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Ano 3 • Número 121

R$ 2,00 São Paulo • De 23 a 29 de junho de 2005

Lula, o povo ou as elites? Eduardo Knapp/Folha Imagem

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a semana em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu aceitar o pedido de demissão do ministro da Casa Civil, José Dirceu, em decorrência das acusações ainda não comprovadas feitas pelo deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) saiu em defesa do governo, lançando a Carta ao Povo Brasileiro. Mais de 40 entidades assinam o documento, que convoca o povo a se mobilizar contra a tentativa de desestabilização do governo e em defesa de mudanças na política econômica. A Carta exige rigorosa apuração das recentes acusações, mas pede também investigação das denúncias de corrupção que pairam sobre a reeleição de Fernando Henrique Cardoso e sobre os processos de privatização de estatais realizados em sua gestão. Ao comentar a mudança na Casa Civil, o exassessor especial da Presidência da República, Frei Betto, disse que “a saída de Dirceu foi correta e tardia”. Págs. 2 e 3

À esquerda, Lula, de volta às suas origens, durante visita a um conjunto habitacional de Recife (PE); à direita, com o superpoderoso Palocci

Um ano de fracassos no Haiti

Nem a saúde é prioridade do governo

A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), no país desde junho de 2004, não tem motivo para comemorar o primeiro aniver-

Um termômetro fiel dos direitos humanos e da justiça social no Brasil é a situação da saúde. Como a Constituição não é respeitada, continuam morrendo crianças e mães por falta de atendimento. “Se o dinheiro gasto para pagar os juros da dívida, por exemplo, fosse destinado à saúde, esse tipo de coisa não aconteceria”, garante a professora Rosa Maria Marques. Pág. 7

o general brasileiro que comanda as tropas da Missão, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, pediu para ser substituído. Pág. 9

Pág. 4

Emprego, só para quem ganha pouco Pág. 6

Dinheiro há. É só cobrar os devedores

O Ministério da Educação (MEC) cedeu às pressões de reitores e adiou para 2015 as cotas em universidades federais. A mudança consta da nova reforma universitária e vai de encontro ao projeto de lei enviado ao Congresso Nacional, em 2004, pelo próprio ministério, que previa a reserva de vagas tão logo o projeto fosse aprovado. Pág. 5

O repúdio ao agronegócio foi consenso entre as mil pessoas reunidas no 2º Congresso Nacional da Pastoral da Terra, realizado em Goiânia, de 14 a 18. Durante o encontro, camponeses, religiosos e representates de populações excluídas debateram ainda problemas ambientais, de direitos humanos e efeitos da política econômica. Os participantes do Congresso elaboraram documento que denuncia a expulsão de famílias de suas terras, “com a conivência do Estado”. Pág. 4

sário. A situação social haitiana continua desesperadora. Diante do fracasso, há dúvidas sobre a prorrogação da Minustah, cujo prazo expira dia 24. Insatisfeito,

Plebiscito pode decidir sobre transposição

MEC cede a reitores e adia cotas para 2015

Pág. 6

Ex-executivo detalha podres da Coca-Cola Pág. 13

Zapatistas decretam alerta vermelho Um comunicado divulgado dia 19 estabelece o alerta máximo no território zapatista, sul do México. No documento, o subcomandante Marcos pede aos integrantes do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) que deixem as comunidades e voltem para os quartéis. Um dia antes, os militares mexicanos fizeram uma operação em áreas vizinhas às controladas por zapatistas. Pág. 10

A cobiça das potências pela Amazônia Ainda antes de ser escolhido diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, o francês Pascal Lamy disse que as florestas tropicais deveriam ser geridas por uma governança global. Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente do Clube Militar, general Luiz Gonzaga Lessa, avalia que se trata de uma nova investida sobre a Amazônia. Pág. 8

E mais:

AFP/ Luis Liwanag

Pastoral da Terra denuncia agronegócio

Agência Brasil

Movimentos sociais, mais uma vez, apóiam presidente, para que ele aproveite a oportunidade e mude a política econômica

OUTRO MUNDO POSSÍVEL – Fórum Social Mediterrâneo formula pauta comum de luta para povos da Europa do Sul, do Norte da África e do Oriente Médio. Pág. 11 CULTURA – Para lembrar que “os sonhos não envelhecem”, livro e museu revivem histórias de mais de três décadas do grupo mineiro Clube da Esquina. Pág. 16

Contra a corrupção – Em Manila, capital das Filipinas, no dia 21, manifestantes exigem a saída da presidenta Gloria Macapagal-Arroyo, acusada de ter fraudado as eleições de maio de 2004


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De 23 a 29 de junho de 2005

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, 5555 Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino, Marcelo 5555 Netto Rodrigues, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretária de redação: Thais Pinhata 55 Assistente de redação: Fernanda Campagnucci e Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

CARTAS DOS LEITORES ONGS E O TERCEIRO SETOR Na minha opinião, há um erro na generalização que a edição 119 do Brasil de Fato tomou com relação as ONGs e ao terceiro setor no Brasil (Emir Sader e entrevista com Sérgio Bianchi).Da mesma forma como a grande mídia faz com os movimentos sociais, o jornal colocou as organizações num mesmo saco e mandou tudo pro espaço. Me estranha um jornal de tamanha qualidade argumentativa e de pesquisa não se dar ao trabalho de pesquisar e tentar deixar ao leitor uma opinião mais aberta sobre o tema. Afinal, há ONGs que não trabalham para suprir as necessidades das classes de baixa renda ou de simplesmente utilizá-las como mercado, como afirma em entrevista Sérgio Bianchi. Existem ONGs, e se vocês não sabem eu posso indicá-las, que trabalham com educação. Algumas, inclusive, com educação complementar, ou seja, a criança vai à escola, pública, mas tem o direito de complementar sua formação nestes espaços. Mas se fizesse só isso, sem dúvida estaria tirando a responsabilidade dos setores públicos. Mas não! Algumas delas trabalham com a educação para que as crianças e jovens que por lá passam possam se mobilizar e reivindicar, com argumentos, mudanças estruturais nos poderes públicos, por meio da conscientização. Inclusive muitos destes jovens atendidos passaram a ser leitores do Brasil de Fato para ampliar essa visão do setor público e saber como exigir seus direitos de cidadão.

Caros editores: cuidado com a generalização! Daniel Ciasca por correio eletrônico

NOSSA OPINIÃO

Uma disputa de projetos

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grave crise política instalada no governo Lula coloca para as forças populares o desafio de radicalizar a luta contra a corrupção. A corrupção é um processo inerente ao capitalismo. Enquanto houver concentração de renda e riqueza, haverá corrupção e violência para assegurar os previlégios da minoria. Enganamse os que pensam que o remédio contra a corrupção é um governo forte – leia-se ditadura. Os governos ditadores foram sempre coniventes e os mais propícios à corrupção e à roubalheira do patrimônio público. Quem não lembra dos superfaturamentos das obras públicas do regime militar? Só há uma receita para combater a corrupção: dar poder ao povo. Poder de acesso à informação, poder de decidir e poder de fiscalizar a atuação dos seus representantes, parlamentares e governantes. O governo Lula pode ampliar a política que vem aplicando até agora ou pode ir para o lado do povo. É apostando que o presidente Lula finalmente faça a opção pelo povo que representantes das organizações populares, das organizações não-governamentais, do movimento sindical, dos movimentos sociais e personalidades estão convocando (veja reportagem na página 3) a sociedade brasileira para uma grande mobilização que torne possível enfrentar a crise política e fazer prevalecer os princípios democráticos.

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

duas semanas exibem um verdadeiro circo armado. A elite utilizou as declarações do deputado federal Roberto Jefferson (PTB), da base governista, para criar uma cortina de fumaça e enfraquecer ainda mais o governo. Está claro que a direita utilizou a situação para antecipar o calendário eleitoral. Ou eles investem de vez no enfraquecimento do governo e partem para a consolidação de uma candidatura, ou fazem um novo pacto, com o estabelecimento de políticas mais à direita e sem alteração na economia. Um exemplo nítido é a proposta de privatizar os Correios como forma de evitar a corrupção, seguindo assim os ditames das mudanças neoliberais. É hora de lutar. As concessões que o governo Lula fez, os esforços de uma cooptação fisiológica e a busca por uma maioria parlamentar a qualqur custo deram na crise de hoje. É hora de colocar nas ruas a força histórica das esquerdas e dos movimentos sociais. Não para acobertar falcatruas e corrupções. E sim para exigir a punição de todos os que se apropriaram dos bens públicos. É preciso apurar todas as denúncias do governo Lula e dos governos anteriores, inclusive de FHC. É hora de ir para as ruas, cobrar as mudanças na política econômica e o cumprimento dos direitos sociais.

FALA ZÉ

OHI

CRÔNICA

Ekklesia-democracia radical Leonardo Boff

POVOS INDÍGENAS O Cimi agradece a todos vocês pela atenção e o espaço que têm sido dispensados aos temas ligados aos povos indígenas no Brasil. Reforçamos a importância, para a secular luta e resistência indígena neste país, de aliados que compreendam as mobilizações indígenas na luta pela garantia de seus direitos como pautas. São raros os veículos de comunicação que compreendem que a diversidade de povos e formas de vida no Brasil precisam estar presentes em suas páginas e, através deles, inseridos nos debates da sociedade nacional. Para o Cimi, parece importantíssimo que os leitores do Brasil de Fato estejam informados sobre a situação e a atuação dos indígenas no país. O Brasil de Fato tem provado que é possível manter uma cobertura sobre os povos indígenas que os considere parte da realidade nacional, e que não olhe para estes povos apenas quando os escândalos tornam-se denúncias internacionais ou quando a notícia da fome consegue vencer as barreiras dos interesses econômicos. Grande abraço Saulo Feitosa Vice-presidente do Cimi - Conselho Indigenista Missionário

Eleito presidente, Lula alimentou no povo um sentimento de que um operário no poder abriria espaço para maior representatividade popular no comando do país. Infelizmente, já durante a campanha eleitoral, no lançamento da Carta aos Brasileiros, Lula demonstrava a intenção de garantir aos credores internacionais e ao mercado brasileiro medidas semelhantes às que marcaram o governo Fernando Henrique Cardoso. Assim, a opção feita por Lula, em nome da governabilidade, tornou-o refém de setores reacionários. Porém, não devemos desconsiderar os interesses e influências das forças imperialistas a essa crise. Qualquer sinalização contrária aos interesses do capital financeiro internacional tem reação imediata. Bastou o governo brasileiro sinalizar diálogo e apoio ao governo de Hugo Chávez, na Venezuela, e apoio à democracia no continetente latino-americano, em especial ao Equador e à Bolívia, com suas fortes mobilizações populares, para o capital transnacional e o governo estadunidense de George W. Bush ficarem inquietos. Imediatamente, alianças com setores conservadores da política brasileira – em destaque Fernando Henrique Cardoso – e da imprensa burguesa foram firmadas. As denúncias de corrupção divulgadas nas últimas

Sempre que falamos de democracia, nos reportamos à experiência fundadora dos gregos que em suas cidades, os cidadãos exerciam o poder de decisão de forma direta consoante o princípio da predominância da maioria. Por mais que a idealizemos, especialmente, depois das teorizações de Platão e Aristóteles, a democracia era, na verdade, muito restrita. As cidadesestado eram pequenas e somente 1/6 da população exercia a democracia, concretamente, os cidadãos livres. As mulheres, os escravos, os artesãos, os estrangeiros e os imigrados eram excluidos. Mas a experiência grega se tornou referência para toda a reflexão política posterior. Entretanto, há uma outra experiência de democracia muito mais radical que a grega e que foi vivida pelas duas primeiras gerações de cristãos. Ela é paradigmática para todo pensamento utópico posterior, embora tenha sido abandonada pelo cristianismo vigente que se organizou numa forma oposta. Ela não ficou referência para o discurso político atual pelo fato de ter sido realizada nos quadros de uma experiência religiosa, pouco ou nada valorizada pelo pensamento laico e laicista. Hoje, a despeito seu nicho religioso, vemos a democracia cristã como qualquer outro fenômeno

social. merecendo consideração especialmente quando se busca uma democracia radical, levada a todos os campos da convivência humana, aos movimentos sociais e também à economia, quer dizer, uma democracia sem fim. A experiência geradora da democracia radical cristã foi a prática de Jesus: absolutamente antidiscriminatória, anti-hierárquica e de fraternidade universal. São Paulo resumiu tudo dizendo: “Agora já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos são um em Cristo Jesus” (Gal 3,28). O resultado foi que escravos, livres, portuários, mercadores, advogados, soldados, independentemente de sua situação social e de gênero, formavam comunidades fraternais que viviam a “koinonia” (comunhão), palavra para expressar o comunismo radical de “colocar tudo em comum”, repartindo os bens materiais “conforme as necessidades de cada um”. E como louvor se diz que “não havia pobres entre eles” (At 2 e 3). Essa democracia era radical mesmo pois as decisões eram tomadas com a participação de toda a comunidade. A lei básica era: “O que concerne a todos, deve ser decidido por todos”. Isso valia também para a nomeação dos bispos e dos presbíteros.

Chamou-se tal comunidade de “ekklesia” em grego, “ecclesia” em latim e “igreja” em português. O sentido original de “ekklesia” não era religioso, mas político: a assembléia popular. Escolheu-se esse nome profano para distinguir a democracia cristã de outras expressões religiosas da época. Essa memória foi perdida na Igreja Católica. Perguntaram, certa feita, a João Paulo II se a Igreja era uma democracia. Respondeu: não; ela é uma “koinonia”. Ora “koinonia” é sinônimo de democracia radical, coisa que seguramente o Papa não pensou. Com efeito, hoje como ela se estrutura, não é “koinonia”. É uma monarquia absolutista espiritual organizada sob a influência das monarquias do passado. Como tal, fecha as portas à democracia cristã dos primórdiois. Ou só a aceita sob a forma inócua da espiritualização. É importante resgatarmos a memória revolucionária escondida na palavra “Igreja”. Quem sabe, não inspira outro jeito de ser cristão e de ser cidadão? Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É também autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos

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De 23 a 29 de junho de 2005

NACIONAL MOBILIZAÇÃO

Contra a desestabilização do governo Texto defende apuração da verdade e convoca população a se mobilizar contra tentativa de desestabilizar o governo

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uma semana de definições para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que decidiu substituir o ministro José Dirceu (Casa Civil) pela ministra Dilma Rousseff (até então, na pasta de Minas e Energia) – frente a acusações não comprovadas de corrupção, lançadas pelo deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) –, a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) decidiu se posicionar em defesa do governo, divulgando a Carta ao Povo Brasileiro O texto, que seria entregue ao presidente Lula no dia 22, convoca toda a sociedade a engrossar “uma grande e contínua mobilização que torne possível enfrentar a crise política” repudiando “qualquer tentativa de desestabilização do governo legitimamente eleito, patrocinada pelos setores conservadores e antidemocráticos”. “Se não houver uma sensibilização na sociedade que vá além dos movimentos que representamos, corremos o risco do insucesso”, disse Antonio Carlos Spis, da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A CMS reúne diversas entidades nacionais (veja o quadro abaixo). A Carta exige uma “completa e rigorosa investigação das (recentes)

Frei Betto: saída de Dirceu foi correta e tardia

Elza Fiúza/ABR

Marcelo Netto Rodrigues da Redação

O ex-assessor especial da Presidência da República e amigo pessoal de Lula desde os tempos em que ele era metalúrgico, o frade dominicano e escritor Frei Betto defende o presidente, diz que agora é a hora dos movimentos sociais pressionarem o governo por mudanças na política econômica (o motivo de seu afastamento do governo) e que a saída de José Dirceu foi correta e tardia.

Representantes de movimentos sociais divulgam, em Brasília, Carta ao Povo Brasileiro, que defende a mobilização popular

denúncias de corrupção, feitas ao Congresso Nacional e à imprensa, e a punição dos responsáveis”. Mas pede que haja também “a investigação das denúncias de corrupção por ocasião da votação da emenda constitucional que aprovou a reeleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e dos processos de privatização das estatais ocorridas em seu governo”. “Esses caras do PSDB e do PFL

não têm moral nenhuma para atacar o governo Lula, mas as denúncias precisam ser apuradas mesmo assim”, afirmou Romário Rossetto, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que também faz parte da CMS. A suspeita de Rossetto encontra ressonância em uma nova denúncia de Jefferson, feita dia 20, durante entrevista ao programa Roda Viva,

da TV Cultura, de que o PSDB movimentava um “caixa dois” à época de FHC. A denúncia, apesar da gravidade, não foi destacada pela imprensa no dia seguinte à entrevista de Jefferson – uma prova concreta da postura tendenciosa da grande mídia que, em defesa do tucanato, apenas citou a acusação sem alarde. Leia abaixo, a íntegra da Carta ao Povo Brasileiro.

Carta ao povo brasileiro Contra a desestabilização política do governo e contra a corrupção: por mudanças na política econômica, pela prioridade nos direitos sociais e por reformas políticas democráticas! A sociedade brasileira mudou e, na Constituinte de 1988, decidiu por mudanças. Constituiu novos poderes e elegeu novos governantes, para promover processos de transformação social. Criou novas estruturas, combateu velhas instituições e gerou novos mecanismos para fazer valer os direitos de todas e cada uma das pessoas a uma vida digna. Com a força desta história recente, mas vigorosa, de fortalecimento e radicalização da democracia em nosso país que nós, representantes das organizações populares, das organizações nãogovernamentais, do movimento sindical, dos movimentos sociais e personalidades, convocamos toda a sociedade brasileira, cada cidadão e cada cidadã, para uma grande e contínua mobilização que torne possível enfrentar a crise política e fazer prevalecer os princípios democráticos. Nas últimas eleições, com a esperança de realizar mudanças na política neoliberal que vinha sendo praticada desde 1990, o povo brasileiro elegeu o presidente Lula. Até este momento, avaliamos que pouca coisa mudou e presenciamos um mandato cheio de contradições. De um lado, o governo seguiu com uma política econômica neoliberal, resultado de suas alianças conservadoras. De outro, adotou um discurso da prioridade social e uma política externa soberana e de aliança com as nações em desenvolvimento. A eleição do Lula reacendeu as esperanças na América Latina, e influiu de forma positiva em alguns conflitos políticos na região. De olho nas eleições de 2006, as elites iniciaram, através dos meios de comunicação, uma campanha para desmoralizar o governo e o presidente Lula, visando enfraquecê-lo, para derrubá-lo ou obrigá-lo a aprofundar a atual política econômica e as reformas neoliberais, atendendo aos interesses

do capital internacional. Preocupados com o processo democrático e também com as denúncias de corrupção que deixaram o povo perplexo, vimos a publico dizer que somos contra qualquer tentativa de desestabilização do governo legitimamente eleito, patrocinada pelos setores conservadores e antidemocráticos. Exigimos completa e rigorosa investigação das denúncias de corrupção, feitas ao Congresso Nacional e à imprensa, e punição dos responsáveis. Sabemos que a corrupção tem sido, lamentavelmente, o método tradicional usado pelas elites para governarem o país. Exigimos também a investigação das denúncias de corrupção, por ocasião da votação da emenda constitucional que aprovou a reeleição e dos processos de privatização das estatais ocorridas no governo de Fernando Henrique Cardoso. Trata-se portanto, de fundamentar a vida política em princípios éticos como a separação entre interesses privados e interesses públicos, de transparência nos processos decisórios e a promoção da justiça social. Diante da atual crise, o governo Lula terá a opção de retomar o projeto pelo qual foi eleito, e que mobilizou a esperança de milhões de brasileiros e brasileiras. Projeto este que tem como base à transformação da sociedade e do Estado brasileiros, uma sociedade dividida entre os que tudo podem e tudo têm e aqueles que nada podem e nada têm. Por isso, vimos a público defender, e propor ao governo Lula, ao Congresso Nacional e à sociedade civil, as seguintes medidas: 1 - Realizar e apoiar uma ampla investigação de todas as denúncias de corrupção que estão sendo analisadas no Congresso Nacional e punir os responsáveis 2 - Excluir do governo federal setores conservadores que querem apenas manter privilégios, afastar autoridades sobre as quais paira qualquer suspeição e recompor sua base de apoio, reconstruindo uma nova maioria política e social em torno de uma plataforma anti-neoliberal. 3 - Realizar mudanças na política econômica no sentido de priorizar as

necessidades do povo e construir um novo modelo de desenvolvimento. A sociedade não suporta mais tamanhas taxas de juros, as mais altas do mundo, sob o pretexto de combater a inflação. A sociedade não sustenta a manutenção de um superávit primário, que apenas engorda os bancos. Os recursos públicos têm de ser investidos, prioritariamente, na garantia dos direitos constitucionais, entre eles, emprego, salário-mínimo digno, saúde, educação, moradia, reforma agrária, meio ambiente, demarcação das terras indígenas e quilombolas. 4 - Realizar, a partir do debate com a sociedade, uma ampla reforma política democrática. Uma reforma que fortaleça a democracia e dê ampla transparência ao funcionamento dos partidos políticos e aos processos decisórios. Por isso, somos favoráveis à fidelidade partidária, ao financiamento público exclusivo das campanhas, à exclusão das cláusulas de barreira, e à apresentação de candidaturas em listas fechadas com alternância de gênero e etnia, obedecendo critérios de representação política pluriétnica e multirracial. Queremos também a imediata regulamentação dos processos de democracia direta, que implica o exercício do poder popular mediante plebiscitos e referendos, conforme proposta apresentada pela CNBB e a OAB ao Congresso Nacional. 5 - Fortalecer os espaços de participação social na administração pública e criar novos espaços nas empresas estatais e de economia mista, viabilizando o controle social e real compartilhamento do poder. 6 - Fortalecer as iniciativas locais em favor da cidadania e da participação e da educação popular, como por exemplo os comitês pela ética na política, conselhos de controle social, escolas de formação política. 7 - Enfrentar o monopólio dos meios de comunicação, garantindo sua democratização, inclusive através do fortalecimento das redes públicas e comunitárias. Neste momento de mobilização, conclamamos as forças democráticas e populares a se mobilizarem para realizar manifestações de rua e protestos, e trabalhar para promover as verdadeiras mudanças que o país e

o povo precisa. Brasília, 21 de junho de 2005 Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Coordenação dos Movimentos Populares (CMP), União Nacional de Estudantes (UNE), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de ONGs (Abong), Instituto de Estudos SocioEconômicos (Inesc), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) / Pastorais Sociais, Pastoral Operária Nacional, Grito dos Excluídos, Marcha Mundial de Mulheres, União Brasileira de Mulheres, União Brasileira de Estudantes Secundários (Ubes), Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), Juventude Operária Cristã (JOC), Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino (Contee), Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Federação Nacional dos Advogados, Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), União Nacional de Moradia Popular (UNMP) , Ação da Cidadania Contra a Fome a Miséria e pela Vida, Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Federação Nacional das Associações (Fenac), Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades), Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Movimento dos Sem Universidade (MSU), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), Associação Nacional dos Pós-graduandos, Corrente Sindical Classista, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Federação Nacional dos Economistas, Sindicato dos economistas do DF, Conselho Nacional de Iyalorixás e Ekedes Negras, Comissão Brasileira Justiça e Paz, Campanha Jubileu Brasil contra as dívidas e contra a Alca.

