Ano 3 • Número 128
R$ 2,00
Mídia prepara caminho para derrubar Lula
Nama
São Paulo • De 11 a 17 de agosto de 2005
Aproveitando-se da fragilidade do governo, a grande imprensa fomenta crise e cria clima para forçar impedimento do presidente
N
o ataque mais frontal ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, promovido pela grande mídia, a revista Veja tenta reeditar o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello há 13 anos. Investindo em uma eventual mobilização da classe média, a revista do dia 10 de agosto traz na capa um Lula diminuto, sobre um fundo preto de luto, com seu nome grifado com os dois eles, em verde e amarelo, associando-o a Collor. A capa é o ápice de uma seqüência de edições com manchetes idênticas às da época. Se não houver adesão à idéia, “Veja entrou num caminho sem retorno”, de acordo com Venício Lima, da Universidade de Brasília. A tese
da busca desenfreada da mídia pelo impeachment de Lula já foi verbalizada por Delúbio Soares. À época, ele citou a revista Veja, o Estadão e a Folha de S.Paulo como os seus principais artífices. No cargo de vice-presidente de Finanças do Grupo Abril está um homem de confiança de FHC: o ex-presidente da Caixa Econômica Federal durante seu mandato, Emílio Carazzai. Reforma política – A consolidação democrática implica o livre acesso à informação e a plena liberdade de manifestação. Por isso o Brasil precisa de uma reforma política que combata a concentração da mídia e promova políticas públicas para a comunicação. Págs. 2 e 3
Jovens do mundo se inspiram na Venezuela bolivariana
Fábricas são viabilizadas por trabalhadores Após assumir o controle, há três anos, de cinco fábricas do setor de plásticos à beira da falência, trabalhadores conseguem recuperar a produção e manter seus empregos dentro de uma perspectiva de viabilidade econômica. Apesar dos obstáculos, como dívidas com o governo, a cada dia os trabalhadores estão mais dispostos a resistir. Em junho, comemoraram a suspensão de leilões e penhoras de faturamento por parte da Fazenda Federal e da Previdência Social. Pág. 5
Nova estratégia da luta zapatista no México O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) começou a colocar em prática sua nova estratégia, anunciada em julho na Sexta Declaração da Selva Lancadona. Desde o início do mês de agosto, o subcomandante Marcos e outros rebeldes zapatistas estão fazendo reuniões com líderes de agremiações de esquerda e movimentos sociais mexicanos para formar uma frente nacional capaz de propor uma constituição popular. No primeiro encontro, o líder zapatista esclareceu: “Queremos unir nossas lutas com as dos trabalhadores e dos camponeses”. Pág. 10
em 1947, o festival não alterou muito sua pauta: no primeiro encontro os jovens repudiaram o imperialismo e o uso da bomba atômica pelos Estados Unidos; hoje fazem oposição à política belicista e intervencionista de George W. Bush. Pág. 9
Em Caracas, capital da Venezuela, 15 mil jovens de dezenas de países debatem alternativas ao neoliberalismo
Economia sem fôlego para retomada
João Zinclar
Mais de 15 mil jovens estão em Caracas para o 16º Festival Mundial da Juventude, que começou dia 8 e segue até o dia 15. “Vamos construir o socialismo do século 21”, disse o presidente venezuelano, Hugo Chávez, aos delegados de dezenas de países no discurso de abertura. Criado
No Pontal do Paranapanema (SP), mil famílias de trabalhadores rurais ocupam um dos maiores latifúndios da região
Mil famílias ocupam terra em São Paulo Pág. 4
Plano Blair contra direitos humanos Pág. 11
Teatro como agente de transformação A atriz paranaense Denise Stoklos, que faz de sua arte uma profissão de fé, diz que o teatro pode ser um instrumento de transformação da sociedade. Por meio do seu “teatro essencial”, apresenta ao público a realidade como ela é e promove uma ruptura com o teatro comercial, que propõe a preservação das injustiças. “Não são mais necessários fuzis e canhões. A tática agora é outra: quanto mais mudarmos o pequeno espaço onde estamos, mais mudaremos a sociedade”, defende a autora de textos que contestam um sistema que “legitima a inércia social”. Pág. 16
Os primeiros dados de julho indicam que a economia entrou numa gangorra, alternando alta relativa e desaquecimento, de um lado influenciada pelo avanço das exportações e da oferta de crédito ao consumidor, e, de outro, pelo fraco desempenho da renda e do emprego. Ao contrário do que sugere a equipe econômica, não há fôlego para a retomada sustentada. Os juros continuam nas nuvens e o aperto nos investimentos públicos se agravou no primeiro semestre. Pág. 7
E mais: INSS – Em greve há mais de dois meses, servidores têm defasagem salarial de 150%, desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Pág. 4 FUMO – No RS, agricultores trabalham para converter lavouras de fumo em produção agroecológica. Pág. 6 PATENTES – Monsanto quer patentear criação de porcos e cobrar royalties pelos animais reproduzidos; Lei de Patentes do Brasil proíbe. Pág. 13
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NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
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As falsas saídas da crise
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arece novela, mas não é. A cada dia e semana se renovam fatos e atores nos diferentes episódios da crise instalada em nosso país. E, como temos advertido nas páginas do Brasil de Fato não se trata de uma crise ética ou apenas de “denuncismo” de corrupção. As denúncias são apenas a evidência da enfermidade maior. Há, na verdade, uma crise mais grave. Uma crise de modelo econômico, uma crise social, pelo agravamento dos problemas do povo; uma crise política pela falta de representatividade dos partidos e dos políticos. E uma crise ideológica pela falta de projetos que unifiquem a esquerda e as diferentes forças sociais do país que querem mudanças. Por essa gravidade, a crise é profunda e, certamente, será prolongada. No transcorrer dos muitos episódios da crise, cada força política e social vai se posicionando de forma diferente, levantando teses e propostas. Alguns para se defender; outros para mudar sua posição na correlação de forças políticas da sociedade. E, por isso, é muito importante que a militância social fique alerta às propostas que setores da classe dominante, seus partidos e seus porta-vozes (os meios de comunicação da grande mídia) apresentam como saídas – que, na verdade, não resolvem a verdadeira natureza da crise. Na última semana, ficou evidente um movimento de alguns setores das
elites. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso subiu o tom e, em artigo publicado em O Estado de São Paulo e O Globo, adverte que se houver “crime de responsabilidade”, todos – inclusive o presidente Lula – devem pagar. FHC manda sinal para os aliados de que é candidato. Para Lula, o recado é que se o presidente desandar para o populismo, o PSDB pode se somar ao PFL e apoiar o impedimento. Já forças do PMDB conservador apresentam a candidatura do atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, como alternativa a uma possível disputa de Lula com FHC. O magistrado pode se desincompatibilizar do STF e voltar a se filiar a um partido até março de 2006, seis meses antes das eleições, e seria um nome de consenso das elites. Jobim foi ministro da Justiça de FHC e arquitetou as 52 mudanças da Constituição de 1995 até agora, sem que o povo tenha sido consultado. O empresariado não está muito preocupado. Seus nomes não aparecem entre os que bancaram os milhões para as campanhas políticas de 2002 e 2004. Foram, humildemente, ao presidente pedir que apenas aumente o superavit primário. É sua agenda mínima. Certamente, muitos deles são credores dos títulos da dívida pública interna.
O governo segue imobilizado. Não acena com mudança na política econômica. O ministro Antônio Palocci (Fazenda) está blindado até do seu ex-caixa de campanha, Rogério Buratti, mesmo com o Ministério Público Estadual de São Paulo investigando o seu fantástico enriquecimento. O governo não elabora nenhuma proposta de reforma política, como se a crise fosse na Argentina. E as forças populares continuam atônitas, porque está difícil o povo se mexer. Na próxima semana, duas manifestações prometem agitar Brasília. Uma da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), pedindo mudanças na política econômica e mobilizando os movimentos por moradia para exigir solução aos seus problemas. Outra da Conluta, PSTU, P-SOL, PPS, PV e PDT, contra o governo. No mais, parece mesmo que as forças populares ainda vão demorar a construir mobilização popular de fato. Vamos torcer para que o 7 de setembro seja, de fato, um grande grito, massivo, de todos os excluídos em todo o país, em defesa da soberania nacional e da soberania popular. E contra a continuidade do modelo neoliberal. Em todo caso, muita água ainda vai passar debaixo da ponte e muita tinta será gasta no Brasil de Fato para comentar a crise.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES POETAS E ESCRITORES Mais uma vez o Brasil de Fato sai na frente. A discussão levantada pelo jornal a respeito dos poetas e escritores brasileiros na edição 125 é, sem dúvida, muito importante. É preciso mostrar que todos eles são reféns de toda uma política praticada pelo setor livreiro e organizacional do livre acesso à publicação e divulgação do trabalho literário existente no país. Hoje, grande parte de escritores e poetas é desconhecida por falta de políticas capazes de fazer com que o povo tenha acesso à leitura em nosso país. Parabéns ao Brasil de Fato por abrir espaço para mais uma luta do povo brasileiro. Espero que o jornal aprofunde mais o assunto. Leandro Tomé por correio eletrônico E O GENERAL ARTIGAS? No Brasil de Fato de 28 de julho, na página 9, informa que o tema enredo da escola de samba Unidos da Vila Isabel será Soy loco por ti América, com personagens históricos como Bolívar, José Martí, Che Guevara, entre outros, mas não fala de José Gervasio Artigas, responsável pelo movimento de independência do país e chefe da então Banda Oriental, onde hoje é o Uruguai. Será que o general Artigas ficará fora desse evento? Gina Couto por correio eletrônico ENTREVISTA PLINIO Muito interessante essa entrevista do “Plinião” na edição 127 do Brasil de Fato. O PT vive uma permanente luta entre os setores revolucionários comprometidos até a medula com seu projeto histórico transformador e aqueles que se adaptam ao liberalismo arrivista que o
mercado eleitoral impõe no cotidiano da luta por mandatos e governos. Essa luta acaba por levar o conjunto do partido a desviar-se do central: a luta pelo poder. Quando chega esse momento, os setores revolucionários ficam desnorteados e aumenta a divisão no campo popular e classista e os reformistas reestruturam o partido de acordo com a lógica do capital dominante em nossa sociedade. Hoje, entendo que o momento “da onça beber água” desse processo de disputa de hegemonia se dá quando esses partidos chegam aos governos centrais, no caso do Brasil o governo federal, e têm condições de implementar seu projeto histórico. Na minha opinião, o PT até chegar ao governo central nunca foi plenamente reformista ou revolucionário; logo, não existe um retorno idílico a um passado petista onde teria havido “um PT” de bases organizadas e participantes. Existe a continuidade dessa luta presente nos vários espaços das organizações sociais e políticas do campo popular e classista. Aurelio Fernandes por correio eletrônico
ERRAMOS Na matéria “Mídia ameniza denúncias contra PSDB” da edição 127, o psicanalista Freud aparece como “pai da psicologia”, quando na verdade, para alguns, ele é considerado o “pai da psicanálise”. As reservas brasileiras de petróleo correspondem a 30 milhões de barris e não a 30 bilhões como foi publicado na matéria “O Brasil coloca seu futuro em leilão”, da edição 125.
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CRÔNICA
Saudades do futuro Luiz Ricardo Leitão O seu dinheiro nasce de repente / E embora não se saiba se é verdade / Você acha nas ruas diariamente / Anéis, dinheiro e até felicidade / E o povo já pergunta com maldade / Onde está a honestidade / Onde está a honestidade... (“Onde está a honestidade”, Noel Rosa & Kid Pepe) E a mancha de óleo segue espraiando-se “em mar aberto”, como escreveu há poucos dias, lá no Belenzinho, o confrade Maringoni, ao descrever a crise sistêmica que assola as instituições da “democracia” burguesa em Pindorama. Já não temos apenas escândalos pontuais nesta ou naquela esfera da administração pública, mas sim um conluio monumental de partidos e grandes empresas, que vai bem além do PT e de sua base aliada. Agora, as personagens não são apenas secretárias, funcionários dos Correios ou deputados patuscos de uma ópera-bufa. Nem o cenário se restringe a cuecas e malas abarrotadas de dólares ou reais. PFL, PSDB, Folha, Globo, Fiat, Odebrecht, telefonia e fundos de pensão: o elenco reúne a nata do neoliberalismo tupiniquim! Enquanto isso, um e outro cronista que talvez tenham nascido em Cingapura ainda possuem a desfaçatez de perguntar, com o pasmo e a arrogância de sempre, “que país é este”... Ah, Noel, que falta você nos faz! Por onde an-
da aquela “filosofia” que nos auxilia a viver indiferente “nesta prontidão sem fim”? Só a sua verve lograria dar cabo dessas criaturas, a serviço da aristocracia – e que hão de viver eternamente sendo escravos dessa gente “que cultiva a hipocrisia”... Para quem perdeu a bússola e o astrolábio, atordoado pela enxurrada de manchetes sobre o “mensalão”, basta contar dois causos recentes da nossa vida cotidiana O primeiro terminou mês passado, quando o titular da 9ª Vara Cível de Niterói não acatou a ação movida pelo juiz Antonio Marreiros (o nome já diz tudo...) para exigir que os empregados do edifício onde mora o tratassem como “senhor” e “doutor” (!!!) e seu condomínio lhe pagasse uma indenização pelo “desrespeito” a que era exposto. O segundo apareceu em uma “coluna social”: era um aviso à elite carioca que esta poderia viajar descansada para fazer compras na Daslu, em Sampa, pois um Pet Shop Canino estaria à disposição para hospedar cães & gatos, oferecendo-lhes um “serviço 5 estrelas”, com direito a massagem e terapia de cristais, por apenas... R$ 120 por dia!!! É, de fato, mui generosa essa burguesia neoliberal. Como ela se preocupa com seus “lulus” e “daslus” – e como ela pareceu chocada com a prisão de socialites acusados de sonegação fiscal... Sinto saudades de Noel, não
posso negar, mas tenho também uma enorme saudade do futuro. Quando será que esse jogo irá virar? Pelo visto, arma-se mais um acordo na casagrande, a fim de acalmar o mercado e a senzala, sob a velha fórmula de “mudar para deixar tudo como está”. No andar de baixo, contudo, já não há espaço para o velho “analfabeto político”. Sintonizado na tela da TV (o melodrama nacional já virou folhetim eletrônico: a audiência das CPIs, à tarde, supera até as novelas globais...), ele hoje sabe que o custo de vida e o preço do feijão “dependem das decisões políticas”, como diria o velho Brecht. Quem sabe até lamente a sua ignorância política, da qual nasceu a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais. Contudo, desconfia de tudo e todos. E enquanto não descobre o caminho das pedras, goza e glosa, como faz um camelô na terra de Noel, que ao ouvir os acordes da “Hora do Brasil”, emendou sem pestanejar: “Em Brasília, 30 mil dólares...” Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura LatinoAmericana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba)
Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:brasil-al@brasildefato.com.br•BA:brasil-ba@brasildefato.com.br•CE: brasil-ce@brasildefato.com.br•DF:brasil-df@brasildefato.com.br•ES:brasil-es@brasildefato.com.br•GO:brasil-go@brasildefato.com.br•MA:brasil-ma@brasildefato.com.br•MG:brasil-mg@brasildefato.com.br•MS:brasil-ms@brasildefato.com.br•MT:brasilmt@brasildefato.com.br•PA:brasil-pa@brasildefato.com.br•PB:brasil-pb@brasildefato.com.br•PE:brasil-pe@brasildefato.com.br•PI:brasil-pi@brasildefato.com.br•PR:brasil-pr@brasildefato.com.br•RJ:brasil-rj@brasildefato.com.br•RN:brasil-rn@brasildefat o.com.br•RO:brasil-ro@brasildefato.com.br•RS:brasil-rs@brasildefato.com.br•SC:brasil-sc@brasildefato.com.br•SE:brasil-se@brasildefato.com.br•SP:brasil-sp@brasildefato.com.br
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NACIONAL CRISE
Mídia fabrica clima de impeachment Marcelo Netto Rodrigues da Redação
presidente de Finanças e Controle do Grupo Abril. Parece pouco, mas há mais na carta de demissão de Carazzai, ao se desligar, em abril de 2002, do governo FHC, por ocasião do rompimento do governo com o PFL. No texto, Carazzai revela sua “profunda gratidão e disciplina” em relação ao então vice-presidente Marco Maciel – responsável por sua indicação – e sinaliza que FHC não desejava a sua saída do governo.“O presidente Fernando Henrique reafirmou a confiança em meu nome. Sinto-me honrado por ter feito parte desse governo”, escreveu. Agora Carazzai faz parte de Veja. Mais exatamente, desde 2002, um ano antes de Lula chegar ao Planalto. Ironia à parte, apesar de tudo, a referida edição de Veja traz dois anúncios pagos pelo governo federal: um da própria Caixa Econômica Federal, que Carazzai presidiu um dia, e outro da Petrobras.
A
capa da revista Veja com data do dia 10 de agosto – Lula diminuto, sobre um fundo preto de luto, com seu nome grifado com os dois eles, em verde e amarelo, como costumava usar o presidente Fernando Collor de Melo – comprova que, em busca do fato espetacular, para ver quem chega primeiro ao envolvimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as denúncias de corrupção, a crise ganhou vida própria nas mãos da mídia, independentemente dos resultados das CPIs. Mais do que isso, a despeito da competição de mercado entre veículos de comunicação de massa, motivos menos nobres do que o “furo de reportagem” começam a ser desmascarados.“A Veja está fazendo mais do que uma comparação com Collor. Se pegarmos as capas da revista à época da crise política há treze anos e compararmos com as capas de agora, veremos que as chamadas são iguais”, aponta o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR). A tese da busca desenfreada da mídia pelo impeachment de Lula já foi verbalizada por Delúbio Soares, em junho, num discurso em Goiás, mas não obteve ressonância. Na época, Delúbio declarou: “Por trás de tudo, está um movimento de direita que almeja o impeachment de Lula. E vou dar nomes: a revista Veja, o Estadão e a Folha de S.Paulo”. A frase, republicada como fantasiosa na edição da revista de 10 de agosto, na seção “Os 100 fatos e as mentiras mais absurdas ditas para esconder a corrupção”, agora parece fazer mais sentido do que as explicações de Delúbio em seus depoimentos.
Divulgação
Na disputa por vendas e por poder político, grande imprensa alimenta crise e quer derrubar Lula
Capas da época de Collor e as atuais mostram o complô construído pelo semanário do império Abril
Instabilidade política: a pauta favorita das elites O professor Venício Lima, fundador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília, diz que a crise ganhou vida própria e tem sido “conduzida entre aspas pela mídia”. Para ele, “a revista Veja entrou num caminho que não tem retorno”. Brasil de Fato – Como a mídia está tratando a crise? Venício Lima – A crise ganhou vida própria na mídia. A crise tem sido – entre aspas – conduzida pela mídia. A competição e a noção distorcida do papel do jornalista enquanto profissional tem levado os jornalistas e as empresas de mídia, que buscam objetivos políticos, mas também empresariais, a tratar a crise de forma irresponsável.
