e culturalmente correto de produção”, ensina. E essa capacidade de reprodução da vida, do ambiente e da natureza vem sendo desmontada por um modelo que privilegia o agronegócio e a concentração de renda. (TT/AG/CF)
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NACIONAL SERRA DO SOL
Projetos ameaçam homologação
Estrago incalculável A CPI dos Correios é peixe pequeno perto do que rolou de corrupção nos processos de privatização do governo FHC e na inacabada CPI do Banestado. E o que ainda rola de mutreta nas remessas ilegais de lucros das empresas estrangeiras e no envolvimento de agentes do Estado (parlamentares, policiais, juízes, fiscais etc.) com o crime organizado. No entanto, a CPI dos Correios pode custar um desgaste ético enorme para o PT e o governo Lula. Especulação legal Na semana passada, o governo da Argentina baixou medida para controlar o ingresso de capitais: agora, a permanência mínima de qualquer investimento estrangeiro é de um ano. Já o Brasil continua sendo, segundo o FMI, um dos poucos países do mundo que não impõe qualquer restrição ao fluxo de capitais. Essa política favorece toda espécie de especuladores, que se beneficiam dos juros altos, sem nenhum compromisso com o país. Masoquismo oficial Os tecnocratas do Banco Central comemoraram o superavit primário de abril, que fechou em 5,02% do PIB, e acima da meta de 4,25% para este ano. Isso quer dizer que o governo conseguiu “economizar” recursos de programas sociais e de obras públicas para pagar com folga os juros cobrados pelos credores internacionais. É a mesma coisa que tirar o pão da boca de milhões de brasileiros para comprar caviar para meia dúzia de banqueiros. Barriga cheia As empresas privadas de energia elétrica, boa parte nas mãos do capital estrangeiro, vivem pressionando a agência reguladora do setor, a Aneel, e o Ministério das Minas e Energia para obter novos reajustes de tarifas. Em 2004, tiveram um reajuste médio de 18%, em relação a uma inflação de 7,6%. No primeiro trimestre deste ano, já registraram um lucro operacional médio de 21,7% acima do obtido no ano passado. Isso sem contar os malabarismos contábeis e as remessas clandestinas para o exterior. Fantasma militar A instabilidade política em vários países da América Latina demonstra que as elites nacionais, equivocadas em seus pactos neoliberais, não conseguem resolver os problemas cruciais do povo. Em alguns países como Bolívia, Equador, Colômbia, Nicarágua e Paraguai, os militares voltam a mostrar a cara no cenário político e a lembrar um passado não muito distante – e de triste memória. Violência imperial A base militar dos Estados Unidos em Guantánamo, na ilha de Cuba, que há vários anos mantém centenas de prisioneiros afegãos, seqüestrados em seu país, presos sem julgamento e submetidos às mais variadas torturas, continua inexpugnável para a ONU e para as entidades internacionais de defesa dos direitos humanos. Lá funciona a mais ativa escola de tortura do presidente George W. Bush, apesar de todas as denúncias sobre os crimes praticados. Paraíso devastado O Brasil mais uma vez terá pouco a comemorar em 6 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente. Levantamentos atualizados mostram que aumentou assustadoramente o desmatamento do cerrado e da floresta amazônica. O governo Lula tem sido omisso ou incompetente para combater a devastação ambiental e a ação criminosa dos grandes grileiros de terra e das madeireiras. Teste tucano O Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) considerou uma grande vitória popular a aprovação, na semana passada, na Câmara Municipal de São Paulo, do projeto de lei que cria o passe-livre para desempregados nos transportes coletivos. Se for sancionado pelo atual prefeito, José Serra, do PSDB – o que não está garantido – o passe poderá beneficiar quase dois milhões de desempregados.
J. Rosha de Manaus (AM)
Arquivo CIR
Deputados dizem que há “colossais vazios” em territórios destinados às aldeias
Hamilton Octavio de Souza
A
pesar da aparente tranqüilidade em Roraima nos últimos dias, grupos contrários à homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol arriscam nova cartada, desta vez tentando sustar os efeitos do decreto homologatório por meio de pelo menos dois projetos que tramitam na câmara federal, de autoria de parlamentares daquele Estado. Lideranças ligadas ao Conselho Indígena de Roraima (CIR) acompanham o trâmite dos projetos e, nas aldeias, trabalham na ampliação dos meios de subsistência para atender às demandas das 164 comunidades ali existentes. O deputado Francisco Rodrigues (PFL-RR), autor do Projeto de Decreto Legislativo 1621, apresentado dia 19 de abril, reclama da “exorbitância do poder regulamentar” e da existência de “colossais vazios ou enclaves territoriais por eles não ocupados, entre uns e outros aldeamentos”, citando trecho de um parecer do jurista Miguel Reale Júnior. O argumento é utilizado também pelo deputado Luciano Castro (PL-RR), autor do projeto1625. Para Marinaldo Macuxi, coordenador do CIR, há apreensão entre os tuxaua. Eles ainda temem que a homologação seja suspensa porque os políticos e empresários contrários ao decreto têm recursos para mobilizar todos os meios a seu dispor. Os indígenas refutam os argumentos dos parlamentares sustentando que toda a extensão da terra indígena Raposa Serra do Sol é ocupada por retiros onde a produção está se expandindo. “Temos uma população de mais de 15 mil indígenas e agora estamos trabalhando no melhoramento do gado, da agricultura, e realizando projetos de piscicultu-
Macuxi, uma das lideranças indígenas de Roraima, denuncia manobras no Estado para barrar os efeitos da homologação
ra para melhor ocupar a terra”, diz Marinaldo Macuxi. Ele destaca ainda que há diferenças na ocupação das terras entre os indígenas e não-indígenas. “Ao contrario dos brancos, nós não queremos a terra para vender ou especular. A terra serve para reprodução de nossos costumes, culturas e para que as gerações do futuro possam viver em paz”.
INDENIZAÇÕES Se, por um lado, as ações dos parlamentares de Roraima causam expectativa, de outro a saída dos moradores das vilas tranqüiliza os indígenas. Segundo o administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Boa Vista, Gonçalo Teixeira dos Santos, sairá um edital convocando 22 moradores para receber
as indenizações, que somam mais de R$ 800 mil. Outros 44 já foram indenizados, num montante superior a R$ 2 milhões, restando sete propriedades que serão analisadas pelo Grupo Técnico (GT) criado para tratar desse assunto na Funai. Segundo Macuxi, alguns moradores das vilas enviaram para a sede do CIR os formulários requerendo a indenização, quando deveriam ser enviados para a administração regional da Funai. Ele diz que há moradores ansiosos em sair das vilas, esperando apenas pelo pagamento. Outros, porém, não se conformam com o valor das indenizações, pois consideram que é inferior ao que efetivamente valem as propriedades. No entanto, caberá ao GT a decisão final sobre o pagamento, segundo informa Teixeira.
PETROLEIROS
Dez anos da greve histórica Leonardo Severo de Cubatão (SP) Ao lado de lideranças políticas e sindicais, centenas de petroleiros e familiares comemoraram, dia 29 de maio, na Baixada Santista, os dez anos da histórica greve de 30 dias que barrou a desnacionalização do setor petrolífero e assegurou o poder acionário da Petrobras aos brasileiros. Como destacou, emocionado, o presidente do Sindicato dos Petroleiros de Cubatão, Santos e São Sebastião, Alexandre Jatuzak, “foi o primeiro forte embate contra o governo neoliberal”. Naquela batalha, onde centenas de trabalhadores foram demitidos e afastados da Petrobras, ressaltou, “a família petroleira demonstrou a força da união e do compromisso com um país melhor para todos, denunciando a criminosa política de privatização dos nossos recursos naturais”. A ocupação da Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão, convertida em símbolo de resistência pelos grevistas, foi resgatada por Alexandre Jatuzak, em meio à forte emoção do plenário: “Foram 31 dias de coragem, união e companheirismo, apesar de terem usado de todas as armas para nos dividir”. Entoando em coro o hino nacional, esposas, maridos e filhos de grevistas aplaudiram uma a uma as imagens da paralisação reproduzidas em um telão. Presente na cerimônia, um humilde trabalhador que, menino na época, distribuía café aos grevistas, chorou ao ser homenageado. “É muito importante que nos encontremos para comemorar vitórias, principalmente dessa luta que juntou
Anderson Barbosa
Fatos em foco
Manifestação de petroleiros na Avenida Paulista, em defesa da soberania nacional
os espaços institucionais com a garra e o movimento dos trabalhadores, convertendo-se no primeiro duro golpe contra a política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso”, declarou a deputada estadual Maria Lúcia Prandi (PT). Orgulhosa por ter participado ativamente dos enfrentamentos daqueles dias, a deputada lembrou: “Hoje comemoramos aquela vitória com um presidente sindicalista que reviu, readmitiu e anistiou os petroleiros; e mantendo uma empresa pública como a Petrobras, que é nosso orgulho”. O deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT), então presidente da CUT nacional, ressaltou o papel da solidariedade militante, expressa pelos sindicatos, pelos trabalhadores e pela própria população, que se somou ao movimento, aportando recursos e cestas básicas para as famílias. “Foi uma vitória de quem lutou e conquistou, de mulheres guerreiras que ajudaram a segurar o tranco, da unidade da categoria, da
humildade e serenidade de lideranças como o companheiro Antônio Carlos Spis, presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP), na época, e hoje secretário nacional de Comunicação, na CUT”, declarou o deputado federal Vicentinho. Autor da Lei 10.590, que permitiu a readmissão dos demitidos, o deputado federal Luciano Zica (PT) sublinhou que o texto que encaminhou ao Congresso Nacional havia sido redigido no Congresso dos Petroleiros. “Foi aprovado, sancionado e transformado em lei pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que honrou sua palavra. Já os tucanos têm a marca de fazer acordo e não cumprir. Lembro que tínhamos a cópia do acordo assinado pelo ex-governador Franco Montoro de que as punições seriam revistas quando terminada a greve. Fernando Henrique vetou”, condenou o parlamentar. Leonardo Severo é jornalista da Agência CUT
MST
Vinte anos de conquistas em Santa Catarina Dirceu Pelegrino Vieira de Chapecó (SC) Na madrugada do dia 26 de maio de 1985 aconteceu em Abelardo Luz a primeira ocupação de terra organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Santa Catarina. Vinte anos depois, de 27 a 29 de maio de 2005, no seio da terra conquistada, assentados e acampados de todo o Estado comemoraram o 20º. aniversário do movimento. No local da primeira ocupação, onde reinava o latifúndio, a terra foi libertada e abriga hoje milhares de famílias que produzem sua existência com dignidade. Durante as comemorações, o MST foi homenageado pela Câmara Municipal de Vereadores, em sessão solene. Na mesma oportunidade, o MST homenageou todas as entidades e organizações que contribuíram no processo de retomada da luta pela terra em Santa Catarina. Apresentações culturais e a formatura de jovens e adultos alfabetizados nos assentamentos completaram a festa. Relembrando o dia da primeira ocupação, a mística trouxe o simbólico fogo na ponte que dá acesso aos assentamentos. Em 1985, quando as famílias sem-terra chegaram, os pistoleiros colocaram fogo na ponte para tentar impedir a ocupação. Vinte anos depois, os sem-terra atravessaram a mesma ponte. Só que, desta vez, no lugar da ameaça dos pistoleiros, todos foram protegidos pela bandeira do MST. Irma Brunetto, que estava naquela ocupação e hoje faz parte da Coordenação Nacional do Movimento, lembrou da contribuição da sociedade na primeira ocupação: “Aquela ocupação foi organizada pelos sindicatos, pelas paróquias, pelas pastorais, pela sociedade. Imaginem uma primeira ocupação com mais de 1500 famílias”. Vários sem-terra foram vítimas da violência do latifúndio e do poder judiciário. Muitos pagaram com a própria vida. Mas não morreram, ao contrário, renasceram nos 130 assentamentos – em torno de 100 mil hectares – onde estão 5 mil famílias. Seus sonhos se realizam nas seis escolas de ciranda infantil, com 9 educadores infantis e 40 crianças; nas 61 escolas de ensino fundamental, com 3 mil alunos e 120 professores; nas três escolas de ensino médio, com 480 alunos e 30 professores.
