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Ano 3 • Número 130

R$ 2,00 São Paulo • De 25 a 31 de agosto de 2005

João Zinclar

Jim Watson/ AFP/ Folha Imagem

Não à guerra – Manifestantes se unem a Cindy Sheehan, acampada desde dia 7 perto do rancho de Bush, no Texas. Cindy perdeu o filho Casey no Iraque e virou líder de campanha nacional pelo retorno das tropas

Mesmo sob suspeita, Palocci é intocável France Presse

A blindagem, a rigor, é da política econômica da Fazenda e do Banco Central, que privilegia os mais ricos

Fome atinge milhões de pessoas no Níger, onde presidente adotou medidas neoliberais ditadas pelo Fundo Monetário Internacional

Mais pressão dos EUA sobre o Paraguai

Num momento em que grande parte dos países africanos sofre com a seca e a fome, presidentes africanos reunidos em Gaborone (Botsuana) lançaram, dia 17, um grito de alarme e ajuda de emergência à comunidade internacional. Organizações sociais e analistas, no entanto, acusam a conduta dos presidentes e de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) pela desgraça. Pág. 11

Movimentos sociais e entidades dos direitos humanos protestaram, dia 17, contra a visita do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, ao Paraguai. Na avaliação do Serviço de Paz e Justiça, a passagem de Rumsfeld implica a “extensão do processo de guerra” de Washington contra a Tríplice Fronteira, região rica em recursos hídricos que une Argentina, Brasil e Paraguai. Pág. 9

E mais:

Fazendeiros saem da lista de trabalho escravo

DIREITOS HUMANOS – Encontro Nacional realizado em Brasília discutiu a liberdade de expressão e o acesso à informação como um direto humano à comunicação. Pág. 6 DEBATE – A cientista política Ana Garcia analisa os desafios da esquerda alemã diante das eleições presidenciais e traça um paralelo com o PT. Pág. 14

Enquanto as atenções se voltam para a crise, latifundiários se beneficiam com liminares que retiram suas propriedades da “lista suja” do trabalho escravo. Dos 21 excluídos, nove conseguiram o benefício este mês. A proposta de emenda constitucional que prevê o confisco das terras onde for constatado trabalho escravo está parada na Câmara do Deputados. Pág. 8

Defensor de software livre deixa governo

Caixa dois, uma prática comum entre as empresas Não há escândalos no Brasil. A menos que as jogadas furem, ou sejam descobertas. Mas a economia movida a caixa dois e sonegação de impostos movimenta bilhões, e representa quase 60% do Produto Interno

Bruto (PIB). O faturamento não declarado pelas empresas, ou caixa dois, foi de R$ 1 trilhão em 2004, mais 37% do que no ano anterior e mais 91% desde 2000. Este ano, será ainda maior. Pág. 7

20ª Romaria da Terra reúne 25 mil no PR

Sem recursos, Museu Afro-Brasil pode fechar

Pág. 5

Descontente com o ritmo de implementação das soluções de software livre nos órgãos públicos, o sociólogo Sérgio Amadeu confirma que sairá do governo, onde exercia o cargo de presidente do Instituto de Tecnologia da Informação, ligado à Casa Civil. Ele aguarda a liberação da ministra Dilma Roussef – que gostaria que ele ficasse – e diz que o governo tinha condições de fazer muito mais. Pág. 6

Pág. 16 www.agenciacartamaior.com.br

Política do FMI causa desastre na África

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efender o ministro Antônio Palocci, e seus próprios privilégios. É o que explica a reação das elites, únicas beneficiárias da atual política econômica, veiculada pela mídia empresarial. Louvação generalizada da competência de Palocci. A reação do presidente Lula foi a mesma, ao afirmar que qualquer mudança na política econômica prejudicaria os pobres. O novo elemento da crise foi gerado por denúncia de ex-secretário do então prefeito Palocci, de Ribeirão Preto (SP), segundo a qual o hoje ministro receberia comissão mensal de uma empreiteira. Porém, mesmo sob suspeita, assim como aconteceu com Henrique Meirelles, presidente do BC, o ministro foi blindado. Afinal, são poderosos os interesses que ambos privilegiam. Ruim com Lula, pior sem ele? Em coro, intelectuais e militantes de esquerda criticam a política econômica, mas descartam o impeachment do presidente. E defendem a urgência de construção de uma alternativa coesa para resistir ao neoliberalismo. Págs. 2, 3 e 4

Candidatos querem retomar princípios do PT Na série de entrevistas exclusivas do Brasil de Fato com os candidatos ao Processo de Eleições Diretas (PED) do Partido dos Trabalhadores, Markus Sokol, da chapa Terra, Trabalho e Soberania; e Maria do Rosário, da chapa Movimento PT, apresentam suas propostas e concordam que é preciso retomar os princípios que deram origem ao partido. Págs. 12 e 13


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De 25 a 31 de agosto de 2005

NOSSA OPINIÃO

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Secretária de redação: Thais Arbex Pinhata 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

A grande chance: demita Palocci!

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grande mídia, os porta-vozes dos partidos burgueses, os banqueiros e gerenciadores do sistema financeiro, os empresários e patrões – todos respiraram com indisfarçável alívio, graças ao “bom desempenho” do ministro Antônio Palocci durante uma entrevista coletiva por ele convocada, no dia 21, para responder às denúncias feitas pelo ex-assessor Rogério Buratti de que recebia R$ 50 mil por mês da empreiteira Leão Leão, prestadora de serviço de coleta de lixo de Ribeirão Preto, quando era prefeito da cidade. Repetiu-se, uma vez mais, a blindagem montada pela sagrada família dos exploradores em torno da figura de seu representante maior no governo Lula. Para eles, a economia, por enquanto, está salva. Isso significa o que todo mundo já sabe: mantém-se a política de exportação das riquezas nacionais, sob a forma do pagamento dos juros de uma dívida já mil vezes paga; mantém-se o superavit primário, às custas do desmantelamento implacável dos sistemas públicos de educação, saúde e previdência social; mantémse o sistema que garantiu, ao Banco

Itaú, o lucro recorde de R$ 2,475 bilhões no primeiro semestre de 2005, no mesmo país que conta com 54 milhões de miseráveis (segundo dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Já o Bradesco obteve, nos primeiros seis meses do ano, o maior lucro já alcançado por uma instituição bancária no Brasil: R$ 2,621 bilhões. Palocci afirma não ter praticado qualquer ato de corrupção quando exerceu o cargo de prefeito de Ribeirão Preto. Mas o problema maior não é sua vinculação ao lixo, alegada por Buratti. Longe, muito longe disso. A grande questão, aquela que a mídia esconde, é o fato de que nenhum esquema eventualmente montado no interior de São Paulo pode se comparar à prática criminosa de espoliação mensal do povo brasileiro comandada por mister Palocci. Rios de dinheiro público são carreados aos cofres privados do sistema financeiro internacional – e a isto se denomina “sólidos fundamentos da economia”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria agradecer aos

céus por uma nova oportunidade – talvez a última – de se livrar com dignidade do menino de ouro do Fundo Monetário Internacional. Deveria afastá-lo do governo – e, de quebra, também o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sobre quem também pesam graves acusações de corrupção – e mudar radicalmente a orientação de sua política econômica. Deveria fazer um pronunciamento solene à nação, proclamando que a sua soberania e o bem-estar do povo não são artigos negociáveis no mercado mundial. Serão outros tantos meses de contínua desmoralização política, combinada com a crescente miséria de milhões de trabalhadores desempregados ou subempregados que, um dia, depositaram no PT a esperança de mudar o Brasil. Será o rompimento ainda maior do que resta de tecido social, dramaticamente acelerado por falta de verbas para as necessidades básicas da nação. Lula, mais uma vez, tem nas mãos a oportunidade de cumprir o papel esperado por seus eleitores.

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES PRIVATIZAÇÃO DE FHC A privatização da Telebrás no governo Fernando Henrique Cardoso foi um dos atos mais lesivos ao interesse nacional. Substituiu um monopólio benigno por um oligopólio extremamente expoliador. Conforme bem justificou o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o objetivo do barateamento do uso do telefone foi derrotado pois milhões de pessoas que tinham telefone fixo, a fim de escapar da exorbitante cobrança da assinatura, deixaram milhões de aparelhos fixos sobrando, fugindo para o celular prépago, livrando-se assim dos altíssimos preços dos pulsos dos celulares, porém transferindo tais custos para quem elas telefonam. Por que o governo, por meio da Petrobras, com o petróleo importado aumentando todo dia, ameaças no fornecimento de gás da Bolívia, extraindo o petróleo nacional do mar profundo, pode manter o preço do gás para a população congelado há mais de dois anos e não pode deter esta sangria dos consumidores nacionais, em prol de empresas que carreiam lucros imensos para fora do país? Reny Barros Moreira São Paulo, SP O PT NO MESMO CAMINHO Enquanto Jorge Bornhausen, lá pelos idos de 1999, colocava em execução o seu projeto PFL 2000, visando construir a maior base parlamentar no Congresso, seu correligionário ACM o acusava de ter dado sumiço em R$ 50 milhões das contas do PFL, que era certamente dinheiro do fundo partidário. Não teria o” nobre” senador usado

esse dinheiro para comprar parlamentar em balaio para a construção dessa pretendida bancada? Não teria o senador vendido a R$ 200 mil cada para garantir a releição de FHC? O PT acabou por trilhar o mesmo caminho. O PFL objetivava, objetiva e objetivará sempre a acumulação de fortunas pessoais. É no PFL, onde estão as maiores fortunas amealhadas nas atividades parlamentares, vide ACM, uma das maiores fortunas da Bahia e Bornhausen, uma das maiores fortunas de Santa Catarina. Queira ou não a canalha pefelista/pessedebista admitir, mas o que está em curso é, sim, um golpe. FHC, golpista miserável. O governo Lula está pagando um preço altíssimo por não ter feito uma devassa nos oito anos de FHC. João C. Vieira por correio eletrônico

ERRAMOS Na reportagem “Chega de lavoura nociva”, publicada na edição 128, de 11 a 17 de agosto de 2005, informamos erroneamente que a Cooperfumos do Brasil, cooperativa mista de fumicultores com sede em Santa Cruz do Sul (RS), é uma iniciativa do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Sindicato das Indústrias de Fumo (Sindifumo). A iniciativa é do MPA e foi apresentada como proposta ao Sindifumo, com o objetivo de melhorar a negociação entre o produtor e a indústria.

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CRÔNICA

A degola do bode expiatório Leonardo Boff A atual crise é mais política que moral. É crise de representatividade. O povo não se sente representado por aqueles que ele elegeu. A prova é que, além da corrupção, em dois anos, 210 deputados sobre 513 mudaram de partido. Previamente a tudo, importa reconhecer o caráter precário de nossa democracia. Ela ganha contornos de farsa pois não pode haver democracia digna deste nome na qual um terço da população é excluida e oito mil famílias controlam cerca de 700 bilhões de reais, aqueles conhecidos rentistas que financiam mensalmente o governo em troca de altíssimos juros. Se elencássemos os valores da democracia como são apregoados pela retória política – liberdade, igualdade, justiça social, participação, desenvolvimento social com distribuição de renda e seguridades do cidadão – a nossa seria a sua própria caricatura para não dizer a sua direta negação. Nem falemos dos políticos. Fale por mim, Pedro Demo, sociólogo de Brasília que eu retenho por uma das cabeças mais bem arrumadas deste pais: “A maioria é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaniguados, enriquecer-se às custa dos cofres públicos e entrar no mercado por cima. Há exceções, mas que confirmam a regra. Não

tem outra vocação senão permanecer no poder. Imoral é perder a eleição. Vale tudo” (Introdução à sociologia, 330). Descrição realista, não uma caricatura. Esse ethos político é sistêmico e histórico. Muito antes do PT, foi praticado pelos partidos conservadores e liberais, pelo PSDB elitista, pelo oligárquico PFL pelo negocista PTB e outros. A investigação deixou claro que já em 1998 por ocasião da reeleição do candidato do PSDB a governador de Minas Gerais, o esquema de Marcos Valério já funcionava. Por ser sistêmico de nossa democracia de baixa intensidade e de misturança de interesses públicos com privados, o caixa dois contaminou praticamente todos os processos eleitorais. Qual foi o erro da cúpula dirigente do PT? De não ter sido alternativa, de ter-se adaptado a estes hábitos antirepublicanos. Com indignação vemos os “bandidos” de ontem, com o dedo em riste, acusando o PT como se esta corrupção sistêmica tivesse começado com ele. Se houvesse uma investigação séria na perspectiva de uma profunda reforma política, dificilmente, partidos hoje “puristas” e figurões “impolutos” escapariam da execração. O problema dos dirigentes do PT foi seu amadorismo. Deixaram marcas e assim viraram bode expiatório

sobre o qual todos hipocritamente jogam seus própros pecados para se sentirem redimidos. Como o mostrou René Girard, o mais famoso estudioso mundial do assunto (Le bouc émissaire), isso somente ocorre, se houver a degola da vítima. Na degola deve entrar o presidente senão a expiação coletiva não seria purgadora. Destarte, os “donos do poder” podem regressar livremente ao poder de Estado e continuar lá a farra dos privilégios estatuidos em direitos. Se isso ocorrer haverá uma profunda divisão na sociedade, pois milhões irão defender o mandato do presidente, tido como mandato popular, enquanto outros, em menor número, buscarão seu impeachment. Uma nação somente amadurece, ensinava Celso Furtado, quando passa por provas cruciais. Estamos passando por uma delas. Ou faremos as mudanças necessárias ou condenaremos nossa democracia a ser de baixíssima intensidade e antipopular. Chega de desperdício de oportunidades. Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É também autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos

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De 25 a 31 de agosto de 2005

NACIONAL RUMOS DA ESQUERDA

Ruim com Lula, pior sem ele? Pensadores de esquerda apontam a necessidade de construir alternativas unificadas e descartam impeachment

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s duas manifestações que tomaram Brasília (DF), dias 16 e 17, aparentemente deixaram a impressão de haver uma clara divergência dentro da esquerda brasileira, com relação ao futuro do governo Lula. No primeiro dia, militantes da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) protestaram “contra a corrupção, por mudanças na política econômica e pela reforma política”. No dia seguinte, foi a vez do Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL) e do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), entre outras entidades, saírem às ruas na “Marcha contra a corrupção, as reformas neoliberais e a política econômica de Lula/FMI” – associando a política econômica do governo às políticas do Fundo Monetário Internacional. A grande imprensa apressou-se em rotular o primeiro ato de “próLula” e o segundo, de “a favor do impeachment”. Mentira. As críticas ao governo são essencialmente as mesmas, centralizadas na política econômica neoliberal do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Os movimentos também foram incisivos nos pedidos de apuração e punição em relação às denúncias de corrupção. Na prática, os discursos diferenciam-se em um aspecto: na manifestação do dia 16, predominou a concepção do “ruim com Lula, pior sem ele”; no dia 17, o tom foi de “ruim com Lula, igual sem ele”.

quem tem o ideal socialista e a perspectiva de redução da desigualdade e da radicalização da democracia participativa não pode se contentar com o ruim apenas pelo fato de a alternativa ser pior”, afirma Chico Alencar, deputado federal (PT-RJ). De acordo com o parlamentar, essa é a administração da ambigüidade. A opinião é compartilhada por seu colega Jamil Murad (PCdoB-SP), para quem Lula deixou a desejar por tentar agradar gregos e troianos: “Ele pôs um pé no barco da mudança e o outro no da manutenção da política macroeconômica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”. Com isso, foi sendo construído um governo contraditório, capaz de quadruplicar as verbas para a agricultura familiar e não cumprir as metas de reforma agrária a que se propôs.

