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Ano 3 • Número 122

R$ 2,00 São Paulo • De 30 de junho a 6 de julho de 2005

Zapatistas preparam nova ofensiva Fati Moalusi/ AFP/ Folha Press

Frente à pressão de paramilitares e ao descaso do governo mexicano, EZLN consulta as bases para reacender a rebeldia

Desemprego – Centenas de jovens sul-africanos protestam contra a falta de trabalho, em Joannesburgo, no dia 27 de junho. Eles reivindicam do governo políticas públicas para a criação de emprego e medidas para impedir a importação de produtos da China

UNE vai pedir mudança de rumos

Pobres festejam o presidente eleito do Irã

começou dia 29 de junho e irá até o dia 3 de julho em Goiânia, capital de Goiás. Entre os principais campos de disputa, tanto da situação quanto da oposição, é consenso que o momento é de

pressionar por mudanças mais à esquerda. Outros pontos de discussão polêmicos devem ser a reforma universitária e a organização do movimento estudantil. Pág. 3

Daniel Cassol

Ex-prefeito de Teerã e vencedor das eleições de 24 de junho, Mahmoud Ahmadinejad defende os investimentos produtivos e quer livrar o petróleo do poder das famílias e etnias dominantes. As camadas mais pobres da população comemoraram nas ruas, depois de turbulento processo eleitoral, que incluiu tentativas consideradas golpistas pelos apoiadores de Ahmadinejad. Pág. 11

Devido às recentes denúncias de corrupção no governo Lula, a conjuntura nacional deve centralizar os debates durante o 49º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), que

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s sinuosas estradas que cortam o território autônomo controlado pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), em Chiapas, no Sul do México, dão pistas dos desafios dos indígenas. Em algumas áreas, comunidades zapatistas convivem, lado a lado, com acampamentos de militares mexicanos e grupos paramilitares, que interferem em seu dia-adia. A reportagem do Brasil de Fato visitou duas dessas comunidades zapatistas e constatou o potencial explosivo da realidade local. Pedro Arriaga, vigário da Diocese de San Cristóbal de Las Casas, considera o alerta vermelho declarado pelo EZLN, em 19 de junho, como o ressurgimento dos zapatistas na sociedade mexicana e no cenário internacional, exatamente na proximidade das eleições presidenciais, marcadas para 2006. “O alerta volta a colocar na consciência nacional e internacional as demandas dos zapatistas e denuncia também o problema dos refugiados”, afirma Arriaga. Pág. 9

Em educação, o país é reprovado todos os anos Os governos brasileiros gostam de manipular estatísticas. Na educação, por exemplo. Para especialistas, a baixa qualidade do ensino público do país e os altos índices de analfabetismo resultam do sistema pelo qual o aluno não repete de ano. Assim, o número de alfabetizados cresce, mas a deficiência de aprendizado é gravíssima e ainda é alta a taxa de analfabetismo. Pág. 7

José Saramago reafirma seu apoio a Cuba

O governo Lula preferiu deixar tudo como estava

“Vim, porque me convidaram”, disse o escritor José Saramago quando perguntado por que voltara a Cuba dois anos depois de ter criticado Fidel pela execução de seqüestradores. Para ele, tudo se recompôs. “Enfim, o que importa é que estou aqui, sou amigo de Cuba e a manipulação midiática não me tira o sono. Tenho outras coisas que me tiram o sono”. Pág. 10

Em 2003, o Brasil poderia ter tomado outro rumo. Até o mercado financeiro contava com isso. Mas, apesar do apoio popular, Lula preferiu dar continuidade ao governo Fernando Henrique. O PT rasgou muitos princípios e, a um projeto de nação, preferiu um de poder. É como a economista Leda Paulani analisa a história recente do país. Pág. 8

Dezoito presos, em tratamento médico, foram acorrentados às macas no Hospital Vila Nova, em Porto Alegre (RS)

Exemplo tucano: Sindicatos do abrigos não têm Iraque unidos verbas e fecham contra ocupação Na cidade de São Paulo, é grande a demanda por vagas em casas de acolhida e abrigos para menores em situação de rua. No entanto, a prefeitura do tucano José Serra, ao invés de destinar mais recursos ao setor, prossegue sua investida de limpeza social do Centro da capital, nega a falta de verbas, enquanto as entidades, em dificuldades, vão fechando as portas. É o caso da casa de acolhida modelo, que já parou de funcionar por não ter recebido verba. Pág. 6

Pág. 11

No Pará violento, frei Henri vive sob ameaça Pág. 13

Intervenções urbanas: arte e política na rua Pág. 16

Pág. 4

E mais: RUMOS DO GOVERNO – Dom Tomás Balduíno diz que Lula preferiu as elites ao buscar ajuda do PMDB, enquanto Emir Sader ataca o papel da mídia na crise. Pág. 5 DEBATE - O jurista Fábio Konder Comparato e o bispo de Jales, dom Demétrio Valentini analisam a atual crise política no país. Pág. 14


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De 30 de junho a 6 de julho de 2005

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, 5555 Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino, Marcelo 5555 Netto Rodrigues, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretária de redação: Thais Pinhata 55 Assistente de redação: Fernanda Campagnucci e Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Paulo Ylles 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

CARTAS DOS LEITORES PRIVATIZAÇÕES Meus cumprimentos vão ao jornalista Marcelo Netto Rodrigues por expor a nova campanha pró-privatizações realizada por setores majoritários da mídia até então adormecida aguardando um deslize do governo Lula. Eis que na febre de denúncias de corrupção nos Correios, foi achado o momento para dar o bote. Eu li a tal matéria da revista Exame citada no texto do Brasil de Fato. Como se trata de pessoas com nível educacional e cultural acima da média nacional, ou seja, sabendo muito bem quais as conseqüências das privatizações, a transferência de patrimônio público a preço de banana, origem principal de problemas sérios pelo qual o país passa no presente, só nos resta concluir que se trata de má fé ou interesses pessoais por parte dos autores das matérias. Além disso, quero lembrar que, em julho, completam-se cinco anos do falecimento de Aloísio Biondi que dissecou o processo de privatização de FHC para leigos como eu. Não deixem a data passar em branco. Humberto Amadeu Capellari por correio eletrônico

PRAZER EM CONHECER Quero expressar a minha satisfação de ter conhecido esta brilhante iniciativa que é a publicação Brasil de Fato. Neste momento delicado que atravessamos (e infelizmente a história de nosso país é feita de eternos “momentos delicados”) encontrei informações para uma reflexão sobre o governo Lula a partir das matérias da edição 120. Reflexão esta que vinha evitando fazer por me encontrar em estado de torpor nestes últimos dois anos, sem conseguir fazer uma análise mais profunda devido a grande frustração pelos rumos tomados por este governo. Pelo menos por enquanto, reencontrei o meu rumo de pensamento a partir da clareza com que o assunto é retratado no jornal. Alexandre Gonçalves por correio eletrônico EDUCAÇÃO Considero importante que vocês publiquem matérias sobre o ensino fundamental e médio. Tenho observado que o interesses de vocês restringem-se ao meio universitário. Sonia Silva por correio eletrônico

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

NOSSA OPINIÃO

O que teme a direita

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inda repercute, de forma variada, a Carta ao Povo Brasileiro lançada pela Coordenação de Movimentos Sociais (CMS). O documento exige a apuração das denúncias de irregularidades, mas também o respeito à soberania do voto dos 53 milhões de eleitores que elegeram este governo em 2002. A carta pede também mudança de rumos na política econômica, o desbloqueio da reforma agrária e a demissão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e do ministro da Previdência, Romero Jucá. A reunião da CMS com Lula provocou reações enfurecidas por parte da direita e da mídia do grande capital. Manifestaram uma preocupação sobre a possibilidade de uma “chavização” do atual governo, como se diante das dificuldades com o Congresso Nacional, o presidente Lula se dirigisse diretamente ao povo, aos movimentos sociais, a exemplo do que faz o presidente Hugo Chávez na Venezuela. No entanto, ainda não há sinais mais eloqüentes de mudança no governo Lula. Nada indica até o momento que o governo já tenha chegado à conclusão de que, se não mudar drasticamente de rumo, estará configurando uma irreparável perda de oportunidade histórica para iniciar um curso de transformações sociais que este país necessita para sair da miséria. Mas mesmo o governo com uma política predominantemente neoliberal, o imperialismo dá sinais inequívo-

cos de insatisfação e desconfiança. Um dos motivos de fúria da Casa Branca é a Aliança Estratégica Brasil-Venezuela. Esse acordo estabelece a cooperação militar, compra de armas, colaboração energética, inclusive a construção de uma refinaria de petróleo em Cuba, sob a responsabilidade conjunta da Petrobras e da PDVSA. Há outros motivos, como a Cúpula Árabe-América do Sul, convocada pelo Brasil sob pressão contrária dos EUA (cuja participação foi vetada pelo Itamaraty), e o não cumprimento, até o momento, do calendário da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A direita se sente insegura e temerosa. Percebe os ventos antiimperialistas que correm do México ao Uruguai – combativas mobilizações na Bolívia pela reestatização do gás e do petróleo, a falência do governo neoliberal no Peru, a instabilidade crônica no Equador. Vê o fortalecimento do que a mídia de direita chama de populismo: o aumento das pensões e dos salários pelo governo argentino e a guerra ao latifúndio e no fortalecimento do Estado na Venezuela, juntamente com o lançamento, em breve, da importantíssima TV Sul. Os setores conservadores querem se antecipar, desestabilizando e desmoralizando o governo Lula. Temem que, diante do agravamento dessa crise – decorrente da opção pe-

lo não rompimento com as políticas neoliberais –, o presidente possa se inclinar para medidas que, de alguma maneira, sejam um impulso à participação popular. Chávez também demorou antes de adotar posições de enfrentamento com o imperialismo e a oligarquia petroleira venezuelana, mas o apoio popular não arrefeceu, ao contrário, se ampliou. Evidentemente, os movimentos sociais não ofereceram um cheque em branco a Lula. Ao contrário, lançaram um aviso à direita de que haverá luta contra seus planos de aprisionar Lula em um novo pacto, mais conservador, e de retomar uma ofensiva de privatização sobre os Correios, a Eletronorte, a Petrobras etc. Fazendo política, a CMS alerta Lula de que a verdadeira razão deste impasse em que o governo se encontra é o abandono das políticas de mobilização do partido, dos sindicatos e dos movimentos em torno de um programa de transformações. Uma maior aproximação com o PMDB, ou mesmo com o PSDB, como defendem alas “tucanas” do petismo, apenas aprofundará a crise. Somente mais participação popular, com controle social sobre as empresas estatais e a punição exemplar de qualquer irregularidade comprovada, pode salvar esse governo de um processo de insolvência e o seu total aprisionamento por parte dos esquemas do grande capital.

FALA ZÉ

OHI

CRÔNICA

Sentimento do Mundo Luiz Ricardo Leitão Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. (“De mãos dadas”, Carlos Drummond de Andrade) Quando o poeta mineiro publicou o seu poema, o mundo estava no limiar da 2º Guerra Mundial, um dos momentos cruciais do “curto século 20”, como escreveu Eric Hobsbawm em A era dos extremos. Eram dias tensos e inquietantes. O pior dos fantasmas espreitava a Europa, um prenúncio dos tempos aziagos que as bestas do nazismo e do fascismo desejavam impor à humanidade. A República Espanhola caíra diante do assalto impetuoso das falanges, que infligiram uma dura derrota a comunistas, anarquistas e todos aqueles que, não obstante suas diferenças, representavam a resistência democrática contra a barbárie repressiva de Franco. A Alemanha rendera-se por completo à ideologia “nacional-socialista” de Hitler e a Itália, como se fosse um filme de Fellini, vivia as bravatas retrógradas de Mussolini. Sim, os homens tinham motivos para estar taciturnos. Todavia, nutriam grandes esperanças, como lembrara o artista, porque nem tudo estava perdido na face da Terra. O sonho do

socialismo já era uma realidade em construção na Rússia e uma alternativa visível para vários povos do planeta. E o poeta, verdadeira antena da raça, não pretendia ser o cantor de uma mulher, nem iria refugiar-se em ilhas desertas, raptado por serafins. Renunciando às paisagens vistas da janela, reafirmava a sua consciência da existência de outros homens, seus companheiros (que palavra tão malversada pela tosca retórica neoliberal!), com quem seguia “de mãos dadas” – esta era a sua “matéria”. Pois o cronista, sem a verve luminosa de Drummond, também deita um olhar arisco sobre os seus companheiros e constata que, mais de meio século depois da terrível guerra e duas décadas após o fim da vergonhosa ditadura em Pindorama, quase todos andam igualmente taciturnos e, pior, bem mais apreensivos do que esperançosos. Os motivos estão nas páginas de todos os jornais: embora o povo tenha dito, com todas as suas forças, que apostava na vitória da esperança contra o medo, ao eleger Lula da Silva presidente do Brasil em 2002, este, infelizmente, esmera-se em entregar de bandeja aos nossos inimigos um patrimônio de lutas que construímos de mãos dadas ao longo de vários séculos de história tupiniquim. A direita regozija-se em surdina e assanha-se para 2006. A metralhado-

ra giratória global dispara na telinha que, dentre as “lições da crise”, decerto estará o abandono da “canga ideológica” do PT (como se ainda houvesse espaço para Marx e Lênin ao lado de Genoíno e Dirceu...) e o fortalecimento da sensata linha “pragmática” abraçada por Palocci & Cia (haverá coisa mais patética do que ouvir o Jabor dizer que a equipe do ministro é “a única ilha de bom senso do governo dos trapalhões bolcheviques”?). Nós, que aprendemos a desvendar os segredos da história graças aos argutos ensinamentos de Marx & Engels, até hoje os mais agudos analistas dos perversos mecanismos de exploração da mais-valia humana engendrados pelo capital, só podemos sorrir diante da cínica cantilena: mesmo que uma semente não vingue, sempre será tempo de fecundar o solo fértil dos filhos de Pindorama. Ouçam o sentimento do mundo, companheiros: ele aspira por mudanças. Vamos, então, de mãos dadas, reinventar o tempo presente: pode não ser uma rima, mas será sempre a melhor solução. Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da Uerj. Doutor em Literatura LatinoAmericana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba)

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De 30 de junho a 6 de julho de 2005

NACIONAL CONGRESSO DA UNE

Por mudanças no governo Lula Igor Ojeda da Redação

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conjuntura nacional deverá ser o principal ponto de discussão do 49º Congresso da UNE (Conune), que começou no dia 29 de junho e vai até 3 de julho, em Goiânia (GO). Realizado bianualmente, o encontro decidirá as diretrizes da entidade para os próximos dois anos, além de eleger a nova diretoria. Para os integrantes dos quatro campos de disputa ouvidos pela reportagem do Brasil de Fato, as denúncias de corrupção nos Correios e a existência do “mensalão” vão projetar o debate sobre o governo Lula para o primeiro plano. Outros dois pontos polêmicos também estarão no centro das discussões: a reforma universitária e a organização do movimento estudantil. Fabiana Costa, vice-presidente da UNE e integrante do campo de disputa majoritário União da Juventude Socialista (UJS) – tendência ligada ao PCdoB no poder desde 1991 –, diz que seu grupo irá defender a apuração de todas as denúncias, “doa a quem doer”. Fabiana analisa que a situação vem sendo “apimentada” por setores conservadores “que querem colocar em xeque o projeto de mudança que o povo apoiou”. Por isso, afirma Fabiana, a UJS reafirmará no encontro a aposta no governo Lula. “Mesmo com todas as críticas à politica econômica, ainda acreditamos nesse governo e temos as condições de reorientálo no sentido das mudanças que a gente sempre defendeu”.

Alan Marques/ Folha Imagem

Consenso das quatro das principais correntes do movimento estudantil: chegou o momento de mudar os rumos

UNE quer mobilizar estudantes contra a corrupção, além de discutir a reforma universitária e a organização do movimento estudantil

governo Lula, principalmente no campo econômico, ou seja, atacar a hegemonia do capital financeiro, que impede a implementação das políticas sociais”, considera. Em relação às denúncias de corrupção, Gomes acredita que a entidade deve pedir apuração total, mas não pode perder o foco principal: a pressão pela mudança. Louise Caroline, diretora de assistência estudantil da UNE e candidata à presidência da entidade pelo campo “Mudança”, associada ao campo majoritário do PT, tem a mesma opinião. “O protagonismo da mudança tem que ser do movimento social. Com o governo fragilizado como está, não podemos perder essa oportunidade histórica”, defende. Mas para ela, a ortodoxia da política econômica não se deve à vontade do ministro Palocci ou de Lula, e sim a essa correlação de forças desfavorável. “Os movimentos devem ser mais críticos em relação aos aspectos negativos do

À ESQUERDA Ueltom Gomes – diretor de políticas educacionais da entidade e componente do campo de disputa de oposição “Reconquistar a UNE” ligado à esquerda do PT – avalia que a entidade deve aproveitar o momento atual para, junto com os demais movimentos sociais, deslocar o campo de correlação de forças do governo para a esquerda. “Temos que exigir uma alteração de rumos no

governo, como as alianças à direita e a política econômica”.

REFORMA UNIVERSITÁRIA Outro ponto polêmico que promete esquentar as discussões sobre os rumos da UNE no Congresso da entidade será o da reforma universitária, especialmente no que diz respeito à divulgação em 30 de maio pelo Ministério da Educação (MEC) da segunda versão do anteprojeto da reforma universitária. Para Antônio David, candidato à presidência da UNE pelo campo de disputa “Contraponto” – de oposição à atual gestão e também ligado à esquerda do PT –, a entidade deve se posicionar de maneira firme contra a reforma, reivindicando a revogação do que já foi implementado, como o Prouni e a Lei de Inovação Tecnológica, além de defender a não apresentação desse projeto ao Congresso Nacional. “Temos que pedir ao MEC a abertura de um cronograma novo de discussões

Democratização da UNE no centro do debate

Estudantes abrem conta universitária durante Bienal de Arte e Cultura da UNE

eleitos em cada curso (a cada dois mil alunos, um delegado). Já o Coneb, uma reivindicação também do Reconquistar a UNE e do Contraponto, seria outra forma de democratizar o debate na entidade e aproximar os estudantes, já que participam os Diretórios Acadêmicos das universidades. A vice-presidente da UNE, Fabiana Costa, contesta as críticas, apesar de não desmerecê-las. Segundo ela, a entidade é “uma das mais democráticas que existe, que abriga inclusive todas as correntes de opinião. São 71 diretores, e temos representação em todos os Estados brasileiros”. Quanto à não-realização do Coneb, Fabiana afirma que existiram muitos outros fóruns de dis-

cussão durante o período, com grande participação. Cita como exemplo a Bienal de Cultura, os Conselhos Nacionais de Entidades Gerais (Conegs) e os espaços de discussão da reforma universitária. “Há uma referência que o Coneb possa ser o espaço mais democrático, mas nós conseguimos estabelecer outros fóruns que privilegiaram a participação dos estudantes”, afirma. A UJS promete a realização de um Coneb para o primeiro semestre de 2006, quando Fabiana acredita que poderão ser discutidas mudanças tanto na estrutura do Conune, tornando-o mais democrático, como na do movimento estudantil. (IO) (Veja mais sobre educação na página 7)

certa flexibilização na regulamentação do setor privado, avança muito em relação à situação atual da universidade brasileira”. Quanto aos pontos negativos, o papel da UNE seria o de entrar na disputa, apresentando contribuições e, junto com as outras entidades acadêmicas, fazer pressão política no Congresso Nacional. A candidata do campo Mudança, Louise Caroline, concorda. “Essa leitura de que se deve barrar a reforma não existe. Temos que garantir que ela melhore”, afirma. “Ela contempla os dois grandes vieses de defesa da universidade da UNE: fortalecimento da universidade pública e regulamentação do setor privado. Iremos defender o conteúdo central e lutar pelo que achamos de negativo”, completa.

