Ano 3 • Número 125
R$ 2,00 São Paulo • De 21 a 27 de julho de 2005
Presidente Lula culpa o PT pela crise P
• A esquerda sofre o maior abalo de sua história • Só uma ruptura pode mudar rumos da economia Norberto Duarte
Terra improdutiva – Trabalhadores rurais de Puerto Casado marcham 160 km até Assunção, capital do Paraguai, para cobrar do Congresso projeto de expropriação das terras da seita do reverendo Sun Myung Moon. Com 600 mil hectares, é o maior latifúndio improdutivo do país e situado numa região estratégica, o Aqüífero Guarani
Soldados massacram famílias em ação no Haiti Nelson e Stanley Romelus, de 1 e 4 anos, foram assassinados ao lado de sua mãe, Sonia, de 22 anos, dia 6 de julho, quando cerca de 350 soldados da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) participaram de uma operação em Cité Soleil, na capital haitiana Porto Príncipe. O objetivo era assassinar um líder do grupo Lavalas, que
apóia o ex-presidente JeanBertrand Aristide, deposto em fevereiro de 2004. O resultado foi o massacre de pelo menos 23 pessoas, mortas em suas casas, nas ruas e em seus locais de trabalho, mesmo estando desarmadas. Em repúdio ao ataque, estão sendo organizados, para o dia 21, protestos simultâneos em diversos países. Pág. 9
Marlene Bergamo/ Folha Imagem
ara mostrar que o presidente da República não tem nada a ver com o PT, partido do governo, Luiz Inácio Lula da Silva declarou, em entrevista dada em Paris, na semana passada, “que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo”. Ele se referia à antiga cúpula do PT. Protegido pelo aumento de sua popularidade, Lula tenta se eximir de qualquer responsabilidade pela corrupção de que são suspeitos ex-integrantes da direção do PT e do governo. Seja como for, a crise do PT é a mais grave da história da esquerda brasileira, por envolver, também, frouxidão de princípios e distanciamento do povo, analisa César Benjamin, do Movimento Consulta Popular. Por outro lado, setores sociais críticos da política econômica não apenas provam a perversidade de propostas ortodoxas como a de zerar o déficit público nominal, como apontam alternativas à receita neoliberal, mas cuja implementação implica no rompimento do modelo abraçado pelo governo Lula. Págs. 2, 3, 7 e 8
Referendo do desarmamento inclui povo na política
Cultura do fumo escraviza e contamina solo A serviço dos interesses de transnacionais fumageiras, grupos políticos conseguem o adiamento da ratificação brasileira à Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, que já foi sancionada por 70 países. Pesquisa realizada pela organização não governamental Terra dos Direitos aponta, nas grandes produções de fumo, um sistema de trabalho que muitas vezes leva o grupo familiar a sobrecarregar sua força de trabalho, envolvendo crianças, adolescentes e idosos. Sem falar nos impactos ambientais causados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos nas regiões fumageiras: grande número de casos de intoxicações e contaminação de solos e águas. Pág. 6
vai decidir pela proibição ou não do comércio de armas de fogo. Para além dos benefícios da consulta em si, a matéria pode ser um importante passo para enfrentar a violência. Segundo as Nações Unidas, o brasileiro tem três vezes mais chance de morrer por um tiro que qualquer outro cidadão do mundo. Pág. 5 Marcio Baraldi
“A democracia direta é o melhor antídoto contra a corrupção: é muito fácil corromper poucas pessoas, é mais difícil corromper algumas, mas é impossível corromper toda uma população.” O raciocínio é do professor Fábio Comparato, que comemora a realização de um referendo, dia 23 de outubro, em que o povo brasileiro
Sede de Justiça – Reunidos na Praça da Sé, representantes de igrejas, movimentos sociais e organizações de defesa dos direitos humanos reivindicam apuração das chacinas ocorridas na periferia e no centro da cidade de São Paulo.
Países andinos buscam mais integração Pág. 9
G-4 busca apoio Lei ainda de africanos na encoberta crimes reforma da ONU da ditadura Pág. 12
Bush favorece petroleira dos EUA no Iraque De modo ilícito, o presidente estadunidense, George W. Bush, favoreceu empresas como a transnacional Halliburton na exploração do petróleo iraquiano. A denúncia consta do relatório Houston, we still have a problem (do inglês, Houston, ainda temos um problema), elaborado por entidades dos Estados Unidos. Segundo o documento, antes mesmo do início dos ataques dos EUA ao Iraque, em março de 2003, representantes do governo estadunidense e da Halliburton haviam se reunido para definir a estratégia da exploração do petróleo no país. A partir de então, a transnacional foi beneficiada com contratos e lucrou bilhões de dólares. Pág. 11
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E mais: INDÍGENAS – Entidades fazem denúncia na ONU pedindo apuração de assassinatos e punição dos culpados. Pág. 4 COLÔMBIA – Orlando Chaves analisa o surgimento das guerrilhas no país, fruto de um acordo das elites de alternância no poder. Pág. 10 LITERATURA – Na capital paulista, escritores, poetas e leitores discutem a “nova” literatura brasileira, na primeira edição da FLAP! Pág. 16
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De 21 a 27 de julho de 2005
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretária de redação: Thais Arbex Pinhata 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ
NOSSA OPINIÃO
A refundação da esquerda
P
erplexidade é a palavra que explica a atual sensação dos setores mais conscientes da luta popular. Não são apenas os escândalos nos altos escalões do poder que chocam. Na política institucional, corrupção e promiscuidade sempre foram métodos usados pelas elites. Mas o que choca profundamente é o envolvimento de dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT) em esquemas espúrios e ilegais. Devemos encarar a verdade. Desde os anos 90, a cúpula petista aplica uma linha política que prioriza a chegada ao governo. Dirigentes partidários e sindicais se acostumaram a manejar vultosos recursos de origem duvidosa. As campanhas eleitorais se tornaram cada vez mais caras. Foram estabelecidas relações promíscuas com empresas, empreiteiras e bancos. O uso de recursos sem os procedimentos legais deu margem a todo tipo de manipulação de interesses de grupos, de correntes, de pessoas, chegando até a casos de enriquecimento ilícito. Um método que, infelizmente, obteve grande êxito na esquerda, arregimentou cumplicidades e, por isso, se disseminou. É um fato grave: de força social de contestação, que sempre foi, setores da esquerda brasileira, por alguns de seus principais dirigentes, transformaram-se em força de sustentação da ordem, nela se integrando pelos piores caminhos. E, contrariando a vontade da população
pobre, fez-se alianças com os setores conservadores e reacionários. A crise atual é muito grave, porque abala o principal patrimônio da esquerda: os valores. E o PT, como ferramenta da transformação, provavelmente não sobreviverá a essa crise. Portanto, a perspectiva de discutir a “Refundação da Esquerda” deixa de ser vista como uma pretensão arrogante para se transformar numa exigência imediata, cada vez mais compreendida pelos ativistas e militantes. As análises de conjuntura deixam de ser leituras factuais, imediatistas e passam a enfrentar temas estratégicos. Oferecendo saída concreta para essa grave crise, os movimentos sociais publicaram, em 21 de junho, a Carta ao Povo Brasileiro. O documento exige mudanças políticas para priorizar as necessidades do povo e construir um novo modelo de desenvolvimento. Foi o último esforço dos setores populares para resgatar as promessas de campanha. A esse apelo, o governo se fingiu de surdo e aprofundou as velhas práticas, como alianças com forças conservadoras e uma política econômica em benefício das elites. Ao fazer essa opção rompeo com as forças sociais. Neste momento, a esquerda se vê diante de dois desafios: recuperar a firmeza dos princípios que sempre norteou sua ação e estabelecer um programa mínimo para aglutinar as
forças sociais comprometidas com a criação de um projeto alternativo de desenvolvimento para o Brasil. A crise pode ser o momento inaugural de um novo projeto e de uma nova esperança. Para isso, é preciso que as forças sociais de esquerda, comprometidas com a transformação social, dialoguem. Com humildade e generosidade, devemos reconhecer que não é hora de acentuar diferenças, mas fortalecer os pontos comuns. Sem isso não retomaremos as mobilizações. Devemos promover um amplo debate sobre a necessidade de um projeto para o país. Um projeto que esteja centrado no atendimento às necessidades da população e ao cumprimento dos direitos sociais fundamentais, tais como trabalho, terra, moradia, renda e cultura. Um projeto que incorpore mudanças radicais nas formas de representação partidária e política, garantindo ao povo o direito à democracia direta, bem como outras formas de participação na vida política do país, tais como a aprovação do direito do exercício do plebiscito e da revogação de mandatos, por iniciativa popular. Todas as organizações do povo brasileiro, lutadores e lutadoras do povo, intelectuais, personalidades da vida pública e da cultura, estão convocados a se somar nesse esforço. Pode ser este o marco inicial de uma nova etapa da esquerda brasileira.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES SOLIDARIEDADE A CUBA Gostaria de parabenizar a equipe envolvida neste grande trabalho de informação que contribui para a construção de um projeto popular para o Brasil. Nesse sentido, é um grande mérito do jornal dedicar análises aos problemas do povo da África, da América Latina (especialmente com o excelente trabalho da repórter Cláudia Jardim, na Venezuela) e das lutas populares em regiões que sofrem com as agressões das transnacionais e de governos invasores. O Brasil de Fato apoiou a realização da “13ª Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba - Encontro por uma América Livre”, realizada em São Paulo, tendo sido, praticamente, o único jornal presente ao encontro. Mas, a meu ver, poderia ter dedicado mais atenção ao debate. Isso porque os debatedores trouxeram informações e argumentos que a imprensa a serviço do capital ignora e oculta da população. Na entrevista com o compositor cubano Kiki Corona, edição 123, diferentemente do informado, Corona esteve no Brasil a convite do Consulado de Cuba em São Paulo e não a convite de entidades brasileiras. Thomaz Ferreira Jensen por correio eletrônico CHICO DE OLIVEIRA Sinto um profundo respeito pelo professor Francisco de Oliveira, pois se trata de um dos maiores intelectuais do país. Homem de pensamento, desde o início foi um crítico incisivo dos rumos tomados pelo governo Lula. Não raramente leio seus artigos publicados na grande imprensa, de onde retiro argumentos de extrema acuidade quanto à conjuntura na qual vivemos. Discordo,
porém, e de maneira veemente, da maneira a la Paulo Francis como o professor tem se expressado em relação às principais figuras do governo e do PT. Chamar o presidente Lula de “fraude” e de “mau-caráter”, como ele fez na entrevista veiculada no Brasil de Fato é um total desserviço ao chamado debate de idéias. Não obstante tais procedimentos nos lembrarem do nefasto método do referido jornalista, trata-se de uma verborragia totalmente desrespeitosa. Compreendo a amargura do professor, e em muito concordo com ele, mas daí a caluniar o “companheiro” Lula (que, ainda que tenha optado por um viés conservador na condução de seu governo, é a única alternativa de esquerda viável nesse país) já é exagero. Rodrigo Ferreira por correio eletrônico Na entrevista de Chico de Oliveira, tanto na versão impressa quanto na digital faltou uma informação (imagino que uma data ou um evento) na seguinte frase: “Os militares tinham um projeto de país conformado dentro de um projeto de potência. O projeto popular e democrático morreu em .” Além disso, também não foi informado quando e por quê Chico de Oliveira saiu do PT. William Rosa Alves por correio eletrônico Escrevo para parabenizar Anamarcia Vainsencher e Tatiana Merlino, que fizeram uma lindíssima entrevista com Chico de Oliveira sobre o estado atual do PT . Jô Azevedo por correio eletrônico
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CRÔNICA
E agora, Robinho? Luiz Ricardo Leitão Triste sina a dos seres humanos, quando se deixam enganar pelas falácias dos sofistas de plantão. O prudente Ulisses, para não ser atraído pelas sedutoras sereias (um símbolo mitológico das emboscadas advindas de desejos e paixões), ordenou aos marujos que o amarrassem ao mastro de seu navio e, assim, pôde ouvir o mavioso canto, mas escapou incólume à doce tentação. Seus homens, cujos ouvidos foram tapados com cera, nem sequer padeceram os riscos do herói – quantos outros, porém, não tiveram suas naus destroçadas e acabaram devorados pelas formosas criaturas? Os ardis narrados por Homero na Odisséia parecem renovar-se ao longo da história. Para os senhores de todas as eras, o poder jamais estará restrito ao plano econômico, político e militar. É preciso controlar, também, o imaginário coletivo e, se possível, diluir a imaginação criadora dos povos com a sutil propaganda das fábricas de ilusões. A ideologia burguesa, em particular, serve-se habilmente dessa vocação “adolescente” da espécie, ciente de que o princípio do prazer sempre será mais atraente do que as duras lições da realidade. Quase todos querem acreditar que as vestes do soberano são as mais belas do mundo, até que um dia, advertidos por um grito infantil lúcido e inocen-
te, subitamente descobrem que o seu rei está nu... É claro que em tempos de crise reanima-se o comércio das ilusões. A indústria cultural capitalista sempre soube explorar esse fenômeno. Nunca se editaram tantos livros de “auto-ajuda” e esoterismo de butique como se vê agora. E até mesmo culturas milenares de populações autóctones são travestidas em fetiches mercadológicos, como as práticas do xamanismo ou os ritos das religiões orientais. Decerto, ninguém supera os meios de comunicação na arte de iludir – e quem assiste à programação noturna da Vênus platinada sabe ao que estou me referindo: quando a vida política nacional se converte em um melodrama imprevisível, exibido em capítulos diários na hora do jantar, quem saberá dizer o que é ficção ou realidade neste reino de telenovelas neoliberalmente globalizadas? Bem que o cronista poderia deter-se nas trôpegas trapalhadas de Lula & cia, a fim de arrematar estas fortuitas digressões, mas, na verdade, quem o inspirou foi um menino lépido e faceiro, que hoje ocupa as manchetes dos principais jornais de Pindorama, eleito pelos cronistas o melhor jogador em atividade no país. Em meio à sua negociação com o poderoso Real Madrid, a Meca do milionário futebol europeu, as declarações concedidas pelo adolescente
têm sido uma preciosa lição daquilo que Brecht, com rara precisão, classificou de “analfabetismo político”. O leitor por certo já viu ou escutou Robinho declarar que preferia jogar na Europa, porque lá a sua família teria muito mais “segurança” do que no Brasil – como se porventura o Velho Mundo fosse uma ilha de paz e tranqüilidade, sem constantes agressões racistas aos atletas e imigrantes do III Mundo, sem ruidosos protestos contra a pobreza e a exclusão social, nem tampouco violentos atentados terroristas contra a servil subscrição da União Européia à ocupação neocolonial do Iraque. Lá vai ele, tolo e serelepe, rumo à Espanha, convicto de que um “profissional” deve estar onde houver mais dólares ou euros. Talvez ganhe rios de dinheiro e depois regresse à pátria para abrir uma ONG em algum bairro miserável de Santos, para “salvar outros Robinhos da violência e das drogas”... E assim, graças à sua arte, a roda do futebol espetacular seguirá moendo as ilusões de novos Macunaímas, netos da Mãe África que não deixam de sonhar com o transatlântico europeu... Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana
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De 21 a 27 de julho de 2005
NACIONAL CRISE
Lula descola sua imagem da do PT Marcelo Netto Rodrigues da Redação
Agência Brasil
Presidente se exime de responsabilidade com a crise; Delúbio e Valério assumem empréstimos em depoimentos
Chico Alencar “O Lula estava em Paris, e qualquer bom senso recomendaria que ele não tivesse nenhum contato com estas figuras (ao responder a possibilidade de Lula ter combinado a linha das declarações com Delúbio e Valério).”
F
rei Betto ao ser perguntado, mês passado, pelo Brasil de Fato se o presidente Lula poderia ser seduzido a se afastar gradativamente do Partido dos Trabalhadores (PT) respondeu: “Quanto maior for a distância de Lula do PT, menor será o caminho político tanto do PT quanto do presidente”. Na semana passada, estimulado por recente pesquisa que indica que seu desempenho pessoal como presidente cresceu durante a crise, Lula mostrou que pensa o contrário. Em Paris, no dia 14, em entrevista incomum (vendida com exclusividade à TV Globo por uma desconhecida jornalista brasileira), o presidente afastou ainda mais a sua imagem (pelo menos, temporariamente) da do partido que ajudou a criar e ao qual chamou de “filho”. De olho em sua sobrevivência política, Lula disse - na primeira vez que fala abertamente sobre a crise - “que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo”, referindo-se à antiga cúpula do partido. “Depois que eu virei presidente da República, eu não pude mais participar das direções do PT”, concluiu, eximindo-se de qualquer culpa em relação às acusações de corrupção levantadas contra ex-membros da executiva nacional do partido.
NO BRASIL Enquanto isso, no Brasil, o extesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o publicitário Marcos Valério davam versões idênticas em entrevistas diferentes, mas também exclusivas à TV Globo (reproduzindo depoimentos que ambos deram espontaneamente à Procuradoria Geral da República) sobre o chamado “mensalão” - expediente
“Não só Lula está afastando a imagem dele do PT, como dele próprio do Campo Majoritário. São estratégias de sobrevivência compreensíveis.” “Tenho a convicção de que o Lula não tinha conhecimento da captação de recursos, muito menos, que já como presidente da República, tenha apoiado a compra de deputados.” Declarações do presidente Lula respaldam as de Valério e Delúbio
que, segundo eles, seria a quitação de dívidas de campanha, mediante saques de dinheiro por pessoas do PT e da base aliada. Em suma, ambos assumiram que Valério, através de suas empresas, a pedido de Delúbio, desde 2003, obtinha empréstimos em bancos para o PT saldar suas dívidas de campanha e a de partidos coligados. Mas com um detalhe: a única exceção teria sido a campanha de Lula à presidência, que teria contado apenas com recursos legais. Além disso, descobriu-se também que Valério, às vezes, incluía contratos assinados com o governo federal como garantia para os empréstimos tomados. Tais recursos não contabilizados para campanhas (o “caixa 2”), repassados por Valério ao PT, chegam a R$ 39 milhões, e a prática pode ser tratada como crime eleitoral. Mesmo assim, os repasses não foram suficientes, a dívida do PT atinge ainda hoje R$120 milhões. “O que o PT fez do ponto de vis-
ta eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente”, afirmou Lula na entrevista de Paris, tentando respaldar as declarações simultâneas de Valério e Delúbio. Por outro lado, Lula não evitou queimar quem já está chamuscado. “Houve um tempo em que os melhores quadros da política de esquerda no Brasil eram dirigentes do PT. E depois que nós ganhamos prefeituras, ganhamos governos estaduais, elegemos muitos deputados e eu ganhei a Presidência, grande parte desses quadros do PT vieram para o governo. E a direção ficou muito fragilizada, ficou muito enfraquecida. Possivelmente, por isso, tenhamos cometido erros que outrora não cometeríamos”, declarou. Nos quadros ao lado, Plinio Arruda Sampaio, um dos sete candidatos à presidência do PT, na eleição de setembro, e o deputado federal Chico Alencar (PT-RJ) comentam as declarações de Lula e o futuro do PT.
“Mensalão como uma mesada para 80 a 100 deputados, mês após mês, durante mais de dois anos, acho improvável porque vazaria, geraria ciúmes. Mas, para mudar de partido, ganhar alguma ajuda para campanha, acho mais provável, mas tudo tem que ser investigado.” “Por que o Lula não consegue trabalhar mais com as pessoas mais próximas? Betto, Graziano, Kotscho, Olívio? Porque são pessoas com uma história de vida muito comprometida com as mudanças e sentiam que suas propostas não tinham eco.”
Plinio Arruda Sampaio “O problema da entrevista é que Lula reforça uma idéia que a mídia conservadora tenta passar: a de que uma coisa é Lula, outra coisa é o PT.” “Ele coloca o PT como um filho querido, que cometeu erros que ele vai resolver, o que é paternalismo. A imagem do filho não foi feliz, embora também tenha a conotação do extremo carinho, da extrema amizade. É uma frase ambígua que reforça a tendência da mídia conservadora em demonizar o PT.” “A observação de que o partido está esvaziado foi muito descortês com os companheiros que ficaram no partido.” “Na medida em que minha candidatura gerar uma nova maioria no PT, certamente o partido terá influência no governo. É uma esperança militante (referindo-se ao nome de sua chapa).” “Por que o Lula não consegue trabalhar mais com as pessoas mais próximas? Porque o PT é um partido da transformação social e o governo não é um governo da transformação social. Isso obviamente cria contradições muito fortes que se rebatem nestas pessoas que têm um compromisso histórico.”
“Se o Plínio ganhar? É a nossa chance de resgatar o PT. Claro que respeito muito as forças que o Raul Pont representa, mesmo o Valter Pomar.”
