BDF_129

Page 1

Ano 3 • Número 129

R$ 2,00 São Paulo • De 18 a 24 de agosto de 2005

Protestos em Brasília exigem mudanças Movimentos sociais fazem uma série de mobilizações contra rumos da economia e por reforma política João Zinclar

Oposição quer a sangria lenta do presidente Lula

Yoav Lemmer/ AFP/ Folha Imagem

M

ilhares de pessoas foram às ruas de Brasília, entre os dias 15 e 17, para protestar contra os rumos do governo, reivindicar mudanças na política econômica, exigir apuração das denúncias de corrupção e punição dos culpados. Marchas organizadas por movimentos dos sem-terra, sem-teto, estudantes e partidos de esquerda levaram ao Palácio do Planalto sugestões de medidas concretas – como o financiamento público e exclusivo de campanhas eleitorais, proposto pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). “Precisamos de investimentos nas áreas sociais e em infra-estrutura”, acrescentou João Felício, presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “O povo brasileiro começou a debater e a se pronunciar oficialmente sobre a crise”, afirmou João Paulo Rodrigues, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Mas, ao receber representantes dos manifestantes, dia 16, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deu qualquer sinal de que haverá mudança. Págs. 2 e 3

Aos poucos, a tese do impeachment do presidente Lula perde força. Em reunião, seis partidos de oposição decidiram que não vão levar adiante essa possibilidade, pelo menos no momento. Enquanto isso, Lula se diz satisfeito com a economia. Melhor para os bancos, como o Bradesco, que teve lucro recorde. Pior para o povo, que fica sem um reajuste maior para o salário-mínimo. Pág. 4

Em Brasília, cerca de 20 mil sindicalistas, estudantes e integrantes de movimentos sociais protestam contra a corrupção e a desestabilização do governo

Mesmo evacuando Gaza, Sharon mantém ocupação O primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, ordenou a retirada das 21 colônias de Gaza, território palestino. A evacuação ocorreu de 14 a 17 de agosto, foi apoiada pela maioria da população, mas gerou protestos de judeus ortodoxos e da extrema-direita de Israel. Apesar de

apoiada pela comunidade internacional, a retirada não significa o fim da ocupação da Palestina, que dura desde 1967, já que Sharon autorizou a construção de novas colônias na Cisjordânia, reforçando a presença em território palestino. Pág. 11

Jovens constroem redes contra o imperialismo Os milhares de jovens que ocuparam Caracas no 16º Festival Mundial da Juventude vão criar redes para denunciar as ações dos Estados Unidos no mundo. A principal atividade do encontro foi o Tribunal Antiimperialista que ouviu as vítimas das políticas estadunidenses, como os atingidos pela bomba atômica lançada em Hiroshima. Pág. 9

O balanço do governo feito por candidatos à direção do PT contrários à ala majoritária nas próximas eleições é negativo, embora avaliem que houve aspectos positivos, como a política externa. Para Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, a política econômica é criticável, mas mudá-la, agora, é perigoso. Ele acredita que o PT pode empurrar o governo para a esquerda. Para Raul Pont, da Democracia Socialista, o governo é refém da lógica neoliberal e perdeu a identidade petista. Págs. 7 e 8

CNBB defende Condenação participação do dos cubanos é povo na política anulada nos EUA Pág. 5

Pág. 10

E mais:

Fábio Mallart

Mudar a direção do PT vai mudar o governo?

Israelenses iniciam retirada dos moradores de colônias em Gaza, na Palestina

PERSEGUIÇÃO – Três trabalhadores sem-terra estão presos, em Itarema (CE), acusados por “motivações ideológicas”, diz a advogada. Pág. 5 ECONOMIA – Estados do Sul cobram a União compensação por perdas de receita com a Lei Kandir. Pág. 6 EXPLORAÇÃO – Em julho, dois cortadores de cana morreram enquanto trabalhavam em Guariba (SP). Pág. 13

Polícia Militar de São Paulo age com truculência em despejo de sem-teto na capital paulista


2

De 18 a 24 de agosto de 2005

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretária de redação: Thais Arbex Pinhata 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

A direita e o mensalão dos banqueiros

N

o dia 15, a cúpula da oposição, dirigida pela velha direita golpista e reacionária, responsável pelo maior nível de corrupção da história deste país, reúne-se com alguns partidos que resolveram a ela se associar para declarar em alto e bom som que “não vêem motivos concretos para falar em impeachment de Lula”. Depois de 90 dias de campanha, manipulando e tentando fazer crer à sociedade, através de uma megaoperação midiática, que o governo havia acabado, e que o eterno caixa dois neste país tinha sido inventado pelo PT, a velha direita coloca o pé no freio. E afirma que não há nada de concreto contra o presidente da República e que vão continuar investigando. Será que vão mesmo investigar, por exemplo, que houve caixa dois na campanha eleitoral? Se vão, é preciso investigar aquele que defendem ardentemente, o ministro Palocci, pois foi ele quem coordenou a campanha de Lula, e é o responsável pelo compromisso do governo com o setor financeiro para manter a mesma política econômica do governo FHC. Será que vão investigar e correr o risco de comprovar que entre o esquema que deu sustentação e se beneficiou da farra das privatizações do governo FHC, e os que seguem se beneficiando do neoliberalismo do Ministério da Fazenda e do Banco Central do governo Lula, há uma grande coincidência de personagens, como o banqueiro Daniel Dantas,

do banco Opportunity, Marcos Valério, Duda Mendonça, e os que impulsionaram, na ala neoliberal do PT, a privatização, por exemplo, da Vale do Rio Doce, com a participação dos fundos de pensão? É claro que a velha direita não pode deixar Lula ser reeleito, pois precisa retomar o quanto antes o controle total do Estado, para, conforme declarou José Serra ao Valor Econômico, “dar continuidade às privatizações interrompidas pelo governo Lula”. Mas é claro que a velha direita também aprendeu muito com o contragolpe popular e democrático das massas exploradas da Venezuela, que, quando viram o imperialismo e a oligarquia seqüestrarem o presidente Hugo Chávez, ocuparam as ruas, desmontaram o golpe, salvaram a vida e o governo. Não é à toa que sempre que Chávez visita Lula, a direita perde o sono, e ataca o presidente venezuelano, lamentando o progresso na cooperação Brasil-Venezuela. Mas, o temor maior, é que Lula se decida por uma nova política, de estilo chavista, que a direita chama de populismo, pois no cálculo político da velha direita, há perfeita consciência de que Lula terá forte apoio popular se o fizer. Não por acaso, é uma das razões por que esquecem, transitoriamente, a tese do impeachment. Entretanto, esta desorientação da direita, seu medo de encurralar Lula e levá-lo a uma radicalização, pode

até limitar ou intimidar sua ação golpista, mas não resolve as questões mais importantes para que a experiência mais transcendente do movimento de massas no Brasil (a eleição de um presidente operário) não se transforme numa grande frustração e numa desmoralização das esquerdas e dos movimentos sociais. Como ficou claro na manifestação convocada pela Coordenação dos Movimentos Sociais, no dia 16, em Brasília, há disposição de luta para defender o mandato popular de Lula, mas há igual consciência de que se não houver mudanças na política econômica, a crise não terá solução, o governo seguirá seu curso para um suicídio político. Pois é indefensável que siga mantendo a moratória das dívidas sociais com os pobres, mas manter intacto o grande esquema de enriquecimento do setor financeiro, o “mensalão dos banqueiros”, mil vezes superior ao dos deputados, cuja finalidade, outra não é, que manter os gordos lucros dos bancos, de onde sai a verba para cooptar parlamentares e dirigentes petistas. Se não mudar radicalmente de rota, Lula abrirá caminho para outras articulações da direita, e poderá desperdiçar o imenso apoio popular que ainda possui, capaz de lhe dar sustentação para fazer o inevitável enfrentamento com os banqueiros, o agronegócio, os madeireiros, e, assim, iniciar de fato o cumprimento de seu programa de campanha.

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES MENSALÃO A questão do mensalão é de fácil compreensão: financiamentos milionários de campanhas políticas ditam a dominação de partes estratégicas nos poderes públicos, com técnicas anestesiantes de J. Goelbles: “Uma mentira repetida mil vezes, torna-se verdade.” Fernando Magno por correio eletrônico PLINIO ARRUDA SAMPAIO A entrevista com Plinio Arruda Sampaio publicada na edição 127 é imperdível. Uma análise muito sensata e compromissada. Ele tem autoridade para dizer e defender o que defende. Temos que lutar para eleger Plinio presidente nacional do PT. Frei Gilvander Moreira por correio eletrônico REFORMA POLÍTICA A proposta da sociedade para a reforma política deve obter apoio de quantidade representativa de organizações civis para que tenha significado, pelo propósito a que se destina: ser aprovada, possibilitar a melhoria da qualidade dos eleitos, assentar o sistema democrático em sólida base moral, estimular a formação de redes comunitárias, de instituições que cerceiem o poder público ante a liberdade e interesse do cidadão, valorizar o espírito público e orientar na busca incessante não de plena igualdade material, mas de igualdade de condições e oportunidades, para solidificar no povo a convicção de que só o processo democrático ensejará progresso pessoal, enraizando a noção de que a descentralização é

o antídoto republicano eficaz ao gigantismo do Estado. Já com atraso e sendo inadiável e urgente a aprovação dessa reforma, a sociedade, por meio das entidades da sociedade civil, deve preparar e apresentar sua proposta, visto que os partidos não o fizeram. A reforma deve estipular regras e normas que possibilitem melhores resultados eleitorais, pois “o que realmente importa na vida de uma nação é a qualidade de seus líderes, o caráter daqueles que dirigem seu destino”. A aprovação da reforma política deve se dar em tempo para que as eleições de 2006 se realizem sob sua égide. Erik C.G por correio eletrônico CUMPRIMENTOS Para a edição 127 do Brasil de Fato, tenho dois elogios: o primeiro é em relação à entrevista com Plinio Arruda Sampaio, que está extremamente interessante e pertinente ao momento político do Brasil. E o segundo é refente à matéria “Vó Kyr para kaingang não esquecer” que, além de ser fiel ao pensamento do antropólogo Rodrigo Venzon, mostra com clareza a idéia do projeto. Parabéns pela competência do jornal. Cris Vigiano por correio eletrônico Gostaria de parabenizar a todos que compõem esse grande jornal. Fiquei muito satisfeito com os exemplares deste primeiro semestre. Reinaldo de Oliveira Souza por correio eletrônico

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

Para desarmar a nação Marcelo Barros Além do debate e das descobertas que surgem, a cada dia, nos meios de comunicação sobre a corrupção política e econômica que continua a vigorar no Brasil dos poderosos, um dos assuntos mais discutidos nestes dias é a campanha do desarmamento e a consulta popular (plebiscito) sobre o artigo do Estatuto do Desarmamento que proíbe a fabricação e comercialização de armas de fogo em todo o território nacional. Em outubro, o povo brasileiro deverá votar se aprova que a produção e a venda de armas de fogo continuem sendo proibidas no país. É bom sublinhar que, pela primeira vez, um governo dá a seus cidadãos o direito de votar em assunto tão decisivo para a vida e a organização da sociedade. Por isso, a própria realização do plebiscito é importante conquista do povo. À medida que se aproxima a data da votação, cresce o debate. Há quem, por cultura pessoal ou por servir a indústrias de armamentos, defenda a livre circulação de armas de fogo e há muita gente convencida de que, sem armas, o Brasil será melhor para nossos filhos e filhas. A grande imprensa noticiou que, em um ano de funcionamento do Estatuto do Desarmamento, o índice de mortes por armas de fogo

no Brasil teve forte diminuição. A campanha de desarmamento arrecadou até aqui cerca de 500 mil armas. Entretanto, isso não chega a ser 5% do total. Calcula-se que o Brasil continue tendo 18 milhões de armas clandestinas. Cada ano, 40 mil pessoas continuam a morrer, vítimas de bala. As indústrias de armas propõem que se desarme o bandido e não o cidadão. Mas, conforme dados da polícia, a maioria das vítimas de armas de fogo tem menos de 30 anos e a maior incidência não provém de assaltos e sim de violência entre vizinhos, colegas e ex-namorados. A campanha “Desarme o bandido e não o cidadão” me recorda os velhos filmes de faroeste em que cada homem carregava o seu revólver porque a cavalaria poderia chegar tarde e ele não queria perder o escalpo nas mãos de algum selvagem. O Brasil não é um novo faroeste no qual sobrevive quem primeiro puxar sua arma. Apesar de a violência urbana ter aumentado muito, nem por isso estamos em guerra. Por pior que seja, este tipo de violência é incidental e não põe em campo de batalha um povo contra outro, ou uma classe social ou uma raça para eliminar a outra. A guerra tem uma violência mais planejada e sistêmica. Quem

compara a violência nas cidades brasileiras com a guerra precisa escutar pessoas que vivem em Bagdá, na Faixa de Gaza, no Sudão, na Argélia ou em Bogotá. Afirmar que vivemos uma guerra acaba legitimando medidas de exceção que restringem as liberdades democráticas e justificam maior repressão policial. Somos um país no qual o povo foi colonizado e tem como herança uma das mais injustas e violentas concentrações de terra, uma distribuição de renda mais imoral do que todas as falcatruas e corrupções que ainda se descobrirem na vida política brasileira. Entretanto, os brasileiros conscientes querem acabar com esta violência estrutural, de forma não violenta e pacífica, isto é, sem armas. Deixemos as armas com o Estado e o tornemos, cada vez mais, capaz de proteger os cidadãos deste país. Qualquer outra solução é voltar atrás na história e regredir à barbárie. Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Ed. CEBI-Rede da Paz, 2005. Correio eletrônico: mosteirodegoias@cultura.com.br

Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:brasil-al@brasildefato.com.br•BA:brasil-ba@brasildefato.com.br•CE: brasil-ce@brasildefato.com.br•DF:brasil-df@brasildefato.com.br•ES:brasil-es@brasildefato.com.br•GO:brasil-go@brasildefato.com.br•MA:brasil-ma@brasildefato.com.br•MG:brasil-mg@brasildefato.com.br•MS:brasil-ms@brasildefato.com.br•MT:brasilmt@brasildefato.com.br•PA:brasil-pa@brasildefato.com.br•PB:brasil-pb@brasildefato.com.br•PE:brasil-pe@brasildefato.com.br•PI:brasil-pi@brasildefato.com.br•PR:brasil-pr@brasildefato.com.br•RJ:brasil-rj@brasildefato.com.br•RN:brasil-rn@brasildefat o.com.br•RO:brasil-ro@brasildefato.com.br•RS:brasil-rs@brasildefato.com.br•SC:brasil-sc@brasildefato.com.br•SE:brasil-se@brasildefato.com.br•SP:brasil-sp@brasildefato.com.br


3

De 18 a 24 de agosto de 2005

NACIONAL REFORMA POLÍTICA

Contra a corrupção e a política econômica Milhares de integrantes de movimentos sociais unem suas forças em protesto na capital federal principais denúncias de corrupção –, os movimentos sociais fizeram um ato em frente ao Ministério da Fazenda, contra a taxa de juros e o superavit primário. Na manifestação, João Felício, presidente nacional da CUT, lembrou que sem a redução imediata dos juros e do superavit não há perspectiva para a imensa massa de jovens que chega todos os anos ao mercado de trabalho. “Precisamos de investimentos nas áreas sociais e na infra-estrutura, fortalecer o poder de compra dos salários, gerar emprego, renda, redistribuir riqueza, e isso se faz com apoio à produção, enfrentando a especulação”, disse.

João Zinclar

Beatriz Pasqualino de Brasília (DF)

“O

lé, olé, olá, a direita quer voltar; é golpe é golpe, por isso eu vou lutar”. Foi com esse coro que cerca de 20 mil ativistas de movimentos sociais ligados a populações semteto, sem-terra, estudantes e sindicalistas tomaram a Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), na manhã do dia 16. Eles protestaram contra a corrupção, contra os rumos da economia e por uma reforma política no país. A manifestação foi organizada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), que reúne dezenas de entidades como União Nacional dos Estudantes (UNE), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). As reivindicações feitas são as mesmas da “Carta ao Povo Brasileiro”, entregue em junho ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O ato da CMS foi o momento em que o povo brasileiro começou a debater e a se pronunciar oficialmente sobre a crise, colocando suas propostas concretas”, afirmou João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST. Muitos jovens participaram da mobilização com os rostos pintados de verde e amarelo. Mas os movimentos sociais alertaram que o cenário, desta vez, é bem diferente daquele que levou os brasileiros às ruas em 1992 para exigir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Segundo Gustavo Petta, pre-

SEM MUDANÇAS

Sindicalistas, estudantes e integrantes de movimentos socias cobram mudanças urgentes na política econômica

sidente da UNE, apesar de o ato representar a volta dos caras-pintadas, os manifestantes não defendem a saída de Lula do poder porque isso poderia abrir espaço para a volta da elite conservadora. “Temos de desmascarar a direita brasileira que está se colocando como a porta-voz da ética na política, como ACM (Antônio Carlos Magalhães, PFL-BA) e Roberto

Jefferson (PTB-RJ)”. A CMS também defende que, apesar de a mídia tentar reduzir a mobilização a uma questão de apoio ou não ao governo Lula, o ato teve como objetivo cobrar os compromissos firmados pelo presidente Lula durante a campanha eleitoral. “Não viemos a Brasília para ser contra ou a favor do impeachment do presidente porque essa não é uma

pauta dos movimentos sociais, mas sim da imprensa e da elite brasileira”, explica o dirigente do MST. Além da punição aos corruptos, os movimentos sociais reivindicam financiamento público e exclusivo de campanhas eleitorais para evitar esquemas de corrupção como caixa dois e compra de mandatos. Antes de protestar em frente ao Congresso Nacional – alvo das

No início da noite do dia 16, uma comissão de representantes dos manifestantes foi recebida por Lula. José Valdir Misnerovicz, da coordenação nacional do MST, contou que o presidente aparentou tranqüilidade e segurança. “Apesar da maior parte dos presentes ter criticado a política econômica, ele não deu nenhum indicativo de que ocorrerão mudanças. Ele só disse que está aberto a discutir”, revela Misnerovicz, para quem isso significa que o governo pretende administrar a crise e deixar o tempo passar, sem alterar os rumos. Uma nova manifestação estava marcada para Brasília, dia 17, convocada pela Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e pelo PSTU, entre outras entidades que fazem forte oposição ao governo. Outras mobilizações contra a corrupção e a política econômica deverão acontecer em Salvador (BA), no dia 25, e em São Paulo (SP), no dia 26.

REFORMA URBANA

A semana, em Brasília, foi marcada por manifestações dos movimentos sociais. Além do ato da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), dia 16, entidades ligadas à questão de moradia realizaram, dia 15, a Marcha Nacional da Reforma Urbana e pelo Direito à Cidade. Cerca de 5 mil pessoas protestaram contra os efeitos cruéis da urbanização, que tem aprofundado as desigualdades sociais – como a existência de 7 milhões de famílias sem casa e mais de 6 milhões morando em situação precária no Brasil. A caminhada, organizada pela Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), pela União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e pela Central de Movimentos Populares (CMP), saiu da Esplanada dos Ministérios e foi ao Palácio do Planalto. Em encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os sem-teto entregaram uma carta com 22 reivindicações que incluem desde melhor qualidade de vida nas cidades até o fim dos despejos forçados e a ampliação do transporte público. Um dos principais pontos é a proposta de construção de 50 mil unidades habitacionais ainda este ano, para a população que ganha de 0 a 3 salários-mínimos. Para essa tarefa, os movimentos por moradia querem o fortalecimento do Ministério das Cidades. “Como a maioria dos recursos para a habitação vem do FGTS e é gerido pela Caixa Econômica Federal – que por ser um banco tem uma série de restrições – a nossa luta é para que cada vez mais o ministério assuma o papel de construir moradias populares”, ressalta Raimundo Bon-

fim, dirigente da CMP. O governo garantiu R$ 600 milhões do Orçamento Geral da União, a partir de 2006, para novas unidades habitacionais. Os semteto, que reivindicaram R$ 1,2 bilhão, saíram da audiência com o compromisso do presidente de que as políticas públicas desenvolvidas no Ministério das Cidades não vão mudar de rumo, mesmo com a troca do ministro Olívio Dutra por Márcio Fortes. Também foram anunciadas as desapropriações de 18 imóveis e três terrenos da União para atender famílias de São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Espírito Santo.

