Ano 3 • Número 127
R$ 2,00 São Paulo • De 4 a 10 de agosto de 2005
O PT ainda tem salvação?
Na marra, Bush aprova o tratado com América Central Em votação marcada por falcatruas, o Congresso dos Estados Unidos aprovou o Acordo de Livre Comércio com a América Central e a República Dominicana (Cafta-DR). O presidente George W. Bush montou um esque-
ma de pressões e ameaças para deputados ratificarem o tratado. Para Anuradha Mittal, do Instituto Oakland, a interferência de Bush desgastou sua imagem na opinião pública. Pág. 9
Doações de empresas são investimentos
Novos ministros de Lula já são alvo de críticas
A prática paralela de doações de dinheiro não declarado para financiamento de campanhas políticas – o caixa dois – é tão nociva quanto a do caixa um, hoje permitida por lei. A lógica é a mesma, já que empresas capitalistas não fazem doações, mas investimentos. Visto como solução, o financiamento público não acabaria com o caixa dois, segundo Claudio Weber Abramo, diretor da Transparência Brasil, mas estimularia doações de pequeno porte de pessoas físicas. Pág. 3
A crise política contribuiu para o ministério de Lula caminhar ainda mais à direita. No Ministério das Cidades, o nome de Marcio Fortes encontra resistência dos movimentos sociais, que temem um recuo nas políticas urbanas devido ao histórico do PP, ao qual é ligado. Nas Comunicações, Hélio Costa (PMDB) já gerou polêmica com suas declarações acerca do Sistema Brasileiro de Televisão Digital e da Lei Geral de Comunicação de Massa, entre outros temas. Pág. 6
Repressão avança sobre a Europa
Rejeição francesa freia neoliberalismo
Pág. 11
Pág. 15
O mundo pode Kaingang cantam cair. A política para espantar de Palocci, não o esquecimento Pode estar se armando mais um golpe contra a maioria do povo brasileiro. É um movimento que tenta articular barões da indústria, banqueiros, economistas e políticos conservadores para preservar a política de arrocho e ampliar o corte de gastos públicos, liquidando com as chances de recuperação da economia. Pág. 7
Está sendo lançado o CD Vozes Kaingang na Aldeia Grande, fruto de um projeto de reunir cantos e ritmos tradicionais dos velhos kaingang para ajudar a preservar sua língua e sua cultura junto às novas gerações, já que este povo indígena perdeu muito de sua identidade na aculturação a que foi submetido. Pág. 16
Christiane Campos
Em Seul, movimentos sociais pedem a saída das tropas militares sul-coreanas do Iraque; a Coréia do Sul é o terceiro país com o maior número de soldados
Sem-terra em Eldorado do Sul (RS) ocupam e produzem em fazenda antes utilizada para tráfico internacional de drogas
Ruralistas defendem terra do tráfico A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), entidade representativa de fazendeiros, quer impedir o Incra de realizar a vistoria em uma propriedade que possui indícios Marcio Baraldi
O
pano de fundo da crise do PT – e, por extensão, do governo – são os desvios ideológicos de sua cúpula. É desta forma que o advogado e militante histórico Plinio Arruda Sampaio compreende esse momento crucial para o futuro da legenda. “Ao optar por ser uma máquina eleitoral, a partir de 1995, o PT não podia ter mais a democracia de base que possuía antigamente”, analisa Sampaio, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. Ao se candidatar à presidência do partido, o advogado diz que faz uma aposta: “Dado o apoio e a esperança que o PT despertou, vale a pena fazer um investimento no partido”. Sua proposta é justamente desmontar essa estrutura partidária centralizada, contrapondo-a a um reencontro com a militância petista, a partir das consultas constantes aos núcleos de base. Mesmo assim, Sampaio não superdimensiona a importância do PT. “Nenhum partido é sagrado. Se amanhã, de fato, o PT não for corrigível, vamos ter de construir outro instrumento. O povo vai procurar isso”, diz. Págs. 4 e 5
Jung Yeon-Je/ AFP/ Folha Imagem
Para Plinio Arruda Sampaio, fundador do partido, a história de 25 anos da legenda autoriza uma aposta
de ligação com o tráfico internacional de drogas, na região metropolitana de Porto Alegre. Um inquérito policial aponta que a fazenda seria utilizada para lavagem de dinheiro. O argu-
mento dos latifundiários é uma medida provisória editada por FHC e mantida pelo presidente Lula que prorroga as vistorias em áreas ocupadas. Pág. 8
E mais: LIVRE-COMÉRCIO – Para evitar surpresas, manifestações tomaram Genebra (Suíça) durante a reunião da OMC, no fim de julho. Pág. 9 ENTREVISTA – O ativista Michel Collon denuncia estratégia dos EUA para fazer do Irã um novo Iraque. Pág. 10 SUDÃO – População protesta por suspeitar que as autoridades agiram contra Jahn Garang, vice-presidente do país, morto em acidente aéreo. Pág. 14
2
De 4 a 10 de agosto de 2005
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretária de redação: Thais Arbex Pinhata 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos – CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro – RJ
Para não perdermos o fio da meada
F
rente à atual crise, sem dúvida é necessário analisar e responder no dia-a-dia ataques, manobras etc. de inimigos dos quais quase nunca se tem claro o verdadeiro rosto. Mas, este correr atrás do imediato não pode nos deixar esquecer o que realmente está sendo jogado – por quem e para quê. É óbvio que o que está em jogo – para os desencadeadores da crise – não é a moralização dos costumes, mas a garantia de continuarem se locupletando, mantendo o monopólio – entre outros – dos maus costumes. Em jogo, na verdade, estão as eleições do próximo ano. Em especial a sucessão presidencial. Para isto, a estratégia vem sendo: destruição da base de apoio e partidária (destruição do Partido dos Trabalhadores) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de modo a tê-lo como presa ainda mais dócil das elites e do projeto neoliberal. O presidente da República vem sendo preservado e a continuidade do seu mandato parece garantida. A possibilidade de um impeachment (impedimento, como o de Fernando Collor) não pode ser descartada – aqui e ali se acena com isto – mas a função desses acenos parece limitar-se à manutenção de uma espada a pesar sobre a cabeça presidencial, para que o mandatário não ouse esquecer os limites dos acordos que firmou com as elites para se eleger em 2002 e, mais ainda, para ficar claro que um
segundo mandato depende da sua capacidade de ceder mais ainda. Não foi suficiente ficar de joelhos perante o capital. É preciso mais. Sempre mais. Muito mais. E o presidente demonstra saber disto, aquiescer e, em muitos momentos, antecipar-se. O chefe do Executivo tem sinalizado sempre com uma fidelidade canina aos seus patronos da direita. Com o costumeiro casuísmo, mostra-se sempre incapaz de princípios universais ou universalizáveis: para os ministros Jucá (agora ex-ministro) e Meirelles (do Banco Central), o princípio é que ninguém pode ser condenado sem haver sido julgado. Princípio sem dúvida correto, mas que não dispensaria que ambos, moto próprio, pedissem afastamento enquanto prosseguem as investigações. Para o deputado Roberto Jefferson, o cheque em branco assinado (absolvição antecedendo o julgamento). Para seus companheiros de partido – como o caso do tesoureiro Delúbio Soares e do secretário-geral Sílvio Pereira, a pressão e ordem de afastamento imediato. Estaríamos, portanto, frente a algo como a síndrome que alguns estudiosos descrevem sobre a relação de quase fascínio que se estabelece entre algumas vítimas de seqüestro e seus seqüestradores? Responder sim a esta pergunta soa-nos ingênuo
e de um otimismo que, pelo menos no nível da política, não se sustenta. É bom lembrarmos também que as ações imputadas ao tesoureiro Delúbio Soares e ao secretário-geral Sílvio Pereira (entre outros), foram praticadas para sustentar a política que o governo federal acordara com seus parceiros da direita. (1) Enquanto isto, o ministro Antônio Palocci mantém sua agenda e desempenha-se como chefe de Estado. O ministro Palocci bem pode ser o Plano B das elites (por enquanto ainda carentes de candidato) para 2006. Acreditamos que são esses movimentos na cena política – das elites e do presidente da República – o que mais interessa perceber neste momento, para que se possa, além de apagar incêndios imediatos, informar a construção de uma estratégia da esquerda e das forças populares para, pelo menos, o próximo ano. (1) E quando citamos aqui essas questões, de modo algum queremos ou pretendemos cair no terreno do relativismo ambíguo tão em voga. É preciso, pois, reafirmar que nossa posição foi e é muito clara: tudo deve ser apurado até o fim. Tudo, inclusive as falcatruas que o senhor presidente – em mais um momento de destempero – disse, há alguns meses, ter acobertado de seu antecessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES REFORMA POLÍTICA Tem dó. Lamento dizer, mas a matéria sobre a reforma política “Um bom momento para mudar o sistema”, publicada na edição 126, é um besteirol sem fim. Parece coisa de prócer pefelista falando. E de onde desentocaram esse coronel Oliva Neto? Será que teremos de dobrar o mensalão para os parlamentares aprovarem a tal “reforma política”? O momento agora é de estourar o núcleo de uma instituição falida, corrompida, inútil, que é o Congresso Nacional. E é preciso começar pela cassação sem direito a suplente dos 160, 180 que estão envolvidos na carniça do que sobrou do Estado brasileiro, totalmente apropriado pela banca internacional. O que vale, agora, é limpeza. Qualquer “reforma” é reproduzir o que foi feito até aqui pela quadrilha de Collor/FHC/Itamar/Lula. E essas ONGs são outra fonte de destruição do Estado. Nos velhos documentos do Banco Mundial, lá no Consenso de Washington, essas sanguessugas já tinham um papel delineado, muito bem orquestrado. “O governo acabou”, como disse Stedile. Não precisamos de outro governo, é hora e reinstituí-lo. Eurico T.S. por correio eletrônico TEMPO VAI, TEMPO VEM E NADA MUDA Com ONGs, escolas de compensado, CEUs e mutirões à parte, o prefeito de São Paulo leva adiante o projeto de integração Berrini – Faria Lima. Não fosse uma crítica feita pelo então candidato ao posto, José Serra, (era fiel ao viés de que a prefeita Marta Suplicy era “pró-elite” com seus frondosos coqueiros em bairro nobre da cidade) tudo soaria sorrateiramente aos ouvidos. Cerca
de 700 crianças da ex-Escola de Lata, agora transferidas para uma Escola de Compensado no terreno cedido pela paróquia Maria Mãe da Igreja no Jardim das Flores, no M’Boi Mirim, zona sul de SP, terão duas horas a menos de aula por dia. Dos 51 mutirões em atividade na cidade de São Paulo, somente foram liberadas verbas para 24. É, a nova administração mostra para que veio com apenas seis meses e meio de governo. São moradias, projetos habitacionais, “rejeitados” pela prefeitura, ao todo 27 deixam de ser assistidos. Já no projeto da Vila Olímpia, a prefeitura colocou R$ 70 milhões. É um projeto de embelezamento na região que favorece empresas e comércio locais, interessados na obra. A administração da cidade leva a cabo os interesses antigos dos senhores da região. Mais uma vez, o probo palavrório pré-eleitoral era somente letra fossilizada do populismo infame. Heitor Claro da Silva por correio eletrônico
ERRAMOS As inscrições para o 1º Fórum Humanista de Educação para a nãoviolência, que será realizado na Faculdade Alfacastelo no dia 13 de agosto, devem ser feitas pelo telefone (11) 3608-7602. Mais informações: www.bapu-2005.org.ar Na matéria “No ar, um projeto revolucionário”, de Cláudia Jardim, publicada na edição 126, o endereço na internet da Telesul está incorreto. O certo é www.telesurtv.net
Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815
CRÔNICA
Preservar o legado de Lula Leonardo Boff Diz-se que em política, pensa-se apenas numa única intenção, quer dizer, na segunda. Raramente o discurso é na primeira intenção e por isso transparente. Quem o faz, corre o risco de passar por ingênio ou de fazer o jogo do adversário. Dai certa conotação de farsa que a retórica política assume. Mas o que geralmente conta mesmo é o subdiscurso, o não dito no dito. No não dito se escondem os interesses que os partidos e seus representantes políticos representam. Muitos destes interesses sequer podem ser explicitados pois revelariam às claras seu caráter classista, antidemocrático e até antiético. Digo tudo isso a propósito da crise política provocada pelas denúncias de corrupção, a serem ainda comprovadas cabalmente, por parte de setores do PT roçando de algum modo, zonas próximas ao governo. Logicamente, a corrupção deve ser combatida, banida e punida. A dificuldade maior reside no fato de que ela é uma aderência sistêmica ao tipo de classe política que se desenvolveu ao longo da história brasileira, invadindo as instituições públicas, contaminando as práticas de governo e contando ainda com a impunidade generalizada dos corruptos e dos corruptores. Numa atmosfera sistêmica assim
fica ainda mais difícil identificar, denunciar e punir um fato concreto de corrupção como aquele que é presumido em setores do PT e de alguns partidos aliados. Em primeiro lugar, há profunda decepção em grupos sociais importantes, especialmente populares, que depositaram grande confiança no PT com a certeza de que com ele tais desvios éticos jamais se repetiriam. E se repetiram. Um grupo do PT caiu na tentação do poder e da cupidez do dinheiro, porque sucumbiu à sua lógica intrínseca que é: não se pode garantir poder e dinheiro senão buscando mais poder e mais dinheiro ainda. Foi a danação destes setores do PT. Se não houver controle, transparência e sólida ética pessoal muitos lamentavelmente sucumbem como sucumbiram. Em segundo lugar, o que dói é ver que políticos corruptos que notoriamente se beneficiaram da máquina oficial e do poder de Estado, portando-se como vestais acusando pesadamente os outros de corruptos. Não que não devam acusar, pois fatos estão aí postos, mas não o fazem com a humildade e a dignidade que afasta o espírito de vingança e de inegável satisfação em ver os “puros” na mesma vala comum onde se encontram. Seguramente haverá muitos des-
dobramentos com o risco de desestabilizar politicamente o governo. Oxalá não se chegue a um impeachment do presidente, pois independentemente de sua eventual ciência dos fatos, poderia criar uma convulsão social. Suspeito que, dada a articulação dos movimentos sociais, liderados pelo MST, multidões iriam às ruas não como no tempo de Collor para pedir o impeachment, mas ao contrário, para garantir o mandato do presidente e questionar a legitimidade de um Parlamento também acusado de corrrupção e daí desmoralizado. Mais que fatos, contam aqui símbolos poderosos do imaginário popular. Lula é visto como arquétipo coletivo, resultado de uma acumulação de dezenas de anos de lutas, a realização de um sonho secular de resistência, de constestação à ordem presente e do desejo de outro tipo de sociedade que fizesse justiça aos milhões de destituidos. Essa herança que pesa sobre os ombros de Lula, e que ele não pode trair, merece ser preservada ciosamente. Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É também autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos
Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos – jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:brasil-al@brasildefato.com.br•BA:brasil-ba@brasildefato.com.br•CE: brasil-ce@brasildefato.com.br•DF:brasil-df@brasildefato.com.br•ES:brasil-es@brasildefato.com.br•GO:brasil-go@brasildefato.com.br•MA:brasil-ma@brasildefato.com.br•MG:brasil-mg@brasildefato.com.br•MS:brasil-ms@brasildefato.com.br•MT:brasilmt@brasildefato.com.br•PA:brasil-pa@brasildefato.com.br•PB:brasil-pb@brasildefato.com.br•PE:brasil-pe@brasildefato.com.br•PI:brasil-pi@brasildefato.com.br•PR:brasil-pr@brasildefato.com.br•RJ:brasil-rj@brasildefato.com.br•RN:brasil-rn@brasildefat o.com.br•RO:brasil-ro@brasildefato.com.br•RS:brasil-rs@brasildefato.com.br•SC:brasil-sc@brasildefato.com.br•SE:brasil-se@brasildefato.com.br•SP:brasil-sp@brasildefato.com.br
3
De 4 a 10 de agosto de 2005
NACIONAL SISTEMA ELEITORAL
Caixa dois, uma prática mais que comum Magistrado entende que as empresas capitalistas não fazem doações de campanha, mas sim investimentos
inguém se elege com o valor declarado à Justiça Eleitoral”, resume o juiz João Batista Damasceno, sociólogo e professor do Departamento de Direito Civil da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). David Fleischer, professor emérito do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), reitera a tese de que o financiamento ilegal de campanha, conhecido como caixa dois, é algo praticado de forma generalizada, em todas as esferas e partidos políticos. “Com o que se declara à Justiça Eleitoral, paga-se apenas 10% do que é necessário para se eleger”, calcula o professor. Hoje, a legislação eleitoral autoriza o financiamento privado das campanhas no qual pessoas físicas e jurídicas podem fazer doações a candidatos, desde que respeitem um limite imposto pela Justiça. No primeiro caso, o teto das contribuições é de 10% dos rendimentos brutos obtidos no ano anterior à eleição. Já as doações de empresas não podem ultrapassar 2% do seu faturamento bruto. Em ambas as situações, há abatimentos de impostos.
QUANTO VALE? “Calcula-se que, hoje, para um deputado federal sem base de apoio ou eleitorado cativo se eleger, é necessário algo entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões”, explica David Fleischer. Para a campanha de um senador, pode-se chegar até a R$ 50 milhões, diz o cientista político. “Fazer campanha é muito caro. Contrata-se equipes enormes, a produção de vídeos são
FISCALIZAÇÃO
Eduardo Azeredo, senador e presidente do PSDB, assume que seu partido se valeu de financiamento ilegal de campanha
cada vez mais caras, compra-se horários em emissoras de televisão e rádio, há ainda gastos com viagens”, explica Fleischer. Ocorre que todo esse espetáculo não pode ser bancado apenas com o “caixa um”, ou seja, o financiamento legal. O cientista político explica por que empresas privadas fazem a doação de forma ilegal. “O doador pode não querer evidenciar a ligação com o partido, até por medo de que essa
Mídia ameniza denúncias contra PSDB Marcelo Netto Rodrigues da Redação Para Freud, pai da psicologia, o desejo do inconsciente se realiza pelo “ato falho”, ou seja, nenhuma fala aparentemente equivocada ocorre por acaso. Acadêmico que é, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sabe disso. É revelador que, ao ser informado de que o PSDB também fez caixa dois com o dinheiro do publicitário Marcos Valério, FHC tenha se entregado: “O que aconteceu no passado, no meu governo, é coisa da história”, disse, sem perceber que a denúncia se referia tão somente à campanha do hoje senador e presidente nacional do PSDB, Eduardo Azeredo, ao governo do Estado de Minas Gerais, em 1998. Na mídia, esse “ato falho” acontece já de forma intencional. Os meios de comunicação de massa preferem chamar de caixa dois o que o PT chama de “dinheiro não contabilizado”, ao passo que o mesmo caixa dois, quando aparece no PSDB, por exemplo, transforma-se nas páginas dos jornais em “aporte de recursos numa ação paralela de fortalecimento de campanha” (Folha de S. Paulo).
INVESTIMENTO Apesar desse eufemismo, a mídia não pôde, na semana passada, silenciar a descoberta de R$ 1,9 milhão de reais depositados pela agência SMPB Comunicação, de Marcos Valério, nas contas da campanha de Azeredo, em 1998. E nem que Valério foi avalista de Pimenta da Veiga, ex-presidente nacional do PSDB e ex-ministro das Comunicações
de FHC, num empréstimo de R$ 152 mil reais com o banco BMG, em 2004. Por trás desta curiosa predileção da grande mídia estão doações dela própria às campanhas eleitorais. Em relação às registradas no caixa um – doações declaradas – como informa o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fica a dúvida do porquê a Editora Abril, por exemplo, proprietária da revista Veja, doou R$ 50,7 mil a dois candidatos do PSDB e a um do PPS, em 2002. Quais são as razões que levaram o nome da editora da Veja a surgir na CPI dos Correios como a responsável por um depósito de R$ 303 mil em uma conta de Valério? As dúvidas também podem ser estendidas à TV Globo que, com a quebra do sigilo bancário de Valério, aparece com depósitos no valor de R$ 3,6 milhões nas contas do publicitário. Ou ao jornal Folha de São Paulo que, segundo palavras do seu próprio ombusdman, também se esqueceu de explicar aos seus leitores “a transação comercial que o levou a depositar R$ 223 mil na conta da DNA (agência de Valério)”.