Brasil de Fato – Os efeitos colaterais das declarações do deputado Roberto Jefferson serviram para rearticular a esquerda? Frei Betto – Primeiro, eu não dou nenhum crédito ao que o Jefferson fala. Segundo, criou-se uma conjuntura favorável a essa articulação. Eu creio que é hora dos movimentos não só defenderem o governo Lula, mas também pressionarem para uma mudança na política econômica. BF – Qual o papel que os intelectuais ligados ao PT devem exercer neste momento? Frei Betto – O papel do intelectual é ser crítico, contribuir criticamente para aprimorar um processo que favoreça a maioria da população. BF – A saída de Dirceu foi uma atitude correta? Frei Betto – Correta e tardia porque, na minha opinião, ele devia ter saído já no caso Waldomiro Diniz, como ele mesmo admitiu agora. BF – E no caso do Delúbio Soares e do Sílvio Pereira? Frei Betto – Na posição deles, eu também pediria licença até que as denúncias fossem apuradas. BF – E a política econômica do governo? Frei Betto – É uma política antipopular, que favorece o capital em detrimento do trabalhador. BF – Por que Lula não escuta a voz do povo, que lhe indica um outro caminho a seguir? Frei Betto – Ele escolheu esse caminho, talvez por temer uma desestabilização, por temer uma reação mais violenta da elite brasileira, não saberia dizer, não tenho clareza disso. De qualquer maneira, eu discordo da política econômica, uma das razões pelas quais eu deixei o governo. BF – O senhor costuma dizer que “a cabeça pensa onde os pés pisam”. O presidente Lula ficou maravilhado em pisar em tapetes vermelhos? Frei Betto – Isso é bobagem, porque na Presidência se conhece mais da realidade. Não vejo por aí, não. Acho que o presidente é muito sensível ao drama da pobreza, enfim, das origens dele. BF – Qual a influência do ministro Antônio Palocci nas decisões de Lula? Frei Betto – Não tem influência, quem decide é o presidente. A decisão não é do Palocci. A responsabilidade dessa política econômica é do presidente. BF – E por que ele não muda e escuta a voz do povo? Frei Betto – Não sei. Não sei. Não sei responder a essa pergunta. BF – E sobre a Carta ao Povo Brasileiro? Frei Betto – Assino embaixo. (MNR)


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De 23 a 29 de junho de 2005

Espelho DIREITOS HUMANOS

A terra, como espaço de vida

da Redação

Rabo preso Conhecido como poleiro tucano, o programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, tentou entrevistar, dia 20, o deputado federal Roberto Jefferson. Mais uma vez o parlamentar do PTB conduziu a conversa para onde quis, falou o que bem entendeu, e ainda comparou os jornalistas a moradores de um convento e chamou de “covardes” os deputados que silenciaram sobre o “mensalão”. Os jornalistas ficaram quietinhos. Bandas oficiais Em artigo na Folha de S.Paulo, antes da queda do ministro José Dirceu, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., afirmou: “O presidente será pressionado a sacrificar os mais diretamente comprometidos com os esquemas de corrupção e compra de deputados. Ao mesmo tempo, os donos do poder real irão mobilizar-se para criar um cordão sanitário em torno da equipe econômica, a ‘parte sadia do governo’. Poucos farão questão de lembrar que os esquemas de corrupção administrados pela ‘parte podre do governo’ destinavam-se, em grande medida, a viabilizar a votação no Congresso da agenda econômica da ‘parte sadia do governo’.” Último recurso Inimiga ferrenha do MST, a revista Veja, da Editora Abril, inaugurou recentemente novo enfoque para bater no movimento social: o jornalista Tales Alvarenga escreveu um artigo alertando a sociedade para o perigo do uniforme. Entre várias sandices, afirma que se deve desconfiar das camisetas, bonés e sandálias havaianas usadas pelos integrantes do MST. Segundo ele, o uso de uniforme lembra o nazismo e o exército vermelho de Mao Tsé Tung. Só faltou atacar os cardeais da Igreja Católica que elegeram – de uniforme – o papa, e as Forças Armadas. Politicamente correto Enquanto vários setores públicos vacilam sobre a adoção de software livre, inclusive o governo tucano no Estado de São Paulo, o Exército brasileiro deu o exemplo e iniciou a troca de programas em seus 30 mil computadores. Até o final do mês, Aeronáutica e Marinha também iniciam a substituição para plataformas de código aberto. Só o PSDB e seus liberais continuam insistindo em pagar royalties à Microsoft. Centésima edição Dirigida pelo jornalista Sérgio de Souza, a revista Caros Amigos vai colocar nas bancas, em julho, a sua edição número 100, oito anos depois de seu nascimento. Parece pouco, mas, na verdade, resistiu bravamente ao pensamento único neoliberal que dominou a imprensa, a universidade e a intelectualidade. A entrevista principal deve ser com o governador do Paraná, Roberto Requião, que, ao seu modo, também resiste aos ataques dos transgênicos. Jornal popular O Movimento dos Cursinhos Populares, que reúne milhares de estudantes que não podem pagar as mensalidades dos cursinhos particulares, acaba de lançar um jornal específico do movimento, que está circulando em várias universidades. Mais informações no endereço eletrônico jornalmcp@yahoo.com.br Visão latino-americana Já está em circulação o número 7 do jornal A Palavra Latina, editado por estudantes da USP e militantes sociais, e que analisa as lutas populares na América Latina. Contato pelo endereço eletrônico apalavralatina@yahoo.com ou pelo telefone (11) 3231-0692.

Congresso nacional da Comissão Pastoral da Terra repudia o agronegócio Maristela Vitória de Goiânia (GO)

O

2º Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), realizado em Goiânia (GO), de 14 a 18, serviu para reafirmar algumas ações da Pastoral e apontar novos caminhos. Vindas de todos os cantos do Brasil, cerca de mil pessoas, entre trabalhadores rurais, quilombolas, ribeirinhos, pesquisadores, agentes de pastoral, bispos, padres, pastores, discutiram temas como questões agrárias e agrícolas, trabalho escravo, agroecologia e a transposição do Rio São Francisco. O debate, segundo os organizadores, ajudou a reafirmar que a terra é espaço de vida, que envolve elementos culturais, religiosos e de sobrevivência. “A prática da agricultura camponesa está imbuída desse espírito; por isso o Congresso denunciou e repudiou o modelo do agronegócio, porque trata a terra e a natureza apenas e exclusivamente como um instrumento de exploração econômica”, observa dom Tomás Balduino, presidente da CPT.

das experiências desenvolvidas pela CPT em diversas comunidades.

Marina Moreira

Tratamento parcial As revistas semanais e os jornais diários da imprensa empresarial continuam tentando fustigar o governo Lula, o Partido dos Trabalhadores e, em especial, os esquemas de arrecadação de recursos financeiros montados pela Executiva Nacional do PT. No entanto, todos evitam falar dos bancos e das empresas privadas que costumam dar sustentação ao caixa partidário-eleitoral visando seus interesses e seus negócios com o Estado. É para preservar os anunciantes e o empresariado.

CELEBRAÇÃO

Em carta final, CPT denuncia a grilagem das terras públicas e o desemprego

privados. Com a transposição, alerta Abner, “a água vai para os maiores reservatórios; quer dizer, para os pequenos e médios, que sofrem colapso, não vai chegar”.

TRABALHO ESCRAVO Dentro do tema direitos humanos, um aspecto destacado foi o combate ao trabalho escravo e degradante. A luta pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 483, que prevê a expropriação das áreas rurais onde se constatar a prática do trabalho escravo, será reforçada. Segundo Revers, a CPT também continuará a fazer denúncias e a dar apoio aos trabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão: “Esses trabalhadores serão convidados a se integrar à luta pela terra, pois só com o assentamento e a reforma agrária eles conquistarão sua cidadania e uma forma de se sustentar”. Na carta final, elaborada no encontro, a CPT afirma que “escutou o clamor do povo oprimido e todos os corações ali presentes se encheram de tristeza, mas também de vontade de lutar contra a grilagem das terras devolutas e públicas, a devastação

TRANSPOSIÇÃO É UM ATRASO A discussão abordou, ainda, o tema da água. “A água não pode ser reduzida a uma simples mercadoria, ser transformada em hidronegócio”, explica Isidoro Revers, da Coordenação Nacional da CPT. Nessa perspectiva, João Abner, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), falou sobre a transposição do Rio São Francisco. Para ele, a transposição é um projeto atrasado e desnecessário, já que a região tem o maior estoque de água armazenada em açudes. A região do nordeste setentrional tem 36 bilhões de metros cúbicos armazenados em cerca de mil grandes açudes públicos e 70 mil pequenos e médios açudes

ambiental, o trabalho escravo, o desemprego e o subemprego crescente”. Os participantes se indignaram “por causa de milhares de famílias camponesas expulsas da terra com a conivência do Estado e, sobretudo, do legalismo cego de muitos juízes”. As manhãs do Congresso foram reservadas para as plenárias gerais. Horácio Martins, sociólogo e assessor do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e Marcelo Barros, monge beneditino, ajudaram a fazer a análise da conjuntura política e econômica atual. Ariovaldo Umbelino, professor titular da Universidade de São Paulo, e Elder Andrade, da Universidade do Acre, analisaram o tema da terra. A questão da água foi abordada por João Abner e Cristiane Nadaletti, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Elmano Freitas, advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e Jean Pierre Leroy, coordenador do programa Brasil Sustentável e Democrático da Fase, discutiram direitos. Os participantes se dividiram em 21 grupos, onde foram apresentadas e discuti-

RIO SÃO FRANCISCO

Plebiscito da transposição avança Luís Brasilino da Redação Mais uma proposta de plebiscito avança no Congresso Nacional. Dia 8, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados aprovou parecer favorável do relator João Alfredo (PT-CE) ao projeto de decreto legislativo 1561/05, que prevê a realização de uma consulta popular sobre a transposição do Rio São Francisco. “É um assunto polêmico sobre o qual a população precisa ser consultada, mas, infelizmente, a obra está sendo mistificada pelo governo, que não informa a população, só faz propaganda ufanista”, justifica o deputado. Ele diz que, no Ceará, a água será canalizada para a bacia do Rio Jaguaribe, passando longe das regiões mais secas. A água chegará a grandes cidades, como a capital, Fortaleza, e também a empresários do agronegócio que vão usá-la na produção de camarões, acrescenta. Além disso, o preço vai subir muito. “Enquanto isso, a população não tem idéia disso, e o plebiscito será a oportunidade para todos se inteirarem desses dados”, argumenta João Alfredo.

PRESSÕES Luiz Carlos Fontes, coordenador da câmara regional do Baixo São Francisco, apóia a iniciativa. Ele considera a proposta do plebiscito salutar para a nação, pois porá um freio ao atropelo patrocinado pelo governo com objetivo de aprovar a obra. De acordo com Fontes, os órgãos públicos ligados ao meio

Fred Jordão

da mídia

NACIONAL

Durante o congresso também houve momentos de celebração. No dia 16, os mil participantes e a população local, empunhando velas e ao som de uma congada, percorreram as ruas da cidade de Goiás para trazer à memória os mártires que tombaram na luta pela terra. Cada grande região trouxe seus nomes, entre eles estavam Gringo, sindicalista paraense; Chico Mendes, do Acre; Margarida Alves, sindicalista da Paraíba, e padre Josimo, que foi agente da CPT no Tocantins. Irmã Dorothy Stang, assassinada em fevereiro deste ano, em Anapu, Pará, foi a figura central. No final, à beira do Rio Vermelho, duas pessoas marcaram a celebração: dona Olinda, mãe de padre Josimo, e padre Chicão, Francisco Cavazutti, que sofreu um atentado em 1987 e ficou totalmente cego.

30 ANOS DE CPT O cenário turbulento no qual a CPT foi criada, há 30 anos – 22 de junho –, no período da ditadura, foi lembrado por dom Tomás Balduino, presidente da Pastoral, durante a abertura do 2º Congresso, dia 14. “A caminhada para a terra prometida começou ali, quando Deus reuniu aqueles agentes de pastoral, bispos, padres e leigos. E essa caminhada tem resultados, apesar do sofrimento”, destacou dom Tomás. A Diocese de Goiás incorporou a Pastoral da Terra desde o primeiro momento, e destacou-se, ao longo dos anos, pelo apoio dado às lutas e reivindicações dos trabalhadores do campo da região. O encerramento do Congresso marcou o início da 2a. Festa da Colheita, realizada pela Diocese de Goiás e pela CPT local.

Monsanto maquia crise transgênica Daniel Cassol de Porto Alegre (RS)

Militantes de movimentos sociais debatem a transposição no Fórum Social

ambiente (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – Ibama, a Agência Nacional de Águas – ANA, e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH) estão cedendo às pressões que vêm do Ministério da Integração e do Palácio do Planalto e se comportam de forma subserviente. Com isso, o debate está sendo evitado. “O plebiscito é importante para dar tempo à população para analisar os dois lados. O governo já usou duas vezes cadeia nacional de rádio e televisão para defender a transposição. Também queremos ser escutados. Se não temos razão, por que o governo age dessa forma?”, questiona o coordenador da câmara regional do Baixo São Francisco.

NOVOS RUMOS? O relatório de João Alfredo prevê a realização da consulta até 31 de dezembro, no máximo, mas

a medida ainda precisa ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário da Câmara, além de passar pelo Senado. Entretanto, o projeto de transposição recebeu a licença ambiental prévia do Ibama, e basta que ela se torne definitiva para começar a ser implantado. De todo modo, tanto João Alfredo, quanto Fontes, asseguram que, independentemente da data de sua realização, o plebiscito tem poder para paralisar as obras. A informação foi confirmada por Egídio Serpa, assessor especial do ministro Ciro Gomes, da Integração Nacional. “O Congresso Nacional é soberano. Se os congressistas decidirem aprovar a proposta de realização do plebiscito sobre o projeto do São Francisco, caberá ao Poder Judiciário realizá-lo. E ao Executivo, o respeito à decisão popular”, diz Serpa.

Uma doação de 5 mil dólares ao Hospital de Caridade de Três Passos, no norte do Rio Grande do Sul, revela a forma como a transnacional dos transgênicos atua. Enquanto o diretor de Assuntos Corporativos, Rodrigo Almeida, promove o nome da empresa doando uma módica quantia (para os cofres da Monsanto), a cidade sofre com a crise do agronegócio. A ADM, empresa distribuidora de grãos, fechou as portas da sua unidade no município, em abril deste ano, alegando “razões econômicas e tributárias”, segundo comunicado divulgado na época. Cerca de 60 funcionários foram demitidos. Um dos movitos da crise seria o rompimento do contrato com a Sadia: a empresa catarinense, que tem uma unidade em Três Passos, opta por comprar soja não transgênica para alimentação de suínos. A doação da Monsanto gerou polêmica. “Esse prêmio não cobre 1% do mal que a Monsanto está fazendo para nossa população com a semente modificada. Está tirando os trabalhadores de nossa lavoura e os substituindo por veneno”, afirmou o vereador Vateri Neckel (PSDB). Para o prefeito Carlos Alberto Canova (PMDB), a economia do município não foi tão afetada porque é baseada fundamentalmente na suinocultura e na produção de leite. Para ele, a polêmica foi criada porque a doação envolve o nome da Monsanto. “Nenhuma doação deve ser desconsiderada”, afirma, em razão das dificuldades enfrentadas pelos hospitais.


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NACIONAL EDUCAÇÃO

Cotas? Pelo governo, só daqui a 10 anos Dafne Melo da Redação

Universidades que já aderiram

“S

e as cotas viessem agora, já viriam tarde”, avalia José Jorge Carvalho, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), que considera “lamentável” a atitude do Ministério da Educação (MEC) de manter, no segundo anteprojeto da reforma universitária, o prazo de dez anos para implementação, nas universidades federais, das cotas destinadas a alunos do ensino público, respeitando uma porcentagem para negros e outras minorias. “Nos EUA, as cotas funcionam desde a década de 70; na África do Sul, foram implementadas logo após o fim do apartheid. Por que, aqui, no segundo país com maior população negra do mundo, ainda não há cotas?”, questiona Carvalho. De acordo com o texto oficial, divulgado em 30 de maio, as federais de todo o país devem implementar as cotas até 2015, reservando 50% das vagas em todos os cursos e turnos para alunos oriundos do ensino público, respeitando também “a proporção regional de segmentos sociais e étnico-raciais historicamente prejudicados”. A segunda versão da proposta, entretanto, estabelece que as instituições deverão alcançar suas metas “sem prejuízo de mérito acadêmico”, o que pode dar margem para as universidades federais retardarem ainda mais o processo. Para frei David dos Santos, coordenador da Educafro, “deixar para que as universidades federais implementem ações afirmativas até 2015 é brincar com o povo”. Mas,

Giorgio D’Onofrio

Cedendo a pressão das universidades, novo anteprojeto mantém adiamento previsto na reforma universitária tado estivesse correto e a política fosse desnecessária, não há por que barrá-la”, rebateu, na época, o ministro da Educação,Tarso Genro.

Estadual do Amazonas Estadual da Bahia Estadual de Goiás (a partir do 2º semestre de 2005) Estadual de Londrina Estadual do Mato Grossso (a partir do 2º semestre de 2005) Estadual de Mato Grosso do Sul Estadual de Minas Gerais Estadual de Montes Claros Estadual do Norte Fluminense Estadual do Rio de Janeiro Federal de Alagoas Federal da Bahia Federal de Juiz de Fora (a partir de 2006) Federal do Paraná Federal de São Paulo Federal do Tocantins Universidade de Brasília

otimista, ele acrescenta que a briga pela mudança continua. Carvalho acredita que a pressão da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) foi decisiva para manter a definição. “O governo não teve coragem de se antecipar à sociedade e enfrentar os reitores. Os brancos têm todos os recursos universitários nas mãos e não querem dividir. Para mim isso é transparente”, diz. Frei David acredita que a reação de reitores e dirigentes do ensino público e privado que rejeitam as cotas reiteram a postura de setores reacionários da sociedade – que não querem ver a universidade brasileira promovendo inclusão social e racial. “É assim que devemos entender o cor-

EXPERIÊNCIAS

Em relação às cotas, MEC cedeu às pressões dos setores reacionários

porativismo deles, que se recusam a repensar formas de acesso aos pobres, negros e índios”, analisa. Uma pesquisa encomendada pela Andifes, este ano, concluiu que tanto a população negra como a de

baixa renda tem acesso às federais. O próprio Ministério da Educação rebateu os dados do levantamento, alegando que os critérios utilizados eram equivocados e não coincidiam com outras pesquisas. “Se o resul-

No Brasil, hoje, algumas universidades públicas se anteciparam e iniciaram a implementação de cotas. De acordo com a assessoria de imprensa do MEC, 17 instituições já aplicam o sistema (veja o quadro ao lado). Com diferentes métodos, essas universidades fazem reservas de vagas para alunos de escolas públicas e, na maior parte dos casos, para afro-descendentes e minorias como deficientes físicos, índios – dependendo das características populacionais de região do país, recebem maiores reservas de vagas. Carvalho, autor do projeto inicial de cotas para a UnB, explica que iniciou o debate na universidade em 1999. “Propomos as cotas para politizar a questão dos negros na universidade”, explica o professor, que acredita que a questão ganhou força em 2001, após a Conferência Mundial Contra o Racismo, feita pela ONU, que reiterou a necessidade de se universalizar o acesso à universidade. “Houve um entendimento maior de que as políticas afirmativas eram necessárias”, avalia. Um ponto enfatizado por Carvalho é a necessidade de mecanismos que garantam a permanência do aluno. Márcia Souto Maior, psicóloga e diretora do Departamento de Projetos Especiais e Inovações da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), entende que as duas coisas não podem sequer serem pensadas separadamente.