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NACIONAL OS RALOS DA ECONOMIA
Subsídios, fraudes, desperdício... Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
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uma conta aproximada, que se baseia apenas em dados mais recentes, divulgados pelo governo federal, pelo menos R$ 443,8 bilhões foram enfiados num buraco negro, perdidos num emaranhado de dívidas não cobradas ou perdoadas, fraudes, sonegação, obras paralisadas, subsídios e incentivos fiscais. O valor corresponde a quase exatamente aos R$ 444,5 bilhões arrecadados em 2004 pelo governo com a cobrança de impostos e taxas. Representa, ainda, 25% de todas as riquezas que o país produziu, ou 58% mais do que os R$ 280,7 bilhões destinados aos programas sociais no ano passado. Diante do cenário que se desenha à frente, considerando uma hipótese mais do que otimista, as receitas totais da União, incluindo a Previdência, poderiam dobrar sem qualquer aumento de impostos. Bastaria, para isso, que o governo decidisse cobrar o que empresas e pessoas físicas lhe devem, cortar subsídios e vantagens fiscais concedidas a um sem-número de setores, investir no combate a fraudes, à sonegação e ao desperdício. Em resumo, reduzir os níveis de esculhambação em vigor. Apenas isso seria suficiente para acertar as contas públicas permanentemente, livrando o Brasil de uma contínua política
Lucinei Martins/ BL45Imagens
... e dívidas: se o governo cobrasse tudo que as empresas devem, receitas dobrariam, sem aumento de impostos
Pacientes aguardam atendimento em posto de saúde (SP): o combate a sonegadores pode dobrar a receita da Previdência
de arrocho, juros altos e cortes de recursos e investimentos públicos. Numa palavra, ficaria provado, de uma vez por todas, que não há falta de recursos e que, portanto, o descalabro vivido em áreas como a da Saúde e da Educação resulta de decisões de política econômica. Neste momento, nos bastidores
do Palácio do Planalto e do Congresso, prepara-se um novo golpe contra o contribuinte que sempre pagou em dia seus impostos e jamais enviou dólares ilegalmente para o exterior. Se aprovada, a nova anistia certamente fará a conta da esculhambação engordar ainda mais, aproximando-a da marca do
trilhão de reais. O projeto de lei 5.228, aparentemente elaborado sob encomenda do governo, pretende anistiar, perdoar empresas e pessoas físicas que, durante um prazo de seis meses, repatriarem (trouxerem de volta ao país) os bilhões de dólares desviados legal ou irregularmente
Na Previdência, somem Até o reparcelamento uns R$ 136 bilhões de impostos é sonegado Por questões técnicas, a relação dos maiores devedores da Previdência Social ficou temporariamente fora do endereço da instituição na internet. Mas os números relativos a março de 2005 foram divulgados. Empresas e pessoas físicas deviam R$ 87,4 bilhões ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), quase R$ 10,5 bilhões a mais do que em setembro de 2004. No período, a dívida cresceu 14%, enquanto a inflação variou 4,2% nos mesmos seis meses. Aquele valor se refere apenas à dívida em fase de cobrança ou execução judicial, excluindo os débitos contestados pelas empresas na Justiça e aqueles em fase de parcelamento ou já parcelados (desde que a empresa esteja em dia com o pagamento das parcelas). Calcula-se que o valor total da dívida, tudo somado, chegue aos R$ 120 bilhões – perto de 28% a mais do que toda a arrecadação líquida do INSS em 2004.
FUROS A relação dos maiores devedores é liderada pela Varig (Viação Aérea Riograndense), com R$ 1,18 bilhão, seguida pela Transbrasil, outra empresa aérea, que deve R$ 454,7 milhões ao INSS, e pela Encol, no passado a maior construtora do país, que quebrou em 1999 – sua dívida é de R$ 328,7 milhões, dos quais a Previdência dificilmente conseguirá recuperar alguma coisa. Em maio, o Ministério da Previdência anunciou que investirá R$
19 milhões em novo programa de combate a fraudes, hoje estimadas em R$ 16 bilhões. Um levantamento realizado pelo órgão descobriu 1,4 mil pontos vulneráveis (sujeitos a sonegadores e a fraudadores) nos sistemas que comandam a concessão e pagamento de benefícios previdenciários e a inclusão ou exclusão de devedores. Somadas dívidas e fraudes, temse um total aproximado de R$ 136 bilhões, 45% acima dos R$ 93,8 bilhões pagos pelos contribuintes ao INSS no ano passado. Suponha-se que o governo consiga recuperar 30% das dívidas e fraudes. Teria em caixa, todos os anos, mais R$ 40,8 bilhões, o suficiente para cobrir, com folga, o alegado rombo do setor, sem precisar arrochar aposentados e pensionistas. Apenas para constar, o governo diz que a Previdência terá um déficit (despesas maiores do que receitas) de R$ 36 bilhões em 2005. Mas a contabilidade do governo, nesta área, é mais do que vesga. Prefere “esquecer” receitas, desviandoas para outros setores (como o pagamento de juros da dívida), do que cobrar dívidas. Assim, o governo prepara um projeto que vai adiar o pagamento de quase R$ 10 bilhões, devidos pelas prefeituras, por um prazo de 240 meses, diante dos 60 meses permitidos hoje. Assim, ao invés dos cinco anos previstos na legislação atual, os prefeitos terão 20 anos para honrar seus débitos com a Previdência. (LVF)
O RESUMO DA ESCULHAMBAÇÃO Valores em bilhões de reais Previdência: Dívida total: 120,0 Fraudes: 16,0 Subtotal: 136,0
Créditos da União:
81,0
Incentivos e subsídios:
43,6
Incentivo aos exportadores: 1,7
Dívidas do crédito rural: 20,5
Perdão de impostos: Anistia 1*: 53,0 Anistia 2**: 93,0 Subtotal: 146,0
Obras paralisadas:
* Refis - Programa de Recuperação Fiscal ** Paes - Parcelamento Especial
TOTAL: 443,8
15,0
Trata-se de um caso de dupla sonegação. Em 2000, o governo Fernando Henrique autorizou que as empresas devedoras da Receita Federal reservassem entre 0,3% a, no máximo, 1,5% de seu faturamento, todos os meses, para quitar dívidas relativas a impostos atrasados. Nessas bases, há casos de empresas que terminarão de pagar o que devem em 200 anos. Foi o primeiro Programa de Recuperação Fiscal – Refis. A mamata não foi suficiente. Em 2003, novo Refis, autorizando mais um perdão para quem tinha ficado de fora do primeiro, ou não conseguiu pagar as prestações já suaves do parcelamento anterior. As dívidas relacionadas a impostos e contribuições previdenciárias não pagas até 28 de fevereiro de 2003 puderam ser parceladas em 180 meses (15 anos). Desta vez, sem um teto sobre o faturamento (já que muitas empresas passaram a declarar receitas decrescentes, só para pagar ainda menos ao fisco).
Até março de 2005, a situação era a seguinte: mais de 70% das empresas que aderiram ao primeiro parcelamento (91,6 mil em quase 130 mil) foram excluídas porque deixaram de pagar as prestações. Estima-se que 40% das empresas que participam da segunda anistia, de um total de 314,7 mil, também devem ser excluídas pelo mesmo motivo. Nos dois programas, as dívidas renegociadas somam R$ 146 bilhões. No ano passado, foram pagos R$ 3,8 bilhões, ou apenas 2,6% do saldo devido. Portanto, o governo só conseguirá receber todo aquele saldo em mais 38 anos. Isso se conseguir manter a arrecadação nos mesmos níveis de 2004. “Somos contrários a esses parcelamentos porque não enxergamos benefícios para a sociedade. Os números provam isso”, declarou Manoel Felipe Rêgo Brandão, procurador-geral da Fazenda Nacional, em entrevista ao jornal Valor Econômico. (LVF)
Os créditos bilionários Há coisa de algumas semanas, a Receita Federal anunciou que estaria apertando a fiscalização contra os bancos, responsáveis pela cobrança e arrecadação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Descobre-se, a partir do anúncio, que os bancos estavam ajudando seus clientes especiais a driblar a CPMF, que todo correntista comum é obrigado a pagar sobre qualquer movimentação financeira realizada (saques em conta corrente, transferências, pagamentos de contas, investimentos e aplicações etc.). Prática isolada, como costumam alegar porta-vozes do setor financeiro? Nada disso. A fraude foi identificada em 92 instituições financeiras. Em quatro anos, calcula-se que falsas entidades beneficentes, sob abrigo dos bancos, tenham drenado dos cofres da
Receita algo como R$ 2,5 bilhões. Mas essa é apenas uma pequena parte dos créditos que a Receita Federal tem a receber, a ponta de um iceberg gigantesco. Nas contas do procurador-geral da Fazenda Nacional, Manoel Felipe Rêgo Brandão, no total, aqueles créditos chegam a R$ 270 bilhões, envolvendo cerca de 3 milhões de processos de cobrança contra sonegadores. Para Brandão, no entanto, ainda citado pelo Valor Econômico, somente 30% daqueles bilhões podem ser recuperados pela Receita Federal (algo como R$ 81 bilhões). Com isso, seria possível aumentar em duas vezes e meia as verbas para a Saúde. Fora isso, a Receita abrirá mão, em 2005, de praticamente R$ 43,6 bilhões em subsídios e incentivos que serão distribuídos a instituições beneficentes e empresas em geral. (LVF)
para paraísos fiscais, fora do alcance da Receita Federal. Ainda mais grave, pretende-se extinguir as penas que caberiam nos casos comprovados de sonegação e fraude, fazendo a ressalva marota: somente não seria aceito o repatriamento de dólares por pessoas físicas condenadas por tráfico de pessoas, drogas e armas, pornografia infantil, terrorismo e crimes contra a administração pública e o sistema financeiro nacional. Por que a marota? Porque, caso não exista a condenação, a anistia, obviamente, passará a vigorar – com a conseqüente extinção do crime respectivo. Como se recorda, as remessas de dólares foram escandalosamente facilitadas a partir de 1996, quando o Banco Central decidiu eliminar quase todos os mecanismos de controle criados para evitar fraudes e o desvio irregular de divisas. No caso do Banestado, investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), calcula-se que entre 126 bilhões de dólares a 130 bilhões de dólares tenham sido remetidos de forma regular ou irregular. Só neste episódio, teriam tomado chá de sumiço perto de R$ 312 bilhões, correspondendo a cerca de 18% de todas as riquezas que os brasileiros produziram no ano passado. A seguir, um roteiro resumido de como se consegue empurrar os recursos públicos, vale dizer, de todos os brasileiros, literalmente para o ralo.
Novo pacote, obras paradas, dívida agrícola Breve, o governo deve regulamentar um novo pacote de incentivo às exportações. Indústrias que destinarem mais de 80% da produção ao mercado externo poderão passar os próximos cinco anos sem pagar um tostão de Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) e contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Detalhe: a isenção valerá mesmo no caso de importação de tecnologia (programas de computador e telecomunicações, por exemplo). Para a aquisição de tecnologia, no país ou no exterior, o benefício pode se tornar permanente após o quinto ano. Somente a compra de máquinas e equipamentos com isenção do PIS e Cofins deve acarretar uma perda de receita de R$ 1,7 bilhão. Não há estimativa para os demais benefícios, que incluem, ainda, isenção total de IPI para bens de capital (máquinas). Pouquíssimas empresas vão conseguir se enquadrar nas exigências do pacote. Nem por isso, porém, vão deixar de usufruir os incentivos. Como? Os grupos vão criar empresas especialmente para concentrar as exportações das empresas que os integram, cumprindo os 80% exigidos. Na área agrícola, enquanto vem aí mais um socorro ao setor, 48% dos contratos renegociados na crise de 1993/1994 e, mais tarde, em 2001, venceram e não foram pagos. No total, foram renegociadas dívidas de R$ 20,5 bilhões, dos quais R$ 9,8 bilhões já venceram. Para fechar esse balanço parcial dos ralos por onde escorrem os recursos do país, o Tribunal de Contas da União (TCU) aponta um desperdício de R$ 15 bilhões com 3 mil obras inacabadas pelo governo, em todo o país. Perde-se, aqui, o equivalente a mais de duas vezes o que o governo investe, todos os anos, em infra-estrutura. (LVF)
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De 2 a 8 de junho de 2005
NACIONAL ENTREVISTA
No Brasil, a lei está em descrédito Anamárcia Vainsencher da Redação
Robson Oliveira
O professor Goffredo Telles teme pelo futuro do país: o eleitor está cansado e não há respeito à Constituição
A
os 90 anos – completados dia 16 de maio, o advogado e professor Goffredo da Silva Telles Júnior continua lúcido. E tão preocupado com os destinos da nação brasileira como aos 16 anos, quando começou sua militância política. Seu olhar sobre o país reflete alguns temores porque, embora o Brasil não esteja mais sob o jugo de uma ditadura, tampouco vive uma democracia plena, seja em função do desrespeito dos políticos ao eleitor, pela troca-troca de partidos, seja por causa da usurpação de poderes pelo executivo, que passa por cima da Constituição. “A Constituição está esquecida, um trapo velho lançado a um canto”, afirma Goffredo Telles em entrevista ao Brasil de Fato.