ÀS CLARAS Apesar de limitado, o financiamento de campanhas políticas por tais empresas ou por pessoas físicas no Brasil é lícito, (ver reportagem nesta página), mas seus dividendos são imensuráveis. Vide a empresa Promodal, associada à Skymaster, que doou R$ 500 mil à campanha de Lula à Presidência, em 2002, e que já no primeiro ano de governo obteve R$ 104 milhões em contrato com os Correios.
informação seja usada por um concorrente, ou coloque em dúvida futuros favorecimentos. Ou, ainda, porque o próprio dinheiro doado já é ilegal, ou seja, do caixa dois da própria empresa”, diz o professor. Damasceno acredita que a origem do dinheiro do caixa dois é pública, e não privada. “Pelo que pude apurar em minhas atividades, a formação de caixa dois se dá majoritariamente com desvios
de recursos de órgãos públicos”, explica o juiz, em cuja comarca foi julgado o caso das fraudes do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) que envolvia, por exemplo, caso de pessoas mortas que ainda recebiam pensão. “O curioso é que todos os envolvidos tinham indicação política”, diz. Quanto à presença de verba privada, tanto a de forma legal como a ilegal, o juiz acredita que se cria um comprometimento
Além da necessidade de se mudar o modelo de financiamento de campanhas (veja reportagem abaixo), outras inúmeras medidas são necessárias para tornar o processo mais transparente e evitar o caixa dois. Damasceno defende uma reforma urgente da Justiça Eleitoral, embora o assunto nunca tenha sido abordado pelo atual governo. O magistrado é crítico da atual estrutura do órgão que permite, por exemplo, que juízes de Tribunais Regionais Eleitorais continuem exercendo outras atividades. “Em alguns casos, são advogados e permanecem defendendo interesses privados”. David Fleischer avalia que é impossível que a Justiça Eleitoral consiga acompanhar e apurar todas as campanhas de cada candidato. Dessa forma, atua apenas em caso de denúncias. Damasceno acredita que, mesmo feita essas ponderações, a atuação fica aquém do possível. “Se não há como fiscalizar todos, que fiscalize alguns. O papel da lei é dar referência, o problema é quando ela não tem eficácia nenhuma e, então, perdem-se os parâmetros do que se pode ou não fazer”, finaliza.
Verba pública democratiza campanhas Luís Brasilino da Redação Reflexo das denúncias de corrupção que assombram Brasília nos últimos dois meses, lideranças do Partido Liberal (PL), do Partido Progressista (PP), do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e do Partido dos Trabalhadores (PT) admitiram ter feito caixa dois. A corrupção estimulou e colocou em pauta, dentro do debate da reforma política, a questão do financiamento de campanha eleitoral. Contudo, Claudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, alerta que é ridículo relacionar esse debate com o combate à corrupção. Para ele, não há lógica na crença de que a proibição do caixa um – doação legal – iniba a prática do caixa dois. Abramo garante que o grosso da prevaricação tem a ver com os mecanismos de gestão do Estado, mas não com o financiamento das campanhas. Assim, a maior parte dos desvios de recursos da União para atender interesses espúrios se dá no direcionamento de licitações públicas, na leniência na fiscalização de contratos, no perdão fraudulento de dívidas previdenciárias e tributárias, entre outros. Por sua vez, Ivan Valente, deputado federal (PT/SP), defende o financiamento público e a proibição de financiamento privado de pessoa jurídica (empresas) com punição de cadeia tanto para o doador quanto para quem recebe. “A base da corrupção está no desvio de recursos estimulado pelo financiamento privado vindo, especificamente, de empresas. Isso amarra o voto, tira a autonomia e cria um rabo preso do representante do
Moacyr Lopes Junior/ Folha Imagem
“N
político. “Empresas capitalistas não fazem doações de campanha, fazem investimentos”, avalia. Como exemplo cita o fato de o candidato à Presidência da República pelo PSDB em 2002, José Serra, não ter recebido doação de transnacionais farmacêuticas. Quando ministro da Saúde, Serra obteve a autorização para quebrar a patente de remédios para pacientes portadores de HIV, embora não tenha efetivado a quebra. Já a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva recebeu doações de diversas empresas do ramo.
Valter Campanato/ABR
Dafne Melo e Marcelo Netto Rodrigues da Redação
Técnicos preparam urnas eletrônicas para as eleições municipais de 2004
povo com os interesses que lhe forneceram recursos”, explica. Valente sustenta que o financiamento público tem um papel educativo e pedagógico na população. Para o parlamentar, as pessoas vão identificar o candidato que gastar muito dinheiro, na ilegalidade, por meio do excesso de material de campanha, de pessoas pagas balançando bandeiras etc. O deputado ressalta, porém, que não é contra o financiamento de pequeno porte que parta de pessoa física.
JUSTIÇA Abramo defende que a questão do financiamento seja colocada como instrumento de se fazer justiça na representação política das diferentes camadas sociais. “Uma das características do financiamento eleitoral brasileiro é o fato de favorecer o poder econômico. A análise dos números mostra que o grande eleitor no Brasil é o dinheiro”, revela. De acordo com
o diretor da Transparência Brasil, em relação ao financiamento de campanha, deve-se discutir como proporcionar àqueles com menos acesso ao capital uma representação política em condições mais iguais. Segundo Abramo, existem diferentes maneiras de se fazer isso. Uma das propostas pressupõe o financiamento privado, estabelecendo a seguinte regra. Numa certa circunscrição eleitoral, todo financiamento vindo de pessoa física, abaixo de um certo valor, R$ 50 por exemplo, precisa ser coberto pelo Estado. Na prática isto significa que, caso um candidato receba R$ 25 mil em financiamentos de pessoas físicas que doaram menos de R$ 50, em contrapartida, ele deva receber do poder público mais R$ 25 mil. “Assim, aumentamos a atratividade dos candidatos em buscar financiamento junto a pessoas físicas e, também, a relação do eleitor com o candidato para além do voto”, justifica.
4
De 4 a 10 de agosto de 2005
Espelho ENTREVISTA
Plinio Arruda Sampaio: “Vamos
da Redação Amizade colorida O governo Lula gastou R$ 867 milhões com publicidade, em 2004, a maior parte em anúncios de autopromoção veiculados nas TVs Globo, SBT, Record, em revistas e jornais empresariais – todos comprometidos com os interesses das elites dominantes. As agências de Marcos Valério, amigo de alguns dirigentes do PT, administraram R$ 296 milhões – contando apenas as verbas oficiais. Só de comissão legal essas agências receberam quase R$ 60 milhões. Equívoco? Até a propaganda do Pronaf – programa dedicado aos agricultores familiares – foi veiculada várias vezes pela revista Época, que tem pouca circulação no interior do Brasil, e menos ainda entre a população rural de baixa renda. Nesse caso, e em muitos outros, as agências contratadas pelo governo ignoraram a imprensa popular, os veículos alternativos e as rádios comunitárias – mais adequados e eficientes do que as revistas caras e elitistas. Lavanderia caseira Em entrevista ao Estadão, publicada sábado, o deputado federal João Magno de Moura, ex-prefeito de Ipatinga, não apenas admitiu que recebeu dinheiro de Marcos Valério, autorizado por Delúbio Soares, para pagar dívidas, como também confirmou a versão corrente na imprensa de que o deputado José Mentor, do PT-SP, se reuniu com diretores do Banco Rural antes de fazer o relatório final da CPI do Banestado. Mais lama no ventilador. Operação Garanhuns Vários veículos da imprensa empresarial disputam entre si para ver qual vai desvendar integralmente o mistério da empresa Garanhuns Empreendimentos, que recebeu mais de R$ 7 milhões de uma conta de Marcos Valério, no Banco Rural, tem um sócio laranja chamado José Carlos Batista, vários endereços falsos na Grande São Paulo, conexão no Uruguai e, certamente, é mais uma lavanderia do esquema de corrupção. Autocrítica obrigatória Em entrevista à jornalista Bia Barbosa, da Agência Carta Maior, a socióloga Maria Victoria Benevides faz uma longa análise da crise que atinge o governo Lula, o Congresso Nacional, os partidos políticos e as esquerdas. Para ela, o PT precisa ser re-fundado: “O partido só pode sobreviver se realmente enfrentar o problema com a maior radicalidade. Ou seja, não apenas punir os responsáveis, mas investigar a fundo as causas e as contradições que levaram a essa situação”. Grito libertador A crise política exposta com as denúncias de corrupção tem sido tão angustiante e desalentadora para boa parte da população, que até o economista Paulo Nogueira Batista Jr., normalmente moderado e contido pela racionalidade, escreveu um artigo para a Agência Carta Maior com o título “Que se vayan todos!”, as mesmas palavras-de-ordem usadas nos movimentos populares que derrubaram os presidentes da Argentina e do Equador. Ação corruptora A revista Carta Capital da última semana não deixou por menos: colocou o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, no centro do esquema de corrupção armado pelo publicitário Marcos Valério e o extesoureiro do PT, Delúbio Soares. E ainda chamou o banqueiro de “orelhudo”, já que ele vive contratando arapongas para vigiar seus concorrentes. Revisão histórica No domingo passado, 31 de julho, a TV Senado retransmitiu a gravação do depoimento do publicitário Marcos Valério na CPMI dos Correios, feito em 6 de julho. É impressionante verificar que a maior parte das declarações de Valério perante deputados e senadores – e o povo brasileiro – foram todas desmentidas pelos fatos, em menos de 30 dias. Confirma o dito popular de que a mentira tem perna curta. Aliás, muito curta mesmo.
Para o militante histórico e fundador da legenda, o partido merece um investimento e Nilton Viana e Jorge Pereira Filho da Redação
U
ma história de 25 anos não pode ser abandonada sem luta. Essa, em síntese, é a idéia que move o professor Plinio Arruda Sampaio a lançar sua candidatura à presidência do PT. Fundador do partido, o ex-deputado federal não superdimensiona o poder da legenda: “Nenhum partido é sagrado. Se amanhã o PT, de fato, não for corrigível, vamos ter de construir um outro instrumento”. No entanto, para Sampaio, o partido merece ainda uma aposta. “Dado o apoio e a esperança que o PT despertou, vale a pena fazer um investimento nesse Processo de Eleições Direta (PED)”, avalia, em referência às eleições internas do partido marcadas para setembro. Para o advogado, na raiz da crise que ameaça o PT, está uma escolha equivocada pelas campanhas milionárias, distantes do povo, definidas por marqueteiros. Uma opção tomada pela cúpula do partido que mostra desvios ideológicos. “Já temos um bom número de dirigentes, parlamentares, representantes que não acredita mais na transformação socialista”, explica. A saída desse beco em que o PT se encontra não é fácil e passaria, assim, por uma revisão das distorções que levaram o partido a essa situação. Nesse novo caminho, para Sampaio, o PT deve se reencontrar com a militância. “É preciso voltar ao núcleo de base e exigir as consultas à base”, aponta o candidato. Brasil de Fato – Como o senhor está vendo a crise? Plinio Arruda Sampaio – Primeiro, a crise não vem de agora, mas sim desde 1995, quando o PT deixou de lado a pressão popular e se concentrou em montar uma máquina eleitoral. Em 1998, o partido fez a opção pela eleição do marketing, contratou um especialista na área para fazer a eleição. Ora, essa escolha foi catastrófica, um desastre. Você não faz eleição do marketing sem muito dinheiro, essas companhias cobram um enormidade para trabalhar. Então, você acaba tendo de recorrer a quem tem dinheiro. E quem tem dinheiro nesse país? Banqueiros, empresários, especuladores... E o PT foi bater na porta dessa gente, os Valérios da vida. Mas isso ainda não é o mais grave. O mais grave é o seguinte: o PT fez uma campanha que não politizava o povo. O povo brasileiro sempre acha que é preciso um poderoso lá em cima que lhe dê as coisas. O povo brasileiro não foi conscientizado de que precisa conquistar as coisas, de que precisa lutar. Porque não é um príncipe bom, nem um operário bom, nem um patrão bom que vai lhe atender. É preciso ter o preço da conquista. Com o maqueteiro, você não diz isso. O princípio dele é que você não pode falar para o povo aquilo que ele não quer ouvir. Então, você está enganando o povo. É preciso dizer o que é importante.
O PT perdeu o rumo, descarrilou por causa dessa idéia de que se virasse uma grande máquina conquistaria o governo BF – Qual a conseqüência dessa opção? Sampaio – A grande massa da
população sofre os efeitos dessa política autoritária, neoliberal. Boa parte do povo que não tem consciência política quer sempre um protetor. É isso que fazem as campanhas de marketing, criam uma figura poderosa que vai dar dez mil casas, gerar milhares de empregos, fazer a reforma agrária em uma canetada. Isso é o que o cara gosta de ouvir. Ele não quer ouvir que será feito um esforço conjunto para lutar, que é preciso se organizar e lutar para conquistar.
Sérgio Lima/ Folha Imagem
da mídia
NACIONAL
Dado o apoio e a esperança que o PT despertou, vale a pena fazer um investimento no partido, nesse Processo de Eleições Direta (PED) BF – Mas mesmo assim não deu em 1998... Sampaio – Não deu, mas em 2002 deu para fazer com o melhor dos maqueteiro, com o Duda Mendonça. Então, foi feita uma campanha marqueteira que, no final, não deu ao presidente a segurança de que ele terá o apoio do povo se enfrentar o latifúndio, o agronegócio, o Fundo Monetário Internacional (FMI), os grandes banqueiros. Porque se Lula enfrentar, eles tiram o dinheiro e, daí, você tem inflação, dólar mais caro e turbulência na economia. Se isso ocorresse, poderia começar a faltar produto e nessa hora, ou você tem um povo do seu lado capaz de entender que a luta consiste em não se importar com isso, ou você tem um povo que não entende e vai dizer que a vida está piorando. Na verdade, Lula hesita e não tem suficiente confiança nos 53 milhões de votos que conseguiu. Acho que ele cometeu um grave equívoco. Se tomasse essas medidas no primeiro mês de governo, teria o povo inteirinho na rua. Hoje, já tem problemas, não sei mais se o povo irá atender a uma convocação sua. BF – E qual a saída desta crise? Sampaio – Eu acho que a saída é pela esquerda, pela mudança da política econômica, pela redução da base parlamentar. Com o povo mobilizado, mas eu não sei se o presidente Lula tomará essa decisão. BF – Mas a opção pelo marketing feita pelo PT, pelo dinheiro, não acarreta também uma série de compromissos que justamente nega uma reviravolta dessas? Sampaio – Em julho de 2002, no meio da campanha, quando viram que Lula tinha condições de ganhar, a direita fez a primeira chantagem. Começou a fazer um processo de crescimento do dólar. Daí, Lula cometeu um outro erro, que foi assinar aquela Carta ao Povo Brasileiro se comprometendo com os compromissos acertados por Fernando Henrique Cardoso. Todos de caráter neoliberal. Tenho defendido a tese de que toda vez que você faz um contrato, é preciso cumpri-lo. Mas se eu tiver um revólver no peito e for obrigado a assinar um documento, não sou obrigado a cumpri-lo, porque foi feito sob coação. Essa é a situação daquele momento. Lula não tinha liberdade, foi uma manobra para assustar a população. Ele tinha uma base ética para dizer que não cumpriria aquele acordo.
“O PT ainda merece uma aposta”, defende Plinio Arruda Sampaio
BF – E o senhor pensa que ainda há condições de dar uma virada? Sampaio – Eu acho que ainda tem, não sei por que o presidente Lula não dá uma virada. As entidades da sociedade civil, os movimentos populares foram todos lá pedir. E o presidente não mudou nada. Então, eu sinto também que esses mesmos movimentos sociais estão desanimados. Passaram-se dois meses e não aconteceu absolutamente nada. BF – O governo não deu nenhum sinal... Sampaio – Pior. Ele foi buscar apoio no deputado Delfim Netto... Então, a saída para os movimentos agora é ir para as ruas e fazer mobilizações.
Temos no PT um bom número de dirigentes, parlamentares, representantes que não acredita mais na transformação socialista BF – Ainda sobre as origens da crise, já faz algum tempo que o PT foi se tornando cada vez mais verticalizado, uma série de manobras internas consolidou um núcleo duro, uma cúpula se apoderou da militância e conduziu o partido para o caminho neoliberal. O senhor não acha que o problema do PT, no fundo, é ideológico? Sampaio – Exatamente. O partido ao optar por ser uma máquina eleitoral não podia ter a democracia de base que possuía antigamente. O PT começou com as consultas ao núcleo de base, as plenárias. Na hora em que vira uma máquina, torna-se um partido de mandatos, o partido dos deputados. O poder vai ficando cada vez mais concentrado a tal ponto que três ou quatro caras sabiam de tudo e o resto não sabia nada. Tem gente da esquerda que faz parte da Executiva Nacional do PT que não tinha noção das coisas que estavam acontecendo. O PT perdeu o rumo, descarrilou por causa dessa idéia de que
se virasse uma grande máquina conquistaria o governo. BF – E o que fazer com essa máquina? Sampaio – Eu sou candidato à presidência do PT exatamente para desmontar essa máquina. Se eu ganhar, vamos desmontar essa máquina. BF – O senhor acredita que é possível ainda recuperar o PT? Sampaio – Acredito. Acho que ainda é possível. Vejo vários partidos que enveredaram durante muitos anos para uma situação difícil, mas depois conseguiram corrigir. Por exemplo, o Congresso Nacional Africano (organização que lutava contra o apartheid) é criado em 1912. Em 1960, Nelson Mandela foi ao presidente do Congresso e propôs a desobediência civil. Foi ridicularizado: “Isso é loucura, nós levamos 50 anos para conseguir respeitabilidade com os brancos e você quer jogar isso fora?”. Quer dizer, eles tinham se desviado. Mas o que aconteceu? O Mandela botou o cara para fora e mudou o partido. O Ghandi fez sua carreira e seu nome na África do Sul e, quando chegou na Índia, tinha um tremendo de um prestígio. Foi recebido pelo Partido do Congresso e disse a eles, na primeira reunião: “Vocês estão todos errados, não é por aí, vocês estão aceitando a dominação estrangeira, não vão fazer a independência nunca. Eu vou para a rua fazer com o povo”. E ele mudou o Partido do Congresso. Então, acho que é possível recuperar o PT, não que seja fácil. Vai depender muito de como avançará essa crise. Penso que dado o apoio e a esperança que o PT despertou, vale a pena fazer um investimento no partido, nesse Processo de Eleições Direta (PED). BF – O PT é um patrimônio da esquerda... Sampaio – Patrimônio do povo, da história. Eu vou me sacrificar ao máximo, vou percorrer esse país inteiro para ver se conseguimos ganhar a eleição e reestruturamos imediatamente o partido. É preciso voltar ao núcleo de base e exigir as consultas à base. Com a internet, não há razão para não
5
De 4 a 10 de agosto de 2005
NACIONAL
desmontar a máquina eleitoral do PT” Robson Oliveira
precisa ser redemocratizado com a prática das consultas aos núcleos de base
A saída para os movimentos sociais é a mobilização nas ruas, como fez o MST na marcha a Brasília, em maio
fazer estas consultas. Agora, vamos ser claros: nenhum partido é sagrado. O partido é um instrumento, um instrumento da luta do povo. Se amanhã o PT, de fato, não for corrigível, vamos ter de construir um outro instrumento. Não há dúvida. O povo irá procurar um novo instrumento. Só que se o povo puder aproveitar esse, que levou tanto tempo para ser criado, vamos tentar.
