Ano 3 • Número 123
R$ 2,00 São Paulo • De 7 a 13 de julho de 2005
De novo, governo pede bênção à direita N
a noite de 5 de julho, o alto escalão do governo Lula se encontra com a nata da elite econômica e do conservadorismo para pedir apoio. Os ministros Antônio Palocci (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) foram a um jantar organizado pelo deputado Delfim Netto (PP-SP). Entre os convidados, líderes de sete entidades patronais; quatro banqueiros; executivos da Camargo Corrêa, CSN, Gerdau, Odebrecht e Votorantim. Além deles, os parlamentares chamados mostram o preço que o governo Lula está disposto a pagar para continuar no poder: cinco do PFL, quatro do PSDB, três do PT; cotas menores — um por agremiação — foram as do PC do B, PMDB, PP, PTB e PV. Bernardo e Palocci foram pedir bênçãos para um novo arrocho fiscal, proposta de Delfim para aumentar o pagamento da dívida via corte de despesas e aumento da Desvinculação das Receitas da União (DRU). Tradução: menos gastos públicos, sobretudo em educação e saúde. Págs. 3 e 7
CMI
A pedido de Palocci, Delfim Netto atua como conselheiro e formulador da política econômica e articula pacto com elite
Em protesto irreverente, movimentos sociais e ONGs lutam contra a política neoliberal dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia, G-8, na Escócia
O PT não tem projeto de nação projeto popular e democrático morreu em 1964. O sociólogo, que ajudou a criar o PT, assinala a diferença entre projeto nacional e de poder – no primeiro, a formação da nação é a priori-
dade número um; no segundo, o principal é o próprio poder. Chico também alerta para um fato grave: no país, a política foi colonizada pela economia. Págs. 4 e 5 Luciney Martis/ BL 45 Imagem
Na sua formação, o conjunto do PT nunca teve um projeto para o país, afirma Chico de Oliveira, em entrevista ao Brasil de Fato. O intelectual avalia que, na história do Brasil, o
Nas ruas, 225 mil exigem do G-8 o combate à pobreza “É ingênuo acreditar na boavontade do G-8 (o grupo dos sete países mais ricos do mundo, mais a Rússia)”. O lema de Yash Tander, ligada ao movimento sem-terra de Uganda, serviu de motivação aos 225 mil manifestantes que foram, dia 2, a Edimburgo (Escócia) cobrar dos líderes do G-8 o combate
à pobreza. As bandeiras foram o fim da dívida externa dos países pobres, justiça no comércio internacional e mais auxílio financeiro à África. Para Yash Tander, não dá mais para tolerar ajuda econômica condicionada à implementação de políticas neoliberais. Pág. 11
UNE reafirma que governo precisa mudar
Iniciativas contra a mídia hegemônica
Pág. 6
Paraguai cede imunidade às tropas dos EUA Pág. 9
Tsunami: 90% das doações não foram entregues Direito à moradia — Cerca de 8 mil integrantes de movimentos sociais, convocados pela Central dos Movimentos Populares (CMP), repudiam a política de limpeza social implementada pelo prefeito tucano José Serra
Policiais matam dois indígenas em Pernambuco Noite sangrenta na Ilha de Assunção, em Cabrobó (PE). Em 30 de junho, os indígenas Truká Adenilson dos Santos e seu filho, Jorge dos Santos, foram assassinados por dois policiais, à paisana, enquanto participavam da festa de São João de sua comunidade. Adenilson foi atingido pelas costas. Segundo os policiais, os indígenas reagiram a um mandado de prisão que apresentavam. O cacique Truká, Aurivan dos Santos, pretende denunciar o caso em audiência da ONU. Pág. 3
Pág. 15
E mais: SAÚDE – Ministério da Saúde dá ultimato a laboratório estadunidense: se até o dia 7 o preço do Kaletra (medicamento para a Aids) não baixar, sua patente será quebrada. Pág. 8 SEMINÁRIO – Intelectuais latino-americanos, reunidos em seminário em São Paulo (SP), de 4 a 6, defendem a elaboração de uma teoria social autônoma. Pág. 8
Na Venezuela, brotam iniciativas de alternativas à comunicação empresarial. Mais de mil concessões de rádios comunitárias já foram entregues. Outro exemplo é a Rede TV Sul, que inicia sua programação este mês, em caráter experimental. O projeto é gestado por Hugo Chávez, com apoio de Argentina, Cuba e Uruguai. O Brasil, que prepara um projeto paralelo, estuda sua participação. Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, promete que, “mesmo sem ser um dos sócios”, o Brasil certamente irá participar da TV Sul. Pág. 10
OMC: a luta para impedir negociações Movimentos sociais lançaram, em Brasília, declaração defendendo a obstrução das negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) “em nome da possibilidade de nossos países definirem suas políticas econômicas e sociais”. Segundo o documento, nos debates em preparação para 6ª Reunião Ministerial, marcada para ocorrer em dezembro, direitos básicos como o acesso à água, saúde e soberania alimentar estão sendo negociados como se fossem mercadorias. Pág. 9
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De 7 a 13 de julho de 2005
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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Estratégia política, ética e moral: aspectos de uma só crise
A
crise aberta com as denúncias sobre corrupção nos Correios revela, sem meios tons, a imensa crise ética (e moral) em que mergulharam importantes setores da esquerda brasileira. O fato de uma figura da estatura do deputado Roberto Jefferson (de histórico e biografia mais que conhecidos) ser capaz de abalar um governo e um partido que se propõem de esquerda, constitui-se por si mesmo numa calamidade. O estrago está feito. Mais que qualquer outra coisa, cumpre agora saber o que podemos aprender com isto. Assim como as classes, setores de classes e segmentos sociais constroem suas políticas (pois política nada mais é do que a luta das classes, setores e segmentos em torno de seus interesses), também as diversas éticas são construídas nessa dinâmica. A ética e a política interagem permanentemente sem que possamos muitas vezes distinguir quem veio primeiro, se a galinha ou o ovo. Se a política constrói estratégias, táticas e programas, a ética tem como objeto a construção de juízos de apreciação que se referem à conduta (das classes, setores e grupos), suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal. O conjunto de regras de conduta que se depreende da política e da ética, constitui a moral. Por isto, política, ética e moral convergem delineando
o desenho do projeto que se pretende alcançar. Aestratégia política escolhida pela maioria da direção petista, supostamente para a realização dos objetivos programáticos do seu partido, foi a de chegar à Presidência da República de qualquer modo, a qualquer preço e, sobretudo, aliando-se privilegiadamente com partidos de direita, em detrimento da construção de sua “governabilidade” em aliança com os setores populares organizados. Uma estratégia que a própria experiência histórica em todo o mundo desaconselha. Mostrou-se um fracasso. Juntamente com a política, fracassaram os juízos (ética) e condutas (moral) que instrumentalizaram e viabilizaram tal escolha. Hoje está irretorquivelmente decretada a falência e inadequação da estratégia, da ética e da moral trilhadas no que diz respeito à construção de novas relações sociais. Serviram, sim (o que era absolutamente previsível), para reproduzir de forma caricata e ampliada (pois atingindo a própria esquerda) o circo de sempre. Enfim, uma tragédia anunciada. O mais preocupante porém, é que, por miopia ou compromissos assumidos e hoje tornados irreversíveis, o Planalto parece manter a mesma estratégia, a mesma política de alianças e de governabilidade, o que dificilmente prescindirá dos juízos e condutas que as informaram
FALA ZÉ
até este momento. De um lado, a ausência de qualquer iniciativa no que diz respeito às propostas contidas na Carta ao Povo Brasileiro, organizada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e, de outro, o atendimento das reivindicações dos representantes do agronegócio que cercaram com tratores a Granja do Torto, e as iniciativas de encaminhamento do plano de déficit nominal zero, ilustram nossa preocupação. O desafio, portanto, para os que disputam hoje a direção dos rumos do Partido dos Trabalhadores é imenso e, por tudo que afirmamos, não se resolverá apenas no nível da mudança da estratégia política. Uma nova política, transformadora de fato, exigirá também novos juízos e condutas. Uma nova ética. Uma nova moral. O mar de lama conseqüente dessas práticas (políticas, éticas e morais) e que veio a público a partir do episódio dos Correios, na verdade, não passa de um pequeno balde se comparado com o que as elites econômicas e políticas vêm fazendo ao longo dos últimos 505 neste país. Mas isto não consola. Isto não redime. Até porque o projeto das elites é o projeto das elites. E o nosso projeto é o dos trabalhadores. É um projeto de nação que, efetivamente, garanta vida digna para todos. OHI
CARTAS DOS LEITORES MEMÓRIA POPULAR Essa mensagem é para parabenizar os companheiros do Brasil de Fato e, em especial, a repórter Bel Mercês pela oportuna e muito bem feita matéria sobre o Clube da Esquina publicada na edição 121. Ainda mais, com o anúncio sobre esse maravilhoso Museu Virtual, no qual já passei algumas horas, maravilhado, consultando seu rico material, de que jamais teria conhecimento não fosse essa matéria do Brasil de Fato. Mas tenho que fazer uma observação: na verdade, a casa de campo do Márcio Borges em que ele teria encontrado inspiração e tranqüilidade para escrever grande parte do livro não fica em Mauá (SP), e sim em Visconde de Mauá (RJ), em um lugar bastante poético por sinal, pois está praticamente à beira do rio que serve de divisa natural entre os Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Danilo D´Addio Chammas por correio eletrônico PROTESTO Fiquei surpreso ao saber sobre o ato da Coordenação dos Movimentos Socias (CMS) em defesa do governo Lula e sobre a “Carta ao Povo Brasileiro”. A presença da CUT eu até entendo, pois essa entidade já está na mão do capital há muito tempo – basta ver a festa organizada por ela no dia 1º de maio - mas a presença do MST, movimento que na minha opinião é o mais importante da política moderna brasileira, me deixou pasmado. Ou será que o sr. João Pedro Stedile já se esqueceu que na agenda de prioridades do atual governo para 2005 nem era citada a reforma agrária? Tudo bem que as elites estão aproveitando a fragilidade do governo para tentar
desestabilizá-lo ainda mais, mas não podemos deixar de observar que este governo está desestabilizado por culpa de suas alianças ridículas com o capital nacional e estrangeiro (banqueiros, latifundiários etc.), virando assim as costas para o povo brasileiro. Deixo aqui a ressalva de que o povo brasileiro e os movimentos sociais deram o seu voto de confiança para o PT e sua corja e foram traídos. Por isso cobro dos movimentos sociais que mudem suas atitudes, rompam com o PT e tomem atitudes mais revolucionária como fez a senadora Heloísa Helena, criando assim uma nova perspectiva para a esquerda brasileira. Ou alguém tem alguma dúvida de que o governo vai continuar com essa política econômica? Francisco de Paula Fernandes por correio eletrônico CUMPRIMENTOS Conheci o Brasil de Fato por causa de uma colega de trabalho. Quero parabenizá-los pelas matérias bem-feitas e realmente direcionadas para o que o Brasil precisa, que fogem daquelas notícias sobre a vida de celebridades. Elide Pereira de Lima Ferraz de Vasconcelos, SP ERRAMOS Na edição 122, a foto da capa cuja legenda é “Dezoito presos, em tratamento médico, foram acorrentados às macas no Hospital Vila Nova, em Porto Alegre (RS) é de Mauro Schaefer e não de Daniel Cassol, como foi publicado.
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CRÔNICA
Resgatar o tempo na liberdade do lazer Marcelo Barros Para muitos, julho é mês de férias. Uma das angústias da humanidade atual é como administrar o tempo. Quanto mais a civilização descobre meios velozes de transporte e instrumentos eficazes de comunicação, mais as pessoas vivem a sofreguidão de trabalhar, produzir e consumir. Precisar de menos tempo para ir de um lugar a outro e contar com máquinas e técnicas aperfeiçoadas para fazer coisas que, antigamente, eram artesanais, não está tornando as pessoas mais livres do que na época em que ninguém viajava de avião, não havia computador e telefone celular. Entretanto, enquanto os capitalistas crêem religiosamente que tempo é dinheiro, comunidades tradicionais, principalmente no campo, continuam sem relógio. Muitos ainda dão o melhor do seu tempo para conviver com a família, curtir a natureza e buscar o mistério, fonte da vida. Adultos que provêem o necessário para alimentar-se e organizar o cotidiano, aprendem das crianças a produzir
sem perder a dimensão lúdica da vida. Mostram que o tempo pode ser pensado e vivido como graça e oportunidade de relacionamento e doação. Na Europa, o sociólogo Domenico de Masi ensina que a cultura pós-industrial tende a fazer do ser humano um autômato, preso à engrenagem do tempo sempre no afã de mais produzir e consumir. Masi propõe como alternativa o “ócio criativo”, uma espécie de sincretismo entre as atividades produtivas, a arte e o lazer. É um novo jeito de viver e pensar. É difícil falar em “ócio criativo” para a multidão que, para sobreviver, tem de se submeter a trabalhos pesados, horários estafantes e condições de insalubridade. E, apesar de tudo, quem vive esta desumanidade ainda parece mais realizado do que a massa de desempregados. O capitalismo avança retornando a formas novas de escravidão no campo como na cidade. Em diversos países, explora o trabalho de crianças e adolescentes. No Brasil, o Instituto “Ócio Criati-
vo” tem como objetivo erradicar o trabalho precoce das crianças e adolescentes. Pais e educadores que lidam com crianças e adolescentes economicamente não-carentes, às vezes, incorporam o espírito desta sociedade sem coração. Passam a filhos e educandos uma sensação de desconforto pelo simples fato de não estarem na escola ou trabalhando em algo produtivo. A filosofia do lazer criativo e libertário é necessária. Os caminhos espirituais da humanidade têm em seu bojo a sabedoria de ligar trabalho e lazer, atividade e descanso. Na Bíblia, o Eclesiastes diz: “Há tempo para tudo debaixo do céu. Há tempo para trabalhar e tempo para o lazer...” (Ecl. 3). Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Editora CEBI-Rede da Paz, 2005. Correio eletrônico: mosteirodegoias@cultura.com.br
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NACIONAL CRISE
Escândalo abala estrutura interna do PT Envolvidos nas acusações de corrupção pedem afastamento em série; José Genoino pode ser o próximo, no dia 9
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pesar da inexistência de provas, as peças do dominó que compõem a crise instaurada no governo começam a sair do jogo. Na cúpula do Partido dos Trabalhadores, a tática é se afastar dos cargos até que tudo seja investigado. Seguindo o exemplo do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, o secretário-geral do PT, Silvio Pereira, e o tesoureiro do partido, Delúbio Soares, também deixaram seus cargos nesta semana. No dia 9, José Genoino pode ser o próximo. Na data, o Diretório Nacional do partido se reúne, convocado para “decidir acerca de propostas sobre o momento político e a recomposição da Comissão Executiva Nacional”. A situação de Genoino será decidida neste encontro. “Eu ainda quero dialogar mais com o Genoino, antes de emitir uma palavra definitiva a respeito”, diz o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) ao ser perguntado se Genoino deveria se afastar da presidência do partido. “Eu vi a entrevista dele no Roda Viva (programa da TV Cultura exibido dia 4) e ouvi suas explicações perante a Executiva quando ele esclareceu que o cargo de presidente pertence ao Diretório Nacional, que o escolheu quando o ministro José Dirceu assumiu”, emenda Suplicy.
“Eu sei que não há ilegalidade no fato do presidente e do tesoureiro pedirem um empréstimo junto a um banco e de pedirem a uma pessoa, que tenha recursos, para avalizar. Agora, o fato desta pessoa ser um publicitário, que tem e veio a ter mais contratos com organismos do governo, coloca esta operação numa situação delicada e inadequada”, diz Suplicy.
Maurício Lima/ AFP/Folha Imagem
Marcelo Netto Rodrigues da Redação
DECISÃO ACERTADA
Sindicalistas acompanham reunião do diretório do PT, em São Paulo, convocado para decidir sobre sua recomposição
Já Valter Pomar, um dos sete candidatos que concorrem à presidência do PT daqui a três meses e é o seu atual terceiro vice-presidente, pensa que “o partido deve reconhecer seus erros e reorganizar a Executiva Nacional substituindo várias pessoas, mas o Genoino deve deixar de ser presidente no dia 18 de setembro por decisão dos
filiados”. Segundo Pomar, a pressão para a saída do Genoino é uma enorme cortina de fumaça. “Minha preocupação maior é tirar o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, esse faz mal ao país. Não adianta mudar as pessoas se não mudar a linha política do partido, a linha econômica e a de alianças”, analisa.
VIOLÊNCIA NO CAMPO
CONFLITO AGRÁRIO
Policiais militares matam dois indígenas Priscila Carvalho de Brasília (DF)
Sem-terra é assassinado em emboscada
liciais, à paisana, entraram na festa e atiraram antes de se identificar e de apresentar o mandado de prisão. A polícia diz que atirou após reação violenta dos indígenas. “A versão da polícia quer justificar a execução. Nós não negamos que havia mandado de prisão de Adenilson, mas como é que a PM cumpre mandado de prisão em uma festa, no meio de mais de 400 pessoas, às 9 horas da noite?”, questionou o cacique Truká, Aurivan dos Santos, chamado de Neguinho Truká, irmão de Adenilson. Para os Truká, os mandados de prisão são relacionados ao processo de criminalização pelo qual o povo passou, a partir dos anos 90, quando começaram a retomar as suas terras tradicionais, que estavam invadidas por fazendeiros. A demarcação da terra Truká só ocorreu após as retomadas, mas as lideranças das mobilizações foram acusadas em diversos processos de furto, formação de quadrilha, entre outros. A liderança Pretinha Truká afirmou que vai relatar o caso à Organização das Nações Unidas, dia 16, quando participa de uma audiência sobre questões indígenas, em Genebra, Suíça.
Taís Peyneau do Rio de Janeiro (RJ)
Christiane Campos
Os indígenas Adenilson dos Santos, 38 anos, e seu filho Jorge dos Santos, de 17 anos, foram mortos a tiros na noite de 30 de junho, dentro da terra indígena Truká, na Ilha de Assunção, localizada no município de Cabrobó (PE). Os tiros foram disparados por policiais militares à paisana. De acordo com os Truká, Adenilson foi atingido pelas costas. Marcos José dos Santos, de 26 anos, está gravemente ferido em um hospital de Petrolina. Os assassinatos ocorreram enquanto cerca de 400 indígenas participavam de uma festa perto da entrada da terra Truká. A festa celebrava o São João, o anúncio da pavimentação da estrada que liga as aldeias da Ilha de Assunção e a reconstrução de casas, reivindicações que os Truká fazem há pelos menos dois anos, quando uma enchente do Rio São Francisco destruiu diversas casas. As medidas foram anunciadas na tarde do dia 30 pelo ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, que esteve na ilha. Os indígenas afirmam que os po-
Sem-terra em ação – O MST realizou as duas primeiras ocupações de terra no Rio Grande do Sul em 2005 em terrenos que podem, somados, assentar 150 famílias. No dia 25 de junho, 230 sem-terra entraram numa área de 1,4 mil hectares, no município de Tupanciretã, declarada de interesse social para fins de reforma agrária pelo governo do Estado em 2001. Dois dias depois, uma fazenda em Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, foi ocupada por 400 manifestantes, segundo Pedro Benevides, do MST gaúcho.
Na semana passada, foi descoberto que Genoino assinou um empréstimo bancário de R$ 2,4 milhões ao PT tendo como avalista o publicitário Marcos Valério, acusado de ser o operador do “mensalão”. O presidente do PT disse que assinou em confiança a Delúbio Soares sem atentar par o nome do avalista.