BF – Como nasceu a idéia da Carta? Goffredo – Era um documento que vinha sendo gestado dentro de mim há muito tempo, pela revolta que me causava aquele regime de força, aquela ditadura em que vivíamos, em contraste com o sentimento generalizado da nacionalidade. Em julho de 1977, durante as férias da faculdade, redigi o manifesto que brotava na minha consciência. Em verdade, a Carta aos Brasileiros não continha qualquer novidade extraordinária. Era apenas um grito da consciência, de uma consciência ansiosa pela restauração da democracia democrática em nosso país. BF – E quando o senhor a leu no pátio... Goffredo – A repercussão foi imediata, não só entre os estudantes, ou entre as pessoas mais próximas de mim, mas entre amplos círculos populares de todo o país. Era como que o primeiro documento de rompimento com o regime de força que nos infelicitava. Repercutiu até no estrangeiro.
Mobilização de estudantes em defesa do passe livre, em Porto Alegre (RS): “Para que o poder emane do povo, é preciso que haja representantes autênticos do povo”
Um grande jornal de um país anunciou a Carta em manchete, na primeira página. BF – Ao que o senhor atribui tamanha repercussão? Goffredo – Não digo isso para me vangloriar, mas a Carta sendo o que foi, como que rompeu a barreira do medo. Depois dela, começaram a se fazer ouvir as vozes do povo via manifestos de sindicatos, através dos órgãos de divulgação de diversas religiões. O povo recomeçou a se fazer ouvir, a poder se manifestar e dizer o que realmente desejava. BF – E de lá para cá a situação melhorou? Goffredo – Todos sabem o que aconteceu depois de 1977. Um movimento incontestável, mesmo nas áreas do governo, em favor de um regime mais brando, de liberdades da pessoa humana. Só por isso, acredito, valeu a pena aquela leitura no pátio sagrado da Academia de Direito do Largo de São Francisco. BF – O senhor considera que o Brasil vive uma democracia plena? Goffredo – Não quero com isto afirmar que hoje – mesmo estabelecidas fórmulas democráticas na letra da Constituição – que agora vivemos em um regime de democracia plena. Não, pelo contrário. Jamais diria que estamos em um regime ideal, o mais perfeito de democracia. É
uma pseudo-democracia. Pela voz dos responsáveis do poder, se diz e prega democracia. Mas, na prática, está muito longe realmente de ser um regime em que o poder, todo o poder, emana do povo, como está escrito na Constituição. BF – Mas por quê? Goffredo – Por quê? Porque para que todo o poder emane do povo, como está escrito lapidarmente na Constituição, é preciso que haja no poder representantes autênticos do povo. Autênticos. E o que vemos? Não digo nenhuma novidade. Estamos com um regime de partidos que não são verdadeiros partidos democráticos. BF – O que o senhor quer dizer? Goffredo – O que é um partido? É um conjunto de pessoas que se reúnem em defesa de determinado programa, determinadas idéias, nele registradas e consagradas. Programa devidamente registrado no Tribunal Eleitoral. Um conjunto de pessoas que se vangloriam de ter um programa de idéias registradas. BF – Então, o que está errado? Goffredo – Mas o que vemos? Não quero causar escândalo, mas acho conveniente dizer com clareza o que acontece, para que a defesa do programa partidário seja feita condignamente. Porque, afinal, o povo elege um político que adotou determinado programa. Estou me referindo, evidentemente, ao poder legisla-
Carta aos Brasileiros Na noite de 8 de agosto de 1977, em plena ditadura militar, o professor Goffredo da Silva Telles Júnior leu, em um lotado pátio da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no largo de São Francisco, Centro da cidade de São Paulo, um manifesto, subscrito por centenas de brasileiros democratas. A Carta rompia um longo período de silêncio e medo. Após sucessivos atos institucionais decretados pelos governos militares que usurpavam o poder desde 1964, a Carta foi como um grito incontido contra a ditadura e o cerceamento às liberdades. Alguns de seus trechos: Conclamação: “Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos direitos humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”. Ordem jurídica: há uma legítima, outra ilegítima. A ordem imposta, vinda de cima para baixo, é ilegítima. Isso porque, antes de mais nada, ilegítima é a sua origem. Somente é legítima a ordem que nasce, que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do povo. Ordem x força: a ordem social justa não pode ser gerada pela pretensão de governantes prepotentes; é ilegítimo todo governo fundado na força. Constituição: é ilegítima a outorgada por autoridade que não seja a Assembléia Nacional Constituinte, com a única exceção daquela que é imediatamente imposta por meio de uma revolução vitoriosa, realizada com a direta participação do povo. Estado de direito: o Estado legítimo é o Estado de Direito, e esse é o Estado constitucional, aquele que se submete ao princípio de que governos e governantes devem obediência à Constituição. Estados de fato, de exceção, autoritários: são aqueles cujo poder executivo usurpa o poder constituinte; aqueles cujos chefes tendem a se julgar onipotentes e oniscientes, e cujos governos não toleram críticas e não permitem contestação, são obcecados por sua própria segurança, permanentemente preocupados com sua sobrevivência e continuidade; são Estados opressores. Esses Estados policiais apregoam que há direitos que devem ser suprimidos ou cerceados, para tornar possível a consecução de seus próprios ideais.
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tivo, onde estão os representantes do povo que foram eleitos por defender determinado programa. Nós eleitores, nós o povo, elegemos quem vai defender um programa. E o que acontece? Numa realidade muito, muito freqüente, representantes eleitos mudam de partido. Vão para um partido que tem outro programa, portanto outras idéias. Como fica o eleitor? Sem representante no poder legislativo. BF – O senhor não acha que o eleitor brasileiro vota mais em pessoas do que em programas? Goffredo – O eleitor se defende da irregularidade votando em pessoas, não em idéias. Mas ele fica decepcionado, porque votou numa pessoa que pensa de determinada maneira, pensa como ele. A princípio, o eleitor vai aceitando, mas, com o passar do tempo, vai perdendo a confiança no legislativo. BF – Quais as conseqüências dessa decepção? Goffredo – Hoje, há descrédito nas leis. As pessoas dizem, ‘deixa pra lá, o que queremos é Justiça’. Mas que Justiça? A do juiz? Ao juiz cabe dizer o que a lei quer, não a sua vontade. Se o que valesse fosse a vontade do juiz, aqui teríamos outra ditadura, a da vontade dos juízes. E nós detestamos ditaduras, quaisquer que sejam, e abraçamos as leis para nos defendermos. BF – E quando a lei é desacreditada, o que acontece? Goffredo – Atualmente, vivemos em um regime de perigo. A lei está em descrédito. O poder executivo age no lugar do legislativo, editando medidas provisórias que entopem o parlamento. Quando a lei está em descrédito, estamos em uma situação irregular e perigosa. Tenho receio que descambe. Os eleitores se cansam e não sei a que isso pode levar! BF – O que fazer, então? Goffredo – Qual é a saída? Mudar a Constituição? Talvez acrescentar alguma coisa, não mudar. É preciso cumpri-la. A Constituição está esquecida, um trapo velho lançado a um canto. Pela Constituição, os três poderes – executivo, legislativo e judiciário – são independentes e harmônicos. Mas ela é violada quando o executivo, via medidas provisórias, ingressa na competência do legislativo, provocando o trancamento dos trabalhos.
Leonardo Colosso/Folha Imagem
Brasil de Fato – O que aconteceu no país depois da Carta aos Brasileiros? Goffredo da Silva Telles Jr. – A Carta aos Brasileiros foi escrita e lida por mim no pátio interno da Faculdade, onde se reúnem, entre as aulas, os estudantes da Faculdade de Direito. Um pátio enorme, que estava repleto. Eram estudantes, pessoas do povo em geral, jornalistas, políticos de todos os partidos e curiosos que queriam saber o que eu teria a dizer em 1977, em plena ditadura militar. O que eu teria a dizer ao povo da minha terra, aos brasileiros em geral.
Quem é Paulistano do Centro da cidade, Goffredo da Silva Telles Júnior nasceu em 16 de maio de 1915, e já em 1932 foi soldado na Revolução Constitucionalista. A partir daí, nunca mais deixou de militar pela democracia. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde lecionou de 1940 a 1985. Além disso, ocupou as funções de vice diretor e diretor, e organizou e coordenou os cursos de pós-graduação. Foi deputado federal constituinte (1946) e deputado federal (1946-50), secretário da Educação da Prefeitura de São Paulo (1957) e presidente da Associação Brasileira de Juristas Democratas. Incansável defensor dos direitos constitucionais. Goffredo Telles (nome com o qual assinava seus artigos) publicou, em 1959, Lineamentos de uma Constituição realista para o Brasil, defendendo a tese da iniciativa popular no processo de elaboração das leis. Em 1963, foi o Lineamentos de uma Democracia Autêntica, onde mostrava a necessidade da participação dos setores organizados do povo no processo legislativo. Em 1977, leu sua Carta aos Brasileiros (veja box). Em 1988, em nome de centenas de entidades representativas da sociedade civil, reunidas no Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte, dirige ao governo sua Carta dos Brasileiros, ao presidente da Republica e ao Congresso Nacional, clamando por uma Assembléia Constituinte livre, autônoma e soberana, desvinculada do Congresso Nacional e das engrenagens do governo. Em setembro de 1993, em nome daquelas mesmas entidades, em defesa da Constituição, lê, em sessão pública no salão nobre da Faculdade de Direito, a Segunda Carta aos Brasileiros.
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SEGUNDO CADERNO VENEZUELA
Ação conjunta contra o terrorismo Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
C
entenas de milhares de venezuelanos tomaram as ruas de Caracas, dia 28 de maio, para exigir a extradição do terrorista anticastrista Luis Posada Carriles. A manifestação ocorreu um dia depois que o governo estadunidense rechaçou o pedido de extradição de Carriles feito pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez. O terrorista responde a um processo na Venezuela onde é acusado de promover o atentado contra um avião da empresa Cubana em 1976, deixando 73 pessoas mortas. A negativa estadunidense em extraditar Carriles, ex-agente da Agência Central de Inteligência (CIA, por sua sigla em inglês), aprofundou a crise diplomática entre Caracas e Washington e colocou em contradição a retórica do presidente estadunidense, George W. Bush, de combate ao terrorismo mundial. Os Estados Unidos dizem que vão julgar Carriles em seu território por violar as leis de imigração, supostamente por ter entrado ilegalmente no país pela fronteira do México. No entanto, nada dizem sobre as acusações de terrorismo e de tortura contra Carriles. “Temos que recordar a Bush suas próprias palavras: quem protege terrorista também é terrorista”, afirmou o ministro de Educação e Esportes, Aristóbulo Istúriz.
Marcelo Garcia
A exemplo dos cubanos, milhares de venezuelanos exigem de George W. Bush extradição de Posada Carriles
Venezuelanos tomaram as ruas de Caracas para exigir a extradição do terrorista anticastrista Luis Posada Carriles
baixadas em ambos países e, possivelmente, a interrupção do envio diário de petróleo da Venezuelna, o quarto maior exportador mundial, aos Estados Unidos. O governo Bush qualificou como “mal fundamentada” a solicitação da extradição de Carriles. Outro argumento utilizado pelo governo estadunidense é de que a Venezuela poderia entregar Carriles aos tribunais cubanos depois da sua extradição. Para garantir a imparcialidade e justiça no julgamento, o governo de Cuba já afirmou que se nega a receber o terrorista. A negativa emitida pelo Departamento de Estado estadunidense não é, no entanto, uma resposta de-
RUPTURA Há duas semanas, o presidente Hugo Chávez ameaçou romper as relações com Washington caso fosse negada a extradição. A ruptura significaria o fechamento das em-
finitiva. Ainda nesta semana, será entregue aos EUA outra solicitação de extradição junto à milhares de assinaturas de venezuelanos exigindo que o terrorista seja julgado em território venezuelano. Também nesta semana, uma comissão de parlamentares venezuelanos viaja aos Estados Unidos para solicitar ao Congresso respeito aos convênios internacionais em matéria de extradição e à Convenção Interamericana contra o Terrorismo, da qual ambos países são signatários. Um dos artigos da convenção estabelece que os Estados devem extraditar os cidadãos que colaboram com o terrorismo aos países prejudicados. Segundo o deputado do Parla-
mento Latino-americano (Parlatino), Walter Gavíria, foi enviado ao Parlatino do Brasil um pedido solicitando o pronunciamento do lado brasileiro sobre o caso no sentido de pressionar os EUA. A seu ver, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) também deveriam se manifestar.