EDUCAÇÃO

Uma proposta para resgatar uma dívida histórica Maria Mello de Brasília (DF)

Agência Brasil

Apesar de sua importância, o terceiro eixo principal de discussão do 49º Congresso da UNE (Conune), a organização do movimento estudantil, deverá ficar ofuscado frente aos outros dois pontos – a conjuntura nacional e a reforma universitária. Mesmo assim, o debate promete ser polêmico. Os integrantes dos campos “Reconquistar a UNE”, “Contraponto” e “Mudança” fazem críticas semelhantes em relação à condução da entidade pelo campo majoritário da UJS. Para eles, a direção mantém uma estrutura antidemocrática e verticalizada e não consegue dialogar com os estudantes que representa. “É preciso uma profunda mudança na estrutura da entidade. Levar o estudante ao dia-a-dia do movimento estudantil, o que envolve uma democratização de uma política de comunicação”, afirma Antônio David, do Contraponto. Louise Caroline, do campo “Mudança”, afirma que defenderão no Conune as eleições diretas para a diretoria da UNE (proposta também do “Contraponto”) e a convocação do Conselho Nacional de Entidades de Base (Coneb), que ocorre desde 1998. Atualmente, o processo eleitoral da UNE é feito sob o modelo congressual, ou seja, quem vota são os delegados

efetivamente democráticas e prolongadas com a sociedade e com as entidades que compõem o Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública, e apontar medidas e projetos alternativos a esse”, afirma David. Ueltom Gomes, do “Reconquistar a UNE”, campo que vê tanto avanços e pontos negativos na reforma universitária, acredita que, mais do que debater seu mérito, a entidade deve trabalhar para que o governo não o envie ao Congresso. “Na atual conjuntura da correlação de forças entre os parlamentares, enviá-lo significará uma derrota ao movimento pela educação. O governo pode agir com medidas do Executivo”, defende. Já Fabiana Costa, da UJS, avalia que “o projeto atual, mesmo com alguns recuos, como uma

AConfederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras entidades, lançaram, em Brasília, duas novas iniciativas para colocar o tema da educação e o da dívida na agenda nacional. Trata-se do Comitê Social da Conversão da Dívida em Educação e da Frente Parlamentar em Favor da Conversão da Dívida Externa em Recursos para a Educação. Ambas propostas têm o objetivo de abrir um espaço para discussão do problema pela sociedade, assim como estimular a adesão da opinião pública à idéia de conversão, além de identificar as possíveis modalidades de transformação de parcela da dívida em investimento na educação. Atualmente, a dívida externa líquida é da ordem de R$ 192,7 bilhões, dos quais R$ 8,81 bilhões poderiam ser convertidos em investimentos na educação. Entre os principais credores do país estão o Clube de Paris, ao qual o Brasil deve 3,5 bilhões de dólares; a França (808 milhões de dólares) e o Japão (820 milhões de dólares).

AGENDA Em abril, durante a Marcha pela Educação, foi entregue uma carta ao ministro Tarso Genro, reivindicando a criação de uma

agenda que contemplasse a conversão. “Os lançamentos do Comitê e da Frente são, claramente, uma resposta ao nosso pedido”, constata Juçara Vieira, presidente da CNTE. Para ela, a entrada da conversão na pauta nacional representa um grande avanço, mas é necessário que se consolide um financiamento estrutural em educação. “O governo pode ficar tentado a realizar apenas pequenos planos emergenciais”, alerta. Segundo Juçara, outro ponto de discussão são os possíveis obstáculos que a medida pode encontrar nos responsáveis pela condução da política econômica do país. “Por enquanto, ouvimos apenas o ministro da Educação. Precisamos saber o que pensa, por exemplo, a Fazenda”, completa.

EXEMPLO ARGENTINO Para o deputado Paulo Pimenta (PT/ RS), que propôs a Frente Parlamentar (que reúne 47 deputados), a formação do grupo é essencial para a concretização do projeto. “Já tínhamos todos os movimentos articulados e havia iniciativa do governo, mas o Parlamento estava totalmente alheio à questão,” diz. O parlamentar destaca, ainda, que um dos exemplos que o Brasil pode seguir é o da Argentina que, no início do ano, obteve autorização do governo espanhol para reverter 78 bilhões de dólares da dívida do país em investimentos em educação.


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Espelho VIDA DIGNA

Pela jornada de trinta horas

da Redação

Iceberg mineiro No meio do amplo noticiário das denúncias de corrupção e suspeitas de irregularidades nos governos do PT, o jornal Folha de S. Paulo publicou, dia 24 de junho, um caso envolvendo o governo do Acre em suposta contratação de agência de publicidade sem licitação. A agência ASA Comunicação, de Belo Horizonte, tem tradição em prestar serviços extraordinários para prefeituras petistas no Estado de Minas Gerais, especialmente nas eleições. Articulação midiática Em seu comentário semanal na revista Carta Capital, o jornalista Mino Carta revelou a trama dos tubarões da imprensa: “Correm rumores de encontros entre os senhores da comunicação, e até informações precisas sobre tertúlias de confraternização”. Qual o objetivo? Segundo o jornalista, desgastar o governo do PT e preparar o retorno dos tucanos. Voz do dono Em sua última edição, a revista inglesa The Economist, que é a principal porta-voz do capitalismo internacional, publicou matéria sobre as denúncias que envolvem o governo Lula e concluiu que as medidas para combater a corrupção são o enxugamento do Estado e as privatizações. É a mesma receita adotada pelo governo FHC e que resultou no mais corrupto processo de entrega do patrimônio público para o setor privado. O capitalismo não brinca em serviço. Alvos variados A revista Veja centrou fogo no publicitário mineiro Marcos Valério, que tem sido acusado de arcar com o pagamento do “mensalão” aos deputados do PP e do PL; já a revista Época preferiu explorar os contratos “suspeitos” dos Correios e a suposta “intermediação” de Sílvio Pereira, secretário-geral do PT. A temporada de caça diversificou o noticiário da imprensa burguesa, que só mantém uniforme o discurso da intocabilidade do modelo econômico. Ameaça terrorista A chamada de capa do jornal O Estado de S. Paulo do dia 27 de junho foi de assustar qualquer um: “Polícia Federal vai desencadear série de ações que fará estremecer a República”. E prometia uma semana de demissões e prisões no alto escalão do governo e no setor privado envolvidos em casos de corrupção. Pânico, sensacionalismo ou paranóia? Dinheiro recuperado De acordo com a Revista do Idec, ações judiciais coletivas movidas pelo instituto conseguiram reaver mais de R$ 40 milhões de clientes de dez bancos, que tinham contas de poupança na época do Plano Verão, há 15 anos. No total, o Instituto de Defesa do Consumidor reivindica o reembolso de R$ 100 milhões, de um total de 2.556 associados. A vitória judicial recupera parte do que os bancos ganharam nas costas de seus clientes. Leituras alternativas Já está em circulação a revista Princípios de junho-julho, com material especial sobre o capitalismo hoje. Editada pelo PCdoB, a revista pode ser adquirida pelo telefone (11) 3266-4312. Acaba de ser lançada a revista Cultura Crítica, editada pela Apropuc, com ensaios e poemas de João Cabral de Melo Neto, Bertold Brecht, Maiakoviski, García Lorca e Pedro Tierra. A revista pode ser conseguida pelo fone (11) 3872-2685. Brasil democrático Segundo a Agência Carta Maior, o editor do Jornal do Commércio de Pernambuco, Cícero Belmar, foi demitido porque autorizou a publicação de uma reportagem sobre trabalho escravo na fazenda de Eduardo Monteiro, amigo do dono do jornal. O caso merece uma nova bandeira para a imprensa pernambucana: pela libertação dos jornalistas!

Em evento no Rio de Janeiro, de 24 a 25 de junho, trabalhadores debatem direitos sociais Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)

A

jornada de trabalho no Brasil é excessiva – e deve ser reduzida para seis horas diárias. A medida é fundamental, pois garante a melhoria de condições de vida das pessoas que têm emprego e possibilita a entrada no mercado de trabalho dos desempregados. A avaliação foi produzida no seminário “30 horas semanais – Reduzir a jornada para prolongar a vida”, que ocorreu na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em 24 e 25 de junho. Participaram do evento, promovido pelo Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no Rio de Janeiro (Sisejuferj), a juíza Salete Maccalóz, o sociólogo Carlos Alberto Colombo, o jornalista Laerta Braga, os sindicalistas Roberto Ponciano (Sisejuferj), Vera Lúcia dos Santos (Federação Nacional dos Servidores Federais – Fenajufe) e Ernesto Germano Pares (Sindicato dos Trabalhadores em Energia – Sintergia). Em sua palestra, Salete disse que conquistas sociais, como a redução da jornada, dependem da organiza-

A redução da jornada de trabalho para trinta horas semanais é discutida durante seminário na Uerj

e se insere na perspectiva de “um modo de produção humanista, em que os trabalhadores têm melhores condições de vida”.

ção dos trabalhadores. “Para que a mudança ocorra é preciso que os trabalhadores pressionem, pois nunca ganharam nada da Justiça sem antes demonstrar força política”, disse. Ponciano, em sua fala, concordou. Ele afirmou que a mobilização dos trabalhadores deve ser imediata

TERCEIRIZAÇÃO Salete ainda alertou para uma questão prejudicial ao funcionamenTerceirização – For- to do serviço ma encontrada por público: os conempresas para retratos por terceiduzir custos, em que rização. Seguntransferem a outras do ela, estes são algumas atividades necessárias para uma “desgraça” seu funcionamento. para os funcionários concursados e pode levar ao desaparecimento dos serviços públicos. A juíza relatou o caso de

Na França, redução gera 350 mil empregos da Redação A redução da jornada de trabalho na França, com a aplicação da jornada semanal de 35 horas, gerou cerca de 350 mil empregos entre 1998 e 2002, sem que isso tivesse efeitos negativos na situação das empresas. A conclusão é de um estudo do Instituto Nacional de Estatística (INSEE), principal centro de pesquisa da França. O resultado contraria o argumento de recorrentes discursos do presidente Jacques Chirac. Segun-

do ele, a jornada de 35 horas é um impedimento ao desenvolvimento de pequenas empresas. O estudo revela que, para os trabalhadores, “o sentimento de melhora da vida cotidiana é, em média, bem mais positivo”, sobretudo para as mães de família que trabalham em regime de jornada completa. Outra das conclusões do relatório é que, com as 35 horas, “os lucros de produtividade, moderação salarial e redução de cotações sociais permitiram manter a competitividade das empresas”. (Com agências internacionais)

Brasília (DF), onde, de acordo com ela, 92% dos funcionários são contratados por acordos terceirizados. Em sua intervenção, Colombo apresentou uma pesquisa que realizou para avaliar os impactos do aumento da jornada de trabalho de seis a oito horas no no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, em março de 1999. Segundo o sociólogo, o estudo comprova que, apesar do aumento de horas trabalhadas, houve menos produtividade. A partir dos resultados da pesquisa e pressionado pelos sindicatos, o Tribunal decidiu por voltar à jornada de seis horas.

DIREITOS HUMANOS

Detentos são acorrentados em hospital de Porto Alegre Daniel Cassol

Jogo dominante Os principais veículos da imprensa empresarial – jornais diários, revistas semanais, emissoras de rádio e TV – estão bem articulados no esquema de cobertura das denúncias de corrupção envolvendo a base aliada do governo Lula e o PT. Todos insistem nos mesmos pontos: não existe golpismo da direita e a crise política não deve alterar em nada o modelo econômico. Tudo muito apropriado – para os interesses que esses veículos representam.

Samuel Tosta

da mídia

NACIONAL

REPRESSÃO

Rádios comunitárias censuradas no RJ Júlia Gaspar do Rio de Janeiro (RJ) Em maio, seis rádios comunitárias foram fechadas em São Gonçalo, no Estado do Rio, por funcionários da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel): Novo Ar, Virtual, Itaúna, Redenção, Vibração e Adonai, que tiveram seus equipamentos lacrados. Entretanto, a Radiodifusão Comunitária Novo Ar, situada no bairro de Alcântara, voltou às atividades no dia seguinte. A reação, que pode ser vista como um ato de rebeldia por alguns, se fundamentou na ilegalidade do lacre, uma vez que o município dispõe da Lei 019/2001, amparada pela Constituição Federal, que garante o funcionamento das rádios em território gonçalense. Mas a questão não é tão simples, pois o artigo 223 da Constituição limita a permissão da licença ao Congresso Nacional. Por isso, o Ministério das Comunicações entrou com processo de inconstitucionalidade da lei municipal de São Gonçalo. De qualquer forma, as rádios não poderiam ter sido fechadas pois a contradição entre as duas leis ainda não foi julgada.

SERVIÇOS À COMUNIDADE No ato de fechamento, os ouvintes da Novo Ar, 105,9 FM, fizeram um protesto, pessoas passaram mal e a polícia interveio

para conter o tumulto. Também foram coletadas 11 mil assinaturas, em 15 dias, num abaixo-assinado contra a Anatel. O pedido de concessão da rádio foi feito em 2000, de acordo com a Lei 9.612/ 1998, que regula o funcionamento das rádios comunitárias no Brasil. Mas está arquivado no Ministério das Comunicações. Segundo a pesquisa de Cristiano Aguiar Lopes, da Universidade de Brasília (UnB), é praticamente impossível conquistar uma concessão sem apadrinhamento político. “Apadrinhar vários partidos querem, mas os partidos querem fechar um apoio, e nós somos comunitários”, afirma Rubenir Rocha, diretor de programação da Novo Ar. A rádio funciona há nove anos, prestando serviços à comunidade, sem fins lucrativos. Transmite programas educativos e de utilidade pública. Ganhou prêmios, promove cursos de capacitação, como o pré-vestibular comunitário da Comunidade Novo Ar (Comnar), que conta com 26 professores e 250 alunos entre 18 e 60 anos, além de um curso de informática. Na Comnar há também uma estação digital, com 14 computadores no Telecentro e 915 usuários e quatro computadores na sala de leitura, que comporta 4 mil livros. Além disso, a comunidade reúne 45 artesãos cadastrados que vivem da venda dos trabalhos expostos na sede da Comnar.

No Hospital Vila Nova, em Porto Alegre, 18 presos foram acorrentados às macas

da Redação Dezoito internados na ala reservada a prisioneiros do Hospital Vila Nova, em Porto Alegre, foram presos às macas com correntes de ferro. A denúncia foi feita, dia 21 de junho, por famliares de detentos. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia gaúcha, deputado Dionilso Marcon (PT), confirmou os fatos e encaminhou ao Ministério Público. Segundo Marcon, um dos detentos, além de acorrentado, estava com graves queimaduras. O deputado afirmou que encaminhará as denúncias ao promotor de Justiça, Gilmar Bortolotto, para que sejam tomadas providências. A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) encaminhará pedido de informação ao governo do Estado. O superintendente-substituto da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Antônio Bruno Trindade, justificou a medida lembrando que um dos maiores motins do Rio Grande do Sul, em 1994, começou a partir do hospital penitenci-

ário do Presídio Central. “Sabemos dos direitos humanos, mas temos de pensar também nos outros pacientes, nos médicos e nos enfermeiros”, afirmou à imprensa local. Para o diretor do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Sami El Jundi, a situação evidencia também a precariedade do atendimento à saúde no sistema carcerário estadual. “Os 17 mil apenados gaúchos estão sem assistência médica. Muito casos que poderiam ser resolvidos dentro dos presídios vêm para cá, demandando deslocamentos e despesas ao Estado”, afirma. O Simers e a CCDH também estão denunciando a falta de assistência médica às crianças filhas dos internos do presídio Madre Peletier, em Porto Alegre, onde foram constatadas condições que ferem o Estatuto da Criança e do Adolescente. Dia 24, o Simers encaminhou denúncia ao procurador-geral de Justiça do Estado, ao Juizado da Infância da Capital, ao Conselho Estadual da Criança e Adolescente e ao secretário da Segurança, Otávio Germano.


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NACIONAL RUMOS DO GOVERNO

Presidente Lula busca saída pela direita Ao propor pacto de governabilidade, ainda não aceito pelo PMDB, governo atende à elite e pode acabar desmoralizado

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ferecer quatro ministérios ao PMDB ainda não foi suficiente para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter ao seu lado no Congresso o partido com a maior bancada no Senado e a segunda na Câmara. Mas serviu para sinalizar “o que é mais grave, um equívoco assumido” de Lula “em atender à elite, de uma forma mais educada, mais moralista”, nas palavras de dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Alianças são cabíveis numa conjuntura histórica, mas com critérios; não em bloco, fechando os olhos a tudo. O PMDB, em sua história, passou pelo mesmo processo que o PT enfrenta agora: ambos acabaram virando uma grande canoa fisiológica, uma Arca de Noé, uma Babel, onde cabe de tudo, onde tudo é bem-vindo, inclusive maracutaias, desde que haja ganho”, define dom Tomás. “Lula preferiu as elites à busca de um novo rumo ao lado das organizações populares”, conclui.

Mas, para esquentar ainda mais a cabeça de Lula, o PMDB, por sua vez, não aceitou os cargos logo de imediato. O partido está dividido e só deve se posicionar oficialmente na semana que vem quando realiza sua convenção nacional. De um lado, estão José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL) favoráveis ao acordo; do outro, contra, Orestes Quércia (SP) e Anthony Garotinho (RJ); no meio, Michel Temer (SP).

Valter Campanato/ABR

Marcelo Netto Rodrigues da Redação

CONVERSA RESERVADA

Parlamentares do PMDB discutem, na Câmara e no Senado, proposta de aliança: governo ainda mais à direita

DESMORALIZAÇÃO Na semana passada, para tentar atenuar a crise política e ganhar maioria no Congresso (onde as denúncias de corrupção não comprovadas estão sendo investigadas), Lula ofereceu compor junto com o PMDB um governo de coalizão, propondo à sigla mais postos no primeiro escalão. “Buscar uma governabilidade com o PMDB é uma fuga que vai acabar levando Lula para uma en-

cruzilhada, uma desmoralização. Eu acredito que o PMDB não vai aceitar a proposta, terminado por afundar Lula numa estratégia errada, baseada numa visão de regime parlamentarista – que a todo custo precisa obter maioria no Congresso – e não na do regime em que vivemos, o presidencialista”, opina o deputado federal Ivan Valente (PT-SP). Em troca de apoio, Lula quer

dar ao PMDB os ministérios de Minas e Energia, de Integração Nacional, da Saúde e das Cidades (quatro dos 35 ministérios atuais), numa proposta que não representa compromisso de aliança para as eleições de 2006 entre os partidos, apesar do líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), falar em ajuda das bancadas petistas nos Estados, onde o PMDB é governo no momento.

ENTREVISTA

POVOS INDÍGENAS

Querem neutralizar a política Jorge Pereira Filho da Redação Em entrevista, o sociólogo Emir Sader avalia que está em curso uma ofensiva da direita para voltar ao poder e dizer, à opinião pública, que “tudo é igual em política”. Segundo ele, setores da elite econômica pretendem neutralizar a ação política, reduzindo a capacidade de a cidadania expressar seus desejos e demandas. Nesse contexto, os meios de comunicação desempenham papel importante. “A mídia cria um clima de instabilidade, pregado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”, avalia Sader. Brasil de Fato – Quem são os maiores interessados nessa crise política do governo Lula? Emir Sader – É a direita, que pretende voltar ao governo. A direita, em todos planos. Veja-se, por exemplo, como o processo contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, com todas as provas correspondentes apresentadas à Justiça pelo procuradorgeral da República, Cláudio Fonteles, desapareceu do noticiário. E nem se fez tanta celeuma, porque interessa à oposição e aos setores de direita dentro do governo, poupá-lo, desviando os debates para outros temas. BF – A mídia e a oposição dizem que o problema do governo Lula é o PT. Se o governo faz uma política neoliberal, por que o PT incomoda a direita? Sader – Não é o que há de direita no governo o que os incomoda. Incomoda-os o PT, tanto porque lutam para ganhar as eleições no próximo ano, como porque enxergam no partido o núcleo das políticas que romperam – em maior ou menos grau – com suas políticas, como a política externa, a de

“A opção pelo PMDB é um sinal de desespero, tentando aproveitar o que vai restar da base do governo após a CPI, aliando-se a um partido que passou liso pelas denúncias”, argumenta Ivan Valente, para quem “Lula deveria buscar governabilidade no apoio popular, virando o programa econômico e convocando os movimentos sociais e populares para lhe dar sustentação”.