“O Genoíno cometeu erros políticos e de procedimento. Assinar um empréstimo sem saber quem é o avalista é um erro muito grave, sendo ele Marcos Valério, é gravíssimo. Mesmo assim, por respeito à história dele, a grande imprensa não deveria achincalhá-lo como está fazendo”, faz eco Pomar, que acredita que o afastamento de Genoino dessa maneira seria triste. E continua: “Eu não tenho dúvidas de que quem defende o afastamento de Genoino, o defende por esperteza, já que a sua saída interessa ao Campo Majoritário, que vê nele um candidato fraco para as próximas eleições do partido.” Genoino pertence a esta tendência interna do PT e disputa a reeleição. Sobre o afastamento de Delúbio e Silvio, Suplicy acredita que foi a decisão mais acertada, “dada a importância para o PT de ambos esclarecerem os episódios e para que tenham todo o sossego necessário”. O senador, inclusive, recomenda que a licença seja remunerada.
O trabalhador sem-terra Manuel Souza, morador do acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Oziel Alvez, no município de Campos (RJ), foi assassinado, dia 5, durante emboscada em uma das estradas que leva ao acampamento. A região vive clima de tensão extrema desde o dia 12 de maio, quando o juiz da 1ª Vara Federal de Campos, Marcelo Luzzio, mandou executar a reitegração de posse das terras do conjunto de fazendas onde se encontram os trabalhadores. O acampamento Oziel Alvez está há cinco anos em terras do complexo de sete fazendas da falida Usina Açucareira Cambayba. No mesmo local, existe ainda o acampamento Mário Lago, onde a Polícia Federal comandou operação de despejo dia 30 de junho. Na ocasião, por autorização do juiz Marcelo Luzzio, concedeuse um prazo de cinco dias para a saída das famílias. Mesmo após a concessão do prazo, lideranças dos acampamentos denunciam que a polícia reservada (P2) cercou as duas áreas, desde a sexta-feira, dia 1º, para identificar e isolar as lideranças, desorganizando a resistência das famílias. Na segunda-feira em que ocorreu o assassinato, haveria um despejo sem aviso prévio. Porém, segundo as lideranças, por causa do crime e da presença da imprensa no local, a polícia, que já se deslocava pelas estradas que levam ao local, recuou do meio do caminho. “Eles têm adotado essa estratégia. Chegam sem avisar para que não encontrem mobilização, autoridades ou imprensa”, explica Mariana Trotta, uma das advogadas do MST. A reportagem do
Brasil de Fato testemunhou, na tentativa de despejo do dia 30, que a imprensa foi impedida pela polícia de chegar até o acampamento, onde o comando da operação negociava com as famílias e utilizava de pressão psicológica, falando do poder de fogo e repressão que poderia ser utilizado, para dissuadi-las de permanecer no local.
A ESPERA DE SOLUÇÃO Após o assassinato, as famílias dos dois acampamentos fizeram a segunda manifestação pública para denunciar sua situação, dia 5. Em frente ao Tribunal de Justiça de Campos, pediam apuração do assassinato do trabalhador e distribuíam toneladas de alimentos produzidos por eles próprios aos transeuntes. Até o fechamento desta edição, representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Ouvidoria Agrária e da Procuradoria Agrária eram aguardados para negociar uma solução pacífica. “Somos quase 200 famílias (nos dois acampamentos). Queremos que a Procuradoria e a Ouvidoria Agrária intercedam por nós e por nossos direitos. Não é possível que Campos vire um novo Eldorado dos Carajás”, diz uma das lideranças do MST na região, que prefere não se identificar por motivos de segurança. Enquanto não se resolve a questão, o despejo dos acampamentos continua previsto para esta semana. Apesar de ordens expressas do governo do Estado do Rio de Janeiro e até do Secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, para que não se use violência, o comando da operação informou, durante a tentativa de despejo do dia 30 de junho, que “cumprirão a ordem de reitegração”. Das áreas ocupadas dos acampamentos Mário Lago e Oziel
Alvez saem, semanalmente, toneladas de banana, mandioca, quiabo, milho, beringela e frutas, vendidos em Campos e São João da Barra. Apesar de não contar com subsídios oficiais por ainda não estar assentadas, as famílias sustentam a si mesmas e à organização dos acampamentos. “Falta é espaço para produzir mais”, reclama o coordenador da produção do acampamento Mário Lago. As famílias ocupam 40 hectares por acordo com a Justiça, anterior à ordem de despejo.
PRIMEIRO DESPEJO “Tanto sonho na minha mente e desmorona tudo com uma coisa dessas”, lamenta Roberto Barreto, morador do Oziel Alvez. Pai de quatro filhos, Robeto vive de sua produção e traz a lembrança do primeiro despejo pelo qual passou na região, no acampamento Primeiro de Maio. “A gente já estava organizado e teve até tiro. Não quero passar isso de novo”, recorda. As terras que hoje as famílias cultivam estavam improdutivas desde o final dos anos 80. Nelas, a Usina Cambahyba plantava cana, mas faliu com o fim dos subsídios oferecidos pelo Proálcool. Os cerca de 3.400 hectares de terras da Usina Cambahyba estão penhorados à Receita Federal por dívidas de mais de R$ 100 milhões com a União. Pesam ainda ações por crime ambiental, confirmadas por perícia técnica e laudos judiciais. O proprietário arrenda também parte das terras à Usina Açucareira Santa Cruz, que tem contra si denúncias de uso de mãode-obra escrava. “A propriedade é improdutiva, não respeita leis trabalhistas e ambientais. Para esses casos, a Constituição Federal prevê a desaproprição”, explica Fernanda Viera, da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap).
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da mídia
NACIONAL ENTREVISTA
O PT não é mais o mesmo; trocou
da Redação
Esclarecimento geral Depois que o noticiário da imprensa empresarial passou a dar destaque aos esquemas de corrupção envolvendo as agências de publicidade de Marcos Valério e o governo do PT, a Associação Brasileira de Agências de Publicidade começou a publicar anúncios para esclarecer que muitas agências não têm contratos com o governo, e que a comissão oficial dos serviços de veiculação varia de 15% a 20%. Mais do que isso, é roubo. Exclusividade Globo Não faz o menor sentido a TV Globo ficar com a exclusividade do campeonato brasileiro e de outras competições esportivas e deixar de transmitir os jogos que interessam ao povo brasileiro. Por que essas transmissões esportivas não são abertas e cada emissora fatura com os seus patrocinadores? Além do mais, ninguém é obrigado a ouvir as besteiras do Galvão Bueno. Atuação conjunta Os sindicatos dos jornalistas e dos trabalhadores em transportes rodoviários pediram fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho nas emissoras TV Vanguarda, da Globo, e na TV Bandeirantes – Vale do Paraíba, já que nessas empresas os jornalistas são obrigados a ocupar a função de motoristas, o que é proibido por lei. Recentemente um repórter da TV Globo morreu em acidente rodoviário porque a emissora havia dispensado o motorista profissional. Truculência tucana Jornalistas e radialistas realizaram manifestação, dia 28 de junho, para protestar contra a truculência do presidente da Rádio e TV Cultura de São Paulo, o tucano Marcos Mendonça. Um funcionário, que também é diretor do sindicato, tem sido impedido de entrar na emissora. Ninho do PSDB, a direção da TV Cultura está privatizando e baixando o nível da programação diante da omissão de seu conselho curador e da Assembléia Legislativa. Marxismo inglês A BBC de Londres, uma das mais respeitáveis emissoras de rádio e TV do mundo, noticiou, recentemente, que o pensador mais querido dos ouvintes é o “filósofo” Karl Marx, que é alemão e autor de O Capital e do Manifesto Comunista, os livros mais críticos e mais contundentes contra o capitalismo. Os papas do capitalismo, John Locke e Adam Smith, não aparecem entre os 20 pensadores mais conhecidos na Inglaterra. Nobel feminino A radialista e comunicadora social Maria Régia Di Perna, pioneira na transmissão de programas de rádio voltados especialmente para os moradores da região amazônica, com orientações para as mulheres e sobre assuntos relacionados com a saúde, ervas medicinais, geração de renda etc., é uma das personalidades femininas indicadas para o Prêmio Nobel da Paz. Força para as mulheres! Sonho americano Em pesquisa realizada pelo Discovery Channel e pelo portal AOL, com mais de dois milhões de cidadãos nos Estados Unidos, o ex-presidente Ronald Reagan aparece em primeiro lugar entre os vinte estadunidenses mais populares de todos os tempos. O atual presidente, George W. Bush, que é do mesmo partido e da mesma linha que Reagan, aparece em 6º lugar. Eles, pesquisados e indicados, se merecem.
Lula poderia ter feito diferente, mas optou por políticas assistencialistas Anamárcia Vainsencher e Tatiana Merlino da Redação
O
Partido dos Trabalhadores cresceu na esteira do fim da ditadura militar, mas rapidamente se transformou na maior máquina partidária do país, não mais alimentada por qualquer projeto popular e democrático, mas movida por interesses econômicos e empenhada na manutenção do poder. O sociólogo Chico de Oliveira, um dos fundadores do PT, afirma ao Brasil de Fato que as vias de luta da esquerda precisam mudar, já que os partidos não têm mais interesse por política. Mas o caminho é, justamente, político. Brasil de Fato – Que PT é esse que faz aliança com o PL, rasga seus princípios, e chama Roberto Jefferson de companheiro? Francisco de Oliveira – Quem reconhece o PT por essa descrição? Não é mais o Partido dos Trabalhadores. Na história da esquerda mundial, os antigos partidos social-democratas levaram pelo menos 100 anos para se transformar em partidos da ordem. O PT levou três anos, desde a Carta ao Povo Brasileiro. BF – Por que no Brasil a transformação foi tão rápida? Chico de Oliveira – O PT cresceu muito depressa porque tivemos uma ditadura militar que deu uma extraordinária força aos movimentos sociais. Ainda não estudamos isso direito porque a esquerda brasileira sempre foi anticlerical e antiigrejeira. BF – E o PT nisso tudo? Chico de Oliveira – O PT foi uma espécie de vertedouro deste enorme movimento. E cresceu como os bons pasteleiros fazem. O PT cresceu bem, e se transformou na maior máquina partidária do país. Não há outra igual. O PSDB é uma máquina plutocrática que
João Alexandre Peschanski
Crise profunda Os principais jornais diários e revistas semanais continuam revelando dados novos sobre as relações entre as agências de publicidade, o governo federal, o PT e os deputados da base aliada no Congresso Nacional. Comprovados ou não, os fatos noticiados paralisaram o governo, o PT e as esquerdas. Poucos se atrevem a admitir os eventuais equívocos e a fazer autocrítica. Até quando?
Irmo Celso
Espelho
Quem é O sociólogo Chico de Oliveira é professor titular aposentado de Sociologia do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, e coordenador-executivo do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania-Cenedic-USP. Nascido em Recife (PE), Chico de Oliveira ganhou notoriedade no governo Jango, quando era o braço direito do economista Celso Furtado na Sudene. A partir de 1970, se integra ao Cebrap, que reunia intelectuais de oposição ao regime militar. Um dos fundadores do PT, entre 1990 e 1992, foi o titular da pasta Desenvolvimento Regional no governo paralelo coordenado por Lula. É autor de Crítica da Razão Dualista, A Economia da Dependência Imperfeita, A Falsificação da Ira, Elegia para uma Re(li)gião e O Elo Perdido.
Ontem, o Luiz Inácio Lula da Silva, líder metalúrgico, que injetou sangue novo no sindicalismo brasileiro
só tem a parte de cima, não tem base. O PT de agora não é mais o PT original, mas não foi tudo automático. Houve escolhas políticas dentro do PT. BF – Na chegada ao poder ou antes? Chico de Oliveira – A chegada ao poder é uma espécie de desastre, expõe a fratura, não é o momento da transformação. A fratura ocorreu em 2002, com a Carta ao Povo Brasileiro, e os dois anos e meio de governo. Aí, os problemas criados pela organização burocrática ficaram expostos. O PT é uma formidável máquina burocrática. Dos vereadores até em cima, cada um tem um corpo de assessores. Isso já forma uma massa de interesses materiais. Não é ideologia, não, é interesse material, é emprego. O PT emprega uma massa formidável de gente, e isso passa a influir no partido. BF – Igualzinho ao PSDB? Chico de Oliveira – Não, o assessor do PT tem uma diferença radical em relação ao do PSDB. Ambos têm interesses materiais, querem manter o emprego, mas o do PT tem ligação com o partido enquanto projeto político. Um projeto político de poder. Essas duas coisas fazem com que a máquina do PT seja realmente uma máquina de guerra partidária. A do PSDB não funciona assim. O PFL não tem máquina partidária, tem interesses fisiológicos e materiais.
O novo sindicalismo que surge é muito apolítico, antipolítico, até BF – Mas o PT não tinha um projeto de nação? Chico de Oliveira – Não, não tinha. Quem tinha projeto de país na formação do PT era o pessoal que veio da luta armada. O José Dirceu tinha. Essa senhora Dilma Roussef também. Era um projeto de transformação radical, socialista. Na formação do PT, o projeto dos católicos era um projeto ético. A terceira força, a principal na fundação, eram os sindicalistas, que não tinham projeto de país. O novo sindicalismo que surge é muito apolítico, anti-político, até. BF – Antes, quem teve um projeto popular e democrático no país? Chico de Oliveira – Os militares tinham um projeto de país conformado dentro de um projeto de potência. O projeto popular e democrático morreu em . Os sindicalistas são todos neófitos
em política, têm uma enorme ignorância sobre o que é Estado, o que é República. O Lula era nitidamente antipolítico. Em 74, ele dizia que ao trabalhador interessa salário, não política. BF – Qual a importância de um projeto nacional? Qual a diferença entre projeto nacional e projeto de poder? Chico de Oliveira – No projeto nacional, a formação da nação é a finalidade primeira de um partido. Já o projeto de poder coloca o poder antes da nação. Então, na medida em que o PT cresceu e se burocratizou, o projeto de poder passou à frente do projeto de nação, e terminou se convertendo em seu fim. BF – O que a direita quer? Chico de Oliveira – Duas coisas: poder e dinheiro. Dinheiro, tem. Não tem poder algum. A direita política hoje é o PSDB. BF – Eles têm o Banco Central, a Fazenda, o que mais querem? Chico de Oliveira – Não têm, não. Aqui temos um fenômeno muito sério, muito importante e muito grave. A economia colonizou a política. Não existe mais política. Há objetivos econômicos e manutenção de crescimento. É por isso que o Banco Central foi dado ao Henrique Meirelles. Não porque ele é PSDB, mas porque é um elo importante na cadeia da junção com os credores, com o capital financeiro em geral. Os tucanos lutam como se a política ainda tivesse importância, e não tem mais. No mundo capitalista não tem mais. BF – Então, o que fazer? Chico de Oliveira – Política. Exatamente porque ela não é importante para os capitalistas, ela tem que ser para nós. BF – Mas como e por quais vias, se os partidos se desmancham? Chico de Oliveira – Não se sabe. Temos que inventar novas formas. Os partidos estão em forte erosão. Dentro dessa colonização da política pela economia, os partidos são as principais vítimas. Porque os debates todos que estamos vendo sobre a corrupção têm por objetivo a discussão dos cargos nas estatais. Porque a política é irrelevante. O importante é ter um homem forte num lugar forte, onde se decide a aplicação da grana, do excedente econômico. Por isso eles se debatem e se comem feito uns loucos atrás disso. BF – Como assim? Chico de Oliveira – Por exemplo, o que se passou com uma importante reforma como a do Judiciário? Ela
quase passou em branco. Além dos advogados, dos juízes, dos interessados na máquina e na estrutura do poder Judiciário, quem mais discutiu a reforma que passou? Qual foi o sindicato de trabalhadores que fez algum debate sobre a reforma? Qual o partido político que debateu a reforma? Nenhum. Mas só se muda a situação fazendo política, porque é a única forma que se tem de atuar. Se você não é proprietário, não está no mundo das grandes finanças, como você age na sua sociedade? Fazendo política. As formas velhas ainda são eficazes? Duvido. E as novas, temos que achá-las.
As discussões sobre corrupção não passam de disputa por cargos BF – Quem está procurando? Chico de Oliveira – Muito pouca gente. Do lado dos cientistas políticos, há um enorme regozijo porque todas as instituições estão funcionando. A sociologia passou para o minimalismo. As grandes narrativas desapareceram do campo das ciências sociais. É uma sociologia que se dedica a – perdoem-me a irreverência – discutir a cor das calcinhas de Odete. Ela está preocupada com o cotidiano. No meu tempo se dizia: isso é firula. BF – Resta-nos a utopia? Chico de Oliveira – Reinventá-la. Todo mundo está contente. Estamos na quinta eleição presidencial contínua, sem interrupções. As instituições agüentaram o impeachment de um presidente sem se abalar. E os fundamentos econômicos estão ótimos, dizem os economistas. BF – E o povo? Chico de Oliveira – O povo é um acidente, foi um engano de Deus, que no dia da preguiça criou o povo. A política é irrelevante. As discussões de corrupção são em cima dos cargos. A política propriamente não é discutida. A coisa da reforma do Judiciário foi bem sintomática. Se fosse na época do Jango, pegava fogo. O Judiciário é uma peça importantíssima da política. No Banco Central, o presidente e os diretores são indicados pelo presidente da República, e o Senado tem que aprovar. Primeira distorção: devia ser a Câmara e não o Senado, porque o BC não discute só os interesses da Federação, toca nos interesses do povo. Quando ele decide sobre a taxa de juros está decidindo no seu bolso. Eu costumo dizer que a sabatina do
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NACIONAL
um projeto de nação por um de poder que mantém a pobreza e a concentração de renda. E chamou Delfim Netto para ajudar
BF – Um dos argumentos da direção do PT para justificar os recuos do governo era a correlação de forças desfavorável para um projeto de esquerda. Isso é verdade? Não era possível uma outra política econômica? Chico de Oliveira – Isso é uma bobagem, porque se você só faz a política que a correlação de forças permite, você só faz a política conservadora, que é o que resultou. E é outra bobagem, porque a política é precisamente o único meio que você dispõe para corrigir as assimetrias de poder que a economia cria. Num sistema capitalista, o poder é assimetricamente constituído. A política é o meio de corrigir isso. Se você não faz essa correção da economia pela política, o que é que você faz? Isso que está aí. BF – E por que o governo optou por essa governabilidade ao invés de ir à procura dos movimentos sociais? Chico de Oliveira – Minha tese está num artigo que ainda não foi publicado e que sairá junto com outros em um livro chamado A Era da Indeterminação. É a seguinte: ocorreu uma enorme transformação na sociedade, no capital e na propriedade, e portanto na relação com o Estado. Isso o PT nunca entendeu. A fraqueza teórica do PT é essa. Ele achou que o governo Fernando Henrique Cardoso era um governo entreguista, antinacionalista, e toda questão residia em ter vontade política. Ele nunca entendeu que o FHC botou o país de cabeça para baixo, e isso vale também para o MST. Eles nunca entenderam que ao privatizar, a tal correlação mudou de uma forma que é muito difícil controlar. Eles privatizaram 15% do PIB. Uma escala sem comparação na experiência mundial. Só a Argentina fez uma coisa semelhante e deu com os burros n’água. BF – Quer dizer que a esquerda não entendeu o que FHC fez ao país? Chico de Oliveira – O Brasil mudou muito e o PT não levou isso a sério, não sabia do que se tratava. O PT estava preocupado com a roubalheira nas privatizações. Como meu mestre Ignácio Rangel já dizia, a corrupção é um condimento do capitalismo. O problema só existe quando ela se transforma no prato principal. Mas isso não tem nenhuma importância do ponto de vista econômico. Do ponto de vista político tem. BF – Por que não é problema do ponto de vista da economia? Chico de Oliveira – Porque a economia é um circuito fechado. O dinheiro não sai dela. Se sair, não vale nada. Então, mesmo quem roubou, vai ter que aplicar o dinheiro. A economia é um sistema fechado, não sai nada dele. O que sai são os pobres, esses saem e vão bater no inferno. Houve roubalheira nas privatizações, para onde foi o dinheiro? Sabese mais ou menos. Qual é o efeito disso na economia? Nenhum. BF – Afinal, onde está o prejuízo que FHC causou ao país? Chico de Oliveira – Do ponto de vista do Estado brasileiro, da correlação de forças, as privatizações foram um fato grave. Com elas, mudou a estrutura da propriedade econômica no interior da mesma burguesia, mudou a relação dela com os trabalhado-
essa palavra para um morador da favela? É quase esperanto, uma língua que poucos falam. Revolução não tem plausibilidade para os favelados. Para atuar politicamente, tem que ser plausível que a sua promessa se cumpra. A política precisa de previsibilidade, caso contrário, não funciona. É preciso ser plausível para mim e para você que a igualdade possa existir. Não é preciso que ela exista, mas que seja plausível que ela possa existir. A igualdade é plausível para um morador da Rocinha? Você acha que ele pode atuar conseqüentemente tendo em vista o objetivo da igualdade? Não. Então isso se transforma numa guerra privada. Quando a igualdade não é plausível, todo instinto de sobrevivência se transforma numa guerra privada. Para isso, não é preciso de cultura geral, tem que estar na escala do alcançável. O morador da Rocinha tem que acreditar que é alcançável através desses meios, se não é um discurso que levita.