“O Olívio Dutra saiu? Quem vai para o lugar?Márcio Fortes indicado por Severino Cavalcanti? Afe Maria, que absurdo (...) eu vejo com muita tristeza. É mais um fundador do partido que é alijado do governo.”
“Se o Campo Majoritário, depois dessa hecatombe, continuar majoritário, é sinal de que a força da máquina é maior do que a consciência dos filiados e aí o PT que a gente fundou e construiu já não existirá mais.”
“Se não houver entre o líder popular e a massa um partido orgânico, ao qual o presidente responda, o risco é uma relação direta do tipo populismo clássico o que é um retrocesso na história política do país.”
POLÍTICA ECONÔMICA
Igor Ojeda, da Redação Lula deve romper com o capital especulativo e se aliar ao povo. A sugestão está implícita nos dez pontos de mudança na política econômica feitas por um grupo de intelectuais insatisfeitos com a atual ortodoxia do governo. No dia 25 de julho, um documento completo sobre o assunto deve ser lançado no Rio de Janeiro. Segundo Paulo Passarinho, coordenador-geral do Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro, os dez pontos (v. quadro) contemplam questões que vêm amadurecendo nesses 2,5 anos de governo do PT, e que apontam para um mesmo rumo: uma política econômica que rompa com os três alicerces do modelo neoliberal: o regime cambial, as altas taxas de juros e o elevado superávit primário. “Propomos um modelo voltado para a geração de empregos e distribuição da renda. O objetivo é construir no Brasil uma economia baseada num mercado de consumo de massas, onde todos os agentes econômicos sejam incentivados a investir produtivamente e internamente, sem que isso signifique uma participação mais fraca no mercado internacional”, explica Passarinho, destacando que o fortalecimento externo depende, antes de tudo, de um mercado interno bem consolidado. “Isso foi feito por países como EUA, Alemanha e Japão”, acrescenta.
VIRADA Para Rodrigo Ávila, coordenador da Rede Jubileu Sul, a hipotética implementação das mudanças
propostas por Lula representaria uma aproximação do governo com os movimentos sociais. “Hoje, não há uma política voltada para o povo, com a grande massa na rua. De certa forma, a aplicação das sugestões refletiria uma virada nesse jogo, com uma participação popular importante”, diz. Nildo Ouriques, economista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), acrescenta que esta seria a única maneira de o governo Lula sair da crise, que define como resultado de suas opções estratégicas. Aceitando as propostas, Lula mostraria claramente à população uma ruptura com o capital em benefício do social.
OPÇÕES “Aí teremos a presença do povo na política. Caso contrário, os movimentos sociais ficarão acuados e a população assistirá o fim do governo pela televisão. Só há uma possibilidade: ou o presidente chama o povo, ou afunda sem ele”, alerta Ouriques. Para Passarinho, a lógica é inversa, pois só com o povo seria possível a implementação de um novo modelo econômico. “Seria necessário um conjunto de mudanças legislativas, e o governo deveria convocar o povo para pressionar e exigir as mudanças no Congresso”, avalia. Um novo modelo econômico, além de tudo, ajudaria também a inibir a corrupção, prática inerente ao neoliberalismo. “O núcleo da corrupção não tem nada a ver com o petismo ou o tucanato. A relação é óbvia, embora todos estejam ocultando. O caráter destrutivo de
Antonio Cruz/ABR
Alternativas há. É só querer
O presidente Lula dá posse ao ministro do da Coordenação Política, Jaques Wagner (à esquerda)
uma política econômica neoliberal impõe um padrão competitivo entre as empresas em que o esquema da corrupção junto ao Estado é um elemento decisivo na concorrência entre elas”, afirma Ouriques, da UFSC. Rodrigo Ávila acrescenta às propostas mais uma sugestão: a tributação das grandes fortunas. No entanto, praticamente não existe a possibilidade de Lula adotar quaisquer das propostas de mudança do modelo. “Não somos ingênuos. Ele sinaliza de maneira muito clara que dará continuidade à sua política neoliberal. A prova disso é a proposta do déficit nominal zero”, afirma Passarinho. Ávila reforça: “O direcionamento do governo após a crise aponta para o caminho contrário. Não quer mudar, mas pôr em prática uma política ainda mais conservadora para ver se consegue mais apoio da direita”. (Veja mais informações na pág. 7)
As propostas de mudanças 1. Baixar a taxa básica de juros (Selic) para o mesmo nível vigente nos Estados Unidos e em países vizinhos da América do Sul, ou seja, ao redor de 2,5% ao ano, e não nos atuais 19,75%. Controlar as taxas cobradas pelos bancos aos comerciantes e consumidores. 2. Mudar a política de superávit primário, que destina vultosos recursos públicos ao pagamento de juros. 3. Dobrar o salário mínimo e o valor das aposentadorias para R$ 454 mensais em 2005, aumentando-os para R$ 566 em maio de 2006. 4. Recuperar o controle governamental e público sobre o Banco Central e sobre a política monetária. Impedir a autonomia do Banco Central. 5. Não assinar acordo da Alca, e não aceitar regras da OMC (Organização Mundial do Comércio) que afetem a economia brasileira e os interesses do povo. 6. Realizar uma auditoria pública da dívida externa, como determina a Constituição, e renegociar seu valor, já pago diversas vezes. 7. Mudar as regras de reajuste das tarifas de serviços públicos essenciais como energia elétrica, água, telefone e transporte público. 8. Paralisar de imediato as rodadas dos leilões para exploração de petróleo. Mudar a Lei 9478/97 e garantir a nacionalização do petróleo, com a exclusividade da exploração pela Petrobras. 9. Garantir a participação de representantes da sociedade brasileira e dos próprios trabalhadores nos conselhos de administração das empresas públicas e autarquias nos níveis federal, estaduais e municipais. 10. Adotar uma política que proteja a riqueza nacional, combatendo a remessa de dólares para o exterior e reduzindo a vulnerabilidade externa do país.
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Espelho da Redação Alarme elitista Bastou o templo da direita chamado Daslu receber, da Polícia Federal, o mesmo tratamento dado aos sonegadores e contrabandistas, para que os cães de guarda das elites rosnassem nos jornais e revistas contra a ação policial. Tiraram do cofre argumentos em defesa da democracia e do estado de direito, contra arbitrariedades e perseguição ideológica. A bandeira dos privilégios tremula altaneira no Brasil da desigualdade. Operação Globo A TV Globo não deixou claro para seus telespectadores que foi procurada para ser porta-voz das “confissões” do publicitário Marcos Valério e do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, na semana passada. E também não explicou como conseguiu uma “entrevista” com Lula, em Paris, para o programa Fantástico, de domingo, depois que o presidente havia se recusado a falar com a imprensa durante visita à França. Tudo articulado demais para ser coincidência. Operação Uruguai Só para lembrar, a chamada “Operação Uruguai” surgiu no meio do processo de deposição de Fernando Collor de Mello, em 1992, e foi montada no escritório do empresário Alcides Diniz para tentar explicar os gastos presidenciais com um empréstimo fictício de 5 milhões de dólares num banco uruguaio. Uma secretária denunciou a farsa e Collor de Mello se viu obrigado a renunciar. Caminhos opostos O presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral, do PTMS, em entrevista para o Estadão de domingo, demonstrou que não anda lá muito afinado com o governo Lula: “Acho que o Palácio do Planalto deveria se inteirar mais dos acontecimentos e dos trabalhos da CPI”. A tática palaciana é exatamente o contrário, é fingir que a CPI é problema do partido. Democracia já A Cris Brasil realizará em São Paulo, de 4 a 7 de agosto, um seminário para debater e organizar a campanha por um sistema público de comunicação. Dezenas de entidades, ONGs e movimentos sociais participam do evento. O objetivo é a diversidade e a pluralidade do controle dos meios e do conteúdo da comunicação social. Informações no endereço eletrônico crisbrasil@crisbrasil.org.br Liberdade esportiva A luta para acabar com o monopólio da TV Globo nas transmissões esportivas é antiga: em 2002, o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal entrou com representação na Procuradoria da República para denunciar o privilégio. Em 2001, a emissora havia transmitido, em rede aberta, apenas 12,8% dos 336 jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol. A transmissão esportiva deveria ser livre para as TVs públicas, educativas e comunitárias. Reportagem rural A página de internet produzida por estudantes de jornalismo da Universidade Federal Fluminense, divulga uma boa reportagem sobre o preconceito que existe contra crianças de um assentamento do MST no interior do Estado do Rio de Janeiro. Vale a pena ler. Audiência garantida Os canais de TV do Senado e da Câmara dos Deputados estão batendo recordes de audiência nos dias de depoimentos na CPI dos Correios e nas demais comissões que investigam os casos de corrupção, que envolvem o governo Lula, o PT e os parlamentares de vários partidos da base aliada do governo. Em entrevistas de rua realizadas pela TV Cultura de São Paulo, o povo demonstra que está acompanhando tudo e quer a punição dos responsáveis.
POVOS INDÍGENAS
Violência é denunciada na ONU Indígenas buscam pressão internacional para que governo brasileiro apure as mortes Priscila Carvalho de Brasília (DF)
O
povo indígena Truká, o Conselho Indigenista Missionário e a organização não governamental Justiça Global encaminharam, dia 19, denúncia para diversos órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a violência e as mortes de indígenas dos povos Truká, Guarani e Guajajara, em Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Maranhão, ocorridas desde junho. As denúncias foram feitas por Edilene Truká, durante sessões do Grupo de Trabalho da ONU sobre Povos Indígenas, reunido em Genebra. Edilene também entregou as denúncias ao relator da ONU sobre Execuções Sumárias, Philip Alston, e à representante especial da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos, Hina Jilani. Denúncias a órgãos internacionais são uma forma de pressionar para que as instituições nacionais – como a Polícia Federal, as instâncias judiciais e o Ministério Público Federal – comprometam-se a garantir a apuração dos casos de violência, o que nem sempre acontece no Brasil, em especial com as denúncias realizadas por movimentos sociais e pela população pobre. É o caso, por exemplo, das denúncias de ameaças de morte que os Guajajara fizeram à Polícia Federal dias antes do assassinato de seu cacique, em 21 de junho. A polícia não tomou providências para proteger os indígenas, nem averiguou as suspeitas. Tampouco foram apuradas as denúncias do povo Truká, de Pernambuco, sobre as mortes de dois membros desse povo em circunstâncias violentas e com acusações de participação da Polícia Militar, em 2001.
RECOMENDAÇÕES DA ONU O que a ONU pode fazer é recomendar ao governo brasileiro o cumprimento de seu papel de assegurar a integridade física e cultural
Luiz Novaes/Folha Imagem
da mídia
NACIONAL
Povos indígenas pressionam junto à ONU para que as instituições públicas brasileiras apurem os casos de violência
dos povos indígenas que vivem no Brasil. As denúncias às relatorias poderão gerar recomendações como essa e a inclusão dos casos nos relatórios anuais da ONU. Na conversa que terá com o relator Alston, Edilene solicitará a recomendação para que o governo brasileiro investigue de forma efetiva e julgue os culpados pela execução dos indígenas Truká Adenilson dos
Santos Barros e Jorge dos Santos Barros, dia 30 de junho. O povo Truká indicou como responsáveis pelos assassinatos policiais militares que integram um grupo de extermínio conhecido na região pelo nome de “A Mãe Cria e nós Mata”. A apuração dos culpados tem o “intuito de inibir ações semelhantes”, de acordo com o texto que será entregue ao relator.
TRABALHO ESCRAVO
SEM-TETO
30 novos nomes na lista suja Verena Glass de São Paulo (SP) O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou na semana passada a atualização da Lista Suja do Trabalho Escravo com 30 novos nomes de estabelecimentos agropecuários e fazendeiros – 11 do Tocantins, 9 do Pará, 3 do Mato Grosso, 1 do Piauí, 5 do Maranhão e 1 de Rondônia –, totalizando agora 188 empregadores rurais flagrados e condenados pela prática de submissão de trabalhadores a condição análoga à escravidão. Os nomes incluídos na lista este mês são referentes a casos de autuações entre os anos de 1995 e 2005 que tramitaram em processos administrativos do Poder Executivo e que, nos autos de infração, apresentaram o conjunto de elementos que caracteriza o trabalho escravo. O número de 10.190 trabalhadores libertados nos últimos dez anos, que consta da lista do MTE, não ilustra nem aproximadamente o real contingente de pessoas encontradas pelo Grupo Especial de fiscalização móvel do órgão em condições de escravidão, nesse mesmo período. Só este ano, de janeiro a junho, foram libertados 1.353 trabalhadores, afirma a assessoria do MTE. Se formos mais longe, ainda segundo o Ministério, de 1995 a 2002 as libertações envolveram 5.893 trabalhadores e, de 1993 até o momento, mais de 10 mil trabalhadores. Mas muitos desses processos ainda estão tramitado legalmente.
Além da lentidão dos processos que determinam a culpabilidade dos fazendeiros – e que permitem a sua inclusão na lista –, há ainda a tentativa, algumas vezes exitosa, de apelação à Justiça. Tanto que, pelo mecanismo de liminares, 13 casos foram provisoriamente retirados da relação do MTE. “O exemplo mais expressivo é o do fazendeiro Jorge Mutran, proprietário da fazenda Cabaceiras, desapropriada pelo governo por ferir todas as legislações ambientais e trabalhistas. Por meio de liminares, porém, Mutran não apenas suspendeu o efeito da desapropriação, mas também retirou seu nome da lista suja. Caso contrário, ele teria entrado nessa atualização, constando da lista pela terceira vez. A primeira, em 2003, deu conta de 47 trabalhadores liberados; a segunda, em 2004, de 41, e este ano teria reincidido pela terceira vez pela liberação de outros 13 escravos”, explica Marcelo Campos, coordenador do Grupo Especial de fiscalização móvel do MTE. Por outro lado, a família Mutran foi representada na atualização da lista suja por Celso Chuquia Mutran, proprietário da fazenda Baguá, em Eldorado dos Carajás, Pará, onde foram libertados 35 escravos. A inclusão na lista suja impede que os citados tomem financiamentos nos bancos públicos, inclusive no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Acho que esse mecanismo está sendo efetivo. A maioria das limi-
Uma denúncia à ONU tem forte peso político e pode pressionar o Brasil a tomar as atitudes recomendadas pelo órgão, especialmente porque o Brasil pleiteia a criação de novos assentos permanentes no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e busca participação no Conselho por meio dessas novas vagas.
nares que chegam à Justiça são de fazendeiros que querem efetuar empréstimos e não conseguem. Temos que fazer com que o trabalho escravo se torne algo caro, só assim os que ainda se utilizam desse artifício poderão ser demovidos”, afirma Campos. A organização não governamental Repórter Brasil disponibiliza em sua página da Internet um mecanismo pelo qual é possível verificar os componentes da lista por atividade, o nome da propriedade ou do fazendeiro, Estados, entre outros.
PEC DO TRABALHO ESCRAVO A Proposta de Emenda Constitucional 438, conhecida como a PEC do trabalho escravo e que deve possibilitar a desapropriação de fazendas condenadas pela utilização de mãode-obra escrava, ainda está parada no Congresso. Segundo o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, a matéria deveria entrar na pauta assim que esta fosse desobstruída. “A desobstrução da pauta ocorreu dia 7 e o presidente da Câmara já firmou um compromisso com as entidades sociais de que a PEC seria votada. Mas como uma emenda constitucional tem de ser aprovada por maioria absolutas (380 votos), a matéria depende da aprovação do colégio de líderes de bancadas para que entre na pauta. Isso deve acontecer em agosto, depois do recesso parlamentar”, afirmou o assessor de Cavalcanti, Cid Queiroz. (Agência Carta Maior, www.cartamaior.com.br)
Justiça beneficia morador de rua da Redação Foi concedido, dia 18, habeas corpus para que o morador de rua Manoel Menezes da Silva, de 62 anos, possa transitar livremente pelas ruas de São Paulo. Há cerca de dois meses, Manoel foi retirado de uma praça da Vila Nova Conceição, região nobre da cidade de São Paulo, por ordem da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, e mandado para o Hospital Psiquiátrico Pinel. A história foi divulgada, primeiramente, pelo jornal Folha de S. Paulo, que contou que o morador foi tirado das ruas porque o mau cheiro do sem-teto incomodava os moradores da Praça Pereira Coutinho – onde estão localizados alguns dos mais caros imóveis da cidade. Manoel morava no local e transitava pelas ruas do bairro há mais de 20 anos, sendo conhecido dos comerciantes locais, que nunca tiveram qualquer queixa a seu respeito. No dia em que foi retirado da praça, a prefeitura paulistana mobilizou um batalhão de guardas civis metropolitanos, assistentes sociais e funcionários da limpeza urbana. O Ministério Público e a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos entraram com pedido de habeas corpus, que foi julgado favoravelmente pelo juiz do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), concedendo a ordem para que Manoel possa transitar livremente pelas ruas. (Adital, www.adital.com.br)
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NACIONAL REFERENDO DO DESARMAMENTO
Uma chance para a soberania popular Congresso aprova referendo do desarmamento e dá ao povo chance de participar diretamente de uma decisão política des de morrer por uma arma de fogo do que qualquer cidadão do mundo.
Júlio Pens
Luís Brasilino da Redação
N
o dia 23 de outubro, o povo brasileiro vai participar do primeiro referendo da sua história. Em outras duas ocasiões (1963 e 1993), a população já foi chamada para participar de plebiscitos que definiram o sistema de governo do país: em ambas, venceu o presidencialismo. Segundo o professor Fábio Konder Comparato, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), este primeiro referendo pode ser um Referendo X Plefato isolado, biscito – O referendo constitui a prática mas representa de consultar o eleium importante torado, por meio de avanço, “não uma votação, para ratificar ou rejeitar só pela utiliuma proposta de zação deste um órgão legislativo. instrumento de Já no plebiscito, a manifestação consulta é formulada antes do ato do da soberania Parlamento. popular, mas também por conta da matéria em questão”. Como resultado do Estatuto do Desarmamento, a Câmara Federal aprovou, dia 6, a realização de consulta por meio da qual os brasileiros vão responder se apóiam a proibição da comercialização de armas de fogo e munições no país. “Com este referendo, o povo é que vai decidir sobre a sua segurança”, explica Comparato. De acordo com o pastor Ervino Schmidt, secretário executivo do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), o próximo passo é vencer a consulta. “Precisamos desfazer o mito de que quem tem uma arma de fogo em casa está mais protegido”, aponta Schmidt. O pastor convoca igreja e movimentos sociais
PODER AO POVO
Igrejas e movimentos sociais querem convencer a população a não acreditar nos argumentos da indústria do armamento
PODER Comparato explica que a liberdade de comercializar e distribuir armamentos só favorece “os bandidos e quem tem poder”. Ele avalia que são, justamente, as camadas pobres da população que
ficam fragilizadas nesse quadro: entre a violência dos bandidos e a da polícia. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), as principais vítimas de mortes violentas no país são homens negros, entre 15 e 24 anos, pobres, moradores da periferia dos grandes centros. A Senasp revela também que a chance de uma vítima armada morrer durante um assalto é 56% maior do que se estivesse desarmada. Já um estudo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) indica que a média de mortes em latrocínios (assalto seguido de morte) onde o assaltado estava armado é de 2,2, frente a 1,5 morte quando a vítima não portava armas. Não é por acaso que a Organi-
MINAS GERAIS
zação das Nações Unidas (ONU) indica que, apesar do Brasil não estar em guerra, seus habitantes têm três vezes mais probabilidaJosé Cruz/ABR
a saírem às ruas de todo o país para convencer a população a não acreditar nos argumentos falsos difundidos pela indústria de armamentos. “São ponderações falsas, mas fortes, como a de que se livrar das armas encorajaria os bandidos a cometerem mais crimes”, exemplifica. Schmidt quer combater esses argumentos com informação, como a de que 63,9% dos homicídios de 2002 foram cometidos com o uso de apenas pequenas armas de fogo.