A ruptura se estende em todos os níveis: enquanto 20 dos 23 senadores do PMDB lançaram nota em apoio à ampliação da participação do PMDB no governo, os sete governadores do partido se negam a compor com Lula. Ao final, se o acordo vier a se concretizar, o PMDB terá que se decidir se vai manter sob seu controle os ministérios que ocupa hoje: o da Previdência e o das Comunicações. Se sim, terá direito a escolher apenas mais dois ministérios entre os quatro propostos. Para aumentar as especulações, durante a semana, Palocci convidou o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), para uma conversa reservada de uma hora com Lula no Palácio do Planalto. Coincidência ou não, há meses cogita-se que o neto de Tancredo Neves estaria propenso a migrar para o partido de Sarney. O senador Cristovam Buarque (PT-DF), contactado pela reportagem para dar sua análise sobre a aproximação de Lula com o PMDB, preferiu não se pronunciar sobre o assunto.

educação, a da reforma agrária, a da cultura, a das cidades. A mídia cria um clima de instabilidade, pregado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para tentar ferir de morte o governo e vencer as eleições de 2006. BF – Um dos argumentos usados pela direção do PT para justificar seus recuos ideológicos era a “correlação de força” desfavorável da sociedade brasileira a um projeto de esquerda. Esse argumento é válido até que ponto? E o governo fez algo para alterar essa situação? Sader – Lula tinha força mais do que suficiente para realizar as prioridades sociais prometidas na campanha eleitoral. Tinha condições de começar a colocar em prática um modelo econômico diferente. Sem esse apoio, o presidente argentino, Néstor Kirchner, tem adiantado elementos de um modelo distinto – reestruturação da dívida externa, veto ao aumento do preço da gasolina, agora decretou retenção de parte dos investimentos chegados ao país. O Brasil teria muito melhores condições para isso. Se tivesse feito, teria tido apoio mais do que suficiente sem necessitar negociar apoios. BF – Há quem veja na ofensiva da direita uma tentativa de desconstrução do patrimônio ético e moral da esquerda, não só do PT. Sader – O que pretende a direita é dizer que tudo é igual em política, que se até o PT se envolve em corrupção, nada seria melhor, tudo seria igual. E os setores da direita econômica, os mesmos que elegeram Severino Cavalcante presidente da Câmara – seu cabo eleitoral maior foi FHC – se aproveitam para dizer que a política atrapalha, que deixem que eles

Arquivo Brasil de Fato

Guarani retomam suas terras no Mato Grosso do Sul Priscila Carvalho de Brasília (DF)

Quem é Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). comandam os destinos do país, neutralizando a política e, com ela, a capacidade da cidadania de expressar sua vontade e seus interesses. BF – Venezuela, Equador, Bolívia... Nos últimos anos, a América Latina deu passos para a esquerda. O Brasil, no entanto, vive a dicotomia de ter um presidente eleito para mudar, mas que aplica um política neoliberal e, ainda, está mais acuado pela direita. Por que esses países com realidades tão próximas vivem cenários políticos tão distantes? Sader – A América Latina como um todo demonstra uma extraordinária capacidade de resistência ao neoliberalismo e à hegemonia imperial estadunidense. Cada uma à sua maneira, com sua temporalidade, suas formas de luta e de organização. O Brasil faz parte dessa luta. Lula precisa assumir o papel que o Brasil deveria ter nessa luta, avançando na ruptura do modelo neoliberal e superando positivamente a crise atual, que abarca todo o continente.

Um indígena foi morto e outros três estão feridos após reação de fazendeiros a uma retomada de terras realizada por indígenas Guarani. A retomada aconteceu no tekoha (terra tradicional Guarani) Sombrerito, no município de Sete Quedas, a cerca de 470 km de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, na madrugada de domingo, dia 26 de junho. De acordo com informações de indígenas que estiveram na retomada, 30 pistoleiros chegaram em duas caminhonetes. Um tiro atingiu o tórax do indígena Dorival Benitez, matando-o. Ari Benitez, irmão de Dorival, está ferido no braço. Outro indígena teve o olho ferido. A Polícia Federal esteve na fazenda retomada, ouviu um sargento da Polícia Militar e três indígenas. Segundo a assessoria de imprensa da PF em Campo Grande, o inquérito deverá ser instaurado nos próximos dias.

SANGUE DERRAMADO Na noite do dia 26, os Guarani fecharam a rodovia MS 299, que liga o município de Sete Quedas a Japorã, na região da terra indígena Porto Lindo. Eles solicitam que a Funai publique o relatório de identificação da área, finalizando assim o primeiro passo administrativo para a demarcação da terra indígena. “Derramamos nosso sangue pela terra de todos os nossos irmãos Guarani. Precisamos que a Funai tire todos os invasores de nossas terras”, afirmou Rosalino, cacique da aldeia mais próxima da retomada. “Especialmente depois da divulgação das mortes das crianças por desnutrição, órgãos públicos como a Funai afirmam que o re-

conhecimento de terras no Mato Grosso do Sul faz parte de suas prioridades. Na prática, não houve empenho efetivo para avanços nos processos de terras indígenas. Isso leva ao acirramento dos conflitos e a reações dos índios”, afirma Egon Heck, do Conselho Indigenista Missionário. As retomadas de terras são a forma encontrada pelos indígenas para voltar a viver em seus territórios tradicionais, invadidos por fazendeiros. As terras não são, portanto, invadidas pelos indígenas, mas pelos não-índios. Como o Estado brasileiro, responsável pela demarcação das terras indígenas, não realiza as demarcações, os indígenas são obrigados a retomar as terras. Em alguns casos, os fazendeiros entraram nas terras indígenas por iniciativa própria; em outros, as terras indígenas foram distribuídas pelo governo.

EXPULSÃO NOS ANOS 70 A região onde está situada a terra Sombrerito foi, desde o início do século, forte produtora de erva mate. Indígenas foram empregados pela Companhia Matte Larangeiras. Com a decadência do produto, nos anos 70, a pecuária cresceu. E a expansão do novo negócio dependia da expulsão da população indígena. Quem vivia em Sombrerito foi expulso em 1975. Mas parte das terras foi retomada pelos indígenas em 1999. Sob pressão, em dezembro do mesmo ano, parte do grupo deixou o território. O restante foi expulso em 2000. Também na década de 70, o Incra fixou pouco mais de uma dezena de famílias na região. Hoje, apenas oito fazendeiros são donos de 90% da terra identificada como indígena, cerca de 13.000 hectares.


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NACIONAL AGONIA SOCIAL

Fatos em foco

Prefeitura de SP desmonta abrigos

Hamilton Octavio de Souza

Com atraso nos repasses de verbas, instituições correm risco de fechar Tatiana Merlino da Redação

E

ntidades que trabalham com meninos em situação de rua na cidade de São Paulo correm risco de fechar as portas. Uma casa de acolhida considerada modelo, que atuava no Centro da capital, já parou de funcionar por não ter recebido a verba da Prefeitura de São Paulo. Outras casas e abrigos que trabalham por convênio municipal também estão com seus repasses atrasados. Algumas foram obrigadas a reduzir as despesas e os atendimentos. Mas, se não chegarem os recursos, vão acabar fechando. Surama Bisceglia, ex-coordenadora da casa desativada, explica que os problemas começaram no início do ano: “Prestávamos conta no primeiro dia do mês mas o repasse só era feito uns 40, 50 dias depois”. A casa atendia 20 adolescentes, entre 8 e 10 anos. Com o passar dos meses, a situação foi se complicando pois havia necessidade de dinheiro para compra de roupas, de remédios e de alimentação. Sem fôlego para manter a estrutura, dia 18 de maio a coordenação da casa decidiu encerrar as atividades. Diferentemente dos abrigos, onde as crianças podem morar de zero a 17 anos e onze meses, nas casas de acolhida as crianças ficam por cerca de quatro meses, período em que são preparadas para retornar às suas famílias. Além da falta de recursos, a casa da região central estava com problemas de superlotação por conta da chamada “limpeza da cracolândia”, denominada pela prefeitura de “Operação Limpa”. A intervenção no Centro de São Paulo – na região da Avenida São João, da Rua Vitória e imediações da Praça da República – fechou hotéis e bares, realizou a prisão de estrangeiros e de prostitutas e a detenção de meninos em situação de de rua. Foi uma ação conjunta das polícias Civil e Militar, da subprefeitura da Sé, da Secretaria Municipal da Habitação e Desenvolvimento Urbano, da Guarda Civil Metropolitana, da

Paralisia oficial Em pronunciamento à nação, dia 23 de junho, o presidente Lula apenas reforçou o discurso oficial do governo de que tem combatido a corrupção, mas ficou no genérico, não apresentou nenhuma medida efetiva para superar a crise de credibilidade do governo e de seu partido, o PT. Ambos continuam no centro do noticiário dos casos suspeitos de corrupção. O desgaste continua. Sabedoria popular O PT e vários setores das esquerdas tentaram interpretar os ataques ao governo Lula como um golpismo da direita, mas essa versão não ganhou força no meio do povo; a relutância da situação em apurar as denúncias colocou a opinião pública do lado da cobrança – não apenas para desvendar a corrupção, mas para exigir que o governo do PT mostre algo mais do que fez até agora. Governo refém Dirigentes do PT vinham justificando a permanência do ministro Romero Jucá, do PMDB, no governo, apesar de acusado de desvio de recursos públicos, para não contrariar o presidente do Senado, Renan Calheiros. Se já estava refém, imagine qual será o futuro do governo Lula com vários ministros indicados pela ala fisiológica do PMDB. Alguém vai virar rainha da Inglaterra. Duro na queda O presidente Lula continua resistindo bravamente em retirar do Banco Central o intocável Henrique Meirelles. Agora o desgaste vai aumentar, pois o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, pediu ao Supremo Tribunal Federal a quebra do sigilo bancário de Meirelles, acusado de remessa ilegal de divisas para o exterior. Mais uma bomba armada pelo ministro Antônio Palocci. Protesto militar Além de insatisfação salarial, setores das Forças Armadas demonstram certa impaciência com a inércia e a inoperância do governo Lula, agravadas pelas denúncias de corrupção. Na semana passada, o presidente do Clube da Aeronáutica, brigadeiro Ivan Frota, soltou os cachorros no que chamou de “calamitoso processo de desmoralização do Executivo”. Êpaôpa, de novo não!

Abrigos na cidade de São Paulo sofrem com a gestão tucana

Companhia de Engenharia de Tráfego, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento de Ação Social, da Secretaria Municipal da Saúde e da Vara da Infância e da Juventude.

CASAS DE ACOLHIDA “Todo dia chegavam novos meninos na casa”, relata Surama. “E nenhum deles conseguiu se fixar. Esses adolescentes precisavam ser encaminhados para clínicas de reabilitação, mas eram levados para a casa porque a prefeitura queria tirálos da rua, a qualquer custo”, conta ela. A educadora, que considera crítica a situação de todas as entidades que trabalham com meninos de rua, lamenta: “A questão social não é prioridade para a Prefeitura de São Paulo. Isso já está bem claro”. Como há poucas casas de acolhida em São Paulo (veja repor-

tagem abaixo), quando a entidade do centro fechou, foi muito difícil encaminhar os jovens para outras instituições. Alguns voltaram para suas famílias, outros foram para abrigos em outras cidades, como Campinas e São Bernardo do Campo. Surama afirma que o rompimento de vínculos é muito grave: “O trabalho com os meninos terá que ser refeito a partir do zero”. Outra casa de São Paulo que também está com problemas de repasse de verbas da prefeitura é o Abrigo Auxiliadora, no Bom Retiro. Nilson Antônio, assistente de coordenação da instituição, afirma que, se a verba não chegar, a casa pode fechar. De acordo com ele, há uma demanda muito grande de abrigos e casas de acolhida. “Todos os dias recebemos de dois a três telefonemas pedindo vagas. Como é

Para o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral de Rua, o fechamento da casa de acolhida do Centro é “um absurdo que reflete a falta de formulação de políticas públicas da prefeitura”. A situação dos meninos de rua da região central também preocupa Eliane Nicoletti, ex-coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) da região Sé. Para ela, o que a prefeitura quer é fazer uma limpeza social: “O subprefeito da Sé, Andréa Matarazzo, tem grandes interesses econômicos na região central”. Segundo Eliane, com a nova gestão, mudou a forma com que a prefeitura vê a população de rua. “Querem tirá-los da rua a qualquer custo, sem se preocupar de verdade com o que vai acontecer depois”. Prova disso, afirma ela, é a repressão policial da “Operação Limpa”. “Quem disse que a polícia deve fazer trabalho social e ficar tirando os meninos da rua?”, questiona? Eliane, que trabalhou no Cedeca até o final de fevereiro, testemunha: “A prefeitura nunca chamou as entidades que trabalham com crianças em situação de rua para uma reunião. Só nos chamavam para ir para a rua pegar os meninos”.

O Instituto de Pesquisas Econômicas (Ipea) e a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República lançaram, dia 13 de abril, o livro O direito à convivência familiar e comunitária – os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil, que traz os resultados do Levantamento Nacional de Abrigos, com dados sobre 589 (88%) das instituições que recebem recursos do governo federal. A União investiu na área, em 2003, R$ 9,3 milhões. O estudo mostra as diferentes formas de organização, funcionamento e atendimento prestado pelas instituições (com informações sobre características físicas, formas de financiamento e papel de voluntários), além de identificar as principais características da população abrigada (quantos são, como são e por que estão nessa situação).

Um dos capítulos do livro destaca a reformulação pelas quais os abrigos brasileiros precisam passar para se adequar ao que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mudando do antigo modelo assistencialista para uma abordagem que priorize os direitos infantis. O estudo revela que 52,7% dos dirigentes de abrigos reconhecem necessidades de mudanças, mas não as fazem. Entre outras determinações, as instituições devem realizar atendimentos de forma excepcional e provisória. Também precisam desenvolver ações que fortaleçam os vínculos familiares da criança abrigada com sua família de origem, com vistas a proporcionar o direito à convivência familiar e comunitária. Segundo os autores do livro, para os abrigos desempenharem esse papel, seus dirigentes precisam ter

amplo conhecimento do ECA. Entre os dirigentes ouvidos para o Levantamento, a grande maioria (89,8%) declarou cumprir essa exigência. Mas 52,7% dos entrevistados disseram que nem por isso foram feitas mudanças em suas entidades. Apenas 29,7% responderam que houve mudanças em suas instituições após terem tomado conhecimento das recomendações do ECA.

VIOLÊNCIA ESTRUTURAL Outro ponto da pesquisa diz respeito aos obstáculos para a preservação dos vínculos familiares. A dificulldade está no fato de que a maior parte das crianças e adolescentes abrigados é vítima da violência

estrutural que atinge as famílias dos estratos de renda mais baixos da população. Antes de restituir a criança a seus pais, portanto, é necessário dar condições socioeconômicas dignas à família para recebê-la. O Levantamento Nacional de Abrigos abrangeu os 670 estabelecimentos registrados na Rede de Serviços de Ação Continuada – SAC/Abrigos, que beneficia instituições em todas as regiões brasileiras. O Sudeste concentra praticamente a metade das instituições (49,4%). Em segundo lugar estão as regiões Sul e Nordeste, cada uma com 19,1% do total. O CentroOeste tem 7,9%, e a região Norte, apenas 4,5%. (TM)

Patrícia Santos/ Folha Imagem. Digital

Pânico musical Depois de todas as besteiras que fizeram no plano nacional, agora os tucanos decidiram privatizar a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e a Sala São Paulo (antiga Estação Júlio Prestes), na capital paulista. Pior ainda é que a nova fundação privada será dirigida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que detonou o patrimônio brasileiro e continua fora da cadeia. Os músicos estão em pânico.

FALTA DE POLÍTICAS

Para fortalecer os vínculos familiares

Quadro geral A situação está ruim não só no campo político: segundo pesquisa da Fecomércio, 52% dos consumidores de São Paulo estão com dívidas e com as contas em atraso; o número de inadimplentes aumentou 10% de maio para junho, o que prova que a crise econômica e social continua firme. Só Lula e os banqueiros continuam acreditando no Palocci. Modelo nacional Wagner Canhedo é o típico empresário brasileiro: ficou rico com a concessão de ônibus em Brasília, comprou a estatal Vasp na bacia das almas e a quebrou; agora foi pego desviando bens – que estão indisponíveis judicialmente – para não pagar as dívidas trabalhistas e sociais com os ex-empregados. Algum dia ainda será homenageado como empresário modelo.

que, em vez de abrirem mais casas, eles fecham as que já existem?”, questiona. A supervisora da criança e do adolescente da subprefeitura da Sé da Secretaria de Assistência Social (SAS), Norma Silva, nega o atraso no repasse das verbas. Ela justifica que houve apenas uma mudança nos procedimentos. “Ao invés de fazer o repasse antes das entidades prestarem suas contas, agora nós fazemos depois. Vai ver que as instituições não entenderam o que aconteceu”, ironiza. No orçamento da Prefeitura de São Paulo para 2005, a parte da SAS, responsável pela promoção de projetos de ajuda à população pobre da cidade, incluindo a área central era de 0,35% do total de R$ 15,2 bilhões – montante considerado insuficiente pelas entidades que trabalham no setor.

João Wainer/Folha Imagem

Triste fim É difícil reconhecer que a gloriosa história do Partido dos Trabalhadores chegou a uma situação tão melancólica, com a direção nacional sendo acusada de corrupção, com o governo Lula implorando socorro para a ala oportunista do PMDB, com o tucano FHC fazendo apelos para não desestabilizar mais e com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, garantindo aos banqueiros e empresários que a economia não será afetada por nada que está acontecendo.

Em 2003, governo federal investiu R$ 9,3 milhões em abrigos

PSBD Versus Trabalhadores No dia 15 de junho, José Serra (PSDB), prefeito de São Paulo (SP), vetou integralmente o projeto de lei 377/01, que concede passe livre nos ônibus do sistema municipal de transporte para os trabalhadores desempregados. O tucano alegou que a medida elevaria o preço das tarifas. No entanto, o orçamento de 2005, aprovado pela Câmara, previu R$ 20 milhões para o programa.


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NACIONAL POLÍTICAS PÚBLICAS

Quase nenhuma prioridade à educação Anamárcia Vainsencher e Tatiana Merlino da Redação

G

abriel de Almeida, 17 anos, está na 3ª série do ensino médio da Escola Estadual Dr. Alarico da Silveira, na cidade de São Paulo. Durante o ano letivo, ele e seus colegas de classe ficaram três meses sem ter aulas de português. “A professora não se desligava da escola, e a direção não providenciou outra pessoa para repor as aulas”, conta o jovem, que pretende prestar vestibular para Letras no final do ano. “Isso é um absurdo. Perdemos três meses de conteúdo. Como vamos recuperar o que deixamos de aprender?”, questiona. A falta de professores não é novidade na vida de Gabriel. Quando estava no 1º ano do ensino médio, na mesma escola, a sua turma ficou um mês sem professor de história. “A gente fica sem ter o que fazer na hora da aula”, diz, acrescentando que não adianta cobrar a escola, porque nada muda.

