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Ano 3 • Número 126

R$ 2,00 São Paulo • De 28 de julho a 3 de agosto de 2005

Em crise, esquerda busca novos rumos Daniel Casso

Dirigentes analisam o governo Lula e o PT e concordam que é preciso reconstruir um instrumento de luta política

No Rio Grande do Sul, trabalhadores sem-terra ocupam Fazenda Cabanha Dragão, acusada de lavagem de dinheiro do tráfico internacional de drogas

Telesul, a revolução está no ar A data não poderia ser mais propícia. No dia 24 de julho, quando se comemora o nascimento do libertador Simón Bolívar, os governos da Argentina, Cuba, Venezuela e Uruguai lançaram a Telesul – um novo canal de televisão que promete romper com o monopólio dos grupos

de comunicação no continente. Impulsionada por Hugo Chávez, a Telesul terá programas bilíngües (em português e espanhol) e abrirá espaço para os movimentos sociais da América Latina divulgarem suas lutas. No Brasil, o lançamento da Telesul foi acompanhado com festa e

Na Bolívia, o presidente contraria o povo

A instabilidade provocada pelas denúncias de corrupção é uma chance de ouro para a sociedade brasileira desencadear uma reforma das instituições de poder e eliminar as relações viciosas e promíscuas das estru-

turas de governo, uma fábrica de crises. O sucesso depende de amplo debate de propostas como ampliação da participação popular, fim do Senado e da reeleição. Pág. 8

Mídia mente e procura incriminar Abong

Quem ganha menos, paga mais impostos

Uma decisão irresponsável para o petróleo Pág. 13

Por uma cultura popular livre do mercado Pág. 16

Foi um foguetório em torno de uma reforma tributária que não mudou o caráter regressivo e excludente da política fiscal. Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário mostra que os impostos sobre o consumo de alimentos representam 27% do custo final da alimentação. Mas quem ganha R$ 100 mil, gasta até 5% em comida; quem recebe R$ 300, gasta até 60% . Como a tributação é a mesma, quem ganha menos recolhe proporcionalmente mais impostos. Pág. 7

Rafael Bavaresco

IGREJA – A reafirmação da necessidade de transformações foi o encaminhamento do 11º Encontro das Comunidades Eclesiais de Base, que reuniu mais de 3 mil pessoas. Pág. 4

Boa oportunidade para fazer uma reforma política

Pág. 3

O novo presidente da Bolívia, Eduardo Rodríguez, tomou nos últimos dias duas decisões contrárias às reivindicações de seu povo. Anunciou que não romperá o contrato com a transnacional francesa Águas de Illimani, pedindo a retomada das negociações para uma retirada consensual da concessionária, e autorizou o país a participar oficialmente das negociações do Tratado de Livre Comércio Andino, que está sendo discutido entre os EUA e os países da região. Pág. 10

E mais:

samba da escola Vila Isabel. Na Bolívia, jornalistas aplaudiram a iniciativa, com entusiasmo. Um sinal de que a iniciativa incomoda é que os deputados dos EUA já aprovaram algumas ações contra a Telesul, mesmo controlando a mídia na Venezuela. Pág. 9

A

crise do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT) abrem uma oportunidade: a reconstrução da esquerda brasileira. Sobre isso, dez dirigentes políticos, de diversas correntes da esquerda, concordam. Em entrevista ao Brasil de Fato, dizem que têm que tomar para si essa responsabilidade. Mas discordam sobre os caminhos da reconstrução. Os entrevistados da esquerda do PT consideram que se deve lutar dentro do partido, sobretudo para definir uma nova direção. Acreditam que o PT pode ser transformado e voltar a ser um instrumento de luta. Outros dirigentes, no entanto, afirmam que se deve abandonar o PT, cujo ciclo estaria esgotado. Em um ponto, a concordância é geral: a política econômica é um desastre para os pobres. E beneficia os investidores internacionais, que ignoram solenemente a crise política porque confiam às cegas na política econômica conduzida por Palocci-Meirelles. Págs. 2, 3 e 4

SAÚDE E TRABALHO – Além de mal remunerados, agricultores das lavouras de fumo no Brasil são expostos a condições insalubres, que chegam a provocar mortes. Pág. 6 CHILE – Deputados apontam em relatório que país perdeu, com as privatizações de estatais durante a ditadura de Augusto Pinochet, cerca de 2,5 bilhões de dólares. Pág. 10

Em São Luís do Maranhão, movimentos sociais cobram, dia 25 de julho, Dia do Agricultor, mudanças na política econômica do governo Lula


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De 28 de julho a 3 de agosto de 2005

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretária de redação: Thais Arbex Pinhata 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

A grave crise e os caminhos a seguir

O

Brasil de Fato tem procurado mostrar, através de reportagens e análises a natureza e as causas da crise que o nosso país está vivendo. Mais do que fazer um jornalismo investigativo, até porque não temos recursos financeiros para isso, o jornal tem acompanhado, estarrecido, como todo o povo brasileiro, as denúncias de corrupção se multiplicarem a cada dia, como uma bola de neve. Diante desta grave crise, temos procurado, em todas as páginas do jornal, e aqui nesse espaço do editorial, trazer aos companheiros e companheiras, nossos leitores e leitoras, à reflexão de que não devemos nos ater apenas aos graves fatos de corrupção, que, pelo visto, vão muito além de alguns parlamentares e dirigentes do PT. Porque, como mostram as últimas denúncias, também há o envolvimento de políticos do PFL, do PSDB, do PP, do PPS e do PDMB. Ou seja, poucos se salvam no andar de cima da República. Crise econômica. Estamos vivendo uma grave crise econômica porque o modelo neoliberal não tirou nossa economia do buraco. Os níveis de crescimento foram menores do que a média da América Latina e do que a média mundial, como denunciaram os economistas. E a produção não tem sido em benefício do povo, mas apenas para aumentar as exportações. Crise política. Há uma crise política, em função do descrédito generalizado da população em relação aos políticos e ao parlamento. Crise ideológica. Há uma crise ideo-

lógica que atingiu o partido hegemônico da esquerda, envolto numa crise que, mais do que a corrupção, evidenciou a falência de um método de fazer política implantado no PT, à base de dinheiro. E que foi criando uma casta de dirigentes e parlamentares que se elegiam porque tinham a seu dispor mais dinheiro do que outros companheiros do partido. Crise social. E há uma crise social, porque todos os indicadores sociais pioraram, sobretudo a concentração de renda, o desemprego e a violência social. Os pequenos aumentos do salário-mínimo e na taxa de emprego não foram suficientes para brecar a desigualdade existente. O que fazer diante de tudo isso? Boa pergunta! É o que todos os militantes sociais estão se perguntando. Os caminhos não serão simples, nem rápidos e muito menos fáceis. Certamente não se resolvem com calendário eleitoral ou luta interna no PT. É tempo de plantar árvores, e não alfaces. E esperar o tempo devolver os frutos. O Brasil de Fato tem aberto as suas páginas aos dirigentes de movimentos sociais, intelectuais, políticos de esquerda, para que nos ajudem a refletir sobre os caminhos necessários. Temos defendido que o caminho será construir um novo projeto para o país. Que precisamos aglutinar amplas forças sociais que ainda têm reservas morais e representatividade no povo. Temos defendido a necessidade de formar quadros, de

investir em meios de comunicação alternativos e independentes para fazer a disputa de idéias na sociedade. Tudo isso, para estimular permanentemente a luta social e o reascenso do movimento de massas. Devagar, percebe-se que algumas forças sociais estão começando a tomar iniciativas. Caso das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs que, ao término do 11º Intereclesial (veja página 4), clamam por um novo modelo econômico. Caso, também, do manifesto dos economistas que apresentam propostas concretas e claras de uma política econômica alternativa (veja a edição 125 do Brasil de Fato e página 5 desta edição). Mais: nessa semana, em várias capitais do país, os movimentos sociais da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) foram às ruas debater com a população a crise e os problemas do Brasil (veja página 5). Além disso, há um calendário de atividades unitário, que é muito importante e deve culminar com uma grande Assembléia Popular em Brasília, entre os dias 25 e 28 de outubro, com o lema: mutirão por um novo Brasil, que aglutina todas as forças sociais do país, e que vai preparar o que deveria ser um programa mínimo de mudanças para o Brasil. Será uma árdua tarefa. Mas não há caminhos fáceis que resolvam os problemas do povo. Só povo consciente e organizado poderá ser o protagonista de verdadeiras mudanças. E chegou a hora de mudar!

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES FAZENDO MEDIA Olá, quero dar os parabéns pelo trabalho do Brasil de Fato, que sempre leva ao público informação diferenciada. Na seção Espelho da Mídia da edição 123 há uma referência a um projeto de estudantes da Universidade Federal Fluminense (UFF), mas, infelizmente, o endereço eletrônico da publicação Fazendo Media não saiu impresso, de modo que o leitor não terá como acessar o www.fazendomedia.com. Marcelo Salles por correio eletrônico PARA O PRESIDENTE LULA Em qualquer outro país decente, o presidente daria um tiro no ouvido em frente as câmeras, ou renunciaria de vergonha. Digamos que o senhor não precise chegar ao extremo do tiro no ouvido, então, saia de fininho, faça alguma coisa. Todos sabemos que o senhor e sua turma já estão com a vida ganha para várias gerações, principalmente o senhor, que há tanto tempo não trabalha e continua na mesma. Eu já sabia, desde antes, o que ia acontecer com sua vitória: o deslumbramento, as viagens, os gastos, as mentiras e a roubalheira. Roubalheira, aliás, feita num estilo tão pobre, que não demorou muito para explodir na cara do povo. Povo, senhor presidente, que acreditou no senhor, que achou que alguma coisa ia mudar. A gente sabe também que essas CPIs não vão adiantar muito, porque é uma piada essa história de Comissão de “Ética” do PT. Ética com PT não combinam, senhor presidente. Só fun-

cionam em palanques que era onde o senhor devia continuar. Na oposição, xingando... Tenho vergonha de ser brasileira, embora nunca tenha votado no senhor. Pegue seu avião, com passagem só de ida e vá morar bem longe, com seu partido, em alguma ilha onde está toda a dinheirama que era nossa. Fica de presente, mas sumam daqui, por favor. Miriam Tebet por correio eletrônico PARABÉNS Quero parabenizar a cara, a coragem e conteúdo do Brasil de Fato. Luís de Araújo por correio eletrônico MASSACRE DE FAMÍLIAS Parabéns ao Brasil de Fato e ao jornalista João Alexandre Peschanski que, na matéria da edição 125, “Soldados massacram famílias”, fez uma grande distinção entre os Estados Unidos da América e os outros territórios americanos. Minha maior luta, em todos os momentos de conversa e leitura, é fazer a distinção entre as ações efetuadas por aqueles indivíduos nascidos em território que compreenda limites norte-sul (Canadá e México, bem como o Alasca) e Leste-Oeste (Atlântico e Pacífico) que são os estadunidenses, das ações daqueles que nascem entre o Círculo Polar Ártico e a Terra do Fogo, que somos americanos. Parabéns e continuem a nos informar sobre este pequeno detalhe que faz a diferença. Amauri Augusto Silva por correio eletrônico

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

Encontro das comunidades de base e a política nacional Marcelo Barros Acabo de voltar do 11º Encontro Nacional das Comunidades Eclesiais de Base em Ipatinga, no Vale do Aço, MG, que se encerrou sábado, 23 de julho. Comunidades de base são grupos de homens e mulheres pobres, do campo ou das periferias urbanas, que se reúnem para orar, ajudar-se mutuamente e refletir sobre a realidade do mundo e do país. No Brasil, as Cebs (comunidades eclesiais de base) surgiram na década de 60. Hoje, espalham-se por vários continentes e procuram viver e celebrar a fé cristã a partir do compromisso solidário de transformar a realidade. Os chamados “encontros intereclesiais” que reúnem comunidades de todo o Brasil se fazem desde 1975. Este 11º foi o primeiro realizado em Minas Gerais. Em Ipatinga, éramos mais de 5000 participantes, homens e mulheres, adultos e jovens, de várias Igrejas cristãs. Muitos fiéis de religiões afrodescendentes e mais de 70 índios e índias de vários povos enriqueceram o encontro com suas expressões de cultura e sabedoria próprias. Além disso, quase 200 convidados de vários

países da América Latina, da América do Norte, Europa e África. Era comovente ouvir o padre Mike, que, em Chicago, trabalha com 15 comunidades de base, formadas por latinoamericanos sem documentos, amostra dos 10 milhões de migrantes que, nos Estados Unidos, sobrevivem em péssimas condições de vida. O método usado nos encontros das Cebs continua sendo partir da realidade, confrontá-la com a fé e, à luz da fé, assumir o engajamento pela justiça e libertação de todos. Por falar em realidade brasileira, desde o primeiro momento deste encontro, o assunto mais presente nos batepapos informais e nas reuniões e celebrações foi a crise política pela qual passa o PT e o governo. O povo reunido em Ipatinga expressou apoio às comissões de inquérito e investigações da Justiça para punir corruptos e devolver credibilidade à política. Entretanto, as pessoas engajadas nas Cebs sabem: o que muitos políticos estão visando é atirar no que é errado para atingir o que está correto, ou seja, o projeto popular de um país mais justo e democrático.

Das milhares de pessoas ali reunidas, nenhuma se mostrou favorável à política econômica do governo Lula. Todas se mostravam decepcionadas com o fato de o presidente continuar loteando cargos e remanejando ministérios para servir a interesses e ambições de “companheiros” como Severino, Sarney e ACM que, junto com Delfim Netto, são seus atuais amigos e conselheiros. Entretanto, se o descontentamento com a política econômica é unânime, muitos repetem que, apesar de todas as decepções, o Brasil ainda parece melhor com Lula do que sem ele. E todos sabem que a solução para uma verdadeira reforma política não virá das instâncias oficiais de poder e sim da sociedade organizada e mobilizada para exigir as transformações que todos queremos. Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Ed. Cebi-Rede da Paz, 2005 Correio eletrônico: mosteirodegoias@cultura.com.br

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De 28 de julho a 3 de agosto de 2005

NACIONAL RUMOS DA ESQUERDA

E agora, companheiros? Dirigentes políticos avaliam os impactos da crise do governo e do PT, e definem estratégias para o futuro

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liados ou não, esperançosos ou céticos, todos os setores da esquerda brasileira são afetados pela crise do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores (PT). O Brasil de Fato entrevistou dez dirigentes ligados a diferentes organizações, aos quais fez as mesmas perguntas: quais os impactos da crise na esquerda? Qual é a avaliação do governo Lula? Há perspectiva de mudança? O PT pode se recuperar? O que deve ser feito nos próximos meses? As respostas foram diversas e, algumas vezes, antagônicas. Consenso só em torno da necessidade de mudar a política econômica e de reconstruir a esquerda. Em relação aos métodos, os entrevistados divergem. Para dirigentes das tendências de esquerda do PT, é preciso esperar o Processo de Eleições Diretas (PED), previsto para setembro, que vai definir a nova direção do partido. Outros acreditam que o ciclo do PT se encerrou e é preciso aglutinar forças para criar um novo instrumento de luta. Para potencializar a reconstrução da esquerda, a maioria dos dirigentes defende a realização de mobilizações e cita uma marcha a Brasília (17 de agosto) e o Grito dos Excluídos (7 de setembro). Segundo eles, as mobilizações podem conter o avanço da direita, representada pela aliança entre PSDB e PFL. Os entrevistados afirmam que a corrupção, como prática política, está associada ao modelo neoliberal e à institucionalidade burguesa. Para eles, ao adotar a política dos governos anteriores, principalmente o de Fernando Henrique Cardoso, Lula não teve como romper com o fisiologismo. Destacam que não se pode isentar os dirigentes do PT, e da esquerda em geral, da responsabilidade pela crise.

Fotos: Divulgação

Dafne Melo e João Alexandre Peschanski da Redação

Altamiro Borges (PC do B)

Gilberto Maringoni (Dissidência PT)

As matérias publicadas pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, no dia 26 de julho, denunciam a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) por ter recebido R$ 500 mil da agência de publicidade SMP&B, de Marcos Valério, mas pecam em não explicar que os depósitos foram feitos em nome dos Correios. Sob títulos como “Dinheiro de Valério foi até para ONGs”, as matérias induzem o leitor a acreditar que as contas das agências do publicitário “abasteciam muito mais que políticos e partidos”, deixando de citar que, no caso da Abong, os depósitos feitos no início de 2004, na conta da entidade, referem-se ao apoio dos Correios ao 5º Fórum Social Mundial. “A Abong não tem responsabilidade no tocante à relação existente entre os Correios e a referida agência de publicidade”, se manifestou a ONG em nota assinada pelo seu diretor geral, Jorge Eduardo Durão. A matéria do Estadão diz erroneamente que o dinheiro foi para a conta de Durão, enquanto a Folha, por sua vez, confunde a SMP&B com outra agência de Valério, a DNA. As matérias “são politicamente intencionais e mal apuradas”, diz a diretora de desenvolvimento institucional da Abong, Taciana Gouveia. “À grande imprensa interessa desacreditar as organizações que tenham a ética como bandeira”, conclui. Nenhum dos jornais ouviu a Abong para produzir suas matérias.

Perspectivas do governo

Rumos do PT

A crise do governo Lula prejudicou toda a esquerda. O vendaval que está ocorrendo cria o risco de abortar ou sangrar o governo. Quem se fortalece, nesse processo, é a direita, liberal e conservadora.

O governo Lula é contraditório. Tem setores neoliberais e grupos de esquerda, até mesmo representantes do PC do B. Dentro dele, têm expressão várias forças de esquerda, como movimentos sociais.

Agora, não interessa o aborto do governo Lula. Nas eleições de 2006, é outra história. No imediato, não interessa que a direita vença. O esforço deve ser exigir que Lula sinalize um retorno às suas origens.

A esquerda precisa fazer um grande esforço para se unificar e se entender. Não dá para cortar o diálogo com o PT. Isso seria um tiro no pé. Não dá para fragmentar mais.

Enquanto o governo Lula for dual, dá para lutar dentro dele. Mas a luta principal é fora. A mobilização é fator determinante. Pode-se interferir para trazer o governo para a esquerda ou para manter viva a força social.

A crise do PT não é a crise de um partido, que foi construído em meio ao ascenso dos movimentos de massa, há 30 anos, onde também atuavam a UNE e a CUT. A crise é de todo um projeto da esquerda.

O Campo Majoritário iniciou um processo de adaptação ao neoliberalismo, com uma política reformista. O governo não herdou apenas a política econômica, mas também a base de apoio, e se adaptou a essa base.

Sempre é possível que esse governo possa mudar, mas ele demonstra que não quer ficar do lado do povo.

Acho que a esquerda do PT ganha o PED. O Campo Majoritário está desmoralizado. Se a esquerda ganhar, os rumos do governo podem mudar? O partido não é o governo, mas haverá uma pressão maior.

Tem que ser elaborado um programa mínimo entre setores da esquerda. Na questão econômica, acredito que há consenso. O problema é fazer a unidade em torno de uma projeto político.

A corrupção dentro do governo abate a esquerda, diminui a confiança da população. Esse governo não é e nunca foi nosso, mas sua crise também nos afeta.

Esse governo é um estelionato eleitoral. Foi, desde o início, neoliberal, e agiu de acordo com os interesses do grande capital, em especial o financeiro.

A opção conservadora feita por esse governo, logo no início, foi consciente, e não há chance de rompimento com o modelo econômico atual.

A possibilidade de a esquerda do PT ganhar o PED é remota. Acredito que isso só aconteça em um cenário de aprofundamento da crise, que levasse ao impeachment do Lula.

Os setores combativos têm que assumir que esse governo é um dos maiores desastres da esquerda. É necessário organizar uma resistência contra a política econômica e criar uma unidade de alternativa ampla em 2006.

A crise nos dá uma lição. A institucionalização do partido foi muito ruim, investiram suas forças apenas no processo eleitoral. Há necessidade de fortalecer os mecanismos de controle da base sobre a direção.

Na medida em que a escolha foi não romper com o modelo econômico, isso levou a uma opção da condução do Estado. Claro que há fatores morais, mas, no fundo, a crise é política.

Que o Lula faça as mudanças que prometeu, acho impossível. Até porque hoje ele está muito mais enfraquecido do que no início de seu governo, que tinha o peso dos 53 milhões de votos.

O Campo Majoritário vai ganhar e ampliar seu espaço. Quem acha que a esquerda pode ganhar, está semeando ilusão e vai colher decepção. Os quadros socialistas do PT vão ser cada vez mais desmoralizados.

A formulação de um programa mínimo não só é possível, como necessária. Temos que construir uma plataforma clara, junto com o povo. Temos que retomar a velha discussão de organização pela base.

É uma ducha de água fria na esperança que elegeu Lula. Mas era inevitável, a partir do momento em que Lula aceitou governar dentro do establishment.

Lula protagoniza o governo da decepção. Por sua política econômica, que favorece os banqueiros e prejudica os trabalhadores. Depois, pela roubalheira, a corrupção sistêmica. E Lula tem culpa nisso.