VITÓRIA PARCIAL Outra reivindicação da Marcha foi a regulamentação da Lei Federal 11124/05, que criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. Bonfim lembra que a aprovação da proposta no Congresso Nacional depois de 14 anos de tramitação constitui uma vitória dos movimentos sociais, principalmente porque foi o primeiro projeto de iniciativa popular aprovado pelos parlamentares. A lei, sancionada por Lula em junho, vai somar todos os recursos para ações em habitação, nos três níveis de governo (federal, estaduais e municipais) e direcioná-los para o atendimento às famílias de baixa renda. O Ministério das Cidades tem até setembro para regulamentar a lei, que também prevê a criação do Sistema Nacional de Habitação e de um Conselho Gestor, composto por representantes do governo e da sociedade civil. O órgão ficará responsável por destinar os recursos, definir prioridades e estratégias, além de estabelecer regras de empréstimo. (BP)

Mais um despejo violento de sem-teto em São Paulo Maíra Kubík Mano de São Paulo (SP) Desde 2003, 79 famílias semteto ocupavam o imóvel de cinco andares na Rua Plínio Ramos, região da Luz, Centro de São Paulo (SP). Depois de meses lutando na Justiça, foram despejadas dia 16. “O proprietário manteve diálogo com os coordenadores, mas ele sempre quis tirar as pessoas de lá”, afirmou Pedro Rozales, do Movimento de Moradia da Região do Centro (MMRC). Segundo ele, a reintegração ainda não tinha ocorrido porque os advogados do movimento conseguiram que o proprietário fosse obrigado a garantir a retirada dos bens dos semteto antes do despejo. “Agora, ele conseguiu o dinheiro para retirar os bens. Entramos com uma liminar recorrendo ao Estatuto da Criança e do Adolescente porque muitas crianças e jovens do prédio estão matriculadas aqui na região, no Bom Retiro, na Luz e no Brás. Argumentamos que se ocorresse o despejo eles iam perder o ano escolar. Ganhamos algum tempo, mas não adiantou”, acrescentou Rozales.

ORGANIZAÇÃO Segundo Fernando Oliveira, do MMRC, a ação policial já começou violenta. “Muita gente foi ferida”, relatou Oliveira, que foi atingido no rosto por uma bala de borracha. Os policiais também utilizaram bombas de gás lacrimogênio e spray de pimenta. Além dos sem-teto, um jornalista saiu machucado. Nos dias que antecederam a ação, o movimento tentou divulgar a situação do prédio. “Mas a grande mídia vem só

Luciney Martins/ BL 45Imagens

Recebidos por Lula, sem-teto reivindicam 50 mil moradias

Em ação truculenta da Polícia Militar, dezenas de sem-teto foram presos

depois que acontece a desgraça”, observou Rozales, que ficou dentro do prédio. Durante toda a noite anterior, eles se prepararam para resistir pacificamente e se organizaram em assembléias. Às 8 horas, quando a Polícia Militar chegou e trancou a rua, mais de 200 representantes de movimentos e apoiadores se sentaram na frente do prédio, mas foram agredidos. Estavam presentes movimentos de moradia, passe-livre e o Centro de Mídia Independente. Estudantes da Universidade de São Paulo montaram uma rádio em uma ocupação na Rua Prestes Maia e transmitiram as informações da ação. Dentro do edifício estavam 300 pessoas. “Eles entraram e encurralaram todo mundo. Demos as mãos uns aos outros. As mulheres, crianças e idosos foram liberadas primeiro”, contou Rozales.

Todos os outros homens e algumas mulheres, cerca de 150, ficaram detidos. “Fizeram tortura psicológica, nos humilharam e ameaçaram. Pegaram dois moradores da Prestes Maia e espancaram, alegando os que jogaram pedras em um policial. Foi uma escolha aleatória e um ato de racismo pois um deles era negro”, disse Rozales. No salão do prédio também estavam alojadas famílias do edifício da Rua Cantareira, desocupado em março. Os bens foram retirados sem o menor cuidado e alguns foram destruídos. Depois da ação policial, 22 pessoas foram levadas para a delegacia e indiciadas por resistência à reintegração de posse. Apesar dos advogados do proprietário não terem acusado formalmente os semteto de resistir, a delegada Patrícia Rosana insistiu na acusação.


4

De 18 a 24 de agosto de 2005

Espelho da Redação Imprensa impune Vários veículos de comunicação – entre eles a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, TV Bandeirantes, SBT e TV Globo – acabam de ser condenados pela Justiça, em segunda instância, a indenizar os proprietários e funcionários da Escola Base, prejudicados por notícias inverídicas divulgadas em 1994. Na época, a mídia acreditou em “fonte oficial” da polícia e causou danos irreparáveis a pessoas inocentes. Apesar de condenados, os veículos recorreram para instância superior. Ataque direto O ex-vice-prefeito de São Paulo, jurista Hélio Bicudo, antigo integrante do PT e figura respeitada na luta em defesa dos direitos humanos, em declaração para a panfletária revista Veja criticou diretamente o presidente da República, ao dizer que “Lula é mestre em esconder sujeira embaixo do tapete”. Bicudo fez parte, anos atrás, de uma comissão do PT que apurou denúncias contra o empresário Roberto Teixeira, compadre de Lula, e foi obrigada a parar a apuração por ordem do próprio Lula. Desastre geral Depois da revelação do marqueteiro Duda Mendonça de que recebeu pagamentos do PT em conta clandestina no exterior, o deputado federal petista Ivan Valente, da corrente Ação Popular Socialista, desabafou para o jornal O Estado de S. Paulo: “É lamentável que a cúpula petista tenha destruído os sonhos de tantos brasileiros”. Missão impossível Em longa entrevista para a revista Caros Amigos, o ministro Waldir Pires, chefe da Controladoria Geral da União, fala das dificuldades do órgão em combater o desvio de recursos públicos, já que a corrupção é uma prática generalizada nos vários níveis da administração. Ele conta que a Controladoria encontrou problemas em metade dos 800 municípios inspecionados. Haja mala! Operação Narciso As investigações sobre a loja mais cara de São Paulo, a Daslu, freqüentada por ricos e exibicionistas em geral, já comprovaram várias fraudes fiscais, contrabando, sonegação e outros pequenos desvios éticos das elites. Em reportagem sobre os crimes da loja, a revista Carta Capital revela que uma gravata Ermenegildo Zegna, adquirida por cinco dólares (aproximadamente R$ 12), é vendida pela bagatela de R$ 230. Falta escolher um nome mais adequado para os clientes. Bandeira perdida Completou trinta anos, em agosto, o jornal Unidade, tablóide do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Criado em 1975, o jornal teve papel importante para a organização e a conscientização da categoria na luta contra a ditadura militar, pela liberdade de expressão e pela democratização do país. Assim como boa parte da categoria profissional, perdeu a combatividade, o compromisso classista e várias bandeiras históricas dos trabalhadores. Matéria requentada Apresentada como “a confissão” do ex-deputado Valdemar Costa Neto, do PL, em manchete na revista Época da semana passada, a matéria trata do acordo eleitoral realizado entre PT e PL, em 2002, que envolvia o pagamento de R$ 10 milhões e já havia sido revelado pela revista Carta Capital, integralmente, em outubro de 2002. O que antes era uma negociata eleitoral, agora virou denúncia de crime. O que era uma notícia de bastidores, agora virou escândalo. Os interesses da mídia se alteraram com o tempo. Correção política Em artigo veiculado pela internet, o professor Emir Sader enumera várias falácias exploradas na atual crise, entre as quais a de que direita e esquerda são iguais em termos de corrupção. Nada disso, diz ele, “os dirigentes do PT envolvidos em corrupção foram produto da mentalidade mercantil que a direção do partido foi assumindo nos últimos anos, a mesma que se expressa na política econômica do governo – lembrem-se que Meirelles e Palocci são também acusados –, e que está em contradição frontal com os ideais de esquerda”.

CRISE POLÍTICA

Oposição ameniza; Lula não muda Política econômica agrada a elite; e governo articula veto ao aumento do mínimo Jorge Pereira Filho e Marcelo Netto Rodrigues da Redação

U

ma semana após os jornais perderem o medo de usar a palavra impeachment, os seis partidos de oposição ao governo (PFL, PSDB, PDT, PPS, PV e parte do PMDB) resolveram, em reunião conjunta, tratar com mais cautela essa hipótese para não serem tomados como golpistas. Dizem, agora, que não há clima político para tanto. A tese de abertura de um processo de impeachment contra Lula começou a circular com mais intensidade após o depoimento do publicitário Duda Mendonça, semana passada, à CPI dos Correios. Depoimento que na visão do professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, Pedro Estevam Serrano, não trouxe nada de consistente que atinja Lula. “Creio que o depoimento de Duda admitindo ter recebido dinheiro de caixa dois pode, sim, criar problemas sérios para o PT, considerando o que prevê a Lei Orgânica dos Partidos, mas isso, nem de longe, é suficiente para a abertura de um processo de impeachment”, analisa Serrano.

SANGRIA LENTA A tese da “sangria lenta”, na opinião do deputado estadual Frei Sérgio (PT-RS), parece ser a preferida da direita em vez do impeachment apesar de “ninguém mais ter controle da sua majestade, os fatos”. Para Frei Sérgio, quatro riscos estariam sendo ponderados pela direita ao frear a abertura do impeachment, tendo em mente que o símbolo Lula não se destrói rapidamente. O risco-povo (“para onde ele vai num processo des-

Marcello Casal Jr/ABR

da mídia

NACIONAL

gou em educação; 700 vezes mais do que usou em saneamento.

SALÁRIO-MÍNIMO

Em pronunciamento à Nação, presidente Lula não sinaliza alteração na economia

se?”); o risco-economia (“já que os banqueiros vão muito bem obrigado”); o risco-ético (“como um Congresso podre pode impedir um presidente?”) e o risco-sucessão (“a queda de Lula traria uma instabilidade maior do que deixá-lo no poder até o final”). Também joga contra o impeachment a satisfação da elite com a política econômica. O presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Marcio Cypriano, também presidente do Bradesco, por exemplo, descarta de imediato a interrupção do governo Lula. “A economia vai contaminar positivamente a parte política. Não tenho o mínimo receio do contrário”, prevê. O Bradesco lucrou, apenas no primeiro semestre de 2005, o maior resultado já alcançado por uma instituição bancária no Brasil: R$ 2,621 bilhões – o que daria para assentar 110 mil famílias,

segundo o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA).

SEM MUDANÇA A julgar pela postura de Lula, não há a mínima sinalização de que haverá alteração nas políticas ditadas pelo ministro Antônio Palocci (Fazenda). Mesmo porque o presidente considera a economia como um dos êxitos de sua gestão. “Vocês estão entrando num governo, que, apesar de todas as dificuldades, fez o Brasil retomar o caminho do progresso e da justiça social”, avaliou Lula, em seu pronunciamento à Nação, dia 12. De fato, há setores que estão sendo beneficiados com as políticas, mas não têm nada de popular. No primeiro ano de Lula, por exemplo, o governo gastou com juros da dívida externa R$ 150 bilhões – cinco vezes mais o que investiu em saúde; oito vezes o que empre-

E em meio à crise e à pressão dos movimentos sociais (veja página 3), o presidente Lula se vê, mais uma vez, diante da ingrata tarefa de vetar um aumento do saláriomínimo mais vigoroso. Na última semana, o Senado aprovou uma emenda do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) que eleva seu valor para R$ 384 – cabe lembrar que, durante os oito anos de Fernando Henrique Cardoso, ACM foi um dos maiores defensores do ajuste fiscal e dos reajustes pífios do salário-mínimo, não há dúvidas de sua postura demagógica. Mas mesmo que, por vias tortuosas, o bloco dos parlamentares da esquerda petista vai tentar aprovar o reajuste maior. Segundo Ivan Valente, deputado federal (PT-SP), “a proposta está dentro da perspectiva de dobrar o salário-mínimo durante os 4 anos de governo Lula.” Ele atenta para o fato de que, até agora, houve um aumento real de menos de 2%. “ Como ele tinha garantido 100%, é evidente que fica uma frustração enorme com as promessas de campanha”, argumenta. Um aumento real do saláriomínimo teria efeito direto em melhorias nas condições de vida de milhões de brasileiros. “Além de distribuir a renda, o mínimo dinamiza a economia. Com um salário maior, as pessoas vão comprar artigos de primeira necessidade, como alimento e vestuário. Isso aumenta a circulação de mercadoria e a arrecadação de impostos, inclusive nos meios rurais. É óbvio que o governo já poderia ter dado um aumento real, mas não combina com a lógica do reajuste fiscal e superavit primário”, lembra o deputado. (Colaborou Bel Mercês, com Agência Carta Maior)

IMPRENSA

Só falta a TV Globo A campanha pelo impeachment do presidente pode mudar de figura se a TV Globo encampar a idéia. Segundo César Bolaño, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), autor do livro Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia, a Globo continua sendo porta-voz do governo de plantão. Brasil de Fato – Por que a TV Globo não está batendo de frente com Lula? César Bolaño – Porque ainda não tem interesse. O acordo que deve ter sido feito anteriormente para a sustentação do atual governo inclui a Globo, que continua sendo uma rede privilegiada como sempre foi desde a sua fundação. Ela continua desempenhando o papel que sempre desempenhou: porta-voz do governo de plantão – o que faz desde a época do governo militar. BF – A TV Globo já se comportou de forma diferente? Bolaño – A emissora só fez oposição, se podemos dizer assim, em momentos muito precisos da história brasileira. Primeiro, no final do governo de José Sarney, quando foi necessário atacar Sarney para apoiar estrategicamente o ex-presidente Fernando Collor – o que também não foi uma coisa imediata. E depois, no final do governo Collor, quando encampou o processo do impeachment. BF – A mídia teve mais influência do que os cara-pintadas no impeachment de Collor? Bolaño– É difícil avaliar. Porque, se compararmos com a manifestação das Diretas-Já, quando

de fato o movimento de massas foi muito mais relevante do que a Globo queria mostrar, a emissora teve que acompanhar o processo depois. Mas, de fato, a Globo é a nossa televisão oficial, apesar de ser privada. BF – A Globo pode mudar de lado novamente? Bolaño – É possível, mas a situação não está colocada porque a figura do presidente tem sido preservada, e a Globo está dentro dessa estratégia de preservação, como outros setores da burguesia nacional. BF – O senhor viu a revista Veja que praticamente pediu o impeachment de Lula? Bolaño – A revista Veja sempre foi anti-Lula, o que nos faz ler os textos da revista com uma devida cautela. Acho que a Globo é o melhor termômetro. É a empresa hegemônica. Tem um papel inclusive na legitimação do que sai na imprensa escrita, devido ao poder que tem junto ao público. Se a Veja vem com uma estratégia, é preciso ver se a Globo vai comprá-la. BF – E as tão faladas dívidas da Globo? Bolaño – O que se coloca é que a Globo está conseguindo se reestruturar mesmo sem o dinheiro do BNDES. Apesar de não haver de fato uma contradição significativa entre a Globo e o governo, ela também bate no Lula, por exemplo, com o programa Casseta e Planeta. A Globo não deixa o Casseta fazer o que faz simplesmente pela liberdade de expressão. (MNR)

Folha prefere “sangrar” Lula a impeachment Marcelo Netto Rodrigues da Redação

“rabo preso com o leitor”.

ESPAÇO ABERTO Ao contrário da revista Veja, que abertamente fomenta o impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (veja Brasil de Fato, edição 128), o jornal Folha de S.Paulo prefere “sangrar” Lula até o final do mandato, sob o argumento do que chamam de “notícia imparcial”, para emplacar o seu mais previsível candidato, José Serra, nas eleições do ano que vem. Indícios não faltam. Na madrugada do dia 12, um dia após o depoimento de Duda Mendonça à CPI dos Correios, a Folha se apressou em colar cartazes em bancas espalhadas pela cidade de São Paulo com o seguinte chamado para a edição do dia: “Exclusivo: hoje, nova pesquisa Datafolha, sucessão presidencial”. A manchete de capa não poderia ser mais propícia para tamanha vontade de divulgação: “Pela 1ª vez, Serra bate Lula no 2º turno”.

VISITA DE SERRA Pena que a capa da Folha do dia seguinte também não tenha estampado o que foi relegado a uma pequena nota, na seção Painel: “José Serra (PSDB), prefeito de São Paulo, visitou ontem a Folha, onde foi recebido em almoço”. Estranha coincidência não explorada em matérias produzidas pelo jornal, que diz em suas peças publicitárias só ter o

José Serra recebe espaço, sim, no jornal. Conforme as palavras do próprio ombusdman da Folha, no dia 7 de agosto, sobre a entrevista de duas páginas concedidas a Serra, no dia 31 de julho, “o jornal tem direito de entrevistar quem ele quiser (...), mas não considero apropriado o jornal não encaminhar uma só pergunta crítica, um questionamento (...) à administração do governo FHC, a que serviu como ministro (...) São duas páginas apenas com o intuito de deixar José Serra analisar a crise sem qualquer contraponto, sem explorar as contradições”. O ombusdman analisa ainda o editorial “A entrevista de Serra”, no qual o presidenciável é descrito como um “analista arguto”, “um político que, tendo se preparado para governar o país, foi derrotado por um adversário cuja gestão (...) provou-se contaminada por desvios e nociva ao fortalecimento da cultura republicana”. Por fim, o ombusdman ainda reproduz comentário de César Maia sobre a postura da Folha: “O editorial deixa claro que a Folha já tem candidato: o prefeito José Serra”. O dia do anúncio da pesquisa e do almoço oferecido a Serra na sede da Folha não poderia ter sido mais feliz: coincidiu com o choro dos petistas estampado no jornal ante o depoimento de Duda, induzindo o leitor a um clima de que tudo acabou.


5

De 18 a 24 de agosto de 2005

NACIONAL REFORMA POLÍTICA

Para CNBB, caminho é democracia direta Igor Ojeda da Redação

conselhos, em todos os níveis de decisão, conforme o artigo 14 da Constituição Federal. Na declaração, os bispos chamam atenção para a desigualdade social, “o grande mal do nosso país”, mantida “mediante mecanismos que privilegiam o capital financeiro e frustram políticas públicas mais eficazes e abrangentes”. Citando Alberto Fujimori no Peru, Carlos Menem na Argentina e Fernando Henrique Cardoso no Brasil, dom Demétrio defende a revisão do estatuto da reeleição que, para ele, foi aprovado em toda a América Latina “para prolongar o status quo e tornar irreversível o modelo neoliberal no continente”.

U

ma reforma política radical e uma maior participação popular nas decisões do país como melhor caminho de evitar crises futuras e superar a atual. Essa foi a proposta dos 300 clérigos reunidos na 43ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre os dias 9 e 17, no bairro de Itaici, em Indaiatuba (SP). “Essa situação tem raízes históricas. O que está em crise é a democracia representativa. Precisamos de uma democracia direta”, defende o bispo da diocese de Jales (SP), dom Demétrio Valentini. Para dom Franco Masserdotti, bispo da diocese de Balsas (MA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), este é “um momento muito importante da vida civil e social de nosso país, pois está vindo à tona um desvio na política que não é só conjuntural, mas também estrutural”. O texto divulgado pela CNBB, intitulado “Resgatar a dignidade da política”, conclama o povo brasileiro a “renovar a convicção de que a política é uma forma sublime de praticar a caridade, quando colocada a serviço da Justiça e do bem comum”, em oposição a um descrédito causado pela crise atual e pelas “expectativas de mudanças que haviam sido suscitadas nos últimos anos”. O documento defende a criação de mecanismos que possibilitem maior participação popular nos rumos do país e “ uma radical reforma” do sistema político-eleitoral brasileiro, principal causador da corrupção estrutural no Brasil, por sua vez “associada à estrutura econômica que acentua e legitima as desigualdades”. A CNBB defende ainda a fidelidade partidária e a realização de referendos, plebiscitos e

Divulgação

Bispos reunidos em Itaici propõem maior participação popular nas decisões sobre os rumos do país

PARTICIPAÇÃO POPULAR Para a CNBB, o povo brasileiro tem que fazer sua parte. Em vez de desanimar frente aos fatos, deve acompanhar mais de perto o processo político. “Temos de garantir que, com essas denúncias, os cidadãos fiquem mais atentos, para não apenas eleger seus representantes, mas manter uma atenção contínua depois disso”, defende dom Demétrio. Dom Franco concorda: “Essa é uma oportunidade para dizer que não vamos desanimar, e sim nos recuperar, mas tomando outra direção, a da democracia participativa”. O papel da Igreja é fundamental nesse contexto, segundo dom Franco: “Precisamos diminuir aquela imagem de uma igreja do tipo espiritualista e reforçar o anúncio do evangelho como um projeto de vida que Jesus nos propõe e que diz respeito também à convivência social com as relações políticas”. Dom Demétrio concorda com a responsabilidade política da Igreja e cita a Semana Social Brasileira, organizada pela CNBB, que será realizada em outubro. Na ocasião, segundo o

Bispos católicos conclamam o povo a renovar a convicção de que a política é uma forma sublime de praticar a caridade

bispo de Jales, será estimulada a mobilização popular. “Não queremos só falar e apontar rumos a serem seguidos, e sim estimular os cidadãos a atuarem e participarem com vista a regenerar o Estado brasileiro”, diz o religioso.