REPROVAÇÕES Gabriel mora com a mãe e um amigo dela. “Ela trabalha, mas não tem condições de pagar uma escola particular para mim”, relata, mas confessa que, na verdade, não gostaria de estudar em escola particular. “O que eu queria mesmo é que a escola pública fosse melhor”, lamenta. E não é só da falta de profes-

Luciney Martins/ BL 45Imagens

Com deficiências de todo tipo, o Brasil ainda tem alta taxa de analfabetismo, além de péssima qualidade de ensino

Os alunos do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Dr. Alarico da Silveira, na cidade de São Paulo, ficaram sem aulas de português durante três meses

sores que Gabriel e seus colegas reclamam. Quando a classe começa a bagunçar, há professores que simplesmente param a aula. “Eles dizem que ganham o salário de qualquer jeito e que não têm obrigação de dar aula. Aí ficam sentados esperando a aula acabar, enquanto a sala zoa. Quem quer aprender sai perdendo”, observa. Na mesma Escola Dr. Alarico

da Silveira, estudam os amigos de Gabriel, Felipe Crescêncio, Bruno Rosa dos Santos e Jaqueson Soares, todos com 16 anos. Um longo silêncio se segue à pergunta “em que série estão?” Depois, risos envergonhados. “Na 7ª série” (do ensino fundamental) , respondem em coro, desviando o olhar. Amigos de escola e do bairro, eles contam que foram reprovados “algumas vezes,

porque a gente zoava demais”. Como em escola pública não há repetência por nota, explica Felipe, “a gente tomou pau porque não não vinha para a escola mais de uma vez por semana”. Ele passou o ano de 2004 “jogando bola e bagunçando”. Agora, garante que mudou. “Quero voltar a ser o Felipe de antes, estudioso”, diz. De manhã, ele trabalha como

São muitas as pedras no caminho da cidadania

PROGRAMAS POBRES Na última década, o analfabetismo recuou 33% na população de 15 anos ou mais. Entretanto, essa diminuição não foi homogênea. Foi de 60% entre os mais jovens (15 a 24 anos), de 32% entre os adultos de 40 anos ou mais. O fato de existirem mais brasileiros que não sabem ler e escrever entre os mais velhos indica,

entre outras coisas, que os programas de alfabetização implementados pelos governos foram insuficientes ou ineficazes para resolver o problema. Uma situação injustificável, segundo o “Radar”. A baixa escolaridade é, em grande medida, influenciada pelas altas taxas de reprovação e evasão escolares. Assim, embora a maioria absoluta das crianças freqüente a escola, menos de 70% delas conseguem concluir a 8ª série do ensino fundamental, o que ajuda a rebaixar a média de anos de estudo da população.

ORA, A LEI! A conclusão da escolaridade obrigatória, estabelecida pela Constituição de 1988, a mais um direito do cidadão não respeitado no Brasil. De mais é mais, é baixa a média de anos de estudo do brasileiro: 6,4 anos. Como toda média, esta também esconde o essencial: as desigualdades entre o campo e a cidade. Na zona rural, a população de 15 anos ou mais tem cerca de três anos a menos de estudo do que na urbana. Ainda que a quase totalidade da população de 7 a 14 anos esteja matriculada no ensino fundamental, o problema do acesso à educação está nos níveis de ensino médio e superior, e na educação infantil. Paralelamente, é insuficiente a oferta de educação para jovens e adultos que não puderam freqüentar a escola na idade adequada.

PRECARIEDADE No caso da educação superior, só estão matriculados 10% da população de 18 a 24 anos, ao passo que a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) é que 30% daquele grupo esteja na universidade até 2011. Este baixo índice de matrícula também reflete as precárias condições socioeconômicas da maioria da população brasileira. Para as crianças até 6 anos, a oferta pública não atende sequer 27% da população. Somada essa oferta ao atendimento privado, a co-

bertura não chega a 38%. No caso de crianças até 3 anos, a oferta não chega a 12%, dos quais 6% em creches públicas. Nesse cenário, a meta do PNE parece irreal: até 2011, atender 50% das crianças até 3 anos.

Sem financiamento, nada vai mudar Luciney Martins/ BL 45Imagens

A educação é um requisito fundamental para uma adequada inserção na sociedade. É essencialmente por seu intermédio que as pessoas podem adquirir e exercer sua cidadania, no âmbito econômico, social e político. Assim o “Radar Social” do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério do Planejamento, começa a abordar a importância e os problemas da educação no Brasil. Mesmo que a quase totalidade (97%) das crianças de 7 a 14 anos esteja na escola, o país convive com graves deficiências na área educacional. Entre elas, o elevado índice de analfabetismo (sobretudo entre adultos e idosos), a baixa escolaridade média da população, o acesso restrito aos níveis de ensino nãoobrigatório e a baixa qualidade do ensino básico, avalia o Ipea. Mais: além de o analfabetismo ser um sério entrave ao desenvolvimento econômico, sua persistência compromete o avanço da cidadania. Quase 15 milhões de brasileiros de 15 anos ou mais são analfabetos (cerca de 12% da população), segundo os dados de 2003 da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nas áreas urbanas, são 10 milhões (9% da população). Como em praticamente todos os demais indicadores analisados no “Radar”, a situação do Nordeste é a pior – na região estão as mais elevadas taxas de analfabetismo. Na média nacional, novamente, a carência dos negros é a maior: o analfabetismo entre eles (13%) é mais de duas vezes superior ao verificado entre os brancos (6%).

entregador de uma revendedora de água, à tarde vai para a escola. Gosta de matemática e português, mas reclama que no colégio “tem uns professores ruins, desanimados, que não sabem e não estão a fim de ensinar”. Além disso, ele confessa que o que não anima ele e muitos colegas a estudar “é que a gente passa de ano tirando nota boa ou ruim”.

SEM QUALIDADE Os dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica são alarmantes: é grande o contingente de estudantes do ensino fundamental e médio com desempenho inadequado. Em língua portuguesa, mais da metade (55%) dos alunos da 4ª série estão em estágio “crítico” ou “muito crítico”, ou seja, não estão sendo alfabetizados adequadamente. Da 8ª do ensino fundamental à 3ª série do médio, quase 30% dos estudantes não têm habilidades de leitura compatíveis com a conclusão do curso. Em matemática, o quadro é dramático. Na 4ª série do ensino fundamental, 52% dos alunos estão em estágio “crítico” ou “muito crítico”. Quanto mais alto o nível de escolarização, mais grave o cenário: 57% dos estudantes da 8ª série do ensino fundamental e 69% da 3ª série do médio não têm as habilidades adequadas.

FIM DA FILA A baixa qualidade do ensino básico é uma das principais causas de todos os problemas mencionados. Vários fatores levam a esta situação: infra-estrutura física deficiente; professores mal remunerados, por vezes desestimulados e pouco qualificados; subnutrição e precária condição de saúde dos alunos; necessidade de a criança trabalhar para completar a renda familiar. O Brasil está mal posicionado em relação à maioria dos países latino-americanos. Em 2000, ocupava o 19º lugar entre 26 nações selecionadas, no tocante à taxa de analfabetismo. Quando comparado com os índices dos demais países do mundo, em 2000-2004, considerando a taxa da população com 15 anos ou mais alfabetizada, o Brasil era o 55º entre 118 países. (AV)

Estudo do Ipea aponta que o analfabetismo ainda atinge 11,6% da população

A baixa qualidade do ensino público e os altos índices de analfabetismo no país são conseqüência do sistema de ensino progressão continuada, instituído em 1997 pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), avalia Roberto Leher, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aquele sistema estabeleceu a aprovação automática, ou seja; o aluno não repete de ano e não é avaliado ao final de cada período letivo. “A progressão continuada foi baseada em um princípio de eficiência. O sistema serviu apenas para mudar as estatísticas. As taxa de repetência caíram e o número de alfabetizados cresceu, mas os problemas de aprendizado continuam gravíssimos. Isso é uma fraude”, analisa o professor. Do outro lado acrescenta Leher, estão os professores, trabalhando muito, em condições adversas e muito mal remunerados. “Com o que os educadores ganham, não há como criar um ciclo de otimismo e ter profissionais trabalhando apaixonados”, conclui. Iniciativas do governo federal como o programa Brasil Alfabetizado e de Educação de Jovens e Adultos, que aparecem no trabalho do Ipea como as principais

iniciativas para combater o analfabetismo, são meros paliativos, na opinião do educador da UFRJ.

AINDA O VETO Para ele, um requisito básico para o êxito de qualquer agenda de educação depende da derrubada do veto que prevê a aplicação de recursos equivalentes a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação pública – de acordo com o previsto no Plano Nacional de Educação (PNE- Lei n° 10.172/2001). “O artigo foi vetado no governo Fernando Henrique Cardoso, e o veto foi mantido pelo governo atual. Hoje, o investimento público em educação gira em torno de 3,8% do PIB”. Sem recursos para políticas públicas, segundo Leher, os professores não têm como fazer milagre. Outra iniciativa que o professor critica é o Programa de Valorização e Formação de Professores e Trabalhadores da Educação, do Ministério da Educação (MEC). “Esses convênios e cursos à distância comprometem a qualidade da formação dos educadores”, avalia. Ele até acredita que há gente bem intencionada no MEC, mas com o padrão de financiamento vigente, não será possível reverter o quadro a curto prazo. (TM)


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NACIONAL ENTREVISTA

Nesse modelo econômico não há saída H

oje, o Brasil está numa enrascada. Do ponto de vista político, a briga entre o PT e o PSDB é só pelo poder. Nenhum dos dois partidos tem um projeto nacional e soberano para oferecer ao país, analisa a economista Leda Paulani, da FEA-USP, em entrevista ao Brasil de Fato. Ela vai além, ao afirmar que o governo petista tinha a faca e o queijo na mão para fazer algumas mudanças, o que até o mercado financeiro esperava. Mas, não, ele preferiu se manter na mesma toada da gestão tucana. Brasil de Fato – Como define projeto nacional? Leda Paulani – Por princípio, um projeto que tem que conseguir o maior grau de liberdade possível para conduzir, com soberania, os próprios destinos de um país. Mas se um modelo econômico tolhe a liberdade, não pode ser chamado de projeto nacional, que tem que ser sustentado pelos princípios democráticos. E não basta uma democracia formal, representativa, mas intensificando processos de democracia direta, do tipo orçamento participativo. Para funcionar de verdade, não como o “Conselhão” do Lula. BF – Qual a importância de um projeto nacional para um país? Leda – Não se pode sujeitar um país como o Brasil, com 170 a 180 milhões de pessoas, e com tantas necessidades, a variáveis sobre as quais ele não tem qualquer controle. Isso é se negar a construir o país. No caso do Brasil, é ainda mais complicado porque, como ensinou Celso Furtado, o projeto de nação em construção ficou pelo meio do caminho. Esse projeto se configura com mais força nos anos 50, começo dos 60. Aí vem o golpe militar que desmonta todo o arranjo de forças que levariam a completar o que Furtado chamava de construção da nação. O Chico de Oliveira, que trabalhou com ele, disse que estava ao alcance de nossa mão, quase o tocamos. BF – Os militares tinham um projeto? Leda – Com o golpe, veio a preocupação de desenvolver o país do ponto de vista capitalista. Os militares tinham um projeto de país, de desenvolvimento capitalista stricto sensu. Pegaram uma carona na capacidade instalada herdada dos anos 50-60, depois, frente ao choque do petróleo, completaram a matriz industrial, mas tudo em meio a forte arrocho salarial, sindicatos amordaçados, sem democracia. A seguir, tivemos a esperança trazida pela redemocratização e a nova Constituição. Só que o país continuava se debatendo com a crise da dívida, com conseqüências internas pesadas. Para Fernando Henrique, não é verdade que não se tenha um projeto para o país. Mas o que ele chama de projeto para o país, no meu entender, não é. Afirmar o caráter do país como dependente, jogar o jogo do inimigo e imaginar que, com isso, vamos construir a nação? Imaginar que uma lógica que é cega, que é míope, vá se interessar pelo problema dos brasileiros? BF – O que o “projeto” de Fernando Henrique leva em conta? Leda – O que a economia brasileira consegue produzir de ganhos em moeda forte. A conjuntura atual permite isso, porque os capitais têm completa liberdade de entrada e saída, se beneficiam de uma taxa real de juros que é a mais elevada do mundo – taxa que se transfere para as aplicações em dólar,

Jefferson Coppola/ Folha Imagem

Anamárcia Vainsencher da Redação

Lula Marques/ Folha Imagem

Quem garante é a economista Leda Paulani, mais uma voz a dizer que Lula tinha cacife para tomar outro rumo

Quem é

Bons companheiros: da esquerda para a direita, Meirelles (BC), Palocci (Fazenda) e Armínio Fraga (BC na gestão FHC)

também. E qualquer mudança, os capitais vão embora. BF – Por que Argentina, Chile, Índia, podem controlar o fluxo de capitais e o Brasil não? Leda – É uma pergunta que todos fazemos e as respostas das chamadas autoridades econômicas não são nem um pouco convincentes. O modelo da credibilidade, que chamo de modelo do cachorro mordendo o rabo, vem desde a crise cambial de 99. O país precisa ter credibilidade para quem? Para conseguir atrair investimentos externos, suprir a carência interna de poupança (o que é outra falácia) para sustentar o desenvolvimento interno? Mas qual o preço disso? Uma credibilidade que faz com que os preços dos papéis brasileiros no mercado internacional subam, que entrem no país investimentos externos diretos, e capital especulativo à vontade? O preço é uma elevadíssima taxa real de juros e um superavit primário cavalar para garantir que os ganhos em moeda forte não sejam ameaçados. Ora, é isso, justamente, que impede o crescimento. E não adianta dizer, como disse o governo Lula no início, e repetiu largamente, fazendo com que vários militantes de esquerda caíssem no conto do vigário, que era só um momento, que se tinha que enfrentar a crise e que, depois, seria tocado o verdadeiro programa. BF – Havia ou não um plano B? Leda – Até havia, mas o governo Lula não teve peito de leválo adiante. Vários economistas trabalharam nele. O governo ganha credibilidade e depois nem pode fazer o que quiser, porque se mexer em qualquer daquelas variáveis que garantiram a credibilidade, ela se esvai. Este modelo de credibilidade é o mesmo da segunda gestão Fernando Henrique. Depois do colapso, em janeiro de 99, o governo abraça o modelo da credibilidade, com enorme arrocho fiscal, superavit fiscal elevado, taxa real de juros muito alta (recurso que já tinha sido usado para segurar o câmbio), e adota um regime de metas de inflação, que não existia, porque, até então, o câmbio era a âncora. BF – O governo Lula simplesmente deixou tudo como estava? Leda – Rigorosamente, importou a mesma lógica. E a aprofundou, para surpresa de todos os militantes do PT. Parte das lideranças do partido já vinha caminhando para o centro do espectro ideológico, mas, ainda assim, imaginava-se que seria feita alguma sinalização no sentido contrário do que Fernando Henrique implantou. Não concordo quando setores da esquerda dizem que estávamos iludidos. BF – A seu ver, a esperança tinha

fundamento? Leda – Quando pegamos o documento do encontro nacional do PT, em dezembro de 2001, em Recife, o que está lá é comparável aos discursos da Heloísa Helena. E ela foi expulsa...Lá estão questões como soberania, enfrentamento com entidades tipo FMI, além de propostas como a do controle de capitais. Mas esse documento foi rasgado... BF – O PT e o governo Lula trocaram um projeto de nação por um de poder? Leda – Exatamente. Mas, por quê? Porque não tiveram peito para enfrentar uma mudança. E como o projeto maior já era o do poder pelo poder, qualquer escolha, ainda mais numa conjuntura conturbada por causa do terrorismo eleitoral, envolvia riscos. Eles calcularam que manter a situação do jeito que estava era menos arriscado do que tentar mudar. Então o que estamos vendo é isso: a briga de tucanos e petistas não é por idéias, é pelo poder. Só. BF – Num cenário de dominância do neoliberalismo econômico, de agressividade da política imperial, é possível a um país como o Brasil ter um projeto nacional autônomo? Leda – Ninguém é capaz de dar uma receita, mas se houver vontade política, consciência dos constrangimentos que hoje estão colocados para o desenvolvimento nacional, acho que dá para começar. Não fazer isso é impedir o país de promover políticas que, de fato, reduzam a desigualdade; condena o país a uma lógica sobre a qual ele não tem qualquer arbítrio. BF – Mas como o país pode sair da situação em que está num quadro de apatia dos movimentos sociais? Leda – A grande tragédia que vivemos hoje decorre do seguinte: se havia algum movimento político, algum partido com cacife, capital político, apoio popular, para começar a virar o timão para outro lado era o PT, o presidente Lula. Eles fizeram rigorosamente o contrário. O governo Fernando Henrique não surpreendeu porque sempre achei que o PSDB faria um governo de elite, preocupado com o desenvolvimento capitalista, não com a nação. Eles desenvolveram a agenda neoliberal inaugurada pelo Collor. BF – E o PT? Leda – Não dava para pensar a mesma coisa de um governo do PT, por mais que tivéssemos clareza de suas mudanças. Não dava para imaginar que Lula faria exatamente a mesma coisa. Imaginava-se que faria muitas concessões, mas para começar a tentar abrir um espaço para um desenvolvimento mais equânime, nacional e sobe-

rano. Mas o governo do PT não só adotou o modelo da credibilidade, como o aprofundou, amarrando ainda mais o país. Hoje, para sair desta embrulhada, o custo é muito maior do que teria sido no início, quando o governo tinha capital político, apoio popular. BF – O que segurou o governo Lula? Leda – O mais surpreendente é que até o mercado estava esperando mudanças. Para usar uma linguagem que economista de mercado gosta muito, a vitória de Lula já estava precificada. Isso quer dizer que o mercado estava dando de barato que haveria alguma mudança contrária aos seus interesses, que alguma mudança estava embutida em todos os indicadores. Ninguém achava que o governo Lula ia simplesmente continuar o anterior, na mesma toada. Algo espantoso: o próprio mercado esperando alguma mudançazinha, mas nada foi feito. BF – Nada, mesmo? Leda – Pelo contrário. É só lembrar das três primeiras medidas de política macroeconômica, stricto sensu, tomadas pelo governo Lula. Uma, a elevação brutal da taxa de juros, que foi parar em 26%. A segunda, superávit primário maior do que o pedido pelo FMI – ao invés de 3,75%, 4,25%. Por fim, um aumento na taxa de redesconto dos bancos comerciais que implicou um corte da ordem de 10% nos meios de pagamento que circulavam na economia – isso é a mesma coisa que pegar uma pessoa que respira normalmente e enforcá-la – porque a liquidez, os meios de pagamento em circulação são o oxigênio da economia. Se, de uma hora para outra, de uma tacada só, corta 10%, a economia leva uma cacetada que, até se reerguer, demora. Não por acaso o resultado de 2003 foi praticamente zero. Um governo com cacife e apoio tomar tais medidas mostrava que alguma coisa estava errada... BF – Quais os fundamentos do neoliberalismo? Leda – É uma doutrina que faz a defesa incondicional das supostas virtudes do mercado, mas que depende mais de crença do que de ciência. Quer dizer, é uma questão de fé. É também um conjunto de práticas de política econômica que se destinam única e exclusivamente a ampliar o espaço do mercado. Quer um Estado mínimo, rigoroso controle dos gastos orçamentários, superavits primários elevados, privatização. Enfim, desregulamentação total da economia, o que implica fluxo de capitais liberado, serviços públicos privatizados, flexibilização do mercado de trabalho, de todas as regras trabalhistas etc. etc.. E, também, mudar o sistema previdenciário, do regime de repartição para o de capitaliza-

De orientação teórica marxista, a economista Leda Paulani é professora-doutora de história do pensamento econômico da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Dedicada à pesquisa de metodologia da Economia, sua tese, em 1992, teve como tema “Do Conceito de Dinheiro e do Dinheiro como Conceito”. Entre os livros que escreveu incluem-se A Nova Contabilidade Social (Editora Saraiva) e Modernidade e Discurso Econômico (Boitempo Editora). Leda é, também, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política. ção, uma coisa na qual o mercado financeiro privado estava de olho há pelo menos duas décadas. O Fernando Henrique conseguiu fazer uma mudança que atingiu os trabalhadores do setor privado, e não conseguiu o mesmo com os do setor público – eles, muito organizados, conseguiram barrar. BF – Aí veio o governo Lula e entregou a Previdência do funcionalismo ao setor privado... Leda – Ele fez o que Fernando Henrique não conseguiu. O mercado dos servidores públicos é muito mais interessante do que o do setor privado. Primeiro, porque a renda do funcionalismo é muito mais alta e quem trabalha no setor público, em princípio, tem estabilidade, o que significa que não há quebra nos fluxos de recursos que vão para as entidades privadas que gerenciam os fundos de pensão. BF – Vamos voltar ao neoliberalismo... Leda – De um lado, a partir dos anos 70, temos uma nova configuração do capitalismo. Nela, de acordo com os parâmetros neoliberais, o comportamento dos países periféricos deve atender aos interesses dos países do centro, isto é, o capital não pode ser queimado. Hoje, o papel de um país como o Brasil no capitalismo internacional, predominantemente financeiro, é ser uma plataforma de valorização financeira internacional que possibilita ganhos reais muito elevados em moeda forte, praticamente sem riscos devido à liberdade do fluxo de capitais. BF – Onde está a saída? Leda – O papel dos movimentos sociais no Brasil, e no mundo, é fundamental para alterar o que quer que seja. Pela lógica do sistema capitalista não se tem uma saída. É pela via política. Da contestação, do enfrentamento. Em resumo, com o modelo que aí está, nada de desenvolvimento sem exclusão, com geração de emprego e renda, nem desenvolvimento nacional, com soberania. Este modelo não é uma saída para o Brasil. Isso tem que ficar claro. Por maiores que sejam os riscos de mudanças, se não forem feitas, as perspectivas para o país são muito ruins.