O partido é um instrumento da luta do povo. Se o PT não for corrigível, vamos ter de construir um outro instrumento. Não há dúvida BF – Nas suas viagens, como o senhor tem sentido os militantes de base diante dos escândalos de corrupção e roubalheira dentro do seu próprio partido? Sampaio – O sentimento é de desânimo muito grande. Porque o petista é aquele que se punha no bairro dizendo: “Vocês estão todos votando errado, são todos bobos”. E o sujeito respondia: “Mas na política é tudo igual”. Daí, o petista se diferenciava: “Nós, não!”. E agora “nós somos iguais”. Enfim, o petista está muito abatido. Mas tenho sentido que ele quer bem o PT. Quando a gente aponta o caminho para a saída, a gente tem uma outra reação: “Ah, então, eu fico no partido, vou fazer força”. Estou vendo muita receptividade. Ontem (31 de julho), esteve aqui o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) para apoiar minha candidatura. BF – Nesse momento de crise, como o senhor vê a perspectiva da esquerda brasileira diante da gravidade da atual situação? Sampaio – Em um momento de crise é que a gente vê quem tem realmente compromisso – e quem não tem. A situação está mudando de momento a momento. É muito difícil compor um cenário, o que também dificulta a tomada de uma decisão racional em termos de eficácia. Todo mundo pode errar aqui. Mas não estamos no mato sem cachorro.
Há uma coisa que precisa estar clara sempre: a decisão ética. A esquerda está desafiada a um comportamento ético. Se jogar com qualquer oportunismo, estará liquidada. O que foi feito é inaceitável e temos de apurar e punir seja quem for. Se a esquerda tomar essa atitude, pouco a pouco, a situação vai desanuviando e poderá tomar uma decisão posterior coerente. Nesse momento, não tem jeito. Agora é a hora de uma atitude ética, inequívoca, clara, doa a quem doer. Seja essa atitude compreendida ou não. Não interessa isso. BF – E quais devem ser as reivindicações imediatas da esquerda, principalmente do PT? Sampaio – A esquerda não pode conceder nem reduzir. É preciso mudar a política econômica, substituir a equipe, essa tem de ser a reivindicação. A esquerda tem que cobrar a saída dos partidos de direita do governo. Nós somos um partido socialista, de esquerda. Podemos fazer aliança com a direita, mas com uma hegemonia nossa. Essa aliança que nos entrega a eles não interessa. Quem está bloqueando o decreto de atualização da produtividade da terra? O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, é ele quem não assina. Você tem um ministro do agronegócio que faz o que você quer. Ele pára a reforma agrária, o que ele está fazendo no ministério? A esquerda está no momento que o toureiro chama de a “hora da verdade”. Esse é o desafio. Passar tudo isso a limpo.
A esquerda está desafiada a um comportamento ético. Se jogar com qualquer oportunismo, estará liquidada BF – E o PED será esse momento de decisão? Sampaio – Sim, por isso, decidi sair candidato. É preciso alguém colocar esse debate, o que estou fazendo. É preciso fazer a direita do PT dizer a que veio. A situação do partido é difícil pelo
seguinte. Você pode concordar com a pessoa em três pontos – ou discordar. Eu, por exemplo, tenho um objetivo: quero ir para Santos e você para o Rio de Janeiro. Se esse for o caso, não podemos ir juntos. Agora, se você também quer ir para Santos, temos de decidir como vamos, de ônibus ou de carro. Bem, a discordância que não tem problema é se você quer sentar na frente do ônibus que vai para Santos e eu atrás. Agora, se discordamos do objetivo, não tem como seguirmos juntos. Acontece que nós já temos no PT um bom número de dirigentes, parlamentares, representantes que não acredita mais na transformação socialista. Que acham que com a globalização, com o poder do capital, a informática, a pós-indústria, enfim, um monte de besteira, não haveria mais lugar para o socialismo no mundo moderno. Então, não são mais nossos companheiros, porque nós continuamos socialistas.
É preciso fazer as lutas para dar poder ao povo para que tenha mais poder do que a classe capitalista BF – De que socialismo o senhor fala? Sampaio – Igualdade. Socialismo é isso. Como você consegue igualdade? Abolição da propriedade privada dos bens de produção e abolição da iniciativa livre do dono do capital. Sem igualdade, não dá para falar em liberdade nem em fraternidade. O ponto é a igualdade, a mudança do capitalismo. Mas dizem que não há condições de fazer isso agora. É verdade, mas não vamos fazer isso amanhã. É preciso fazer as lutas para dar poder ao povo para que tenha mais poder do que a classe capitalista. Só, assim, dessa forma, a gente pode ir fazendo as várias transformações. BF – Um dos argumentos mais usados para esses recuos ideológicos do PT foi o de que há,
no Brasil, uma correlação de forças desfavorável ao projeto popular... Sampaio – Olha, o conceito da correlação de forças já foi usado mais de duzentas vezes em debates comigo. Na hora do Plano Nacional de Reforma Agrária, diziam: “Nós estamos de acordo, queremos atender até dois milhões de famílias, mas não temos correlação de força”. Bom, correlação de força não é um conceito estático. Se eu fizer uma determinada ação, amanhã poderemos ter uma situação diferente. O que eu sinto é que a correlação de força é uma desculpa para o imobilismo, algo como “a vida como ela é”. Bem, isso é uma desgraça, um mundo cão. Todo a minha briga nos 90 dias do plano foi essa. É apenas um pretexto.
A esquerda não pode conceder nem reduzir. É preciso mudar a política econômica, substituir a equipe, essa tem de ser a reivindicação. A esquerda tem que cobrar a saída dos partidos de direita do governo BF – E por que o Plano Nacional de Reforma Agrária não foi posto em prática? Sampaio – O presidente me pediu para coordenar o plano. Reuni especialistas, professores, todos com 25 anos de pesquisa, docência, assessoria, fizemos uma seleção de funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) comprometidos, chamei todos os movimentos... Trabalhamos 90 dias e entregamos para o Lula um projeto de assentar 1 milhão de famílias em quatro anos, com tudo redondinho, os custos, como seriam usados os recursos. Mas e aí? Parou no Palocci. O plano custava R$ 6 bilhões por ano, dos quais R$ 3 bilhões seriam pagos em até 20 anos, pois se referiam ao pagamento da terra. Mas não foi possível vencer a barreira do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do superavit primário. Acho que isso foi a maior falha do governo Lula. Se ele tivesse agüentado a pressão dos mercados, mas fizesse a reforma agrária, ele teria mudado a cara do país, alterando o modelo agrícola, que precisa ser mudado. Minha posição no governo foi: eu procurei ajudar, mas estou convencido de que sem pressão de opinião pública não vai mudar. O governo fez as suas opções. BF – Tudo em nome da governabilidade... Sampaio – Governabilidade quem dá é o povo. Se tiver firme com o governo, há governabilidade. Ou Cuba não é governável? Se há uma economia que é uma desgraça, é a cubana. Não tem nada. Tem o mínimo, mas a sociedade é tranqüila, porque o povo está de acordo com as políticas. Quando chega 26 de julho, Fidel põe dois milhões nas ruas e explica direitinho o que está ocorrendo. Mas, aqui, a governabilidade é dada pelo Antonio Carlos Magalhães, José Sarney... Eles estão brincando. É claro que se você tem uma correlação de forças muito desfavorável, você coloca um objetivo menos ambicioso. Mas um objetivo que uma vez atingido
Douglas Mansur
Quem é Ex-deputado federal, advogado e militante de longa trajetória na luta pela reforma agrária no Brasil e na América Latina. Plinio Arruda Sampaio participou da elaboração de um dos primeiros projetos de democratização de acesso à terra em São Paulo: a Lei de Revisão Agrária do governador Carvalho Pinto (1959-62). Eleito deputado, em 1962, Plinio Sampaio foi nomeado relator do projeto de reforma agrária do governo João Goulart e deu parecer favorável à iniciativa. Depois do golpe militar, o advogado foi buscar exílio no Chile e lá colaborou com a realização do plano de reforma agrária do país. Foi convidado a prestar assessoria na mesma área para a Organização Mundial para a Alimentação e Agricultura (FAO-ONU). Nessa função, Sampaio esteve em praticamente todos os países da América Latina, conhecendo a situação camponesa no continente e implementando a reforma agrária. No início de 2003, foi chamado pelo presidente Lula para coordenar a realização do Plano Nacional de Reforma Agrária. Concluído em 90 dias, o plano previa o assentamento de 1 milhão de famílias, mas não foi colocado em prática por resistência da equipe econômica de Lula. Depois da crise e da avalanche de denúncias de corrupção no PT e no governo, Plinio Sampaio decidiu sair candidato à presidência do partido. permita que você avance. Mas se seu objetivo é dar mil réis, isso é um programa rebaixado. É clientelismo. BF – E em relação ao governo, o momento exige o quê? Sampaio – Os movimentos populares já deram ao governo todas as demonstrações de lealdade, a um preço altíssimo. Jogaram suas reputações ilibadas para apoiar o governo na esperança de um gesto. Não era nem mais uma política. Estão todos tensionados, as correntes internas do PT racharam todas. Não tem mais o que conversar. O diálogo agora tem de ser na rua. Tem pouca gente na rua? Vamos, então, com pouca gente para as ruas. Não tem correlação de forças. Mas o primeiro comício pelas diretas que fizemos, no Pacaembu, estava vazio. Depois, no final, todos candidatos entravam com Lula para não serem vaiados. Eram multidões. Se os movimentos populares tiverem de sair às ruas sem muita gente por um bom tempo, aí que é a hora da verdade. E é fundamental, agora, fazer uma agenda comum. Precisamos dar esse passo, de fazer uma reivindicação conjunta, como está fazendo a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). A estratégia do povo está muito clara, mas é preciso dar esse salto de qualidade agora: a unidade.
6
De 4 a 10 de agosto de 2005
NACIONAL TROCA DE CADEIRAS
Sem continuidade no Cidades
Hamilton Octavio de Souza
Com saída de Olívio Dutra, movimentos populares temem pelo futuro da política urbana
Efeito borrachudo O governo Lula continua fazendo propaganda ufanista sobre a melhoria das condições de vida do povo brasileiro. Pode até ser que alguns números (dados estatísticos) tenham melhorado, mas a situação geral não está lá essas coisas. A inadimplência, por exemplo, segundo a Serasa, aumentou 13,85% para pessoas físicas e 10,4% para as empresas, em relação ao mesmo período do ano passado. Dúvida existencial Reunidos em Ipatinga (MG), no final de julho, 3.219 militantes das Comunidades Eclesiais de Base deliberaram que o apoio ao governo Lula só continua se houver mudança na atual política econômica, e ao PT, só com o expurgo dos envolvidos nos esquemas de corrupção. Para a maioria, ainda falta uma opção político-partidária transformadora que possa aglutinar a militância dos movimentos populares e da esquerda social. Campanha derradeira Candidato à presidência nacional do PT, Plinio Arruda Sampaio defende publicamente a reformulação da estrutura partidária, a retomada do processo de nucleação e de participação dos núcleos nas decisões políticas, e a negociação de um estatuto das relações com o governo. Resta saber se a militância petista está disposta a fazer mudanças que acabem com o poder dos dirigentes do Campo Majoritário – já acostumados com a burocracia e com os esquemas proporcionados pela máquina partidária. Desequilíbrio legal A entidade Osfam América, que combate os subsídios dados pelo governo dos Estados Unidos aos grandes produtores, denunciou que apenas o algodão estadunidense colocado no mercado internacional a preços subsidiados, causou, em dois anos, um prejuízo de 400 milhões de dólares aos países da África Ocidental – Benin, Burkina Fasso, Chade e Mali. Isso, é claro, com o silêncio e a cumplicidade da Organização Mundial do Comércio. Entreguismo digital O novo ministro das Comunicações, Hélio Costa, que já foi funcionário da Rede Globo, tende a mudar a orientação do governo sobre a adoção do sistema digital de televisão: em vez de investir no padrão brasileiro, deve adotar um dos três padrões estrangeiros vendidos pelas empresas transnacionais. Mais um a serviço da dependência externa para pagamento de patentes e royalties. Crime premiado Todo trabalhador honesto que ganha acima de R$ 2.326 por mês, deve recolher aos cofres da Receita Federal 27,5% do total de sua remuneração. Mas quem recebeu dinheiro de fonte ilícita, sonegou o imposto e mandou tudo para uma conta não declarada num paraíso fiscal, se trouxer o dinheiro para o Brasil vai pagar apenas de 3% a 4% de imposto. É o que prevê um projeto de lei do deputado José Mentor, do PT-SP, em tramitação no Congresso Nacional. Muito justo, né? Besteirol tucano Do alto de sua arrogância, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, acabou esquecendo do diploma de sociólogo e dos livros que escreveu ao declarar, em alto e bom som, sobre as denúncias de corrupção e as investigações da CPMI, que “a crise é hoje – o que aconteceu no passado, no meu governo, é coisa da história”. FHC é sempre uma piada.
Igor Ojeda da Redação
A
o tomar posse, dia 22 de julho, o novo ministro das Cidades, Márcio Fortes, afirmou que manterá o diálogo com os movimentos sociais, e seguirá as ações e projetos do ex-ministro Olívio Dutra na pasta. No entanto, o discurso não convenceu os movimentos de moradia urbana. “Nossa avaliação é que esta troca simbolizou o fim do governo Lula. Para nós foi muito triste”, diz Raimundo Bonfim, integrante da direção nacional da Central dos Movimentos Populares (CMP). “Não se trata de defender a pessoa do Olívio Dutra, apesar de todo o passado histórico dele, mas o que este ministério representava simbolicamente para os movimentos populares urbanos”, completa. Segundo Bonfim, não se sabe ainda se Fortes, indicado ao cargo pelo presidente da Câmara Federal, Severino Cavalcanti (PP), dará continuidade aos programas da gestão anterior. O fato de o ministério ter caído nas mãos do PP é um fator de preocupação. “Historicamente, a visão do PP na área urbana foi a de beneficiar os empresários da construção civil”, explica. A arquiteta Ermínia Maricato, ex-secretária executiva do Ministério das Cidades, considera que ainda não se pode dizer o que a mudança no ministério representa, na prática, embora tenha sido “muito forte simbolicamente”. A seu ver, apesar de ser importante esperar os acontecimentos, o fato de a indicação ter vindo do presidente da Câmara mostra que não será uma gestão de esquerda.
Márcio Fortes assume o Ministério das Cidades; movimentos sociais criticaram mudança
programa. E quem ganha ministério quer cargos”, afirma. Tanto para Ermínia quanto para Bonfim, a 2ª Conferência Nacional das Cidades – que se realizará de 23 a 26 de novembro, e onde diversos setores ligados à questão urbana vão discutir as diretrizes a serem seguidas pelo Ministério das Cidades – servirá como garantia de uma certa continuidade das políticas no ministério. “Acreditamos que este ano será muito difícil abortar este processo. E na própria conferência iremos avaliar qual vai ser o comportamento da nova equipe”, observa o dirigente da CMP.
da sociedade civil na discussão das políticas públicas de habitação, através da Conferência das Cidades e do Conselho Nacional das Cidades, e a aplicação de recursos prioritariamente para a população de baixa renda. “Apesar das restrições orçamentárias, o ministério, juntamente com os movimentos, estava construindo um sistema nacional de habitação de interesse social para o Brasil”, destaca Bonfim. Segundo o Ministério das Cidades, em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, 58,2% dos recursos de habitação foram direcionados a famílias com renda de até 5 salários mínimos. Em 2004, esse percentual saltou para 78,1%.
AVANÇOS O protesto dos movimentos sociais ligados à questão urbana com a saída de Olívio Dutra tem seus motivos. Embora alertassem para a falta de verbas e lentidão da implementação dos projetos, destacavam os avanços conquistados nos dois anos e meio de gestão. Entre eles, a participação ampla
CARGOS “O ministro está dizendo que quer manter. Vamos ver quais serão os próximos passos. Para dar continuidade, um dos problemas que vejo é que se deve ter nos cargos técnicos pessoas que conheçam, que estejam comprometidas com o
PARTICIPAÇÃO “O Brasil não tinha política urbana desde o regime militar. Elaboramos uma política nacional de saneamento e de habitação. E lançamos uma campanha de planos diretores participativos e um programa de regularização fundiária”, lembra Ermínia.
Na área de habitação, segundo ela, o ministério batalhou pela ampliação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “Não resta dúvida que, no futuro, vamos ter a história da política urbana no país antes e depois dessas medidas que tomamos”, conclui a arquiteta. Nos dias 15 e 16, a Confederação Nacional de Associações de Moradores, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia, a União Nacional por Moradia Popular e a Central dos Movimentos Populares realizarão, em Brasília, a Marcha Nacional da Reforma Urbana e pelo Direito à Cidade. Entre as principais reivindicações dos movimentos incluem-se o reconhecimento pelo governo da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, a regulamentação da lei que criou o Fundo e o Conselho Nacional de Habitação de Interesse Social, e a construção de 50 mil casas populares ainda em 2005 e 100 mil por ano a partir de 2006. Além de mais recursos no Orçamento Geral da União.
As polêmicas do ministro das Comunicações Bel Mercês da Redação Diante da crise política precipitada pelas denúncias do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), em mais uma tentativa de ampliar sua base de sustentação, o presidente Lula também trocou o titular do Ministério das Comunicações (Minicom). Saiu Eunício Oliveira (PMDB-CE), entrou o jornalista Hélio Costa (PMDB-MG), durante muitos anos funcionário da Globo e empresário do setor de radiodifusão. Num primeiro momento, esperava-se que nada mudaria, porém as primeiras declarações do novo ministro mudaram as expectativas. No tocante ao Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), que vem sendo desenvolvido através de convênio do governo com pesquisadores de universidades e centros de pesquisa, o discurso de Costa foi considerado, no mínimo, confuso. “Os padrões de TV digital já estão estabelecidos e são o americano, o europeu e o japonês. Não vamos reinventar a roda. Vamos aproveitar a tecnologia já existente. Nós temos que desenvolver um sistema que se enquadre no contexto do país e proporcione a inclusão digital,” declarou Costa. Segundo André Barbosa, assessor especial da Casa Civil e membro do grupo de trabalho para a TV Digital, o que existem são três sistemas internacionais. Convém recordar que Costa vem falando sobre as vantagens e desvantagens dos três padrões (na
Agência Brasil
Pizzaria nacional Ao longo da história brasileira, toda vez que tiveram seus privilégios ameaçados, ou perceberam alguma situação de risco ao seu esquema de dominação, as elites tradicionais trataram de negociar soluções para preservar o status quo. Apesar de tudo o que está acontecendo com o governo Lula, o PT e as esquerdas, as CPIs geram mais insegurança nessas elites do que em qualquer outro setor da sociedade. Certamente vão tentar que o escândalo termine em pizza. Mais uma vez.
Antonio Cruz/ABR
Fatos em foco
O ministro Hélio Costa, acusado de favorecer interesses de grupos de comunicação
verdade sistemas) internacionais. Cabe, então, a pergunta: o país terá autonomia para desenvolver um projeto nacional ou vai adotar um dos sistemas existentes? Barbosa considera que Costa deve ter confundido termos específicos. “Ele pode cometer enganos, é do setor de radiodifusão, não é engenheiro”, observa. Ainda segundo Barbosa, o ministro visitou o centro de pesquisas da Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo, e entendeu o que o desenvolvimento de um sistema brasileiro significa para diversas áreas, como a engenharia e a indústria nacionais, além do elemento geração de empregos. Quanto ao contingenciamento dos R$ 14 milhões que seriam usados para finalização das pesquisas, o assessor argumenta que a imprensa errou ao divulgar o fato,
pois quem contingencia verbas é o Ministério da Fazenda, não o das Comunicações. Aquele valor corresponde ao de uma série de projetos desenvolvidos pela Fundação CPqD, uma das instituições envolvidas no projeto do SBTVD. Segundo o jornalista Gustavo Gindre, integrante do Conselho Consultivo para o SBTVD, não houve qualquer reunião desde a posse de Costa, e as entidades que integram o Conselho redigiram uma carta pedindo um encontro com o ministro, em função de suas declarações.