MENSAGEM DO PRESIDENTE Dia 9 de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou carta ao presidente da CNBB,

cardeal Geraldo Majella Agnelo, afirmando ter “plena noção da gravidade do processo que estamos vivendo” e estar determinado a apurar e punir “todos os erros e desvios (...) doa a quem doer”. Dom Franco considerou fraco o teor da carta. “Minha impressão é de que Lula está escondendo o jogo, tentando se proteger. Está mais preocupado em esconder do que em enfrentar realmente a situação”. Já

RS

DIREITOS HUMANOS

Desde fevereiro de 2004, os trabalhadores rurais sem-terra Abraão Souza, Adriano Santana e Geraldo Sobrinho estão presos no presídio estadual da cidade de Itarema, no Ceará. Os três são acusados de matar, em 1988, um jagunço de uma fazenda no Vale do Acaraú. A advogada Francisca Marti, que acompanha o caso, explica que as terras, então em litígio, e hoje desapropriadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), pertenciam a indústria de alimentos Ducôco. Na época, os trabalhadores foram acusados por testemunhas com “motivações ideológicas”, segundo a advogada. Chamados para depor, os três não compareceram. “Foi um erro, mas eles são trabalhadores muito humildes, analfabetos, e não foram devidamente instruídos, não sabiam da gravidade da denúncia”, explica Francisca. Tomados como foragidos pela Justiça, foram presos quinze anos depois.

LENTIDÃO A advogada conta que, antes de assumir o caso, a defesa dos semterra foi “precária, apenas formal”, e o advogado designado para o caso estava proibido de exercer a profissão pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Eles me contaram que o advogado sequer conversou com eles para fazer a defesa”, diz Francisca. Ela agora batalha pela anulação do atual processo no Tribunal de Justiça do Ceará, para instaurar outro, que recomece regularmente. Seu pedido foi feito em março de 2004, mas até hoje não

Robson Oliveira

MST denuncia prisões de trabalhadores Dafne Melo da Redação

Judiciário cearense dificulta defesa dos trabalhadores rurais sem-terra presos

foi julgado. A estrutura do judiciário no Ceará não ajuda o andamento do processo. Em março de 2004, a advogada entrou com um pedido de habeas corpus para que os trabalhadores pudessem responder o processo em liberdade. O pedido só foi registrado oito meses depois “após uma grande pressão com os movimentos sociais e entidades de Direitos Humanos junto ao Tribunal de Justiça (TJ)”. O pedido foi negado, outro recurso foi impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ainda não julgou o caso. A data do julgamento sequer foi definida. “Estava marcado para maio, mas não foi feito. Itarema não possui um juiz titular na comarca”, informa Francisca. Ela explica que quem julga os casos na cidade é um juiz de uma cidade vizinha, “e como ele não tem tempo hábil para acompanhar todos os processos, acaba vendo tudo superficialmente”, lamenta a advogada.

dom Demétrio avalia que o fato de Lula ter se dirigido aos bispos é positivo, por ser a primeira vez que um presidente age dessa forma. Além disso, destaca sua afirmação de que está consciente da gravidade da situação e que se esforçará ao máximo para sair dela. “Reconhecemos a consciência que ele tem da importância das instituições. Com ele, acreditamos que podemos superar essa crise”, completa.

A precariedade também atinge o sistema carcerário do Estado. Segundo a deputada estadual Iara Tavares (PT-CE), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa do Ceará, que visitou os trabalhadores sem-terra, o local é insalubre e inadequado. “Eles entulham seres humanos em celas. Onde cabem quatro, há 20, às vezes até 30 presos”, descreve.

SEM PROVAS Francisca Marti conta que o presídio foi construído em um terreno onde havia um abatedouro de gado, e que tanto o solo como a água do local eram contaminados, causando doenças nos detentos. Houve melhoras, como o abastecimento de água potável, mas as condições ainda são sub-humanas. Para Iara, que procura sensibilizar os órgãos públicos em relação ao caso, “as provas contra os sem terra

são muito frágeis e além disso, são trabalhadores, sem quaisquer antecedentes criminais”, observa. No Paraná, a mesma coisa. Três sem-terra estão presos em Guarapuava, também sem provas consistentes contra eles. Detidos em julho de 2004, Ademir Veigas e Marciano Zanrroso respondem por tentativa de homicídio. Luciana Pizato, da ONG Terra de Direitos, conta que, no final de 2003, cinco carros passaram atirando em direção ao acampamento onde moravam os sem-terra, deixando um agricultor ferido. “Eles foram presos como se eles tivesses atirado contra o próprio acampamento”, explica. Seis meses depois, jagunços atiraram novamente sobre o acampamento, e durante o tiroteio, um jagunço foi atingido e morreu. Ivaldino Rodrigues dos Santos foi então detido, acusado de homicídio. “O que ele alega é que após os disparos se escondeu, e que não estava armado”, conta Luciana. Segundo a versão dos jagunços, eles teriam sido vítimas de disparos, e correram atrás dos sem-terra, tomando-lhes as armas, que foram entregues à polícia. “Aí já temos uma das inúmeras contradições do caso. Ninguém corre atrás de quem está armado”, argumenta a advogada. O resultado dos exames para detectar a presença de pólvora nas mãos de Rodrigues deu negativo. O laudo também afirma que as balas que atingiram a vítima não saíram da arma que supostamente seria do trabalhador. Hoje, os advogados que representam os três trabalhadores tentam entrar com recursos para que eles possam aguardar o julgamento, marcado para final de setembro, em liberdade.

MST ocupa prédios públicos em Porto Alegre da Redação Cerca de 400 trabalhadores rurais sem-terra ocuparam, no dia 16, os prédios do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Gabinete de Reforma Agrária do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. O protesto foi contra a lentidão no processo de reforma agrária no Estado, onde apenas 122 famílias foram assentadas nos últimos três anos. A meta do Incra para este ano era de assentar 1010 famílias, mas até agora não houve nenhum assentamento. Na manhã do dia 16, as famílias sem-terra deixaram a Cabanha Dragão, em Eldorado do Sul, sob os olhares de um forte aparato da Polícia Militar, mais uma vez montado para realizar o despejo, como ocorreu nas ocupações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Sananduva e Santana do Livramento. “O governo do Estado tem tratado a reforma agrária como caso de polícia, enquanto sua função deveria ser de agilizar o assentamento de famílias”, avalia Sílvio dos Santos, da coordenação estadual do MST. No Mato Grosso do Sul, mais de 15 mil panfletos com o posicionamento político do movimento em relação à corrupção foram distribuídos, dia 12, nas principais rodovias do Estado. Em Campo Grande, os sem-terra dos acampamentos Oziel Alves e Carlos Mariguela se concentraram nas saídas para Três Lagoas (MS), na BR-262, e São Paulo, na BR-163. A panfletagem durou o dia todo.


6

De 18 a 24 de agosto de 2005

NACIONAL POLÍTICA EXPORTADORA

Os prejuízos da Lei Kandir

Hamilton Octavio de Souza

Os Estados do Sul acionam a União no STF e cobram compensação por perdas de receita

Compromisso zero O pronunciamento do presidente Lula, dia 12, não ajudou em nada para conter a crise que atinge o seu governo, o PT e o Congresso Nacional. Em parte porque faltou clareza no que precisava ser explicado; e em parte porque faltou demonstração concreta de que alguma coisa teria mudado. Lula tratou a crise com total distanciamento e sem se comprometer com nada. Mais uma vez, a maior liderança do PT perdeu a chance de dizer a que veio. Esquema doleiro Acusado sistematicamente de ter acobertado pessoas físicas e empresas que fizeram remessas ilegais de dólares para o exterior, apuradas na CPI do Banestado, o deputado federal José Mentor (PT-SP), está sendo enrolado agora em novas histórias pelo doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, um dos mais ilustres prisioneiros da penitenciária de Avaré. Uma coisa é certa: a caixa preta da CPI do Banestado ainda guarda muitos segredos não revelados. Crime elitista Dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) comprovam que as movimentações bancárias suspeitas aumentam a cada ano: foram 39.657 em 2003, pularam para 84.397 em 2004 e atingiram 64.042 no primeiro semestre de 2005. O Coaf considera suspeito o saque de grandes quantias e as movimentações incompatíveis com a renda dos envolvidos. Podem revelar os crimes típicos dos ricos, das empresas e dos grupos organizados que atuam no narcotráfico e no contrabando. O órgão alega que não dispõe de instrumentos para identificar os criminosos. Será? Unidade grevista Dirigentes da CUT e da Força Sindical manifestaram solidariedade à luta dos trabalhadores metalúrgicos do Grupo Gerdau, que ameaçam entrar em greve em três fábricas localizadas nos Estados Unidos. A subsidiária estadunidense da empresa brasileira reduziu direitos dos trabalhadores e enfrenta forte oposição dos operários. Falta mobilizar aqui para pressionar a matriz. Pressão empresarial Os empresários estão articulando uma forma de pressionar o governo Lula a atender a “agenda mínima” proposta por eles, há quase três semanas, e que trata basicamente de redução de impostos e liberação de recursos para obras e investimentos. Além da crise política, o governo enfrenta a ganância dos capitalistas. Neste momento, a tal “agenda” funciona como chantagem e extorsão. Lucro escandaloso Os três maiores bancos brasileiros – Bradesco, Itaú e Unibanco – aumentaram substancialmente seus lucros durante o governo Lula. Juntos, os três registraram lucro líquido de R$ 5,40 bilhões em 2002; R$ 6,50 bilhões em 2003; R$ 8,12 bilhões em 2004; e, conforme estimativa para 2005, mais de R$ 12 bilhões. Esse lucro representa uma transferência brutal de renda da sociedade para alguns grupos econômicos. Tudo com o aval do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Mal acompanhado A organização internacional Oxfam acusa o Brasil de bloquear, junto com outros países (Estados Unidos, Rússia, Índia etc.), a reforma da ONU que visa a criação de novos instrumentos mais eficazes contra a ocorrência de genocídios. Estranhamente, segundo a entidade, o país se distancia de uma postura histórica a favor da paz e em defesa dos direitos humanos. Sinuca-de-bico Se quiser apoio mais consistente dos trabalhadores e dos movimentos sociais, o presidente Lula precisa mudar a política econômica para gerar empregos e reduzir a desigualdade. Mas se mudar a política econômica agora, os empresários e setores da burguesia podem retirar o apoio que dão ao governo, o que deixaria o presidente mais fraco do que está. O que fazer?

Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

A

Lei Complementar nº 87/96, mais conhecida como Lei Kandir, teria provocado a transferência de quase R$ 200 bilhões a exportadores, indústrias de máquinas e equipamentos e de outros bens e serviços consumidos pelas empresas, entre 1997 e 2004. Aquele valor toma como base o número estimado pelos governos estaduais do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul para as perdas causadas pela legislação durante aquele período, em ação declaratória proposta no último dia 3 ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a União. Nos cálculos do Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul), formado pelos quatro Estados, os governos estaduais deveriam ter recebido um total de aproximadamente R$ 100,7 bilhões, a título de compensação por metade das perdas provocadas pela Lei Kandir. Desse total, no entanto, a União teria repassado, para compensar o prejuízo, apenas R$ 39 bilhões, deixando um saldo de R$ 61,7 bilhões agora reclamado pelos Estados do Codesul na ação. Os governos estaduais querem que esse valor seja usado para reduzir o saldo de sua dívida com a União e pedem, ainda, que as compensações passem a ser pagas regularmente pelo governo federal, daqui para frente. Em vigor desde setembro de 1996, a Lei Kandir isenta do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de produtos semimanufaturados (aço e alumínio em bruto, ferro fundido, couros, óleo de soja bruto, açúcar, liga de ferroníquel etc) e básicos (como grãos e carnes), além de desonerar as compras de máquinas e equipamentos pela indústria, e bens, produtos e serviços (como energia e telecomunicações) utilizados para consumo próprio pelas empresas.

DIFERENÇAS Na prática, já que os 50% que deveriam ser repostos pela União em favor dos Estados somaram pouco mais de R$ 100 bilhões, isso significa que pelo menos R$ 200 bilhões poderiam ter reforçado a arrecadação de Estados e municípios (já que 25% da receita do

Joel Silva/ Folha Imagem

Fatos em foco

Lei Kandir isenta do ICMS as exportações de produtos semimanufaturados, como o açúcar, e básicos como grãos e carnes

ICMS é destinada às prefeituras) entre 1997 e 2004. A premissa que selou o acordo entre os governos estaduais e o federal, quando a reposição foi negociada, era de que o crescimento da economia trataria de repor os demais 50%, eliminando eventuais perdas de arrecadação. A União chegou a cumprir o acordo em alguns períodos, mas, nos últimos dois anos, reclamam os Estados, o valor da indenização chegou a cair abaixo de 20% do teto acertado. Segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), em 1997 os repasses da União aos Estados representaram 46,9% das perdas estimadas, crescendo para 47,2% no ano seguinte.

SEMPRE OS JUROS... Um ano depois, o percentual recuou para 44,2%. Num pico, até aqui, os repasses atingiram 54,8% em 2001. Nos primeiros dois anos do governo Lula, no entanto, o valor repassado aos Estados caiu para o correspondente a 29,3% (em 2003) e para 18,7% (no ano passado). Para 2005, havia uma previsão no orçamento de um total de R$ 18,227 bilhões, mas apenas R$ 2,890 bilhões foram incluídos pelo governo na rubrica “transferência aos Estados, DF e Municípios para compensação de isenção do ICMS aos Estados exportadores”. Isso significa que menos de

ARRECADAÇÃO AVANÇA ICMS, receita nominal em R$ milhões

O PESO DO ICMS Fatia da arrecadação no PIB Período

Participação (%)

1995

7,31

1996

7,15

1997

6,84

1998

6,66

1999

6,97

2000

7,47

2001

7,86

Período

Valor

1996

55.967

1997

59.564

1998

60.920

1999

67.885

2000

82.317

2002

7,75

2001

94.310

2003

7,73

2002

105.388

1º sem/2004

7,82

2003

119.299

2004

7,85

2004

138.285

1º sem/2005

7,98

Fontes: Unafisco Sindical/Confaz

Fontes: Unafisco Sindical/Confaz/Banco Central do Brasil

15,9% dos repasses aprovados devem ser efetivamente honrados pelo governo. Muito provavelmente, a diferença será destinada à formação do superavit primário do governo federal – ou seja, o dinheiro será desviado para o pagamento de juros da dívida pública federal.

e das exportações em particular se a lei complementar não estivesse em vigor. Ainda assim, escreve Kandir, “as ‘perdas’ computadas pelos Estados não são integralmente perdas. Parte do que foi exportado não existiria se a lei não desonerasse as exportações; e as aquisições de máquinas e equipamentos seriam menores sem a lei”. Sempre de acordo com o exdeputado, para estimar um valor próximo do real para aquelas perdas, “estas precisariam ser computadas considerando exportações e aquisições de bens de capital que hipoteticamente ocorreriam na ausência da lei. Isso é impossível de ser feito”, afirma.

DISCORDÂNCIA Relator da lei, o ex-deputado federal e economista Antônio Kandir, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia no governo Collor, em artigos publicados na imprensa, considera impossível calcular perdas de arrecadação, já que não se pode aferir qual teria sido o comportamento da economia em geral

Requião: isenção estimula a desindustrialização Desde a entrada em vigor da Lei Kandir, dizem os Estados na ação declaratória, criaram-se distorções em cadeia, com impactos negativos para a economia regional. Houve um avanço das exportações de produtos básicos, não processados, como a soja em grão, por exemplo, com conseqüente desestímulo à industrialização, afirma o governador Roberto Requião (PMDB-PR). Na sua avaliação, “essa lei acabou com a industrialização no Paraná. As fábricas de processamento industrial de grande porte foram liqüidadas e nós passamos a ser exportadores de matériasprimas”. Para o governador, as mudanças introduzidas pela lei complementar podem transformar o país em um mero fornecedor de matérias-primas básicas aos países mais ricos. Na mesma linha, Germano Rigotto, governador do Rio Grande do Sul, também do PMDB, afirma que a conta do esforço para aumentar as exportações vem sendo paga pelos governos estaduais, que investiram na construção e manutenção de rodovias, na modernização e ampliação de portos e em uma série

de serviços de suporte a empresas exportadoras, mas não foram ressarcidos por isso, já que a lei isenta as exportações do ICMS. O sistema de cobrança e recolhimento do ICMS, no caso da desoneração das vendas externas, cria uma situação ainda mais complicada para os Estados. Numa primeira operação, as empresas exportadoras são tributadas quando compram insumos e matériasprimas utilizadas no processo de industrialização de produtos exportados. O imposto recolhido nessa fase deveria ser deduzido do valor do tributo apurado na venda do produto final. Como as exportações são isentas, as empresas exportadoras passam a acumular créditos contra os fiscos estaduais, que podem ser usados para abater o imposto devido em outras operações dentro do Estado, reduzindo ainda mais a arrecadação.

GANHOS Para o economista Antônio Kandir, não faria sentido reclamar quando todos parecem ter ganhado. Afinal, a arrecadação do ICMS experimentou um salto de 192% entre 1995 e 2004, enquanto o

Produto Interno Bruto (PIB), que apura o total de riquezas produzidas pelo país, registrou um crescimento nominal (quer dizer, sem descontar a variação dos preços no período) de 173%. Segundo levantamento do Unafisco Sindical, a participação do ICMS no PIB saiu de 7,15% em 1996, para 7,85% no ano passado. As exportações mais do que dobraram, saindo de 47,7 bilhões de dólares em 1996, para 96,5 bilhões de dólares em 2004 – um avanço de 102%.

NADA A VER Nos dois casos, os avanços parecem guardar pouca ou nenhuma relação com a lei em discussão. Entre 1996 e 2000, as exportações cresceram apenas 15,4%, numa média inferior a 4% ao ano. O salto consolidou-se nos anos seguintes à desvalorização do real, ocorrida em 1999, estimulado pelo crescimento acelerado do comércio mundial a partir de 2003 e pela valorização dos preços dos grãos e minérios no período, puxados, entre outros fatores, pelo avanço da demanda na China, Índia e sudeste da Ásia.

Entre 2000 e 2004, as vendas externas aumentaram 75% (15% ao ano, em média), partindo de 55,1 bilhões de dólares, num avanço liderado pelos produtos básicos (mais 127%). As exportações brasileiras de produtos manufaturados registraram incremento de 62,8% no mesmo período.