Ano 3 • número 122 • De 30 de junho a 6 de julho de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO TERRITÓRIO REBELDE

Zapatismo: a invisibilidade impossível B

asta percorrermos um pequeno trecho do território de Chiapas, ao sul do México, para descobrir os conflitos que marcam atualmente a luta zapatista. À beira de uma estrada sinuosa, entre montanhas, o município autônomo zapatista de Polhó e comunidades ao seu redor apresentam uma realidade complexa, porém visível a qualquer visitante. Ali estão cerca de 8 mil indígenas tzotziTzotziles – Etnia les desalojados que representa cerca de um terço da das suas terras, população indígena desde 1995, remexicana flexo da ação paramilitar. Hoje, vivem ao lado de um acampamento do Exército mexicano, com os soldados interferindo na sua vida e cultura. Este foi o território ao qual o Brasil de Fato teve acesso para saber como está o movimento nas comunidades zapatistas após o alerta vermelho emitido pelo comando do Exército Zapatista de Libertaçao Nacional (EZLN), em 19 de junho. É certo que os comunicados dos dias seguintes afastam a chance de uma ofensiva militar dos insurgentes. Na verdade, suas bases de apoio passavam por uma consulta interna, finalizada no dia 26 de junho, na qual uma nova forma de ação do movimento foi aprovada por unanimidade. O alerta vermelho e o desmonte das cinco Juntas Juntas de Bom Governo – Órgãos de Bom Goverpopulares de conno seriam uma sulta e administramedida preção, criados para mediar a relação ventiva contra dos municípios autôuma possível nomos e coordenar investida do goa prestação de serviços (educação, verno mexicano saúde, produção, de Vicente Fox etc.). São compostas por representan- nestes tempos tes dos municípios de reestruturaautônomos. ção interna. “O alerta foi necessário, pois não havia garantia de segurança por parte do Estado”, avalia Sebastián Gomez Perez, da organização civil de povos indígenas Las Abejas. Localizado numa zona de Chiapas conhecida como Altos, Polhó constitui uma forte base de apoio do EZLN. A entrada do município esteve fechada nestes dias para gente de fora e os moradores evitavam sair de casa, como relata Pedro Arriaga, vigário da Diocese de San Cristóbal de Las Casas, que promove auxílio aos refugiados e ingressou no local. Arriaga analisa o alerta vermelho a partir de dois prismas: primeiro, como ressurgimento do EZLN frente à sociedade mexicana e internacional, no contexto de proximidade das eleições presidenciais, marcadas para 2006. O gesto dos zapatistas seria uma medida contra a invisibilidade promovida pelo governo Fox. Uma estratégia pública, aliás. Em entrevista recente, o presidente mexicano comentou que o conflito em Chiapas era ‘coisa do passado’. “O alerta volta a colocar na consciência nacional e internacional as demandas zapatistas e denuncia também o tema dos refugiados”, considera Arriaga. Além disso, a consulta interna constitui um espaço para a participação dos jovens integrantes das bases de apoio zapatistas – aqueles que ainda eram crianças na época do levante de 94. Baseado no seu convívio em comunidades, o vigário afirma: “Com a consulta, os jovens se dão conta de que estão em uma situação viva”.

Uma autonomia não reconhecida

O presidente mexicano, Vicente Fox, pode realizar ataque militar contra comunidades organizadas pelo EZLN

por famílias “priístas”, tributárias de ajuda governaPriístas – Simpatizantes do Partido mental. A parte Revolucionário zapatista é logo Institucional (PRI), reconhecida que se manteve pela presença 70 anos no poder até as eleições de da “Coluna da 2000 Infâmia”, escultura erguida em homenagem aos 45 indígenas de Acteal mortos em 97 em ação do grupo paramilitar Paz y Justicia. A maioria das vítimas foi mulheres, crianças e idosos. O ambiente parecia calmo no primeiro dia de visitas ao povoado, 24 de junho. A população promovia um evento celebrando o término do período escolar. Porém, antes de chegar ao local, quem vinha pela estrada era fotografado e filmado por soldados posicionados dentro do acampamento do Exército mexicano. Sebastián Gomez Perez, da organização local Las Abejas, comenta que apesar de o alerta vermelho não estar sendo esperado, a situação na região atualmente é crítica. Presentes em 10 comunidades desta área, os paramilitares voltaram a fazer ameaças, apoiados por partidos como o PRI e o PRD. Contam, ainda, com a conivência e a passividade dos soldados do governo. E, por absurdo que pareça, muitas vezes os paramilitares dividem o mesmo povoado com os zapatistas, em um clima de tensão permanente. Além de impunes após a matança de Acteal, os repressores têm o seu arsenal guardado em casa. No dia 9

de junho, troca de ofensas e rumores de ação dos paramilitares do grupo Paz y Justicia forçaram 15 famílias zapatistas da comunidade de Quintana Roo (município de Sabanilla) a abandonar suas casas por alguns dias. A presença de acampamentos militares enclausura a liberdade dos indígenas: “As mulheres são molestadas quando caminham sozinhas. O Exército se apodera do acesso à madeira e a água, afetando a cultura indígena, pois nossa cosmovisão diz que todos podem ter acesso à água, o que faz parte do rito das comunidades”, lamenta Perez. Outra peça-chave dessa “guerra de baixa intensidade” – como mui-

Fotos: CMI

Pedro Carrano de San Cristóbal de Las Casas (México)

Jesus Carlos/ Imagelatina

Após o alerta vermelho, comunidades seguem sob repressão do Exército mexicano e de paramilitares

BOLIVARIANAS

Líder camponês sofre atentado na Venezuela Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

TENSÃO CONSTANTE Vizinha a Polhó, a comunidade de Acteal (onde foi possível a entrada do Brasil de Fato) está separada em dois espaços: o primeiro deles ocupado por famílias indígenas zapatistas que optaram pela autonomia; o outro, poucos quilômetros à frente,

tos classificam o atual momento de Chiapas – foi o anúncio da Secretaria de Defesa Nacional sobre a destruição de 44 plantações de maconha em território zapatista (nos dias 15, 16 e 17 de junho). Logo depois, o próprio governo desmentiu a informação, reconhecendo que não havia famílias zapatistas na área investigada. “Mas esse é um pretexto para o governo entrar em território zapatista”, opina Perez.

População se organiza e resiste a ações de paramilitares em Chiapas, sul do México

Os dez primeiros anos da luta zapatista foram dedicados ao “fogo”: ou seja, à preparação para o levante de 1994, quando declararam guerra ao governo, em um conflito armado de dez dias. Depois, a palavra teve lugar na estratégia dos rebeldes chiapanecos. O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) aproximou-se da sociedade civil e, desde 1996 até hoje, busca a aprovação constitucional dos Acordos de San Andrés – Proposta Acordos de formulada a partir do San Andrés, diálogo entre zapatistas, sociedade civil que incluem o tema da e povos indígenas. Os acordos, assinaautonomia dos pelo em governo para a organifederal, em 1996, zação política reconhecia a cultura e a autonomia indíe econômica genas. No entanto, indígena. nada foi colocado em Mas, em prática. Os zapatistas decidiram, então, 2001, o goverfazer valer o acordo no de Vicente por conta própria. Fox aprovou uma lei para os povos indígenas descaracterizada, sem reconhecer os acordos. Daí a razão, dois anos depois, da criação zapatista das cinco Juntas de Bom Governo para resolverem assuntos internos das comunidades zapatistas e organizarem a colaboração organização das juntas, além de integrar mais a sociedade civil em seus processos de análise interna. O exercício da autonomia e o formato democrático das Juntas incomodam o governo oficial, além de tocar em interesses de grupos transnacionais. “Não queremos ser um outro país, mas sim o direito a ter nossa cultura reconhecida. O governo se incomoda com a autonomia porque perde o controle sobre as comunidades. A terra é a única garantia do índio. Quando ele está endividado, tem que vendê-la para governo ou empresas. E é justamente isso que o governo quer”, observa Sebastián Gomez Perez, da organização local Las Abejas.

Bráulio Alvarez, um dos mais importantes líderes camponeses da Venezuela, foi vítima de um atentado, no dia 23 de junho. Alvarez regressava de uma reunião com cooperativistas produtores de café quando foi interceptado em uma rodovia no interior do Estado de Yaracuy por dois homens encapuzados, que lhe dispararam dois tiros à queima-roupa. Ainda hospitalizado, ferido na perna e no ombro, o líder camponês contou à reportagem do Brasil de Fato que há meses recebia ameaças de morte dos dois principais latifundiários da região. Para Alvarez, integrante da Coordenadora Agrária Nacional Ezequiel Zamora (Canez), a ofensiva dos latifundiários é uma tentativa de frear a organização dos camponeses e, principalmente, intimidar as ações do governo no que se refere ao resgate de terras improdutivas. A partir de 2001, quando foi outorgada a Lei de Terras, a violência contra os camponeses recrudesceu. Segundo a Canez, 138 camponeses foram assassinados desde então. O sicariato (versão venezuelana dos

nossos jagunços) tem vitimado, em média, um trabalhador rural por semana. Na avaliação de Miguel Angel Nuñez, assessor do despacho presidencial para temas agrícolas, a violência dos latifundiários, a desorganização dos camponeses e a leniência do Estado são uma combinação capaz de armar o “inimigo” e os setores contra-revolucionários que pretendem aniquilar, ainda que sem possibilidades reais, uma reeleição de Chávez em 2006. Para conseguir reduzir a popularidade do presidente, que hoje ultrapassa os 70%, setores da oposição representando os interesses de Washington tentam inviabilizar iniciativas reais de transformação social. Nuñez alerta que paramilitares colombianos estão sendo infiltrados em organizações camponesas para impedir o avanço da reforma agrária. A ausência do Estado – no que se refere à seguranca no campo – e a lentidão na entrega de terras às cooperativas agrícolas também geram descontentamento. Está previsto para 10 de julho uma marcha nacional camponesa até a capital Caracas para exigir o avanço da “revolução agrária” proposta por Chávez.


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AMÉRICA LATINA AMIGO DA REVOLUÇÃO

Saramago: Cuba irradia solidariedade A

ante-sala desta entrevista é o portal do Palácio do Segundo Cabo, em Habana Vieja, onde corre uma brisa inusitada, presságio de chuva. José Saramago apresenta em Cuba seu romance O Evangelho segundo Jesus Cristo e, apesar de estar anunciado para as 11 da manhã, muitos o estavam esperando desde três horas antes. Quando o Nobel português aparece com sua esposa, a jornalista e tradutora Pilar del Río, não há um espaço livre junto às antiquíssimas colunas da sede do Instituto Cubano do Livro, nem em seus arredores. As pessoas subiram nos bancos da praça vizinha e um leitor temerário se dependura em uma árvore para tirar fotos por cima da multidão. Antes de o casal se retirar para a casa onde ficou hospedado, na qual se dará essa conversação, foram vendidos 1.118 livros pelo preço de 20 pesos – o equivalente a R$ 2,30 (!). Saramago autografou exemplares por mais de duas horas. “Um senhor me contou que veio de motocicleta dirigindo desde Matanzas (cidade a 100 quilômetros de Habana)”, disse esgotado e feliz, antes de começar esse diálogo reproduzido abaixo. Enquanto transcorria a hora e meia de conversação com Saramago, em uma das acomodações da casa, Pilar estava próxima a nós e traduzia a novela mais recente do escritor As intermitências da Morte. A obra, que será apresentada simultaneamente em novembro deste ano em todos os países da América Latina e Canadá, é um texto mais curto que suas edições anteriores – pouco mais de 200 páginas – e começa com a frase “No dia seguinte, não morreu ninguém”. Embora pareçam peças dispersas de um quebra-cabeça, os fatos desta tarde relacionados com Saramago – a entrevista, a notícia da proposta de paz da ETA, a nova obra, as palavras na apresentação do O Evangelho segundo Jesus Cristo – estão amarrados por uma mesma corda: “Tudo neste mundo, ou quase tudo, tem diante de si duas palavras: ‘mandar’ e ‘matar’. Há que romper essa lógica”. Pergunta – Não vou perguntarlhe o que o fez vir a Cuba, porque essa resposta o senhor já deu e foi bastante manipulada... José Saramago – No entanto, sim, eu a quero respondê-la para deixar claro de uma vez por todas: vim, simplesmente, porque me convidaram.

Tudo se recompôs, apesar de que aquilo que disse então, com muita dor e sem querer romper definitivamente com Cuba, foi celebrado, manipulado, usado Bom, comecemos então por um exercício de memória: quando o senhor se dá conta de que Cuba existe neste mundo? Saramago – Durante a invasão da Baía dos Porcos, Playa Girón no ano... Abril de 1961. Saramago – Eu não morava em Lisboa, e sim em um povoado que está muito próximo. Ia e vinha de trem, e recordo com uma nitidez extraordinária a leitura de um jornal de Portugal que anunciava a invasão como um triunfo dos inimigos da revolução. Tinha uma manchete de página inteira e des-

Arquivo Brasil de Fato

Rosa Miriam Elizalde de Havana (Cuba)

Arquivo Brasil de Fato

Em visita à ilha rebelde, escritor confirma que EUA não têm autoridade para criticar direitos humanos em Cuba

Quem é

“Os Estados Unidos não têm autoridade moral para se proclamarem juiz dos direitos humanos em Cuba”, afirma Saramago

crevia o ocorrido, não com muitos detalhes – era um tempo em Portugal dos presídios, da censura. Chocou-me profundamente o tom de triunfalismo que o periódico exibia. No dia seguinte, senti um prazer quase maligno quando o periódico não teve mais remédio que dizer que a tentativa de invasão tinha fracassado.

Enfim, o que importa é que estou aqui, que sou amigo de Cuba e que a manipulação midiática não me tira o sono. Tenho outras coisas que me tiram o sono Dessa etapa é também sua recordação de Che Guevara, descrita em um artigo publicado em Cuba não faz muito: “A Portugal infeliz e amordaçado de Salazar e de Caetano, chegou um dia o retrato clandestino de Ernesto Guevara”? Saramago – Esse retrato chegou e nos comoveu a todos... Existia uma esquerda ativa, séria e trabalhadora que o viu como uma referência. E também havia, por cima, ou por baixo, como se queira entender, uma esquerda que podemos chamar de intelectual que às vezes, com boa-fé, convertia Che numa espécie de ícone. Isso ocorreu muito menos entre gente da classe operária, essa esquerda que chamávamos de afetiva, no fundo, seguia Che e a revolução cubana como se fossem modas. Não quer dizer que não havia aí inclusive alguma ou muita sinceridade, porém também havia um pouco de oportunismo. Quando o tempo passou e Che tinha morrido, e as coisas se normalizaram de alguma forma, a esquerda deixou de parecer a muita gente essa espécie de aurora, de algo que iluminava todo o espaço. Foi então quando escrevi que o retrato de Che desapareceu da parede e, em alguns casos, foi jogado no lixo. Esse texto é ao mesmo tempo uma homenagem a Che Guevara, e também, um olhar irônico sobre a instabilidade das ideologias, em que por vezes se dá mais valor ao superficial que ao profundo O senhor também dizia nesse artigo que aquele “era o retrato da dignidade suprema do ser humano”. Saramago – Sim, sim, é isso, sem dúvida. E para muitíssima gente... Não estou dizendo que a figura de Che para essas pessoas tivesse perdido importância. Era

a vida que tinha mudado. Eles mesmos se viram mudados e sem demasiadas idéias progressistas. E, portanto, o retrato de Che Guevara deixou de representar para eles o que representava antes. Cansaram-se e no lugar de Che, puseram outra coisa. Se pudéssemos falar com eles, estou seguro de que não teriam nenhuma dúvida em reconhecer que se houve uma pessoa nos tempos recentes que deram ao mundo um exemplo de dignidade, um ideal realmente supremo, esse foi Che Guevara. E o melhor de tudo é que a gente também se encontra continuamente com meninos e meninas que sabem tudo o que há que saber sobre a vida e sobre as ações de Che Guevara, e que vestem sua camiseta, mas de coração. Lembro de quando li pela primeira vez o conto da Ilha Desconhecida, uma formosa parábola da viagem do indivíduo para dentro de si mesmo, em direção aos demais, em direção à ilha em que vivemos. O que teria Saramago descoberto nesses dias nesta Ilha desconhecida, mentida, satanizada, que é Cuba? Saramago – Depois dos conflitos que provocaram – como se sabe – uma reação minha, não muito tempo depois tive oportunidade de assinar um documento defendendo Cuba. Porém, mais tarde fiquei com a impressão de que talvez Cuba já não me quisesse, e que a culpa – se de culpa se pode falar – é minha, porque fui eu quem disse “não estou de acordo, etc, etc”. Quer dizer, eu pensava: “Cuba não é algo alheio a minha própria vida, aos meus próprios sentimentos, entretanto seguramente Cuba já não me quer...” A partir de certo momento, começaram a chegar sinais que desmentiam essas dúvidas – conversações com a embaixadora em Madri, Isabel Allende, e outras mensagens que chegavam. E eu dizia: bem, as coisas afinal não se perderam, não se romperam, e eu fiquei aguardando. Para vir aqui, como é lógico, tinha de ter um motivo e chegou o convite. Viemos para cá depois de estar no Canadá, e recebemos, Pilar e eu, a amizade de sempre e talvez um pouco mais. Não quer dizer com mais amizade, e sim como se aqueles que aqui nos receberam tivessem a preocupação de dizer: “Te queremos bem, te estamos expressando esse querer nosso de uma forma talvez maior, não pense que persistem pequenos rancores”. Ninguém me disse isto, porém a gente sente. Tudo se recompôs, apesar de que aquilo que disse então, com muita dor e sem querer romper definitivamente com Cuba, foi celebrado, manipulado, usado. Depois se

deram conta que as coisas não iam como queriam e começaram a surgir versões: Saramago está outra vez com Cuba e não sei mais o quê. Enfim, o que importa é que estou aqui, que sou amigo de Cuba e que a manipulação midiática não me tira o sono. Tenho outras coisas que me tiram o sono.