GRATIDÃO BF – Essa perseguição para associar o presidente Lula de qualquer forma às denúncias seria da mesma intensidade se o presidente fosse José Serra ou FHC? Lima – Com relação ao que já aconteceu com o FHC, pode-se
Segundo informações que podem ser obtidas na própria página da internet do Grupo Abril (proprietário de Veja), e que estão sendo distribuídas por Dr. Rosinha, um ex-auxiliar de FHC, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal durante o seu mandato, Emílio Carazzai, exerce hoje o cargo de vice-
afirmar que não foi. Por circunstâncias específicas, habilidade política, alianças, enfim, pela forma como o jogo político é jogado, o presidente FHC conseguiu que as principais CPIs – que atuariam no mesmo sentido de desvelar questões históricas com relação a financiamentos de campanhas eleitorais, sobras de campanha – não fossem instaladas no Congresso Nacional. BF – Se ficarmos 15 dias sem ler a Folha, o Estadão ou a Veja, a crise muda de tamanho em nossa cabeça? Lima – Não precisa de 15 dias, dois já mudam totalmente nossa percepção. Esse é um outro problema. Sobretudo por parte dos políticos e das autoridades públicas, há uma atenção demasiada à mídia impressa, em particular, a um grupo pequeno, reduzido, que não chega nem a 12, de homens e mulheres profissionais jornalistas, colunistas da chamada grande imprensa. Essas pessoas reivindicam para si mesmas a expressão de uma
coisa abstrata, que eles chamam de opinião pública. Isso é mais complicado do que parece à primeira vista. Porque depois de dois, três meses de ataques diários, ao vivo e em cores, a aprovação do presidente não sofreu nem de longe a queda que esses mesmos colunistas anteciparam e desejam. Há um descolamento entre o que pensa essa elite jornalística, que atribui a si própria a expressão da opinião pública, e a opinião pública real, verdadeira, da imensa maioria da população. BF – Por que a TV Globo não bate de frente com Lula? Lima – Não posso provar, mas presumo que haja um acordo entre o governo e as Organizações Globo dentro de certos limites. Se bem que esse comportamento, às vezes, por impossibilidade de controle, escorrega fora dessa perspectiva. A mídia tem interesses próprios como ator político, mas por ser mídia, e ter capacidade de tornar as coisas públicas, definir até o que é público – que é o espaço da
disputa política – ela representa um conjunto de forças. BF – Como o senhor avalia a capa da revista Veja? Lima – Acho que depois dessa, para a Veja , não tem retorno. A Veja não é uma revista de informação. É uma revista que editorializa todas as matérias, uma revista opinitiva. Com essa capa, a revista evidentemente está jogando por uma mobilização da classe média, inclusive ao mostrar fotos de supostas manifestações populares que ninguém viu, que foram pontuais. Isso significa um apoio, uma conclamação à manifestação dessa classe média. Se isso não ocorrer , a Veja entrou num caminho que não tem retorno para ela. O que ela vai dizer? Qual é o próximo? Mas essa é a linha da revista, não me surpreende; inclusive ignora solenemente todas as explicações e resultados de investigação que não confirmem o ponto de vista dentro do qual a revista trabalha. É um péssimo jornalismo. (MNR)
REFORMA POLÍTICA
Luís Brasilino da Redação Em nenhum lugar haverá democracia plena se não houver comunicação democrática. “No Brasil, a liberdade de expressão é um privilégio desfrutado atualmente por nove famílias, enquanto 180 milhões de pessoas precisam ficar caladas”, avalia João Brant, integrante do Coletivo de Comunicação Intervozes e da Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação, Campanha Cris Brasil. Junto com a falta de acesso à educação, a concentração dos meios de comunicação é o fator mais antidemocrático do Brasil. Nesse contexto, a discussão sobre o livre acesso à informação e plena liberdade de manifestação pública de opiniões tem que estar no centro de uma reforma política. Segundo Paulo de Tarso Ricordi, jornalista e consultor em comunicação, as mudanças constitucionais devem caminhar para a construção de uma política pública de comunicação. “Da mesma forma que oferecer saúde não significa apenas construir hospitais, mas proporcionar uma renda mínima, trabalho, habitação, a comunicação não deve se limitar a apenas informar. É preciso proporcionar mecanismos de compreensão do mundo”, revela Ricordi. Para tanto, o jornalista sustenta
Antonio Cruz/ABR
Grande imprensa desfruta regalias do tempo do Império – que, no Executivo, se dá ao luxo de perder o controle imediato do poder, com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Mas concessões públicas de rádio e televisão são quase vitalícias e hereditárias. São válidas por 15 anos e só não são renovadas caso três quintos do Congresso assim se posicione. “É a privatização total do espaço público”, protesta Brant. Corrigir essa discrepância, portanto, seria o primeiro passo de uma reforma política dos meios de comunicação.
GRANA Pessoas assistem em telão no Senado ao depoimento de Marcos Valério
que os meios de comunicação deveriam veicular diferentes visões de mundo. “Cada um de nós fala de um lugar social diferente. O fato de eu ser homem, não mulher, ser urbano, não rural, velho, não jovem, intelectual, não braçal etc..., tudo estabelece uma série de filtros entre mim e a realidade”, ilustra Ricordi.
CONCENTRAÇÃO DE PODER Quem se beneficia com a situação atual da sociedade brasileira utiliza os meios de comunicação para perpetuar seus privilégios. Senadores e deputados são donos de várias emissoras de rádio e televisão. “Não é à toa. Eles pertencem às famílias que,
antes de haver Congresso e comunicação de massa, eram dos coronéis”, pontua João Brant. O integrante do Intervozes lembra que esses grupos começaram a perceber que a prática de poder passava por ter espaço no Congresso, e viraram deputados. Depois, viram que os meios de comunicação também representam poder, e adquiriram veículos de massa. “Isso torna a nossa luta muito complicada porque, diferentemente de outros campos onde há uma disputa de interesses, a questão da posse dos meios de comunicação reflete uma situação de exercício direto do poder”, afirma Brant. A questão é estratégica para a direita brasileira
Mas, além das concessões públicas direcionadas a poucos privilegiados, o Estado brasileiro ajuda a sustentar, pela verba publicitária, as grandes empresas de comunicação. Ricordi acredita que uma das formas de melhorar a aplicação desses recursos seria criar um fundo público, administrado por um conselho da sociedade civil que determinaria pautas de interesse geral. Solução semelhante poderia se adequar às rádios comunitárias. Segundo João Brant, a lei que as regula é absurda, pois dificulta a sua operação. O que prejudica a pluralidade tanto dos meios de comunicação quanto do conteúdo transmitido. De todo modo, não basta ter apenas uma legislação mais permissiva. “É preciso mecanismos de sustentação
desses veículos. É necessário criar mecanismos de subsídio cruzado”, expõe Brant. Ele sugere um fundo público alimentado por verbas de publicidade arrecadas pelas grandes emissoras e jornais. Criaria-se um fator de corte: três pontos de audiência ou uma tiragem de 50 mil jornais, por exemplo, a partir de onde a empresa estaria obrigada a repassar uma pequena parte da sua verba publicitária, algo em torno de 4%, para o fundo. Esses recursos seriam controlados por um conselho formado com a predominância da sociedade civil. “Assim, temos um mecanismo operado pelo Estado mas que não será usado por interesses governamentais (ou partidários)”, complementa Brant. A Campanha Cris Brasil propõe também a criação de um sistema público de comunicação. Hoje, interesses privados comandam 90% do conteúdo dos meios de comunicação; o restante é estatal e inexiste um sistema público. Segundo Brant, essa lógica precisa ser invertida para as pessoas exercerem o seu direito à comunicação. Além disso, ele defende que essas mudanças sejam atreladas à formação de centrais públicas de comunicação. As centrais seriam responsáveis por proporcionar aos cidadãos ferramentas para produzir programas e capacitar estudantes para a prática da comunicação.
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Espelho da Redação Saturação midiática As TVs Senado e Câmara aumentaram em dez vezes seus índices de audiência depois que começaram a transmitir os depoimentos nas CPIs dos Correios e do Mensalão; empresas de telefonia registram aumento de 300% dos serviços de TV via celular nos dias de funcionamento das CPIs. Pesquisas indicam que mais de 80% das pessoas estão interessadas na apuração dos casos de corrupção envolvendo o governo Lula, o PT e os parlamentares da “base aliada” no Congresso Nacional. Exposição pública Existe um ditado no jornalismo que recomenda não brigar contra a força dos fatos. No caso da onda de denúncias sobre o governo Lula e o PT, a força dos fatos conta também com a força do sistema privado de comunicação – alimentado pelo próprio governo – e com interesses variados na continuidade das apurações – e não apenas dos empresários e dos partidos de direita. São nesses momentos que o jornalismo independente pode demonstrar o seu real compromisso com o povo. Parece ingenuidade No programa Fantástico, da TV Globo, dia 7, numa reportagem sobre os 60 anos de explosão da bomba atômica em Hiroshima, no Japão, os apresentadores falaram três vezes que a bomba “caiu” sobre Hiroshima. Não disseram uma única vez que “foi jogada” pelos Estados Unidos. A omissão é muito esclarecedora da posição ideológica da emissora, ainda mais numa época em que se combate o terrorismo internacional e as armas de destruição massiva. Telinha poderosa A população dos Estados Unidos tem comportamento semelhante à população brasileira em relação ao tempo gasto na frente da televisão – os mais altos do mundo. A diferença está no poder aquisitivo de cada país. Aqui, a maioria fica na TV aberta; lá, caminha para a TV paga. Tanto é que a DirecTV dos Estados Unidos incorporou, somente no segundo semestre deste ano, 964 mil novos assinantes, o que deu para a emissora um lucro líquido de 161,5 milhões de dólares. Triunfo capitalista O jornal Valor Econômico, dos grupos Folha e Globo, publicou no caderno de fim de semana matéria com o seguinte título: “A esquerda desmancha no ar – atribulações de um ideário político às voltas com o poder”. Ou seja, a torcida dos mercados já está cantando vitória sobre a crise que atinge o governo Lula e o PT. Como se toda a esquerda fizesse parte do mesmo barco de Lula-Zé Dirceu-Delúbio-Silvinho. Controle imperial De acordo com a jornalista Verena Glass, da Agência Carta Maior, a Comissão Nacional de TV da Colômbia vetou que a emissora Telecapital, de Bogotá, tivesse acesso aos sinais de satélite para que pudesse fazer a retransmissão da nova rede Telesul, formada por Venezuela, Argentina, Cuba e Uruguai. A imprensa colombiana tem publicado várias versões sobre o boicote, que interessa ao governo colombiano e ao imperialismo. Especulação virtual Em artigo veiculado na página do Observatório da Imprensa, o jornalista Luciano Martins Costa afirma que setores da oposição ao governo Lula já articulam o nome do ministro Ciro Gomes para a sucessão presidencial de 2006. A maior operação agora é preservá-lo fora e longe das denúncias que atingem o governo e o PT. Circulam pela internet também especulações indicando que o nome da vez será o ministro Nelson Jobim, do STF. Ou seja, a burguesia estuda alternativa milagrosa para manter tudo sob o seu controle. Repressão oficial De acordo com o último boletim do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br), a Agência Nacional de Telecomunicações fechou 2.204 rádios comunitárias em todo o Brasil, sendo 118 no Estado do Rio de Janeiro. Sempre com o uso da violência policial, confisco de equipamentos e lacração das instalações. E ainda tem gente que considera o Brasil um país democrático.
GREVE NO INSS
Servidores lutam por reposição Com mais de dois meses de paralisação, trabalhadores contabilizam defasagem salarial Tatiana Merlino da Redação
A
té o fechamento desta edição, na noite do dia 9, os trabalhadores do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) não tinham encerrado a reunião com o Ministério da Previdência para chegar a um consenso sobre a reposição salarial da categoria, com defasagem de 150% desde o governo Fernando Henrique Cardoso, segundo dados da Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social (Anasps). As negociações entre grevistas e governo estavam paralisadas desde o dia 22 de julho, quando os servidores rejeitaram a proposta do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão de pagar R$ 140 milhões em gratificações de produtividade a partir de 2006, vinculados à produtividade de cada um. Como os servidores não aceitaram a proposta, o governo suspendeu as negociações e iniciou o desconto dos dias parados no olerite da categoria. Os servidores deflagraram a greve, em nível nacional, dia 2 de junho, para protestar contra a proposta do governo de reajuste de 0,1%. No início, pediam, entre outras reivindicações, a reposição das perdas salariais de 18%, referente à defasagem durante a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (as perdas superam os 60% desde 1995, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Estado de São Paulo – Sinsprev), a implementação de um plano de cargos e salários e a contratação de mais servidores federais, por meio de concursos públicos. “Estamos sem aumento há doze anos”, afirma Pedro Totti, secretário da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores da Saúde, Trabalho e Previdência (Fenasps), que contabiliza uma adesão à greve de 80%, em todo o país. Enquanto o governo suspendia
Lindomar Cruz/ABR
da mídia
NACIONAL
A contribuinte Silene Freitas é impedida de entrar na agência do INSS em Brasília, devido à greve dos servidores públicos
as negociações com os servidores, os beneficiários do INSS arcavam com o ônus da paralisação. Só no Estado de São Paulo, segundo a Superintendência do INSS, 2,517 milhões de pessoas ficaram sem atendimento desde o início da greve. Das 165 agências do Estado, só 73 funcionaram normalmente. Alexandre Barreto Lisboa, presidente da Anasps, afirma que a longa duração da greve “é ruim tanto para os servidores quanto para a população”. Para ele, a paralisação da categoria “também invoca melhorias no atendimento à população. Um órgão não tem como funcionar bem sem ter um corpo funcional atuando decentemente”.
PRECARIEDADE A carência de cargos também aumenta a precariedade do atendimento dos beneficiários da seguridade social, na opinião do presidente da Anasps. Enquan-
REFORMA AGRÁRIA
Durante a madrugada do dia 6, mais de mil famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra, vindas de todo o Estado de São Paulo, ocuparam a fazenda Santa Rita, localizada no município Mirante do Paranapanema (SP), região mais conhecida como Pontal. A área é um dos maiores latifúndios da região, com mais de 13 mil hectares de terras improdutivas, além de ser grilada – área pública que pertence ao Estado. Segundo documento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a fazenda Santa Rita não respeita as leis ambientais e está completamente desmatada, sendo que os únicos empregos lá gerados são a contratação de 25 pistoleiros e três peões. Representantes do MST afirmam que o clima no local é de tensão, e os pistoleiros, que fazem a guarda da fazenda e de outras que mantêm milícias particulares, ameaçam as famílias. Com a ocupação, os sem-terra exigem que a Polícia Federal apreenda todas as armas dos pistoleiros e que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desaproprie o latifúndio para fins de reforma agrária. Além disso, reivindicam agilidade no processo de arrecadação de todas as terras públicas do Pontal e compromisso
Além disso, o sistema previdenciário é fundamental para os trabalhadores, assegura Lisboa, pois a Previdência é “o maior programa de distribuição de renda do mundo”. Ele ressalta que a Previdência funciona como uma política de redução da pobreza: “Muitos municípios de baixa renda têm sua sustentabilidade garantida pela distribuição de renda da Previdência”. Mesmo assim, o atendimento da Previdência, “que já está sucateado”, está sendo ameaçado pela chamada “agenda mínima”, documento preparado por empresários da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e encaminhado ao presidente Lula, dia 5. A agenda tem cinco grandes temas e uma proposta para as campanhas eleitorais. O segundo ponto do texto é o choque de gestão e o corte de gastos públicos. Nesse item, os empresários defendem a redução do déficit da Previdência.
TOCANTINS
Mais de mil famílias ocupam área grilada da Redação
to a quantidade de benefícios concedidos pelo INSS saltou de pouco mais de 8 milhões para 23 milhões, nos últimos 20 anos, o número de servidores do órgão diminuiu de 80 mil para cerca de 40 mil. “Resultado do sucateamento promovido pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Muitos funcionários se aposentaram, e o INSS ficou quase 20 anos sem promover concursos públicos, gerando numa enorme carência de cargos”, diz Lisboa, lembrando que “os 23 milhões de beneficiários, aposentados e pensionistas que vão a uma unidade do INSS se julgam no direito de ser atendido a tempo e na hora, o que é legítimo. Porém, eles não olham para os servidores com defasagem salarial de 18% só na era Lula; cujo aumento foi de 1% em 2003, zero em 2004 e apenas 0,1% em 2005; servidores que não têm equipamentos, treinamento, reciclagem”.
dos governos federal e estadual em cumprir os acordos de assentar todas as famílias acampadas no Estado de São Paulo.
CONFLITOS Segundo a assessoria de imprensa do MST de São Paulo, no Pontal existem hoje 227.417 hectares de terras julgadas devolutas, paradas na Justiça. Somadas às terras cujo processo está em andamento, os hectares emperrados sobem para 273.540. A maioria está parada devido à morosidade no andamento dos processos. A área do Pontal do Paranapanema é palco de muitos conflitos fundiários estabelecidos entre posseiros, famílias de trabalhadores rurais, grileiros e governo. Dados de institutos ligados ao poder público estadual mostram que, entre 1964 e 1981, o Pontal era a segunda área com maior número de conflitos no Estado. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o número de ocupações de terra continua a crescer na Região Sudeste do Brasil: foram registradas cerca de 50 ações no ano de 2000, e 91 em 2004. A área foi grilada no início dos anos 60 e os conflitos estabelecidos desde então resultaram na morte de muitos posseiros e grileiros. A prática é de conhecimento público, inclusive, as ruas de algumas cidades levam nome de grileiros.
Ibama coloca Javaé em risco Cristiano Navarro de Brasília (DF) O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Estado do Tocantins tem colocado em risco a sobrevivência física e cultural do povo indígena Javaé – proibido, pelo Ibama, de caçar, pescar, colher palha de piaçava para construção de casa e até mesmo de construir um poço artesiano para o consumo de água. A ação do Ibama se baseia na proteção da Unidade de Conservação do Parque Nacional Araguaia, criada em sobreposição à terra indígena Iñawébohona. Para pressionar o governo pela imediata homologação da terra, aguardada desde 2002, uma comitiva de 20 lideranças Javaé foi a Brasília, onde deve se reunir com autoridades ligadas ao Ministério da Justiça, ao Ministério do Meio Ambiente, à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Ibama. A insistência do Ibama de retirar os Javaé de sua terra tradicional tem seus embates no judiciário. Em maio, o Ibama entrou na Justiça para embargar uma obra do governo federal na terra Javaé, o programa “Luz para todos” – que leva energia elétrica até a aldeia. Sem energia elétrica, ficou estabelecida a impossibilidade da realização de um outro programa do governo federal, por parte da Fundação Nacional de Saúde, que oferece a construção de um poço artesiano para a solução do problema de saneamento básico.
Com isso, o povo Javaé é obrigado a beber água do Rio Javaé contaminada com agrotóxicos que vêm das fazendas próximas à terra Iñawébohona. Anteriormente, o Ibama havia entrado com dois mandados judiciais, nos anos de 2000 e 2001, impedindo a construção da escola Javaé de ensino básico. Somente em 2004 foi possível construir a escola.
IMPACTO PSICOLÓGICO Porém, a fiscalização é rigorosa apenas com os Javaé. Os indígenas acusam o Ibama de ignorar a ação dos invasores da terra indígena, que constantemente retiram do Rio Javaé toneladas de caça de tartaruga e pesca de pirosca (peixe em extinção). O cacique Paulo Huruka afirma que, além dos impactos físico e cultural, existe ainda o impacto psicológico sobre a população – em especial sobre os mais velhos, que temem serem expulsos de suas aldeias. “Eles passam um bom tempo dizendo que nós seremos expulsos”, diz Huruka. A incompatibilidade da sobreposição de unidades de conservação sobre terras indígenas não serve como argumento para a não homologação. Outras terras em mesma situação de sobreposição de unidade de conservação tiveram seu processo de demarcação concluído. O exemplo mais recente foi a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde a proteção da Unidade de Conservação é de responsabilidade dos povos que lá vivem.
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NACIONAL OCUPAÇÃO
Produção e mobilização mantêm empregos Silvia Agostini Pereira e Antônio Hélio Pereira de Joinville (SC)
Cássia Souza
São cinco fábricas controladas por 1,5 mil funcionários, todas com viabilidade econômica comprovada
D
De acordo com o advogado Francisco Lessa, estas dívidas nunca foram cobradas anteriormente dessa maneira. A penhora de 25% do faturamento, como queria a Justiça, impossibilitaria a compra de matérias-primas e o pagamento de salários. Da mesma forma, o leilão de 307 máquinas, ocorrido dia 23 de junho. Essa trégua com os órgãos públicos é fruto de uma campanha nacional de apoio às fábricas, com envio de moções ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a representantes da Justiça. Em todo o país, foram coletadas 25 mil assinaturas no documento “Parem as ameaças de fechar as fábricas ocupadas! Parem as ameaças de prisão”. O abaixo-assinado foi entregue por Serge Goulart a Lula, dia 17 de maio, em audiência com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Uma delegação de operários das fábricas ocupadas marcharam de Goiânia a Brasília pela reforma agrária e estatização das empresas (1º a 17/05).
APOIO A campanha também conseguiu a solidariedade de lideranças nacionais como dom Tomás Balduíno, da Comissão Pastoral da Terra; senador Eduardo Suplicy (PT/SP); Plinio Arruda Sampaio, da Associação Brasileira de Reforma Agrária; jornalista José Arbex Júnior; jurista Celso Antônio Bandeira de Mello e outros que enviaram carta ao presidente, ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci e o então ministro da Previdência, Romero Jucá, em defesa dos empregos. Da Europa, África, Ásia e América foram enviadas cerca de 400 moções de apoio de sindicalistas, estudantes e lideranças populares. Embaixadas brasileiras no México, Espanha e França foram procuradas para pressionarem Lula a atender os trabalhadores.
AUDIÊNCIAS O pedido de uma audiência pública na Câmara dos Deputados foi feito pelo Fórum Parlamentar Comunitário de Joinville. Solicitação de uma terceira audiência com o presidente Lula deve ser assinada
adesão de mais três fábricas. Outras ocupações já são discutidas por trabalhadores de indústrias falidas ou em estágio pré-falimentar, como a têxtil Sulfabril, de Blumenau. Administradas por comissões de fábrica eleitas, são aquelas poucas empresas que, em três anos de ocupação, mantêm o quadro de funcionários e os portões abertos até hoje. Os operários reconhecem. “O que nos mantêm empregados e lutando é a nossa organização e mobilização”, afirma Vandeclei Gomes, da comissão da Cipla.
pelo governador de Santa Catarina, Luís Henrique da Silveira, e outras personalidades políticas locais. A presença de 2,5 mil pessoas no ato público realizado dia 14 de julho no centro de Joinville, em defesa do emprego e contra a prisão de dirigentes, mostrou o grande apoio popular à causa dos trabalhadores. A manifestação contou com a participação de representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), MST, Centro dos Direitos Humanos, sindicatos da região, associações de bairros, organizações estudantis e do Acordo Internacional dos Trabalhadores (AcIT), do Brasil e da França.