Modelo de urna que será usada para o referendo, no dia 23 de outubro
SONEGAÇÃO
Aécio Neves prepara novo ataque à saúde pública As políticas neoliberais do governo tucano de Minas Gerais avançam sobre a área da saúde. O governador Aécio Neves planeja, agora, transferir verbas estatais destinadas à administração hospitalar pública para empresas do setor privado. Para tanto, pretende usar as Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) – figuras jurídicas criadas em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que muitas vezes são usadas como fachadas para o poder público transferir suas responsabilidades a grupos privados. O projeto de Aécio Neves prevê que 21 hospitais da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Femig) sejam administrados pelas tais Oscips. No dia 5de abril, a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais publicou um edital para transferir o controle do Pronto-Socorro de Venda Nova a empresas. Madalena dos Santos, diretora do Hospital, alerta sobre irregularidades do processo: “o edital não prevê (o atendimento) emergência de porta aberta e não receberá pacientes de longa permanência. Além disso, poderá ter termo aditivo, para aumentar o repasse de verbas públicas”. Mas o subsecretário de Saúde, Marcelo Gouvêa, defende que “a Oscip é um mecanismo de gestão hospitalar mais moderno”. Porém, o argumento da modernidade conflita com a isenção do processo. O edital da transferência do Pronto-Socorro foi elaborado pela Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, grupo que administra três Oscips em São Paulo.
PF faz apreensão na Copalma Suzane Durães Brasília (DF)
João Castilho/ Folha Imagem
Bernardo Alencar de Belo Horizonte (MG)
Para o deputado federal Chico Alencar (PT-RJ), mais importante que o dia da votação em si será o debate que vai precedê-lo. Além de toda a divulgação na mídia, as duas partes terão, durante os 45 dias que antecedem a consulta, um horário gratuito em cadeia nacional de rádio e televisão para expor seus pontos de vista. Já Comparato sustenta que, no momento em que o povo for chamado para se pronunciar acerca de uma matéria como essa, vai perceber que sempre esteve alijado das decisões políticas do país. “A população sentirá o gosto de participar desse processo e não vai querer mais deixar de ter este poder”, aposta. Isso está no cerne da campanha que Comparato coordena em defesa da república e da democracia. “Precisamos lembrar que só temos democracia e república quando o povo se coloca no centro das decisões”, afirma.
Pacientes buscam atendimento no Hospital João 23, em Belo Horizonte (MG)
Quem for escolhido pelo governo poderá determinar preços de medicamentos e salários de funcionários. O hospital Venda Nova teve um investimento público de cerca de R$ 45 milhões. A promotora de Justiça de Defesa da Saúde drª. Josely Ramos Pontes também vê inúmeras irregularidades na iniciativa de Aécio. De acordo com a Constituição Federal, educação e saúde só podem ser assumidas pela iniciativa privada em caráter complementar. Para Josely Ramos, uma Oscip não tem esse caráter complementar, pois assumirá inteiramente a administração e o atendimento. A promotora enumera, ainda, as irregularidades da iniciativa: “confronta a lei 8.080; fere a moralidade e a legalidade; cria a modalidade Termo de Parceria entre o governo e a Oscip, quando deveria ser aberta uma licitação; permite a permuta de equipamentos, com anuência do Estado; e uma das irregularidades mais graves: permite a aplicação de R$ 31
milhões no sistema financeiro”. Outro aspecto que preocupa é o enfraquecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). A assessora do Conselho Nacional de Saúde, Conceição Resende, afirma que “o SUS é um dos melhores sistemas de saúde do mundo”. Indignada, completa prevendo que as mesmas forças políticas que eram contra sua criação lutam também, dentro do Estado e fora dele, para o desvio da sua implementação como sistema universal público, integral, descentralizado, gratuito e com controle social”. Já o presidente da CNTSS/CUT (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social), Irineu Messias, avalia que “as Oscips certamente vão visar o lucro e não necessariamente o bem-estar da população. É bom lembrar que esses modelos privatistas apontam para a extinção do controle social, meio pelo que a sociedade fiscaliza e delibera sobre as ações de saúde no âmbito do SUS”.
A Polícia Federal de Passo Fundo apreendeu, dia 13, computadores e documentação na Cooperativa Tritícola Palmeirense Ltda (Copalma), em Palmeira das Missões, no Rio Grande do Sul. A ação batizada de Operação Missões cumpriu 11 mandados de busca e apreensão no município. O objetivo era buscar provas referentes às denúncias de irregularidades praticadas na administração da Cooperativa, por suspeita de sonegação fiscal, previdenciária, estelionato, falsificação de documentos e enriquecimento ilícito de alguns dirigentes, como já havia informado o Brasil de Fato. Segundo delegado Fabrício Argenta, existem indícios de irregularidades, pois a dívida da Copalma ultrapassa R$ 80 milhões, valor superior ao seu patrimônio. “O material apreendido será encaminhado para perícia e as providências serão tomadas, caso os supostos crimes sejam comprovados”, afirma Argenta.
CRISE As investigações começaram em junho, após as denúncias do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeira das Missões (STR). Para o presidente do STR,Vergílio da Rosa, a emissão de cheques sem fundo, o sumiço de grãos dos agricultores e a demissão de funcionários desencadearam a crise na cooperativa. “Os agricultores depositaram os
grãos na cooperativa e até hoje não receberam. Os que receberam descobriram que os cheques emitidos pela Copalma não tinham fundos”, conta Vergílio. Depois de denunciar as irregularidades envolvendo a cooperativa, Vergílio recebeu várias ameaças de morte. “Na semana passada, recebi pela segunda vez mais um pacote de balas comestíveis e uma caixa de fósforo”, afirma. Virgílio já recebeu telefonemas anônimos e, no dia 20 de junho, a sede do STR amanheceu com os vidros quebrados e marcas de tiros na porta.
CONFUSÃO Houve tumulto na sede da Copalma durante a Assembléia Geral, no dia 19, convocada justamente para discutir a situação da cooperativa. Muitos associados foram impedidos de participar, pois às 10 horas os portões foram fechados. A polícia foi chamada, depois que os manifestantes tentaram derrubar os portões. Durante a reunião, o STR e Sindicato dos Comerciários divulgaram nota alertando os agricultores sobre a crise da Copalma. De acordo com o texto, eles reivindicam o afastamento da diretoria e a contratação de uma auditoria para apurar a origem das dívidas e as irregularidades por alguns dirigentes. Também solicitam que os comerciários da Copalma se mobilizem contra a locação dos armazéns, que visa apenas a demissão de funcionários e a entrega do patrimônio que será leiloado em favor das cooperativas locadoras.
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NACIONAL FUMICULTURA
A servidão moderna
Hamilton Octavio de Souza
Pressão política adia decisão sobre condições mais dignas de saúde e trabalho
Implosão dirigente O Campo Majoritário, corrente dirigente do PT, passa por um momento de grande dificuldade, já que seus integrantes estão na agenda da CPI dos Correios. Alguns deles montaram uma versão que multiplica a dívida financeira do partido, outros apostam na salvação com o mínimo de réus e o presidente Lula manobra para colocar a culpa na direção partidária e tirar o governo do alvo das esquerdas e das oposições conservadoras. Ruptura interna - 1 Integrante da corrente Democracia Socialista, o ministro Miguel Rossetto publicou artigo no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em que declara: “Quem permitiu a mistura do PT com mensalões, malas de dinheiro e dólares na cueca não errou apenas de conduta – errou também de partido”. Ruptura interna – 2 A corrente petista O Trabalho distribuiu nota sobre a crise que envolve o governo Lula e o PT, na qual afirma: “A responsabilidade pelo linchamento do nosso partido deve ser buscada naqueles que, no governo, compartilham com essa política, e aqueles que, no partido, continuam insistindo em buscar enquadrá-lo nas medidas do governo”. Proposta popular O Movimento Consulta Popular distribuiu nota com análise da crise política, na qual afirma: “Cabe às forças de esquerda, neste momento, recuperar a firmeza de princípios e abrir-se ao diálogo com todas as forças democráticas e populares dispostas a salvar o Brasil, buscando estabelecer um programa mínimo e iniciativas comuns”. Crise imprevisível Cresceu na opinião pública, nos últimos dias, a convicção de que a situação do governo está ficando insustentável diante das várias versões não esclarecedoras dos fatos envolvendo a captação de recursos do PT e os pagamentos para parlamentares da base aliada. Já se fala que a renúncia de Lula deve ser levada em consideração. Tiro n’água Pode ser que o presidente Lula ainda consiga algum resultado impactante, mas as mudanças ministeriais realizadas até agora não surtiram o menor efeito nem na base do PT, nem na base aliada, nem na sociedade. Não dizem a que vieram. E tudo indica que a questão central – o modelo econômico concentrador – vai continuar intacto, gerido pelos mesmos testas-de-ferro do capital especulativo internacional. Sustentação burguesa O que está dando alguma estabilidade para o governo Lula, neste momento, é a confiança da burguesia na política econômica do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que interessa aos banqueiros, aos grupos estrangeiros e aos agentes internacionais do capital (FMI, Banco Mundial e OMC). Esse esquema continua intocável. Risco zero Na lógica atual do empresariado, o melhor cenário para 2006 é a disputa entre Lula – com o PT domesticado e depurado das esquerdas – e a candidatura PSDB/PFL: qualquer que seja, pois o resultado é a garantia de continuidade do modelo neoliberal. Não interessa para a direita que no lugar de Lula surja alguma alternativa de esquerda – imprevisível no apoio popular. Poder oligárquico Entrevistado no programa de Jô Soares, dia 18, o senador Pedro Simon, do PMDB do Rio Grande do Sul, afirmou, com todas as letras, que o presidente Lula sempre esteve bem informado de todas as ações comandadas por José Dirceu, Delúbio Soares e Silvio Pereira. Disse mais, que o presidente, hoje, costuma ser aconselhado pelos senadores Renan Calheiros e José Sarney – dois representantes do que há de mais atrasado na República.
Aline Gonçalves Curitiba (PR)
A
s implicações da cultura do tabaco são extremamente complexas. A droga lícita e aceita socialmente é a que mais traz prejuízos aos governos na área da saúde, além dos problemas sociais e ambientais gerados pela integração com transnacionais fumageiras. Mesmo assim, grupos políticos insistem na preservação desse sistema, em nome da necessidade de criar trabalho e renda para o país. O jogo de interesses do setor ficou claro com a pressão política liderada pela Associação de Fumicultores Brasileiros (Afubra) junto ao Senado, nas últimas semanas, que resultou no adiamento da ratificação brasileira à ConvençãoQuadro para o Convenção - Quadro para Controle Controle do Tado Tabaco – Primeibaco (veja quaro tratado internacional de saúde pública dro ao lado). da história da huO documento, manidade, aprovado elaborado pela na 56ª Assembléia Organização Mundial da Saúde, em 2003. Tem como Mundial da objetivo preservar Saúde (OMS), as gerações das devastadoras conse- já foi sancionaqüências sanitárias, do por 70 paísociais, ambientais ses. No Brasil, e econômicas do consumo e da expo- já foi aprovado sição à fumaça do pela Câmara tabaco. Federal. Os representantes da Afubra e do Sindicato das Indústrias de Fumo (Sindifumo) alegam a necessidade de mais negociação e investimentos para a conversão das lavouras de fumo, antes de o país ratificar a Convenção. Com esses argumentos, conseguiram adiar o processo para que seja agendada mais uma audiência pública antes da ratificação da Convenção, que deve acontecer no Estado de Santa Catarina. Para Paula Jones, da Rede Tabaco Zero, uma nova audiência não dará legitimidade ao processo. “Já foram feitas três audiências públicas, no Senado, na Câmara Federal e em Santa Cruz do Sul (RS). Uma nova audiência vai ser articulada pelas mesmas pessoas que estão contra a ratificação e a maioria dos agricultores presentes será dos que estão satisfeitos com a cultura do fumo”, explica Paula.
SEM LEGITIMIDADE Apesar de apresentar-se como representante de mais de 236 mil famílias fumicultoras e defender a manutenção de empregos diretos e indiretos que, segundo a associação, beneficiam mais de 2,4 milhões de pessoas, a Afubra não tem legitimidade diante dos pequenos agricultores. Paula não considera o argumento de manter os postos de trabalho válido, uma vez que outros empregos poderiam ser criados se o cultivo de fumo fosse substituído. Além disso, os números apresentados pela Afubra não correspondem aos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (veja tabela acima). “Eles formam uma rede estratégica entre associações, sindicatos e indústrias. Juntos, pressionam
Fotos: Aline Gonçalves
Fatos em foco
Fumicultores vivem uma “inclusão perversa”, com famílias sendo obrigadas a sobrecarregar sua força de trabalho
PRODUTORES E OCUPADOS PERMANENTES NA LAVOURA DE FUMO (REGIÃO SUL) Número de produtores e pessoas permanentemente ocupadas Famílias produtoras
Pessoas ocupadas permanentes
Período
SINDFUMO
AFUBRA
AFUBRA
Censos IBGE
IBGE/setor privado (%)
1995/96
140.000
142.590
484.806
359.697
74
2000/01
133.217
134.930
458.762
237.919
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Fontes: IBGE e FAO (2003), baseado em Afubra/Abifumo. Os dados do Sindifumo foram extraídos do Anuário Brasileiro do Fumo (2000, 2002 e 2003) – Gazeta Grupo de Comunicações. Tabela apresentada no artigo “Ratificação da Convenção-Quadro no Brasil: vulnerabilidades e possíveis soluções”, de Roberto Iglesias, economista da Coppead-UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS-RJ).
os políticos e ainda levam dados distorcidos aos agricultores, que não têm fontes de informação alternativas. As rádios comunitárias praticamente inexistem nas regiões fumageiras do Sul do país”, afirma Paula. Segundo o senador Paulo Paim (PT-RS), a causa do adiamento da ratificação da Convenção é a necessidade de se criar em regras claras que definam um modelo de transição para outras lavouras. “É um compromisso público. Há necessidade de investimento nacional e internacional para criarmos uma forma viável de transição para outras lavouras. O debate que se estabeleceu entre aqueles que defendem as questões de saúde e os que defendem os postos de trabalho é falso. Os dois estão certos. Para resolver a questão, precisamos da regra de transição, mas dificilmente conseguiremos finalizar essa discussão até o final deste ano”, afirmou o senador. A Afubra e o Sindifumo defendem a manutenção do Sistema de Integração, criado pelas indústrias fumageiras. O Sistema promete assistência técnica, seguro e garantia de mercado para os fumicultores. Mas o fornecimento do pacote tecnológico, com o controle sobre a definição dos preços, tanto de insumos quanto do próprio fumo, e a manipulação da classificação da safra pelas indústrias, são uma grande armadilha. Os agricultores acabam endividados e trabalham para pagar os débitos. Dessa forma, além de controlar
a desigual distribuição da renda gerada na cadeia produtiva, as integradoras do setor de tabaco planejam o tempo que cada fumicultor ficará atrelado à indústria. “É a servidão moderna. É assim que a indústria obtém condições de segurança para a execução dos contratos de exportação do fumo: pelo endividamento programado dos pequenos agricultores”, afirma Guilherme Eidt, advogado da organização Terra de Direitos, que publicou a pesquisa “Fumo – servidão moderna e violações de direitos humanos”. Os fumicultores vivem uma inclusão perversa. Como diz Eidt, “o sistema de integração não priva as famílias em termos absolutos, nem exclui de fato, mas gera problemas econômicos, que muitas vezes levam o grupo familiar a sobrecarregar sua força de trabalho, envolvendo crianças, adolescentes e idosos. O uso indiscriminado e irregular de agrotóxicos traz sérios impactos socioambientais”. A pesquisa constatou grande número de casos de intoxicações, altos índices de suicídio e contaminação de solos e águas nas regiões fumageiras. “Um genocídio silencioso”, avalia Eidt. A aparente legalidade dos contratos de integração não resiste a uma análise criteriosa. “São contratos de adesão, nos quais o pequeno agricultor aceita cumprir as regras da cadeia produtiva. São regras abusivas e desproporcionais, que se valem de práticas como a venda casada do pacote tecnológico e a exclusividade de comercialização da safra, ferindo disposições do Código Civil de 2002, do Código do Consumidor e da lei que regula a concorrência e a ordem econômica do país“, explica o advogado da Terra de Direitos.
REPRESENTAÇÃO FICTÍCIA
Pesquisa revela uso indiscriminado de agrotóxico nas lavouras
Apesar de quase a totalidade dos produtores de fumo no Brasil ser associada à Afubra, o papel da associação é ambíguo. A eleição dos delegados não tem representatividade legítima, uma vez que são escolhidos entre aqueles reconhecidos como fiéis ao Sistema de Integração e obedientes aos instrutores técnicos das fumageiras. Na pesquisa realizada pela Terra de Direitos, as
comunidades entrevistadas não os reconhecem como seus representantes. “Não existe nenhum tipo de articulação ou intervenção previamente discutidas com os fumicultores para ser encaminhada à assembléia anual da Afubra”, afirma Eidt. Com respaldo do Sindifumo, a Associação é a única entidade que realiza seguro das lavouras de fumo. As indústrias cobram o valor do seguro da lavoura dos produtores na nota fiscal e repassam à Afubra. Quando ocorre algum prejuízo na plantação (sinistro), o prêmio é transferido diretamente às indústrias. O grupo familiar recebe somente depois de descontado o débito junto às fumageiras, se houver diferença de valor. A Afubra também é responsável pela avaliação dos custos anuais da produção do fumo usada na definição dos preços pela Comissão Técnica Mista – onde se reúnem as indústrias e aqueles que elas consideram parceiros. Essa foi a forma encontrada pelo Sindifumo de legitimar os preços da commodity e as práticas da cadeia produtiva, numa aliança das indústrias com federações que se dizem representantes dos trabalhadores do fumo. Comparativamente, o fumo brasileiro é muito mais barato que o produzido em outros países. Enquanto nos Estados Unidos o preço pago ao produtor chega a 6 dólares o quilo e na Europa, a mais de 10 dólares, no Brasil o preço médio é de 1,5 dólar. Fica claro que a preocupação não está nos efeitos imediatos que a Convenção-Quadro trará sobre o consumo. Uma vez que o cenário mais provável é de aumento do consumo e da produção nos próximos 20 anos – os reflexos na diminuição da produção estão projetados somente para daqui a 50 anos. Os países desenvolvidos, como Estados Unidos, países da Europa e Japão, devem ser os primeiros a reduzir o plantio. Com isso, a demanda deverá ser atendida por Brasil, Moçambique e países asiáticos. O que as indústrias não querem são interferências no modelo lucrativo, de exploração, que existe no Brasil para que possa seguir concentrando renda, produzindo a desigualdade e desrespeitando os direitos dos camponeses.
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De 21 a 27 de julho de 2005
NACIONAL POLÍTICA DE ARROCHO
Uma política só para os endinheirados Zerar o déficit público nominal é sacrificar mais ainda a maioria dos brasileiros, em benefício de uma minoria
S
e o governo Lula decidir implantar as propostas do deputado Delfim Netto (PP-SP) de zerar o déficit público nominal e dobrar para 40% a Desvinculação de Receitas da União (DRU), o altíssimo custo social conseqüente será pago pelos 21 milhões de brasileiros beneficiários do sistema previdenciário e assistencial, pelos 140 milhões de usuários do sistema público de saúde (SUS), pela totalidade dos 1,8 milhão dos funcionários públicos federais. Tudo em benefício exclusivo de 0,04% das famílias endinheiradas do país, que vivem de ganhos financeiros. No documento “Déficit público nominal zero e custos sociais”, divulgado este mês, a advertência é feita por Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ex-secretário do Trabalho da última administração petista da cidade de São Paulo. Existem outros caminhos para equilibrar as contas públicas. Um, seria a opção pelo crescimento econômico com queda efetiva da taxa de juros, o que implicaria a ruptura com o atual ciclo de financeirização de riqueza, principal gerador do endividamento público, argumenta o economista. Pochmann lembra como o desajuste fiscal só fez aumentar nos últimos 25 anos, apesar de todas as medidas em contrário tomadas por sucessivos governos. Nesse período, a renda per capita praticamente parou de evoluir, o que vem sendo acompanhado pela
e 1980, a renda per capita não avançou mais do que 0,4%, em média, por ano, de 1980 a 2004. Enquanto isso, foi contínua a transferência da renda gerada pela produção e trabalho para os ganhos financeiros. O descompasso entre a acumulação de capital produtivo e a de capital financeiro (improdutivo), analisa Pochmann, é um obstáculo a qualquer possibilidade de implementação de um projeto nacional de desenvolvimento.
Marco Antônio Rezende/Folha Imagem
Anamárcia Vainsencher da Redação
INJUSTIÇA
Vista da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ), retrato de um país marcado pela desigualdade social
adoção de medidas voltadas ao ajustamento das finanças públicas, em especial o equilíbrio fiscal entre receitas e despesas. Só que cortes de gastos, desvinculação de receitas, privatização e aumentos de impostos não bastaram para diminuir o endividamento público, sempre ao redor de 50% do Produto Interno Bruto (PIB).