O PSTU é oposição ao governo. Não há como beneficiar trabalhadores com esse governo, é preciso derrubá-lo. Digo isso com tristeza, pois a derrota do Lula é a derrota da classe trabalhadora.

O PT, e seus apoiadores como UNE e CUT, tem o mesmo programa do PSDB e PFL: a defesa do neoliberalismo. É preciso criar uma nova organização que defenda os interesses do povo.

O desafio fundamental é desbloquear o processo de lutas dos trabalhadores, estimulando mobilizações. Precisamos fortalecer uma alternativa política, construindo uma direção política revolucionária

A crise abala mais o PT do que todos os outros setores da esquerda. Fomos chamados à realidade. O governo está despetizado e o PT, ministerializado.

O governo tem três facetas: o presidente Lula, que comanda; o homem forte, Palocci, que define a política; e o Rossetto, que diz ao povo que não tem como fazer as reformas de base. É preciso acabar com isso.

Até o fim do mandato, o governo tem meios para sinalizar ao povo que pretende fazer mudanças. Não sou otimista, mas podemos apostar na força que levou Lula ao governo, que permanece intacta.

Vamos chamar para o relançamento do manifesto de fundação do PT. Nesse texto, dizia-se que o partido subordinava sua ação aos movimentos sociais, incluindo nisto a orientação do governo.

Os movimentos sociais mantêm sua força. O MST é prova disso. O Movimento pelo Passe Livre é prova disso. Há forças sociais para sustentar medidas corajosas do governo, falta Lula querer.

O impacto é um desgaste muito grande. Não há como medir eleitoral ou numericamente. Na esquerda, o PT é o maior partido e isso significa perda de credibilidade, principalmente na luta por uma alternativa.

O governo está com um projeto desfigurado. Se não houver mudança na direção do partido, vai continuar essa trajetória de aproximação com a centro-direita.

A não ser que crise gere um impasse maior, Lula deve se candidatar a reeleição. A tendência, de qualquer modo, é que Lula sobreviva a essa crise, que é circunstancial.

O futuro do PT depende da capacidade de correntes minoritárias surgirem como alternativa. Se a maioria vencer de novo, vai haver muita gente abandonando o partido, buscando outras organizações.

Congressos e seminários sem caráter decisório, podem ser importantes para discutir os rumos. Podem ajudar na reorientação da esquerda.

O impacto não é inteiramente mensurável no plano imediato. O PT era a reserva moral da institucionalidade burguesa. O imaginário de valores do PT se desfaz, e o PT como organização perde sentido.

O governo fez uma clara opção: romper com o povo. Fez isso para dar continuidade à política econômica neoliberal. O maior erro foi não sinalizar para a construção de uma força social voltada para a mudança.

Acho pouco provável que o governo Lula se mantenha, mas isto não dá para confirmar. O governo não representa mais ninguém. Ninguém mais se vê dentro desse governo.

É o fim de um ciclo, o do PT. Esgota-se uma forma de luta, o PT, e uma concepção de transformação, conquistar o Estado pela via eleitoral e transformar a sociedade a partir do governo.

A esquerda deve evitar brigar entre si e acumular forças. É preciso estimular iniciativas unitárias, com planos de ação. Estamos com uma pauta de mobilizações, e tentando construir a unidade em torno delas.

A esquerda brasileira adotou uma estratégia – que se tornou hegemônica – de combinar disputa social e institucional. A crise, portanto, reabre o debate estratégico dentro da esquerda.

O que se verificou até o momento é que a estratégia adotada pelo governo não se mostrou capaz de nos fazer disputar o poder. Se chegou ao governo, mas não se conseguiu conquistar o poder e manter o governo.

Na minha opinião, ainda há uma batalha a enfrentar. Ainda há espaço para preservar o PT e o governo. A condição para Lula sair da crise é mudar de política.

Uma vitória da esquerda no PED mostra que uma parcela da base estaria desaprovando a postura do Campo Majoritário, o que mostraria um deslocamento da correlação de forças dentro do PT.

Se a derrota do governo se confirmar, haverá forte fragmentação da esquerda. Serão pelo menos duas décadas nessa situação até que se consiga construir algo nos mesmos moldes e força do PT.

A crise, explorada pela imprensa, é o fedor de uma carniça maior. Ao fazer a opção pelo poder, e não por um projeto popular, Lula gerou uma crise para a população, vítima da política econômica.

O governo se adaptou ao modelo do Consenso de Washington, com Estado mínimo e financeirização da economia. Tudo isso mostra degradação moral, com desconstitucionalização do país.

Só dá para salvar o governo se o povo sair às ruas. Hoje, não acho que isso seja possível. As mudanças de ministros que Lula fez pioraram o governo. É hora de denunciar o próprio Lula como grande responsável.

A esquerda não tem mais referencial. É preciso construir outro. Tem pessoas que acham que pode ser dentro do PT. Não acredito na possibilidade de conseguir mudanças no governo ou no PT.

O primeiro objetivo da esquerda é se reunir e querer discutir. Não adianta ter uma linha definida de solução, pois não a temos. A mobilização social é importante, mas tem que ser construída de modo horizontal.

José Maria (PSTU)

Abong não tem relação com Marcos Valério Marcelo Netto Rodrigues da Redação

Avaliação do governo

João Machado (PSOL)

Jorginho (Alternativa Sindical Socialista/CUT)

Markus Sokol (O Trabalho/PT)

Raul Pont (Democracia Socialista/PT)

Ricardo Gebrim (Consulta Popular)

Valter Pomar (Articulação de Esquerda/PT)

Waldemar Rossi (Pastoral Operária)

Estratégias para a esquerda

Impactos da Crise


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De 28 de julho a 3 de agosto de 2005

Espelho INSTABILIDADE

Crise não afeta o mercado

da Redação

Cultura popular Entrevistado no poleiro tucano, conhecido também como Roda Viva, da TV Cultura, o relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) fez várias revelações importantes, entre as quais que foram descobertas 21 empresas do publicitário Marcos Valério, que já existem provas sobre o “mensalão” dos deputados e que o Banco Rural entregou documentação fraudada para o Congresso Nacional. O esquema é mais barra pesada do que se imaginava. “Cuecão” cearense Em entrevista para o jornal O Povo, de Fortaleza, o dirigente petista Ozéas Duarte, atualmente diretor do Banco do Nordeste do Brasil, declarou que o deputado estadual José Nobre Guimarães, irmão de José Genoíno, está sendo vítima de uma suposta “chantagem” e que está com medo de revelar o que sabe. Parece que a história dos dólares na cueca envolve gente muito perigosa. Cumplicidade global De acordo com o último boletim do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), das 332 emissoras brasileiras de TV, 263 estão vinculadas às redes Globo, SBT, Record, Bandeirantes, Rede TV e CNT. A Globo possui 20 emissoras próprias, apesar da lei permitir no máximo dez concessões, sem contar as “afiliadas”. O governo Lula, até o presente momento, não moveu uma palha para cumprir a lei e democratizar o sistema de radiodifusão. Exposição histórica A programação comemorativa do terceiro aniversário da revista Ocas“, publicação dedicada aos moradores de rua, inclui uma exposição de capas e revistas de rua de diversos países, de 3 a 24 de agosto, das 10 às 20 horas, no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, em São Paulo. Mortes trágicas Na última semana, dois assassinatos de brasileiros no exterior ganharam espaço na mídia. Eles revelam a gravidade da situação no Brasil: o do jovem emigrante que foi morto pela polícia inglesa, em Londres; e a de uma mulher que foi deixada agonizante na margem do Rio Grande, no México, e que tentava entrar como emigrante clandestina nos Estados Unidos. Ambos fugiram da falta de perspectiva que existe hoje no país. Mais democratização O Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, realizam, nos dias 17 e 18 de agosto, no Auditório Nereu Ramos, em Brasília, o 1º Encontro Nacional de Direitos Humanos, que vai tratar do tema “Direito Humano à Comunicação”. É mais uma oportunidade para debater a nefasta concentração dos meios de comunicação nas mãos de alguns poucos grupos econômicos privados. Publicidade duvidosa O diretor da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, publicou na Folha de S. Paulo um artigo bastante crítico sobre as agências de publicidade e os publicitários, principalmente pelo trabalho que realizam no jogo empresarial e político. Entre outras coisas, diz ele: “É notória a influência de um publicitário famoso na formulação de estratégias do presente governo. Como, exatamente, um país pode ser apresentado como sério quando publicitários cumprem tal papel?”

Alta do dólar reflete ajuste da moeda chinesa e establishment segue protegendo Lula Marcelo Netto Rodrigues da Redação

France Presse

Partidos burgueses A imprensa empresarial continua dedicando grande espaço para as denúncias de corrupção que envolvem a cúpula do PT, o governo Lula, a base parlamentar aliada e as empresas estatais e privadas. Os veículos mais raivosos da direita, como a Veja e o Estadão, querem enterrar o PT e as esquerdas junto com o governo Lula; os veículos menos raivosos, como a Folha, falam em pacto de governabilidade para salvar a economia e o presidente Lula. A bolsa de apostas está movimentada.

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pesar de a crise política se alastrar há mais de 50 dias, somente agora o mercado financeiro deu alguns sinais do que os economistas chamam de nervosismo. No dia 25 de julho, o dólar teve sua maior alta em 14 meses e a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) testemunhou o seu terceiro pior pregão do ano. Mas associar diretamente uma coisa à outra pode ser um engano, na opinião do economista Ricardo Carneiro, da Unicamp. A decisão dos chamados “investidores” de começar a comprar dólares à espera de dias piores teria muito mais a ver, entre outras combinações, com a valorização da moeda chinesa, o yuan, no dia 21 de julho, do que com os reflexos da crise. “A flutuação do yuan implica, na esfera internacional, um certo realinhamento de moedas, forçando de certa forma uma elevação da taxa de juros nos Estados Unidos”, explica Carneiro. Em outras palavras, o Brasil pode deixar de ser o destino preferencial do capital especulativo internacional fazendo com que os dólares que entravam aqui migrem para os EUA. Além disso, a mudança na intensidade do saldo comercial brasileiro, segundo Carneiro, também teria sua parcela de responsabilidade nesta súbita reação do mercado: “O saldo vem diminuindo, indicando uma perspectiva futura de crescimento menor nas exportações e um aumento significativo das importações, tudo isso relacionado à valorização da taxa de câmbio que tivemos sobretudo no último ano.” As precipitadas insinuações de que a crise política teria começado

Reação do mercado está mais ligada a fatores externos que à crise política por que passa o Brasil no momento

a atingir a política econômica ganharam força esta semana com um editorial sombrio do jornal britânico Financial Times – considerado a bíblia do mercado financeiro – publicado no dia 25 de julho. Diz o editorial: “Apesar do otimismo continuado nos mercados financeiros, o governo do presidente Lula está numa fria. O presidente precisa agir de forma mais urgente para resolver a crise política que poderia contaminar a economia. O escândalo de corrupção brasileiro é o mais sério desde o impeachment e a renúncia de Fernando Collor, 13 anos atrás”. Questionado sobre a possível influência que o editorial possa exercer na avaliação atual dos investidores estrangeiros com relação ao Brasil, Carneiro retruca a pergunta: “Mas que tipo de investidor pode estar

tirando dinheiro daqui?” Ele próprio responde: “Um investidor de curtíssimo prazo, que trabalha com capitais especulativos, que está numa série de mercados que por definição são muito voláteis. Esse tipo de investidor que o mercado costuma identificar como aqueles que têm pernas de lebre e coração de passarinho”.

ELITE O editorial do Financial Times coincide com a declaração do presidente Lula de que a “elite brasileira” não vai fazê-lo baixar a cabeça e com a ameaça declarada de sindicalistas de saírem às ruas, se for o caso, para defendê-lo. Carneiro acredita que essa tentativa de desviar o foco para um embate de classes “não é muito para valer. Com o caminho que o PT escolheu, ele já mostrou que a estraté-

gia usada não é a do enfrentamento. O establishment já deixou claro que se depender dele, a crise não atinge o Lula e não atingindo o Lula, não atinge o Palocci, e portanto, não atinge a gestão da economia”. Ainda segundo o economista da Unicamp, a oscilação que vem da crise política deve ser breve a não ser que a crise ganhe contornos muito dramáticos que afetem o presidente da República. Num eventual cenário de impeachment, aí sim, o mercado financeiro sentiria efeitos bruscos, na opinião de Carneiro. “O vice-presidente José Alencar tem se pronunciado de uma forma incisiva e clara contra esta política de juros muito elevada associada a banqueiros, rentistas, ao capital financeiro em geral. O vicepresidente mudaria esta política”, conclui o economista da Unicamp.

11º INTERECLESIAL

CEBs reafirmam compromissos com fé e política Joana Tavares enviada especial a Ipatinga (MG) Um jeito antigo e novo de ser Igreja. É assim que as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) se definem. Como a Igreja primitiva, elas se voltam para os oprimidos – os sem-terra, moradores de rua, indígenas, catadores de material reciclável, negros, mulheres, as pessoas com deficiência, dialogando com outras religiões. Com o tema “Espiritualidade Libertadora” e o lema “Seguir Jesus no Compromisso com os Excluídos”, o 11º Intereclesial das CEBs reuniu, em Ipatinga (MG), dos dias 19 a 23 de julho, mais de 3.700 pessoas de todo o Brasil, além de 70 representantes de países da América Latina, Europa e África. Frei Betto, presente em todos os Intereclesiais desde o primeiro, em 1975, realizado em Vitória (ES), ressaltou que as CEBs estão vivas e ativas, mostrando sua força com a presença de 3.219 delegados, que representavam várias outras pessoas em suas comunidades. Ressaltou, ainda, que as CEBs tiveram importante papel na formação de lideranças dos movimentos sociais, estudantis, sindicais e partidários, sendo que oito ministros e secretários do governo Lula são originários desse trabalho.

DISCUSSÕES Para valorizar ao máximo a riqueza da experiência trazida pelos participantes, eles foram organizados em seis blocos, subdivididos em grupos menores para discutir em profundidade o tema da exclusão, relacionando as CEBs com a espiritualidade libertadora; com a dignidade humana e a promoção da

Jorge Custódio

da mídia

NACIONAL

Mais de 3 mil delegados das CEBs discutem a atual crise política que atinge a esquerda

cidadania; com a formação de novos sujeitos, capazes de contribuir para construção de um outro mundo possível; com a Via Campesina, tendo presente a ecologia, a questão do uso da terra e da água no campo e nas cidades, a reforma agrária; e, finalmente, com a educação libertadora.

MILITANTES Buscando uma nova forma de ser Igreja, aproximando-se do povo oprimido e construindo as bases para um outro país, o encontro reuniu militantes históricos, como Plínio de Arruda Sampaio e dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Miguel Serpa, do MST de São Paulo, conta que começou sua militância nas CEBs, que têm um papel fundamental na luta pela terra no Brasil. “Meu sonho é que aqui se retome essa importante tarefa, porque a Igreja pode contribuir para a transformação social”, diz. A Carta das CEBs do 11º Intereclesial ao Povo de Deus relata: “No primeiro dia, nos dedicamos a abrir os olhos para ver a realidade da ex-

clusão em suas diversas expressões: sociais, econômicas, políticas, étnicas, culturais e religiosas. Isto deixa tanta gente caída à beira do caminho: mulheres, idosos (as), desempregados (as), migrantes, moradores de rua, encarcerados, pessoas com deficiência, sem-terra, sem-moradia, vítimas da droga, da discriminação no campo da sexualidade e de tantos outros. A sociedade está marcada por divisões, autoritarismos, corrupção e exclusão que se reproduzem até nas igrejas”.

RONDÔNIA Para Marinete de Morais, coordenadora das áreas de serviço do Intereclesial, as CEBs são as comunidades que se organizam, que reúnem, que refletem, e o Intereclesial é o encontro dessas comunidades. “A cada Intereclesial, estas comunidades são fortalecidas. Cada um que sai daqui, sai animado para fortalecer seu trabalho na base. O encontro das comunidades é um espaço de reflexão e de recarregar as energias para dar sustentação à base”, afirma.

Durante o encontro, foram organizadas tendas de trocas de saberes, com temas como fé e política, economia solidária, moradores de rua, encarcerados, terra e água, povos indígenas, reforma agrária e vários outros. Refletindo a diversidade do evento, os jovens se reuniram no Acampamento Igreja Jovem, que, além de um espaço alternativo de alojamento, teve discussões e celebrações próprias. Levando em conta a relevância da discussão sobre a Amazônia, o Intereclesial definiu que o próximo encontro, em 2009, será em Porto Velho (RO).

COMPROMISSO Por fim, em seu 11º Intereclesial, diz a Carta das CEBs ao Povo de Deus: “Conscientes do nosso compromisso com a transformação do Brasil, reafirmamos o nosso apoio ao projeto que sonhamos para nosso país, projeto que ajudamos a construir e destinado a incluir tantos irmãos e irmãs, sem vez e sem voz. “O atual modelo econômico é intolerável. Ele subordina nosso país ao capital financeiro e desestrutura nossa sociedade. É urgente o esclarecimento dos fatos de corrupção política ocorridos no atual governo e nos anteriores, punindo-se exemplarmente os responsáveis. “Exigimos o restabelecimento da transparência e da ética na esfera política e social. Comprometemo-nos a seguir somando forças com os movimentos populares, sindicais e outras instituições da sociedade civil e a nos mobilizar para mudarmos esta situação, engrossando o mutirão Por um Novo Brasil, a que nos chama a 4ª Semana Social Brasileira”.


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NACIONAL MOBILIZAÇÃO

Nas ruas, movimentos cobram mudanças da Redação

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Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) realizou no dia 25 de julho, em comemoração ao Dia do Trabalhador e Trabalhadora Rural, uma mobilização nacional para reivindicar do governo federal mudanças na política econômica e agilidade na reforma agrária. No Rio de Janeiro, o Sindicato dos Economistas (Sindecon) lançou o manifesto “A Crise da República”. O documento, tomado como base pelos movimentos sociais nas manifestações, lista dez pontos a serem seguidos pelo presidente Lula para mudar a política econômica (veja reportagem abaixo).