AVALIAÇÃO Nesse período, conferências nacionais em defesa do emprego, terra e parque fabril, manifestações contra leilões e retiradas de máquinas, além de abaixo-assinados para que o governo assuma as empresas é o que legitima a luta dos operários. Já foram três caravanas a Brasí-
ESTATIZAÇÃO Para os funcionários, a estatização das fábricas é a única solução para garantir os empregos. Iniciado na Cipla-Interfibra, em 31 de outubro de 2002, o movimento para que o governo assuma as empresas tem hoje a Empresas
lia, e só promessas foram arrancadas do governo. Em junho de 2003, em audiência, Lula prometeu fazer o que fosse preciso para garantir os empregos. Em junho de 2004, Luís Dulci, secretário-geral da Presidência, reafirmou o compromisso. Na oportunidade, foi formada uma comissão de técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e Banco de Desenvolvimento e Fomento do Estado de Santa Catarina (Badesc) para estudar a viabilidade econômica das empresas.
Funcionários
Data da ocupação
Produção
Cipla
800
31/10/2002
Artefatos plásticos para construção civil e linhas automotivas
Interfibra
200
31/10/2002
Tanques de fibras e tubos epóxi para prospecção de petróleo
Flaskô
80
12/06/2003
Bombonas para embalagem e armazenamento
Flakepet
140
09/12/2003
Reciclagem de garrafas pet
Profiplast
150
06/04/2005
Perfis de plástico para construção civil
COBRANÇA Em documento de fevereiro de 2005, os técnicos concluíram: “As empresas são viáveis”. Ao mesmo tempo, propuseram que, frente ao Arquivo assessoria de imprensa Cipla/Interfibra
TRÉGUA
Operários de fábricas ocupadas em Santa Catarina marcham de Goiânia a Brasília por terra e emprego digno
Em julho, a Cipla comemorou a suspensão de leilões e penhoras
Fonte: Cipla/Interfibra
PORTO ALEGRE
Protesto impede novo aumento de passagem Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS) Depois de Florianópolis (SC) e Vitória (ES), foi a vez da região metropolitana de Porto Alegre barrar o aumento das passagens de ônibus. Após mobilização que reuniu cerca de 80 pessoas na sede da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs), dia 4, o Comitê Metropolitano contra o Aumento impediu que o transporte público intermunicipal ficasse mais caro em 8,44%, índice proposto pela agência. Derrotado pela terceira vez consecutiva este ano, o conselho da Agergs adiou a decisão sobre o aumento e encaminhou a questão ao governador Germano Rigotto (PMDB), pedindo que ele se manifeste. Como já havia acontecido outras duas vezes, manifestantes de diversas cidades da região metropolitana se reuniram no local da votação do conselho. Cerca de 30 pessoas conseguiram entrar na sala dos conselheiros. Depois de
Folha Imagem
ívidas com o governo na casa de R$ 500 milhões e 1,5 mil postos de trabalho em risco. Esse é o quadro enfrentado pelos trabalhadores de cinco empresas brasileiras do ramo plástico, há quase três anos. São os funcionários da Cipla, Interfibra e Profiplast – de Joinville (SC), Flaskô – de Sumaré (SP) e Flakepet – de Itapevi (SP) que assumiram o controle administrativo e de produção das empresas à beira da falência, para garantir seus empregos. Ameaças à continuidade do funcionamento das fábricas e do movimento que começou com greves por pagamento de salários e direitos trabalhistas, em outubro de 2002, não faltaram nesse período. Leilões de máquinas, terreno e penhoras judiciais de bens e faturamento, assim como retiradas de maquinários são algumas das barreiras enfrentadas. A despeito dos obstáculos, a cada dia os trabalhadores estão mais dispostos a resistir e vem obtendo maior apoio à sua luta. Em julho, comemoraram uma vitória: a suspensão de leilões e penhoras de faturamento por parte da Fazenda Federal e Previdência Social. Desde março deste ano, ações da Justiça Federal cobravam, sob ameaça de prisão de Serge Goulart – fiel depositário e coordenador administrativo da Cipla/Interfibra – dívidas milionárias deixadas pela antiga administração.
passivo “seus créditos sejam transformados em ações, como capitalização do BNDES e de um dos agentes de desenvolvimento estadual, BRDE ou Badesc”. Para Serge Goulart, coordenador das comissões das fábricas ocupadas, “o documento afirma nossa idéia inicial e mostra que a proposta de estatização não é inconcebível, como muitos dizem”. Os trabalhadores querem uma terceira audiência com o presidente para, em mãos, entregar o documento e cobrar medidas concretas para o problema. “Não estávamos brincando quando fomos a Brasília encontrar com Lula e afirmamos que vamos até o fim para defender estes postos de trabalho” completa o dirigente. Diante da crise política que vive a nação, os operários das fábricas ocupadas, juntamente com servidores federais, agricultores sem-terra, estudantes, sindicalistas e ferroviários convocam, para o dia 3 de setembro, um Encontro Nacional de Trabalhadores do Campo e da Cidade. O evento será realizado em São Paulo, com o objetivo de discutir e encaminhar medidas de luta pelas reivindicações urgentes dos trabalhadores. Diz a convocatória: “É preciso: estatizar as fábricas ocupadas!; reestatizar as ferrovias e todas empresas e serviços públicos privatizados! Terra para os sem-terra! Assentamento imediato de 1 milhão de famílias!; Independência das Organizações dos trabalhadores! e Soberania Nacional!” A convocação da atividade já está assinada por 115 entidades e lideranças políticas, sindicais e populares. Estão marcados 30 encontros regionais, estaduais e municipais para preparar e eleger representantes. Mil delegados são esperados para o evento.
O cálculo do aumento das passagens é feito com base em estudos das empresas
muita discussão, a sessão foi interrompida: os membros do conselho concluíram que a Agergs é um órgão técnico e, portanto, não pode determinar um debate que também envolve questões sociais e políticas. “Nós consideramos a decisão uma vitória porque a passagem não aumentou e a Agência reconheceu a questão como um problema social e não técnico”, afirmou a estudante Ana Paula Antunes Martins, do DCE da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
integrante do Comitê Metropolitano contra o Aumento.
PROCESSO O aumento da passagem da grande Porto Alegre é determinado pela Agergs. As empresas de ônibus da região metropolitana encaminham à Fundação de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), órgão pertencente ao Estado, o pedido de reajuste. A Metroplan calcula um índice de aumento e repassa à Agência, cujos técnicos fazem o recálculo
para um novo índice – que precisa ser aprovado pelo Conselho da Agência, formado por representantes do governo, do empresariado e dos usuários. Na sessão do Conselho do dia 28 de junho, devido à pressão popular, a Metroplan retirou o índice de 13,99% que tinha apresentado, recalculou-o e levou um novo número à Agergs. A agência chegou ao índice de 8,44%, percentual apresentado na reunião do dia 4. Para o estudante Vicente Ribeiro, do Comitê Metropolitano contra o Aumento, os cálculos são imprecisos pois se baseiam em dados fornecidos pelas próprias empresas. Além disso, as companhias não explicitam o seu percentual de lucro. “Queremos que as empresas tornem pública a taxa de lucro para que a população possa participar de todos os passos do cálculo de aumento e até propor alternativas. As passagens, caras, não equivalem ao serviço prestado, que é muito ruim. Além disso, por causa das passagens caras, os empresários não querem contratar os moradores da região metropolitana”, argumenta Ribeiro.
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NACIONAL FUMICULTURA
Chega de lavoura nociva
Hamilton Octavio de Souza
Agricultores se organizam para trocar cultura de fumo por produção mais saudável
Acumulação invertida Uma das obras mais terríveis do governo Lula e também da desastrosa atuação da bancada petista no Congresso Nacional foi a de ter resgatado, recuperado e reforçado na vida pública figuras como Severino Cavalcante, Ibrahim Abi-Ackel, José Sarney e tantos outros oriundos da Arena e da ditadura militar. Vade retro! Mobilização agora Os setores mais combativos do PT e os partidos de esquerda não aliados com o governo Lula estão prometendo juntar forças com os movimentos sociais e os militantes das pastorais nas manifestações do Grito dos Excluídos, dia 7 de setembro, em todo o Brasil. A proposta é construir uma grande frente de luta contra o neoliberalismo e contra o imperialismo – por um projeto nacional de desenvolvimento com ampla inclusão social. Esquema Valeriano O esquema montado por Marcos Valério e Delúbio Soares, certamente com o aval de outras lideranças petistas, cuidou de coletar “comissões” de empresas que venceram licitações públicas ou foram beneficiadas por ações governamentais, que depositaram em contas não identificadas no Banco Rural, que transferiu os recursos na forma de empréstimos para as agências de publicidade, que distribuíram para dirigentes partidários e parlamentares – tanto para mudar de partido, votar no governo como para saldar dívidas de campanha. Simples, né? Esquema Meirelles Vários bancos estrangeiros estão cobrando do Banco Central do Brasil o prejuízo que tiveram no golpe do Banco Santos, que sofreu um desvio de R$ 3 bilhões e só foi fechado muito tempo depois do estrago na praça. Fatos como os do Banco Santos e os do Banco Rural mostram a “competência” do tucano Henrique Meirelles na presidência do Banco Central, sempre blindado e prestigiado pelo Ministério da Fazenda e pelo Palácio do Planalto. Esquema Palocci O Bradesco registrou lucro de R$ 1,416 bilhão no segundo trimestre deste ano, o que corresponde a um aumento de 120% ao lucro obtido no mesmo período do ano passado. Os bancos continuam batendo recordes de ganho, enquanto o crescimento do país tem ficado sempre abaixo dos 5%, o desemprego atinge milhões de trabalhadores e o governo corta programas e investimentos sociais para pagar os juros da dívida. A transferência de renda é escandalosa. Esquema Mentor Agora se sabe que o Banco Rural, tão descuidado nos empréstimos milionários que faz, enviou mais de seis milhões de dólares para paraísos fiscais no exterior, entre 1996 e 2000, fato apurado pela CPI do Banestado, mas não incluído no relatório final elaborado pelo deputado federal José Mentor (PT-SP). O mais estranho é que tudo isso foi divulgado pela imprensa e o Banco Central nada fez, na época, contra o poderoso Banco Rural. Mais uma peça no quebra-cabeça. Sesmarias viárias Vários consórcios empresariais estão de boca nos novos lotes de privatização de rodovias federais, evidentemente não pelo interesse social e econômico do investimento, mas porque o BNDES promete liberar de imediato R$ 4 bilhões para recuperação dessas estradas. Depois, o caça-níquel vai funcionar mesmo com as coletas dos pedágios. A sangria aumenta a cada dia.
Aline Gonçalves de Curitiba (PR)
E
m um dos maiores pólos produtores de fumo do Brasil, uma pequena revolução está em curso. Famílias de agricultores trabalham associadas para converter lavouras de fumo em produção agroecológica. Os benefícios começam pela melhoria da saúde e bem-estar dos próprios produtores e vão até a mesa dos consumidores. Mas esse processo não é simples. Para iniciá-lo, na maioria das vezes, é preciso buscar alternativas dentro do próprio modelo de integração criado pelas indústrias fumageiras. Por iniciativa do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Sindicato das Indústrias de Fumo (Sindifumo), foi criada a Cooperfumos do Brasil, cooperativa mista de fumicultores com sede em Santa Cruz do Sul (RS), que comercializa as safras familiares, coletivamente. O objetivo é melhorar a negociação entre o produtor e a indústria. Com a cooperativa, os agricultores ganham força para que a classificação das folhas produzidas seja mais parelha e honesta, o que torna o pagamento mais justo e equivalente à qualidade do tabaco apresentado. Outra alternativa para escapar da cadeia de integração é a opção pelo o fumo orgânico, livre de agrotóxicos. Produto que é resultado de uma experiência acumulada por agricultores familiares vinculados aos Sindicatos dos Trabalhadores na Agricultura Familiar na região Centro-Sul do Paraná (Sintrafs). O tabaco orgânico representa uma iniciativa emancipatória e um passo importante para a sanidade dessa cadeia produtiva. Não significa, porém, que a atingirá. Como as indústrias fumageiras não perdem oportunidades de novos negócios, já se apropriaram do conhecimento dos agricultores de fumo orgânico e criaram uma versão do pacote tecnológico desenvolvido para a produção de tabaco orgânico.
Agricultores trabalham para converter lavouras de fumo em produção agroecológica
mília de agricultores isoladamente querer fazer a conversão. Dessa forma é muito difícil conseguir manter o nível de renda próximo ao obtido com o fumo. “O processo de conversão é gradual, porque muitos dos agricultores estão endividados. Então, primeiro eles diminuem a área plantada até que conseguem fazer toda a conversão”, explica o coordenador do Capa. O trabalho começa com a articulação entre os produtores locais. “Em reuniões com a comunidade são dadas informações gerais sobre a agricultura ecológica e as alternativas de produção. Depois tratamos de questões da saúde dos agricultores (fitoterapia) e também de alimen-
tação (subsistência). Discutimos as supostas vantagens e problemas das várias formas de produção integrada, tanto da produção de fumo como de aves e suínos, e também as possíveis formas de conversão para a agroecologia”, continua Weber.
CULTURA POPULAR Como resultados desse processo estão o resgate da auto-estima, melhorias na saúde e na alimentação, o melhor relacionamento com a comunidade. Weber ressalta: “O mais importante é o resgate da cultura popular e da autonomia das famílias. Plantamos arroz, mate, produzimos mel. Assim, as famílias recuperam a autonomia, con-
EMANCIPAÇÃO Diante da forte barreira à emancipação dos agricultores por parte das indústrias, algumas iniciativas tentam transformar todo o contexto social e econômico das famílias fumicultoras. Jaime Weber, engenheiro agrônomo e coordenador do Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (Capa) de Santa Cruz do Sul, trabalha na capacitação de comunidades rurais para propiciar sua emancipação cultural e econômica. Com apoio do Capa, famílias de 19 municípios do entorno da cidade buscam formas de fazer a conversão gradual da cultura do fumo. “Não se consegue fazer a conversão de uma lavoura de fumo de uma hora para outra. É preciso trabalhar outras perspectivas com o agricultor e sua família. Lidamos com o modo de produção, a saúde e a alimentação dos agricultores”, explica Weber. O Capa é uma organização não-governamental que atua na Região Sul do Brasil, em busca da promoção da justiça social. Para isso, trabalha com os agricultores familiares no enfrentamento do modelo de grandes latifúndios, em ações de organização e preparo técnico, visando o desenvolvimento auto-sustentável integral. São beneficiadas 4,5 mil famílias, nos cinco núcleos de atuação. “Nosso trabalho é direcionado para grupos, estimulamos a solidariedade comunitária, o associativismo e a formação de cooperativas. Em conjunto, as famílias que participam das atividades beneficiam e comercializam seus produtos, o que ajuda a aumentar a lucratividade”, explica Weber. Segundo ele, não basta uma fa-
Criação da Cooperfumos, agricultores ganham força para reivindicar seus direitos
seguem a subsistência. Esse é um benefício que economicamente não é computado, mas é assim que eles se tornam independentes. Reaprendem a conhecer as plantas, os ciclos da natureza e não se endividam”. Para Albino Gewehr, técnico agrícola da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na Câmara Setorial do Fumo e assessor da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Sul), a conversão é, inclusive, economicamente vantajosa: “Temos, no Brasil, várias culturas que têm rendimento superior ao da plantação do fumo. A fruticultura e as hortaliças dão rendimento maior, mas a falta de condições de investimento e de assistência técnica dificulta”. Para Gewehr, já podem ser apontados avanços na questão do crédito para a conversão, mas ainda faltam políticas públicas amplas para as famílias que se dispõem a fazê-la. “As pesquisas das instituições como a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e a Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostram que mais de 60% dos agricultores não plantam fumo porque gostam e sim por não ver outra opção. Nesse sentido, precisamos avançar para atender à demanda por recursos para a conversão. Precisamos de mais associações e cooperativas que dêem suporte aos agricultores”, alerta Gewehr.
Ministério Público não vê avanço nas negociações Depois de mais de cinco anos de trabalho de articulação com os diferentes setores envolvidos na cadeia de produção do fumo, a procuradora estadual do Trabalho da 9ª Região de Curitiba, Margareth Matos de Carvalho, não conseguiu ver resultados concretos das negociações. Para ela, todos os problemas desencadeados pela produção do fumo no sistema de integração têm urgência em ser resolvidos: “Desde 1998 estamos tentando negociar com as partes e não conseguimos melhorias nas condições de trabalho dos fumicultores. Não consegui ver diferença nenhuma”. Margareth vai entrar, em breve, com uma ação judicial em âmbito estadual. Durante esse processo de negociação, foi elaborado um conjunto de medidas orientadas para adequação da conduta de todos os envolvidos na atividade fumageira. O esforço era para que as medidas fossem homologadas por todos os Estados do Sul e incorporadas ao debate travado no âmbito da Câmara Setorial do Fumo, do Sindifumo e da Comissão Técnica Mista. Entre as propostas, estão a eliminação dos agentes tó-
Aline Gonçalves
Impotência política Apesar das declarações do novo presidente do PT, Tarso Genro, no sentido de punir os envolvidos nos casos de corrupção e re-fundar o partido, o Diretório Nacional deixou claro que não pretende se dobrar diante das denúncias ou aprovar mudanças significativas no partido. A não punição de Delúbio Soares serviu de recado para quem esperava um processo de autotransformação.
Fotos: Aline Gonçalves
Fatos em foco
Desde 1998, não há melhorias nas condições de trabalho dos fumicultores
xicos, a garantia de participação e expressão dos fumicultores nas negociações da safra e a rediscussão do modelo de integração.
ENFRENTAMENTO Porém, existe um longo caminho e um duro enfrentamento político e jurídico pela frente: a resistência gerada pelo fascínio do capital das transnacionais fumageiras. Até porque, normalmente, ao analisar os pedidos de seqüestro e arresto de produ-
ção, feitos pelas indústrias, para garantir que o agricultor não desviará a safra, o poder judiciário não questiona as irregularidades existentes nos contratos de integração rural. Para resolver o problema, na opinião das lideranças dos trabalhadores do setor, será necessário que os trabalhadores estejam articulados e mobilizados para conquistar mudanças estruturais profundas nas relações com o capital que historicamente explora o campesinato. (AG)
7
De 11 a 17 de agosto de 2005
NACIONAL CONJUNTURA
Segundo semestre começa fraco Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
O
governo e sua equipe econômica podem ter pouco tempo para festejar os números (relativamente) positivos divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicando alguma reação da atividade econômica no final do primeiro semestre. Os primeiros dados disponíveis para julho sugerem que a economia parece ter entrado numa gangorra, alternando períodos de alta relativa e fases de desaquecimento, influenciada positivamente, de um lado, pelo avanço das exportações e da oferta de crédito ao consumidor, e negativamente, pelo fraco desempenho da renda e do emprego. Aparentemente, ao contrário do que sugere a retórica governamental, a economia ainda não indica fôlego suficiente para uma retomada sustentada (ou seja, de prazo mais longo), mesmo porque a política econômica não sofreu qualquer mudança substancial nas últimas semanas. Os juros continuam nas nuvens, apenas pararam de subir, e o aperto sobre gastos e investimentos públicos até se agravou no primeiro semestre.
ACOMODAÇÃO Em julho, num claro indicador de novo desaquecimento, o consumo de energia encolheu 1,8% na comparação com junho, ficando cerca de 3% abaixo do nível de janeiro. A produção e a venda de veículos, que cresciam aceleradamente, impulsionadas pelas exportações e pelas facilidades do crediário, sofreram baixa, pela ordem, de 6,3% e de 6,6% em relação a junho, segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O volume
RENDA AINDA PATINA Rendimento real médio da população ocupada em seis regiões metropolitanas*
Período
Total (R$)
Período
Total (R$)
Jun/04
948,50
Jan/05
948,63
Jul/04
954,52
Fev/05
957,77
Ago/04
940,96
Mar/05
962,70
Set/04
957,04
Abr/05
945,84
Out/04
945,39
Mai/05
931,74
Nov/04
946,10
Jun/05
945,80
Dez/04
928,61
Eduardo Kanpp/Folha Imagem
Produção de veículos, que vinha puxando o crescimento da indústria, e consumo de energia sofrem baixa em julho
(*) Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre Fonte: IBGE
exportado também encolheu por volta de 8%. A menor produção das montadoras, setor que chegou a responder por mais de um quinto de toda a taxa de crescimento da produção industrial no primeiro semestre de 2005, deve determinar uma acomodação na produção de aço, borracha, plásticos e autopeças. A indústria siderúrgica, com estoques próximos a 700 mil toneladas, espera repetir, em julho, a produção do mesmo mês de 2004, em torno de 2,5 milhões de toneladas – o nível mais baixo neste ano, se a previsão do setor se confirmar. Os fabricantes de máquinas e equipamentos recalibraram seus cálculos, que contemplavam um avanço de 15%, e agora esperam pelo menos repetir os resultados de 2004, quando registrou um faturamento de R$ 45,6 bilhões.