ARQUIVO VIVO Em Cuba, nos dias 2 e 3 de junho, será realizado um evento convocado pelo movimento “Em Defesa da Humanidade” para exigir a extradição de Posada Carriles, analisar e denunciar os crimes de torturas, desaparições e assassinatos
ocorridos na América Latina com a cumplicidade dos Estados Unidos. A história de Carrilles traz justamente à tona as práticas promovidas pelos EUA na região. Um dos temores do governo estadunidense para não extraditá-lo é que Carriles poderia fazer importantes revelações sobre a atuação da CIA e a ligação dos Estados Unidos com o período das ditaduras latino-americanas e das operações anticuba. O terrorista confessou em 1978 ser o autor do atentado ao avião cubano, mas depois desmentiu. Condenado na Venezuela, conseguiu escapar da prisão em 1985, após oito anos de cárcere, graças à ajuda de Jorge Canosa, então presidente da Fundação Cubano-Americana, uma organização anticastrista com sede em Miami, criada durante a administração do presidente estadunidense Ronald Reagan. Em 2000, Carriles foi preso e condenado no Panamá pela tentativa de homicídio ao presidente cubano, Fidel Castro, na reunião de Cúpula Ibero-Americana. No entanto, a ex-presidente Mireya Moscovo, tradicional aliada dos Estados Unidos, concedeu indulto a Carriles e a outros terroristas anticastristas em seu último ato de governo. Depois disso, o terrorista viajou pela América Central e entrou em território estadunidense. Sua prisão ocorreu após as denúncias do presidente Fidel Castro de que Carriles estava vivendo em Miami, impunemente. Antes de ser detido, ainda, o terrorista organizou uma conferência de imprensa em que revelou ter pedido asilo político oficialmente ao governo Bush.
CUBA
As organizações de solidariedade à Cuba, reunidas em São Paulo, no final de maio,definiram que pretendem cobrar do governo brasileiro uma mudança em sua estratégia em relação ao país caribenho na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse ano, assim como em 2004, o Brasil se absteve na votação do pedido de condenação da ilha feito pelos Estados Unidos. Embora tenha reconhecido em um comunicado que via na proposta uma politização temerária da comissão, o Itamaraty não encaminhou voto contrário aos Estados Unidos, como fizeram China, Rússia e Zimbábue. Dessa forma, o pleito estadunidense acabou sendo vitorioso por 21 votos a favor e 17 contra, com 15 abstenções. “O governo brasileiro fez prova de falta de autodeterminação. Foi covarde, pois reconheceu a questão política da proposta dos Estados Unidos, mas não conseguiu ter uma atitude autônoma. Agora, é preciso se mobilizar para que isso não aconteça novamente”, avalia Paulo Ricardo Petry, da Associação Cultural José Martí, de Porto Alegre (RS). A pressão sob o governo brasileiro é uma das seis prioridades definidas pela 13ª Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba. As associações vão também apoiar a luta contra o terrorismo praticado pelos Estados Unidos (leia também reportagem acima) e exigir a libertação dos cinco cubanos presos em território estadunidense (veja reportagem ao lado). Segundo Petry, os direitos humanos são uma chave fundamental na discussão das asso-
Em encontro, organizações decidem apoiar a luta contra o terrorismo dos EUA
ciações de solidariedade a Cuba. Isto porque é preciso ampliar o significado desses direitos, que devem incluir direitos sociais e econômicos, seguindo a Carta das Nações Unidas. “Nesse aspecto, Cuba é o país onde os direitos humanos são os mais respeitados. Os cubanos têm saúde gratuita e universalizada, educação gratuita da melhor qualidade, acesso à educação, lazer, pleno emprego. Há claros problemas em Cuba, principalmente devido ao bloqueio que lhe impõe o governo estadunidense, mas o povo vive bem e é um exemplo para o resto do mundo”, afirma.
ORGANIZAÇÃO Outras definições da Convenção são a campanha pela validação dos diplomas obtidos por brasileiros na Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), em Cuba; o apoio à Rede em Defesa da Humanidade, lançada em Caracas (Venezuela); e a luta contra o bloqueio contra Cuba e pela expansão da Alternativa Boliviariana para as Américas (Alba) – acordo de integração soli-
dária e complementar já colocado em prática por Cuba e Venezuela. Segundo Petry, a estratégia das organizações de solidariedade a Cuba se divide em duas frentes. A primeiro é multiplicar os grupos de discussão sobre o socialismo cubano no interior de cada Estado. “Percebemos que não adianta realizar encontros nas capitais e convidar pessoas de outras cidades para participar. Temos que realizar atividades no interior mesmo”, explica. A segunda estratégia é pressionar o governo para que ele adote uma atitude autônoma, coerente e solidária ao povo cubano. De acordo com Petry, as associações fazem um acompanhamento da política brasileira em relação a Cuba. Enviam críticas, fazem sugestões de encaminhamentos e cooperam na articulação de encontros oficiais. “As associações de solidariedade a Cuba não vivem em uma sala fechada. Estão presentes em movimentos sociais, grupos políticos”. A próxima Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba deve ser realizada em Pernambuco.
Cinco cubanos: a história Marcelo Netto Rodrigues da Redação Cinco cubanos são enviados a Miami para obter informações que consigam evitar ataques terroristas contra Cuba. Assim que reúnem evidências suficientes, passam todas as provas e nomes identificados para o governo dos Estados Unidos. Mas, no final, quem são presos são eles. A história parece enredo de filme, mas nem na ficção ocorrem condenações tão absurdas. “Meu marido tem que morrer e voltar a viver por duas vezes e ainda ficar preso por mais 15 anos para cumprir sua pena”, relata Adriana O’Connor, esposa de Gerardo Hernandéz, um dos 5 “heróis” cubanos – forma como estão sendo chamados – que foram acusados e condenados por crime de espionagem. Os outros receberam “penas menores”: Antonio Guerrero e Ramón Salazar, têm de cumprir uma prisão perpétua e mais 18 anos, Fernando González, 19 anos de reclusão, e René González, 15 anos. A prisão aconteceu em 1998, um ano depois do Prêmio Nobel de Literatura, o colombiano Gabriel García Márquez ter se encontrado secretamente com o presidente Bill Clinton a pedido de Fidel Castro. Na ocasião, Clinton foi avisado de que
Cuba tinha informações que “um sinistro plano terrorista” se configurava entre os anticastristas que se refugiam em Miami.
POSADA CARRILES Além dos tradicionais planos para tentar matar Fidel, os ataques também teriam como alvo o turismo em Cuba, principal fonte de dólares da ilha. Bombas seriam colocadas em hotéis e casas de espetáculo. Aviões com turistas estrangeiros seriam explodidos. Qualquer semelhança com as acusações contra o dissidente cubano Luis Posada Carriles, que entrou ilegalmente no país em busca de asilo político não é mera coincidência. O terrorista é acusado de explodir um avião, de ser responsável por várias explosões em hotéis de Cuba, em 1997 – que causaram a morte de um italiano –, e de tentar matar Fidel na Cúpula Ibero-Americana de 2000, no Panamá. Segundo um ex-agente da Agência Central de Inteligência (CIA, por sua sigla em inglês), já foram mortos 3,4 mil cubanos em ações comandadas pelos Estados Unidos na tentativa de desestabilizar o governo de Fidel Castro, desde 1959 (ano da revolução cubana). A revelação foi feita em um documentário chamado Missão contra o Terror.
Luciney Martins/ BL45Imagens
João Alexandre Peschanski e Jorge Pereira Filho da Redação
Luciney Martins/ BL45Imagens
Solidariedade se faz com pressão e mobilização
Há mais de 40 anos, Cuba resiste aos atentados terroristas dos Estados Unidos
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De 2 a 8 de junho de 2005
AMÉRICA LATINA BOLÍVIA
La Paz sitiada: hora da decisão Jorge Pereira Filho da Redação
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m um clima cada vez mais polarizado, os movimentos sociais bolivianos iniciaram a segunda semana de protestos na capital La Paz intensificando a pressão sobre os parlamentares para que atendam a suas demandas. Milhares de camponeses organizados pelo Movimento Ao Socialismo (MAS) marcharam durante 200 quilômetros e, agora, querem que o Congresso convoque uma nova Assembléia Constituinte – um compromisso assumido em outubro de 2003, quando o então presidente Gonzalo Sanchéz de Lozada foi deposto por uma rebelião popular. Dia 31 de maio, os parlamentares voltaram de um recesso. Outro foco de pressão popular foi a marcha liderada pelos moradores de El Alto, cidade periférica da capital La Paz, que contava com estudantes, cocaleros e trabalhadores. As organizações apresentam uma agenda mais radicalizada, exigindo a renúncia do presidente Carlos Mesa, o fechamento do Congresso e a imediata nacionalização do gás e petróleo. A elite, por sua vez, também tem demandas e espera dos parlamentares a aprovação de referendos de autonomia regional. Os principais defensores dessa bandeira são, sobretudo, oligarcas das províncias de Santa Cruz (a região agropecuária mais rica do país, na fronteira com o Brasil) e da meridional Tarija (onde fica a maior reserva de gás boliviana).
Aizar Raldes/AFP/Folha Press
Crescem as mobilizações às vésperas de o Congresso decidir se atende às demandas do povo ou às da elite local Frente a esse cenário, analistas bolivianos alertam para a possibilidade de haver um enfrentamento entre os dois blocos regionais: os movimentos sociais fortalecidos sobretudo na porção oeste do país (La Paz e Al Alto) e a elite concentrada na parte leste (Santa Cruz).
MILITARES
Trabalhadores e indígenas voltam a ocupar as ruas e praças de La Paz reivindicando a nacionalização dos hidrocarbonetos
“Aprovar as autonomias sem a Assembléia Constituinte é, quem sabe, querer incendiar o povo boliviano”, resumiu o deputado Evo Morales, dirigente do MAS, ao jornal mexicano La Jornada. Os movimentos sociais denunciam que a elite quer garantir a autonomia das províncias frente às decisões nacionais como uma manobra política para se proteger de possíveis decisões de uma nova Assembléia Constituinte. Os camponeses e indígenas crêem que podem garantir maioria nesse novo processo, impulsionando novas conquistas sociais, como a reforma
agrária e maior controle sobre as reservas de gás. Já a elite tenta obter a autonomia das províncias para se imunizar de um possível avanço das forças progressistas.
EBULIÇÃO O clima de polarização na sociedade boliviana promete se aprofundar ainda mais. Recentemente, os funcionários da empresa que atende aos aeroportos do país anunciaram que entrarão em greve a qualquer momento. A mesma atitude tomaram os médicos, prestes a paralisar suas atividades. Já estão de braços
URUGUAI
cruzados os professores, exigindo melhores salários, e trabalhadores do sistema de saúde. No dia 25 de maio, os coronéis Julio Herrera e Julio César Galindo tentaram uma saída golpista e fizeram uma declaração propondo a renúncia de Mesa, o fechamento do Congresso e a entrega do poder a uma junta cívico-militar. Os setores organizados rechaçaram imediatamente a hipótese; ao mesmo tempo, o comando militar desautorizou os oficiais e convocou uma coletiva de imprensa para reafirmar a defesa da democracia e o respeito à Constituição.
Enquanto isso, o presidente Carlos Mesa tenta se equilibrar no poder. De acordo com a agência de notícias Bolpress, Mesa busca apoio com o comando militar e defendeu a ação do Exército em outubro de 2003. Na ocasião, os movimentos sociais fizeram um levante para derrubar Sánchez de Lozada, mas foram violentamente reprimidos pelos militares, que deixou um saldo de mais de 90 mortos. Mesa declarou apoio à demanda do Exército para que os culpados pela morte de uma enfermeira sejam julgados em um tribunal militar, e não por crime comum. Mesa também anunciou que pretende mover um processo de sedição (sublevação, motim) contra os dois oficiais que pediram sua renúncia. Além deles, o presidente pretende processar também pelo mesmo motivo o líder da Central Obrera Boliviana (COB), Jaime Solares, e um conselheiro da cidade vizinha de El Alto, Roberto de La Cruz. Até o fechamento desta edição, dia 31, o Congresso não havia decidido se convocaria uma nova Assembléia ou autorizaria o referendo regional. (Com agências internacionais)
CHILE
Entre a voz do Em formulação, uma plataforma social povo e a do mercado
Com decreto assinato por Vázquez, empresas podem explorar recursos hídricos
da Redação “Escutar o povo ou o mercado”. Segundo o escritor Eduardo Galeano, esse é o dilema do novo presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, e da Frente Ampla, bloco de esquerda que pela primeira vez chegou ao poder nacional. A frase foi dita durante o primeiro protesto, que teve a participação de Galeano, contra duas decisões do governo de Vázquez. Em Montevidéu, dia 27 de maio, cerca de duas mil pessoas saíram às ruas para rejeitar o decreto do governo da Frente Ampla que autoriza as transnacionais e outras empresas privadas a continuar a prestação de serviço de saneamento e abastecimento de água potável no país.