Analistas defendem o princípio da justiça

DIREITO “As cotas não são uma dádiva, são um direito. Elas representam uma revolução no Brasil, tocam nos privilégios da elite”, acredita o professor José Jorge Carvalho, da Universidade de Brasília (UnB). Fernando Baldraia, historiador formado pela Universidade de São Paulo (USP), uma das universidades mais resistentes à idéia da adoção das cotas, e ex-professor

universidades? Quanto o Brasil não perdeu por não ter negros nas universidades?”, conclui.

Raphael Falavigna/Folha Imagem

Uma das reivindicações mais antigas do movimento negro, as cotas raciais são um tema que sempre gera polêmica no Brasil, país que, para Marcilene Garcia de Souza, do Instituto de Pesquisa AfroDescendente (Ipad), “tem uma das mais perversas formas de racismo, pois a sociedade incorpora e reproduz o mito da convivência harmoniosa”. A realidade, entretanto, é bem diferente. “Pesquisas revelam que um negro tem que ter um currículo três vezes melhor que o de um branco para conseguir emprego”, exemplifica Marcilene. Para a pesquisadora, as cotas nas universidades são apenas uma parte de um sistema de políticas afirmativas que devem vir de diferentes setores da sociedade. “A população negra, historicamente, é excluída. Após o fim da escravidão, o Estado não criou políticas de inclusão”, justifica. Além disso, “se as universidades públicas brasileiras têm que servir aos brasileiros, e se estamos em um país multirracial, temos que contemplar os diversos segmentos da sociedade”, conclui. O discurso universalista de que as cotas devem ser destinadas apenas a alunos pobres, não havendo especificação para um grupo étnico, é rechaçado por Marcilene: “O negro e o branco sofrem a pobreza de modos diferentes. Quem nasce pobre, enfrenta obstáculos, mas quem nasce negro e pobre, enfrenta três vezes mais”.

SELEÇÃO

Reunião da Educafro, em São Paulo, entidade que oferece cursos e bolsas a estudantes negros

da Educafro, conta que um dos maiores desafios era politizar a questão das cotas. “Muitos negros pensam que estão sendo favorecidos com uma exceção. Aí é que a reflexão política é importante. As cotas não caíram do céu, são conquistas, fruto de reivindicações antigas do movimento negro. É importante fazer o aluno enxergar o caminho feito até ali, se enxergar parte de uma coletividade or-

ganizada”, avalia. A longo prazo, espera-se que as cotas contribuam “para quebrar alguns estereótipos da nossa sociedade em relação a onde o negro deve ou não estar”, diz Baldraia, que, por outro lado, acha importante ter em mente que o sistema de cotas não irá acabar com a desigualdade social do país, ou resolver todos problemas da população negra. “Pensando as cotas

Indicadores da exclusão racial • Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de

2002, 97,7% dos negros e pardos entre 18 e 25 anos não ingressaram no ensino superior. Entre brancos, o índice é de 88,8%.

• Dos 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza,

70% são negros; entre os 53 milhões de pobres do país, 63% são negros.

• Considerando-se apenas o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

dos brancos, o Brasil se colocaria em 46º lugar (entre 173 nações). Ao se considerar somente o IDH dos negros, o país despencaria para o 105º lugar.

• Pesquisa de 2002 do IBGE aponta que, no ensino fundamental, os negros representam 53,2% do total de alunos, e os brancos, 46,4%. Na pós-graduação, o índice de participação de afro-descendentes é de 17,6%, enquanto os brancos somam 81,5%.

de forma estrutural, elas vão promover a longo prazo a ascensão de uma parcela da população negra e darão um verniz aparentemente democrático para um sistema (capitalista) onde sempre haverá uma parte excluída”, pondera. Do ponto de vista sócio-cultural, as cotas colocam para a sociedade civil a existência de um problema racial no Brasil, e que precisa ser resolvido. “Normalmente, o negro que entra na universidade tende a reafirmar sua cultura, sua identidade racial, e aí se tem um certo choque”, diz Baldraia. Marcilene, do Ipad, acredita que, com o passar do tempo, haverá mais produção acadêmica – feitas por negros – refletindo a questão racial no Brasil, o que tende a enriquecer as reflexões acerca do tema. “Os negros não se vêem representados nos livros, não se discute a cultura e herança afrodescendente; muitos professores sequer sabem lidar com o racismo dentro da sala de aula”, diz a professora. “Quanto o Brasil não perderia se só existisse homens nas

Um ponto polêmico entre os defensores das cotas é o critério de seleção. Todas as universidade, numa primeira etapa, adotam a autodeclaração do candidato. Entretanto, temendo fraudes, as universidades têm pedido fotos ou feito entrevistas com os candidatos para determinar se o vestibulando é mesmo negro. Na UnB, por exemplo, a foto do candidato é avaliada por uma comissão; na Universidade Federal do Paraná, uma comissão realiza uma entrevista com o aluno. Para Marcilene, é necessário outro critério além da autodeclaração: “Da mesma forma como o aluno tem que provar que veio de escola pública, quando assim declara, ele tem que provar que é negro”, acredita. Carvalho acredita que a foto “despolitiza a discussão, porque delega a outra pessoa a responsabilidade de determinar quem é negro ou não. Quando você se apresenta como negro, há uma maior politização, uma reafirmação da identidade negra”, defende o professor, que explica que em seu projeto inicial estava prevista a autodeclaração e uma discussão coletiva entre os cotistas. “Certamente haveria um constrangimento moral de alguém que não é negro, ao se apresentar diante outros cotistas”. Na opinião do professor, com o passar dos anos, o aperfeiçoamento iria inibir cada vez mais esse tipo de atitude, sendo apenas a autodeclaração suficiente. Opinião semelhante tem Baldraia, que defende a autodeclaração: “O sistema se aperfeiçoaria com a própria implementação do sistema. Se assim podemos dar lugares a oportunistas, dar o controle disso a outras pessoas pode abrir brechas para corruptores”, pondera. (DM)


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NACIONAL MODELO EXCLUDENTE

Fatos em foco

Vagas, só para baixos salários

Hamilton Octavio de Souza

Criação de emprego diminui em maio e confirma desaceleração da atividade econômica

Crise existencial Setores de esquerda ficaram divididos entre bater, apoiar ou ficar indiferente diante das denúncias contra o governo Lula, o ex-ministro José Dirceu e o comando nacional do PT. Tem gente achando que o racha na base aliada do governo petista tem a ver com os interesses da direita para reconquistar o poder, e tem gente achando que a crise atual ajuda a enterrar o que restava de esperança na administração Lula e no PT. Os estragos do tsunami Jefferson continuam. Posturas reveladoras Militantes do PT não conseguem ignorar que o tempo decorrido entre a denúncia e a queda de José Dirceu foi extremamente rápido. E que, ao contrário, as denúncias contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Previdência, Romero Jucá, resultaram em blindagem e apoio do presidente da República. Para Dirceu, a rua; para os outros dois, o prestígio palocciano. Até agora os aliados de direita, corruptos ou não, estão ganhando. Situação caseira Em análise que circulou na internet, o jornalista Gilberto Maringoni, da esquerda petista, apresentou sua versão: “Dirceu não sai apenas porque sua permanência tornou-se insustentável após vários insucessos ocorridos depois do caso Waldomiro Diniz, mas especialmente por ser torpedeado pela ala mais à direita do governo, representada por Lula, Palocci e Gushiken”. Tudo indica que Henrique Meirelles, Roberto Rodrigues e Luiz Furlan estão comemorando. Dilema petista O ministro da Educação, Tarso Genro, distribuiu recentemente, na condição de militante do PT, longo documento sobre o momento partidário, no qual afirma: “Defrontamonos, agora, com a seguinte situação: ou o Partido estabelece sua influência sobre o governo, ou a política econômica atual reconstrói o Partido em novas bases, porque, dentro da força da política econômica atual, vêm uma cultura e uma visão de mundo”. Mobilização geral MST, CUT, UNE, UBES, CMS e outras entidades estão organizando atos públicos em várias capitais. Para evitar que essas manifestações sejam confundidas com apoio ao governo Lula e ao PT, a Coordenação de Movimentos Sociais deixa claro: “O caráter de nossa postura política e da linha a ser seguida de forma unitária é claro: contra o golpismo e a corrupção. Por mudanças na política econômica e uma reforma partidária”. Temas principais Vai até o dia 30 de junho a consulta temática para o Fórum Social Mundial – Américas, que será realizado de 25 a 29 de janeiro de 2006, em Caracas, na Venezuela. Para participar da consulta é preciso preencher o formulário existente nos seguintes endereços eletrônicos: fsmcaracas@forosocialamericas.org e consejo@forosocialamericas.org Consulta Popular Em funcionamento desde 1997 como um fórum de militantes sociais, o Movimento Consulta Popular está realizando encontros estaduais – em pelo menos 20 unidades da federação – para debater a proposta de sua transformação em organização política. A nova situação implica na definição de estrutura de funcionamento, programa e escolha de coordenações municipais, estaduais e nacional – o que deve acontecer até o final do ano. Pesos diferentes A ação do poder público, no Brasil, é sempre cercada de contradições e incoerências. Um exemplo disso é o indiciamento do ex-dono do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, que deu um tombo na praça de R$ 3 bilhões, e desviou dinheiro dos clientes para seu patrimônio particular. Ele continua livre, leve e solto. No entanto, a Polícia Federal prendeu, em operação cinematográfica, os donos da Cervejaria Schincariol por sonegação de impostos estimada em R$ 1 bilhão. Por que a diferença de tratamento?

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

E

m 27 meses de governo petista, mais de nove em cada 10 empregos novos criados foram ocupados por trabalhadores com rendimento mensal de até 1,5 salário mínimo (R$ 390, até abril). Num estratagema adotado pelas empresas para reduzir custos trabalhistas, frente a um pelotão de milhões de desempregados, foram demitidos quase 700 mil trabalhadores com salários superiores a três mínimos entre janeiro de 2003 e março deste ano, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ao todo, foram abertas 2,46 milhões de vagas novas, resultado da contratação de 24,14 milhões de trabalhadores/assalariados, e da demissão de 21,68 milhões naqueles 27 meses. Pouco mais de 98% do saldo registrado no período (contratações menos demissões), algo como 2,422 milhões de pessoas, correspondiam a empregos de até 1,5 salário-mínimo. A tendência se manteve no primeiro trimestre de 2005, quando 69,5% das novas vagas favoreceram trabalhadores com salários de até 1,5 mínimo. Houve cortes indiscriminados para vagas com rendimentos acima de três salários mínimos (mais

ASSALARIADO CONTINUA PAGANDO A CONTA Vagas criadas por faixa salarial

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)

de R$ 780 por mês, em valores da época, ou mais de R$ 900, tomandose o valor atual do salário-mínimo).

REBAIXAMENTO Os números mostram que o crescimento do emprego, no trimestre, deu-se às custas do sacrifício daqueles que ganhavam ligeiramente acima da média nacional. Mais claramente, as empresas cortaram vagas ocupadas por trabalhadores com salários mais elevados para recontratar empregados com rendimentos menores, o que vem determinando um avanço mais lento para a renda das pessoas ocupadas no setor formal da economia (com carteira assinada) e, portanto, influenciando negativamente o ritmo da atividade econômica.

“As empresas terminam demitindo pessoas com salários entre R$ 2 mil e R$ 3 mil mensais para contratar pessoas com salários em torno de R$ 350 a R$ 450”, declarou o economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Márcio Pochmann, ouvido pela repórter Keite Camacho, da Agência Brasil. Como resultado, apontou Pochmann, a renda não consegue acompanhar o ritmo de avanço do Produto Interno Bruto (PIB), que mede o total de riquezas produzidas pelo país.

DESAQUECIMENTO Vista de outro ângulo, essa prática das empresas vem contribuindo para desaquecer a economia e ajuda a explicar, parcialmente, a virtual

paralisação observada nos primeiros meses deste ano. Em maio, o total de empregos criados no mercado formal caiu para 212,45 mil, o que representou uma redução de 20,2% em relação a abril e de 27,2% frente ao mesmo mês do ano passado. No acumulado de janeiro a maio de 2005, o saldo de novos empregos atingiu 770,77 mil, menos 6,8% em relação aos primeiros cinco meses de 2004 (826,76 mil). Na indústria paulista, pela primeira vez em 17 meses, o nível de emprego registrou pequeno recuo (menos 0,06%) entre maio e abril deste ano, refletindo o desaquecimento geral observado na economia. Nos quatro primeiros meses de 2005, o setor abriu 50,1 mil empregos novos ou 38,5% menos do que as 81,5 mil vagas criadas em idêntico período de 2004. O comportamento das empresas, conseqüência da política de juros altos, que desestimula investimentos e reduz as chances de crescimento, vem ditando um novo perfil para o mercado de trabalho, com achatamento progressivo dos rendimentos médios. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2002, ao redor de 37,5% das pessoas ocupadas ganhavam até dois salários-mínimos. Neste ano, até março, aquele percentual saltou para 50,7%.

ONDE ESTÁ O DINHEIRO

Produtores querem novo perdão de dívidas A RENDA NO CAMPO Receita bruta da venda de produtos agrícolas, em R$ bilhões

OS RALOS DA ECONOMIA

Neste momento, os produtores rurais preparam um novo protesto, um “tratoraço” rumo a Brasília, para exigir que o governo refinancie, isto é, adie o pagamento de suas dívidas pela quarta vez desde 1995, incluindo empréstimos já renegociados no passado e não pagos. Se, de um lado, há motivos concretos a justificar a movimentação, de outro, há muita choradeira pura e simples – um mau hábito do setor, que impede o dimensionamento real das crises no campo, quando elas acontecem de fato. Depois do Plano Real, lançado em julho de 1994, o governo escancarou a economia a importações de todos os tipos, além de baratear a compra de produtos estrangeiros ao congelar o valor do dólar. O resultado foi uma enxurrada de importações, que penalizou indústrias e causou estragos severos no campo, ao achatar as receitas dos produtores. Ao mesmo tempo, acabou-se com o sistema de crédito a juros baixos para a agricultura – prática adotada mundialmente para reduzir o custo da alimentação para a população. O governo literalmente abandonou o setor à própria sorte, ao abolir as políticas de compra da produção excedente, um mecanismo utilizado também nos países mais ricos para evitar crises na agricultura. Havia um problema real, que obrigou o governo a concordar com a renegociação das dívidas de grandes, médios e pequenos produtores. Um levantamento feito pela Comissão de Agricultura da Câmara de Deputados, divulgado pelo jornal Valor Econômico, mostra que grandes e médios agricultores conseguiram adiar o vencimento de uma dívida de R$ 25,55 bilhões entre 1997 e 2002, em sucessivas renegociações.

Período

Valor bruto da produção agrícola Variação anual (%)

1999

44,798

-3,0

2000

49,407

+10,5

2001

57,899

+17,2

2002

86,958

+50,2

2003

112,028

+28,8

2004

124,757

+11,4

97,747

-21,7

2005 *Previsão

Fonte: Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

DÍVIDAS EM ATRASO Produtores deixam de pagar o que devem a bancos e programas federais, em R$ bilhões Origem

Dívida total (1)

Parcelas não pagas (2)

Percentual dos atrasados (2/1)

Médios produtores

13,13

6,04

46%

Grandes produtores

12,42

1,46

11,8%

Fundos constitucionais*

6,90

2,70

39,1%

Agricultura familiar

2,65

0,30

11,3%

Produtores de café

1,00

1,00

100%

Produtores de cacau

0,30

0,30

100%

Prodecer**

0,45

0,45

100%

36,85

12,25

Total

33,2%

(*) Fundos criados pela Constituição para financiar investimentos nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste e, assim, redistribuir riquezas e descentralizar o crescimento econômico (**) Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, implantado em parceria com o governo japonês em áreas de Goiás, Minas Gerais e Tocantins Fonte: Valor Econômico/Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados

Além desses débitos, os agricultores têm ainda a pagar R$ 11,3 bilhões a programas oficiais (como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, fundos de financiamento a produtores de café e cacau e os fundos constitucionais do Centro-Oeste, Norte e Nordeste). (Esses fundos regionais foram criados pela Constituição para financiar investimentos nas três regiões, promovendo a descentralização do crescimento da economia e a redistribuição de riquezas e da renda.) O estudo da comissão indica, ainda, que apenas grandes e médios agricultores deixaram de pagar, desde 1998, R$ 7,5 bilhões, o que representa pouco mais de 61% dos R$ 12,25 bilhões das dívidas em

atraso no setor rural. Tomando aquele total, o setor deixou de pagar um terço dos compromissos financeiros que foram parcelados pelo governo, num total de R$ 36,85 bilhões. O problema é que, ao contrário do que aconteceu com os consumidores em geral, a renda dos produtores cresceu aceleradamente entre 2000 e 2004, acumulando um salto de praticamente 180%. A receita bruta da agricultura, obtida com a venda de arroz, feijão, milho, soja, trigo, algodão, mandioca, batata, cebola, fumo, laranja, cacau, tomate, uva e outros produtos, pulou de R$ 44,7 bilhões em 1999 para R$ 124,8 bilhões no ano passado. Para 2005, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) projeta

uma receita de R$ 97,75 bilhões para o setor agrícola, 22% a menos do que no ano passado. Os produtores consumiram parte do ganho acumulado no período 1999-2004 na compra de terras, camionetes, mansões pelo interior do país. Uma outra parte foi direcionada para investimentos em máquinas (tratores e colheitadeiras), construção de armazéns e compra de insumos (fertilizantes, adubos, sementes, agrotóxicos etc.). O setor agrícola, além de se recusar a acertar as dívidas que venceram desde então, não fez reservas, não se programou para enfrentar dificuldades futuras (que acontecem ciclicamente na agricultura). O perdão indiscriminado de dívidas, neste momento, com nova renegociação geral de débitos e empréstimos atrasados, portanto, não se justifica. Compare-se, agora, a situação da agricultura com o que ocorreu com os consumidores em geral. Em meio à crise gerada pelo avanço do desemprego e achatamento dos salários no começo da segunda metade dos anos 90, o consumidor deixou de pagar carnês e prestações do crediário, o que elevou a taxa de inadimplência (ou seja, de pagamentos em atraso) para níveis recordes, com quase 5 milhões de carnês não pagos apenas na região da Grande São Paulo. Desde lá, ele se desdobrou para colocar suas contas em dia, a despeito de uma crise persistente no mercado de trabalho. Entre 1997 e o ano passado, como já mostrou Brasil de Fato, o consumo total das famílias sofreu uma perda de 12% (ou R$ 132 bilhões a menos). Parte dessa redução pode ser explicada pela queda na renda dos trabalhadores e assalariados. Outra parte explica-se em função de um esforço do consumidor para honrar as dívidas em atraso. Mais claramente, para pagar aquelas dívidas, as famílias restringiram seu consumo, privaram-se de viagens, lazer e mesmo de produtos essenciais para reconquistar o direito, mais adiante, de tomar novos empréstimos e voltar a investir no próprio consumo. Sem qualquer socorro oficial (ao contrário, a política econômica continuou arrochando sua renda). (LVF)


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De 23 a 29 de junho de 2005

NACIONAL SITUAÇÃO DE PENÚRIA

Nem à saúde os pobres têm direito O Estado descumpre a Constituição, enquanto continuam morrendo crianças e mães por falta de atendimento adequado

O

sofrimento de Aparecida Menegaldo começou em março de 2005, quando descobriu que seu marido estava com câncer. Ao diagnosticar que João Inocêncio Menegaldo tinha linfoma (câncer no sistema linfático), o médico o encaminhou para um tratamento de quimioterapia. Dia 18 de março, a família pediu autorização para o tratamento ao Sistema Único de Saúde (SUS), que só foi concedida em 15 de junho. “A espera é terrível. Enquanto a doença vai evoluindo, a gente fica sem saber o que fazer, nem a quem recorrer”, disse Aparecida, enquanto aguardava, apreensiva, a aplicação da primeira sessão de quimioterapia do marido, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Ela conta que Menegaldo é feirante, e não tem como pagar um seguro saúde. “Quem não tem dinheiro para pagar tratamento particular, tem que se submeter a cada coisa... E os médicos e enfermeiros que atendem a gente falam que falta tudo, que os hospitais não têm verba suficiente”, afirma a dona de casa.

condições de pobreza e de dificuldades de acesso a serviços de saúde de boa qualidade, e de saneamento do meio ambiente. Essas condições causam deficiências nutricionais e aumentam o risco de contágio de doenças transmissíveis em crianças, assim como afetam a saúde das mães, e podem levar à morte durante a gravidez, o parto e o período de amamentação do recém-nascido.