LEI GERAL Hélio Costa também causou polêmica ao manifestar interesse em retirar da Casa Civil e levar para seu ministério a elaboração da Lei Geral de Comunicação de Massa. O grupo de trabalho interministe-
rial montado na Casa Civil ainda no tempo de José Dirceu, cujo coordenador será também André Barbosa, aguarda sinal verde de Dilma Rousseff para iniciar seu trabalho. A Lei Geral foi estrategicamente colocada na Casa Civil, para evitar lobbies e pressões de diferentes setores. Porque, sabe-se, a discussão desta lei pode causar embate entre as operadoras de telecomunicações, que já distribuem conteúdos, e os radiodifusores, que os produzem. Quando Costa manifesta seu interesse, dá margem a dúvidas acerca de seu envolvimento com os radiodifusores, especialmente com a Rede Globo. O Intervozes, entidade da sociedade civil que trabalha pelo direito à comunicação, lançou uma carta aberta à sociedade, rebatendo as declarações do ministro. “Rechaçamos a idéia de reduzir o escopo deste debate, privilegiando-se apenas determinados setores, e nos preocupamos com a idéia de ter um projeto dessa importância nas mãos de um ministro comprometido com interesses exclusivamente comerciais.” Ao questionar a política do governo federal para o uso de software livre, o ministro também polemizou. Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), informou que foi solicitada uma reunião com o novo ministro para esclarecer quanto o estímulo e o investimento no uso de plataformas abertas é bom para o país. “É mais barato, mais seguro, incentiva a indústria nacional e a inclusão digital”, afirmou Amadeu.
7
De 4 a 10 de agosto de 2005
NACIONAL POLÍTICA DE ARROCHO
Um pacto suspeito para manter o arrocho Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
Agência Brasil
Agora, barões da indústria, banqueiros, economistas e políticos costuram acordo para manter política econômica
Na China, controle rígido da especulação financeira
O
PIOR COM ELA... O acordo que está sendo costurado parte do pressuposto, enganoso, segundo o qual, diante da crise política, nada deve mudar na política econômica vigente, para não criar novas incertezas. Falando à imprensa, na semana passada, Cláudio Vaz, presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), não deixou sombra de dúvida ao afirmar que “a equipe econômica foi monolítica nos últimos meses, em um sentido equivocado. Agora, porém, deve manter a tranqüilidade. Qualquer mudança brusca na política monetária seria pior”. Traduzindo: melhor deixar como está, com juros estratosféricos, para não piorar a situação do Brasil... Teme-se, por exemplo, que uma mudança na política econômica, a esta altura, sirva como gatilho para uma corrida contra o real, com fuga de dólares e investidores; desvalorização da moeda, com conseqüente encarecimento de produtos importados; e mais inflação (o que exigiria, na visão mais ortodoxa, novas altas dos juros, aprofundando a retração na economia). A verdade é que a fuga de capitais pode ocorrer a qualquer momento, especialmente durante a vigência da atual política econômica (que não prevê mecanismos de defesa contra movimentos especulativos internacionais).
OUTRAS OPÇÕES
fora do país tem maior probabilidade de ocorrer se nada mudar na política econômica. Na mesma semana em que a articulação paulistana começou a se mover, com ecos no Congresso, a imprensa empresarial divulgou (ou melhor, tratou de esconder) duas experiências que caminham na direção inversa ao receituário ultraconservador imposto ao país pela equipe econômica do governo Lula. Os dois casos mostram, primeiro, que outras saídas são possíveis e, segundo, que essas alternativas de política econômica podem, sim, ser bem-sucedidas. Há coisa de duas semanas, a agência Standard & Poor’s, uma consultoria especializada em avaliar e classificar o risco de investir em diferentes países, considerou a China um local seguro para investimentos, aumentando sua classificação.
SEM ESTOUROS Houve, de fato, alguma desaceleração, mas longe do que o governo chinês esperava. No segundo trimestre deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) da China, indicador que mede as riquezas criadas na economia, registrou um avanço de 9,5% em 12 meses, com salto de 25,4% nos investimentos no primeiro semestre do ano. Isso mostra que os investimen-
ANALISTAS, BAH!
Argentina combate cartéis e pune exportadores
Qual a relevância dessa providência, visto que os chineses já têm 711 bilhões de dólares em reservas (praticamente toda a riqueza que o Brasil consegue gerar em um ano) e o seu país continua atraindo investidores de todo o mundo? Quem tem memória, deve se lembrar que, no ano passado, choveram análises, alertas, advertências contra o ritmo alucinante de crescimento da economia chinesa, o que colocaria o país à beira de uma explosão, por falta de capacidade para atender à demanda doméstica. O governo chinês, de fato, adotou algumas medidas para esfriar o ritmo de crescimento, criando limites para empréstimos e investimentos em determinados setores da economia (construção civil e a produção de alguns produtos duráveis, como geladeiras e automóveis, por exemplo). Num arroubo, o Banco Popular da China, que atua como uma espécie de Banco Central, elevou a taxa de juros em 0,27 ponto percentual,
O outro exemplo de como se pode fazer política econômica fora dos manuais e planilhas vem da Argentina, novamente. Depois de meses de crescimento acelerado, a vizinha economia argentina vive um momento de elevação de preços, com a inflação subindo para quase 1% ao mês, em média, e acumulando uma variação de 6,1% nos primeiros seis meses de 2005. O governo teme que, nesse ritmo, os preços aumentem acima da meta estabelecida para 2005, com teto máximo de 10,5%. Se fosse no Brasil, a receita estaria mais do que pronta: uma elevação cavalar dos juros, capaz de conter a alta de preços no nascedouro, e de matar qualquer chance de crescimento econômico. Não haveria inflação, mas, de outro lado, haveria queda da produção, quebra de empresas, desemprego. A Argentina quer evitar esse caminho e, deliberadamente, lembra o ministro da Economia, Roberto Lavagna, recorre a outros instrumentos de política econômica, adotados até pelos países e pelas regiões mais ricas do globo, como Estados Unidos e União Européia, assim como pelo governo do Chile – considerado como modelo pelos mais conservadores em matéria econômica.
PUNIÇÕES
Ao contrário do Brasil, na China a política econômica gera mais empregos
tos em rodovias, pontes, ferrovias, novas fábricas, máquinas e equipamentos em geral continuam crescendo em ritmo mais acentuado do que o restante da economia, assegurando o avanço futuro da atividade econômica, com maior produção para atender à demanda crescente e mais empregos para os chineses. A despeito de todo o crescimento, a tão alardeada explosão não aconteceu. A taxa de inflação recuou no primeiro semestre, saindo de uma variação de 3,6% na primeira metade de 2004 para 2,3% neste ano. No Brasil, a inflação desabou e alguns indicadores (como o Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas) entram no terceiro mês consecutivo de taxas negativas. Os juros? Bem, os juros continuam em 19,75% ao ano, preservando a posição brasileira de líder mundial dos juros altos.
em outubro do ano passado, com o mesmo objetivo. Detalhe: foi o primeiro aumento dos juros em nove anos. No Brasil, os juros sobem há décadas, ininterruptamente. A meta era que a economia chinesa passasse a crescer a uma taxa de 8% ao ano. Mais uma vez, a comparação com o Brasil é desfavorável porque o país deve crescer – se crescer – algo como 3% em 2005.
Arquivo Brasil de Fato
Mais claramente, confirmada a pior das hipóteses examinada pelo movimento agora em cena, tipicamente paulista, a corrida de investidores/especuladores para
Presidente Lula e o ministro da Fazenda Palocci negam mudanças nos rumos da economia, apesar da crise política
A Standard & Poor’s decidiu dar uma boa nota para a economia chinesa mesmo que seu governo continue atropelando mitos alimentados mundialmente pelos Estados Unidos, Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e economistas a seu serviço. Ao contrário do Brasil, que abriu mão de qualquer política de intervenção no mercado do dólar, a China mantém e reafirmou, na semana passada, que não pretende alterar os mecanismos de controle de capitais externos que adota há anos. A despeito da fortíssima pressão internacional por mudanças nesta área. Num rigoroso sistema de controle de capitais que regula investimentos especulativos em ações, títulos financeiros e outras aplicações, os grandes bancos transnacionais têm autorização para investir no país nada mais, nada menos, do que 4 bilhões de dólares – uma gota d’água diante do tamanho da economia chinesa, que movimenta, anualmente, perto de 1,7 trilhão de dólares. Como resultado de medidas providenciais como o controle da entrada de dinheiro estrangeiro para especulação, a economia da China atravessou, ilesa, o choque que derrubou Tailândia, Malásia, Coréia do Sul e outros países asiáticos na crise de 1997/1998. (LVF)
Depois de seis anos de investigações, o governo argentino decidiu impor uma multa de 309,2 milhões de pesos (cerca de 107,4 milhões de dólares, ou mais de R$ 260 milhões) contra cinco fabricantes de cimento por formação de cartel e manipulação de preços.
Arquivo Brasil de Fato
que parecia inacreditável há algumas semanas, ameaça se transformar em realidade, convalidando um novo golpe contra a economia, trabalhadores e assalariados. Articulado a partir de São Paulo, sede do grande empresariado, o movimento tenta envolver barões da indústria, banqueiros, economistas e políticos conservadores numa articulação que pretende, no fundo, preservar a política de arrocho e até mesmo ampliar o corte aos gastos públicos, liquidando com as chances de recuperação da atividade econômica. Para convencer a opinião pública e aqueles que se opõem à política econômica em vigor, a articulação reveste-se de tons cívicos. A idéia vendida à sociedade, no caso, contempla a preservação da “governabilidade”, numa união destinada a evitar o caos político e administrativo em meio à torrente de denúncias de corrupção, fraude eleitoral, desvios de recursos e manipulação de concorrências públicas. Na superfície, uma iniciativa louvável, mas que tende a se transformar numa conspiração contrária aos interesses do país, neste momento, a depender dos rumos que venha a tomar.
Empresas de distribuição de gás foram multadas por formação de cartel
As empresas decidiam entre si quem ficaria com qual fatia do mercado, estabeleciam preços e volumes de vendas, penalizando o consumidor. Uma semana antes, empresas de distribuição de oxigênio líquido foram multadas pelo mesmo motivo – formação de cartel e arranjos desfavoráveis ao consumidor. O combate aos cartéis, conforme Lavagna, será uma das armas escolhidas para evitar que os preços continuem a disparar. Essas medidas, declarou, são uma das formas de o governo promover o que chama de “capitalismo social”, com uso de “mecanismos legítimos” para defender a livre concorrência entre as empresas e conter abusos.
DIÁLOGOS Na mesma linha, o Ministério da Economia já havia anunciado sua decisão de elevar de 5% para 15% o imposto sobre as exportações de
leite e derivados, para desestimular as vendas externas, ampliar a oferta doméstica e reverter a alta dos preços (que chegaram a subir 10% a 20% antes da adoção da medida). Em outra frente, o governo abriu o diálogo com produtores de frango e negociou o compromisso segundo o qual o setor abrirá mão de novos aumentos de preços, temporariamente. “O Estado não fará um controle policial dos preços, mas usará todos os instrumentos à sua disposição para proteger os consumidores”, afirmou Lavagna, em entrevista à imprensa local. São caminhos que impõem custos menores à população, mas que o governo brasileiro, com ou sem crise política, jamais tentou seguir. Os exemplos da China e da Argentina servem ao menos para mostrar que há alternativas à política econômica escolhida por Brasília. Basta mudar. (LVF)
8
De 4 a 10 de agosto de 2005
NACIONAL REFORMA AGRÁRIA
Ruralistas defendem terra do tráfico Daniel Cassol de Porto Alegre (RS)
Daniel Cassol
Fazendeiros tentam barrar vistoria do Incra em propriedade usada para lavagem de dinheiro, segundo a polícia
A
ARGUMENTO FRÁGIL No entanto, esse contexto não impediu que a entidade de classe dos fazendeiros encaminhasse um fax ao Incra pedindo que a vistoria programada para a próxima semana fosse cancelada. A Farsul se baseia na MP que impede a realização de vistorias em terras ocupadas pelo período de dois anos. O assessor jurídico da entidade, Nestor Hein, também esteve no Tribunal de Justiça para “prestar esclarecimentos” de que a ordem de reintegração de posse não foi suspensa com a transferência do caso para a Justiça Federal. Ele fez o mesmo comunicado ao Comando da Polícia Militar e à Secretaria de Justiça e Segurança. “A Farsul é contra a reforma agrá-
Trabalhadores rurais ocupam e trabalham na fazenda antes utilizada para tráfico de drogas; carta enviada pela Farsul ao Incra pede liberação da área
ria. Em qualquer tentativa do Incra, obviamente ela vai ser contrária”, diz o superintendente regional do Incra, Ângelo Menegat. Ele afirma que, em outros Estados, existem casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em que acontecem vistorias em terras ocupadas por trabalhadores sem-terra. Para Menegat, o argumento de que uma ocupação interfere na aferição da produtividade de uma fazenda não se aplica ao caso da Cabanha Dragão, já que o MST ocupa uma área de apenas um hectare. “Estamos cientes da medida provisória que veta a vistoria, mas sabemos que existem matérias julgadas positivamente pelo STF”, afirma Menegat. “A Farsul quer que o Poder Judiciário se manifeste. Nem o MST tem o direito de invadir, nem o Incra tem o direito de tomar as rédeas de um processo que está com o Poder Judiciário”, justifica Nestor Hein. Para os trabalhadores acampados, a atitude dos fazendeiros é puramente ideológica. “Desde o momento da ocupação, a Farsul não se posicionou. Agora, quando o Incra anuncia que fará a vistoria na área que é improdutiva, tentam impedir”, afirma
IMPUNIDADE
Violência contra índios lembra ditadura Cristiano Navarro de Luziânia (GO) Em meio a um momento turbulento marcado por agressões cometidas pelos poderes do Estado e por grupos econômicos de interesses antiindígenas, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foi à sua base buscar inspiração para sua 16ª Assembléia. Missionários, lideranças indígenas, entidades ligadas aos movimentos sociais e apoiadores brasileiros e de outros nove países debateram a conjuntura política e econômica, entre os dias 25 e 29 de julho, em Luziânia (GO). Os participantes também projetaram os próximos passos da principal entidade de apoio ao movimento indígena no país. As avaliações política e econômica apontaram para uma frágil política indigenista governamental. O resultado disso é um período de “violência contra os povos indígenas que cresce de forma generalizada em todo o país, num nível somente comparável ao período da ditadura militar”, acusa o Cimi em mensagem de sua Assembléia.
A impunidade dos invasores das terras indígenas, em sua maioria latifundiários ligados ao agronegócio, é responsável por muitas dessas agressões e assassinatos. “O fato absurdo é que as vítimas da violência são criminalizadas e perseguidas, inclusive pelo aparato policial. Nestes primeiros seis meses, já foram assassinados 23 indígenas”, afirma o documento. Os direitos constitucionais também vivem um momento de grave vulnerabilidade, pois segundo lideranças estão sendo tratados como moeda política de troca do governo nas negociações com o Congresso. Como resposta à conjuntura, Gersem Baniwa, coordenador do Fórum em Defesa dos Direitos Indígena (FDDI), aposta na base do movimento. “É preciso fazer a luta acontecer lá nas aldeias, na base. Pois nas capitais, como Brasília e Manaus, já vem acontecendo”, afirma o coordenador, referindo-se às mobilizações do movimento indígena neste ano, quando a capital federal recebeu 700 lideranças indígenas no acampamento “Terra Livre” e na ocupação da Fundação Nacional do Índio (Funai) na capital amazonense.
Sem-terra é morto em Brasília
Gabriela Souza, da coordenação do acampamento. “Para a Farsul, a terra só serve para especulação”, diz Gabriela, lembrando que a entidade, ao mesmo tempo em que quer barrar a vistoria, é também contra a atualização dos índices de produtividade. O Incra irá realizar a vistoria na próxima semana, afirma Menegat. O órgão encaminhou notificação para um endereço, de São Paulo, de Enrique Manzi, em cujo nome a fazenda está no momento. Segundo Menegat, o endereço não existia. O Incra também tentou notificar o fiel depositário da fazenda, advogado Newton Giulani, que não foi localizado. Por isso, no dia 2 de agosto, a notificação foi feita por edital publicado em jornais do Rio Grande do Sul.
da Redação O trabalhador rural sem-terra Antônio Nascimento da Silva, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Distrito Federal e Entorno, foi assassinado com quatro tiros à queima-roupa na noite do dia 31 de julho. No dia 2, cerca de 250 trabalhadores e trabalhadoras rurais percorreram em marcha cerca de 4 km da casa da família de Antônio, na cidade de Luiziânia, até o local onde o corpo foi enterrado. A polícia ainda está investigando o crime que ocorreu no assentamento
Líder, próximo a Brasília. Segundo dirigentes do MST, Antônio vinha sendo ameaçado de morte porque era contra a máfia da venda e compra de lotes no assentamento. Teria, inclusive, denunciado essa prática ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Tóinzinho, como era chamado, foi um dos fundadores do MST no DF e Entorno e ajudou na integração e criação do movimento na região. Só nos últimos dez anos, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 404 assassinatos de trabalhadores e militantes sociais; sendo que 39 destes morreram em 2004.
Acampamento no Paraná colhe frutos da resistência Solange Engelmann de Curitiba (PR) Resistir, mas também comemorar. No último dia 31 de julho, 950 famílias sem-terras do acampamento 1° de Agosto caíram na festa para celebrar a 2ª Festa da Colheita, no Complexo Cajatí, em Cascavel, região oeste do Paraná. A festa foi organizada para comemorar a transformação da realidade dos acampados: agora as famílias podem produzir alimentos para subsistência. “Estamos festejando a colheita e a resistência de um ano de ocupação”, afirma a sem-terra Célia Cloth. Nesse período, foram produzidas 22.237 sacas de milho, 180 de amendoim, 12.700 de feijão, 250 mil de arroz, 19.132 quilos de abóbora, 49.040 quilos de mandioca, 1.800 quilo de pepino, 800 quilos de batata-doce, 510 quilos de melão, 500 quilos de melancia, 80 sacas de pipoca, entre outros produtos para o consumo próprio. Segundo Celso Barbosa, da direção estadual do MST, quando as famílias chegaram na área, a maioria não acreditava que conseguiriam ficar no local, plantar e colher. “O latifúndio da região oeste é o mais agressivo do Estado”, explicou. A Festa da Colheita ocorreu durante todo o dia, com ato ecumênico, mística, churrasco, apresentações artísticas e diversas atividades esportivas, como torneio de futebol, truco. A partir das 19 horas, os semterra fizeram um baile. Outra conquista celebrada pelos sem-terra é a Escola Itinerante
Almir Rodrigo de Lima
Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), entidade representativa dos fazendeiros gaúchos, lançou uma ofensiva para impedir o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de vistoriar uma fazenda com indícios de ligação com o tráfico internacional de drogas. Nessa ação polêmica, os ruralistas dizem se apoiar na lei, afirmam que a Medida Provisória 2.183-56, editada por Fernando Henrique Cardoso em 2001 e mantida pelo presidente Lula, veta a vistoria em terras ocupadas. Mas o Incra discorda e pretende realizar a vistoria. A Agropecuária e Cabanha Dragão, localizada em Eldorado do Sul, região metropolitana de Porto Alegre, está seqüestrada pela Justiça desde 2004. Um inquérito policial aponta que a fazenda seria utilizada para lavagem de dinheiro de uma organização criminosa liderada por um jordaniano, preso também no ano passado, que no Brasil utilizava o nome de Rogério Cury Mattar. Quando cerca de 350 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a fazenda, no dia 27 de junho, encontraram apenas éguas de alto valor em uma área de 760 hectares. Mesmo com a decisão da Justiça de Guaíba de realizar a reintegração de posse, a Polícia Militar gaúcha protelou o despejo até que o processo fosse encaminhado à Justiça Federal – o que ocorreu exatamente um mês após a ocupação.