Ricardo Stuckert/PR

Luís Brasilino e Marcelo Netto Rodrigues da Redação

RADICALISMOS

“Um processo de impeachment transformaria Lula em vítima”, analisa o sociólogo Emir Sader

dade para criar uma alternativa ao presidente. “Existem dois eixos de poder no mundo, hoje. Um deles é o dinheiro, espelhado no modelo neoliberal. O outro são as armas, a hegemonia imperial norte-americana. E esse governo, embora não mude o programa neoliberal, em termos de política externa mantém uma postura independente”, analisa Sader. Para o sociólogo, o retorno da direita tradicional levará ao avanço da hegemonia estadunidense na América Latina. Portanto, como a esquerda não foi capaz de se unir e formar uma plataforma alternativa forte, sem Lula, o que fica, são os conservadores. Para José Maria de Almeida, presidente nacional do PSTU, não existe diferença entre o governo do Partido dos Trabalhadores (PT)

CAI NÃO CAI Emir Sader, sociólogo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), explica o primeiro raciocínio. Dez anos atrás, o Brasil já passou por uma mudança, de caráter mundial, na correlação de forças em favor da direita. O governo Lula não reverteu essa situação, nem a esquerda teve capaci-

e a direita. Zé Maria enxerga no presidente “o principal gerente dos bancos e das grandes empresas do país”. Considera o governo de direita. “Do ponto de vista da classe trabalhadora, temos, de um lado, o PT e seus satélites – PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e PSB (Partido Socialista Brasileiro) –, que querem a reeleição de Lula para continuar aplicando a política econômica do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e do PFL (Partido da Frente Liberal). De outro lado, os tucanos e pefelistas disputam as eleições para aplicar a mesma política econômica do FMI”, explica Almeida. Integrante da Consulta Popular, Ricardo Gebrim sustenta que a discussão sobre a permanência ou não de Lula no cargo torna-se um falso

A esquerda brasileira rememora, de maneira traumática, três certezas esquecidas nos últimos 20, 30 anos: que a transformação profunda da sociedade só pode ser fruto de uma luta coletiva dos trabalhadores, não advém de um só indivíduo; que a via eleitoral é um modelo falido no Brasil, na forma atual; e que o dinheiro da direita não é bem-vindo em hipótese alguma. “A derrota e a frustração com a experiência do governo Lula é a derrota de um caminho centrado na luta eleitoral institucional. Por mais dolorosa que seja esta crise da esquerda, por mais que isso nos atinja no ânimo e na disposição, por mais que a classe dominante não ofereça alternativa para o povo brasileiro, os elementos que empurram o povo para uma luta não vão ser abalados”, analisa Ricardo Gebrim, da Consulta Popular. Sem organização dos trabalhadores o país não muda, mesmo que um governo se autoproclame de esquerda, segundo o deputado federal Chico Alencar (PT-RJ): “O duro aprendizado é que, sem mobilização social, mesmo um governo eleito pela ânsia de mudança de 53 milhões de brasileiros fica prisioneiro da lógica do caminho único da economia e da governabilidade rebaixada. Não podemos criar a ilusão de que, porque um Silva está lá, a vida dos milhões de Silvas do país vai melhorar automaticamente”. Zé Maria, presidente nacional do PSTU, vai além: “Queremos construir uma terceira alternativa, classista, dos trabalhadores, que só

Valter Campanato/ABR

Importantes lições da crise

O publicitário Duda Mendonça: coordenador da campanha milionária de Lula

pode se impor a partir de um amplo processo de mobilização social que ponha para fora o governo e também o Congresso Nacional. Nem Lula, nem PT, nem PFL, nem PSDB tem autoridade moral para falar contra a corrupção”. “Sem tanto dinheiro, o Lula teria sido eleito?”, pergunta Ermínia Maricato, ex-secretária-executiva do Ministério das Cidades. “Eu preferiria que não tivesse sido. Se a gente tivesse eleito o Lula, sem o Duda Mendonça, sem esse esquema milionário, sem as alianças, mas

por causa da organização da esquerda, dos movimentos sociais, com todos os parceiros, como a Igreja. Aí, acho que poderíamos aplicar nosso programa e aguentar o tranco que viria”, complementa. Para a esquerda se unificar e romper o seu isolamento frente às camadas populares, a plataforma em comum deve ser a luta contra o neoliberalismo, na opinião do sociólogo Emir Sader: “O principal problema brasileiro é social, e é o social que não se realiza por causa da política econômica”. (LB e MNR)

debate, pois a solução independe da esquerda. “Primeiro, é um evidente equívoco tentar desencadear uma campanha pela derrubada do presidente sem sustentação em fatos concretos. Não há nenhuma força política de esquerda propondo isso. Também seria uma insanidade a defesa absoluta do governo, ainda que comprovem-se as denúncias contra ele, nem há qualquer setor da esquerda propondo isso”, elucida Gebrim.

LULA AJUDA OU ATRAPALHA Frase de impacto, “ruim com Lula” ainda não foi engolida, nem digerida por setores importantes da esquerda. “A afirmação procede na medida em que o governo ficou muito aquém das expectativas geradas na campanha. Agora,

A arquiteta Ermínia Maricato, que deixou o cargo de secretáriaexecutiva do Ministério das Cidades há cerca de um mês, denuncia o reducionismo dos raciocínios da esquerda. Ela concorda que a política econômica contraria tudo em que sempre acreditou. Segundo Ermínia, graças a um processo iniciado pelo ex-presidente Fernando Collor, a lógica neoliberal permeia toda a máquina estatal e dificulta a liberação dos recursos. Logo, o superavit é muito maior do que se imagina. “O esquema é muito mais radical do que pensávamos. Temos uma estrutura que desmonta a capacidade do Estado planejar e investir”, assinala a arquiteta. Por isso, Ermínia pergunta – “não questiono”, esclarece: qual a viabilidade de Lula permanecer na Presidência os quatro anos do mandato sem esse pacto com o capital financeiro e sem alianças espúrias? Ela acha que haveria muito conflito e muita luta, mas é impossível saber quem seria vencedor.

Esquerda também não deseja impeachment Quando o assunto é o possível impeachment do presidente, a esquerda brasileira entra em acordo – mesmo que por razões diversas. Nenhuma das correntes acredita que a queda de Lula, no momento, representaria um acúmulo de forças. Até mesmo o PSTU, visto como o partido mais refratário a Lula, é contra o impeachment. Segundo o presidente do partido, Zé Maria,“com a saída de Lula, ou mesmo com José Alencar, assumiria algum político do PSDB ou do PFL eleito pelo Congresso Nacional, pois a Câmara teria 90 dias para eleger indiretamente um presidente”. Para Zé Maria, não é possível mudar a política econômica de fato e acabar com a corrupção sem afastar o governo juntamente com o Congresso Nacional. “Não há saída para os trabalhadores por dentro da institucionalidade da democracia burguesa. Por isso, somos contra o impeachment e contra antecipar as eleições – que promoveriam uma outra fraude, uma vez que a eleição, em nosso país, é controlada pelo poder econômico”.

TÁTICA ERRADA Ricardo Gebrim, da Consulta Popular, sustenta que a esquerda perde tanto se Lula cair, quanto se ele for sangrado até o final do mandato. “Gostando ou não, a figura de Lula representa o centro da tática da esquerda nos últimos 20 a 30 anos. O desgaste de Lula e do PT atinge toda a esquerda,

inclusive a não petista, ou não vinculada ao PT, ou até a que se opõe ao PT. Nisso, a mídia aproveita a situação para desqualificar a esquerda como um todo”. Aliado do governo, Jamil Murad, do PCdoB, defende o mandato do presidente, que, em sua opinião, “pertence, pelo menos parcialmente, ao povo. Não é propriedade do presidente, nem do PT. É dos setores populares, dos movimentos sociais. Mesmo sem um contrato formal”.

VÍTIMA A tese levantada pelo sociólogo Emir Sader pode ser encarada como a explicação mais pragmática do porquê os adversários de Lula na esquerda não quererem que ele sofra o impedimento, além das razões já citadas. Segundo Sader, “um processo de impeachment acentuaria o apelo popular em relação a Lula, transformando-o em vítima”. Assim, o mito Lula se manteria vivo por mais tempo do que o desejado pela esquerda, e também pela direita. “Tanto que, quando a direita tradicional se deu conta de que consegue baixar a popularidade de Lula, e as pesquisas lhe dão esperança, ela começa a retirar o tema impeachment. O impeachment é só uma ferramenta de desgaste. Não para efetivamente realizar, mas para mostrar que Lula está no limite, que tem a possibilidade de ser desqualificado”, completa Sader. (LB e MNR)


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De 25 a 31 de agosto de 2005

NACIONAL REFORMA AGRÁRIA

20ª Romaria da Terra reúne 25 mil Rogério Nunes de Curitiba (PR)

Divulgação

Para denunciar os efeitos nocivos do agronegócio, romeiros fazem ato cultural e político no Paraná

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erca de 25 mil pessoas participaram, dia 21, da 20ª Romaria da Terra do Paraná, realizada no município de São Pedro do Ivaí, região Norte do Estado. O evento teve como objetivo, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), denunciar as conseqüências negativas do modelo de agricultura chamado de agronegócio: “Esse é um novo rótulo que tenta disfarçar a velha face do latifúndio”, declarou dom Ladislau Biernaski. Durante a manhã, os romeiros se reuniram na cidade, num portal em forma de casa, representando as antigas casas dos moradores do município. O cenário da celebração também contava com uma grande árvore enfeitada com diversos frutos e flores (a árvore da biodiversidade), da qual saía um rio. Durante o ato, foi representada a sacralidade da terra e a sua profanação. Um dos pontos altos foi a entrada em cena de uma máquina representando o agronegócio: a máquina destruiu o cenário, derrubou a árvore, expulsou as pessoas, destruiu as plantações e assoreou o rio. Um trator com veneno também foi usado para denunciar o uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras de canade-açúcar da região. Um ônibus trouxe assalariados rurais, que plantaram simbolicamen-

Romaria da Terra denuncia as conseqüências negativas do agronegócio no Paraná e em outras partes do país

te cana na terra, enquanto um trabalhador denunciava as violações de direitos trabalhistas e perseguições sofridas pelos trabalhadores. Por volta das 11 horas, a multidão caminhou entre os canaviais até uma propriedade rural de onde se avistava a

Usina de Açúcar e Álcool e as plantações de cana da região. Durante a caminhada, num momento de muita emoção, os romeiros plantaram uma cruz de cedro com um pedaço de um braço dos tratores que recolhem a cana depois de colhida.

Daniel Cassol de Porto Alegre (RS) Após três dias de ocupação nos prédios do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Gabinete da Reforma Agrária e Cooperativismo (Grac) do governo do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) conseguiu firmar um termo de compromisso em que Estado e União se comprometem a “agilizar a aplicação de todas as possibilidades de obtenção de recursos fundiários previstos na legislação vigente”. O assentamento de pouco mais de cem famílias no Rio Grande do Sul, desde 2003, levou os cerca de 400 trabalhadores sem-terra a ocupar os prédios do Incra e do Grac, dia 16. A mobilização dos trabalhadores fez com que o presidente nacional do Incra se deslocasse até Porto Alegre para apresentar alguma proposta ao MST. As famílias desocuparam o prédio pacificamente, no dia 18. Um dos principais pontos do compromisso é a formalização de um novo convênio entre Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Incra e Grac. O governo federal repassaria R$ 10 milhões ao governo do Estado para aquisição de

Leonardo Melgarejo

Nova promessa no Rio Grande do Sul

Trabalhadores rurais sem-terra gaúchos ocupam sede do Incra, em Porto Alegre

terras. O MST avalia com cautela a nova promessa, uma vez que um convênio de R$ 13 milhões, repassado pelo Incra ao Grac em 2004, ainda não foi executado. “As promessas não são totalmente satisfatórias, mas pelo menos apontam uma luz para agilizar a reforma agrária no Estado”, diz Mauro Sibulski, da coordenação estadual do movimento. Os demais pontos do acordo tratam da criação de uma força-tarefa de funcionários do Incra e da avaliação de imóveis da Embrapa, do Banco do Brasil e da União. “Houve um compromisso maior por parte do Incra. O que nos falta acertar

é no Estado, que entrou apenas com o nome para receber o recurso do convênio”, conclui Sibulski. “Firmamos um compromisso muito importante, que resultou na saída pacífica do movimento e no avanço do processo de reforma agrária do RS”, afirmou o presidente nacional do Incra, Rolf Hackbart. Para o secretário do Grac, Vulmar Leite, a responsabilidade maior é do Incra: “O Estado reconhece as dificuldades e se mantém aberto ao diálogo e à cooperação na compra de terras, mas é preciso lembrar que há uma limitação legal e uma prioridade do Incra nesse processo”.

Encontro discute restrição ao consumo e ao cultivo de tabaco na América Latina Lideranças políticas de países da América Latina – entre as quais o presidente da República do Uruguai, Tabaré Vazquez, e o ministro da Saúde e Ambiente da Argentina, Ginés Gonzaléz Garcia – estiveram reunidas, dias 17 e 18, em Buenos Aires (Argentina) para a Jornada Internacional sobre Legislação para o Controle de Tabaco. Foram debatidas medidas de restrição do consumo, nas quais o Brasil foi considerado um exemplo. Também ressaltou-se a importância de legislações como a que proíbe fumar em

Ocupações pedem agilidade do governo Tatiana Merlino da Redação

FUMO

Aline Gonçalves de Curitiba (PR)

A celebração foi encerrada por volta das 15h30, com a distribuição de 300 quilos de doce oferecido como memória de que o açúcar deve ter um gosto agradável e não amargo, como tem sido até agora. Os doces também lembraram a festa

locais de trabalho e em veículos de transporte coletivo, e a publicação de alertas nas carteiras de cigarro. Na Jornada, o deputado federal Adão Pretto (PT-RS) defendeu a ratificação da Convenção Quadro do Tabaco pelo governo brasileiro: “A ratificação é importante para que sejam criadas mais políticas públicas para incentivar os agricultores a fazer a conversão das lavouras e investir na produção de alimentos”. A ratificação da Convenção Quadro garantirá que o Brasil participe de discussões e acordos internacionais em defesa dos interesses e das condições de trabalho dos pequenos agricultores. O Brasil tem até o

início de novembro para aprovar a Convenção na Câmara dos Deputados e no Senado. Porém, a Associação de Fumicultores do Brasil (Afubra), uma das organizadoras do evento, é contrária à assinatura do documento internacional, alegando que a ratificação vai diminuir os postos de trabalho criados pela cadeia produtiva do fumo. Ao final do encontro na Argentina foi proposto um novo evento, em Porto Alegre, para dar continuidade às discussões, uma vez que na Região Sul do Brasil existe aproximadamente 180 mil produtores, somando em torno de 96,41% da produção de fumo nacional.

dos 20 anos das Romarias da Terra e de 30 anos da própria CPT. Na 20ª Romaria da Terra do Paraná, as vozes dos milhares de romeiros foram um grande alerta sobre as inúmeras conseqüências negativas do modelo agrícola/ agrário, chamado agronegócio, e da urgência da efetivação de um outro modelo para o campo, que preserve os recursos naturais, respeite a diversidade cultural, a diversidade biológica e genética, o conhecimento tradicional dos agricultores, que efetive a reforma agrária. O agronegócio, mais uma vez profana a terra e os elementos sagrados do povo do campo: a cruz que foi plantada como marco da passagem da Romaria da Terra por São Pedro do Ivaí foi arrancada na madrugada do dia 22, horas depois do final da Romaria. As lideranças da comunidade local reagiram com profunda indignação, considerando o ato um grande desrespeito aos milhares de romeiros que participaram da romaria. A cruz de cedro é um símbolo que acompanha as Romarias da Terra há vários anos. Simboliza o projeto de vida que se contrapõe ao projeto de morte, uma vez que a cruz brota, em poucos meses, e se torna uma árvore – sinalizando a vida. É um símbolo presente em várias cidades por onde a romaria passou.