RUPTURA No final de julho, preocupado com o recuo dos pedidos para a fabricação de novas máquinas, a entidade do setor, segundo o jornal O Estado de São Paulo, encaminhou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aos ministros da área econômica e aos presidentes da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), e do
Senado, Renan Calheiros (PMDBAL), carta cobrando uma “ruptura” na política econômica. Diante dos sinais de retração, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) cobra o abandono da política “neoliberal” adotada pela equipe econômica – como a própria entidade qualifica – e sugere que o Banco Central deveria levar em conta a necessidade de estimular o crescimento e a criação de empregos em suas decisões, abandonando a política de juros estratosféricos adotada até aqui. A mesma advertência foi levantada pelo economista e Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, durante seminário realizado no Rio de Janeiro na semana passada. “Trata-se de um erro manter a política econômica com foco unicamente no combate à inflação. Nos Estados Unidos, o Banco Central preocupa-se com emprego e crescimento”, afirmou. Na mesma trilha, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) também revisou para menos suas previsões para Brasil – de 4% para 3%, o que colocaria a economia do país, na região, à frente somente do Haiti e El Salvador.
Ao contrário da propaganda, economia ainda não dá sinais de recuperação
DESEMPREGO RECUA Taxa de desocupação em seis regiões metropolitanas* Período
Taxa (%)
Período
Taxa (%)
Jun/04
11,7
Jan/05
10,2
Jul/04
11,2
Fev/05
10,6
Ago/04
11,4
Mar/05
10,8
Set/04
10,9
Abr/05
10,8
Out/04
10,5
Mai/05
10,2
Nov/04
10,6
Jun/05
9,4
Dez/04
9,6
(*) Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre Fonte: IBGE
Na indústria, expansão em junho Depois de sete meses de virtual estagnação, a produção industrial reagiu em maio e voltou a crescer em junho, segundo levantamento mensal realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na comparação com maio, o setor avançou 1,6%, com crescimento de 6,3% em relação a junho de 2004. No primeiro semestre, a indústria acumulou um incremento de 5% frente aos mesmos seis meses de 2004. A questão é que apenas quatro setores de atividade responderam por mais da metade de todo o crescimento da produção industrial de janeiro a junho. As indústrias de extração mineral (minério de ferro e petróleo), de edição e impressão de revistas e jornais, de material eletrônico (celulares e televisores a cores) e de veículos tiveram uma participação de 54,8% na taxa apurada pelo IBGE para todo o setor industrial. O Instituto destaca o desempenho da indústria de bens duráveis (automóveis, celulares, televisores, geladeiras, DVDs etc.), que cresceu 8,1% em relação a maio, e 16,7% no primeiro semestre, explicado em função do forte aumento das exportações e da expansão do crédito ao consumidor.
EXPORTAÇÕES Até junho, o país exportou 53,7 bilhões de dólares, 24% a mais do que em igual período de 2004. As vendas de manufaturados, categoria que engloba os bens duráveis, cresceram 30%, alcançando 30 bilhões de dólares, representando quase 56% do total exportado. Como segundo fator a explicar aquele desempenho, a oferta de crédito ao consumidor pessoa física
aumentou perto de 21% no primeiro semestre, um salto de 37% na comparação entre junho deste ano e igual mês de 2004. Em junho, o saldo desses empréstimos atingiu R$ 137 bilhões. O crédito pessoal liderou o crescimento, aumentando mais de 51% desde junho do ano passado, enquanto os financiamentos para compra de bens e produtos (exceto veículos) aumentaram 49,5%. Na média, os bancos informam uma inadimplência (atrasos no pagamento de prestações do crediário) estacionada entre 5% e 6% nas linhas de crédito para pessoas físicas desde o ano passado, a despeito do crescimento dos valores emprestados. Em parte, o índice relativamente reduzido pode ser explicado em função das características de um tipo de operação que tem crescido aceleradamente desde o ano passado. Pelo menos um terço dos financiamentos destinados às linhas de crédito pessoal corresponde, hoje, a operações de crédito consignado em folha de pagamento. As prestações deste tipo de empréstimo são descontadas pelas empresas e Previdência diretamente da folha de salários e/ou do contra cheque de aposentados, em nome da pessoa que tomou o empréstimo. O risco de atrasos, neste caso, é muito baixo.
RISCOS Mas há indícios de que a inadimplência ainda poderá se transformar numa preocupação real. Em junho, o total de cheques devolvidos por falta de fundos ficou em 19,1 para cada lote de mil documentos compensados, repetindo o dado de maio. Houve, no entanto, um cres-
VENDAS EM BAIXA NOS SUPERMERCADOS Variação real, descontada a inflação, em relação ao mês anterior Período
Variação (%)
Jan/04
-26,39
Fev/04
-3,10
Mar/04
+5,76
Abr/04
+5,89
Mai/04
-4,66
Jun/04
-3,63
Jul/04
+6,64
Ago/04
-2,06
Set/04
-1,87
Out/04
+7,31
Nov/04
-4,13
Dez/04
+34,94
Jan/05
-27,66
Fev/05
-4,99
Mar/05
+16,41
Abr/05
-9,63
Mai/05
-0,64
Jun/05
-3,62
Fonte: Associação Brasileira de Supermercados (Abras)
cimento de 31% em relação a junho do ano passado. Para os setores que dependem mais diretamente do desempenho do emprego e dos salários, a situação está longe de ser brilhante. As vendas dos supermercados estão em baixa desde abril, quando desabaram quase 10% em relação a março e 3,2% frente a idêntico período de 2004. Em maio, segundo dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), houve novo recuo em relação a abril e a maio de 2004. Em junho, menos 3,6% na comparação com maio deste ano. (LVF)
Emprego estaciona, mas desemprego cai A taxa de desemprego baixou de 10,8% em abril, para 9,4% em junho, de acordo com o IBGE. Na Grande São Paulo, segundo a Fundação Seade e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), há três meses o desemprego não sai dos 17,5%, indicando estagnação do mercado de trabalho. A semelhança entre as duas pesquisas está em um outro dado: tanto o IBGE quanto o Dieese mostram que, nos dois casos, o comportamento do mercado de trabalho foi influenciado pela decisão de desempregados de não procurar mais emprego. Na região metropolitana de São Paulo, 19 mil pessoas abandonaram a busca por uma vaga. Em todo o país, a mesma decisão foi tomada, em junho, por 181 mil pessoas. Na versão mais otimista, esse contingente seria representado por familiares que foram obrigados a procurar uma ocupação para complementar a renda em casa diante do desemprego do cabeça da família. Agora, estariam deixando o mercado de trabalho, o que reduz o total de desempregados, porque pais e/ou mães conseguiram emprego depois de meses de desocupação.
SUBEMPREGO Uma análise menos entusiasmada sugere que a tendência estaria relacionada ao desânimo momentâneo daqueles desempregados, diante da precariedade ainda em vigor para o mercado de trabalho. Em junho, só foi possível conseguir colocação em ocupações por conta própria (camelôs e outros bicos) e, mesmo assim, com carga inferior a oito horas diárias (o que significa subemprego).
O total de empregados por conta própria cresceu de 3,77 milhões em maio para 3,82 milhões em junho, enquanto os empregos com carteira assinada murcharam de 14,88 milhões para 14,84 milhões. O total de subempregados cresceu de 773 mil para 808 mil, e os empregados sem carteira passaram de 4,43 milhões para 4,45 milhões. Na comparação com junho do ano passado, foram contratadas 647 mil pessoas a mais, 87% das quais com carteira assinada – um dado sem dúvida positivo. Mas praticamente 55% desse contingente conseguiu colocação como empregados domésticos e outros serviços do tipo, onde os salários são mais baixos.
RENDA Enquanto o emprego não promete grandes coisas, a renda média das pessoas ocupadas avança aos trancos e barrancos, quando avança. Em junho, na comparação com maio, segundo o IBGE, houve um aumento de 1,5%, para R$ 945,80, nas seis regiões metropolitanas pesquisadas, refletindo basicamente os efeitos da correção do salário-mínimo e a menor variação da inflação (como todos os demais preços na economia, na média, subiram menos do que o salário, houve um ganho relativo para o trabalhador). Mas, na comparação com junho de 2004 e de 2003 aquele valor ainda expressa quedas, pela ordem, de 0,3% e 0,7%. Na Grande São Paulo, conforme o Dieese, a renda média do trabalhador sofreu baixa de 0,4%, de maio para junho – o que significa uma queda acumulada de praticamente 4% desde outubro. (LJF)
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De 11 a 17 de agosto de 2005
NACIONAL FORMAÇÃO
Movimento alfabetiza mais de 3 mil Alexania Rossato de Brasília (DF)
E
m quase um ano de atuação, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) está finalizando a alfabetização de 3.050 jovens e adultos, organizados em 149 turmas, em 14 Estados. Num projeto inovador, apoiado em educadores populares, o MAB leva formação a pessoas que historicamente foram excluídas das salas de aula e hoje são expulsas de suas terras pelas grandes construtoras de barragens. Nos três encontros nacionais com os coordenadores estaduais que em suas localidades reproduzem a formação para os educadores, foram feitos relatos riquíssimos das atividades pedagógicas. “Quando eu era nova, fui algumas vezes para a escola, mas não ficava muito tempo por causa da distância; outras vezes, desisti porque a professora ia uma vez, depois não voltava mais”, diz dona Henriqueta Gomes dos Anjos, de 65 anos, atingida pela barragem de Serra da Mesa, no norte de Goiás. Os educadores relatam também que a participação das comunidades nas atividades educativas fortalecem o Movimento pois as pessoas acabam se inserindo cada vez mais nas discussões e debates promovidos pelo MAB. O Coletivo de Educação do MAB foi criado com os objetivos de possibilitar que parte da população atingida por barragens tenha educação voltada à sua realidade específi-
Alexania Rossato
Atingidos por barragens participam de projeto de educação voltado para a realidade das populações excluídas
Método Paulo Freire é utilizado no projeto de alfabetização de jovens e adultos, organizados em149 turmas, em 14 Estados
ca e a suas necessidades, desenvolver processos de alfabetização que possibilitem aos jovens e adultos o acesso e o domínio à cultura letrada e de formar uma equipe de educadores para atuar em processos de alfabetização, com qualificação pedagógica e metodológica condizente com a realidade e a cultura dos atingidos por barragens. “Essa é uma das formas de instrumentalizar os atingidos para a luta nas barragens. Não estamos assumindo um papel do Estado,
ões são usados como instrumentos de ensino. Nas aulas, além da alfabetização, os educadores trabalham temas que provoquem “a leitura do mundo”, como dizia Paulo Freire. “Trabalhamos temas como a importância do trabalho remunerado, a transposição do Rio São Francisco e os prejuízos das barragens para os atingidos”, diz a sergipana Maria Aparecida dos Santos, educadora da turma Che Guevara. No dia 12, estão sendo esperados
mas sendo parceiros deste ao levar para as comunidades ribeirinhas um direito que é de todos”, afirma Gilberto Cervinski, da direção nacional do Movimento.
NOVO FÔLEGO O projeto de educação do MAB segue o método Paulo Freire de ensino: as histórias de vida e experiências dos educandos são valorizadas e trabalhadas nas salas de aula, assim o uso de materiais típicos das regi-
Entidades sociais e universidade unidos por um projeto popular
Frente parlamentar articula campanha Igor Ojeda da Redação A Frente Parlamentar Por um Brasil Sem Armas lançou oficialmente, dia 1º, em Campinas (SP), a campanha pelo “sim” no referendo popular que acontecerá dia 23 de outubro, quando os eleitores brasileiros deverão responder à pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. “Estamos criando comitês nos Estados. Acontecerão atos em todos eles”, diz o deputado federal João Fontes (PDT-SE), um dos integrantes da frente. Além disso, serão produzidas cartilhas educativas e será implantada uma central de atendimento 0800 para a população tirar suas dúvidas. No dia 4, o Tribunal Superior Eleitoral regulamentou a propaganda eleitoral para o referendo. Cada parte terá até 20 minutos diários para defender seu ponto de vista por meio de anúncios pagos no rádio e na TV. Na imprensa escrita, o espaço de cada um é de um oitavo de página em jornais e um quarto de página em revistas. Em termos de custos, a campanha pelo “não” promete ser bem mais cara. “A ´bancada da bala´ tem muito dinheiro”, ironiza Fontes, referindo-se aos congressistas que são
Educadores dos movimentos sociais debatem de economia à formação étnica
Integrante do Grupo de Pesquisa da UFMA e da pós-graduação em Políticas Públicas, a professora Josefa Batista Lopes ressalta a importância do MST como articulador da união dos movimentos do campo e da cidade e diz que o curso Realidade Brasileira “não é somente um curso, mas um aprofundamento da análise crítica da realidade a partir dos grandes pensadores, aliado à história de vida, de formação e de inserção social de cada participante”. Exemplo disso é Maria de Jesus Ferreira Bringerlo, de 54 anos, uma das coordenadoras da Assema. Moradora da comunidade quilombola Monte Alegre, no município de São Luís Gonzaga (MA), dona Djé, como é chamada, trabalha na roça e é quebradeira de coco babaçu desde a adolescência. Ela diz que agora se sente mais capacitada para contribuir com as discussões
de sua comunidade. Relata que, ao ler Casa Grande e Senzala, conseguiu enxergar sua história de vida e de seus antepassados. E acrescenta: “No curso aprendemos aquilo que a escola tradicional não ensina. Meu sonho é chegar um dia e ver minha comunidade tendo a consciência de nosso papel na sociedade. É preciso dar valor à nossa identidade”. Ex-funcionário de uma prefeitura do interior do Estado, Lázaro Alves Pereira, de 30 anos, entrou para o MST após participar de uma ocupação e ser preso. “No curso, me transformei, abri meus horizontes, despertei para a vida”. José Luís da Silva Costa, de 29 anos, também do MST, destaca a importância de os trabalhadores terem acesso ao conhecimento científico político e participação na construção de um projeto popular para o Brasil.
contra o desarmamento. De acordo com ele, ainda não foi discutido o montante de recursos – que deverão ser captados em showmícios e por contribuições voluntárias – necessários para a campanha pelo “sim”. Apesar de financeiramente estarem bem atrás, os partidários do desarmamento já têm o que comemorar. De acordo com pesquisa Datafolha divulgada dia 1º, 80% dos brasileiros defendem a proibição da venda de armas de fogo e munição, enquanto 17% responderam ser contra. Para Fontes, esse resultado mostra “que há um sentimento na sociedade a favor do desarmamento. Entendemos que isso vai ser difícil de ser revertido”. A Frente por um Brasil sem Armas é presidida pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e tem como secretário-executivo o deputado Raul Jungmann (PPS-PE). Fazendo campanha pelo “não”, está a Frente Parlamentar Pelo Direito à Legítima Defesa, comandada pelo deputado federal Alberto Fraga (PTB-DF). O deputado Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP) – governador de São Paulo na época do massacre do Carandiru – é o primeiro vicepresidente. O voto será obrigatório e secreto. O TSE estima um custo em torno dos R$ 250 milhões para a organização do referendo.
Agência Brasil
Cinqüenta militantes, dirigentes e educadores de movimentos sociais de 16 entidades dos Estados do Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins passaram dois anos estudando e discutindo textos de grandes pensadores brasileiros como Luís Câmara Cascudo, Caio Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Josué de Castro, Manuel Correia de Andrade, além do pensamento socialista desenvolvido por teóricos como Marx, Lênin, Gramisci. Eles participaram do curso Realidade Brasileira, que se encerrou dia 29 de julho, em São Luís (MA). A iniciativa, da Escola Nacional Florestan Fernandes, foi incorporada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), por meio do Grupo de Pesquisa e Debate em Serviço Social. Para Marina Maciel Abreu, uma das coordenadoras do curso e professora do Departamento de Serviço Social e de pós-graduação em Políticas Públicas da UFMA, “foi uma experiência rica, um grande aprendizado com troca de saberes. Mostrou a capacidade que a universidade tem de responder às demandas dos movimentos sociais. O resultado positivo não surpreendeu, pois sabemos a disposição que os militantes têm na sua prática diária”. Conceitos básicos de economia política, formação econômica do Brasil, formação étnica e cultural do povo brasileiro, história das lutas populares no Brasil, questão agrária na atualidade e teoria da dependência foram alguns dos temas abordados por 31 professores das universidades Federal do Maranhão, Estadual do Maranhão (UEMA), Universidade de Brasília (UnB), Federal do Ceará (UFC), Federal do Pará (UFPA), Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), pela Fundação Darcy Ribeiro, pela Faculdade São Luís, por educadores populares e educadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema).
DESARMAMENTO
Rafael Bavaresco
Rafael Bavaresco de São Luís (MA)
mais de 250 educadores e representantes dos educandos para o 1º Encontrão Nacional de Educadores do MAB, que acontecerá em Luziânia (GO). Segundo Ana Rita Lima Ferreira, uma das coordenadoras do evento, a atividade terá caráter de avaliação, de animação e de reafirmação dos compromissos e das propostas do projeto de educação do Movimento. “Fazer esse encontro, neste momento, é fundamental, pois demarca o final de uma fase e o início de outra. Serão novas turmas, novos educandos e educadores. Acredito que proporcionar alfabetização a esse povo é baixar o alto índice de analfabetismo ainda existente no Brasil”, afirma Ana. A coordenadora se refere, por exemplo, aos números absurdos de analfabetismo da Região Nordeste do país. No município de Jaguaribara, atingido pela barragem de Castanhão, no Ceará, 42% da população rural acima de 15 anos é analfabeta. Em Natuba, município atingido pela barragem de Acauã, na Paraíba, 55% da população rural acima de 15 anos também não sabe ler e escrever. “É inadmissível que populações como essas, vítimas do descaso dos governos, não tendo acesso nenhum à educação, sejam vítimas também das grandes construtoras de barragens. Estamos trabalhando para amenizar o problema e para resgatar a dignidade desse povo. O Encontrão reafimará o compromisso do MAB com mais essa frente, a educação“, assegura Ana.
Pesquisa revela que 80% dos brasileiros querem a proibição da venda de armas
Ano 3 • número 128 • De 11 a 17 de agosto de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO BOLIVARIANAS
A resistência renovada na Venezuela Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
Nama
Encontro mundial reúne milhares de jovens em Caracas para debater alternativas ao imperialismo zapatista e os jovens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre o direito à terra e os distintos processos de luta de cada organização. “Socialismo não se faz em laboratório, e sim com o povo. Por isso, precisamos aprender para fazer avançar a luta, que é a mesma, aqui ou em qualquer país”, comenta Maria Fernanda Romero, estudante da Universidade Bolivariana, durante a recepção aos 22 jovens do MST recém-chegados à Venezuela.
C
ontra o imperialismo e a guerra. Entre os dias 8 e 15 de agosto, a capital Caracas estará tomada por cerca de 15 mil jovens de dezenas de países que discutirão os temas que pautam a agenda dos grupos de resistência mundial: imperialismo, guerra, neoliberalismo, endividamento externo, integração e obviamente, o processo de mudanças no país anfitrião. Será o XVI Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes (FMJE). Caras desconhecidas e deslumbradas circulam pelas ruas onde a resistência contra o imperialismo está presente nos muros e no discurso da maioria dos venezuelanos, que mantém a revolução bolivariana. Nas oficinas, seminários e conferências, nada de muito novo. Trata-se da mesma estrutura do Fórum Social Mundial, com nova roupagem para um público mais segmentado. A troca de experiências entre os jovens e a necessidade de criar redes capazes de efetivar as propostas encaminhadas são aspectos que têm cercado as discussões. Nesse sentido, o encontro pode ser um diferencial em relação a Porto Alegre. “É crucial que consigamos desenvolver mecanismos de trabalho articulados, com propósitos comuns”, avalia Carlos Aquino Galeano, coordenador da Comissão Política do Comitê Nacional Preparatório, para quem o Festival é estratégico para a juventude venezuelana.