Em Cascavel (PR), Festa da Colheita comemora produção de alimentos
Zumbi dos Palmares, de educação infantil e ensino médio, que funciona dentro do acampamento e tem uma educação voltada para a realidade do campo. Somando ao todo são cerca de 740 educandos e 50 educadores. “Nessa escola, a educação é voltada para a terra. Aqui o que predomina é a visão crítica da realidade, porque queremos formar cidadãos críticos, que possam se indignar com as injustiças”, diz Tatiane Pereira da Silva, educadora da Zumbi. A área também tem uma farmácia que atende às famílias com medicamentos naturais, produzidos numa horta medicinal. A farmácia funciona durante o dia todo. Os casos mais simples são tratados no acampamento, com ervas medicinais, e os mais graves, encaminhados para o hospital. A cada 15 dias, os sem-terra recebem a visita de um clínico geral e uma vez por mês
de um médico naturalista. Todos passam antes pela farmácia para, depois, serem encaminhados ao hospital. Isso diminuiu bastante a procura pelos postos de saúde. Na região oeste do Estado, onde fica a área ocupada, também existem os acampamentos Casa Nova, Sirlene Cezar e Dorcelina Folador. O local tem cerca de 1.300 famílias acampadas, numa extensão de 5.000 hectares. José Camilo, superintendente regional do Incra de Cascavel, conta que há 14 áreas ofertadas para a reforma agrária, somando 9 mil alqueires. Deste total, quatro fazendas estão vistoriadas, em fase final de negociação, sendo que uma é um pedaço do 1° de Agosto. “Isso ajuda a amenizar um pouco o sofrimento dos sem-terra, mas precisamos buscar mais áreas para resolver o problema e fazer com que os acampamentos existentes sejam resolvidos”, conclui.
Ano 3 • número 127 • De 4 a 10 de agosto de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO LIVRE-COMÉRCIO
Um vale-tudo no Congresso dos EUA João Alexandre Peschanski da Redação
Yuri Cortez
Em votação cheia de falcatruas, deputados estadunidenses aprovam criação do bloco comercial com América Central
O
FALCATRUAS O Cafta-DR foi votado duas vezes pelos deputados estadunidenses. O primeiro round ocorreu no final da noite de 27 de julho e durou 15 minutos. O resultado foi a rejeição do acordo, 180 votos contra e 175
Estudantes salvadorenhos protestam pela ruas de San Salvador contra o acordo de livre-comércio firmado com os Estados Unidos
a favor. Durante mais de uma hora, parlamentares do Partido Republicano, de Bush, emperraram a formalização do resultado e forçaram uma segunda votação, que começou após a meia-noite, quando já havia estourado o teto permitido. O resultado foi a aprovação do Cafta-DR. “Enquanto mantiveram aberta a sessão, os republicanos negociaram e ameaçaram deputados para que votassem a favor do acordo. O tratado não foi votado por eventuais benefícios comerciais, mas por manobras fraudulentas da base de Bush”, afirma Anuradha Mittal, coordenadora do Instituto Oakland, entidade que realiza estudos e análises sobre a atuação de políticos estadunidenses nas áreas econômica e social. Em entrevista ao Brasil de Fato, ela relata pressões feitas sobre deputados de Estados com economia preponderantemente rural. “A oposição desses parlamentares ao Cafta-DR foi esmagada, quando representantes do governo ameaçaram puni-los no
Desgastado, Bush vai recuar nas negociações da Alca A combinação de ataques à democracia e assaltos de corporações a direitos dos trabalhadores, que marcaram a votação do Acordo de Livre Comércio com a América Central e a República Dominicana (Cafta-DR), em 28 de julho, desgasta a imagem do presidente George W. Bush e põe em xeque sua estratégia de intensificar negociações com governos latino-americanos para criar acordos comerciais bilaterais e multilaterais. A avaliação é de Anuradha Mittal, do Instituto Oakland, para quem o modo como foi aprovado o Cafta-DR deve criar um entrave à ratificação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), tratado negociado desde 1998 para criar um bloco comercial entre todos os países do continente, menos Cuba. Diante do enfraquecimento dos pregadores do livre-comércio, Anuradha acredita que seja o momento de os movimentos sociais contra-atacarem. Em entrevista ao Brasil de Fato, o ativista salvadorenho Raúl Moreno, da Escola de Economia da Universidade de El Salvador, afirma que a estratégia das organizações centro-americanas se dá em duas frentes: pri-
meiro, barrar o Cafta-DR e outros acordos e, segundo, construir alternativas, que “sejam de baixo para cima”.
INCONSTITUCIONAL Moreno cita uma iniciativa do Bloqueio Popular Centro-Americano que apresentou recursos nas Supremas Cortes dos países que negociam o Cafta-DR e na Corte Centro-Americana de Justiça, alegando que o acordo é inconstitucional. Dentre os argumentos destacados, está o fato de as negociações não terem levado em consideração consultas populares, e não haver transparência e clareza sobre o que está sendo negociado. Na Costa Rica, Nicarágua e República Dominicana, onde o acordo não foi ainda ratificado, o ativista afirma que vão ser intensificadas mobilizações e campanhas de informação à sociedade sobre o Cafta-DR. Movimentos sociais de outros países latino-americanos se solidarizam com a luta dos centroamericanos. É o caso de Batay Ouvriye, organização haitiana, que, em junho, realizou uma campanha de resistência ao Cafta-DR. (JAP, com a colaboração de Jorge Pereira Filho, da Redação)
multâneas nos países cujos governos negociam o acordo, o presidente dos EUA organizou um tour dos chefes de Estado centro-americanos, que foram a Washington discursar para senadores e deputados dos EUA. No período, foi criticado por aceitar que corporações como Citigroup,
momento da definição do plano de investimentos federais para a agricultura”, diz Anuradha, que participou da campanha de envio de estudos sobre os impactos do acordo a deputados e acompanhou a votação.
MÃO DE BUSH No dia 27, o presidente estadunidense se reuniu com deputados republicanos para montar a estratégia da bancada na votação do Cafta-DR, e impedir eventuais defecções de parlamentares. Segundo Anuradha, encontros desse tipo são raros e desgastam a imagem do presidente, pois, para a opinião pública, parece ser uma intervenção exagerada do Executivo sobre o Legislativo. “Com a mobilização de grupos de defesa de direitos trabalhistas, humanos e ambientais, na linha de frente da resistência ao Cafta-DR, Bush enfrentou a maior batalha de seu governo. Ele sai desse processo bastante desgastado”, analisa Anuradha. Em maio, após manifestações si-
FedEx, First Data Corporation e Price Smart financiassem as viagens. Para movimentos sociais, foi um atestado de promiscuidade de sua política comercial, construída para beneficiar as grandes empresas, em detrimento dos trabalhadores centroamericanos e estadunidenses.
Povo versus corporações As negociações do Acordo de Livre Comércio com a América Central e a República Dominicana (Cafta-DR) opuseram, nos Estados Unidos, corporações e movimentos populares. Segundo Anuradha Mittal, do Instituto Oakland, as grandes empresas se beneficiam com o acordo, que permite a flexibilização de direitos trabalhistas. Apoiaram o acordo empresários da indústria têxtil, que montaram grupos de pressão no Congresso para garantir a aprovação do tratado. No campo popular, mobilizaram-se sindicatos, organizações de direitos humanos, movimentos feministas, igrejas. Denunciaram a pauperização e desaceleração econômica que tratados de livre-comércio geram, tendo em vista o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que une Canadá, Estados Unidos e México. Apesar da aprovação do CaftaDR no Congresso, em 28 de julho, os movimentos sociais estadunidenses pretendem manter campanhas de repúdio ao acordo. (JAP)
Mobilização e vigília contra a OMC Sergio Ferrari de Genebra (Suíça)
Arquivo Brasil de Fato
Congresso dos Estados Unidos aprovou, dia 28 de julho, o Acordo de Livre Comércio com a América Central e a República Dominicana, conhecido como Cafta-DR. Em declaração oficial, no dia seguinte, David Sampson, secretário do Comércio estadunidense, festejou o resultado. A votação, denunciam entidades do país, foi marcada por falcatruas e enfraquece a estratégia de multiplicar tratados de livre-comércio nas Américas do presidente George W. Bush, que se envolveu diretamente nas pressões sobre os deputados. Votaram a favor do acordo 217 parlamentares, e 215 se posicionaram contra. O Cafta-DR formaliza a criação de um bloco comercial entre El Salvador, Estados Unidos, Guatemala, Honduras, Nicarágua, República Dominicana e Costa Rica. Por enquanto, o tratado foi aprovado apenas nos quatro primeiros países. Ainda não foi votado na Nicarágua e na República Dominicana. Na Costa Rica, foi rejeitado em dezembro de 2004, mas pode ser levado a nova votação. Para integrantes da Coalizão Pare o Cafta-DR, que reúne centenas de movimentos sociais e entidades dos Estados Unidos e América Central, a principal votação era a do Congresso estadunidense. Desde o início de junho, parlamentares vinham recebendo estudos sobre os impactos do Cafta-DR, enviados pela Coalizão. Diante da mobilização, a base aliada reagiu e, como disse Rob Portman, assessor de Bush para assuntos comerciais, em entrevista ao jornal The New York Times, “a votação ficou muito maior do que o Cafta-DR, pois se tornou uma questão de política interna. Era muito importante para nossa posição de líder global do comércio, então fomos obrigados a contra-atacar, e contra-atacar significa ser muito agressivo”.
Os organizadores tentaram minimizar a importância da reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) que se realizou na semana passada em Genebra (Suiça), afirmando que era “apenas preparatória” da Cúpula de Ministros, programada para dezembro, em Hong Kong. Mas, nem por isso, os adversários da Organização baixaram a guarda. Isto porque eles não esquecem que, há um ano, na mesma Genebra, em encontro semelhante, os representantes das maiores potências comerciais relançaram, de surpresa, Movimentos e organizações sociais denunciam política de comércio internacional o Ciclo de Doha, adiado depois do retumbante fracasso da Cúpula Mi- para os países em via de desenvol- Conselho Ministerial, um Conselho nisterial de Cancún (México). vimento. Suas reivindicações só Geral dos Povos, que também se Um duro golpe contra a maioria foram mencionadas de forma muito reuniu em Genebra, e propôs se dos países do Sul e o conjunto do vaga. Exatamente ao contrário das transformar em um observatório movimento antiglobalização. Um exigências dos Estados Unidos e para vigiar as negociações, e em um processo quase “clandestino”, sem da Europa”, advertiu o pesquisador espaço aberto de debates sobre elas. qualquer participação da sociedade filipino Joseph Purugganam em Uma idéia criativa, o Conselho civil, como assinala Alessandro entrevista ao Le Courrier, jornal Geral dos Povos, sediado no ConPelissari, secretário geral da Attac independente suíço. selho Mundial das Igrejas quer (Associação para Taxação das TranNa avaliação de diversas organi- denunciar que negociações que têm sações Financeiras em Apoio ao zações camponesas, a questão agrí- repercussão estratégica para miCidadão) suiça. cola esteve no centro dos debates na lhões de pessoas em todo o planeta Entretanto, o Conselho de Minis- OMC. Por isso, lideraram os protes- se realizam quase em segredo, e tros definiu como objetivo principal tos em Genebra. E uma coalizão de sem participação alguma da sociedo encontro de 72 horas (27 a 29 de mais de 70 redes e organizações de dade civil internacional. Uma espéjulho) estabelecer as modalidades todos os tipos também fizeram ma- cie de impunidade no exercício do e os critérios do acordo imposto à nifestações na porta da entidade. poder planetário, algo inaceitável força há 12 meses. “O acordo (de Aquela ampla rede de organiza- para o movimento antiglobaliza2004) já era muito desfavorável ções convocou, paralelamente ao ção. (Alai, www.alai.net)
10
De 4 a 10 de agosto de 2005
AMÉRICA LATINA MILITARIZAÇÃO
Guerra contra o Irã começou em Londres E
m entrevista à revista The American Conservative (O Americano Conservador), o ex-agente da CIA (Agência de Inteligência) Philip Giraldi revelou recentemente que “a administração de George W. Bush está preparando para o Irã o mesmo plano aplicado no Iraque”. O jornalista e ativista do Movimento Mundial Contra a Guerra, Michel Collon, prevê que a conduta da polícia de Londres de “atirar e depois perguntar” será usada pelos Estados Unidos nessa possível invasão ao Irã. Para ele, essa próxima ação militar já está em curso, depois dos atentados em Londres, apoiada por uma campanha midiática. De acordo com o ex-agente da CIA, o Pentágono, atuando sob as instruções do vice-presidente Dick Cheney, teria designado uma nova tarefa ao Comando Estratégico dos Estados Unidos (Stratcom): iniciar um Plano de Contingência que deverá ser aplicado como resposta a outro eventual ataque terrorista aos Estados Unidos. Esse plano inclui uma série de ataques aéreos ao Irã – independentemente de quem for o autor dos atentados. “Trata-se de uma guerra econômica e, neste caso, Washington não pode permitir alternativas a seus planos de controle mundial das fontes de energia”, avalia Collon. Brasil de Fato – Qual é essa nova estratégia que está sendo arquitetada pelo Pentágono para justificar uma invasão ao Irã? Michel Collon – Nessa guerra global – e econômica –, encabeçada pelos EUA, temos três alvos principais: controlar os recursos naturais, principalmente a energia (petróleo e gás) e privar os rivais de acesso; acabar com todo Estado do terceiro mundo que seja demasiadamente independente; e, por fim, subordinar as outras grandes potências como Europa, Japão e Rússia. Trata-se de uma guerra econômica e os EUA não podem permitir alternativas a seus planos de controle mundial dessas fontes de energia. Colocaram em curso uma Guerra dos Cem Anos para recolonizar o planeta. A militarização das relações internacionais é a única solução que têm as transnacionais estadunidenses para sair das crises que elas mesmas criaram. Empobreceram os trabalhadores e têm cada vez mais aumentado a pobreza e impedido que esses trabalhadores consumam seus produtos. É um circulo vicioso e a guerra é uma das alternativas.
No país vizinho, Azerbaijão, o Exército dos EUA prepara uma base de operações para uma presença militar massiva para ataques terrestres em Teerã BF – Por que o Irã como próximo alvo? Collon – É o país que possui uma das reservas petrolíferas mais importantes no mundo, é a potência mais importante do Oriente Médio e se nega a se submeter a Israel. Atacar o Irã significa controlar todo o conjunto de nações produtoras de petróleo de todo o Oriente Médio (considerando que a Arábia Saudita é aliada de Washington) e do planeta. Quem deseja controlar o mundo tem que controlar suas fontes de
Arquivo Pessoal
Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
Marcelo Garcia
Ativista internacional prevê que estratégia de “atirar e depois perguntar” será usada pelos EUA
Quem é Michel Collon é jornalista, ativista do Movimento Mundial Contra a Guerra. Autor de Atenção, meios! (“Mensagens dos meios do Golfo - Manual Antimanipulação”) e da obra coletiva Meios de comunicação e censura. Em protesto pelas ruas de Caracas, venezuelanos condenam a política da guerra ao terror dos Estados Unidos e seus aliados
energia. No entanto, trata-se também de impedir uma aliança anti-hegemônica que poderia ser liderada pela China, acompanhada da Rússia e do Irã. Todas as ações estadunidenses na Ásia têm que ser avaliadas sob a intenção de isolar a China. Para isso, tratam de desmembrar a possibilidade de alianças com outros países.
Atacar o Irã significa controlar todo o conjunto de nações produtoras de petróleo de todo o Oriente Médio (considerando que a Arábia Saudita é aliada de Washington) e do planeta BF – Você diz que, antes da invasão, vem primeiro a guerra midiática, sob a lógica da guerra preventiva? Collon – É preciso preparar a opinião pública e demonizar o inimigo. Trata-se de uma propaganda de guerra que joga com o consciente e o inconsciente. “Para nos unirmos necessitamos um inimigo comum”, como disse Condoleezza Rice (secretária de Estado dos EUA). Bush e Tony Blair (premiê britânico) precisam do terrorismo. Necessitam que as populações se sintam em perigo para aprovar a sua guerra global e para ocultar que ela serve unicamente às transnacionais. Há que colocar medo nos cidadãos para justificar a política violenta de seus governantes. Os autores dos atentados em Londres não têm nada a ver com a real resistência que se dirige contra os militares estadunidenses e seus colaboradores – e não contra os civis. Assassinar civis inocentes ajuda a Blair e Bush, provocando a falsa sensação de que “todos estamos em perigo” e que os cidadãos têm que financiar a guerra para se defender. A verdade é que se trata de um ataque a outro país. Um ex-oficial dos EUA, Scott Ritter, afirma que aviões estadunidenses já estão sobrevoando o espaço aéreo iraniano. No país vizinho, Azerbaijão, o Exército dos EUA prepara uma base de operações para uma presença militar massiva para ataques terrestres em Teerã. A guerra já começou.
BF – Como atuam os meios de comunicação nessa propaganda de guerra? Collon – Para os meios de comunicação, os mortos não têm o mesmo peso. O empregado de Londres que sofre um ataque a caminho do seu trabalho pesa mil vezes mais que um trabalhador atingido por um míssil estadunidense. Nos períodos de guerra, quente ou fria, nossos “amigos” mortos têm mais importância que os “inimigos” que resistem às transnacionais. Ter “dois pesos e duas medidas” é reflexo de uma educação etnocêntrica que fazem dos EUA e da Europa o centro do mundo, encarregado da missão de levar a “democracia” ou a “civilização” para o resto do globo. É uma maneira de dissimular o imperialismo. BF – Igual à justificativa de eliminar as armas de destruição em massa... Collon – Há pelo menos dois meses os grandes meios de comunicação estadunidenses colocam como centro de discussão as armas nucleares iranianas. Enquanto isso, Israel possui duzentas ogivas nucleares clandestinas, mas o único perigo que pretendem nos fazer temer é Teerã. Frente à desmoralização no caso do Iraque, onde nunca se encontraram as armas de destruição massiva que supostamente motivaram a guerra, a democracia passou a ser o principal argumento para justificar as ações militares dos EUA. Trata-se de ganhar a “liberdade” de todos os países atacados. BF – Nesse caso entra a Venezuela, a maior reserva petrolífera da América Latina, acusada por Washington de manter um governo antidemocrático? Collon – Sem dúvida. Washington não pode tolerar que a Venezuela seja uma alternativa aos planos de chantagear as demais potências caso consigam controlar o petróleo no Oriente Médio. Por isso, têm que controlar a Venezuela que se tornou, para Washington, um mau exemplo na região. O projeto de promover uma integração para dar mais autonomia econômica aos países latino-americanos contraria os interesses das transnacionais estadunidenses. Além disso, utilizar recursos do petróleo para alfabetização, saúde, educação ao invés de enriquecer a Shell ou a Esso é um péssimo exemplo, uma afronta aos EUA. Quando um país quer assegurar seu desen-
volvimento com independência, quando quer simplesmente obter os benefícios do seu petróleo, das suas riquezas naturais e até da sua mão-de-obra, as grandes potencias têm que reagir. Primeiro, tratam de submeter os países à chantagem do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial para que abandonem suas indústrias e seus serviços para que se convertam em dóceis peões das transnacionais. Se isso não dá resultado, partem para o bloqueio econômico, as guerras civis alimentadas fora como dentro dos países e, por fim, bombardeios e golpes de Estado. BF – Essa guerra midiática também é aplicada na Venezuela? Collon – Sim, e a campanha de demonização do governo Chávez deve continuar. É preciso preparar a opinião pública e manter a propaganda de guerra. Não se sabe nunca quem será o próximo alvo de Bush. A diferença entre a Venezuela e o Irã, por exemplo, é que na Venezuela está em curso um processo revolucionário essencialmente democrático e popular. Tem Chávez como líder, mas o poder está sendo exercido pelo povo. Isso significa uma barreira a mais, aumenta a possibilidade de resistência. A resistência do povo iraquiano tem protegido os demais povos ameaçados. E enquanto não controla o Iraque, os EUA não poderão começar outra guerra.