O descaso dos governos federal, estadual e municipal com o processo da reforma agrária continua mobilizando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em todo o país. Na Bahia, 300 trabalhadores ocuparam, dia 22, a prefeitura de Arataca, no sul do Estado. De acordo com Evanildo Costa, da direção estadual do MST, o objetivo é reivindicar a implementação de políticas públicas de saúde e educação para os assentamentos da região: “Estamos tentando desde o início do ano fazer uma discussão com a prefeitura, mas não fomos atendidos”. Até o fechamento desta edição, dia 23, o prefeito não havia recebido os manifestantes e, segundo Costa, mobilizou a Polícia Militar para enfrentar os trabalhadores. As prefeituras dos município de Camacan e Eunápolis, também no sul do Estado, foram ocupadas por 400 trabalhadores, pela mesma razão – reivindicações não atendidas. “Além de não garantir políticas públicas para os assentamentos e acampamentos, as prefeituras tratam os sem-terra com muito preconceito”, afirma Costa, que avisa: o movimento irá ocupar mais prefeituras até o final do mês, caso não atendam às reivindicações dos trabalhadores.

MOROSIDADE DO INCRA O MST também ocupou fazendas nos municípios de Itabeja, Itamarajú, dia 8; Iramaia e Nova Redenção, dia 10, em protestos contra a morosidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em vistoriar as áreas que já foram consideradas improdutivas. Em Santa Catarina, 150 famílias de trabalhadores ocuparam, dia 22, 600 hectares de propriedade da empresa Agrícola Fraiburgo, no município de Fraiburgo, meio-oeste do Estado. De acordo com Dirceu Pelegrino, da direção estadual do movimento, na área,

que é improdutiva, “arrendatários estão desmatando a nascente do rio e fazem cultura de pinus, que resseca o solo”. De acordo com o líder do MST, a área da fazenda tem mais de 1000 hectares improdutivos, “parte já vistoriada pelo Incra”. A ocupação foi pacífica, e o movimento prevê a chegada de mais 300 famílias. “Queremos pressionar o governo para agilizar a desapropriação de áreas para serem assentadas. O trabalho do Incra é moroso e há falta de pessoas na equipe técnica”, lembra Pelegrino.

SALDO POSITIVO Em São Paulo, cerca de 740 famílias sem-terra encerraram, dia 17, a Jornada de Lutas do Estado com um saldo positivo. Apesar das ameças de 20 jagunços que dia 11 foram à fazenda ocupada Santa Rita, de 13 mil hectares, em Mirante do Paranapanema, a jornada conseguiu a retomada das vistorias nas áreas suspeitas de grilagem. Durante a ocupação, os militantes restabeleceram o diálogo com o poder judiciário, por meio de juíza de Mirante do Paranapanema, que concedeu a execução de vistorias na Santa Rita e prorrogou por mais dez dias o prazo da reintegração de posse da área, inicialmente marcado para dia 15. A fazenda ocupada pelas famílias durante a Jornada está entre os pedidos de vistoria feitos pelos acampados. “Durante o governo de Fernando Henrique fizeram uma vistoria “maquiada” na fazenda Santa Rita e o laudo apresentado considerava a área como produtiva, mas nós temos certeza de que é mentira. Por isso, solicitamos uma nova vistoria”, afirma Márcio Barreto, da direção estadual do MST. Outra área reivindicada pelo MST fica entre Presidente Prudente e Rancharia. Nesse trecho há um acampamento com 400 famílias que, desde maio, ocupou a Fazenda São José. O MST exige vistoria da área. (Colaborou Gissela Mate, de São Paulo, SP)


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De 25 a 31 de agosto de 2005

NACIONAL MAIS UM RECUO

Golpe contra o software livre

Hamilton Octavio de Souza

Sérgio Amadeu garante que sai do governo e que já pediu demissão à ministra Dilma Roussef

Notícias policiais Quando o governo federal achava que a crise estava sob controle e que poderia comemorar os números da economia (saldo comercial positivo, redução da dívida, inflação baixa), o advogado Rogério Buratti, ex-assessor de Zé Dirceu e de Palocci, jogou mais lenha na fogueira, denunciou o suposto caixa dois do PT, obtido com as concessionárias de lixo e falou do dinheiro do bingo (leia-se bicheiros e outros contraventores) para a campanha eleitoral de Lula. Dúvidas petistas Por mais que a crise esteja sendo explorada pela direita e pela imprensa empresarial, inúmeros fatos indicam o desvio político da cúpula do PT e do Campo Majoritário. Algumas respostas são necessárias: o que o deputado José Mentor escondeu na CPI do Banestado? Por que Paulo Okamotto pagou dívida de Lula que o ministro Jacques Wagner diz que não existia? Um partido que se envolve com doleiros, bicheiros e contas em paraísos fiscais está no caminho certo? Mudança urgente A última Assembléia Geral da CNBB, em Itaici, aprovou proposta no sentido de pressionar o Congresso Nacional para ampliar o prazo de alteração das regras eleitorais de 2006, passar de um ano para seis meses antes do pleito. A justificativa é permitir que a sociedade tenha mais tempo para debater e apresentar alternativas. Agora falta a iniciativa de deputados e senadores para mudar o prazo, caso contrário ficará valendo dia 30 de setembro. Dinheiro perdido Poderosos na captação de recursos públicos e dos trabalhadores, os fundos de pensão das empresas estatais não apenas se tornaram importantes investidores nas últimas décadas, pivôs no processo de privatização, mas também “entidades” impunes por operações suspeitas, mal esclarecidas ou mesmo altamente danosas aos seus contribuintes. Perderam fortunas na falência do Banco Santos e nada fizeram para apurar e punir os responsáveis pelo prejuízo. Cães raivosos Depois de passar um tempo no ostracismo e nas sombras, os setores mais atrasados da direita – o lumpesinato do conservadorismo – voltou a ganhar espaço nos meios de comunicação, em especial nas sessões televisivas das CPIs do Congresso Nacional. Agora, os “300 picaretas” se aproveitam da fragilidade do governo e da bancada do PT para bater pesado nas esquerdas – em tudo que podem. É o retrato mais autêntico de que o Brasil não mudou nada. Pizzaria financeira A Justiça Federal começou a ouvir esta semana, finalmente, os 19 indiciados pela falência do Banco Santos, ocorrida em outubro do ano passado. Eles são acusados de formação de quadrilha, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e manutenção de contas ilegais no exterior. Se condenados, podem pegar de oito a trinta anos de prisão. Alguém já ouviu falar de banqueiro na cadeia?

Bel Mercês da Redação

para manter aprisionado o usuário do setor público no modelo proprietário”, afirma o presidente demissionário do ITI. Ele conta que chegou a propor um decreto presidencial, uma regra que inverteria o padrão de compras de software. O governo deixaria de comprar sem ter acesso ao código fonte e a quatro liberdades: usar, estudar, melhorar e redistribuir. E esse decreto, segundo ele, não seria tão impositivo: “Falaria que a compra agora é assim, mas o ministro pode autorizar, mediante uma justificativa, que se compre o proprietário”. Claro, a proposta não emplacou. Um dos principais oponentes das políticas de Sérgio Amadeu dentro do governo foi Marcelo Lopes, da Secretaria de Política de Informática, do Ministério de Ciência e Tecnologia.“Ele tirou do programa dos fundos setoriais a implementação do software livre, porque é uma pessoa que não acredita no padrão aberto. Ele acha que fazer política de software é fazer política de licenças”, rebate Amadeu.

D

epois de muitas especulações na mídia geral e especializada, o sociólogo Sérgio Amadeu confirma sua saída do Instituto de Tecnologia da Informação (ITI), órgão ligado à Casa Civil. Ele só espera que a ministra Dilma Roussef o libere, embora ela tenha manifestado que gostaria que ele ficasse à frente do ITI. Amadeu sai descontente com o governo e com o ritmo de implementação das soluções em software livre nos órgão públicos, além do enfraquecimento de políticas de incentivo a plataformas abertas. “Não tenho condições de ficar. Eu saio e estou admitindo que esse governo tem um problema muito sério nas áreas onde tem de fazer mudanças. O software livre não teve apoio dentro do governo, principalmente no próprio Ministério do Planejamento, onde deveria ser o foco de todas as mudanças. Na verdade, lá é o foco dos conservadores”, afirma. A seu ver, “havia condições tecnológicas de fazer muito mais”. O sociólogo ressalta que deve haver recursos no orçamento e um programa claro de combate ao lobby das empresas de sistemas proprietários. “Esse lobby é gigantesco. Tem gente contratada na própria administração pública para trabalhar nas empresas de software proprietários. Isso é complicado”. Amadeu alega que há um esforço de dois anos de trabalho para inserir investimentos em software livre na revisão do plano plurianual do governo. “Os esforços que nós estamos fazendo são muitas vezes desarticulados, porque a política não é normatizada e porque não tem recursos financeiros”, diz.

CASA BRASIL O programa Casa Brasil, menina dos olhos de Amadeu, também foi abalado por um brusco corte de verbas. “Nós conseguimos aprovar uma parte, no final do ano passado, no Congresso. Seriam R$ 204 milhões para o projeto. Mas, devido à política econômica e fiscal do governo, ele foi contigenciado em 90%”, afirma o sociólogo. O Casa Brasil visa a capacitação das comunidades mais carentes para a sociedade da informação, assegurando seus direitos de se comunicar em rede. É um projeto modular, que reunirá um telecentro, um espaço multimídia, uma sala de leitura, um pequeno auditório e oficinas de montagem de computadores. Além de capacitação para radiodifusão comunitária. O edital para seleção de entidades interessadas em participar do projeto se encerrou dia 22 , e as 90 unidades

DECRETO “Precisamos de uma norma que inverta o padrão de compras do governo e que seja capaz de enfrentar aquele lobby. Tudo é feito

“A política de software livre do governo é irreversível”, garante Sérgio Amadeu

da Casa Brasil serão implementadas em áreas de maior densidade populacional das capitais brasileiras.

COMO FICA? “A política de software livre do governo é irreversível”, garante Amadeu. Ele acredita que, mesmo em ritmo desacelerado, o trabalho continuará sendo feito. “ A Dilma vai dar andamento, e dentro do que for sua atribuição concreta, vai conseguir fazer as coisas”, afirma. Ele alega que o software livre não depende de governo do PT, e

lembra que Delúbio Soares comprou software para os secretários do partido, num acordo com a MicrosSoft. “Aliás, é uma das dívidas que ele tem”. Assim que sair, definitivamente, Sérgio Amadeu pretende se dedicar à capacitação de usuários residenciais e entidades. “E vou voltar a dar aula, sou professor. Também vou fazer uma coisa que não estava em condição de fazer dentro do governo, que é uma campanha contra os transgênicos, contra as patentes sobre a vida. Agora, me aguardem!”

DIREITOS HUMANOS

Comunicação, pauta da sociedade civil Rogério Tomaz Jr. de Brasília (DF) As liberdades de imprensa e de expressão, assim como o direito à informação, não esgotam as dimensões do direito humano à comunicação. Em outra perspectiva, a disputa no campo das políticas de comunicação não se resume à mídia, e muito menos ao seu conteúdo. Estas foram as principais conclusões a que chegaram os cerca de 300 participantes do 1º Encontro Nacional de Direitos Humanos, realizado em Brasília, nos dias 17 e 18. No evento, foi debatido o tema “Direito humano à comunicação: um mundo, muitas vozes”. Na abertura, foram homenageados diversos defensores de direitos humanos assassinados nas últimas décadas, como Chico Mendes, Margarida Alves, Dorothy Stang, Santo Dias, entre outros. O ato serviu também para divulgar a campanha pelo desarmamento e pelo voto “sim” no referendo do dia 23 de outubro, sobre o fim do comércio de armas de fogo no país. “As entidades que participam desse encontro estão todas engajadas na luta pelo desarmamento”, disse Ivônio Barros, coordenador do Forum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FENDH). O debate de abertura focalizou a trajetória histórica do conceito de direito à comunicação, que ganhou notoriedade a partir do Relatório MacBride, publicado em 1980 pela Unesco. O documento, formulado

foi dar prioridade ao debate nas entidades de direitos humanos em geral sobre o significado e a importância da democratização do acesso à comunicação e à informação. O tema se relaciona com a atividade de todos os segmentos da sociedade civil organizada, principalmente pela posição de destaque ocupada pela mídia no mundo”, afirmou.

José Cruz/ABR

Aliados assustados Após as denúncias contra o ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, ficou evidente que a blindagem da política econômica – e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles – não é obra apenas do Palácio do Planalto, mas também dos empresários da Fiesp, dos políticos do PSDB, dos banqueiros e dos credores internacionais. Os verdadeiros aliados e sustentadores do governo temem que a crise acabe afetando os seus negócios e os seus privilégios.

Lalo de Almeida/ Folha Imagem

Fatos em foco

AÇÕES

Encontro discute comunicação como direito humano

por uma comissão internacional que analisou durante vários anos os problemas da comunicação, é referência até hoje para o tema de políticas públicas de comunicação.

os direitos humanos à alimentação adequada, água e terra rural, julga como insuficientes as ações do governo na área e considera natural o descontentamento das entidades.