Arquivo Brasil de Fato
“Show do Milhão” é mais complexa do que a do Senado para aprovar o presidente do BC.
Trabalhadores sem-terra marcham em defesa de um projeto popular para o Brasil
res, mudou as relação dela com o Estado, e o Estado perdeu uma arma poderosa de fazer política econômica. E o PT nunca entendeu isso. BF – As Parcerias Público-Privadas (PPPs), não vão privatizar o que sobrou do Estado? Chico de Oliveira – As PPPs são uma ficção de que a taxa interna de poupança é insuficiente, então se traz capital privado e ele se une ao Estado para fazer certos empreendimentos. Estas parcerias vão privatizar o resto do Estado, mas de uma forma engraçada, com financiamento público. Você está pagando para o outro levar. Foi o que o BNDES fez com as privatizações. Ele emprestava para privatizar a empresa estatal. Isso, economicamente, não tem qualquer importância. A importância é política, na capacidade de o Estado fazer política. O PT chegou ao poder nesse novo quadro e continua a não entender. Ele ainda não prestou atenção na poderosa reformulação que houve no Estado brasileiro, no governo passado.
Para o Estado, as privatizações foram uma tragédia BF – A relação público-privado mudou com as privatizações. O privado avançou sobre a coisa pública... Chico de Oliveira – Avançou. Retirou-se do Estado elementos que lhe possibilitavam fazer política econômica, industrial, de investimentos. Sua função, hoje, é ditatorial. É uma ditadura muito complicada porque ela se dá por formas legais. A função do Estado na periferia, em países como o Brasil, é gerenciar a crise permanentemente e de forma ad hoc. Essa forma localizada aparece nas políticas socias. Se não há como redistribuir a renda, inventam-se políticas como Bolsa Família, Fome Zero, que não funcionam para o que seria seu objetivo principal, melhorar a distribuição de renda. Mas funcionam enquanto focalização, e mantêm a pobreza. Você não tira ninguém da pobreza como 50 mil réis por mês. Isso é brincadeira.
BF – E esse povo que acreditou na eleição do Lula, como fica depois dessa enxurrada de denúncias de corrupção? Chico de Oliveira – A identificação do povão com o Lula não é fácil de destruir. Lula é uma enorme fraude, e acho que ele perderá a reeleição. Uma parte do povo continuará fiel a Lula, não ao PT. BF – As classes sociais estão acabando? Chico de Oliveira – Elas estão se derretendo. É um fenômeno diferente de acabar. O famoso operariado argentino se reconhecia de olhar, até pelo vestuário. Essa classe operária acabou, foi detonada pelo movimento de desindustrialização. Há todo um trabalho de reconstrução política na Argentina, mas sua duração é uma incógnita. Mas está melhor do que no Brasil, dez pontos à frente. No Brasil, como é que você pode ter classe social com uma taxa de desemprego de 20% e uma taxa de informalidade de 50%? Como é possível haver classe? Como a política atua representando uma coisa que não existe? BF – Viramos um grande lumpesinato? Chico de Oliveira – Viramos. Com a diferença de que é um lumpesinato que trabalha, mas em biscate, vende bagulho na rua. Qual é a política institucional que pode tirar forças dessa informalidade? É realmente trágico, não é pessimismo. Então a política começa a flutuar como se estivesse levitando, descolada da realidade. Essa é a política institucional. As instituições políticas levitam. A melhor metáfora para essa situação é aquele plasma que sai dos vulcões. É uma massa sem forma, porque se chama isso de trabalho informal, que não tem forma. Como a política representa algo que não tem forma? Então ela levita sobre o real.
É no clientelismo que Lula vai procurar apoio BF – Não há nada a fazer? Chico de Oliveira – Temos que achar novas formas de atuar sobre isso, o que é extremamente difícil. Nem a palavra de ordem revolução faz sentido. O que quer dizer
A pobreza se mantém, o que pode dar lugar a um vastíssimo clientelismo BF – A situação do país, do PT, do governo Lula contribuiu para que tudo andasse para trás? Chico de Oliveira – O pior prejuízo da gestão Lula está exatamente nisto. Não é o campo da esperança no sentido bobo. É o campo de que seja plausível para a sociedade que ela possa se reformar, atingir certos objetivos. Se não, desaparece o campo da política. Ela é colonizada pela economia, também entre os pobres, mas de uma forma perversa . É o campo do imediato. Você tem que conseguir a sua sobrevivência naquele dia. E ponto. Não tem projeto de futuro.Então você assalta, mata e rouba. Não tem nada a perder, e isso é concreto. E hoje eu não passo fome. BF – A sensação é que não existe Estado no Brasil... Chico de Oliveira – A sociedade foi colonizada também por outro lado. E esse é o maior dano desse governo – a ilusão de que o Estado desapareceu. Mas ele está em todas as políticas sociais que existem. Para cada carência, há uma política do Estado. Para cada grupo social, há uma política específica, onde estão todos pendurados. O Estado não desapareceu, o que desapareceu foi a comunidade política. Essa, aqui, chegou a um ponto caricatural. Antes do Lula unificar tudo no Bolsa Família, havia até vale gás. O Estado está presente em tudo isso, o que cria um vasto clientelismo, que é onde o Lula vai se ancorar. BF – Mas essas políticas sociais acabam com a pobreza? Chico de Oliveira – Não. Permitem a simples sobrevivência. É o que o filósofo italiano Giorgio Agamben chama de vida nua, o limite da sobrevivência. O extrato mais pobre da sociedade está todo pendurado em políticas de exceção, e a tarefa do Estado consiste nisso. Não se pretende diminuir a desigualdade, eliminar a pobreza. Quem é beneficiado pelo Bolsa Família não muda de classe social. Programas como esse apenas contemplam os gastos mínimos de sobrevivência. É nisso que se resume a política estatal para os setores mais pobres. BF – É a morte anunciada de políticas de universalização? Chico de Oliveira – Com a enorme desigualdade, as políticas universais danaram-se todas. A
normalidade é a pessoa ter emprego, endereço fixo, CPF. Com isso, a política universal funciona. Digamos que estamos no melhor dos mundos: abriu a escola, tem professor, tem endereço da escola, está tudo bem, mas as crianças não conseguem chegar porque não têm roupa. Então o município vai e dá o uniforme. Na minha época, eu estudei em grupo escolar e minha mãe podia comprar o meu uniforme. A política universal era plausível. Hoje, não pode, porque os pais não têm um puto para vestir a criança, a cidade fragmentou-se de tal maneira que não há como ir a pé de casa para a escola. E nenhum de nós deixa o filho ir para a escola sozinho. Todas as condições da universalização foram rompidas. BF – Resta ao Estado... Chico de Oliveira – Como o Estado tem que se legitimar, faz políticas excepcionais para cada caso excepcional. Para alguém que anda de muletas, você tem que dar muletas. A desigualdade cria suas políticas e toda política universal, democrática e republicana vai pelo ralo. Tem que fazer assim, se não, as pessoas morrem. Morrem mesmo, não é retórica. A pobreza se mantém, o que pode dar lugar a um vastíssimo clientelismo. Como perdeu contato com a realidade e foi colonizada pela economia, a política não decide nada sobre as questões mais importantes, e vai decidir sobre a distribuição da miséria. Daí a política vira um bando de gangues que disputa ferozmente para ver quem assume o controle. É o que o PT vai ser. O PT vai ser um peronismo, todo dividido em gangues. BF – O que acha da proposta de zerar o déficit nominal e baixar os juros? Chico de Oliveira – Chamaram o Delfim Netto para isso. E sua sugestão vai dar certo. O Brasil não está condenado a não crescer. Não é essa a questão. É difícil não crescer. Você só garroteia o crescimento com uma política miserável, mas se baixar a taxa de juros, a economia volta a crescer adoidado.
O Estado não desapareceu, o que desapareceu foi a comunidade política BF – O que não significa melhorias da vida do povo? Chico de Oliveira – Não, porque com um Estado que faz política focalizada, não haverá redistribuição de renda. O que está acontecendo é arrocho no gasto social. E vão chamar o Delfim Netto para isso. Ele não precisa de cargos. Ele já manda. Você conceberia que o Lula fosse assessorado diretamente pelo Delfim Netto? Era inconcebível. BF – Em resumo, o Lula podia ter feito diferente? Por que não fez? Chico de Oliveira – Em vez dele, como corredor de Fórmula 1, aproveitar o vácuo, ele breca. O Lula é um produto da crise provocada por Fernando Henrique. E podia ter feito diferente. E não fez. A personalidade de Lula influenciou muito, porque ele se tornou a liderança carismática do PT e do povão. E ele é fraco de caráter. É só ver o documentário Entreatos, do João Moreira Salles. Não tem nada de radical ali. Foi a gente que se enganou.
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NACIONAL ESTUDANTES
UNE: críticas ao governo
Hamilton Octavio de Souza
Congresso quer mudança de rumos políticos; Petta é reeleito em chapa do PC do B
Base aliada Integrante da chamada base aliada do governo Lula no Congresso Nacional, o Partido Progressista tem veiculado uma propaganda na televisão, na qual afirma que o governo quis aumentar os impostos mas o PP foi contra. E conclui, em tom vitorioso: “O governo foi derrotado”. Parece que sem o “mensalão” a base aliada é mesmo incontrolável. Calote rural Além de contar com financiamentos subsidiados e protelação do pagamento das dívidas passadas, o agronegócio pediu ao governo mais R$ 8 bilhões para cobrir “prejuízos” da última safra. O governo atendeu em parte, mas com certeza o ministério do latifúndio ainda vai dar um jeito de cobrir o restante. Na safra 2004/ 2005, os grandes fazendeiros obtiveram R$ 39,5 bilhões de empréstimos, o que é 5,6 vezes mais do que o montante recebido pelas pequenas propriedades (R$ 7 bilhões), responsáveis pela maioria da produção agrícola. Lado contrário Criada para mediar conflitos e assegurar a legalização do processo fundiário, a Vara Agrária de Marabá, no Pará, vem atuando no sentido contrário. Recentemente, o juiz Líbio Moura determinou 48 reintegrações de posse e o despejo de mais de duas mil famílias de terras devolutas da União, muitas delas ocupadas há mais de sete anos. Além de agir contra os trabalhadores, o juiz da Vara Agrária deixa que a PM e os jagunços atuem com violência na região. Não é o caso de o Incra intervir em Marabá? Tucano boquirroto Oportunista, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, aproveitou a crise enfrentada pelo governo Lula e o PT para sugerir que o presidente desista de sua candidatura em 2006. É uma posição típica da covardia de FHC, que quer voltar para a Presidência, mas não se dispõe a enfrentar uma disputa eleitoral com Lula. A não ser que o petista acabe mesmo muito enfraquecido com os escândalos atuais. Tucano antipopular O prefeito José Serra, de São Paulo, determinou o fechamento de centenas de turmas de alfabetização de adultos existentes nos bairros da cidade. A justificativa foi a de moralizar o serviço, já que, segundo a Secretaria de Educação, existiriam alunos fantasmas. No entanto, o processo de seleção não verificou os alunos matriculados e que freqüentam os cursos, mas apenas quem estava na aula no dia em que passou a fiscalização. Muita injustiça foi cometida. Estrela dourada O PT nasceu sob o signo da estrela vermelha, no campo simbólico e político das esquerdas e das lutas dos trabalhadores contra o sistema capitalista. O partido foi levado – pela direção e pelo oportunismo eleitoral – a se travestir em um partido domesticado pelo sistema. Nesse processo, as bandeiras do confronto foram abandonadas, a direção partidária vestiu terno e gravata, os novos petistas escolheram a estrela dourada como símbolo partidário. Deu no que deu. Aumento garantido Os preços dos serviços públicos que foram privatizados, entre os quais o de telefonia, continuam subindo várias vezes por ano e bem acima da inflação e da correção salarial. Desde domingo passado, as tarifas dos telefones fixos foram aumentadas em 7,27%. As empresas espanholas, portuguesas, italianas e estadunidenses que controlam esses serviços agradecem a Anatel e o governo Lula. Defesa nacional Pressionado pelo povo, o novo governo da Bolívia aumentou os impostos para as empresas estrangeiras que exploram gás e petróleo naquele país e, na última semana, colocou as forças armadas nas refinarias e nos campos petrolíferos para garantir uma fiscalização mais efetiva das condições de manejo e produção. Não nacionalizou nem estatizou, mas estabeleceu controles rígidos. Lição dolorida Pior de tudo mesmo é ouvir do deputado federal Roberto Jefferson a lição de moral: “Eu não cuspi nas bandeiras que defendo; quem fez isso foi o PT”.
Rodrigo Valente de Goiânia (GO)
A
atual crise política, agravada pelas novas acusações da mídia, acabou dando o tom dos debates do 49º Congresso da UNE (Conune), realizado entre os dias 29 de junho e 3 de julho em Goiânia. Quase dez mil estudantes participaram do encontro, marcado também pela polarização das posições quanto à reforma universitária, que vem sendo implementada por meio de diversos projetos pelo Ministério da Educação desde 2004. A União da Juventude Socialista (UJS), grupo ligado ao PCdoB que dirige a UNE há quase 15 anos, conseguiu mais uma vez vencer o congresso, ganhando todas as votações e elegendo a maioria da diretoria da entidade. O atual presidente, Gustavo Petta, estudante de comunicação social da PUC de Campinas, foi reeleito para mais um mandato de dois anos. A chapa encabeçada por Petta, além da UJS, também contou com a participação do grupo Mudança, ligado ao campo majoritário do PT, tendência do presidente Lula e de José Dirceu, entre outros. Segundo Louise Caroline, da Mudança e futura vice-presidente da UNE, a aliança será fundamental “na unidade do movimento estudantil para garantir a reforma universitária e a defesa do governo”. Com esta aliança, a UJS se distanciou de grupos de direita, como o PTB, o PPS e o PSDB, que em congressos anteriores vinham compondo a direção majoritária. O próprio Petta admite que a nova maioria tem mais afinidade programática. A dispersão das posições políticas fez com que os diferentes grupos tivessem muita dificuldade em polarizar o congresso com o campo majoritário. Se, por um lado, a tese Kizomba, tradicionalmente ligada à esquerda do PT e à oposição na
Valter Campanato/ABR
Fatos em foco
Estudantes, sindicalistas e representantes de movimentos sociais saem em defesa da ética na política
UNE, estava votando a maioria das propostas com a UJS, grupos mais à esquerda, como o PSTU, resolveram desistir de disputar os rumos da entidade e investir na fundação de outra organização, a Coordenação Nacional de Lutas dos Estudantes (Conlute). Defendendo uma postura mais crítica ao governo e combatendo a reforma universitária, restaram setores ligados à esquerda do PT, como os campos Reconquistar a UNE e Contraponto, e a tese A Luta é que Nos UNE, ligada em sua maioria a militantes do PSOL. Mas mesmo com afinidade na questão da reforma, a esquerda do PT e o PSOL acabaram em chapas diferentes por terem avaliações distintas do governo Lula. A resolução final acerca da conjuntura nacional apontou para a defesa do governo Lula, mas também para a mudança de rumos da política econômica. O texto afirma que é preciso “dobrar a aposta nas mudanças, através de medidas que abram
DIREITOS HUMANOS
15 anos do ECA. Há o que comemorar? Dafne Melo da Redação Uma década e meio após sua criação, a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ainda caminha a passos lentos. Essa é a avaliação de profissionais que trabalham em Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca). “Apesar disso, temos, sim, o que comemorar. O ECA marca algo novo na história do Brasil, onde se tem buscado a cidadania”, avalia Nelma dos Santos, há 14 anos no Cedeca de São Luís (MA). Renato Roseno, coordenador da mesma entidade em Fortaleza (CE), concorda e lembra que o Estatuto foi criado em “plena redemocratização do país, onde a sociedade lutou por marcos legais”. Ele ressalta que foi a primeira vez em que crianças e adolescentes foram vistos como sujeitos com direitos, sendo que antes não mereciam mais do que um artigo na Constituição de 1988.
BALANÇO Uma das maiores dificuldades para a implementação do ECA é a própria sociedade, que ainda não compreendeu sua importância. Roseno acredita que o tratamento dado pela mídia Cedecas – Entidareflete isso. “A des não-governamentais autônomas mídia critica o que atuam, hoje, ECA de forma em 30 cidades do sistemática”. país em defesa do cumprimento e da O coordenadifusão do ECA. dor do Cedeca
de Fortaleza ressalta que o problema é mais evidente quando se trata de classes sociais mais baixas. “No Brasil, quem defende o trabalho infantil ou a redução da maioridade penal, na verdade defende para os pobres. Ninguém quer isso para os próprios filhos”, afirma. Nesse sentido, a seu ver, o ECA tem o papel de universalizar os direitos de crianças e adolescentes, independentemente de classes sociais. Nelma ressalta outros pontos positivos do ECA, como o aumento do número de denúncias de crimes contra criança e adolescente e, no Maranhão, a criação de uma Secretaria da Infância e da Juventude pelo atual governo estadual. “É a primeira vez, desde a criação do ECA, que temos um canal de diálogo”, conta Nelma, ressaltando que o progresso poderia ter sido maior, pois “o gestor público tem direcionado poucos recursos”. A questão de verbas é essencial para se entender o descumprimento do Estatuto. “Os sucessivos governos não conseguiram de fato implementar o ECA como prioridade absoluta”, argumenta Roseno. Além da efetivação das políticas públicas, também é necessária a qualificação dos operadores dessas políticas, acrescenta Nelma. Para Roseno, outras grandes dificuldades estão nos problemas estruturais do país. “Não dá para discutir direitos de crianças e adolescentes sem debater a política econômica. Como dar educação a todas as crianças com o superavit primário que temos hoje?”, questiona.
caminho para um novo modelo econômico com ações como a redução dos juros, a introdução do controle do fluxo de capitais externos no país, diminuição do superavit primário”. Uma minoria queria aprovar uma resolução mais crítica aos rumos do governo e até mesmo se posicionar como oposição. Em relação à reforma universitária, o congresso ratificou a linha política que a UNE vinha adotando: defender o anteprojeto do ensino superior, com críticas. “A segunda versão do anteprojeto, mesmo recuando em relação a pontos importantes (...), garante conquistas para o ensino superior público em pontos como autonomia e financiamento. Agora, mais que nunca, vai ser necessário fazer muita pressão contra os tubarões de ensino para que a melhor proposta possível seja entregue ao Congresso”, afirma o documento. Os grupos da oposição se dividem entre os que consideram que o projeto não atende às reivindicações históricas do movimento estudantil
e que, já ruim, poderá ser “piorado” durante sua tramitação no Congresso Nacional. Há também os que o consideram mera continuidade da política educacional de privatização do governo anterior. A oposição mais uma vez criticou duramente a UJS por dirigir o encontro de forma autoritária. “Foi mais um congresso mal organizado, com poucos debates, em que prevaleceu a capacidade dos grupos de trazer delegados de forma despolitizada”, critica o estudante Antônio David, da tese Contraponto. Para o estudante, a realização no início do ano que vem de um Conselho Nacional de Entidades de Base (Coneb), aprovada no Congresso, será uma oportunidade para a UNE realizar importantes mudanças em sua estrutura e ganhar representatividade. Entre as diferentes teses do congresso, pelo menos a realização do Coneb para se discutir junto às suas bases o futuro da entidade foi consenso. (Colaborou Jonas Valente, da Agência Carta Maior)
RÁDIOS COMUNITÁRIAS
Autonomia municipal para as concessões Bel Mercês da Redação Há três semanas, o prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), manifestou simpatia pelo projeto. E no dia 23 de junho, sancionou a Lei 14.013/05, que garante a autonomia do município em legislar sobre o serviço de radiodifusão comunitária da cidade. O projeto foi elaborado em 2001 pelos vereadores Ricardo Montoro (PSDB) e Carlos Neder (PT) (esse, hoje, é deputado estadual). Sancionada, a lei tem prazo de 90 dias para ser regulamentada pelo Executivo. Assim, o poder de outorga e renovação de concessões de rádios comunitárias, que constitucionalmente cabe à União, passará à esfera do município. A lei também permite que as emissoras comunitárias obtenham recursos com anúncios publicitários, ao contrário da norma federal, que permite financiamento apenas na forma de apoio cultural. Segundo Neder, agora é preciso trabalhar para mudar a lei federal, além de alterar a lógica de atuação e fiscalização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ele alega que a municipalização é positiva porque “o processo federal está completamente moroso, os pedidos são engavetados. É uma coisa que não chega em lugar nenhum”. Ricardo Campolim, da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), é da mesma
opinião. Ele considera que a lei atende uma aspiração dos movimentos sociais. No entanto, alerta, a lei “pode ter vida curta caso não seja regulamentada, e esse é um desafio.” Campolim também defende a criação do Conselho Municipal de Comunicação, cujo projeto de lei está tramitando na Câmara. Para o deputado Neder, os Conselhos devem ser vistos como instrumentos de participação da população. O projeto de municipalização das rádios comunitárias foi concebido baseado em uma tese do juiz federal Fernando Paulo Silveira. O receio da sociedade civil é que os empresários do setor de comunicação, que temem a concorrência local gerada pelas emissoras comunitárias, argumentem que a lei é inconstitucional por defender a autonomia municipal em relação à União. Mas em parecer feito a pedido de Serra, Silveira argumenta que “o referido projeto está de acordo com a Constituição Federal, embasado no seu artigo 30, inciso I, que assegura que compete, privativamente, ao município, legislar sobre assuntos de interesse local”. Para o juiz, “cada uma das três repartições constitucionais constitui um ente político autônomo, a sua competência é privativa no que lhe tocar constitucionalmente, não havendo hierarquia entre eles. Assim, a lei federal não é superior à estadual ou municipal.”