ACAMPAMENTOS A juventude organizada no bairro 23 de Janeiro – um dos mais combativos da capital venezuelana e que carrega um legado de luta e resistência – resolveu criar um espaço autogestionado para as discussões que “ficaram por fora” do
HISTÓRIA O primeiro Festival Mundial da Juventude foi realizado em Praga, capital da antiga Tchecoslováquia, em 1947, dois anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Na época, reuniram-se mais de 20 mil jovens de 72 países que tinham como principal bandeira de protesto a oposição à “Doutrina Doutrina Truman Truman” e ao – Encabeçada pelo bombardeio atôpresidente estadunidense Harry mico contra HiTruman, marcou o roshima e Nagainício da Guerra Fria saki (em agosto e a determinação de Washington de de 1945). Os joacabar com o comuvens também asnismo para garantir sumiam o como avanço do capitalismo mundial promisso de eliminar qualquer resquício dos regimes nazistas e fascistas. O Festival surgiu com um caráter essencialmente antiimperialista e de solidariedade aos povos que lutam por sua independência e autodeterminação. Mais de meio século depois, o inimigo continua o mesmo. O país sede do Festival resiste contra uma campanha de desestabilização orquestrada pelos Estados Unidos e vive sob ameaças de intervenção por afetar os interesses políticos e econômicos de Washington, ao difundir a idéia de que um governo popular pode caminhar por outra via que não a da subserviência ao império.
Jovens de dezenas de países discutem alternativas ao neoliberalismo
programa oficial. O Acampamento Internacional Bolivariano será um espaço aberto de discussão onde todas as noites estarão reunidos cerca de 300 jovens alojados na escola pública que deu lugar ao acampamento e a quem mais queira participar. A idéia é que, além dos delegados do Festival, as comunidades dos bairros próximos ao
acampamento possam participar e trocar experiências. No país onde a concentração da propriedade da terra é uma das barreiras para o avanço do processo de mudanças, está prevista na programação do acampamento uma discussão entre o movimento camponês da Venezuela, Frente Nacional Ezequiel Zamora, o movimento
Governo cancela convênio com EUA a Venezuela seguirá trabalhando com outros organismos internacionais para combater o narcotráfico na região. A ousada decisão ocorre justamente quando o Departamento de Estado estadunidense fortalece as pressões contra o governo Chávez ao acusá-lo, uma vez mais, de apoiar a guerrilha colombiana com o fornecimento de armamento. Caracas exigiu que Washington apresentasse provas das acusações. A contenda entre os dois países voltou à tona justamente quando o presidente estadunidense, George W. Bush, recebeu em seu rancho no Texas seu maior aliado no continente, o presidente colombiano,
Álvaro Uribe. Na opinião de analistas internacionais, como a do ativista colombiano Héctor Mondragon, a estratégia estadunidense é de tentar empurrar o problema do narcotráfico e do conflito armado colombiano para a Venezuela em uma tentativa de expandir o Plano Colômbia e, assim, forçar uma intervenção estadunidense em território venezuelano. A DEA – criada em 1973 sob controle do Departamento de Justiça dos Estados Unidos – surgiu para desenvolver planos e programas para o controle da produção e tráfico de drogas. (CJ, com informações da agência bolivariana de noticias)
ARGENTINA
Movimentos convocam Cúpula dos Povos Movimentos sociais de todo o continente vão realizar, entre os dias 1º e 5 de novembro, a III Cúpula dos Povos da América, na cidade de Mar del Plata, Argentina. O evento será um contraponto à IV Cúpula das Américas – encontro de chefes de Estado – que será realizada entre os dias 3 e 4 de novembro no mesmo país e terá a presença do presidente estadunidense George W. Bush. Em referência às medidas de segurança que estão sendo adotadas para a visita de Bush, o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel disse que falta responsabilidade ao governo de Néstor Kirchner por gastar 120 milhões de pesos para proteger o presidente dos Estados Unidos e não se preocu-
par com a segurança de quem se reunirá na Cúpula dos Povos. A convocatória do encontro foi lançada na Argentina. Representantes de organizações sociais do continente disseram que a iniciativa não tem relação com a Cúpula das Américas e possui uma agenda própria de discussão. Os movimentos sociais também afirmaram que não vão participar dos espaços de Consulta à Sociedade Civil organizados pelos chanceleres argentinos. Esquivel esclareceu que não se trata de uma “contracúpula”, mas uma outra cúpula: “A da voz dos povos”. Já Juan González, secretário de Integração para América Latina da Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA), definiu a Cúpula como a “articulação de uma resistência que se apóia fundamen-
talmente em um projeto próprio”, recordando que a intenção de implantar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) a partir de janeiro de 2005 não foi possível graças à determinação dos povos. Arquivo Brasil de Fato
da Redação
Esquivel: a voz aos povos
No discurso de abertura do XVI Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, o presidente Hugo Chávez convocou os jovens para a construção do socialismo do século 21. O venezuelano avaliou que o mundo e o continente latinoamericano estão em uma época de grandes oportunidades e são percorridos por novas correntes revolucionárias. “Estou profundamente convencido de que, apesar de as décadas passadas terem sido muito exigentes, na atualidade renasce no ser humano a idéia da paz, da igualdade e da luta contra a exploração do homem pelo homem”, afirmou Chávez. Diante de 15 mil delegados do fórum estudantil, reunidos no Pátio de Honra da Academia Militar, o presidente venezuelano lembrou que há 60 anos ocorreu o maior ato terrorista da história – uma referência explícita ao ataque que os Estados Unidos fizeram contra Nagasaki e Hiroshima, com bombas nucleares, em agosto de 1945. A respeito do socialismo do século 21, Chávez retomou as idéias do presidente chileno Salvador Allende, morto em 11 de setembro de 1973. “Um socialismo, como disse Allende, que permita abrir as grandes alamedas onde poderá transitar o homem novo”, disse o chefe de Estado. Para Chávez, o encontro dos jovens, além da “alegria e da esperança”, será um cenário adequado para o debate de idéias e busca de horizontes. Segundo o presidente venezuelano, o desafio gigantesco da humanidade é salvar o mundo ameaçado pela voracidade do imperialismo estadunidense. (Prensa Latina, www.prensa-latina.com)
IMPERIALISMO
Intelectuais exigem saída dos EUA de Guantánamo Divulgação
O convênio estabelecido entre a Administração para o Controle de Drogas (DEA, na sigla em inglês), dirigida pelos Estados Unidos, e o governo da Venezuela foi interrompido em nome da “soberania” venezuelana. A decisão foi anunciada pelo presidente Hugo Chávez, dia 7, minutos depois de votar na eleição de candidatos regionais, em Caracas. Segundo o presidente venezuelano foram identificadas ações de inteligência que “ameaçavam a segurança e a defesa do país”. O presidente venezuelano afirmou que a instituição estadunidense não é imprescindível para a luta contra o narcotráfico e garantiu que
“Vamos construir o novo socialismo”, diz Chávez
Presos em Guantánamo sofrem com tortura e isolamento
da Redação Cinco personagens mundiais exigiram, no final de julho, que os Estados Unidos se retire imediatamente da base de Guantánamo, na porção oriental de Cuba. Em um texto publicado na primeira página do jornal cubano Granma, o linguista Noam Chomsky, os prêmios Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel e Rigoberta Menchú, o Prêmio Nobel de Literatura Nadime Gordimer e o pesquisador francês Salim Lamrami classificam de “cárcere medieval” a prisão que os estadunidenses mantêm em território cubano para abrigar mais de 500 supostos combatentes talebãs e da Al Qaeda, desde o final de 2001. Nesse manifesto, os intelectuais retomam a história de Cuba e lembram que “há mais de um século os Estados Unidos têm intervindo, feito a guerra e imposto tratados
imperialistas contra os direitos do povo cubano à soberania”. O texto afirma que o controle de Guantánamo pelos Estados Unidos é um “roubo provado” e causa “vergonha e desgraça para o mundo contemporâneo que, intimidado pelo poder estadunidense, faz vistas grossas à respeito dessa prisão implantada de forma flagrante em um território estrangeiro”. O texto lembra também que a Anistía Internacional já condenou as “horríveis condições de isolamento, privação e tortura” de Guantánamo. No final, os intelectuais fazem um apelo: “Todos os Estados, comunidades e cada pessoa comprometida com a verdade de que a verdadeira humanidade entre nações e povos só pode existir na justiça deve pedir, em seu nome, que os Estados Unidos abandonem Guantánamo incondicionalmente. Agora!” (La Jornada – www.jornada.unam.mx)
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AMÉRICA LATINA MÉXICO REBELDE
Uma nova caminhada zapatista EZLN propõe uma aproximação com setores explorados mexicanos e a criação de uma Constituição do povo todos os lados, há grupos paramilitares. Há uma necessidade de superar essa realidade”, diz. A formação de uma nova força política, não-partidária, no cenário mexicano traz como novidade a proposta de criação conjunta desse movimento. Para Santiago, a diferença ocorrerá se o EZLN for o vetor dessa nova força, mas não o ator principal, pois o que ocorreu em outros momentos foram convocações do EZLN à sociedade civil, como os encontros contra o neoliberalismo. “A novidade histórica dessa atitude é que enxerga essa totalidade no México, e a vê enquanto força. No dia 16 de setembro (data quando serão divulgados os primeiros acordos das reuniões entre o EZLN e sociedade civil) cada um pode voltar para o seu Estado e atuar ali”, finaliza.
France Press
Pedro Carrano de San Cristóbal de Las Casas (México)
O
RUPTURA O Partido da Revolução Democrática (PRD), por sua vez, investe em Andrés López Obrador, político que conquistou apoio popular massivo durante seu governo na Cidade do México. Seus simpatizantes guardam a esperança de que Obrador adote políticas fora da lógica neoliberal. Obrador, no entanto, não goza de prestígio com os zapatistas (veja reportagem nessa página).
CONTRIBUIÇÃO
O subcomandante Marcos reaparece para criticar a candidatura do ex-prefeito do México, López Obrador, à Presidência
A nova estratégia dos rebeldes de Chiapas visa intensificar o diálogo com outros movimentos sociais. Em 2001, houve uma ruptura na relação entre a classe política mexicana e o ELZN. Apesar da intensa mobilização zapatista expressa na “Marcha pela Dignidade Indígena”, o recém-eleito presidente Fox e os outros poderes constitucionais não atenderam às reivindicações. Depois, os senadores do PRD, PRI e PAN aprovaram uma lei indígena ignorando os acordos de San Andrés
6ª Declaração da Selva Lancadona
e, em 2002, o Judiciário rejeitou os mais de 300 questionamentos contra esta nova lei indígena, fragmentada e criada pelos partidos. Esse períoAcordos de San Andrés – Proposta do de silêncio de lei indígena forzapatista foi mulada a partir do interrompido diálogo entre zapatistas, sociedade com a decisão civil, povos indígede criar as nas e governo. AssiJuntas de Bom nados pelo governo federal em 1996, os Governo. Agoacordos não foram ra, os rebeldes postos em prática. anunciam uma
nova etapa dessa retomada do diálogo. O promotor social Jorge Santiago, da organização Desenvolvimento Econômico-Social dos Mexicanos Indígenas (Desmi), interpreta a Sexta Juntas de Bom Governo – Criadas Declaração para coordenar a como uma proprestação de serposta de muviços (educação, dança estrutural saúde, produção) em território zapatise pacífica. “O ta, além de mediar o EZLN enfrenta contato com a socieuma situação dade civil nacional e internacional. de cerco. Por
Cheko
s zapatistas anunciaram uma nova caminhada em sua trajetória de luta. Os pontos essenciais da Sexta Declaração da Selva Lacandona, divulgada em julho, sinalizam uma intenção de unir a luta indígena com a de outros trabalhadores, começando com encontros com a sociedade civil neste mês de agosto. Escrita pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena (CCRI) do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), a declaração adiciona um elemento a mais no intenso período de disputa política no México, um ano antes das eleições presidenciais, marcadas para 2006. O Partido de Ação Nacional (PAN), do presidente Vicente Fox, entra desgastado no pleito, sobretudo por manter a política neoliberal vigente no país desde 1982. Já o Partido Revolucionário Institucional (PRI) – que, em 2001, viu seu domínio político de 71 anos ser interrompido – tem a chance de voltar a vencer devido à estrutura criada em tantos anos de mando.
1 – Quem somos Nós zapatistas do EZLN levantamos as armas em janeiro de 1994 porque vimos a quantidade de maldades que nos fazem os poderosos (...). Por isso, nos dissemos “Basta!”, ou seja, que já não vamos permitir que nos desprezem e nos tratem pior que os animais (...) 2 – Onde estamos agora O EZLN tem resistido a 12 anos de guerra, de ataques militares, políticos, ideológicos e econômicos, de cerco, de perseguição, de hostilidades (...) Mas há coisas, as mais importantes, como as demandas pelas quais lutamos que não foram completamente atingidas (...) 3 – Como vemos o mundo O capitalismo está mais forte agora. (...) O capitalismo da globalização neoliberal se baseia na exploração, o roubo, o desprezo e a repressão aos que não se deixam. Ou seja, igual antes, mas agora globalizado, mundial (...) 4 – Como vemos o México Nosso país está governado pelos neoliberais. (...) os governantes que temos estão destruindo nossa Nação, nossa Pátria mexicana. (...) Por exemplo, fazem leis como as do Tratado de Livre Comércio (TLC), que passam a deixar na miséria muitos mexicanos, tanto campesinos e pequenos produtores, porque são “devorados” pelas grandes empresas agroindustriais (...) 5 – O que queremos fazer Queremos dizer a todos os que resistem e lutam com seus métodos e em seus países, que não estão sós (...) no México o que queremos fazer é um acordo com pessoas e organizações apenas de esquerda, porque pensamos que é apenas na esquerda política, onde está a idéia de resistir contra a globalização neoliberal, e de fazer um país onde tenha, para todos, justiça, democracia e liberdade (...) 6 – Como vamos fazer Faremos mais relações de respeito e apoios mútuos com pessoas e organizações que resistem e lutam contra o neoliberalismo e pela humanidade (...) e a todos e todas que resistem em todo mundo, dizemos que façam outros encontros intercontinentais (...). No México, vamos seguir lutando pelos povos indígenas, mas não só por eles nem só com eles, mas por todos os explorados e despossuídos do país (...) vamos construir um programa nacional de luta claramente de esquerda (...) Também vamos levantar uma luta por uma nova Constituição, ou seja, novas leis que levem em conta as demandas do povo mexicano (...) Das montanhas do sudeste mexicano Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional México, no sexto mês do ano de 2005 Leia mais: www.fzln.org.mx
O pesquisador e capacitador em comunidades, Onésimo Hidalgo, da organização Centro de Investigações EconôDesaforo – Marcha micas e Políque reuniu um milhão de pessoas na ticas de Ação Cidade do México Comunitária contra a tentativa da (Ciepac), obProcuradoria Geral da República de serva que Lóimpedir López Obrapez Obrador, dor de se candidatar de fato, tem o à Presidência. apoio da sociedade civil, demonstrado em abril deste ano, durante o “desaforo”. No entanto, essa aprovação é dada individualmente, já que os partidos estão desacreditados. Hidalgo acrescenta também que não há garantias de que Obrador obedecerá ao povo, se for eleito, e altere a uma política de alinhamento com Washington. O pesquisador recorda que, ainda como governador, o político do PRD privatizou o serviço de água potável e implementou uma política linha dura, inspirada na experiência estadunidense (Tolerância Zero). Mas não poderia haver uma divisão entre os que apóiam o zapatismo e os que estão com o Obrador? “O EZLN deve ter habilidade e fazer essa ponte ao recorrer ao país. Pois há gente que está com Obrador, mas com os olhos fechados, e outros que também estão com ele, mas não são contra o zapatismo”, afirma.
“Outra campanha sairá do povo” da Redação As primeiras reuniões dos zapatistas com representantes de organizações de esquerda e movimentos sociais mexicanas foram marcadas, sobretudo, pelo debate de dois temas: a candidatura de Andrés Manuel López Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD), e o caráter dessa nova força política em construção que está sendo batizada de A Outra Campanha. A respeito de Obrador, o subcomandante Marcos fez questão, em vários momentos, de esclarecer a posição dos zapatistas. “As pessoas do PRD nos desprezaram e vão pagar por isso”, afirmou em sua reaparição pública depois de quatro anos, dia 5, durante encontro com 32 organizações políticas de esquerda. Marcos acrescentou que os zapatistas não estão contra apenas o PRD, mas sim contra “toda a classe política”. O subcomandante deixou claro que o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) não cogita qualquer tipo de acordo ou diálogo com Obrador, embora as organizações que discordem poderão manifestar sua posição nessa nova composição de forças que os zapatistas estão propondo. Marcos, no entanto, alertou: “Vamos escutar a todos com respeito, mas qualquer argumento a
Ilustrações do cartunista espanhol Cheko
favor do apoio à candidatura de Obrador ou do PRD está condenado ao fracasso por nós”. O subcomandante também esclareceu um pouco mais a nova iniciativa de A Outra Campanha, dizendo que “não se trata de tirar uma linha de ação ou promover a luta armada”, mas sim perguntar ao povo o que pensa. “A Sexta Declaração é muito clara: queremos unir nossas lutas com as dos trabalhadores e camponeses, não queremos dirigir suas lutas”, disse Marcos, acrescentando que o critério para engrossar essa frente é
ter um projeto e uma proposta anticapitalista. Já o comitê executivo do PRD se pronunciou pela abertura de um canal de diálogo com o EZLN para evitar “desqualificações” e um debate sobre “o que consideram esquerda”. A direção do partido reiterou que não se confrontará com os zapatistas nem com Marcos porque “não são nossos inimigos”, mas disse estar “surpreendida” com as críticas feitas a Obrador e ao PRD. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)
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INTERNACIONAL TERRORISMO DE ESTADO
O golpe estratégico de Tony Blair U
m mês depois dos atentados em Londres, o governo britânico mostrou como pretende lidar com as tragédias causadas por sua desastrosa política externa: negar até as últimas conseqüências o fato de que o seu apoio aos Estados Unidos na invasão do Iraque levou o país a ser alvo de terroristas. Em sucessivos anúncios, o primeiro-ministro Tony Blair buscou livrar-se da responsabilidade pelos ataques, repetindo que as bombas foram causadas por uma “ideologia maligna” cujo único objetivo é destruir os valores da sociedade britânica. Para o público, contudo, a realidade é um pouco mais complexa. Uma pesquisa de opinião realizada recentemente pelo Instituto ICM mostra que dois terços dos britânicos acreditam que os atentados em Londres estão, sim, relacionados com a guerra no Iraque. E a maioria vai além. De acordo com o estudo, 64% afirmam categoricamente que Tony Blair tem culpa pelos ataques. O ceticismo popular, no entanto, não foi suficiente para manchar a imagem do premiê. Por um lado, o recesso parlamentar de verão poupou o governo de um debate com a oposição no calor dos acontecimentos. Além disso, foi decisivo o papel da grande mídia em esquecer o Iraque e reafirmar que extremistas isolados dentro da comunidade muçulmana representam a única razão dos problemas. O fato dos quatro suspeitos pelo
EUA querem retomar produção de minas
Entre as medidas a serem adotadas pelo governo britânico, está o fechamento de duas organizações muçulmanas
TERROR CONTRA DEMOCRACIA A principal cartada publicitária do governo veio, dia 5, com o anúncio de um pacote de leis antiterror. Apesar de ainda depender da quase certa aprovação do Parlamento,
Quando as boas relações não bastam Igor Ojeda da Redação
O governo dos Estados Unidos pode reiniciar logo a produção de minas terrestres, contrariando o restante da comunidade internacional e políticas anteriores deste país sobre o uso de armas, alertou a organização Human Rights Watch (HRW). O Departamento de Defesa estadunidense decidirá em dezembro se implementa um plano para desenvolver um novo tipo de mina terrestre denominado spider (aranha), que poderia ser utilizado a partir de 2007. A HRW assegurou que o governo do presidente George W. Bush já destinou 1,3 bilhão de dólares para a construção dessas armas, e inclusive para o desenvolvimento de outro tipo de mina terrestre chamado Sistema Inteligente de Munições, que poderia ser colocado em prática a partir de 2008.