Luciney Martins/ BL 45imagem

Anamárcia Vainsencher e Tatiana Merlino da Redação

MÃES E FILHOS

O grupo de mulheres de Cajati saiu de casa de madrugada e pernoitou na fila para passar pela triagem

também estava na Santa Casa um grupo de mulheres vindas de Cajati, município da região do Vale do Ribeira, Estado de São Paulo. Transportadas por uma condução da prefeitura da cidade, o grupo saiu de casa de madrugada, e pernoitou na fila para passar pela triagem. Nair Bento, de 63 anos, contou que a primeira vez que foi à Santa Casa, ficou na fila de 1h30 às 10h, para passar pela triagem. Desde então, a zeladora aposentada perdeu as contas de quantas vezes veio à capital. Em Cajati, os

DE LONGE Antes, diante da demora do atendimento, ela pensou em fazer uma “vaquinha” entre os parentes para Menegaldo fazer a primeira sessão do tratamento. Foi quando resolveu se queixar à Ouvidoria do SUS. “Aí, logo em seguida, o tratamento foi autorizado, não sei se por coincidência, ou não”. Na mesma manhã do dia 18,

hospitais não têm equipamentos, o que obriga os necessitados a viajar 230 quilômetros para terem atendimento de saúde. De acordo com Rosa Maria Marques, professora titular de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o atendimento deixa a desejar, porque a verba destinada à saúde é insuficiente. “Ela não tem prioridade. Se o dinheiro que se gasta para pagar os juros da dívida, por exemplo, fosse destinado à saúde, esse tipo de coisa não aconteceria”.

FORA-DA-LEI Além disso, ela defende o cumprimento da Emenda Constitucional nº 29. Promulgada em 2000, após longa batalha da sociedade civil, o texto obriga Estados e municípios a investir um percentual mínimo de sua arrecadação na saúde pública. No entanto, dados do Ministério da Saúde mostram que os entes federativos não cumprem a lei. Em 2003, o percentual destinado à saúde era, em média, 11% da receita. No geral, dos 5.539 municípios sobre os quais o Ministério da Saúde tinha dados, 58,8% (3.255) cumpriram a lei, enquanto os demais 41,2% a ignoraram: 592 municípios investiram abaixo do previsto; 1.621 não prestaram contas referentes àquele ano (o que também é uma exigência da

A SAÚDE •A taxa de mortalidade infantil brasileira estimada para 2002 é de 25,1 por mil. •Essa taxa vem caindo nas últimas décadas, principalmente por conta da queda na mortalidade infantil pós-neonatal. •A taxa de mortalidade materna estimada para 2002 é de 73,1 por 100 mil nascidos vivos. Fonte: Ministério da Saúde/Ipea

Emenda 29); e 71 nunca prestaram contas. Pior é a situação dos Estados: nenhum apresentou suas contas de 2003 e, pelos números de 2002, 16 dos 27 governadores (59,3%, portanto) aplicaram menos do que deveriam em saúde pública.

DESIGUALDADE Mesmo que a Constituição de 1988 estabeleça que: “A saúde é um direito de todos e um dever do Estado”, o Brasil é desigual até nas doenças, informa o “Radar Social” do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), divulgado dia 1º de junho. Os problemas que o Ipea mostra, põem a nu as desigualdades e os contrastes entre os distintos grupos de renda, populacionais e das regiões do país. Os principais problemas de saúde no país podem ser medidos por seu impacto na mortalidade geral da população, bem como a sua importância para a promoção dos direitos humanos e da justiça social. Nesse sentido, são três os problemas que podem ser destacados: as elevadas taxas de mortalidade infantil e de mortalidade materna, a crescente elevação da taxa de mortalidade por doenças não-transmissíveis e a elevada taxa de mortalidade por acidentes e violência. As altas taxas de mortalidade infantil e materna decorrem de

Em 2002, segundo a Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa), a taxa de mortalidade infantil (número de óbitos de crianças de menos de 1 ano de idade por mil nascidas vivas) era de 20,1 no Brasil, porém de 37,7 no Nordeste. Na pequena Costa Rica, aquela taxa é de 10 por mil, e em diversos países da Europa, de 6 por mil. No mesmo ano, de acordo com a Ripsa, a taxa de mortalidade materna era de 73,1 por 100 mil nascidos vivos. Na Costa Rica, de 25, no Canadá, de 3,8 por 100 mil. No Brasil, as principais causas da elevada taxa de mortalidade materna são hipertensão arterial, hemorragias, infecções no pós-parto e complicações relacionadas ao aborto. A mortalidade de crianças e mães é conseqüência direta às condições de assistência pré-natal, ao parto e ao monitoramento do processo de desenvolvimento e crescimento da criança nos seus primeiros quatro anos de vida. Na década de 90, houve redução significativa da mortalidade, graças à cobertura vacinal e ao impacto de procedimentos simples de saúde, capazes de evitar mortes por diarréias e infecções respiratórias agudas. As diarréias infantis são em boa parte provocadas por abastecimento inadequado de água potável. Comparado a outros países, o Brasil tem indicadores de saúde pouco favoráveis, de acordo com o “Radar”. Para a professora Rosa Maria Marques, a pesquisa mostra a complexidade da realidade brasileira. De um lado, a mortalidade infantil e materna, resultantes da pobreza, problemas não atendidos pela saúde pública. De outro, aumentam as mortes por câncer e problemas circulatórios, doenças típicas de países ricos. Ela avalia que, como a população e os problemas de saúde não são homogêneos, a solução é mais difícil. “Temos que atacar em todas as frentes”, finaliza.

Shaynna J. Pidori de Custódia (PE) A primeira vez em que a agricultora e moradora da zona rural de Custódia (Pernambuco), Maria Irene da Silva, fez o exame preventivo de câncer do colo uterino foi em 2003, aos 43 anos. Diagnóstico: um carcinoma em estado avançado no útero. Sem a opção de tratamento adequado na região, ela foi obrigada a se tratar no Recife, a 340 quilômetros de distância. Maria Irene é apenas um dos inúmeros casos que retratam a precariedade da saúde pública na zona rural do Nordeste. De acordo com as normas das organizações mundiais de saúde, de 25 a 59 anos, as mulheres devem fazer o exame preventivo anualmente. Diante desse quadro, o grupo de teatro Loucas de Pedra Lilás, o Movimento de Trabalhadoras Rurais Pólo Sindical Sertão Central de Pernambuco, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de PE (Fetape) e a Rede Feminista de Saúde-PE promoveram, este mês, uma série de manifestações

Priscila Néri

No sertão, faltam cuidados elementares

Pernambuanas exigem melhoras no atendimento da saúde pública da mulher

artísticas e audiências públicas nas Câmaras de Vereadores de sete cidades do interior pernambucano.

REIVINDICAÇÕES A campanha, que tem o objetivo de melhorar o atendimento da saúde pública da mulher nos municípios do sertão central pernambucano, co-

meçou no dia 30 de maio, em Custódia (30 mil habitantes). Quarenta trabalhadoras rurais participaram da passeata e debateram com o prefeito Nemias Gonçalves de Lima (PP) e com o secretário de saúde, José Wilson Figueiredo, os problemas na saúde pública municipal. Ivaneide de Lima Tenório,

agente comunitária de saúde e sindicalista, pediu transparência no orçamento da saúde. Acompanhando todo o debate de pé, segurando um cartaz com as palavras: “Por que tenho que morrer? Porque sou mulher? negra? trabalhadora rural?”, Maria Irene dizia, com olhar triste: “Se nós, mulheres, não exigirmos mais atenção à saúde, quem vai cuidar das trabalhadoras rurais?” Com o recurso de alegorias teatrais, as manifestações percorriam as principais ruas das cidades com as mulheres vestidas de sertanejas, carregando grandes cruzes com penduricalhos que representam símbolos femininos. Os atos foram realizados em Santa Cruz da Baixa Verde (31 de maio), Serra Talhada (1º de junho), Salgueiro (2 de junho), Mirandiba (3 de junho), Flores (6 de junho) e Calumbi (7 de junho).

PARTICIPAÇÃO Segundo a coordenadora do grupo de teatro Louca de Pedra Lilás e representante da Rede Feminista de Saúde-PE, Regine Bandler, a campanha foi um su-

cesso e mais de 250 trabalhadoras rurais participaram dos debates e manifestações. “Formamos comissões de mulheres que irão acompanhar os trabalhos dos responsáveis da saúde dos respectivos municípios. Isso dará seqüência à campanha que propõe estabelecer um diálogo democrático entre gestores e trabalhadoras rurais”, informa Regine. Em Serra Talhada, a ativista diz que sentiu as trabalhadoras rurais tensas, com medo que o debate ganhasse uma figuração partidária. “Foi onde mais encontramos dificuldades de obter respostas a nossas questões”, afirma Regine. A secretária municipal de Saúde, Carla Milene Sousa Lima, diz que embora existam 12 postos de saúde na zona rural, seus serviços são pouco divulgados, e apenas 25% do atendimento de saúde é público. “Não podemos fazer nada em relação à ampliação do atendimento, pois o orçamento não contempla a expansão da rede municipal. Vamos divulgar nas rádios locais os horários de atendimento”, afirma.


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NACIONAL MILITARIZAÇÃO

General alerta: a Amazônia corre perigo Lessa acredita que região será, no futuro, o principal foco de conflitos do Brasil e não descarta invasão estrangeira

Brasil de Fato – A visita da secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, ao Brasil esteve inserida também no contexto da cobiça da potência hegemônica pela Amazônia? General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa – Tudo é possível. A Amazônia sofre uma pressão muito grande internacionalmente. Essas pressões têm se modificado. Recentemente, nós vimos a declaração contundente desse senhor francês Pascal Lamy de que as florestas tropicais (e o Brasil é o maior detentor de florestas tropicais no globo) deveriam constituir em “um bem público mundial”, propondo uma governança global desses bens. Trata-se de uma nova roupagem do chamado “patrimônio da humanidade”. Essa expressão é muito cara particularmente aos europeus quando se referem à Amazônia. E mesmo também para os estadunidenses. A expressão é uma forma de dizer que a Amazônia não é do Brasil e pertence ao patrimônio da humanidade. Dentro deste contexto, vemos que a pressão nunca acabou. Hoje, é mais sutil e mais forte. BF – Uma comissão de militares do Exército brasileiro foi ao Vietnã com o objetivo de estudar a resistência popular ao invasor estrangeiro, no caso estadunidense, na década de 60 e 70, e francês, no início dos anos 50. O que o senhor acha desse fato? Lessa – Nós tivemos uma delegação de oficiais brasileiros no Vietnã, logicamente autorizada pelo governo brasileiro, para observar a experiência que o país teve na luta contra um inimigo muito mais forte, no caso os Estados Unidos. É bom notar o seguinte: o Exército brasileiro já tem desenvolvido, em especial para adaptar as Forças Armadas que atuam na Amazônia, uma doutrina que se chama a “doutrina da resistência”. Essa doutrina é o reconhecimento de que nós não temos – e o militar por características de formação tem que ser realista – efetivos militares para enfrentar uma potência de primeiro mundo. Não temos. Então, precisamos montar uma estrutura que permita desestimular aventuras em

Prioridade do Exército agora é marcar presença no norte do país, sobretudo na região da Amazônia

cima do Brasil. Desenvolvemos na Amazônia a doutrina da resistência que é exatamente a participação popular, a participação das Forças Armadas atuando como forças irregulares, não só guerrilha, mas sabotagens, terrorismo, e todos os atos chamados irregulares para desgastar enormemente esse provável inimigo. É mais ou menos o mesmo conceito que nos liderou na época das guerras contra os holandeses. Eles eram a primeira potência do mundo militar. Levamos 30 anos para expulsá-los, mas expulsamos. BF – O senhor acha possível uma invasão estadunidense? Lessa – Não acredito. Primeiro, não há um clima. Ninguém invade um país se não houver um quadro político que dê a moldura e que motive a opinião pública mundial de que aquele país precisa ser invadido. Um exemplo é o Iraque. Houve uma preparação mundial de que existiam armas de destruição em massa etc, etc. Esse motivo é artificial. No caso brasileiro, é uma ameaça que se põe nos nossos horizontes político, social e, particularmente, às nossas futuras gerações. BF – E as bases estadunidenses em volta do Brasil? Lessa – O Brasil nunca cederá seu território para bases estadunidenses. Só cedemos parte do território brasileiro para bases no esforço de guerra contra o nazifascismo. E logo que terminou a 2ª Guerra, houve o empenho de imediatamente recuperarmos essas áreas, não deixando que isso se prolongasse. BF – Como estão os efetivos do Exército brasileiro na Amazônia? Lessa – Não é de hoje, mas as Forças Armadas, em especial o Exército, viram que a Amazônia é a prioridade do país. Tradicionalmente, pela formação da nossa história, tivemos vários embates no sul que herdamos do conflito português-espanhol. Herdamos esses conflitos em torno da Colônia do Sacramento, de problemas de navegação do Rio do Prata. Assim, a pressão no sul do Brasil sempre foi muito grande. Mas de uns 15, 20 anos para cá, começou uma tendência de inverter o pólo. No sul, tudo concorre para a paz, a partir de uma plena integração econômica e social que nós fazemos. Cada vez mais nós vamos aos nossos vizinhos, nossos vizinhos nos visitam. Mas ao norte, não.

Há uma orientação no Estado Maior do Exército de diminuir os efetivos militares no Rio de Janeiro, desconcentrar tropas do Rio de Janeiro e levá-las para a Amazônia. O Comando dessa tropa já está lá, em São Gabriel da Cachoeira. E as unidades já estão em processo de deslocamento. São cerca de três mil homens, com uma característica muito especial: esse pessoal volta-se particularmente para os nossos Noroeste e Oeste, para a Cabeça do Cachorro. Portanto, particularmente voltado para a Colômbia e uma parte para a Venezuela, mas muito mais para a Colômbia do que para a Venezuela. A prioridade do Exército e das Forças Armadas é a Amazônia. A Força Aérea está criando mais bases aéreas lá. E a Marinha vem aumentando o seu efetivo militar, também, na Amazônia Ocidental, com sede em Manaus. Ou seja, as três Forças sabem que problemas futuros do Brasil estarão na Amazônia.

possui 20% da água do mundo, a imensa maioria na Amazônia, apesar de termos regiões de seca. O mundo é faminto de água, um bem escasso. Acredito que vamos ter guerras por água no futuro. E o Brasil precisa ter força e diplomacia suficiente para resistir às pressões que serão feitas. Há dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de que, daqui 30 anos, metade da população mundial não terá necessidades mínimas de água para sua sobrevivência. Quatro bilhões de pessoas sem água e o Brasil com muita água! Como é que vamos fazer? Essa bomba vai estourar nas mãos dos jovens. O Aqüífero Guarani é o maior do mundo, começa por baixo de Paraná, Santa Catarina, entra no Rio Grande do Sul, Argentina, Paraguai e ainda pega o Uruguai. A maior parte desse aqüífero está no Brasil. Diz-se que tem água suficiente para 200 anos. Com essa enormidade de água que nós temos no Brasil, ainda que não bem distribuída, a pergunta que se faz é a seguinte: vamos ter força para impedir que essa água nos seja tirada sem o nosso consentimento? A água vai ser mais importante que o petróleo dentro de 20 ou 25 anos.

BF – E a Tríplice Fronteira? O senhor não vê uma grande cobiça internacional, sobretudo dos Estados Unidos, pelo Aqüífero Guarani? Lessa – A partir do 11 de Setembro de 2001, a região da Tríplice Fronteira entrou nesse esquema como área que poderia estar recebendo terroristas palestinos. Todas as averiguações conduzidas pelo Brasil não provam isso. É uma pressão que, sem dúvida nenhuma, os EUA têm levantado mais de uma vez, mas têm encontrado sempre a repulsa da diplomacia brasileira. O Brasil

Quem é

BF – O senhor não acha que temos que fazer a proteção sobre o uso de nossa água constar na Constituição, como fez o Uruguai depois de um referendo? Lessa – Podemos chegar a isso. Ninguém abre mão das suas águas. Nós estamos vivendo um momento em que grande parte da água brasileira está em mãos

Lucy Carneiro

O

presidente do Clube Militar, general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, concedeu longa entrevista ao Brasil de Fato na sede da Associação Brasileira de Imprensa. O general fez uma radiografia sobre a atuação do Exército brasileiro. Hoje, a prioridade passa a ser a Região Norte – e não mais o Sul do país, como era até bem pouco tempo. Lessa admite que a Amazônia é cobiçada internacionalmente, sendo que a mais recente investida foi feita por Pascal Lamy (francês, ex-comissário do comércio da União Européia e eleito recentemente diretor-geral da Organização Mundial do Comércio) ao afirmar que as florestas tropicais deveriam se constituir em “um bem público mundial”. O general faz, ainda, duras críticas à entrega das reservas petrolíferas e de gás para as transnacionais – política que vem sendo adotada desde o governo anterior e seguida pelo atual. Em outubro, o governo quer realizar a sétima rodada de licitação para exploração de gás e petróleo, entregando às transnacionais o controle de nossos recursos estratégicos, uma política suicida, segundo o general.

de empresas privatizadas, nacionais ou estrangeiras. É privatização de hidrelétrica, entre outras coisas, há que se ter no futuro um plano de governo sobre isso, porque continuar privatizando é uma política perigosa.

Benonias Cardoso/Folha Imagem

Mário Augusto Jakobskind e Jesus Antunes do Rio de Janeiro (RJ)

General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa preside desde 2002 o Clube Militar, cargo para o qual foi eleito duas vezes. Seu mandato acaba em 2006. Esteve na ativa do Exército brasileiro durante 39 anos, tendo participado, como 2º tenente, do Batalhão Suez, das forças de paz dos capacetes azuis das Nações Unidas, em 1958 e 1959, na área de fronteira entre Israel e os territórios palestinos de Rafah, Faixa de Gaza, na Península do Sinai. Entre 1998 e 1999, foi o chefe do Comando Militar da Amazônia e, em 2000 do Comando Leste. Serviu ainda nos gabinetes do último presidente militar no Brasil, no governo do general João Batista Figueiredo e do presidente José Sarney.

BF – Em relação ao petróleo e ao gás, o que o senhor pensa das licitações marcadas para outubro pela Agência Nacional de Petróleo? Há tempo para impedi-la? Lessa – Tempo há, mas eu acho que não há vontade política. Falta um clamor popular para isso. O povo é mal informado, o povo não é motivado para isso. Alguns segmentos brigam contra as licitações, mas a política do governo atual, infelizmente, não é essa. Vejo a política do governo como um suicídio, a médio prazo. Porque o nosso petróleo é escasso. Pesamos pouquíssimo no mercado internacional de petróleo, não chegamos nem a 1%, mas no entanto o que temos é vital para nós. Nós temos reservas mensuradas, em grandes números, nos dá uma previsão de 20 anos. Isso se nós continuarmos com o nível de consumo atual, mas se amanhã tivermos um PIB crescendo um pouco mais, e não tivermos descoberto mais reservas? Todos sabem que o petróleo está em fase de esgotamento. Hoje, já se descobre menos petróleo do que se consome. Então, na realidade, o petróleo tem que ser reservado para um bem mais nobre. É um absurdo isso. Mas enfim, é o que estamos vendo. Então, o Brasil ainda não é auto-suficiente. Temos pouco petróleo. Temos pouca influência em nível mundial no tocante à reserva de petróleo e por que permitir que empresas estrangeiras explorem o nosso petróleo? E pior: que exportem! Explorar para consumo interno até admito. Agora, explorar o petróleo para depois exportálo... Aí é que é uma política suicida. O que eu falo do petróleo, serve também para o gás. Nós temos grandes reservas de gás, estamos descobrindo grandes reservas de gás no mar territorial brasileiro. Agora, permitir com a sétima licitação que está vindo aí que esse gás seja explorado por companhias estrangeiras, e exportados, é um absurdo. E é não estar dentro do mundo globalizado que vivemos hoje. É não enxergar o que está acontecendo no mundo. BF – Como tem sido o comportamento da grande mídia no Brasil? Lessa – Infelizmente, a grande mídia não tem abordado os grandes problemas nacionais. É difícil encontrarmos os grandes problemas nacionais abordados sem parcialidade. É difícil entender, por exemplo, por que não encontramos defensores do petróleo. Não vemos quase nada pela preservação de recursos minerais brasileiros. E quando vemos, é a favor de transnacionais, pela abertura do setor. Eu diria que a política dos EUA não é entrar na América Latina, mas sim onde tiver energia. Os EUA têm reserva de petróleo para três a quatro anos; nós temos 20 anos. Você pode imaginar mais de 200 milhões de norte-americanos ficando sem o seu carro, sem o seu aquecimento no inverno, sem a sua refrigeração no verão? Então, eles vão buscar onde estiver. Eles já estão no Iraque, no Afeganistão, já estão falando em Irã, já estão na Arábia Saudita, agora estão indo para a África. E vão buscar energia onde tiver. Participou José Carlos Moutinho


Ano 3 • número 121 • De 23 a 29 de junho de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO HAITI

Missão da ONU está fadada ao fracasso João Alexandre Peschanski da Redação

Agência Brasil

Há um ano no país caribenho, soldados estrangeiros não conseguem melhorar a situação da população por correio eletrônico, ela defende a criação de conselhos que permitam à população expressar sua posição sobre a estratégia e a atuação das tropas. “As tropas deveriam estar sob o controle da sociedade. O objetivo deveria ser reconstruir o país, não servir de palco para governos ganharem pontos no cenário internacional”, afirma Agathe. Segundo Conselho de Segu- ela, a Minustah rança da Organié usada como zação das Nações instrumento Unidas – Grupo político pelos de países com a que responsabilidade de governos orientar a política de participam da paz da ONU. Tem 15 i n t e r v e n ç ã o, membros: dez são como o Bratemporários e cinco (China, Estados sil. Para ela, o Unidos, França, Grãgoverno braBretanha e Rússia), permanentes. Estes sileiro aceitou últimos têm o poder o comando da de vetar qualquer Missão para proposta. ganhar um cargo permanente no Conselho de Segurança da ONU.