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De 7 a 13 de julho de 2005
NACIONAL MAIS ARROCHO
A verdadeira face do choque fiscal Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
E
m português bom e direto, esse tal de choque fiscal que voltou a freqüentar o noticiário econômico pode ser traduzido por um novo arrocho para os trabalhadores e assalariados. O diagnóstico é dos economistas Ricardo Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), João Sicsù, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Leda Paulani, professora doutora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SBEP). O aperto proposto para os gastos públicos, que voltaram a ser eleitos o “inimigo público número um”, critica Carneiro, que também é professor do Instituto de Economia da Unicamp, afetaria diretamente o trabalhador de renda mais baixa, que consegue uma parte de seus ganhos mensais via programas sociais Desvinculação das do governo. Receitas da União O roteiro do (DRU) – Mecanismo choque fiscal que, atualmente, foi proposto permite que o governo federal gaste originalmente livremente 20% de pelo ex-ministro suas receitas, sem e deputado fedenecessidade de cumprir o que previa ral Antônio Delo texto original da fim Netto (PPConstituição (alteraSP), com apoio do pela medida que mal disfarçado criou a desvinculação). Assim, recurde técnicos da sos que deveriam equipe do miser injetados nos nistro petista da setores de saúde e educação, por Fazenda, Antôexemplo, vêm sendo nio Palocci. desviados para o pagamento de juros, num processo de transferência que tem agravado a concentração da renda, ao favorecer os donos do dinheiro em prejuízo dos mais pobres, que dependem de transferências de recursos do governo para sobreviver.
MAIS CORTES Em conversas seguidas com a cúpula do governo, em Brasília, e encontros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o deputa-
Robson Oliveira
Proposta de Delfim Netto é péssima para o Estado, concentra a renda, não traz crescimento, penaliza o trabalhador JUROS CONSOMEM POUPANÇA DO SETOR PÚBLICO... Valores acumulados em 12 meses, em R$ bilhões Variável
Maio/2004
Maio/2005
Variação (%)
67,5
93,2
38,1
Juros
131,8
141,2
7,1
Superavit nominal
-64,4
-48,0
25,4
Superavit primário*
(*) Diferença entre receitas e despesas, sem contar gastos com juros Fonte: Banco Central
...POR ISSO, DÍVIDA CONTINUA CRESCENDO Dívida mobiliária federal em poder do mercado, em R$ bilhões Período
Dívida
Variação no mês (%)
Variação no ano (%)
Variação em 12 meses (%)
Maio/04
748,4
-2,5
2,3
13,3
Junho
758,2
1,3
3,6
13,3
Julho
759,2
0,1
3,7
10,0
Agosto
761,8
0,3
4,1
9,5
Setembro
771,3
1,3
5,4
9,0
Outubro
776,5
0,7
6,1
8,2
Novembro
784,9
1,1
7,3
7,8
Dezembro
810,3
3,2
10,7
10,7
Janeiro/05
826,7
2,0
2,0
12,1
Fevereiro
845,3
2,3
4,3
13,8
Março
873,6
3,3
7,8
15,0
Abril
873,8
0,0
7,8
13,8
Maio
887,9
1,6
9,6
18,6
Proposta do governo afetaria diretamente o trabalhador de renda mais baixa
Defenssor do AI-5 Único civil signatário do AI-5, ato do qual nunca se arrependeu, o economista Antônio Delfim Netto assumiu o Ministério da Fazenda, em 1967, a convite do presidente Costa e Silva, cargo no qual permaneceu na gestão Emílio Garrastazu Médici. Seu período na pasta da Fazenda coincide com o ciclo de grande expansão, batizado de “milagre econômico”. Mas o nome do deputado ficou associado não apenas à prosperidade mas também ao arrocho salarial que impôs aos trabalhadores. Exerceu o controle de salários bem como sobre os preços dos principais produtos industriais de consumo. Em 1979, no governo Geisel, era ministro da Agricultura quando foi nomeado para o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan).
Fonte: Banco Central
do e todo-poderoso ex-ministro de governos militares (veja box) defende, em resumo, a eliminação do déficit nominal (que corresponde à diferença entre despesas e receitas do setor público, incluindo os gastos com os juros da dívida estatal), via corte de despesas de custeio e aumento da Desvinculação das Receitas da União (DRU – veja glossário). E, no passo seguinte, redução dos juros. “Aumentar a desvinculação significa ter mais liberdade para cortar despesas com saúde e educação”, aponta Carneiro. Prevê-se que, em 2005, os recursos do orçamento liberados pela DRU representem cerca de R$ 63,6 bilhões. A sugestão do ex-ministro seria dobrar a des-
vinculação para 40% das receitas, ou mais de R$ 127 bilhões – praticamente R$ 15 bilhões acima de todos os gastos sociais que o governo diz ter realizado em 2004, sem considerar as despesas da Previdência Social, e 22 vezes o que se gasta anualmente com a Bolsa Família. (Esse programa favorece famílias de baixa renda e miseráveis em geral, com a distribuição de gás de cozinha, alimentos e ajuda para manter crianças nas escolas.)
DIREITA, VOLVER Delfim Netto teria recebido de Lula, segundo a imprensa especializada empresarial, a incumbência de atrair o apoio de políticos e de empresários à proposta de choque
fiscal, numa estratégia que tenta empurrar o governo para fora do atoleiro político em que se meteu. Para dourar a pílula, argumentase que as medidas de aperto permitiriam reduzir os juros, estimulando um crescimento maior e mais duradouro para a economia (pois os investimentos privados tenderiam a aumentar, estimulados pelo crédito mais barato). Para os economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, aquele tipo de argumento deve ser encarado como uma “falácia”, que tenta disfarçar a verdadeira face do choque proposto. Na prática, trata-se de aprofundar a política que aí está, numa “guinada ainda mais conservadora”, diz Carneiro. A lógica econômica tem sido
invertida pelo debate em curso, acrescenta Sicsù. “As coisas são vistas de cabeça para baixo (pela equipe que comanda a economia e por correntes que representam o pensamento econômico mais conservador no país). O objetivo de qualquer política econômica tem que ser o pleno emprego, com taxas de crescimento econômico sustentáveis no longo prazo”, afirma ele. Ao escolher o déficit público como alvo prioritário, completa Sicsù, a política econômica estaria combatendo apenas um dos sintomas de uma economia que funciona mal, “o que não resolve o problema real”, que é como retomar o caminho do crescimento, com distribuição da renda.
Bilhões para os especuladores. Uma outra política econômica Migalhas para os miseráveis A questão central, na verdade, está na política de juros muito mais elevados do que qualquer outra economia do planeta, o que concentra riquezas e impede o crescimento – dado escamoteado pelos que defendem o choque fiscal. Em termos reais, ou seja, depois de descontada a variação dos preços, os juros básicos no Brasil chegam a 13,9% ao ano, mais de duas vezes superior aos 5,9% cobrados na Turquia (segunda maior taxa mundial), lembra João Sicsù, da UFRJ. Os números do Banco Central (BC) mostram que, hoje, apenas a receita dos impostos não é suficiente para pagar a conta dos juros. A diferença tem que ser coberta, todos os meses, com a venda de títulos públicos no mercado financeiro, o que contribui para elevar a dívida pública. Na verdade, é essa diferença que abre rombos na contabilidade do setor público. Assim, quanto maiores as taxas de juros, maior o buraco.
DÉFICIT Zerar o rombo (o déficit), portanto, “significa pagar os juros integralmente” com o dinheiro dos impostos, vale dizer, com recursos do contribuinte, analisa o economista Ricardo Carneiro, da Unicamp. O Banco Central dá uma idéia do que isso significaria (veja tabe-
las). Nos 12 meses terminados em maio, o setor público economizou R$ 93,2 bilhões, destinados integralmente ao pagamento de juros. Com a alta das taxas a partir de setembro de 2004, a despesa com juros saltou para R$ 141,2 bilhões no acumulado entre junho do ano passado e maio deste ano. Resultado: o governo teve que enfrentar um déficit de R$ 48 bilhões no período. Para zerar a conta, o setor público teria que fazer um esforço extra equivalente a quase 2,6% de todas as riquezas que o país produz, ou mais de oito vezes todo o gasto com o Bolsa Família. “Essa política transfere R$ 140 bilhões para o sistema financeiro e reserva migalhas para os miseráveis, concentrando riquezas”, argumenta Sicsù.
CONTRAÇÃO Nos cálculos de Carneiro, os gastos com juros passariam a representar praticamente um quarto das despesas públicas totais, se forem pagos integralmente. Para ilustrar, prossegue o economista, tudo funciona como se o governo retirasse R$ 100 da economia, via cobrança de impostos, devolvendo R$ 75 para empresas e pessoas físicas (por meio de gastos públicos) e R$ 25 para “quem vai acumular riquezas, comprando dólares ou títulos públicos”.
Na conta final, a economia terá 25% menos recursos para gastar com investimentos e consumo (já que aquele dinheiro será destinado à especulação financeira, sem gerar a produção de uma agulha sequer, e sem criar um único emprego no lado real da economia). O resultado será uma contração da atividade econômica, em função da queda dos investimentos e do consumo do governo e do setor privado.
SALDO ZERO Segundo a economista Leda Paulani, se a redução dos juros, de um lado, serve para estimular o crescimento, de outro, o corte de despesas públicas opera em sentido contrário. Com um agravante, lembra ela: a desvinculação de receitas tende a agravar o quadro de redução dos investimentos públicos, esfriando a economia. Até o dia 17 de junho, segundo o jornal Folha de S.Paulo, o governo federal havia investido somente R$ 462 milhões, equivalentes a 2,13% dos R$ 21,68 bilhões reservados no orçamento da União para os investimentos neste ano. No limite, acrescenta a presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SBEP), um efeito pode anular o outro, deixando saldo zero para a economia. (LVF)
Ao longo das últimas décadas, disseminou-se no Brasil a idéia de que, na área econômica, não é possível tomar decisões, que fujam dos manuais ditados pela ortodoxia estadunidense. A economia brasileira, neste sentido, estaria presa a uma armadilha, impossibilitada de fixar juros mais civilizados e tomar outros rumos. “Trata-se de mais uma falácia”, insiste João Sicsù, da UFRJ. Todas as demais economias do mundo, continua o professor da UFRJ, conseguem sobreviver e crescer com juros muito menores e inflação sob controle. “Só o Brasil caiu nessa ‘armadilha’?”, questiona. O modelo imposto ao país por sucessivas equipes econômicas, a partir dos anos 90, “não permite crescimento alto a taxas continuadas, ao contrário do que se observa na China, Malásia, Índia, Coréia do Sul”, observa Sicsù. A experiência concreta daqueles países, referendada mais recentemente pela Argentina (que escolheu um caminho alternativo para enfrentar seu endividamento externo), demonstra que é possível conciliar juros baixos, crescimento elevado e desemprego reduzido com inflação controlada. “Basta abandonar os manuais estadunidenses de economia e olhar a experiência histórica dos paises asiáticos”, defende o economista. A solução proposta pelo ex-ministro Delfim Netto, que pressupõe um arrocho fiscal ainda maior
(corte de despesas e investimentos públicos) em troca de redução dos juros, “não é verdadeira”, garante o economista Ricardo Carneiro.
ORA, O POVO! Na sua avaliação, as taxas de juros poderiam cair imediatamente para 8% ao ano, sem que isso alterasse em nada a posição do país no mercado internacional, que continuaria financiando a economia brasileira sem maiores problemas. “O Brasil não correria qualquer risco externo (falta de dólares para pagar compromissos externos)” se fizesse isso, diz o professor da Unicamp. Detalhe importante: ao reduzir os juros para 8% ao ano, as despesas com dívida pública baixariam para o equivalente a 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, do total de riquezas geradas pelo país, algo em torno de R$ 78 bilhões (45% menos do que os gastos acumulados nos últimos 12 meses, até maio passado). Nesta hipótese, o choque fiscal proposto por Delfim&companhia seria plenamente dispensável, já que o setor público vem produzindo uma economia de recursos até mesmo superior àqueles R$ 78 bilhões – precisamente R$ 93,2 bilhões nos 12 meses encerrados em maio. “Eles (os conservadores) estão se lixando para essa coisa de povo, para a necessidade de investimentos em infra-estrutura”, observa Ricardo Carneiro. (LVF, colaborou Anamárcia Vainsencher)
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De 7 a 13 de julho de 2005
NACIONAL LICITAÇÃO DE GÁS E PETRÓLEO
Mais um ataque à soberania Enquanto a cotação do petróleo sobe, o governo Lula pretende, mais uma vez, entregar reservas às transnacionais
A
sociedade brasileira precisa evitar que ocorra um “crime de lesa-pátria”, ou melhor, a 7ª Rodada de Licitações de áreas para a exploração e produção de petróleo e gás natural, agendada para 25 de outubro. O alerta foi feito pelo presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), Heitor Pereira, cuja entidade está à frente de uma campanha já iniciada para evitar que “as nossas riquezas energéticas sejam destinadas às transnacionais para a exportação”. A campanha visa sensibilizar os parlamentares e a opinião pública no sentido da realização de um plebiscito sobre a questão para que o povo brasileiro seja informado e decida sobre o que fazer com as reservas desses recursos energéticos finitos. Segundo Pereira, as licitações iniciadas no governo Fernando Henrique Cardoso, e que tiveram prosseguimento no atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, são perniciosas ao Brasil. “Ocorrem em um momento em que já se prevê que o petróleo e o gás natural devem atingir preços astronômicos. No caso do petróleo, por exemplo, bem mais altos do que os atuais 60 dólares por barril e deixarão o país vulnerável”, observa. Segundo ele, há possibilidade de o preço do barril superar os 100 dólares ainda neste ano. “Não tem sentido, portanto, que o governo brasileiro decida colocar as suas riquezas energéticas sob o controle das transnacionais, que destinarão esta riqueza para a exportação. Se isso ocorrer, estamos comprometendo o nosso futuro”, adverte o presidente da Aepet.
de Caxias, dos Portuários, a Aepet, o Clube de Engenharia, as representações dos militares, como o Clube Militar, a Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg) e os estudantes já participam da organização da campanha. Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), esta nova rodada “dará ênfase à exploração de áreas com potencial para gás natural com o objetivo de fazer frente à demanda crescente deste produto – e a áreas em terra onde serão oferecidas áreas com acumulações marginais inativas que foram devolvidas à ANP” (veja mapa).
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)
MOBILIZAÇÃO
Petroleiros protestam contra leilão de áreas de exploração de óleo e gás, no Rio de Janeiro
governo só realizaria uma quinta licitação porque o compromisso assumido por FHC não poderia ser quebrado. “Ela se posicionou contra o prosseguimento das licitações,
mas depois mudou de posição”, lembra Pereira. O ex-deputado Haroldo Lima, do PCdoB, hoje diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), tam-
bém mudou de posição. Quando estava fora do governo, Lima sustentava a posição do PCdoB contrária à entrega das riquezas energéticas brasileiras. “Agora, Haroldo Lima é um dos maiores defensores dessa estratégia iniciada pelo presidente, que o PCdoB considera entreguista”, acusa Pereira. Mais de 20 entidades, como os sindicatos dos Petroleiros do Rio,
AIDS
Brasil pode quebrar patente de remédio Marcelo Netto Rodrigues da Redação
MUDANÇAS DE POSIÇÃO Pereira critica o atual governo, inclusive a ex-ministra de Minas e Energia, Dilma Roussef, realocada na Casa Civil. No início do governo Lula, Dilma tinha dito que o
Após várias ameaças, agora, o Ministério da Saúde adverte: se até o dia 7 o laboratório Abbott, dos Estados Unidos, não baixar o preço do Kaletra (usado no tratamento da Aids), ou concordar com o seu licenciamento voluntário, o Brasil vai quebrar sua patente. Hoje, o Kaletra é adquirido pelo governo por 1,17 dólar a unidade, enquanto um genérico produzido no país custaria 0,68 centavos de dólar. Se depender da nota publicada pelo Abbott, o anti-retroviral deve, de fato, ser o primeiro remédio contra a Aids a ter sua patente quebrada no mundo, além de ser a primeira vez que o fato acontece no Brasil. A China já quebrou a patente do Viagra, e os EUA de medicamentos que combatem eventuais ataques de antraz. No comunicado, o Abbott se diz desapontado com o governo brasileiro por ter decidido iniciar o processo de licença compulsória para produzir o Kaletra, e descarta qualquer interesse em negociar, ou conversar sobre a possibilidade de concessão de licença voluntária. Na licença voluntária, o fabricante cede os direitos de reprodução da droga, auxiliando o país com a transferência de tecnologia, e continua recebendo royalties (cerca de 3% do valor do produto). Já a licença compulsória é a quebra de patentes, quando a indústria perde o direito exclusivo sobre a produção
Leilão das reservas Bacia Potiguar (1); Bacia de Sergipe-Alagoas (2); Bacia do Recôncavo (3); Bacias do Camumu-Almada e Jequitinhonha (4); Bacia do Espírito Santo – Terra (5); Bacia do Espírito Santo – Mar (6); Bacia de Campos (7); Bacia de Santos (8) Fonte: Agência Nacional do Petróleo
SEMINÁRIO
As teorias sociais latino-americanas vivem um processo de emancipação. Libertam-se da dependência dos modelos científicos europeu e estadunidense que, durante séculos, importaram e tentaram implementar, do jeito que vinham, nos países da América Latina. A avaliação, que culmina na gênese de um novo meio de pensar o continente, foi feita por alguns dos principais expoentes das ciências sociais latino-americanas. Eles participaram de palestras e debates nas Jornadas Latino-Americanas de Teoria Política: entre o Nacional e o Cosmopolita, evento realizado na Universidade de São Paulo (USP), dos dias 4 a 6, organizadas pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso).