FINANCEIRIZAÇÃO Para o professor, em grande medida, o contínuo desajuste das finanças públicas resulta de uma reestruturação patrimonial do setor privado diante da falta de perspectivas para aumento significativo de acumulação do capital produtivo. Trocando em miúdos: sem espaço para crescer pela via das atividades
EVOLUÇÃO DOS ÍNDICES DE DESEMPREGO E DO SALÁRIO MÍNIMO REAL
produtivas, o setor privado redirecionou seus recursos para a esfera financeira. Nesse processo, o comando ficou com o Estado, o responsável pela emissão e remuneração de títulos públicos, os insumos da nova riqueza financeirizada, apropriada na forma de direitos de propriedade dos papéis que carregam o endividamento público – no caso, bancos e demais instituições financeiras, sobretudo. Quem está fora deste ciclo – a imensa maioria dos brasileiros – só perde. Porque, explica Pochmann, os ajustes fiscais feitos representam o aumento da carga tributária que afeta proporcionalmente os mais pobres, a contenção do gasto social, a desvinculação das receitas fiscais sociais, a focalização das despesas
em ações de natureza mais assistencial do que a universalização de bens e serviço públicos. “Não obstante a perversidade do atual padrão de ajuste fiscal que vem sendo implementado, e que gera desajuste social, percebe-se, hoje, que o Brasil está diante da possibilidade de uma maior ortodoxia na contenção do gasto público”, alerta o professor da Unicamp. A opção pelo déficit nominal zero nas finanças públicas, acrescenta, resultará em aumento considerável do superavit primário e, inexoravelmente, na correspondente elevação do custo social. E em um cenário já desconfortável para os brasileiros mais pobres. Assim, depois de ter crescido, em média, quase 6% ao ano, entre 1950
Por quê? É só constatar que o avanço da riqueza financeirizada tem sido acompanhado pelo aumento do achatamento da renda do trabalho, e do desemprego. Entre 1980 e 2003, o salário mínimo perdeu mais da metade de seu poder de compra, ao passo que o índice de desemprego aberto foi multiplicado por quase 3 (v. gráfico). Apesar de toda esta precarização, Pochmann verifica que tem avançado constantemente o bloqueio à universalização das políticas de saúde, educação, habitação e saneamento, cultura, transporte, trabalho etc.. “Em contrapartida, o compromisso do Estado com as classes endinheiradas permanece praticamente inalterado”, observa, apontando para o recuo da participação da renda do trabalho na renda nacional, enquanto avançam ou permanecem estáveis as participações da renda do capital, dos tributos e dos juros (v.gráfico). No período 1993-2004, em valores reais acumulados em 2004, a renda do trabalho perdeu o equivalente a R$ 1,152 trilhão, enquanto os donos dos títulos da dívida pública se apropriaram de R$ 814 bilhões sob a forma de juros.
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS TRIBUTOS, DOS JUROS E DO RENDIMENTO DO TRABALHO NA RENDA NACIONAL, 1993/2004 (em %)
(1980=100,0) 280 260 289,9 240 Desemprego 220 Salário mínimo 200 180 160 140 120 100 80 100,0 60 49,1 40 20 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2003
50
49 46
40
41
44 38
45
39
39
45
37
30 20 16 10
13
0
3 1993
16 14
8
% da renda do capital
1995
1996
1997
19
19
8
5 1994
36
14
13
14
36
1998
% do trabalho na renda nacional
1999
2000
7 2001
% do tributo na renda nacional
2002
2003
2004
% dos juros na renda nacional
Fonte: IBGE e BC. Elaboração Marcio Pochmann.
Fonte: IBGE/PNAD ajustada e DIEESE. Elaboração Marcio Pochmann.
Sucessão de fracassos Diante de todas essas evidências, assinala Marcio Pochmann, fica claro que o principal sustentáculo da financeirização da riqueza é o Estado, já que é ele que adota um tipo de ajustamento fiscal contrário aos interesses da maioria da população. Entretanto, como os ajustes não reduzem o endividamento, “surgem novos conselho dos representantes das classes endinheiradas em direção à proposta do déficit nominal zero nas finanças públicas”, escreve o professor da Unicamp. Nas últimas décadas, foram cinco as medidas principais tomadas pelas equipes econômicas do governo central – todas geradoras de desajuste social. Contingenciamento – Em tempos de alta inflacionária, o adiamento da liberação do orçamento, sobretudo da área social, significou a redução do valor real do gasto público, segundo Pochmann. Assim, quando as despesas eram autorizadas, geralmente no fim do ano, seu valor real era de 30 a 60% menor. Mesmo com a estabilização, a partir de 1994, o contingenciamento nunca deixou de ser adotado. Privatização – Na década de 90, foram privatizadas 166 empresas, gerando uma receita extra estimada em 100 bilhões de dólares (cerca de
17% do PIB de 2004), a maior parte dos quais se destinou ao pagamento da dívida pública. Simultaneamente a esse desmonte, aponta o economista, houve contenção orçamentária, o que se traduziu por diminuição nos investimentos públicos. Descentralização – Obedecendo à Constituição de 1988, a receita e parte das despesas como educação e saúde passaram a ser descentralizadas da União para Estados e municípios. Ocorre que o ente federal não foi eqüânime nesse processo. Em 1994, a União respondia por 61% dos gastos com saúde (os Estados por 22%, os municípios por 17%), participação que caiu para 49%, em 2004 (25% ficaram por conta dos Estados, 26% dos municípios). No tocante às receitas, em 1995, a União ficava com 56% do total (os Estados com 27%, os municípios com 17%), em 2004, a União abocanhou 60% das receitas (sobraram 24% para os Estados, 16% para os municípios). Com isso, piorou, e mesmo diminuiu, a oferta de bens e serviços públicos. Impostos – O aumento da carga tributária vem sendo uma constante. Nos anos 80, a arrecadação total de impostos era o equivalente a cerca de 22% do PIB. Na década de 90,
passou a 28%. No ano passado, a carga tributária bruta correspondeu a 34% do Produto. Como no país a política tributária é regressiva, porque se baseia no imposto indireto, argumenta Pochmann, tem-se que o adicional de arrecadação concentrou-se justamente na parcela mais pobre da população. Mesmo pagando mais impostos, os menos favorecidos não se beneficiaram com a universalização dos bens e serviços públicos, nem esses tampouco melhoraram de qualidade. Porque, ensina o professor, o adicional de recursos foi destinado, na maioria das vezes, para o atendimento dos compromissos do Estado com os detentores de títulos públicos. Isto é, ao pagamento dos juros que remuneram tais títulos. Desvinculação – Desde o Plano Real, a desvinculação de receitas é peça fundamental no ajuste fiscal. Primeiro, em 1994, com o Fundo Social de Emergência; em 1996, o Fundo de Estabilização Fiscal; em 1999, a Desvinculação das Receitas da União (DRU). Com isso, 20% das receitas vinculadas ao gasto social têm sido contingenciadas para uso diverso. Quase sempre, diz o economista, os recursos sociais desviados servem
para sustentar um superavit fiscal capaz de atender boa parte dos gastos com o pagamento dos juros da dívida pública. Em 1995, a carga tributária social do governo federal (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins; Contribuição sobre Movimentação Financeira – CPMF, Programa de Integração Social – PIS, e seu equivalente para o funcionalismo, Pasep, entre outros) era o equivalente a 11% do PIB, passando a 16% no ano passado. Entretanto, no mesmo período, o gasto social federal aumentou de 11% para cerca de 14%. Ou seja, enquanto a coleta de contribuições sociais cresceu 41%, o gasto social subiu meros 24%. A diferença o Estado destinou aos credores.
MAIS SACRIFÍCIOS Ao que tudo indica, todo esse arrocho não foi suficiente para baixar um endividamento que, ao contrário, só aumenta com a subida da taxa de juros. A cada 1% de elevação na taxa de juros básica (Selic), é gerado um adicional de custos com juros anuais da ordem de R$ 10 bilhões. Por isso, a proposta de zerar o déficit nominal nas contas públicas, o que quer dizer aumentar brutalmente
o superavit primário de 4,25% para 7,85% do PIB, para cobrir o que se estima gastar com o pagamento de juros em 2005. (A rigor, antes do meio do ano já se estava quase lá – de janeiro a maio, o superavit primário do setor público atingiu 6,6% do PIB. Porém, as despesas com juros eram maiores: 8,5% do Produto.) De toda forma, elevar o superavit de 4,25% para 7,85% do PIB é um aumento de 85%. Para efetivá-lo, estima Pochmann, é preciso cortar R$ 58 bilhões nos gastos públicos (em valores de 2004). Assim, em vez do superavit de R$ 81 bilhões obtido no ano passado, seriam necessários R$ 139 bilhões (7,85% do PIB, em valores de 2004). Isso não é tudo. A proposta de Delfim encampada pelo governo Lula inclui, ainda, a duplicação da DRU para 40%, além de mais cortes nas despesas de pessoal e demais contas públicas operacionais. Um descalabro tal que leva o professor da Unicamp a avisar: “A adoção da medida de elevação brutal do superavit primário para 7,85% do PIB tem implicações sociais inquestionáveis, e que precisam ser consideradas numa decente avaliação governamental”. (AMV)
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NACIONAL CRISE DA ESQUERDA
Uma nova força social está por vir A
crise que assola o governo Luiz Inácio Lula da Silva é a mais séria da esquerda brasileira. Corrupção, arrogância, frouxidão nos princípios. Diante disso, o ciclo do Partido dos Trabalhadores (PT) se encerra. A avaliação é de César Benjamin, da coordenação nacional do Movimento Consulta Popular, para quem os líderes petistas se tornaram algozes de sua base social, os pobres. Em curto prazo, afirma Benjamin, a direita, representada por PSDB e PFL, se fortalece. Mas, acrescenta, o povo brasileiro vai exigir a formação de uma nova força social, antineoliberal, porque a crise é mais profunda do que a da esquerda. Para ele, o país está doente. E o remédio é um processo de criação: “O fim do ciclo PT nos coloca o desafio de construir uma nova interpretação, uma nova organização política e uma nova visão estratégica”. Brasil de Fato – Todos os dias aparecem elementos da crise política, como novos esquemas de corrupção, personagens de quem nunca se havia falado antes. Os fatos tomaram uma velocidade inimaginável. O que realmente está acontecendo? César Benjamin – O momento é muito confuso. Um sintoma disso é a proliferação de análises de conjuntura, ou supostas análises. Isso tem um lado positivo, pois mostra inquietação e vontade de compreender as coisas, mas gera uma cacofonia enorme. Precisamos procurar o que é essencial, sem nos perder em tergiversações ou em aspectos secundários. BF – E o que é essencial? Benjamin – Por exemplo, é necessário reconhecer claramente que a esquerda brasileira adotou nos últimos 15 anos uma prática nova. Refiro-me à introdução, em larga escala, do que podemos chamar de “o poder dissolvente do dinheiro”. A expressão é de Karl Marx, em outro contexto. A partir de certo momento, que talvez possa ser fixado no início da década de 1990, o grupo que obteve o controle do PT e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) baseou sua ação política em fontes de financiamento nebulosas, que se multiplicaram, e em uma expansão inédita de relações mercantis dentro da esquerda. Usou o poder do dinheiro em larguíssima escala e obteve grande êxito. Isso exige uma reflexão séria, que a esquerda não parece disposta a fazer.
A crise atual é a mais grave da nossa história. Muito mais grave do que aquela que aconteceu após o golpe militar de 1964 BF – Como era a esquerda antes do domínio do dinheiro? Benjamin – A esquerda cometeu muitos erros ao longo de sua história, mas sempre foi uma força de contestação, liderada por grupos e pessoas que tinham compromissos de longo prazo com a transformação da sociedade. Podemos fazer muitas críticas às gerações que nos antecederam, mas nenhuma as atinge do ponto de vista moral. A crise atual é a mais grave da nossa história. Muito mais grave do que aquela que aconteceu após o golpe militar de 1964. Pois as crises anteriores eram resultado
Arquivo MST
João Alexandre Peschanski da Redação
Anderson Barbosa
Para César Benjamin, da Consulta Popular, a sociedade brasileira vai exigir o surgimento de uma frente anti-neoliberal
Quem é
Grito dos Excluídos em São Paulo: “Sociedade vai pedir a formação de um campo não neoliberal”
de enfrentamentos com um adversário, enquanto a atual é interna. BF – Mas, afinal, que esquerda é essa? Benjamin – Os fundamentos da esquerda foram corroídos por dentro. Não podemos tergiversar sobre isso. Os esquemas de corrupção que estão vindo à luz não são fatos isolados nem começaram recentemente. São apenas a expansão, para a esfera do governo federal, de um tipo de prática introduzida na esquerda brasileira há cerca de 15 anos. O grupo que fez isso construiu uma vastíssima rede de cumplicidade, com níveis diferentes de envolvimento, ativo ou passivo. É uma rede tão grande que o limite dessa prática não foi dado, lamentavelmente, pela própria esquerda. Foi preciso uma desavença com um deputado federal fisiológico para que o problema viesse a público. O período de liderança de Lula resultará numa dissolução interna da esquerda. BF – É uma visão muito negativa da história recente da esquerda... Benjamin – Temos que buscar uma combinação de firmeza e humildade. Firmeza para reencontrar princípios que a esquerda perdeu. Humildade para reconhecer que essa esquerda não se capacitou para ser a depositária da solução da crise brasileira. Temos de nos abrir para tentar identificar, no conjunto da sociedade, forças maiores do que a própria esquerda, que podem ter uma atuação positiva. A crise brasileira é tão grave que é necessário surgir uma alternativa. BF – Você não vê nada positivo? Benjamin – A crise tem dois aspectos positivos. Primeiro, ela coloca um limite no fisiologismo e na corrupção dentro da esquerda, que será forçada a refletir sobre isso. Segundo, ela pode vir a abortar a principal operação política que estava em curso, que era produzir uma falsa polarização eleitoral entre o PT e o PSDB. Se essa operação desse certo – ou se ela vier a dar certo – a hegemonia burguesa estaria bastante consolidada. Quem controla só a situação está sob permanente risco. Hegemonia pede controle da situação e da oposição. Estávamos marchando para o paradigma dos Estados Unidos: o Partido Republicano e o Partido Democrata se alternam no poder, sem colocar em risco a hegemonia da grande burguesia. A meu ver, Lula não tem como ser candidato nas eleições de 2006. Se for, terá de ser combatido duramente. BF – Mas é a direita que se fortalece... Benjamin – É claro que o PSDB e o PFL se fortalecem no curto prazo.
Mas não acredito que a sociedade aceite uma hegemonia unipolar da direita. A sociedade vai pedir a formação de um campo não neoliberal. Nosso maior problema político, nessa conjuntura, é identificar o contorno desse novo campo, suas forças sociais, seu programa mínimo, para sairmos de uma posição passiva e reativa e adotarmos uma posição propositiva. Precisamos pensar nossa ação em um contexto de alternativa ao neoliberalismo, se possível, já em 2006. Não sei se estaremos à altura desse desafio. Se ficarmos presos ao universo do governo e à luta interna do PT não conseguiremos enfrentá-lo. A crise do governo Lula, paradoxalmente, pode ser a crise do modelo neoliberal.
A crise do governo Lula, paradoxalmente, pode ser a crise do modelo neoliberal BF – Você defende um afastamento em relação ao PT. O partido, entretanto, não é só corrupção. Tem experiências organizativas e políticas fundamentais, que mudaram o cenário político brasileiro. Por exemplo, o orçamento participativo e as relações com movimentos sociais... Benjamin – Um ciclo da esquerda brasileira se encerra. O que não quer dizer que tudo que tenha sido feito nesse ciclo tenha sido negativo. Não se pode imaginar que vamos criar um novo absoluto. Esse, aliás, foi um problema presente na criação do PT, pois ele não reivindicou herança alguma. Jogou tudo o que havia existido antes na vala comum do erro. O fim de um ciclo não quer dizer que o conjunto de experiências tenha sido negativo ou que não haja herança a ser recuperada. O que caracteriza um ciclo é uma dada interpretação sobre a sociedade, uma forma de luta estratégica e uma organização política consolidada, que seja portadora daquela interpretação e condutora da luta estratégica. BF – E o que teremos pela frente findo o ciclo PT? Benjamin – Tivemos um ciclo longo do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que entrou em crise após 1964. A partir daí, até mesmo por causa da repressão, houve um período de diáspora. Nenhum centro hegemônico se consolidou até o surgimento do PT, no início dos anos 80. Houve 15 anos de intervalo. O fim do ciclo PT nos coloca o desafio de construir uma nova interpretação, uma nova organização política e uma nova
visão estratégica. Não é tarefa simples, que uma pessoa ou um grupo possam fazer. Depende de um processo, que envolve a dinâmica da esquerda e da sociedade. O PT, por exemplo, não surgiu de um ato de vontade. Foi fruto de um momento histórico preciso. BF – Enquanto isso, temos que esperar sentados? Benjamin – Não controlamos o surgimento de um novo ciclo. O que podemos fazer hoje é mudar nossa postura, pois a esquerda tem sido frouxa nos princípios e arrogante em sua auto-avaliação. Precisamos ser o contrário disso: firmes e humildes. Assumir claramente que temos de reaprender. Temos que lutar muito para conquistar a confiança do povo brasileiro. É um processo dolorido, que envolve prática, cultura política, valores. BF – Que condições temos de fazer isso? Benjamin – Toda a minha militância, desde que saí do PT em 1995, foi para tentar advertir que a trajetória do partido conduziria a esquerda brasileira à maior crise de sua história. Disse isso várias vezes – a primeira delas no próprio encontro nacional do PT no Espírito Santo, diante de 800 delegados – e paguei muito caro: calúnia, censura, isolamento. Nesse encontro, usei a expressão “ovo da serpente” para me referir ao “caixa dois” feito na campanha de 1994, à revelia da direção. Uma direção partidária que aceita passivamente que uma parte sua monte mecanismos paralelos de financiamento, aliando-se a bancos e empreiteiras, não pode ser chamada direção. É uma farsa. BF – Dissolução e corrupção como em qualquer partido de direita? Benjamin – Saí do PT quando percebi que não havia mais espaço para a batalha de idéias. A atividade partidária se transformara em mera composição de interesses, que passava pelo controle dos inúmeros “caixas dois” que se multiplicavam. Nesses anos todos, vi a rede de cumplicidades. A esquerda não reagiu. Parte dela foi comprada e aderiu a essa prática. Gostou de fazer campanhas eleitorais milionárias. Enriqueceu. Os companheiros que não se corromperam, que felizmente são muitos, fizeram uma crítica leve, pois havia carreiras em jogo, expectativas de poder, compromissos. O descalabro é enorme. Todos os dias aparecem 200 mil dólares para lá, 500 mil para cá, 5 milhões para lá. É uma quantidade de dinheiro extraordinária, levantada por uma máquina sistêmica, planejada, coletivamente organizada. Tenho a
Pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), César Benjamin integra a coordenação nacional do Movimento. Consulta Popular – organização política que reúne militantes de diversos movimentos sociais do país, que busca se constituir como pólo de reflexão e prática, na busca de alternativa para o Brasil, por meio da formação e articulação da militância e de apoio aos movimentos sociais. A Consulta Popular busca construir uma organização política que, sempre atuando junto do povo, possa disseminar amplamente uma nova interpretação do Brasil e propor ao país um programa de transformações estruturais. Assume como seu objeto de reflexão e de prática, de forma ainda mais plena, o Projeto Popular para o Brasil. Benjamin é autor de A Opção Brasileira (Contraponto Editora, 1998). Ele integra o Conselho Político do Brasil de Fato. impressão de que o governo Lula estava montando um esquema de corrupção poucas vezes igualado na história brasileira. BF – O Lula não pode reanimar essa esquerda em diáspora? Benjamin – O PT aderiu à ordem da pior forma possível, diferente da socialdemocracia européia, que aderiu com uma doutrina e com ganhos para sua base social. O PT se associou à ordem capitalista brasileira, nos anos 90, em um período em que não houve ganhos para a base social que o partido deveria representar. Aderiu sem doutrina e, uma vez no poder, tornou-se algoz de sua base social. Os líderes do PT, individualmente, mudaram de classe social. O dinheiro comandou o processo. Isso é muito grave. BF – No momento atual, o que é uma frente antineoliberal? Para que serve? Benjamin – Com o governo Lula, a crise brasileira chegou a um patamar novo. Não dá mais. Pegue o atual Orçamento da União. Em dez dias, o Brasil gasta em juros tudo o que investe em educação no ano. Em um dia de pagamento de juros, o Brasil gasta mais do que em habitação popular no ano. Em um minuto de pagamento de juros, gasta mais do que em política de direitos humanos no ano. Quando o país chega nesse ponto, não tem mais discussão técnica. Qualquer discurso que justifique isso é criminoso. O país está doente. O agravamento da crise brasileira é muito rápido. Isso pode facilitar uma política firme, ao mesmo tempo radical e generosa. Muitos setores honestos da sociedade estão percebendo isso. Acho que deveríamos elaborar um programa mínimo, antineoliberal, e definir claramente uma ruptura com o sistema que mantém o Brasil em estado de doença crônica.