A empresa de serviços petroleiros Halliburton comemorou mais do que ninguém a vitória de George W. Bush nas eleições presidenciais dos EUA em 2000. Sua relação íntima com os novos governantes, além de garantir vantagens em contratos relacionados ao petróleo, fez diminuir de forma considerável seus gastos com lobby em Washington. Os números estão no 2º Relatório Anual Alternativo Houston, we still have a problem (leia reportagens nas ediLobby – Atividade ções 125, 126 de pressão sobre e 127 do Brasil políticos e poderes públicos, que visa de Fato), lanexercer sobre estes çado em maio qualquer influência por Pratap Chatao seu alcance, terjee, diretor mas sem buscar o controle formal do da organização governo. CorpWatch, e Andrea Buffa, da entidade de direitos humanos Global Exchange. No final da gestão do democrata Bill Clinton (1993-2001), a transnacional gastou 600 mil dólares anuais em trabalhos de “convencimento” de autoridades e congressistas estadunidenses. Depois de Bush e o vice Dick Cheney – diretor da empresa entre 1995 e 2000 – assumirem, esse valor caiu pela metade: 300 mil dólares por ano de 2001 a 2003. No entanto, o aumento do número de investigações sobre os contratos da empresa com o governo e suas atividades no exterior (veja box) fizeram esses custos triplicarem em 2004, chegando a um recorde de 960 mil dólares com a contratação da empresa de lobby Covington & Burling. Entre as dezenas de questões com as quais os lobistas da Halliburton lidaram em 2004, apenas
Um informe da HRW divulgado, dia 4, indica que estes artefatos explosivos podem matar ou mutilar cerca de 500 pessoas por semana, em sua maioria civis. O grupo exortou a administração Bush no sentido de deter as pesquisas para o desenvolvimento de qualquer tipo de mina. “Com poucas exceções, quase todos os países apóiam o objetivo de se chegar a uma proibição total das minas terrestres no futuro. Estas ações (dos EUA) claramente vão contra o consenso internacional contrário à posse e ao uso de minas”, disse a organização. Os Estados Unidos não utilizam minas desde a primeira guerra do Golfo em 1991, na qual espalhou mais de cem mil desses artefatos no Iraque e Kuwait, segundo a HRW. (IPS/ Envolverde, www.envolverde.com.br)
a interdição de duas organizações muçulmanas britânicas. O premiê está tão decidido em fazer valer suas leis, que já conta como certo a criação de emendas às leis nacionais de direitos humanos. A deportação de estrangeiros a países que aplicam a pena de morte, por exemplo, é contrária à Convenção de Direitos Humanos da União Européia. Para Blair, entretanto, “as
regras do jogo mudaram” e os mais de um milhão e meio de muçulmanos que vivem no Reino Unido terão que decidir entre o “apoio à democracia ou ao terrorismo”. “A vasta maioria dos muçulmanos no país já rejeitou o terror pela democracia”, rebate em um manifesto a Stop the War Coalition, uma das principais organizações de oposição à guerra no Iraque. “Foi o governo que ignorou a visão do povo britânico quando levou o país à guerra contra o Iraque. Centenas de milhares de muçulmanos protestaram contra a invasão. Eles foram ignorados, a democracia foi negada.” Opinião semelhante foi expressa pelo parlamentar George Galloway, uma das poucas figuras políticas a apontar o dedo ao governo. “Qualquer pessoa sensata aceitaria que a invasão do Iraque foi um erro. A ocupação ilegal de Bagdá esta na raiz de todos os problemas”, afirmou Galloway em uma polêmica entrevista para a BBC Radio 4. “Tony Blair quer ser firme contra o terror mas se nega a discutir as suas verdadeiras causas.” Nem mesmo as classes dirigentes britânicas tiveram coragem de negar o óbvio. Um relatório da Chatham House, um instituto de consultoria política no Reino Unido, afirma que não há dúvida de que a invasão do Iraque deu impulso à Al-Qaeda em propaganda, recrutamento e levantamento de fundos. Eles não estão sozinhos. Em maio, até mesmo a CIA, a agência de inteligência estadunidense, alertou que a invasão transformou o Iraque em um grande foco de terrorismo.
RELATÓRIO HALLIBURTON
Isaac Baker de Nova York (EUA)
ARTEFATOS EXPLOSIVOS
desde os anos 70 as liberdades civis no Reino Unido não sofriam tantos golpes de uma só vez. Entre os pontos mais polêmicos está a deportação de estrangeiros que “preguem o ódio”, o fechamento de páginas na internet e livrarias que disseminem idéias consideradas extremistas, a extensão para até três meses do período que suspeitos podem ser detidos antes de serem julgados e
segundo atentado já terem sido presos foi mostrado por grande parte da imprensa como um triunfante contra-ataque.
Arquivo Brasil de Fato
Alexandre Praça de Londres (Inglaterra)
Alexandre Praça
Primeiro-ministro britânico lança pacote de leis antiterror que ameaça as liberdades civis
Cerco fechado Algumas investigações em andamento sobre a Halliburton conduzidas por diversos órgãos estadunidenses e da Organização das Nações Unidas (ONU):
Os negócio da Halliburton estão sob investigação nos Estados Unidos
algumas – claro que de suma importância – foram tratadas diretamente com a Casa Branca. Uma considerada de altíssima prioridade foi a tentativa de brecar uma proposta da Receita Federal dos EUA de acabar com as isenções de impostos sobre mercadorias de maquinaria móvel, como equipamentos de perfuração. Mas as discussões também envolveram assuntos como barreiras comerciais contra estados considerados terroristas, negócios da transnacional no exterior, e financiamento do governo a seus projetos alémmar. A pressão sobre este último tema – por meio de gastos vultosos – mostrou-se bastante eficaz. Através do Banco de Exportação e Importação dos EUA (ExIm) e da Corporação de Investimento Privado no Exterior (Opic), o governo liberou 400 milhões de dólares para um desenvolvimento em parceria com a estatal de petróleo mexicana Pemex e 909 milhões de
dólares por um projeto de liquefação de gás natural no Qatar.
TOMA-LÁ-DÁ-CÁ Mas outra forma eficiente de ter seus interesses atendidos também é usada pela Halliburton: as doações para campanhas eleitorais. Uma análise dos números mostram claramente a preferência da transnacional e de seus diretores por políticos do Partido Republicano. De acordo com o relatório alternativo, nos últimos quatro ciclos eleitorais a empresa gastou seis vezes mais com candidatos republicanos do que com democratas. Em 2004, esta proporção foi de dez para um: 189 mil dólares contra 18 mil dólares. Tanta lealdade é refletida também nas contribuições individuais dos integrantes da diretoria da empresa. Mais de 97%, cerca de 343 mil dólares, tiveram o destino de campanhas republicanas, enquanto aproximadamente 10 mil dólares foram para candidatos democratas.
• Exclusão ilegal de concorrentes da Halliburton das licitações dos contratos no Iraque pela Divisão de Engenharia do Exército. • Pagamento de 180 milhões de dólares a autoridades nigerianas em subornos com vista a um contrato multibilionário de liquefação de gás natural. • Subornos de 2,4 milhões de dólares a uma autoridade nigeriana por funcionários da empresa para receberem tratamento favorável na cobrança de impostos. • Violação do embargo comercial estadunidense ao Irã por uma subsidiária da empresa nas Ilhas Cayman. • Superfaturamento de 212 milhões de dólares no fornecimento de combustível ao Iraque. • Superfatumento em serviços ao governo nos Balcãs entre 1996 e 2000. • Mau gerenciamento dos rendimentos com o petróleo iraquiano pelo governo provisório da Coalizão que invadiu o país. Foram pagos à Halliburton aproximadamente 1,66 bilhão de dólares do fundo iraquiano. • Distorção de documentos da Agência de Proteção Ambiental (EPA) para proteger das regulações ambientais a técnica de fraturamento hidráulico.
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INTERNACIONAL NÍGER
População sofre com fome e seca Stefania Bianchi de Bruxelas (Bélgica)
A
falta de infra-estrutura e de agências humanitárias no local é um dos maiores desafios para a entrega de ajuda de emergência ao Níger, devastado por uma fome que afeta um quarto de sua população, alertou a Comissão Européia. À seca e à praga de gafanhotos que destruíram a colheita de 2004 nesse país da África Ocidental se soma o “fator agravante” da falta de sócios para levar a ajuda a quem precisa, explicou o órgão executivo da União Européia. “Um dos maiores problemas é que o Níger não é um terreno comum para as organizações não-governamentais: é o segundo país mais pobre do mundo, tem um território enorme e um clima inóspito, além de numerosos problemas administrativos”, explicou o porta-voz da Comissão para Assuntos de Desenvolvimento, Amadeu Altafaj Tardio. “Tudo isso significa muitas condições ruins de trabalho para o pessoal dessas ONGs”, disse Tardio. Embora governos e organizações internacionais ofereçam o dinheiro necessário para alimentar as mais de três milhões de pessoas que estão morrendo de fome no Níger, não há garantias de que os fundos cheguem às vítimas, acrescentou. “O problema é que muitas organizações não se dedicam a situações de emergência, trabalhando em projetos de desenvolvimento de longo prazo, e não lhes é fácil passar de um momento para outro para uma ação de emergência, afirmou Steffen Stenberg, do Escritório de Ajuda Humanitária da União Européia. O Níger, um país mediterrâneo
Paulo Pereira Lima
Organização das Nações Unidas critica países ricos por ignorar pedido de ajuda humanitária urgente
NÍGER
Crise alimentar também afeta outros países africanos, como Mauritânia, Mali e Burkina Faso
com quase 12 milhões de habitantes, sofre uma das piores crises humanitárias da história recente. A fome ameaça cerca de 3,6 milhões de pessoas na África Ocidental. Jan Egeland, diretor de assuntos humanitários da Organização das Nações Unidas, afirmou que “crianças estão morrendo porque a comunidade internacional ignorou os pedidos de ajuda urgente”, e acrescentou que foram necessárias fortes imagens de crianças agonizantes, na televisão, para chamar a atenção para essa situação. A ONU pediu ajuda para Níger em novembro passado, prevendo a fome, e não obteve resposta. Um segundo pedido, em março, recebeu
como resposta 1 milhão de dólares, dos 16 milhões de dólares solicitados. Do último pedido, feito no dia 25 de maio, de 30 milhões de dólares, só conseguiu perto de 10 milhões de dólares, e Egeland disse que “ainda é muito pouco”. A Comissão Européia destacou dia 3 que o bloco regional deu o alarme sobre a crise atual no início do ano, e que foi uma das primeiras organizações internacionais a responder ao pedido da ONU em maio, doando o equivalente a 5,5 milhões de dólares. Além disso, anunciou que doará mais dinheiro para Níger este mês. “Esperamos uma decisão final da Comissão para dentro de uma ou duas semanas, para doar mais 2
LIVRE-COMÉRCIO
AGENDA SUL-SUL “Tivemos reuniões com a coalizão empresarial e a receptividade para a criação da zona de livrecomércio foi muito boa”, disse o diretor-geral do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, Régis Arslanian. O Prêmio Nobel de Economia
União Africana decide não apoiar G4 da Redação
Paulo Pereira Lima
O Mercosul, a União Aduaneira da África do Sul (Sacu) e a Índia realizaram, dias 2 e 3, no Rio de Janeiro, a primeira reunião com o objetivo de criar a maior zona de livrecomércio do mundo, em termos de população. Participaram do evento representantes dos governos dos quatro países do Mercosul, da Índia e da África do Sul, representando a Sacu, que inclui também Botswana, Suazilândia, Namíbia e Lesoto. O encontro antecedeu o seminário sobre “O desenvolvimento econômico com eqüidade social”, promovido pelo Fórum de Diálogo Índia, Brasil, África do Sul (Ibas). O Mercosul já possui acordos de preferência comercial com a África do Sul e com a Índia, mas separadamente. Este último foi assinado em março, em Nova Délhi, aproveitando reunião do G-20 e do Ibas. Foi nessa ocasião que foi lançada a idéia da zona de livre-comércio trilateral. Na cúpula do Mercosul, no início de julho, os quatro países do bloco divulgaram em comunicado o interesse em fazer a zona de livrecomércio. A idéia é aprofundar os acordos de preferência comercial já existentes com o compromisso em um prazo ainda a ser definido, de alguns anos, chegar a tarifa zero para todos os bens e serviços. O acordo envolve também investimentos.
tante. Procuramos apoiar operações que permitam armazenar alimentos em várias regiões, de modo que as pessoas tenham acesso a eles a longo prazo”, explicou. Novas crises alimentares são previstas em outros países da África, como Etiópia, Quênia e Eritréia. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
CS-ONU
Mercosul, África e Índia iniciam acordo da Redação
milhões de dólares num futuro próximo”, disse Stenberg. Mas a principal preocupação agora é como serão gastas essas doações. “Se não contamos com os meios de implementação necessários, podemos investir todo o dinheiro que quisermos em uma crise que não a resolveremos”, disse Stenberg.” Devemos recorrer à capacidade da ONU para implementar as doações”, ressaltou. Tardio advertiu que, embora a ajuda de emergência seja muito importante, também é preciso encontrar uma solução de longo prazo para a crise alimentar, que afeta Mauritânia, Malí e Burkina Faso. “A ajuda direta é essencial, mas a segurança alimentar é ainda mais impor-
Localização: Centro-Oeste da África Nacionalidade: nigerina Cidades principais: Niamei, Zinder, Maradi, Tahona, Agadez Línguas: francês (oficial), tuaregue, sanghai, haussá, djerma, fulani Divisão administrativa: 7 regiões e 1 municipalidade (Niamei) Regime político: República com regime de governo misto (ditadura militar desde 1996) População: 12 milhões, aproximadamente; composição: haussás (Haoussa), djermas, Zarma-songhai, Peuls, fulanis, tuaregues (Touaregs), berberes, outros: Kanouri, Toubou, árabes Moeda: franco CFA Religiões: islamismo 98,7% (sunitas), cristianismo 0,4%, crenças tradicionais 0,7%, outras 0,2% (1988)
Mercosul já possui acordos comerciais com a África do Sul
Joseph Stiglitz também participou do seminário do Ibas e defendeu o fim dos subsídios agrícolas por parte de Estados Unidos e União Européia. Ele disse que é melhor para os países em desenvolvimento “não fazer acordo nenhum do que fazer um mau acordo”. Para Stiglitz, “o Brasil prestou um enorme serviço” ao abrir um painel (grupo de discussão) contra os Estados Unidos em relação ao algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele considera que a recusa estadunidense de participar do Protocolo de Kyoto também deveria ser questionada na OMC porque, com isso, as empresas daquele país deixam de pagar pela poluição o que seria uma forma de subsídio. “É preciso que um país bravo como o Brasil abra um painel sobre isso”, disse. Stiglitz defendeu a criação de uma agenda Sul-Sul “pró-desenvolvimento e pró-pobres”. “As regras atuais da globalização foram feitas principalmente pelos países ricos do Norte e, para esses países, essa é
uma da das razões pelas quais a globalização falhou em suas promessas de benefícios.” Stiglitz declarou que “o Ibas é uma enorme oportunidade e pode ajudar a articular um novo ’framework’ para o crescimento com eqüidade e uma nova agenda global. O Brasil tem chamado a atenção para a importância da cooperação entre os países do Sul como alternativa às relações Norte-Sul. “A nova geografia não se propõe substituir o intercâmbio Norte-Sul. O Norte desenvolvido continuará sendo parceiro valorizado e indispensável. Temos plena consciência de sua importância como destino para nossas exportações e como fonte de investimentos e tecnologia de ponta. Queremos, porém, criar novas oportunidades e encorajar parcerias que explorem as complementaridades entre as economias do Sul”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ocasião de um seminário sobre “A Nova Geografia do Comércio: Cooperação Sul-Sul em um mundo cada vez mais independente”. (Com agências internacionais)
A União Africana (UA) decidiu, dia 4, manter seu pedido inicial de duas vagas permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS-ONU), rejeitando a possibilidade de entrar em consenso com outros países. A decisão foi adotada durante cúpula extraordinária realizada na sede da UA, em Adis-Abeda, capital da Etiópia, onde estiveram presentes representantes de 53 nações africanas, incluindo oito presidentes. No final da reunião, o porta-voz da UA, Desmond Orjiako, disse que a organização tinha definido manter a decisão adotada sobre o assunto na última cúpula ordinária, em Sirte, na Líbia. Neste encontro, a UA decidiu defender duas vagas permanentes com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, atual condição apenas dos Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.
ASSENTO PERMANENTE A organização também se mostrou a favor de ampliar o CS-ONU para outras quatro nações nãoafricanas, com vagas permanentes e poder de veto, além de cinco membros não-permanentes. Mas esta decisão foi revista a partir de uma reunião, em Londres, entre líderes africanos e representantes do G4 (Brasil, Alemanha, Índia e Japão), que também querem um posto permanente no Conselho de Segurança. O G4 propõe que o CS-ONU, formado por 5 nações com vagas permanentes e outras dez escolhidas por períodos de dois anos, seja ampliado para mais dez membros, mas sem poder de veto.
De acordo com esta proposta, dos dez novos membros, seis seriam permanentes – os países do G4 mais dois africanos –, e outros quatro seriam não-permanentes. Apesar dos pedidos feitos pelo presidente da Nigéria e presidente rotativo da UA, Olusegun Obasanjo, para buscar o consenso com outras nações e garantir uma proposta que tenha votos suficientes na próxima Assembléia Geral da ONU, em setembro, a organização optou por manter a postura original. Orjiako disse que, além de ratificar essa postura, a cúpula decidiu criar um comitê de dez membros para convencer a comunidade internacional sobre o pedido africano, com dois representantes de cada uma das cinco regiões do continente.
EM NEGOCIAÇÃO As reformas dos órgãos da ONU, incluindo o Conselho de Segurança, precisam ser aprovadas por dois terços dos 191 Estados representados na Assembléia Geral. A África tem 53 votos, um a menos do que a Ásia. A cúpula não atendeu às recomendações feitas por Obasanjo na mensagem inicial, em que expressou a necessidade de a África “negociar com outros grupos”. “A África sozinha não pode impor suas vontades aos outros membros da Assembléia Geral da ONU”, disse Obasanjo. Nigéria, Egito e África do Sul querem uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. A União Africana não definiu qual nação do continente ocupará as duas cadeiras permanentes que pedem no Conselho. (Com agências internacionais)
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NACIONAL MONSANTO
Nova investida: patentear porcos Rafael Evangelista de São Paulo (SP)
Compilados pela OMPI, os pedidos de patentes estão depositados em agências de propriedade intelectual do mundo todo, inclusive no Brasil. Em 15 de fevereiro deste ano foi registrado no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual a entrada no país do pedido internacional feito pela empresa. Diz o resumo do pedido de patente PI0309929-6, com o título Reprodução de Núcleos Fechados Múltiplos para a Produção de Suíno: “A invenção refere-se ao uso do primeiro e do segundo, e opcionalmente, além disso, de rebanhos adicionais de reprodução de núcleos de suínos ligados geneticamente e a informações para transmitir aperfeiçoamento genético do primeiro rebanho para cada um dos outros rebanhos, os quais podem estar fechados à introdução de animais vivos para proporcionar benefícios, além do aperfeiçoamento genético, tanto ao primeiro e ao segundo quanto a quaisquer rebanhos adicionais”.
O
s religiosos, em geral, acreditam que seu respectivo deus é o criador do universo e da vida. Para a Monsanto, entretanto, as coisas não são bem assim. De acordo com o investigador do Greenpeace, Christoph Then, a empresa tem pedidos de patente não apenas para métodos de procriação de porcos, mas também para os animais genitores e suas crias. Ao fazer um pedido de patente, a empresa se diz inventora de algo e, para o Greenpeace, é isso que a Monsanto está dizendo: “Apresentamos nossa nova criação, os porcos”. As patentes ainda não foram concedidas mas, se isso acontecer, o especialista do Greenpeace alerta para os riscos: “Se essas patentes forem concedidas, a Monsanto pode, legalmente, impedir criadores e fazendeiros de criar porcos que tenham as mesmas características descritas nos pedidos de patentes; ou então pode forçar esses agricultores a pagar taxas”.
Folha Imagem
Além de dominar a tecnologia de criação, transnacional pretende cobrar royalties pelos animais reproduzidos
EXCEÇÃO NO BRASIL A lei de patentes do Brasil, em seu artigo 10, proíbe o patenteamento de “o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais”. No entanto, abre uma exceção em seu artigo 18, quando diz que “não são patenteáveis o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial”. Atualmente, quem já paga direitos à Monsanto no Brasil pelo uso de sua tecnologia são os agricultures gaúchos. A partir do fim da década de 1990, sementes transgênicas de soja foram contrabandeadas da Argentina e, contando com a promoção de setores interessados no uso da tecnologia, foram largamente plantadas por agricultores gaúchos. Hoje, esses agricultores travam uma batalha jurídica e comercial com a empresa, que cobra deles uma certa quantia para cada saca de soja produzida. (Portal Planeta Porto Alegre, www.portoalegre2003.org)
PATENTE PARA PORCOS O problema é que a descrição que a empresa faz de sua “invenção” é ampla e genérica demais. Em uma delas, por exemplo (com código de registro na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) WO 2005/015989), a Monsanto descreve, segundo o Greenpeace, métodos muito gerais – e já em uso – de cruzamento e seleção a partir de inseminação artificial e outros métodos de procriação. “A ‘invenção’ principal, aqui, não é nada mais do que uma combinação desses elementos desenhados para acelerar o ciclo de procriação para características selecionadas e, com isso, tornar esses animais mais lucrativos comercialmente”, diz um comunicado do Greenpeace. Christoph Then, que há 10 anos trabalha revisando pedidos de patentes, se espanta com o número e a amplitude das patentes requeridas. “Eu não pude acreditar. A Monsanto não busca apenas uma patente para um método, quer uma patente para os porcos que nascem desse método. É algo assustadoramente amplo e perigoso”, diz.