UM ALERTA Ganhando autonomia, a teoria social latino-americana se torna uma ferramenta no processo de transformação da condição de vida das populações mais pobres. Isso porque as ciências podem ser usadas para quebrar mecanismos simbólicos de dominação e controle social. Explica Jessé Souza, da Universidade Estadual Norte Fluminense (UENF): “A pobreza é algo visível. Suas causas, como as causas da desigualdade, são opacas. São consideradas naturais, pois, diz
o sistema, é pobre aquele que fracassou. A ciência tem o dever de mostrar que isso está errado”. Para desenvolver um projeto de transformação social, é preciso tomar cuidado com os textos clássicos. O alerta é de Nestor Kohan, da Universidade de Buenos Aires (UBA). A seu ver, em livros fundamentais para a esquerda, como o Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Friederich Engels, há a idéia de que os países periféricos são uma Europa mal desenvolvida. Debatendo a condição periférica na teoria política, o professor venezuelano de ciência política Edgardo Lander afirmou que a imposição do modelo europeu nas ciências sociais latino-americanas foi uma “guerra cultural”. Segundo ele, os colonizadores massacraram todos os que tentaram resistir. “É preciso recuperar o espírito da resistência. O projeto latino-americano de emancipação depende de nossa capacidade de avaliar e desenvolver nossas experiências políticas e sociais em nível continental”, explicou.
RESISTÊNCIA O nacionalismo é, geralmente, descrito como algo negativo nos países da América Latina, mas, expôs Maria Rosa Palazón, da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), este carrega um elemento da resistência do continente à dominação cultural e política dos países ricos. “Precisa-
mos de uma força centrípeta, com a valorização do que somos, e, a partir desta, uma força centrífuga, internacionalizando nossa sociabilidade”, argumentou. Já Sabrina González, da UBA, propôs uma definição latino-americana da democracia, que deve ser vista como um mecanismo de governo e um elemento de transformação. Nesse sentido, destacou a necessidade de as instituições terem maior participação da população, principalmente a pobre, que pode ver naquelas um meio de transformação. Segundo Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), há uma corrente tradicional das ciências sociais, influenciada por teorias européias, que vincula democratização e modernidade. Nessa perspectiva, que critica, o surgimento e ampliação de uma democracia depende do êxito econômico de um país. Ele chama essa visão de desenvolvimentista e diz que não leva em consideração as especificidades culturais e a formação histórica da América Latina. Ruben Barboza Filho, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), considera que a cultura ocidental impõe aos países latinoamericanos um tipo de sociedade e um modo de ver a história. Para ele, isso caracteriza um “fascismo societário”, pois impede que o continente descubra sua própria identidade.
do remédio, mas mantém o direito de receber royalties. Contra a irredutibilidade do Abbott, o Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) – Aids, do Ministério da Saúde apresenta estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) que demonstram que o custo anual por usuário do Kaletra, já incluída uma margem de lucro, deveria variar de 480 a 540 dólares, e não chegar aos 2.628 dólares cobrados pelo Abbott.
DENTRO DA LEI Ao impor o licenciamento compulsório contra o Abbott, o Brasil não fere a legislação internacional de patentes. O Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, em inglês), da Organização Mundial do Comércio (OMC), permite que qualquer país use a patente de um medicamento sem autorização do dono, em circunstâncias urgentes e de interesse público. Além disso, a posição do Brasil encontra respaldo na Declaração de Doha, assinada em 2001 por todos os membros da OMC, que reconhece que a manutenção de patentes não pode se sobrepor aos interesses de saúde pública de um país. Assim, o governo declara o Kaletra como medicamento de interesse público para sustentação do programa de combate à Aids, já que a sua produção local representará uma economia de R$ 130 milhões anuais. Em 2005, os gastos com o Kaletra serão de R$ 257 milhões.
Wilson Dias/ABR
Teoria social não é produto de importação João Alexandre Peschanski da Redação
Rui Gerteira, coordenador da campanha contra a 7ª licitação do petróleo e gás natural, explica que a mobilização está se estruturando. Todas as quartas-feiras, às 17h30, os representantes das entidades se reúnem para avaliar e planejar ações de formação com a população. A idéia, assinala Gerteira, é espalhar a campanha para os demais Estados além do Rio de Janeiro, com a criação de comitês populares. Para participar da mobilização, deve-se entrar em contato com a Aepet, pelo telefone (21) 2533-1110 ou pelo correio eletrônico aepet@aepet.org.br
Manifestação em favor da quebra de patente dos remédios contra Aids
Ano 3 • número 123 • De 7 a 13 de julho de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO LIVRE MERCADO
OMC: o risco da rendição Suzane Durães de Brasília (DF)
R
epresentantes de movimentos sociais e entidades se reuniram nos dias 30 de junho e 1º de julho, em Brasília, para discutir os impactos das políticas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Também esteve na pauta dos debates o atual estágio das negociações em preparação para a 6ª Reunião Ministerial, que será realizada em Hong Kong, de 13 a 18 de dezembro de 2005. Ao final do seminário, organizado pela Via Campesina (com representação da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) e da Campanha Brasileira Contra a Alca, foi divulgada uma declaração cujo teor afirma que “é preciso barrar as negociações na OMC em nome da soberania de nossos povos e da possibilidade de nossos países definirem suas políticas econômicas e sociais”. De acordo com a declaração, as negociações na OMC ganham força a partir do momento em que os governos dos países em desenvolvimento cedem às pressões do imperialismo, do capital financeiro, do agronegócio e de grandes empresas estrangeiras e nacionais. Diante disso, as entidades lançam o desafio de desenvolver um trabalho de formação e mobilização contra a OMC, e contra seu projeto de controle dos mercados mundiais em benefício das grandes corporações e em detrimento dos direitos dos povos. No âmbito da OMC, estão sendo negociados direitos básicos como o acesso à água, energia, saúde, educação, biodiversidade e soberania alimentar, que passam a ser privatizados e tratados como mercadorias. Na avaliação dos movimentos sociais, muitas dessas regras são prejudiciais aos países em desenvolvimento, principalmente no que diz respeito aos acordos de agricultura, serviços, propriedade intelectual e acesso a mercados não-agrícolas (Nama) – principais temas que deverão ser debatidos em Hong Kong.
Arquivo Brasil de Fato
Diante da pressão dos países ricos por mais concessões, organizações vão intensificar formação e mobilização
Só os países enriquecidos lucram com as políticas internacionais promovidas pela Organização Mundial do Comércio
rão controlar patentes de recursos genéticos e conhecimentos de camponeses e indígenas. “A OMC tem que estar fora da agricultura. Defendemos o conceito de soberania alimentar, pois temos o direito de produzir nossos alimentos e somos contra essa política de exportação”, diz Egídio Bruneto, representante da Via Campesina/Brasil.
Segundo Altacir Bunde, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), para atingir os objetivos da abertura do comércio será necessária a redução de tarifas para a importação e a redução do apoio interno aos produtores locais. “Tememos que o Brasil libere setores importantes da economia brasileira em troca dos interesses do
agronegócio. O aumento das exportações não significa melhoria nas condições de vida no campo, mas a destruição da agricultura camponesa”, afirma Altacir.
SERVIÇOS Outro ponto importante a ser discutido na reunião em Hong Kong é o acordo de serviços, cha-
mado GATS. “A negociação desse acordo está em curso, pois é uma espécie de moeda de troca para agricultura. A União Européia (UE) e os EUA exigem a entrega de serviços em troca de alguma migalha para o agronegócio”, diz Maria Luísa Mendonça, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. A partir daí, tudo poderá ser negociado. Nessa primeira etapa estarão os transportes marítimos, sistema financeiro e telecomunicações. Durante o seminário também foi discutida a Convenção da Biodiversidade. De acordo com Roberto Malvezi, o Gogó, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a convenção tem apenas orientações e não apresenta regras claras sobre o assunto. “Países como os EUA estão pressionando para haver regras, pois a intenção é explorar a biodiversidade dos países em desenvolvimento”, afirma Gogó. Millaray Painemal, representante da Associação Nacional de Mulheres Rurais e Indígenas do Chile (Anamuri), conta que “não havia nenhum representante indígena na Convenção da Biodiversidade. Depois de pressões, no final desse plano, foram incorporados um pouco do que havíamos proposto, mas ainda existe uma necessidade de especialização. Temos que buscar aliados para intervir e fortalecer nossa luta”.
A hora do tudo ou nada Igor Ojeda da Redação “Um fracasso em Hong Kong vai botar um imenso ponto de interrogação na pertinência e na legitimidade da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, avalia Fátima Mello, da Federação de Órgãos para Assitência Social e Educacional (Fase) e da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip). Por esse motivo, para ela, os EUA e a União Européia vão fazer de tudo para avançar até dezembro, quando ocorrerá a 6ª Reunião Ministerial da OMC em Hong Kong. A primeira tentativa dos países ricos será na reunião miniminis-
AGRICULTURA Os acordos da OMC também representam um grande risco à soberania alimentar, pois por meio de regras as grandes empresas pode-
terial que se realizará nos dias 12 e 13, em Genebra, na Suíça, quando buscarão um acordo político entre os cerca de 25 países participantes. Tudo para não se fazer feio no Conselho Geral da entidade, que acontecerá de 27 a 29 de julho, na mesma cidade. Os alvos principais são os setores de serviços, propriedade intelectual e acesso a mercados não-agrícolas (Nama) – áreas consideradas estratégicas para os interesses das transnacionais estadunidenses e européias. No entanto, a insistência dos países em desenvolvimento na questão agrícola pode ser um empecilho, já que os países ricos não pretendem fazer grandes concessões, diante da resistência interna às medidas.
O francês Pascal Lamy, recentemente escolhido para o cargo de diretor-geral da OMC, será fundamental no processo. Para Fátima, sua “gestão” é uma tentativa dos EUA e da União Européia (UE) de retomar o controle da organização, que desde Cancún ficou abalado. Lamy já se movimenta nesse sentido. Até às vésperas do Conselho Geral da OMC de outubro, tentará acenar com propostas ao G 90 – grupo de países pobres da África, Caribe e Pacífico. “Irá oferecer acordos em relação a produtos diferenciados, como por exemplo a banana, para ver se consegue apoio a um acordo mais amplo. Com isso, vai tentar isolar os países médios, como Brasil e Índia”, explica Fátima.
A posição do Brasil é clara. Poderá ceder em diversos setores, desde que haja uma contrapartida na área agrícola. Fátima alerta para o perigo de tal postura. “O governo diz que não irá incluir setores essenciais, mas em toda a lista de serviços que manda para a OMC diz que ela pode ser modificada de acordo com as negociações em relação à agricultura”. Além disso, a agricultura familiar e camponesa está sumindo da pauta do G 20 – grupo de países, criados sob liderança de Brasil e Índia. “O Brasil organiza sua pauta quase que exclusivamente a partir dos interesses do agronegócio. O que é uma lástima”.
MILITARIZAÇÃO
Soldados dos EUA chegam ao Paraguai A decisão do Congresso paraguaio de permitir a entrada de tropas dos Estados Unidos em seu país é um dos golpes mais fortes que Washington já desferiu contra o Mercosul. Os soldados contarão, ainda, com imunidade, permissão de livre trânsito e permanência, prorrogável automaticamente, até dezembro de 2006 . O governo local abriu mão do seu poder jurisdicional, permitindo que as tropas entrem e saiam, transportem armas e medicamentos e atuem em todo o território sem precisar de novas autorizações. A previsão era de que os primeiros 400 soldados chegariam dia 1º de julho. No entanto, esse número pode atingir os milhares. O Paraguai não poderá julgar os crimes cometidos pelos militares, nem entrar com ação contra o governo dos Estados Unidos na Corte Penal Internacional, violando sua própria legislação pois é um dos signatários do organismo. Além disso, as tropas estadunidenses devem avançar sobre a zona da Tríplice Fronteira (Argentina,
deixou o claro o papel que o Paraguai vai desempenhar na estratégia dos EUA para a região. Nas reuniões, foram discutidas a segurança hemisférica, defesa, luta contra o terrorismo – no conceito de Washington – e outros crimes, além do envio ao Paraguai de especialistas do Centro de Estudos Hemisféricos do Pentágono. O país, que sob a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) serviu de base virtual para a Central de Inteligência Americana (CIA) e outros órgãos similares, estará, novamente, sujeito à uma situação de movimentação estrangeira em seu território. Em setembro, os especialistas supracitados farão um seminário de “Planificação do Sistema de Segurança Integral Nacional”.
CMI
Stella Calloni de Buenos Aires (Argentina)
Plano do governo estadunidense é criar base militar no Paraguai
AQÜÍFERO GUARANI Brasil e Paraguai). Há tempos, Washington tenta instalar uma base militar no local.
SUBMISSÃO Tudo se insere nos planos dos Estados Unidos de estender, sob o disfarce de guerra ao terror, bases em fronteiras consideradas “ideais” para manter tropas de rápida mo-
bilização do sistema de Guerra de Baixa Intensidade, além de projetos contra-revolucionários. A recente visita de Luis Castiglioni, vice-presidente do Paraguai, ao seu colega estadunidense Dick Cheney, a Donald Rumsfeld, secretário da Defesa dos Estados Unidos, e a Roger Noriega, subsecretário de Estado para Assuntos Hemisféricos,
Alguns senadores oficialistas foram consultados sobre a possibilidade de se instalar uma base militar, tendo em conta que, no final de 2004, tropas estadunidenses entraram no país para executar diversas tarefas não especificadas e visitaram zonas fronteiriças. Portavozes da Comissão de Defesa do Senado paraguaio limitaram-se a
dizer que os Estados Unidos são um aliado e que, “entre aliados, é preciso se defender”. A CIA e os serviços de inteligência similares tentaram criar uma psicose terrorista na Tríplice Fronteira. Isso foi desmentido repetidas vezes, especialmente, por Brasil e Argentina. No entanto, nada impediu a perseguição de famílias de comerciantes árabes. Além disso, é lá que se encontra a maior reserva de água doce do mundo: o Aqüífero Guarani. Por isso, estima-se que mais de uma centena de soldados estiveram, ano passado, em Concepción – 400 quilômetros ao norte de Assunção (capital do Paraguai). Mulheres dos movimentos camponeses dizem ter visto soldados estadunidenses no Chaco paraguaio (ao norte do país, entre o Rio Paraguai e a Bolívia) e também em Encarnación, na fronteira com a Argentina. Além disso, já há um aeroporto, construído pelos Estados Unidos, em Mariscal Estigarribia, um povoa do nas cercanias da fronteira com a Bolívia. Nele, podem aterrissar aviões B-52 Galaxys, capazes de transportar grandes quantidades de tropas e armamentos. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)
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AMÉRICA LATINA DIREITO À COMUNICAÇÃO
Apoio às rádios e TVs comunitárias Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
M
anhã de segunda-feira, véspera do Dia da Independência da Venezuela, conquistada em 5 de julho de 1911. O taxista Tony Julio dirige em meio ao caótico trânsito da capital Caracas. A programação de umas das rádios locais o acompanha. “Hoje, também temos que comemorar. É Dia da Independência”, comenta uma das locutoras, em alusão ao 4 de julho estadunidense. Tony Julio se indigna. “Por isso, ninguém acredita no que esses jornalistas dizem. Vivem aqui mas pensam que são gringos”. Esta pequena cena da vida cotidiana reflete a atuação dos meios de comunicação venezuelanos. Nos quatro cantos do país, ouve-se a falta de credibilidade que resultou do golpe midiático de abril de 2002. “Os meios de comunicação tomaram o lugar dos partidos políticos e esqueceram do principal: a informação. Tudo que fazem tem como fim derrubar o presidente, mais nada”, comenta Tony Julio. Diante desse cenário, o presidente venezuelano Hugo Chávez, passou a estimular a criação de rádios e televisões comunitárias. A Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) entregou mais de mil concessões de rádios comunitárias ou livres, nesse esforço de contra-atacar a força dos meios de comunicação privados, que detêm o controle de 90% do espaço radioelétrico venezuelano.
Marcelo Garcia
Na Venezuela, Chávez aposta na democratização da informação para se contrapor à oposição dos oligopólios da mídia
Presidente Chávez promove a criação de rádios e televisões comunitárias em todo o país
Outra iniciativa do governo, que se estendeu a âmbito continental (veja reportagem abaixo), foi a ofensiva televisiva com os canais de televisão estatais. Nesse sentido, o lema de uma das principais TVs comunitárias do país passou a ser regra quando o assunto é reiventar a maneira de fazer televisão: “Não veja TV, faça-a”, divulga a Catia TV, criada pela jornalista Blanca Eeekhout, hoje à frente da presidência dos dois canais estatais. Há 18 meses, surgiu a Vive TV. Um novo canal público, de caráter
educativo, cultural e informativo que tem como missão dar voz à população ignorada durante anos pelas telas dos grandes meios comerciais. O vice-presidente do canal, o jornalista Thierry Deronne, explica que a Vive nasceu para ser umas das “ferramentas de consolidação” da revolução bolivariana: “O povo venezuelano com suas organizações sociais está resgatando um espaço que sempre lhes pertenceu e que o capitalismo historicamente havia roubado”. Responsável pela criação da Escola Latino-Americana de Cinema, que hoje funciona no interior de
Rede TV Sul e a rebelião das antenas no continente A partir do dia 24 de julho, os latino-americanos poderão conhecer seu continente sem ter como intermediárias as redes de televisão do Norte. Mais que isso, terão a possibilidade de produzir e difundir sua própria visão de mundo, quebrando o monopólio dos grupos empresariais que dominam a comunicação intercontinental, como a estadunidense CNN. Nessa data, começará a ser transmitida, em caráter experimental, a Rede TV Sul (ou TeleSur, em espanhol), um projeto gestado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, com apoio de outros governos da América Latina – a Venezuela entrou com 51% do capital inicial da TV Sul, enquanto a Argentina respondeu por 20%, Cuba por 19% e Uruguai, 10%. Já o Brasil está em vias de assinar um acordo operativo com a nova rede de televisão (veja reportagem ao lado).
DESIGUALDADE Um dos objetivos da TV Sul será se opor à desigualdade da produção da informação. De acordo com a pesquisadora Ana Delicado, das 300 maiores agências de informação,
“Nosso Norte é o Sul” Para acompanhar a programação da TV Sul: – Instale um receptor digital de satélite e uma antena parabólica (custo estimado de R$ 950); – Sintonize no satélite NSS 806 Ou então assistir: – às TVs comunitárias que assumirem o desafio de retransmitir o sinal da TV Sul (como a TV Comunitária, do Distrito Federal); – à TV Educativa, do Paraná, que reproduzirá partes da programação. Mais informações: (61) 3343-2713
144 são dos Estados Unidos; 80 da União Européia e 49 do Japão. Já os países pobres, do Sul, apesar de abrigarem 75% da população da Terra, controlam apenas 30% da produção de jornais. “Eduardo Galeano dizia que levamos 513 anos para nos vermos com olhos alheios. É da urgência de nos enxergamos com nossos próprios olhos e dar soluções próprias a nossos problemas que nasce o projeto”, explica o uruguaio Aram Aharonian, diretor do canal. Não por acaso, o lema da emissora será “Nosso Norte é o Sul”. Outro desafio do novo canal de televisão é disputar, em caráter massivo, com a orientação conservadora dos meios de comunicação empresariais. “Será uma programação de combate, com um jornalismo para desvendar os mistérios da exploração, para desmascarar a manipulação informativa da mídia capitalista e também para mostrar nossa história, a brava história dos povos latino-americanos, nossa música, nossa dança, nossa cultura, nosso talento”, explica Beto Almeida, diretor da TV Sul, em comunicado distribuído dia 1º.