Rafel Bavaresco

Em todo o Brasil, CMS exige agilidade na reforma agrária e alterações na política econômica

BOLO DA DÍVIDA À tarde, em frente ao Banco Central, um bolo de grandes proporções, feito de papel, foi partido simbolizando o orçamento do governo federal. Os pedaços eram proporcionais à divisão de recursos entre os ministérios e se destacou uma enorme fatia ilustrando o pagamento dos juros da dívida. Um bolo de verdade, menor, seguiu a mesma lógica e foi distribuído entre os presentes, assim como as bananas produzidas em assentamentos e acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Rio de Janeiro, representando “a ‘banana’ que o Palocci dá para o povo”, de acordo com Guilherme Gonzaga, da coordenação estadual do MST. Em Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), cerca de 600 pessoas participaram da manifestação na Fazenda Cabanha Dragão, ocupada há um mês por 350 famílias do MST. Apurar todas as denúncias, ir para as ruas exigir mudanças na política econômica e trabalhar na organização do povo foram os desafios colocados pelos representantes das entidades que participaram do ato. “Está na hora de o povo ir para a rua e puxar o governo para a esquerda”, afirmou Paulo Farias, dirigente estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Em São Luís do Maranhão, manifestantes pedem fim da política econômica de submissão ao capital externo e pregam unidade na luta social

propondo que o governo rompa com os acordos feitos com os organismos internacionais, principalmente o pagamento da dívida externa e os acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e possa fazer uma política econômica mais soberana”, afirmou o coordenador estadual do MST, Jaime Amorim, que também comemorou uma reunião inédita com o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em Curitiba (PR), cerca de 500 manifestantes realizaram ato contra a política econômica em frente ao Ministério da Fazenda. Na capital sergipana de Aracaju, milhares de trabalhadores sem-terra caminharam pela Avenida Osvaldo Aranha até a Praça Ranulfo Prata, onde ocorreu um almoço coletivo próximo ao prédio do Incra. À tarde, a caminhada continuou até a Praça General Valadão, onde aconteceu um ato público. Em São Luis (MA), ocorreram manifestações em frente ao prédio do Ministério da Fazenda, seguido de caminhada de mais de 300 manifestantes até a sede do governo do Estado. Em Maceió (AL), dois mil trabalhadores e trabalhadoras rurais acamparam em frente à sede do Incra para reivindicar a

RUPTURA No Recife (PE), um acampamento com mais de mil militantes foi montado em frente à sede do Ministério da Fazenda. “Estamos

reestruturação e o fortalecimento do órgão no Estado, bem como o afastamento do superintendente e sua equipe. No dia 26 de julho, realizaram ato contra corrupção e pela mudança da política econômica, percorrendo as principais

ruas da cidade. Em Dourados (MS), cerca de 1,2 mil famílias montaram acampamento em frente ao prédio do Incra. Na capital do Estado, Campo Grande, mais de 600 pessoas participaram de uma marcha de 14 km até o prédio

do Ministério da Fazenda. (Com informações de Antonio Diniz, da Agência Notícias do Planalto, Daniel Cassol, de Porto Alegre, Rosália Silva, de Campo Grande e Solange Engelmann e Davi Macedo, de Curitiba)

Sem rumo, problemas vão aumentar Solange Engelmann, Davi Macedo e Mário Augusto Jakobskind de Curitiba (PR) e do Rio de Janeiro (RJ) Como parte das mobilizações da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) em Curitiba (PR), ocorreu no auditório das Faculdades Facinter um debate com Antônio Carlos Spis, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e João Pedro Stedile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sobre a crise do atual modelo econômico. “Em 1980, nós tínhamos 1 milhão de desempregados, depois do governo FHC, eram 18 milhões. Com o governo Lula, o país cresceu menos do que a média dos países da América Latina e da economia mundial, isso graças ao continu-

ísmo da política neoliberal que é sustentada por Palocci”, declarou Stedile. O dirigente do MST também criticou o atual modelo agrícola, que segundo ele está voltado apenas para o agronegócio, e não para a pequena agricultura. “Queremos uma nova política agrícola voltada para o mercado interno e para a produção de alimentos, porque a agricultura precisa estar na mão dos agricultores e não das grandes transnacionais”, destacou. Stedile disse ainda que o Brasil não está vivendo uma crise de natureza ética, mas uma crise política, econômica e social. “Até agora o governo Lula não conseguiu resolver o problema do povo brasileiro e, com a continuidade desse modelo, os problemas só irão se agravar”, concluiu. No Rio de Janeiro, durante debate de lançamento do manifesto “A

Crise da República”, o economista Paulo Passarinho, coordenador do Sindicato dos Economistas do Estado do Rio de Janeiro, defendeu a formulação de uma proposta popular democrática para que o movimento social empreenda uma mobilização necessária para uma mudança na desastrosa política econômica adotada pelo governo Lula e seguida desde os anos 90 pelos então presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. No entanto, o economista considera um grave erro comparar o governo Lula com o de FHC, porque este não pode servir de referência para coisa alguma, já que foi o pior da história. Por fim, Passarinho defendeu a formação de uma frente popular e antiimperialista para tentar superar o impasse que os brasileiros se encontram.

da Redação No dia 25 de julho, com o título “A Crise da República”, os economistas lançaram manifesto por uma nova política econômica, cujas propostas Brasil de Fato antecipou na edição 125. Como manifestações anteriores, o documento insiste na falência do modelo econômico, o mesmo, radicalizado, do governo Fernando Henrique, e aponta alternativas para o país sair da sinuca de bico em que se encontra. Abaixo, os motivos que levaram à elaboração do manifesto: “Todos afirmam que a República está em crise. Nós também consideramos que a crise é profunda. Mas sobre qual crise falamos? Nós acreditamos que a Nova República, nascida sobre os escombros da ditadura em 1985, prometendo um país melhor, finalmente sucumbiu diante dos interesses das classes dominantes no país, e morreu. “A crise atual – política, econômica, social e ética – somente pode ser resolvida se os pilares do acordo que sustentou a transição da ditadura para a democracia, e que foram protegidos e alimentados por todos os governos posteriores a ela até o momento, forem

Brasil de Fato

Economistas lançam documento com propostas para um novo modelo

Integrantes dos movimentos sociais do Paraná protestam contra política econômica

substituídos por um programa que atenda às demandas mais sentidas da população e resgatem a soberania nacional e popular que toda República digna deste nome deve possuir. “A estratégia econômica, que elegeu o combate à inflação como principal objetivo político fracassou por completo e está esgotada, não obstante ainda tenha muitos defensores dentro e fora do governo. Após inúmeros planos, o povo

está mais pobre: o Brasil não é o país do mundo com maior concentração de renda, porque um país africano nos supera (Serra Leoa). Somente no ano passado, o número de milionários – pessoas com ativos superiores a 1 milhão de dólares – cresceu 7%; atualmente, quase 100 mil pessoas controlam 50% da riqueza do país. “O programa econômico e político concebido e aplicado inicialmente no governo de Fer-

nando Henrique Cardoso, e que ainda comanda o país, necessita ser súbita e urgentemente substituído. Este programa – conhecido originalmente como Plano Real e que na atualidade atende pelo nome de ‘estabilidade econômica’ – não somente gerou milhões de pobres, mas segue comprometendo o futuro de várias gerações ao alienar o território, multiplicar o endividamento estatal e aprofundar a dependência do país. “A austeridade aplicada sobre o povo, com cortes sistemáticos no investimento social e crescentes recursos destinados ao pagamento das dívidas – interna e externa – aprofundou a relação parasitária e predatória do empresário nacional e estrangeiro com o Estado brasileiro. O aumento de impostos é para pagar os juros da dívida, e essa garante lucros seguros a todos aqueles que investem nos títulos da dívida pública: banqueiros, empresários, rentistas de toda ordem. A corrupção de partidos e políticos é apenas a face mais visível de um processo mais profundo que somente pode ser corrigido com eficácia se o Estado for fortalecido e desprivatizado. A privatização e a debilidade do Estado são as principais fontes de corrupção no Brasil!

“Os donos do poder afirmam que as exportações podem salvar o país, mas a verdade é que esta opção esquece a vitalidade do mercado interno e mantém os salários baixos como condição para competir no mercado mundial. A dependência tecnológica é crescente e as medidas tomadas ao longo deste ano para fortalecer a saída exportadora somente aumentaram a vulnerabilidade externa, produtiva, monetária e financeira do Estado brasileiro. “Mas nosso principal inimigo é aquele que afirma a idéia de que não existem alternativas. Abaixo, estamos propondo um conjunto de medidas que indica o início de uma alternativa nacional e popular para a crise atual. Elas podem e devem ser tomadas neste momento em que amplas maiorias ainda defendem mudanças estruturais para nosso país e apoiariam com valentia e intensa mobilização um programa de natureza popular. Se aplicadas, elas inauguram um novo tempo para as maiorias que travarão sem vacilar uma longa luta para construir uma República democrática, destinada a fortalecer a soberania nacional e superar para sempre o subdesenvolvimento.”


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NACIONAL FUMICULTURA

O drama dos agricultores

Hamilton Octavio de Souza

Agrotóxicos usados nas lavouras de fumo causam inúmeras seqüelas e levam ao suicídio

Reação presidencial Na tentativa de conter o desgaste de sua imagem, o presidente Lula iniciou uma série de contatos diretos com trabalhadores, aos quais apresenta um discurso vago de que está sendo atacado pelas “elites”. Não fala em mobilização ou ação coletiva, mesmo porque as “elites” formadas por empresários, banqueiros, agronegocistas e outros, ainda apoiam a política econômica elitista de Antônio Palocci Filho. Questionário útil Na medida em que as investigações sobre os casos de corrupção avançam, a militância petista mais se questiona: deve defender quem praticou tais crimes? Como limpar o partido de práticas equivocadas? Como recuperar a credibilidade pública do PT? O que fazer se Lula tiver de deixar a Presidência antes do término do mandato? A luta continua. Disputa interna Está mais do que evidente que a eleição do novo diretório nacional do PT será decisiva para o futuro do partido: os sete candidatos precisam deixar claro se aprovam ou não as práticas adotadas pela cúpula do Campo Majoritário, se estão dispostos ou não a punir quem participou da corrupção e se vão continuar apoiando ou não a política econômica do governo Lula. Com a palavra a militância. Desocupação imediata Várias personalidades do mundo todo, entre elas o escritor estadunidense Noam Chomsky e o argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, divulgaram documento dirigido ao governo Bush, pedindo a retirada imediata e incondicional da base naval dos EUA de Guantánamo (Cuba). A base, usada como campo de prisioneiros afegãos e árabes, é uma violação clara da soberania de outro país. PSDB segrega Graças a uma ação do Ministério Público e da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, o morador de rua Manoel Menezes da Silva, de 62 anos, conseguiu habeas corpus para circular livremente pelas ruas da Vila Nova Conceição, área nobre de São Paulo, onde vive há mais de 20 anos. Dois meses atrás, ele havia sido retirado do bairro pela Secretaria Municipal de Assistência e internado num hospício, provavelmente para não incomodar seus ricos vizinhos. Desgaste internacional Em carta dirigida ao presidente Lula, parlamentares e sindicalistas denunciaram que tropas brasileiras e jordanianas que ocupam o Haiti, em nome da ONU, atacaram, dia 6 de julho, a favela de Cité Soleil, na periferia de Porto Príncipe, e mataram mais de 20 pessoas, entre elas quatro crianças. Os signatários pedem a imediata retirada das tropas brasileiras do Haiti. Dinheiro bloqueado Criado especialmente para apoiar e desenvolver a agricultura familiar, o Pronaf conseguiu atender, em 2004, pouco mais de 10% das 500 mil famílias assentadas e carentes de recursos para produzir. Segundo dados da Secretaria de Agricultura Familiar, apenas 35.511 famílias tiveram acesso ao crédito de investimento, e 19.370 ao de custeio. Bem aquém da promessa governamental. Economia ameaçada A estabilidade do ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, pode sofrer sério abalo se o Ministério Público decidir processar o ex-coordenador da sua campanha para a Prefeitura de Ribeirão Preto, Rogério Tadeu Buratti, pelos crimes de formação de quadrilha, adulteração de licitações e sonegação de impostos. O risco de novo Roberto Jefferson é grande.

Aline Gonçalves de Curitiba (PR)

D

esesperado por não conseguir honrar seus compromissos financeiros, o agricultor Juarez Ripplinger, um dos coordenadores do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) de Santa Cruz do Sul, Rio Grande Sul, cometeu suicídio no dia 2 de maio. Casado, 42 anos, era pai de dois filhos, um adolescente e outro ainda criança. Ripplinger sempre viveu da produção de fumo. Segundo Wilson Rabusk, outro coordenador do MPA na região, o colega nos últimos dois anos contraiu uma dívida que culminou na busca e apreensão pela polícia de sua última safra. Isso o levou a tomar essa atitude drástica. Mas o drama dos agricultores de fumo vão além do financeiro. A saúde é duramente afetada. E não fica restrita aos problemas relacionados aqueles desencadeados pelo consumo do cigarro. Desde a produção das folhas de fumo, são inúmeros os males causados pela intoxicação por agrotóxicos, devido às más condições de trabalho e pelo sistema econômico ilegal. O Brasil é o segundo maior produtor de fumo e o primeiro exportador do globo, sendo que o maior núcleo de produtores está na Região Sul do país. É nessa região que, conseqüentemente, estão concentrados os mais graves problemas decorrentes do sistema de integração implantado pelas empresas transnacionais fumageiras. “O trabalho com o fumo é insalubre, muito cansativo, é preciso trabalhar muitas horas sem descansar. Não temos remuneração digna e todos ficam ansiosos para a situação melhorar. Quando o trabalhador está endividado e não consegue superar a crise, parte até para o suicídio. Dentro do MPA nos últimos cinco meses tivemos dez casos”, relata Rabusk. Para ele, é um conjunto de fatores culturais e econômicos ligados ao sistema integrado que levam os camponeses ao estremo. “O sistema público de saúde não dá a atenção adequada. São clínicos gerais que receitam antidepressivos. Só quando as pessoas chegam a uma situação crítica é que buscam ajuda”, continua o coordenador do MPA. Segundo a pesquisa Ladrões de Natureza, realizada por Sebastião Pinheiro, que é engenheiro agrônomo e florestal e autor de vários livros, entre os quais Agricultura Ecológica e a Máfia dos Agrotóxicos e Cartilha Sobre Transgênicos, a mortalidade por suicídio nas regiões onde há maior aglutinação de produtores de fumo no Estado do Rio Grande do Sul, como no município de Venâncio

Fumicultores sofrem com doenças causadas pela intoxicação por agrotóxicos, devido às más condições de trabalho

Aires, foi de 16,23 a cada cem mil habitantes, em 1994, sendo que a média do Estado no mesmo ano foi de 7,11 a cada cem mil habitantes.

RESPONSABILIDADE Como conseqüências do uso indevido dos agrotóxicos muitos fumicultores apresentam convulsões, icterícia, inibição da acetilcolinesterase, que acarreta hiperatividade do sistema nervoso parassimpático seguida de depressão, paralisia neuromuscular e disfunção do sistema nervoso central, diarréia severa, dificuldade respiratória, lesões necróticas pelo contato prolongado dos agrotóxicos com a pele e mucosas, entre diversas outras doenças. São comprovados também casos de má-formação fetal e aborto nas épocas em que mais se aplicam os venenos. Os agrotóxicos são utilizados ao longo de todo o ciclo de produção sem orientação adequada para as condições e características de cada propriedade, além de serem recomendados e vendidos sem o devido receituário agronômico. Essas práticas demonstram a responsabilidade objetiva das fumageiras. O sistema integrado privilegia a padronização para diminuir custos e aumentar lucros, todas as prescrições são conferidas de forma genérica no Pacote Tecnológico.

PRÁTICA ILEGAL A prática é ilegal, conforme explica o advogado Guilherme Eidt, que realizou a pesquisa Fumo – Servidão Moderna e Violações de Direitos Humanos, pela organização não-governamental Terra de Direitos. “A venda dos agrotóxicos

pelas fumageiras viola o preceito de que a comercialização deve ser feita através de receituário próprio (Lei 7.802/1989), sendo inconsistente e irregular qualquer diagnóstico por premonição que justifique as indicações prévias à identificação da patologia a combater”, explica Eidt. Além disso, os venenos são comercializados por venda casada. Ou seja, as indústrias, para adquirirem a produção, exigem do agricultor que compre delas os insumos, equipamentos e utensílios que indicam. Para Eidt, esses fatos ocorrem por descaso dos agentes públicos estaduais e federais responsáveis pela agricultura, trabalho, saúde e meio ambiente incumbidos da fiscalização dessa atividade econômica.

VIOLAÇÃO DE DIREITOS As transnacionais não reconhecem vínculo de trabalho com os agricultores e suas famílias, e estes não têm direitos trabalhistas assegurados. Não têm auxílios ou seguro saúde e não recebem pela insalubridade a que se expõem no contato com os venenos, nem pelo trabalho noturno de costurar o fumo e alimentar a fornalha onde é secado. As indústrias transnacionais encontraram a solução para obter um lucro absurdo que jamais teriam com trabalhadores registrados legalmente. As empresas potencializam seus ganhos com a exploração do agricultor e sua família, incluindo crianças e adolescentes. “Semana passada uma família esteve aqui para denunciar que a empresa Brasfumo havia acertado pagar R$ 35 por arrouba de fumo, mas na hora da entrega da produção pagou somente R$ 17. Diante do desespero dos pais, os filhos dos agricultores

trouxeram com eles uma carta, em que cobram da empresa uma postura mais justa” finaliza Rabusk. Apensar de os equipamentos de proteção individual (EPI’s) estarem incluídos no Pacote Tecnológico, eles são pouco utilizados, porque não são adaptados para as condições climáticas brasileiras e o biotipo dos trabalhadores. O objetivo seria evitar o contato da pessoa com as folhas de fumo carregadas de nicotina e agrotóxicos. Mas, ao disponibilizar equipamentos inadequados, as empresas transferem a responsabilidade para os agricultores, argumentando que eles se contaminam porque ignoram a necessidade de usar os EPI’s.

TRABALHO INFANTIL O abuso do trabalho infantil nas lavouras familiares de fumo ocorre com maior freqüência quando há dificuldades financeiras. No caso dos produtores de fumo, a exploração do trabalho da família faz com que nos períodos de maior demanda, como na colheita, até as crianças trabalhem. “Para honrar seus débitos as famílias aumentam a área plantada na expectativa de libertarem-se daquele vínculo servil com uma boa safra, o que exige mais mão-de-obra. As crianças trabalham principalmente no período de férias escolares que coincide com a época de colheitas”, explica o advogado Eidt. Para amenizar a situação e tentar melhorar sua imagem junto às comunidades e a mídia, as empresas tabacaleiras promovem ações sociais e culturais para os filhos dos fumicultores. Mas as atividades normalmente acontecem no período letivo. Ou seja, isso não evita que as crianças trabalhem.

MIGRANTES

Um novo Centro de Apoio em São Paulo da Redação Os migrantes de São Paulo ganharam um novo espaço. No dia 22 de julho foi inaugurado o Centro de Apoio ao Migrante (CAM). O local será estruturado para oferecer atendimento jurídico, psicológico, atividades sociais, culturais e religiosas. Segundo Paulo Ylles, coordenador do Centro, “será um ponto onde vamos construir com os migrantes e as parcerias uma rede de defesa dos direitos humanos dos imigrantes.” O CAM nasceu de um olhar atento do Serviço Pastoral do Migrante (SPM) à dura realidade em que vivem os imigrantes pobres, marcados pelo preconceito, pelas longas jornadas de trabalho, pela dificuldade de acesso à escola e à promoção da saúde. “A partir desse espaço, espera-se fortalecer as iniciativas de solidariedade, de reforço da cultura e da identidade das comunidades de diferentes países, de

Divulgação

Esclarecimento A fantástica movimentação bancária das empresas de Marcos Valério esclarece por que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, recebeu blindagem especial do Planalto. Todo o esquema teria desmoronado se o BC tivesse cumprido a sua missão constitucional de fiscalizar o sistema financeiro. Bingo!

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem

Fatos em foco

Migrantes de diversas nacionalidades participam da inauguração do novo Centro

defesa dos direitos humanos e de luta por uma nova e abrangente Lei dos Estrageiros”, acrescenta Ylles. O CAM, iniciativa do SPM, está localizado em São Paulo, no bairro Canindé, na Rua Coronel Silva Gomes, 72, bem próximo da Igreja Santo Antonio do Pari e da Praça Kantuta, onde todos os domingos se

reúnem mais de quatro mil imigrantes, em sua maioria bolivianos. Geograficamente o local é estratégico pela facilidade de acesso para os imigrantes que vivem na região do Brás, Pari, Vila Maria, Bom Retiro, Mooca e proximidades, diz Ylles. Segundo ele, estima-se que nessa região residam mais de 35 mil

migrantes latino-americanos, dentre os quais, um grande número de indocumentados. Estiveram presentes na inauguração, lideranças das comunidades paraguaia, boliviana, peruana e chilena, juntamente com representantes de diversas entidades e organizações, como a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, o Movimento dos Sem Teto do Centro, Rede Rua, Grito dos Excluídos, Consulta Popular, Centro Pastoral dos Migrantes (CPM), Ministério da Cultura (Programa Cultura Viva), e Secretaria Especial de Parcerias da Prefeitura de São Paulo, dentre outras. Durante o evento foi lançado o livreto Serviço Pastoral dos Migrantes – 20 anos a Caminho. A publicação retrata um olhar sobre aspectos relevantes da atuação de duas décadas do Serviço Pastoral do Migrante (SPM) no universo das migrações.


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NACIONAL POLÍTICA FISCAL

Os impostos penalizam os mais pobres Reforma tributária não reformou nada; mudando o sistema, os custos dos alimentos poderiam baixar 15% e dos serviços, e são pagos por todos, indistintamente, qualquer que seja o tamanho de sua renda). Fazem parte dos tributos indiretos os Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI), cobrados pelo governo federal; sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estadual; e sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), municipal, entre outros.

Agência Brasil

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

O

grande barulho que se fez em torno da reforma tributária, uma discussão agora paralisada em função da crise política, serviu, na verdade, para esconder da opinião pública alternativas reais de mudança nesta área. Um estudo recente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) relança o tema e permite retomar o debate sobre como funciona o sistema brasileiro de cobrança de impostos, ao desnudar o caráter excludente e concentrador da renda desse modelo. Um único exemplo permite entender como opera a cobrança de impostos no país. Segundo o presidente do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, o valor dos impostos cobrados sobre o consumo de alimentos corresponde a 26,52% do custo final da alimentação do brasileiro. Para os espanhóis, a relação chega a 14,35%. “Se tivéssemos uma tributação semelhante à da Espanha, os alimentos seriam 15% mais baratos”, avalia.

PATRIMÔNIO

DESIGUALDADE As conseqüências de uma mudança daquele tipo seriam todas positivas para a economia brasileira. Os salários teriam seu poder de compra ampliado, aponta o presidente do IBPT, já que o peso relativo dos alimentos seria reduzido em um sétimo, aproximadamente. A renda das famílias, como resultado, também subiria, sobrando mais recursos para o consumo de outros produtos e serviços (como eletrodomésticos, roupas, calçados, além de educação e saúde, por exemplo), irrigando toda a economia.