DESCONTENTAMENTO

SEM RECURSOS

Nos painéis e grupos de trabalho (GTs) foram discutidos inúmeros temas do movimento de direitos humanos, como gênero, raça e etnia, educação em direitos humanos, implementação dos tratados internacionais de direitos humanos, implementação dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais, combate à tortura e violações de direitos humanos na mídia. As principais polêmicas ocorreram no GT sobre avaliação de políticas públicas de direitos humanos, onde governo e sociedade civil apresentaram pontos de vista divergentes. Flávio Valente, relator nacional para

“A Secretaria Especial de Direitos Humanos foi muito tímida no trabalho de monitoramento, sobretudo dos direitos econômicos sociais e culturais. Além disso, o governo alocou recursos irrisórios, o que impediu o funcionamento efetivo dos seus programas”, declarou Valente. João Brant, integrante do Intervozes e da coordenação da CRIS Brasil, articulação pelo direito à comunicação, avaliou positivamente o evento. “Só o fato de o Encontro ter esse tema já foi fundamental.” Ivônio Barros concorda com a avaliação. “Um ponto forte do evento

Ao final do encontro, foi aprovada a Carta de Brasília, contendo a síntese das principais reflexões e posicionamentos da sociedade civil surgidos no Encontro, como a exigência do retorno do status de ministério para o órgão de Direitos Humanos do governo federal. A Carta está disponível no portal do FENDH. Inúmeras ações de promoção e defesa do direito humano à comunicação vão ocorrer neste semestre. A CRIS Brasil vai realizar uma campanha nacional sobre o tema. As entidades da CRIS e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) vão realizar, em outubro, a terceira edição da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, criada pela Enecos (Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social) em 2003. A “Quem financia a baixaria é contra a cidadania” vai organizar o Dia Nacional contra a Baixaria na TV, no dia 9 de outubro. Em novembro vai acontecer, em Túnis, capital da Tunísia, a segunda e decisiva etapa da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação.


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NACIONAL SONEGAÇÃO

Mais de R$ 1 trilhão em caixa dois Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

Agência Brasil

Empresas sonegaram quase R$ 200 bilhões em 2004, mais de duas vezes o valor dos impostos sonegados em 2000

N

ão há escândalos no Brasil. A afirmação parece contraditória, ingênua até, diante da recente cascata de denúncias de corrupção e fraudes. Mas só à primeira vista. Na verdade, os escândalos, neste país, referem-se apenas a manobras e jogadas que não deram certo ou foram descobertas pela imprensa, procuradores e polícia. A economia subterrânea, movida a caixa dois e sonegação de impostos, movimenta bilhões, todos os anos, e já representa praticamente 60% de todas as riquezas que os brasileiros e suas empresas produzem anualmente. Um retrato mais próximo dessa economia foi detalhado na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), uma instituição criada em dezembro de 1992 para estudar e acompanhar o sistema tributário, combater o arrocho fiscal contra os contribuintes e difundir práticas legais de cobrança e recolhimento de impostos. O “Estudo sobre a Sonegação Fiscal” mostra, por exemplo, que o faturamento não declarado pelas empresas, mais conhecido como caixa dois, chegou a praticamente R$ 1,029 trilhão no ano passado, equivalente a mais de 58% do Produto Interno Bruto (PIB). Em relação a 2003, quando movimentou R$ 748,4 bilhões, o caixa dois engordou mais de 37%, acumulando, desde 2000, um salto de 91%. Neste ano, projeta o IBPT, o faturamento não declarado pelas empresas deve crescer mais 8%, passando a R$ 1,112 trilhão – nada mais, nada menos do que 106% acima dos R$ 539 bilhões movimentados em 2000, segundo dados projetados pelo Instituto com base em seu primeiro estudo sobre o assunto, realizado em 2002. Na versão atual, o IBPT analisou a contabilidade de 7.437 empresas (1.285 de pequeno porte, 3.905 empresas médias e 2.247 grandes), cruzando os dados encontrados com a movimentação bancária das mesmas empresas, apurada a partir do recolhimento da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

OS NÚMEROS O faturamento declarado limitou-se a pouco menos do que R$ 2,6 trilhões, o que significa dizer que quase 30% da receita total das empresas, incluindo os valores não declarados, circulou por baixo dos panos, nas sombras do sistema tributário, impulsionando a sonegação de impostos, movimentando a indústria de fraudes. Com os números em mãos, o IBPT calculou o valor dos impostos que as empresas deixam de pagar, ao realizar vendas sem notas fiscais, recorrendo a notas frias e outros expedientes igualmente ilegais. E os números impressionam, pela dimensão e pelo seu rápido incremento. Apenas no ano passado, os cofres públicos deixaram de receber R$ 191,7 bilhões, o equivalente a pouco mais de 30% de toda a arrecadação conjunta da União, Estados e municípios. Corresponde, ainda, a 11% do PIB, ou seja, quase 11% de todas as riquezas que os brasileiros e suas empresas produziram em 2004. Houve um crescimento de 47% na comparação com 2003, quando a sonegação teria atingido R$ 131 bilhões nas contas do IBPT. Desde 2000, quando R$ 85 bilhões em impostos deixaram de ser pagos, a sonegação cresceu incríveis 126%, enquanto o total de riquezas do país aumentou 60% em termos nominais (quer dizer, em números não atualizados de acordo com a inflação do período). Neste ano, o IBPT prevê que

Economia à base de caixa dois e sonegação de impostos movimenta bilhões e representa praticamente 60% de toda riqueza produzida por ano

CAIXA DOIS AVANÇA...

...E ESTIMULA SONEGAÇÃO

Faturamento não declarado pelas empresas, ano a ano, em R$ bilhões

Quanto as empresas deixam de pagar aos governos, ano a ano, em R$ bilhões

Período

Caixa dois

Variação (%)

PIB*

Caixa dois/PIB (%)

Período

Caixa dois

Variação (%)

PIB*

Caixa dois/PIB (%)

2000

539,10

-

1.101,0

48,96

2000

85,04

-

1.101,0

7,72

2001

587,70

9

1.199,0

49,02

2001

97,23

14,3

1.199,0

8,11

2002

676,22

15,1

1.346,0

50,23

2002

114,60

17,9

1.346,0

8,51

2003

748,35

10,7

1.556,0

48,09

2003

130,51

13,9

1.556,0

8,39

2004

1.028,65

37,4

1.767,0

58,23

2004

191,74

46,9

1.767,0

10,85

2005**

1.112,50

8,2

ND

ND

2005**

219,65

14,6

ND

ND

(*) Valores arredondados

(**) Estimativa

ND =não disponível

Fontes: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)/Ministério da Fazenda

R$ 220 bilhões (15% mais do que em 2004) deixarão de ser recolhidos pelas empresas. O valor seria suficiente para pagar seis vezes e meia o (alegado) rombo da Previdência, que nas contas suspeitas da equipe econômica poderá superar os R$ 34 bilhões.

DESPESAS SOCIAIS O valor representa 88% de todos os gastos com programas sociais realizados em 2004, estimados pelo Ministério da Fazenda em R$ 249 bilhões. Mais: se o pagamento daqueles impostos fosse exigido, o

setor público conseguiria zerar o seu rombo, sem a necessidade de qualquer aumento de impostos ou corte de gastos. Na verdade, haveria até sobra de recursos, permitindo a retomada de investimentos vitais para a economia, que hoje têm sido postergados para que o governo honre despesas com juros. Na prática, a sonegação acaba reduzindo o peso dos impostos para as empresas, de um lado, e penalizando todo o restante dos contribuintes, que passam a suportar uma carga de tributos mais pesada do que deveriam.

O comércio no topo do ranking O estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) aponta fortes indícios de sonegação fiscal em 29,5% das empresas pesquisadas, diante de 27,5% no levantamento de 2002. Houve, portanto, um avanço de praticamente 7% no índice de sonegação, prática liderada pelo comércio, o número 1 no ranking da sonegação. Entre 2002 e 2004, o percentual de empresas comerciais com indícios de fraude fiscal passou de 29% para 31%, diante de um avanço de 26% para 27% entre as indústrias. Exceção à regra, o setor de serviços registrou um recuo na sonegação, de 26% para 22% das empresas pesquisadas. A redução se explica, segundo o IBPT, pela decisão do governo federal de determinar, a partir de fevereiro de 2004, a retenção na fonte das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS), para o financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), devidas por empresas e bancos. O recolhimento na fonte, feito pela empresa que contrata a prestação do serviço, reduz as chances de sonegação, assim como ocorre com o pagamento antecipado do Imposto de Renda sobre os salários.

O IBPT analisou, ainda, os níveis de sonegação por tipo de imposto, numa avaliação que coloca a Previdência na liderança absoluta, em termos proporcionais. Quase 30% das empresas deixaram de recolher ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a contribuição descontada de seus empregados, num caso clássico de apropriação indébita.

ASSALTO Em bom português, um assalto feito pelos sonegadores contra os assalariados, já que a contribuição ao INSS foi descontada dos salários, mas não foi recolhida à Previdência. Houve um aumento de 40% no percentual de sonegadores, nesta área, já que, em 2002, o Instituto havia observado indícios de desvios em 21% das empresas. Considerado como um tributo à prova de desvios, mesmo o imposto do cheque – conhecido oficialmente como Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) – vem sendo sonegado, com a colaboração dos bancos, responsáveis por seu recolhimento final ao governo. Até 2002, apenas 7% das empresas deixaram de pagar a CPMF devida. Esse percentual saltou 54%, para 11% das empresas no ano passado. (LVF)

(*) Valores arredondados

(**) Estimativa

ND =não disponível

Fontes: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)/Ministério da Fazenda

O FIM DO ROMBO Valor dos impostos sonegados mais do que compensa déficit de todo o setor público, em R$ bilhões Período

Sonegação

Déficit nominal*

Sobra de recursos

2000

85,04

39,81

45,23

2001

97,23

42,79

54,44

2002

114,60

61,61

52,99

2003

130,51

79,03

51,48

2004

191,74

47,14

144,60

Total

619,12

270,38

348,74

(*) Déficit nominal = receita total do setor público menos despesas totais, incluindo gastos com juros da dívida pública federal, estadual e municipal Fontes: IBPT/Banco Central do Brasil

É hora de acabar com os sacrifícios A onda conservadora que contamina todas as decisões da equipe econômica, reforçada neste momento de crise política, ameaça produzir mais arrocho, conforme este jornal havia antecipado. Pretende-se zerar o déficit do setor público via novos cortes de despesas, a pretexto de preservar a estabilidade na economia. O estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que o combate à sonegação pode trazer ganhos mais imediatos e a custos mais baixos para a economia em geral e para o contribuinte, em particular. Uma redução nos níveis de sonegação identificados pelo Instituto teria como efeito mais óbvio um aumento na arrecadação, abrindo espaço para o governo reduzir o peso dos impostos sobre todos os contribuintes. Como vantagem adicional, poderia ser dispensado o recurso a novas reduções de despesas, poupando investimentos públicos. Os números levantados pelo IBPT sugerem que essa possibilidade não deveria ser desprezada pela equipe econômica. Entre 2000 e 2004, deixaram de ser recolhidos aos cofres do governo perto de R$ 619 bilhões, conseqüência da sonegação pura e simples. Em igual período, já incluídos os gastos com os juros da

dívida, as despesas totais do setor público superaram as receitas em R$ 270 bilhões, de acordo com o Banco Central.

ALTERNATIVA Este valor corresponde ao déficit nominal dos governos federal, estaduais e prefeituras. Se, por hipótese, o governo conseguisse recuperar todos os impostos sonegados, o rombo desapareceria e ainda haveria uma sobra de recursos equivalente a R$ 345 bilhões – o que significa 55% de toda a arrecadação de impostos registrada no país em 2004 (R$ 634 bilhões). Governo e especialistas alegam, com alguma razão, que não se pode contar com a redução dos índices de sonegação a zero. Entretanto, a simples redução pela metade dos números encontrados pelo IBPT já seria o suficiente. Nos últimos cinco anos, esta diminuição teria ampliado a receita de impostos em quase R$ 310 bilhões, R$ 39 bilhões a mais do que o rombo do setor público. Em 2005, por exemplo, o IBPT projeta uma sonegação de R$ 220 bilhões. Bastaria reaver 24% desse valor para compensar o déficit esperado (alguma coisa ao redor de R$ 52 bilhões a R$ 53 bilhões), sem novos sacrifícios ao país. (LVF)


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NACIONAL TRABALHO ESCRAVO

Fazendeiros saem de “lista suja” Leonardo Sakamoto de São Paulo (SP)

A

crise gerada pelas denúncias de corrupção no governo federal concentrou as atenções da imprensa e da opinião pública nas lentes da TV Senado, em que são transmitidos os debates das CPIs. Ao mesmo tempo, a instabilidade política e a sensação de enfraquecimento do poder executivo ajudaram a criar um cenário propício para que certas ações – que sofreriam grande resistência da sociedade civil e de entidades governamentais – acontecessem. Isso foi constatado pelo aumento significativo de liminares concedidas pela Justiça para que fazendeiros fossem suspensos da “lista suja” do trabalho escravo. Dos 21 empregadores excluídos, 9 conseguiram o benefício agora em agosto – época de depoimentos quentes e manchetes bombásticas. Essa relação de empregadores flagrados com trabalho escravo existe desde novembro de 2003 e tem servido para impedir empréstimos bancários, checar a legalidade dos títulos de propriedade e identificar as cadeias produtivas. Vale lembrar que as primeiras liminares para suspensão da “lista” foram concedidas pela Justiça no final de 2004, aproveitando o recesso para as festas de final de ano. As quatro atualizações da “lista suja” do governo federal foram divulgadas nos meses de novembro de 2003, junho de 2004, dezembro de 2004 e julho de 2005. Ao todo, contando com os nomes retirados por liminar, são 188 empregadores relacionados. A “lista suja” traz propriedades que se localizam em Ron-

Marcello Casal Jr./ ABR

No vácuo da crise nacional, elites angariam benefícios sem chamar atenção da opinião pública

Polícia Federal fiscaliza fazenda no sul do Pará: o combate ao trabalho escravo sofreu com a crise política e ficou fora dos holofotes da grande mídia

dônia, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Dos 21 excluídos, 17 liminares foram obtidas na Justiça Federal e quatro na Justiça do Trabalho. A Advocacia Geral da União está recorrendo desses casos.

NAS FÉRIAS A recordista de liminares é a Justiça Federal em Marabá (PA), com 11 – todas concedidas pelo juiz substituto Francisco de Assis Castro Júnior, sendo que boa parte das nove exclusões provisórias foi autorizada por ele. Castro Júnior cobre as férias

do juiz federal titular, que, ao contrário dele, não tem atendido à solicitação de fazendeiros e empresas da região Sul do Pará. Os nove empregadores excluídos da “lista” em agosto são: Agropecuária Carajás (fazenda Primavera), Celso Mutran (fazenda Baguá), Euclebe Vessoni (fazenda Ponta de Pedra), José Coelho Vítor (fazenda Santa Lúcia), Márcio Ribeiro (fazenda Primavera), Marcus Carvalho (fazenda Tangará), Roberto Guidoni Sobrinho (fazenda Jaó), Romualdo Alves Coelho (fazenda São Paulo) e Viena Siderúrgica (fazenda Medalha).