Tive dois descolamentos de retina e duas cataratas. Se fosse no começo do século passado, estaria cego. Muita gente está cega e poderia deixar de estar se muitos países mais fizessem o que Cuba faz Em abril, o senhor assinou o apelo de intelectuais do mundo que denunciou as manobras dos Estados Unidos contra Cuba em Genebra. Aí se dizia que “os EUA não têm autoridade moral para se proclamarem juiz dos direitos humanos em Cuba”. O que viu nesses dias corrobora essa afirmação? Saramago – Absolutamente. Desta vez, nós tivemos a oportunidade de conhecer um pouco mais. Estivemos em dois lugares muito importantes: a Universidade das Ciências Informáticas (UCI) e a Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM). Na UCI, houve um momento em que me emocionei muito. Os meninos me contaram que ali se recebe pessoas que vêm da Venezuela com catarata, retinose e que cuidam deles, que às vezes chegam um avô e um neto cegos, e que regressam a seu país olhando-se um ao outro, dizendo um ou outro: “Eu sou teu avô, e posso vêlo”, e o neto: “Avô, agora, sim, posso vê-lo”. Estas coisas tocam diretamente o coração da gente. Que isso aconteça é maravilhoso. Poderia dizer que é tema para outro Ensaio sobre a Cegueira. No entanto, havia uma espécie de contradição que não é tanta assim. Estávamos na Universidade de Ciências Informáticas, e isso parte de um princípio obviamente equivocado, que onde se estuda tais coisas não pode ocorrer algo que tem a ver com os sentimentos, com a compaixão, com a solidariedade. Uma universidade de informática supõe algo muito frio, e neste caso não é assim... Tive dois descolamentos de retina e duas cataratas. Sei muito bem o que é isto. Se me tivesse acontecido no começo do século passado, esta-

Prêmio Nobel de Literatura em 1998, José Saramago é o escritor em língua portuguesa mais lido e conhecido no mundo. Em sua biografia, destacamse sua origem camponesa – é filho de trabalhadores sem-terra – e seu comprometimento com o Partido Comunista Chinês, no qual se filiou em 1969. Nasceu em 1922, foi jornalista quando o Diário de Notícias possuía uma direção revolucionária e publicou mais de 30 obras até hoje. Alguns livros do escritor: Ensaios sobre a Cegueira, O Evangelho segundo Jesus Cristo, Ilha Desconhecida e Memorial do Convento. ria cego. E sei que muita gente está cega e que poderia deixar de estar se muitos países mais fizessem o que Cuba faz. Neste caso, a “Operação Milagre” me parece uma denominação justa. Não no sentido de que o que ocorre seja obra de uma intervenção sobrenatural, não; nada mais natural... O que ocorre é que para estes venezuelanos e para muitos outros latino-ameriOperação Milagre canos – disse– Iniciativa lançada ram-me que por Cuba, com neste ano seapoio da Venezuela, rão operados com o objetivo de tratar latino-amerimais de 100 canos com catarata mil – que não ou com outras entinham nenhufermidades oculares. Esses cidadãos ma esperança do continente, de recuperar a sem acesso a uma visão, quando simples cirurgia, ganham uma pasa recuperam, sagem aérea para são eles messerem operados em mos que o enCuba. O governo da tendem como ilha também arca com os custos da milagre. Porhospedagem e alitanto, creio que mentação. Esperaquem batizou se que mais de 100 mil latino-americaessa operação nos sejam beneficiacom o nome dos com o programa de Operação nesse ano e voltem a enxergar. Milagre, fez muito bem”. E o que aconteceu na Escola Latino-Americana de Ciências Médicas? Saramago – Uma emoção de outra natureza. Ali, vi meninos e meninas, mais meninas que meninos – parece que há 51 por cento de mulheres – de toda América Latina, da África, inclusive dos Estados Unidos, inseridos em algo concreto, não numa teoria, ou qualquer coisa que tivesse a ver com uma utopia futura impossível de realizar. E tudo isto é feito por um só país, que estabelece uma corrente distinta de comunicação entre os povos da América Latina, capaz de encontrar objetivos comuns, de trabalhar unidos para chegar a eles. E outra coisa curiosa: tanto na ELAM como na Universidade de Ciências Informáticas vimos espetáculos preparados pelos próprios estudantes, onde os que dançam, dançam muito bem; os que cantam, cantam muito bem; os que tocam, tocam muito bem, e essas coisas não se encontram facilmente. A acolhida que nos deram foi inesquecível. A gente chorava abraçando esses meninos.


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INTERNACIONAL IRÃ

Imperialismo é derrotado nas eleições Sandro Barrokh de Teerã (Irã)

M

ahmoud Ahmadinejad foi vitorioso nas eleições presidenciais do dia 24 de junho, impedindo quaisquer manobras ou fraudes, que já estavam preparadas contra ele. Dos 46 milhões de eleitores com direito a voto, votaram 27.959.253: 17.248.782 (62%) por Ahmadinejad e 10.467.101 (36%) por Rafsanjani. Os votos nulos foram somente 66.770. O jornal Kayhan denuncia as tentativas, feitas no dia das eleições, pelo Ministério do Interior e pelo ministro em pessoa, de interromper as atividades em diversas seções eleitorais da capital, sob o pretexto de “intervenções de estranhos” a favor de um dos candidatos. Na realidade, todo o controle do processo eleitoral sempre esteve nas mãos do próprio ministro Kargozaran, que é do partido de Rafsanjani, apoiado pelos empresários e pelo Mosharekat (Participação), partido dos neoliberais radicais. Além disso, foram constatadas as presenças de vários outros ministros nas seções eleitorais de diversas localidades-chave. O jornal Shargh (Oriente), partidário de Rafsanjani – órgão da contra-revolução que difunde notícias falsas e alarmistas promovendo histeria e pânico contra o perigo de um suposto “fascismo” e “obscurantismo” – previa, um dia antes do pleito, a vitória de Rafsanjani com 54,5% dos votos. Afirmava o jornal que qualquer resultado diferente desse indicaria fraude eleitoral por parte do seu adversário.

INSTABILITADE FABRICADA Foi montado um cenário para a anulação das eleições e para semear pânico e confusão. A sabotagem preparada pelo próprio Ministério do Interior durou pouco mais de uma hora. Foi desmascarada pelo Conselho dos Guardiães, que tem o poder

Behrouz Mehri/ AFP/ Folha Imagem

A despeito das tentativas de boicote às eleições, prefeito da capital tem vitória e anuncia medidas saneadoras

Mahmoud Ahmadinejad, novo presidente do Irã, não quer relações com os Estados Unidos

legal de fechar seções eleitorais e de denunciar o próprio ministro. Como afirmaram diversos representantes dos fundamentalistas, a diferença de votos eliminou qualquer possibilidade de fraude e boicote. O jornal da Casa dos Operários, num excesso de confiança, um dia antes da eleição cumprimentava “sua majestade” Rafsanjani pela “vitória” eleitoral. O resultado, como se viu, foi muito diferente. Uma das maiores empresas japonesas havia apostado (e financiado) abertamente a campanha eleitoral de Rafsanjani. Os europeus, na conclusão da sua reunião do dia 23 de junho, solicitaram ao Irã a manutenção da suspensão do enriquecimento do urânio, numa velada ameaça. Os Estados Unidos, enquanto isso, novamente advertiam o Irã para não dar continuidade às atividades nucleares, exercendo uma enorme e contínua pressão para o boicote ao

voto, em todos os lados e por todos os meios. Todo esse processo de pressões ganha velocidade: Jacques Chirac lança-se contra o Líbano, os europeus voltam a reunir-se com os bandidos iraquianos (o governo títere imposto pelos EUA), todos eles pressionando também por mudanças na Síria. Do lado oposto, Putin, presidente da Rússia, declara que vai continuar com a colaboração com o Irã no campo nuclear e rechaça as ameaças estadunidenses. O fato é que houve muita festa nas praças de Teerã, em particular nas proximidades da casa do ex-prefeito, agora presidente eleito. A rádio dos Estados Unidos, em língua persa, ressaltava o caráter de classe das eleições, naturalmente, em apoio às mais abastadas. Por enquanto, Khamenei, o presidente ainda no cargo, faz chamados à calma e à fraternidade. A verdade da luta social e de

classes e a necessidade de urgentes transformações, porém, impõem-se, e aqui residem as reais dificuldades frente às quais os caminhos percorridos até o momento perderão consistência.

INVESTIMENTOS PRODUTIVOS Ahmadinejad é favorável aos investimentos, mas somente aqueles produtivos. Isso já é uma revolução. Quer livrar o setor petrolífero da influência das famílias e das etnias que se haviam apoderado do mesmo e utilizar os benefícios do petróleo para levar alimentos à mesa das famílias, e essa é uma outra revolução. Como fará para limpar a enorme e parasitária máquina estatal que lhe é hostil? Em dois anos o agora presidente havia conseguido limpar o aparelho burocrático e corrupto do município da capital, substituindo os velhos – e corruptos – funcionários por quadros jovens, que, embora não

tivessem a maturidade necessária para mover-se entre tantos astutos e ladrões, rapidamente haviam aprendido a dirigir a máquina. Palavras de Ahmadinejad. Neste momento, seria útil transmitir-lhes a experiência venezuelana e mostrar como conseguiram limpar a máquina estatal e substituir toda a alta direção da indústria petrolífera, prevenindo as sabotagens e boicotes. E há muito que prevenir! O novo presidente toma posse somente dentro de 37 dias, que são extremamente perigosos. Pode-se esperar sabotagens, greves brancas etc. Num meu artigo precedente, publicado no jornal Hamshahri, da prefeitura de Teerã, havia advertido que no caso de vitória, não seria surpreendente que ocorresse uma fuga de capitais. Afirmava que seria necessário tomar medidas radicais como a mudança da moeda. Na estrutura atual, a primeira coisa a ser feita seria mudar a direção do Banco Central, introduzindo transparência no sistema bancário, na diplomacia etc. Sugeria não uma nomeação imediata de ministros, mas a criação de um governo provisório, com a participação das organizações de trabalhadores urbanos e rurais, funcionários, médicos, professores etc., para que, por meio de congressos extraordinários, apresentassem os próprios candidatos aos ministérios, com um funcionamento e sob controle das bases. Pois o novo presidente acaba de declarar que pretende seguir esse caminho. Veremos como será a sua anunciada “terceira revolução”. Novamente o Irã intervém com força no cenário do Oriente Médio, dos países árabes e entorno, colocando em dificuldade inclusive os Estados capitalistas europeus que já tinham um pé dentro do país. Sandro Barrokh, arquiteto e militante de esquerda em Teerã, escreve para vários jornais do Irã

IRAQUE

Os sindicatos do Iraque decidiram se unir pela retirada das tropas que invadem o país desde março de 2003. Em encontro nacional na capital do país, Bagdá, dia 22 de junho, cerca de 200 delegados de entidades de trabalhadores acusaram o governo estadunidense, que promove a ocupação, de saquear as riquezas naturais iraquianas e de manter alto o índice de pauperismo e desemprego da população. “O governo dos EUA chama de terroristas todas as pessoas que criticam a ocupação. Isso lhes dá a justificativa para reprimir todos os que discordam de sua política. Basta dizer ´são terroristas´ e atirar”, afirma Omar Qasri, da Federação de Trabalhadores Iraquianos, que participou do encontro. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele criticou o primeiro-ministro iraquiano, Ibrahim Yafari, que, segundo ele, não administra em favor da população, mas dos interesses estadunidenses. Em maio, Yafari montou o governo do Iraque. Na época, Qasri denunciou ao Brasil de Fato (edição 115) que o critério de escolha dos ministros havia sido o alinhamento com o governo dos Estados Unidos. Em cinco pastas – Defesa, Direitos Humanos, Eletricidade, Indústria e Petróleo –, o primeiro-ministro não conseguiu indicar titulares. Os cargos haviam sido interinamente controlados por civis iraquianos e funcionários estadunidenses. Os 140 mil soldados da coalizão que ocupa o Iraque, a

maioria dos Estados Unidos, assumem funções administrativas. Dia 17 de junho, o jornal mexicano La Jornada divulgou uma missão de sindicalistas iraquianos nos Estados Unidos, que ocorreu de 16 a 28 de junho. Os trabalhadores denunciavam, em reuniões com entidades estadunidenses, a política de perseguição a integrantes de sindicatos pelos soldados que ocupam o Iraque. Em entrevista ao jornal mexicano, Adnan al Saffar, da executiva da Federação Iraquiana de Sindicatos, que reúne 200 mil trabalhadores, disse que os movimentos sociais do Iraque resistem ao processo de privatização do petróleo do país. Segundo ele, esse é o motivo pelo qual são perseguidos: “Não permitiremos que o apetite dos capitalistas e empresas estrangeiras trague esse setor, tesouro do povo do Iraque, custe o sacrifício que custar”. Em uma das reuniões, Saffar definiu a administração de Paul Bremer, funcionário estadunidense responsável por montar o governo iraquiano, como pior que uma ditadura. Bremer, expôs o dirigente, privatizou 192 empresas iraquianas, “trazendo mais pobreza à pobreza de meu país”. Nos empreendimentos públicos restantes, Bremer proibiu a sindicalização dos trabalhadores, denunciou Saffar.

DEFINIR A RESISTÊNCIA Qasri diz que é preciso diferenciar a resistência democrática da terrorista. “Resistir é construir o Iraque de modo autônomo, indo contra a ocupação. Não defendemos quem mata indiscriminadamente, com bombas que atacam princi-

Além de assassinar civis indefesos, soldados da força de coalizão perseguem sindicalistas iraquianos

palmente a população iraquiana”, explica. Segundo ele, os sindicatos pretendem organizar marchas e greves contra a ocupação. Teme que os soldados que ocupam o Iraque reprimam os manifestantes. Em entrevista a La Jornada, Saffar comentou que os sindicatos não se opõem à luta armada contra a ocupação. “Não permitimos a violência contra civis. A violência, mais do que a outra pessoa, atinge a população civil, vítima de atentados. Quem comete violência, depois, se esconde no meio da população e, para matá-los, os soldados dos Estados Unidos bombardeiam a população”, afirma o dirigente iraquiano.

Fonte: Dados oficiais e reportagem do diário mexicano La Jornada

João Alexandre Peschanski da Redação

Essam Al-Sudani/AFP/ Folha Imagem

Sindicalistas se unem contra ocupação

RESULTADO DA GUERRA: MAIS VIOLÊNCIA E DESEMPREGO Antes de março 2003 Ações contra a ocupação (por dia)

0

Junho 2004

Junho 2005

45

70

10.000

60.800

População iraquiana assassinada

(sem informação)

Soldados da coalizão mortos

0

982

1.930

(sem informação)

40%

42%

Desemprego Produção de petróleo (barris por dia)

2,5 milhões

2.29 milhões

2,2 milhões


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INTERNACIONAL SAARA OCIDENTAL

População quer reaver soberania Verena Glass de Barcelona (Espanha)

Show Piece

Anexado pelo Marrocos desde 1975, país vive um levante, reprimido violentamente pelas forças marroquinas

E

nquanto a ocupação da Palestina, um dos casos mais antigos de anexação de um Estado por uma força estrangeira, tem chegado à opinião pública por vias de uma cobertura razoável da mídia, do Saara Ocidental muitos nunca ouviram falar. Representado por cerca de 50 refugiados saharauis (como é chamada a população local) que vivem na Espanha, o Saara Ocidental acabou se tornando o centro de calorosas discussões no Fórum Social Mediterrâneo (FSMed), realizado de 16 a 19 de junho em Barcelona, em função de desacordos com a delegação do Marrocos, país que domina o território saariano e cujo governo vem reprimindo violentamente um recente levante independentista na região. Ocupado pela primeira vez em 1892 pela Espanha (após o Acordo de Berlim, que dividiu o continente africano em colônias dos países europeus), o Saara Ocidental foi repassado ao governo marroquino em 1975 como parte de um grande acordo comercial entre os dois países. Essa ação não apenas feriu o acordo de devolução do território aos habitantes originários, mas também desencadeou um violento processo de repressão do Marrocos contra a população local. Depois de 13 anos de uma guerra sangrenta entre saharauis e marroquinos, o Saara Ocidental acabou anexado e dividido em uma área ocupada, rica em recursos naturais como fósforo, petróleo e pescado, e outra onde hoje se concentra a resistência saharaui e que se constituiu como República Árabe Saharaui Democrática, reconhecida por 74 países da comunidade internacional e liderada pela Frente

MARROCOS

Os saharauis exigem das Nações Unidas e do Marrocos reconhecimento como Estado soberano

Polisario – apoiada pela vizinha Argélia, país onde vive grande parte dos refugiados de guerra.

deve, segundo entidades de direitos humanos e ativistas saharauis, a um esquema de estrito isolamento do país imposto por Marrocos, que inclui a proibição da entrada de jornalistas, observadores internacionais e até representantes do Parlamento Europeu que se ofereceram como mediadores. Esse seria um dos fatores que fizeram passar quase o levante – ou intifada – do dia 22 de maio nos territórios ocupados, uma resposta à sistemática repressão do povo saharaui – que inclui, segundo denúncias, milhares de prisões sem julgamento de lideranças, torturas e assassinatos – e à demanda de que Marrocos chame um referendo sobre a independência do Saara. “Vivemos uma situação de mais de 31 anos de exílio de milhares de saharauis, e exigimos que, assim como os 74 países que já nos reco-

ISOLAMENTO A grande concentração populacional saharaui, no entanto, ainda se encontra na área ocupada. Para evitar a circulação e o contato destes com a resistência, e o acesso da resistência e da Argélia aos recursos naturais situados na zona costeira, o governo marroquino construiu uma vala ladeada por um muro de 2.720 quilômetros que corta o território verticalmente. Segundo ativistas saharauis, o chamado “muro da vergonha” é guardado por um contingente militar de 160 mil soldados, radares com alcance de 15 quilômetros de raio e cerca de 5 milhões de minas terrestres. A pouca divulgação sobre o conflito em torno do Saara Ocidental se

nheceram como Estado soberano, o Marrocos e as Nações Unidas façam o mesmo. Para isso precisamos de apoio da comunidade internacional, que não faz a mínima idéia da repressão marroquina contra o nosso povo, como desaparecimentos de lideranças, pessoas lançadas vivas de helicópteros ou enterradas vivas em fossas comuns”, afirma o ativista Ali Salem Tomek. Preso por sete anos pelo governo marroquino, Salek está na Espanha para realizar tratamento médico de uma série de problemas decorrentes das sessões de tortura na prisão. Segundo a eurodeputada austríaca Karin Scheele, impedida por Marrocos de entrar no Saara Ocidental após o levante de maio, além da Espanha, diretamente responsável pelo conflito, a Comissão Européia também deve tomar medidas urgentes em relação à

Localização: noroeste da África Nacionalidade: marroquina Línguas: árabe (oficial), berbére, francês Divisão administrativa: 7 regiões subdivididas em províncias e 2 prefeituras (Casablanca e Rabat) População: 28,4 (2000) sendo 70% árabes marroquinos, 30% berberes (1996) Moeda: dirham Religiões: muçulmana (98,7%), cristãos (1,1%), judeus (0,2%) SAARA OCIDENTAL Localização: noroeste da África Nome oficial: República Árabe Saraui Democrática Capital: Aioun Superfície: 266 mil km2. População: 307 mil habitantes Principais línguas: Árabehassania e espanhol Esperança de vida: 64 anos. Taxa de mortalidade infantil: 78/ 1000 nascimentos Religiões: muçulmanos (99,93%), cristãos (0,05%), religiões tradicionais e outras (0,02%)

questão. “Queremos entrar nas zonas ocupadas, falar com as lideranças saharauis, entrar nas prisões marroquinas e cobrar a responsabilidade das terríveis violações dos direitos humanos que vêm ocorrendo na região”, defendeu. (Agência Carta Maior, www.agen ciacartamaior.uol.com.br)

ANÁLISE

Wangari Maathai O futuro da África está novamente na agenda mundial. As Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM), estabelecidas pelas Nações Unidas, são uma das iniciativas com as quais se está enfrentando o drama africano. Entretanto, o papel essencial do meio ambiente ainda é marginal nas discussões sobre a pobreza. Enquanto continuamos discutindo essas iniciativas, a degradação ambiental, incluindo a perda de biodiversidade e da camada de húmus está se acelerando, o que faz desfalecer os esforços em favor do desenvolvimento. Sem uma melhor administração dos recursos naturais, as MDM, sobretudo a eliminação da pobreza, podem não passar de um sonho. Meu próprio país, o Quênia, é um bom exemplo disso. As selvas do Monte Quênia, na linha do Equador e na cordilheira Aberdare, são a fonte de centenas de correntes de água que confluem no Rio Tana, o maior do país, que proporciona água potável a milhões de quenianos. As selvas servem como depósitos que armazenam água da chuva em reservatórios subterrâneos. Muitos setores, incluindo o industrial, agrícola, turístico, a pecuária e o energético, dependem desses depósitos de água. Há 60 anos, as montanhas foram desmatadas e as variadas espécies selvagens substituídas pelo monocultivo de pinheiros e eucaliptos utilizados para fins comerciais. Para manejar o baixo custo dessas plantações, a administração introduziu o sistema shamba, pelo qual se permite aos camponeses cultivar plantas de

uso alimentar entre as árvores em crescimento. Ao mesmo tempo em que cuidam de suas colheitas, os camponeses cuidam dos pinhos e eucaliptos, o que significa uma redução dos custos de plantação. Mas esse sistema destrói a capacidade das florestas de fornecer elementos decisivos para sua própria sobrevivência e para seus habitantes, tais como repor os níveis de água subterrânea, sustentar o volume de água dos rios, criar o habitat de uma extensa série de seres viventes e regular a queda de chuvas. Lamentavelmente, esses problemas provocados pelo sistema shamba nem sempre são bem compreendidos. Depois de muitos anos de maus-tratos das selvas, a biodiversidade desaparece, os rios secam, as inundações se tornam freqüentes, aumenta a erosão do solo, a terra sofre degradação, aumenta a desertificação, as chuvas diminuem e cai a produção agrícola.