Impostos cobrados sobre o consumo de alimentos correspondem a 26,52% do custo final da alimentação do brasileiro

O incremento do consumo daqueles itens movimentaria o comércio, elevaria a produção das indústrias, estimulando a geração de novos empregos. Na ponta final, a própria arrecadação de impostos seria beneficiada pelo ritmo maior de crescimento da economia, sem que isso representasse um aumento do peso dos tributos sobre todos os contribuintes. A situação atual cria uma outra

O MODELO BRASILEIRO

Distribuição da carga de impostos e participação na arrecadação

Patrimônio Capital e outras rendas

3

Comércio exterior Demais

2

3

16 27 Salários

49 Consumo de bens e serviços

forma de injustiça, que ajuda a concentrar a renda em poder dos que têm mais. “Quem recebe R$ 100 mil, gasta aproximadamente 4% a 5% de sua renda com alimentação. Mas para quem tem um salário de R$ 300, o peso dos alimentos no orçamento doméstico chega a 60%. Como a tributação é a mesma nos dois casos, quem ganha menos acaba recolhendo proporcionalmente mais impostos”, raciocina Amaral. Essa diferença de tratamento pode ser vista com maior clareza num trabalho preparado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Sindical). Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o sindicato mostra que as pessoas com renda de dois salários-mínimos gastavam, até recentemente, 26,5% de sua renda líquida com impostos indiretos, cobrados sobre produtos e serviços, diante de apenas 7,3%

para aquelas que recebiam mais de 30 salários-mínimos. No caso dos alimentos, os mais pobres tinham que destinar quase 10% da renda ao pagamento de impostos, enquanto os mais ricos recolhiam menos de 1,5% de seus rendimentos líquidos.

APERTO O debate sobre a reforma tributária e as propostas ainda em tramitação no Congresso desprezam literalmente a discussão sobre o tema, o que tende a perpetuar a concentração da renda. Distorções como essas, lembra Amaral, são causadas pela estrutura escolhida para a cobrança de impostos. O estudo do IBPT também mostra que 27% da arrecadação tributária provê dos salários. O grosso da receita fiscal (49%), concentra-se sobre produtos, bens e serviços, por meio dos chamados “impostos indiretos” (porque incidem sobre os preços dos produtos

Nos países mais ricos, de economia mais desenvolvida, o recolhimento sobre produtos e serviços representa, na média, 24% da arrecadação. Há maior concentração sobre os impostos que incidem diretamente sobre a renda e o patrimônio das pessoas e famílias, o que permite maior justiça na cobrança dos mesmos (já que se torna possível dosar o recolhimento de acordo com a renda ou o tamanho do patrimônio familiar, incluindo imóveis, automóveis, ações, jóias e outros bens). Nos Estados Unidos e no Japão, os impostos sobre o consumo respondem, respectivamente, por 19% e 16% da arrecadação, diante de 30% para a média dos países da União Européia, de acordo com o IBPT. Em terras brasileiras, os mais ricos ainda conseguem escapar da tributação por outras brechas, autorizadas pela legislação fiscal, que despreza a cobrança de impostos sobre a riqueza e o patrimônio. Tomando-se o bolo total da arrecadação tributária no Brasil, a fatia dos impostos sobre o patrimônio (a exemplo do Imposto Predial e Territorial Urbano, o IPTU, cobrado pelas prefeituras; e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, o IPVA, a cargo dos governos estaduais) fica limitada a magros 3%, conforme o IBPT. Modelo de país ideal na avaliação de nove em cada dez economistas formados no exterior, os Estados Unidos conseguem 11% de sua arrecadação cobrando impostos sobre quem tem patrimônio (quase quatro vezes mais do que no Brasil). Esse fator, entre outros, permite que o sistema tributário estadunidense seja mais justo e equilibrado.

Mais privilégios para os ricos Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)

Passivo tributário perto de R$ 1,2 trilhão Hoje, menos da metade dos contribuintes está em dia com o fisco e mantém seus negócios dentro da lei, afirma Gilberto Luiz do Amaral, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Cerca de 51% passaram para a informalidade, aderiram à sonegação pura e simples ou não conseguem pagar impostos em dia, informa. A proporção de inadimplentes, que registram impostos, taxas e contribuições em atraso, cresceu em torno de 50% nos últimos dois anos, passando a representar perto de 11% dos contribuintes. Cerca de um quinto (21%, de acordo com o IBPT) encontra-se na informalidade e 19% sonegam o fisco de várias maneiras. O avanço da carga tributária correspondeu, ao longo da última década, ao acúmulo de um passivo tributário, representado por impostos e contribuições não recolhidos por empresas e pessoas físicas, de praticamente R$ 1,2 trilhão, de acordo com Amaral. “Trata-se de uma dívida incobrável”, acrescenta.

INFORMALIDADE Daquele total, que corresponde a aproximadamente 70% das riquezas produzidas no país, em torno de R$ 700 bilhões estão na conta da Secretaria da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional; R$ 300 bilhões são devidos à Previdência Social; e o restante se refere a dívidas com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Estados, municípios e outras contribuições. Nessa marcha, afirma Amaral, “o sistema vai quebrar”. Segundo ele, “o país está bastante próximo de ver mais da metade de sua economia jogada na informalidade”. Isso significa, na prática, que toda a arrecadação terá de ser assegurada pela outra metade, o que exigirá novos aumentos da carga de impostos. “Nossa proposta é simplificar o sistema, reduzindo a burocracia no setor e baixando impostos. Para isso, basta decisão política, já que não há a necessidade de reformas constitucionais”, conclui o presidente do IBPT. (LVF)

O sistema de cobrança de impostos criou um círculo vicioso, aponta Gilberto Luiz do Amaral, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Como a renda tributável (ou seja, a fatia dos rendimentos de cada família sujeita à incidência de impostos) é baixa, os diversos governos têm feito a opção de taxar pesadamente o consumo. “Esses tipos de imposto são mais eficientes, sob a ótica do governo, ao permitir maiores receitas. Mas são pouco transparentes e escondem do contribuinte o peso real dos tributos, além de tornarem os produtos mais caros, achatando a renda do consumidor”, critica Amaral. Quanto maior o tamanho dos impostos sobre o consumo, menor a renda disponível das famílias, e mais baixa a arrecadação sobre a renda, portanto. Em conseqüência, cresce a predileção pela cobrança de impostos indiretos, que possibilitam aos governos arrecadar mais, enquanto encarecem os produtos e provocam achatamento da renda, fechando o círculo.

ABATIMENTOS Retomando o exemplo espanhol, o presidente do IBPT lembra que no país europeu a base de cálculo dos impostos é menor do que no Brasil. Na Espanha se permite uma série de abatimentos que a le-

O PESO DOS IMPOSTOS NO MUNDO Participação no total de riquezas/PIB, em % Países

2000

2003

Suécia

53,8

50,8

Noruega

43,2

43,9

Alemanha

37,8

36,2

Brasil

32,8

35,5

Espanha

35,2

35,8

Irlanda

32,2

30,0

Estados Unidos

29,9

25,4

Japão

27,1

25,8

Coréia do Sul

23,6

25,5

México

18,5

19,5

Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)

gislação do Imposto de Renda não autoriza no Brasil. “Aqui, não se pode abater despesas com roupas, livros, cursos de aperfeiçoamento profissional, custos de deslocamento e transporte. A tributação incide muito mais fortemente sobre a renda bruta do contribuinte, enquanto na Espanha e em outros países a taxação privilegia os valores líquidos (de despesas)”, compara.

JUROS A iniqüidade do sistema brasileiro é agravada por um outro dado, aponta o especialista. As famílias com renda mais alta, já favorecidas

pela concentração dos impostos sobre o consumo, conseguem chegar ao final do mês com renda sobrando para poupança e aplicações financeiras, que, por sua vez, estão sujeitas a uma taxação proporcionalmente mais baixa no Brasil. A menor incidência de impostos sobre ganhos financeiros gera um novo ciclo de concentração de renda e de riquezas em favor dos mais ricos. Na ponta dos gastos públicos, acirra-se a concentração quando as três esferas de governo no país são obrigadas a despender, todos os anos, quase R$ 140 bilhões pagando juros a menos de 4% das famílias brasileiras com renda mais elevada. (LVF)


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NACIONAL REFORMA POLÍTICA

Um bom momento para mudar o sistema Denúncias generalizadas de corrupção recolocam em pauta a urgência de se reformar as instituições políticas

A

crise política que o Brasil atravessa pode trazer um efeito colateral positivo: a necessidade de discutir, formular e implementar uma reforma nas estruturas institucionais de poder. Em junho, o Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) da Presidência da República publicou o caderno “Dimensão Institucional – Contribuição para o tema Reforma Política”, constatando a importância daquelas alterações. No trabalho, o NAE identifica (por meio de consulta “a cerca de 50 mil cidadãos que ocupam posições de destaque nos setores público, empresarial, acadêmico, da mídia, classista, artístico, religioso e das organizações não-governamentais ONGs”) forte desejo na sociedade para que as mudanças se efetivem e, por outro lado, conclui que essa probabilidade é muito baixa. O coronel do Exército Oswaldo Oliva Neto, secretário executivo do NAE, conta que, de acordo com o estudo, para haver uma reforma política, seria necessário um fato novo capaz de gerar uma ruptura com a tendência natural do sistema.

concedidos graças ao recebimento de benefícios que, às vezes, são programáticos e, portanto, éticos e, às vezes, como é o caso das denúncias de mensalão, espúrios. “Isso gera instabilidade política. Então, o que temos no Brasil é um problema estrutural, permanentemente gerador de crises”, descreve Oliva Neto.

Ricardo Stuckert/ PR

Luís Brasilino da Redação

NA PRÁTICA

Presidente Lula teima em construir alianças com setores da direita que sempre mamaram nas tetas do Estado

discussão da reforma política, mas só tem sentido falar nisso se for algo que transcenda uma resposta momentânea”, previne a cientista política Maria D’Alva Kinzo, professora da Universidade de São Paulo (USP). Se não for uma reformulação ampla, provavelmente haverá apenas um remendo, sem mexer, de fato, numa série de vícios que existem. Para Maria D’Alva, a reforma deve ser pensada a longo prazo. “Primeiro, precisa ser sustentada por um debate bastante amplo e que envolva especialistas na questão e a imprensa. Mas é um movimento menos partidarizado e mais em função das razões de es-

SEM REMENDO “Estamos torcendo para a crise política atual ser este ‘fato novo’. É uma grande oportunidade que temos de fazer a reforma”, salienta Oliva Neto. E embora caiba ao NAE propor tais alterações, o coronel considera que o tema deve ser veiculado pela imprensa e discutido pela sociedade civil organizada para orientar a população sobre a importância de dar um passo evolutivo no sistema político brasileiro. “A crise colocou em pauta a

tarmos nesse rolo todo”, afirma a professora.

SISTEMA PROMÍSCUO Na análise de Maria D’Alva, a crise que afeta o governo Lula passa pela estrutura do sistema político. E Oliva Neto diz que o caderno do NAE identifica a existência de uma incoerência institucional decorrente do fato de o Brasil ter um governo presidencialista e uma Constituição parlamentarista, situação que permitiu a criação de uma quantidade muito grande de partidos, o que inviabiliza a possibilidade de o chefe de Estado ter maioria parlamentar. Na Ciência Política, conven-

OCUPAÇÕES

MST intensifica ações no Sul O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) intensificou as ocupações no Rio Grande do Sul. No dia 25 de julho, fez a sua terceira ocupação em 28 dias. A Granja Três Pinheiros, parte de uma massa falida controlada pelo Banco do Brasil, foi ocupada por cerca de 700 trabalhadores em Sananduva, norte do Estado. No mesmo dia, o MST desocupou pacificamente uma fazenda em Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, mantendo um acampamento ao lado do latifúndio. Situação semelhante acontece em Tupanciretã, na região central, onde cerca de 180 famílias estão acampadas em frente à fazenda de 1,4 mil hectares, ocupada em 25 de junho. Em São Borja, na fronteira com a Argentina, há um acampamento em frente a uma fazenda de cerca de mil hectares, já em processo de desapropriação. A ação que mais chama a atenção da imprensa ocorre em Eldorado do Sul, próximo a Porto Alegre. Ocupada há um mês, a Fazenda Cabanha Dragão está seqüestrada pela Justiça devido a indícios de que a área era usada para lavagem de dinheiro do tráfico internacional de drogas. A Polícia Militar tem ordem para fazer o despejo desde o dia 18 de julho, mas alega falta de efetivo para executar a ação.

Ivanete Tonin, dirigente estadual do MST. “Desde antes dessa crise, o MST se manifestou sobre a necessidade de um outro modelo econômico, voltado para resolver os principais problemas do povo”, afirma. Mas não bastasse o corte no

orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário, desde que o Supremo Tribunal Federal barrou a desapropriação de um latifúndio de 13 mil hectares, em São Gabriel, a reforma agrária praticamente parou no Rio Grande do Sul.

Daniel Cassol

Daniel Cassol de Porto Alegre (RS)

Propostas para começar as discussões Determinado a levar o debate da reforma política para os mais diversos setores da sociedade, o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS) formulou uma série de propostas de alterações nas instituições de governo, que define como sendo “concretas, provisórias e provocativas”. Para o parlamentar, é necessário que as entidades populares tenham como objetivo debater o país por inteiro: sua estrutura econômica e política e superestrutura cultural e ideológica. “Até hoje, o povo brasileiro e os movimentos sociais nunca fizeram isso. Então, fiz uma síntese daquilo que coletei de propostas espalhadas na sociedade para iniciarmos um debate para repensar a estrutura política do país”, conta. Para Frei Sérgio, a reforma política só pode ser desencadeada por uma mobilização popular que coloque em xeque o sistema como um todo, já que o Congresso de hoje é incapaz de fazer este tipo de reforma. “Tal mobilização passa primeiro pela revolta do povo e pela negação disso que está aí. Essas propostas podem ajudar, mostrando à população que existe uma saída”, explica.

MARCAR UM NORTE

Aperfeiçoar os instrumentos de exercício da democracia, com objetivo de fazer com que o voto deixe de ser uma delegação absoluta. “Hoje tu votas e não tens mais poder sobre quem é eleito”, elucida. A partir daí, se faz necessária a criação de instrumentos de participação direta das massas no exercício do poder, como plebiscitos, referendos e consultas populares. Cortar os instrumentos de perpetu• ação no poder, ou seja, aqueles que permitem a profissionalização dos políticos, que são, basicamente, a reeleição e os altos salários. • Impedir o desequilíbrio de poder entre representantes e representados. Isto é, os dispositivos de ordem econômica e financeira, como o orçamento, precisam ser os mais democráticos possíveis, de modo a acabar com o nepotismo, o clientelismo e o fisiologismo.

JORNADA DE LUTAS As ações do MST, articuladas com as mobilizações da Coordenação dos Movimentos Sociais por mudanças na política econômica, procuram chamar a atenção para as reais necessidades do povo, avalia

cionou-se chamar este modelo de presidencialismo de coalizão, uma forma de governo baseada na troca de favores entre o Legislativo e o Executivo. Os apoios são

PROMOTORIAS POPULARES

• Sem-terra ocupam Fazenda Cabanha Dragão, usada para lavagem de dinheiro

“Foram fatores estritamente políticos – a necessidade de negociar apoio parlamentar e os custos de campanha – que estão na origem da crise atual”, avalia Maria D’Alva. Para ela, um dos problemas é a relação entre representantes e representados. Hoje, não dá para o cidadão comum acompanhar o que acontece no parlamento, a menos que ocorram escândalos. “O eleitor nem sabe o que faz o seu representante, pois existe um distanciamento muito grande”, ilustra. Isso reflete uma dissociação entre o resultado das urnas e o que acontece no Congresso. Por tudo isso, numa reforma, o mais importante, a seu ver, é fortalecer os partidos, aprimorar os mecanismos eleitorais e de controle da população sobre a representação política e, também, melhorar o sistema de governo.

Construir mecanismos concretos de controle do povo sobre a gestão do Estado. “O que tem de mais re-

volucionário neste ponto é, dentre outras soluções, a criação de promotorias populares”, aponta Frei Sérgio. A idéia é que, assim como os integrantes dos júris populares são escolhidos por sorteio, seriam concedidos mandatos de promotor para pessoas incógnitas na população. Estas teriam reconhecido, por instrumento do Ministério Público e do Judiciário, o poder de gravar valendo como prova, de coletar provas etc. • Na avaliação de Görgen, não tem sentido duas instâncias legislativas no Brasil. Por isso, defende a extinção do Senado e a constituição de um parlamento unicameral. Para ele, o equilíbrio entre os Estados pode ser atingido de outras formas, diminuindo, assim, o trajeto dos projetos e eliminando um instrumento “de perpetuação de velhas raposas na política nacional”.

MAIS PARTICIPAÇÃO

• Substituir as Câmaras de Vereadores por conselhos populares. “Os cidadãos se expressam de maneira mais forte nos seus municípios e as casas de hoje limitam a participação”, justifica Frei Sérgio. Os conselhos seriam mais amplos e seus integrantes não teriam salário, nem precisariam estar vinculados a um partido político. “O aumento de poder para o povo pode acabar dando na mesma? Pode. Por isso, as mudanças têm que ser mais amplas ainda”, assegura Görgen. Para ele, com mais participação vem junto mais educação. Além disso, quando as decisões são tomadas por poucas pessoas, fica mais fácil manipulá-las ou corrompê-las. “A cidadania não conhece os meandros do poder e ampliando as formas de participação estaremos refundando o Estado e reeducando a população em direção à sua emancipação”, define.

OUTRAS SUGESTÕES Não menos importantes são mudanças nos meios de comunicação, a interrupção de mandatos, o fim do foro privilegiado, o financiamento público de campanhas políticas, a fidelidade partidária, quotas mínimas nas casas legislativas para indígenas, negros e mulheres; e a transparência absoluta do Poder Judiciário. (LB)


Ano 3 • número 126 • De 28 de julho a 3 de agosto de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO INTEGRAÇÃO DOS POVOS

No ar, um projeto revolucionário Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

A

revolução desta vez será televisionada. É o que pretende a Telesul, o novo canal de televisão continental que nasceu para “romper com os latifúndios midiáticos” e “resgatar a história latino-americana”, até agora contada a partir dos olhos do Norte. “Durante mais de 500 anos, estivemos cegos de nós mesmos. Sempre nos vimos com os olhos do Norte, em preto e branco”, afirmou Aram Aharanoriam, diretor geral da Telesul, dia 24 de julho, durante o lançamento do canal, em Caracas. A data não foi casual. Nesse mesmo dia, em 1783, nasceu o libertador Simon Bolívar, herói da independência de diversos países da América do Sul e mártir da luta pela integração dos povos do continente. O novo canal pretende basear as informações e seus enfoques a partir da perspectiva latino-americana. Para o presidente Hugo Chávez, “o desafio da Telesul é entrar em sintonia com a alma e a mente dos povos e prender-se à verdade”. Para alcançar essa meta, o conteúdo dos programas dependerá fundamentalmente da participação da rede de colaboradores – constituída por produtores independentes e TVs comunitárias –, considerado pela direção do canal um dos pilares de sustentação do canal. “ Se a idéia é que possamos nos conhecer, seria arbitrário antecipar o que vamos transmitir. Vai depender do que os povos queiram contar”, explica Gabriela Fuentes, diretora de programação. Todo o conteúdo será bilíngüe. Haverá legendas ou

Marcelo Garcia

Lançada em 24 de julho, Telesul dará espaço aos movimentos sociais; EUA montam ofensiva contra o novo canal

“Nosso norte é o Sul” Para assistir a Telesul A transmissão da programação do novo canal é feita via satélite e pode ser captada por antenas parabólicas no continente americano, Europa ocidental e norte da África. Para captar o sinal, é preciso instalar um receptor digital de satélite e uma antena parabólica (custo estimado de R$ 950) e sintonizar no satélite NSS 806. Algumas TVs Comunitárias já instalaram esse receptor e assumiram o desafio de retransmitir o sinal da Telesul. É o caso das TVs de Brasilia, Niterói, Rocinha, Porto Alegre e Paraná. A programação também pode ser vista pela internet, por meio da página da TV Educativa do Paraná (http://www.pr.gov.br/rtve)

Telesul, o novo canal de televisão, pretende mostrar o rosto de um continente que resiste ao imperialismo

tradução em português nas transmissões em espanhol e vice-versa.