O combate ao trabalho escravo sofreu com a crise política. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que coordena a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), perdeu seu status ministerial e tornou-se uma subsecretaria da Secretaria Geral da Presidência da República. A proposta de emenda constitucional que prevê o confisco das terras em que trabalho escravo for encontrado está parada na Câmara dos Deputados – aliás, como todas as outras matérias de interesse público.

MORADORES DE RUA

Carlos Minuano de São Paulo (SP) Em meio a bandeiras, discursos e canções de paz, cerca de 500 pessoas participaram, dia 19, de uma manifestação contra a impunidade no massacre dos moradores de rua ocorrido no Centro de São Paulo, há um ano – até o momento, ninguém foi punido. O protesto começou em frente à Catedral da Sé, bem próximo aos locais dos crimes, e seguiu para a Câmara Municipal, onde foi realizada uma assembléia aberta que reuniu, além de moradores de rua, religiosos, políticos e representantes de movimentos sociais. “O processo está nas mãos dos promotores, a sociedade tem de exigir que eles se movam com mais agilidade. A população de rua merece que a Justiça seja feita”, afirma padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua. O Ministério Publico investiga a relação dos crimes com uma suposta organização ligada ao tráfico de drogas. Há indícios de envolvimento de policiais civis e militares, além de comerciantes da região central da capital. Três pessoas chegaram a ser presas – um segurança e dois policiais militares. Os suspeitos, no entanto, foram soltos logo depois por não existir provas concretas que justificassem a acusação formal contra eles. No mesmo dia da manifestação da Sé houve uma reunião com o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo César Rebelo Pinho, mas nenhum avanço foi divulgado. O subsecretário de Direitos Humanos da Presidência da República, Mário Mamede, que esteve na reunião com o procurador Pinho e também ao protesto da Sé, crê, pelas características do crime, em um número grande de executores: “É uma ação que foi pensada, articulada, organizada”. Para o subse-

Luciney Martins/ BL 45Imagens

Chacina da Sé completa um ano

Ato na Praça da Sé, em São Paulo, pede fim da impunidade

cretário, o que dificulta as investigações é o medo das testemunhas. “As pessoas que por acaso tenham visto algo têm receio de prestar depoimento pois sabem que estarão ameaçadas”, conclui. O medo dessas pessoas tem fundamento. De acordo com o delegado Luís Lopes Teixeira, uma testemunha foi morta, uma está desaparecida e outra foi ameaçada. Ele informou, porém, a existência de seis novos suspeitos. Padre Júlio se mantém otimista e acredita que, com todos os casos reunidos, o Mi-

nistério Público, finalmente, formalize a denúncia dos acusados.

MASSACRE ANUNCIADO Outro massacre foi anunciado no protesto da Sé, desta vez pelos catadores de materiais recicláveis. Organizados em cooperativas, eles denunciaram uma suposta “operação limpeza” que estaria sendo movida pelo prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB). Segundo os catadores, há um prazo de dois meses para que as cooperativas saiam do Centro. “A prefeitura quer nos retirar do Centro,

mas é aqui que moramos, queremos o direito de trabalhar onde moramos”, reclama Igor Calheiros, do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. O secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro, negou as acusações. Ele transfere a culpa para supostas organizações que, segundo ele, adquiriram monopólio sobre os catadores e o mercado da sucata, mas que atendem um número reduzido de trabalhadores: “Nosso projeto vem beneficiar aproximadamente quatro mil pessoas. Queremos os catadores com carteira assinada e em locais adequados”. Ao que tudo indica, os locais adequados seriam bairros distantes do Centro. “A prefeitura decidiu que nenhuma cooperativa pode ficar no Centro e os trabalhadores que não respeitarem essa decisão terão seus materiais apreendidos”, alerta Regina Maria Manoel, da Organização do Auxilio Fraterno (OAF). A vereadora Soninha Francine (PT) defende as iniciativas da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social e conta que “há propostas de reinserção, de trabalho, de moradia, mas ações da subprefeitura caminham em direção oposta”. Em sua avaliação, falta unicidade à atual administração municipal: “Parece que tem duas diretrizes muitos diferentes dentro da própria prefeitura. Eles estão batendo cabeça!”. Cantando e pedindo Justiça, os manifestantes seguiram rumo a Câmara Municipal, para um ato público. Enquanto ajudava a comandar a passeata, Regina Maria, da OAF, explicava o porquê de ir à Câmara: “Não adianta ficar rezando, gritando e o governo municipal não responder à necessidade real que o povo tem”. No caminho, uma coroa de flores foi colocada no portão do Ministério Público, em lembrança aos moradores de rua assassinados.

O proponente da PEC 438, deputado Paulo Rocha (PT-PA), que poderia acelerar o seu trâmite, está envolvido nas denúncias de recebimento ilegal de recursos e renunciou ao cargo de líder do governo na Câmara. Há casos aguardando um posicionamento do Supremo Tribunal Federal que desatariam nós no combate ao trabalho escravo, como a definição da competência (federal ou estadual) para julgamento desse crime e denúncias contra políticos que utilizaram esse tipo de mãode-obra. (Agência Carta Maior, www.cartamaior.com.br)

Famílias despejadas ainda sem um teto Igor Ojeda da Redação As 79 famílias sem-teto despejadas dia 16 do imóvel que ocupavam desde 2003 na região central de São Paulo estão dormindo na rua desde então. Sem ter onde morar, acampam em frente ao prédio desocupado da Rua Plínio Ramos, na Luz. “As pessoas estão jogadas na calçada”, diz o coordenador do Movimento de Moradia da Região do Centro (MMRC), Nelson da Cruz Souza. No dia seguinte à reintegração de posse, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, havia afirmado que iria abrigá-los em hotéis. Porém, dois dias depois voltou atrás, oferecendo apenas abrigos temporários, recusados pelos sem-teto. “Queremos que as famílias sejam tratadas com dignidade. Moradia é um direito”, protesta Souza. Dia 23, os antigos ocupantes do edifício realizaram “cortejo fúnebre” contra a situação. Caminharam até a Secretaria Estadual de Habitação para tentar audiência. A secretaria prometeu recebê-los, mas até o fechamento desta edição, na noite do dia 23, isso não havia ocorrido. Dois dias antes, os sem-teto receberam a visita do arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes e do padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua, que prometeu abrir ação pública por desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que havia menores de idade na ocupação. Em Recife (PE), um confronto ocorrido dia 23 entre sem-teto do Movimento de Luta e Resistência Popular (MLRP) e a polícia, durante a reintegração de um prédio no Centro, deixou três feridos. 31 foram levados à delegacia, inclusive seis crianças.


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Espelho CRISE

Lula e elite defendem Palocci

da Redação

Porcaria impressa 1 A última edição da revista Fórum apresenta uma boa reportagem de Anselmo Massad sobre as manipulações e o estilo panfletário da revista Veja. A publicação semanal da Editora Abril é tratada como “fábrica de mentiras” e “laboratório de invenções da elite”. A Veja já causou mais danos à mente das pessoas do que qualquer outra publicação brasileira. Porcaria impressa 2 A linha editorial conservadora da Veja procura guiar os setores da classe média que se preocupam com a sua própria segurança, com o consumo de grifes e com turismo aos paraísos do capitalismo globalizado. No plano internacional, a revista da Editora Abril combina com as posições mais atrasadas do governo George W. Bush e fica à direita da revista inglesa The Economist, que é a bíblia mundial do neoliberalismo. Voto antecipado Candidato à presidência nacional do PT, na eleição direta de 18 de setembro, o ex-deputado Plinio Arruda Sampaio declarou, em entrevista para a Folha que não defende a candidatura de Lula em 2006 e não vota mais nele para presidente. Plínio aposta na recuperação da trajetória inicial do PT em defesa do socialismo e considera desvios graves o financiamento do partido por empresários e o uso do marketing em campanhas eleitorais. Lucro garantido De acordo com o jornalista Marcel Gomes, da Agência Carta Maior, a rentabilidade dos bancos privados brasileiros, em especial do Bradesco e do Itaú, foi duas vezes maior, no primeiro semestre, que a rentabilidade dos principais bancos dos Estados Unidos (Citigroup, JP Morgan, Chase e Bank of América). Graças, é claro, à “estabilidade econômica” do governo Lula, que favorece a concentração da renda no sistema financeiro. Repressão violenta Em encontro com o ministro das Comunicações, Hélio Costa, na semana passada, a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) ouviu a promessa de que o governo pretende anistiar as emissoras de baixa potência fechadas por falta de autorização de funcionamento. Enquanto isso não acontece, a Anatel e a Polícia Federal continuam reprimindo com violência as rádios comunitárias. No último ataque, fecharam várias na cidade de Campinas (SP). Paralisia federal “A principal conclusão do seminário sobre o ensino de Jornalismo e a Reforma Universitária que a Fenaj realizou dia 18 em Brasília: o anteprojeto enviado pelo MEC à Casa Civil não atende às principais reivindicações das entidades da área e caminha para um impasse em conseqüência da fragilidade política do governo federal no Congresso Nacional”. A observação consta da página da internet do professor J.S. Faro (Metodista e PUC) e mostra o estado de ânimo em relação aos projetos do governo. Ufanismo empresarial Porta-voz da alta burguesia nacional, o jornal Valor Econômico expressou, em editorial no dia 23, seu mais profundo amor pelo ministro Palocci, ao reproduzir a seguinte afirmação de um empresário: “O país está sendo administrado na área econômica, o resto é um apêndice”. Só faltou brindar “Viva o governo do PT!”

Para manter política econômica que privilegia lucros que famílias ricas têm com os juros altos Jorge Pereira Filho da Redação

A

crise política ronda o Ministério da Fazenda. Poupado de críticas até pela oposição, Antônio Palocci foi lançado na espiral de acusações contra quadros do PT justamente por um ex-amigo pessoal, o advogado Rogério Buratti, ex-secretário de Governo quando Palocci foi prefeito de Ribeirão Preto. E tão logo o ministro deu a sua versão dos fatos, a reação dos setores conservadores e da grande mídia foi uma só: louvar a competência do ministro preferido das elites e do próprio presidente Lula. Buratti disse que Palocci recebeu, entre 2001 e 2002, uma comissão mensal de R$ 50 mil da empreiteira Leão Leão. O dinheiro seria repassado ao Diretório Nacional do PT. Em troca, acrescentou, a empreiteira era favorecida em licitações na prefeitura de Ribeirão Preto. Na entrevista que concedeu no domingo, 21, o ministro afirmou que a empreiteira ganhara a licitação para prestar o serviço de limpeza urbana na gestão de seu antecessor, o tucano Luiz Roberto Jábali, e que apenas assinara um contrato com a Leão Leão em caráter emergencial, porque não havia tempo para realizar a licitação. Um dia depois, veio a informação correta: Palocci assinou, de fato, 18 contratos com a Leão Leão, no total de cerca de R$ 50 milhões. Depois da divulgação desse fato, o ministro tentou justificar a omissão dizendo que não comentou esses contratos porque não foi perguntado pelos jornalistas. Apesar das suspeitas que pairam sobre Palocci, a reação conservadora foi completamente diferente de quando o acusado é outro petista. Não faltaram elogios ao seu comportamento, como atestam os editoriais dos grandes jornais empresariais. “Nitidamente, há um esforço dos partidos de oposição e dos comentaristas políticos e econômicos de fazer crer que as explicações de Palocci são extremamente coerentes, algo que está ainda em avaliação. A com-

Antônio Cruz/ABR

Divisão liberal Porta-vozes das elites liberais e do capitalismo, os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo estão cada vez mais iguais no conteúdo: dia 22, apresentaram interpretações parecidas sobre a entrevista dominical do ministro Antônio Palocci Filho e estamparam, respectivamente, as seguintes manchetes: “Palocci nega acusações, diz que fica, mas que não é insubstituível” e “Palocci fala, agrada, fica e diz que economia não muda”. Tudo para acalmar os mercados.

O ministro Antônio Palocci durante entrevista coletiva na sede do Ministério da Fazenda

placência que os meios de comunicação e os grandes grupos econômicos estão tendo com Palocci jamais foi vista com qualquer integrante do governo”, avalia o economista Márcio Pochmann, da Unicamp. A reação apaixonada de apoio ao ministro da Fazenda sinaliza que, mais do que uma questão moral, o que está em jogo para a elite é a defesa dos seus interesses. E a política econômica do governo Lula não deixa dúvida de quem são os beneficiados.

RENDA DE JUROS Pochmann explica que, hoje, há dois tipos de “renda mínima” do governo Lula. O primeiro é o programa Bolsa Família, voltado para os 10 milhões de famílias brasileiras extremamente pobres, que recebem do governo o equivalente a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Há, ainda, outro programa de transferência de renda muito mais poderoso: a política dos juros altos e o pagamento da dívida. “De 7% a 8% do PIB estão sendo transferidos a 20 mil famílias, que concentram 80% dos títulos da dívida pública. É a síntese da política pública que promove a desigualdade”, constata Po-

chmann. O economista diz que essa é uma fórmula de aliança política que mantém a sustentação ao governo: ganha o apoio de parcela do povo e, ao mesmo tempo, enriquece a elite. Segundo as contas do economista João Sicsú, da UFRJ, até o fim deste ano, Lula terá pago R$ 450 bilhões aos detentores dos títulos da dívida pública, e investido R$ 45 bilhões em educação e R$ 20 bilhões no programa Bolsa Família. Mesmo assim, o presidente Lula voltou a reafirmar seu apoio ao ministro Antônio Palocci e fez uma enfática defesa da política econômica de seu governo. Primeiro, em seu pronunciamento à Nação sobre a crise política, dia 12, Lula tentou se ancorar nos indicadores econômicos para defender o governo. Depois, dia 23, afirmou, categoricamente: “Mudar a economia, agora, seria prejudicar os mais pobres”. Será? Não é o que pensa o economista Paulo Nogueira Batista Jr., economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV): “A política social do governo Lula é muito fraca, em grande medida porque a política econômica é restritiva. No conjunto da obra, no final desse governo, a distribuição de renda continuou

extremamente concentrada. A política de juros altos do BC é o maior programa de distribuição de renda: transfere recursos de um sistema tributário injusto para os detentores da dívida pública. É um fiasco”.

CONTRADIÇÕES Para Pochmann, a defesa da atual política econômica é contraditória. “O ministro Palocci começou sua gestão dizendo que seria difícil o Brasil dar um cavalo de pau na economia, mas seu objetivo seria fazer as transformações pelas quais a população tinha votado. Completados 30 meses de governo, chega-se à conclusão que o ponto positivo é a manutenção da política econômica”, diz o economista. Ele acrescenta que a crise pode fortalecer o núcleo conservador do governo, que conta com o apoio “da grande imprensa e dos grandes grupos financeiros que são os ganhadores dessa política”. Paulo Nogueira Batista avalia que esse novo discurso está na raiz dos desvios do governo Lula. “A corrupção do governo começa com a corrupção programática na área econômica, quando se mostra inteiramente incapaz de reorientar a política econômica”, afirma.