Paulo Pereira Lima

Cuidar do meio ambiente é vital para erradicar a pobreza

DESTRUIÇÃO EM CADEIA Os produtores em pequena escala têm de trabalhar em terras degradadas. Essas condições sufocam as perspectivas de erradicar a extrema pobreza, a fome e de reduzir a mortalidade infantil, e também todas as MDM. Tudo isso pode ser evitado se os recursos florestais forem aproveitados de maneira mais sustentável. Este ano no Quênia as chuvas prolongadas foram tardias e leves, o que impediu muitos camponeses de semear suas terras. Três milhões de pessoas, quase 10% da população, dependem agora da ajuda alimentar do governo. Cerca de 60% da

Degradação das terras impede a erradicação da fome e da mortalidade infantil

população queniana é rural e a maioria ainda ganha a vida com a agricultura. Desaparecidas as selvas, nada resta para impedir a erosão do solo e a perda maciça do húmus. Isso,

combinado com os baixos níveis dos cursos de água e a grande quantidade de terra acumulada nos diques ao longo do Rio Tana, desafia a capacidade do governo para gerar suficiente energia proveniente das

represas hidrelétricas. O Quênia tem de comprar energia elétrica de países vizinhos para expandir a eletrificação rural e o desenvolvimento industrial. Deve-se sacrificar outras prioridades vinculadas ao desenvolvimento, tais como o combate ao HIV/Aids e outras enfermidades e a melhoria da saúde materna. A escassez de eletricidade também faz com que as pessoas pobres utilizem carvão vegetal para fornecer energia, o que provoca um futuro desmatamento. Finalmente, a destruição das florestas do Quênia também prejudica o turismo, importante fonte de divisas. A organização que fundei, a Green Belt Movement (Movimento Cinturão Verde), lançou um projetopiloto em sociedade com o governo queniano para restaurar florestas degradadas e proteger terras com vegetação e árvores nativas. As mulheres locais estão fazendo estufas de árvores indígenas e plantando-as nas florestas de Aberdare. Para cada planta, cada mulher ganha cerca de 0,35 dólar. A África está atrasada em relação a outras regiões quanto aos progressos para concretizar as MDM. Se não reconhecermos que o cuidado do meio ambiente é fundamental para um desenvolvimento sustentável e para acabar com a pobreza corremos o risco de não conseguir nenhuma dessas metas e de degradar o recurso básico do qual depende o desenvolvimento futuro. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br) Wangari Maathai ganhou o Prêmio Nobel da Paz 2004 e é vice-ministra do Meio Ambiente do Quênia, além de parlamentar


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AMBIENTE VIOLÊNCIA NO CAMPO

Despejos continuam. Conflitos também Rogério Almeida de Belém (PA)

O

Pará é o Estado onde mais se mata dirigentes empenhados na reforma agrária. A contribuição mais recente para compor esse trágico recorde foi a determinação, no início de junho, da maior reintegração de posse contra semterra já realizada no Brasil: 48 reintegrações, numa única canetada do juiz Líbio Moura, da Vara Agrária de Marabá. No arrastão da Polícia Militar no sudeste do Estado, que mobiliza 280 homens e deve durar 90 dias, mais de duas mil famílias estão sendo despejadas. Há duas semanas, o dirigente rural Antônio do Alho, de Parauapebas, foi assassinado. E, na semana passada, mais uma página de truculência foi escrita, na área conhecida como Jacaré Grande, município de Curionópolis. Tratores destruíram barracos e lavouras. A maioria das terras é da União. Muitas delas ocupadas há mais de sete anos. Marabá é o município da vez do mês de julho. Uma reunião prevista para acontecer dia 29 de junho com a Ouvidoria Agrária Nacional, a Vara Agrária Estadual do Pará, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e entidades do movimento social, deveria decidir sobre as ações. Informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT) indicam que as áreas inclusas no arrastão do Judiciário são improdutivas e até já

Lalo de Almeida/ Folha Imagem

Destruição de lavouras e casas, execução de dirigentes e ameaças marcam a maior ação contra sem-terra no Brasil

Em Rondon do Pará, famílias devem ser despejadas da fazenda Santa Mônica, já avaliada como improdutiva

homologadas como projetos de assentamento pelo Incra, como o caso da fazenda Remanso Talismã. Pelo menos por enquanto as áreas ocupadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Peruano e Cabaceiras estão de fora do arrastão. São ditas de propriedade da família Mutran, conhecida pela violência contra trabalhadores do campo. As áreas es-

tiveram no “livro sujo” do trabalho escravo, elaborado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Saíram por força de liminar. Os despejos com flagrantes marcas de violência devem continuar nas seguintes áreas: Balão, área que abriga cem famílias e já foi considerada improdutiva; Remanso Talismã, com 48 famílias, terras da União ocupadas há 7 anos; Estrela

da Manhã, com 90 famílias, em fazenda ainda sem vistoria do Incra; e Tibiriçá, com 80 famílias, área avaliada como improdutiva.

O TEMOR MORA AO LADO Na agenda da violência pública que se mescla com a privada, Rondon do Pará, município do sudeste do Pará, é o próximo da lista. A cidade tem como chefe um madeirei-

ro e dono de serrarias, José Décio Barroso Nunes, conhecido como Delsão, apontado como articulador de vários crimes contra sem-terra no município – entre eles, o do sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, executado na porta da própria casa em 21 novembro de 2000. Em Rondon do Pará, famílias devem ser despejadas da fazenda Santa Mônica, já avaliada como improdutiva. E mesmo famílias já assentadas no Projeto de Assentamento Unidos Para Vencer devem ser expulsas da área. Organizações como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura (Fetagri), regional sudeste do Pará e MST, temem pela segurança da dirigente sindical Maria Joelma, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Pará de Rondon do Pará. Joelma é viúva de Dezinho. A dirigente sofre ameaças de morte e já denunciou o caso em várias instâncias do poder público. As organizações Justiça Global, CPT/Marabá, Terra de Direitos e Plataforma Dhesc Brasil protocolaram denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) endereçada ao secretário executivo dessa Comissão, Santiago Canton. No documento, as entidades revelam a situação de tensão no Pará e o risco de morte que sofrem mais de 15 mil pessoas na luta pela terra.

A grande imprensa já noticiou que ele é mais um estrangeiro que vive com a cabeça a prêmio no Pará, terra sem lei onde ainda se paga para matar. Sua vida já foi avaliada em R$ 100 mil – o dobro do que foi pago pelo assassinato da religiosa estadunidense Dorothy Stang. Frei Henri des Roziers, militante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), é um atuante defensor dos direitos humanos desde o histórico maio de 1968, em Paris, cidade onde nasceu. Em 1976, pediu para ser transferido para o Brasil, pois lhe disseram que sua experiência poderia ser útil na luta contra a repressão dos anos da ditadura. Brasil de Fato – Trace um quadro da violência no Pará. Frei Henri des Roziers – Quando os madeireiros, fazendeiros e grupos poderosos entraram no Pará, nos anos 70, o governo entregou a eles títulos legalizando suas áreas. Porém esses grandes grupos sempre registravam suas áreas como sendo maiores do que as concedidas. Com essa estratégia, os grandes proprietários tiravam das terras os posseiros, os pequenos proprietários e acabavam por provocar guerras, brigas. Então o governo era obrigado a desapropriar algumas áreas para acalmar a exclusão social. A violência vem dessa época. Sempre foi nítido que a dificuldade dos pequenos proprietários em manter e legalizar suas terras era muito maior do que a encontrada por grandes corporações e pelos grandes fazendeiros. Para completar, mais ou menos há 10 anos chegaram os sem-terra, para ocupar as áreas improdutivas dos grandes fazendeiros. No meio de tudo isso ainda tem a violência do trabalho escravo: desde o início, os grandes fazendeiros e madeireiros tinham que desmatar as terras. Precisavam de muita mão-de-obra, que foram buscar nos Estados vizinhos pobres, como Maranhão e Piauí. As pessoas

Madeireiros e latifundiários do Pará contam com apoio da Justiça

acabavam por aceitar qualquer proposta de trabalho. Uma vez desmatadas as áreas, os camponeses passaram a trabalhar na manutenção das fazendas. BF – Como é a proposta de federalização dos crimes contra trabalhadores rurais defendida pelo senhor? Frei Henri – É uma proposta totalmente atualizada, devido ao processo referente à morte da irmã Dorothy, em que o pedido oficial do procurador-geral da República está no Superior Tribunal Judiciário para decidir. A CPT, junto com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), soltou uma nota na qual pede efetivamente a federalização do processo criminal, pois a experiência, pelo menos no sul do Pará, mostra que até hoje, abrangendo a área onde estava a irmã Dorothy, tivemos vários processos criminais contra os assassinos de vários sindicalistas. Para que esses processos chegassem a ter julgamento foi um trabalho enorme, extremamente difícil, de muitos anos. Até hoje temos uns três mandantes que foram condenados, demorando uns vinte anos pra chegar a esse veredicto. E, no fim, a maioria ainda está solta. Isso mostra a dificuldade, a má vontade, os obstáculos que o Poder Judiciário tem, pois esses man-

dantes que estão sendo julgados têm uma força econômica muito grande dentro do Estado. Por isso pedimos a federalização desses crimes, pois está provado que o Poder Judiciário do Pará não tem condição realmente de apurar os crimes contra os madeireiros e os latifundiários. BF – Na sua opinião, essa tentativa vai ter sucesso? Frei Henri – Será extremamente difícil. Porém vai se decidir rapidamente, pois já está no Superior Tribunal de Justiça. Mas é estranho, pois no início, logo depois do assassinato da irmã Dorothy, o secretário dos Direitos Humanos, ministro Nilmário Miranda, estava muito otimista sobre a possibilidade da federalização. Agora ele mudou, nunca mais falou a favor disso. A CPT tem informações de que havia um tipo de acordo entre o governos do Pará (PMDB) e o governo federal para que esse crime não seja federalizado. BF – O senhor também estaria ameaçado de morte? Frei Henri – A imprensa diz que sim. Publicaram artigos sobre os preços que a minha cabeça estaria valendo e depois disso eu recebi ordem para aceitar proteção da polícia. Mas considero que a minha situação, em comparação

com a da irmã Dorothy, é quase nada. Mas todos aqueles que se envolvem nessa luta, sejam os responsáveis pela organização, os participantes ou os envolvidos em apoiar os trabalhadores que são expulsos de suas terras, correm riscos. E eu estou entre eles. Fala-se muito mais de mim, pois eu trabalho na CPT nos conflitos que ocasionaram e ocasionam ainda muitas mortes, desde 79. Também faço parte do grupo de advogados que desde 91 trabalha para que todos esses crimes das madeireiras contra os sindicalistas sejam apurados. E, entre advogados, eu sou o único que fica na região, articulando tudo, vendo o início dos processos, dando assistência, encontrando as testemunhas, articulando a pressão. Quase todos esses processos foram até julgamento e terminaram com condenações de vários pistoleiros. Porém muitos conseguem fugir e eu chego a encontrá-los até na rua. É claro que todos eles têm raiva da CPT e de mim, principalmente. Porque, como disse antes, eu estou diretamente envolvido em quase todos esses processos. Por exemplo, agora, estou num processo contra policiais civis de Xinguará, que em 1999 torturaram um adolescente durante três dias – provavelmente esse rapaz vai ficar louco pelo resto da vida. Esse processo é extremamente difícil e a mãe está sofrendo pressões fortes. Além disso, a polícia civil divulgou vários artigos mentirosos sobre mim, pois eu estava recolhendo diversas provas contra esses policiais. Mas nós já conseguimos algumas vitórias. Por exemplo, graças a esse processo, dentro das delegacias diminuiu consideravelmente a tortura. Contudo, obviamente continuamos vendo demora nesses julgamentos. Outro fator é que nós da CPT denunciamos o trabalho escravo e na região do sul e do sudeste do Pará é onde atualmente mais se vê esse crime. Já conseguimos libertar vários trabalhadores que se encontravam em condições sub-humanas.

Marina Moreira

Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)

Moacyr Lopes Junior/ Folha Imagem

Mesmo ameaçado, frei Henri luta contra madeireiras

Quem é Frei Henri des Roziers, 75 anos, está há 27 anos no Brasil, quase sempre habitando a região com maior índice de assassinatos e de trabalho escravo do país – sul e sudeste do Pará. Ordenado frei dominicano, é formado em Direito com especialização em Direito Comparado na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Defendeu os imigrantes em Paris, na França, enfrentando a polícia na rua. Desde 1991 atua contra a impunidade no campo. Como advogado, frei Henri liderou e coordenou outros advogados para a primeira condenação de um fazendeiro mandante de assassinatos naquela região.

BF – O senhor tem medo dessas ameaças? Frei Henri – Não, honestamente não. Primeiramente porque acho que não penso nisso. O que aconteceu com a irmã Dorothy, pra mim, foi um susto, eu não imaginava que aconteceria. Em segundo lugar, eu já tenho 75 anos e, quanto mais idade, menos a gente se preocupa com isso. Já passei por muitas situações de risco e de qualquer maneira faço um trabalho que me interessa muito, um trabalho em serviço de uma causa extremamente importante, e conhecendo a causa a fundo você percebe que todo esse esforço é justificado. Então, como disse antes, honestamente, não me dá medo. Viver o dia a cada dia é o que me interessa.


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DEBATE RUMOS DO GOVERNO

Por quem devemos lutar Fábio Konder Comparato

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O

imaginar, dentro ou fora do PT, que o governo Lula se entregasse tão prazerosamente à velhíssima prática de alianças com os homens do dinheiro, de loteamento de cargos públicos e de suborno programado de parlamentares. Que fazer diante disso? Continuar defendendo o governo Lula, vítima do “golpismo das elites”? Certamente não. Os movimen-

tos sociais irmanados com o povo devem tomar muito cuidado. É sempre um desastre tentar obter um relacionamento privilegiado com o governo, em detrimento da efetiva realização, por este, de políticas públicas em prol de todos os brasileiros, mesmo sem ligações com alguma agremiação próxima da chefia do

Hora de Discernimento Dom Demétrio Valentini evangelho relata um episódio que pode se aplicar à situação vivida pelo país, com este alarido em torno de denúncias de corrupção. Diz o relato de João que os fariseus levaram a Jesus uma mulher apanhada em adultério. Pela lei, devia ser apedrejada. Mas o interesse dos fariseus não era tanto condenar a mulher, mas desestabilizar o profetismo de Cristo. Tanto que, se fossem mesmo zelosos no cumprimento da lei, nem precisavam levar o caso a julgamento público, em pleno templo de Jerusalém. Percebendo a cilada, Jesus evitou uma resposta imediata. Mas como insistissem, o Mestre deu o bote que atingiu a todos, e desmascarou a hipocrisia dos acusadores. “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra!”, disse ele. E tranqüilamente passou a escrever com o dedo no chão. Diante desta proposta de Cristo, os fariseus foram saindo todos, “a começar pelos mais velhos”. Francamente, olhando a cena armada com as atuais acusações de corrupção, dá para reconhecer muito fariseu se arvorando em paladino da moralidade, acusando os outros para encobrir suas próprias falcatruas. Se fosse fazer como Cristo, e escrever no painel do Congresso todas as trapaças já feitas pelos atuais atores políticos que bancam agora as acusações, quantos deles precisariam fazer como os fariseus, e cair fora de fininho antes que fossem lembradas suas práticas de corrupção. Como observa o Evangelho, os

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veteranos seriam os primeiros a se retirar. O que está em jogo não são atos isolados de corrupção. E’ preciso perceber o processo que leva ao clima propício para o desvirtuamento da política. E proceder a mudanças profundas, sobretudo no relacionamento entre o Congresso e o Executivo. No citado episódio evangélico, o Cristo nos ensina a superar o âmbito da condenação, para propor uma mudança de vida. “Nem eu te condeno”, disse ele à mulher pecadora. Mas em seguida acrescentou: “vai, e não tornes a pecar”. Daquela vez, foi o Cristo a fazer a mediação. Agora, é a vez da cidadania entrar em ação, e urgir uma mudança política para valer. Caso contrário, permanecem os mesmos personagens, revezando-se nas funções de acusadores e acusados. Esta intervenção da cidadania já começa a tomar forma, na proposta concreta apresentada por diversas forças sociais. O leque das reivindicações é amplo, englobando ao mesmo tempo o combate à corrupção, mas também o combate à desestabilização política do governo. Igualmente, mudança na política econômica com prioridade ao atendimento dos direitos sociais, junto com reformas políticas democráticas. Se a situação pede uma mobilização nacional, o povo brasileiro saberá encontrar energias para empreendê-la. E é bom que, desde logo, os políticos saibam disto. Dom Demétrio Valentini é bispo de Jales (SP)

Executivo. Os direitos humanos, sejam individuais ou sociais, são direitos de todos, não favores que o governo reserva aos seus amigos e aliados. QUE FAZER, ENTÃO?