A

Apesar dos 379 milhões de dólares gastos pela ONU em intervenção militar no Haiti, a insegurança reina no país

CLIMA DE INSEGURANÇA ser substituído. Ele reclama que os bilhões de dólares prometidos pelos presidentes dos Estados Unidos e da França, George W. Bush e Jacques Chirac, para investimentos em infra-estrutura e serviços no Haiti, principalmente para o noroeste do país, não foram enviados. A Minustah sofre de um mal inerente a missões da ONU: não

France Presse

Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) podia ser bem pior. Deslocados para o país caribenho em junho de 2004, os 8.837 funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU) – 6.207 soldados, 1.288 policiais, 800 integrantes locais, 408 especialistas estrangeiros e 134 voluntários – não realizam uma ocupação como a que os Estados Unidos mantêm no Iraque desde 2003. No Haiti, os militares, comandados pelo general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira, não atacam grupos considerados rebeldes à intervenção e não impõem sua ordem. Seus comandantes, em declarações oficiais e entrevistas coletivas, se esforçam em ressaltar o caráter humanitário da Minustah. As boas intenções, entretanto, não bastam. O prazo da Missão expira em 24 de junho e, mesmo se prorrogado, o balanço é absolutamente negativo. Os objetivos, ambiciosos, não foram atingidos (veja o quadro abaixo). Os 379 milhões de dólares gastos com a Minustah não levaram a mudanças fundamentais na situação do Haiti. Em protestos e manifestações populares, a população do país satiriza a atuação das tropas. Insatisfeito, Pereira pediu para

Haitianos acusam a Missão das ONU de ser instrumento político do Brasil

surte efeito. A avaliação é de Béatrice Pouligny, cientista política francesa que estuda os impactos de intervenções militares multinacionais. Em entrevista ao Brasil de Fato por correio eletrônico, ela critica o distanciamento dos soldados em relação à população e a instituições locais. “As missões não criam a paz por si. Devem, sendo um ator externo, ter um papel de alavanca social e estimular a sociedade a se estruturar”, explica. No Haiti, relatórios apontam a existência de um abismo entre os funcionários da ONU e a população. Em 15 de junho, a Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH), da qual participam dezenas de movimentos sociais, divulgou um balanço da situação geral da sociedade haitiana em 2005. Afirma o relatório: “A Minustah está longe de realizar seus objetivos. Nenhuma campanha de desarmamento foi realmente lançada e os soldados não mostram engajamento no combate à insegurança e violência”. Béatrice acredita que os funcionários de missões, como a Mi-

Histórico de erros A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), criada em 2004, é a quinta que intervém no país desde 1993. Antecederam-na a Missão das Nações Unidas no Haiti, de 1993 a 1996, a Missão das Nações Unidas para o Auxílio no Haiti, de 1996 a 1997, a Missão das Nações Unidas para a Transição no Haiti, em 1997, e a Missão das Nações Unidas de Polícia Civil no Haiti, de 1997 a 2000. De acordo com avaliação da cientista política francesa Béatrice Pouligny, todas as operações fracassaram: “Do ponto de vista militar, as missões não tiveram força coercitiva e não realizaram campanhas efetivas de desarmamento. Do ponto de vista social, as condições da população haitiana não melhoraram”. A última missão, encerrada em 2000, foi voltada especificamente à formação e profissionalização da Polícia Nacional Haitiana (PNH). Em declarações oficiais, integrantes da Minustah criticam a atuação da PNH, que julgam despreparada. Béatrice explica o fenômeno: “Quanto mais missões se sucederem, e mais houver falta de contato com a população, mais persistirá a impressão de que tudo tem que recomeçar do zero”.

nustah, não estão à altura de seus objetivos. Segundo ela, os países que formam o contingente não estão dispostos a arriscar a vida de seus soldados para proteger a população haitiana. “Trazer segurança a uma região muitas vezes se limita a constatar que tal vilarejo foi queimado ou que tal massacre foi cometido”, comenta. De acordo com dados da Minustah, cinco militares morreram desde o início da intervenção.

NOVA YORK DECIDE Prorrogação da permanência da Minustah, substituição de Pereira, definição de novos objetivos da missão – as decisões, fundamentais para o futuro haitiano, vão ser tomadas em Nova York, Estados Unidos. Na cidade, está a sede do Conselho de Segurança da ONU, responsável pela criação da Minustah. De acordo com Agathe JeanBaptiste, do Movimento Camponês de Papaye, principal organização do Haiti, o povo haitiano, que é o principal interessado, não participa da orientação da Missão. Em entrevista ao Brasil de Fato

Enquanto a política sobre o futuro da Minustah não se define, a população espera. E a situação não melhorou. De março a abril, de acordo com o relatório da RNDDH, 212 pessoas foram assassinadas. Os números são considerados inferiores à realidade. A Organização Médicos Sem Fronteiras, que atua no Haiti, calcula que 600 pessoas tenham sido mortas de modo violento nesse período. Nas principais cidades haitianas, onde estão alocadas tropas estrangeiras, a corrupção corre solta nos altos escalões do governo. O relatório da RNDDH diz que prefeitos e assessores se acusam publicamente de desvio de fundos públicos e roubo. No entanto, continua, não há investigação. O país, o mais pobre do hemisfério ocidental, está na mesma crise econômica do que no início da intervenção da Minustah. Um relatório elaborado pelo Centro de Estudos de Direitos Humanos da Escola de Direito da Universidade de Miami, Estados Unidos, aponta que o desemprego no Haiti atinge cerca de 80% da população.

GRANDES PLANOS, PÍFIOS RESULTADOS A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) foi formada em 1º de junho de 2004, com base na resolução 1542 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). No documento, redigido em 30 de abril do ano passado, a justificativa da operação é: controlar a situação no país caribenho, que “constitui uma OBJETIVOS

ameaça para a paz internacional e a segurança da região”. Leia abaixo os objetivos da Minustah e a situação atual no país caribenho, analisada com base em relatórios do Centro de Estudos de Direitos Humanos da Escola de Direito da Universidade de Miami, Estados Unidos, e da entidade Anistia Internacional, publicados em 2005. (JAP) SITUAÇÃO ATUAL

Garantir um ambiente social estável

O Haiti é o país mais pobre do hemisfério ocidental. O general da Minustah, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, considera esse o principal problema haitiano. Não tem, entretanto, meios para combater a pobreza da população.

Reestruturar a Polícia Nacional Haitiana

Os policiais haitianos, treinados pelos soldados da Minustah, realizaram diversos massacres. Não respeitam os direitos de suspeitos e prisioneiros.

Desarmar a população

Com pouco apoio financeiro e pouco preparo – como falta de conhecimento do crioulo, idioma falado pelos haitianos –, as campanhas de desarmamento não surtiram efeito.

Proteger civis

Nas cidades, há muitos crimes, como assaltos, estupros e homicídios. Na zona rural, milícias ligadas ao ex-presidente Jean-Bertrand Aristide semeiam o terror.

Apoiar a construção da democracia

O governo transitório, liderado pelo primeiro-ministro Gérard Latortue, está mais preocupado em manter relações cordiais com países ricos do que melhorar a situação política haitiana. A Minustah adota a estratégia de não intervir em questões do governo e de grupos políticos.

Estimular a conciliação nacional

Com pouco apoio financeiro, o braço civil da Missão, responsável pela criação de contatos com a sociedade, não articula a conciliação nacional, considerada pela ONU o principal meio de acabar com a crise no Haiti.

Contribuir na realização de eleições livres

A Organização dos Estados Americanos (OEA) tomou a responsabilidade de realizar os pleitos presidencial e legislativo, no final do ano, sem prestar contas à Minustah e à sociedade haitiana. Para a população, as eleições são uma incógnita.

Expandir a influência do Estado haitiano

As instituições públicas haitianas quase não existem. Em várias cidades, não há prefeitos. Sem respaldo institucional, a Missão não consegue ter uma influência direta ou indireta na formulação de políticas.

Promover e proteger os direitos humanos

O Haiti está em estado de alerta. A violência, em todas as formas, assola o país. A própria Minustah é acusada de violações, principalmente agressões à população.


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AMÉRICA LATINA MÉXICO

Zapatistas em alerta vermelho D

esde a tarde de 19 de junho, todos os escritórios, tendas, cooperativas artesanais e locais – com exceção das clínicas médicas – foram fechados nesta comunidade zapatista, em Oventic, México. Ali, estão localizadas a Caracol – São sede do Caraterritórios que concol Resistencia centram municípios y Rebeldía por autônomos. Atula Humanidad almente, existem cinco caracóis em e a Junta do funcionamento. Bom Governo Corazón Céntrico de loz Zapatistas Delante del Mundo. A situação é conseqüência do alerta vermelho geral decretado no dia 20 pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) em todo o seu território, na região de Chiapas, sul do México. Um letreiro visível com letras brancas sobre o fundo negro de uma tábua colocada na entrada de um caracol avisa os visitantes: “Fechado por alerta vermelho”. A mesma frase também estava em cartolinas pregadas nas portas de diferentes locais desse lugar, a começar pelo escritório da Junta do Juntas de Bom Bom Governo. Governo – São Esse tipo de uma espécie de procedimento órgãos populares de não ocorreu em consulta e administração, criados para nenhuma outra mediar a relação ocasião em que dos municípios autôo EZLN decrenomos e coordenar a prestação de tou publicaserviços (educação, mente alertas saúde, produção, vermelhos. A etc.). São compostas por representanúltima vez em tes dos municípios que tal posição autônomos. foi tomada foi em 22 de dezembro de 1997, quando se perpetrou a matança de 45 indígenas tzotzilles na comunidade de Acteal.

DESERTO Depois do comunicado do EZLN, jornalistas e integrantes de organizações não-governamentais (ONGs) que estavam em San Cristóbal se deslocaram até a comunidade localizada no município San Andrés Larráinzar, onde fica a sede da Junta do Bom Governo que atende aos

Subcomandante Marcos (ao centro) e integrantes do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) declararam “alerta vermelho” pela primeria vez em oito anos

municípios de Altos de Chiapas. Ali perceberam que, em contraste com os outros dias, quando era comum uma intensa movimentação no local, sobretudo na tenda cooperativa Che Guevara, o lugar estava deserto. Quase ao anoitecer, dois indígenas pegaram algumas caixas e móveis de madeira, mas se negaram a fazer comentários. Apenas disseram que as instalações haviam sido fechadas. Na parte do fundo, em um grande auditório de madeira com a imagem de Emiliano Zapata no alto, uma dezena de desconcertados observadores internacionais de países como Espanha, Bélgica, Suécia, Itália, França e Estados Unidos preparavam a comida. “Quando cheguei aqui à tarde, tudo estava fechado, não sei nada, ninguém falou conosco ainda”, comentou um dos internacionalistas, originário de Barcelona. “Impressiona-me o silêncio e a ausência de pessoas aqui”, acrescentou. Apenas a clínica hospitalar funcionava e ali se via algum movimento, com dois veículos estacionados em frente. Mas ninguém

“Ao povo do México; Aos povos do mundo” Trechos do comunicado do Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional 19 de junho de 2005

comentou nada. Estranhamente, a pequena porta de madeira da clínica, protegida normalmente por um zapatista, desta vez, estava aberta. Quem chegou até ali poderia entrar sem nenhum impedimento e percorrer o lugar em meio à neblina. Essa situação difere de outras ocasiões em que foram decretados também um alertas vermelhos: as entradas eram vigiadas estritamente, proibindo-se o acesso de estranhos. Até o dia 20, no entanto, na ca-

Comunicamos: Primeiro. Que nestes momentos serão fechados os Caracóis e os escritórios das Juntas do Bom Governo das comunidades de Oventic, La Realidad, La Garrucha, Morelia e Roberto Barrios. Segundo. Que está se procedendo a saída dos membros das distantes Juntas de Bom Governo e das autoridades autônomas para colocá-las sob proteção. Agora, e por tempo indefinido, realizarão seu trabalho de forma clandestina. Terceiro. Que nos distintos Caracóis continuarão a funcionar os serviços básicos de saúde comunitária. Quarto. Que serão chamados para as fileiras todos os integrantes do nosso EZLN que se encontravam fazendo trabalho social nas comunidades zapatistas. Serão suspensas por tempo indefinido as transmissões da rádio insurgente “A voz dos sem voz. Quinto. Que se exorta às sociedades civis nacionais e internacionais que se encontram em trabalhos de acampamento de paz e em projetos das comunidades para que abandonem o território rebelde ou, se for sua decisão livre e voluntária, permaneçam por sua conta e risco, concentrados nos chamados Caracóis. A saída é obrigatória para os menores de idade. Sexta. Que o EZLN anuncia o fechamento do Centro de Informação Zapatista (CIZ). Sétimo. Que o EZLN desvincula todas as pessoas e organizações civis, políticas, culturais, cidadãs, não governamentais, comitês de solidariedade e grupos de apoio de qualquer de nossas ações futuras. Agradecemos a todos e todas que, com sinceridade e honestidade, em estes quase 12 anos apoiaram a luta civil e pacífica dos indígenas zapatistas pelo reconhecimento constitucional dos direitos da cultura Democracia! Liberdade! Justiça!Das montanhas do Sudeste Mexicano. Subcomandante Insurgente Marcos.

trar veículos roubados. A Secretaria do Governo mexicano emitiu à noite um comunicado afirmando “categoricamente” que a “zona fronteiriça de Los Altos e la Selva de Chiapas estavam em plena normalidade”. Já o governo do Estado de Chiapas decidiu se abster de comentar o alerta vermelho do EZLN, com o argumento de que não teria elementos suficientes para avaliar essa posição. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)

Militares rondam a vizinhança Um dia após o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) reaparecer no cenário público depois de várias semanas de silêncio, o Exército nacional anunciou que destruiu 44 plantações de maconha “em três municípios da região de los Altos, no Estado de Chiapas, dentro da área de influência do grupo autodenominado EZLN”. No entanto, especialistas apon-

tam que nenhuma dessas cidades se destacam por “ter presença zapatista”. A operação foi realizada por um batalhão de infantaria, cavalaria, a Agência Federal de Investigação e a Polícia Setorial de Chiapas. A ação policial foi anunciada um dia depois de o EZLN divulgar uma carta do subcomandante Marcos criticando toda a classe política mexicana e dizendo que o

prefeito da Cidade do México, Lopes Obrador, (principal opositor do presidente Vicent Fox) é neoliberal. Marcos avisa também que terminaram os compromissos das Juntas de Bom Governo com os governos federal e estadual, pois as autoridades “não indenizaram, nem regularizaram, nem fizeram justiça nos poucos casos em que foi solicitada sua ação”. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)

VENEZUELA

Oficiais denunciam armação para matar Hugo Chávez da Redação

Irmãos e irmãs: A partir do dia de hoje, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) decreta, em todo o território rebelde, um Alerta Vermelho Geral

beceira de San Andrés, onde se realizaram os diálogos entre governo federal e o EZLN em 1995 e 1996, tudo transcorria aparentemente com normalidade. No acampamento militar da região, tampouco se observava movimentos. No trajeto de mais de 40 quilômetros desde San Cristóbal até Oventic não se viu presença militar nem policial, exceto em La Ventana onde oficiais municipais instalaram um posto de controle supostamente para encon-

Os militares venezuelanos decidiram anular o desfile militar de comemoração da Batalha de Carabobo, em 24 de junho, em função da descoberta de um plano para assassinar o presidente Hugo Chávez. O ministro de Defesa, Jorge Luis García Carneiro, e o general de Divisão Raul Baduel, confirmaram que as evidências apontam que é recomendável não expor o chefe do Executivo desnecessariamente. No lugar do tradicional desfile onde no século 19 se realizou a batalha decisiva para o processo de independência nacional, será feita uma parada militar no Forte Tiuna. É esperada a presença de Chávez. Segundo García Carneiro, “informações preocupantes” ao lado do fracasso dos Estados Unidos na Organização dos Estados Americanos (OEA) e acusações contra a Venezuela são indícios da possibilidade de um atentado contra Chávez. As autoridades venezuelanas descartaram a participação de militares da ativa nesse plano homicida, atribuindo essa iniciativa a grupos radicados no exterior, como ex-militares vinculados ao golpe de 2002, e grupos opositores internos. A tentativa de realizar uma ação

Marcelo Garcia

Elio Henriquez de Oventic (México)

France Presse/ Folha Imagem

EZLN recruta suas tropas regulares e determina a interrupção de parte dos trabalhos nas comunidades

Tentativa de assassinato seria resultado do desespero da oposição

criminal contra Chávez é considerada resultado do desespero dos setores da oposição, incapazes de derrotar a corrente encabeçada por Chávez por meio democráticos. Outros exemplos desse desespero são as derrotas em outras opera-

ções, como a reversão do golpe de Estado em 2002, o fracasso da paralisação petroleira de 20022003 e os esforços para criar uma situação de caos social para desestabilizar o país. (Prensa Latina – www.prensa-latina.com)


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INTERNACIONAL FÓRUM MEDITERRÂNEO

Desafios e obstáculos da integração Representantes de diferentes regiões tiveram de superar diferenças para construir uma plataforma comum de luta tratado. Mas há divergências sobre como agir. “Há ONGs que participam da plataforma civil do Euromed (Parceria Euro-Mediterrânea) e estão integradas no processo”, explicou Mônica Sabata. Nesse caso, disse ela, essas entidades não defendem o “puro e simples” rompimento.

Verena Glass

Marcel Gomes de Barcelona (Espanha)

A

primeira edição do Fórum Social Mediterrâneo, encerrada neste final de semana na Espanha, expôs, sem cortes, os desafios que estão postos à estratégia de internacionalização do Fórum Social Mundial, nascido em Porto Alegre há quase cinco anos. Ao propor um evento que reunisse os povos da Europa do Sul, do Norte da África e do Oriente Médio, os movimentos sociais e as organizações não-governamentais (ONGs) que participaram da organização do Fórum se precaveram com três anos de reuniões preparatórias e apoio político e financeiro do governo de esquerda da Catalunha, região onde se localiza a cidade de Barcelona. Mas não foi o bastante para evitar percalços. Países do Sul Mediterrâneo, como Egito, e do Oriente Médio, como Líbano e Iraque, estiveram sub-representados. Em muitos casos, não só pela dificuldade de formação de redes com movimentos desses países, mas por motivos mais prosaicos como a obtenção de vistos de entrada na Espanha. “Apesar da boa vontade do governo espanhol em liberar vistos para os participantes, alguns consulados barraram muita gente”, disse a catalã Mônica Sabata, integrante do comitê organizador do Fórum e ativista do Centro Educacional pelas Minorias Étnicas (Ciemen). No total de 5 mil participantes, foi estimado em 500 o número de africanos e asiáticos que estiveram em Barcelona para o Fórum.

NÃO À MENTIRA

Resistência a guerras, repressão política e ataque aos direitos humanos unem movimentos sociais do Mediterrâneo

cidadãos de países da União Européia têm livre acesso. Houve, inclusive, um fundo solidário de 110 mil euros para compra de passagens aéreas para participantes do Sul. No entanto, muitos consulados espanhóis usaram sua autonomia para recusar pedidos. “Havia o receio de que os mais jovens viessem para ficar”, disse Mônica. A migração ilegal para a Europa – como não podia ser diferente – foi um dos principais temas de seminários e conferências do encontro.

LUTA COMUM “Temos aqui no Mediterrâneo a síntese dos problemas do mundo”, afirmou Luis Blanco, também da organização do Fórum e membro da Intersindical Alternativa da Catalunha (IAC), ao justificar a realização do encontro. “Há guerras, repressão política, ataque aos direitos humanos, os problemas advindos da imigração ilegal, políticas neoliberais, falta de igualdade das mulheres”, acrescentou.

BARRADOS Na fase final de preparação do encontro, seus organizadores chegaram a entregar uma lista dos participantes convidados ao governo espanhol, que se comprometeu a trabalhar juntos aos setores diplomáticos para facilitar a liberação dos vistos dos povos do Sul – os

Mas Blanco, apesar das dificuldades, disse que o Fórum ajudou a fortalecer diversas redes de movimentos sociais e ONGs da região do Mediterrâneo, como no caso da defesa da água e da saúde pública. Um caso paradigmático é o da própria Intersindical, que entrou na campanha que exige do governo do Egito reparação a 52 trabalhadores locais enfermos após anos de trabalho na indústria do amianto.