Lei de patentes no Brasil proíbe o patenteamento de seres vivos, como quer a Monsanto
No Paraná, soja transgênica custa o dobro da convencional Beatriz Pasqualino de Brasília (DF) Além de não haver estudos suficientes sobre os impactos dos transgênicos no ambiente e na saúde humana, agora as sementes de soja geneticamente modificadas vão custar ainda mais caro: o dobro da convencional. É que a multinacional estadunidense Monsanto, que produz e fornece as sementes transgênicas aos agricultores, anunciou que vai cobrar R$ 0,88 por quilo do grão
que contiver o “gene RR”, a título de royalty (taxa paga ao dono da marca pela exploração comercial do produto). Com a medida, a estimativa é de que um quilo da semente transgênica para o agricultor paranaense, por exemplo, chegue a R$ 3; contra R$ 1,50 da tradicional. O governo do Paraná, que lançou “guerra” à soja geneticamente modificada, alerta ainda que, se os agricultores optassem pelo cultivo desse grão, o prejuízo para a economia do Es-
tado chegaria à marca dos R$ 250 milhões. O alto custo da saca da soja transgênica é confirmado pela própria Monsanto. José Carlos Carramate, gerente de negócios da multinacional, informou que com esse acréscimo de R$ 0,88, a saca de 40 quilos vai custar R$ 100. Isso sem contar outra taxa cobrada pela empresa: a tecnológica. Na prática, o preço da saca deve chegar, então, a R$ 130. (Agência Notícias do Planalto, www.noticiasdoplanalto.net)
ÁGUA
da Redação Impunes há 31 anos, cerca de 60 indústrias – a maioria multinacionais – que depositaram mais de 320 mil toneladas de lixo tóxico numa área rural de Santo Antonio de Posse, no Estado de São Paulo, correm o risco de ser denunciadas internacionalmente por fraudes contábeis. A informação é da entidade Defensoria da Água. O caso Mantovani foi assumido pela Defensoria da Água em maio de 2004, quando foi apresentada representação ao Ministério Público Federal de Campinas (SP), em razão da constatação do avanço da contaminação das águas federais dos rios Jaguari e Camanducaia, cujas nascentes estão no Estado de Minas Gerais. A comprovação da denúncia resultou em investigações a cargo da Polícia Federal. Há cerca de 4 anos, quando foram detectados os primeiros níveis de contaminação que provocaram o lacre dos poços de abastecimento da comunidade do entorno da referida área, as indústrias vinham negociando uma solução paliativa com o Ministério Público Estadual, que se comprovou ineficaz. Segundo a Defensoria da Água, essas empresas firmaram um termo de compromisso extremamente ques-
Silva/Folha Imagem
Indústrias poluidoras serão denunciadas
Crimes ambientais cometidos por transnacionais causam graves danos à saúde da população
tionável, como forma de tentar se eximir do crime cometido que continua a causar danos à saúde pública local. Esse termo serve para que as empresas não tenham de reconhecer oficialmente, em seus balanços contábeis, o lixo tóxico depositado na área do aterro Mantovani. A Defensoria da Água apurou,
com o avanço da contaminação, que estima-se em mais de 500 mil toneladas o material contaminado que precisa ser imediatamente retirado do local, para que se rompa a fonte primária de contaminação. Em recente reunião com a diretoria da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado
de São Paulo (Cetesb), técnicos da Defensoria da Água e do Instituto Brasileiro do Direito Ambiental firmaram acordo no sentido de que a Cetesb emita um parecer técnico acerca de retirada imediata dos resíduos. As indústrias contrataram serviços da empresa CSD Geoclock,
que deveria fazer um diagnóstico e propor soluções para o passivo ambiental. Essa empresa – já conhecida por ter sido usada pela Rhodia em Cubatão, Petrobras, no Recanto dos Pássaros em Paulínia, e no escandaloso caso de contaminação em Mauá envolvendo a Cofap – defende a manutenção dos resíduos no local, para que ela própria ganhe mais de R$ 65 milhões com gerenciamento, em 15 anos. Dia 22 de agosto será realizada reunião entre as partes envolvidas no caso, na sede da Coordenadoria de Apoio Operacional do Ministério Público Estadual em São Paulo, na tentativa de se buscar um novo Termo de Ajustamento de Conduta, essencial para que as empresas continuem burlando seus balanços contábeis. Com objetivo de denunciar a situação, a Defensoria da Água vai realizar, dia 18, a partir das 10 horas da manhã, um ato público em defesa das vítimas da contaminação do aterro Mantovani, na porta da Bolsa de Valores de São Paulo, quando será entregue um abaixo-assinado com mais de 20 mil assinaturas colhidas no Brasil e no exterior em defesa da retirada imediata do lixo do aterro Mantovani. (Adital, www.adital.org.br)
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DEBATE IRÃ
O novo presidente e a máfia do petróleo Sandro Barrokh novo presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, tomou posse no dia 9 em meio a um ataque ao coração econômico da corrupção no Irã. Poucos dias atrás, foi preso um dos vice-ministros do Petróleo com um milhão de dólares em casa. Tratava-se da propina que recebera da companhia petrolífera privada Oriental Oil Kish, relativa a somente um contrato de um bilhão de dólares com a Companhia Nacional do Petróleo. Kish é a ilha-zona franca dos ricos onde a Constituição não vigora. Pode-se perfeitamente inventar uma companhia petrolífera, registrá-la na Lloyds inglesa com contabilidade na Inglaterra – acobertando assim os grandes contratos de bilhões de dólares com o Ministério do Petróleo que, por sua vez, são repassados às companhias internacionais, como a Halliburton. Essa empresa (já envolvida em fatos obscuros de fornecimento às tropas de ocupação do Iraque, leia reportagens na página 11 e em outras edições do Brasil de Fato) tem Dick Cheney entre os seus maiores sócios e parece ter feito um consórcio com a empresa Shuran, cuja sócia é a Condoleezza Rice, para atuar no Mar Cáspio. A Shuran teria assinado, recentemente, um grande contrato com o Cazaquistão, relativo à maior jazida de gás e petróleo do Mar Cáspio, em Tenghiz. Recentemente, também foi preso o diretor-geral da mesma companhia petrolífera Oriental Oil Kish – a empresa é consorciada com a Halliburton por meio da qual os Estados Unidos conseguiram penetrar na República Islâmica após a crise petrolífera de 2000. O vice-presidente da Oil Kish, Cyrus Nasseri, é o chefe da delegação iraniana nas negociações sobre a energia nuclear com a União Européia (conduzidas principalmente, por Alemanha, França e Grã-Bretanha) e conselheiro do ministro da Segurança Nacional, Hassan Ruhani. As acusações de irregularidades nos contratos internacionais são graves e comprometem também o ministro do Petróleo, Bijan Namdar Zanghene.
O
oferecendo mais do que pediam e estipulando contratos por cifras superiores às exigidas pelas empresas. Isto seria possível somente por meio da violação do lacre das propostas. Como se não bastasse, o ministro declarou tê-lo feito “deliberadamente”, pois “os estrangeiros são melhores”, e que, daqui para frente, as novas autoridades teriam “quatro anos para processálo”. Não há dúvida que o farão. Tentou-se criar rapidamente um campo minado em torno do novo poder para que esse começasse por dar passos falsos. Mas essas bombas rudimentares podem explodir nas mãos dos seus artífices. As falcatruas, irregularidades e a má-fé das medidas tomadas são evidentes, e, muito em breve, o ministro deverá prestar contas à mesma Justiça que até ontem não ousava tocá-lo e não o teria atingido se não fosse a mudança política imposta pelas eleições presidenciais. As acusações indiretas ao ministério e ao ministro são graves e provém dos ex-diretores das empresas petrolíferas que têm conhecimento de causa e que têm acompanhado a história passo a passo. Eles passaram as suas informações ao Centro de Investigações do Parlamento, dirigido por Ahmad Tavakoli, que é um dos chamados “radicais” mais audazes e combatente experiente. Isto significa que há todo um grupo trabalhando nessa matéria e que o processo é irrefreável.
tração e a exportação do petróleo, substituindo-o pelo gás. Injetando o gás nos poços de petróleo, teriam aumentado a extração dos atuais 4 para 7 milhões de barris por dia, como previsto nos planos de desenvolvimento. A diferença líquida, nos últimos oito anos, considerando o comportamento dos preços de mercado na região, seria de 200 a 300 bilhões de dólares! Os relatórios afirmam que não se trata de um erro de previsão, já que os mesmos técnicos haviam repetidamente apresentado relatórios ao governo e ao próprio ministro denunciando a incapacidade das empresas estrangeiras em administrar. Isso em detrimento da qualificação técnica e conveniência do emprego de empresas nacionais, além das perdas causadas pelos contratos tipo “pay back” que por anos a fio permitiram que 60% do produto extraído fosse destinado às empresas estrangeiras como a italiana ENI etc.
ENTREGUISMO
Zanghene fez de tudo para assinar um acordo “antiimperialista” às avessas, para exportar à Índia 150 milhões de metros cúbicos de gás por dia, por meio de um consórcio internacional, e outros tantos à Turquia e uma quantidade enorme de gás liquefeito à Europa, por meio de navios-tanque, pertencentes às “sete irmãs” (cartel de empresas que controla a produção de petróleo). Esse “planejamento” desastroso feito com critérios favoráveis ao capitalismo
Esses relatórios denunciam não somente a incapacidade de planejamento, a má administração ou os erros de previsão, mas a existência de má-fé. Talvez em breve, com o novo governo, seja oficializada a grave acusação que o Ministério do Petróleo e do Gás, por todo esses anos, seguindo um plano internacional, deu prioridade à pesquisa, extração e exportação de gás natural e liquefeito, em lugar do petróleo. Ou seja, em lugar de desenvolver as refinarias, importou-se grandes quantidades de gasolina, sem aumentar a ex-
Os vencedores das eleições são favoráveis à retomada do programa nuclear, mas provavelmente essa questão terá que passar pelo Conselho de Segurança da ONU
O interessante é que enquanto o jornal Kayhan (um dos mais influentes no Irã) fala da prisão dos chefes da máfia do petróleo, o ministro do Petróleo tem pouco tempo até a passagem do poder. Zanghene acelerou os seus planos de integração imperialista de entrega da economia do país e aplicação dos planos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Banco Mundial. Isto forma parte do projeto político de transformar esse período de transição num verdadeiro “mês de fogo”. Os atentados à bomba são contínuos. Conforme a Constituição e as decisões parlamentares, somente os contratos nos quais o Irã possua 51% das ações e o controle das empresas mistas são legais. Entretanto, o atual ministro jamais respeitou essas condições. Zanghene, nas últimas semanas, ofereceu grandes contratos a companhias estrangeiras às custas das empresas iranianas (cujos sócios estrangeiros são, por lei, minoria),
Kipper
Conforme a Constituição e as decisões parlamentares, somente os contratos nos quais o Irã possua 51% das ações e o controle das empresas mistas são legais
internacional teve por resultado que, no rigoroso inverno passado, no qual as regiões do Norte do país ficaram sob 4 metros de neve, ocorresse uma “queda de pressão” do gás que provocou a interrupção do fornecimento e a morte de muitas pessoas por congelamento nas próprias casas. O Irã produtor de petróleo importa gasolina, cimento, ferro e aço. Ao forçar a redução da oferta desses produtos por meio da exportação, e o conseqüente aumento dos preços internos, terminaram justificando a importação dos mesmos. É uma velha história, mas que aqui ocorre de maneira aberta e cínica. Os planos da Organização Mundial do Comércio (OMC) impõem o livre mercado e, nos meses em que aumenta o consumo de cimento, o Estado neoliberal exporta acima do limite “planejado” ao Iraque e ao Afeganistão, enxugando o mercado interno e terminando por ter que importar o produto. Faz o mesmo com a gasolina, a fruta, o ferro e outros produtos. Exporta, força a escassez dos produtos de primeira necessidade, mesmo aqueles essenciais, para excluí-los da lista dos produtos de preços controlados e submetê-los à Bolsa e ao mercado, fazendo com que os preços aumentem. Com isto, justificam as importações e defendem a “livre concorrência” para uma suposta redução dos preços. Dessa forma, fazem girar a roda da economia, prejudicando o nível de consumo e de vida da maior parte da população. O governo que está saindo tenta entregar os cofres do Estado vazios de recursos e divisas. Faz despesas onde sempre sustentou não ser possível: queria presentear os empregados públicos com dois meses de salário a mais. Estipula contratos com as empresas estrangeiras, completamente vantajosos para as mesmas; privatiza fábricas, hotéis, estádios, altera a destinação de parques naturais para criar paraísos na terra para seus amigos e parentes. Mesmo na questão nuclear tentam fazer manobras, mas já não há mais tempo: terminou o prazo para que os países europeus apresentassem uma oferta sobre o projeto nuclear iraniano. Até recentemente, o governo havia cedido a todos os desejos dos países capitalistas europeus, com o argumento que queriam evitar uma agressão militar dos Estados Unidos. Mesmo com uma dura retórica, na realidade atrasaram em dois anos todos os processos produtivos dos centros de pesquisa. Haviam aberto todas as portas, mesmo aquelas militares, para todo tipo de controle em qualquer momento, permitindo a instalação de instrumentos de monitoração, oferecendo garantias para a redução do nível de enriquecimento do urânio dos 6,5 aos 3,5%, e o número das centrífugas a 2.500 unidades, quando somente a Central Nuclear de Bushehr necessita 65.000 delas. RETOMADA NUCLEAR
Aparentemente, jogam duro e, vencido o prazo, retomam a atividade na Central de Isfahan, que na realidade não forma parte do ciclo de enriquecimento – realizado na Central de Natanz que, por enquanto, está parada. Retomaram a produção somente na Central de Isfahan, onde se fabrica a chamada “torta amarela”, resultante do processamento do minério de urânio e da qual se produz o gás. Devido a essa paralisação do programa nuclear, houve muitos prejuízos às instalações e também danos morais aos técnicos. Eles haviam trabalhado por anos a fio em ciclo contínuo, muitas vezes sem ter tempo para
retornar aos próprios lares, com enormes êxitos quando muitos falavam que se tratava de uma “empresa impossível”. Agora, essas forças pressionam para que se retomem as atividades, e a opinião pública é totalmente a favor. Os vencedores das eleições são favoráveis à retomada, mas provavelmente a questão nuclear iraniana terá que passar pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Será uma enorme complicação. Em 1953, o governo nacionalista de Mossadegh tentou se livrar do embargo contra a venda do petróleo iraniano, mas teve que se render. Hoje, entretanto, a Rússia não tem a política de Stálin, que conspirou contra o plano nacionalista do Irã. E há ainda a China, que não aceitaria a condenação do Irã no Conselho de Segurança e usaria o direito de veto, mesmo devido aos ótimos contratos de gás e outros derivados assinados, com a duração de 70 anos. Os fundamentalistas iranianos declaram-se prontos para o enfrentamento e dizem não ter medo. Esse é o cenário que se apresenta. O novo presidente Ahmadinejad, juntamente com o presidente do Parlamento, Haddad Aadel, devem ir aos Estados Unidos para participarem da Assembléia-Geral da ONU. Serão autorizados a entrar naquele país? Se os EUA recusam o visto, farão com que aumente a sua fama. O apresentarão ao mundo como um antiimperialista perigoso, num momento em que, no mundo todo, bandeiras estadunidenses são queimadas em manifestações.