Os grandes meios de comunicação estadunidenses colocam como centro de discussão as armas nucleares iranianas. Enquanto isso, Israel possui duzentas ogiva nucleares clandestinas BF – Mas se as fórmulas para justificar uma ação militar dos EUA se repetem, não estaria sendo subestimado o grau de desconfiança do povo estadunidense – que é quem financia as guerras – quanto à legitimidade dessas invasões? Collon – Não é fácil assim. Não imaginamos o nível de histeria psicológica aliada à precária educação e ao chauvinismo cul-
tivado cotidianamente. Por isso, é muito importante restabelecer os canais de comunicação com o povo estadunidense para poder contar o que realmente acontece nos países ameaçados. Para isso, tanto o Movimento Mundial Contra a Guerra como os meios de comunicação têm que construir uma campanha de conscientização. Não bastam canais como a Telesul, é preciso que os meios de comunicação institucionais criem meios de difusão sobre o processo venezuelano também na Ásia e na Europa. BF – Não seria tarefa também dos movimentos antiguerra criar mecanismos de conscientização para preparar a opinião pública contra a propaganda de guerra? Collon – Sem dúvida, esse é um trabalho que temos que começar. Somente a resistência dos povos pode impedir as guerras.
COLÔMBIA
Sinal da Telesul é bloqueado da Redação Na edição de 1º de agosto, a revista Semana da Venezuela divulgou a notícia de que a Comissão Nacinal de Televisão da Colômbia (CNTV) bloqueou o acesso do satélite da Telecapital, o canal do governo reponsável por retransmitir a Telesul em território colombiano. A decisão pode gerar um confronto entre as autoridades nacionais e a prefeitura de Bogotá, nas mãos do socialista Luis Eduardo Garzón. A comissão decidiu não facilitar o acesso ao satélite do canal em Bogotá que possibilitaria que os programas da nova televisão latina-mericana fossem vistos em grande parte do território colombiano. Em vez disso, a CNTV autorizou expandir o sinal do satélite de um pequeno canal que opera na fronteira com a Venezuela, o TRO. Edgar Ruiz, secretário da prefeitura de Bogotá, encarregado pelo funcionamento da Telecapital, afirmou em entrevista que “não há uma explicação técnica, mas econômica” para a decisão da CNTV. Em suas transmissões, a Telesul mostra imagens de um dos líderes da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Manuel Marulanda Vélez, conhecido como Tirofijo, em uma de suas campanhas que atacavam o governo colombiano.
11
De 4 a 10 de agosto de 2005
INTERNACIONAL EUROPA
Países reformam política e repressão Wilson Sobrinho de São Paulo (SP)
A União Européia (UE) estuda também a implementação de um arquivo de todas as ligações telefônicas e tráfego de internet no bloco, informa a agência Reuters. Já há uma petição na internet contra a proposta. O texto argumenta que tal medida é invasiva, interferindo na vida de pessoas suspeitas ou não, e a segurança que ela pode gerar é “ilusória”. Outra medida do bloco diz respeito às transferências financeiras em bancos de países da UE. As instituições terão de guardar dados pessoais dos envolvidos em movimentações nos países, independentemente da quantia envolvida. A alegação é que mesmo os menores valores podem servir para financiar o terrorismo. No final de setembro, uma conferência internacional irá discutir as medidas de contraterrorismo e o impacto sobre o Estado democrático. Sob o título Democracy at the Crossroads? Counter-terrorism and the state (Democracia na Encruzilhada? Contraterrorismo e o estado), o encontro tratará de temas como direitos civis, a criação de “não-ci-
Imigrantes brasileiros em Londres prestam homenagem a Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia inglesa
dadãos”, tortura, crimes de guerra, novas leis de contraterrorismo. “Embora já tenha ocorrido muitas conferências sobre a expansão das leis de contraterrorismo desde 11 de setembro, esta será a primeira a
Alexandre Praça
A
s explosões ocorreram em Londres, mas os estilhaços políticos das bombas que deixaram mais de 50 mortos em 7 de julho podem ser encontrados em várias outras capitais européias. Londres, Paris, Roma e Bruxelas já revêem a extensão do alcance de suas políticas antiterror e prometem cooperação internacional para impedir novos ataques. Não chega a ser como nos Estados Unidos pós-11 de setembro de 2001, quando o Congresso aprovou, em poucas semanas, um conjunto de leis chamado Ato Patriota, sob medida para os novos tempos de medo permanente. Mas a Europa prepara-se para entrar em um período em que mesmo não-suspeitos estarão sujeitos a vigilância. Em Londres, as decisões mais relevantes levarão algumas semanas para acontecer devido ao recesso parlamentar de verão. Mas quando setembro chegar, a pauta política britânica estará voltada à ampliação do tempo que suspeitos podem ser mantidos presos sem acusação formal. Hoje este período é de 14 dias. Segundo o diário britânico The Guardian, representantes da polícia querem ampliar esse prazo para três meses. Desejam, ainda, mais poderes para atacar e fechar sites que façam “uso inapropriado da internet”. Está em estudo também a criação de uma base de dados global para ser usada por governos de diferentes países com o nome de suspeitos de atividade terrorista. O governo britânico já demonstrou interesse no mecanismo para impedir que entrem no Reino Unido pessoas com, nas palavras do secretário do Interior Charles Clarke, “comportamento inaceitável” – como discurso extremista, manter sites radicais, ou escrever textos que fomentem o terror.
Alexandre Praça
Depois dos atentados de Londres, europeus começam a endurecer medidas de segurança
Review; Martin Woollacott, comentarista de relações internacionais do The Guardian; Marjorie Mowlam, ex-secretária de Estado da Irlanda do Norte. (Planeta Porto Alegre, www.planetaportoalegre.net)
Na Itália, direitos em risco
FINANCIAMENTO O primeiro-ministro francês Dominique de Villepin estendeu a mão ao seu colega inglês. Em encontro no final de julho, Villepin e Tony Blair acertaram uma cooperação Paris-Londres que incluirá troca de nomes de suspeitos de atividades terroristas e a manutenção de gravações de conversas telefônicas por um tempo maior que o atual.
olhar mais atentamente as implicações para o Estado democrático”, diz Colleen Lewis, uma das organizadoras. Entre os palestrantes do encontro que ocorre na Itália, estarão Tariq Ali, editor do New Left
União Européia estuda arquivar ligações telefônicas e tráfego na internet
Na Itália, país que mantém cerca de 3 mil soldados no Iraque, a partir de agora, a polícia poderá deter suspeitos para verificar sua identidade por um período de até 24 horas, em lugar das doze atuais. Aqueles que possuem documentos falsos estarão sujeitos à detenção obrigatória e os estrangeiros poderão ser expulsos por motivos de “ordem pública”. As medidas fazem parte do decreto antiterrorista aprovado pelo Parlamento italiano, dia 30 de julho. Elaborada pelo ministro do Interior, Giuseppe Pisanu, a nova norma foi aprovada com 385 votos a favor, 20 contra e uma abstenção. Pelo decreto, também serão utilizados mais integrantes das forças de segurança para tarefas de investigação e prevenção. Haverá maior controle nas mesquitas e nos centros islâmicos, e as autoridades poderão entrar sem restrições nos bancos de dados telefônicos. Além disso, os integrantes das Forças Armadas responsáveis pela vigilância de possíveis alvos terroristas poderão deter e revistar suspeitos, o que normalmente é competência da polícia.
Serão mais rígidos os controles sobre armas e explosivos, ao mesmo tempo em que serão recolhidas mostras de DNA dos suspeitos que não possuírem documentos que os identifiquem. Para estimular a colaboração dos imigrantes clandestinos com a polícia, os estrangeiros que proporcionarem às autoridades informação útil em investigações antiterroristas receberão de forma automática a permissão de residência. Por outro lado, serão endurecidas as penas contra aqueles que circularem por locais públicos com o rosto coberto, o que na prática proíbe na Itália o uso da burka e de certos tipos de xador. As penas vão até dois anos de prisão e 2.000 euros de multa. A norma modifica, além disso, o código penal para introduzir os delitos de recrutamento com fins de terrorismo (castigado com penas de até quinze anos de prisão) e de treinamento para atividades com fins terroristas (até dez anos). (Com agências internacionais)
RELATÓRIO HALLIBURTON
Igor Ojeda da Redação Corrupção, fraudes em concorrências, superfaturamentos, negligência na segurança de seus funcionários no Iraque. São alguns dos crimes cometidos pela transnacional Halliburton e divulgados no 2º Relatório Anual Alternativo Houston, we still have a problem (leia reportagens nas edições 125 e 126 do Brasil de Fato). Com um currículo deste, por que a transnacional não estaria envolvida também em escândalos ambientais? O documento lançado em maio e assinado por Pratap Chatterjee, diretor da organização CorpWatch, e Andrea Buffa, da entidade de direitos humanos Global Exchange, relata os danos causados por uma técnica de extração de petróleo e gás chamada fraturamento hidráulico. Inventado em 1949 pela Stanolind Oil Company e pela própria Halliburton, o método consiste na injeção de fluídos em rochas para que estas se quebrem e fiquem abertas, de modo que o petróleo ou o gás contidos em seu interior possam ser extraídos. Na época, o fluído utilizado para tal continha napalm e gasolina.
Atualmente, usa-se água misturada com produtos químicos perigosos, como diesel, formaldeídos, ácido hidroclóricos e glicol-etilenos. O método Napalm – Inventado é utilizado em na Segunda Guerra 90% dos poços Mundial, é uma de petróleo e mistura incendiária gelatinosa que adere gás perfurados à pele causando anualmente queimaduras de até 5º grau, ocasionannos Estados do a destruição de Unidos, sendo tecido muscular. O a Halliburton calor de 1.500 graus também queima o responsável por interior dos pulmões pelo menos um da vítima. Foi muito terço destes. usado pelos EUA contra a população Mas a maior na Guerra do Vietnã parte dos pro(1964-75) blemas é causada mesmo por um tipo de extração que representa apenas 1% dos negócios de fraturamento hidráulico da Halliburton: a de gás metano nos subterrâneos de jazidas de carvão. É o que acontece desde os anos 80 em duas regiões estadunidenses: o vale Warrior, no Alabama, e o vale San Juan, que abrange o sul do Colorado e o norte do Novo México.
ÁGUA CONTAMINADA Donos de terra dessas áreas começaram a perceber mudanças na quantidade e qualidade de suas
Arquivo Brasil de Fato
O lucro acima de tudo
Halliburton usa métodos de extração de petróleo e gás que contaminam o ambiente
águas, como líquidos escuros cheirando a petróleo saindo de suas torneiras. Isso porque a maioria das formações de metano em jazidas de carvão exploradas está localizada muito perto dos poços de água potável. E, em alguns casos, os fluídos de fraturamento hidráulico são injetados diretamente neles. Em 1994, um grupo de moradores do Alabama entrou com uma petição junto à Agência de Proteção Ambiental (EPA) para forçar o Estado a regular o fraturamento hidráulico sob um Ato Federal que regulamenta o uso de água potável.
Após três anos, a EPA foi ordenada pela Justiça a requerer que o Alabama aceitasse a determinação. Em 1999, a agência decretou que, ao menos que precauções adequadas fossem tomadas, “o método tem potencial para pôr em perigo as fontes de água subterrânea”. Mas em 2000, George W. Bush ganhou as eleições presidenciais. No ano seguinte, ele pediu ao vice, Dick Cheney – diretor da Halliburton entre 1995 e 2000 –, que liderasse uma força-tarefa para desenvolver uma estratégia nacional de energia. Não demorou para que sua
equipe aproveitasse a oportunidade para insistir mais uma vez na técnica de fraturamento hidráulico. Os primeiros esboços de um relatório feito pela força-tarefa descrevia o método como essencial para o crescimento da produção doméstica de gás e reclamava que a regulação do Ato Federal iria prejudicar a produção de petróleo e gás. Em junho de 2004, a EPA divulgou a versão final de um relatório em que concluía que a técnica “representa pouca ou nenhuma ameaça para as fontes subterrâneas de água potável e não justifica estudo adicional no momento”. No entanto, uma revisão deste estudo, feita pelo Projeto de Responsabilidade de Petróleo e Gás, encontrou falhas na metodologia e nos dados científicos apresentados, além de achar provas de que produtos químicos tóxicos contidos no fluído injetado dentro ou perto de fontes de água potável vêm em concentrações perigosas à saúde humana. Em março de 2005, o inspetor geral da EPA decidiu rever as questões levantadas. O relatório Houston, we still have a problem está disponível, em inglês, no endereço eletrônico www.corpwatch.org/downloads/ houston.2005.pdf.
12
De 4 a 10 de agosto de 2005
DEBATE NEOLIBERALISMO
Joaquim Wahl chefe do maior banco alemão, do Deutsche Bank, Josef Ackermann, anunciou, em maio, o resultado econômico do primeiro trimestre de 2005: os lucros aumentaram 17% e chegaram a 1,1 bilhão de euros líquidos, isto é, impostos já pagos. Ackermann ressaltou que o banco conseguiu um lucro que representa 33% do próprio capital. Apesar disso, o banco deve cortar 6,4 mil empregos. Essa medida “seria muito dolorosa, mas necessária. O banco não tem outra alternativa”, disse o executivo. Esta prática tem sido bastante comum na Alemanha. Bancos e transnacionais estão cortando milhares de postos de trabalho. A Alemanha, atualmente tem uma taxa de desemprego de 12% – quase 5 milhões de pessoas. Essa é a lógica do sistema neoliberal. Apoiando essa política das empresas e bancos alemães, o presidente do país, Horst Köhler – que antes de ser presidente da Alemanha trabalhava no Fundo Monetário Internacional (FMI) e propagava suas políticas neoliberais –, “defende” a posição internacional (“Standort”) da Alemanha. Em recente reunião com empresários, pregou inovação, flexibilidade, menos Estado, mais mercado. Na verdade, Köhler recomenda a política que a atual coalizão vermelho-verde (dos socialdemocratas – SPD – e dos verdes) aplicou nos últimos sete anos. Nunca a economia alemã teve tantas possibilidades de negócios nos mercados internacionais e considera-se campeã mundial nas exportações. Por outro lado, nunca se reduziu o
O
Estado de bem-estar social como nos últimos dois anos: salários menores, aumento das horas de trabalho etc. 75% da população do país sofre as conseqüências dessas políticas. Engolida em 1990, a República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) ainda tem grandes problemas quinze anos depois da reunificação. Fala-se que para igualar o nível de vida entre as duas partes serão necessários mais vinte anos. Mas os problemas são muito mais graves. O Estado alemão está endividado em mais de 100 bilhões de euros. O crescimento econômico não alcança 1% ao ano. Piora-se a situação social. Com o argumento de diminuir os custos de trabalho, que dizem ser comparativamente altos, estão cortando os recursos para a saúde, para a educação e para as pensões. Para os 5 milhões de desempregados, o Estado não apresenta perspectiva. Os partidos não levam esse problema a sério. Todas as propostas são superficiais e nenhum partido tem uma solução, de fato. O atual governo Schröeder/ Fischer encaminhou vários programas para solucionar esse grave problema. Inventaram a miniempresa, a “sociedade pessoal”. Em vez de criar novos empregos, estão aumentando as despesas e a dívida das instituições. Inventaram uma outra “solução”: começaram cortar a proteção aos desempregados – o que realmente leva a uma situação em que muita gente não pode mais nem sustentar a familia. Aumenta a pobreza nas camadas mais pobres do país. Atualmente, um terço dos alemães considera-se
Kipper
Para onde vais, Alemanha?