REFORMA POLÍTICA

Os partidos são muito fracos no Brasil Luís Brasilino da Redação O brasileiro vota em pessoas, não em legendas. A explicação para este lugar-comum, porém, não passa por uma suposta fidelidade canina dos eleitores em relação a caciques políticos. O fato é que os partidos no Brasil são muito fracos. Luiza Erundina, deputada federal (PSBSP), vai além. Para a ex-prefeita de São Paulo (SP), o país apresenta um quadro de esgotamento de todos os seus partidos, reflexo de um sistema eleitoral que privilegia o indivíduo em detrimento da legenda. “Estas entidades se ressentem de uma falta de identidade ideológica e programática. Inclusive, é difícil saber qual é de esquerda e qual é de direita. São as pessoas que se posicionam”, analisa Erundina. Segundo a deputada federal Luciana Genro (PSOL-RS), hoje, os partidos, “na maioria”, têm pouca representatividade na base e muita nos setores econômicos que financiam as campanhas. “Os políticos são agentes públicos dos interesses privados”, resume Luciana. Pior. Com a crise política, a tendência é o quadro se agravar. Antonio Carlos Biscaia, deputado federal (PT-RJ) e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, avalia que o partido com mais identidade, o PT, foi atingido de forma indelével, permanente. “Sempre

Lindomar Cruz/ABR

da mídia

NACIONAL

Integrantes de movimentos sociais durante manifestação em Brasília

recebemos o maior número de votos de legenda. Nas eleições de 2006, isso vai cair drasticamente”, prevê o parlamentar.

FIDELIDADE Quando se fala em fortalecer partidos políticos, as propostas de fidelidade partidária são sempre as primeiras a serem lembradas. Em síntese, as principais sugestões defendem limitar por alguns anos as trocas de agremiações, atrelar o mandato à legenda e não ao político e conceder ao partido o poder de cassar mandatos de seus filiados. Luciana Genro, apesar de não questionar a importância da fidelidade, alerta para a necessidade de debater como ela será feita. “O atrelamento incondicional do voto com

a cúpula ou com as lideranças partidárias só vai servir para facilitar a compra de votos. A compra seria por pacote”, diz a integrante da executiva nacional do PSOL. O voto não pode ser atrelado à direção, mas ao conteúdo programático do partido.

LISTA E BLOQUEIO Para estimular os eleitores a aumentar sua relação com os partidos, o projeto mais forte é o de eleição com lista fechada para o Legislativo. Caso aprovado, as pessoas só poderiam votar na legenda e os eleitos seriam definidos por uma relação de candidatos elaborada e ordenada pelos partidos em período pré-eleitoral. Erundina considera que essa proposta confere mais identidade aos partidos, na medida em que diminui

a importância dos indivíduos. Porém, Luciana alerta para a necessidade de as pessoas poderem interferir na ordem das listas – para não haver redução do poder político popular. De seu lado, Biscaia defende a inclusão de cláusulas de barreira. Ou seja, um partido precisaria de uma votação mínima, por exemplo, 5% ou 10%, para eleger seus representantes. “Assim, teríamos aproximadamente sete partidos. Hoje, são muitos os partidos de aluguel. Paciência com o fato de que vamos perder alguns partidos sérios, como o PCdoB, mas precisamos pensar nisso como um processo”, argumenta o parlamentar.

CONSTITUINTE “Neste momento, com esta crise, podemos descartar emendas constitucionais. Por isso, a reforma política só pode seguir em matérias de menor impacto”, descreve Biscaia. Luciana constata que, com a composição atual do Congresso, não se pode esperar mudanças sérias. Isso só aconteceria com muita pressão social. Para superar estes impasses, Erundina avalia que é necessário convocar uma nova Assembléia Constituinte. Ela seria formada pela sociedade civil, sem a obrigatoriedade dos integrantes pertencerem a partidos políticos. “As leis atuais foram criadas por indivíduos capazes de tirar proveito próprio da legislação criada”, justifica a deputada.


Ano 3 • número 130 • De 25 a 31 de agosto de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO IMPERIALISMO

EUA levam guerra à Tríplice Fronteira Stella Calloni de Buenos Aires (Argentina)

Divulgação

Para ONG, visita de Donald Rumsfeld ao Paraguai confirma interesse de ampliar atuação militar na região pois, Glaser viajou para a cidade brasileira de Foz do Iguaçu, onde foi orador em um seminário de prevenção à lavagem de dinheiro, após afirmar que “a Tríplice Fronteira é um dos lugares mais importantes da região” em financiamento ao terrorismo.

O

Serviço de Paz e Justiça do Paraguai denunciou que a rápida visita do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, dia 17, implica a “extensão do processo de guerra” de Washington contra a região, “cujas conseqüências serão lamentáveis e nefastas” para a América do Sul. Os compromissos que o Paraguai assumiu com os Estados Unidos preocupam os países do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) e é possível que o tema seja discutido na próxima reunião do Grupo do Rio, em Bariloche, Argentina, nos dias 25 e 26. O encontro será unicamente de chanceleres, pois entrava em conflito com a agenda de alguns mandatários.

INICIATIVA ANTIGA

IMPERIALISMO A visita de Rumsfeld ocorreu no momento em que as tropas dos Estados Unidos realizavam exercícios militares no Paraguai. As operações devem durar até o final de 2006. O funcionário do governo de George W. Bush afirmou que seu país não vai instalar uma base militar em solo paraguaio, embora já existam na região do Chaco e em outros lugares que poderiam ser usados para esse fim, como o aeroporto construído pelos Estados Unidos em Mariscal Estrigarribia, a 250 quilômetros da fronteira da Bolívia. Rumsfeld criticou também os governos de Cuba e Venezuela e

Rumsfeld discursa para militares nos Estados Unidos, que vêem Tríplice Fronteira como foco de terrorismo

afirmou que “há evidência” de que ambos estão “envolvidos na crise da Bolívia de uma forma que não ajuda”. Apesar de não dar mais detalhes quanto à acusação, os assessores do funcionário estadunidense disseram a jornalistas paraguaios que um dos motivos principais da sua viagem foi se informar sobre a atividade de Cuba e Venezuela na região, o que para os analistas políticos locais significa na realidade um violento regresso à guerra fria. A iniciativa dos Estados Unidos encontra respaldo no Paraguai. O

presidente Nicanor Duarte mostrou disposição para ampliar as relações no plano militar com Bush, depois que o Congresso local outorgou em maio imunidade para as tropas estadunidenses e liberdade absoluta para atuar até o fim de 2006, com opção de renovar acordos. Outro movimento que amplia a presença dos estadunidenses na região foi a visita, em 16 de agosto, do subsecretário do Tesouro dos EUA, Daniel Glaser, com o anunciado objetivo de ampliar a luta contra o financiamento do terroris-

EQUADOR

mo e dos crimes financeiros. Sua missão está ligada com uma antiga campanha dos Estados Unidos para atuar na Tríplice Fronteira – região farta em recursos hídricas que une Argentina, Brasil e Paraguai. Os Estados Unidos levantam suspeitas contra transações financeiras realizadas por árabes na região. Assim, querem que a Argentina quebre o segredo bancário e fiscal e congele “os ativos” de supostos terroristas, mesmo que os legisladores locais argumentem que existem tais bens ativos. De-

A ofensiva dos Estados Unidos na região é antiga e se manifestou durante os anos 1990. Washington, por exemplo, teve papel preponderante ao envolver – sem provas – a comunidade árabe da Tríplice Fronteira com o atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina, em Buenos Aires, em 1994. Em maio de 1998, Lois Free, ex-titular do Escritório Federal de Investigações dos Estados Unidos, disse que “se ficar provado que os atos terroristas ocorridos na Argentina contaram com apoio de algum país”, o governo dos Estados Unidos o consideraria um “delito” contra si e, portanto, teria jurisdição para julgá-los. A campanha estadunidense tende a militarizar a zona fronteiriça, que é estratégica e conta com grandes recursos de biodiversidade e outros como o Aqüífero Guaraní, a maior reserva de água doce do planeta. Os Estados Unidos querem, ainda, justificar sua presença com o suposto argumento da suposta presença de guerrilhas colombianas no Paraguai, Brasil e Argentina. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)

ALBA

Protestos para rever contratos com empresas petrolíferas

Os primeiros médicos da integração latino-americana

Apesar do estado de emergência decretado pelo presidente equatoriano, Alfredo Palacio, os grevistas mantêm os bloqueios nas províncias petrolíferas do Equador – Sucumbíos e Orellana. No centro de Sucumbíos, os manifestantes saíram às ruas e suspenderam as atividades comerciais. Os moradores das províncias querem uma compensação das petrolíferas que operam na região para que seja investido em saúde e educação, além da revisão dos contratos para conseguir condições mais favoráveis para os equatorianos. Na província de Sucumbíos, 81,73% da população vive em condições de pobreza com necessidades básicas não satisfeitas, situação similar ao que ocorre na província de Orellana (86,6% da população). Os protestos nas províncias começaram 15 de agosto. O governo equatoriano afirma que não negociará enquanto continuarem a greve e os bloqueios. Os manifestantes classificam como uma farsa as tentativas de diálogo entre o go-

Santiago Armas/ AFP/ Folha Imagem

da Redação da Redação

Em Sucumbíos, população cobra investimentos em saúde e educação

verno do país e os representantes da assembléia biprovincial. Sucumbíos e Orellana estão situadas na Região Amazônica Equatoriana, de onde se extrai petróleo no país. A atividade petrolífera, segundo os grevistas, não significou uma fonte de emprego, nem de renda para a população local. A atividade emprega pouco mais de 3% da população economicamente ativa. Os

recursos gerados pela exploração do petróleo ficam quase em sua totalidade com as transnacionais. Durante as manifestações, a Petroecuador anunciou a suspensão da exportação de óleo cru a partir do país. A produção baixou para 10 mil barris diários. A produção normal diária da Petroecuador fica em torno dos 210 mil barris. (Adital, www.adital.org.br)

DESIGUALDADE

Quase 100 milhões de pobres no continente da Redação O número de latino-americanos e caribenhos que vivem, hoje, abaixo da linha da pobreza cresceu em três milhões de pessoas desde 1990. Atualmente, são 96 milhões de seres humanos nessa situação no continente, como informou o secretário executivo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), José Luis Machinea, durante a apresenta-

ção do informe “Objetivo do desenvolvimento do milênio: um olhar na América Latina e o Caribe”. O estudo traz outra conclusão: o percentual de pobres na região em relação à população total apresentou redução. Se em 1990 o indicador era de 22,5%, hoje já é de 18,6%. “Apesar disso, o número de indigentes em termos absoluto aumentou, assinalou Machinea. Segundo ele, essa situação é conseqüência dos elevados e

persistentes desequilíbrios territoriais, étnicos, de gênero e de riqueza que colocam a América Latina como a região mais desigual do planeta. O documento da Cepal avalia que, nos últimos 15 anos, os governos latino-americanos não têm conseguido diminuir a pobreza extrema no continente e a mortalidade materna, nem garantir a universalização do ensino primário, o acesso ao saneamento e a proteção ao meio ambiente.

Os presidentes de Cuba, Fidel Castro, da Venezuela, Hugo Chávez, e do Panamá, Martín Torrijos, participaram dia 20 da cerimônia em que foi homenageada a primeira geração de médicos formados na Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), fundada em 1999 em Havana. O evento também marcou uma reaproximação do governo panamenho com Cuba, depois que a relação entre esses dois países ficou estremecida em função da decisão da ex-presidente Mireya Moscovo de conceder perdão ao terrorista Luis Posada Carriles. Os jovens médicos formandos na Elam passaram um ano em zonas remotas de seus países de origem, como Guatemala e Haiti, com o objetivo de atender a pessoas de escassos recursos. Cerca de 70% dos 1.610 médicos formados na primeira geração vêm de famílias pobres, quase metade é mulher e a idade média do grupo é 26 anos. Castro e Chávez também aproveitaram a cerimônia para responder às acusações do governo de George W. Bush de que ambos mantêm “atividades desestabilizadoras” na América Latina. “Vocês, pelo visto, são uns desses superdesestabilizadores do hemisfério; estão desestabilizando a dor e o sofrimento”, disse Fidel Castro. Chávez analisou que a formação dos médicos é uma forma de seguir “avançando pelo caminho da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba)”, projeto que Venezuela e Cuba estão impulsionando em contraposição à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Para o venezuelano, é possível atender a pelo menos 200 mil estudantes nesse prazo. Em visita à ilha, Chávez convidou o presidente cubano para participar do seu programa dominical Alô, presidente,

transmitido de Cuba. “Os grandes desestabilizadores não só da América Latina, mas sim do mundo, os grandes destruidores, enfim, a grande ameaça que paira hoje sobre o mundo é o império estadunidense”, rebateu Chávez. O presidente venezuelano também reafirmou o compromisso do seu governo com a Elam e disse que assume conjuntamente com Cuba o desafio de elevar o compromisso de formar 100 mil médicos latinoamericanos nos próximos dez anos. A escola foi criada por iniciativa de Cuba para educar filhos de famílias de localidades devastadas pelos furacões Mitch e George na América Central, em novembro de 1998.

SANDINO A visita de Chávez à ilha caribenha rendeu também novos acordos. Cuba e Venezuela ratificaram o “Compromisso de Sandino” pelo qual as duas nações vão viabilizar atendimento cirúrgico hospitalar, por meio do programa Operação Milagre, com o objetivo de impedir a cegueira e recuperar a visão de seis milhões de latino-americanos durante dez anos (entre eles, 25 mil caribenhos, 100 mil cubanos, 100 mil venezuelanos e 120 mil centro e sul-americanos). Para cumprir esse objetivo, Chávez disse que colocará a serviço desse programa um avião da companhia nacional Conviasa para transportar exclusivamente latinoamericanos com problemas na vista para Cuba, onde serão tratados. Durante o programa Alô presidente, Chávez e Castro disseram que a Operação Milagre é uma resposta às freqüentes acusações de que Venezuela e Cuba querem desestabilizar o continente. Segundo os presidentes, os governos de Colômbia, Uruguai e Brasil já foram convidados a participar do programa. (La Jornada, www.jornada.unam.mx/ Prensa Latina, www.prensa-latina.com )


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INTERNACIONAL ISRAEL

Extrema-direita reage à retirada de Gaza João Alexandre Peschanski da Redação

O

s militantes de extrema-direita israelense, que haviam jurado impedir, por todos os meios, a retirada das colônias de Gaza, território palestino, fracassaram. Iniciada em 14 de agosto, a evacuação está “praticamente completa”, afirmou Ron Prosor, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, em declaração oficial, dia 22. Cerca de 10 mil pessoas foram retiradas das 21 colônias existentes em Gaza. Grupos religiosos e nacionalistas ortodoxos haviam ameaçado organizar manifestações para impedir o trabalho dos militares, responsáveis pela retirada. Além de protestos simbólicos, como a citação de trechos da Bíblia, evocando o caráter sagrado de Gaza, e alguns incidentes mais violentos, como reações agressivas à ação dos soldados, a evacuação das colônias foi tranqüila. Todas as estradas levando ao território palestino estavam bloqueadas. Oitocentas pessoas que tentaram chegar a Gaza para ajudar a resistência dos colonos contrários à retirada foram presas. Deu resultado o esquema de contenção de manifestações, que uniu o deslocamento de milhares de soldados a campanhas na televisão, para convencer a população da necessidade da retirada, orquestrado pelo primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon. Para o governo, a permanência das colônias representava um ônus político e econômico. A maioria da população israelense era a favor da retirada das colônias de Gaza

Roberto Schmidt/ AFP/ Folha Imagem

Sionistas defendem atos terroristas pela recuperação de territórios e contra a evacuação da Cisjordânia sama Moussa. Preso, ele justificou a matança como uma tentativa de impedir a evacuação de Gaza. O ato terrorista de Weissgman inquietou integrantes dos governos israelense e palestino, que temem o início de uma onda de crimes por parte de grupos nacionalistas e religiosos ortodoxos. No dia 4 de agosto, em Shfaram, na região da Galiléia, outro militante de extrema-direita assassinou quatro árabes israelenses. A justificativa foi a mesma do ato de Shiloh.