CAMPANHA O IAC está divulgando para toda sua rede de sindicatos o endereço eletrônico e o fax do presidente egípcio Mohamed Hosni Mubarak, solicitando que os espanhóis escrevam mensagens de apoio à indenização aos operários. O amianto foi proibido no Egito em dezembro de 2004, após uma campanha que envolveu inclusive os trabalhadores do setor. “É evidente que há muitas diferenças entre as lutas do Norte e do Sul. Aqui não há repressão policial como lá, mas também convivemos

com falta de liberdade, na medida em que a legislação privilegia muitas vezes sindicatos pouco combativos. Também aqui os membros de sindicatos combativos são os primeiros a entrar nas listas de demissão das empresas”, contou Blanco.

LIVRE-COMÉRCIO Uma das maiores preocupações do sindicalista é com a Parceria Euro-Mediterrânea, um tratado de viés neoliberal e conhecido como “Alca do Mediterrâneo”. Assinado em 1995, esse acordo tem o objetivo de criar uma zona de “livre-comércio” e “paz” entre os seus signatários – 25 países europeus e dez africanos e do Oriente Médio. Em novembro, a mesma cidade espanhola que sedia o Fórum Social será palco de um encontro chamado de Barcelona+10, que tentará acelerar os acordos para além das reduções tarifárias já executadas. Praticamente todos os movimentos sociais e ONGs que participaram do Fórum são críticos deste

Posição bastante diferente, por exemplo, da de Lucile Daumas, do Attac Marrocos. “Temos de dizer “não” à Barcelona+10. Dez anos depois do início desse processo, vão nos dizer que a paz e a prosperidade estão sendo construídas. Temos de dizer que isso é mentira”, afirmou ela, em uma de suas exposições no Fórum. Para Lucile, a Parceria EuroMediterrânea visa exclusivamente a dominação econômica dos países do Sul pelos dos Norte, e não há outra saída senão recusá-la. “Quando se trata de vender petróleo argelino, privatizar o fosfato marroquino, temos de pensar na crise argentina. Pensam que não temos memória. O que os governos estão preparando no Mediterrâneo é uma crise como a da Argentina”, argumentou. A saída, pensa a ativista, está em usar “as análises produzidas durante o Fórum, trabalhar sobre elas e divulgá-las”. Sua esperança é que o processo do Fórum Social Mediterrâneo se estenda para além das divergências culturais e de experiência concreta entre seus participantes. “Podemos começar daí”, diz Lucile. A união de três continentes num único Fórum regional foi uma iniciativa original. “Queríamos romper com a idéia de que estamos divididos entre Norte e Sul, com um mar nos separando”, explica. Além disso, as formas de construção do Fórum Mediterrâneo foram novidades para muita gente, com descentralização e atividades autogestionadas. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br)

Patrícia Bonilha de Barcelona (Espanha) O problema da imigração dos países do Sul para os Estados do Norte Mediterrâneo e o conseqüente endurecimento de legislações e da repressão aos imigrantes foi um dos principais pontos do debate sobre direitos humanos na região no Fórum Social Mediterrâneo (FSMed), e preocupa entidades que trabalham a questão principalmente na Itália e Espanha. “Na Itália, há 14 Centros de Permanência Temporária em atividade em todas as regiões do país, com exceção da ilha da Sardenha. Vários outros estão em construção. Neles, a utilização de tortura física e mental é diária. Não há qualquer respeito aos direitos humanos. As pessoas são tratadas como criminosas, muito pior que animais”, afirma a italiana Simone Cemapoli, da organização Sem Fronteiras. Por estes e outros motivos, estes centros para imigrantes estão sendo chamados pelas entidades de direitos humanos como “Guantánamos da Europa” (em alusão à prisão estadunidense na ilha de Cuba, famosa pelas torturas impostas aos presos estrangeiros ali confinados). Segundo Simone, os “centros de concentração institucionais” são a prova de que países como a Itália não pretendem ceder à pressão das entidades de direitos humanos. O fato de estarem relacionados ao Ministério do Tesouro da Itália é um forte indício de que, mais do que qualquer outra coisa, o assunto imigrantes também está sendo tratado como uma questão econômica. De acordo com o jornalista italiano Stefano Mencherini, vindos

Verena Glass

Tortura diária nos centros de reclusão para imigrantes

Encontro denunciou a repressão aos imigrantes africanos na Europa

especialmente de países do Oriente Médio, África e do Leste Europeu, na Itália, os imigrantes correspondem a cerca de 5% a 6% da população do país – índice mais baixo de toda a Europa, que gira em torno de 7% a 10%. Para ele, os Centros de Permanência Temporária demonstram o alto grau de racismo presente atualmente no país.

DIREITO FUNDAMENTAL Segundo as entidades de direitos humanos presentes no FSMed, mesmo países que têm uma inegável tradição de imigração, como a Espanha, hoje não reconhecem o direito de livre circulação das pessoas, um direito fundamental que precisa ser assegurado. Nos séculos 18 e 19, motivados por interesses econômicos e políticos (como a fuga das guerras), os imigrantes saíam da Europa para viver nas Américas e, posteriormente, na Oceania. Diferentemente de outros momentos da história, o fluxo mi-

gratório nos últimos 30 anos acompanha e é cada vez mais determinado pelo sistema capitalista. Atualmente, imigrantes deixam os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento para viver nos desenvolvidos.

SOBREVIVÊNCIA “Está mais do que na hora de aceitar que a migração não é um fenômeno, é um processo contínuo que faz parte da história da humanidade. Legal ou ilegalmente, as pessoas irão sempre buscar viver onde há riquezas, onde há condições de sobreviverem”, afirma Mencherini. Ele aponta para a incoerência de se falar tanto em defesa da liberdade econômica, queda das barreiras tarifárias e, por outro lado, se construir continuamente um bloqueio maior às migrações, com cada vez mais restrições à entrada de imigrantes, principalmente a partir das décadas de 80 e 90. Na avaliação de Norma Falconi, membro da Assembléia para Regu-

larização Sem Condições, os governos e a mídia são os principais responsáveis por campanhas que apontam e conseguem convencer a população de que os imigrantes são a causa dos problemas sociais em diversos países. “É preciso compreender que a economia neoliberal é a verdadeira responsável. As pessoas fogem do capitalismo imposto a seus países para, em um paradoxo histórico, irem buscar a sobrevivência em outro país, também capitalista. A diferença é que, na maioria das vezes, ela irá ocupar cargos inferiores, independentemente de sua qualificação. Tudo isso em busca de assegurar a sobrevivência pessoal e familiar”, avalia ela.

LÓGICA CRUEL A clandestinidade, que obriga os imigrantes a trabalharem por muito menos que o piso determinado para suas funções, e muitas vezes por um salário inferior ao próprio salário-mínimo decretado no país, é apontado pelos representantes de entidades presentes no Fórum como um mecanismo estratégico do próprio mercado. “É fundamental desmascarar essa farsa da lógica do capitalismo que tem uma enorme demanda de pessoal para garantir o aumento contínuo de sua produção e que, portanto, depende do trabalho dessas pessoas, mas para pagar menos e se eximir da garantia de direitos civis e humanos, mantém esse sistema de clandestinidade, de ilegalidade. Aliás, o que significa dizer que uma pessoa é ilegal, alguém pode me dizer?”, pergunta Norma. Ela lembra que 23% da produção na Espanha depende de mão-

de-obra irregular e que todo esse processo mostra que, na realidade, não há fronteiras para as pessoas que produzem quando há interesse econômico.

DEMOCRACIAS? Norma questiona, ainda, o fato de que a maioria destes países seja chamado de democráticos. “Eles asseguram os direitos dos europeus, mas não dão garantias aos imigrantes que estão ali trabalhando porque seus países estão destruídos economicamente”. Aos imigrantes resta aceitar trabalhos mal pagos, muitas vezes perigosos, sem quaisquer direitos assegurados. “As fábricas de armas são exemplos de ampla oferta de emprego aos imigrantes”, assegura a italiana Simoneta Cristi, também da Sem Fronteiras. “Que sistemas de integração existem? Os imigrantes são estigmatizados como seres de terceira classe, não importa o que possam oferecer ao país”, afirma ela. O aspecto da criminalidade, a que os imigrantes são muitas vezes relacionados, foi também abordado no seminário “Causas e Efeitos das Migrações”. Segundo Simoneta, os imigrantes, especialmente os que não têm documentos, são acusados de crimes que não cometeram. Sem nenhuma legislação para defendê-los e vivendo em guetos, nas periferias, tornam-se fáceis iscas para a acusação dos mais variados crimes e inúmeras outras situações constrangedoras. “Há muita injustiça acerca dessas pessoas que, na maioria dos casos, só querem poder circular livremente e trabalhar com condições dignas”, conclui Simoneta. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br)


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Movimentos sociais condenam imposições da Redação

A

o mesmo tempo em que chegaram a um acordo em, sua reunião dos dias 10 e 11, sobre o cancelamento de dívidas de 18 dos países mais pobres, os ministros de Finanças do G7 reforçaram o controle sobre as economias desses países. Isso porque, para se candidatar ao cancelamento, os países serão obrigados a implementar reformas de livre mercado, como liberação financeira e comercial, privatizações e outras medidas que assegurem “a eliminação de impedimentos a investimentos privados, tanto doméstica como estrangeira”, segundo a resolução do G7 que define os Programas de Ajuste Estrutural. Comentaristas, acadêmicos, teólogos e ativistas do Movimento por Justiça Econômica, da África, ressaltam que o custo dos ajustes e as condições impostas pelos credores superam em muito o montante da dívida a ser cancelada. Em outras palavras, se as propostas do ministros de Finanças do G7 forem implementadas, os países afetados recebem um fôlego financeiro, uma vez que assegurem sua adesão aos ditames dos países ricos industrializados e se submetam ao saqueamento por parte das corporações transnacionais – o que significa não apenas a exploração de recursos naturais, mas a evasão de divisas, a deterioração dos termos de intercâmbio, entre outros prejuízos. Sob essas condições, dizem os analistas, se produzirá

Paulo Pereira Lima

Para perdoar as dívidas, G7 exige de países pobres reformas que fortaleçam o livre mercado e as privatizações

Custos dos ajustes e as condições impostas pelos países credores superam, em muito, o montante da dívida a ser cancelada

inevitavelmente um novo ciclo de endividamento.

DÍVIDA ILEGÍTIMA Os movimentos africanos em campanha contra a dívida consideram a dívida ilegítima, pelo fato de ter sido “contraída por ditaduras de vários tipos e utilizada para promover os regimes antidemocráticos contra os interesses do povo, inclusive com a adoção de políticas que colocaram em risco as vidas de milhões de pessoas”. “Se realmente houvesse igualdade

no sistema político internacional, a utilização, pelos Estados Unidos, da doutrina de dívida odiosa para conseguir o cancelamento da dívida de Sadam Hussein no Iraque se estenderia à África e ao restante do sul”, diz um documento do Comitê Coordenador do Jubileu Sul na África. Os movimentos pleiteiam o cancelamento incondicional das dívidas de todos os países africanos e dos países em desenvolvimento, a abolição de todas as políticas do Fundo Monetário

Internacional (FMI) e do Banco Mundial e indenização pelos danos causados pelos programas de ajuste estrutural; a repatriação das riquezas roubadas do povo africano e guardadas em países ocidentais. Autor de um livro sobre a dívida, o professor Bruno Bekolo Ebé aponta um ponto positivo na proposta: “A decisão compreende as dívidas multilaterais, para as quais as regras, até agora, impediam a anulação ou o reescalonamento como outras, sob o pretexto de que

Sistema Espacial Africano pode evitar catástrofes

Anulação da dívida é estratégia de propaganda

Durante maio e o começo de junho, representantes da Argélia, da Nigéria e da África do Sul discutiram, em Argel, o projeto do Sistema Espacial Africano, apresentado como “uma constelação de satélites”. O programa tem como objetivo “uma gestão regional durável e preventiva das catástrofes naturais, com o combate ao desflorestamento progressivo, à seca e à desertificação, mais ações para modernizar a anacrônica gestão atual dos recursos naturais dos países africanos, que retardam o esforço de desenvolvimento”. A solução é a “integração das tecnologias espaciais no processo de desenvolvimento, visando a melhoria das condições de vida das populações pobres e marginalizadas, por meio de uma maior segurança alimentar e hídrica, com a utilização para o bem recíproco da água e dos solos”. A grande importância e atualidade desses entendimentos está na questão ambiental, lembrando-se que, segundo a organização não-governamental (ONG) Amigos da Terra, os países do G8, os sete mais ricos do planeta mais a Rússia, que vão se reunir em julho, em Gleneagles,

População sofre com o peso da dívida injusta imposta pelos países ricos

das medidas de privatização dos serviços públicos e dos recursos naturais dos países endividados. As condições de vida das populações submetidas a essa lógica não melhoram. Em terceiro lugar, os países afetados por essa pretendida generosidade do G8 não são mais que um punhado, no melhor dos casos umas duas dezenas, que representam menos de 10% da população dos países em desenvolvimento. A iniciativa referente aos países pobres altamente endividados (PPAE), tão alardeada desde o seu lançamento em 1996, foi um fracasso, pois não conseguiu reduzir o peso da dívida: segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED), os 27 países atualmente alcançados pagarão mais por sua dívida em 2005 do que em 2003.

Enfim, em quarto lugar, os grandes credores tentan fazer crer que vão liberar fundos para a África, quando na verdade continuam sendo tão tacanhos como sempre. A ajuda oficial ao desenvolvimento (AOD) se manteve abaixo dos 80 bilhões de dólares em 2004, e uma grande parte da mesma nem sequer chega às populações que precisam dela. Ao contrário, a dívida provoca uma hemorragia de capitais: os países em desenvolvimento desembolsam mais de 370 bilhões de dólares por ano para pagar sua dívida externa. O CADTM se mantém muito atento ao que são de fato os anúncios referentes à dívida, porque os países do G8 já renegaram o cumprimento de seus compromissos no passado. Até agora, não há nenhuma prova conhecida de anulação massiva que seja digna desse nome. (Planeta Porto Alegre, www.planet aportoalegre.net)

na Escócia – Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Canadá e Japão, além da Rússia –, só representam 13% da população do planeta, mas emitem 45% dos gases do efeito estufa. Em recente reunião na Holanda, sobre os riscos crescentes do aquecimento global, um dos organizadores afirmou que “devemos passar da defesa contra as inundações para a gestão das inundações e devemos aprender a conviver com elas”. Durante os dois últimos anos, ocorreram no mundo 600 inundações, com 19 mil mortos. “É tempo de dizer adeus à abordagem tradicional com diques cada vez mais altos e bombas cada vez mais possantes”, acrescentou outra organizadora. Isso é particularmente importante na África, onde as inundações são agravadas pelas precárias condições de telecomunicações, por falta de redes de satélites que cubram especificamente o continente. O Sistema Espacial Africano visa resolver essa situação e ajudar a prever e a prevenir outros tipos de catástrofes. Para isso, no entanto, é preciso estar de olho na reunião do G8, para pressioná-lo a discutir a redução da dívida externa dos países africanos. (La Tribune d’Algiers, www.allafrica.com)

Arquivo Brasil de Fato

Distante das estratégias geopolíticas e dos cálculos mesquinhos das grandes potências, o Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM) afirma que o que os países do G8 estão preparando para a próxima conferência da Escócia, no início de julho, é o contrário de uma anulação total da dívida externa de todos os países em desenvolvimento, apesar de quão fácil seria fazer isso. Não importa o que digam os dirigente dos países mais ricos, o financiamento do desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo tem sido motivo de longos debates sem que tenham chegado, até agora, a uma decisão firme e satisfatória. No entanto, seria muito fácil pedir aos países do sul que deixem imediatamente de pagar os serviços de suas dívidas externas públicas, e dedicar essas somas ao desenvolvimento humano interno, sob o controle do seu povo e dos parlamentos nacionais. O fisco hoje é total. Os diferentes projetos preparados para a próxima conferência do G8 não são mais que uma cortina de fumaça. Em primeiro lugar, na melhor das hipóteses, só dizem respeito à parte da dívida com o Banco Mundial e com o Banco Africano de Desenvolvimento. Pior ainda, a proposta britânica somente prevê assumir reembolsos até 2015, muito longe de uma anulação dos 100% dessa dívida. Trata-se, na verdade, de um alívio muito parcial da dívida, chamado de “anulação” apenas como propaganda. Uma superficialidade. Em segundo lugar, esses alívios sempre estão condicionados à continuação da abertura progressiva das economias do sul aos interesses das transnacionais do norte. Os países credores exigem a execução

Younes Hamidouche de Argel (Argélia)

CMI

Eric Toussaint e Damien Millet de Paris (França)

se tratava de fundos provenientes do mercado financeiro”. Porém, o analista alerta que o cancelamento da dívida não pode ser encarado como uma solução: “Basta analisar os números. A massa global da dívida dos países pobres é de 2 trilhões de dólares, dos quais apenas 2 bilhões serão perdoados por essa decisão”. Organizações sociais da Espanha também denunciaram a proposta dos países do G7, considerando os termos do cancelamento da dívida dos 18 países “totalmente insuficientes, se o que se quer é dar uma oportunidade aos países do sul para lutar efetivamente contra a pobreza”. Um manifesto assinado por mais de vinte entidades ressalta que ficaram de fora da proposta países que há pouco mais de seis meses foram atingidos Doutrina da dívida pelo Tsunami odiosa – Elaborada no Sudeste no fim do século 19, quando ocorreu a Asiático, paíindependência de ses como AnCuba em relação ao gola ou Nigéimpério espanhol. Na ria, que teriam oportunidade, uma comissão de negocapacidade ciação dos Estados para impulsioUnidos, que passanar o desenram a controlar a ilha, decretou a falta de volvimento legitimidade de uma no continente dívida, afirmando que africano, ou ela havia sido contraída com o objetivo de o Haiti, nação atender aos próprios com a menor interesses do governo renda per cada Espanha, contra os pita da Améinteresses populares e sem a concordância rica Latina e do povo cubano, que com um “injamais se beneficiou suportável” dos recursos que se transformaram em nível de endidívida de Estado. vidamento.

Sistema espacial pode contribuir para melhorias das populações pobres da África


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AMBIENTE COCA-COLA

Água saqueada e seqüestro da Justiça Vandana Shiva de Nova Délhi (Índia)

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nquanto a escassez de água está se transformando em um problema cada vez mais grave em todo o mundo, uma recente decisão de um alto tribunal de Justiça da Índia oferece uma inquietante perspectiva de como os direitos de uso da água podem acabar em contendas entre corporações multinacionais e governos locais. Em 2000 a Coca-Cola instalou uma planta em Plachimada, no Estado de Kerala. No período de um ano a água começou a diminuir e os poços estavam contaminados. A comunidade local organizou protestos que levaram o governo eleito, o Perumatthy Panchayat, a não renovar a permissão concedida à empresa. No dia 7 de abril de 2003, o Panchayat sentenciou: “Como a excessiva extração da água subterrânea pela Companhia Coca-Cola em Plachimada está causando uma aguda escassez de água potável em Prumatty Panchayat e em lugares próximos, decide-se, de acordo com o interesse público, não renovar a permissão à citada companhia”. O assunto foi parar na Suprema Corte de Kerala. Duas questões estavam em jogo: a democracia e os direitos do Panchayat e da comunidade local, bem como a excessiva exploração da água subterrânea.