BEM PÚBLICO Os manifestantes argumentam que a decisão de Vázquez contraria o resultado do referendo realizado em outubro de 2004 e a própria Constituição. Na consulta popular, 64% dos uruguaios aprovaram uma reforma constitucional que outorgava ao Estado a propriedade definitiva dos recursos hídricos. Na ocasião, a própria Frente Ampla apoiou essa posição, mas o decreto
de Vázquez, agora, garante que as empresas podem seguir atuando. A Comissão Nacional em Defesa da Água – articulação de sindicatos, ONGs e movimentos sociais que teve papel decisivo na vitória popular de 2004 – organizou o ato em Montevidéu e pretende, agora, retomar suas bandeiras: a defesa da água como um direito fundamental, que não pode ser mercantilizado, cujos serviços de distribuição e saneamento só podem ser prestados pelo Estado. Eduardo Galeano foi o principal orador do ato e reivindicou “o direito à divergência dentro da confluência, já que essa é nossa melhor maneira de ajudar o governo a governar”. A mobilização popular também se opôs a outra decisão do governo de referendar a construção de instalações industriais de celulose no Rio Uruguai, na cidade de Fray Bentos (oeste do país). O projeto é encabeçado pelas madeireiras Ence (espanhola) e Botnia (finlandesa). Para Delia Villalba, parlamentar do distrito de Rio Negro pela Frente Ampla que participou do ato, a indústria terá efeitos “desastrosos” sobre o meio ambiente, a saúde e as atividades produtivas como turismo, pesca e a agricultura. Chile e Argentina. (Radio Mundo Real – www.radiomundoreal.fm)
Cerca de 200 mil chilenos participaram, dia 28 de maio, de uma consulta popular para definir um programa de governo que se oponha às diretrizes neoliberais. Os cidadãos de mais de 400 localidades puderam opinar sobre os critérios dessa plataforma social a partir de uma lista de propostas. O resultado será levado ao Congresso Nacional no próximo 5 de junho. A iniciativa foi convocada por forças de esquerda e progressistas do país, reunidas na Mesa de Convergência Antineoliberal. Trata-se da terceira maior força política do Chile, atrás da Convergência (do atual presidente Ricardo Lagos) e Aliança por Chile. A consulta foi limitada aos maiores de 18 anos. Cada participante
podia escolher três propostas que considera prioritária dentro de uma ampla lista de temas relacionados com a economia interna, defesa, política externa, direitos humanos, desenvolvimento social, entre outros. No plano econômico, destaque para a proposta que estabelecia a cobrança de royalties (licença) de 10% sobre os lucros das transnacionais que exploram o cobre – principal matéria-prima do país. Também estava contemplada na lista apresentada aos participantes medidas como programas de apoio estatal a pequenas e médias empresas, assim como ações de defesa e proteção ao meio ambiente. Em relação ao desenvolvimento social, era sugerido um plano nacional de combate ao desemprego. Hoje, cerca de 8,2% da força de trabalho chilena está desocupada,
segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). Outras medidas eram a redistribuição de renda mediante reajustes de salários e aposentadorias e a eliminação de taxas fixas das tarifas de água, luz, gás e telefone. A consulta também continha propostas de reforma política, como a de propor uma nova Constituição e a convocação de mais referendos populares para aumentar a participação da população em questões importantes. “Foi uma jornada inédita no Chile com extraordinária aceitação em todas as partes”, disse Tomás Hirsch, candidato presidencial do Poder Democrático e Social (Podemos), que reúne comunistas, humanistas e outras organizações de esquerda. Para ele, a consulta demonstrou o desejo do povo de ser protagonista da construção da democracia. (Prensa Latina – www.prensa-latina.com)
PERU
Ações contra a privatização da água da Redação Organizações sociais anunciaram, dia 29 de maio, que vão iniciar uma mobilização nacional em defesa da água e contra a sua privatização nos próximos dias. A Confederação Nacional de Comunidades Afetadas pela Mineração denunciou que um projeto de lei geral das águas tem como objetivo
repassar o controle dos recursos hídricos ao setor privado. Em um comunicado, a Confederação diz que a legislação pretende ignorar a existência ancestral das comunidades nativas e não lhe garantir o território comum nem os recursos que ali se encontram. As organizações indígenas peruanas querem a mudança da
Constituição de 1993, por avaliar que seus postulados neoliberais acentuam a pobreza e a miséria no país. A mobilização pretende exigir a inclusão na Carta Magna de um texto que garanta o acesso à água como um direito humano, sendo que o serviço de sua distribuição e a sua regulação do seu uso fiquem a cargo apenas do Estado. (Prensa Latina – www.prensa-latina.com)
Arquivo Brasil de Fato
Marcello Casal Jr/ABR
Da Redação
Organizações indígenas peruanas querem a mudança da Constituição de 1993, por ser neoliberal
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INTERNACIONAL REFERENDO
Na França, “não” à Constituição Européia Em 29 de maio, a população francesa votou contra a Carta, derrotando as ambições neoliberais do presidente Chirac
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itória! Foi um “non” (não, em francês) franco e massivo que saiu a 29 de maio das urnas: um “non” de 56% dos sufrágios. A rejeição do projeto de Constituição Européia, considerado neoliberal, foi marcante. A votação foi marcada por uma participação excepcional, sem precedente há décadas: 12 milhões de eleitores a mais do que as últimas eleições européias. A participação foi até superior à do segundo turno da eleição presidencial de 2002. Foi particularmente alta nos bairros populares. Incontestavelmente, as camadas mais desfavorecidas da população, que até agora forneciam os maiores batalhões das abstenções, contribuíram de maneira decisiva a essa vitória histórica. E isso não se deve ao líder extremista de direita Le Pen, ao qual foram levados os microfones no final da eleição: foi verdadeiramente o eleitorado de esquerda que constituiu o núcleo desse resultado, já que 63% dos simpatizantes da esquerda optaram pelo “non”.
PARTICIPAÇÃO POPULAR Numa breve aparição na televisão, o presidente da República Jacques Chirac confirmou o resultado e prometeu um “novo impulso” e a formação imediata de um novo governo. Evocando o Conselho Europeu de 16 de junho próximo, assegurou que vai defender “a posição do nosso país”, porém destacando que “essa decisão cria um contexto difícil para defender nossos interesses”. José Barroso, presidente da Comissão Européia, prosseguiu em seu tom de arrogância, consideran-
VOTO DE ESPERANÇA
“livre e não freada”, ou uma Europa de solidariedade? Uma sociedade governada pelo liberalismo mais desenfreado e mais dogmático, ou por uma economia regulamentada? Uma democracia que associe os povos ou um sistema que organiza o confisco dos poderes e das decisões? São questões fundamentais, alimentadas pela experiência da vivência social de milhões de assalariados, de trabalhadores precários, de excluídos, ou prestes a o serem, que se rebelaram nessa campanha do referendo. E, apesar dos apelos, das súplicas para não se confundir o “texto” da Carta com o “contexto da crise”, foi feita a ligação entre a política de destruição social a que se entregam Chirac e outros políticos de direita e o neoliberalismo erigido em Constituição, ao qual os poderosos pensavam dar a legitimidade do sufrágio universal. Se o “não” ganhou, é porque há uma insatisfação generalizada, porque a França não suporta mais o sofrimento social, a quebra dos serviços públicos, a precariedade, o desemprego, a destruição sistemática das conquistas sociais e das solidariedades. Este terremoto fez se erguer uma imensa esperança, na França e na Europa. Pela primeira vez, um “não” franco se opôs a um sistema neoliberal que arruína sem vergonha os indivíduos e as vidas; que coloca, na escala dos valores, o dinheiro, o lucro, a rentabilidade, acima dos seres humanos. É um “não” fundador, que abala o sistema no país, e na escala do continente. E isso é apenas um começo...
Em que sociedade queremos viver? Eis a questão pela qual a França se apaixonou durante semanas. Uma sociedade de concorrência
Rosa Moussaoui é jornalista do diário francês L´Humanité, veículo parceiro do Brasil de Fato
Olivier Laban-Mattei/ AFP/ Folha Press
Rosa Moussaoui de Paris (França)
Franceses pelo “não” comemoram vitória contra projeto de Constituição Européia neoliberal
do a votação como uma espécie de acidente de percurso. O presidente em exercício da União Européia, o primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker, apelou para a continuidade do processo de ratificação, dando mostras do mesmo tipo de surdez: “Espero que os debates que prosseguirão nos outros países alimentem o debate francês”, declarou, qualificando o veredicto das urnas de “dificuldade importante”. Os resultados foram acolhidos por explosões de alegria entre os partidários de esquerda do “não”, enquanto a consternação, a cólera ou a incompreensão dominavam no campo do “sim” – nos partidos de direita e na sede do Partido Socialista. Em Paris, centenas de simpatizantes da esquerda, enfren-
Constituição passaria como uma carta enfiada na caixa do correio. Mas, contra toda a expectativa, esse debate projetou para a frente do palco as questões de fundo, e o surgimento de um “não” de esquerda unitário, ativo e dinâmico contou muito para isso. Não se tratava, para os eleitores, de se pronunciar “a favor ou contra a Europa”, mas certamente contra um modelo de sociedade cujo balanço pode se resumir em três números: 19 milhões de desempregados, 30 milhões de trabalhadores precários e 60 milhões de pobres na União ampliada.
tando a chuva, se reuniram na Praça da Bastilha até altas horas. Desde o fim de tarde do dia da eleição, Marie-George Buffet apelava para os povos de toda a União, para associar os cidadãos à definição de um novo projeto europeu.
DEBATE POLÍTICO O projeto de Constituição foi rejeitado no final de um extraordinário debate político, que sacudiu toda a França. Um tal confronto democrático era inesperado até poucos meses atrás. Os promotores desse projeto de Constituição neoliberal apostavam, desde o início, no desinteresse que devia ser suscitado por um texto tão longo, tão obscuro, e na ratificação sem problemas. Durante muito tempo acreditaram que o neoliberalismo erigido em
ANÁLISE
Sébastien Crépel
HOLANDA
Holandeses devem seguir exemplo Paul Falzon de Haia (Holanda) Na próxima etapa das ratificações da Constituição da Europa, a Holanda poderia criar desde 1º de junho uma surpresa ao rejeitar o tratado constitucional. As últimas pesquisas são unânimes: o “não” está solidamente enraizado entre o eleitorado, com estimativas lhe dando até 60% das intenções de voto (57% na última pesquisa). Sempre segundo as pesquisas, a rejeição da Constituição na França vai favorecer o campo do “não” e levar os adeptos do “sim” a se absterem. A rejeição do tratado na Holanda marcaria uma dupla evolução na opinião pública. Em primeiro lugar, porque confirmaria o descrédito da construção européia na Holanda, um dos seis países fundadores da Comunidade Econômica Européia em 1957. Alistada entre as capitais “eurófilas”, Haia é uma das maiores financiadoras do orçamento da União Européia (e mesmo a maior, se se calcula sua contribuição em proporção ao número de seus habitantes), e uma defensora constante do reforço
das políticas comuns, se trate do euro ou do espaço Schenger. É isso que explica o apelo lançado no dia 28 de maio pelo primeiro-ministro conservador, Jan Peter Balkenende, que acreditou ter convencido os eleitores ao advertir que a reputação de “campeã da integração européia” da Holanda estava “em jogo”. Há, no entanto, poucas chances de que esse tipo de argumento baste para mobilizar uma população cada vez mais inquieta com as graves dificuldades econômicas do país. Mergulhada numa quase recessão desde 2003, a Holanda viu crescer sua taxa de desemprego (de 2% a 8 % da população ativa), enquanto os sistemas de proteção social (invalidez e aposentadoria) foram submetidos a uma austeridade sem precedente. Ao mesmo tempo, numerosos holandeses sentem que o euro contribuiu para o encarecimento do custo de vida. Nesse contexto, a crise de confiança em relação à União Européia não parou de se agravar. Paul Falzon é jornalista do diário francês L´Humanité, veículo parceiro do Brasil de Fato
A vitória do “não” cria uma nova situação política na Europa e na França, que abre o caminho para uma possível reorientação da construção européia e relança o debate na esquerda a respeito de uma política antineoliberal. Primeira conquista do resultado do referendo francês: a Constituição ultraneoliberal imaginada pela convenção de Valéry Giscard d´Estaing acaba de sofrer um golpe do qual não se vê como se possa recuperar. Segundo as regras definidas desde o início, com efeito, o tratado deve recolher o voto favorável da unanimidade dos Estadosmembros para entrar em vigor. O desenrolar das ratificações sucessivas do tratado pelos governos que não decidiram fazer uma consulta popular no seu próprio país, surge, desde logo, como, senão prejudicado, pelo menos desprovido de significado real. O resultado da consulta francesa não deixará de ter repercussões sobre os outros referendos programados na Europa. E logo de início sobre o próximo, previsto para 1º de junho na Holanda, onde as pesquisas realizadas antes da votação na França davam o “não” largamente na frente. O cenário de um duplo “não” em três dias de intervalo, cada vez mais realista, vem complicar seriamente a situação dos que contavam fazer pouco de uma maneira ou outra do referendo francês, tendo em vista que os cidadãos da Dinamarca, da Polônia, da República Checa, de Portugal, da Irlanda e da Grã-Bretanha, foram também convocados para votar em 2005 ou no primeiro semestre de 2006; Resta a hipótese da renegociação. Uma perspectiva tanto mais realista e mais sábia, quando se
Gabriel Bouys/ AFP/ Folha Press
Uma nova equação política
Os partidários do “não” da esquerda esperam ampliar debate criado na campanha
sabe há algumas semanas que a Comissão Européia antecipou o fracasso do projeto e refletiu muito seriamente a respeito de um plano alternativo. Resta saber, e é uma das grandes incógnitas do pós”não”, em que base, e com quem, o plano alternativo deverá ocorrer.