Ano 3 • número 125 • De 21 a 27 de julho de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO HAITI
Soldados massacram famílias Em Porto Príncipe, operação de capacetes azuis fracassa e, pelo menos, 23 pessoas são assassinadas
N
a madrugada de 6 de julho, cerca de 350 soldados da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) tomaram de assalto Cité Soleil, bairro da capital haitiana Porto Príncipe. O objetivo da operação era assassinar Emmanuel Wilmer, líder do grupo Lavalas, que apóia Jean-Bertrand Aristide, presidente deposto em fevereiro de 2004 e exilado na África do Sul. Segundo reportou a agência estadunidense Associated Press, o porta-voz da Organização das Nações Unidas (ONU), Eloufi Boulbers, declarou que, além de Wilder, foram mortos bandidos armados que resistiram à ação dos soldados. Em nota oficial, a entidade Médicos Sem Fronteiras afirmou que a operação deixou 23 vítimas, mas que o número pode atingir 80. De acordo com jornalistas do Projeto de Informação do Haiti (HIP), pessoas foram mortas em suas casas, nas ruas e em seus locais de trabalho, mesmo estando desarmadas. Na operação, que contou com tanques e helicópteros, houve 26 feridos, principalmente mulheres e crianças. Tragédias como a do desempregado Fredi Romelus: soldados da Minustah assassinaram sua esposa e dois filhos. “Eles cercaram nossa casa. Eu corri, pensando que minha esposa e as crianças estavam atrás de mim. Mas não tinham con-
humanos. Até meados de junho, a atuação da Minustah era considerada apática por pesquisadores haitianos e estrangeiros, como apontaram relatórios do Centro de Estudos de Direitos Humanos da Escola de Direito da Universidade de Miami, Estados Unidos, e da entidade Anistia Internacional.
Fotos: Projeto de Informação do Haiti
João Alexandre Peschanski da Redação
MALOGRO LATENTE
Vítimas da ação dos soldados da Organização das Nações Unidas (ONU) em Cité Soleil, bairro de Porto Príncipe
seguido sair e os militares atiraram na casa”, contou Romelus, em entrevista a um repórter do HIP. Foram mortos Sonia Romelus, de 22 anos, e seus filhos Nelson e Stanley, de 1 e 4 anos.
SOB ATAQUE Em entrevista ao Brasil de Fato, em final de junho, Marc-Arthur
Fils-Aimé, do Instituto Cultural Karl Lévêque (ICKL), entidade de auxílio a trabalhadores haitianos, disse que os bairros populares de Porto Príncipe, como Cité Soleie e Bel Air, estão sob ataque constante da Minustah. “A Minustah está fracassando em sua missão, que era trazer a paz para o Haiti. Só há mais mortes e violência”, explicou. Em
MILITARIZAÇÃO
maio, com outras organizações, o ICKL assinou um documento exigindo a retirada das tropas. Os funcionários da Minustah estão no Haiti desde junho de 2004. Atualmente, são 8.837, de acordo com dados oficiais. Entre seus objetivos declarados estão: garantir um ambiente social estável, proteger civis e promover os direitos
SUL-SUL
Encontro andino reafirma integração Raimundo Lopez De Lima (Peru)
Para Washington, a Tríplice Fronteira é posição estratégica na doutrina de guerra
dalos de corrupção e contrabando, mas nesse caso teve participação direta dos Estados Unidos. Nos Arquivos do Terror – documentos do período da ditadura do paraguaio Alfredo Stroessner (1954-1989) –, sugere-se que as armas do Irangate passaram pela Tríplice Fronteira nos anos 80. Tratava-se de um esquema de venda de armamentos arquitetado pela CIA, que os trazia do Irã para abastecer os contra nicaragüenses, um grupo paramilitar mercenário dos Estados Unidos que combatia o governo sandinista.
IMPERIALISMO Para Washington, a Tríplice Fronteira é uma posição estratégica na doutrina de guerra de baixa intensidade e de guerra preventiva, como todo lugar fronteiriço. Além disso, o aqüífero Guarani, a maior reserva de água doce do mundo, está no extenso subsolo desta região. As tropas estadunidenses poderão receber armas e equipamentos. Terão também total facilidade para se locomover até o aeroporto de Mariscal Estigarribia, a cerca de 250 quilômetros da fronteira com a Bolívia. As pistas foram construídas pelos próprios Estados Unidos há tempos e têm dimensão de 3,8 mil metros. Ali, podem
aterrizar aviões B-52 e Galaxy, entre outros, para o desembarque de material bélico pesado. Para muitos analistas, está claro que poderão ser instaladas uma ou duas bases, sobretudo porque na doutrina de guerra de baixa intensidade essas posições permitem mobilizar rapidamente forças militares para “controlar situações que saiam da normalidade”. A cooperação do exército paraguaio com forças estrangeiras já gerou polêmica no país. Em 1997, o advogado Martín Almada, que descobriu os Arquivos do Terror de Stroessner, denunciou com provas que o exército paraguaio enviou para a secretária da Conferência dos Exércitos Americanos (CEA), em Quito (Equador), uma lista descrevendo o estado da “subversão” no país durante o primeiro semestre de 1997. Da relação constavam nomes de “subversivos”: os movimentos sociais, sindicais, estudantis, camponeses, indígenas e de direitos humanos, considerados “as novas insurgências”. Em depoimento à Justiça paraguaia, o militar que assinou o documento enviado à CEA afirmou que o procedimento de enviar lista de “subversivos” era comum a todos os exércitos da região (La Jornada, www.jornada.unam.mx)
A Comunidade Andina de Nações (CAN) deu novos passos rumo à integração dos seus paísesmembros no seu XVI Conselho Presidencial, celebrado em Lima, Peru, no dia 18. Uma das novidades do encontro foi que pela primeira vez participaram, como associados, as nações do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Fundada em 1969 por Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, a CAN definiu na ocasião seu próximo presidente. Será o Chefe de Estado venezuelano, Hugo Chávez, que em seu primeiro discurso na liderança do grupo fez um chamado à integração energética. “Petroandina será uma realidade, garantirá a energia de qualidade ao mais baixo custo possível para o desenvolvimento integral de seus povos”, disse Chávez, em referência à proposta de criação de uma empresa pública regional a partir da associação de estatais do petróleo da região. Bolívia, Equador e Venezuela concentram as principais jazidas de gás e petróleo da América Latina. Estiveram também no encontro os presidentes Álvaro Uribe (Colômbia), Alfredo Palacio (Equador), Alejandro Toledo (Peru) e
o chanceler boliviano, Armando Loaiza. Todos subscreveram, ao final da reunião, a “Ata de Lima”, que coloca a questão energética como um dos pontos centrais do encontro. Os presidentes também vão criar um fundo de coesão social de US$ 10 milhões. Chávez também evocou a figura do libertador Simon Bolívar para afirmar que não há integração real sem a participação dos setores populares. O líder venezuelano enfatizou que as negociações não podem ficar apenas em cima de temas comerciais. “Não há integração verdadeira, a integração de que necessitamos para nossa independência que ainda está pendente, sem os povos, que são os únicos que salvam a nossas nações”, afirmou Chávez. O presidente venezuelano disse, ainda, que o capitalismo e o neoliberalismo não são caminhos para os povos da região encontrarem seu bemestar. E afirmou que está otimista, pois há cinco anos, quando ocupou pela primeira vez a presidência da CAN, o grupo estava apático. Antes do encontro presidencial, em Lima, organizações sociais peruanas realizaram um massivo protesto em repúdio às negociações do Tratado de Livre Comércio (TLC) Andino com os Estados Unidos. (Prensa Latina, www.prensa-latina.com)
France Presse
A questionada presença dos militares dos Estados Unidos no Paraguai, iniciada há uma semana, estão levantando inquietações na América do Sul. Dia 26 de maio, o Congresso paraguaio aprovou a realização de 13 missões militares conjuntas até dezembro de 2006 e deu imunidade para as tropas estadunidenses. Durante esse período, os militares terão tratamento igual ao destinado aos diplomatas. Assim, poderão usar armas, equipamentos bélicos e realizar qualquer tipo de transgressão e “ação cívica” – termo que se interpreta como contra-insurgência, basicamente. Foi anunciado também que a Agência Federal de Investigação (FBI, sigla em inglês) abrirá um escritório na capital Assunção em 2006. Argentina, Brasil, e Bolívia já expressaram sua preocupação ante uma possível abertura de uma base militar estadunidense, iniciativa que Assunção e Washington estão negando publicamente. “O Paraguai não assinou acordo algum com os Estados Unidos para estabelecer uma base militar estadunidense no território da República”, registrou uma nota divulgada pelo Ministério da Defesa paraguaio. De qualquer forma, a decisão do Congresso já é vista como uma vitória da Casa Branca que conseguiu finalmente colocar suas forças na Tríplice Fronteira (formada pelas divisas de Argentina, Brasil e Paraguai). Depois do ataque de 11 de setembro, a Agência Central de Inteligência (CIA, sigla em inglês) tentou levantar suspeitas de que a região abriga células terroristas. Também espalhou que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) teriam feito seqüestros no Paraguai. Tudo apesar de as agências de inteligência dos três países negarem veementemente qualquer relação da Tríplice Fronteira com o terrorismo. A região já foi pivô de escân-
CMI
EUA avança sobre Tríplice Fronteira Stella Caloni de Buenos Aires (Argentina)
Em visita à França, nos dias 13 e 14, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou sobre o Haiti. Disse que a estabilização do país não depende de força militar, mas de desenvolvimento. “Não haverá presidente eleito no Haiti que consiga consolidar o processo democrático se junto com a eleição não for ajuda financeira internacional para que a gente possa garantir àquele povo o direito de se desenvolver”, declarou. Os governos de países como Canadá, Estados Unidos e França prometeram dinheiro para contribuir na reconstrução do Haiti, mas a ajuda nunca foi enviada. Lula não falou do massacre. Após a ação do dia 6, segundo o portal de notícias Centro de Mídia Independente, ativistas em diversas cidades estadunidenses estão fazendo piquetes em frente a consulados brasileiros. O comandante das tropas da Minustah, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, é brasileiro. No dia 21, estão sendo organizados protestos simultâneos em diversos países em repúdio ao massacre.
Os presidentes do Equador, Alfredo Palacio (à esq.), e da Venezuela, Hugo Chávez
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De 21 a 27 de julho de 2005
AMÉRICA LATINA GUERRA CIVIL
Colômbia, ainda distante da paz Antropólogo avalia que acordo das elites de alternância no poder está na raiz do surgimento das guerrilhas nos setores populares, mas também nas camadas médias, golpeadas igualmente pela perda do valor aquisitivo de seus salários. A política social do Estado tem sido restringida pela orientação do gasto social para o gasto militar. Tem sido restringida também pela insistência em ajustar o regime de pensão, o regime tributário e os serviços públicos de acordo com as exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Enquanto isso, o setor financeiro mostra índices crescentes de lucro e o fosso entre ricos e pobres apenas cresce.
France Presse
Gaudêncio Frigotto do Rio de Janeiro (RJ)
H
á 41 anos, quando nasciam as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), liberais e conservadores implementavam um pacto de alternância no poder, limitando o jogo institucional a essas duas forças políticas. Para o antropólogo Orlando Pulido Chaves, essa asfixia das forças alternativas acabou por produzir saídas radicalizadas, como os grupos guerrilheiros. Hoje, a Colômbia ainda vive um estado de guerra permanente, com milhares de mortos em um conflito que não vislumbra solução tão breve. “O setor financeiro mostra índices crescentes de lucro e o fosso entre ricos e pobres apenas cresce. Não há dúvida sobre quem estamos pagando a conta da guerra e do conflito”, avalia Pulido Chaves. Brasil de Fato – O que explica o estado de guerra há quatro décadas na Colômbia? Orlando Pulido Chaves – Na Colômbia, o desenvolvimento do capitalismo começou desde 1930, com base em uma indústria monopólica orientada à produção têxtil e de alimentos que empregava pouca força de trabalho assalariado, dentro da qual se destacava uma alta participação de mulheres. Entre 1930 e 1950, deu-se um processo de introdução de capital à agricultura por meio da lenta transformação da grande propriedade de produção extensiva de gado em grande propriedade capitalista. Esse fato implicou um lento processo de decomposição do campesinato e a articulação de formas “pré-capitalistas” de produção, como a parceria, o arrendamento e o colonato, entre outras. Para um país eminentemente agrário, isso significou a não resolução do problema do acesso à terra para os camponeses pobres. Também significou o desenvolvimento de uma agricultura comercial orientada à exportação e à produção de matériaprima para a indústria (algodão, arroz etc.). Um caso particular foi o café, o qual se orientou fundamentalmente à exportação mediante um modelo baseado na pequena e média propriedade, fato que originou um processo rápido de acumulação na zona cafeeira, traduzindo-se em uma melhoria significativa das condições de vida dos produtores e dos habitantes dessas regiões do país.
do capital no campo implicou uma acumulação originária expressada em um vagaroso processo de transformação do campesinato na força de trabalho assalariado. A dureza desse processo deu origem à época chamada “violência” dos finais dos anos 40 e começo dos anos 50, quando liberais e conservadores travaram uma acirrada disputa pelo poder, em função do tipo de desenvolvimento do capitalismo desejado para o país no marco do desenvolvimento mundial do pós-guerra.
com uma “milimétrica” divisão dos cargos públicos (meio a meio) entre os dois partidos e a exclusão de qualquer força política diferente dos dois partidos tradicionais. Com isso, esperavase pacificar o país e produzir as reformas institucionais requeridas para harmonizar o desenvolvimento nacional com o modelo internacional – importação de bens de capital e exportação de café, banana, carne e outros produtos. Nessa mesma época, triunfou a revolução cubana e os Estados Unidos responderam com a estratégia da Aliança para o Progresso, propondo a “década do desenvolvimento” para os países “subdesenvolvidos”.
BF – Quem venceu essa disputa entre liberais e conservadores? Pulido Chaves – Ocorre que a equação de que conservadores representando latifundiários se opõem a liberais comerciantes e industriais não se cumpriu em termos clássicos. Mas mesmo assim é certo que a grande propriedade territorial se constituiu em um obstáculo para o desenvolvimento geral do capitalismo, como já havia descrito David Ricardo (economista inglês do séc. XIX). Há um conflito entre a defesa do modelo de uma via rápida do desenvolvimento do capitalismo no campo, baseada na pequena e média propriedade, e a defesa da grande propriedade e sua lenta transformação em fazenda capitalista. A oposição entre esses dois modelos, gerou uma violência crescente no campo, propiciada por grupos armados partidários, que afetava a estabilidade institucional. Foi nessa época, no final dos anos 50, que se firma, na Espanha, um acordo bipartidário chamado “Frente Nacional”, pelo qual liberais e conservadores se revezariam no poder a cada quatro anos, durante quatro períodos. Essa alternância estava complementada
“A população refugiada pode ser considerada a materialização dramática dos custos de uma guerra que o presidente Uribe está empenhado em esconder”
CMI
BF – E como avançou esse processo de introdução do capital no campo? Pulido Chaves – Articulado à agricultura comercial e à economia cafeeira, formou-se um importante setor de proletários agrícolas itinerantes que percorriam o país, sobretudo nas épocas de plantio e da colheita. A lenta penetração
Lançada pelo presidente Álvaro Uribe, campanha pelo desarmamento foi puro jogo de cena que beneficiou os paramilitares
Colombianos protestam contra a guerra patrocinada pelos Estados Unidos
BF – Qual o balanço dessa época de “Frente Nacional”? Pulido Chaves – Esse processo iniciado em 1958 pode ser resumido como um ordenamento institucional favorável ao desenvolvimento lento do capitalismo na agricultura e na indústria. Além disso, gerou uma ampla massa de camponeses pobres e sem terra, ligados a uma importante massa de proletariado agrícola, que ainda hoje não se decompôs em força livre de trabalho e nutre nossos campos de produtores e de colhedores de coca e de combatentes para as guerrilhas e os paramilitares. A “Frente Nacional” fortaleceu as guerrilhas pelo fato de fechar os canais de participação da oposição e da construção de alternativas democráticas. Isso gerou também uma esquerda reprimida e desarticulada durante os anos 70 e uma cidadania desmotivada e abertamente antipolítica pelos excessos da burocratização, da corrupção e do clientelismo. Mas a principal conseqüência desse período de alternância entre liberais e conservadores, acima de todas as coisas, é uma enorme expectativa de que, com o livre jogo democrático, além dos dois partidos tradicionais, seria aberto o campo para a irrupção de terceiras forças capazes de acabar com as hegemonias estabelecidas e consolidadas durante esses 17 anos.
BF – Quais são os grupos envolvidos e como se situam hoje? Pulido Chaves – O balanço anterior permaneceu quase sem modificações até a década de 90, quando os ajustes capitalistas que acompanharam a finalização da guerra fria introduziram a lógica do mercado e propiciaram a aparição das tendências neoconservadoras ou neoliberais que hoje se implementam em nossos países. A década dos 80 frustrou pela violência estatal e paramilitar e os intentos de consolidação de alternativas unitárias. O resultado foi não só a consolidação das guerrilhas existentes mais importantes – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e Exército de Libertação Nacional (ELN) – como também o surgimento de grupos novos, como o M-19, nascido de uma polêmica eleitoral da Aliança Nacional Popular. A vinculação do narcotráfico com grupos paramilitares e a luta pelo controle do território gerou uma escalada de violência que lembrou os piores tempos de “a violência”. As forças paramilitares se unificaram politicamente sob o nome de Auto Defesas Unidas de Colômbia (AUC) e seguem operando, apesar de suas estruturas regionais independentes e interesses diversos, ligados somente pelo objetivo comum de derrotar as guerrilhas. Esses grupos usaram métodos extremamente violentos para desalojar territórios tradicionalmente ocupados pelas guerrilhas, visando em primeiro lugar a população civil, que sofreu assassinatos massivos, torturas, ameaças, seqüestros, despejos e confinamento. Calcula-se que cerca de 3 milhões de pessoas tiveram de deixar suas casas por esse tipo de violência. Em represália, as guerrilhas reproduziram essa mesma lógica de ataque nas zonas dominadas pelas autodefesas. Ambas, as guerrilhas e as autodefesas disputaram territórios-chave para a produção e o processamento da coca, principal fonte de seus recursos. BF – Quem paga a conta? Quem são os mais prejudicados nesse conflito? Pulido Chaves – A população refugiada pode ser considerada a materialização dramática dos custos de uma guerra que o atual presidente da República, Álvaro Uribe, está empenhado em escolher. O fenômeno é visível praticamente em todas as grandes cidades do país. O desemprego tem aumentado de maneira dramática, ampliando o exército de desocupados não só
“Há um refluxo na mobilização social, acompanhado por um avanço das políticas neoliberais na saúde, na educação e no sistema de pensão” BF – Que perspectivas há de solução e de que depende? Pulido – O governo estadunidense apóia decididamente o governo colombiano por meio do Plano Colômbia e sua continuação mediante o Plano Patriota, fator de grande importância dado o triunfo de George W. Bush e o ambiente favorável à reeleição de Uribe para o próximo período. Fala-se que a embaixada dos Estados Unidos na Colômbia está entre as três maiores do mundo. A guerrilha segue recuada e o exército não mostra resultados contundentes do ponto de vista militar. Eleitoralmente, as forças alternativas somente alcançam triunfos locais, alguns importantes como o caso das prefeituras de Bogotá e Medellín, mas não conseguem unificar todo o campo da esquerda democrática. A possibilidade de uma solução imediata não é clara. Em geral, pode-se dizer que há um marcado refluxo na mobilização social, acompanhado por um avanço das políticas neoliberais na educação, saúde e sistema de pensão. Busca-se uma reforma tributária e avança-se nas negociações relacionadas com a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e do Tratado de Livre Comércio (TLC) Andino, apesar de haver posições cautelosas em agricultura. Os setores sociais ligados a processos de mobilização estão desarticulados, apesar de evoluírem em propostas de unificação de ações. Por outro lado, é importante destacar que o cenário internacional é decisivo para a análise das possibilidades internas. Cremos que o futuro dos movimentos alternativos no poder está diretamente ligado à existência de, pelo menos, um ambiente internacional favorável, quando não de um acerto democrático amplo que garanta não apenas acesso ao poder, mas a possibilidade de se manter no poder durante um período de tempo suficientemente longo para consolidar transformações irreversíveis.