ESTRATÉGIA No caso da arrecadação de ICMS, o crescimento deveu-se muito mais à estratégia adotada pela maioria dos governos estaduais, que decidiram concentrar a cobrança do imposto nos setores de telecomunicações, energia e combustíveis, taxando diretamente as centrais de distribuição e refinarias. Na ação declaratória, os Estados do Codesul pedem que o STF reconheça direito à compensação integral pelas perdas geradas pela Lei Kandir, tomando como base o preceito constitucional segundo o qual os Estados têm o direito de tributar suas exportações. Como alternativa, a ação sugere o reconhecimento de que os Estados têm direito ao ressarcimento das diferenças referentes ao impacto negativo causado pela Lei Kandir. (LVF)


7

De 18 a 24 de agosto de 2005

NACIONAL ELEIÇÕES NO PT

“A estratégia original do PT está correta” A

política econômica é passível de críticas, mas mudá-la, agora, é perigoso. O Partido dos Trabalhadores pode ser reconstruído, voltar às origens e influenciar o governo Lula a ir mais para a esquerda e cumprir o que prometeu. Para isso, basta tirar o Campo Majoritário e escolher uma outra direção partidária nas eleições de setembro. É assim que pensa Valter Pomar, atual terceiro vice-presidente nacional do PT e integrante do Diretório Municipal do PT Campinas, e candidato à presidência do partido. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele expõe suas idéias, afirma que Lula não é o inimigo principal e que o seu governo é peça importante para barrar as pretensões estadunidenses na América Latina. Brasil de Fato – Como avalia os dois anos e meio de governo Lula? Valter Pomar – A sociedade brasileira vive uma crise brutal, que começou no final dos anos 70, e é produto do esgotamento do modelo econômico vigente desde os anos 30. Frente a essa crise, a direita tentou aplicar a política neoliberal, que a agravou, ao invés de solucioná-la. Com o governo Lula, havia uma enorme expectativa de que ele seria uma saída para a crise, que é estrutural. E não está sendo. E, o que é mais grave, não está tentando construir essa saída. Ele não produziu alterações nem na economia, nem na política, para construir outro modelo. Se fala muito que a política do governo Lula é conservadora, e é. BF – O que o governo Lula deveria ter feito para mudar o modelo econômico herdado de Fernando Henrique Cardoso? Pomar – Primeiro, golpear o capital financeiro. Em seguida, golpear o latifúndio. A terceira ação seria fortalecer a classe trabalhadora. Vou explicar. O capital financeiro, desde os anos 90, é o setor que mais tem se beneficiado com a política econômica. Acontece que a dinâmica do capital, hoje, é muito vinculada à especulação, e muito pouco ao investimento produtivo. Isso faz com que haja uma enorme massa de recursos na mão do capital financeiro, que, do ponto de vista social está esterilizado. Portanto, qualquer política que vise o crescimento do país, exige golpear profundamente o capital financeiro, para que os recursos que ele concentra sejam irrigados para o conjunto da sociedade. BF – Mas, afinal, quem é, ou quem são, os agentes de mudança? Pomar – O agente de mudança social é a classe trabalhadora. Não são nem os partidos políticos, nem os movimentos sociais, é a classe trabalhadora. E a classe trabalhadora foi muito enfraquecida ao longo dos últimos 25 anos. De um lado pela ação do neoliberalismo, e de outro pelo impacto da crise do socialismo. Foi enfraquecida material, política e ideologicamente. BF – Diante do enfraquecimento da classe trabalhadora, o que um governo de esquerda deveria fazer? Pomar – Tomar medidas para fortalecê-la material e subjetivamente. Isso implica em políticas de geração de emprego, de ampliação de salários, de reforma agrária, de investimento produtivo, de ampliação das políticas sociais. E também medidas de natureza político-ideológica, uma ampla campanha de educação de massa, de comunicação de massa, investimento cultural, organização social, ou seja, estimular os trabalhadores

Divulgação

Nilton Viana da Redação

Agência Brasil

Valter Pomar afirma que basta trocar a direção do PT para que o partido reencontre o seu curso inicial

Quem é

Sindicalistas exigem do presidente Lula os dez milhões de postos de trabalho prometidos em campanha

a se ligar nos seus sindicatos, nas suas organizações. Com o governo federal na mão, poderia desenvolver essas políticas na escala necessária à reconstituição da classe, utilizando toda a sua estrutura de governo e o seu aparato na área de educação e cultura. BF – O que aconteceu, afinal, quando o PT virou governo? Pomar – Quando chegamos ao governo, não tínhamos clareza de qual política deveria ser implementada. Se observarmos a ação do governo do início de 2003 até agora, o que impressiona é que é um governo conservador no âmbito da economia e no âmbito da política. É um governo que corrói as bases de sua própria sustentação. Portanto, a estratégia que foi adotada no PT de 1995 para cá, foi capaz, pelo menos aparentemente, de chegar ao governo, mas não está sendo capaz de se manter no governo, e muito menos está sendo capaz de nos permitir disputar o poder. BF – Como candidato a presidente do PT, o que o senhor propõe para o PT sair dessa crise? Pomar – A primeira coisa que a esquerda tem que responder é se as condições políticas e sociais que fizeram do PT o principal partido da esquerda brasileira continuam vigentes ou não. Se continuam vigentes, então é fundamental que a esquerda preserve o PT. Se não continuam, então o PT deixou de ser um instrumento necessário. Minha resposta é: as condições continuam vigentes. A segunda questão que tem de ser respondida é se a estratégia geral seguida pelo PT, elaborada nos anos 80, continua correta ou não. Na minha opinião, ela continua correta. BF – As bandeiras de luta continuam valendo? Pomar – A luta pelo socialismo e a luta pelo poder exige combinar luta social e luta institucional. No atual período histórico, a luta pelo poder passa pela disputa e pelo exercício de governos. Tanto é verdade, que o processo mais avançado na América Latina, nesses últimos anos, é o da Venezuela, que também passou pela disputa e pelo exercício de governo. Ou seja, a crise que vivemos não coloca em questão o fundamental da estratégia. Só que a estratégia implementada pelo Campo Majoritário do PT é uma perversão, uma deformação da estratégia original do partido. A original continua correta. Não é possível um país com uma forte classe média, com uma burguesia poderosíssima, com a complexidade da luta de classe do país, imaginar uma estratégia que não combine luta social e luta institucional. BF – E Lula, é inimigo ou aliado? Pomar – A maior parte da es-

querda trabalha com a idéia de que, como a política econômica é conservadora, logo ele é nosso inimigo. Eu não tenho essa opinião. O governo Lula é um governo de conciliação de classes, de alianças de classes, de coligação de partidos e classes sociais, é um governo que está sendo progressivamente hegemonizado, desde o seu início até agora, pela direita brasileira e por frações do capital, executa uma política conservadora, mas, contudo, não é um governo das elites. E constitui, principalmente, um obstáculo às pretensões dos Estados Unidos na América Latina. Por isso, a derrota do governo Lula, ao invés de abrir espaço para o crescimento da esquerda brasileira, significará, ao longo dos próximos dez, 15 ou 20 anos, uma derrota para toda a esquerda brasileira. BF – Não acha um erro ter transformado o PT em governo e o governo em PT? Pomar – Olha, penso que nesse momento não se deve trabalhar para a derrota do governo, nem do PT. O quadro hoje é muito complexo, porque a direita está na ofensiva. Há uma movimentação clara para não apenas desgastar, mas, inclusive, derrubar o governo, seja levando o Lula a abrir mão da reeleição, seja criando as condições para o impeachment. O governo está profundamente desgastado com sua base social, ao mesmo tempo que não tem apoios efetivos na elite e nos setores médios. Perdeu o apoio que tinha, e o PT está paralisado, prisioneiro de uma armadilha política em que o Campo Majoritário do PT o enfiou. BF – Afinal, o que fazer? Pomar – O roteiro de ação que temos defendido é, primeiro, mudar a direção do PT. Esse é o único caminho que leva a uma solução virtuosa da crise. Basta mudar a direção do PT para que o PT retorne à sua estratégia original. Isso se traduz, na prática, em alteração na política econômica e na condução política do governo. Significa ampliar a participação da população na condução dos assuntos políticos, ampliar a participação popular no governo e alterar a estrutura jurídico-institucional através de uma Assembléia Constituinte, e quebrar os monopólios dos meios de comunicação. BF – Basta mudar a direção do PT e tudo mudará, de repente? Pomar – Mudando a direção do partido, elegendo um novo grupo dirigente e adotando uma nova política que, no curto prazo implicaria em alterar a política econômica e a condução política do governo. Depois, a partir da direção do PT, e de tudo o que o PT significa na sociedade brasileira, disputar espaço no governo e

empurrá-lo para a esquerda. Isso implica em realizar uma ampla mobilização na sociedade brasileira para, ao mesmo tempo em que combatemos a direita, pressionarmos o governo no sentido de fazer as alterações que o partido defende, e dentro do governo executar a mesma operação. BF – O PT tem tanto poder assim no governo? Pomar – Se fala muito que o PT tem pouca influência sobre o governo. Eu não acho. Nesses últimos dois anos e meio, o PT apoiou todas as medidas do governo. Ou seja, ainda não se testou qual seria a reação do governo no momento em que o PT se opusesse, por exemplo, à política econômica. Na minha opinião, se o PT mudar de opinião, isso terá impacto bastante grande na condução do governo. Tanto é verdade que o Campo Majoritário fez de tudo, nesse período, para impedir a aprovação de uma mera nota, uma resolução afirmando que a política econômica não está sendo positiva. BF – E como deve ser a relação partido-governo? Pomar – O partido tem de ter autonomia em relação ao governo. Porque o governo tem mandato determinado, tem que levar em consideração uma determinada correlação de forças, um determinado orçamento, uma determinada legislação. Um governo é sempre mais amplo do que um partido, ele atua para o conjunto da sociedade e tem no seu interior diversas organizações políticas, sociais, partidárias etc. O partido não. O partido cresce numa parcela da sociedade. Agora, do ponto de vista histórico, o partido é mais importante, porque é o instrumento que organiza a luta por outra sociedade, que viabiliza na conjuntura, presente e futura. BF – Pode explicar melhor? Pomar – Não dá para trabalhar com a idéia de independência entre partido e governo, porque senão de que adiantaria chegar ao governo? O governo tem de fazer parte da estratégia de acúmulo de forças. O grupo que hoje é majoritário no PT trabalha com a idéia de submeter o programa partidário às possibilidades conjunturais do governo, esse é o grande equívoco deles. O partido sempre tem de ser o instrumento para viablizar o programa máximo. Quando se submete o partido ao programa do governo, se faz com que o programa máximo do partido seja o programa mínimo do governo, se perde a razão de ter o partido. BF- Qual é o papel dos movimentos populares nessa conjuntura? Pomar – Na nossa estratégia, a ação da classe trabalhadora, dos movimentos populares e as lutas populares são um elemento

Valter Pomar, 38 anos, é mestre e doutorando em História Econômica pela Universidade de São Paulo. É terceiro vicepresidente nacional do PT e exsecretário de Cultura, Esportes e Turismo da cidade de Campinas (SP). É integrante do Diretório Municipal do PT Campinas. Desde fins de 2004, exerce também o cargo de secretário-adjunto de relações internacionais do PT.

fundamental. A nossa estratégia implica em combinar luta social e luta institucional, em combinar lutas populares com a ação de governos e parlamentar, e a disputa eleitoral. E do ponto de vista tático, a luta social cumpre um papel muito importante que é o de pressionar o governo para que execute o programa com o qual se comprometeu. O grande risco na atual situação é que os movimentos sociais estão muito fracos, e isso precisa ser dito, estão extremamente enfraquecidos por 20 anos de crises econômicas, políticas neoliberais, crise do socialismo, políticas equivocadas das organizações populares. Assim, o risco é que os movimentos sociais não consigam cumprir esse papel. Temos que ter consciência que, se essa batalha pelos rumos do PT e do governo forem perdidas, a próxima vítima serão as organizações populares. BF - A eleição interna do PT será um divisor de águas para a esquerda? Pomar – Há um setor da esquerda petista que considera que o projeto do PT está esgotado, e que é preciso construir outra coisa. E coloca o PED como divisor de águas. Essa não é nossa opinião. Primeiro, porque achamos que nunca houve uma condição tão propícia para a esquerda do PT se tornar majoritária. Portanto, nesse momento, falar em sair do PT, falar em marcar data para sair do PT ou falar em condições para ficar ou sair do PT, ajuda o Campo Majoritário porque, na disputa de rumos do PT, o Campo Majoritário acusa esse setor da esquerda petista, que na verdade estará disputando o PED apenas para marcar posição e depois sair. BF – Mas a esquerda tem chances de vencer? Pomar – Na minha avaliação, o PT não será mais governado pelo Campo Majoritário a partir de setembro, porque o setor que dirigiu o partido nesses últimos dez anos está hoje no banco dos réus. E é evidente que isso vai ter impacto na eleição do PT. A questão é saber qual será o impacto. Que o PT vai à esquerda, tenho absoluta certeza. Então, no dia 18 de setembro e no dia 9 de outubro, que é quando acontece o segundo turno, vamos estar dando o primeiro passo para reconstruir o PT como um instrumento estratégico para a luta pelo socialismo no Brasil. E eu estou convencido que o papel que o PT cumpre na esquerda brasileira é insubstituível. Ou seja, é preciso ter um partido de massas que combine luta social e luta institucional.


8

De 18 a 24 de agosto de 2005

NACIONAL ELEIÇÕES NO PT

“À direita não interessa manter Lula” Divulgação

Nilton Viana da Redação

Divulgação

Ideologicamente, as elites não agüentam alguém de origem operária na presidência, avalia Raul Pont

O

governo Lula até que tomou algumas medidas positivas, como barrar a agenda estadunidense para a Alca, e a política externa. Mas, no geral, o balanço desses mais de dois anos é negativo, o governo é refém da lógica neoliberal e monetarista, perdeu a identidade petista e é extremamente conservador. A análise é do ex-prefeito de Porto Alegre, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e candidato às próximas eleições diretas do PT. No embate de setembro, o militante petista acredita que a ala majoritária do partido, responsável por sua derrocada, pode ser derrotada pela esquerda. Caso isso não aconteça nesse primeiro turno, para vencer no segundo, em outubro, se as esquerdas se unirem podem afastar da direção aqueles dirigentes que levaram o PT para longe da militância e de suas propostas originais, diz Pont em entrevista ao Brasil de Fato. Brasil de Fato – Qual o balanço que faz do governo Lula? Raul Pont – A par de questões importantes como ter barrado as privatizações e a agenda da Alca, uma série de medidas que o governo tomou são positivas. Mas o balanço geral é negativo, porque foram deixadas de lado as questões centrais que devem nos servir de referência, aquelas que, efetivamente, dariam um outro caráter ao funcionamento do Estado sob o governo de um partido popular, democrático, socialista. Ou seja, a ausência da participação popular, a não criação de mecanismos para aprofundar a democracia, garantir a cidadania e a participação direta nos espaços públicos são, digamos, o maior pecado desse governo. BF – Quais as conseqüências desse pecado? Pont – Na medida em que não há participação popular, nem mecanismos de participação, ficamos na mão da tecnocracia. E de uma tecnocracia que ainda é fruto da política de alianças adotada, que é errada, equivocada. A prova disso é que estamos pagando um preço altíssimo. No fundo, além das responsabilidades individuais, da críticas à corrupção, estamos pagando o erro que cometemos com uma política econômica tecnocrática, monetarista, totalmente subserviente ao do Fundo Monetário Internacional e à concepão neoliberal de Estado. São esses elementos que determinam o balanço negativo. BF – Pode dar alguns exemplos? Pont – A discussão do orçamento, sem qualquer participação popular. Aqui, deveria estar se expressando o mínimo de democracia direta. Além disso, ficamos subordinados à orientação clássica do assistencialismo brasileiro, que é fatiar o orçamento, ter nele uma moeda de troca para aliciar, fazer clientelismo com deputados, com senadores... Enfim, tudo isso é extremamente negativo, e não tem nada a ver com as nossas experiências municipais, não tem a ver com a marca petista, com aquilo que deveríamos estar fazendo no governo. Quer dizer, este não é um governo que mantém uma identidade petista. BF – Por que o governo Lula não mantêm a identidade petista? Pont – É só ver os indicadores que apresentam como positivos, o exemplo do nosso governo: risco Brasil, estabilidade monetária, superavit fiscal, exportações. Todos são indicadores que interessam ao capitalismo. Não são aqueles

Quem é

O ex-presidente do PT, José Genoino, é filmado durante reunião do Diretório Nacional da sigla, em São Paulo

dos quais deveríamos estar nos vangloriando, como geração de emprego, distribuição da renda, melhoria sensível da qualidade de vida, das áreas habitacional, da saúde, da educação. Enfim, o que são marcas nossas, principalmente aqui no Rio Grande do Sul. BF – Que medidas deveriam ser tomadas imediatamente pelo governo para reverter esse quadro? Pont – Acabar com esse absurdo de aumentar ainda mais o superavit fiscal. Isso é um desvario, não tem cabimento, não tem sustentação na base do partido, nas forças sociais que nós representamos. É uma submissão absoluta ao capital financeiro. Poderíamos, ao menos para o último ano de governo, ensaiar nesse segundo semestre um mínimo de participação na elaboração do orçamento. O governo Lula é extremamente conservador, não tem uma proposta diferente, nova, que anime as pessoas, que sacuda as pessoas, que envolva o partido, os movimentos sociais. Nós teríamos que ter uma política ofensiva, criativa, com mobilização, participação popular. É fundamental abrir o debate nacional sobre o salário- mínimo, o governo deve tomar a iniciativa de liderar a distribuição a renda. E não adianta dizer que só se faz isso com maioria, porque nunca vai ter. Lula já construiu uma maioria que não vota, que não se responsabiliza, uma maioria que é só para os cargos. Então, ele tem que sinalizar com medidas em favor das quais a população pressione e o Congresso, pressionado, torne transparente a discussão. BF – A seu ver, Lula ficou refém das elites? Pont – Ele ficou refém da lógica neoliberal e monetarista. Isso é evidente, não há nenhuma outra justificativa. Do ponto de vista do PT, da história do Lula, da história sindical, existe essa submissão que não resiste a uma análise da maioria dos economistas do partido, que não resiste à lógica de outros governos até mais conservadores que se elegeram na América Latina, como no Chile, na Argentina e que tomam medidas, tentam estabelecer um diálogo, adotar políticas diferentes. Aqui, a única coisa que a equipe do Meirelles e do Palocci sabe fazer é superavit fiscal primário e incentivo às exportações. As duas coisas são contrárias aos interesses da maioria da população. Uma, porque é especulativa, é exclusivamente financeira. E apostar nas exportações significa concentrar ainda mais a renda. Os setores exportadores em sua maioria vendem commodites, cujos preços são controlados por monopólios, e não têm nenhum efeito de distribuição de renda. Então, qual é a vantagem para a sociedade? Aumentar ainda mais

a desigualdade interna? BF – As elites parecem não estar satisfeitas com Lula... Pont – É evidente que o problema da direita não é só garantir isso. Ela nunca preferiu governar através de prepostos. Ela pode estar contente com a política financeira, mas não tem nenhum interesse em manter o Lula, porque ele não é da turma, não é da praia deles; porque tem um partido que vive enchendo o saco, que está sempre cobrando, ou porque tem ministérios que estão na contramão, tentando levar adiante alguma coisa, algum avanço. É só comparar isso com o que era o Fernando Henrique Cardoso.

O governo Lula é extremamente conservador, não tem uma proposta diferente BF – As elites querem se livrar do presidente da República? Pont – Se na macroeconomia elas têm interesse em manter Lula, politicamente ele continua sendo um pouco imprevisível, o seu partido não é confiável, a equipe dele tensionada. A própria origem de Lula. Ideologicamente, as elites não agüentam muito ter um cara de origem operária como presidente. Então essa visão de que a direita está contente com Lula, é uma visão economicista. Até porque a postura do governo na política externa contraria uma série de interesses. Não é um governo confiável sob todos os aspectos. Por mais comportado que seja o governo Lula, as elites não têm interesse em mantê-lo. É só ver o que aconteceu com a Argentina e em outros países com governos centro-esquerda ou de esquerda. BF – E qual é o papel do PT nesse cenário? Pont – O PT tinha de estar muito mais autônomo em relação ao governo, não ser a correia de transmissão que o Delúbio, o Genoíno e o Dirceu transformaram. Eles tornaram o partido uma correia de transmissão do Estado, do governo. O PT tinha que disputar mais as políticas, tensionar o governo junto com os movimentos sociais, empurrá-lo sempre para a esquerda. BF – Para chegar ao poder, ganhar a Presidência, o PT se afastou das suas origens, da sua militância e da luta? Pont – A orientação do Campo Majoritário foi nessa direção. A mudança do estatuto, a política de alianças, a maneira como eles estabeleceram a relação do Estado com o partido, mas, principalmente, na política de alian-

ças e na reforma do estatuto, a corrente majoritária descaracterizou o partido. Com perda de identidade, de nitidez política, fica sem capacidade de ser um agente ativo, protagonista, que pudesse ter uma iniciativa positiva diante do governo. BF – Como candidato do PT, quais são as propostas para mudar o partido e recuperá-lo? Pont – Nós tivemos uma perda brutal, que já vinha fazendo com que setores do sindicalismo, do setor público, do universitário se afastassem do PT nos últimos anos, sobretudo depois da vitória do governo federal. O fato de o governo ter ficado refém da política de alianças e ter permitido que a máquina pública, órgãos importantíssimos, principalmente nos Estados, continuassem nas mesmas mãos, nas mãos da tecnocracia identificada com o ideário neoliberal do FHC. Tudo isso dificultou muito o governo de exercer o seu papel. E isso nós temos que mudar. BF – E o senhor acredita que o PED pode ser um momento para a recuperação do PT? Pont – Acho que sim. Estamos apostando nisso. Apostando na capacidade de refundar o PT, de reconstruí-lo, de sair dessa crise brutal a que a gente foi levado pela ação nefasta de alguns dirigentes, mas que teve sempre a sustentação da corrente majoritária. Mesmo que se reconheça que nem todo mundo do Campo Majoritário é responsável pelo que aconteceu, ela, ao estabelecer uma relação de hegemonismo com as demais forças, de controle dos principais postos da executiva, de fechamento das decisões em pequenos comitês muito restritos, acabou fazendo com que o enorme prejuízo recaísse sobre todos nós. BF – Qual deve ser o papel dos movimentos populares? Pont – O PT tem que recuperar e manter a relação com os movimentos sociais, como fizemos desde o início. Uma relação clara, positiva, consciente da sua importância e da sua necessidade. A corrente majoritária golpeou isso ao mudar o estatuto, o partido se tornou cada vez mais eleitoral e menos de militância, dependendo cada vez mais dos eleitos, dos financiadores de campanha. Com isso, ocorreu a diluição programática, um clima de desconfiança interna, de políticas não transparentes na área administrativa do partido. BF – Quais devem ser as bandeiras do PT para recuperar sua militância? Pont – Primeiro, temos que ganhar a eleição direta dentro do partido. Recompor a direção, reconstruir o partido, refundá-lo com uma outra base, outra direção que

Professor de História e Ciência Política, Raul Pont nasceu em Uruguaiana (RS) em 1944. Foi militante do movimento estudantil e participou do MDB. Em fins dos anos 70 foi um dos fundadores do PT. Em 1982, foi candidato a senador. Em 1985, concorre a prefeito de Porto Alegre, um ano depois é eleito deputado estadual, em 1990, deputado federal. Em 1992 é eleito vice-prefeito de Porto Alegre, quatro anos após, prefeito da capital gaúcha. Em 2002, Pont é eleito deputado estadual. É vice-presidente da comissão de serviços públicos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. efetivamente se comprometa com a recuperação dessa história, dessa experiência acumulada. E é claro que as reivindicações mais sentidas da população têm de continuar a ser o centro da nossa política. Não é porque a gente está no governo que temos que abandonar essa relação, abandonar a luta sindical, a luta social. Ao contrário, nós temos de colocar o Estado em sintonia com essas lutas e criar condições para que os movimentos sociais possam ser os mais favorecidos possível no nosso governo. Independentemente de partido. Uma luta pela democratização do orçamento não é só para os sindicatos da CUT. Nós temos que chamar também o sindicalismo da Força Sindical, da CLAT, chamar todas as entidades, todos os sindicatos, associações. Criar mecanismos de verdadeira participação e envolvimento direto da população. BF – O que pode acontecer no PT a partir de setembro se o Campo Majoritário continuar na direção? Pont – Estamos trabalhando com a hipótese de que vamos ganhar, que o conjunto das correntes minoritárias vão virar maioria no próximo PED e que precisamos ter a maior unidade das chapas oposicionistas para poder ter o apoio mútuo no segundo turno. Precisamos colocar na executiva os melhores quadros de todas as correntes para a gente voltar a ter um centro produtor mesmo de políticas, que deve ser o diretório nacional. BF – A sociedade e a militância têm acompanhado os escândalos envolvendo dirigentes do partido. Que recado o senhor daria a eles nesse momento? Pont – Achamos que é fundamental, antes do PED, para enfrentar a crise em Brasília, realizarmos um ato público, um manifesto público, que reúna ou que seja firmado por dezenas, centenas de fundadores do partido, dirigentes sociais importantes, da CUT e dos sindicatos que ajudaram a construir o nosso projeto político que é o PT. Ou seja, sinalizar para a sociedade que estamos vivos, que nós somos o PT, que quer sobreviver, continuar sua trajetória de luta social. É esse PT que a população precisa, que os assalariados, os lutadores sociais precisam. Então, aproveitando o Brasil de Fato, a gente lança esta proposta.