EUA CRITICAM A “ameaça” da Telesul em romper a ditadura do pensamento único promovida pelas grandes cadeias de comunicação desagradou o governo de Washington “promotor” da democracia. A Câmara de Deputados dos Estados Unidos aprovou uma emenda que permite o início de transmissões de rádio e TV para venezuelanos. Os deputados estadunidenses justificaram a decisão como necessária para se contrapor a uma suposta onda de

“antiamericanismo” da Telesul. Na Venezuela, país onde os meios de comunicação promoveram um golpe de Estado, o novo canal também está incomodando. Nas semanas que antecederam o seu lançamento, a transmissão de um vídeo em que aparece Manuel Marulanda, o Tiro Certeiro, líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), foi suficiente para acusar a direção do canal de promover a guerrilha colombiana. “Isso mostra o quanto desconhecem a história dos nossos países. A Colômbia está em guerra há cinqüenta anos e não podemos

BRASIL

negar essa realidade”, afirma Gabriela, em alusão ao início das ações da guerrilha. Os ataques não pararam por aí. Para os jornais estadunidenses, a repetição do refrão “eta, eta, eta, é a Lua, é o Sol, é a luz de Tieta, eta, eta” – referência à canção “A Luz de Tieta”, de Caetano Veloso –, em outro vídeo de divulgação da Telesul, sinalizava apoio ao grupo extremista basco ETA. O canal deverá seguir incomodando, sobretudo em programas como o Telesurgentes, espaço aberto para a luta dos sem-terra do Brasil, dos índigenas bolivianos

Jornalistas saúdam canal latino-americano

Mauricio Scerni

da Redação

O lançamento da Telesul foi celebrado com um ato público e uma emocionante comemoração no Rio de Janeiro, com direito a desfile de passistas e projeções de vídeo. Preparadas com meses de antecedência, as atividades foram um dos eventos mais importantes do calendário de lutas sociais no município. No bairro da Lapa, região central, a Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação (Enecos) e dezenas de entidades, entre elas a Associação Brasileira de Imprensa e os ComunicAtivistas, com o apoio do núcleo carioca do Brasil de Fato, realizaram um ato público. Na ocasião, foi apresentado o documentário A revolução não será televisionada, que mostra os mais diversos detalhes da tentativa de golpe ocorrida em 12 de abril de 2002. Já na quadra da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, houve uma festa com a projeção direta de Caracas da cerimônia de lançamento da Telesul e o desfile de passistas e baianas. A sambista Beth Carvalho, o adido de imprensa da Embaixada de Cuba no Brasil, Juan Roberto Loforte e o presidente da Escola, Wilson Moisés, destacaram a importância deste novo canal de televisão que tem como objetivo principal a integração do continente latino-americano, inaugurando também uma “nova era no campo da comunicação em que os telespectadores da região terão oportunidade de se informar melhor e sem a intermediação de emissoras estadunidenses como a CNN ou a Fox”. Compareceram ao

ou das madres argentinas. Por enquanto, a Telesul transmitirá quatro horas inéditas de programação reprisadas ao longo das 24 horas que permanece no ar. Os planos são de aumentar para oito horas até setembro. Os noticiários terão como premissa a investigação e a contextualização da notícia. Sua produção será feita pelos jornalistas da Venezuela e pelas outras oito sucursais distribuídas no continente. A TV é financiada pelo governo venezuelano, da Argentina, Cuba e Uruguai.

BOLÍVIA

Rio: Carnaval e festa no início das transmissões Mario Jakobskind e Rodrigo Brandão do Rio de Janeiro (RJ)

Mais informações: www.telesur.net tv@tvcomunitariadf.com.br telefone: (61) 3343-2713

Exibição do documentário A revolução não será televisionada, no Rio de Janeiro

lançamento, entre outros, o secretário de Governo do Estado do Rio, Anthony Garotinho, a atriz Letícia Spiler, a escritora Marília Guimarães e o compositor Darcy da Mangueira.

“POR TI, AMÉRICA” A Escola de Samba Unidos de Vila Isabel terá como enredo “Soy Loco por Ti, América”, no Carnaval de 2006, e como personagem principal o libertador Simon Bolívar. A PDVSA, empresa estatal venezuelana de petróleo, e a Coperzulia (mineradora) financiarão o desfile em fevereiro, que contará com a presença do presidente Hugo Chávez. A quadra da escola já está preparada para iniciar a escolha do samba-enredo com pilastras cobertas por fotos de personagens históricos da América Latina, como Bolívar, José Marti, Che Guevara, Camilo Cienfuegos, Fidel Castro, Pablo Neruda, Salvador Allende e Tiradentes. A escolha do samba-enredo, que terá início no próximo dia 13 de agosto, será concluída em outubro.

O carnavalesco Alexandre Louzada, um dos autores do “Soy Loco por Ti América” juntamente com Martinho Vila, disse que o enredo “é, antes de tudo, uma apaixonada declaração de amor às nações latinoamericanas e uma convocação em defesa de nossa cultura, numa viagem que compõe um imenso mosaico, contando um pouco da trajetória histórica e mostrando traços de suas manifestações culturais”. Para Louzada, o enredo é uma demonstração de que “o Brasil, enfim, assume sua latinidade fazendo ecoar o brado que emanou de ti, Venezuela, por seu bravo filho Simon Bolívar que lutou por uma América Latina única e forte, e que hoje, meu país num largo abraço endossa seus ideais que são “Chaves” que abrem portas, mostrando sua identidade, sua soberania e o caminho para a liberdade”. A Escola de Samba Unidos de Vila Isabel fará também uma homenagem ao novo canal de televisão apresentando como uma de suas alas a Telesul.

O início das transmissões do canal latino-americano de notícias, Telesul, dia 25 de julho, foi muito bem recebido por dirigentes e destacadas figuras do jornalismo boliviano, que nutrem grande expectativa em relação ao projeto. As opiniões recolhidas pela agência de notícias Prensa Latina mostram o otimismo e a satisfação dos entrevistados pelo fato de passarem a dispor de uma mídia televisiva própria para informar e se informar sobre a realidade latino-americana. “Temos certeza de que a Telesul saberá expressar a realidade cultural e a verdade sobre nossos países, sem intermediações odiosas”, disse Pedro Glasinovic, novo presidente da Associação Nacional de Jornalistas (ANP), também diretor da estatal Agência Boliviana de Informação. O veterano jornalista assinalou que espera que o novo canal seja, sobretudo, um instrumento para a verdadeira integração dos povos do continente, e que os jornalistas bolivianos tenham espaço na Telesul.

PRODUÇÃO LOCAL O secretário executivo da Federação dos Trabalhadores da Imprensa, Freddy Morales, também correspondente da Telesul, assinalou que o projeto cria uma grande expectativa diante da possibilidade de divulgar a realidade da Bolívia por meio de produções locais. Numerosas organizações sociais já reivindicaram a necessidade de cobertura de suas atividades e se colocaram à disposição

para participar com produções audiovisuais. “Para nós, a Telesul é um grande desafio, porque informação é poder e, portanto, estamos disputando um espaço importante de poder, em circunstâncias muito especiais para a região”, analisou. O diretor da agência nacional de notícias Jatha, Carlos Arze, foi outro a manifestar sua satisfação, observando que a Telesul atende uma necessidade urgente dos povos da região. “Na sociedade da informação, a grande disputa é quem produz a informação, um bem que custa caro e que garante a hegemonia da opulência das comunicações dos países do Norte”, declarou Andrés Gomez, diretor da cadeia de rádios Escuelas Radiofónicas de Bolívia e da agência de notícias de mesmo nome, felicitando os gestores da Telesul pelo início de suas atividades. Ele considera lamentável que a opinião pública latino-americana tenha sua visão e suas opiniões sobre os acontecimentos regionais e mundiais condicionadas pelos enfoques de cadeias como CNN e Telemundo, alheios à realidade regional. “Agora, com a Telesul, estamos em condições de informar e ser informados com uma visão latino-americana”, finalizou Gomez. O periódico político-cultural El Juguete Rabioso qualifica a Telesul como “uma arma contra o latifúndio midiático”, em reportagem de duas páginas, que inclui artigo do diretor-geral do projeto, Aram Rubén Aharonian, e declarações do diretor editorial, Jorge Enrique Botero. (Prensa Latina - www.prensa-latina.com)


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AMÉRICA LATINA BOLÍVIA

Novo presidente caminha à direita Marcelo Câmara de La Paz (Bolívia) Especial para o Brasil de Fato

Marcelo Curia/P2

Apesar de anunciar um governo de transição, Rodríguez defende transnacional e abre negociações de acordo com EUA cláusula legal que possibilitaria o rompimento do contrato, pois teme que essa medida coloque em risco o recebimento de créditos externos pela Bolívia, além dos riscos de um longo processo indenizatório movido pelos franceses.

C

NOVOS PROTESTOS? El Alto está em alerta. A maior zona urbana do país, com uma população de mais de 900 mil habitantes, convive desde 1997 com a privatização da distribuição de águas, quando a estatal Semapa foi substituída pela Águas de Illimani, um consórcio transnacional liderado pela francesa Lyonnaise des Eaux. Em 19 de julho, a transnacional não apresentou a proposta de

SUBMISSÃO

Contrariando a população, presidente boliviano sai em defesa da transnacional Águas de Illimani

renovação de garantias no prazo exigido pelo contrato. As juntas comunitárias comemoraram, pois isso significaria o fim da prestação de serviços da transnacional. Porém, por solicitação presidencial, a Superintendência Nacional de Águas foi instruída a autorizar a renovação mesmo após vencido o prazo contratual para tanto. Além disso, pediu aos movimentos sociais que “não dificultassem as negociações”. A decisão de Rodríguez surpreendeu. As lideranças da Federação de Juntas Vecinales (Fejuve), de El Alto – entidade que representa as

CHILE DE PINOCHET

Executivos condenados por fraudes em privatização Enrique Gutiérrez de Santiago (Chile) Sentença do quinto juizado civil de Santiago, dia 22 de julho, condenou seis ex-executivos chilenos a pagar multas de mais de 150 milhões de dólares pela venda dos ativos da geradora de energia elétrica Enersis à Endesa España. Para a Justiça, a transação só favoreceu os interesses particulares dos ex-executivos, em detrimento de milhares de acionistas da empresa. A decisão foi tomada 24 horas depois de se tomar conhecimento de relatório de uma comissão de deputados sobre o tamanho do saque sofrido pelo Estado chileno com as privatizações feitas durante a ditadura militar por grupos privados, um dos quais condenado agora pela venda da Enersis. O presidente Ricardo Lagos declarou que o país deve ser informado sobre os milionários recursos subtraídos ao patrimônio nacional ao longo do pinochetismo. E não foi pouco, de acordo com levantamento da comissão de deputados. O Estado chileno perdeu cerca de 2,5 bilhões de dólares durante a ditadura de Augusto Pinochet, com a transferência para mãos privadas das 30 maiores empresas do país, cuja participação no Produto Interno Bruto (PIB) seria o equivalente, hoje, a aproximadamente 6 bilhões de dólares. As informações foram obtidas pela comissão que investigou as privatizações feitas entre 1973 e 1990, período da ditadura, e publicadas dia 21 de julho pelo jornal La Nación.

Foram cerca de 725 as empresas estatais vendidas, entre elas alguns monopólios naturais vitais para o país. Muitas foram entregues a amigos e parentes de Pinochet. Caso de Julio Ponce Leroux, genro do ex-ditador que ficou com a indústria química baseada em nitrato natural, ou salitre. A comissão de investigação, liderada pelo deputado socialista Carlos Montes, foi formada a partir do escândalo da divulgação de sua fortuna pessoal, estimada em 100 milhões de dólares, parte em contas sigilosas no banco estadunidense Riggs e em outros. Os deputados atualizaram a cifra dos prejuízos com as privatizações para cerca de 6 bilhões de dólares. Constataram que todas as grandes empresas estatais foram vendidas por preços muito inferiores ao real. A Compañia de Acero del Pacífico, por exemplo, única siderúrgica chilena, foi alienada por 105,5 milhões de dólares, quando seu valor real era de 811,5 milhões de dólares. Esta diferença representou um terço da perda total do patrimônio da estatal que detinha o seu controle, a Corporación de Fomento de la Producción. Da mesma forma, o patrimônio público perdeu 15 mil imóveis, dos quais 11 mil foram parar diretamente no setor privado. “Estamos falando de cerca de 8 milhões de hectares que estavam em mãos do Estado, dos quais apenas 20% permaneceram com os camponeses, e as terras restantes foram transferidas para proprietários particulares”, explicou Montes. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)

quase 580 organizações comunitárias na periferia de La Paz – já trabalhavam na futura formação de uma empresa público-social, na qual a administração seria compartilhada pelas municipalidades e pelos órgãos comunitários. Para a advogada Cecília Chacon, da Fundação Solón, organização que presta assessoria técnica à Fejuve, a tática de Rodríguez é clara: esvaziar a mobilização social em El Alto. “Nos últimos meses vem havendo uma pressão contra as mobilizações, responsabilizando os movimentos pela

instabilidade política e social do país”, afirma. Mais do que a frustração e o impasse gerados pela manobra presidencial, o que fica claro neste momento, aponta a advogada, é a postura de Rodríguez, que assumiu sob a alcunha da transição apenas para garantir a convocação de uma Assembléia Constituinte e de eleições gerais, marcadas para dezembro. “Este é um governo que toma decisões. Um governo transitório não teria assumido tal postura”. Rodríguez afirmou que não quer executar judicialmente a

A história da Águas de Illimani foi sempre cercada de intervenções e decretos que somente beneficiaram a empresa, relata Cecília Chacon ao Brasil de Fato. A transnacional ganhou a concessão para assumir o serviço mesmo tendo sido a única empresa a se apresentar ao edital. Depois, fez ainda alterações no contrato que lhe proporcionaram aumento das taxas de lucro. Detalhe: isso mesmo sem ter efetuado obras de ampliação da rede de distribuição – ou seja, sem cumprir as metas contratuais da privatização. Em setembro de 2004, a mobilização comunitária contra a transnacional ganhou força com a publicação do documento “14 Razones para romper el contrato con Águas de Illimani”, um compêndio que apresentava pontos duvidosos nas negociações para a concessão dos serviços, além de aspectos não cumpridos do contrato pela multinacional, que possibilitariam seu rompimento legal. Desde então, o governo busca um rompimento negociado do contrato – iniciativa que esbarra na irredutibilidade da transnacional diante de qualquer negociação, revisão ou auditoria. A partir de janeiro, as mobilizações ganharam as ruas e os próximos meses foram marcados pela intensificação dos bloqueios na municipalidade de El Alto. A insatisfação da população local foi um dos motivos que levaram o ex-presidente Carlos Mesa a deixar o governo.

VENEZUELA

Jovens contra o imperialismo João Alexandre Peschanski da Redação A juventude do mundo tem encontro marcado: Caracas, capital da Venezuela, de 7 a 15 de agosto, durante o 16º Festival Mundial da Juventude e Estudantes. O evento tem como lema “Por solidariedade e paz, lutamos contra o imperialismo e a guerra” e vai contar com seminários, atividades culturais e grupos de trabalho. No final, deve ser aprovado um calendário de lutas para a juventude mundial. O festival, que ocorre a cada quatro anos, reúne jovens de dezenas de países, representando os cinco continentes. São esperadas 10 mil pessoas. A última edição, na Argélia, em 2001, contou com 6,5 mil. Não há limite etário para participar. “Os jovens que vierem a Caracas vão ter a oportunidade de conhecer a revolução bolivariana, vendo na prática o que está acontecendo. Não vão só ver, vão participar, pois a população venezuelana não quer apenas sediar o encontro, mas aprender dele, quer aprender dos jovens que vão vir”, afirmou José Marcano, do Instituto Nacional de Juventude da Venezuela. Ele participou da 13ª Convenção Nacional de Solidariedade a Cuba, que ocorreu de 25 a 28 de maio em São Paulo, quando concedeu entrevista ao Brasil de Fato. No festival, vai ser montado um tribunal antiimperialista. O ato começa no dia 13 de agosto, com a apresentação de problemas causados pelo governo dos Estados Unidos em diversos países do mundo. O veredito será divulgado um dia depois. “Uma das principais armas para derrotar o imperialismo é a prática da solidariedade internacional, exatamente o que vamos fazer no festi-

Robson Oliveira

omeça a naufragar a sensação de que o mandato do novo presidente boliviano, Eduardo Rodríguez, seria marcado por uma tentativa de estabilizar o país, polarizado entre as demandas populares e os interesses da elite. Apesar de ter assumido o posto máximo da política da Bolívia dizendo que faria um governo “de transição”, Rodríguez tomou duas decisões nos últimos dias nitidamente contrárias às reivindicações do povo. O novo presidente anunciou que não vai romper o contrato com a transnacional Águas de Illimani, como exige a população de La Paz e El Alto. Em vez disso, pediu que fossem retomadas as negociações para uma retirada consensual da concessionária. Rodríguez autorizou também a Bolívia a participar oficialmente das negociações do Tratado de Livre Comércio Andino, que está sendo discutido entre os Estados Unidos e os países da região (Colômbia, Equador e Peru). Até então, os diplomatas bolivianos participavam apenas como observadores.

“Por solidariedade e paz, lutamos contra o imperialismo e a guerra”, lema dos jovens

val”, disse Indira Andrés González, da Federação Estudantil Universitária (FEU) de Cuba, que colabora com a organização do encontro. Em entrevista durante a Convenção de Cuba, ela defendeu o desenvolvimento de alternativas ao capitalismo e apontou a juventude como carrochefe desse processo, pois “ninguém se revolta tanto com as injustiças do mundo quanto os jovens”. No encerramento, os jovens vão acompanhar as festividades do Dia da República Bolivariana da Venezuela. A delegação do Brasil deve ser composta por 800 pessoas. Metade virá da Região Norte, de Estados como o Acre, Amazonas e Roraima, por estarem mais próximos de

Caracas, o que permite economia de custos, de acordo com a Ana Maria Prestes, da União da Juventude Socialista (UJS). Ana Maria disse que os brasileiros devem participar de discussões sobre a questão da Amazônia, que, segundo ela, está sendo cada vez mais militarizada. “A partir de troca de informações e de intercâmbios, podemos montar uma estratégia internacional para resistir aos avanços do imperialismo nessa região”, comentou. Segundo Ana Maria, ainda há tempo para os que quiserem participar da delegação brasileira no Festival. Para inscrever-se, é preciso enviar um correio eletrônico para: fmje_venezuela@yahoo.com.br.


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INTERNACIONAL INGLATERRA

Terrorismo de Estado faz nova vítima Alexandre Praça de Londres (Inglaterra)

John Mchugh

Como no Iraque, a ordem é atirar para matar; Tony Blair lamenta a morte de brasileiro, mas apóia ação da polícia

A

inconseqüente “guerra ao terror” do governo britânico foi responsável pela morte de mais uma vítima inocente. Desta vez foi um brasileiro: Jean Charles de Menezes, de 27 anos, brutalmente executado pela polícia de Londres dia 22 de julho, ao ser confundido com um homem-bomba. Menezes recebeu oito tiros (sete na cabeça) quando foi cercado pelos oficiais dentro de um trem do metrô. Depois dos atentados na rede de transporte londrina no dia 7 de julho, e uma tentativa terrorista frustrada apenas duas semanas depois, o governo inglês passou a implementar uma imensa operação de caça aos suspeitos. Entre os seus principais alvos está a numerosa comunidade muçulmana, concentrada em bairros da periferia. Menezes vivia junto com seus primos em um conjunto habitacional popular de Tulse Hill, na zona sul de Londres. A tragédia começou na manhã do dia 22, quando Menezes saiu de sua casa, sem saber que a área estava sendo vigiada pelo esquadrão de elite da policia. Usando uma jaqueta grossa apesar da temperatura amena, o brasileiro imediatamente chamou a atenção dos oficiais que passaram a segui-lo quando ele entrou dentro de um ônibus com destino à estação de metrô Stockwell. Depois de descer do ônibus, Menezes caminhou em direção à estação, levando os policiais a gritar para que ele parasse. O bra-

Governo inglês ordena policiais a aplicarem a pena de morte contra suspeitos de atos terroristas

sileiro tomou, então, a decisão que custou sua vida. Talvez pelo fato de os oficiais não estarem usando uniforme e, o que é mais estranho, portando armas – proibidas até para a policia no Reino Unido – Menezes se desesperou, saltou as catracas e, correndo, desceu as escadas da estação. Ao chegar na plataforma, o brasileiro entrou em um dos trens,

perseguido a berros pelos policiais. Nesse momento, ele caiu no chão e, para o horror dos passageiros no vagão, recebeu os disparos na cabeça. Foi a primeira vez que a polícia usou, em público, a orientação da operação antiterror da agência de inteligência britânica Scotland Yard: atirar para matar. A norma foi inspirada pela ação do Exército israelense em sua experiência de

lidar com terroristas suicidas, agora também em Londres.

ATIRAR PARA MATAR Em artigo para o jornal News of the World, o ex-comissário da policia metropolitana, Lord Stevens, explicou em detalhes a lógica que ele mesmo ajudou a implementar: “Só existe uma forma de parar um terrorista suicida determinado a cumprir

sua missão. Matá-lo imediatamente na cabeça. Qualquer outro lugar ele ainda pode disparar sua bomba”. Para ele, portanto, está no julgamento arbitrário de um policial a decisão de aplicar a pena de morte. Dia 22 de julho, pois, essa norma irracional fez sua primeira vítima. “Nós sentimos pesar pela morte de uma pessoa inocente”, declarou o primeiro-ministro Tony Blair. “Contudo, a polícia está fazendo seu trabalho em circunstâncias muito difíceis. Se tivesse sido um terrorista e eles tivessem falhado, a policia seria criticada de outra forma.” Apesar de desculpar-se pelo erro, o governo britânico acrescenta enfaticamente que a atual situação de emergência força as autoridades a tomar atitudes drásticas. A policia se nega, por exemplo, a abortar a ordem de atirar para matar. Dias 25 e 26 de julho, organizações e movimentos sociais protestaram contra a ação da polícia inglesa. Em Londres, a comunidade brasileira e grupos de oposição à guerra no Iraque se congregaram em uma vigília em frente à estação Stockwell. “Eu chorei copiosamente quando soube o que aconteceu com Jean. Mesmo que ele fosse culpado, eles não teriam o direito de executá-lo, ainda mais de uma forma tão cruel”, indignou-se a brasileira Iara Maria Fernandes, 61 anos. Em Brasília e no Rio de Janeiro, as mobilizações reuniram dezenas de integrantes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que consideram o assassinato “preconceituoso e covarde”.