pobre ou não tem mais as condições de pagar as despesas vitais. Nessa situação, a coalizão dos socialdemocratas/verdes está perdendo seu apoio na população. A oposição do campo cristão CDU/CSU diz que o governo não tem idéias para solucionar os problemas do país. No parlamento alemão, o Bundestag, esta oposição cria impasses com o governo e impede todas as medidas propostas pelo governo. O governo Schröder/Fischer – há sete anos no poder – perdeu nos últimos dois anos todas as eleições nos Estados federais. Uma das eleições decisivas foi no Estado de Nordrhein-Westfalen, em pleito realizado em maio. Neste Estado, o partido socialdemocrata estava há mais de 25 anos no poder. A derrota foi mortal e terminou um período da dominação dos socialdemocratas. Nesse momento crítico, o chanceler Schröeder em vez de renunciar anunciou a possibilidade de eleições antecipadas em
setembro deste ano. Foi uma solução autoritária que tomou junto com o presidente do partido, Franz Müntefering. Foi um choque porque a oposição já estava festejando a vitória. Com a derrota em Nordrhein-Westfalen, o governo também perdeu a maioria dos votos no Conselho Federal, um órgão que deve decidir as leis depois de elas passarem para o Bundestag. Com essa manobra política de Schröeder, o país se encontra numa nova situação. O governo tenta sair da crise com um truque político. Agora, como todos dizem, o eleitor tem que “decidir” o futuro da atual coalizão e do próprio chanceler Schröeder. O país se encontra numa situação de uma “escolha de rumos” que, no sentido dos partidos dominantes, significa tomar uma decisão entre os socialdemocratas e os partidos cristais. Isto é, a escolha entre uma política mais ou menos neoliberal. Além dos problemas internos enfrentados pela Alemanha, o “não” dos franceses e holandeses à Constituição Européia, agrava ainda mais a atual situação do país. Trata-se de um voto contra a liberação dos mercados europeus e contra a dominação do grande capital. As empresas estão “fugindo” da Alemanha para mercados onde a força do trabalho é mais barata. Estas possibilidades o capital não somente encontra na Polônia, República Checa, mas também na China e nos países asiáticos. Dizem que somente assim podem concorrer com as transnacionais em um mundo globalizado. Esta é grande mentira que os partidos estão difundindo na
véspera dessas eleições antecipadas: os lucros das empresas e dos bancos superam todas as expectativas e o empresariado alemão está exigindo mais e mais restrições para a população. A crise que está dominando o pensamento político é uma crise do neoliberalismo e do capitalismo. Se em setembro de 2005, a atual oposição vencer as eleições, algo muito provável, os problemas agudos do país ficarão abertos. Ao mesmo tempo, um novo governo CDU/CSU seguiria o mesmo caminho do atual governo, aprofundando a política neoliberal, cortando mais os direitos democráticos e sociais da população. Esse cenário abre a possibilidade de ser criado um novo partido da esquerda, que pode se formar do Partido do Socialismo Democrático (PSD) e do recém-surgido partido “Iniciativa Eleitoral da Justiça Social”. A “Iniciativa” é uma formação que está tentando preencher o vácuo que surgiu a partir do esvaziamento da esquerda do SPD, sobretudo na Alemanha Ocidental, onde muitos afiliados deixaram este partido. Se essa nova forca política de esquerda tiver sucesso, deve enfrentar publicamente a política neoliberal. Se a esquerda tiver uma voz de resistência no Bundestag, existe a possibilidade de mobilizar os sindicatos, os movimentos sociais e muitas outras organizações contra um caminho equivocado, e impedir que a Alemanha e também a Europa sejam dominadas pelas velhas elites. Joaquim Wahl é diretor do Instituto Rosa Luxemburgo Stifung
13
De 4 a 10 de agosto de 2005
agenda@brasildefato.com.br
AGENDA CEARÁ DIOCESE DO CRATO REALIZA 4ª SEMANA SOCIAL BRASILEIRA (SSB) 5e6 Além de discussões sobre o tema central da 4ª SSB, “Mutirão por um novo Brasil”, o encontro na Diocese do Crato também abordará a questão da “Sustentabilidade, Transposição e Organização das Forças Sociais”. Haverá uma análise partilhada de conjuntura, de forma que todos e todas possam discutir a realidade atual e as mudanças desejadas, enquanto as discussões sobre sustentabilidade terão foco nos projetos alternativos, além do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, cuja viabilidade é questionada pelas entidades e movimentos sociais. A Diocese espera a participação de aproximadamente 100 pessoas, entre representantes de entidades sociais do Cariri, sindicatos e pastorais sociais das paróquias da própria Diocese do Crato. Local: Centro de Expansão Dom Vicente, no Granjeiro, Crato Mais informações: (88) 3523-4572, (88) 3521-1110
PARAÍBA PROGRAMA ARCA DAS LETRAS 4a7 O programa, da Secretaria de Reordenamento Agrário (SRA) do governo federal, agora chega aos municípios do Estado. O seu objetivo é incentivar a leitura e facilitar o acesso aos livros pelos agricultores familiares do Programa Nacional de Crédito Fundiário, assentamentos da reforma agrária e remanescentes quilombolas. Na Paraíba, a ação vai entregar 105 bibliotecas rurais Arca das Letras a cerca de 105 comunidades remanescentes de quilombos. Os quase 26.250 livros que serão distribuí-
dos são das áreas de literatura, educação, meio ambiente, saúde, agricultura e cidadania, entre outras, atendendo tanto crianças como adultos. A primeira cidade a receber a biblioteca será Campina Grande. O programa é desenvolvido pela SRA em parceria com os ministérios da Educação, Justiça e Cultura, e também com o Incra, Banco do Brasil, Fome Zero, Banco do Nordeste, Programa Nacional de Crédito Fundiário, Projeto Dom Helder Câmara, governos estaduais e municipais, ONG’s e movimentos sociais (MST, Contag, CPT). Local: Embrapa - Rua Osvaldo Cruz, 1143, Campina Grande Mais informações: www.mda.gov.br
RIO DE JANEIRO MARCHA DO ACAMPAMENTO OZIEL ALVES 8 Com o objetivo de chamar a atenção sobre a ordem de despejo contra os moradores do Acampamento Oziel Alves, cerca de 270 famílias do acampamento farão uma marcha até o prédio da Justiça Federal de Campos, no norte fluminense. Os trabalhadores rurais moram e sobrevivem do que plantam no complexo de fazendas da falida Usina Cambahyba, entre os municípios de Campos e São João da Barra há cinco anos. O despejo tira-lhes não só a moradia, mas o trabalho e a renda. A incoerência da ordem de despejo que pode ser cumprida a qualquer momento aumenta porque as terras estavam improdutivas antes da ocupação e em cumprimento à Constituição Federal (art. 186), que tem decreto de desapropriação para reforma agrária desde 1998. Local: A marcha sairá do Acampamento Oziel Alves, na BR 356, sentido Campos - Grussaí, rumo à Praça São Salvador, onde está localizado o prédio da Justiça Federal de Campos
Divulgação
SÃO PAULO SEMINÁRIO INTOLERÂNCIA, DIREITOS HUMANOS E ARQUIVOS SECRETOS 10 O evento é organizado pelo Projeto Integrado Arquivo do Estado/USP (PROIN) e pelo Laboratório de Estudos sobre a Intolerância (LEI). A responsável é a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP) , que coordena um projeto de pesquisa para a recuperação e catalogação das fichas do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP). O encontro reunirá palestrantes da Argentina, Brasil, Chile, Estados Unidos e Uruguai. As inscrições serão feitas no local, meia hora antes do início do evento. Local: Anfiteatro do Departamento de História da FFLCH - USP, Av. Professor Lineu Prestes, 338, São Paulo Mais informações: (11) 3091-3760, ramal 228 FESTIVAL DE JUVENTUDE CONTRA ALCA 11, às 19h Para continuar a luta por uma América Livre, organizações de juventude e entidades estudantis estão convocados a construir o Festival de Juventude Contra Alca. Apesar das dificuldades, o Brasil conseguiu uma vitória, a Alca não entrou em vigor no começo deste ano, devido a várias mobilizações: a Campanha do Plebiscito sobre a Alca, realizada em 2002, conseguiu mais de 10 milhões de adesões, a Campanha do Abaixo-assinado para oficializar o Plebiscito em 2003, com mais de 3 milhões de assinaturas, a Campanha do Meu Voto é Contra Alca 2004 e em 2005, a campanha de construção das Assembléias Populares Rein-
ventando a Democracia. Local: Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo – Rua da Glória, 246, 3º andar, São Paulo Mais informações: (11) 3105-2516 jeomark@terra.com.br CAFÉ FILOSÓFICO NO TRIANON 11, às 13h O Café Filosófico no Trianon é um projeto da Coordenadoria de Cultura Geral da Faculdade Cásper Líbero em parceria com a agência Cásper Jr. Realizado mensalmente, o objetivo é discutir assuntos da atualidade com convidados que possam debater sobre o tema proposto. Neste encontro, estará em discussão Santa Clara, Padroeira da Televisão: a TV entre o sagrado e o profano, e os convidados para a
conversa são Hamilton Octavio de Souza, jornalista, professor e chefe do Departamento de Jornalismo da PUC-SP, diretor da Associação dos Professores da PUC-SP (Apropuc), editor da Revista Sem Terra e colunista do Jornal Brasil de Fato, e Joana Puntel, jornalista, doutora em Comunicação Social pela Simon Fraser University, Vancouver, Canadá, pós-Doutora pela The London School of Economics and Political Science - Londres e coordenadora do Serviço à Pastoral da Comunicação (Sepac). Além do debate, terá uma apresentação musical e café à vontade para todos os presentes. O evento é gratuito. Local: Parque Trianon, Praça do Chafariz, São Paulo Mais informações: (11) 3170-5793
14
De 4 a 10 de agosto de 2005
INTERNACIONAL SUDÃO
Morte de líder rebelde causa tensão da Redação
A
morte do vice-presidente sudanês, o ex-líder guerrilheiro John Garang, em um acidente de helicóptero, provocou manifestações em diferentes pontos de Cartum, a capital do país, com um saldo de 40 mortos. Garang, 60 anos, morreu dia 30 de julho, na queda do helicóptero em que viajava vindo de Uganda, três semanas após ter assumido o cargo de primeiro vice-presidente sudanês. “Assassinos! Assassinos!”, gritavam alguns manifestantes, alegando que o governo sudanês, que por 20 anos combateu o levante liderado por Garang, deve estar por trás do desastre aéreo. De acordo com fontes oficiais, o helicóptero se precipitou na terra, por más condições meteorológicas. No entanto, fontes ligadas às Nações Unidas na Uganda teriam afirmado a agências internacionais que o helicóptero teria sido atingido por um míssel.
Tony Karumba
Três semanas após assumir a vice-presidência do país, John Garang morre em acidente aéreo sob suspeita
Líder guerrilheiro John Garang nasceu em 1945, em uma aldeia dinka do sul do Sudão. A partir dos contatos de sua família, cristã, foi estudar nos Estados Unidos, onde se formou em economia agrícola e depois ingressou na academia militar de Fort Benning. Ao regressar ao país, em 1962, participou da luta dos rebeldes independentistas do sul Anya-Anya, até que se chegou a um acordo de paz, uma década depois, quando o sul do Sudão passou a ter um governo autônomo. Garang, então, ingressou no Exército Nacional e foi transferido para Cartum. A morte do carismático líder abre um período de incerteza para o futuro do país, um dos mais pobres do mundo.
Sudaneses prestam última homenagem ao líder rebelde John Garang, em Cartum, capital do país
bertação do Sudão (SPLM) elegeu seu número dois, Salva Kiir, para suceder Garang. O general Kiir foi nomeado presidente do SPLM e comandante-chefe de seu braço armado, o Exército Popular de Libertação do Sudão (SPLA, a sigla em inglês). Pelo acordo de paz, “o presidente do SPLM ou seu sucessor será o vice-presidente do Sudão”, por isso Kirr deverá assumir o cargo em breve. Sua nova posição o transformará também em presidente do Governo do Sul e chefe de um Executivo que Garang deveria nomear
SUCESSOR A morte de Garang foi anunciada pelo próprio presidente sudanês, o general Omar Hasan al-Bachir, que pediu à população que mantivesse a calma, prometendo que o processo de paz na nação prosseguirá. Mas os moradores do sul sudanês têm suspeitas quanto à morte de Garang, que era uma figura-chave no acordo de paz entre o governo muçulmano e a população cristã do sul. O Movimento Popular de Li-
antes do dia 9 de agosto. A eleição aconteceu dia 1º, na reunião de emergência em New Site, no sudeste do Sudão, próximo à fronteira com o Quênia, a que foram convocados os comandantes do movimento para analisar a situação após a morte do seu líder. Em comunicado, o SPLM reiterou seu “compromisso com o espírito do acordo de paz” e pediu ao povo sudanês que “mantenha a calma para evitar que os inimigos da paz se aproveitem da situação”. O SPLM, que declarou cinco dias de luto oficial, decidiu que o
enterro acontecerá em Juba, uma das principais cidades do sul do Sudão, mas não especificou a data. Nessa região, Garang liderou um movimento guerrilheiro que repudiava as pretensões hegemônicas do norte muçulmano, liderado então pelo chefe de governo Gafar Numeiri, que impôs a shariá, ou lei islâmica, em todo o Sudão, o maior país da África. As hostilidades se iniciaram em 1983, com a fundação por Garang do SPLA, que exigia a separação do sul do resto do Estado. O líder guerrilheiro não só
SUAZILÂNDIA
RUANDA
Oposição pede reformas
Liberdade para 36 mil presos O governo de Ruanda começou a colocar em liberdade condicional 36 mil prisioneiros – a maioria participantes do genocídio realizado em 1994 no país – com o objetivo de aliviar o sobrecarregado sistema penitenciário. A libertação dos prisioneiros foi aprovada, dia 29 de julho, em Kigali, capital do país, pelo presidente Paul Kagame. Os libertados serão enviados aos chamados “campos de solidariedade”, centros de reeducação onde permanecerão de seis a oito semanas tendo cursos de reintegração na sociedade. A liberdade provisória foi concedida aos presos que, apesar de não terem integrado o grupo de organizadores do genocídio, confessaram ter participado da matança. Posteriormente, eles serão julgados pelos tribunais populares, conhecidos como “gacaca”. Esses tribunais, criados para julgar os mais de 100 mil acusados de genocídio, começaram suas audiências em março. Nesse sistema judicial, que prevê a participação de todo o povo, os prisioneiros são levados ao lugar no qual supostamente cometeram os crimes, onde ouvem os habitantes locais deporem contra ou a favor. O acusado tem uma redução de pena se confessar seus crimes antes do julgamento.
Monarquia da Suazilândia conta com apoio político dos Estados Unidos
da Suazilândia é que o rei está construindo alguma outra mansão”, disse Claude Kabemba, pesquisador do Instituto Eleitoral da África Austral, com sede em Joannesburgo (África do Sul).
CORRUPÇÃO Situada entre África do Sul e Moçambique, a Suazilândia ficou independente da Grã-Bretanha em 1968. Trata-se da última monarquia absolutista do continente. Em 1973, o rei Sobhuza declarou Estado de emergência, proibiu os partidos políticos e suspendeu a Constituição. Um novo texto, rejeitado pelos ativistas pró-democracia, foi aprovado recentemente pelo novo parlamento. Sobhuza foi sucedido por seu filho, Mswati III. Este monarca, de 37 anos, é famoso pelo seu gosto por carros luxuosos, alguns dos quais dá de presente às suas esposas. O rei se casou 12 vezes. Seu luxuoso modo de vida contrasta com a pobreza que caracteriza tudo neste pequeno país. O desemprego afeta 40% da população economicamente ativa, e quase 70% dos suazis vivem abaixo da linha da pobreza. O governo da Suazilândia assegura que está fazendo grandes esforços para promover mudanças e rechaçou qualquer pressão internacional. O diretor do programa do ICG para a África, Suliman Baldo, disse que
SUAZILÂNDIA Localização: África Austral (do Sul) Nacionalidade: suazi Capital: Mbabane Línguas: inglês, sissuáti Divisão administrativa: 273 áreas tribais. Regime político: monarquia parlamentarista População: 948 mil habitantes Moeda: lilangeni Religiões: cristianismo 77% (protestantes 37,3%, católicos 10,8%, religiões cristãs africanas 28,9%), crenças tradicionais 20,9%, outras 2,1% (1980).
esses esforços não são suficientes. “A monarquia ainda pode se salvar se colocar certos limites aos seus poderes. Mas tanto a família real quanto a comunidade internacional devem se dar conta de que os dias do absolutismo na Suazilândia estão contados”, concluiu Baldo. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
Os juízes, escolhidos pela população segundo critérios de integridade moral, dirigem os julgamentos e dão o veredicto e a sentença, que pode ir desde a prestação de serviços à comunidade até à prisão perpétua. Já os organizadores do genocídio estão sendo julgados pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda, que funciona na cidade de Arusha, na Tanzânia. A participação em massa de civis nos massacres fez com que, após o genocídio, o número de presos aumentasse vertiginosamente. A população carcerária passou de 100 mil pessoas, que se amontoavam em condições desumanas. O genocídio em Ruanda começou horas depois da morte do presidente Juvenal Habyarimana, cujo avião foi derrubado no dia 6 de abril de 1994, quando tentava pousar em Kigali. O assassinato de Habyarimana marcou o início de uma campanha de extermínio da minoria tutsi, numa ação planejada muitos meses antes pelas autoridades hutus. Os massacres só terminaram quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa, liderados por Kagame, tomaram o controle de grande parte do país em julho de 1994, obrigando os genocidas a fugir. Os hutus se refugiaram, então, no leste do então Zaire, atualmente República Democrática do Congo, onde ainda permanecem. (Com agências internacionais)
Arquivo Brasil de Fato
A comunidade internacional deve exercer uma pressão maior sobre o reino de Suazilândia para que introduza reformas democráticas e, assim, evite uma onda de violência, como ocorreu em outras nações da África. O sinal de alerta vem da oposição interna e críticos de outros países do continente em relação à única monarquia da África. “Não queremos que o reino de Suazilândia exploda como ocorreu com Ruanda, Burundi ou Serra Leoa”, afirmou Gabriel Mkhumane, fundador do partido oposicionista suazi Movimento Unido Democrático do Povo. “O povo de Suazilândia não deve rebelar-se e pegar em armas. Isso está fora de questão. Só precisamos de pressão internacional para que haja reformas”, disse. Mkhumane, exilado na vizinha África do Sul, rechaça a violência, mas adverte que pode haver uma revolta social se não existir avanços democráticos na Suazilândia. No final de julho, o Grupo Internacional de Crise (ICG), instituto acadêmico com sede em Bruxelas, exortou a comunidade internacional a impedir uma explosão de violência nesse país africano de apenas 948 mil habitantes. Está escrito no informe intitulado Suazilândia: o relógio avança: “As ações de oposição à monarquia absolutista incluíram nos últimos anos greves e manifestações de sindicatos, estudantes, grupos religiosos e outros movimentos juvenis, com incêndios e atentados à bomba contra prédios do governo”. Segundo Peter Kagwanja, diretor do projeto do ICG para a África Austral, as instituições africanas, a União Européia e países-chave como África do Sul e Estados Unidos têm tolerado tanto a monarquia que qualquer mudança será muito lenta. “Mas quanto mais tarde a Suazilândia regressar para uma monarquia constitucional, maior o risco da instabilidade”, acrescentou. “A única coisa que se ouve pelas ruas
Arquivo Brasil de Fato
da Redação Moyiga Nduru de Mbabane (Suazilândia)
mostrou ser um guerreiro, como também um hábil negociador, que empreendeu um complicado processo de paz, concluído apenas em janeiro de 2004, depois de dois anos de negociações, com a assinatura de um histórico tratado entre as autoridades de Cartum e o SPLM. Tal acordo, obtido na cidade queniana de Nivase, foi ratificado em 9 de julho deste ano, com uma manifestação de milhares de pessoas, presentes ao ato que colocou Garang como o primeiro vice-presidente do país.
Minoria tutsi foi vítima de um dos maiores massacres da história de Ruanda
15
De 4 a 10 de agosto de 2005
INTERNACIONAL NEOLIBERALISMO EM CRISE
Franceses redescobrem a política Georges Labica defende a construção de uma frente de “forças de alternativas” diante da globalização neoliberal
E
m Portugal, Georges Labica fez uma conferência sobre a vitória do “não” francês no referendo sobre a Constituição da União Européia. O intelectual analisa, na entrevista abaixo, as conseqüências dessa opção para a Europa e, refletindo sobre o que fazer diante da mundialização ultraliberal, defende uma “frente de todas as forças de alternativas” e o desenvolvimento da solidariedade internacionalista entre os povos. Depois do “não” no referendo, o que mudou na França? Georges Labica – Até agora não se viu qualquer mudança importante, embora haja coisas novas. O que é importante dizer é que a votação do “não” na França foi exemplar e conduziu as autoridades da Europa a suspender as consultas nos outros países. E isso é significativo porque o presidente da Comissão Européia, Durão Barroso, garantia apenas uns dias depois do referendo que a votação na França seria retomada até o momento em que os franceses dissessem “sim”. Agora, já não se fala mais disso. Por outro lado, o presidente francês, Jacques Chirac, e o governo de Paris, que permaneceram nos seus lugares, sem colocar a questão da demissão ou da convocação de eleições parlamentares antecipadas, estão totalmente desacreditados. O percentual de opiniões favoráveis ao presidente está em cerca de 24%, o mais baixo de toda a história da República na França. O desprestígio de Chirac é grande também na cena européia e internacional. Creio que os dirigentes da Europa têm consciência de que os povos pensam de maneira análoga à do povo francês e têm medo de os consultar, há uma clivagem entre os dirigentes e as massas.