10

De 18 a 24 de agosto de 2005

AMÉRICA LATINA CUBA

Tribunal anula condenação dos 5 cubanos Jorge Pereira Filho da Redação

O

povo cubano conseguiu uma vitória histórica em 9 de agosto, digna para constar dos manuais de direito internacional. Nessa data, três juízes do Tribunal de Apelação de Atlanta revogaram, de forma unânime, as sentenças contra os cinco antiterroristas cubanos presos nos Estados Unidos, desde 1998. Antonio Guerrero, René González, Fernando González, Gerardo Hernandéz e Ramón Labañino haviam sido condenados em 2001, por um tribunal de Miami, a cumprir penas draconianas, que variavam de 15 anos de reclusão a prisões perpétuas. Os magistrados de Atlanta acataram a argumentação da defesa dos cubanos e consideraram que o julgamento de Miami foi realizado “sem imparcialidade”. A decisão, no entanto, não é de última instância e ainda cabe recurso. Os juízes determinaram também que um novo julgamento seja realizado, mas desta vez em outra jurisdição, pois Miami não é considerado um território neutro. O caso dos cubanos (Os cinco heróis ou Os cinco prisioneiros do império, como são conhecidos em campanhas internacionais) é emblemático para a ilha caribenha. O governo estadunidense os acusa de espionarem instalações militares e se infiltrarem em organizações anticastristas. Hernandéz estava condenado a cumprir duas prisões perpétuas (?), Labañino e Guerrero também foram condenados a prisão perpétua. René González e Fernando González receberam penas de 15 e 19 anos, respectivamente. Cuba argumenta que, na verdade, o grupo dos cinco jovens tinha como objetivo impedir as ações dos “extremistas que dão respaldo para o terrorismo em Cuba”, citando como exemplo uma série de atentados a bombas em Havana, em 1997, que deixou

João Alexandre Peschanski

Juízes avaliam que julgamento, em Miami, foi parcial; Cuba lança campanha para colocá-los em liberdade

Familiares e o povo cubano comemoram decisão do Tribunal de Atlanta (EUA) que revogou as sentenças de condenação dos cinco ativistas cubanos

um turista morto e outros 12 feridos. Os cinco teriam alertado os Estados Unidos da preparação do atentado. Desde a condenação dos cubanos, o presidente Fidel Castro tem pedido, com insistência, a revisão do processo, denunciando que Miami não foi um ambiente neutro para o julgamento. Foi detonada também uma massiva campanha de divulgação do caso, dentro da ilha e também nos outros países, a partir dos grupos de solidariedade a Cuba.

SEQÜESTRO Com a decisão do Tribunal de Atlanta, a situação muda. Três dias após o veredicto, o presidente da Assembléia Nacional do Poder Popular (parlamento cubano), Ri-

cardo Alarcón, acusou os Estados Unidos de manterem seqüestrados os cubanos em presídios de segurança máxima. Em Caracas, durante o 16º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes (leia reportagem na página 9), Alarcón pediu solidariedade internacional para pressionar os estadunidenses a liberarem imediatamente e de forma incondicional os cinco prisioneiros. “Se o governo dos Estados Unidos quer julgá-los novamente, que os acuse, pois agora tem a obrigação de deixá-los em liberdade”, afirmou Alarcón, considerando que a decisão do Tribunal de Atlanta representou uma derrota para Washington. As fortes declarações do ocupante máximo do poder legislativo em Cuba mostram que, além de

BOLÍVIA

O Movimento Ao Socialismo (MAS), principal partido da esquerda boliviana, aprovou a candidatura do deputado Evo Morales às eleições presidenciais, marcadas para dezembro, em assembléia realizada em Cochabamba, em 31 de julho. Morales aparece como um dos principais nomes na corrida presidencial. O deputado já concorreu ao cargo em 2002, quando alcançou 22,94% dos votos e foi derrotado apenas no segundo turno parlamentar pelo ex-presidente Gonzalo Sanchez de Lozada. As projeções dos principais veículos de imprensa no país mostram que, pela primeira vez em mais de 20 anos, um candidato ligado aos setores sociais tem reais chances de ser eleito para exercer o posto máximo político do país. A candidatura será lançada oficialmente no dia 23 de agosto, data na qual o MAS espera ter confirmado o nome do candidato à vicepresidência. A dúvida permanece porque enquanto alguns setores do partido pretendiam contar com um companheiro de chapa natural do departamento de Santa Cruz – buscando assim unir as duas regiões geograficamente mais distantes do país e, principalmente, atrair os eleitores desse departamento que mantém pretensões autonômicas em relação ao Estado boliviano –, outros setores preferem algum no-

PREOCUPAÇÃO A decisão favorável do tribunal, no entanto, não amenizou o

sofrimento dos familiares dos cinco cubanos. Magalys LLort, mãe de Fernando González (19 anos de prisão), lembrou que os Estados Unidos não cumpriram outras determinações para fazer justiça em relação ao caso. Magalys lembrou que o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenções Arbitrárias declarou, em maio de 2005, que a detenção dos cinco cubanos havia sido ilegal e instou o governo de George W. Bush a solucionar a questão. “Já se passaram sete dias da decisão do Tribunal de Atlanta e mais ainda depois do pronunciamento da ONU, mas não aconteceu nada, salvo o prazer de ver a solidariedade mundial com nossa causa”, disse Magalys. (Com informações da Prensa Latina, www.prensa-latina.com)

MILITARIZAÇÃO

Marcelo Curia

MAS aprova candidatura de Evo Marcelo Câmara de La Paz (Bolívia)

uma questão judicial, o caso dos cinco cubanos tem repercussões geopolíticas. Para o advogado Roberto González, um dos defensores dos cinco cubanos, o governo dos Estados Unidos descarregou sobre os acusados todo o ódio que tem contra Cuba. Para González, é fundamental nesse momento a solidariedade internacional para pressionar Washington a colocar fim à ilegalidade de manter os cubanos presos, sem que estejam condenados ou respondendo a um outro julgamento. O governo dos Estados Unidos tem, ainda, 21 dias para recorrer da decisão do Tribunal de Atlanta.

Exercícios liderados por EUA deixam mortos no Panamá da Redação

Candidato a presidente, Morales defende a nacionalização dos recursos naturais

me de forte comprometimento com os movimentos sociais. Já foi feito o convite ao sociólogo Álvaro Garcia Linera, um dos mais importantes analistas políticos e sociais do país, para integrar a chapa do MAS. Garcia Linera condiciona a aceitação ao convite à formação de uma frente que inclua todos os movimentos sociais.

CANDIDATO COCALERO Descendente de quechuas, Evo Morales, natural do departamento de Oruro, tem 46 anos. No início da década de 1980, com o fechamento da companhia estatal mineira (Comibal), migrou com a família para a região do trópico de Cochabamba (Chapare), onde trabalhou como produtor de folha de coca. Ali ini-

ciou sua trajetória de líder sindical nas campanhas contra a erradicação forçada dos plantios da coca, o que lhe rendeu projeção nacional e a eleição à Câmara de Deputados em 1997. Teve seu mandato cassado em janeiro de 2002, retornando ao parlamento no mesmo ano, após a derrota na eleição presidencial. De lá para cá se notabilizou como líder oposicionista no país, com uma agenda política que destaca a nacionalização dos recursos naturais do território boliviano e a industrialização dos hidrocarbonetos, além de uma política de inclusão multicultural que penalize os atos de discriminação e racismo. Para a campanha deste ano, Morales e o MAS pretendem “priorizar as alianças sociais em detrimento das alianças políticas”.

Os exercícios militares liderados pelos Estados Unidos no Panamá, com a participação de 15 países, já fizeram as primeiras vítimas: três marinheiros locais morreram afogados. Os militares fazem, desde o dia 9, um treinamento anfíbio que simula uma defesa diante de um “ataque terrorista” a uma pequena ilha do canal do Panamá. Não foram esclarecidas, no entanto, as circunstâncias em que os panamenhos morreram. As autoridades governamentais locais têm evitado se pronunciar sobre o tema. O trágico acontecimento jogou ainda mais polêmica sobre a realização desses exercícios militares (batizados de Pamax 2005) com o objetivo de proteger o estratégico Canal diante de uma suposta ação terrorista. As forças armadas dos Estados Unidos, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Honduras, México, Peru e República Dominicana estão participando das manobras navais, enquanto El Salvador, Costa Rica, França, Uruguai e Panamá assistem como observadores. Ao todo, são cerca de 3,5 mil militares envolvidos nos exercícios. Os Estados Unidos são o principal usuário do Canal e coordenam os exercícios para criar uma força multinacional de defesa da região. Nas manobras, são formulados hipotéticos ataques terroristas e

os exércitos planejam e analisam táticas para neutralizar essa ameaça fictícia.

IMPERIALISMO Mas, para muitos analistas, essa é a pior estratégia para proteger o Canal. Setores da sociedade panamenha denunciaram que a operação Panamx 2005, na verdade, tem conseqüências negativas para país. Segundo eles, a melhor proteção para o Canal é se manter neutro, já que os seus 80 quilômetros de cumprimento estão abertos para todas as nações do mundo cujos navios precisem fazer a conexão entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Opositores dos exercícios também argumentam que as operações são mais uma iniciativa do governo de George W. Bush para estabelecer seu domínio em zonas estratégicas do continente americano. Segundo fontes ouvidas pela Prensa Latina, a ação no Panamá segue a mesma estratégia do Plano Colômbia, de expansão e velada ingerência militar na América Latina. Os exercícios militares coordenados pelos Estados Unidos também foram agendados para uma época crucial: dia 18, o governo panamenho deverá escolher o novo administrador da Autoridade do Canal do Panamá (ACP). (Prensa Latina, www.prensa-latina.com, e agências)


11

De 18 a 24 de agosto de 2005

INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO

Manipulador, Sharon acentua ocupação F

ato inédito no Oriente Médio, a evacuação de 21 colônias israelenses de Gaza, território palestino, foi ordenada pelo primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon. A retirada ocorreu de 14 a 17 de agosto e dividiu a população do país. De acordo com pesquisas de opinião, divulgadas pelo jornal israelense Haaretz, 55% dos 6,3 milhões de israelenses apóiam a ordem do governo. Com o apoio de judeus ortodoxos, que foram até Gaza, alguns dos 8.500 colonos da região realizaram manifestações recorrentes, criticando Sharon e exigindo a interrupção da retirada. Argumentam que Gaza é território sagrado, não pode ser abandonado. Em declaração oficial, dia 15, Sharon disse que a decisão é dolorosa, mas necessária para o futuro dos israelenses. Ele anunciou a evacuação das colônias no final de junho, mas esta era debatida havia anos. “Não podemos permanecer em Gaza, pois a maioria da população que está lá é palestina. Mais de 1 milhão de palestinos vivem lá e esse número cresce a cada geração”, disse. A ordem de Sharon gerou um racha em seu governo e partido. No dia 7, o ministro da Economia, Benjamin Netanyahu, renunciou. Ele qualificou a retirada das colônias como “um ato irresponsável que divide o povo e contradiz os compromissos de nosso partido”. No Likud, partido do primeiroministro, considerado de direita, alguns grupos ameaçam fazer campanha para expulsar Sharon. A estratégia de Sharon é louvada por chefes de Estado de diversos países, como Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia. Partidos de centro e de esquerda israelenses divulgaram seu apoio ao primeiro-ministro. Em comunicado oficial, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, afirmou que a

Judeus ortodoxos bloqueiam estrada de acesso a Gaza para impedir a evacuação da colônia Neveh Dekalim na Palestina

decisão de Sharon estimula a paz entre palestinos e israelenses.

povoadas e pobres do mundo. Segundo Leena, a situação é resultado da ocupação. De acordo com dados oficiais, 1,4 milhão de palestinos vivem em 360 quilômetros quadrados. Setenta e cinco por cento da população recebe menos de 2,5 dólares por dia. Os recursos naturais da região, principalmente a água, foram explorados à exaustão pelos colonos israelenses. De acordo com leis internacionais, o governo israelense deve

MILITARES PERMANECEM Apesar de receber apoio, a evacuação de Gaza não caracteriza o fim da ocupação da Palestina por soldados de Israel, iniciada em 1967, nem está de acordo com o Mapa da Estrada, nome de um plano de paz assinado por Sharon e Abbas em 2003 (leia matéria abaixo). A avaliação é da ativista palestina Leena Dallasheh, ligada ao Centro de Informação Alternativa, entidade que promove campanhas pela paz no Oriente Médio. Em entrevista ao Brasil de Fato, ela diz que soldados israelenses vão manter o controle sobre as vias de acesso a Gaza e, legalmente, a região permanece sob ocupação militar. “Os palestinos continuam sem um Estado, até mesmo porque não têm como determinar, livre e soberanamente, seu futuro”, afirmou. Gaza é uma das áreas mais

Para a ativista palestina, a retirada dos colonos de Gaza atende estritamente aos interesses do go-

Da língua de fogo à resistência Matteo Dean de Nova York (EUA)

Schmidt/AFP/Folha Imagem

palestino. Em uma segunda fase, os palestinos realizariam reformas democráticas e desmobilizariam grupos que fazem ataques terroristas. A proposta era de que o plano fosse marcado por constantes encontros entre os líderes palestino e israelense. “A unilateralidade com a qual Israel está conduzindo a retirada sabota a possibilidade de uma paz negociada no Oriente Médio”, afirma Leena. De acordo com ela, a estratégia de Sharon é mais em benefício próprio do que uma indicação de que pretende retomar as negociações do Mapa da Estrada, que interrompeu em 2004. (JAP)

Nas negociações do Mapa da Estrada, Sharon se comprometeu com o mínimo

DÁ CÁ, TOMA LÁ

IRAQUE

Retirada de Gaza não segue plano de paz A evacuação de colônias israelenses de Gaza, território palestino, não está de acordo com o Mapa da Estrada, plano de paz assinado em 2003 pelo primeiro-ministro de Israel e o presidente da Palestina, Ariel Sharon e Mahmoud Abbas. A opinião é da ativista palestina Leena Dallasheh, para quem o governo israelense não está disposto a acabar com seu controle sobre os territórios palestinos. Nas negociações do Mapa da Estrada, Sharon se comprometeu a dar as condições mínimas – controle territorial, compensações financeiras, soberania política – para o surgimento do Estado

pagar compensações financeiras aos palestinos pelos danos causados durante a ocupação. O Mapa da Estrada contemplava a questão. Em seus recorrentes pronunciamentos, desde que determinou a evacuação de Gaza, Sharon não mencionou o assunto.

verno israelense. Tira do Estado pesados encargos econômicos e políticos destinados à permanência das colônias. Anualmente, segundo reportagem do Haaretz, o governo destinava 6,3 milhões de dólares para as colônias. A maioria da população israelense repudia a argumentação dos judeus ortodoxos de que Gaza é uma região sagrada. Apoiar os colonos representava um grande ônus político para Sharon. Para Leena, o primeiro-ministro vai poder concentrar-se em sua estratégia para a Cisjordânia, outro território palestino ocupado por soldados israelenses. “O governo de Sharon não poupa esforços para manipular a situação e ocultar seus planos para a Cisjordânia. O controle sobre o território está sendo reforçado e os palestinos estão, cada vez mais, isolados e postos em pequenas áreas residenciais, desconectadas entre si”, disse. Segundo dados oficiais, 364 mil israelenses vivem em colônias na Cisjordânia. A população palestina na região é de 2,4 milhões. O objetivo de Sharon, diz Leena, é, aos poucos, aumentar a proporção de israelenses. Concomitantemente à evacuação de Gaza, o primeiro-ministro autorizou a construção de 72 novas residências em Betar Illit, colônia na Cisjordânia, onde vivem 20 mil pessoas. Desde o início do ano, 235 famílias se mudaram para a região – e, segundo projeções oficiais, 350 outras devem ir, até 2006.

Ao menos seis mil soldados estadunidenses alistados para a guerra do Iraque, segundo fontes oficiais, são desertores de guerra. Uma parte está refugiada no Canadá. Jeremy Hinzman era do corpo de elite do Exército estadunidense, a 82º divisão de transportes aéreos, com sede em Fort Bragg, Carolina do Norte. Em 2001, depois dos ataques de 11 de setembro, a divisão foi alistada no Afeganistão, em atividades secundárias, a pedido dos próprios soldados. “O Exército está composto, em sua maioria, por pessoas que querem estar com suas famílias. O comando sabe e por isso negocia. Mas alistar-se no Exército significa renunciar à suas qualidades morais e intelectuais”, afirma Hinzman. Depois de um tempo, o Pentágono ordenou a transferência de Hinzman para o Iraque. Desde o início, o soldado solicitou que o alistassem na atividade de cozinheiro do campo, mas foi enviado à frente de guerra em Bagdá. Quando voltou aos EUA, Hinzman fugiu junto com a esposa e o filho para o Canadá, pedindo proteção do governo canadense. Dia 2 de janeiro de 2004 eles cruzaram a fronteira na qualidade de turistas. Desde então, ele é um desertor. “Contestei a guerra porque era evidente que o Iraque não tinha armas de destruição de massa, pela exploração do medo generalizado nos EUA pelas absurdas afirmações de Bush sobre o regime de Sadam Hussein e a falsa idéia de que o país está exportando democracia”, rebate. A história de Brandon Hughey é diferente. Ainda menor de idade, ingressou no Exército. Optou por deixar as armas depois de conseguir seu diploma universitário, mas seus oficiais lhe negaram a permissão e o alistaram no Iraque. Brandon fugiu para Toronto e desde março de 2004 espera uma resolução da Corte. Outro caso é o de Dan Felushko. Quando sua divisão teve de

Arquivo Brasil de Fato

João Alexandre Peschanski da Redação

Roberto Schmidt/AFP/Folha Imagem

Primeiro-ministro israelense evacua colônias de Gaza, mas reforça presença na Cisjordânia e impossibilita Estado palestino

Seis mil soldados estadunidenses desertaram durante a invasão do Iraque

ir ao Kuwait, em janeiro de 2003, ele decidiu buscar refúgio no Canadá. “Não queria ver escrito em meu túmulo: morto e enganado no Iraque”, diz. “Desde que me alistei, poucas semanas depois do 11 de setembro, fui preparado, mas desde o princípio soube que era um erro matar alguém. Pensei: alguma coisa é mais importante que o meu direito de escolher entre o que considero justo ou equivocado?”, acrescenta. Muitos jovens estadunidenses alistam-se no Exército por necessidade econômica. São meninos, segundo eles mesmos, “de classe média baixa”, que encontraram a maneira de acabar os estudos sem endividar-se pelo resto de suas vidas ou depender de suas famílias. Segundo Lee Zaslofsky, da Companhia de Suporte aos Resistentes de Guerra (War Resisters Support Campaign), o mais importante grupo de apoio aos desertores no Canadá, “esses garotos são seduzidos pelas ofertas do Exército, que não se apresenta como uma opção militar, mas como uma grande oportunidade de construir a vida. São meninos sem orientação política, que vêm das zonas rurais com dificuldade de adaptação à metrópole”. Em Toronto, encontraram asilo até que um juiz decida por seus des-

tinos. Arriscam-se, vivem ao mesmo tempo em um ambiente de tensão, de recordações que os impedem de dormir, de estar com muita gente ou de se lembrar dos acontecimentos.