IRAQUE

Igor Ojeda da Redação No dia em que Tony Johnson foi morto, 9 de abril de 2004, o alerta de ameaça à população civil emitido pelo Exército dos Estados Unidos no Iraque estava em seu mais alto nível. O líder religioso xiita e defensor da resistência iraquiana, Moqtada al Sadr, havia ordenado à sua milícia que atirasse em qualquer um que saísse às ruas. Desprezando completamente este fato, a empresa estadunidense de serviços petroleiros Halliburton mandou 19 de seus funcionários entregarem combustível de avião no aeroporto de Bagdá. Johnson, motorista de caminhão da transnacional, era um deles. A negligência foi total. A começar pela rota escolhida. Além de não ser familiar a nenhum dos funcionários, nesse mesmo dia, mais cedo, uma outra empresa havia perdido vários veículos de seu comboio durante um ataque da resistência. Para piorar, os motoristas da Halliburton guiavam veículos militares em vez de caminhões civis, tornando-se, assim, ainda mais suscetíveis a atentados. O resultado não poderia ser outro: após duas horas de viagem, seis morreram, um foi seqüestrado e outro desapareceu. Essa e outras histórias constam no Houston, we still have a problem (Houston, ainda temos um problema), 2º Relatório Anual Alternativo da Halliburton. Lançado em maio e escrito por Pratap Chatterjee, diretor da organização CorpWatch, e Andrea Buffa, da Global Exchange, o documento revela que mais de 60 empregados civis da Halliburton que ocupavam funções de apoio às tropas da coalizão no Iraque e no Kuait já foram mortos, embora poucos saibam disso. Muitos outros estão voltando para casa antes mesmo do contrato de um ano terminar.

CMI

O canto de sereia da Halliburton

O verdadeiro custo de uma guerra imoral da Redação

Funcionários da Halliburton atuam como militares e milícias privadas no Iraque

E chegam, se não com problemas físicos, certamente com sérios danos psicológicos.

ILUSÕES PERDIDAS Em março, April Johnson, filha de Tony Johnson, entrou com um processo federal contra a Halliburton. O advogado da família e de outros funcionários em ações contra a transnacional, Ramon Rossi Lopez, acusa a empresa de, “intencionalmente”, esconder de seus empregados a verdadeira natureza de suas funções e mantê-los em locais perigosos. Além disso, o fato de a empresa ter recebido um “lucrativo pagamento do governo (EUA) para atuar como uma força militar privada e desarmada”. A maioria dos que vão ao Oriente Médio é seduzida por rumores de salários que variam de 80 mil a 120 mil dólares anuais. Mas o que a Halliburton quase sempre omite é que, na verdade, seus empregados são contratados por uma subsidiária da empresa nas Ilhas Cayman, chamada Service Employees International, que paga menos de 16 dólares a hora. Para ganhar os altos salários, um empregado precisa trabalhar 12 horas por

dia, sete dias por semana, e ainda sob condições difíceis de trabalho e correndo risco de morte. Outra informação que a transnacional prefere esconder é o fato de que, ao se desligar da empresa sediada no Texas, o trabalhador não tem direito a seguro-desemprego, pois o Estado não reconhece as subsidiárias da Halliburton fora dos EUA como empregadoras estadunidenses. Para quem não nasceu nos Estados Unidos, a situação é muito pior. O relatório de Pratap Chatterjee e Andrea Buffa conta a história de quatro indianos empregados por uma empresa saudita, subcontratada pela Halliburton, para fornecer comida a bases estadunidenses no Iraque. Ganharam 385 dólares mensais como açougueiros, mas seu supervisor confiscou os passaportes e parte dos salários. Ele alegou que os funcionários teriam que trabalhar por seis meses até receberem autorização para retornarem ao seu país. O relatório Houston, we still have a problem está disponível, em inglês, no endereço eletrônico http://www.corpwatch.org/ downloads/houston.2005.pdf.

Nos dois anos de invasão ao Iraque, completados em março de 2005, foram mortos 24.865 civis, segundo relatório publicado no dia 19 de julho pela Organização não-governamental Iraq Body Count (IBC) em conjunto com a Oxford Research Group. Desses, 9.270, ou seja, 37,3%, foram de responsabilidade das forças lideradas pelos EUA. Os dados resultam de uma análise baseada em cerca de 10 mil reportagens publicadas entre março de 2003 e março de 2005. Chama a atenção o número de mulheres e crianças atingidas: quase 20% do total. Cerca de 10% dos civis assassinados tinham menos de 18 anos. Das cerca de 25 mil vítimas, mais da metade, 53%, morreram devido a explosões, sendo que 64% destas foram causadas por ataques aéreos. Ou seja, ações comandadas pelas forças invasoras. O relatório aponta ainda que crianças foram atingidas de maneira desproporcional pelas explosões, principalmente por ataques aéreos e por bombas que não explodiram. Um dos autores do relatório, o professor John Sloboda disse, no seu lançamento, dia 24 de julho, que, em média, 34 iraquianos comuns morrem todos os dias de maneira violenta desde a invasão, independentemente a qual setor da sociedade pertencem. E fez um apelo: “Esperamos sinceramente que esta pesquisa ajude a informar aos que tomam as decisões no mundo sobre as reais necessidades do povo iraquiano enquanto eles lutam para reconstruir seu país”. Sloboda mostrou-se também muito preocupado pelo fato de que após dois anos e meio, “nem os EUA nem a Inglaterra começaram a medir sistematicamente o impacto de suas ações em termos de vidas humanas destruídas”.

No mesmo dia em que foi lançado o relatório do IBC, médicos do hospital Yarmuk, oeste de Bagdá, iniciaram uma greve por tempo indeterminado em protesto contra abusos cometidos por soldados iraquianos. “Paramos para denunciar as agressões de que somos vítimas por parte do Exército”, disse o médico Riyad Salman, acompanhado por 40 médicos diante do prédio administrativo do hospital – um dos mais movimentados da capital iraquiana. “No dia 18 de julho, soldados que acompanhavam dois colegas feridos atacaram médicos e funcionários na entrada do hospital, aos socos, ameaçando-os com suas armas para que prestassem socorro mais rapidamente”, relatou Salman. Desde março, os médicos do Yarmuk realizaram vários dias de greve para protestar contra a brutalidade militar e conseguiram a proibição da entrada de homens armados no hospital, mas esta medida não resistiu por muito tempo, segundo afirmam. A retomada desta proibição é uma das exigências que figuram no comunicado divulgado pelos grevistas, que também pedem que os ministérios do Interior e da Defesa enviem delegados aos hospitais, para que os soldados não tenham necessidade de acompanhar os companheiros feridos. O caos no Iraque atinge também os hospitais, sobrecarregados pelas vítimas dos atentados suicidas e tiroteios. Após cada ataque, funcionários têm de usar rodos para tirar o sangue do chão. Alguns dizem que as novas forças armadas do Iraque, criadas para proteger a população dos guerrilheiros, são agressivas demais, prendendo suspeitos aleatoriamente e cometendo abusos durante as detenções. O governo diz que as forças de segurança cumprem rígidas ordens de respeitar os direitos humanos. (Com agências internacionais)


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Pobres usados como cobaia Jean-Philippe Chippaux de Dacar (Senegal)

N

os países do Sul, indústrias farmacêuticas promovem testes clínicos passando por cima da ética e da segurança dos pacientes. Em março, os exames com o Tenofovir®, utilizado no tratamento da Aids, foram suspensos na Nigéria, por motivo de problemas éticos graves. Conduzidas pela associação Family Health International (Saúde da Família Internacional), sob responsabilidade do laboratório estadunidense Gilead Sciences, essas experiências foram financiadas pelo governo dos Estados Unidos e pela Fundação Bill and Melinda Gates. Embora tenham sido interrompidas em Camarões (fevereiro de 2005) e no Camboja (agosto de 2004), tiveram prosseguimento em Botsuana, Maláui, Gana, na Tailândia e nos Estados Unidos. Em agosto de 2001, desvios semelhantes levaram à abertura de uma ação judicial. Cerca de trinta famílias nigerianas compareceram diante de um tribunal nova-iorquino com o objetivo de condenar o laboratório norte-americano Pfizzer pelo teste do Trovan®, antibiótico destinado a combater a meningite. Durante o estudo realizado em 1996 por ocasião de uma epidemia de meningite, onze de duzentas crianças morreram e várias outras ficaram com graves seqüelas cerebrais ou motoras. O teste clínico constitui um procedimento formalizado e rigoroso, indispensável à validação e à comercialização de um novo medicamento. Serve para avaliar sua tolerância e medir sua eficácia. Cerca de 100 mil testes clínicos seriam conduzidos anualmente no mundo, 10% deles nos países em desenvolvimento e 1% na África. Em 1999, os fundos públicos e privados estadunidenses teriam financiado 4.458 testes fora dos Estados Unidos, enquanto esse número se limitara a 271 em 1990.

Fotos: Arquivo BDF

As populações do Sul do mundo, em especial as africanas, são cobaias dos testes clínicos de grandes laboratórios

Sem proteção do Estado, a população dos países africanos é vítima da ganância das transnacionais farmacêuticas

Os riscos de falta de ética são ainda maiores porque os laboratórios fazem cada vez mais seus testes no continente africano. Na verdade, ali, seu custo é até cinco vezes menor do que nos países desenvolvidos. Além disso, as condições epidemiológicas na África se revelam constantemente mais propícias à realização de testes: freqüência elevada de doenças, sobretudo infecciosas, e existência de sintomas não atenuados por tratamentos intensivos.

ESCÂNDALOS Na África, as possíveis regulamentações médicas e farmacêuticas datam da época colonial e parecem obsoletas e inadequadas. Esse cenário ajuda a contornar os princípios éticos. Foi assim que, durante o teste clínico do Trovan®, outro medicamento para o combate da Aids, na Nigéria, nem

as autoridades nem o comitê ético de medicina do país foram consultados, pelo menos formalmente, sobre as informações dadas às famílias e os documentos que comprovavam o seu consentimento. Da mesma maneira, os testes do antivirótico Tenofovir® em 400 prostitutas de Camarões, de julho de 2004 a janeiro de 2005, não cumpriram as exigências éticas. Essa molécula reduz a transmissão do VIS, o equivalente ao HIV no macaco. O fabricante queria verificar essa propriedade no ser humano e escolheu uma população de risco, as trabalhadoras do sexo de um país com grande número de casos de HIV, devido a seu elevado risco de contrair o vírus. As voluntárias, muitas vezes francófonas e analfabetas, em primeiro lugar receberam uma informação escrita em inglês. Se-

Interesses científicos e comerciais em jogo Se os testes clínicos devem ser efetuados na África, dada a própria natureza das doenças que ali se desenvolvem, as condições particulares do exercício da medicina e da vigilância dos efeitos nocivos dos remédios são sempre pertinentes? Dos 1.450 novos medicamentos comercializados entre 1972 e 1997, somente 13 dizem respeito às doenças tropicais. É a própria indústria farmacêutica que escolhe, financia e organiza esses estudos. A seleção dos medicamentos que constituem o objeto de estudo e sua avaliação são, assim, sistematicamente enviezados: por um lado, os laboratórios se preocupam sobretudo com a rentabilidade de seus investimentos; por outro, as autoridades locais se esforçam para definir uma política clara e coerente do medicamento que lhes permita efetivamente controlar a atividade dos laboratórios. A oposição entre interesses científicos e comerciais exacerbase nos países em desenvolvimento, devido à defasagem considerável entre os interesses industriais do medicamento e a pobreza dos países do Sul. No final da década de 1990, a cifra dos negócios mundiais da indústria farmacêutica (380 bilhões de euros) era superior ao produto interno bruto dos países da África Subsaariana (300 bilhões de euros). Por exemplo, o teste clínico do Trovan® talvez pudesse ser justificado cientificamente, pois permitia testar sua eficácia em condições homogêneas em um número apropriado de pacientes, no caso, 200

gundo as associações de defesa das vítimas de Aids, algumas mulheres pensavam até que estavam sendo vacinadas. Além disso, a utilização por parte delas de um placebo – necessário para medir a eficácia do medicamento – não foi acompa-

Na África, as condições epidemiológicas favorecem a realização dos exames

CARIBE

Aids poderá matar 250 mil em cinco anos Peter Richards de Puerto España (Trinidad y Tobago)

Dos 1.450 novos medicamentos, somente 13 são para doenças tropicias

crianças. No entanto, os realizadores do exame não se perguntaram nem sobre o custo do produto nem sobre sua improvável utilização na África.

Estabelece-se uma espécie de imperialismo estratégico, que impõe regras específicas aos pobres sem lhes perguntar se as aceitam. (JPC)

Faltam sanções A chamada “medicina das provas”, que envolve a utilização de estatísticas e a prática de testes, teve início no final do século 19. O desenvolvimento da ética médica após a 2ª Guerra Mundial – o primeiro documento sobre o assunto é o Código de Nuremberg, adotado logo após o processo dos médicos nazistas em 1947 – só foi traduzido aos poucos para o ambiente farmacêutico. Ao sabor dos escândalos e dos acidentes, elaborou-se uma regulamentação. Várias declarações internacionais completam e dão mais precisão ao Código de Nuremberg, principalmente as de Helsinque, em 1964, e de Manila, em 1981. A primeira define os princípios éticos da pesquisa médica; a segunda foi especialmente concebida para os estudos clínicos conduzidos nos países em desenvolvimento. Esses textos insistem particularmente na competência dos pesquisadores, no respeito ao consentimento dos participantes, no caráter confidencial e na proteção dos sujeitos. No entanto, trata-se de recomendações que não prevêem nenhuma sanção. (JPC)

nhada de um reforço em seu acompanhamento médico e na prevenção da Aids. Curiosamente, isso parece não ter alertado o comitê nacional de ética de Camarões. No entanto, lembra Fabrice Pilorgé, da associação Act up, “há um evidente conflito de interesses entre fazer a prevenção e conduzir um teste por meio de um medicamento preventivo, principalmente, porque o teste só pode funcionar se as moças forem expostas e se infectarem”. Uma apropriação do teste clínico, pelos africanos, parece indispensável para a satisfação das necessidades específicas da saúde pública no continente. Essa questão é mais importante ainda porque os testes podem ser concernentes também ao tratamento tradicional, cuja utilização é mais econômica e mais aceita pela população. A experiência clínica poderia demonstrar a eficácia dos remédios, valorizando assim o patrimônio nacional. De resto, poderia surgir uma indústria farmacêutica local. Plantas africanas, reputadas como antiinfecciosas, antiinflamatórias ou diuréticas, poderiam ser usadas contra infecções, reumatismos, hipertensão ou insuficiência cardíaca. (Le Monde Diplomatique, veículo parceiro do Brasil de Fato, tradução de Wanda Caldeira Brant)

O Caribe é a região com maior prevalência do vírus HIV depois da África subsaariana, e a epidemia se tornará alarmante nos próximos cinco anos. É o que revela o relatório elaborado pela Comissão Caribenha de Saúde e Desenvolvimento, formada por 19 países. Presidida por George Alleyne, diretor emérito da Organização Pan-Americana de Saúde, o documento também inclui dados sobre outros problemas sanitários da região, como doenças cardíacas, câncer, diabetes e obesidade. Porém, o trabalho esteve centrado nas doenças contagiosas como a Aids, que segundo os especialistas caribenhos persiste como uma epidemia “arraigada em vulnerabilidades sociais e econômicas que perpetuam comportamentos de risco, sobretudo entre os jovens”. “A epidemia não cede, e sua continuidade é favorecida pelo estigma e pela discriminação que cercam os portadores de HIV”, diz o relatório. A comissão calcula em meio milhão de pessoas com HIV na região, 20% delas moradoras nos 15 países que formam a Comunidade do Caribe (Caricom). “Com base na atual taxa de infecção, este número projetado aumentará para 679 mil até o final de 2009, e nos próximos cinco anos a

Aids matará um quarto de milhão de pessoas se a epidemia não for controlada”, alerta o documento. O primeiro-ministro de San Cristóbal e Nevis, Denzil Douglas, um dos principais incentivadores de iniciativas de saúde dentro da Caricom, disse que o HIV se propaga sobretudo na faixa etária de 15 aos 44 anos. “É muito triste informar que não somos capazes de conseguir uma importante redução nos casos de HIV. Agora se converteu na principal causa de morte. Se queremos acabar com isto, devemos promover uma mudança de comportamento”, acrescentou. No início do próximo ano, os países caribenhos colocarão em prática o Mercado Comum da Caricom, que permitirá a livre movimentação de bens, serviços e força de trabalho dentro do bloco. A comissão advertiu que provavelmente isto “facilitará a propagação de doenças infecciosas, como acontece agora com o HIV”. Uma reunião realizada há três anos em Barbados sobre o impacto da Aids no mercado de trabalho, convocada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), concluiu que a infecção pelo HIV cresce no Caribe, e destacou que os países da região “enfrentam a terrível realidade de a doença estar ameaçando sua sustentabilidade política, econômica e social. (Envolverde/IPS, www.envolverde.com.br)


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NACIONAL RECURSOS ENERGÉTICOS

O Brasil coloca seu futuro em leilão Jorge Pereira Filho da Redação

I

nvasão do Iraque. Levante popular na Bolívia, no Equador. Em todo o mundo, nervosismo nas bolsas de valores, análises catastróficas. No Brasil, ônibus mais caro, desemprego e menos dinheiro no bolso. Todas essas cenas tão díspares e freqüentes em todo o globo têm algo em comum: a dependência do petróleo. Mas se seria um exagero dizer que este insumo é o pano de fundo de toda esta história, é inegável que o petróleo possui uma explosiva capacidade de mexer com o cotidiano das pessoas. O que ocorre com essa fonte energética logo é sentido pelo povo, que paga mais caro pelo transporte ou pelo gás de cozinha. As potências imperialistas do planeta não desprezam sua importância. Está aí o exemplo dos Estados Unidos ardendo no Iraque em busca de alguns milhões de barris. A este quadro de dependência do petróleo, soma-se um cenário preocupante: enquanto o consumo

cresce, não se descobrem reservas no mesmo ritmo. O preço do barril nunca esteve tão caro, já ultrapassa a faixa dos 60 dólares. E mesmo que a realidade recomende prudência, no mínimo, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ir na direção contrária. Em outubro, será feita a 7ª Rodada de Licitações de áreas para exploração e produção de petróleo e gás natural. Na contramão de outros presidentes que redescobrem como usar o petróleo para melhorar a vida do povo (veja reportagens abaixo), Lula vai leiloar as possíveis reservas brasileiras. Para muitos, uma decisão que compromete o futuro do país. “O Brasil não tem reservas muito importantes. Por isso, devemos ser avarentos com o nosso petróleo e preservá-lo ao máximo. Sou contrário à rodada, sobretudo porque a tendência mundial é de elevação do preço do barril”, avalia o economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Ele critica, ainda, a perspectiva implícita nesses leilões, que é o Brasil se tornar um exportador marginal de petróleo. Isso porque uma lei aprovada na gestão Fernando Henrique Cardoso – e mantida pelo presidente Lula – permite às transnacionais exportar o petróleo, caso o governo não exerça sua preferência de compra em 30 dias. Como até setembro o Brasil se tornará auto-suficiente na extração do insumo, as reservas terão como destino certo o mercado externo.

FUTURO EM XEQUE Um simples cálculo mostra a gravidade da situação. Como explica Sérgio Ferolla, tenente brigadeiro-do-ar, as reservas brasileiras totais são estimadas em cerca de 30 milhões de barris, somando as já comprovadas (veja quadro ao lado) e as que ainda podem ser descobertas. Para efeito de comparação, as reservas da Arábia Saudita chegam a 260 bilhões de barris. O consumo anual do país é de cerca de 1,8 milhão de barris, com crescimento estimado de 5% ao ano. Nessa conta, em 25 anos, as reservas estariam extintas, mesmo se todo o insumo fosse usado apenas para consumo interno. “Quando a Petrobras esgotar a produção dos estoques sob seu domínio, por volta de 2020, certamente o restante das reservas já estará exaurido com as exportações predatórias que o governo prossegue autorizando”, prevê Ferolla, acrescentando que, se a estatal decidir exportar suas reservas, nem o futuro energético do Brasil até 2020 estará garantido. Para o tenente brigadeiro, a decisão do governo de realizar a 7ª Rodada é leviana. “Estamos dilapidando nossas modestas reservas sem atentar que, em um futuro próximo, tentaremos adquirir esse estratégico e escasso produto no mercado internacional a preços imprevisíveis”, critica.