A solução é clara: reconhecer no povo o autêntico soberano, ao qual todos os agentes, políticos ou econômicos, dentro

Fábio Konder Comparato é jurista renomado internacionalmente, Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra (Portugal), Doutor em Direito da Universidade de Paris (França) e professor titular da Universidade de São Paulo (USP). É autor de vários livros como A afirmação histórica dos direitos humanos e de vários artigos doutrinários. É fundador e diretor da Escola de Governo, em São Paulo

Os catadores e as políticas públicas Dionilso Marcon tualmente, no Brasil, mais de 800 mil trabalhadores sustentam suas famílias a partir da coleta, triagem e comercialização dos materiais recicláveis. No Rio Grande do Sul são 30 mil catadores, que, individualmente, reciclam cerca de 90 quilos/dia de produtos — papel, sucata ferrosa, vidros e plásticos — que seriam despejados em aterros ou lixões a céu aberto. A falta de reconhecimento profissional da atividade do catador na grande maioria das vezes força-os a uma condição injusta no ofício do seu dia-a-dia, e, em alguns casos, assemelha-se ao de um trabalho escravo. Os sucateiros agem como atravessadores, pois compram a sucata a preço baixo, armazenam grandes quantidades, e vendem o produto coletado diretamente às indústrias e conseqüentemente ficam com maior parte do lucro desses catadores. Além disso, muitos governantes, principalmente na esfera municipal, não valorizam os benefícios sociais, econômicos e ambientais que esses cidadãos oferecem para toda a sociedade. Conforme dados do Unicef 90% dos materiais recicláveis que a indústria recebe resultam do trabalho dos catadores, no entanto, são tratados como estorvo, como pessoas que “estragam” a imagem estética da cidade, e que atrapalham o trânsito, e o que é pior: são vistos como caso de polícia. Muitos administradores municipais, ao invés de fomentar a organização desses catadores, agem no sentido contrário, incentivando a repressão aos mesmos. O motivo dessa posição política é, em grande parte, devido à

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enorme fonte de riqueza que se tornou a coleta, a comercialização e a reciclagem do lixo nas médias e grandes cidades, e que hoje se concentra nas mãos de grandes empresários e de grupos econômicos. Em alguns municípios a política de perseguição aos catadores determina a retenção de seus carrinhos, de carroças ou pressionam os trabalhadores para que “catem” apenas nos lixões a céu aberto, deixando-os sem uma alternativa digna de sobrevivência e de condições sanitárias. Esse jogo de interesses empurra esses cidadãos para a marginalidade, reduzindo a chance da sua única fonte de renda: o lixo, o descarte da sociedade que, pelas mãos dos catadores, ao final do seu ciclo, transforma-se novamente em matéria prima, mas que também representa esperança de sonhar com uma vida melhor. Para mudar esse quadro, os catadores estão organizando-se sob a bandeira do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). O movimento propõe a não privatização do lixo, a conquista junto aos governos do reconhecimento do trabalho do catador na limpeza pública e a regulamentação da profissão, assim como incentivo à organização dos catado-

res em forma de cooperativas ou associações. Também lutam por projetos de leis e políticas públicas referentes à coleta, triagem e industrialização dos resíduos sólidos que priorizem os trabalhadores e trabalhadoras que vivem dessa profissão. Um bom exemplo desta política que nosso mandato apóia e participa é o projeto estadual patrocinado pelo governo Lula com o apoio da Petrobras. A iniciativa, proposta pelo MNCR, junto com os catadores e catadoras, viabilizará a industrialização e comercialização coletiva do material coletado, agregando mais de dois mil trabalhadores e trabalhadoras. Esse projeto retira de cena a figura do atravessador e evita a exploração de quem vive da reciclagem. Também elevará a renda média dos catadores, impede a sua exploração econômica e ajuda na conservação do meio ambiente. Dionilso Marcon é agricultor e deputado estadual. É presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa

Kipper

jornal pede a minha opinião sobre o governo Lula, agora lastimosamente transformado em ruínas. Digo que este governo cometeu dois pecados mortais. Em primeiro lugar, prestou-se a seguir os passos do seu antecessor, mantendo a ignóbil política de exploração sistemática do povo pobre e indefeso, diante dos assaltos continuados dos potentados econômicos nacionais e estrangeiros. Consolidou a maior política de transferência de renda que este país jamais conheceu: são R$ 100 bilhões pagos anualmente, com recursos arrecadados do povo, aos aplicadores em títulos da dívida pública interna; ou seja, 4% apenas da população nacional. Isto, sem contar outros tantos bilhões pagos aos credores externos, muitos deles, aliás, brasileiros com dinheiro depositado em paraísos fiscais. Ao mesmo tempo, repetindo e ampliando uma medida fraudulentamente inconstitucional do governo FHC, o governo Lula estendeu, de 2003 a 2007, a desvinculação de 20% dos recursos tributários que a União Federal deveria aplicar em políticas sociais, a fim de continuar cevando generosamente a minoria privilegiada que vive de juros de capital investido em títulos públicos. O segundo pecado mortal do governo Lula foi de matar as esperanças de milhões de brasileiros, sobretudo jovens, de renovação da vida política deste país. Não que a corrupção atual seja inferior à do governo FHC, longe disso! Mas ninguém podia

ou fora da organização estatal, devem subordinar-se. Foi exatamente para iniciar essa caminhada que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outras entidades, apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei que desbloqueia a realização de plebiscitos e referendos e reforça a iniciativa popular legislativa. A partir da aprovação desse projeto – que, este sim, vai ser combatido de todo jeito pelas falsas elites que nos dominam – o povo não precisará mais mendigar dinheiro para as políticas sociais. Não irá mais tolerar a desvinculação de recursos financeiros destinados à realização dessas políticas, para pagamento de juros aos especuladores, daqui e de fora. Não permitirá nunca mais a dilapidação dos bens públicos e do patrimônio nacional, com a destruidora política de privatização de empresas estatais e de entrega do nosso petróleo aos estrangeiros. Viva o povo brasileiro!


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA Nilmário Miranda, com o tema “A construção da cultura de paz e dos direitos humanos”. No segundo dia, acontecem painéis sobre a cultura de paz no universo de crianças, adolescentes e da mulher, além de debates. Nesse mesmo dia, será feita a entrega do Prêmio Jaime Wright de Direitos Humanos. Local: Reitoria da Universidade Federal da Bahia e Auditório Baker, da Faculdade Dois de Julho, Salvador Mais informações: (71) 3114-3400

CONCURSO – DESIGN DE CARÁTER SOCIAL Inscrições até 12 de agosto Com o tema “Comunidades Urbanas”, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior promove o concurso, que tem duas categorias: criação de veículos para coleta de materiais recicláveis e criação de mobiliário urbano para municípios históricos. Cada instituição de ensino superior poderá inscrever até cinco projetos, sendo no máximo três por categoria. Todas as propostas terão de ser pensadas e realizadas com a ajuda das comunidades que serão beneficiadas. A intenção é aliar o conhecimento dos universitários às necessidades das comunidades, popularizando o design e fortalecendo sua função social. Mais informações:

de uma tentativa de incentivar o desenvolvimento das produções audiovisuais que abordem de maneira criativa e desmistificadora o universo da mulher. O festival abre suas portas não apenas para diretoras como também para diretores, não importando além disso se as obras inscritas são de caráter documental ou ficcional. Local: R. Ten. Gomes, s/n, Chapada dos Guimarães Mais informações:

RIO DE JANEIRO Divulgação

NACIONAL

www.tudosobremulheres.com.br

www.f2j.edu.br

SÃO PAULO CEARÁ PRÊMIO CIDADANIA RESPONSÁVEL Inscrições até 30 de junho Para comemorar os 15 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que será dia 13 de julho, o Serviço Social do Comércio (Sesc) e a Agência de Cidadania Responsável (Agir) estão lançando o prêmio, destinado a monografias sobre cidadania e inclusão social para crianças e adolescentes. A premiação será concedida em duas categorias: alunos da rede pública de ensino médio e alunos de instituições de ensino superior. O vencedor de cada categoria receberá um microcomputador. Assim, as instituições envolvidas esperam estimular a pesquisa sobre o tema, contribuindo para uma melhor compreensão de toda a sociedade a respeito dos direitos e deveres das crianças e adolescentes. A entrega do prêmio será feita dia 13 de julho, durante a ação “Criança e Adolescente: Lições de Cidadania Responsável”, que acontecerá de 11 a 15 de julho. Local: Pça. do Ferreira, Fortaleza Mais informações:

designsocial@unisol.org.br PRÊMIO VLADIMIR HERZOG Inscrições até 2 de setembro Promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Arquidiocese de São Paulo, a 27ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos este ano contempla também reportagens para internet. As inscrições podem ser feitas nas seguintes categorias: artes, fotografia, televisão, rádio, jornal, revista, livro-reportagem, internet ou site noticioso. Mais informações:

www.sjsp.org.br

BAHIA

www.fecomercio-ce.org.br

ESPÍRITO SANTO

CONFERÊNCIA JAIME WRIGHT DE PROMOTORES DA PAZ E DIREITOS HUMANOS 30 de junho a 1º de julho No primeiro dia haverá, entre outras atividades, uma conferência com o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos,

1º SEMINÁRIO DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS 6 a 8 de julho O Instituto Idéias, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecno-

MESA-REDONDA – TORTURA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA 4 de julho, 19h Para lembrar o Dia Mundial das Nações Unidas em Apoio às Vítimas de Tortura, comemorado dia 26 de junho, o Grupo Tortura Nunca Mais e a Vice Reitoria da Universidade Federal Fluminense promovem o encontro que terá entre os debatedores Miguel Scapuzio (Uruguai); José Maria Gómez (Argentina), Eduardo Passos e Luiz Antonio Botelho Andrade (Brasil). Local: Teatro da UFF, R. Miguel de Frias, 9, Niterói Mais informações: (21) 2286-8762

logia e a Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (Abipti), realiza um seminário sobre reciclagem e responsabilidade socioambiental. O evento tem como objetivo promover um amplo debate sobre o tema, considerando as políticas, a legislação, as tecnologias, a inovação e as metodologias de gestão, na busca de modelos mais justos e inclusivos. Local: Centro de Convenções de Vitória, R. Constante Sodré, 117 a 157, Vitória Mais informações:

www.institutoideias.com.br penhasaviatto@uol.com.br OFICINA - LEITURA CRÍTICA DA COMUNICAÇÃO 11 a 14 de julho A Pastoral da Comunicação da Regional Sul II e a União Cristã Brasileira de Comunicação (UCBC) realizam a oficina durante o 4° Mutirão Brasileiro de Comunica-

ção (Muticom). O monitor do curso será o jornalista Elson Faxina, assessor regional da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Paraná. O objetivo é preparar lideranças para atuarem na formação de consciência crítica em relação às mensagens emitidas pelos meios de comunicação social e a suas interferências na vida pessoal e nas famílias. Local: Sesc Guarapari, Rodovia do Sol, 01, Guarapari Mais informações: (27) 3223-4245, ramal 269 www.muticom.com.br

MATO GROSSO FESTIVAL DE CINEMA FEMININO: TUDO SOBRE MULHERES 14 a 18 de setembro – inscrições até 1º de julho Idealizado e realizado por Daniela Bertolini, proprietária da produtora Flor do Cerrado, o evento trata

CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCOMUNICADORES Até 1º de julho O curso tem como objetivo formar mediadores de oficinas de rádio e vídeo, a partir da Metodologia Cala-boca já morreu. Os encontros promovem a compreensão das bases teóricas do campo da educomunicação, bem como o entendimento das dinâmicas próprias de grupos operativos. Local: Casa Cala-boca já morreu, Av. Gal. Mac Arthur, 96, São Paulo Mais informações: (11) 3719-3098

educomunicador@portalgens.com.br 1º ENCONTRO PAULISTA DE TECNOLOGIA SOCIAL 25 a 27 de julho O Instituto de Tecnologia Social (ITS) promove o encontro com a proposta de debater, difundir e aprofundar experiências de tecnologia social que estão sendo desenvolvidas no Estado. O evento complementa a programação do 3º Fórum Regional de Educação Popular do Oeste Paulista (Frepop), que este ano vem mobilizando atores sociais para discussão do tema “Educação popular e gestão social do conhecimento”. Além de oficinas, a programação terá as mesas “Tecnologia social: conceito, metodologia e prática” e “Tecnologia social e agricultura familiar: gargalos, desafios e soluções”. Local: R. Campos Sales, 389, Lins Mais informações:

www.frepop.linsnet.com.br

MÍDIA JOVEM ENGAJADA

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revista Viração ficou em primeiro lugar no relatório “A Mídia dos Jovens”, publicado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), que analisou publicações de 2002, 2003 e 2004. Entre os veículos, além dos suplementos juvenis de jornais de todo o país, foram monitoradas revistas como MTV, Capricho, Todateen e Atrevida. Segundo Carina Paccola, coordenadora de Mídia Jovem da Andi, “a revista se difere por não ser comercial, mas fruto de um projeto social, com grande responsabilidade frente aos jovens leitores. A participação dos jovens é muito importante para o conteúdo da revista, que é um espaço para o adolescente se manifestar”, afirma Paccola. O relatório “A Mídia dos Jovens” 2002/2003/2004 foi realizado com apoio do Fundo das Nações

Conselho Editorial Jovem é marca do projeto, presente em 12 capitais

Proposta da Andi é incentivar jornalistas a melhorar a qualidade do trabalho

Unidas para a Infância (Unicef) e do Instituto Ayrton Senna. De acordo com a pesquisa, o índice de reportagens pautadas por questões que podem provocar reflexão (Ín-

de respostas de especialistas para as dúvidas dos leitores, ao lado de diversos outros fatores. “Nossa expectativa é gerar uma reflexão dentro dos jornais e revistas retratados, fazer com que os jornalistas reflitam sobre sua atuação. A Andi acredita que a qualificação pode melhorar a situação da mídia voltada para o jovem”, diz Carina. Mensal e voltada para os jovens, a revista Viração foi lançada em março de 2003 e se propõe a ser um fórum de debate sobre a cidadania, os direitos humanos, a educação para paz e a solidariedade entre os povos. Sem fins lucrativos, a revista se apresenta como um projeto social impresso da Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé, de São Paulo. Um diferencial do projeto é o conselho editorial jovem, formado por representantes de escolas pú-

Divulgação

Carlos Gutierrez de São Paulo (SP)

Fotos: Paulo Pereira Lima

Revista Viração é primeiro lugar na avaliação da Andi

dice de Relevância Social – IRS) superou o número das consideradas não-relevantes para a formação cidadã dos adolescentes. Essa tendência vem se consolidando a cada ano. Em 2001, o IRS era de apenas 45,97%. Em 2002, subiu para 53,85%. Nos dois anos seguintes, evoluiu para 54,84% e 57,54%, respectivamente.

GERANDO REFLEXÃO

Reportagem de capa da Viração de junho trata das intervenções urbanas

O relatório traz também um ranking quanti-qualitativo de veículos voltados para jovens, no qual 15 critérios são analisados a fim de demonstrar o maior ou menor nível de comprometimento editorial do veículo com o seu público. Entre eles, figuram a diversidade dos atores ouvidos, o equilíbrio entre o número de meninas e meninos entrevistados, a existência de um conselho editorial jovem, a definição de espaços fixos para a publicação

blicas e particulares, organizações não-governamentais e movimentos sociais. Sua finalidade é avaliar a revista, propor e realizar pautas e entrevistas, além de discutir a realidade brasileira e internacional. Há conselhos em doze capitais (Aracaju, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Luís e São Paulo). Viração tem o apoio institucional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), da Organização das Nações Unidas para a Cultura, Educação e Ciência (Unesco), do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo e da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Também dispõe de uma versão eletrônica na internet (www.revistaviracao.com.br. Mais informações: (11) 3237-4091.


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CULTURA

De 30 de junho a 6 de julho de 2005

INTERVENÇÕES URBANAS

A arte questiona o uso do espaço público Luís Brasilino da Redação

N

o dia 26 de junho, cerca de 50 pessoas se encontraram na Praça Cornélia, em São Paulo (SP), para debater “a paisagem urbana que queremos”. Porém, a discussão não se deu entre conferencistas, palestrantes e espectadores, mas no Salão de Placas (Splac) – uma intervenção urbana em que os participantes desenvolveram vários tipos de arte, tendo como suporte as (irregulares) placas de eucatex com material publicitário de construtoras, que se espalham pela cidade nos finais de semana. A estudante de artes plásticas Floriana Breyer, uma das organizadoras do salão, conta que a manifestação foi uma tentativa de ‘politizar o uso do lixo’. “Queremos discutir como o espaço público está sendo usado, se é mesmo para todos e se está a serviço do social”, elucida. Eduardo Verderame, que assim como Floriana faz parte do grupo Experiência Imersiva Ambiental (EIA), explica que essas intervenções instigam a opinião pública, “inserindo na realidade uma quebra, uma ruga, algo que possa agregar sentido, levar a questão adiante”. Em Belo Horizonte (MG), o Grupo Poro já realizou dezenas de intervenções desde a sua criação, em 2002. Destaque para o projeto Folhas de Ouro, no qual foram colocadas, em volta de árvores da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), folhas pintadas de dourado. Em Salvador (BA), o Grupo de Interferência Ambiental (GIA) realizou, em 2004, o Salão de Maio. Os integrantes do GIA receberam propostas de artistas de diversas regiões do Brasil e fizeram mais de 30 intervenções, como a performance O Grande Pênis Branco, em que o artista Leon passeou pelas ruas com um fantoche de pênis onde estavam coladas as bandeiras de diversos países desenvolvidos, para denunciar o turismo sexual. Luciana Costa, do paulista Esqueleto Coletivo, lembra que, em novembro de 2004, o grupo realizou o trabalho Exército dos Executivos. “Fomos para a frente da Bolsa de Valores de São Paulo, no centro da capital, e fizemos uma passeata de engravatados que se movimentavam como um batalhão”, relata Luciana.

Fotos: Luciney Martins

Manifestações artísticas de rua se espalham pelo Brasil, transmitindo mensagens políticas, sociais e humanas

Quer participar?

Placas publicitárias de construtoras são transformadas em arte para politizar a problemática do lixo, em São Paulo

Arquivo GIA

Verderame, artística plástico, coloca que cada intervenção tem um motivo, mas que elas ocorrem no Brasil por razões específicas e se manifestam de diferentes formas, como protestos, levantes ou questionamentos. “Sempre procuro ajudar grupos e abrir novas frentes pois tenho a sensação de fazer parte de um grande exército que se mobiliza”, revela. Assim, as intervenções, pelo humor ou mesmo enfrentamento, vão destacando um espírito de embate com as regras sociais. “Sem essa confrontação com o real, o trabalho se perde no meio de tantas informações”, avalia Verderame. Por isso, ele sustenta que as intervenções são importantes para levantar questões, fazer com que elas sejas discutidas e tenham seqüência. As intervenções urbanas também questionam a lógica de mercado que vem controlando o meio artístico. Segundo Floriana, as expressões procuram criar elementos efêmeros, que não podem ser vendidos. “Com as intervenções, temos uma forma de atingir pessoas que normalmente não teriam contato com a arte – criamos situações na vida de cada um”, afirma.

Arquivo GIA

ARTE E POLÍTICA

Para saber mais Grupo Poro Zero: www.poro.redezero.org Esqueleto Coletivo: www.esqueleto.tk Grupo Nova Pasta: www.inconsciente.tk EIA: www.experiencia.tk Grupo Elefante: www.elefante0.zip.net

Na Bahia, o GIA realizou mais de 30 intervenções durante o Salão de Maio, em 2004, como a cama em frente ao Farol da Barra

Dia 2 de julho será realizada em São Paulo (SP) uma ação coletiva contra a reintegração de posse na ocupação Prestes Maia, do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC). São dois prédios (um na Avenida Prestes Maia e outro na Rua Brigadeiro Tobias) onde moram cerca de 3 mil pessoas. Foram planejadas intervenções nas calçadas e nas fachadas dos prédios. Estão confirmadas as participações das seguintes entidades: Catadores de Histórias, Esqueleto Coletivo, EIA, Temp, A Revolução não será televisionada, Elefante, Comunas Urbanas, Nova Pasta, mm não é confete, Bijari, Cia. Cachorra, Espaço Coringa, Coletivo Tuxxx, Centro de Mídia Independente, Instituto Pólis, Comunas da Terra, Cena dinâmica, Fórum Centro Vivo, Gavin Adans, Ricardo Rosas, Cristiane Arenas, Os Bigodistas, Marcha Mundial das Mulheres, Imagético e Cabeza Marginal. Para mais informações, envie mensagem para inergir@yahoo.com.br ou splaceia@gmail.com.


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