CONTESTAÇÃO Para além do tratado, é todo o curso neoliberal da construção européia há cinqüenta anos, mas também da política seguida pela direita no país, que se vêem contestados. As autoridades francesas, e em primeiro lugar Jacques Chirac, que se envolveu fortemente na campanha, saem muito enfraquecidas dessa votação. O chefe do Estado iria nomear um novo primeiro-ministro nas horas que se seguiram ao referendo, na esperança de escapar ao menos em parte à crítica que a ele se refere. Um simples remanejamento, no entanto, não deveria bastar para a maioria parlamentar sair da armadilha em que ficou presa, privada da legitimidade para prosseguir suas “refor-
mas”, e entregue às guerras de sucessão pelas ambições de um Nicolas Sarkozy decidido a impor à direita um rumo neoliberal ainda mais desenfreado. A nova equação política contém, portanto, incógnitas que dependem em grande parte da capacidade da esquerda em favor do “não” em não permitir que sejam roubados os resultados de sua vitória. Seu trunfo foi unir a esquerda em torno do “não” antineoliberal e ter suscitado ecos favoráveis em toda a Europa. Um trunfo de peso para conseguir desmanchar amanhã uma eventual renegociação em esconde-esconde do tratado e desmanchar também um statu quo neoliberal em relação às orientações política européias e francesas. Os partidários do “não” da esquerda esperam justamente prosseguir e ampliar a dinâmica de debate criada na campanha e que se concretizou no resultado obtido no referendo. Sébastien Crépel é jornalista do diário francês L´Humanité, veículo parceiro do Brasil de Fato
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INTERNACIONAL LIBÉRIA
Risco de retorno ao passado sangrento A
Libéria é um país destruído por 14 anos de guerra civil, com 200 mil vítimas. Uma força da Organização das Nações Unidas tenta garantir a segurança. Um governo provisório, presidido por Gyude Bryant, está imobilizado. No entanto, a Comissão Eleitoral Nacional está decidida a fazer respeitar o calendário eleitoral, com eleições presidenciais e legislativas marcadas para dia 11 de outubro, como prevê o acordo de paz de 2003 – ainda que haja o risco de as eleições levarem de volta ao poder os responsáveis por um massacre que, além dos 200 mil mortos, deixou 350 mil refugiados nos países vizinhos e um milhão de miseráveis – de uma população que, no início da guerra, não passava de 2,5 milhões. Monróvia, projetada para 300 mil pessoas, hoje tem mais de 1,3 milhão de habitantes. Na periferia, 90 campos para refugiados e miseráveis abrigam 264 mil pessoas. Desde o início dos anos 90 a cidade não tem eletricidade nem água corrente. O índice de desemprego chega a 90 %. Mas a Broad Street está sempre cheia. Na rua, nas lojas e nas calçadas, se vende, se compra e se revende. É a economia informal que faz a cidade viver. O comércio formal está todo nas mãos da pequena comunidade libanesa, acusada de corrupção, sonegação de impostos e exploração das comunidades locais.
PAÍS DOS DIAMANTES Há poucos brancos à vista. Robert Diggs, jornalista liberiano, explica: “Os brancos só se vêem à noite, nos hotéis, onde vão se divertir e fazer negócios. Com a guerra, sua presença se tornou muito reduzida. Agora começam a voltar e recuperar os negócios”. Diamantes, armas e madeiras
REPÚBLICA DA LIBÉRIA Localização: Oeste da África. Nacionalidade: liberiana Cidades principais: Monróvia (capital), Harper, Gbarnga, Buchanan, Yekepa. Línguas: inglês (oficial), bassa, kpellé, kru. Divisão administrativa: 14 condados. População: 3,2 milhões (2000), sendo grupos étnicos autóctones 72% (principais: capeles 19%, bassas 15%), árabes libaneses 25%, américo-liberianos 3% (1996). Moeda: Dólar liberiano (LRD) Religiões: 70% crenças indígenas; 20% muçulmana; 10% cristã País se transformou em colônia das Nações Unidas, um autêntico Eldorado para as ONGs, testemunha jornalista
nobres movimentaram a economia nas duas últimas décadas. Há 15 anos, havia em Monróvia 30 bancos: um verdadeiro paraíso fiscal. O país tinha uma marinha mercante só superada pelo Panamá. Libaneses, malaiaos, israelenses, árabes, holandeses, italianos, burkineses, marfineses faziam grandes negócios. Uma fonte no Ministério das Relações Exteriores conta que foram dados mais de 2 mil passaportes diplomáticos liberianos a estrangeiros para facilitar a circulação de pessoas e de bens. Todos os negócios eram controlados pessoalmente pelo presidente Charles Taylor. Nas semanas antes de 11 de agosto de 2003, quando ele deixou o país, foram transferidas imensas somas de dinheiro para contas privadas em bancos suíços, estadunidenses e do Burkina Faso, deixando ao novo
As eleições terão credibilidade? Quase 200 especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) assessoram a Comissão Eleitoral Nacional. Frances Johnson Morris, juíza do Tribunal Superior, foi nomeada presidente da Comissão. Atrás de sua mesa, uma bandeira liberiana. “Estamos literalmente construindo um novo modo de fazer democracia, com imensas dificuldades. Sinto, porém, que podemos construir essa democracia. O povo liberiano nunca foi livre para escolher seus governantes. Agora chegou a sua vez”, diz Frances. E os refugiados? Ela conta que estão na Guiné, na Serra Leoa e na Costa do Marfim: “Segundo a lei eleitoral, não poderão votar no exterior. Deverão voltar às regiões de origem e se inscrever. A ONU tem um plano para seu retorno”. Mas somente 8 mil refugiados voltaram até agora, segundo a própria ONU. “Sabemos das dificuldades. Ainda mais porque não se trata apenas de repatriá-los. Têm necessidade de ajuda para recomeçar do zero”, avalia a juíza. Frances acrescenta que a política será a mesma para os miseráveis: só poderão votar nas suas próprias aldeias. São 40 candidatos à presidência e 30 partidos (alguns ainda não reconhecidos). As eleições custarão 17,2 milhões de dólares. Aloysio Toe, analista político liberiano, acredita que a questão não é se haverá eleições livres, mas se terão credibilidade: “Os candidatos podem ser divididos em três categorias: os
senhores da guerra, os filiados ao antigo regime, e pessoas que, durante anos, causaram sofrimentos ao povo e roubaram os recursos naturais da nação. Infelizmente, os acordos de paz de Acra, em Gana, não passaram de uma falcatrua e não estipularam nada que possa impedir esses indivíduos de concorrer às eleições. O próprio Charles Taylor, se quisesse, poderia candidatar-se e não há lei que o impeça”. Toe informa que Taylor continua a controlar os negócios do país, por meio de testas-de-ferro: “A companhia telefônica Comeun, por exemplo, é dele. As pessoas deveriam saber que, a cada dólar que pagam de tarifa telefônica, 40 centavos vão para o bolso de Taylor”. Também Gibson W. Jerue, editor de política do The Analyst, o principal jornal do país, acredita que a comissão “fracassou totalmente no seu mandato”: “Cerca de 75% da população é analfabeta e não sabe nada do que está acontecendo na política. Diante da pobreza, é fácil que se venda o voto por um pouco de arroz. Deveria se dizer aos eleitores que não vendam seu próprio futuro. É preciso lembrar a todos que esses personagens, que hoje pedem votos, já pediram em 1997. E o que fizeram? Reduziram a Libéria a um monte de massacres. A comissão, ao invés de educar a população para o voto, parece preocupada apenas em encher as urnas de cédulas”. (CC)
governo de transição a miséria de 2 milhões de dólares.