RAIO X DO PETRÓLEO Reservas brasileiras comprovadas Ano

Volume em milhões de barris

Produção nacional Ano

Volume em milhões de barris

2000

8.464

2000

450,6

2001

8.495

2001

471,9

2002

9.804

2002

530,8

2003

10.601

2003

546,1

2004

11.243

2004

540,7

Importações Ano

Volume (em milhões de barris)

Receita (em bilhões US$)

2000

145,3

4,307

2001

152,5

3,978

2002

138,9

3,422

2003

128,2

3,919

2004

172,5

6,893

A DÍVIDA

Fonte: Agência Nacional do Petróleo (ANP)

O governo Lula, no entanto, não entende dessa forma. O argumento para manter a rodada é que atrairá investimentos externos e, principalmente, a exportação do petróleo pode gerar dólares para

VENEZUELA

Impostos financiam programas sociais da Redação

ofensiva para reduzir a zero a pobreza na nação. O governo avalia que com a cobrança de 16,6% de impostos em royalties, como estabelece a lei, em vez da taxa de 1% (irregularmente aplicada por outros governos), o orçamento do poder público será acrescido consideravelmente. Outra fonte de novos recursos para programas sociais é a empresa venezuelana Citgo, que opera refinarias de combustível nos Estados Unidos. O governo conseguiu receber 422 milhões de dólares como benefícios referentes a 2004, revertendo uma tradição da companhia de não repatriar recursos na Venezuela. A partir de agora, todos os recursos arrecadados pela Citgo serão usados no programa de distribuição subsidiada de alimentos e na Missão Barrio Adentro, que tem como objetivos levar serviços médicos gratuitos à população. (Prensa Latina – www.prensa-latina.com)

Venzuelanos defendem estatal de petróleo, que investe em programas sociais

Crise do petróleo representa grave ameaça à economia mundial

a balança comercial. Ocorre que a maior parte do dinheiro arrecadado na 6ª Rodada de licitações foi usada para compor o superavit primário, ou seja, produzir recursos que são esterilizados para pagar os juros da dívida (leia mais sobre o modelo econômico na página 5). Esse uso banal do petróleo, negociado como se fosse soja, ignora alertas dos próprios arautos do neoliberalismo. Um estudo divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) avalia que a crise do petróleo representa uma grave ameaça à economia mundial. Os técnicos do Fundo entendem que os grandes exportadores do insumo não têm condições de aumentar sua produção e, como conseqüência, o barril do petróleo custará cerca de 100 dólares perto de 2010.

Para Carlos Lessa, ainda em 2005, chegaremos à barreira dos 80 dólares. Como isso repercutirá na vida do brasileiro? “Isso vai depender da política da Petrobras. Hoje, a tendência da estatal é reduzir um pouco sua lucratividade para não repassar integralmente a variação do preço do petróleo”, explica o economista. Ele ressalta a importância de se ter uma empresa pública controlando o nosso petróleo, pois pode reduzir seus ganhos para favorecer a população. Isso não seria possível com uma transnacional. “No mundo, a conseqüência da alta dos preços será uma redução da atividade econômica. Vivemos anos muito bons em 2003 e 2004 por causa dos bons resultados da economia mundial. Haverá uma tranca e isso repercute também sobre nós”, conclui.

EQUADOR

Dinheiro das exportações paga dívida social Oswaldo León de Quito (Equador)

Marcelo Garcia

Na Venezuela, a cobrança de royalties e impostos das transnacionais petrolíferas vai ser usada para o financiamento dos programas sociais de educação, saúde e contra o desemprego. Estimativas apontam que centenas de milhões de dólares serão arrecadadas com as novas taxas. O anúncio foi feito pelo presidente Hugo Chávez, que prometeu também colocar em marcha um programa para enfrentar o problema das crianças em situação de miséria denominado Missão “Negra Hipólita”, em homenagem à mulher que amamentou o libertador Simón Bolívar, herói da independência de diversos países da América do Sul e mártir da luta pela integração dos povos do continente. Em seu pronunciamento dominical, o mandatário venezuelano informou que foi colocada em curso uma

Brasil de Fato

Cotação do petróleo nunca esteve tão alta e governo Lula entrega nossas reservas às transnacionais

Em três meses de gestão, o governo do novo presidente equatoriano Alfredo Palacio, finalmente, conseguiu sua primeira vitória política efetiva. Foi a aprovação, pelo Congresso, da Lei de Responsabilidade, Estabilização e Transparência Fiscal, que muda a repartição dos recursos obtidos com o petróleo, priorizando o pagamento da dívida social e a reativação da produção. Adotada em 2002, a lei anterior (conhecida como Feirep) estipulava que 70% da receita obtida com as exportações de petróleo seria destinada à recompra de títulos da dívida externa. No governo do coronel Gutiérrez, este dispositivo se tornou determinante para que as cotações dos títulos da dívida aumentassem desmesuradamente, em função de manipulações marcadas pela corrupção. Assim, por exemplo, antes da Feirep, para aquisição dos Bônus Global resgatáveis em 12 anos, pagava-se 50%, ou menos do seu valor de face, enquanto no começo de 2005, sua cotação chegou a 101% daquele valor.

A nova Lei de Transparência estabelece a destinação de 35% do fundo de recursos do petróleo para projetos produtivos dos setores agropecuário, industrial, pesca artesanal, pequenas indústrias, artesanato e microempresas, e para eventuais recompras de títulos da dívida. Outros 30%, para projetos de investimento social (educação e saúde). Uma parcela de 20% para estabilizar as receitas com recursos petrolíferos; 5% para melhoria e manutenção da rede viária nacional; 5% para projetos de pesquisa e tecnologia; 5% para reparação de danos ambientais e sociais decorrentes dos impactos das indústrias petroquímica e mineral.

ANTINEOLIBERAL O artífice desta guinada é o ministro da Economia e Finanças, Rafael Correa (segundo se comenta, o mais importante do governo), um crítico severo das políticas neoliberais seguidas pelos governos anteriores, particularmente no tocante à administração da dívida externa. Correa pretende adotar uma nova política que “reduza drasticamente a sangria de recursos, pelo menos até que se estabeleça

um esquema ajustado ao Estado de Direito, que não afete o desenvolvimento nacional”. O ministro considera que a dívida não pode ser instrumento de pressão política porque, sem negar os compromissos assumidos, frisou que “serão aceitas regras fixadas em processos justos e transparentes, dentro dos marcos do Estado de Direito”. Além disso, avisou que faz parte de sua agenda a auditoria da dívida externa, e que está disposto, em foros internacionais, “a apoiar ativamente as propostas globais destinadas a construir uma nova arquitetura financeira internacional, que inclui a criação do Tribunal Internacional da Dívida Soberana”. Cabe notar, porém, que o presidente Palacio, embora esteja longe de se dizer de esquerda, optou por dar uma guinada na política econômica (que não é precisamente o caso dos governos de esquerda eleitos ultimamente na região). Razão pela qual as elites e os poderosos grupos financeiros internacionais, com apoio da grande imprensa empresarial, concentram suas críticas no ministro Correa. (Alai – www.alainet.org)


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De 28 de julho a 3 de agosto de 2005

DEBATE CRISE POLÍTICA

O fio da meada stá ficando cada dia mais difícil a situação nacional. Ninguém sabe ao certo o desfecho que poderá ter a crise política. Em vez de desatar o nó, as investigações parecem enrolar ainda mais, baralhando os fios, que cada um puxa para o seu lado. Em todo o caso, quanto mais complicada a crise, mais urge nossa responsabilidade de cidadãos. E’ preciso estar alerta, pois se aproxima o momento em que a consistência política da cidadania vai ser colocada à prova.

E

É preciso estar alerta, pois se aproxima o momento em que a consistência política da cidadania vai ser colocada à prova Vivemos um conjunto de desafios, que precisam ser enfrentados com discernimento e firmeza. De um lado, o país não pode ficar paralisado. Nisto está a primeira responsabilidade da cidadania, que aliás sempre garante as atividades essenciais que sustentam a continuidade da vida. As instituições precisam fun-

Kipper

Dom Demétrio Valentini

cionar, mesmo que revelem a urgência de transformações. A extensão da crise atual requer, em primeiro lugar, mudança de posturas, indispensável para chegarmos a mudanças institucionais efetivas. Diante das reiteradas comprovações de corrupção, não basta a indignação ética, tão cultivada pela Igreja e inculcada a seus fiéis. Pois em política, a indignação ética acaba ficando estéril, se não é seguida por aquilo que tanto falta à prática dos cristãos: o engajamento nas mediações, que

requerem o comprometimento pessoal com ações concretas, em que cada um entra com o peso de sua participação. Se acreditamos que os partidos políticos são importantes, por que a grande maioria dos cristãos não se engaja em nenhum deles? Nem é o caso de imaginar que a crise atual torna possível a implantação de modelos políticos completamente diferentes, idealizados na teoria mas descolados da realidade. Ou que seja possível passar de imediato para um modelo econômico radical-

Antonio Julio de Menezes Neto

Kipper

Graças à moeda da política as pessoas logram criar regras de convivência social. Como toda moeda, ela serve ao bem ou ao mal, produz ou reduz desigualdades, favorece ou pune corruptos, implanta ou suprime a justiça, amplia ou restringe a liberdade, infunde ou implode a paz. Ética na política é um tema recorrente na literatura, da peça Suplicantes, de Ésquilo, às tragédias de Shakespeare; da obra de Aristóteles à de Maquiavel; do antiimperialismo romano do Apocalipse ao Manifesto Comunista de Marx e Engels. Fazer política significa fazer escolhas. E nesse terreno elas são singulares, porque envolvem o destino de multidões. Ao decidir reter ou subir os juros em 0,5%, o Copom parece apenas lidar com um símbolo matemático aparentemente insignificante. Na realidade são R$ 30 bilhões sugados de circulação. O superavit primário asfixia o investimento público, enquanto o aumento da taxa Selic asfixia o investimento privado. Como todas as outras, a moeda política tem duas faces. A da corrupção predomina quando se apela ao pragmatismo para garantir uma política de resultados em detrimento da política de princípios. Então a ideologia cede lugar à esperteza; a convicção ao agrado; o programa ao acerto. Instala-se a casa da mãe-joana. Quem compra votos do eleitor acostuma-se também a negociar o próprio no parlamento. É como o cafetão que, de tanto recolher dinheiro de suas protegidas, acaba tabelando o próprio corpo. Em que momento a esquerda brasileira começou a afastar-se de seus princípios? Foi a partir de 1989, na queda do Muro de Berlim. Um setor reagiu qual freiras que, de repente, admitem que Deus não existe e caem na esbórnia. Eleita para governar o Brasil entre 1994 e 2002, essa esquerda, que padecera no exílio e nas prisões, esqueceu o que escreveu, e também o que sofreu, e pactou-

se com a direita. Deixou de apurar os crimes da ditadura e o paradeiro dos mortos e desaparecidos, entregou-se à fúria privatizadora do patrimônio público, acatou o Consenso de Washington, trocou o projeto de nação pelas injunções do mercado. Outro setor, livre dos imperativos categóricos das teorias marxistas, descobriu que tudo é possível se não há determinismo histórico. Esse setor diferia do primeiro por seus vínculos com os movimentos populares que, uma vez usados como trampolim eleitoral, foram colocados de escanteio, condenados a gritar em marchas e concentrações, sem que ninguém no poder ouça-os a ponto de tornar realidade seus anseios de justiça. A cabeça pensa onde os pés pisam. Esse setor oriundo dos movimentos populares e sindicais ficou deslumbrado ao ver-se na cobertura do edifício social, cercado de mordomias, desfrutando da paisagem encantadora despoluída da incômoda presença dos pobres. E convenceu-se de que inimigos históricos podem ser aceitos como aliados conjunturais e, com eles, aprendeu táticas e métodos de operar a política de resultados. Um terceiro setor não abandonou seus vínculos com o mundo dos pobres. Foi o menos abalado pela queda do Muro de Berlim. Até porque seu paradigma não se constituía de teorias acadêmicas e noções históricas, mas estava enraizado no fato mesmo que justifica a idéia de socialismo: a existência da pobreza como fenômeno coletivo. E quanto mais próximo dos pobres, menos vulnerável esse setor ficou das tentativas de cooptação, aos agrados da elite, às propostas de dinheiro fácil. O PT está na encruzilhada: como as paralelas também se encontram na improbidade, pode ser que ele se olhe no espelho e veja o rosto do PSDB. Então, como nas novelas medievais, haverá de se perguntar por que resistiu tanto tempo a essa paixão escrita nas estrelas. E o Brasil terá encontrado o seu caminho de promover a al-

Dom Demétrio Valentini é bispo diocesano de Jales (SP)

A ética política e a corrupção

A moeda e o muro Frei Betto

mente diferente do praticado até agora. O caminho a seguir aponta para decisões realistas e viáveis. Que se suprima o malfadado estatuto da reeleição, que se tornou instrumento perverso de busca obcecada pelo poder. Que se regulamente o artigo da Constituição que preceitua mecanismos diretos de consulta popular, para que sejam usados com mais freqüência, para decidir questões vitais para a nação, e que sirvam de instrumento prático de articulação da cidadania,

tão difícil de acontecer num país tão extenso e tão desigual como o nosso. A primeira consulta, após o referendum marcado para outubro, seja sobre a auditoria da dívida, para assim abrir caminho para mudanças concretas na economia. Que se discipline com rigor as campanhas eleitorais, que foram depravadas pela mistificação da propaganda e contaminadas pelo poder econômico. Que se estabeleça a fidelidade partidária como primeiro passo para uma nova legislação sobre os partidos políticos. Que se limitem drasticamente os cargos de confiança, e que os diversos órgãos de direção das estatais sejam preenchidos através de concursos entre os seus funcionários. Que sejam suprimidas as “emendas orçamentárias” dos congressistas, evitando que se tornem instrumentos de manipulação governamental. Todas as mudanças propostas precisam ter como rumo inspirador a implantação progressiva da “democracia direta”, com a cidadania se articulando para decidir as grandes questões nacionais através de consultas populares. Pois o que está em crise é a democracia representativa, que se perdeu nas armadilhas da corrupção.

ternância de governo sem ameaça de poder, como nos EUA ocorre entre republicanos e democratas. Será a versão democrática da Arena e do MDB. A outra via é fazer autocrítica, expurgar indícios de corrupção, retomar o trabalho de base e de formação política, abraçando as razões e os princípios que nortearam a fundação e a construção do partido. Nesse caso, Lula como presidente não terá outra alternativa senão confiar menos nos chamados aliados e mais no apoio popular que fez a esperança vencer o medo. Caso contrário, todo o governo ficará contaminado pelo medo que, na política econômica, venceu a esperança. E por falar em moeda, levei em mãos, para a campanha de Lula em 1989, o primeiro cheque do pecúlio recebido por Maria Amélia Buarque de Hollanda após a morte de seu marido, Sergio Buarque de Hollanda. Não quero envergonhar-me de gestos como aquele, pensando que o óbulo da viúva era ridículo diante da montanha de dinheiro acumulada sem a transparência que se exige do PT. Frei Betto é escritor, autor do romance O Vencedor(Ática), entre outros livros

O ex-presidente Fernando Collor, de triste lembrança, além de corrupto, no sentido de realizar apropriação privada e pessoal de bens públicos, era um político de direita, preocupado em implantar o projeto político neoliberal, preocupado em inserir o Brasil, mesmo que de forma subalterna, na globalização do capital. Para tanto, iniciou o processo de privatização legal dos bens públicos no Brasil. Collor acabou afastado, mas a direita conseguiu individualizar as apropriações pessoais que Collor realizava e a esquerda não debateu, naquele momento, o projeto de privatização, ampliado e corrupto, que Collor começava a realizar. Para a esquerda, a discussão situou-se apenas no campo da ética pessoal e não foi estendido para o campo da ética política. Esta lacuna abriu espaço para que o presidente Fernando Henrique assumisse o mesmo projeto neoliberal de Collor, porém com a retórica da legalidade. Em seus governos, o mercado, a concorrência e o privado ganharam status de “eficiência e produtividade” e, apenas este binômio, interessava. Assim, o governo FHC privatizou, ou melhor, entregou diversas empresas públicas a preços irrisórios e buscou levar a lógica da produtividade para as empresas e instituições públicas. Por exemplo, os professores universitários federais passaram a receber os seus salários de acordo com pontos conquistados por produtividade e a reforma agrária foi considerada retrógrada, já que o agronegócio era “eficiente” e produzia grãos para exportação, ou seja, trazia dólares. Já que a lógica da eficiência era prerrogativa do privado, o governo procurou desmantelar os movimentos coletivos, sejam eles sociais ou sindicais. Mesmo que tenha enfrentado diversas denúncias de corrupção individual, sempre devidamente abafadas, o governo FHC fez pior:

privatizou empresas e inverteu a lógica do público. Isto, dentro da legalidade jurídica, mas não da legitimidade social. Portanto, um governo de esquerda, ou mesmo de centro-esquerda, deveria combater ao máximo qualquer idéia da privatização do público. Seja nas apropriações individuais, caracterizadas como corrupção, ou nas grandes apropriações consideradas legais juridicamente. Assim, um governo de esquerda deveria sempre debater a apropriação de R$150 bilhões que o mercado especulativo financeiro realiza dos cofres brasileiros e não aceitar passivamente esta lógica. Deveria debater se é legal tirar dinheiro de políticas sociais e públicas para fazer superavit primário e honrar compromissos com o grande capital especulativo. Deveria dizer claramente que a corrupção é equivocada porque tira dinheiro da reforma agrária, da saúde, da educação, da previdência, do saneamento, da habitação e de tudo mais que diz respeito aos mais pobres. Mas para além, a esquerda precisa dizer, defender e colocar em prática a crítica ao capitalismo, um sistema que se apóia na suposta eficiência do privado e do mercado. Precisa dizer que combate a corrupção – seja individual ou legalizada por privatizações descabidas – porque o seu projeto político é outro, é um projeto político de defesa do público, do coletivo, dos explorados, do socialismo. Esta é a ética política que deve permear o incansável combate a qualquer forma de corrupção de todos que querem uma sociedade igualitária. Assim, a esquerda não pode cair no senso comum da direita que diz que toda corrupção é igual. Deve mostrar as diferenças nas idéias e nas práticas políticas e, quem sabe, inaugurar uma virada política colaborando para reconstruir a esquerda brasileira. Antonio Julio de Menezes Neto é cientista social, doutor em educação e professor na FAE/UFMG


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA CEARÁ

SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE EXIGIBILIDADE E JUSTICIABILIDADE DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA 28 e 29 de julho Promovido pela Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar – FIAN Brasil, em parceria com a Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos – ABRANDH e o Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc, o evento visa contribuir para o fortalecimento de uma cultura de direitos humanos e para subsidiar organizações da sociedade civil com instrumentos e mecanismos eficazes de exigibilidade e justiciabilidade da realização dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais, e do direito humano à alimentação no Brasil. Local: St. Peter Hotel, SHS Q.02 Bloco D, Brasília. Mais informações: fian.br@terra.com.br 1º FESTIVAL INTERNACIONAL DE INVERNO DE BRASÍLIA até 7 de agosto Realizado pela Universidade de Brasília (UnB), o Festival reunirá, durante 15 dias, em 40 concertos, artistas da música clássica nacional e internacional. Além disso, o evento promoverá oficinas gratuitas de instrumentos de orquestra (exceto percussão e harpa), piano e voz para estudantes de música de todo o Brasil. Das 400 vagas oferecidas para as oficinas, 120 estão reservadas para candidatos de fora do Distrito Federal. Os estudantes interessados terão de passar por seleção por meio de audição ou envio de material. No final do Festival, a organização selecionará dez participantes para serem instrutores do projeto de extensão da UnB Música no Campus, durante seis meses. Local: teatros Nacional Cláudio Santoro, Sesi de Taguatinga, Centro Cultural da Caixa Econômica Federal e Auditório do MUS-UnB, Brasília. Mais informações: www.fib2005.unb.br, musfestival@unb.br

PARANÁ CAPTAÇÃO DE RECURSOS PARA ORGANIZAÇÕES SEM FINALIDADE ECONÔMICA NO BRASIL 30 de julho O Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre o Terceiro Setor (Nits), vinculado à Universidade Federal do Paraná, promove uma mesaredonda com o tema “Captação de recursos para organizações sem finalidade econômica no Brasil”. O encontro, gratuito e aberto ao público, faz parte do curso “ONGs: princípios fundamentais para sua criação e manutenção”. Local: Anfiteatro 100, Rua General Carneiro, 460, 1º Andar, Curitiba Mais informações: (41) 3360-5249 www.nits.ufpr.br