Os dirigentes da Europa têm consciência de que os povos pensam de maneira análoga à do povo francês e têm medo de os consultar Que significado tem para os franceses e para os povos europeus a rejeição da Constituição Européia? Labica – A primeira é uma atitude nova dos cidadãos franceses. Quando se observam as eleições, na França, há 15 anos se vê que a abstenção é sempre crescente. Houve eleições com 60% ou 70% de abstenção. A eleição do presidente da República foi feita com 33% do corpo eleitoral. A novidade do referendo é que 70% dos cidadãos sentiram-se motivados para ir às urnas. Significa, dito de outra forma, uma redescoberta da política e do desejo de manifestar a opinião política, porque até o referendo a atitude dominante era a de que o cidadão não exercia o primeiro dos seus direitos, o direito de votar. Uma outra lição é a de que estamos perante o que deve chamar-se, claramente, uma votação de classe. Todas as estatísticas o confirmam. Alguns números: votaram “não” 80% dos operários, cerca de 70% dos empregados, 70% também dos camponeses, cerca de 60% dos jovens entre 18 anos e 25 anos. É claro que houve uma “fratura social” que traduz uma clivagem na sociedade entre os ricos, os que vivem de maneira muito agradável, e os que trabalham, os que não têm emprego
– houve um percentual de 80% de “não” entre os desempregados. Tanto à esquerda como à direita constata-se essa fratura social, o que significa que foi um voto de classe, um voto popular. A sua expressão política foi uma rejeição total da sociedade ultraliberal. Que ligação houve entre as questões européias e a política interna francesa? Labica – Um tema de propaganda dos partidários do “sim” era que não se devia confundir o referendo sobre a Europa com um voto sobre a política do governo francês. Os eleitores não levaram em conta essa pretensa distinção e, por isso, verifica-se que a rejeição da Constituição da Europa é também a condenação do governo, porque o governo pratica uma política ultraliberal. E o grave, o muito perigoso da Constituição, é que pela primeira vez na história estabeleceria uma política. Nenhuma Constituição, nem as dos antigos países socialistas, consagrava uma política. A Constituição da Europa propunha uma política, uma política ultraliberal, de livre mercado, de livre concorrência, uma política para 50 anos. A rejeição de tudo isso é muito importante, porque significa que a experiência de meio século de construção da Europa testemunha que os povos se cansaram totalmente de decisões que se tomam à revelia da sua opinião, num lugar abstrato, num lugar metafísico, que é o Parlamento de Estrasburgo, que não tem poder, ou a Comissão de Bruxelas dirigida por ninguém... Depois do “não” francês e do “não” holandês, qual o futuro da União Européia? Labica – O “não” francês e o “não” holandês são diferentes na sua natureza. O “não” holandês é também de tipo popular, mas vincula-se a opiniões etnicistas na Holanda. Na França, passa-se o mesmo no setor da extremadireita, minoritário, que apelou também ao “não”. O “não” da direita na França foi de cerca de 23% e o “não” da esquerda foi de 77%, ou seja, o “não” é claramente de esquerda. O caso holandês foi diferente. Para os outros países europeus que não escolheram o referendo – algumas nações preferiram a consulta aos parlamentos –, os governos têm medo de consultar os seus povos. Nos parlamentos, é muito fácil: por exemplo, na França, a Assembléia Nacional e o Senado, que se reuniram em conjunto, votaram por 92% a favor da Constituição! Há uma fratura total entre os eleitores e os seus “representantes”, que agora não representam nada nem ninguém... E quanto ao futuro? Labica – É difícil prever o que se pode passar. Em teoria, abre-se a possibilidade de uma espécie de consulta à escala da Europa, de todos os povos, mas como se pode fazer isso? É um pouco utópico. O que vai se passar é que todas as forças no poder vão se mobilizar para impedir a expressão das opiniões dos povos europeus. Para o Partido Comunista Francês (PCF), essa batalha pelo “não” foi uma boa oportunidade para retomar os caminhos revolucionários... Labica – Exato. Com a luta pelo “não”, o PCF, na sua qualidade de partido, retomou a sua identidade própria. Podia se ver, na campanha, como dizia a gente da direita, que não havia tristeza. Houve na campanha alegria, entusiasmo, e a mobilização mais forte foi a dos comunistas. Tudo se passou como se os comunis-
A propósito de internacionalismo, escreveste há pouco tempo que esse “não” francês implicava solidariedade com os povos em luta do Iraque, da Palestina, da Venezuela, da Colômbia, da África, Ásia e América Latina... Labica – Com a mundialização, a globalização, mudou a composição social na Europa de duas formas, que permitem compreender o que devemos fazer em relação aos povos do mundo. Na Europa, há dois fenômenos interessantes. O primeiro é que a mundialização, as políticas ultraliberais, criaram e criam sempre mais desigualdades, para usar uma expressão muito fácil, que no Norte há Sul, como no Sul há Norte. Num país como a França, que se pretende uma democracia desenvolvida, exemplar e tudo o que se possa dizer, há cinco milhões de pobres. Há um milhão de jovens pobres, de jovens que estão nas ruas, abandonados.
France Presse
Carlos Lopes Pereira de Serpa (Portugal)
Franceses dizem “não” à Constituição Européia com princípios neoliberais
tas tivessem recuperado a sua identidade, a identidade perdida na sua aliança com a social-democracia, na sua participação no que se chamava a “esquerda plural”. Na configuração da “esquerda plural”, os comunistas tinham um partido reduzido à sua menor expressão que funcionava como uma tendência do Partido Socialista (PS). Agora, na batalha pelo “não”, o PCF se manifestou como um partido comunista, com uma política de classe. Na situação atual, o PCF não pode pretender liderar o agrupamento das forças de esquerda que se manifestaram através do voto no “não”, mas tem capacidade para desempenhar um papel de maior peso numa futura negociação com os socialistas. Note-se que, no seio do PS, houve uma consulta interna que se traduziu por 62% a favor da Constituição, mas, no momento do referendo, 65% dos eleitores socialistas votaram “não”. A direção do PS perdeu a sua legitimidade, mas como os que estão no poder não se foi embora. Passou-se o mesmo com os Verdes, entre eles votaram a favor do “sim” e, no momento do referendo, os seus eleitores votaram em cerca de 70% no “não”... É a rejeição das direções, dos aparelhos partidários.
Devemos pensar em etapas modestas. Quando se olha para a direita européia, verifica-se que há uma ligação forte de todos os capitalistas da Europa. E, pela frente, não há nada, do lado dos trabalhadores Face a tudo o que se passou, coloca-se na França, aos comunistas e a outras forças revolucionárias, a questão de sair desta União Européia? Labica – Não, essa questão não se coloca. É uma questão difícil saber o que fazer agora. Há hipóteses que a mim parecem ser utópicas, como a demissão do governo francês, a demissão de Chirac, eleições antecipadas para
eleger uma nova Assembléia Nacional, a demissão das instâncias de direção da Europa em Bruxelas, a possibilidade de permitir aos povos dizer que Europa eles desejam. É difícil concretizar isto. Mas podemos pôr o dedo sobre um aspecto que passou um pouco despercebido. Pela primeira vez foi apresentada uma Constituição não inspirada pela existência de uma assembléia constituinte. Por isso, uma hipótese é pensar na possibilidade de reunir à escala da Europa uma espécie de Assembléia Constituinte dos Povos que poderia decidir sobre a Constituição, que seja uma verdadeira Constituição. Então, como concretizar a vontade dos povos da Europa? Labica – Devemos pensar em etapas modestas. Quando se olha para a direita européia, verificase que há uma ligação forte de todos os capitalistas da Europa. Por exemplo, o presidente do patronato francês foi promovido, é agora o presidente do patronato europeu. Há uma aliança muito antiga. E, pela frente, não há nada, do lado dos trabalhadores. Acho que o primeiro passo que se deve dar é uma consulta a todas as forças do trabalho na Europa. Na campanha do referendo na França, dizia-se – e esse foi um argumento dos socialistas – que todos os sindicatos da Europa, representando 60 milhões de trabalhadores, pronunciaram-se a favor do “sim” e unicamente a CGT decidiu-se pelo “não”. Há que precisar que a direção da CGT era favorável ao “sim”, mas na consulta interna os trabalhadores decidiram-se pelo “não”, forçando a direção a segui-los. Também não havia 60 milhões de trabalhadores favoráveis ao “sim”, o que havia eram as burocracias sindicais da Europa favoráveis à Constituição... Eu creio que pode se tentar uma consulta a todas as forças sindicais da Europa, poderia haver uma frente muito forte sobre bases de classe, para lutar. E também – seria uma forma de “internacionalismo” à escala da Europa – uma frente de todas as forças de alternativas, não forças de compromisso, de consenso, de social-democracia: as forças dos partidos comunistas, a força da extremaesquerda que teve um papel importante no referendo na França, os ex-trotsquistas.
Estamos perante uma votação de classe. Votaram “não” 80% dos operários, 70% dos camponeses, 80% dos desempregados. Foi um voto popular e a sua expressão política foi uma rejeição total da sociedade ultraliberal Falavas de um outro aspecto... Labica – O segundo fenômeno é o da imigração. Os países europeus que tiveram um império colonial importante, como Grã-Bretanha, França, Espanha, Portugal, vêem agora os seus explorados, os oprimidos coloniais que regressam às metrópoles. Os problemas da imigração são problemas à escala da Europa, porque há a imigração externa e há a imigração entre países da Europa com níveis de desenvolvimento diferentes. Um traço sobre a pretensa Constituição da Europa é o silêncio a respeito da imigração, os estrangeiros são condenados a um estatuto de nãocidadãos, se não a um estatuto de possíveis expulsos da Europa, que se apresenta como uma fortaleza defendendo-se da invasão dos “bárbaros”, dos seus ex-colonizados... Por tudo isso, acho que tem de haver necessariamente a solidariedade dos povos da Europa com os outros povos do mundo, numa aliança, numa tomada de consciência superior à que se encarna no que chama agora a “altermundialização” ou “antiglobalização”, porque a “antiglobalização” é muito simpática, mas não é uma coisa de classe, de luta. E a consciência da solidariedade entre todos os oprimidos é algo muito forte, temos de criar condições para que essa solidariedade se desenvolva, rumo a um verdadeiro internacionalismo. Entrevista publicada no jornal do Partido Comunista Português Avante!,(www.avante.pt), parceiro do Brasil de Fato
Quem é Georges Labica pensador francês de prestígio mundial, filósofo, professor da Universidade de Paris, é autor, entre outras obras, do clássico Dicionário Crítico do Marxismo
16
CULTURA
De 4 a 10 de agosto de 2005
MEMÓRIA E RESISTÊNCIA
Vó Kyr para kaingang não esquecer Para ajudar a preservar sua língua, indígenas lançam CD com cantos tradicionais e sons instrumentais no tocante à preservação. Trata-se do costume que divide este povo indígena em duas metades: Kame e Kahnru – identificados como pinta comprida e pinta redonda, respectivamente. Estas partes se opõem e se complementam, representando duas grandes famílias. Os casamentos somente podem acontecer entre as metades. No CD, o respeito e o cuidado de uma metade para com a outra estão representados na figura do cunhado, amplamente homenageado dentro do tema Ciclo de Vida, que abrange o maior número de músicas do encarte.
Daniel Casol
Nanda Isele Gallas Duarte de Porto Alegre (RS)
“I
nh régre ag ta tagm i ãmã mág rã inh mré mu”. Com estes versos, Zílio Salvador (de nome indígena Jagtyg) inicia a primeira música (Vó Kyr, na língua kaingang) do CD Vozes Kaingang na Aldeia Grande (Kanhgág Ag Vi Ymã Mág Ki). A faixa de número um faz, justamente, menção à Aldeia Grande, como a capital gaúcha é chamada pelos kaingang da Lomba do Pinheiro, bairro da periferia da cidade. Ali, em um espaço de 6 hectares conquistado há três anos, vivem 96 indígenas. Produzido entre janeiro de 2004 e junho deste ano, o CD traz, ainda, outras 38 faixas entoadas por Zílio, 54 anos, Felipe da Silva (Retón), 59, e João Carlos Kanheró (Kasu), 84. “A idéia do projeto era reunir cantos e ritmos tradicionais dos velhos kaingang para auxiliar na preservação da língua e da cultura deste povo junto aos seus jovens e, ao mesmo tempo, produzir um material que fosse agradável para o público em geral”, explica o antropólogo Rodrigo Venzon, um dos idealizadores. Este é o diferencial do material: trata-se; prioritariamente, de uma realização de kaingang para kaingang, ao contrário de outros projetos similares, mais voltados para pesquisadores, como o CD de rezas destes mesmos indígenas produzido em 2002 (Pensamento Kaingang).
LUTA
No CD Vozes Kaingang, o resgate da cultura indígena, que “o branco quase extinguiu” durante mais de quinhentos anos
duro de aculturação vivido por estes indígenas, que ocorreu principalmente nas últimas cinco décadas. “Dos anos 50 à década de 90, o povo kaingang sofreu um severo e progressivo processo de perda de identidade, essencialmente em função, das políticas de ‘integração’ promovidas pelo governo federal”, conta Venzon.
UM MARCO Ele se refere aos programas desenvolvidos principalmente à época da ditadura, que deslocavam os indígenas de suas áreas para grandes lavouras, onde trabalhavam em regime de escravidão. Nesta situação, passaram a ser criados sob forte influência da cultura da sociedade não-indígena (kupri). O antropólogo considera a Constituição de 1988 um marco histórico na luta pelos direitos dos índios. “Antes, as leis que controlavam o sistema educacional previam o aprendizado por substituição. Eles eram alfabetizados na língua kaingang na primeira série, e passavam ao português da segunda série
TRADIÇÃO A produção, financiada com recursos do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural (Fumproarte), teve início com uma intensa pesquisa dos índios e antropólogos envolvidos, em busca dos cantos que melhor referenciassem a tradição kainkang. João Carlos Kanheró foi a principal fonte. Como kaingang mais velho da região, foi dele a tarefa de revitalizar os cantos aprendidos em sua infância, anterior ao processo mais
em diante. A partir de mudanças na Constituição, os projetos de escolas bilíngües foram institucionalizados” exemplifica.
RESGATE Outros costumes indígenas passaram a ser permitidos e os kaingang voltaram a utilizar plumárias e pinturas corporais. É para resgatar o que “o branco quase extinguiu” que Felipe da Silva canta hoje para seus netos os cantos aprendidos com Kanheró e ensaiados semanalmente para apresentações públicas. Para relatar os traços da tradição kaingang que os organizadores do CD consideram mais importantes registrar no momento, o disco foi dividido em quatro partes. Principia com o tema Origem, fazendo menção ao Sol e à Lua (irmãos que não se entendem porque desejam destinos diferentes aos seres vivos).
PORTO ALEGRE É também nesta parte que a atual morada destes indígenas é lembrada: Porto Alegre se tornou destino
A periferia canta e dança Dia 30 de julho, o clima era de festa na Casa do Hip Hop. Reduto efervescente do movimento em Diadema, na Grande São Paulo, a entidade comemorou seis anos de defesa da cultura da periferia ao som do rap e outras manifestações artísticas. No evento, que reuniu mais de mil pessoas, também houve espaço para a conscientização. Durante a sua apresentação, o cantor e compositor Rappin Hood ressaltou a importância de Hip Hop – Surgiu nos guetos de Nova uma guerrilha, York entre os jovens em nível de negros e hispâniconsciência, cos nos anos 70; reúne quatro formas “contra o desartísticas distintas nivelamento chamadas de elesocial, sem mentos: o grafite, o break, o MC (Mestre apelar para de Cerimônia) e o Dj armas”, assim (Disco jockey). como fez seu
grande ídolo, Martin Luther King. A Casa do Hip Hop surgiu em julho de 1999, a partir de uma iniciativa pioneira da Prefeitura de Diadema, uma das primeiras a dar espaço ao movimento, até
então marginalizado. “A Casa do Hip Hop é um marco para nós, mudou a vida de várias pessoas”, diz Sérgio Márcio de Lima, o Zulu, participante da equipe de dança Rua Brakers.
Fotos: Diego Salmen e Cinthia Gomes
Cínthia Gomes e Felipe Jordani de São Paulo (SP)
por conta da possibilidade de comércio de artesanato, hoje principal fonte de renda dos kaingang. Saíram, no início da década de 90, de uma reserva de 3 mil habitantes, no município de Nonoai (na divisa com Santa Catarina), onde a matéria-prima para a produção era vasta, mas a venda, escassa. O Estado do Rio Grande do Sul possui 12 áreas kaingang oficializadas e dez acampamentos. Habitando, principalmente, no Sudeste e no Sul, há, hoje, cerca de 30 mil kaingang no país.
NATUREZA Os cantos do Tempo Mitológico (Gufã), a segunda parte, têm a ver com a natureza, em particular os sons dos bichinhos do mato (formiga, paca, tatu-peludo...) que os adultos imitam para as crianças. Diz Zílio, que é também pajé: “Os animais cantam. O porco ronca, o sabiá canta, os bichos se entendem”. Ao lado da Língua, as Metades Clânicas são a maior preocupação dos kaingang envolvidos no projeto
Um tal vagabundo Danilo Vasques de São Paulo (SP) Nos idos de 1940, dormia um homem num banco de praça no Rio de Janeiro, quando de manhã um casal esboçou sentar ao seu lado, e logo se afastou. A mulher sugeriu ao namorado ficar distante e tomar cuidado com aquele “vagabundo”. As palavras cortaram os raios do sol e feriram os ouvidos. Da cena, surgiu a inspiração para quem despertava compor uma canção. A música correu mundo e trouxe outras praças para visitar. Os primeiros versos: “Que importa saber quem sou?/ Nem de onde venho e nem para onde vou?/ Tu me condenas por ser vagabundo/ E dizes que meu destino é viver ao léu/ Mas vagabundo é o próprio mundo/ Que vai girando no azul do céu”. Victor Simón (1916-2005) é o compositor da autobiográfica “O Vagabundo”, canção que ficou conhecida na voz de Altemar Dutra (1940-1983). No exterior, por intermédio dos acordes mexicanos do Trio Los Panchos. “É um orgulho ter lá fora uma composição genuinamente brasileira”, comenta o músico Raimundo Vigna.
BOÊMIO
Na festa de seis anos da Casa do Hip Hop, em Diadema (SP), dança, rap e grafite na defesa da cultura da periferia
Reconhecidos por todos os povos indígenas como guerreiros, os kaingang não poderiam finalizar o material de outra forma a não ser fazendo referência a uma de suas principais características, a Luta. Os Cantos de Guerra compõem a última parte do CD. Eles lembram a fase em que as intenções pessoais permeavam as disputas, que do século 19 em diante passaram a ser por terra e sobrevivência. Todas as quatro partes mesclam faixas compostas por cantos (somente contendo as vozes dos índios, sem acompanhamento) e músicas instrumentais. Estas últimas são produzidas exclusivamente por instrumentos kaingang, como vyjsi (arquinho feito de taquara mansa, cuja corda é dedilhada, e que utiliza a boca do instrumentista como caixa acústica), sygsyg e vãn (ambos de percussão). O material, com as letras transcritas em kaingang e explicações em português, está sendo distribuído entre as cerca de 70 escolas kaingang existentes nos Estados da região Sul e de São Paulo. Os três músicos, porém, temem não conseguir recursos para continuar com a campanha de preservação de seus costumes. Na Lomba do Pinheiro, onde ainda não há uma escola bilíngüe, os indígenas prestigiam os ensaios de Felipe da Silva e Zílio: “A gente canta para não esquecer”.
Filho de imigrantes árabes, nascido em um primeiro de agosto na cidade de Macaé, no Rio de Janeiro, Simón participou da boemia carioca, transitando entre nomes da velha guarda do samba. Contava que ao compor em mesa
de bar na Lapa, um dia teve dificuldades para rimar Copacabana. Um franzino vestido de branco se aproximou e sugeriu o adjetivo “bacana”. O “homem da rima” era Noel Rosa (1910-1927). A música, “Tijuca”. Escreveu “Bom-Dia Café”, após acordar e encontrar uma namorada vestida com aquela cor. O improviso rendeu a canção que Assis Chateaubriand (1892-1968) postou no prefixo da antiga rádio Tupi. Para o carnavalesco Osvaldinho da Cuíca, o compositor é “sinônimo da história brasileira”.
NA EX-URSS Anarquista por ideologia e sem-teto por natureza, Simón viajou ao Oriente após a ditadura militar manchar as ruas brasileiras. Participou da Revolução Cultural Chinesa, a convite pessoal de Mao-Tsé-Tung (1883-1976). A empatia para o comunismo fez de Ernesto Che Guevara (1928-1967) admirador público da canção daquele que dormiu na praça. Nos anos de 1960, Simón foi um dos primeiros artistas ocidentais a se apresentar na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Na noite do 15 de maio, o compositor não resistiu à parada cardiovascular e morreu no leito de um hospital de São Paulo. Morador na cidade, viveu os últimos anos sem recursos e quase esquecido do circuito musical brasileiro. Após sua morte, a primeira manhã nasceu azul e o mundo continuou a girar.