REBELIÃO Daí, a importância de se construir uma rede de apoio para potencializar o espaço criado pela TV Sul. O projeto prevê parcerias com TVs comunitárias, educativas, universitárias, produtores independentes. “Que escapemos do cerco da CNN, das grandes empresas de mídia que deformam e insultam a luta dos nossos irmãos bolivianos, do povo venezuelano que está prestes a erradicar definitivamente o analfabetismo, do bravo povo cubano que envia milhares de médicos e professores para promover vida e dignidade em vários cantos do mundo. Queremos conhecer verdadeiramente o que ocorre com a luta dos irmãos zapatistas no México, do nosso povo irmão explorado dos EUA, queremos uma televisão sem baixarias, sem culto ao consumismo ou à violência”, define Almeida.
Em seu comunicado, o diretor da TV Sul pede a solidariedade dos movimentos sociais, dos sindicatos, das rádios livres, dos estudantes e de toda a sociedade civil para viabilizar a instalação do maior número possível de antenas parabólicas para captar o sinal do novo canal (veja como fazer isso no quadro à esquerda). Almeida pede também apoio para que o maior número possíveis de TVs comunitárias possam retransmitir o ato de nascimento da TV Sul. O sinal da nova rede de televisão estará disponível, gratuitamente, e poderá ser captado em qualquer lugar do continente americano, uma parte da Europa e o Norte da África. As transmissões serão bilíngües, em português e espanhol, e pretende-se também incluir o inglês. Marcio Baraldi
Jorge Pereira Filho da Redação
Vive, Deronne explica em uma das oficinas de linguagem audiovisual o conceito de TV que se pretende criar. “Estamos tratando de construir uma TV pública revolucionária, feita pelo e para o povo, capaz de romper os modelos comerciais de fazer televisão imposto durante décadas”.
PARTICIPAÇÃO POPULAR Pelos corredores do canal, é corriqueiro encontrar pequenos grupos formados por motoristas, faxineiros, vigilantes e jornalistas que se aventuram a aprender a manusear uma câmera ou a operar uma ilha
de edição. A formação ocorre na Escola de Cinema, onde dezenas de jovens da periferia aprendem a fazer televisão sob o conceito da participação popular. Hoje, parte desses jovens produz o “Noticiero del Cambio” (Noticiário da Mudança), um dos programas mais contundentes no que se refere à crítica ao Estado. “Não podemos maquiar a realidade, caso contrário, estaremos debilitando o processo revolucionário. Com o exemplo das comunidades organizadas, vamos avançando na tomada de consciência”, afirma Luis Ortuño, de 25 anos, um dos produtores do programa. O conceito da Vive – uma grande TV comunitária – é alterar a maneira paternalista de contar uma história. Os trabalhadores da fábrica de papel Invepal, tomada pelos operários depois de decretada sua falência, durante uma semana participaram de oficinas de capacitação audiovisual e de linguagem de documentário. Nesse momento, foi criado o Noticiero de los Trabajadores. Nesse espaço, os próprios operários gravam as assembléias onde tomam decisões, contam parte de seu cotidiano e os desafios que têm enfrentado para recuperar a produção da fábrica, operada em modelo de cogestão com o Estado. Um conselho social, integrado por representantes dos movimentos sociais e das comunidades organizadas, se reúne quinzenalmente no Canal com os coordenadores de cada unidade de informação para avaliar e opinar sobre a linha das produções.
TV Brasil: mais uma opção Bel Mercês da Redação Em paralelo ao surgimento da TV Sul, o Brasil trabalha também na criação de um canal de televisão voltado para a América do Sul. O novo projeto, batizado de TV Brasil, está em andamento na empresa pública de comunicação do governo, a Radiobrás. De acordo com Eugênio Bucci, presidente da empresa, a TV Brasil já estava em um curso adiantado no qual não se podia mais abrir mão, quando se tomou conhecimento da iniciativa da TV Sul. “Mas o nível de cooperação entre as emissoras é total. Houve inclusive uma proposta da Telesur para um convênio com a Radiobrás, que deve sair em breve. E o Brasil certamente vai participar, mesmo sem ser um dos sócios”, garante. A TV Brasil, um canal de no-
tícias e programas brasileiros e latinos, é resultado de uma ação conjunta dos três poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário. Em fase de implementação, sua programação será, em princípio, transmitida a partir da parceria com outras emissoras do continente. O Conselho Consultivo – que gerencia a TV Brasil e é formado por seis órgãos da União (Radiobrás, Senado, Câmara, Secretaria de Comunicação, Supremo Tribunal Federal e Itamaraty) – tem visitado outros países em busca de possibilidades de acordos e negócios, como a troca de programas com emissoras locais. A TV Brasil já conta com dois históricos de produção e transmissão experimental. A primeira ocorreu no 5º Fórum Social Mundial, realizado em janeiro deste ano em Porto Alegre, e a segunda durante a Cúpula América do Sul-Países Árabes, em maio, em Brasília. A previsão para estréia oficial é entre o final de 2005 e começo de 2006. Bucci garante que “o grande esforço, agora, é colocar a TV Brasil no ar”. A idéia do projeto surgiu durante uma viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assim que assumiu o cargo. Na ocasião, o senador pelo Amapá José Sarney contou-lhe sobre uma antiga idéia que tinha: um canal de televisão brasileiro na América Latina. Lula gostou e, em abril de 2004, transformou-o em decreto presidencial. Segundo Bucci, um projeto como esse, que visa a integração do continente, é essencial. “Existe um espaço público internacional que nasce na América do Sul, e isso significa que haverá uma arena de trocas muito grande, que requer meios de comunicação para construir aos poucos essa estrutura.” Ele acredita que o “sonho de integração do continente vai se tornar realidade via a comunicação”. A TV Brasil poderá ser assistida, no Brasil e nos outros países, por canais de assinatura ou via satélite. A língua oficial será o espanhol, e os programas em português devem ser legendados.
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INTERNACIONAL REUNIÃO DO G-8
225 mil marcham contra a pobreza Alexandre Praça de Edimburgo (Escócia)
E
m seus quase mil anos de história, Edimburgo nunca havia presenciado nada parecido. Uma imensa onda de ativistas convergiu à capital da Escócia, dia 2, exigindo o fim da pobreza aos líderes dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia, o G-8. Nem mesmo as melhores previsões dos organizadores esperavam pelas 225 mil pessoas que invadiram cada viela do centro velho da cidade em torno da campanha “Faça da Pobreza História”. Desde as primeiras horas da manhã, a multidão chegava por trem, ônibus, bicicleta ou mesmo caminhando quilômetros de outras cidades. “Foi como um sonho realizado, depois de seis meses de trabalho incansável”, celebra Thomas Hastie, coordenador do Jubileu da Dívida na Escócia. Junto com ele, nada menos que uma inédita aliança de 460 organizações não-governamentais, sindicatos, grupos religiosos e populares no Reino Unido e no mundo estiveram juntos na organização do protesto. Vestidos de branco e ao som de apitos, tambores e até gaitas de fole, os manifestantes marcharam cinco quilômetros em volta do centro de Edimburgo formando uma imensa corrente humana. Em seguida, uma enxurrada de mensagens foi recolhida e colada em um imenso letreiro que será erguido próximo ao pomposo hotel onde os líderes do G-8 se encontrarão.
FALSAS PROMESSAS A idéia da campanha foi criar uma voz popular em oposição ao encontro de cúpula do G8 que começa dia 6, em Gleneagles. Os manifes-
tantes de Edimburgo gritaram em uníssono pelo fim da dívida externa dos países pobres, justiça no comércio internacional e mais e melhor auxílio financeiro à África. “É ingênuo acreditar na boa-vontade do G-8”, apontou Yash Tander, que trabalha com movimento de agricultores sem-terra em Uganda. “Não podemos mais tolerar ajudas econômicas condicionadas à implementação de políticas neoliberais que, na verdade, estão na raiz dos problemas dos países subdesenvolvidos”. Yash Tander é um entre milhares de manifestantes cansados de falsas promessas inventadas para criar estardalhaço nos jornais. Em 1970, os países industrializados se comprometeram a gastar 0,7% dos seus orçamentos em auxílio econômico. Mais de trinta anos se passaram e a meta está mais longe de se realizar do que nunca. Os Estados Unidos, por exemplo, estacionaram em um vergonhoso 0,13% – para a África, o grande irmão do Norte destina 3,2 bilhões de dólares anuais, o mesmo que o Pentágono queima em apenas quatro dias de trabalho.
CMI
Na Escócia, manifestação histórica chama a atenção para as injustiças cometidas pelos países ricos
As forças ocultas Desde 1995, as corporações mundiais têm sido decisivas nos rumos tomados pelas determinações do G-8. Todos os líderes da cúpula defendem, por exemplo, que a liberdade de ação das transnacionais é importante para a garantia de uma economia mundial segura e estável. Em sucessivos encontros, o fórum oferece como remédio para a eliminação da pobreza a liberalização sem restrição da economia. Mas talvez um dos exemplos mais simbólicos é o fato de, como parte do ritual do fórum, o líder do G-8 se encontrar com o presidente da Câmara de Comércio Mundial – talvez o mais poderoso lobby do mundo – na véspera da reunião. Este ano, o representante da Câmara é o diretor da companhia de indústria pesada sul-coreana Doosan, Yong Sung Par, notório pela forma com a qual exterminou as entidades sindicais no seu país.
NADA DE CARIDADE
Movimentos sociais e ONGs condenam política neoliberal imposta pelo G-8
O empenho de ativistas deu frutos na última vez em que a cúpula aconteceu no Reino Unido, na cidade de Birmingham, em 1998. Naquele ano, o tema do cancelamento da dívida dos países mais pobres foi colocado na agenda dos líderes após o protesto de 70 mil pessoas nas ruas, algo até então nunca visto na história dos encontros. “Foi uma brecha que os movimentos populares conseguiram abrir. Nós percebemos pela primeira vez que podíamos influenciar a pauta do G-8”, lembra Thomas Hastie. Desde então, temas como jus-
tiça no comércio agrícola mundial também começaram a ser abordados pelos grupos de crítica ao G-8. De acordo com número das Nações Unidas, fazer o comércio funcionar em benefício dos países pobres poderia ajudá-los com a assombrosa soma de 512 bilhões de dólares cada ano. Seria suficiente, por exemplo, para capacitar todo o continente africano a não depender da ajuda de nenhum outro país do mundo e, ao mesmo tempo, fornecer a todos os seus cidadãos, educação e saúde pública.
Quem são os oito países
Ronaldo Barroso/ Ação Educativa
O Grupo dos 8 – ou mais apropriadamente chamado G-7 mais um – é o fórum anual dos sete países mais ricos e poderosos do mundo: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Desde 1975, os líderes desses países se encontram para debater questões econômicas e políticas. Com a entrada da Rússia no comércio mundial, a ex-potência soviética passou a fazer parte da mesa de negociações. O presidente da Comissão Européia também participa dos encontros como observador, além de representantes do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização Mundial de Comércio (OMC) e das Nações Unidas (ONU). Os encontros do G-8 acontecem a portas fechadas, sem que nenhuma ata ou transcrição seja produzida. As únicas idéias de que se pode ter dos debates vêm dos chamados communiqués, resumos tópicos que não excedem duas páginas, divulgados ao final da cúpula. Nos seus primeiros anos, os líderes discutiam basicamente questões políticas entre seus próprios países. No entanto, desde os anos 80, com as crescentes crises financeiras no Terceiro Mundo, o fórum passou a se preocupar com formas de delinear a economia mundial a seu favor. Nos últimos anos, temas como terrorismo, problemas ambientais e tráfico de drogas também passaram a ter destaque. O G-8 não tem nenhum poder de ação. Contudo, as linhas gerais definidas pelo fórum são repassadas e implementadas pelo FMI, pelo Banco Mundial e pela OMC. Os encontros, por exemplo, reforçam cada vez a necessidade dos países do mundo em abrir suas economias ao comércio global, privatizar, aplicar políticas contra inflação, aumentar as taxas de juro e zerar o déficit.
Direito à educação – Às vésperas da reunião do G8, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação realizou uma atividade com 150 crianças da Escola Classe 18, na Ceilândia Sul, periferia da capital federal. Após uma explicação lúdica sobre o G8, as crianças escreveram mensagens aos oito governantes, que envolviam questões sobre a qualidade do ensino público brasileiro. Depois da aula, os alunos levaram nove bonecos mamulengos – que representavam crianças, adolescentes e adultos reais que estão fora dos bancos escolares – a bordo de um ônibus escolar rumo à Embaixada do Reino Unido, que atualmente coordena o G8. As mensagens foram lidas na hora da entrega das miniaturas dos bonecos e foram levadas a Gleneagles por Richard Barlow, segundo secretário da Embaixada e responsável pelos assuntos do G8 na instituição.
As organizações participaram da passeata em Edimburgo, colocaram como ponto-chave de seu manifesto o fim da pressão por parte das nações do Norte em abrir as economias dos países subdesenvolvidos enquanto cinicamente fornecem subsídios milionários e proteção a seus próprios mercados. A campanha do Jubileu acrescenta que os países ricos deveriam promover acesso de longo termo aos produtos agrícolas do Terceiro Mundo para que o comércio de
fato se equilibre. “Não se trata de caridade, mas de justiça”, provocou Mulima Kufekisa Akapelwa, da Comissão de Justiça, Paz e Desenvolvimento de Zâmbia. Para muitos, que pela primeira vez faziam parte de uma passeata, imperava o sentimento de que a campanha estava revitalizando o movimento mundial contra a globalização na Europa. “Fiquei impressionado com o fato de que a grande maioria dos que foram às ruas era jovem”, disse Hastie.
MULHERES
Da Europa, carta mundial segue para a Ásia da Redação A mensagem de mulheres de todo o mundo, registrada na Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, deixou a Europa dia 19 de junho e agora passa pela Ásia e pela Oceania. Os próximos destinos são Oriente Médio e África, continente onde termina, em 17 de outubro, a jornada da Carta. Iniciativa da Marcha Mundial de Mulheres, a carta é parte de uma série de mobilizações programadas para 2005. A Carta contém cinco princípios – liberdade, solidariedade, igualdade, justiça e paz – que mostram o mundo que o movimento feminista quer construir. O último país por onde irá passar é Burkina Faso, na África. No mesmo dia, a Marcha Mundial planeja uma corrente de 24 horas de ações feministas pelo globo. Lançada dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, em São Paulo, a Carta ainda passou por todo continente americano antes de seguir para a Europa. Nas diferentes cidades por onde passa, são organizadas manifestações com o objetivo de colocar em pauta na sociedade, e para as instituições políticas, as reivindicações das mulheres. Junto com a Carta, viaja uma colcha de retalhos que aumenta a cada país. No tecido, ficam registrados aspectos da cultura e da luta das mulheres de cada nação.