Arquivo Brasil de Fato

Na Índia, tribunal reverte decisão do governo e coloca os direitos da transnacional acima dos direitos da comunidade

Indianos protestam, em Nova Délhi, contra a Coca-Cola por explorar ilegalmente água subterrânea no Estado de Kerala

Segundo o Panchayat, a proteção e preservação do recurso da água são de seu domínio exclusivo, e em uma sentença de dezembro de 2003, uma seção da Suprema Corte de Kerala presidida pelo juiz Nair determinou que a Coca-Cola não tem direitos irrestritos para extrair “uma quantidade excessiva de uma riqueza natural”. A fábrica foi fechada. Entretanto, em abril, os juízes Ramachandran e Balachandran, da Alta Corte de

Kerala, anularam a ordem de fechamento. Enquanto o juiz Nair havia sustentado a doutrina do monopólio público, seus colegas Ramachandran e Balachandran se pronunciaram a favor da predominância dos direitos de propriedade privada sobre a água e do direito irrestrito da Coca-Cola de extrair água. O juiz Nair havia escrito: “A doutrina do monopólio se baseia em primeiro lugar no princípio de que determinados serviços como o ar, a água e as florestas têm

uma importância tão grande para as pessoas que seria completamente injustificado fazer deles um sujeito de propriedade privada”. A sentença dos juízes Ramachandran e Balachandran trata de desconsiderar a Doutrina do Monopólio Público da sentença anterior da seguinte maneira: “O Panchayat não tem a propriedade dessa fonte de água privada, por isso não pode negar os direitos de propriedade ao ocupante e o princípio em que se

baseia sua decisão é muito amplo para ser aceito incondicionalmente”. Portanto, esse tribunal colocou os direitos da Coca-Cola sobre a água acima dos direitos da comunidade local. Em muitas partes da Índia os camponeses necessitam de autorização para instalar tubulações em poços. A regulamentação da extração da água é portanto uma prática estabelecida e, ao negar sua existência para outorgar direitos privados sem limites à Coca-Cola, os juízes Balachandran e Ramachandran estão indo contra a Constituição e o governo comunitário, contra a Doutrina do Monopólio Público e contra as leis de regulamentação da água subterrânea. A questão é se a regulamentação pública será democrática e a cargo das comunidades locais ou se será controlada por meio de uma burocracia estatal que pode ser corrompida e influenciada pelo poder das corporações multinacionais. A sentença de abril vai contra as leis da democracia e da hidrologia. Por isso o Panchayat apresentou uma apelação junto à Suprema Corte. Mas o verdadeiro julgamento desse caso virá do povo. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br) Vandana Shiva é escritora e militante internacional em campanhas pelos direitos da mulher e do meio ambiente

Igor Ojeda da Redação Pelo menos durante onze anos, de 1972 a 1983, a Coca-Cola do Brasil usou extratos vegetais de folha de coca na composição de seu refrigerante de cola. Quem garante é o exgerente de importação e finanças da companhia, Placídio José Mendes, que fez a denúncia, em agosto de 2000, durante ação trabalhista movida contra a empresa. Ele próprio era o responsável pela importação da pasta feita à base da planta processada pelo laboratório Stepan Chemical, dos Estados Unidos. Em entrevista ao Brasil de Fato, Mendes – chamado de “simples flanelinha” pela empresa, para desqualificá-lo na ação – conta como facilitava a entrada da substância, proibida pela legislação brasileira, por meio da maquiagem dos guias de importação e, principalmente, da coação de autoridades. Hoje, ainda é forte a suspeita de que a Coca-Cola continua utilizando a folha de coca em seu xarope de cola. A Câmara dos Deputados, por meio do deputado Renato Cozzolino, atualmente no Partido Republicano Progressista (PRP), solicitou ao Ministério da Justiça, em dezembro do ano passado, a análise química do extrato vegetal que conteria a substância. O Instituto de Criminalística da Polícia Federal afirma que aguarda a chegada de um equipamento importado para realizar o exame. Brasil de Fato – Que tipo de ação o senhor moveu contra a CocaCola? Placídio José Mendes – Minha ação é trabalhista. Eu pleiteio receber um pacote suplementar denominado gratificação especial por tempo de serviço. Essa gratificação é paga a todos os executivos de primeiro escalão da companhia para que não trabalhem para a concorrência e não façam comentários sobre assuntos internos da empresa. É uma maneira de aposentar os funcionários-chave, uma forma de fazer com que eles não abram a boca, fiquem calados. Fui demitido e não recebi o que me era devido. BF – O senhor ganhou o

Arquivo Brasil de Fato

Ele era o “flanelinha” que sabia demais

Na Colômbia, a Coca-Cola também é alvo de protestos

processo? Mendes – Sim, em primeira instância. Mas quando o juiz José Veillard Reis viu a repercussão na imprensa, julgou a extinção do processo. Meu advogado, Balthazar Dias Salgado, entrou com recurso e ainda está rolando. Me causou estranheza que o juiz, depois de na audiência de conciliação ter determinado perícia para apurar a veracidade de minhas afirmações – que todos os gerentes do mesmo nível que o meu tinham recebido um pacote de gratificações –, tenha extinto o processo tomando por base a grande repercussão na imprensa. BF – De quanto era essa gratificação? Mendes – Desconheço, mas posso garantir que era muitas vezes mais do que o valor devido pela CLT. Um exemplo grosseiro: se você tivesse R$ 50 mil a receber, dependendo da sua função, da responsabilidade do seu cargo, você poderia ganhar dez vezes mais do que isso. É o chamado preço do silêncio. Não fiz uma denúncia como eles tentaram colocar na imprensa, dizendo que eu era sensacionalista, mentiroso, que eu fiz acusações graves contra a companhia, que eu disse que o produto da Coca-Cola contém cocaína. Eu nunca disse isso, o que eu digo é outra coisa: que o extrato vegetal presente na mercadoria número

5, um dos componentes do xarope de cola da empresa, é extraído da folha de coca. Eu denunciei isso em juízo para provar o grau de minha responsabilidade dentro da empresa. Pois eles haviam me chamado de megalomaníaco, disseram que eu era um “simples flanelinha” na empresa. BF – Qual era a sua função? Como tinha acesso a essas informações? Mendes – Eu era responsável pelo setor de importação e finanças. Como eles fizeram essa apelação contra mim, então eu disse tudo que sabia. Inclusive disse ao juiz que se eu fosse um mentiroso, um megalomaníaco, não saberia, por exemplo, sobre produtos que compõem a fórmula do refrigerante. Quando mencionei a mercadoria número 5, o famoso extrato vegetal, expliquei ao juiz que realmente sempre foi importada totalmente ao arrepio da lei. Porque o decreto lei 891, de 1938 diz: é proibido, a não ser na indústria farmacêutica, usar as folhas de coca em preparações. A Coca-Cola nunca definiu claramente o nome do extrato que importa. Eu era quem assinava as vias de importação, as declarações de importação. A cada lote de importação era preciso uma análise, que nunca foi feita. Eu sei porque levava os vidros e entregava à fiscalização os vidros com os concentrados feitos na nos-

sa fábrica, já prontos, justamente para não identificar. O que ninguém percebeu até agora é que a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), RDC 98, de 20 de novembro de 2000, fundamentou o laudo feito na bebida Coca-Cola, motivado pela minha denúncia. O laudo 1933 do Instituto de Criminalística é de dezembro de 2000. Criaram uma resolução para fazer a análise em cima do produto final. E o produto final não acusa a substância. A mercadoria número 4, o ácido fosfórico, em contato com a mercadoria número 5, sofre um processo de hidrólise e forma um terceiro produto, desconhecido. Ninguém atentou para isso. Qualquer laudo teria que ter como base uma resolução com data anterior ao meu processo, de 29 agosto de 2000. BF – Como se concretizava a importação, se era ilegal? Mendes – A Coca-Cola sempre classificou esse produto como extrato vegetal líquido, ou, “qualquer outro”. Isso não quer dizer nada. Está no código de defesa do consumidor, em toda a legislação que rege o comércio exterior, que todo produto tem que ser nominalmente descrito, se não estiver entre os itens listados na guia de importação. Eram 42 itens listados nominalmente, e lá embaixo, o 43º item, tinha um subitem, o 99, que era o “qualquer outro”. Isso não desobrigava o importador de dizer o que era. Você botava a classificação 13010399, mas na hora de descrever deveria escrever “extrato vegetal de coca”. Isso nunca foi feito. Por isso digo que a companhia sempre importou totalmente ao arrepio da lei. Como a Coca-Cola não podia colocar o item 99, porque não ia dizer do que se tratava – pois nunca disse, antes de mim, durante meu tempo e com certeza até os dias de hoje –, eu escrevia simplesmente 00. Como passava? Passava à força. Ou aceitava ou estava na rua. BF – Como assim? Quem era submetido a essa coação? Mendes – Os funcionários da Carteira de Comércio Exterior

(Cacex), subordinada ao Banco do Brasil. Eu emitia a via de importação e jogava na Cacex, o órgão responsável por expedir as vias. Eles não tinham muita autonomia porque brigar com a Coca-Cola é meio fatal; enfrentar a mim, o representante oficial da companhia, não era bom. Poderia significar ser transferido, demitido. Toda a importação era feita por mim, do começo ao fim. Quando perguntavam sobre o extrato vegetal, eu dava minhas explicações táticas, um monte de mentiras, de conversa fiada, puxava o tapete de quem estava perguntando. No outro dia ele estava em outro setor e não sabia o porquê... Nunca respondi, as respostas eram as mais evasivas possíveis, e as autoridades engoliam... Quando chegava no cais do porto, tinha que fazer análise. Então eu levava os vidros para a fábrica de concentrados, eles botavam sei lá o que dentro e o fiscal tinha que engolir os vidros, senão estava sambando. Sempre foi assim, na marra mesmo. BF – Nunca houve resistência a esse esquema? Mendes – A Cacex chegou a proibir, em 26 de setembro de 1982, toda a importação de extratos vegetais ao Brasil. Só encontrei uma saída: coagi as autoridades. Falei: “Ou volta a importação do extrato ou a Coca-Cola na semana seguinte pára de fabricar concentrados”. Isso queria dizer que acima de 200 mil pessoas perderiam o emprego. No dia 1º de outubro, no comunicado número 28, a Cacex volta a permitir a importação de extratos vegetais.

Quem é Placídio José Mendes foi gerente de importação e finanças da Coca-Cola no Brasil entre os anos de 1972 e 1983, período em que atuou na facilitação da entrada de substâncias extraídas de folha de coca que eram usadas em uma das etapas da produção do refrigerante de cola da empresa.


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DEBATE IMPERIALISMO

Cobiçando guerras Mundial e o Fundo Monetário Internacional colocaram todo o seu peso por trás da venda das telecomunicações, fazendo dela uma condição para liberarem os cerca de 47 milhões de dólares anuais de ajuda, por um período de três anos, associando esse montante aos cerca de 4,4 bilhões de dólares de ajuda externa para a Nicarágua”.

Naomi Klein m serviço encarregado de planejar negócios na reconstrução de países que sequer foram destruídos mostra como a lucratividade pesa para os EUA na hora de escolher os alvos para os seus ataques. No verão passado (inverno no Brasil), no meio da calmaria da mídia, a doutrina de guerra preventiva de Bush deu um grande avanço. Em 5 de agosto de 2004, a Casa Branca criou o Departamento de Coordenação para a Reconstrução e Estabilização, liderado pelo antigo embaixador dos EUA na Ucrânia, Carlos Pascual. Sua função é conceber, com a ajuda de empresas privadas, planos “pós-conflito” para 25 países que ainda não estão em conflito. Um governo dedicado à desconstrução preventiva perpétua tem, agora, um escritório dedicado à reconstrução preventiva perpétua. Pascual conta que está elaborando planos para tornar possível “operar” em três países ao mesmo tempo, durante sete anos. Ou seja, com 25 países “contemplados”, temos empreendidos para as companhias privadas dos Estados Unidos para o próximo meio século, pelo menos. Já se foram os dias em que se esperava que as guerras acontecessem para depois se conceberem planos para juntar os cacos. “Estávamos acostumados com o colonialismo vulgar”, diz Shalmali Guttal, pesquisador em Bangalore, Índia, do Foco no Sul Global “Agora, temos um colonialismo sofisticado, e eles o chamam de ‘reconstrução’”. Por enquanto, a reconstrução não está funcionando. Três meses depois que o tsunami se abateu sobre Aceh, o jornal New York Times publicou que “quase nada tinha sido feito para começar os reparos e a reconstrução”. No Iraque, segundo o Los Angeles Times, todas as caixas d’água reconstruídas pela Bechtel já começaram a ruir. No Afeganistão, o presidente Hamid Karzai chamou os empreiteiros estrangeiros de “corruptos, perdulários e irresponsáveis”. No Sri Lanka, 600.000 pessoas que perderam suas casas durante o tsunami vegetam em acampamentos provisórios. Mas se a indústria é surpreendentemente incompetente para a reconstrução, isso talvez se deva ao fato de que a reconstrução não é o seu objetivo. Segundo Guttal, “não se trata de reconstrução coisa nenhuma – mas de remodelar tudo.” É a escalada de uma forma predatória de capitalismo que usa o desespero e o medo criados por uma catástrofe para trabalhar tão veloz e eficientemente que as privatizações ocorrem antes mesmo que a população local tenha sabido o que realmente a atingiu. O ex vice-secretário da Defesa, Paul Wolfowitz, agora presidente do Banco Mundial concebeu um projeto incrível no Iraque: enquanto os incêndios ainda ardiam em Bagdá, funcionários da ocupação dos EUA rescreviam as leis de investimentos e anunciavam que as companhias estatais do país seriam privatizadas. No Iraque, Wolfowitz estava fazendo simplesmente o que o Banco Mundial já está fazendo em praticamente cada país do mundo destruído pela guerra ou atingido por algum desastre, mesmo se com menos belezuras burocráticas e mais bravatas ideológicas. Os países “pós-conflito” recebem, hoje em dia, de 20 a 25 por cento do total de empréstimos do Banco Mundial, um nível 16% superior ao de 1998, o qual já era 800% superior ao de 1980, segundo estudo do Serviço de

U

Pesquisas do Congresso estadunidense. Uma resposta rápida às guerras e aos desastres naturais vinha sendo da alçada das agências da ONU, as quais trabalhavam com as ONGs para fornecer ajuda de emergência, construir habitações provisórias etc. Agora, os trabalhos de reconstrução se revelaram uma indústria altamente lucrativa, importante demais para ser deixada para os benfeitores da ONU. E não há a menor dúvida de que há lucros nos negócios de reconstrução. Há imensos contratos de engenharia e abastecimento (10 bilhões de dólares para a Halliburton, somente no Iraque e Afeganistão); a “construção da democracia” explodiu numa indústria de 2 bilhões de dólares e nunca houve época melhor para os consultores do setor público – as empresas privadas que assessoram os governos para que esses liquidem seus ativos, empresas essas que, muitas vezes, administram as próprias agências governamentais, como subcontratadas. (a Bearing Point, a mais favorecida dessas empresas nos EUA, informou que sua renda para a divisão de “serviços públicos quadruplicou em apenas cinco anos”, e que os lucros foram altíssimos: 342 milhões de dólares, em 2002 – uma margem de 35 por cento.) Mas os países abalados são muito atraentes para o Banco Mundial por outra razão: eles acatam as ordens muito bem. Depois de um evento catastrófico, os governos farão qualquer coisa para obter ajuda em dinheiro – mesmo se isso significa contrair altas dívidas e concordar com reformas políticas arrasadoras. BANCO MUNDIAL GOVERNA

Ainda melhor, na perspectiva do Banco, muitos países destruídos pela guerra estão em estado de “soberania limitada”: são considerados instáveis demais e incapacitados para gerenciar o dinheiro da ajuda recebido, e assim, normalmente, essas verbas são colocadas num fundo administrado pelo Banco Mundial. Esse foi o caso em Timor Leste, onde o governo foi cuidadosamente monitorado para instituir as políticas do Banco Mundial, de privatização e abertura do mercado. Os contratos implicam que, se o governo do Timor Leste não se comportar adequadamente, o país passará a ser praticamente administrado, de modo direto, pelo Banco Mundial. No Afeganistão, onde o Banco Mundial também administra a ajuda , a instituição já conseguiu privatizar o setor da saúde, recusando-se a dar fundos ao Ministério da Saúde para construir

Kipper

O TSUNAMI E AS EMPRESAS

hospitais. Ao invés disso, está afunilando dinheiro diretamente para as ONGs que estão gerenciando suas próprias clínicas privadas, com base em contratos de três anos de duração. O Banco Mundial também impôs “um maior papel para o setor privado” no serviço de água, nas telecomunicações, petróleo, gás e mineração, e ordenou ao governo que “se retirasse” do setor da eletricidade e que o deixasse para os “investidores privados estrangeiros”. A história tem sido a mesma no Haiti, após a destituição do presidente Jean-Bertrand Aristide. Em troca de um empréstimo de 61 milhões de dólares, o Banco está exigindo “parceria e governança mista entre o setor público e o privado para os setores da educação e da saúde”, segundo os documentos do Banco – ou seja, que companhias privadas administrem as escolas e os hospitais. Essa parece ser uma das razões para que, a fim de controlar o descontentamento da população com os novos serviços que têm de pagar, quando sob Aristide eram públicos, o Haiti se encontra virtualmente sob regime militar. Ironicamente, a crise política que levou à deposição de Aristide foi agravada pela retenção de empréstimos internacionais que o próprio Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento já tinham decidido conceder. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional têm imposto terapias de choque a países sob estado de choque há pelo menos três décadas, sobretudo depois dos golpes militares na

América Latina e do colapso da União Soviética e dos países da Europa Oriental. Ainda assim, muitos observadores afirmam que o capitalismo de catástrofe teve realmente sua alavancagem com o furacão Mitch. Durante uma semana, em outubro de 1998, o furacão estacionou na América Central, engolindo vilarejos inteiros e matando mais de 9.000 pessoas. Países já empobrecidos estavam desesperados para receber ajuda de reconstrução – e ela veio, mas com algumas condições bastante específicas, que os países se apressaram em cumprir. Nos dois meses que se seguiram ao furacão Mitch, com o país ainda de joelhos e repleto de cadáveres e lama, o Congresso de Honduras iniciou o que o jornal econômico inglês Financial Times chamou de “liquidação veloz, depois da tempestade”, aprovando leis que permitiam a privatização dos aeroportos, portos e rodovias, além de planos urgentes para privatizar a companhia telefônica estatal, a companhia elétrica nacional e partes do setor da água. Derrubou as leis de reforma agrária e facilitou a compra e venda de propriedades para os estrangeiros. O mesmo ocorreu nos países vizinhos: durante os mesmos dois meses, a Guatemala anunciou planos para liquidar o seu sistema telefônico, e a Nicarágua fez igual, juntamente com a sua companhia elétrica e o seu setor petrolífero. Todos os planos de privatização foram “empurrados” agressivamente pelos mesmos suspeitos de sempre. Segundo o jornal econômico estadunidense Wall Street Journal, “o Banco

Agora, o Banco está usando o tsunami de 26 de dezembro para impulsionar suas políticas. Os países mais devastados quase não viram qualquer tipo de ajuda, e a maior parte da ajuda de emergência do Banco Mundial veio na forma de empréstimos, não de doações. Ao invés de enfatizar a necessidade de ajudar as pequenas comunidades de pescadores – mais de 80 por cento das vítimas das ondas – o Banco está impulsionando a expansão do setor turístico e da pesca em escala industrial. Quanto às infra-estruturas públicas danificadas, como as estradas ou as escolas, os documentos do Banco reconhecem que reconstruí-los poderá “exigir demais das finanças públicas”, e sugere que os governos considerem a privatização (é isso mesmo, eles têm só uma boa idéia). “Para certos investimentos”, observa o plano de resposta do Banco ao tsunami, “poderá ser apropriado utilizar financiamentos privados”. Assim como em outros sítios de reconstrução, do Haiti ao Iraque, a ajuda ao tsunami tem pouco a ver com a recuperação do que foi perdido. Embora os hotéis e a indústria tenham já começado a reconstrução na costa, no Sri Lanka, na Tailândia, na Indonésia e na Índia, os governos aprovaram leis impedindo as famílias de reconstruir suas casas nas costas. Em Aceh, centenas de milhares de pessoas estão sendo transferidas à força para o interior, e instaladas em barracos de estilo militar, e, no caso da Tailândia, em caixas de concreto pré-fabricadas. A costa não está sendo reconstruída como ela era – pontuada de vilarejos de pescadores e praias com redes de pesca feitas à mão espalhadas entre elas. Ao contrário, os governos, as corporações e os doadores estrangeiros estão se juntando para reconstruir a costa da forma como eles gostariam que ela realmente fosse: as praias como playground para turistas, os oceanos como minas d’água de exploração para as frotas da indústria corporativa da pesca, e ambos os serviços alcançáveis por meio de aeroportos privatizados e de rodovias construídas com dinheiro emprestado. Em janeiro, Condoleezza Rice provocou uma pequena controvérsia ao descrever o tsunami como “uma oportunidade maravilhosa” que “rende altos dividendos para nós”. Muita gente ficou horrorizada com a idéia de se tratar uma inacreditável tragédia humana como uma chance de se tirar vantagem. Mas, de qualquer forma, Condoleezza mostrou estar entendendo o assunto. Um grupo que se autodenomina Sobreviventes e Defensores do Tsunami na Tailândia diz que: “Para homens de negócios e políticos, o tsunami foi a resposta às suas preces, já que, literalmente varreu das áreas costeiras as comunidades que anteriormente impediam a realização de seus planos de construir resorts, hotéis, cassinos e áreas de criação de camarões. Para eles, todas essas áreas costeiras são hoje terra aberta!” A catástrofe, pelo que parece, é a nova terra de ninguém. Naomi Klein é jornalista e escritora canadense


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA RETRATOS DA JUVENTUDE BRASILEIRA - ANÁLISES DE UMA PESQUISA NACIONAL O livro é uma coletânea de textos onde especialistas de diversas áreas analisam a pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, realizada pelo Instituto Cidadania, com cerca de 3500 jovens entre 15 e 24 anos. A organização do livro é da socióloga Helena Abramo e do economista Pedro Paulo Martoni Branco. Foram convidados especialistas para analisar como os jovens brasileiros encaram o trabalho, a sexualidade, as drogas, a escola, entre outros temas. Assinam os artigos: Paul Singer, Antonio Lassance, Marília Pontes Sposito, Nadya Araújo Guimarães, Ana Karina Brenner, Juarez Dayrell, Paulo Carrano, Gabriela Calazans, Helena Abramo, Pedro Paulo Martoni Branco, Maria José Carneiro, Regina Novaes, Gevanilda Santos, Maria José P. Santos, Rosangela Borges, Beatriz Carlinni-Marlat, Paulo J. Krischke, Gustavo Venturi e Vilma Bokany. Editado pela Editora Fundação Perseu Abramo, o livro tem 448 páginas e custa R$ 35,20. Mais informações: (11) 5571-4299, ramal 49, www.efpa.com.br