COLÔNIA DA ONU A corrupção continua impune. Dia 8 de março, o presidente do Parlamento, George Dweh; seu vice, Eddington Varmah, e dois outros parlamentares foram suspensos, acusados de corrupção e apropriação de verbas públicas. Em relatório apresentado ao Conselho de Segurança da ONU, o secretário-geral Kofi Annan advertiu que o país poderia mergulhar de novo no caos: “É elevadíssimo o risco de que se repitam os abusos de poder, as crises institucionais e a violência que foram uma praga no país nos últimos 25 anos”. Hoje, toda a vida da nação, em termos políticos, militares e econômicos, gira em torno da Unmil, a im-
ponente força de manutenção da paz da ONU, com 15 mil homens, sob o comando do ex-general da Força Aérea estadunidense Jacques Paul Klein. “Não é exagero dizer que a Libéria hoje é uma colônia da ONU. E são muitos os que se perguntam o que poderá acontecer amanhã, quando os capacetes azuis se retirarem. No intervalo, centenas de organizações não-governamentais (ONGs) estão presentes com seus projetos. A Libéria é um autêntico Eldorado para as ONGs”, comenta Diggs. Onze mil soldados e oficiais liberianos desmobilizados, que trocaram seus fuzis Kalashnikovs por 150 dólares cada um, são assediados pelos seus antigos chefes para ir lutar na Costa do Marfim, em busca de soldos que lhes permitirão, na volta, montar um pequeno negócio, ou mesmo em busca de saques que
lhes assegurariam maiores ganhos. Esse grande número de ex-combatentes circula ao léu, hoje, pelas ruas de Monróvia. “Constituem um enorme perigo para a segurança da nação”, diz Nisar Ahmad Malik, responsável pela operação da ONU de desarmamento, desmobilização e reintegração social dos ex-combatentes. “Se esses rapazes não forem levados à escola ou não entrarem no mundo do trabalho, cedo ou tarde se tornarão delinqüentes comuns. Forças da ONU já detiveram grupos de ex-combatentes que aterrorizavam a população da periferia da capital. Foram apreendidas grandes quantidades de drogas. Acho que a violência continuará aumentando”, avalia Nisar Malik. Carmine Curci é diretor da Revista Nigrizia, www.nigrizia.it, publicação do Brasil de Fato
Mercenários treinam polícia A pouca distância do quartelgeneral da Organização das Nações Unidas (ONU), num palacete branco de dois andares, na capital Monróvia, fica a sede da DynCorp International. Dia 15 de fevereiro, essa empresa foi incorporada pela Veritas Capital, uma das principais agências estadunidenses de defesa e segurança, ou seja, de mercenários. A DynCorp International, que tem sede em Fort Worth, no Estado do Texas, foi contratada pelo Departamento de Estado dos EUA em várias partes do mundo. Com 14.500 “operadores” em 40 países, em 2004 faturou mais de 1,6 bilhão de dólares. Carey Cox, dirigente da DynCorp na Libéria, revela: “Nosso objetivo é treinar a nova polícia liberiana. Fomos chamados pelo governo estadunidense e postos ao serviço da ONU”. Não diz mais nada, porque não está “autorizado”, e mostra um documento onde se lê: “Os militares da DynCorp International estão absolutamente proibidos de falar com jornalistas. Para qualquer pergunta, consultar Jim Terrel, no Texas”. Por meio de outras fontes, sabe-se que o treinamento envolverá 3.500 recrutas. O custo previsto é de 40 milhões de dólares, parte dos 220 milhões de dólares que os EUA prometeram para a reestruturação de todo o exército liberiano. Uma fonte esclarece: “Os EUA querem continuar a desempenhar um papel determinante, seja na Libéria, seja em toda a região. O país sempre foi uma base importante para a CIA. O controle do futuro exército liberiano é parte da atual estratégia estadunidense”. A DynCorp vai adestrar os novos policiais na velha base militar
Arquivo Brasil de Fato
Carmine Curci de Monróvia (Libéria)
Arquivo Brasil de Fato
O país caminha para eleições que podem levar de volta ao poder os responsáveis por um massacre histórico
Restruturação do Exército liberiano representa um bom negócio para os EUA
de Camp Shecfflin, a 20 quilômetros de Monróvia. O comandante Jenson proíbe a entrada: “É preciso permissão por escrito do Ministério da Defesa”. Além do trabalho normal de policiamento, os novos agentes serão treinados em assuntos de inteligência: coleta e análise de dados, vigilância das fronteiras, sobre o tráfico de drogas e sobre as pessoas que entram na Libéria. O objetivo final é a criação de uma
rede de serviços de inteligências estendida aos países vizinhos – Serra Leoa, Guiné e Costa do Marfim. A DynCorp foi acusada de abusos no Afeganistão e de tráfico de crianças e adolescentes e violações dos direitos humanos na Bósnia. Pode-se esperar que as coisas sejam diferentes na Libéria? De todo modo, um “especialista” da DynCorp recebe 120 mil dólares por ano, fora as despesas. (CC)
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DEBATE POLÍTICA PARTIDÁRIA
CPI testa limite ético do PT Hamilton Octavio de Souza episódio da abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito, no Congresso Nacional, para apurar denúncias de corrupção na empresa estatal dos Correios, colocou na ordem do dia alguns jogos políticos da atualidade, entre os quais o que pode provocar a pior corrosão no Partido dos Trabalhadores, depois de vinte anos de lutas em defesa de princípios éticos. A denúncia do caso, feita pela Veja, mostra que a imprensa conservadora, integrada pela maioria dos veículos de alcance nacional, está atenta aos desmandos do governo Lula e totalmente sintonizada com as forças de oposição – os setores de direita (neoliberais e oligárquicos) vinculados a PFL, PSDB, PP e espalhados em todos os partidos, inclusive na chamada base aliada do governo. O fato de a denúncia da revista ter sido imediatamente reproduzida pelos demais veículos, junto com os casos de Henrique Meirelles, Romero Jucá, Waldomiro etc, deixa explícito que a mídia comercial-burguesa continua leal ao seu compromisso de classe e ao seu verdadeiro patrocinador, o capital privado, apesar de todo o esforço do governo Lula em atrair alguns desses veículos para o campo governista, despejando milhões de reais em publicidade. Parece evidente que os principais veículos – Veja, Isto É, Época, Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo – estão sensacionalizando as denúncias, pois exageram no destaque, precipitam julgamentos, e fazem isso
Kip
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porque concordam com a tática da oposição conservadora para desgastar e enfraquecer ao máximo o atual governo. O governo Lula fez uma aposta equivocada de que poderia contar com a “imparcialidade” e até mesmo a “simpatia” da mídia burguesa. Auxiliares diretos do presidente Lula defendem as boas relações com essa mídia, e sempre bombardearam as iniciativas
de criação e fortalecimento de uma rede de comunicação alternativa mais próxima da esquerda e do campo popular. Da mesma forma, o governo Lula e a direção do PT se equivocaram em colocar o partido e o governo contra a instalação da CPI. Em toda a sua história, o partido jamais havia assumido posição desse tipo, especialmente em casos de corrupção. Ao con-
trário, o PT sempre conquistou credibilidade pública nas CPIs que apuraram crimes de corrupção, desde a que provocou o impeachment de Fernando Collor. Ao se colocar contra a apuração pela CPI, a direção do PT traiu toda a trajetória partidária, abriu uma brecha enorme para que a alma do partido seja atacada. Até agora, o partido vinha cometendo seguidos erros políti-
cos (aliança com a direita, defesa das políticas neoliberais, acomodação na burocracia do Estado, ausência de projeto nacional etc), mas, agora, a posição definida pela direção atinge o reduto mais sagrado do PT, que é a postura ética na vida política. É claro que os setores conservadores têm interesse em transformar essa CPI num palanque político para desgastar o governo Lula e preparar o terreno para os candidatos de oposição em 2006. Mas isso pode ser perfeitamente enfrentado com competência no âmbito do Congresso Nacional, sem jogar eventual podridão para debaixo do tapete e sem escamotear o interesse do PT em apurar e punir os casos de corrupção – mesmo no governo do PT. Mas não, a direção do PT preferiu caminhar no sentido da autodestruição. Em nome do que e de quem o partido abre a guarda para ser questionado eticamente? Em nome do deputado Roberto Jefferson, que foi da “tropa de choque” do Collor? Em nome do picareta do Henrique Meirelles? Em nome do malufista corrupto Romero Jucá? E ainda por cima ameaça punir valorosos militantes históricos do PT, que, por dever de consciência, se recusam a embarcar numa posição suicida? A CPI pode chegar ao seu final sem punir ninguém dos Correios, mas certamente já está punindo o que resta de ético no PT. Hamilton Octavio de Souza é jornalista, professor da PUC-SP e membro do conselho editorial do Brasil de Fato
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AMBIENTE DEVASTAÇÃO
Agronegócio impulsiona o desmatamento Dafne Melo da Redação
Greenpeace
Na Amazônia, atividade madeireira, pecuária, soja e especulação imobiliária devastam a floresta e o solo
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CICLO VICIOSO Para Adalberto Veríssimo, engenheiro-agrônomo e pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), são múltiplos os fatores que explicam o desmatamento da Amazônia. Envolvem a ação do agronegócio (agricultura, pecuária e extração da madeira), falta de regulamentação fundiária e políticas públicas para a região, além de insuficiente fiscalização e infra-estrutura. O pesquisador avalia que, a partir de 1998, quando o elemento domi-
A VIDA EM PERIGO
Amazônia sofre com o avanço do agronegócio e a falta de regulamentação fundiária e política pública para a região
nante da agricultura brasileira passou a ser o agronegócio, é possível se detectar “uma nova dinâmica do desmatamento, que assumiu aspectos muito complexos”, dificultando, inclusive uma atuação na região. “As políticas públicas que favorecem o agronegócio, também favorecem o desmatamento. Esta é uma atividade lucrativa, mas o que queremos provar é que manejar a floresta também é”, argumenta Veríssimo.
AGROPECUÁRIA De acordo com os últimos números divulgados pelo Inpe, apenas dois Estados apresentaram crescimento do desmatamento: Rondônia e Mato Grosso. Em outras unidades da federação, houve pequenas quedas (de 2%, como no Pará), ou permaneceu o mesmo patamar. “Outros Estados, ainda, estabilizaram o desmatamento em um nível muito alto”, analisa Adalberto Veríssimo, acrescentando que a destruição só não sobe mais porque não são áreas muito favoráveis à atividade agrícola. Não é o caso, porém, de Rondônia e Mato Grosso, onde o agronegócio avança cada vez mais, irradiando
Mais projetos no Congresso Nesta semana, passam pelo Congresso dois projetos que têm o objetivo de frear o desmatamento da Amazônia. Um, é a Medida Provisória (MP) 239, editada logo após a morte da irmã Dorothy Stang, em fevereiro deste ano. Essa MP possibilitou a “interdição administrativa provisória” de 8,2 milhões de hectares ao longo da rodovia BR-163, no Pará, para permitir a realização de estudos visando a criação de unidades de conservação na região. O relator da matéria, deputado Nicias Ribeiro (PSDB-PA), deu um parecer contrário à MP. O texto não foi votado até o fechamento desta edição, 31 de maio, data para a qual estava marcada sua votação. A oposição também propôs a retirada do regime de urgência constitucional do Projeto de Lei (PL) nº 4.776/05, que pretende regulamentar a gestão de florestas públicas e também pode ser votado durante esta semana. “Se fala muito no executivo, se cobra muito, mas qual a contribuição do Congresso?”, questiona Adalberto Veríssimo, do Instituto
do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Ele diz que ações do legislativo que tenham como objetivo a proteção da Amazônia, têm de ser cobradas. “Esses projetos não são suficientes, mas são essenciais. Se não tivermos nem isso para começar...”, comenta. Adilson Vieira, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), também cobra o legislativo. “A bancada ruralista no Congresso vai continuar votando contra ações que coíbam o desmatamento”, lamenta. As críticas, também não poupam o judiciário, principalmente nas esferas estaduais.
ENTRAVES “ Se o legislativo não encara o problema, o judiciário menos ainda”, diz Veríssimo, que ressalta a necessidade de uma ação conjunta dessas esferas, sem a qual, o problema do desmatamento não será resolvido. “Não temos uma legislação forte que coíba grilagens, que puna a extração e o desmatamento ilegais. E a que há, não é aplicada com rigor pelo judiciário”, resume. (DM)
a atividade para outros Estados. Segundo Veríssimo, hoje, 78% da área desmatada é utilizada pela agropecuária. Só a soja ocuparia 10% dessas áreas. Aliados à extração da madeira, esses três elementos devem ser vistos de forma conjunta, formando um ciclo de desmatamento.
mero que surpreendeu os pesquisadores, que estimavam algo em torno de 40 mil quilômetros.
ESPECULAÇÃO O fato, para Veríssimo, é preocupante. “A estrutura de exploração predatória da Amazônia já está estabelecida pelos atores locais, e há pressão política forte para asfaltar mais e mais estradas”, diz. Cláudio Mazetti, coordenador de programas de áreas protegidas da organização não-governamental (ONG) WWF-Brasil, acredita que o impacto direto da soja não é o mais preocupante. E aponta para a especulação imobiliária na região, também mais uma conseqüência do agronegócio. “O que move a especulação é a expectativa do lucro com venda de terras griladas, ou seja, roubadas do Estado brasileiro,” afirma. Segundo Mazetti, o interesse de expansão do agronegócio na Amazônia leva à valorização das terras.
EMPURRA-EMPURRA Geralmente, explica o engenheiro-agrônomo, quem trabalha com pecuária, também é madeireiro. Primeiro, explora a madeira, de forma não racional. Quando a área já está empobrecida, entra a atividade agropecuária. Por sua vez, a soja e outras culturas, aproveitam essas terras já desmatadas e, indiretamente, vão empurrando os limites da pecuária cada vez mais, atingindo a floresta novamente e recomeçando o ciclo. Há também, embora em menor grau, o desmatamento direto por agricultores. Para dar vazão, principalmente, à produção de madeira, a construção de estradas informais também é responsável por parte do desmatamento. Levantamento feito pelo Imazon detectou 90 mil quilômetros dessas estradas clandestinas na região, nú-
ILEGALIDADES Dessa forma, explica, os grileiros ocupam áreas e desmatam, como forma de demarcar a pro-
priedade da terra, alegando, assim, que já há alguma atividade econômica no local. Seus compradores potenciais são criadores de gado e produtores agrícolas, mesmo que a venda seja ilegal. Na Amazônia, conta Mazetti, atividades legais e ilegais se misturam. Um bom exemplo é a expansão da fronteira agrícola, feita de maneira irregular e predatória. Outro, são as grandes indústrias madeireiras. “Há casos em que o produtor diz que explorou um volume, mas na verdade, extraiu o triplo, que vai ser comercializado ilegalmente”, aponta.
MAIS SOJA Enquanto o desmatamento cresce, no Mato Grosso, a área cultivada e a produção de soja também avançam. Segundo dados do 4º levantamento de safra, em abril, feito pelo Conselho Nacional de Abastecimento (Conab), a área cultivada do grão aumentou 8,6% em relação a 2004. Na Região Centro-Oeste, a área plantada de soja teve expansão de 12,6%, e, na Norte, de 38,6%. Segundo o Ministério da Agricultura, a soja foi quem mais incorporou área agrícola na última safra.