FANATISMO

Colonos judeus tentam impedir ação dos soldados na Faixa de Gaza; extrema-direita promete contra-atacar

e criticava Sharon por apoiar os grupos extremistas que queriam manter o controle sobre o território. Além disso, os gastos públicos para manter os colonos eram muito altos – 6,3 milhões de dólares por ano, segundo o jornal israelense Haaretz.

CONTRA-ATAQUE A retirada deu resultado – por enquanto. É o que salienta Jacques Kupfer, dirigente da extrema-direita israelense, que promete contraatacar. Ele integra o Likud, partido de Sharon, e, em nota oficial, no dia 18, disse que vai iniciar uma campanha pela realização antecipada de eleições para primeiro-

ministro. Israel adota um sistema parlamentarista, e Sharon só pode ser afastado se a maioria dos 120 deputados que compõem o Knesset (o parlamento israelense) der um voto de desconfiança à sua gestão. A partir daí, um novo primeiro-ministro – ou o mesmo, caso haja uma tentativa de reeleição – é escolhido pelos deputados. “Eles ganharam a primeira rodada. Enviaram um time de rúgbi contra um de futebol. Mobilizaram tantos militares que era preciso ser 100 mil para conseguir resistir. Resta a batalha política. Esta vamos vencer quando Benjamin Netanyahu assumir a direção do Likud. Sharon, que traiu seus elei-

tores, vai ter que se demitir e vai perder as eleições antecipadas, que devem acontecer em breve”, afirmou Kupfer, conforme publicado no jornal francês L´Humanité do dia 20 de agosto.

TERRORISMO Fora da arena parlamentar, a extrema-direita também se manifestou. E de modo bárbaro. Dois dias antes da declaração de Kupfer, em Shiloh, uma das colônias da Cisjordânia, território palestino ocupado por Israel, o militante de extrema-direita Asher Weissgman assassinou quatro operários palestinos – Mohammed Mansour, Bassam Taouse, Halil Salah e Os-

ÍNDIA

A extrema-direita israelense se caracteriza por uma leitura dogmática da Bíblia, segundo a qual a Palestina é propriedade sagrada dos judeus. A opinião é da ativista palestina Leena Dallasheh, ligada ao Centro de Informação Alternativa, que promove campanhas pela paz no Oriente Médio. Em entrevista ao Brasil de Fato, Leena diz que os adeptos dessa visão, chamados sionistas, defendem a permanência de soldados israelenses em Gaza e Cisjordânia, ocupados desde 1967, e a eliminação do povo palestino. “No geral, a população israelense não pratica o judaísmo e não faz uma leitura dogmática da Bíblia. Os sionistas têm muito poder, desde a fundação de Israel, em 1948, apesar de não representarem a vontade do povo. São perigosos, pois são fanáticos”, afirma Leena. Apesar de ele ter ordenado a evacuação de Gaza, a ativista palestina acredita que Sharon apóie esses grupos, pois, segundo ela, o primeiro-ministro pretende manter soldados em Gaza e quer aumentar o número de colônias na Cisjordânia.

FRANÇA

Uma punhalada no diálogo

Estado de Kerala proíbe funcionamento da Coca-Cola

Em Nova Délhi, movimentos sociais protestam contra a privatização da água

cerca de cem pessoas em favor do fechamento permanente da fábrica de Plachimada. “Um dos feridos está em estado grave e teve que ser transferido de hospital para fazer testes no cérebro. Mesmo assim tudo indica que ele irá sobreviver”, disse ao Brasil de Fato Amit Srivastava, diretor do India Resource Center (IRC), entidade binacional (Índia/ EUA) que coordena a campanha internacional contra a Coca-Cola. Outros três manifestantes também sofreram ferimentos na cabeça, em menor grau, enquanto 43 pessoas foram presas. Segundo o IRC, o panchayat de Kuttiady, também em Kerala, declarou sua zona como livre de Coca-Cola, em solidariedade à comunidade de Plachimada. Recebeu o apoio de comerciantes e de partidos políticos.

CONTRA A PRIVATIZAÇÃO No dia 20, ativistas aproveitaram a visita do presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, para protestar contra a política do banco de emprestar dinheiro para a privatização

da distribuição de água na capital Nova Délhi. Em encontro com três representantes dos manifestantes, Wolfowitz afirmou que não estava a par do assunto. Uma das representantes, Vandana Shiva, da Research Foundation for Science, relatou à imprensa que os ativistas deixaram claro para o presidente do Banco Mundial que “a água é sagrada na Índia e que não iremos permitir sua transformação em mercadoria”. Para ela, o organismo acredita no fornecimento de “toda a água para alguns, por meio da privatização e das altas tarifas, e de nenhuma para a maioria. Nós acreditamos em alguma água para todos”. Dois dias depois, a ministrachefe de Nova Délhi, Sheila Dikshit, negou em um programa de rádio a privatização da distribuição de água na cidade. Segundo ela, não há nenhum acordo desse tipo com o Banco Mundial, apenas um pedido para que este conduzisse um estudo de como modernizar o fornecimento de água na capital. (Com agências internacionais)

Ainda que pouco noticiado pela mídia brasileira, o atentado chocou o mundo. O presidente francês Jacques Chirac declarou que o religioso foi um dos cristãos mais queridos no mundo e que será lembrado com carinho e gratidão. O papa Bento XVI enviou um telegrama a Taizé manifestando sua tristeza, e o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, líder da Igreja Anglicana, lamentou que um homem que tanto lutou pela paz tenha “morrido dessa forma”. O trabalho de irmão Roger, de fato, era reconhecido internacionalmente. Em 1988, ele recebeu o Prêmio Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). A Comunidade Ecumênica de Taizé, atualmente formada por cerca de 100 monges católicos romanos ou protestantes oriundos de 25 países, inspirou a criação de outras comunidades à sua semelhança em todo o mundo. Uma delas funciona em Alagoinhas, a 110 quilômetros de Salvador (BA), acolhendo crianças, jovens e adultos para encontros e retiros.

Martin Bureau/ AFP/ Folha Press

A Comissão de Controle de Poluição do Estado de Kerala, no sul da Índia, determinou à engarrafadora da Coca-Cola, instalada na comunidade de Plachimada, “parar imediatamente a produção de qualquer tipo de produto”. A fábrica estava fechada desde março de 2004 pelo panchayat, o conselho local da comunidade, sob a alegação de que a escassez e a poluição da água e a contaminação do solo da região estariam diretamente ligadas às operações da planta. Contrariando a lei, no dia 8 de agosto a transnacional havia retomado alguns testes experimentais. A comissão, em sua determinação, divulgada no dia 19, assinala que a Coca-Cola ainda não explicou a grande quantidade de cádmio que contaminou as fontes de água subterrânea, tornando-a imprópria para consumo humano. O documento cita também que a empresa não havia obedecido duas determinações anteriores: a instalação de um equipamento de tratamento da água desperdiçada e o fornecimento de água potável encanada para os moradores da comunidade afetada pela alta extração do recurso. Ao mesmo tempo, o Escritório de Vigilância e Anticorrupção de Kerala vem investigando um exmembro da Comissão de Controle da Poluição, K.V. Indulal, acusado por ativistas de aceitar subornos da Coca-Cola para que emitisse um relatório, em 2003, atestando que a poluição emitida pela fábrica estava dentro dos limites ambientais. Outros estudos posteriores comprovaram o altíssimo nível de cádmio. No dia 15, a polícia interrompeu com violência uma manifestação de

O assassinato do pastor protestante suíço Roger Louis SchultzMarsauche, de 90 anos, ocorrido em 16 de agosto, na França, representou uma perda para a paz e a aproximação entre os povos. Irmão Roger, como era mais conhecido, fundou em 1940 a Comunidade Ecumênica de Taizé nas proximidades de Cluny, a 386 quilômetros ao sudeste de Paris. Criada inicialmente para abrigar refugiados da guerra, ela se tornou, com o tempo, um centro internacional de paz e reconciliação, atraindo milhares de peregrinos de vários continentes para suas celebrações ecumênicas. Pois foi durante uma destas celebrações, acompanhada por 2.500 fiéis – a maioria jovens e crianças – que irmão Roger foi apunhalado por uma romena de 36 anos. A autópsia demonstrou que o pacifista recebeu duas estocadas – uma superficial e outra mais profunda, de 10 centímetros, que lhe cortou a traquéia. Aparentemente, o atentado não teve conotações políticas e foi fruto de um ato de loucura.

Manan Vatsyayana/ AFP/ Folha Press

Igor Ojeda da Redação

Antonio Edson de São Paulo (SP)

Irmão Roger, uma vida em defesa da paz e da reconciliação entre os povos


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INTERNACIONAL FOME NA ÁFRICA

Crise resulta de política do FMI Presidentes de países atingidos pedem ajuda internacional e analistas culpam o Fundo Monetário Internacional da Redação

nós estaremos presos num círculo vicioso sem fim”, afirmou. Criada em 1980 em Lusaka, a SADC declarou-se “orgulhosa” de seu papel na luta contra o regime do apartheid na África do Sul – que acabou em 1994 – e pela libertação da Namíbia, ex-colônia alemã e sul-africana, tornada independente em 1990. Mas a região permanece castigada pela pobreza e pelo vírus HIV. Mogae ressaltou a “necessidade de reforçar e revitalizar a SADC, tornando-a uma organização forte que possa ser um instrumento de luta decisiva” contra essas calamidades. E ainda denunciou a lentidão da aplicação das decisões, protocolos e outras declarações “que só juntam poeira nas estantes”.

C

erca de dez milhões de pessoas, vítimas da seca, são assoladas pela fome na África Meridional, cujos dirigentes, reunidos em Gaborone (Botsuana), dia 17, lançaram um grito de alarme e ajuda de emergência à comunidade internacional. “Esse encontro aconteceu no momento em que grande parte da região enfrenta uma seca devastadora”, declarou o presidente de Botsuana, Festus Mogae, ao abrir o encontro de 25º aniversário da Comunidade do Desenvolvimento da África Meridional (SADC). O organismo reúne os seguintes países: África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Maláui, Moçambique, Maurício, Madagascar, Namíbia, República Democrática do Congo, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. “A seca provocou uma baixa na colheita e um déficit de cereais. Milhares de pessoas de nosso país precisam urgentemente de uma ajuda alimentar”, afirmou o novo presidente em exercício da SADC, que conclamou a “comunidade internacional a oferecer uma assistência que seja proporcional às necessidades”. O secretário executivo da SADC, Prega Ramsamy, enfatizou “o alto nível de insegurança alimentar” na África Meridional:

POLÍTICAS NEOLIBERAIS Organizações sociais e analistas, no entanto, são unânimes em acusar a conduta dos presidentes e de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional pela desgraça que assola alguns países do continente africano. No caso do Niger, por exemplo, lideranças da sociedade civil acusam o presidente Mamadou Tandja, que em um primeiro momento tentou negar a crise alimentar, de vender o alimento que chegou do exterior como ajuda, em vez de distribui-lo à população. “Uma escolha política que não foi apenas sua”, escreve a analista

Além do Níger, outros 15 países africanos sofrem com a seca e a fome (em vermelho)

“Dez milhões de pessoas estão ameaçadas pela fome no ano que vem, algo equivalente ao dobro dos dados de 2004/2005”. “São necessárias respostas urgentes e coletivas para evitar um desastre humano”,

resumiu. Mogae também convidou os países da região a concentrar “esforços em comum” por mais tempo, a fim de enfrentar a “dura realidade” das secas que se sucedem na África Meridional. “Senão,

SAARA OCIDENTAL

NIGÉRIA

ChevronTexaco é acusada de fraude fiscal

Guerrilheiros libertam prisioneiros marroquinos

Os conselheiros fiscais da Comissão pelos Crimes Financeiros e Econômicos da Nigéria (EFCC) acusam a gigante petroleira estadunidense ChevronTexaco de fraude fiscal no valor de mais de 73 milhões de dólares. De acordo com os consultores da comissão, a transnacional petroleira recorreu à trucagem a respeito de seus custos correntes, inclusive de suas despesas para projetos sociais junto a comunidades locais, a fim de burlar a Federal Inland Income Revenue Board, a Receita Federal nigeriana. Essa prática remonta a 1995. Por outro lado, a Câmara Baixa dos Representantes (o parlamento nigeriano) convocou os responsáveis oficiais da ChevronTexaco no país para que eles se expliquem sobre as denúncias.

Movimento sarauí reivindica libertação de militantes no Marrocos

Ex-colônia espanhola até 1975, o Saara Ocidental proclamou a República Árabe Sarauí Democrática (RASD), reconhecida pela União Africana (UA). Mas Marrocos a anexou no mesmo ano e continua considerando-a seu território. Apoiada pela Argélia, a Frente Polisário luta contra Marrocos para reivindicar a sua soberania nacional. O conflito tem afetado ao longo de 30 anos as relações entre Argélia e Marrocos, levando à suspensão das atividades da União do Magrebe Árabe, que desde 1989 reúne Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos e Mauritânia. Os prisioneiros libertados fazem parte de um contingente de 2 mil soldados marroquinos capturados ao longo de 16 anos de combate entre a Frente Polisário e as forças armadas do Marrocos. Os combates acabaram após o cessarfogo assinado em 1991 e mediado pelas Nações Unidas. Para separar as partes beligerantes, a ONU criou a Missão da ONU no Saara Ocidental (Minurso) e desde 1992 tenta organizar um referendo sobre o direito à autodeterminação do território, mas Marrocos e a Frente Polisário não se entendem sobre quem tem direito de voto para se pronunciar quanto ao futuro do Saara Ocidental.