RIO DE JANEIRO 23ª FEIRA DE INTEGRAÇÃO COMUNITÁRIA 30 e 31 de julho A Feira de Integração Comunitária, organizada pela Secretaria Municipal de Assistência Social, tem como objetivo facilitar a divulgação dos trabalhos realizados pela rede de obras sociais, bem como criar alternativas de apoio financeiro e estabelecer o espírito de confraternização entre as instituições e a comunidade niteroiense. Este ano, a feira contará com estandes de diversas entidades filantrópicas vendendo seus artesanatos, comidas típicas e doces caseiros. Haverá também shows, entre outros, com Dançarinos de Rua, Crianças da Pastoral, Coral e Banda Grupo do Cateretê, Arte Circense – Meninos da Lua, Grupo Cultural de Capoeira Negra e Dança Cigana, Maculelê e Capoeira da 3º Idade. A entrada é franca. Local: Ginásio do Caio Martins, Rua Presidente Backer, s/n, Niterói Mais informações: assescom@gmail.com 3º FESTIVAL VALE DO CAFÉ até 31 de julho Em sua terceira edição, na região dos 100 anos do ciclo do café, o evento inclui a apresentação da música brasileira e consagrados instrumentistas, lado a lado com as tradições populares, tendo por cenário as fazendas, igrejas e paços históricos das cidades de Vassouras, Piraí, Mendes, Barra do Piraí, Paulo de Frontin, Paty do Alferes e Valença, na região sul-fluminense. O festival tem o objetivo de mostrar a essência do Rio de Janeiro, constituída a partir da miscigenação da cultura de portugueses, africanos e índios. A programação inclui palestras, cursos, shows, concertos, cortejos, bailes e rodas de causos e autos. Local: Vale do Café, na região sulfluminense Mais informações: www.festivalvaledocafe.com SEMINÁRIO SOBRE VIOLÊNCIA E A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS 3 e 4 de agosto Organizado pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, em parceria com o Centro de Atendimento a Vítimas de Violência do Estado do Rio de Janeiro, o seminário quer discutir a violência e as perspectivas para os direitos humanos no Brasil. As inscrições devem ser feitas até o dia 29 de julho, por telefone ou por correio eletrônico. Local: Instituto Teológico Franciscano – Rua Coronel Veiga, 550, Petrópolis Mais informações: (24) 2242-3913, www.cddh.org.br/ceav

QUESTÕES DO SEMI-ÁRIDO ENTRAM EM DEBATE NA 4ª SSB DE IGUATU 29 a 31 de julho A diocese de Iguatu também será sede da 4ª Semana Social Brasileira (4ª SSB). O tema central “Mutirão por um novo Brasil” norteará as discussões, todas com o enfoque sobre “Mutirão por um Semi-Árido Sustentável”. Os debates serão feitos em quatro grupos, divididos por assuntos: “Água e Terra”; “Segurança Alimentar e Nutricional”; “Políticas Públicas e Controle Social” e “Movimento Social”. Haverá também uma análise de conjuntura, o lançamento do livro Conflitos no Campo 2004, produzido anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e um momento de mística e espiritualidade das pastorais e movimentos sociais, coordenado pelo cantor Zé Vicente. Local: Centro de Treinamento Diocesano de Iguatu Mais informações: (88) 3581-0731, (88) 3581-0340

SÃO PAULO

até 31 de julho Depois da temporada no Rio de Janeiro, a exposição chega à cidade de São Paulo. A mostra, que faz parte do projeto Geografia Afrobrasileira, do Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica da Universidade de Brasília (UnB), comprova que a história do povo e do território brasileiros passa pelos quilombos. A exposição está dividida em três módulos integrados, representados por cerca de 40 painéis. No Módulo 1, são apresentados os temas fundamentais da geografia da África: minerais, diversidade ambiental e fronteiras aproximadas dos principais Estados políticos. No 2, é possível conhecer os resultados do mapeamento com os registros das comunidades remanescentes de antigos quilombos. Na última parte, é feito o monitoramento espacial dos territórios quilombolas que tiveram suas terras demarcadas e tituladas desde a Constituição de 1988. Porto Alegre e Brasília são os próximos destinos da exposição itinerante. Em outubro, será apresentada em Paris, dentro da programação do Ano do Brasil na França. Entrada franca. Local: Espaço Alternativo do Conjunto Cultural da Caixa, Edifício Sé – Praça da Sé, 111, São Paulo Mais informações: (11) 3107-0498 www.caixa.gov.br

DEBATE “COMO A GRANDE MÍDIA LIDA COM TEMAS SOCIAIS E A IMPORTÂNCIA DA TERMINOLOGIA” 30 de julho, às 14h A Revista Ocas”, publicação mensal da Organização Civil de Ação Social (Ocas), completou três anos no mês de julho. Em comemoração, foi criada uma exposição das 36 capas da revista e de outras publicações voltadas aos moradores de rua de outros países, além de um ensaio fotográfico com depoimentos dos vendedores da Ocas”. Até o dia 31 de julho, a mostra estará no Centro Cultural São Paulo. Dia 3 de agosto, estréia no Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2073), onde fica até o 24. Como parte da programação de aniversário, o jornalista Paulo Pereira Lima, editor do Brasil de Fato e diretor da Revista Viração, é o convidado para comandar o debate “Como a grande mídia lida com temas sociais e a importância da terminologia”, que acontece dia 30 de julho. A palestra será gratuita e aberta ao público. Local: Centro Cultural Vergueiro – Rua Vergueiro, 1.000, São Paulo Mais informações: (11) 3208-6169 ocas@ocas.org.br EXPOSIÇÃO CARTOGRÁFICA ITINERANTE: A ÁFRICA, O BRASIL E OS TERRITÓRIOS DOS QUILOMBOS

DEBATE SOBRE AS TENDÊNCIAS RECENTES DO

MOVIMENTO FEMINISTA NA FRANÇA 6 de agosto A militante feminista e pesquisadora em sociologia de gênero e relações sociais do Centre National de la Recherche Scientifique, da França, Helena Hirata, estará na Sempreviva Organização Feminista para conversar e debater sobre as tendências recentes do movimento feminista na França. Ela desenvolve pesquisas comparativas internacionais no Brasil, França e Japão sobre trabalho e relações sociais, de sexo/gênero. As inscrições devem ser feitas pelo telefone ou por correio eletrônico. Local: SOF – Rua Ministro Costa e Silva, 36, São Paulo Mais informações: (11) 3819-3876, sof@sof.org.br / www.sof.org.br 1º FÓRUM HUMANISTA DE EDUCAÇÃO PARA A NÃOVIOLÊNCIA 13 de agosto O Movimento Humanista Internacional – Regional Latino Americana do Cone Sul é responsável pela organização do fórum voltado para educadores, ativistas sociais e a todos que estejam interessadas em discutir sobre a educação e violência. As incrições são gratuitas. Local: Faculdade Alfacastelo – Km 26,5 saída 26 B, Barueri Mais informações: eventoseducacao@bn.com.br

MÍDIA ENGAJADA

Cartunista lança videogame para combater idéias conservadoras do papa Bento XVI Thais Arbex Pinhata da Redação Em dezembro, o personagem Roko-Loko do cartunista Márcio Baraldi completa dez anos. Depois de muito sucesso entre os leitores da revista Rock Brigade, o personagem dos quadrinhos será transportado para o mundo dos jogos eletrônicos. A idéia surgiu no final de 2004 numa parceria com o designer Sidney Guerra que, além de ser o responsável pela página na internet do cartunista, é apaixonado por videogame. O principal objetivo de Roko-Loko no Castelo do Ratozinger, segundo Guerra, é manter a mesma imagem dos quadrinhos. Por isso, a história escolhida como tema para o jogo é justamente aquela que ataca o maior inimigo do Roko-Loko, o Ratozinger, inspirado no então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger; hoje papa Bento XVI. As histórias que criticavam o cardeal alemão, que chegou a atuar nas brigadas nazistas, foram criadas em 1997. “Criei o Ratozinger para criticar as afirmações do Ratzinger. Ele sempre fez questão de falar para

Carlos Gutierrez

DISTRITO FEDERAL

4ª SEMANA SOCIAL BRASILEIRA (4ª SSB) DA DIOCESE DE SOBRAL 29 de julho No Seminário São José, a 4ª Semana Social Brasileira (4ª SSB), da Diocese de Sobral, discutirá a violência e o uso da água, com a participação do bispo dom Fernando Saburido. Além da explanação sobre a 4ª SSB Regional, a assistente social Odênia Santos Sousa fará uma palestra sobre “Violência Intra-Familiar”, e a socióloga Dioneide Lima Ferreira será a palestrante sobre “Violência Urbana”. Para falar sobre “Água: Bem Comum x Privatização”, foi convidado o coordenador do Programa de Convivência com o Semi-Árido, Nizomar Falcão Bazerra. Todas as palestras serão seguidas de plenárias e, para o evento, são esperados cerca de 120 participantes, entre membros das paróquias, pastorais sociais, escolas e entidades. Local: Avenida da Universidade, Sobral Mais Informações: (88) 3613-3225, (88) 3611-1149, diocesesobral@sobral.org/ caritas@sobral.org

Divulgação

CEARÁ REUNIÃO DE PREPARAÇÃO PARA O 11º GRITO DOS EXCLUÍDOS 28 de julho, às 19h Em preparação ao 11º Grito dos Excluídos, que acontecerá no dia 7 de setembro e terá como lema “Brasil, em nossas mãos a mudança”, a Área Pastoral da Barra do Ceará realizará uma reunião em que serão definidos o itinerário da manifestação e a sua programação geral. Local: Igreja de São Francisco – Av. Senador Roberto Kennedy, s/n (próximo ao Sesi da Barra do Ceará), Fortaleza. Mais informações: (85) 3485-3607, (85) 8832-3302 jeaneapbarradoceara@ibest.com.br

Baraldi (à esquerda) e Sidney Guerra com o jogo Roko-Loco no Castelo do Ratozinger

a mídia que o rock era coisa do demônio”, diz Baraldi. Ratzinger assumiu o Vaticano em abril, após a morte de João Paulo II. “Para mim, a eleição dele rendeu mais matériaprima e fez com que a história do jogo ficasse mais atualizada. Mesmo para aqueles que não acompanham as histórias em quadrinhos do Roko-Loko, o jogo será divertido. Baraldi garante que, apesar da crítica ao discurso conservador do atual papa Bento XVI,

o personagem Ratozinger já tem a sua própria imagem. “Ele foi criado muito antes de Ratzinger virar papa”, afirma o cartunista. O lançamento de Roko-Loko no Castelo do Ratozinger está previsto para agosto. Além de estar à venda em lojas especializadas em quadrinhos e CDs de rock, o jogo estará disponível também na página da revista Rock Brigade na rede mundial de computadores (www.rockbrigade.com.br)


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CULTURA

De 28 de julho a 3 de agosto de 2005

POLÍTICA E ARTE

Novo e popular, livre da forma dominante Bel Mercês da Redação

O

olhar profundo e as posições pontuais a respeito do domínio do mercado na cultura e na mídia brasileira denunciam sua veia marxista. Em entrevista ao Brasil de Fato, Sérgio de Carvalho, diretor do grupo de teatro paulistano Companhia do Latão, fala sobre a atual crise brasileira e o reflexo da política na produção cultural. Diz não acreditar na produção do imaginário autocentrada, que traz algo estético sem dialogar com a sua época. No entanto, acredita que deve haver a disposição ao novo, para que o padrão dominante não seja novamente reproduzido. Brasil de Fato – Como a política se reflete no jornalismo cultural? Sérgio de Carvalho – O mais impressionante do modo como o jornalismo debate cultura no Brasil é o altíssimo grau de sujeição ao mundo da mercadoria. A cultura só é pensada a partir da noção de produto cultural, destinado ao consumo. É o que pauta os jornais. Você começa a pensar sempre em função de um número de consumidores que o produto cultural pode ter, e um produto é mais importante conforme ele tem mais consumidores. Isso é uma distorção completa da noção de cultura como um espaço de invenção do humano em que você supera a pura sobrevivência. Essa impregnação do mundo da mercadoria no mundo da produção cultural, que é um dado da realidade, é desenvolvida com uma violência enorme. Os jornais hoje só preferem produtos que vêm com um aparato de marketing muito forte. Dá três páginas para um filme comercial estúpido. Por outro lado, quando se tenta fazer um debate mais crítico, não há espaço para isso. Alguns articulistas culturais dos grandes jornais fazem um papel que cabe à direita fazer, que é dar uma visão da realidade brasileira distorcida, a partir do ponto de vista mais conservador com ares de moderno. BF – Mais especificamente, essa crise política aparece nas páginas de cultura? Carvalho – Não, eu acho que a área da cultura é área da diversão alienada, como sempre. Mas, se você pegar o jornal O Estado de S. Paulo de hoje, encontra um articulista como o Arnaldo Jabor, que é um porta voz do conservadorismo no Brasil com ares moderno. Ele diz que “não tem cabimento ler Marx em alemão durante 40 anos e aplicá-lo como um emplastro salvador sobre a nossa realidade”, que “o inimigo principal não é o capitalismo, e sim o patrimonialismo”. O que está em jogo na cabeça dele? Que a situação da corrupção brasileira se liga a um atraso local, que não tem nada a ver com o avanço do capitalismo mundial. Ele acha que se a gente fosse mais desenvolvido tudo seria melhor; o que é um equívoco, na medida em que você separa o nosso atraso do avanço do capitalismo mundial. O Brasil está nessa situação devido ao avanço do capitalismo mundial. E esses são os únicos atores que estão tentando discutir a realidade (na grande mídia). Existem alguns veículos mais à direita como O Estado de S. Paulo, a revista Veja, que dão nome às coisas, e outros que estão à direita mais fingem estar no centro, como a Folha de S.Paulo, que não dão nome às coisas. Ali a cultura é francamente alienada. BF – O problema é quando nem

Cleo Velleda/ Folha Imagem

Para o diretor teatral Sérgio de Carvalho, a produção cultural deve mostrar outras possibilidades de relação humana

Companhia do Latão apresenta a peça Santa Joana dos Matadouros, de Bertolt Brecht. A produção cultural do grupo é baseada no trabalho coletivo da equipe

mesmo dentro de O Estado de S. Paulo se consegue identificar isso... Carvalho – Por isso que hoje, a área cultural tem uma aparência técnica. Escolhe-se dar na capa do jornal um assunto fútil porque se supõe que seja importante. Quer dizer, não existe nenhum valor ancorado no pensamento, o valor é dado, e não construído pela crítica, pelo debate. Os valores caem do céu, e caem do céu da mercadoria. Portanto, vale pro jornalismo cultural o que tem mais capital investido. Não existe mais essa preocupação de construir valores no debate com o leitor, com a sua época. BF – Na produção cultural de hoje existe alguma reflexão crítica sobre a situação política? Carvalho – A maioria da produção cultural no Brasil está sujeita às regras da mercadoria. A questão é: como as pessoas se relacionam com essas regras. É lógico que não dá para dizer que a gente está fora do mundo da mercadoria, porque vive numa sociedade ditada pelos padrões do capital. No entanto, no campo da produção artística e cultural você tem a possibilidade de lutar contra isso, de pôr em xeque esses valores. Como fazer isso? Através dos temas de trabalho, que vão contra o pensamento dominante, e sobretudo através da forma de trabalho. Você pode tornar essa forma menos preocupada com a circulação, em aparecer, e mais em realizar processos vitalizadores, em que as pessoas se “desalienem” durante o trabalho artístico. No caso do teatro, em São Paulo, há um movimento de renovação baseado na coletivização do trabalho. Procura-se criar uma outra relação com o público, para dialogar, conversar e pensar na realidade. Pensar com imaginação na realidade, e não seguindo os modelos dominantes. Mas é como lutar contra a maré. BF – A cultura também não é refém da grande imprensa, quando se fala em divulgação e acesso? Carvalho – Na verdade, a gente não é só refém dos grandes modelos no sentido de que eles estão fora da gente. Nós somos reféns no sentido em que eles já estão internalizados. Mesmo um jornal crítico de esquerda, como o Brasil de Fato, provavelmente

se vê, às vezes, reproduzindo a pauta dada pelos grandes temas da elite brasileira. É preciso criar uma nova rede de colaboração fora desse mundo da mercadoria. Mas a gente depende de uma nova organização social, que ainda não está dada para gente. O movimento de massa no Brasil está em um momento de ascensão, mas pequena perto do que houve em outros momentos da história. Não tenho nenhum idealismo com a cultura, não acho que seja um campo privilegiado do espírito. Ela é uma possibilidade dada pela projeção simbólica de um mundo melhor, materialmente falando. BF – Mas, qual o papel da indústria cultural na manutenção dos valores de mercado? Carvalho – É lógico que não é só o bombardeio de propaganda da Rede Globo que faz com que você goste do capitalismo e que queira viver como um consumidor. É principalmente a relação disso com uma coisa mais poderosa, que é o fato de o trabalho estar desorganizado e precarizado, de se ter que viver nessa sociedade como um alto agente do capital. Para sobreviver, é preciso se tornar mercadoria, e você começa a internalizar os valores do mundo do capital. Como disse Chico de Oliveira (sociólogo), “a pior coisa no mundo da mercadoria é não ser mercadoria”. Qual é a contrapartida disso? O sonho de existir no mundo do consumo, porque o capitalismo precisa muito dos consumidores. Ele já precisa menos dos trabalhadores, mas não pode abrir mão dos consumidores para continuar gerando a circulação. Nada é tão estético, erótico e religioso como o mundo do consumo. O shopping center é o espaço lúdico, colorido, vivo. Combinadas essas duas coisas, a indústria cultural exerce um papel fundamental para a manutenção dos valores dominantes. BF – Quando você fala na construção de um pensamento crítico, a que público se refere? Carvalho – Tenho certeza que tem muita gente interessada em algo diferente. Hoje, o público que acompanha o jovem teatro paulista é um público universitário, e mesmo um público de baixa renda que procura alternativas culturais. Mas, existe um grande potencial de rebeldia que deve ser acumulado e se tornar algo mais, uma crítica mobilizadora

e transformadora. Agora, uma das grandes dificuldades da esquerda hoje é descobrir os novos pontos de agregação, as forças de desagregação são muito mais poderosas, muito intensas. Não é a toa que o PT explodiu. BF – Como assim? Carvalho – Um dos grandes equívocos do PT no governo, e o mais trágico, foi o medo do confronto. E, ao ter medo e tentando manter um projeto de poder por mais tempo, explodiu. Explodiu internamente, o que é pior, antes de vir o ataque externo. Isso para o deleite da direita brasileira. BF – Você acha que o cenário político mostra que é a hora de um engajamento na via da arte? Carvalho – Não garante nada você fazer só musiquinha, fazer um show e lançar um CD. Você pode inclusive estar fazendo a manutenção da mentira. O que muda é a forma, que tipo de diálogo você estabelece com o público, se você é capaz de ativá-lo. De que adianta ter uma produção cultural apassivadora, que as pessoas fiquem lá contemplativas, deleitando um mundo ideal? Tem que existir uma produção cultural onde as pessoas percebam outras possibilidades de vida. A mercadoria é o mundo da morte, da reprodução do idêntico. O que interessa é um tipo de produção cultural que ative e mostre outras possibilidades de relação humana. Ela depende de que as pessoas, ativadas por ela e pela luta social, tomem as ruas. A transformação depende das pessoas nas ruas, discutindo modos de trabalhar juntas e não serem exploradas, modos de não serem alienadas. BF – Você sugere uma busca por linguagem? Carvalho – O que se costuma pensar é que existe a necessidade de construir uma forma popular, que toda a base e a militância compreenda. Isso é justo e legítimo, e tem que ser, ninguém quer fazer nada hermético. No entanto, a forma do popular não precisa ser a forma dominante do mundo da mercadoria. A forma e os modos de trabalho são os campos-chave. É tornar o novo compreensível e fazer com que a experimentação seja popular. BF – A crise política trouxe alguma nova discussão na produção

Arquivo JST

Quem é Formado em Jornalismo e mestre em Artes Cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Sérgio de Carvalho é diretor da Companhia do Latão. Unida a outros grupos no movimento Arte contra a Barbárie, a companhia é co-autora da Lei de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo. Como jornalista, Carvalho escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo e editou o Sarrafo, periódico criado por diversos grupos teatrais para discutir arte e política. da Companhia do Latão? Carvalho – Ainda não sabemos o que vamos fazer em relação a isso. É um momento de perplexidade, o que é uma boa atitude para a arte, porque significa também desconfiar das coisas, ter dúvidas, e disso pode nascer alguma coisa. Mas eu vejo hoje vários grupos tentando marcar conversas para se reorganizar. O fato de o país estar no caos e a direita ameaçar uma volta perigosa, até tende à organização. Só que essa organização tem que projetar o futuro. Um dos pontos recorrentes no debate que tenho no movimento Arte contra a Barbárie é o da necessidade de lutar contra a expectativa da social-democracia que a era FHC (ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) e o PT prometiam. O artista dependente do aparelho de Estado é um perigo completo. A luta de um movimento artístico não pode ser para ganhar financiamento estatal, como se esse fosse melhor que o das empresas. A verba do Estado tem de servir para superar inclusive os valores sociaisdemocratas desse Estado, para, de fato, promover o acesso à cultura pela base da população excluída do mundo da produção artística.


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