Ambientalistas pedem desenvolvimento “O que falta é uma política de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, que inclua a criação de áreas protegidas, o uso econômico sustentável e social da floresta, além de controle e fiscalização”. Essa é a opinião de Cláudio Mazetti, da ONG WWF-Brasil. Para isso, é necessária a presença efetiva dos governos federais e estaduais na região, o que até agora não se concretizou. Adilson Vieira, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), acredita que o sucateamento de órgãos federais impossibilita a fiscalização, o que favorece o desmatamento, inclusive em áreas públicas. “O sucateamento não vem desse governo. Vem de outros e se intensificou na gestão Fernando Henrique Cardoso, mas o atual não está sabendo frear”, afirma. Entretanto, mudar o foco da atual exploração da Amazônia do agronegócio para o uso sustentável, significa que o governo federal deve fazer escolhas. “Os índices de produtividade agrícola, que o governo vai alardear mais à frente, subiram muito. Eles choram agora o que será motivo de riso depois”, diz Vieira. Para Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon, o governo federal é bem-intencionado e possui bons projetos para a região. “Mas
Greenpeace
segundo maior desmatamento na Amazônia, registrado entre 2003 e 2004, não surpreendeu ambientalistas e pesquisadores que vivem na região, que há anos advertem para a contínua escalada de atividades predatórias. “Conhecemos a região, não nos pautamos apenas em mapas. No ano passado, alertamos que isso aconteceria”, diz Adilson Vieira, secretário geral do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). Com um aumento de 6,23% em relação ao ano anterior, em 2004, a área desmatada chegou a 26.130 km², ou seja, extensão quase equivalente ao território do Estado de Alagoas. Desde que o monitoramento começou a ser feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1988, aquela foi a segunda maior destruição, perdendo apenas para a devastação feita em 1995, quando foram desmatados 29.059 km². Entretanto, o ano de 1995 é considerado atípico, já que um forte crescimento econômico impulsionou a elevação do desmatamento. Até 2001, as áreas destruídas costumavam não extrapolar a faixa de 17 mil km². Desde este ano, entretanto, os números da devastação têm sido crescentes.
Sucateamento de órgãos federais dificulta a fiscalização de desmatamento
há poucos recursos e pouca gente para colocar as coisas em prática,” observa. Claúdio Mazetti concorda, mas pondera que, sem a integração dos ministérios, dando prioridade à necessidade de preservação da Amazônia, a implementação de um projeto sério e de longo prazo fica mais distante. Ele dá o exemplo do grupo interministerial criado no começo de 2003, para discutir o assunto. “Não adianta só o Ministério do Meio Ambiente fazer a sua parte, enquanto os outros nem tiram suas promessas do papel”, argumenta. Quando o assunto é tempo, há o
entendimento que a ação na Amazônia para conter as atividades predatórias deve ser forte e constante. “A Amazônia brasileira é muito grande. Para efetivar uma política pública eficaz na região, é alto o custo financeiro e político. A criação de unidades de conservação é um processo lento e caro,” avalia Veríssimo. A seu ver, o problema só será resolvido com um pacto nacional. “A questão do desmatamento é complexa, há diferentes setores envolvidos. Precisamos do comprometimento da sociedade, do legislativo e do judiciário, e não só do executivo”, conclui. (DM)
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA NACIONAL AÇÃO DAS ONGS NO BRASIL: PERGUNTAS E RESPOSTAS A Associação Brasileiras de Organizações Não-Governamentais (Abong) lançou uma cartilha que está sendo distribuída a parlamentares e enviada a todas as associadas e regionais da Abong. A obra responde a perguntas, como o que é uma ONG, quantas ONGs existem e quais os princípios defendidos pela Abong com relação à construção de um Marco Legal das ONGs. O texto também está disponível na página da internet www.abong.org.br.
CEARÁ O DIREITO DE PARTICIPAR Este ano, o lançamento do segundo concurso acontecerá de forma descentralizada nas dioceses. A Diocese de Sobral será a primeira a realizar o lançamento, dia 6 de junho. Em seguida, será a vez da Arquidiocese de Fortaleza, dia 10 de junho. A Diocese de Limoeiro do Norte fará o lançamento dia 17 de junho e a Diocese de Crateús, dia 22 de junho. Nas dioceses de Tianguá e Itapipoca, o concurso será lançado durante a realização da 4ª Semana Social Brasileira, dias 4 e 18 de junho, respectivamente. As datas de lançamento do concurso nas dioceses de Crato e Iguatu serão divulgadas posteriormente. Poderão se inscrever no concurso escolas públicas do ensino fundamental e do ensino médio de vários Estados. No Ceará, a inscrição deverá ser feita no escritório da Cáritas Regional, R. Rufino de Alencar, 80, Fortaleza Mais informações: (85) 3253-6998
GOIÁS CURSO AGROFLORESTA 6 a 10 Promovido pela organização nãogovernamental Oca Brasil, o curso
terá atividades práticas concentradas em torno de implantações e manejos de jardins florestais. Local: Alto Paraíso Mais informações: (62) 446-1166
PERNAMBUCO COMUNICAÇÃO E PROJETO POLÍTICO INSTITUCIONAL 13 e 14 Oficina promovida pela Regional Nordeste 1 da Associação Brasileira de ONGs (Abong NE-1). A capacitação tem como objetivo contribuir para a construção de uma política de comunicação institucional das entidades na perspectiva do fortalecimento dos movimentos sociais. Local: Recife Mais informações: (81) 3442-9769
RIO DE JANEIRO GESTÃO E PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARA ONGS De 1° de junho a 20 de julho O curso é a primeira capacitação do Programa de Formação para a Governança Social. A programação contém temas como fundamentos e concepções para a constituição de uma organização não-governamental ou uma organização da sociedade civil de interesse público, tributação, parcerias com o poder público, subvenção e auxílios. Local: R. da Assembléia, 10, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2233-9039 dnec@candidomendes.edu.br CURSO DE FORMAÇÃO DE ASSEMBLÉIAS POPULARES 11 e 12 Organizado pela Campanha Estadual contra a Alca, o curso de formação de Assembléias Populares prepara formadores e formadoras de opinião para auxiliar na organização da Assembléia Popular, que pretende ser um
espaço de discussão, reflexão e decisão dos cidadãos. As inscrições podem ser feitas até 7 de junho, pelos correios eletrônicos: sec_operativa@click21.com.br e secretaria@pacs.org.br Local: Colégio Pedro II, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2210-2124
SÃO PAULO CURSO CLARICE LISPECTOR 2, 9, 23 e 30, das 20h às 22h O curso, ministrado por Clenir Bellezi de Oliveira, abordará a obra da escritora, que definiu ofício: “Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada”. Inscrição: R$ 10 Local: Casa das Rosas, Av. Paulista, 37, São Paulo Mais informações: (11) 3251-5271 1º FÓRUM DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL 3e4 Promovido pelo Instituto Giramundo Mutuando, o evento tem como objetivo discutir a realidade no campo e as políticas públicas para o meio rural, identificar o papel dos consumidores na cidade, e contribuir para as políticas de qualidade e segurança alimentar. Entre os dias 10 e 13 de agosto, o instituto promove ainda o 2º Encontro Internacional de Agroecologia e Desenvolvimento Rural, também em Botucatu. Local: Pontifícia Universidade Católica de Botucatu Mais informações: www.mutuando.org.br POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CENTRO DE SÃO PAULO 6, das 9h às 18h Seminário que abordará os seguin-
tes temas: reabilitação do Centro de São Paulo, habitação, cracolândia e inclusão social e trabalho e desenvolvimento econômico. Entre os debatedores estarão: Angelo Andrea Matarazzo, subprefeito da Sé; Raquel Rolnik, secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades; Cândido Malta Campos Filho, arquiteto e urbanista, professor e pesquisador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP; Marcos Barreto, ex-secretário municipal de Habitação; Manoel Del Rio, assessor da Frente de Luta por Moradia; Auro Lescher, psiquiatra e coordenador do Projeto Quixote; Sarah Feldman, professora e pesquisadora da Faculdade de Arquitetura da USPSão Carlos; Sebastião Nicomedes, representante do Fórum Centro Vivo e Fórum dos Moradores de Rua. Local: Auditório do Sindicato dos Engenheiros no Estado de S. Paulo, R. Genebra nº 25, São Paulo Mais informações: (11) 3113-2600 ORIENTAÇÃO VOCACIONAL E OCUPACIONAL GRATUITA O Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo está com inscrições abertas para quem quer receber atendimento em orientação vocacional e ocupacional. O serviço é destinado a maiores de 14 anos que buscam apoio psicológico para decisões no estudo e na carreira. O tipo do atendimento é variado, dependendo das necessidades do paciente. Os interessados podem se inscrever todas as sextasfeiras, até dia 1º de julho, a partir das 8 horas. São feitas apenas 40 inscrições, por ordem de chegada. Local: Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Cidade Universitária, São Paulo Mais informações: (11) 3091-4172. CURSO ESTATUTO DACIDADE 6 e 7, das 9h às 18h Os objetivos do curso são introdu-
zir, debater e difundir o conteúdo do Estatuto da Cidade e as práticas e políticas urbanas nele contidas, a fim de capacitar público diverso que interfere nos processos de negociação, visando à implementação da legislação urbanística conforme os preceitos da reforma urbana e a garantir o direito às cidades sustentáveis. O curso é destinado a arquitetos, urbanistas, técnicos de prefeituras, movimentos sociais organizados e interessados em geral que, de posse de um conhecimento atualizado e aprofundado do debate, terão melhores condições de disseminar e colocar em prática os conteúdos do Estatuto da Cidade. Serão oferecidas bolsas para movimentos sociais e descontos para estudantes, mediante carta de justificativa. Local: Sede do Instituto Polis, R. Araújo, 124, São Paulo Mais informações: escoladacidad ania@polis.org.br CICLO COMO E POR QUE SOU LEITOR 21, 20h O Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura (Casa das Rosas) promove, todos os meses, um encontro do público com um grande leitor. Figuras conhecidas pela importância no mundo cultural e literário serão convidadas para conversar com os freqüentadores da Casa das Rosas sobre sua experiência de leitor: como se interessaram pela leitura, que importância esse hábito adquiriu em suas vidas e por que consideram a leitura uma atividade que deve ser estimulada nos outros. O próximo encontro será com o bibliófilo José Mindlin. Sua biblioteca particular tem cerca 30 mil volumes, com obras raras e raríssimas. Entrada franca. Local: Casa das Rosas, Av Paulista, 37, São Paulo Mais informações: (11) 3251-5271
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CULTURA
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ENSAIO
Fotos: Francisco Rojas
Sem-terra tem rosto MST-Bahia
MST-Paraná
Marcelo Netto Rodrigues da Redação
MST-Rio Grande do Sul
A
MST-Distrito Federal
MST-Alagoas
MST-Ceará
MST-Santa Catarina
tática da mídia é tratá-los como bando para que suas faces não apareçam e suas histórias de vida sejam confundidas com as de criminosos perigosos, que são identificados por retratos-falados. Não interessa à elite mostrar rostos com histórias parecidas, apesar de alguns trazerem olhos claros, e outros, pele escura. De alguns continuarem a escrevê-las no Ceará, enquanto outros em Santa Catarina, na Bahia ou em Pernambuco. Histórias que, durante 16 dias, se estamparam nos rostos de doze mil sem-terra de 22 Estados e do Distrito Federal, ao longo da Marcha Nacional pela Reforma Agrária. Doze mil faces que foram a Brasília lembrar a existência de quase cinco milhões de famílias sem-terra num país que é o quinto maior em extensão no mundo, o primeiro produtor de frutas e o sexto em alimentos, enquanto cerca de 50 milhões de brasileiros – numa população de 180 milhões – passam fome. Entre eles, vemos rostos idosos, jovens, femininos e infantis, persistentes em sua sina de buscar um novo conceito de humanidade – que só pode ser compreendido em sua essência por quem sofre. Por quem teima em marchar até a morte, com um objetivo certo: mostrar à sociedade que não pode ser ignorado, esquecido. É tudo um mistério. De onde vem essa força, essa mística de resistência por parte de pessoas que, em grande parte, não poderão ser incluídas plenamente, mas apenas indenizadas por uma pequena parcela do que lhes foi tomado? A “vida severina” está marcada no corpo: os dentes nas bocas não voltam mais, a infância perdida em meio a trabalhos forçados não volta mais. O corpo sadio depauperado pela falta de vitaminas e moldado pelo esforço bruto não volta mais. Os dedos grossos não afinam e os calos estão lá. A pele rachada não rejuvenesce e o que os olhos testemunharam não se apaga mais. Mas o que não se pode esquecer, acaba servindo de alimento para o futuro. Durante a marcha, alguém grita: “Vamos embora, que semterra parado enferruja e o latifúndio cresce”. Essa é a senha para que os sem-terra, apesar de ter tanto a reclamar, não desistam de sua tarefa histórica de mostrar que a ordem é ninguém passar fome e que progresso é ter um povo feliz – como uma de suas músicas profetiza.
MST-Piauí
MST-Mato Grosso do Sul
MST-Goiás
MST-Pernambuco
MST-Espírito Santo As imagens que compõem este ensaio são do fotógrafo Francisco Rojas, que acompanhou a marcha do primeiro ao seu último dia, passando pelos mesmos sacrifícios dos caminhantes