EUROPA Na Turquia, país por onde a carta entrou na Europa, há uma verdadeira “cultura de violência contra a mulher”, segundo a Anistia Internacional. Mais de um terço das mulheres sofre violência doméstica e é vítima de assassinatos por “desonrar” a família. No trabalho, os salários das mu-
lheres correspondem de 20% a 50% aos dos homens. Antes de a Carta entrar no país, as mulheres da Marcha Mundial levaram uma lista de reivindicações à Assembléia Nacional. Na Suíça, uma caravana cruzou o país de ponta a ponta, contabilizando mais de trinta eventos pelo interior, entre marchas, seminários, e intervenções artísticas. O direito ao aborto foi o tema escolhido pelas mulheres portuguesas, que enviaram cartas a todos os
grupos com assentos no parlamento, com o objetivo de manter a pressão não só sobre esse tema, mas sobre outros, como precariedade no trabalho, discriminação de estrangeiras no país. Em Portugal, o aborto é proibido e um referendo à população está sendo planejado para definir uma legislação sobre o assunto. Leia o texto completo da Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade em http://mmm.softwarelivre.org/ cartamundial.php
O MUNDO QUE AS MULHERES QUEREM Trechos da Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade “Nós, as mulheres, há muito tempo marchamos para denunciar e exigir o fim da opressão que vivemos por sermos mulheres e para afirmar que a dominação, a exploração, o egoísmo e a busca desenfreada do lucro produzem injustiças, guerras, ocupações, violências e devem acabar” “Marcha Mundial das Mulheres, da qual fazemos parte, identifica o patriarcado como sistema de opressão das mulheres e o capitalismo como sistema de exploração de uma imensa maioria de mulheres e homens por parte de uma minoria”
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DEBATE IMPERIALISMO
José Arbex Jr. neoliberalismo sofreu uma derrota espetacular na Europa, talvez a mais importante no “velho continente”, com o processo de rejeição à Constituição Européia. Primeiro, foi a vez da França dizer “não”; depois foi a Holanda; como conseqüência, outros países suspenderam plebiscitos já marcados, para não desmoralizar ainda mais a proposta. A Constituição Européia teria um significado muito claro para os trabalhadores: ataques ainda mais profundos às históricas conquistas sociais e aos direitos trabalhistas, e o respectivo fortalecimento das corporações imperialistas. O “não” provocou a paralisação do processo e paralisou as articulações da cúpula da União Européia (UE). Em contexto mais amplo, produziu uma alteração dramática na disputa do imperialismo franco-germânico (carrochefe da UE) com o estadunidense, pelo controle da Eurásia, vasta região geopolítica que agrega a imensa maioria da população mundial, dos recursos energéticos (petróleo) e dos arsenais nucleares. Washington, de sua parte, desenvolve a estratégia de aprofundar o “cordão de isolamento” em torno da velha rival Rússia, ao mesmo tempo em que assenta bases na Ásia Central e no Oriente Médio. Basta observar os recentes processos de transformações políticas que sacodem os países integrantes da Comunidade de Estados Independentes (CEI), formada após o fim da União Soviética, em 1991: Geórgia (novembro, 2003), Ucrânia (novembro, 2004), Quirguis-
O
tão (março, 2005) e, mais recentemente, em maio, Uzbequistão: um a um, todos caem ou sofrem sérios desafios. Em todos os casos, os movimentos de oposição que derrubaram os respectivos governos foram financiados por organizações e grupos estadunidenses. Uma primeira resposta seria: Washington promove a subversão de regimes considerados hostis e situados na “esfera de influência” da Rússia, como fez tantas vezes no passado, em todas as partes do planeta. Mas, desta vez, a questão é mais complicada: os governos que caíram eram aliados, e não adversários da Casa Branca. Eduard Shevardnadze, que chefiava o governo deposto da Geórgia, não era nenhum socialista. Ao contrário, durante a Perestroika promovida por Mikhail Gorbatchov, representava a ala mais simpática ao capitalismo. Coube a ele a iniciativa de abrir o seu país aos assessores militares estadunidenses. Ascar Acaiev, deposto no Quirguistão, permitiu a instalação de bases militares dos Estados Unidos em seu país. Leonid Kuchma, o perdedor na Ucrânia, foi eleito, em 2004, com uma plataforma de maior aproximação com os Estados Unidos e, a pedido de George Bush, enviou tropas ao Iraque. Islam Karimov, presidente do Uzbequistão, desafiado por grandes manifestações de rua nas primeiras semanas de maio, é considerado um quase representante da Casa Branca na Ásia Central. Como explicar, então, o comportamento aparentemente contraditório do governo Bush? A explicação radical no conceito de “dominação militar global”,
Kipper
Europeus rejeitam união neoliberal
discretamente anunciado pelo Pentágono, em março de 2005, observa o professor canadense Michel Chossudovsky (globalresearch.ca/ articles/CHO503A.html), e publicamente revelado por uma pequena nota dada pelo Wall Street Journal, um dos porta-vozes do pensamento neoconservador, em sua edição de 11 de março de 2005. O documento atribui, explicitamente, aos Estados Unidos, um mandato militar global, isto é, o direito de agir militarmente mesmo em situações onde não ocorram guerras e conflitos. E mais: a Casa Branca concede a si própria o direito de promover operações militares dirigidas contra países não hostis aos Estados Unidos, mas considerados estratégicos do ponto de vista de seus interesses. Não basta a um governo, agora, proclamar suas juras de amor a Washington. Além disso, ele deve provar-se politicamente
capacitado a integrar-se ao processo de “mudança do mundo” nos termos postos pela Casa Branca. Caso não esteja à altura da tarefa, não importa o motivo, será derrubado pelos meios considerados mais convenientes por Washington, incluindo financiamento de grupos de oposição, treinamento de mercenários e, se necessário, intervenção direta (o dramático aumento de verbas destinadas a financiar publicações e a atividade da oposição em Cuba, aprovada em maio de 2004 pelo Congresso dos Estados Unidos, é um bom exemplo disso). Torna-se compreensível, nesse quadro, a derrubada dos governos aliados mas “instáveis” dos países integrantes da CEI. A nova doutrina prevê também que Washington deve “dissuadir” a Rússia e a China a abandonar qualquer pretensão de competir militarmente com os Estados Unidos. Com esse fim, a indústria bélica deve constituir um poderio tão esmagador, que tornaria ridículo sequer alimentar a idéia de um enfrentamento (este é o fundamento doutrinário do orçamento militar dos Estados Unidos, que em 2005 atingiu uma cifra equiparável ao PIB brasileiro). O tratamento dispensado à União Européia é um pouco mais sutil, pois, em tese, os europeus são considerados aliados. Ainda assim, é óbvio que existe uma disputa, movida principalmente contra o imperialismo franco-britânico, explicitamente demonstrada durante as preparações da invasão do Iraque (jamais aprovada por Paris e Berlim). Concretamente, delineiase o eixo integrado por Estados
Unidos, Inglaterra, Canadá, Austrália e, subsidiariamente, Israel, contra a UE e as outras potências rivais. Essa disputa não declarada explica a ansiedade dos governos alemão e francês por aprovar a nova constituição européia: tratase de preparar a UE para entrar de solo na nova corrida armamentista com os Estados Unidos. Alguém poderia concluir, a partir disso tudo, que a derrota da Constituição Européia fortaleceu a Casa Branca, já que impediu, ou pelo menos retardou, a consolidação do imperialismo franco-germânico. Trata-se de um raciocínio completamente equivocado. Jamais o fortalecimento de um pólo imperialista, qualquer que seja, significou boas notícias para os trabalhadores. Ao contrário. Os imperialismos, em seu processo de destruição mútua, articulam guerras que jogam milhões de trabalhadores contra outros milhões de trabalhadores. Sempre foi assim. Os Estados Unidos promovem uma nova corrida armamentista, envolvendo cifras e capacidade de destruição muito superiores às verificadas à época da Guerra Fria. Para manter os investimentos militares nos níveis atuais, os Estados terão que cortar ainda mais os gastos com as áreas sociais; terão que acentuar as características repressivas, policiais e militares, com o objetivo de reprimir movimentos e manifestações populares; por fim, terão que atacar de maneira cada vez mais radical e profunda qualquer vestígio de democracia. A tudo isso, os trabalhadores europeus disseram “não”. José Arbex Jr. é jornalista
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA CELSO FURTADO - UM RETRATO INTELECTUAL Patrono dos economistas brasileiros e um dos maiores intelectuais do século 20, Celso Furtado recebe agora, quando se completam seis meses de sua morte, uma biografia escrita pelo argentino Carlos Mallorquin. O autor destaca traços marcantes da fundamentação teórica da produção de Furtado, principalmente no que diz respeito ao subdesenvolvimento. O livro, editado pela Editora Contraponto, tem 362 páginas e custa R$ 42. Mais informações: (21) 2544-0206
DISTRITO FEDERAL FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE BRASÍLIA 20 a 31 de julho A sétima edição do festival vai exibir cerca de cem longas-metragens de vários países, incluindo documentários premiados internacionalmente. A grande maioria das obras ainda é inédita no Brasil. A noite de abertura traz o filme Gaijin 2 - Ama-me como sou, da diretora Tizuka Yamazaki. Entre os principais filmes que poderão ser vistos estão produções recém-exibidas em festivais internacionais por todo o mundo, como Terra da Fartura, de Wim Wenders, e Palíndromos, de Todd Solondz. Local: Academia de Tênis Resort, Cine Academia Cultura Inglesa e Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília Mais informações: www.ficbrasilia.com.br/
RIO DE JANEIRO MESA-REDONDA E LANÇAMENTO DO LIVRO VIOLÊNCIA SEXUAL NO BRASIL 8 de julho, 16h
Durante o lançamento do livro Violência sexual no Brasil: perspectivas e desafios será realizada uma mesa-redonda com a participação da ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Nilcéa Freire. O livro conta com uma pesquisa de campo sobre as iniciativas do Estado e da sociedade civil na Região Norte do Brasil e procura sistematizar o conhecimento sobre violência sexual no país. Para participar do evento é preciso se inscrever pelos telefones (21) 2532-1930 e (21) 2532-1939 ou pelo correio eletrônico luciana@ipas.org.br Local: Instituto de Psicologia da UFRJ (sala 2), Av. Pasteur 250, Rio de Janeiro Mais informações: www.ipas.org.br FLIP - FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATI até 10 de julho Em sua terceira edição, a Flip segue a trilha aberta pelas edições anteriores: uma pauta variada, em que a conversa estritamente literária se articula com temas atuais da cultura e da política, sem se reduzir a nenhuma delas. Nos mesmos moldes do ano passado, serão 20 mesas-redondas, com 36 autores de 7 Estados brasileiros e 11 países. O mote para as discussões, como sempre, é a literatura. Este ano, os temas polêmicos da agenda contemporânea se fazem notar com força, seja na discussão sobre jornalismo de guerra, na palestra acerca da importância literária da Bíblia ou no debate a respeito da ficção produzida em países periféricos. Os ingressos custam R$17. Local: cidade de Parati Mais informações: 0300-789-3200, www.flip.org.br A ÁFRICA, O BRASIL E OS TERRITÓRIOS DOS QUILOMBOS até 10 de julho
Essa exposição cartográfica itinerante comprova que a história do povo e do território brasileiros passa pelos quilombos. A mostra faz parte do projeto Geografia Afrobrasileira, do Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica da Universidade de Brasília (UnB). A exposição está dividida em três módulos integrados representados por cerca de 40 painéis. No módulo 1, são apresentados os temas fundamentais da geografia da África: minerais, diversidade ambiental e fronteiras aproximadas dos principais Estados políticos. No módulo 2, é possível conhecer os resultados do mapeamento com os registros das comunidades remanescentes de antigos quilombos. Na última parte da mostra, é feito o monitoramento espacial dos territórios quilombolas que tiveram suas terras demarcadas e tituladas desde a Constituição de 1988. Depois do Rio, a exposição seguirá para as cidades de São Paulo, Porto Alegre e Brasília. Em outubro, será apresentada em Paris, dentro da programação do Ano do Brasil na França. Entrada franca. Local: Conjunto Cultural da Caixa, Mini Galeria, Av. Chile, 230, 2° andar, Rio de Janeiro. Mais informações: (21) 2262-5483
SÃO PAULO RUA DOS INVENTOS 7 de julho a 14 de agosto, de terça a domingo das 9h às 21h A mostra reúne engenhos criados por moradores de rua, pequenos prestadores de serviços e vendedores ambulantes a partir de matéria-prima barata ou à disposição no lixo, resultado de uma extensa pesquisa feita pela autora Gabriela Gusmão. De agosto de 1998 a julho de 2001, ela coletou fotos e depoimentos sobre o universo visual das ruas das cidades, principal-
PARIS Divulgação
LIVRO
Cena de Tobias 700, um dos documentários da mostra Brésil en Mouvements
BRÉSIL EN MOUVEMENTS até 10 Festival de documentários sobre os direitos do homem, os direitos sociais e o ambiente no Brasil. Parte da programação oficial do Ano do Brasil na França, o festival foi organizado pela jornalista brasileira Érika Campelo e pelo francês Georges da Costa e exibirá 25 curtas e longas-metragens sobre sete temas: Desafios da Amazônia, Ditadura e resistência, Participação dos negros na sociedade brasileira, Trabalho escravo, Direito à terra e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Direito para todos e Alternativas. Entre as obras, há produções de movimentos sociais e organizações não-governamentais, como Tobias 700, de Daniel Rubio, que retrata a luta pelo direito à moradia em São Paulo. Também serão exibidos documentários já consagrados, como O sonho de Rose, dez anos depois, de Tetê Moraes, que trata do MST, com trilha sonora de Chico Buarque; e Boca do lixo, de Eduardo Coutinho. Após as projeções, documentaristas e representantes dos movimentos sociais brasileiros e franceses debatem com o público. Entre os nomes confirmados para os debates estão frei Beto, o documentarista Eduardo Coutinho e o escritor e documentarista Joel Zito Araújo. A entrada é gratuita. Local: Espaço Confluences, Maison des Arts Urbains 190, Bd de Charonne, 75020, Paris Mais informações: assessoria_brasil@yahoo.fr
mente da zona sul e Centro do Rio de Janeiro. A mostra é composta por fotografias e pelos próprios artefatos confeccionados nas ruas, que servem de objeto de trabalho e de moradia para a população de rua. Entrada franca.
Local: Galeria Neuter Michelon, Praça da Sé, 111, 1° andar, Conjunto Cultural da Caixa, São Paulo Mais informações: (11) 3107-0498, remaisp@caixa.gov.br / www.caixa.gov.br
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Um continente cansado de promessas Alexandre Praça de Edimburgo (Escócia)
À
primeira vista, para um público acostumado com notícias sobre tragédias no continente africano, parecia que um milagroso surto de justiça havia afetado os ministros econômicos dos sete países mais ricos, dia 11 de julho. Nas bancas de jornais inglesas, as manchetes criavam o clima de euforia: “55 bilhões de dólares em dívida cancelada do continente africano” ou “Vitória histórica para milhões de africanos” . No centro das celebrações, a estrela era o ministro das Finanças britânico, Gordon Brown – cotado como o próximo primeiro-ministro do país. Brown tem dominado as notícias no Reino Unido e chegou a ser proclamado como uma espécie de salvador da África do mundo capitalista. Foi ele quem supostamente logrou convencer os outros ministros financeiros do G-8 a assinar a bilionária proposta de perdão da dívida. O que talvez os jornalistas da grande mídia não quiseram publicar – ou quem sabe não tiveram tempo de ler – são as infames entrelinhas dos acordos. Na proposta dos ministros financeiros se afirma também que o perdão será garantido apenas se as nações mais pobres do mundo aceitarem “ajustar o valor do auxílio recebido à dívida cancelada”. Em outras palavras, o montante da dívida perdoada será descontado da ajuda econômica que esses países normalmente recebem. Como se não bastasse, a proposta define como absolutamente essencial aos países beneficiados pelo acordo a continuação das medidas para “fomentar o desenvolvimento do setor privado e assegurar a eliminação de barreiras ao investimento tanto doméstico como estrangeiro”. Qualquer semelhança ao mantra neoliberal do Fundo Monetário Internacional (FMI) não é mera coincidência.
Carls de Souza/AFP/ Folha Imagem
Às vésperas da reunião dos países ricos na Escócia, africanos são alvo de uma avalanche de propostas
“Ninguém está pedindo novos acordos, mas o cumprimento de promessas já feitas”, reivindicam os movimentos sociais
“Já estamos cansados da imposição de condições para o recebimento de ajuda”, desabafou Daleep Mukarji, diretor da organização britânica Christian Aid, que está presente em grande parte do continente africano. “Se nada acontecer nesse encontro do G-8, estaremos de novo exigindo medidas reais na próxima reunião da Organização Mundial de Comércio, em seis meses”. Para Jackie Macaffry, da campanha do Jubileu da Dívida na Escócia, no entanto, passos em direção ao fim da dívida são sempre bem-vindos: “O caminho a percorrer ainda é imenso. De acordo com a proposta, somente 18 países subdesenvolvidos, entre eles 14 africanos, serão elegíveis ao acordo. Enquanto o que nós entendemos como justiça é o cancelamento total a todos os países que necessitam”. De acordo com números coletado por organizações não-governa-
mentais inglesas, a soma a ser perdoada somente pelo Reino Unido ficará entre os 70 milhões e os 96 milhões de dólares. Menos do que o governo de Tony Blair gasta com a ocupação do Iraque em um ano ou equivalente aos 67,1 milhões de dólares anuais que a família real desfruta do orçamento do país.
MUITO DISCURSO, POUCA AÇÃO “Ninguém está pedindo novos acordos, mas o cumprimento de promessas já feitas”, comenta Mulima Kufekisa Akapelwa, da Comissão de Justiça, Paz e Desenvolvimento de Zâmbia. “Os países ricos já assinaram, em 2000, a Cúpula do Milênio das Nações Unidas, se compromentendo a reduzir pela metade o número de pessoas vivendo em absoluta miséria até o ano 2015. Quase nada foi feito até agora”, acrescenta. Entre outras metas criadas pela Cúpula do Milênio e misteriosa-
mente esquecidas, estão a redução de dois terços dos índices de mortalidade infantil e a garantia de educação primária a todas as crianças africanas, em um prazo de 15 anos. A continuar no ritmo em que estão, as promessas se realizarão somente no ano de 2165. Não foi a primeira vez que cifras caridosas foram tiradas do chapéu para aliviar a pressão em cima dos poderosos. Em 1999, depois da campanha Jubileu 2000, o G-8 concordou em aliviar a dívida de 42 países pobres no valor de 52 bilhões de dólares. No entanto, seis anos se passaram e pouco mais de 10% desse valor foi de fato cancelado. “Existe uma distância enorme entre as decisões tomadas pela cúpula e as pequenas comunidades dos países africanos”, comenta o ativista sudanês Ahmed Begari, da organização Proteja Darfur, presente nas manifestações contra o
G-8 na Escócia (veja reportagem na página 11). “O que o continente precisa é que os próprios africanos decidam seu futuro.” Números da campanha “Faça da Pobreza História” revelam que a cada dólar doado à África em forma de ajuda, três são recebidos de volta pelos bancos dos países ricos. Zâmbia paga anualmente ao FMI cerca de 25 milhões de dólares, mais do que o governo gasta com educação – apesar de 40% das mulheres nas zonas rurais não saberem ler. Já o governo de Malawi, país em que 20% da população é HIV positivo, gasta mais em pagamentos da dívida que em saúde. As 18 nações escolhidas pelo G-8 para o perdão da dívida sabem muito bem o que é ter o futuro decidido a partir dos escritórios no outro hemisfério. A campanha do Jubileu aponta que esses países tiveram que “colocar a casa em ordem” para serem definidos como Países Pobres Altamente Individados e, assim, entrar na lista do perdão. Entre os pontos-chave da faxina exigidos pelas instituições financeiras internacionais estavam as tradicionais abertura do mercado, corte nos gastos do governo (como saúde e educação) e privatização. Na Tanzânia, por exemplo, 45 mil pessoas foram demitidas depois de uma onda de privatizações iniciadas pelo governo, que incluiu a transferência do controle da água às mãos privadas. Mali foi forçado a privatizar sua rede ferroviária e sua indústria de algodão. Para os ativistas que lutam pelo cancelamento de 100% da dívida, a situação já não é mais sustentável. “Os países ricos vêm falando sobre a moratória há sete anos”, denuncia Audrey Miller, da campanha do Jubileu. “No entanto, as pessoas que vivem abaixo da linha de miséria não podem viver com palavras. Nossa mensagem a Tony Blair e George W. Bush é que acabem de uma vez com a dívida”.
NIGÉRIA
Stefania Bianchi de Bruxelas (Genebra) Comunidades étnicas do sul da Nigéria entraram com uma representação legal contra a estatal Companhia Nacional Petroleira Nigeriana e várias outras empresas do setor – a britânico-holandesa Shell, a estadunidense ExxonMobil e Chevron Texaco, a francesa Total e a italiana Agip – exigindo a suspensão de atividades nocivas que violam seus direitos em Delta do Níger. Em especial, condenam a prática do flaring, que é a queima ao ar livre do gás que emana dos poços de petróleo, empregada tanto para eliminar resíduos como para aliviar a pressão interna dos poços. Essa prática, maior fonte de emissão de gases da exploração petroleira e de gás, está proibida por lei desde 1984. Só pode ser usada por empresas que tenham certificados especiais emitidos pelo governo. A organização ambientalista Amigos da Terra Internacional, que colabora com as comunidades nigerianas, pediu a divulgação pública dessas autorizações, mas ainda não obteve resposta. A organização assinala que a Nigéria é o país onde se queima a maior quantidade de gases excedentes da atividade petrolífera. A queima libera substâncias tóxicas que afetam a saúde de comunidades locais. Os habitantes de Dellta do Níger têm sido vítimas de mortes prematuras, doenças respiratórias e diversas formas de câncer nos últimos 40 anos, denuncia os ativistas.
CMI
Comunidades pressionam contra queima de gás
REPÚBLICA FEDERAL DA NIGÉRIA
Nigéria é o país onde se queima a maior quantidade de gases excedentes da atividade petrolífera
Além disso, a maioria dos cientistas concorda que o atual ciclo de aquecimento planetário é causado pelos gases derivados sobretudo da queima de combustíveis fósseis como o carbono, o petróleo e o gás. Segundo a organização Amigos da Terra, as emissões violam os direitos dos habitantes do sul da Nigéria de viver com dignidadade e usufrir do ambiente. Para Nnimmo Bassey, diretor do escritório nigeriano da Amigos da Terra, a ação legal é “um grande passo nos esforços coletivos, como cidadãos da Nigéria”, para fazer com que as corporações internacionais de petróleo e de gás, assim como o
governo, assumam suas responsabilidades. A ação foi impulsionada pelo Programa Justiça Climática, uma aliança de 70 organizações ambientalistas, advogados, acadêmicos e representantes da sociedade civil de cerca de 30 países que apoiam reivindicações em todo o mundo para combater a mudança climática. O programa, coordenado pela Amigos da Terra, informou que a prática de flaring na Nigéria é uma “monstruosidade contra os direitos humanos, o ambiente e a economia”. O estudo assinala que todos os dias se queima, em Delta do Niger, aproximadamente 762 milhões de
metros cúbicos de gás resultante da atividade petrolífera. Isso equivale a 40% do consumo total de gás da África em 2001. Che Ibegwura, uma mulher que mora em Erema, sofre na pele os custos sociais do problema: “Nossas terras foram contaminadas. Trabalhamos duro para plantar, mas colhemos pouco. Nossos tetos estão corroídos, nosso ar está contaminado e nossos filhos estão doentes. Até a água de chuva que bebemos está contaminada pelo gás”. O Programa Justiça Climática instou os chefes de governo do Grupo dos 8 (G-8), composto pelos países mais poderosos do mun-
Localização: centro-oeste da África Nacionalidade: nigeriana Cidades principais: Lagos, Ibadan, Kano, Ogbomosho, Oshogbo Línguas: inglês (oficial), línguas regionais principais: haussá, fulani, iorubá (yoruba), ibo. Divisão administrativa: 36 Estados População: 5 milhões Moeda: naira Religiões: islamismo 50%, cristianismo 40% (protestantes 21,5%, católicos 9,9%, seitas indígenas 8,6%), outras 10% (1980)
do, a analisar a situação ambiental em Delta do Niger. “Já que o G-8 se prepara para discutir as mudanças climáticas e o desenvolvimento da África, a queima de gás na Nigéria pode representar um bom exemplo de ambos os problemas. Trata-se de uma vergonha e uma mancha na reputação das companhias petroleiras ocidentais”, disse o coordendor do programa, Peter Roderick. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
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INTERNACIONAL INDONÉSIA
ONGs são chamadas para acertar contas Damien Roustel e Vicent Defait de Aceh (Indonésia)
CMI
Apenas 10% do dinheiro coletado foi gasto e a gestão das doações é o centro das polêmicas
S
Entrega de doações nas Filipinas: Cruz Vermelha francesa gastou apenas 7 milhões dos 105 milhões de euros recebidos
reage Michel Brugière, que pertence ao grupo Médicos do Mundo. No entanto, todas as organizações tiveram que jogar a carta de transparência. Em resumo: a perversão da CMI
eis meses depois da terrível onda que levou a vida de mais de 220 mil pessoas na Ásia, as organizações não-governamentais (ONGs) são intimadas a prestar contas. Os doadores, que deram prova de uma generosidade sem precedentes, querem saber o que foi feito com o seu dinheiro. A lista de interrogações e suspeitas é longa. Havia dinheiro suficiente? Ele foi bem utilizado ou dorme nos bancos? As ONGs sabem coordenar suas ações? São competentes para se engajar em operações de reconstrução? “É preciso analisar caso por caso”, responde Eric Meyer, professor do Institut National des Langues et Civilisation Orientales (Inalco). Para ele, as ONGs bem organizadas continuam a mostrar eficácia, ao contrário das que tiraram proveito do espetáculo coberto pela mídia. Raramente, no curso de uma crise humanitária, as ONGs foram pressionadas a tal ponto. “Não é possível prestar contas ao final de um mês”,
comunicação está à altura da amplitude midiática do tsunami. No total, foram prometidos 10 bilhões de euros para ajudar os desabrigados. É preciso constatar, porém, que cerca de 90% das doações ainda não foram distribuídas. A Cruz Vermelha francesa, por exemplo, gastou apenas 7 milhões dos 105 milhões de euros recebidos em doações. “Mas nós guardamos mais de 70 milhões de euros para a reconstrução que será feita a partir do fim do ano”, defendese a instituição. “Não há mais muito
dinheiro quando vemos a amplitude das destruições. E esse dinheiro não dorme nos bancos”, garante François Charhon, diretor geral da ONG francesa Fondation de France.