RIO GRANDE DO SUL MÊS DA DIVERSIDADE SEXUAL até 30 No Rio Grande do Sul, o mês de

junho foi escolhido como o Mês da Diversidade Sexual. O Grupo de Apoio à Prevenção da Aids do Rio Grande do Sul (Gapa-RS) e o Nuances - Grupo pela Livre Expressão Sexual estão promovendo a campanha “Meta seu desejo na realidade: abra-se à diversidade sexual”, que faz parte do projeto “Prazer também tem preço”. Diversas atividades e seminários serão realizados durante todo o mês, incluindo a mostra “A rua derruba o armário”, com fotos de Adriana Franciosi. A exposição permanece até 30 de junho. Local: Usina do Gasômetro, Av. Presidente João Goulart, 551, Porto Alegre Mais informações: (51) 3221-6363

BRASÍLIA E RIO DE JANEIRO 12º CINESUL - FESTIVAL LATINO-AMERICANO DE CINEMA E VÍDEO Até 26, no Rio de Janeiro; de 28 de junho a 10 de julho, em Brasília Durante o evento serão exibidos 136 filmes, entre eles longas e vídeo de média e curta duração. Em paralelo, o festival apresenta a mostra “Franceses no Brasil”, sobre a participação dos franceses na cultura brasileira, com trabalhos como o documentário A la recherche de Orfeu Negro, que foi exibido em Cannes, e obras de artistas como Pierre Verger, Jean le Cena do filme ADAN Y EVA (TODAVIA) - México, 2004. Guay (Jano) e Marcel Camus. Outras atrações do evento serão as mostra em homenagem ao ator Grande Othelo, que se estivesse vivo completaria 90 anos, e ao cantor Carlos Gardel, responsável pela difusão internacional do tango. Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Cinemateca do Museu de Arte Moderna e Centro Cultural dos Correios; Brasília: CCBB de Brasília. Mais informações: (21) 3826-2490 Divulgação

LIVRO

12ª FEIRA ESTADUAL DO COOPERATIVISMO (FEICOOP) 9 e 10 de julho Paralelo ao evento, considerado o maior do cooperativismo popular do Brasil, acontecem também a 1ª Feira de Economia Solidária do Mercosul, a 4ª Feira Nacional de Economia Solidária, a 5ª Mostra da Biodiversidade e o Seminário Internacional da Economia Solidária e Agricultura Familiar com os países do Mercosul x Alca. Durante as atividades haverá articulação, debates, troca de experiências sobre comercialização direta, economia solidária, agricultura camponesa, catadores, povos afro e indígenas, trabalhadores do campo e da cidade em uma metodologia autogestionária. Da programação constam palestras,

oficinas e apresentações culturais. Local: R. Heitor Campos, s/nº, Santa Maria Mais informações: (55) 3219 4599, projescoopesp@terra.com.br

de CDD, haverá um debate, com os seguintes expositores: Regina Soares Jurkewicz, coordenadora da pesquisa; Silvia Pimentel, vice-presidente do Comitê da Cedaw – Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – e professora da PUC/SP; Florence Raes, consultora de gênero do Unifem – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para as Mulheres; padre Ronaldo Zacharias, diretor do campus Pio XI do Unisal – Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Local: Espaço da Cidadania André Franco Montoro, Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo, Pátio do Colégio, 184, São Paulo Mais informações: (11) 3541-3476

SÃO PAULO OFICINA: COLHERES DE BAMBU 25, das 10h às 17h A atividade será ministrada pelo artesão capixaba Álvaro Abreu. Com a experiência de quem já produziu 2 mil colheres, Abreu ensinará os inscritos a confeccionar colheres utilizando bambu, cacos de vidro e lixa. Local: Museu da Casa Brasileira, Av. Brigadeiro Faria Lima, 2705, São Paulo Mais informações: (11) 3032-3727 www.mcb.sp.gov

15º CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL (COLE) De 5 a 8 de julho O tema do encontro será “Pensem nas crianças mudas telepáticas”. Entre os principais assuntos a serem abordados, estão: relações de ensino, literatura e leitura na revisão curricular do ensino médio de português, consciência crítica, pensamento complexo e leituras plurais, escrita e formação docente, políticas de leitura. O 15º Cole é constituído por oito conferências, 11 seminários e quatro encontros, reunindo, no mesmo espaço, profissionais da área de educação e pesquisadores de todo o país, com uma única proposta: aproximar a prática pedagógica e o trabalho profissional da pesquisa científica e do debate universitário. Local: Unicamp, Cidade Universitária Zeferino Vaz, Barão Geraldo, Campinas Mais informações: www.alb.com.br/participacao.php

1º FÓRUM REGIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 8 de julho Organizado pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de Santa Bárbara d´Oeste, o fórum acontece em comemoração aos 15 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A iniciativa nasceu da necessidade de dar visibilidade à situação da

FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO 15 a 27 de julho Com o tema “O Olho do Furacão”, o festival terá peças inovadoras nas performances e linguagens teatrais. O evento contará com 43 espetáculos e 130 apresentações. Além dos 15 grupos nacionais, o festival terá a presença de três companhias internacionais, vindas do Chile, da França e da Itália. As peças acontecerão em ruas, praças e espaços culturais. Lançamentos de livros e shows também estão no cronograma. Local: Vários, São José do Rio Preto Mais informações: (17) 3215-1770, www.festivalriopreto.com.br/asp

Divulga

ção

LANÇAMENTO DE PESQUISA: ABUSO SEXUAL NA IGREJA Dia 28, às 19h30 O tema da pesquisa de Regina Soares Jurkewicz, integrante de Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), é a violência contra a mulher nos espaços eclesiais. Durante o lançamento da pesquisa, que será divulgada no Caderno nº 12

infância e da juventude na região. Os principais objetivos do fórum são discutir e avaliar a situação de criança e adolescentes além de elaborar um documento com propostas e ações. Local: Auditório da Universidade Metodista de Piracicaba, Campus S. Bárbara d´Oeste, Rod. Santa Bárbara, Iracemápolis, km 1, Santa Bárbara d´Oeste Mais informações: (19) 3454-2119 www.dess.org.br/ proj-1forumcmdca.php

EQUADOR

GUATEMALA

João Alexandre Peschanski da Redação CONFEDERAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE REFORMA AGRÁRIA DO BRASIL - CONCRAB

da Redação

J

CGC 68.342.435/0001-58 - Fone/Fax: (11) 222-9174/223-9135 Alameda Barão de Limeira, 1232 - Sta. Cecília 01202-002 - São Paulo - SP

EDITAL DE CONVOCAÇÃO O presidente da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB, no uso das atribuições que lhe confere o Estatuto Social da mesma, vem por meio deste CONVOCAR todas as suas afiliadas para a Assembléia Geral Extraordinária que será realizar-se no dia 08 de Julho de 2005, na Rua 19, 35, 1º Andar, Edifício Dom Abel, Centro, em Goiânia - GO, às 10 (dez) horas e trinta minutos da manhã, em primeira convocação, com a presença mínima de 2/3 (dois terços) dos associados, e em segunda e última convocação às 11 (onze) horas e trinta minutos da manhã com 50% mais um dos sócios, com a seguinte ordem do dia: a) Prestação de contas anual; b) Destinação dos fundos e sobras, e/ou prejuízos; c) Avaliação das atividades em geral; d) Plano de atividades para o ano; e) Outros assuntos de interesse da sociedade. Sendo só para o momento, Saudações cooperativistas, Francisco Dal Chiavon Presidente

Divulgação

São Paulo (SP), 21 de Junho de 2005.

airo Rolong costumava dizer que a comunicação popular não se faz por grandes meios, como jornais e programas de rádio. Acreditava que a fala, a transmissão de boca a orelha, era o canal pelo qual melhor se espalhava uma informação. Isto porque, dizia o jornalista equatoriano-colombiano, não se dava ao outro apenas uma mensagem, mas cumplicidade e partilha de confiança. O acidente de carro que tirou a vida de Rolong, em 19 de junho, não foi transmitido com o alarde dos grandes meios. Não gerou espetáculo midiático. Foi transmitido de pessoa a pessoa, com sentimento e boas lembranças desse militante da comunicação. Coordenador do setor de comunicação da Confederação dos Povos da Nacionalidade Quíchua (Ecuarunari), ligada à Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). Nessa função, participou de encontros internacionais, colaborando em sua organização, como o Fórum Social Mundial, o Fórum Social das Américas, o Encontro Hemisférico de Luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Nesses eventos, além de participar como delegado, montava, com jornalistas de outros países, a Minga Informativa de Movimentos Sociais, pela qual transmitia os acontecimentos dos debates e palestras

Morre Gaspar Ilom, histórico líder de esquerda

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Jairo Rolong, a comunicação por outros meios

O

a pessoas ligadas a organizações sociais de toda a América Latina. Em quíchua, idioma indígena equatoriano, minga significa mutirão. Rolong participava da Agência Latino-Americana de Informação (Alai), sediada no Equador, e colaborou várias vezes com o Brasil de Fato. Em suas reportagens, destacava o ímpeto popular equatoriano que, após meses de mobilização, derrubou o então presidente Lucio Gutiérrez, em abril, depois de impor uma agenda antipopular, de orientação neoliberal. No velório, no dia 21, Rolong recebeu homenagens de diversas lideranças populares equatorianas e latino-americanas. Deixa três filhos. Em mensagem, Eduardo Tamayo, da Alai, louvou os valores militantes de Rolong, com quem trabalhou. Concluiu: “As palavras nos fazem falta para falar de Jairo, só nos restam sua lembrança e exemplo. Que descanse em paz.”

líder histórico da guerrilha guatemalteca, Rodrigo Asturias Amado, conhecido como Gaspar Ilom, faleceu, em sua casa, na capital da Guatemala, no dia 15. Com 75 anos, ele sofreu um ataque cardíaco, enquanto nadava na piscina de sua residência, informou seu filho Sandino Asturias. Ilom entrou na guerrilha em 1942, integrando-se à agora extinta Forças Armadas Rebeldes (FAR). Quarenta anos depois, com a união da FAR, do Partido Guatemalteco do Trabalho (PGT) e do Exército Guerrilheiro dos Pobres (EGP) fundou a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG). A coalizão comandou, desde então, a resistência na Guatemala, concluída em 1996, após acordos de paz com o governo, liderado pelo então presidente Alvaro Arzú. Na luta, a URNG pretendia articular uma mudança radical da sociedade, em que as políticas públicas se voltassem ao bem-estar da população. “A morte do comandante Gaspar é lamentável e dolorosa para todos os revolucionários guatemaltecos. Foi um dos dirigentes mais destacados da revolução do país”, declarou, em entrevista coletiva, Pablo Ceto, da coordenação da URNG. (Com agências internacionais)


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CULTURA

De 23 a 29 de junho de 2005

MÚSICA

Porque os sonhos não envelhecem... or que se chamavam homens, também se chamavam sonhos e os sonhos não envelhecem”. Os versos da canção Clube da Esquina nº 2, de Milton Nascimento, Lô e Márcio Borges, compostos no início da década de 70, ganham atualidade em 2005. Revelam um sentimento que venceu as barreiras do tempo, nascido nos anos 70, uma época de sonhos, ideologias políticas, intensa criação musical. Márcio Borges, letrista de um dos mais importantes movimentos musicais brasileiros, conhecido mundialmente como Clube da Esquina, foi convidado em meados dos anos 90 para escrever um livro com suas memórias daqueles tempos. Resolveu se isolar em sua casa de campo no município de Mauá, em São Paulo, e recriou a juventude, seus amigos e parceiros, sua Belo Horizonte. Após 11 meses enclausurado, muitas emoções vieram à tona e “Os Sonhos não envelhecem, memórias do Clube da Esquina” estava pronto. “Quando terminei de escrever, reli de uma vez só o livro inteiro e chorei. Eu senti que aquilo ia emocionar as pessoas”, conta o compositor. Daí veio a vontade de manter viva para sempre a memória do movimento que saiu de Minas para o mundo e revelou artistas como Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini, Toninho Horta, entre muitos outros. Em 25 de janeiro de 2004, foi fundada a Associação de Amigos do Museu Clube da Esquina, em

Show ao vivo do Clube da Esquina em 1974, na TV Bandeirantes

uma reunião na Cervejaria Brasil, em Belo Horizonte. Logo depois, firmada uma parceria com o Museu da Pessoa, nasceu o Museu Clube da Esquina, entidade sem fins lucrativos que vem mapeando a história e construindo um acervo de depoimentos, fotografias, documentos e vídeos do movimento mineiro. José Roberto Borges, filho de Márcio e assistente de produção do

... e o tempo não apaga Tudo começou quando Marilton Borges conheceu Bituca (Milton Nascimento) e o pessoal que havia acabado de se mudar de Três Pontas para Belo Horizonte. Ambos moravam no Edifício Levy, no Centro da capital mineira, próximo à Praça XII. Marilton apresentou Bituca para o seu irmão Márcio, descobriram afinidades e juntos começaram a fazer canções. O apartamento da família Borges foi o primeiro reduto de encontro dessa turma para compor e ensaiar. “Eu conheci esse pessoal que veio de Três Pontas dentro da minha casa. Eu não sabia quem eram aquelas pessoas, ia chegando da escola e eles estavam lá ensaiando dentro do meu quarto”, lembra Márcio Borges. Foi também nesse ambiente que Lô Borges começou, ainda criança, a se interessar por música, “com essa turma que ia ensaiar ali: “Eu achava muito legal todos os grupos que eles montavam. Tinha o Evolussamba, o Sambacana... Nessa época eu tinha dez anos, e foi também quando eu conheci o Beto Guedes”. De lá, a família Borges mudou para o bairro de Santa Tereza. Anos depois, sentado na esquina das ruas Divinópolis com Paraisópolis, o adolescente Lô dedilhava seu violão quando chegou do Rio de Janeiro o amigo Bituca, naqueles dias já conhecido em todo o país como Milton Nascimento, o consagrado compositor de Travessia. Milton gostou da melodia, ficou impressionado com a capacidade musical daquele menino. Márcio colocou letra na canção, chamou-a de Clube da Esquina: “Noite chegou outra vez, de novo na esquina os homens estão, todos se acham mortais, dividem a noite, a lua e até solidão. Neste Clube, a gente sozinha se vê pela última vez, à espera do dia, naquela calçada (...)”.

Da gravação do álbum de 1972, assinado por Milton e Lô Borges, até hoje, são mais de 30 anos. Em todo esse tempo o Clube da Esquina se tornou uma referência musical para diversas gerações, tanto no Brasil quanto no mundo. Caetano Veloso, Tom Zé, Skank e muitos assimilaram sua musicalidade. Márcio considera essa influência um fato natural: “A historia é um fato e o Clube da Esquina virou um dos fatos mais contundentes da cultura moderna mineira, dos últimos 50 anos. Então, como tal, influenciou muita gente mesmo, não só aqui, no mundo inteiro. Influenciou aqueles que nos influenciavam, os jazzistas que a gente amava. O Miles Davis chegou a ter ciúmes do Milton Nascimento, quer orgulho maior do que esse?”. Contemporâneos de outros movimentos da década de 70, as produções do Clube da Esquina aconteceram em um ambinete absolutamente enriquecedor: ouviase o jazz estadunidense, a bossa nova carioca, a tropicália baiana, o sertanejo e tradicional mineiro. O cenário político era a ditadura militar, e Belo Horizonte, uma das maiores capitais do país, estava em ebulição política. Os principais letristas do disco participavam do movimento estudantil e tinham fascínio por arte e cinema. Dessa fusão de fatores culturais e políticos, levando em conta todas as influências e uma sólida amizade do grupo, nasceu um estilo de canção diferente de tudo aquilo que havia sido visto até então. Melodias e harmonias pouco usuais, percussão acentuada, letras que falam sobre o amor, mas também sobre utopias de um mundo diferente, mais livre, mais justo. Márcio define aquele tempo como “caótico, inseguro, traumático. Não tinha nada de romântico(BM)

museu, conta que primeiro foram feitas gravações com histórias dos mais velhos e depois com as novas gerações. Todos os músicos se mobilizaram para colocar à disposição seus arquivos pessoais. “Temos que preservar esse material para que futuras gerações conheçam a história”, diz\ Borges. Além da construção e preservação da memória pelo arquivo, desde o ano passado ocorre freqüentemente um evento denominado Museu Vivo. São shows e

palestras gratuitas com os músicos do Clube da Esquina em escolas, universidades e praças públicas do Estado de Minas Gerais. A idéia é contextualizar social e culturalmente o movimento. O próprio Lô Borges conta que sua relação com as memórias do movimento ficaram mais latentes a partir do livro de seu irmão e do projeto do museu: “Eu voltei a me envolver mais, vi a relevância do Clube da Esquina. O Marcinho mostrou que isso é muito importante.

Essas pessoas se encontrarem numa determinada época, fazer discos, uns tocando nos álbuns uns dos outros”.

PARA SABER MAIS: “Os Sonhos não Envelhecem – Memórias do Clube da Esquina” Borges, Márcio / Editora Geração Museu Clube da Esquina: www. museuclubedaesquina.org.br

Histórias de um grupo que fez a história Silvana Franco

“P

MEMÓRIAS DE LÔ BORGES Amigos de infância – “Eu conheci o Beto Guedes em cima de uma patinete. Estava na rua e passa um cara da minha idade, dez anos, magrinho, numa patinete maravilhosa, eu nunca tinha visto uma coisa tão bacana. E eu entrei na frente: quem é você, onde você conseguiu essa patinete?! O pai dele era pintor e compositor e tinha uma oficina no Centro de Belo Horizonte, onde construía algumas coisas, brinquedos pros filhos, carrinho de rolimã. Ele tinha ferramentas pra conseguir fazer uma outra patinete igual na oficina do pai dele. Eu, sabendo disso, quis negociar aquela pra mim. Na época, moleque de dez anos, você não tem dinheiro, mas existia o sistema das trocas. Então peguei tudo o que eu tinha de coleção e dei pro Beto.” O ano de 1964 – “Beto Guedes, Milton Nascimento, a ditadura, os Beatles. Tudo em um ano, 1964. Eu fui ver o filme dos Beatles e fiquei apaixonado, imediatamente. Aí o Marcinho e o Bituca (Milton Nascimento) me deram o disco de presente e colocaram um cartão com a dedicatória dos dois. Eu levei na casa do Beto, que era um cara do interior, Montes Claros, norte de Minas, uma coisa mais sertão. Num primeiro momento, até foi engraçado, porque ele teve uma rejeição. Na hora em que ele viu a capa, aquele monte de fotozinhas dos Beatles, com aquele cabelinho, franjinha... Naquela época homem só tinha cabelo curtíssimo. Eu disse: ´O que importa é o que você vai ouvir agora, vai tomar um tapa na cara´. E coloquei A Hard Days Night. Na hora em que acabou o disco ele ficou impactado e disse ´vamo pro cinema´”. No mesmo ano a gente montou uma bandinha de covers, os Beavers, fazia o maior sucesso.“

Silvana Franco

Bel Mercês da Redação

Mario Luis Thompson

Mais de 30 anos depois, o Clube da Esquina revive em um museu e no livro escrito por Márcio Borges

LEMBRANÇAS DE MÁRCIO BORGES Mudando o mundo – “Nós éramos seres antropófagos, estávamos prontos pra deglutir tudo mesmo. A gente assimilava todo tipo de experiência, e quase conseguiu mudar o mundo, totalmente. Se é que ele chegou perto de uma mudança radical, foi de 1964 a 1968. A geração paz e amor, os movimentos pacifistas, os movimentos de liberação feminina, a ditadura no Brasil, o massacre de estudantes em Ohio, as barricadas em Paris, estudantes de Praga sendo reprimidos com tanque. Foi uma época em que o mundo entrou em convulsão por causa dos jovens, que resolveram tomá-lo de assalto, o mundo inteiro. Os Beatles, os Rolling Stones, os grande conjuntos ingleses e americanos eram a bandeira disso. Crosby, Nash Young, que cantavam pros estudantes, músicas de protesto. Jimi Hendrix, Janes Joplin, o mergulho nesses universos paralelos das drogas, essas expansões de consciência. Tudo aconteceu ali, pulou tudo na nossa frente.” Movimento estudantil – “Eu estava envolvido até o pescoço com o movimento estudantil, com a organização de greve, de partido clandestino, essas coisas. Minha cabeça ficou um pouco a prêmio por aí. Minha casa nunca foi invadida, mas a gente se preparou bastante para o caso de ser. Escondemos meus livros no sótão.”

Cinema – “O cinema foi essa paixão que já vinha desde a infância. A primeira vez que eu vi Simbad, o Marujo fiquei impressionado. Aquele mar maravilhoso, eu falei: é isso que eu quero ser. Ou o Simbad, o próprio navegador, ou o cara que projeta o filme. Naquele universo em me encaixei.” Milton Nascimento – “Eu desestimulei o Bituca de ser escriturário, com toda certeza. Disse pra ele que ia tocar, compor. E eu consegui esse objetivo no dia em que a gente viu o Jules et Jim. Ele ficou tocado pela mágica da criação, falou ´você tem toda razão´. A gente ficou o dia inteiro no cinema vendo uma sessão atrás da outra e depois foi pra minha casa e lá compôs três músicas em uma noite.”


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