O governo que está saindo tenta entregar os cofres do Estado vazios de recursos e divisas. Faz despesas onde sempre sustentou não ser possível: queria presentear os empregados públicos com dois meses de salário a mais Se prenderem Ahmadinejad, seria como jogar gasolina no fogo; se o assassinam, criam um herói. Mas não chegarão a esse ponto. Não seria conveniente. A CIA já declarou que a pessoa mostrada na foto do seqüestro e tomada de reféns na Embaixada dos EUA por ocasião da revolução de 79 não é a do novo presidente (como havia insinuado o Departamento de Estado). Entretanto, o governo dos Estados Unidos pressiona para que Ahmadinejad “não os faça perder tempo”. Ele fará o seu discurso na Assembléia Geral das Nações Unidas, e não dirá pouca coisa. Falará do projeto de produção de combustível nuclear, e porque os povos têm direito de produzi-lo. Falará sobre a verdadeira luta contra o terrorismo, e dirá quem é o verdadeiro terrorista, onde se encontra e que consiste no terrorismo de Estado; falará sobre o sofrimento e a luta dos povos palestino, iraquiano, libanês e sírio. Proporá a colaboração para o desenvolvimento em benefício de todos, e declarará a luta contra aqueles que querem subjugar os povos. Se chegasse a dizer isto na ONU, seria uma verdadeira bomba. Mas precisa de muita coragem porque está arriscando a pele. Sandro Barrokh é arquiteto, militante de esquerda em Teerã escreve para vários jornais do Irã
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA DISTRITO FEDERAL
INTERNET SOS CORPO NA REDE O SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia anuncia que já está na internet a página do Observatório da Violência Contra as Mulheres em Pernambuco. O conteúdo reúne textos, pesquisas, notícias, eventos e artigos sobre violência contra a mulher no Estado e no Brasil, telefones e endereços úteis para mulheres em situação de violência. O Projeto Observatório é voltado para a produção de informações e debates críticos, com o intuito de subsidiar a atuação dos movimentos de mulheres e dos agentes públicos para o seu enfrentamento. A página na internet é mais um espaço de diálogo e o internauta é convidado a participar das enquetes ou deixar comentários no mural. A equipe do Projeto é composta por Ana Paula Portella, Verônica Ferreira, Sheila Bezerra e Emanuela Marinho. Mais informações: www.soscorpo.org.br/observatorio
BAHIA CAMPANHA CONTRA O TRABALHO ESCRAVO E A SUPEREXPLORAÇÃO 15 O lançamento da campanha será marcado por um seminário organizado pela Comissão Pastoral da Terra Regional, pela Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia, pela Pastoral dos Migrantes e pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Agrícolas, Agroindustriais e Agropecuárias. Local: Auditório da Associação Brasileira de Imprensa, R. Guedes de Brito, 1, 8º andar, Salvador Mais informações: (71) 3328-4672, 3329-7393
CEARÁ ESCUTA COMEMORA 25 ANOS COM SEMANA CULTURAL até 28 Para comemorar seus 25 anos, o Espaço Cultural Frei Tito de Alencar (Escuta) realizará a 15ª Semana Cultural, que tem o objetivo de promover a arte popular produzida na periferia de Fortaleza. Duas exposições permanentes estarão montadas na sede, até o dia 21, a de Vendas da Socioeconomia Solidária e a “64/84”, sobre os anos da ditadura militar. Também consta da programação um Fórum Popular de Saúde, uma Noite Cultural, apresentações musicais, apresentações de dança, oficinas de arte, um Banquete Literário, o Seminário Juventude, Economia Solidária e Trabalho. No dia 26, a Celebração
ENCONTRO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 2005 17 e 18 O evento, realizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e pelo Fórum das Entidades Nacionais de Direitos Humanos, tem a finalidade de avaliar os direitos humanos no Brasil, propiciar a troca de experiências e idéias, formular políticas públicas e desencadear mobilizações. A organização manteve na programação os assuntos de interesse permanente e elegeu, como tema central deste ano, o Direito Humano à Comunicação, por sua atualidade e importância para a sociedade e para os diferentes segmentos da luta pelos direitos humanos. Os temas dos grupos de trabalho vão contemplar os relatórios e visitas oficiais de monitoramento de direitos no Brasil deste ano: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Relatório da Sociedade Brasileira sobre Implementação do Pacto Internacional de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais e Pacto dos Direitos Civis e Políticos; Combate à Tortura; Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos; Direito Humano à Comunicação; Violação dos Direitos Humanos na Mídia: Educação e Comunicação em Direitos Humanos; Estado Federal e Implementação de Tratados, Recomendações e Decisões de Direitos Humanos; Avaliação de Políticas Públicas de Direitos Humanos. Representantes de organizações do Estado e da sociedade participarão do encontro, que tem o apoio de instituições como Secretaria Especial de Direitos Humanos, Comissão de Direitos Humanos e Cidadania do Senado Federal, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Unesco e Universidade de Brasília (UnB). Os interessados poderão se inscrever pela internet. Local: Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, Brasília Mais informações: (61) 3216-6570 e 3216-6571, www.camara.gov.br/cdh
das CEBs Diocesanas lembrará os aniversários de morte de frei Tito (10 de agosto) e Margarida Alves (12 de agosto), no Seminário da Prainha. A entrada para as apresentações é franca, mas pede-se que os participantes doem materiais de limpeza. Local: sede do Escuta, R. Noel Rosa, 150, Fortaleza Mais informações: (85) 3290-7244, www.banqueteliterario.blogger.com .br
DISTRITO FEDERAL 1º ENCONTRO NACIONAL DE COMUNIDADES TRADICIONAIS 17 a 19 A Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais, instância interministerial presidida pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), realiza o evento, que reúne, entre outros, comunidades extrativistas, pescadores artesanais, quilombolas e povos indígenas. O principal objetivo do encontro é nortear uma política nacional de desenvolvimento sustentável para esses segmentos. Local: Brasília Mais informações: saofrancisco@mma.gov.br
PARANÁ 1º SIMPÓSIO ESTADUAL LUTAS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA – UMA OUTRA AMÉRICA É POSSÍVEL? até 15 Estão abertas as inscrições para o simpósio, que será realizado entre os dias 20 e 22 de setembro de 2005, e tem por objetivo discutir as formas de luta e resistência que diversos movimentos sociais e políticos latino-americanos travam cotidianamente em seus respectivos países. Com isso, pretende-se estimular o saber crítico dos estudantes, docentes e demais interessados nas questões ligadas à relação entre neoliberalismo, lutas sociais e regimes democráticos. Os interessados em inscrever seus trabalhos devem enviar, por correio eletrônico, os resumos de pesquisas concluídas ou em andamento (checar especificações com a organização). No dia 20 de agosto, serão divulgados os trabalhos aceitos; o envio integral do texto deverá ser feito no dia 30 de agosto. As inscrições para participar como ouvinte serão entre os dias 5 e 20 de setembro, na Secretaria de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Local: Universidade Estadual de Londrina (UEL), Rod. Celso Garcia, Cid. PR, 445, km 380, Londrina Mais informações: (43) 3371-4624 gepal@uel.br 20ª ROMARIA DA TERRA 21 A Comissão Pastoral da Terra do Paraná comemora 20 anos de romaria com o lema “Ai dos que profanam a terra. Felizes os que cultivam a vida”, uma crítica ao modelo agrícola atual, o chamado agronegócio, e à exploração dos assalariados rurais. O objetivo é valorizar as experiências dos pequenos agricultores e o seu modo de produção, além de ressaltar a importância da agroecologia nesse sistema. A cidade de São Pedro do Ivaí foi escolhida por ser palco de importantes lutas dos trabalhadores da terra. A CPT denuncia que a evolução do agronegócio no município gera um falso crescimento, além de degradação ambiental, miséria, exploração e abandono de milhares de famílias. Diante da situação crítica do município, a CPT está convidando todos os assalariados rurais da região. A expectativa é de que mais de 25 mil pessoas participem da romaria. Os trabalhadores rurais devem chegar às 5 horas da manhã e se concentrar em frente à rodoviária municipal. Durante todo o dia, a celebração será constituída de cantos, rezas e caminhada. Nessa trajetória são passadas informações sobre a viabilidade do modo de produção camponês, a insustentabilidade do agronegócio e a exploração do trabalho assalariado. Local: município de São Pedro do Ivaí, a 50 km de Maringá Mais informações: (41) 3224-7433 cpt@cpt.org.br
movimento autóctone do Equador; além dos especialistas Fernando Báez, Jairo Estrada e Alejandro Olmos. Outra presença especial é o uruguaio Félix Carbajal que, aos 100 anos, ainda segue firme no desejo de construir uma América Latina livre e soberana. Ele vai falar sobre a genialidade de Simón Bolívar, o libertador. Local: Auditório da Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis Mais informações: (48) 3319-2927, ramal 37, ola@cse.ufsc.br, www.ola.cse.ufsc.br
SÃO PAULO FIQUE AMIG@ DE CATÓLICAS 11 A organização não-governamental (ONG) Católicas pelo Direito de Decidir lança a campanha “Fique Amig@ de Católicas pelo Direito de Decidir”. A ONG participa do movimento de emancipação das mulheres, acredita numa sociedade mais justa e igualitária, sem desigualdade de gênero e sem violência, respeitando a capacidade ética e moral que as mulheres têm de decidir sobre seu corpo, seu prazer e sua vida. O lançamento da cam-
panha contará com a presença da musicista Dalila Vasconcellos de Carvalho, com um repertório voltado à música popular brasileira. Local: R. Prof. Sebastião Soares de Faria, 57, 6º andar, São Paulo Mais informações: (11) 3541-3476, www.catolicasonline.org.br O DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL E O SISTEMA DE JUSTIÇA 12 Evento organizado pela Ação Educativa – Projeto Ação na Justiça, que vai discutir o direito à educação infantil e o sistema da Justiça brasileiro. É voltado para aqueles que trabalham em entidades de defesa e promoção de direitos da criança, como Cedeca, Conselhos Tutelares e Movimento Interfóruns de Educação Infantil. As inscrições devem ser feitas por telefone ou por correio eletrônico. Local: Ação Educativa, R. General Jardim, 660, térreo, São Paulo Mais informações: (11) 3151-2333, ramais 146 e 162, acaonajustica@a caoeducativa.org O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IGUALDADE RACIAL 15, 19h Simpósio realizado sob a coordenação do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Cidadania do Ministério Público do Estado de São Paulo (CAO Cidadania), com o objetivo de debater a igualdade racial no Brasil. As inscrições para participar do encontro devem ser feitas na sede do Centro de Apoio ou por telefone. Local: Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Cidadania, R. Riachuelo, 115, São Paulo Mais informações: (11) 3119-9550, 3119-9552, 3119-9555 UM OLHAR SOBRE O TIMOR LESTE até 17 Exposição organizada numa parceria do Sesi de Osasco com o Instituto Camões, órgão de difusão cultural do governo de Portugal. Reúne 25 fotografias que retratam aspectos humanos e geográficos do país, antiga colônia portuguesa, independente desde 2002. A mostra é resultado de um convite a cinco renomados fotógrafos portugueses: Adriano Miranda, António Pedro Ferreira, Eduardo Gageiro, Inácio Ludgero e Luiz Carvalho. A missão de cada artista foi apresentar cinco trabalhos sobre o Timor que mostrassem o caminho percorrido pelos timorenses na luta pela formação de um novo Estado. A entrada é franca. Local: Sesi de Osasco, Av. Getúlio Vargas, 401, Jd. Piratininga, Osasco Mais informações: (11) 3686-3500
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DEMOCRACIA E PERSPECTIVAS DA ESQUERDA Os mais recentes lançamentos da Editora Fundação Perseu Abramo são os livros Forjando a democracia – a história da esquerda na Europa, 1850-2000, de Geoff Eley, e História e perspectivas da esquerda, organizado por Alexandre Fortes. O primeiro (768 páginas, R$ 75) apresenta a trajetória de 150 anos da esquerda européia e destaca o seu papel central na construção e consolidação da democracia no continente, por meio das idéias e da militância de socialistas, feministas, comunistas e outros integrantes de movimentos radicais que floresceram no final do século 19. História e perspectivas (256 páginas, R$ 30) reúne contribuições de diversos especialistas sobre a história das esquerdas e sobre as recentes experiências em regiões distintas, como Europa e América Latina. O livro é uma co-edição com a Argos Editora Universitária. Assinam os artigos Marco Aurélio Garcia, Jacob Gorender, Marcel van der Linden, Raul Pont, Daniel Aarão Reis Filho, Mario Rapaport, Jeffrey Gould e Gérard Collomb, entre outros.
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LIVROS
SANTA CATARINA JORNADAS BOLIVARIANAS de 15 a 19 Evento anual do Observatório Latino-Americano/CSE/UFSC, a segunda edição das Jornadas Bolivarianas pretende pensar alternativas anticapitalistas para a vida da América Latina. O tema central é “O mapa da crise: a reinvenção das ciências sociais na América Latina”, com a participação de conferencistas da Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, Cuba, México, Argentina e Estados Unidos. Haverá também mostra de vídeo, lançamento de livros e manifestações da cultura latino-americana. A lista de conferencistas inclui lideranças dos movimentos sociais e trabalhadores da América Latina como, Luiz Macas, do
TATTO ZINHO E ROKO-LOKO 20, das 14h às 18h O cartunista Márcio Baraldi, colaborador do Brasil de Fato, convida a todos para o lançamento do livro Tatto Zinho e do jogo eletrônico RokoLoko no Castelo do Ratozinger. Tatto Zinho é o primeiro personagem tatuador dos quadrinhos brasileiros. Ele estreou há nove anos na revista Metalhead Tattoo e agora ganha um livro. Roko-Loko e sua companheira Adrina-Lina existem há mais de dez anos e ficaram conhecidos quando suas histórias começaram a ser publicadas no revista Rock Brigade – especializada em rock. Depois de muito sucesso entre os leitores, Roko-Loko ganhou espaço no mundo dos videogames. Roko-Loko no Castelo do Ratozinger é o primeiro jogo brasileiro com um personagem adulto e sua missão é lutar para libertar vários roqueiros aprisionados, entre eles Ozzy Osbourne, Gene Simons e Eddie (do Iron Maiden), até jogar Ratozinger aos crocodilos e salvar sua namorada Adrina-Lina. Um show da banda de hard-rock Exxótica – responsável pela trilha sonora do jogo – comandará o lançamento dos produtos. A entrada é franca. Local: Al.dos Maracatins, 1371, São Paulo Mais informações: (11) 5041-9340, www.marciobaraldi.com.br
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CULTURA
De 11 a 17 de agosto de 2005
ENTREVISTA
Transformar o indivíduo pelo teatro Divulgação
João de Freitas e Thaís Arbex Pinhata de São Paulo (SP)
Lia Coldibelli
A atriz Denise Stoklos procura apresentar ao público a realidade como ela é, numa ruptura com o teatro comercial
D
enise Stoklos é uma atriz engajada, que reforça suas convicções com a postura que assume na vida e no palco. Acredita na transformação da sociedade partindo da esfera micropolítica. “Não são mais necessários fuzis, canhões, batalhões ou guerrilheiros. A tática agora é outra: quanto mais mudarmos o pequeno espaço onde estamos, mais mudaremos a sociedade”. Seus textos tratam da sociedade, do universo político e propõem transformações pessoais ativas. Contestam um sistema que “legitima a inércia social” e, por esse motivo, a atriz não aparece na grande mídia com freqüência. Mesmo assim, tem conquistado um público cada vez maior. Ela busca inspiração no pensamento de intelectuais como Theodor Adorno, Bertolt Brecht e Milton Santos. Em uma frase, define seu trabalho: “O ator que está em interação com a vida dá um depoimento permanente dos absurdos em que essa sociedade cristã-capitalista-globalizante nos coloca”. Em 17 de fevereiro deste ano, durante a apresentação da peça Louise Bourgeois: faço, desfaço, refaço, no Centro Cultural Banco do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, Denise Stoklos caiu de uma escada de 3 metros de altura, fraturando os braços e machucando os tendões. Mesmo com dores, levou o espetáculo até o final, mas depois precisou se afastar por dois meses dos palcos. Nesta entrevista, realizada durante a fase de recuperação, a atriz fala do Teatro Essencial e explica como, por meio de sua arte, é possível transformar o ser humano e a sociedade, tendo a convicção de que “aquilo que não afirma a vida não é bom... Diferença de classe não afirma a vida”. Brasil de Fato – Qual a diferença entre o teatro comercial e o essencial? Denise Stocklos – O teatro comercial é um produto da indústria cultural e o que o caracteriza é a vontade de preservar o sistema como está. Há milhões de interfaces entre a peça e o público. Existem milhares de coisas que desviam a atenção (a mulher que está andando encurvada porque está interpretando uma velhinha, o cenário...). Não há convite à participação, a se aprofundar na leitura. O teatro essencial faz exatamente o contrário. É o público quem lê e decifra. E ele se reformula nesse momento porque há um chamado à reflexão. É um teatro que, ao mostrar sem a imitação (porque não tem outro diretor, não tem outro autor que não seja o próprio ator, mesmo que sejam palavras de outro), apresenta algo de forma a provocar uma reflexão sobre as próprias atitudes. BF – O teatro essencial propõe uma transformação na sociedade? Denise – Depois de um teatro essencial, a idéia é que haja uma transformação no indivíduo, de tal modo que, no dia seguinte, ele não vá repetir aquilo que contribui para que as coisas permaneçam como estão. Ao contrário, ele diz: “Opa! As coisas não estão bem colocadas. Essa separação de classe não está certa”. O ator simplesmente testemunha aquilo que o público sente. Ao ler e decifrar, o público se torna o autor. Por isso o teatro essencial não é um teatro de ficção, mas de fricção! Só quando existe fricção o público se crispa para entender a mensagem, e então a peça existe, acontece
Quem é
A atriz paranaense Denise Stoklos representa o grito de uma maioria que busca a revolução social
alguma coisa. No teatro essencial não existe uma “historinha” para que o espectador fique de simples voyeur. BF – Então há uma interação entre ator e platéia? Denise – Isso. E é por isso também que cada um escolhe seu próprio caminho nessa reflexão. Não há doutrinação. O ator não está ali dando um sermão de como as coisas devem ser. Não dá uma direção para que a revolução aconteça. Apenas propõe que se revolucione, voltando aos princípios de amor e liberdade não mais usados. E nem serão usados enquanto houver miséria no mundo, enquanto houver analfabetismo, enquanto houver jogos de “politiquês”. BF – Essa indignação é a sua força motriz? Denise – É. Acho que se todos ficarmos permanentemente com a consciência da nossa necessidade, que é a de sermos felizes, ficaremos indignados com as injustiças. Agora, quem já desistiu e diz: “Ah, deixa assim mesmo. Quando eu morrer, vou para o céu e daí será uma vida melhor”, eu chamo de impermeáveis. São impermeáveis a esse tipo de diálogo, não estão vivas. Mas qualquer ator que esteja em interação com a vida dá um depoimento permanente dos absurdos em que a nossa sociedade cristã-capitalista-globalizante nos coloca. BF – São sentimentos que ficam hibernados? Denise – Eu não diria hibernados. Acho que na maioria das pessoas estão à flor da pele. Só a minoria não está sentindo, e
essa minoria é a elite – cerca de 300 empresas que mandam no mundo. O resto somos nós, a maioria, portanto. A maioria está incomodada. A maioria está servindo àquelas empresas porque elas implantaram um sistema que nós devemos sustentar: precisar pagar escola para aprender a ler; um teto para morar; dinheiro para comprar uma roupa no frio. Ou seja, toda essa estrutura foi criada para que as empresas continuem existindo e ganhando a mais valia, isto é, terão seus lucros e ficarão mais poderosas, acumularão mais riquezas. BF – Como nasceu o teatro essencial? Denise – Atores, em geral, gostam muito de estudar, mas têm pouquíssimas oportunidades de fazer cursos. Não temos essa tradição no Brasil. Por exemplo, eu estudei mímica quando morei em Londres, já que aqui não havia. Quando voltei, tive uma grande repercussão na imprensa porque era uma novidade fazer um espetáculo em que não se fala nada e que se comunica por meio de uma gramática gestual. Houve uma evolução no meu trabalho de mímica. Estudei com um professor de mímica, Leornad Peltier, que me disse que eu estava muito escondida atrás da técnica. Isto é, que eu estava muito ‘mímica’, que a minha própria técnica estava na minha frente, que eu tinha que tirar essa mímica agora e, depois de ter aprendido, jogar fora. Então, por minha conta, eu fui jogando fora, fazendo meu próprio caminho. Fui juntando um gesto à palavra; às vezes se completavam, outras se contradiziam, e criavam uma
A essência do teatro essencial A proposta do teatro criado por Denise Stoklos é de apresentar ao público a realidade como ela é e ser uma ruptura com o teatro comercial. “O que caracteriza o teatro comercial é a vontade de preservar o sistema, para que o público saia dali com a certeza de que deve, no dia seguinte, reproduzir as mesmas coisas que vem fazendo, para manter a sociedade como está”, explica a atriz. É um estilo de teatro simples, que reduz ao mínimo possível tudo o que seja adereço, decoração, parafernália tecnológica, valorizando o ator em si. Segundo ela, os recursos do ator são o próprio ator: os gestos, a voz e a expressão. “Um teatro feito apenas pelo corpo e pelos movimentos do ator, pela atitude, pela voz, pela intuição e pelo espaço que ele ocupa”. O performer essencial estabelece um vínculo com a platéia. Ele permite ao público “emprestar” seu corpo para fazer no palco o que, muitas vezes, é um peso demasiado grande: a reflexão profunda dos problemas humanos. A intenção é apresentar um conteúdo dialético no palco que possa despertar na platéia uma sensibilidade cada vez mais adormecida na sociedade capitalista, “que se protege no útero do padrão”, como afirma a atriz. E possibilitar ao espectador um encontro consigo mesmo.
alquimia diferente. Esses foram os princípios do teatro essencial: um teatro feito apenas pelo corpo do ator, pelos movimentos, pelo espaço ocupado, pela voz – que também é corpo –, pela atitude, pelo que inspira de ar, o que mostra sua intenção. Um terceiro elemento é a intuição, esse espaço aberto que você deixa para que venham impressões, lembranças, até memórias da raça humana que carregamos. BF – A maternidade mexeu muito com você? Denise – Ela me revelou tudo, me revelou a vida. Os meus pais me deram à luz e meus filhos me deram a vida. Porque quando se tem filhos, aprende-se. A gente quer dar tudo de melhor para aquele ser que está nascendo, que nem é seu, será dele mesmo. Em primeiro lugar, o conceito de propriedade cai por terra para sempre. Nunca mais se acredita em propriedade privada, o marxismo se instala na sua alma (risos). Depois, se quer tudo de bom para ele. Então, a fé na fraternidade nunca mais acaba. O “paz e amor” do hippie nunca mais se descolará de quem participa do evento de ter um filho, porque se aprende que, se você quer tudo de melhor para o seu filho, a mãe de outra criança também quer para o dela. Daí, você passa a querer tudo de bom para todos. Então, eu decidi que precisava fazer o que sei, o que gosto de fazer: teatro. Foi a partir deles (os filhos), que comecei a fazer o meu teatro essencial. BF – E sua peça de estréia, Círculo na lua, Lama na rua, foi premiada. Denise – Eu escrevi essa peça com 17 anos e a estreei aos 18. Tinha mudado de uma cidade do interior, Irati, para Curitiba e lá eu não conhecia ninguém. Eu queria fazer teatro, mas não tinha articulação para formar os grupos. Então pensei: ‘o único jeito de fazer teatro é se eu mesma inventar uma peça. Se eu pegar uma peça para montar, vou montar tudo errado porque eu não sei, não estudei.’ Assim eu podia dizer: a montagem está certa porque é o estilo da autora; a autora quis assim. Com isso, eu escrevi minhas primeiras peças e as montei com amigos. Trabalhei com diretores que assistiram às minhas peças e me chamaram para trabalhar com eles. Ademar Guerra, numa remontagem de A Missa Leiga; Antunes Filho, Luís Antônio Martinez Corrêa (irmão do Zé Celso) e Roberto Vignati.
Nascida dia 14 de julho de 1950 na cidade de Irati, Paraná, Denise Stoklos é formada em Jornalismo e em Ciências Sociais. Aos dezessete anos escreveu sua primeira peça, Círculo na lua, Lama na rua. Aos dezoito, estreou como diretora e atriz, sendo premiada no Festival de São Carlos, em 1970. A partir daí, trabalhou em diversas produções teatrais, entre as quais A semana, Vestido de noiva e Um ponto de luz. Em 1979, viajou para Londres, onde se especializou em mímica. Em 1994, foi aclamada pelo jornal The Observer como a melhor atriz de todo Festival de Edimburgo, na Escócia. O repertório de Denise é composto por mais de vinte textos, entre os quais se destacam Mary Stuart, de 1987; Vozes dissonantes, de 1999 e Calendário da pedra, de 2001.
BF – Na televisão há espaço para o teatro essencial? Denise – Na televisão tem espaço para tudo, eu adoro a mídia televisiva. O que não existe é um espaço para que se faça uma televisão reflexiva. Faz-se uma televisão que acalma, “do sossega leão”, “não mexe nas coisas, deixa como estão”. Isso porque as TVs pertencem aos grupos que não estão interessados em mudança, sustentam as 300 empresas que mandam no mundo, e estas, por sua vez, sustentam os meios de comunicação com publicidade. É um jogo vicioso onde não se pode produzir algo que venha a ser contra ela mesma. Isso é um sonho. Eu adoro, morro de vontade de fazer televisão, onde eu possa falar com mais gente dessa forma reflexiva e não pregadora como vários canais religiosos têm. BF – Qual a sua fonte de inspiração? Quais os modelos que você seguiu? Denise – Depois que eu passei pelo segundo curso de mímica e percebi que era possível trabalhar de outra forma, fui pesquisar a minha forma brasileira, latinoamericana de fazer. E resultou no que resultou. Num eco dos comediantes que eu via quando pequena: Oscarito, Dercy Gonçalves. Esses eram completamente anarquistas, mambembes, não pertenciam a classe nenhuma, detonavam com a elite. E o circo também. As peças de teatro de circo eram dessa forma com os palhaços. BF – Seu trabalho é mais assistido e prestigiado fora do Brasil? Denise – O fato é que no exterior eles têm muito menos problemas básicos de sobrevivência, de pão, de água limpa, de lugar para morar, de escola. Um escandinavo já nasce com aposentadoria garantida. Ele vai ter escola, comida, médico gratuito, o sistema é voltado ao cidadão. Eles têm muito menos problemas para ir ao teatro. Aqui, ir ao teatro é um luxo por causa dos preços, que são altos.