O DIFÍCIL CAMINHO JURÍDICO Dia 16 de março, Brian Goodman, juiz de Refugee Board, a corte canadense encarregada de revisar o caso de Jeremy Hinzman, emitiu sua sentença: “Não se considerou que o requerente necessite de proteção porque seu regresso aos Estados Unidos não apresenta riscos, nem o expõe a tratos desumanos e cruéis, assim como não existem elementos para se acreditar que possa estar sujeito a torturas. [...] Com base nisso, a demanda está recusada”. A batalha apenas começou, pois de imediato houve apelação. Jeffrey House, advogado dos resisters, explicou sua estratégia: “O primeiro argumento é que nenhum soldado é obrigado a participar de uma guerra que viola leis internacionais”. House se refere às resoluções de Nuremberg, quando, nos tribunais, foram julgados os altos escalões nazistas e concluiu-se que todo soldado pode se recusar a obedecer ordens ilegais. (La Jornada, www.jornada.unam.mx, veículo parceiro do Brasil de Fato)


12

De 18 a 24 de agosto de 2005

INTERNACIONAL MAURITÂNIA

Estados Unidos perdem forte aliado Arquivo Brasil de Fato

Novo governo manda libertar ativistas islâmicos detidos em abril pelo presidente deposto Ahmed Taya da Redação

O

s novos dirigentes da Mauritânia – soldados da guarda presidencial que deram o golpe de Estado, dia 3 – ordenaram a libertação de 20 ativistas islâmicos que tiveram sua prisão determinada pelo presidente Maaouya Ould Sid Ahmed Taya, retirado do poder. Os detidos são parte de um grupo de 60 pessoas presas pelas forças de segurança da Mauritânia em abril, em uma ação contra ativistas islâmicos e políticos ligados ao islamismo, considerada pela oposição como um movimento para “abafar” os dissidentes. “Essa é uma nova era, uma página foi virada”, afirmou Moctar Ould Mohamed Moussa, um dos prisioneiros libertados. Os ativistas detidos foram acusados pelo governo de Taya de conspirar com o Grupo Salafista pela Religião e pelo Combate, da Argélia, que supostamente mantém vínculos com a Al Qaeda. Muitos árabes no país dizem que Taya deliberadamente exagerou a ameaça islâmica para prender os ativistas, atendendo a pedido dos Estados Unidos. “O ex-presidente os classifica como extremistas, para ganhar apoio do Ocidente”, disse Yacoub Ould Moine, professor de matemática da Universidade de Nouakchot (capital mauritana). No dia seguinte ao golpe, comboios de carros com pessoas fazendo o “V” da vitória desfilaram por uma das principais avenidas da capital Nouakchot. Taya, que estava no poder há 21 anos e também assumiu o governo da Mauritânia por meio de um golpe, não estava no país. Havia desembarcado no Níger, país vizinho, após uma viagem

MAURITÂNIA Localização: Noroeste da África População: 2,8 milhões de habitantes Nacionalidade: mauritana Línguas: árabe (oficial), francês, fulani, ulof, soninquê Religião: islamismo (99,5%), cristianismo 0,2%, outras (0,3%)

GOLPES “As Forças Armadas e as forças de segurança decidiram por unanimidade colocar fim, definitivamente, às atividades totalitárias de um regime morto e sob o qual nosso povo sofreu tanto nos últimos anos”, afirmou um comunicado assinado pelo Conselho Militar para a Justiça e a Democracia. “Esse Conselho jura perante o povo da Mauritânia criar as condições favoráveis para uma democracia aberta e transparente e organizar eleições livres após dois anos de transição”,

Mauritanos comemoraram a derrubada do presidente Taya e sua política submissa aos interesses dos EUA

afirma o comunicado divulgado pelos líderes do golpe. Há dois anos, o deposto presidente sofreu uma tentativa de golpe que foi violentamente reprimida. Na ocasião, os golpistas eram militantes islâmicos que se opunham a Taya e, especialmente, à sua intenção de estabelecer relações diplomáticas com Israel. Em 2004, segundo o governo, duas outras tentativas de golpe foram abortadas. A Mauritânia, uma república islâmica, é um dos três países da Liga Árabe que têm laços diplomáticos com Israel. Nos anos 1990, o presidente Taya enfureceu muitos árabes no mundo ao deixar de apoiar o ex-presidente iraquiano Sadam Hussein, declarando apoio a Israel e aos EUA.

PETRÓLEO

Samir Gharbi de Nouakchot (Mauritânia) Sabe-se com certeza que, apesar da grave desestabilização política, a Mauritânia figurará, a partir de 2006, entre os dez primeiros produtores africanos de petróleo. A sua produção poderia ultrapassar a de Camarões (cem mil barris por dia) e é próxima ao nível que contribuiu para a prosperidade da Tunísia entre os anos de 1980 e 1990. Vendido a uma média de 50 dólares o barril, a parte que se destina à reserva do Estado (fiscalização e royalties) fará do petróleo um setor tão importante quanto a pesca ou o ferro. A esperança é de que esse recurso providencial – inesperado até a descoberta de uma jazida, em 2001 – possa ser utilizado em benefício de uma população que há muito tempo sofre com a miséria e o deserto. Partindo do “quase nada” em 1960, ano de sua ascensão à independência, a Mauritânia viveu por muito tempo da agricultura nômade, da pesca e principalmente do comércio. A exploração mineral esteve até 1974 confiada a uma empresa francesa. As crises econômicas e sociais demoraram a surtir efeito a mancha do óleo, que teve início a partir do desenvolvimento do turismo sahariano e de outras atividades de serviço. A renda per capita do país é de 450 a 500 dólares por ano, nível considerado muito baixo. Mas isso não passa de uma média: cerca de metade da população (46%, de acordo com o Banco Mundial) vive abaixo da linha da pobreza. E 26% das pessoas não dispõem de meios para viver dignamente, ou seja, para ter um lar, nutrir-se e dormir convenientemente. A isso se adiciona a taxa de analfabetismo (que atinge cerca de 60% da população com mais de 15 anos de idade), de mortalidade maternal (antes ou depois do parto) e

“à altura das esperanças do povo mauritano e organizem rapidamente eleições transparentes”. Oposição, movimentos e organizações sociais festejam a queda do ditador, a União Africana (UA) e Kofi Annan, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), condenaram a tomada de poder. Em nota, os líderes africanos apressaram-se em denunciar o golpe, insistindo que “os dias de autoritarismo e de governo militar devem dar espaço para a democracia no continente”. (Com agências internacionais)

Arquivo Brasil de Fato

As promessas do subsolo

A oposição mauritana no exílio se mostrou aliviada pelas promessas dos golpistas, embora afirme que terá de fiscalizar “as atitudes a serem tomadas”. “Estamos muito felizes. É um grande dia para a Mauritânia, ao enterrar definitivamente 20 anos de chumbo”, disse em Paris o porta-voz do Fórum da Oposição Mauritana no exílio, Bidi Ould Binu. O secretáriogeral do Observatório Mauritano de Direitos Humanos, Mohammed Ali Ould Louly, afirmou em Paris que estava feliz pela queda do “ditador Taya”. Louly expressou ainda a esperança de que os militares estejam Francisco Martins Costa/Folha Imagem

à Arábia Saudita para presenciar os funerais do rei Fahd. Para o lugar de Taya, a junta militar que liderou o golpe empossou o coronel Ely Uld Mohamed Vall, que ao longo dos últimos anos dirigiu a polícia federal. Vall era diretor da agência de segurança desde 1987.

ANÁLISE

Taya, o petróleo e a angústia do poder Stefano Liberti

Mauritânia pode se tornar um dos maiores produtores mundiais de petróleo

infantil (antes dos 5 anos). Espera-se que o dinheiro proveniente do petróleo financie diversos projetos. Sem hesitar, como aconteceu com as minas de ferro, o governo não pode deixar a exploração petrolífera exclusivamente na mão de companhias estrangeiras. Além do mais, já deveria ter sido criado um Ministério do Petróleo que se atrelasse à criação de uma verdadeira companhia nacional. E que não fosse apenas mais uma instituição burocrática, mas um grupo de homens e mulheres motivados a servir o interesse superior da nação: competência e transparência para controlar a produção (qualidade e volume), vender pelo melhor preço

e formar equipes de economistas, geólogos, pesquisadores. Ao Estado, cabe a tarefa de fixar as grandes missões com um único objetivo: utilizar o petróleo para erradicar a pobreza, não apenas distribuindo dinheiro às cegas, mas favorecendo a criação de pequenas e médias empresas. Acelerando e aumentando os programas que já estão em curso para permitir um verdadeiro acesso universal à educação primária, à água potável, à eletricidade e à saúde. E evitando, sobretudo, que um pequeno grupo enriqueça em detrimento da maioria. (Jeune Afrique, www.jeuneafrique.com, tradução de Gabriel Mitani)

No poder desde 1984, quando derrubou com um golpe de Estado o presidente Mohamed Khouna Ould Haidallah, o coronel Maaouya Ould Sid’Ahmed Taya perdeu-se no labirinto que ele próprio construiu. Obcecado pelo poder e autoritário em níveis incontroláveis, Taya considerava seu governo sólido graças às ligações privilegiadas estabelecidas no curso dos anos com os Estados Unidos e Israel. Depois de longos e silenciosos acordos, em 1999 o governo da Mauritânia estabeleceu relações diplomáticas com o Estado de Israel, ao qual oferece terreno para treinamento militar no vasto e desocupado deserto do Saara. A lua-de-mel com os Estados Unidos iniciou pouco depois e avançou rapidamente após os atentados de 11 de setembro de 2001, quando Washington começou a olhar com ânsia os territórios desérticos da faixa ao sul do Saara, considerado laboratório de potenciais grupos terroristas. Assim, em 2003, o Departamento de Estado dos Estados Unidos lançava o Plano Sahel, para treinamento de tropas locais em quatro países da África Ocidental (Mauritânia, Mali, Níger e Chade). Um projeto deflagrado justamente no deserto mauritano. Se essa política exterior mais próxima dos Estados Unidos e de Israel

e distante dos povos árabes atiçou a ira dos muçulmanos, o verdadeiro salto de qualidade foi determinado por outro elemento: a descoberta de petróleo. As promissoras jazidas de petróleo de Chinguetti, que até 2006 vai fazer da Mauritânia um dos dez maiores países produtores de petróleo do mundo, despertaram a ganância da elite e dos EUA. Nos bastidores do poder, foi aumentando o descontentamento pela gestão personalista do presidente. E os candidados à divisão das riquezas não eram muitos: o país sempre foi conduzido por uma pequena elite de mouros brancos, que marginalizou os negros africanos. Procurou dividir os povos tradicionais com a política do “dividir para governar”, empurrando em particular os povos negros árabes da capital e do norte contra os Wolof, os Fula e os Soninké do sul do país. Com um cenário social engessado, em que permanecem ainda relações de escravidão, os mouros brancos tiveram o monopólio do poder desde a independência, em 1960. As três tentativas de golpe de Estado que se sucederam desde junho de 2003 representam sinais de uma sempre mais acelerada busca de prestação de contas. Stefano Liberti é jornalista de O Manifesto (www.ilmanifesto.it, veículo parceiro do Brasil de Fato)


13

De 18 a 24 de agosto de 2005

NACIONAL EXPLORAÇÃO

Mortes de trabalhadores nos canaviais Tatiana Merlino da Redação

O

brigados cumprir metas de produção subumanas exigidas pelas usinas de açúcar, dois cortadores de cana morreram, no mês de julho, em Guariba, Estado de São Paulo. Os trabalhadores eram migrantes da cidade de Codô, no Estado do Maranhão, e moravam temporariamente no interior de São Paulo. Valdecir Paiva de Lima, de 37 anos, começou a passar mal no começo da tarde do dia 12, desmaiou e morreu poucas horas depois, no Hospital São Francisco, de Ribeirão Preto. De acordo com colegas, Lima já havia se sentido mal anteriormente, mas o médico da usina Engenho Moreno, onde cortava cana, teria dito que ele não tinha nada, além de “preguiça de trabalhar”. Alcides V. , de 24 anos, morreu em situação semelhante, ao cortar cana para outra usina da região. Enquanto trabalhava, ele desmaiou. Ao chegar no hospital, já estava morto. Casos como os dos trabalhadores maranhenses não são incomuns no interior paulista. Em abril do ano passado, três pessoas morreram em condições similares, enquanto cortavam cana. De acordo com o padre Antônio Garcia Peres, da Pastoral do Migrante de Guariba, os cortadores de cana, submetidos a metas

Renato Stockler

Cortadores de cana de São Paulo não resistem ao excesso de esforço para atingir metas de produção

Todo ano, 200 mil trabalhadores vindos de Estados vizinhos buscam sobrevivência nos canaviais paulistas

de produção exorbitantes, “chegam a morrer de tanto trabalhar”. “A falta de experiência, a subalimentação, a pressão psicológica para atingir a meta estipulada e as condições precárias de moradia estão levando essas pessoas à morte”, conta o religioso. O esforço excessivo também

contribui para o aumento de acidentes do trabalho, dores na coluna, tendinites e muitos ainda se queixam de “birola” – cãibra seguida de tontura, dor de cabeça e vômitos. A Pastoral do Migrante encaminhou o caso para o Ministério Público Estadual e aguarda a chegada da esposa de Lima, que está no Ma-

ranhão, para entrar com um pedido de indenização da usina.

TRABALHO TEMPORÁRIO O trabalho dos cortadores de cana é temporário e dura o período da safra, do começo de maio até o início de dezembro. Além da atividade ser pesada, se torna mais difícil

QUILOMBOLAS

VIOLÊNCIA NO CAMPO

Acusados da chacina em Felisburgo vão a julgamento

Titulação emperra diante de pressões do agronegócio

Os acusados da chacina de Felisburgo (MG), que matou cinco sem-terra e feriu outras 12 pessoas, deverão ser julgados em breve. A juíza de Direito da Comarca de Jequitinhonha pronunciou, no dia 29 de julho, o latifundiário Adriano Chafik Luedy; Washinton Agostinho da Silva, vulgo “João”; Francisco de Assis Rodrigues de Oliveira, “Quitinha”; Milton Francisco de Souza, “Milton Péde-Foice” e Admilsom Rodrigues Lima, para que sejam submetidos a julgamento por Tribunal de Júri. A data do julgamento ainda será definida. As acusações são de homicídio, tentativa de assassinato, destruição de patrimônio e organização de quadrilha, esta última atribuída ao fazendeiro Adriano Chafik e a seu primo, ainda foragido, Calisto Chafik.

Gestão Fernando Hernque não titulou terras quilombolas em conflito

toda uma estrutura operacional que não existia para reconhecer as terras quilombolas. “Para os quilombolas, assim como para outras populações tradicionais, o direito às suas terras é o mais fundamental de todos. Sem ele não há moradia, saúde, segurança alimentar ou preservação da cultura”, lembra Raul Silva Telles do Valle, advogado do Instituto Sócio Ambiental. Ele considera que qualquer política voltada aos remanescentes de quilombos deveria centrar-se nesse aspecto sob pena de não alcançar seus objetivos.

ABAIXO DO ORÇAMENTO Um dos dados que mais chama a atenção em relação às ações do governo Lula para o setor é o baixíssimo índice de execução orçamentária, especialmente no que diz respeito às titulações. Segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), dos R$ 11,6 milhões previstos no orçamento do MDA de 2004 para o pagamento de indenizações aos ocupantes de boa-fé de terras quilombolas, nenhum centavo foi pago. Este ano, também não se gastou nada do orçamento de R$ 14,4 milhões para o mesmo fim. Dos R$ 2,3 milhões previstos, em 2004, foram usados R$ 1,4 milhão, pouco mais de 62%. Para este ano, estavam destinados R$ 5,4 milhões e, até o momento, foram gastos cerca de R$ 432 mil, em torno de 8% do total.

Em relação ao total de recursos disponibilizados pelo governo federal para os quilombolas, no ano passado, foram usados apenas 50% dos R$ 51 milhões que deveriam ser gastos por seis ministérios, pela Presidência da República e pela Secretaria Especial de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial (Seppir) no âmbito de programas como o Brasil Quilombola, Cultura Afro-brasileira e Comunidades Tradicionais. Dos R$ 60,1 milhões previstos para este ano, apenas R$ 7,5 milhões, 12,5% do total, foram utilizados até este mês. “A execução orçamentária não reflete o trabalho que temos realizado”, defende Mozar Artur Dietrich, assessor especial do MDA para a questão quilombola. Ele explica que o governo ainda não chegou à fase de usar o dinheiro das indenizações e avisa que, pelo mesmo motivo, o gasto da rubrica pode continuar na estaca zero este ano. “Estamos implantando todo um procedimento legal e administrativo inédito. Vamos contratar novos funcionários. Já temos 144 processos em andamento relativos a 278 comunidades. Quem disser que isso é menos do que foi feito no governo Fernando Henrique não conhece os procedimentos da área”, diz o assessor. A gestão FHC concedeu 14 títulos aos quilombolas, mas todos estariam em áreas públicas, onde não existiriam conflitos fundiários. (Instituto Sócio Ambiental, www.socioambiental.org.br)

A chacina, ocorrida no dia 20 de novembro do ano passado, foi a pior que já aconteceu em Minas Gerais contra integrantes de movimentos sociais que lutam por reforma agrária, trabalho e melhores condições de vida. De acordo com Marcilene Ferreira, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os acusados Quitinha, Bila e Milton Pé-de-Foice, devido a habeas corpus, aguardam o julgamento em liberdade. “Calisto Chafik, primo do mentor intelectual da chacina e participante direto das atrocidades Adriano Chafik, ainda está foragido e infelizmente não será julgado”, completa Marcilene. Para Antônio Ribeiro, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, “o julgamento será importante para demonstrar à sociedade que não pode haver mais violência, que a questão da terra não pode ser mais tratada dessa forma no Brasil”.

Laura Muradi

São dois anos e sete meses de governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E apenas dois territórios quilombolas receberam seus títulos de terra. Em 16 anos, desde a Constituição de 1988, o Estado brasileiro expediu cerca de 70 títulos semelhantes. Nesse ritmo, seriam necessários aproximadamente 33 anos para finalizar os 144 processos de titulação hoje em tramitação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Não é possível fazer um cálculo exato sobre o tempo que seria preciso, no compasso observado até agora, para regularizar os territórios quilombolas restantes, em todo o país, porque os dados disponíveis sobre o assunto são imprecisos. Mesmo assim, não custa lembrar que, segundo levantamento feito, este ano, pelo Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica (Ciga) da Universidade de Brasília (UnB), existiriam hoje, no Brasil, 2.228 comunidades quilombolas, totalizando uma população de mais de 2,5 milhões de pessoas. Em relação à administração Lula, as explicações para tanta morosidade apontam para o que já parece ser um de seus traços característicos: uma enorme dificuldade em vencer obstáculos político-administrativos diante de uma conjuntura marcada pela predominância de forças conservadoras dentro e fora do governo. Organizações quilombolas e especialistas consideram que falta determinação ao governo para atacar o preconceito racial, enfrentar o poder dos ruralistas e acelerar os processos de regularização fundiária. A administração federal não teria sido capaz nem mesmo de colocar em prática uma política pública unificada de teor étnico e de realizar um censo populacional. Por outro lado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Incra – que passaram a ser os responsáveis pelas titulações no governo Lula – argumentam que foi preciso reformular a legislação sobre o tema, idealizar e implantar

Bernardo Alencar de Belo Horizonte (MG)

Luciney Martins/ Rede Rua

Oswaldo Braga de Souza de Brasília (DF)

porque os cortadores trabalham por produção. A cada ano, as metas de produtividade aumentam, e aqueles que não atingem a média são despedidos no final do mês. Durante a década de 1980, a média fixada pelas usinas era de 5 a 6 toneladas por dia. Na década de 1990, o número passou para 8, 9 toneladas. No início dos anos 2000, estava em torno de 10 toneladas e, hoje, a meta aumentou. Os trabalhadores devem cortar de 12 a 15 toneladas/dia. Todos os anos, cerca de 200 mil trabalhadores provenientes das regiões mais pobres do país – como Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e sertão do Nordeste – migram para o Estado de São Paulo para trabalhar no corte da cana. Para se ter uma idéia do mercado da cana, a área do país utilizada para a cultura de cana-de-açúcar é de cerca de 5 milhões de hectares, equivalente à região do Estado do Espírito Santo. Apenas a macro região de Ribeirão Preto, que engloba 85 municípios do interior paulista, é responsável por 30% da produção do Brasil e ocupa uma área de 1.125 mil hectares. Atualmente, o Brasil tem 309 usinas, sendo que 137 estão no Estado de São Paulo. Os produtores de cana movimentam, anualmente, algo em torno de R$ 3 bilhões na compra de insumos e máquinas agrícolas.