Quem é Antropólogo e pesquisador colombiano, Orlando Pulido Chaves é também coordenador da Plataforma de Análise e Produção de Políticas Educativas da Universidade Pedagógica Nacional.
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INTERNACIONAL IRAQUE
Enquanto houver Bush, o lucro é certo Igor Ojeda da Redação
France Presse
Relatório aponta negociatas e ilegalidades da petroleira Halliburton, favorecida pelo governo estadunidense SUPERFATURAMENTO
A
reunião era secreta. Em alguma sala do Pentágono – o comando militar dos Estados Unidos – estavam presentes o diretor da Divisão de Engenharia do Exército, Carl Strock, vários integrantes do Departamento de Estado e vários representantes da Halliburton, empresa estadunidense de serviços petroleiros. A pauta era a escolha da empreiteira que iria ganhar o Restore Iraqi Oil (em português, algo como restaurar o petróleo iraquiano), contrato que poderia render bilhões de dólares pelos próximos cinco anos. Detalhe: sem nenhum tipo de licitação. Três semanas depois desse dia, 26 de fevereiro de 2003, teria início a invasão estadunidense ao Iraque. Bunnatine Greenhouse, a chefe de compras do Exército, não acreditava no que via. Ela sussurrou no ouvido de Strock se não seria mais apropriado que os representantes da Halliburton saíssem da sala. Um tanto contrariado, Strock concordou. Bunnatine argumentou então que cinco anos era muito. Um ano era suficiente e depois deveria se abrir uma concorrência. Mas sua proposta foi ignorada. No dia seguinte, um contrato de exclusividade feito em nome da Halliburton chegou à chefe de compras, que não teve outra escolha senão assinar. Menos de duas semanas antes da invasão, dia 6 de março, uma mensagem de um oficial da Divisão de Engenharia do Exército assegurava “autoridade para executar o contrato”, depois da aprovação de Paul Wolfowitz, hoje presidente do Banco Mundial, na época vice-Secretário de Defesa. A mensagem por correio eletrônico, codificada, dizia ainda que “a ação foi coordenada com o escritório do vice-presidente” Dick Cheney, coincidentemente ex-diretor da Halliburton entre 1995 e 2000. Essa história, e muitas outras,
Halliburton faturou 7,1 bilhões de dólares em contratos governamentais com o governo estadunidense no Iraque
está no Houston, we still have a problem (Houston, ainda temos um problema), 2o. Relatório Anual Alternativo da Halliburton, lançado em maio e escrito por Pratap Chatterjee, diretor da organização CorpWatch, e Andrea Buffa, da Global Exchange. O nome é uma referência ao primeiro relatório, Houston, we have a problem (Houston, temos um problema), de 2004 – uma alusão à famosa frase do comandante da Apollo 13, antes da explosão de um tanque de oxigênio da nave, em 1970, e ao fato da Halliburton estar sediada na cidade de Houston, no Texas.
GRANA PESADA O relatório conta, por exemplo, que em 2004 a Halliburton faturou nada menos que 7,1 bilhões de dólares em contratos governamentais no Iraque, cerca de um terço de sua receita total. Quase o dobro em relação a 2003. Além disso, a empresa ganhou outros 900 milhões
de dólares do governo em outras partes do mundo, como Afeganistão e Balcãs. Para efeito de comparação, entre 1990 e 1995 (ou seja, antes de Cheney, com seus contatos na Casa Branca, assumir a diretoria), o faturamento médio anual foi de “apenas” 240 milhões de dólares. Em março de 2003, técnicos da Halliburton desembarcaram no Iraque com a missão de apagar o fogo dos poços de petróleo. Depois disso, o Pentágono rapidamente estendeu o contrato, incluindo o fornecimento de combustível. No meio do ano, após pressão externa, o exército abriu concorrência e, em janeiro de 2004, dois novos contratos foram concedidos: outro de 1,2 bilhão de dólares para a Halliburton trabalhar nos campos de petróleo do Sul, e um de 800 milhões de dólares para a empresa Parsons-Worley Team trabalhar no Norte. No entanto, em abril do mesmo ano, Sheryl Tappan, negociadora
da empresa Bechtel, uma das concorrentes derrotadas, publicou o livro Shock and awe in Fort Worth: how the US Army rigged the“Free and Open Competition” to replace Halliburton’s sole-source oil field contract in Iraq (Choque e terror em Fort Worth: como o Exército dos EUA falsificou a “competição livre e aberta” para repor o contrato exclusivo de campo de petróleo da Halliburton no Iraque). Nele, Sheryl conta como oficiais do Pentágono “mentiram e enganaram os concorrentes da Halliburton e violaram leis federais para garantir que a empresa ficasse com todo o trabalho no Iraque relacionado ao petróleo”. Por exemplo: informações importantes sobre a licitação (por sinal, baseada em plano redigido pela própria Halliburton, por 1,9 milhão de dólares) ficaram detidas – contrariando lei federal – até apenas 13 dias antes das propostas serem feitas, em 14 de agosto.
MILITARIZAÇÃO
PETRÓLEO
Assalto ao Cáucaso
Países da Ásia Central pedem retirada de bases dos EUA
Pascal Airault de Paris (França) Em maio, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliev, e seus colegas Mikhail Saakachvili, georgiano; Ahmet Necdet Sezer, turco, e Nursultan Nazarbaiev, cazaque, abriram simbolicamente as torneiras do oleoduto Baku-Tbilis-Ceyhan (BTC). Foi a concretização de um projeto levado a ferro e fogo pelos Estados Unidos desde a derrocada da União Soviética. Objetivo: traçar um novo caminho para o petróleo do Cáspio, sem passar pela Rússia. O Mar Cáspio representa entre 2% e 6% das reservas mundiais de petróleo. O oleoduto, de 1.765 quilômetros, atravessa o Azerbaijão e a Geórgia e chega a Ceyhan, porto mediterrâneo no Sudeste da Turquia. Quase todo o óleo bruto – um milhão de barris por dia, na meta final – será levado por petroleiros à Europa e aos Estados Unidos, que
estadunidense Geroge W. Bush. O ditador do Uzbequistão, Islam Karimov, por exemplo, não gostou dos pronunciamentos de líderes do Ocidente (em particular dos EUA) em relação aos direitos humanos, depois do massacre de 700 civis em Andijan, ocorrido em abril. Na cúpula de Astana, Karimov criticou as “revoluções coloridas” que Washington está bancando nos países ex-soviéticos. O presidente reeleito do Quirguistão, Kurmanbek Bakiev, tam-
bém pede que os Estados Unidos fixem uma data para a retirada das bases em tempo breve. Os EUA implantaram base perto da capital, em 2001, oficialmente para apoiar as operações militares no Afeganistão. “Mas no Afeganistão já houve eleições presidenciais e parlamentares e a situação no país parece estabilizada; por isso, podemos discutir sobre a necessidade da presença de forças militares na região”, disse Bakiev. (Il Manifesto, veículo parceiro do Brasil de Fato, www.ilmanifesto.it)
com isso reduzem sua dependência em relação ao Oriente Médio. Um consórcio capitaneado pela British Petroleum (BP) precisará de seis meses e 10 milhões de barris para encher o oleoduto. O projeto é mais político do que econômico, diz Konstantin Kossachiov, presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Duma, a Câmara do Parlamento russo. Tratase de obter petróleo do Cáspio sem passar nem pela Rússia, nem pelo Irã, e de arrumar uma razão para a presença militar dos Estados Unidos na região. Do consórcio do oleoduto, além da BP, fazem parte as empresas que financiaram um terço do empreendimento, no total de 4 bilhões de dólares. Os dois terços restantes foram financiados pelos bancos governamentais estadunidense e japonês, o Banco Mundial e o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (Berd). (Jeune Afrique, www.jeuneafrique.com)
Arquivo Brasil de Fato
Astrit Dakli de Astana (Cazaquistão) “A fase aguda das operações antiterror no Afeganistão está com os dias contados e chegou a hora de os países da aliança comandada pelos Estados Unidos estabelecerem uma data para a retirada de suas bases e de seus militares dos países da região.” O pedido ao governo dos Estados Unidos de retirar suas tropas do Uzbequistão, Quirguistão e Tadjiquistão veio dos presidentes e chefes de Estado que participaram da cúpula da Organização para a Cooperação de Xangai – que reune, além da Rússia e da China, quatro países da Ásia Central (Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão e Tadjiquistão), reunidos na capital cazaque, Astana, dia 12. Estavam presentes também na reunião, como observadores internacionais, representantes do Irã, da Índia e do Paquistão. Desde 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos mantém bases nos quatro países da ex-União Soviética. “Os nossos militares estão lá por conta de acordos bilaterais entre Estados; e não com organizações ou alianças regionais”, respondeu o governo estadunidense por meio do porta-voz do Departamento de Estado. O fato é que nos últimos meses os governos da região estão redimensionando seu apoio à política antiterror do presidente
Uma vez no Iraque, não demorou para que surgissem problemas relacionados à atuação da Halliburton. Em janeiro de 2004, a empresa anunciou publicamente a devolução ao Exército de 6,3 milhões de dólares superfaturados em produtos e serviços, além de admitir que dois de seus empregados aceitaram suborno de uma empresa kuwaitiana em troca de um contrato lucrativo de terceirização. Descobriu-se depois que esses haviam sido apenas dois de muitos casos. Enquanto isso, a Halliburton sofria investigação por superfaturar a gasolina fornecida para o Exército no Iraque, ainda sob o contrato concedido secretamente antes da invasão. Uma auditoria interna do Pentágono confirmou a veracidade das acusações, mas essa informação foi apagada da versão do relatório enviada em outubro de 2004 para a Comissão Internacional de Inspeção Consultiva (Iamb, em inglês), um corpo internacional criado pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para garantir o uso adequado dos rendimentos com o petróleo iraquiano. Cerca de cinco meses depois, o deputado democrata Henry Waxman obteve a versão completa do documento: o Pentágono havia censurado a informação de um superfaturamento de 108 milhões de dólares na importação do combustível para o Iraque. Em abril de 2005, outras auditorias indicaram que o valor total de custos questionáveis chegava a 212,3 milhões de dólares. Uma revisão dessas auditorias, realizada pela equipe de Waxman, apontou que mais de 450 referências a tais irregularidades foram retirados da versão enviada à Iamb. O relatório alternativo da Halliburton, em inglês, pode ser obtido no endereço eletrônico www.corpwatch.org/downloads/ houston.2005.pdf
Plano dos Estados Unidos é controle militar e econômico da Ásia Central
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INTERNACIONAL ONU
G-4 e africanos discutem proposta comum da Redação
O
projeto de resolução dos países africanos – que defende a ampliação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CS-ONU) com seis novos integrantes permanentes com poder de veto – chegou à Assembléia Geral das ONU, dia 13. O plano foi apresentado separadamente por alguns países da África, e não em nome do bloco africano, de 53 membros. Apesar da apresentação formal, os africanos permanecem abertos à negociação com os demais grupos com propostas de reforma do Conselho, segundo o chanceler nigeriano Olu Adeniji, líder da equipe de negociadores da União Africana. “A África deseja que sua posição fique estabelecida, mas não exclui negociar com outros grupos”, destacou Adeniji. Nesse sentido, dia 17, representantes da África e do G4 (formado por Brasil, Alemanha, Índia e Japão) discutiram as propostas para chegar a um acordo. O ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, disse que a reunião foi positiva e que há mais pontos em comum do que diferenças entre os dois blocos. A África quer uma
Divulgação
Posição de países africanos é decisiva para o Brasil obter vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas
O chanceler brasileiro, Celso Amorim (centro), aposta no apoio dos 53 países africanos para a reforma do Conselho de Segurança
vaga a mais no Conselho, como membro não permanente, do que a prevista na proposta. Hoje, o continente tem três assentos não permanentes e, com a reforma sugerida pelo G4, passaria a ter duas vagas permanentes e uma não. “Além disso, há divergências em relação
ao poder de veto. Em tese, todos nós somos contra a discriminação na questão do veto. Uns querem acabar e outros gostariam que ele existisse de maneira igual. Temos que ter uma visão realista do que é possível”, afirmou Amorim. Na prática, a unificação sig-
ÁFRICA DO SUL
nificará a possibilidade de o G-4 contar com os 53 votos dos países africanos. Fontes do Itamaraty asseguram que, com esse apoio, estariam garantidos os 128 votos necessários para a aprovação do modelo de reforma do Conselho de Segurança preconizado pelo G-4.
GUINÉ-BISSAU
Ao completar 87 anos, Mandela legado político
Clima de tensão antes das eleições
Dia 18, o advogado, líder político e herói sul-africano da luta contra o apartheid, Nelson Mandela, completou 87 anos renovando seu compromisso em defesa das causas sociais. Ao contrário de aniversários anteriores, em que ele comemorou ao lado de estrelas do cinema e de crianças, este ano as comemorações mostraram mais a herança política de Mandela. “O maior perigo é que seu legado seja entendido de maneira puramente mecânica, ou em termos políticos, e esvaziada de seu humanismo”, disse Mac Maharaj, ex-ministro do transporte que passou 12 anos como prisioneiro político ao lado de Mandela, na prisão-ilha de Robben, na África do Sul. “Mandela tem sua força e suas fraquezas como todos nós, mas precisamos entender sua capacidaApartheid – Regime de de se conracista imposto aos trolar, de ver o negros pela minoria que precisa ser branca da África do Sul por quase 50 feito, e de fazêanos. lo”, afirmou. “Os historiadores e outros especialistas nas questões do tempo me dizem que outro aniversário está próximo, que logo eu farei cem anos”, disse Mandela, bem disposto, na sede da fundação que leva seu nome, em Johanesburgo. Em 1994, tornouse o primeiro presidente negro da África do Sul e governou até 1998. Desde que deixou a vida pública, em julho do ano passado, Mandela vem reduzindo suas atividades. Aparece em público apoiado em uma bengala ou pelo braço de um assessor, e passa longos períodos em casa com a família, incluindo sua terceira mulher, Graça Machel, viúva de Samora Machel, presidente e líder da independência de Moçambique. Mas ele ainda leva mensagens da luta contra o HIV/Aids e a pobreza. E, quando da invasão dos Estados Unidos ao Iraque, teceu duras críticas ao imperialismo. Conhecido pelo apelido “Madiba”, no interior do país, Mandela viajou para o Círculo Ártico, este ano, em apoio à batalha contra a Aids, participando de um concerto de rock norueguês que fez parte de sua campanha contra a epi-
France Presse
da Redação da Redação
Dia 25, os ministros das Relações Exteriores dos dois blocos voltam a se encontrar. “Espero que possamos consagrar uma nova posição comum. Temos que estar prontos para lidar com as diferenças”, disse Amorim. O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas foi criado em 1946 e tem como membros permanentes China, Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia. Outros dez países têm assento temporário. O projeto do G4 propõe aumentar de 15 para 25 os países integrantes do Conselho. Sugere ainda aumentar para 11 o número de integrantes permanentes, com um representante da América, mais um da Europa, dois da Ásia e dois da África. A expectativa é de que a proposta seja votada ainda este mês na Assembléia da ONU. Se aprovada, em setembro deverão ser definidos os países que farão parte. Dia 12, porém, os Estados Unidos pediram à Assembléia Geral da ONU a rejeição do projeto do G4. “Pedimos que seja rejeitado e, se for a votação, que votem contra”, disse Shirin Tahir-Kheli, assessora da secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice. (Com agências internacionais)
Para maioria dos sul-africanos, Mandela continua simbolizando a esperança
demia, que tem como lema a frase: “46.664, dê um minuto de sua vida para parar a Aids”. O número 46.664 era o registro de Mandela na prisão de Robben, onde ele esteve por 28 anos, condenado à prisão perpétua sob acusação de conspiração contra o governo segregacionista branco da África do Sul.
TRAGÉDIA PESSOAL A campanha – considerada a maior já organizada contra a doença – virou um projeto de longo prazo, sob a chancela da Fundação Nelson Mandela, uma das três instituições criadas por ele. As outras são o Fundo Nelson Mandela para a Infância e a Fundação Mandela Rhodes. Assessores dizem que Mandela continua com boa saúde para a idade, mas o ano foi difícil para sua vida privada e pública. Em janeiro, seu filho mais velho, Makgatho, morreu de Aids aos 54 anos. Ele usou sua tragédia pessoal para, mais uma vez, fazer campanha contra a doença que contaminou,
segundo estimativas, 5 milhões de seus conterrâneos – o maior índice do mundo. Para a maioria dos sulafricanos, Mandela continua acima do bem e do mal e símbolo da esperança. A Fundação Nelson Mandela celebrou o aniversário com uma palestra, dia 19, da ambientalista queniana Wangari Maathai, ganhadora – assim como ele – do Prêmio Nobel, e com a divulgação de uma história em quadrinhos (HQ) para levar a mensagem do ícone sul-africano aos jovens. Mandela espera que isso estimule o hábito da leitura entre as novas gerações do país: “Uma das tristes realidades de hoje em dia é que pouquíssima gente, especialmente os jovens, lê livros. As futuras gerações correm o risco de perder sua história”. Como parte das comemorações pelos 87 anos de Mandela, também foi publicado um livro, intitulado Um prisioneiro no jardim, com fotografias inéditas e novas informações relacionadas a seu período na prisão. (Com agências internacionais)
Dois policiais foram mortos e outros dez ficaram feridos, dia 16, em Guiné-Bissau, quando homens armados atacaram vários edifícios públicos e militares – inclusive o palácio presidencial. Mas a calma reinava em Bissau, poucas horas depois dos ataques. O Estado Maior das Forças Armadas afirma que a “situação está sob controle”. Poucos habitantes e veículos foram vistos circulando pelas cidades, segundo constatou um jornalista da Agência France Presse. Ele també informou que as forças de segurança circundavam muitos edifícios públicos, como o palácio presidencial, o prédio do primeiro ministro, o do Ministério da Administração Interna e o das Relações Exteriores, assim como o da Comissão Nacional Eleitoral. O país deve votar, no dia 24, pelo segundo turno das eleições presidenciais, em que se depositam as esperanças de pôr fim ao período de transição, nesse pequeno Estado da África ocidental, mergulhado há muitos anos na instabilidade, com seguidos golpes de Estado. Os incidentes são “atos isolados, sem ligações com as estruturas militares, perpetrados por pessoas que querem perturbar o processo de normalização institucional em curso”, assegurou o Estado Maior, num comunicado publicado dia 16. “As Forças Armadas estão em alerta máximo e pedem aos diplomatas e aos exilados para ficar calmos e não se assustar, pois a situação está sob controle”, completa o texto. O ministro da Administração Interna, El Hadj Joaquim Mumini Embalo, contou que vinte pessoas foram interpeladas, em meio aos rebeldes – cujo número total e cujas motivações não foram imediatamente detectadas. Os presos foram levados à Divisão de Investigações Criminais, que fica no mesmo local do Ministério da Administração Interna. De acordo com fontes militares, a tentativa dos rebeldes, armados com fuzis kalachnikov, de atacar o palácio presidencial e o Ministério da
Administração Interna, fracassou. Eles tentaram igualmente penetrar no edifício da Marinha Nacional em Pindjiguity (região central), nos edifícios do Estado Maior em Santa Luzia (Sul de Bissau) e no da Brigada Motorizada em Bra (no Norte da capital). Dois oficiais disseram que a maior parte dos rebeldes faz parte de um regimento de pára-quedistas. Enquanto alguns oficiais preferiam o anonimato, outros ostentavam a efígie do antigo presidente João Bernardo Vieira, o “Nino”, atualmente em campanha para o segundo turno das eleições presidenciais. Vieira, que dirigiu o país de 1980 a 1990, enfrentará outro antigo presidente, Malam Bacai Sanha, que dirigiu o país durante um período de transição (de maio de 1999 a janeiro de 2000). (Jeune Afrique,www.jeuneafrique.com, tradução de Gabriel Mitani)
GUINÉ-BISSAU Localização: Oeste da África Nacionalidade: Guineana ou Guineense Línguas: Português, crioulo (oficial), dialetos regionais Divisão administrativa: 8 regiões e 1 setor autônomo População: 1.080.000 habitantes em 1995 Moeda: Franco CFA Religiões: A religião predominante é o animismo (54%), muçulmanos correspondem a 38% da população e 8% de cristãos católicos. Além das crenças tribais, o islamismo desponta entre as religiões do país.