RESPOSTA INSATISFATÓRIA Para Meyer, tudo depende, de fato, de como a ajuda é distribuída. “Muitas iniciativas locais podem ser úteis desde que sejam decididas em conjunto com as comunidades ou com as ONGs, e não aleatoriamente”, afirma.
Jean-Hervé Bradol, presidente dos Médicos Sem Fronteiras, observa que a resposta das ONGs não foi satisfatória: “Nós subestimamos as ajudas locais. Pela primeira vez, são as próprias organizações que mandam suas equipes no lugar de procurar maneiras de utilizar o dinheiro de doadores”. Bradol ainda defende que a reconstrução é de responsabilidade dos Estados e não das ONGs. A Médicos Sem Fronteiras é a única ONG que tem discurso próprio. As outras, se reconhecem que o trabalho de urgência acabou, afirmam que ainda têm o que fazer na Indonésia e no Sri Lanka. “As pessoas têm um abrigo, o que comer ou beber, mas não retomaram suas atividades. Ainda há um trabalho colossal a fazer”, reforça Alain Boinet, presidente da Solidarités. A coordenação dos auxílios é outro importante objeto de discussões. A FAO, organização da ONU encarregada da pesca e agricultura, acaba de denunciar graves erros nos barcos oferecidos – sem conserto nem estudo prévio. “Alguns desses barcos representam uma ameaça e causarão, inevitavelmente, perdas humanas”, declara Jeremy Turner, da FAO. “Há muitos atores humanitários que não são necessariamente especialistas”, constata Jean-François Mattei, presidente da Cruz Vermelha francesa. (Tradução: Gabriel Mitani, L’Humanité, www.humanite.presse.fr, publicação parceira do Brasil de Fato)
A guerra suja na província de Aceh Dominique Bari de Aceh (Indonésia) Com uma população de quatro milhões de pessoas, sendo 98% muçulmanas, a província de Aceh, no extremo noroeste de Sumatra, sempre esteve calada diante de imposições internacionais. Dotada de importantes jazidas de petróleo e de gás, representa um interesse estratégico para o governo da Indonésia. Um sentimento de injustiça, no entanto, nutre a insurreição muçulmana. O Movimento por uma Aceh Livre (GAM) reivindica unilateralmente, desde dezembro de 1976, a independência da província. O movimento, cujo fundador Hassan di Tiro refugia-se em Estocolmo (Suécia), já passou por diversas fases. Sob a ditadura de Suharto, as Forças Armadas lançaram contra o ditador operações repressivas que fizeram cerca de dez mil vítimas. Com a queda de Suharto em 1998, o novo presidente eleito, Wahid, preparou um “estatuto especial de autonomia” que previa um processo de desmilitarização e de concessões religiosas, culminando, no final de 2002, no acordo de cessar-fogo. Mas em maio de 2003 lançou-se uma nova operação para erradicar o GAM. A província passou a ser mantida sob o estado de urgência civil. A repressão foi marcada por numerosos atos de violência dos militares – todavia não punidos. Nesse sentido, Jacarta fez pressão – em vão – à ONU e a Washington para que o GAM fosse inscrito na lista de organizações terroristas, insinuando ligações entre a Al Qaeda e o movimento de Di Tiro. “Nós somos muçulmanos, sim, mas lutamos pela independência, não por um Estado islâmico”, defende-se Di Tiro. O movimento, no entanto, não é homogêneo e os novos comandan-
tes, que surgiram nos anos 90, têm práticas próximas do banditismo. Mesmo sustentando a reivindicação autonomista, grande parte da população de Aceh já não mais agüenta as brutalidades policiais do GAM como o pagamento forçado de impostos, o seqüestro de pessoas e o uso de crianças como soldados.
NEGOCIAÇÕES DE PAZ O tsunami trouxe, paradoxalmente, como conseqüência, a abertura da província de Aceh, pela primeira vez desde 1999, às agências humanitárias internacionais. As forças armadas, por sua vez, decidiram enviar 10 mil homens, chegando a 50 mil o número de militares na área. Tal batalhão seria exclusivamente utilizado para a ajuda humanitária. Mas as operações contra o GAM, que afirma garantir “a segurança e um acesso livre a todos os trabalhadores humanitários internacionais”, não cessaram desde a catástrofe. Ambas as partes prometeram dar trégua sem jamais a respeitar. Desde janeiro acontecem as negociações de paz em Helsinque, na Finlândia, presididas pelo antigo presidente finlandês Martti Ahtisaari. O GAM e o governo de Jacarta vão se reencontrar na capital finlandesa dia 12 de julho para o quinto ciclo de discussões. Muitos especialistas, porém, não acreditam na vontade da Indonésia de dialogar com o movimento. “As Forças Armadas são radicalmente contra a idéia porque estão convencidas de que discuti-la seria um sinal de fracasso, pois daria ao GAM um legítimo reconhecimento e aniquilaria todos os esforços para esmagar a força da rebelião”, avalia Sidney Jones, responsável pela International Crisis Group (ICG) em Jacarta. (Tradução: Gabriel Mitani, L’Humanité)
Tiago Soares de São Paulo (SP) O economista Milton Friedman é dono de um Nobel e de teorias controversas. Purista, ferrenho defensor da liberalização econômica e entusiasta de primeira hora dos supostos poderes mágicos do livremercado, Friedman notabilizou-se como pilar de um redivivo laissezfaire que, rebatizado “neoliberalismo”, abriu caminho globo afora no fim do último século. A Friedman costuma-se, também, atribuir aquela que seria a cabal revelação sobre a natureza dos homens e das refeições, sintetizada na idéia segundo a qual “não existe almoço grátis”. Embora alguns defendam não ser do economista a autoria da frase, Friedman não perde o mérito de ter sido o primeiro a colocá-la em contexto. Num mundo de relações mediadas pelo mercado, a consciência moral torna-se artigo de luxo. E, às supostas bondades, acabam atrelados, sempre, objetivos algo nebulosos. Que o diga estudo recente da organização não-governamental ActionAid.
MALABARISMOS CONTÁBEIS O relatório, intitulado “Real Aid” (Auxílio Real, em português), mostra as brechas através das quais boa parte do dinheiro “cedido” aos países pobres pelas nações ricas acaba sumindo. Não é incomum, por exemplo, que os países do Norte condicionem às verbas que oferecem a aquisição de produtos e serviços de suas corporações, bem como ao trabalho superfaturado de técnicos estrangeiros. Medidas que, pelo cálculo dos responsáveis pelo estudo, comeriam nada mais, nada menos, que 25% de todo o dinheiro doado. “É absurdamente grande o auxílio guiado por motivos comerciais ou geopolíticos, não levando em conta esforços em defesa dos direitos das populações pobres”, lembram os autores do relatório, Patrick Watt e Romilly Greenhill.
CMI
Relatório da Action Aid denuncia ajuda fantasma
Países do Norte atrelam ajuda humanitária a interesses das transnacionais
Mas não param por aí os dispositivos responsáveis pelo sumiço de um auxílio que, bilionário, teria alcançado em 2003 (ano esmiuçado no estudo) cerca de 69 bilhões de dólares. Uma falta de foco claro, somada aos custos transacionais e administrativos das verbas de auxílio, seria responsável pelo desperdício de cerca de 21% de todo o montante. Como se isso fosse pouco, existe também o fato de cerca de 16% dessa suposta ajuda nunca ter sequer visto a luz do dia: tratar-se-ia, na verdade, do dinheiro do abatimento das dívidas de países pobres e de gastos com refugiados. Descontados todos os gargalos, apenas 39% do total oferecido para o combate à miséria chegariam, efetivamente, aos necessitados.
Essa quantia, já carcomida quando nas mãos dos países necessitados, volta de vez para o bolso dos doadores na maré de dinheiro que, a cada ano, segue do Sul rumo ao Norte. Enquanto, em 2003, a totalidade do auxílio do Norte para o Sul foi de 69 bilhões de dólares (61% dos quais “fantasma”, é bom lembrar), o capital a fazer o sentido contrário no mesmo período foi, somado o fluxo do mercado de capitais e as perdas com medidas comerciais injustas (dumping, barreiras tarifárias e não-tarifárias etc.), da exorbitante ordem de 310 bilhões de dólares. Uma matemática que, resvalando no inacreditável, acaba perigosamente próxima do cruel. (Planeta Porto Alegre, www.planetaportoalegre.net)
PAÍSES MAIS AFETADOS PELO TSUNAMI
Lugares com maior número de vítimas
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CULTURA
De 7 a 13 de julho de 2005
CINEMA
Pela tolerância entre Oriente e Ocidente Ciclo de cinema debate a construção imperialista do paradigma oposicionista entre as duas culturas de se compreender sem a imagem do árabe”. Além de teórico, Said era também um ativista da causa palestina. Farah lembra que o intelectual sempre enfatizava que o verdadeiro combate dos palestinos é a reivindicação de ter a sua história coletiva contra uma tentativa sistemática de destruir sua memória. Uma de suas principais lutas era para que os refugiados (hoje, quatro milhões) tivessem direito de voltar às terras das quais foram expulsos em 1948, 1967 e 1982. Farah citou um trecho de entrevista que fez com o intelectual, em 2001: “Os campos de refugiados que deveriam ser provisórios existem há mais de cinqüenta anos. Ninguém tem como sina ser refugiado de um exército de ocupação. É preciso abusar menos da retórica do diálogo e falar em autodeterminação e igualdade. Vamos aos atos”, dizia Said.
Arturo Hartmann
Arturo Hartmann e Soraya Misleh de São Paulo (SP)
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IMPERIALISMOS Ciclo de Cinema Cultura Árabe em debate abordou a obra de Edward Said (no detalhe) e a invasão do Iraque
sediado na cidade de Córdoba. Ibn Rushd questiona as leis do Estado baseadas no islamismo e também critica e luta contra grupos religiosos fundamentalistas influenciados pelo discurso de seitas místiArquivo Brasil de Fato
olítica, sociedade, guerras, religião e a condição da mulher foram alguns dos assuntos tratados no ciclo de cinema “Cultura Árabe”, realizado nos dias 24 de junho e 3 de julho, promovido pelo Instituto da Cultura Árabe, em parceria com o Centro Cultural São Paulo. Os debates e os filmes exibidos abordaram uma cultura que parece distante e desconhecida, mas que faz parte daquilo que chamamos de América Latina. A influência árabe aconteceu em tempos mais recentes com a vinda de imigrantes que se espalharam pelo continente no século 20. No Brasil, principalmente, sírios e libaneses. Mais antigamente, os árabes enraizaram parte de sua cultura nas regiões que colonizariam a América Latina, quando habitaram regiões da Península Ibérica. E é na Península Ibérica, em algum momento do século 12, que se passa a história do filme O destino. A obra do diretor egípcio Youssef Chahine retrata a trajetória do filósofo andaluzo Averrois (Ibn Rushd pela fonética árabe), juiz durante o califado de Al-Mansur, no filme,
cas. Para o filósofo Miguel Attie, a luta que atravessa todo o filme é a oposição da razão, representada em Averrois, contra dois níveis de desrazão. “De um lado, o da mística, representado pela seita, e por outro, a do poder e da política, precisamente na interpretação de algumas escolas jurídicas mais ortodoxas que retiram do livro revelado a legislação que possa organizar e fazer justiça na sociedade”.
ORIENTALISMO Andrea Piccini, orientador em Arte e Arquitetura árabes na Universidade de São Paulo, explica como o filme retrata a transferência da cultura árabe para a Europa: “Essa riqueza pode ser vista na arquitetura, decoração, literatura e até em utensílios domésticos”. Nesse contexto, Attie aponta que é preciso desconstruir o paradigma da oposição Oriente/Ocidente. O intelectual que criticou de
maneira mais contundente a separação construída entre Ocidente e Oriente como dois mundos incapazes de interagir foi o escritor palestino Edward Said. Sua grande obra, Orientalismo, mostra como o segundo é uma construção teórica reducionista do primeiro, composta por estereótipos e imagens que retratam o árabe como sensual, vicioso, tirânico, retrógrado e preguiçoso. Assim, cristaliza-se uma cultura homogênea ocidental, representação que tem o objetivo de dominação. O professor de Literatura Árabe da USP, Paulo Farah, e o sociólogo Emir Sader debateram o documentário Selves and Others: a portrait of Edward Said, um retrato do intelectual palestino pouco antes de sua morte. Para Sader, “Said deu uma contribuição fundamental para entender a hegemonia do imperialismo contemporâneo, impossível
Essa diferença incompatível de culturas construída pelo Ocidente sempre foi acompanhada por incursões armadas contra os países árabes. A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo, que retrata a luta que levou à independência da Argélia dos franceses, em 1962, é um exemplo da dominação colonialista sobre o mundo árabe até metade do século 20, realizada por França e Inglaterra. Mais recentemente, o exemplo da guerra no Iraque mostra a substituição da Europa pelos Estados Unidos como potência imperialista na região. Attie, ao comentar O Destino, lembra que o século 12 era uma época em que os árabes faziam ciência: “Hoje a nossa realidade é outra. Mas uma coisa nos consola, pode ser nossa esperança. O mundo árabe continua a produzir idéias e espalhá-las. Talvez a única coisa de que o árabe contemporâneo possa se orgulhar é ainda ter voz que tente produzir saber e arte”. (Colaborou Áurea Santos)
MÚSICA
A revolução cubana em versão infantil A cultura é uma das principais armas para manter os valores da revolução cubana. Iniciada em 1959, a revolução está sob ataque constante do governo dos Estados Unidos, que tenta acabar com a experiência socialista da ilha caribenha. Segundo o cantor Kiki Corona, em entrevista ao Brasil de Fato, a cultura é um dos campos de disputa entre a revolução e o império. “O artista comprometido com a mudança tem que resistir e encontrar um espaço alternativo nisso tudo. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de tentar só porque é difícil”, comenta. Corona esteve no Brasil, em junho, a convite de entidades brasileiras. Ele espera traduzir para o português alguns de seus discos, principalmente os de música infantil, que o consagraram em Cuba. Enquanto esteve no Brasil, foi apelidado de “Chico Buarque cubano”, por causa do tom politizado de suas letras. Brasil de Fato – Sua música é diretamente associada aos valores da revolução cubana. Ao mesmo tempo, não é panfletária. Fala de sentimentos, princípios. Que tipo de música você faz? Kiki Corona – Para nós, a cultura não está desligada da política. É uma arma fundamental de nossa proposta social. Por meio da
música, teatro, literatura e artes plásticas, transmitimos uma mensagem sobre a experiência de nosso país. Para os cubanos, os melhores embaixadores de nossa condição humana são os artistas. Em meu caso, sou um compositor de músicas e, como ocorre em todos os países do mundo, não escapo de ser um cronista social. Transmito a alegria e a solidariedade que partilho com meu povo. BF – Você navega por diferentes correntes musicais. Das mais tradicionais às mais experimentais, visando os públicos mais diversos. Como isso se vincula aos princípios da revolução? Corona – Somos um país rico em mistura cultural. As influências que recebemos vêm de diversos países e grupos. Temos uma riqueza cultural de fácil acesso. Para um artista, não há maior riqueza do que essa. Podemos contar nossa história com gêneros e cores diferentes. Além disso, vivemos na América Latina, continente cheio de vida. Todo latino-americano é um exímio observador. Essas características latino-americanas e a riqueza de fontes que temos, como formação gratuita, são a chave de nossa produção cultural. Também entra o fato de termos algo a dizer aos seres humanos nesse princípio de século 21. Temos uma experiência para contar. Por meio da
multiplicidade de cores e sons, contamos aos povos latino-americanos o modo como solucionamos os problemas. Pelas artes, nosso continente busca incansavelmente soluções para dificuldades. A cultura é a ponta de lança dos que defendem um outro mundo possível. Cultura tem a ver com repensar a conduta do ser humano. BF – Em Cuba, você se tornou muito conhecido por suas músicas infantis. Por que se voltar especificamente para as crianças? Corona – Nunca havia imaginado que minhas músicas infantis fossem ter tanto sucesso. Não foi meu objetivo fundamental. No início, comecei a produzir essas músicas porque estava muito feliz. Na linguagem, tentei transmitir cores mais elementares, simplificando as palavras, mas mantendo a profundidade. Ouvir música é um experiência de transcendência, inclusive para as crianças. No entanto, uma criança de 5 ou 8 anos não alcança isso do mesmo modo que um adulto. É preciso mudar o texto, os desenhos que a música sugere. A música para crianças não pode ser vista como um negócio, que é a visão dominante. Para mim, é o contrário, é o compositor que paga um tributo às crianças, à sua pureza. BF – No Brasil, a música para crianças é mais voltada ao en-
tretenimento do que à cultura. É contra isso que você luta? Corona – As crianças vêem violência na televisão, dançam na boca da garrafa. O artista comprometido com a mudança tem que resistir e encontrar um espaço alternativo nisso tudo. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de tentar só porque é difícil. Em Cuba, a indústria do entretenimento também tenta colonizar a mente das crianças. E nós lutamos, tentamos vencer. O importante é não deixar de lutar. BF – Como são as músicas para crianças que você faz? Corona – Acredito que sejam mais instintivas. Não tem uma receita pronta. Tem que trazer elementos para que a criança construa para si mesma um mundo fantástico. Precisa estimular a imaginação. Não pode trazer respostas prontas, mas perguntas que cativem e estimulem. As crianças têm seu próprio gosto estético, e o artista tem que entender isso. Pintar com as cores das crianças. Cada idade tem uma percepção da cultura. Não é bom cortar etapas. A cultura se ensina e se aprende. BF – Você pensa em traduzir suas músicas para o português? Corona – Penso, sim. As crianças cubanas, brasileiras e latinoamericanas têm muito em comum. A sensibilidade é parecida.
É preciso mudar o texto, mas não a essência da música. Espero que cantores brasileiros se apropriem de minhas músicas.
Luciney Martins
João Alexandre Peschanski da Redação
Quem é Nascido em Havana, capital cubana, em 1960, Enrique “Kiki” Corona começou a estudar música com 12 anos. Ainda adolescente, se envolveu com o Movimento da Nova Trova, que revoluciona a produção musical cubana ao unir elementos clássicos da cultura de Cuba com populares. Em 1988, Corona faz turnês por toda sua ilha natal, tornando-se um dos músicos mais famosos do país. Suas músicas infantis, conhecidas como “Cantigas para você”, são um sucesso em Cuba.