Trabalhadores rurais sem-terra esperam o fim da impunidade


14

De 18 a 24 de agosto de 2005

DEBATE DEZ ANOS SEM FLORESTAN

Uma homenagem à amizade Discurso da filha do sociólogo Florestan Fernandes durante a inauguração da biblioteca – batizada com o nome de seu pai – da Faculdade de Filosofia e Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Heloísa Fernandes inda ontem, eu lastimava que o nome de Florestan Fernandes não estivesse em nenhuma praça, rua, sala ou salinha da Universidade de São Paulo e, hoje, seu nome está sendo reconhecido junto à sua única e verdadeira fortuna: o livro. Meu pai, um homem simples e modesto, sentia-se muito honrado com as homenagens que recebeu em vida; prezava-as todas, sem hierarquias, vestindose de pompa, orgulho, emoção e muita alegria. Imagino como estaria feliz aqui, hoje, homenageado por amigos, professores, alunos, funcionários, militantes e todos esses livros! Eu mesma já disse, uma vez, que foi nos livros que Florestan encontrou como alimentar-se, lúcida e apaixonadamente, da cultura do seu tempo e das mais generosas utopias do seu século. Sabemos que meu pai descende de camponeses que emigraram de Portugal para Bragança, no interior de São Paulo, e que, mais tarde, minha avó paterna migrou para a capital onde encontrou enormes dificuldades para sobreviver, tornando-se empregada doméstica na residência da família Bresser, onde meu pai nasceu, em 1920. Para essa família aristocrática, Florestan era um nome muito nobre para um filho de doméstica e foi assim que ele passou a ser chamado e a se reconhecer como Vicente. Meu pai considerava-se parte do lumpen-proletariado, “na minha arquitetura mental (...) estávamos pouco abaixo dos gatunos profissionais e dos vagabundos, das prostitutas, dos soldados da Força Pública”. Gente emparedada num círculo de ferro sem ao menos vislumbrar como sair dali. Pois aos 17 anos, em 1937, com a escola, com o curso de madureza, com os professores, as leituras, os debates – “para nós, era puro mel e uma revolução” – foi invadido, como ele diz, por uma “grande alegria de viver e uma esperança sem limites, como se o mundo me pertencesse e, a partir daí, tudo dependesse de mim”. Rompia sozinho o círculo de ferro que o atava aos “de baixo” e adentrava, como aluno do curso de Ciências Sociais, aos 21 anos de idade, a Universidade de São Paulo. Entrava radiante só para descobrir, como ele nos diz, que suas “falhas de formação e de informação eram imensas, por assim dizer, ‘enciclopédicas’ – e claramente insanáveis”. Uma encruzilhada e duas saídas: desistir ou “submeter-me a uma disciplina monástica de trabalho” na Biblioteca Municipal e na Biblioteca Central da Faculdade. Com tenacidade, determinação, sacrifício, escolheu a segunda alternativa. Afinal, seria seu único passaporte para o lado de lá. Mais tarde, já formado e contratado como professor da faculdade, ainda foi preciso “esconder minha insegurança, disfarçando o estado de pânico, que demorou para dissipar-se” plantando-me “pelo maior es-

candidatos. Foi isso que aprendemos com teu pai e procuramos aplicar na prática”.

A

LUTA COLETIVA

Kipper

“O passado não conhece seu lugar, ele está sempre presente”, porque os Vicentes não param de nascer e renascer a cada dia. Vicente, o engraxate, o filho da empregada doméstica, sempre teve onde morar, mesmo precariamente. Agora, ainda ontem, na semana passada, em São Paulo, capital, crianças de rua são despejadas das suas casinhas de boneca ou de cachorro porque as autoridades “não podem permitir que o espaço público seja ocupado dessa forma”; é um Vicente de 13 anos quem diz que “era uma linda casinha, azul por fora e branca por dentro. Mas tudo que é bom, dura pouco e tudo que é ruim, permanece. A vida já me ensinou isso”. Florestan sociólogo tinha de ser socialista, foi como firmou seu compromisso com Vicente, com os “de baixo”, com os que permanecem do lado de lá do círculo de ferro, um círculo que só pode ser rompido de vez coletivamente. “O passado não conhece seu lugar, está sempre presente”! Quem disse que Florestan não está bem presente aqui, entre nós, representado, e tão bem, onde sempre esteve, em Antonio Cândido, esse seu amigo de mais de cinqüenta anos? Uma amizade que nasceu quando dois jovens de 21 e 23 anos encontraram-se aqui mesmo nesta universidade. Uma amizade que persistiu, cresceu, amadureceu. Nossos melhores filósofos pensaram que o amigo “é um outro nós mesmos”, pois “quando queremos conhecer-nos a nós mesmos, conhecemo-nos vendo-nos em um amigo”. Antonio Cândido e Florestan passaram muito tempo convivendo, conversando, vendo-se, construindo-se.

paço de tempo possível, todos os dias” nas bibliotecas. MOEDAS DE SABER

Escola e livros, universidade e livros, bibliotecas; os livros transformavam-se nas moedas de saber com as quais ia desatando aquele círculo de ferro. Na feliz metáfora de Paulo Silveira, Florestan “encara os livros como aquela ‘vara’ de salto que leva o atleta muito mais alto do que ele poderia ir sem ela”. O próprio Florestan reconheceu melhor que ninguém a envergadura da metamorfose quando ocorreu essa sua passagem para o mundo de cima: “o Vicente que eu fora estava finalmente morrendo e nascia em seu lugar, de forma assustadora para mim, o Florestan que eu iria ser”. Um Florestan decidido a dedicar os próximos vinte e quatro anos da sua vida à Universidade de São Paulo onde, com uma brilhante equipe de jovens assistentes, fundou aquela que seria chamada de Escola Sociológica de São Paulo; “um pequeno mundo”, diz ele, “o qual, aliás, bem depressa se converteu na razão de ser de nossas vidas e no eixo em torno do qual iriam girar as nossas atividades profissionais ou políticas”, até ser compulsoriamente aposentado, em 1969, pela ditadura militar, quando ainda não havia completado 49 anos de idade. Mas não é do Florestan, sociólogo, que quero falar aqui, hoje, mas do Vicente, dos que permanecem presos do lado de

lá do círculo de ferro, os “de baixo”, os deserdados, como ele dizia, essa imensa maioria de brasileiros com os quais manteve um compromisso ético, afetivo e político. Penso mesmo que Florestan sociólogo construiu conceitos e interpretações – ou a eles recorreu – os quais deve ao Vicente do outro lado do círculo de ferro, e os exemplos são inúmeros: circuito fechado; cerco capitalista; capitalismo selvagem; deserdados da terra; massa dos excluídos e marginalizados; revolução burguesa que se fechou para a plebe; democracia restrita; Estado autocrático. Florestan sociólogo foi um incansável denunciante dos infinitos “processos de espoliação, de exclusão e de subalternização impiedosa dos de baixo”. “O passado não conhece seu lugar, ele está sempre presente”. Bem-vinda tese que, para um amigo querido, seria de Mário Quintana. Florestan tornou-se um aliado do Vicente, dessa imensa maioria que não consegue romper o círculo de ferro, deixandolhes uma advertência – cuidado, essa gente de cima tem medo de povo – e um conselho – estudar. Pois não foi isso mesmo que me escreveu ainda outro dia João Pedro Stedile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: “Nosso país precisa de um povo culto, consciente e organizado, que lute por seus direitos, de forma coletiva. Não de

Tiveram tempo até mesmo para escrever um sobre o outro. Nisso que escreveram encontramos o espelho onde se construíram; com afetos (os textos de um sobre o outro falam de amor, solidariedade, compaixão, generosidade), com disposições morais (falam de integridade, dignidade, retidão moral, senso do dever, ética profissional), como sujeitos (cada um reconhece no outro o lutador, o militante socialista, o professor por vocação, o humanista visceral, o homem de luta e de ideal). Em suma, dois amigos que se reconhecem pelos valores que cultivaram: integridade, dignidade, liberdade, justiça. Vicente bem soube ter encontrado em Antonio Cândido um espelho onde construiu seu Florestan; um Florestan que, acompanhado da sabedoria do amigo, foi perdendo o pânico da sua solidão do outro lado do círculo de ferro. Em 1965, meu pai escreveu uma carta à minha mãe que, embora datada e localizada, guarda um significado que vai além desse encontro. “Míriam, estive com Bastide e a esposa, em Anduze. Foram gentis comigo, só me deixaram voltar dois dias depois. Teria ficado sozinho em Paris, ao retornar. Por sorte, o acaso lançou o Antonio Cândido nos meus braços no Boulevard Saint Germain (...) O Antonio Cândido me regalou com um jantar principesco. Depois que encontrei o Antonio Cândido, tenho boa companhia para as andanças por Paris. Ele já conhece tudo e toma o cuidado de me mostrar o que possui maior interesse”. O acaso lançou Antonio Cândido nos braços de Florestan e foi assim que o Vicente completou sua travessia para além do círculo de ferro: “Ele já conhece tudo e toma o cuidado de me mostrar o que tem maior interesse”. Antonio Cândido recusou perder Florestan assumindo a tarefa de dar testemunho do amigo, do seu valor, dos seus valores: integridade, dignidade, liberdade, justiça, o que há de melhor em nossa cultura, o que há de nobre nesta universidade. Penso que ainda haveremos de comemorar como se deve quando esta biblioteca passar a chamar-se Antonio Cândido e Florestan Fernandes, uma homenagem à amizade. Heloísa Fernandes é socióloga, professora livre-docente da USP e professora da Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST

Florestan Fernandes nasceu em 22 de julho de 1920, na cidade de São Paulo e faleceu em 10 de agosto de 1995 – seis dias após ter sido submetido a um transplante de fígado. Era casado com Míriam Rodrigues Fernandes, com quem teve cinco filhas e um filho. Filho de uma imigrante portuguesa, analfabeta e empregada doméstica, Florestan morou em sombrios quartos de empregada e pensões. Aos 6 anos, para ajudar a mãe, começou a trabalhar como engraxate, ajudante de barbeiro, carregador e balconista de bar. Sentindo dificuldades em conciliar o trabalho com o estudo, parou de estudar no terceiro ano primário. Na adolescência, fez o curso madureza. Em três anos, aprendeu o que num prazo normal as pessoas aprendem em sete. Disciplinado, cumpriu um plano de estudos que o levou a passar dezoito horas por dia em bibliotecas públicas. Formou-se em Ciências So-

ciais (1941-1943). Licenciatura em Ciências Sociais (1944). Pósgraduação em Sociologia e Antropologia (1945-46). Mestre em Ciências Sociais (Antropologia, 1947). Exerceu o magistério superior na Universidade de São Paulo e nas Universidades de Columbia e Yale (EUA) e Toronto (Canadá). É doutor “Honoris Causa” da Universidade de Utrecht, Holanda. Foi um ardoroso defensor da educação pública e gratuita no Brasil. Florestan escreveu 56 trabalhos acadêmicos, publicados no Brasil e no exterior, além de livros de múltipla autoria e de colaboração em jornais e revistas. Seus trabalhos de antropologia, feitos há quarenta anos, são leitura obrigatória até hoje. O livro A Revolução Burguesa no Brasil, onde fez um retrato dos homens do poder e do dinheiro, mostrando uma classe que eterniza impasses históricos em sua resistência à mudança social, está entre os cinco melhores livros escritos no Brasil nos últimos 50 anos. É considerado um dos criadores da moderna sociologia brasileira. Sua

Arquivo JST

Quem foi Florestan Fernandes

Florestan, um crítico do capitalismo

biblioteca particular contava com mais de 20.000 volumes. Iniciou a vida de ativista político no Estado Novo. Depois do golpe de 64, como professor da USP, por carta, repudiou a humilhação e interrogatórios dos militares. Ficou detido três dias. Foi um dos primeiros a protes-

tar contra o novo regime. Em 1969, foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5. Foi crítico severo da intervenção das Forças Armadas nas greves dos trabalhadores em 1986. Foi parlamentar por dois mandatos (1987-90 e 1991-94) pelo Partido dos Trabalhadores. Crítico severo do capitalismo, não acreditava que as injustiças e a opressão geradas pela ordem capitalista pudessem ser equacionadas e resolvidas dentro dessa mesma ordem. Foi um permanente militante da luta pela liberdade, democracia da maioria e pela revolução socialista. Como professor, dedicou-se a formar pessoas, educando-as para a tarefa científica, incutindo-lhes a necessidade da formação em profundidade, do rigor e da disciplina para a investigação científica. Incentivador do trabalho coletivo, reconhecia e aceitava as diferenças. Seu intuito era constituir equipes de trabalho capazes de produção autônoma e de alto nível.


15

De 18 a 24 de agosto de 2005

agenda@brasildefato.com.br

AGENDA LIVRO DA COR AMARELA Por meio de um romance autobiográfico, o jornalista e ex-militante Caê de Castro recupera a memória do movimento estudantil de Santa Catarina, restaurando e contextualizando a vida universitária na primeira metade da década de 1980. O livro Da Cor Amarela tem como fio-condutor a luta pela redemocratização do país, principalmente a decisiva campanha das Diretas Já! O jornalista optou por resgatar a história do Brasil recente utilizando personagens e nomes reais, narra os episódios envolvendo estudantes, lideranças políticas, professores e pessoas da comunidade, conta os bastidores de brigas, romances, festas e intrigas, além de mostrar o funcionamento da organização estudantil e revelar a efetiva participação dos partidos políticos nas escolas e nas universidades. Publicado pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, o livro tem 205 páginas e custa R$ 26.

CEARÁ SEMINÁRIO - DEMOCRACIA, ÉTICA E O MARCO LEGAL DAS ONGS 19 A Regional Nordeste III da Associção Brasileira de Organizações Não-Governamentais e a Fundação Konrad Adenauer promovem o seminário, com o objetivo de questionar os papéis políticos e sociais das ONGs no Brasil. Duas mesas de debate abordarão as temáticas: “Democracia, ética e o papel político das ONGs” e “Marco legal, controle social e transparência das ONGs”. As inscrições podem ser feitas por telefone. Local: Auditório Murilo Aguiar, Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, Av. Desembargador Moreira, 2807, Fortaleza Mais informações: (85) 3253-2422, abong.ne3@terra.com.br SEMINÁRIO - EXCLUSÃO SOCIAL E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO: PAPEL DAS ONGS, ESTADO E EMPRESAS 24 Em comemoração aos 20 anos

de fundação, o Grupo de Apoio às Comunidades Carentes (Gacc) realizará esse seminário, com palestra de Glória Diógenes, presidenta da Fundação da Criança da Cidade (Funci), e os debatedores Beth Ferreira, coordenadora do Fórum de Mulheres Cearenses, e Francisco Vidal, coordenador da Responsabilidade Social da Associação dos Jovens Empresários de Fortaleza (AJE). O objetivo do seminário é promover o debate sobre o enfrentamento da exclusão social e identificar alternativas e potenciais alianças para o desenvolvimento social de comunidades de baixa renda. A discussão será complementada com a exposição de experiências desenvolvidas no enfrentamento da questão, pelo Gacc, Secretaria do Trabalho e Empreendedorismo (Sete), empresa Santa Clara Café e pela ONG Vida Brasil. Local: Auditório da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Av. Barão de Studart, 1980, Fortaleza Mais informações: (85) 3226-6705, 3252-4630, www.gacc.org.br, apoioinstitucional@gacc.org.br,

DISTRITO FEDERAL MOSTRA HENFIL DO BRASIL até 25 de setembro, das 10h às 19h O filho de Henfil, Ivan Cosenza de Souza, realiza a primeira grande retrospectiva do trabalho do cartunista. A mostra Henfil do Brasil reúne cerca de 500 originais, selecionados entre os mais de 15 mil do acervo pessoal de Ivan. Também estão em exposição revistas e álbuns, que podem ser manuseados. Em seis blocos, a mostra traz um panorama da cultura brasileira por meio do perfil de cada um dos 27 personagens criados pelo cartunista entre as décadas de 1960 e 1970, e que continuam atuais até hoje. Com humor peculiar, Henfil mostrava as mazelas do Brasil e, por meio dos seus personagens, entre eles, Fradins, Zeferino, Graúna, Bode Orelana, Delegado Flores e Ubaldo, criticava a desigualdade social, a fome, a corrupção, a violência, o conservadorismo, o racismo, a ditadura e defendia, arduamente, o movimento “Diretas

Já”. Entrada franca. Local: Clubes Esportivos Sul, trecho 2, lote 22, Brasília Mais informações: (61) 310-7087

MARANHÃO 1º SEMINÁRIO MUNICIPAL SOBRE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PARA O CERRADO 24 a 26 A exploração dos recursos naturais da região do Cerrado vem ocasionando grandes implicações ambientais, sociais e econômicas, refletidas principalmente no bem-estar das famílias pobres da região Sul do Maranhão. A expansão das áreas de soja contribui com o desmatamento de imensas áreas verdes, afugentando e extinguindo as espécies nativas, desestruturando a agricultura familiar. Por esse motivo, o Fórum Carajás e entidades parceiras realizam um seminário, com o objetivo de mobilizar os diversos atores sociais na busca e na implementação de atividades que efetivamente contribuam para a produção sustentável e a preservação ambiental desse bioma; debater as estratégias que definirão projetos de sustentabilidade para os cerrados maranhenses que venham convergir com interesses das populações tradicionais e fortalecer e garantir o envolvimento das populações nos projetos, políticas e destino de recursos públicos. Local: sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Loreto Mais informações: (98) 3249-9712, 3275-4267

PERNAMBUCO CONFERÊNCIA REGIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DO NORDESTE 29 e 30 A proposta da Conferência é evidenciar como a ciência, a tecnologia e a inovação podem ser instrumentos para o desenvolvimento local, a partir de experiências e dificuldades específicas da região. O evento conta com um painel dedicado a institutos, ONGs, terceiro setor e imprensa. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pela página da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. O evento dará subsídio para a 3ª Conferência Nacional de CT&I, que acontecerá entre os dias 16 e 18 de novembro, em Brasília (DF). Local: Recife Palace Hotel, Av. Boa Viagem, 4070, Recife Mais informações: www.sectma.pe.gov.br, www.cgee.org.br/cncti3

RIO DE JANEIRO VENEZUELA EM DEBATE 22, às 18h Orgazinado numa parceria entre o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior do Rio de Janeiro (Andes/RJ), a Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense, o Sindicato dos Trabalhadores Públicos Federais da Saúde e Pre-

vidência Social do Rio de Janeiro e da Regional Niterói e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade Federal Fluminense, o debate terá como tema “Os trabalhadores e a revolução bolivariana”. Os convidados para ministrar as palestras são os dirigentes da Opção de Esquerda Revolucionária, Miguel Angel Hernández e Emilio Bastidas. Também estarão presentes os integrantes da União Nacional dos Trabalhadores, a nova central sindical venezuelana. Local: Auditório do Sindicato dos Engenheiros, Av. Rio Branco, 277, 17º andar, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2532-1398

SÃO PAULO FÓRUM - A VIOLÊNCIA NO CORAÇÃO DA CIDADE 18, às 14h Promovido pelo Centro de Referência às Vítimas da Violência (CNRVV) o Fórum tem como proposta marcar a implantação de pólos de prevenção à violência sexual. A iniciativa é fruto de uma parceria entre o CNRVV, a World Children Foundation (WCF) no Brasil, a Fundação Abrinq, o Conselho Tutelar, as Secretarias Municipais de São Paulo da Saúde, Educação, Assistência e Desenvolvimento Social e Segurança Pública. O psicólogo e psicanalista Paulo César Endo fará uma palestra e, após o Fórum, lançará o livro A Violência no Coração da Cidade - Um Estudo Psicanalítico. Local: Auditório do Instituto Sedes Sapientiae, R. Ministro de Godoi, 1484, São Paulo Mais informações: cnrvv@sedes.org.br 1ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE OFENSAS SEXUAIS 18 a 21 O Instituto Construindo o Futuro (IFC) realiza a 1ª Conferência In-

ternacional sobre Ofensas Sexuais. O evento tem como tema oficial “Prevenção, diagnóstico e tratamento de ofensas sexuais” e abordará os aspectos psicossociais e médicos das ofensas sexuais. A conferência terá aproximadamente 40 assuntos relacionados e pretende reunir 70 palestrantes de diversos países. Local: Memorial da América Latina, São Paulo, Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, São Paulo Mais informações: (11) 3759-8721, www.abtos.org.br/conferencia SEMINÁRIO - CONSULTA NACIONAL SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE 23 a 25 Seminário organizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), parte de um estudo global liderado pela ONU e recomendado pelo Comitê dos Direitos da Criança a Kofi Annan, secretário geral da Organização. O Brasil é o único país da América Latina que terá seu próprio seminário, cujos resultados serão incorporados no estudo global da ONU, juntamente com informações dos demais eventos regionais e nacionais do Caribe e da Ásia. A Consulta vai contar com a presença de gestores e formuladores de políticas na área da violência, representantes de ONGs nacionais e internacionais, especialistas e pesquisadores do Brasil e do exterior. Também participarão grupos de adolescentes e jovens, centros de defesa, de atendimento, operadores do Sistema de Garantia dos Direitos Infanto-juvenis, institutos de pesquisa, universidades, órgãos e agências internacionais. As inscrições estão abertas e podem ser feitas pela internet. Local: Memorial da América Latina, Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, São Paulo Mais informações: www.consulta nacionalviolencia.com.br

MEMÓRIA

Milani, entre o palco e a militância

Miguel Arraes: uma vida de apoio às minorias da Redação

M

orreu dia 13, vítima de insuficiência pulmonar, um dos maiores ícones da esquerda brasileira: o deputado federal Miguel Arraes, presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Com 88 anos, Arraes exercia seu segundo mandato como deputado federal (1991-1994 e 20032006). Foi três vezes governador de Pernambuco; sua última gestão começou em 1994. O corpo foi enterrado, no dia 14, no cemitério de Santo Amaro, em Recife. Acompanharam o velório, na sede do governo, cerca de 15 mil pessoas. Entre elas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e diversos ministros. A cerimônia seguiu as normas destinadas a chefes de Estado.