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NACIONAL DITADURA
A luta pelo esclarecimento dos crimes Fotos: Samuel Iavelberg
Jornalista que escapou de cilada e família de Iara Iavelberg não poupam esforços para buscar a verdade Dafne Melo da Redação
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uenos Aires, Natal de 1973. O jornalista Aluízio Ferreira Palmar, exilado político brasileiro, recusa um convite do ex-sargento Alberi Vieira dos Santos para retomar a luta armada no Brasil. Alberi, que tinha sido preso em 1965 após comandar uma revolta contra o regime, também faz o convite aos companheiros de militância na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Onofre Pinto, José Lavechia, os irmãos Daniel José de Carvalho e Joel Carvalho, Victor Ramos, e o estudante argentino Enrique Ernesto Ruggi, de 18 anos, recém-integrado ao grupo. “Na época, a desconfiança era muito grande”, conta Palmar. Seis anos depois, quando voltou ao país após a anistia, o jornalista procurou saber o que havia acontecido com os companheiros: eles se tornaram desaparecidos políticos. Alberi – que seria morto em 1977 em queima de arquivo – tinha montado uma cilada em ação conjunta com o coronel Paulo Malhães onde os cinco militantes foram assassinados, em 11 de julho de 1974. Desde então, Palmar passou a pesquisar o episódio. “Isso é parte da minha história, o que teria acontecido comigo se aceitasse o convite? O que exatamente aconteceu com meus companheiros?” Em meio a suas apurações, Palmar conseguiu localizar uma testemunha. “Essa pessoa não fala diretamente comigo, não sei por que, mas não quer. As conversas têm um intermediário”, explica. Sabe-se que o local do crime foi a Estrada do Colono, via de 17,6 quilômetros que corta
Iara Iavelberg, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro
o Parque Nacional do Iguaçu, entre as cidades de Serranópolis do Iguaçu e Capanema. “A testemunha confirmou a cilada e contou o episódio com riqueza de detalhes”, conta Palmar. Com essas informações, foi possível entrar com um pedido para o governo realizar buscas dos restos mortais dos militantes, o que aconteceu de forma sigilosa, de 5 a 11 de maio. As buscas cessaram sem que se achasse qualquer vestígio. Palmar acredita que, de fato, faltam informações mais precisas sobre o local onde se deram os crimes, informações que provavelmente estão em algum arquivo. “Em algum lugar há registro da Operação Jacutinga (como foi batizado o episódio pelos militares). Abrir esses arquivos facilitaria as buscas”, explica Palmar, que conta com o apoio do deputado federal Irineu Colombo (PT-PR). “Assim que obtivermos algo mais preciso, vamos refazer o pedido. Sabemos que há participantes da cilada vivos. Mas, sem documentos, pouco se pode fazer”, lamenta o jornalista.
Parentes e amigos de Iara, companheira do capitão Lamarca
Palmar conta que foi difícil voltar ao local onde os companheiros foram mortos: “Eu passei muito mal. A emoção até hoje é muito forte, tenho seqüelas que não são físicas, mas mentais. Eles voltaram para o Brasil para lutar por um mundo melhor, por uma utopia – sem julgar se a forma de ação era certa ou errada – e foram executados friamente”.
MAIS CRIMES REVELADOS O ocultamento dos arquivos da ditadura também dificulta o esclarecimento da morte de Iara Iavelberg, outra militante da VPR, e posteriormente, da VAR-Palmares e do MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), em 1971, em Salvador (BA). A versão oficial da ditadura é que Iara, companheira do capitão Carlos Lamarca, teria cometido suicídio após se ver cercada por policiais no apartamento onde estava escondida. Tanto os documentos de sua autópsia, quanto os que relatam a cena do crime desapareceram. Resta apenas um fragmento de papel, onde aparece a palavra “suicídio?”, escrita por Charles Pittex, o médico legista autor da autópsia. Após uma longa batalha com a entidade que administra o cemitério israelita, em São Paulo, onde a militante foi enterrada, a família de Iara conseguiu, em 2003, autorização para realizar a exumação de seu corpo, enterrado com “desonras”. De acordo com a religião judaica, o suicida deve ser enterrado em uma área reservada no cemitério. Em maio deste ano, o laudo do médico Daniel Romero Muñoz, perito da Universidade de São Paulo (USP), concluiu que “é improvável que a morte de Iara Iavelberg tenha
Exumação do corpo de Iara Iavelberg, no Cemintério Israelita em São Paulo
ocorrido por suicídio”. Agora, a família aguarda o parecer da Justiça que, se for favorável, permitirá, enfim, o sepultamento do corpo fora da área reservada.
MOTIVO POLÍTICO Para o fotógrafo Samuel Iavelberg, irmão da militante, o importante é mostrar que esse é mais um dos crimes cometidos pela ditadura militar no país: “Todos os casos em que a ditadura alegou suicídio, ficou provado que era mentira”. E mesmo se sua irmã tivesse se suicidado, Samuel acredita que ela não merece ser enterrada com desonra: “Para nós, sempre foi uma questão política. Se ela de fato se matou, vemos isso como um ato de bravura, pois sabia que poderia ser torturada para que entregasse seus companheiros”. A luta com a entidade administradora do cemitério onde Iara foi enterrada pode não ter acabado. Segundo a religião judaica, após ser
enterrado, o corpo é inviolável. Samuel, entretanto, acredita que a entidade usa o argumento religioso para, na verdade, mascarar um motivo político. Caso o parecer do juíz seja favorável ao laudo, a entidade ainda pode recorrer. Atualmente, os restos mortais de Iara estão com a família e caso ela não possa ser enterrada em uma área normal, “ela não voltará a ser enterrada lá”, diz Samuel. Atualmente, no Brasil, ainda perdura a lei do “sigilo eterno”, criada por Fernando Henrique Cardoso em 2002, e reeditada por Luiz Inácio Lula da Silva em novembro do ano passado, com uma pequena mudança nos prazos. Segundo a lei, o período para a abertura dos arquivos é de 5 a 30 anos, dependendo do quão confidencial é o documento. Continua também a possibilidade de documentos serem mantidos em sigilo por prazo indeterminado, principal crítica ao decreto de FHC.
PERSEGUIÇÃO
Berlusconi pede extradição de ex-sindicalista O sociólogo italiano Pietro Mancini, que vive no Brasil há mais de 25 anos, está preso no Ponto Zero, um departamento policial do Rio de Janeiro, a pedido do governo fascista de Silvio Berlusconi, que quer sua extradição. Nos anos 70, Mancini foi dirigente sindical metalúrgico e militou na organização de esquerda Luta Operária. Perseguido, Mancini veio para o Brasil, atraído pela redemocratização e pelo crescimento político-cultural do país. Mancini escolheu o Rio de Janeiro como local de um exílio que, em 1980, logo se transformou em integração total, a ponto de optar pela nacionalidade brasileira. Na empresa Studio Line, Mancini produziu e dirigiu programas de televisão, documentários, vídeo clipes, campanhas institucionais, realizando todas as campanhas políticas do PV. Para entender o contexto dessa história, porém, é necessário lembrar alguns fatos. Brasileiros, argentinos, uruguaios ou chilenos associam a expressão “Justiça do Estado de Emergência” a Tribunal
Especial, presos políticos, limitação das garantias constitucionais e, sobretudo, a repressão indiscriminada, onde apenas quem se presta a cumprir a função de delator é poupado. Na Itália, não houve os ferozes torturadores do Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e tampouco a Operação Bandeirantes. Porém, houve uma situação de conflito social que os especialistas chamaram de “guerra de baixa intensidade”, durante quase 20 anos. Isso inclui cinco tentativas de golpe de Estado para enquadrar e aterrorizar os partidos do arco constitucional e a implementação de uma crescente “estratégia da tensão”, desde o início da rebelião estudantil, em 1968, até as últimas grandes operações policiais de 1989. O resultado é um cenário que poucos gostam de rever, uma vez que os fichários policiais registram mais de 150 mil “inimigos internos”, os tribunais do Estado de Emergência inquiriram cerca de 22 mil jovens “suspeitos”, para depois condenar a penas que variam entre 8 e 24 anos cerca de 4.500, enquan-
to uma centena foi condenada à cadeia perpétua. O pedido de extradição contra Pietro Mancini surge no momento em que o conflito entre presidente da República e governo Berlusconi fica mais tenso, não apenas pela onda recessiva que aflige o país, mas pela maneira como esse governo (e seus tentáculos na Justiça) liquidou a soberania nacional para encobrir as mentiras de George W. Bush. O jornal La Republica, do dia 26 de junho, denuncia que o Tribunal de Milão e os juizes do “Antiterrorismo”, em fevereiro de 2003, encobriram, em Milão, o seqüestro do muçulmano Abu Omar, efetuado por agentes do Antiterrorismo italiano e da CIA. Os mesmos que torturaram o líder na base aérea da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na cidade de Aviano, para depois transferi-lo para o Egito. São os mesmos que acusaram e condenaram à revelia Pietro Mancini. As mesmas instituições da Justiça que libertaram em 1988 os responsáveis confessos pelos disparos contra o vice-brigadeiro da polícia Custra, e negociaram com juizes e carabineiros sua liberda-
de em troca da acusação contra Mancini. É também importante lembrar que em novembro de 2004 o Conselho de Europa condenou o governo italiano por emitir mandatos de
captura internacionais contra exmilitantes da esquerda condenados à revelia. Mas Berlusconi impugnou a sentença do Conselho para continuar a caça aos 180 exilados italianos no exterior.
Douglas Mansur
Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)
QUINZE ANOS DO ECA – Para marcar o 15º ano de existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Cedeca (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) de Interlagos promoveu, entre os dias 12 e 15 de julho, uma série de debates para promover a conscientização da sociedade em relação aos direitos assegurados, porém pouco cumpridos, pela legislação. As oficinas foram direcionadas a famílias, adolescentes e ONGs. As atividades foram finalizadas com uma marcha, no dia 15, rumo à Subprefeitura da Capela do Socorro onde foi entregue, em um ato simbólico, uma cópia do ECA.
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DEBATE RUMOS DO GOVERNO
O dinheiro e a fome Pe. Alfredo J. Gonçalves ilhões e milhões, de dólares ou reais, tornaram-se moeda corrente nos dias atuais. Os veículos da grande mídia – falada, escrita ou televisiva – exibem diariamente imagens e manchetes desafiadoras de qualquer imaginação, por mais fértil que seja. Diante de nossos olhos e ouvidos perplexos, desfilam malas de dinheiro e maços de notas que ultrapassam os três, seis e até nove dígitos. Tudo isso constitui um verdadeiro “tapa na cara” diante de uma imensa multidão de trabalhadores, desempregados e subempregados, muitas vezes sem carteira assinada, e com salários inferiores ao mínimo de R$ 300; diante da multidão de aposentados no campo e na cidade, que hoje sequer podem custear os próprios remédios; diante da multidão de brasileiros que têm rendimentos abaixo do estritamente necessário a uma sobrevivência digna; diante do crescente número de famílias de baixa renda que, ao final de cada mês, raspa as últimas moedas para honrar seus compromissos de aluguel, de tarifas públicas, de alimentação, vestuário, saúde etc.; enfim, diante da multidão dos “sem” que experimentam no corpo e na alma a sensação de estrangeiros dentro da própria pátria. Esse “tapa na cara”, aliás, tem entraves estruturais na formação da sociedade brasileira. Nessa, a cultura da corrupção e da apropriação abusiva dos recursos públicos, por um lado, e o abismo das desigualdades sociais, por outro, mergulham suas raízes mais profundas no terreno da história. Ao longo dos séculos, da colônia à república e do regime militar à democracia, tornou-se “natural” que os filhos da Casa Grande estudem e passem férias em Coimbra, Lisboa, Paris ou Miami, enquanto os filhos da Senzala ficam à mercê das esmolas que oscilam de acordo com o humor das classes dominantes. Entre uns e outros, os laços de compadrio simultaneamente dissimulam e legitimam as rela-
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ções de dominação e submissão. Sobre essas bases erguem-se o patrimonialismo, o patriarcalismo e o coronelismo, conceitos que se enraizaram de tal modo na cultura brasileira, que passam a ser naturalizados como “vontade de Deus”. O mais grave é que cada vez que os moradores da Senzala se conscientizam, se unem e se organizam, com a finalidade de transformar os favores eventuais em direitos legais, a resposta tem sido, impreterivelmente, uma repressão cada vez mais dura e violenta. Chicote, polícia e exército têm acompanhado bem de perto, por exemplo, a resistência dos povos indígenas, a revolta dos negros no eito e nos quilombos e a organização dos camponeses e operários por todo o território nacional. Como diz o poeta, “o terreiro lá de casa / não se varre com vassoura / varre com ponta de sabre / bala de metralhadora”. Nos tempos que correm, a ostentação acintosa de montanhas de cédulas revela a distância abissal entre ricos e pobres. Acintosa num duplo sentido. Primeiro, porque traduz um exibicionismo gratuito e superficial, muito próprio das elites mais ricas dos países do Terceiro Mundo. É como se, à força de luxos e requintes exteriores,
quisessem superar um complexo de inferioridade oculto e inconfessável. Neste caso, a riqueza é feita mais para ser exibida, proclamada e admirada por todos, e
Ostentação mostra distância abissal entre ricos e pobres menos para ser desfrutada na vida privada. A necessidade de ostentação supera a busca de conforto. É a maneira que, no Brasil, as classes dominantes utilizam para entrar no Primeiro Mundo. Além, é claro, da exibição dos perfumes de Paris, dos quadros de Picasso, e das quinquilharias dos Estados Unidos. Mas essa exposição de grande volume de notas é acintosa por um segundo motivo. Agride violentamente a população de baixa renda, para quem as notas de maior valor são ilustres desconhecidas, como vimos nas multidões que desfilaram acima. Vivemos numa sociedade extremamente apelativa em termos de consumo, sexo fácil, poder, prestígio, moda e fama. As luzes, imagens e sons, diariamente bombardeadas pela propaganda, convidam aos centros comerciais, aos cinemas, aos
motéis e ao sucesso momentâneo e efêmero. O fascínio mexe com o coração e a alma de todos. Instala-se a idéia de que tudo é descartável, pois a velocidade do binômio produção/consumo não pode ser reduzida. Ora, enquanto alguns são seduzidos e dispõem dos meios para satisfazer seus prazeres imediatos, a imensa maioria, embora igualmente seduzida, tem de se contentar com irrisórias migalhas dessa grandiosa festa. O passeio pelos shoppings centers tornou-se programa dominical para muitos pobres que, ao final do dia, com os olhos e a imaginação povoados de brilho e requinte, limitam-se a comprar um sorvete de casquinha e voltar para seus bairros de periferia, suas ruas enlameadas e suas modestas casas. No dia seguinte, é preciso enfrentar a fila dos que procuram emprego, do INSS, do ônibus e outras. O mais lamentável é que tais comportamentos esquizofrênicos cheguem à cúpula do chamado “partido da ética”. Uma vez mais, a ânsia de fugir à pobreza e galgar rapidamente os degraus que conduzem ao mundo do luxo não se contenta com o salário mensal. “Caixa dois”, “mensalão”, propinas, compra e venda de votos ou de influência, entre outras, viram
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práticas comuns. Multiplicam-se as CPI’s, acirram-se os ânimos no Congresso Nacional e no cenário político, antecipa-se o calendário das eleições de 2006. Enquanto isso... Bem, enquanto isso, o povo vai passando da perplexidade à decepção e desta à indignação. O medo, além de vencer a esperança, paralisou os braços da política. O discurso governamental, por mais persuasivo, não consegue esconder as falcatruas de seus escalões superiores. Convive-se com uma retórica transformista e com uma prática reformista. Ao mesmo tempo, propaga-se que a economia permanece imune à turbulência política. Mas imunidade, neste caso, significa continuidade da política macroeconômica. A quem interessa essa continuidade? Certamente aqueles que costumam jogar no cassino do mercado financeiro têm maiores motivos de comemorar do que aqueles que votaram na expectativa da implementação de políticas públicas, com vistas a sanar dívidas sociais históricas. Semelhante estado de coisas
No cenário atual, é imperioso repensar o Brasil reforça a necessidade dos espaços de debate abertos pela Quarta Semana Social Brasileira, pela Consulta Popular, pela Campanha Jubileu Sul e por outras instâncias da sociedade organizada. Tornase imperioso repensar o Brasil em termos políticos, econômicos, sociais e culturais. Ao lado da via partidária e das vias oficiais, cresce a urgência de criar e/ou fortalecer novos canais de participação popular, que possam, lenta, mas firmemente, avançar de uma democracia representativa para uma democracia crescentemente participativa. Pe. Alfredo J. Gonçalves é vigário da paróquia de São Bernardo do Campo (SP) e membro da coordenação nacional da 4ª Semana Social Brasileira
Chico de Oliveira e o déficit nominal zero J. Carlos de Assis Li a entrevista de Chico de Oliveira no último número de Brasil de Fato. É um primor de interpretação de nossa realidade social, política e partidária. Chico é uma gigante de nossa Sociologia. Depois que Fernando Henrique Cardoso fez da profissão um divertimento intelectual das elites, ele insiste em mostrar que as ciências sociais podem ser um instrumento de resgate dos oprimidos, combinando rigor científico com um comportamento pessoal e um caráter impecáveis. É claro que, sabendo de tudo ou quase tudo em ciências sociais, não precisa de entender de tudo em Economia. Generoso como é, vai deixar que eu discorde dele na questão do déficit nominal zero. Vocês logo compreenderão a importância desse ponto. Déficit nominal zero é uma situação em que o governo paga com recursos tributários todas as suas despesas, inclusive juros. Chico dá a entender que, com déficit nominal zero, as taxas básicas de juros cairão e a economia crescerá. Dessa forma, comprou o contrabando que Delfim vendeu por encomenda da própria equipe econômica. Ele tem razão quando vê na proposta um artifício para melhorar a economia dos ricos. Mas suas conseqüências reais seriam muito piores que
isso. É que não estamos diante de um mecanismo economicamente eficiente e socialmente perverso. É um mecanismo socialmente perverso porque economicamente ineficiente. Examinemos a proposta assumida por Delfim a partir do funcionamento corrente da economia brasileira. O orçamento está em relação com o conjunto da economia por meio da receita tributária (quase 37% do PIB) e da despesa fiscal. A receita é o que o Estado retira da economia sob a forma de tributos; a despesa é o que ele devolve à economia, sob a forma de dispêndio público corrente, investimento e pagamento de juros. Com o déficit nominal zero, receita e despesa se equilibram. Ou seja, o Estado devolve à economia os recursos que retira dela. É uma situação de equilíbrio dinâmico, porque a economia pode crescer e ainda assim não há pressão inflacionária por parte dos gastos do governo. Um momento, porém. Nem tudo o que o Estado paga ao setor privado volta à economia. Tivemos, no ano passado, quase R$ 130 bilhões pagos de juros sobre a dívida pública e, este ano, devemos ter algo como R$ 150 bilhões. Uma grande parte desse dinheiro que dá uns 8% do PIB - na verdade, quase a totalidade dos juros - é reaplicada pelos donos dos títulos públicos no próprio
sistema financeiro. Não se transforma nem em investimento, nem em consumo. No primeiro caso, porque, com as altas taxas de desemprego e a queda de renda do trabalho, não há demanda para novos investimentos; no segundo, porque o consumo dos ricos está saturado. Assim, o déficit nominal zero esconde um equilíbrio falso. Sendo as taxas de juros extremamente altas, os ricos não reconvertem em produção ou consumo a sua renda financeira. Ficam na especulação do over. Algo como R$ 850 bilhões ali giram diariamente. Em conseqüência, a economia se contrai e o desemprego cresce. Por aí se vê que a proposta de déficit nominal zero não leva de forma alguma ao crescimento. Ao contrário, leva à recessão ou, no mínimo, à estagnação. Eventualmente, como no ano passado, ocorre um vôo de galinha, uma taxa um pouquinho maior de crescimento. É o resultado de uma mobilização parcial dessa poupança financeira em geral parasitária. Entretanto, Delfim garante que haverá crescimento porque, com a mudança das expectativas do mercado em relação à situação fiscal, cairá a demanda por taxas de juros muito altas. Este é outro embuste simplesmente inqualificável. O pressuposto dele é que as taxas de juros são fixadas pelas
livres forças do mercado. É como se o Banco Central, com suas reuniões mensais do Copom, não fizesse outra coisa a não ser medir exatamente as forças de oferta e demanda de dinheiro para “aceitar” a taxa básica de juros por elas fixadas. Obviamente, tratase de uma basófia. O BC põe a taxa de juros onde quer, e como comanda a oferta de dinheiro, está em condições de defender a taxa fixada com operações de mercado aberto, contra qualquer sabotagem do mercado.