O presidente cubano, Fidel Castro, enviou uma mensagem à família. No texto, ele diz que Arraes era “amigo e companheiro de luta antiimperialista”. A carreira política de Arraes começou em 1950, quando ele assumiu como suplente o mandato de deputado estadual. Elegeu-se mais duas vezes para o cargo, em 1954 e 1958. Um ano depois, foi eleito prefeito de Recife. A marca de sua atuação política foi a defesa das populações carentes. Em 1962, eleito governador de Pernambuco pelo Partido Social Trabalhista (PST), contou com o apoio de diversas correntes de esquerda do Estado. Seu governo, mais uma vez, foi marcado por políticas de apoio aos movimentos sociais e minorias. Durante essa

gestão, foi responsável pelo Acordo do Campo, uma negociação entre as Ligas Camponesas e os usineiros, que deu aos trabalhadores rurais o direito de ter salário-mínimo. Sua carreira política logo foi interrompida pelos militares: Arraes é preso no dia do golpe militar e depois de um ano recebe exílio na Argélia. Em 1979, de volta ao Brasil pela Lei da Anistia, é recebido por uma multidão como herói. Em 1980, quando eleito deputado federal pelo PMDB-PE, foi o mais votado do Nordeste. Arraes defendeu as eleições diretas e apoiou Tancredo Neves para sucessão de Figueiredo. Seu segundo mandato como governador foi entre 1986 e 1989. Em 1994, retornou ao poder pela terceira vez, ao bater Gustavo Krause, do PFL.

da Redação

O

ator e humorista Francisco Milani morreu na madrugada do dia 13, no hospital Barra D’or, no Rio de Janeiro, aos 68 anos. Internado desde a noite do dia 3, ele sofria de câncer no reto há cinco anos. Nascido em São Paulo, em 19 de novembro de 1936, o ator teve uma longa carreira no teatro, onde participou da montagem de textos importantes como Barrela, de Plínio Marcos, e A Morte de Um Caixeiro Viajante, de Arthur Miller. Milani também participou de clássicos do cinema nacional, como os célebres Terra em Transe e Eles Não Usam Black Tie. Atuou em inúmeras nove-

las, entre elas Selva de Pedra, Elas por Elas e Vamp. Recentemente, atuava no programa Zorra Total, da TV Globo, interpretando o “seu Saraiva”, além do programa A Grande Família, onde vivia o “tio Juvenal”. Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) desde 1995 e integrante de sua direção estadual no Rio de Janeiro (RJ), Milani foi eleito vereador pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 2000, foi vice-prefeito da candidata Benedita da Silva (PT) nas eleições municipais do Rio de Janeiro. O golpe militar de 1964 forçou o militante a ficar afastado oito anos de sua carreira artística, trabalhando então como caminhoneiro. Só pôde retomar a carreira em 1973.


16

CULTURA

De 18 a 24 de agosto de 2005

LITERATURA

As vias da exclusão social Livro narra a história de 14 moradores de rua e revela os caminhos da miséria em São Paulo Carlos Minuano de São Paulo (SP)

P

Vidas de Rua Cleisa Moreno Maffei Rosa Editora Hucitec / Rede Rua 290 páginas R$ 35 As imagens que ilustram o livro e esta página são do jornalista e fotógrafo Alderon Costa

álcool e crack, a perda de vínculos familiares e afetivos, a ausência de direitos e o abandono das instituições são comuns nas histórias coletadas na rua. No entanto, a autora destaca também, como elementos fundamentais desse processo, a questão econômica, o desemprego e a precariedade nas condições de trabalho: “Muitos tiveram inserção no mundo do trabalho, com carteira profissional assinada. Independentemente da formação profissional e da escolaridade, na década de 1990 todos tinham a mesma e única oportunidade, que era a rua”. Os dados levantados nas pesquisas realizadas até hoje confirmam a informação. Desde o primeiro levantamento realizado no inicio da década de 1990, pela então Secretaria do Bem-Estar Social, até hoje, o número de pessoas em situação de rua na capital de São Paulo aumentou em mais de 200% . Na primeira pesquisa feita em 1991, havia 3.392 pessoas; no levantamento mais recente, realizado em 2003 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, (Fipe), foi estimado o total de 10.399 moradores de rua. Pela investigação em jornais antigos, Cleisa elaborou um apêndice das inúmeras denominações que a população de rua recebeu ao longo das ultimas décadas, às

vezes associadas ao trabalho com que se ocupavam, como “bóiasfrias”, “catadores de lixo”; ou à moradia, como “desabrigados”, “encortiçados” – tratamentos que demonstram como a sociedade se relaciona com essas questões, na maior parte expressões com conteúdo pejorativo, que revelam preconceito em relação à população de rua. O livro Vidas de Rua traz também uma análise cuidadosa de ações existentes hoje, como por exemplo um trabalho de inclusão social realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Vidas de Rua, em parte por meio das vozes dos moradores de rua entrevistados, mas também pelo esforço e dedicação da autora, desnuda a realidade de pessoas que sobrevivem às margens da dignidade, que sequer são incluídas nos censos oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O livro traz um quadro trágico e triste, mas sua análise é imprescindível para a construção de novos paradigmas para a sociedade. Desse trabalho, Cleisa Moreno afirma que o mais importante que conquistou foram os vínculos sinceros de amizade e a perda do seu próprio preconceito – segundo ela, substituído pelo respeito à dor e ao sofrimento dos que viveram, ou ainda vivem, nas ruas. Fotos Alderon Costa/ Rede Rua

or que milhares de pessoas moram e sobrevivem nas ruas? A procura por respostas para essa questão levou a assistente social Cleisa Moreno a conhecer de perto a realidade da população de rua. De 1996 a 1999, ela percorreu albergues, ruas e participou de reuniões e manifestações ligadas aos sem-teto. O resultado desse trabalho chega às livrarias, com o livro Vidas de Rua, que narra as histórias de 14 moradores de rua e revela os caminhos da miséria em São Paulo. O assunto não é novidade para a autora, mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. De 1989 a 1992, Cleisa foi supervisora regional na subprefeitura da Sé, região central de São Paulo, onde o maior problema eram os moradores de rua. Nesse período, ela dirigiu, junto com outros especialistas, um estudo pioneiro com o propósito de traçar um perfil dessa parcela excluída da sociedade. Os dados levantados pela pesquisa, publicados no livro População de Rua: quem é, como vive, como é vista, surpreenderam. Estimava-se, em 1991, a existência de cem mil pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo. Para reverter esse quadro, previa-se um trabalho difícil e a longo prazo. Porém, os números da pesquisa municipal mostraram que havia apenas 3.392 pessoas nessas condições, o que motivou o desenvolvimento de ações inovadoras dirigidas à população de rua, como as casas de convivência, as operações de acolhida durante o inverno e atividades voltadas à organização política da população de rua. Pela primeira vez, segundo Cleisa, os moradores de rua foram colocados no centro das discussões e o Estado foi pressionado a assumir sua parcela de responsabilidade: “Foi o início de uma política pública com responsabilidade do Estado, pois essa questão sempre ficou na área da caridade”. Em seu novo livro, Vidas de Rua, Cleisa dá continuidade ao levantamento, desta vez por conta própria. Inicialmente como objeto de seu projeto de mestrado, o trabalho buscou respostas para indagações antigas: quais os caminhos que levam essas pessoas a viver nas ruas, marquises, praças e albergues? Que outra maneira poderia ser mais adequada para entender essa questão do que as próprias histórias desses personagens? Assim, por meio de entrevistas coletadas durante quatro anos, a autora entrou na vida de quatorze sem-teto, traçando um amplo panorama das ruas e relacionando com a conjuntura política e econômica das ultimas décadas.

POPULAÇÃO HETEROGÊNEA Para Cleisa, entender quem são essas pessoas é o primeiro passo para entender como chegam até as ruas. Segundo ela, é uma população extremamente heterogênea. Portanto, razões que levam as pessoas a ir para a rua também são diversas, assim como os motivos que as tiram dessa situação. Cleisa não acredita que para tirar as pessoas da rua basta colocá-las nos albergues – “em sua essência, núcleos de atendimento imediato, um instrumento que tem se mostrado ineficaz para a intermediação da população de rua com a reinserção a sociedade e ao trabalho”. Ao estudar as histórias de vida de diversos moradores de rua e cruzando essas informações com jornais de períodos correspondentes, Cleisa discute os processos sociais que envolvem essas trajetórias. O uso de drogas como

Vidas de Rua, resultado de entrevistas a catorze sem-teto durante quatro anos, traça um panorama político e econômico das últimas décadas


Ano 3 • número 129 • De 18 a 24 de agosto de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO

As tarefas da juventude transformadora

Nama

BOLIVARIANAS

Festival Mundial se inspira na resistência venezuelana para construir o novo e resistir ao imperialismo Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

dos movimentos sociais do campo e da cidade e a necessidade de unificar a luta dos camponeses com os trabalhadores da cidade. Nas conferências e seminários, prevaleceu o mesmo modelo do Fórum Social Mundial. Especialistas de renome de várias partes do mundo trataram de temas como guerra, livre-comércio, transgênicos, gênero, entre outros assuntos intrínsecos à expansão das políticas neoliberais. Nos outros espaços, shows e feiras para os mais interessados na diversão que a diversidade de jovens de 144 países pôde promover.

L

evantar a bandeira antiimperialista e articular redes capazes de canalizar as ações de resistência para a construção “indispensável”, de um “outro mundo possível”. Essa é a tarefa que levam para casa os cerca de 17 mil jovens que ocuparam a capital venezuelana entre 8 e 15 de agosto, durante o 16º Festival Mundial da Juventude. Houve espaço para tudo. No Acampamento Internacional, no histórico bairro de resistência “23 de janeiro”, amplas e profundas discussões entre os grupos sobre as políticas neoliberais na América Latina, o Plano Colômbia, desafios

INSPIRAÇÃO No entanto, a importância do encontro – considerado por muitos

Jovens de 144 países defenderam a revolução bolivariana, símbolo da luta antiimperialista no mundo

garçom estadunidense Milovan Fukakovie avalia que a troca de experiência com os venezuelanos o faz pensar que aqui a história será diferente do que a conduzida por Allende (Salvador Allende, presidente chileno morto por um ataque aéreo estadunidense em 11 de setembro de 1973) ou pelos sandinistas (referência à Frente Sandinista de Libertação Nacional que tomou o poder na Nicarágua em 1979).

como histórico – foi a possibilidade de mostrar a milhares de jovens os caminhos percorridos pela revolução bolivariana, principal símbolo antiimperialista depois de Cuba. “O mais importante do Festival foi ver de perto o que só discutimos na teoria”, afirma Genadir Viera dos Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ao criticar a agressão de seu país ao governo venezuelano, o

A caminho do pré-socialismo

Estados Unidos no banco dos réus

CRUELDADE No primeiro dia do Tribunal, coube ao vietnamita Bui Giang mostrar que a avaliação de Bolívar vai além do continente americano. Os efeitos da guerra do Vietnã perdu-

“Há um ano, o que estava em jogo era a vida”. A percepção do trabalhador informal Juan Luis Crespo ao relembrar o histórico 15 de agosto de 2004 é a mesma de milhões de venezuelanos que decidiram dizer “Não”. A negativa significou a manutenção do governo de Hugo Chávez, eleito em 1998. Nas urnas, por meio de um referendo, 60% da população venezuelana decidiu apoiar a continuidade do processo batizado de revolução bolivariana. Estavam em disputa dois projetos políticos. De um lado, o do governo Chávez, essencialmente popular, promotor de mudanças na estrutura social por meio de programas governamentais, financiados pelos recursos petroleiro. De outro, os de grupos de oposição financiados por Washington, interessados em voltar a controlar o petróleo e manter os privilégios dos pequenos grupos da burguesia do país que durante décadas absorveram para si os recursos da indústria petrolífera.

Marcelo Garcia

TRANSFORMAÇÃO Para a maioria da população venezuelana, os pobres, a revolução bolivariana trouxe mudanças radicais em suas condições de vida. “A mais importante foi a tomada de consciência. Aprendemos que nós somos responsáveis pelas mudanças. Hoje sabemos do que somos capazes”, comenta a secretária Antonia Alvarado. Ela admite que problemas sociais históricos como a pobreza ainda não foram resolvidos, mas considera que a população tem, hoje, consciência de que é preciso trabalhar junto às instituições para mudar essa situação. Trata-se de colocar em prática o conceito de democracia participativa ou o que diz a própria Constituição bolivariana. “O artigo 62 assegura a

Em tribunal simulado, jovens condenaram as agressões dos EUA

ram ainda hoje. Além do relato, foram projetadas fotos das vítimas dos efeitos da guerra biológica – Agente Laranja – patrocinada pelos EUA entre os anos 1962 e 1970. “Apesar dos anos, as crianças continuam nascendo com tumores e muitos estão condenados à paralisia para o resto de suas vidas”, afirma Giang. Sobre as agressões dos Estados Unidos à Cuba, o ex-agente dos Serviços de Segurança de Cuba, Percy Alvarado, assegurou que a família Bush está envolvida com planos terroristas desde a época de Ronald Reagan (presidente entre os anos 1981-1989). “ Eles teciam planos para gerar terror aos cubanos dentro e fora da ilha (...) Posada Carriles era um dos homens em que eles confiavam”, afirmou Alvarado, referindo-se ao terrorista acusado pelo governo de Cuba e Venezuela de ser o responsável pela explosão de um avião cubano em 1976, deixando 73 mortos. Um dos testemunhos mais comoventes foi o de Irma González, filha de René Gonzalez, um dos cinco cubanos presos nos Estados Unidos acusados de espionagem

(veja reportagem na página 10). “Eles estavam trabalhando para o governo cubano defender meu país das invasões, mas os EUA não consideram como terroristas homens que colocam bombas nos hotéis e aviões do meu país”, disse Irma que, junto à delegação cubana, circulou durante todo o evento com a camiseta que traz a foto dos “cinco prisioneiros do império”. Diante de uma dezena de relatos de diferentes países e das agressões conhecidas por todo o mundo, o veredicto final do Tribunal – de efeito moral e não vinculativo – responsabilizou os Estados Unidos pelos crimes de violação aos direitos humanos, pelas guerras econômicas e militares e pelos genocídios promovidos durante as últimas décadas. As denúncias apresentadas serão encaminhadas para a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. “Mais do que acusar os crimes já condenados pela história, é importante despertar consciência sobre esses fatos”, afimou Chávez. (CJ)

participação do povo para definir os rumos do país”, comenta, o trabalhador informal Crespo. Um consenso na Venezuela, no entanto, é que a burocracia se tornou a principal barreira do avanço do governo. Outra dificuldade é a corrupção. “Sabemos que a maioria não cumpre com as ordens do presidente. Por isso, cabe a nós fazer a controladoria social”, afirma Antonia.

REPERCUSSÕES O “Não” do 15 de agosto foi importante não apenas para venezuelanos como Antônia e Juan. Estava em jogo também o novo cenário político latino-americano. A vitória de Chávez favoreceu o fortalecimento dos movimentos de resistência que se levantam nos países vizinhos. Mais do que financiar grupos “rebeldes” como acusam os Estados Unidos, Chávez mostra com o seu governo que há uma alternativa ao capitalismo e que a soberania dos povos deve estar acima dos interesses de Washington. E apesar das tentativas de desestabilização financiadas pelos Estados Unidos, o efeito tem sido contrário. Depois de seis anos de Chávez no poder, segundo a pesquisa Datanalisis do mês de agosto, mais de 70% dos venezuelanos apóiam o governo. Nas eleições de 7 de agosto, quase 70% dos integrantes das juntas municipais e conselhos políticos são de partidos que apóiam o presidente. Avaliando o aniversário do triunfo no referendo, Chávez afirma que a Venezuela segue em um processo de “transição apontando para um póscapitalismo, que pode ser chamado de pré-socialismo”. “Algo está morrendo, mas não terminou de morrer e algo está nascendo, e não terminou de nascer”, avalia. (CJ)

Marcelo Garcia

Réu: o imperialismo estadunidense. Acusador: os povos do mundo. Marcado por testemunhos de vítimas diretas das políticas de dominação mundial praticada pelos Estados Unidos, o Tribunal Antiimperialista foi uma das principais atividades do 16º Festival Mundial da Juventude. Em debate, as conseqüências das ações orquestradas por Washington durante as últimas décadas. As personagens centrais eram as vítimas da bomba atômica de Hiroshima (lançada pelos Estados Unidos contra o Japão em agosto de 1945), dos efeitos do Agente Laranja no Vietnã (armamento químico disseminado pelo Pentágono contra a resistência), familiares de imigrantes mexicanos mortos na fronteira com o vizinho do Norte e dos camponeses brasileiros, que sofrem com a expansão das sementes transgênicas e com o controle das propriedade da terra pelas transnacionais. Seus depoimentos, fotos e vídeos emocionaram os cerca de 17 mil jovens de 144 países que assistiram o julgamento. “Estamos diante do império mais cruel, cínico, selvagem e perigoso da história”, afirmou o presidente Hugo Chávez, acrescentando que ou “desmontamos o imperialismo norte-americano ou ele acaba com este planeta”. Chávez foi convidado a testemunhar sobre as agressões que a Venezuela tem sofrido do governo estadunidense. Vítima de um golpe de Estado planejado e financiado por Washington, Chávez assinalou que o “mister perigo” nada mais é do que um sistema imperial, econômico e político. Em um ousado e duro discurso, o presidente venezuelano frisou a importância de analisar as ações dos Estados Unidos a partir de uma lógica que corresponda a uma política de Estado, e não a uma pessoa. Citando o libertador Simón Bolívar, explicou: “Os EUA estão destinados a inundar o continente de miséria em nome da sua liberdade”.

“Chávez está preparando o povo. Há consciência da importância do processo”, diz Fukakovie. “Defender o processo venezuelano é tarefa de todos os jovens do mundo”, afirma o colombiano Miguel Cienfuentes, para quem os resultados do Festival dependerão da capacidade dos jovens de se articularem em torno da uma mesma luta: “A construção de um novo mundo”.

Presidente Hugo Chávez comemora a vitória sobre a direita


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.