O grande objetivo dos juros altos é atrair capitais especulativos O problema é que o BC, em face da liberação de capitais, tem que cuidar do balanço de pagamentos, e não apenas de inflação. A taxa básica de juros na economia brasileira atende, atualmente, muito mais ao objetivo de atrair capitais especulativos para ajudar a fechar o balanço de pagamentos do que para reduzir a demanda interna. Em outras palavras, não tem absolutamente nada a ver com a questão fiscal. Se for feito o tal déficit nominal zero, a taxa de juros básica continuará exatamente onde está, por
razões cambiais. Claro, haverá maior liquidez no over, porque a totalidade dos juros será paga com recursos tributários. Neste caso, para manter a taxa de juros no nível desejado, o BC, por meio de operações de mercado aberto, empurrará mais dívida pública no setor privado. Dessa forma, a curiosa conseqüência do pagamento de todos os juros da dívida pública com recursos tributários, segundo a fórmula do déficit nominal zero, será o aumento, e não a diminuição da dívida pública. Isso, aliás, não é nenhuma novidade. Foi o que aconteceu ao longo do segundo mandato de FHC, quando a dívida pública passou de cerca de 30% para 60% do PIB, e nesses dois anos e meio de governo Lula, quando essa relação caiu, mas o valor absoluto da dívida continuou aumentando. A novidade agora é o embuste da opinião pública a partir de um exercício estritamente ideológico, montado em cima de “expectativas” fantasmagóricas que contrariam a funcionalidade econômica, tudo porque a Fiesp quer cortar gastos públicos e não tem coragem de pressionar efetivamente pela redução da taxa básica de juros. J. Carlos de Assis é economista e coordenador do Movimento Desemprego Zero
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA CEARÁ 12ª ROMARIA DA TERRA A partir do dia 21 A Comissão Pastoral da Terra do Ceará (CPT-CE) realizará reuniões quinzenais de mobilização com as equipes de bairros de Fortaleza que participarão da 12ª Romaria da Terra. O tema da Romaria, que será dia 4 de setembro, em Quixeramobim, na diocese de Quixadá, será: “Povos do Ceará retomando sua terra para viver, produzir e celebrar”. Os interessados devem entrar em contato com a entidade para agendar o encontro. Cartazes, cartilhas e camisetas do evento estão disponíveis na sede da entidade. Mais informações: (85) 3226.1413, cptce@fortalnet.com.br Local: Sede da Comissão Pastoral da Terra do Ceará, R. Monsenhor Otávio de Castro, 150, Fortaleza
PARANÁ SEMENTE DO NOVO Dia 16 de julho A Pastoral da Juventude da cidade de Maringá lançou o seu programa de rádio Semente do Novo, transmitido a partir da 13h pela Rádio Comunitária São Francisco FM 105,9. Voltado ao público jovem, o programa traz agenda cultural, ofertas de emprego, notícias da semana e um quadro de entrevistas e debates sobre temas ligados à juventude. Mais informações: (44) 3228-3521, Rádio Comunitária São Franscisco FM 105,9, Maringá
RIO DE JANEIRO FEIRA CULTURAL E ECOLÓGICA DA GLÓRIA Todos os sábados, das 7h às 13h. Desde 1994, a Feira Orgânica do município da Glória incentiva a agricultura familiar, oferecendo oportunidades aos pequenos produtores. Certificada pela Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio), a Feira trabalha com alimentos sem agrotóxicos ou adubos químicos. E, além disso, os visitantes também podem participar de atividades culturais como palestras, apresentações teatrais e musicais. Local: R. do Russel, em frente ao nº 300 (próximo à estátua de São Sebastião), Glória, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 3272-5910, feiraecologica@terra.com.br
SEMINÁRIO JOVENS EM CONFLITO COM A LEI 27 a 29 Promovido pelo Instituto de Estudos da Cultura e Educação Continuada (IEC), com a participação de especialistas brasileiros e estrangeiros, o encontro vai discutir a situação dos jovens em conflito com a lei no Brasil e abordar também as realidades dos Estados Unidos e da Alemanha. Durante os três dias, educadores vão debater a naturalização das infrações e o crescimento do envolvimento de jovens em atos infracionais. Serão apresentadas iniciativas inovadoras de formação profissional e iniciação artística realizadas em Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente em Conflitos com a Lei (Criams). As inscrições podem ser feitas no IEC, por telefone ou correio eletrônico. Local: Museu da República, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2295-8296, iecrj@terra.com.br.
SÃO PAULO FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO 15 a 24 Com o tema “O Olho do Furacão”, o Festival traz nesta edição peças inovadoras nas performances e linguagens teatrais. O evento contará com 43 espetáculos e 130 apresentações em São José do Rio Preto. Além dos 15 grupos nacionais, o festival terá três companhias internacionais, vindas da Itália, da França e do Chile. As peças acontecerão em diversos lugares, como ruas, praças e espaços culturais. Lançamentos de livros e espetáculos musicais também estão no programa. A programação completa está na Internet. Local: Sesc Rio Preto, Av. Francisco Chagas Oliveira, 1333, São José do Rio Preto Mais informações: (17) 3215-1770, www.festivalriopreto.com.br
Paulo Pereira Lima
CIRCUITO DOC 21 e 28 Promovido pelo Itaú Cultural, Paço Imperial e o grupo Estação, a mostra Circuito Doc faz um balanço da nova produção nacional de documentários. O público poderá conferir uma parcela da
produção mais recente de documentários brasileiros, premiada e reconhecida em festivais nacionais e internacionais e exibida com êxito nos poucos canais de TV dedicados ao gênero. Dia 21, será exibido Edifício Máster, de Eduardo Coutinho. Para o dia 28, está programada a exibição de Nós Que Aqui Estamos Por Vós Esperamos, de Marcelo Masagão. Os filmes serão exibidos a partir das 19h e a entrada é gratuita. Local: Paço Imperial, Pça. XV de Novembro, 48, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2533-4491, 2533-7762, www.pacoimperial.com.br
Imigrantes sul-americanos recebem tratamento de saúde e apoio jurídico na Casa do Migrante, centro de São Paulo
CENTRO DE APOIO AO MIGRANTE 22, 19h Inauguração do Centro de Apoio ao Migrante, coordenado pelo Serviço Pastoral do Migrante em São Paulo. O Centro de Apoio vai apoiar os migrantes na busca de melhores condições de vida e na conquista de seus direitos, oferecendo, principalmente aos mais necessitados, serviços gratuitos de defesa dos direitos humanos, saúde, cultura e religiosidade popular. Além da equipe de coordenação, com atendimento em tempo integral, haverá atendimento de voluntários (advogados, estagiários de assistência social, psicólogos, professores etc.). O Centro vai trabalhar em conjunto com o Centro Pastoral dos Migrantes da Igreja Nossa Senhora da Paz e entidades da região. A inauguração terá início às 19h. Mais informações: (11) 6163-7064, www.migracoes.com.br Local: R. Cel. Silva Gomes, 72 (próximo à Igreja Santo Antônio do Pari), São Paulo
CAMPO E CIDADE: DOIS MUNDOS, UMA MESMA LUTA? 24, 9h Debate que faz parte dos eventos de encerramento do Curso Realidade Brasileira MST, em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF), com término no final de agosto. O tema engloba todos os outros temas trabalhados durante o curso: Formação de Classe, Questão Urbana e Questão Agrária, além dos relacionados com cultura, educação, economia, metodologia de pesquisa e filosofia. A proposta do debate, que é aberto à comunidade, surgiu como uma forma de diálogo entre o curso e a sociedade, principalmente com a comunidade acadêmica, de modo a socializar uma construção alternativa de conhecimento dentro da universidade, baseada nas metodologias de formação do MST. Visando trocar conhecimentos e propor caminhos e ações práticas para que a teoria encontre o caminho da práxis, dando continuidade ao processo de luta por um mundo constituído de valores socialistas, a mesa contará com a presença de Neuri Rosseto, representante da direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Ana Motta, do departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF); Virgínia Fontes, professora aposentada e representante do Programa de pós-Graduação do departamento de História da UFF; Milton Viário, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, e Sandra Quintela, da Campanha Continental contra a Alca e coordenadora do PACS-RJ (Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul). Local: Auditório Milton Santos, Campus da Praia Vermelha, Instituto de Geociência/UFF, Niterói Mais informações: (21) 2240.8496
GRUPO NUME NA CASA DAS ROSAS 23, às 19h30 e 24, às 18h30 Formado por Josi Guimarães (violoncelista e poeta), Narayani Sri (cantora lírica) e Rafael Rocha (percussionista), Grupo Nume apresenta o espetáculo Discurso e Paisagem da Água, inspirado no Discurso das Águas do Capibaribe da obra O Cão Sem Plumas, do poeta João Cabral de Melo Neto. Além de apresentar poemas de João Cabral, o repertório inclui textos de Micheliny Verunschk e Josi Guimarães, composições próprias, e também de Mozart e de Cláudio Santoro, temperadas por ritmos da cultura popular brasileira. A entrada é gratuita. Local: Casa das Rosas, Av. Paulista, 37, metrô Brigadeiro, São Paulo Mais informações: (11) 3285-6986 3º SEMINÁRIO DO PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ÀS FAMÍLIAS (PROASF) 28 Com o tema “Redes sociais ações, parcerias, construções”, o seminário pretende disseminar as potencialidades e possibilidades da atuação em redes sociais. Além das palestras, serão realizadas oficinas temáticas coordenadas por protagonistas de ações em rede. As inscrições devem ser feitos pelo telefone ou por correio eletrônico. Local: Sede da Sociedade dos Santos Mártires, R. Luiz Baldinato, 9, São Paulo Mais informações: (11) 5834-1335, seminario3redessociaisl@yahoo.com.br. VOZES E RIMAS 30, das 10h às 13h e das 14h às 16h A oficina com o DJ Thaíde pretende criar condições para que os adolescentes desenvolvam e reconheçam um lado artístico pouco explorado em oficinas de hip-hop: a literatura. As incrições devem ser feitas antecipadamente pois as vagas são limitadas. Local: Sesc Rio Preto, Av. Francisco Chagas Oliveira, 1.333, Rio Preto Mais informações: (17) 3216.9300 5º CONGRESSO DA FORÇA SINDICAL 2, 3 e 4 de agosto Cerca de 2.500 dirigentes sindicais de todo o país se reunirão para discutir políticas que vão
nortear novos caminhos para os sindicalismo brasileiro. Durante o evento, os sindicalistas irão eleger a nova direção nacional, a executiva nacional, o conselho fiscal e seus respectivos suplentes da Força Sindical. A intenção é discutir e aprovar uma agenda programática da central relacionada a políticas de retomada do desenvolvimento, de geração de emprego e renda e de formação profissional com conseqüente redução do desemprego. Itens da reforma sindical e propostas para um novo estatuto da Força Sindical serão colocados em votação. São esperados representantes de entidades como Confederacion Internacional de Organizaciones Libres, Organización Regional Interamericana de Trabajadores, Organização Sindical Internacional Americana, Confederación Europeia de Sindicatos, Organização Internacional do Trabalho, Unione Italiana del Lavoro, CGT-Argentina, Convergencia Sindical do Panamá, entre outros. Local: Praia Grande, litoral de São Paulo Mais informações: www.fsindical.org.br/congresso AÇÃO SOCIAL DA PEÇA MADAME A partir de 4 de agosto O projeto Madame nasceu a partir da leitura do livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Com texto da roteirista Manuela Dias, a peça estréia em São Paulo dia 4 de agosto, permanecendo em cartaz durante todo o mês. No entanto, somente a peça não
atenderia a demanda de ação e pensamento provocados pela leitura de tal livro. Por conta disso, o projeto realizará oficinas grutuitas que abordarão temas das áreas cultural, social e filosófica. O trabalho é feito em parceria com a ONG Rede Mulher de Educação. As inscrições devem ser feitas por telefone, entre 20 de julho e 2 de agosto. Local: Núcleo de Artes Cênicas do Centro Cultural São Paulo, R. Vergueiro, 1000, São Paulo Mais informações: (11) 3277-3611 5º COLÓQUIO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 8 a 15 de agosto Este ano, o tema será “Diálogo Sul-Sul para fortalecer os direitos humanos”. Desde 2001, os encontros reuniram, até hoje, mais de 510 ativistas e acadêmicos de mais de 40 países da América Latina, África e Ásia para uma troca de experiências e ação conjunta em direitos humanos voltadas a ativistas do hemisfério Sul. O Colóquio cobra uma taxa de participação, mas um número limitado de bolsas será concedido para assegurar adequada representação de todos os setores. Os candidatos interessados em concorrer às bolsas deverão indicá-lo no formulário de inscrição As inscrições podem ser feitas pela internet, na página www.conectas.org/coloquio, até 1º de agosto. Local: PUC-SP, R. Monte Alegre, 984, São Paulo Mais informações: www.conectas.org/coloquio, conectas@conectas.org
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CULTURA
De 21 a 27 de julho de 2005
LITERATURA
Flap!, a festa dos novos autores Dafne Melo da Redação
“M
eu voto é para que a Flap! se repita, sem datas rígidas. Que a próxima seja daqui há 267 dias, e a terceira, 83 dias depois. Que seja Flep ou Flop”, resumiu o professor do Departamento de Letras da Universidade de São Paulo (USP), Mamede Jarouche, no encerramento do evento, dia 16, em São Paulo. Inicialmente, a idéia era fazer uma contraposição à Festa Literária Internacional de Parati (Flip), que, além de custos altos, tem uma programação muito distante de quem vive e entende de literatura, segundo os organizadores da Flap!, a Academia de Letras da Faculdade de Direito da USP e a revista Metarmorfose, do curso de Letras da USP, com apoio da companhia teatral Os Satyros. “A festa de Parati tem foco sensacionalista, em autores best-sellers e estrelas da televisão”, diz a nota de divulgação da Flap!. Entretanto, essa contraposição acabou se tornando irrelevante, diante da repercussão da iniciativa entre os artistas e o público. Na opinião dos escritores e poetas presentes, ficou clara a necessidade de se ter mais espaços para debater literatura, colocando autores em contato com o público. “Flip, Flap, todas têm que existir, tudo tem seu espaço. Eles nunca me chamariam para ir lá, mas eu acho que mais vale ser um sapão num brejinho do que um sapinho num brejão”, brincou o poeta Glauco Mattoso.
Fotos: Joca Duarte
Criado para se contrapor à Flip, de Parati, evento abre espaço para novos escritores e debates sobre políticas culturais
Grupo de teatro faz apresentação na abertura da primeira edição da FLAP!, evento que discutiu temas relativos à literatura contemporânea brasileira
Tarso de Melo, poeta e editor da revista Cacto, relativizou a importância da famosa festa de Parati: “Eventos como a Flap! têm que existir não para se opor à Flip, pois acabamos dando importância para uma coisa que não tem”, e sob risos da platéia, reiterou: “É sério”. Um significado para a sigla do evento foi sugerido pelos participantes da Flap!. Entre sugestões como Favor Ler Autores Pobres e Festival Literário dos Avessos à Papagaiada, a escolha foi Festa Literária Aberta ao Público. Os debates abordaram temas como “A Rebeldia e seus Discursos”,
Cerca de 170 pessoas assistiram aos quatro debates da FLAP!
“A Narrativa Contemporânea”, “Poesia Contemporânea e suas Paisagens” e “Poesia Contemporânea e Sociedade”. Cada mesa contou com cerca de 170 pessoas. Segundo Ana Rüsche, uma das organizadoras do evento, o retorno surpreendeu: “Houve mais de 500 inscrições. Suspendemos as inscrições por correio eletrônico porque estávamos com medo de ultrapassar a lotação do teatro”. Entre as discussões em pauta, Ana destaca a necessidade de renovação do ensino de literatura, em que os autores “canonizados” têm, com raras exceções, todo o espaço. Outra questão debatida foi a
aproximação entre escritores e leitores – uma das preocupações dos organizadores. “Os poucos eventos que temos para debater literatura em São Paulo ficam circunscritos a um público cativo e o debate é sempre acadêmico. Queríamos colocar essas pessoas da Academia para falar com leitores comuns”, diz Ana.
VIVOS E MORTOS “Hoje, rebeldia maior é discutir poetas vivos. Os estudantes de Letras acham que a literatura brasileira morreu na década de 40, não desmerecendo os mortos”, resumiu o professor Antônio
Vicente Pietroforte, professor de Letras da USP. Alunos de Letras, na platéia, reiteraram a estreiteza com que a literatura é abordada na universidade, salvo alguns professores que pautam autores novos. “Grande parte dos professores não sabe ler o que é feito hoje. Mesmos os antigos têm que ser redimensionados. Aquilo era lindo na década de 50, mas e agora?”, questionou Pietroforte. Andrea Hossne, também da USP, é uma das exceções. Ela estuda a narrativa contemporânea há cerca de seis anos. “O convívio entre correntes mais tradicionais e mais modernas sempre fez parte da literatura. A questão não é se há mais qualidade em uma ou em outra. No que se escreve hoje, vejo uma tentativa de descrever a experiência do que é ser brasileiro hoje”, opinou. Glauco Mattoso é mais enfático: “Os críticos literários querem fazer autópsia, ao invés de tirar fotografia. Se eu tivesse morrido em vez de ficar cego, eu já estava sendo estudado. É mais fácil estudar gente morta, eles enquadram o autor em uma análise e pronto. O autor vivo pode mudar, eles morrem de medo de que o autor se transforme”.
O poeta Glauco Mattoso, presente no debate “A Rebeldia e seus Discursos”
Poetas e escritores se mobilizam por políticas públicas “Querendo ou não, todos nós somos atores políticos. Como nós vemos a sociedade? Qual é a sociedade que queremos?”. A fala, do poeta Paulo Ferraz, mediador da última mesa da Flap!, iniciou a discussão “Poesia Contemporânea e Sociedade”. “Eu odeio a visão sociológica da literatura”, disparou o poeta Frederico Barbosa, para quem esse tipo de visão, presente na academia e representada por intelectuais como Heloísa Buarque de Hollanda, compacta a arte e a empobrece. “Aí você tem poesia de mulher, poesia de negros, e assim vai. O poeta tem um papel social, mas a poesia, antes de tudo, tem que ser arte”, acredita Barbosa. Cláudio Daniel, outro poeta que participou da mesa, explica que em seu último livro, Figuras Metálicas, há poesias com temas sobre guerras no Oriente Médio, críticas ao mercado financeiro, mas que “em nenhum momento quis fazer uma poesia conteudística. Na poesia, o que vale é a função poética”.
MOBILIZAÇÃO Quanto ao papel social do poeta, Cláudio Daniel acredita que escritores e poetas precisam se posicionar perante a sociedade, seja como cidadãos, “ou, por que
não, como categoria mesmo”. Ele exemplificou a participação desse setor na sociedade, hoje, com uma brincadeira: “Se colocarmos os cem principais poetas do Brasil numa sala e explodir tudo, ninguém vai sentir falta. Nem os editores. Aliás, esses não sentiriam falta mesmo dessas pessoas – que não dão lucro”. A seu ver, a raiz do problema está tanto na falta de políticas públicas que fomentem a criação literária, o mercado editorial, e que, conseqüentemente, elevem o interesse em literatura no país, quanto na falta de organização da categoria. “Não temos representação nenhuma na sociedade, e em parte isso é culpa nossa”, acrescentou. A imprensa também recebeu sua parcela de responsabilidade. “A mídia só divulga poetas ricos, que escrevem na França. A mídia reforça a idéia de que poesia é um diletantismo da aristocracia”, avalia Frederico Barbosa. Para ele, uma das conseqüências disso é a imagem não profissional do poeta: “Temos que ser vistos como profissionais. Uma quantidade ínfima consegue viver de literatura neste país. Mesmo no passado, você vê que poetas como Vinícius de Morais, João Cabral de Melo Neto e Guimarães Rosa eram diplomatas, ninguém era só poeta”.
“Eu não sou líder de nada, sou apenas um poeta latino-americano sem dinheiro no bolso, nem na cueca”, assim se apresentou Ademir Assunção, um dos articuladores do Movimento Literatura Urgente, que surgiu no ano passado a fim de reivindicar políticas públicas para a literatura no país, principalmente políticas de fomento à criação literária. Um manifesto, com detalhamento das propostas, foi lançado em novembro do ano passado e até agora já somou assinaturas de 181 poetas e escritores (O manifesto pode ser encontrado em www.literatura-urgente.com.br).
FILTROS Assunção acredita que, não diferente de outros setores, o que impera é a política neoliberal. “Os incentivos focam a venda de livros, em benefício das editoras. Estamos interessados é no processo criativo. O foco tem que ser diferente do atual, em que o criador fica de fora”. Uma política pública nesse sentido é essencial para aumentar os meios de divulgação e difusão da literatura. “A poesia tem como filtro a crítica literária e a jornalística. Queria que ela fosse mais popular e que não precisasse passar por esses filtros”, finalizou Assunção. (DM)