Apesar de 14 anos de cessar-fogo e a libertação dos prisioneiros marroquinos, o conflito político é mais do que atual. O território conta com cerca de 460 mil habitantes, dos quais 150 mil vivendo nos campos de refugiados da Argélia. (Com agências internacionais)

SAARA OCIDENTAL Localização: Noroeste da África Nome oficial: República Árabe Saraui Democrática Capital: Aioun Superfície: 266 mil km2 População: 460 mil habitantes Principais línguas: árabehassania e espanhol Esperança de vida: 64 anos Taxa de mortalidade infantil: 78/1000 nascimentos Religiões: muçulmanos (99,93%), cristãos (0,05%), religiões tradicionais e outras (0,02%)

MERCADO POTENCIAL A Petrobras vai fornecer suporte técnico e comercial para que a Nigéria possa implantar o seu Programa de Álcool Combustível. A informação foi divulgada em nota pela estatal, comunicando a assinatura de um memorando de entendimento com a Nigerian National Petroleum Corporation (NNPC). O memorando prevê ainda suporte técnico e comercial para a adição de álcool combustível à gasolina, cooperação na área agrícola de matéria-prima para a produção de álcool combustível e

troca de informações técnicas sobre a produção de biodiesel. Na nota, a Petrobras informa que desde 2000 as duas empresas mantêm parceria no segmento de exploração e produção de petróleo, voltado para área do delta do Rio Niger. Segundo a estatal brasileira, em uma primeira avaliação, o mercado nigeriano tem um consumo potencial de três milhões de litros de álcool combustível por dia. O início da adição do álcool à gasolina naquele país está previsto para o primeiro trimestre de 2006, com a venda do produto pela Petrobras. O Brasil é o maior produtor mundial de álcool combustível com mais de 12 bilhões de litros destilados por ano, sendo 2,6 bilhões para exportação. Em São Tomé e Príncipe, a transnacional brasileira decidiu firmar parceria para o desenvolvimento de estudos e implementação de projetos. O acordo foi assinado, dia 18, no Rio de Janeiro, pelo presidente da estatal, Sérgio Gabrielli, e o presidente do país africano, Fradique de Menezes. Um dos projetos é a implantação de uma fábrica de lubrificantes em São Tomé, com tecnologia da estatal brasileira. Também está previsto o treinamento, no Brasil, de técnicos de São Tomé e Príncipe que trabalharão no setor de petróleo, além da participação conjunta nas atividades de prospecção, pesquisa e exploração de petróleo, por meio de contrato de partilha de produção. (Com agências internacionais)

Arquivo Brasil de Fato

A Frente Polisário, movimento que luta pela independência do Saara Ocidental, libertou, dia 18, os últimos 404 prisioneiros de guerra marroquinos, muitos dos quais estavam presos há quase duas décadas, informou o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Para o Comitê, que fez visitas regulares aos prisioneiros, “essa libertação colocou fim a uma longa detenção e a repatriação constitui uma etapa importante no processo para solucionar as conseqüências humanitárias do conflito do Saara Ocidental”. Em várias ocasiões a Frente Polisário libertou grupos de prisioneiros marroquinos. Desde 1984, cerca de dois mil prisioneiros foram libertados sob a proteção do CICV, lembrou a porta-voz da Cruz Vermelha, Nada Doumani. O secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, disse que a libertação dos prisioneiros vai permitir outros progressos para solucionar o conflito. Em nota, a União Européia (UE) saudou a libertação e reiterou seu apoio a Annan pelos esforços para buscar “uma solução definitiva e mutuamente aceitável” para o conflito do Saara Ocidental no quadro das resoluções pertinentes do Conselho de Segurança (CS). A organização concedeu recentemente uma ajuda de 9 milhões de euros aos refugiados sarauís residentes em quatro campos em Tindouf, na Argélia. Administrados pelo Programa Alimentar Mundial (PAM), esses fundos servem para a compra e o encaminhamento dos produtos alimentares aos refugiados. O embaixador da Frente Polisário na Argélia, Mohamed Beissat, disse que Marrocos tem ainda vários prisioneiros do movimento: “A Polisário exige a libertação de 150 prisioneiros de guerra, 35 prisioneiros políticos e mais de 500 desaparecidos, detidos em segredo nas prisões marroquinas”.

da Redação

Arquivo Brasil de Fato

da Redação

política Anne Penketh, no jornal britânico The Independent. “Nesses anos, o presidente cooperou com o FMI e a União Européia, adotando mudanças estruturais, inclusive com a imposição de 19% de impostos sobre os produtos alimentares”. Tal medida levou a um aumento entre 75% e 89% dos preços dos alimentos que compõem a cesta básica nos últimos cinco anos. É da mesma opinião o especialista em desenvolvimento François L’Écuyer: “Depois de vinte anos de políticas de ajustamento estrutural e numerosas concessões neoliberais, os gastos com serviços sociais no Níger não chegam a 20% do orçamento do governo, sendo que o pagamento da dívida externa é responsável por 30% das receitas do Níger”. O país vem ocupando o penúltimo lugar (176º) no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas. Apesar do cancelamento anunciado pelos sete países mais ricos do mundo e a Rússia, na Escócia, em maio, a dívida externa do Níger é ainda de 3 bilhões de dólares. “A água que mata a sede da população das principais cidades do país foi privatizada. Agora pertence à transnacional francesa Vivendi, que aumentou as tarifas dos serviços e cortou os subsídios aos mais pobres”. (Com agências internacionais; tradução: Gabriel Mitani)

Transnacional estadunidense monta esquema de corrupção


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NACIONAL ELEIÇÕES NO PT

“O interesse das elites é destruir o PT” A

crise vivida pelo Partido dos Trabalhadores não é um problema de pessoas ou de grupos, na avalição de Markus Sokol, candidato a presidente do PT pela chapa Terra, Trabalho e Soberania. Sokol acredita que a crise vem da política praticada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva há quase três anos e que frustra 53 milhões de brasileiros que votaram por mudanças. O fato de o presidente ter recebido o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, John Snow, dias atrás, sinaliza, em sua opinião, que por enquanto as elites não querem o impeachment de Lula – o principal interesse, no momento, é destruir as organizações populares. O atual governo, para Sokol, não representa o PT, por contar com personalidades comprometidas com outra política: “Não é possível fazer a reforma agrária com Roberto Rodrigues, não haverá 10 milhões de empregos com Furlan”. A saída, diz o candidato, passa pela aglutinação de forças que defendam os princípios iniciais do partido. Brasil de Fato – Qual a sua avaliação sobre o governo Lula? Markus Sokol – Quando inscrevemos nossa chapa para disputar as eleições internas no PT, antes da implosão dessa crise, nós dissemos que esse governo estava frustrando as expectativas populares e os 53 milhões de eleitores que votaram por soberania nacional, terra, emprego. Essas pessoas votaram em um partido fundado há 25 anos para defender os trabalhadores e tinham ouvido, durante a campanha, o candidato prometer 10 milhões de empregos. Lula disse que, se tivesse que tomar uma única medida, seria fazer a reforma agrária. Hoje, passados quase três anos, não tem reforma agrária, quem manda no campo é o ministro Roberto Rodrigues (da Agricultura); não se criou emprego porque é o ministro Furlam (do Desenvolvimento) quem manda e a preocupação dele não é criar emprego, mas aumentar os lucros, a produtividade. As aspirações populares não foram contempladas. O que a gente pode dizer é que não vai ter investimento nacional em favor do povo com o Henrique Meirelles no comando do Banco Central e com todos esses ministros que não têm nada a ver com a gente, com o PT. BF – Essa realidade tem ligação com a atual crise? Sokol – Evidente. A crise de corrupção revela como o governo utilizou a cúpula do partido para reunir a chamada base aliada. Nós temos hoje a continuidade do governo anterior e a continuidade dos métodos anteriores. Então, apesar de serem surpreendentes esses escândalos, atingindo a cúpula do PT, não deixam de ser lógicos, até uma coincidência. Pela denúncias, 1998 foi o ano em que começou a operar o Valerioduto. O mesmo ano em que o Brasil quebrou, a moeda quebrou, Fernando Henrique Cardoso foi ao FMI fazer o acordo que entrou em vigor em fevereiro de 1999. Desde então o Brasil trabalha para fazer superavit primário, não apenas para pagar a dívida, mas para fazer superavit primário, que é um método mais escorchante de esmagamento da nação para pagamento da dívida. Isso implica votar uma sucessão de medidas impopulares no Congresso. E como fazer os deputados votarem essas medidas? Alguns são reacionários convictos, mas são poucos. Para votar contra as suas bases, deputados são premiados. Por exemplo, a votação da reforma da Previdência custou R$ 2,58 milhões.

Divulgação

Nilton Viana da Redação

André Sarmento/Folha Imagem

Candidato à presidência do PT, o economista Markus Sokol denuncia o abandono das origens do partido

Quem é

“Há um risco de desagregação do PT. Isso vai ter impacto na esquerda como um todo”, diz o economista Markus Sokol

BF – Esse métodos não são fruto de uma política do PT, nos últimos anos, para ganhar eleição a qualquer custo? Sokol – Há uma transformação na história do partido que não é dos últimos anos, vem de antes. O PT com certeza não é hoje o que era no começo dos anos 1980. Há mais de dez anos, um grupo se encastelou no controle do partido. Não é o grupo do (ex-ministro) José Dirceu, tampouco pode ser reduzido à (corrente partidária) Articulação. É mais amplo. Envolve outros setores, outras pessoas. Muita gente agora está dizendo que era contra as alianças desde criancinha, mas essas pessoas não apenas votaram, como fizeram aliança. Mesmo o Campo Majoritário não podia ter desenvolvido as políticas se não contasse com o respaldo de outros setores do partido. Essa transformação vem do abandono das origens do partido, numa progressiva descaracterização, no limite, uma degeneração do partido construído pelo trabalhadores.

Nós levantamos uma proposta no sentido de retomar o manifesto de fundação do partido BF – É possível refundar o PT? Sokol – Nós levantamos uma proposta, dirigida e todos os candidatos, a outras chapas, no sentido de retomar o manifesto de fundação do partido. Essa proposta está provocando o debate e dois candidatos já sinalizaram nessa direção. Na base, provocou um impacto positivo. Para muito além do resultado do Processo de Eleições Diretas (PED), seja lá qual for o resultado, nós estamos convocando um grande encontro de todos que comungam do manifesto de fundação do partido. O manifesto diz: “O PT nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os partidos políticos tradicionais, comprometidos com a ordem social, econômica e política”. É preciso voltar ao princípio e isso implica uma conclusão: romper com as alianças, trocar os ministros. Mais, o manifesto da fundação dizia que o PT subordina a sua participação em eleições e em atividades parlamentares ao objetivo de organizar o povo, porque seu fim é a transformação do Estado. Nada mais distante do PT, hoje, quando o partido está totalmente voltado para a disputa eleitoral.

BF – A conjuntura atual não é a mesma da fundação do PT. Como reverter a situação do partido? Sokol – Existe um pouco de mito, de achar que o passado sempre foi ótimo e maravilhoso. A realidade é que a CUT, hoje, é muito mais forte do que foi o movimento sindical combativo no final dos anos 1970, que era poderoso, tinha um impacto enorme, mas muito concentrado e limitado. A base na qual assenta a UNE, hoje, também é bem maior. O problema se concentra na política da direção da UNE e da CUT e das organizações em geral, que não utilizam a força que têm de maneira a corresponder às aspirações de suas bases. Por exemplo, a manifestação do dia 16, em Brasília, poderia ter sido dez vezes maior se tivesse sido convocada com base em reivindicações claras e não com ambiguidade – os dirigentes não sabiam explicar se estavam lá para defender o governo. É evidente que a conjuntura, no sentido imediato da palavra, se você medir pelo número de greves, pelas reivindicações levantadas, não é a mesma daquele curto período de 1979 a 1981, 1982, que viu nascer a CUT e o PT. Mas ao contrário, a força das organizações sociais, seu enraizamento nacional é incomparável. E é isso que conta. Os 53 milhões que puderam eleger o Lula não teriam podido fazer naquela ocasião porque não contavam com a organização de hoje. E essa força social, mesmo frustrada, embora a gente esteja numa situação de limite, não está derrotada, não está dispersa – apesar do processo de fragmentação na CUT, na UNE, que eu combato. Há um risco de desagregação do PT. Isso vai ser um terremoto e vai ter impacto na esquerda como um todo, fora do Brasil inclusive. BF – Quais as suas propostas para o partido? Sokol – São propostas coerentes com as duas citações que eu fiz do manifesto de fundação do partido. Propomos a todos voltar a ele para assumir a continuidade do PT. Da nossa parte, já o fazemos e tiramos nossas conclusões. A primeira é de que o governo deve romper essas alianças que trouxeram a corrupção e estão começando a afundar o PT no mar de lama. E isso se concretiza para que o governo se sustente inclusive em medidas de política econômica. Fala-se muito em mudança da política econômica – a essa altura, não tem chapa que não fale, não tem candidato a presidente que não cobre mudança na política econômica. É preciso saber quais mudanças. Nós propomos medidas concretas. Por exemplo, Lula

devia cancelar a privatização do Banco do Estado do Ceará prevista para 15 de setembro, anular o 7º leilão de áreas petrolíferas, previsto para outubro. É preciso colocar em questão o superavit primário, mas não apenas reduzir um pouquinho. Eu proponho o fim do superavit primário. Ou seja, é preciso andar na direção contrária à que esse governo está indo. BF – Foi um erro o PT ter se transformado em governo? Sokol – Com certeza. Desde 1917 há uma convicção de que partido é uma coisa e Estado, outra. Mas o caso da União Soviética foi uma transformação profunda, uma revolução que mudou a ordem social e política, o que ainda não aconteceu em nosso país. Na discussão interna do PT, após as eleições, se anunciou que o Silvinho (Sílvio Pereira) e o (José) Genoíno iam compor uma comissão para cuidar dos cargos. Eu manifestei minha posição contrária a essa decisão, que só poderia trazer maus resultados. Eu não podia imaginar o tamanho do problema, mas é evidente... você pôr gente do partido para cuidar de questões do governo... Se essas personagens eram tão necessárias para eles, tinham de se licenciar do partido para assumir um cargo qualquer no governo. BF – Como deve ser o papel dos movimentos populares nesse cenário? Sokol – Aí entra a segunda citação que fiz do manifesto de fundação do partido. Nós estamos engajados agora no processo de preparação, para dia 4 de setembro, de um encontro nacional de trabalhadores da cidade e do campo, que se realizará em São Paulo, na quadra do Sindicato dos Bancários. Entre as bandeiras do encontro, estão a estatização das fábricas ocupadas, a reestatização dos serviços públicos das empresas privatizadas, a realização da reforma agrária para um milhão de famílias, conforme a proposta da comissão de trabalho coordenada por Plinio Arruda Sampaio, a soberania nacional. O objetivo desse encontro não é substituir nenhuma organização social existente, mas contribuir fortemente para que o movimento social volte a ter o protagonismo que nunca deveria ter deixado de ter, em face do novo governo. BF – O que poderá acontecer ao partido caso o Campo Majoritário vença o PED? Sokol – O mínimo que a gente pode dizer é que a situação é dramática. Desde o início da crise a gente tem dito que não se trata de problema de indivíduos, nem mesmo de grupos. É o partido que está em

O economista Markus Sokol foi militante da seção brasileira da 4ª Internacional, e esteve entre os que saíram pelos sindicatos e bairros para angariar filiados ao PT. Participou dos primeiros congressos da CUT, esteve na tesouraria da campanha de Eduardo Suplicy para a Prefeitura de São Paulo, em 1985, na coordenação da campanha de Luíza Erundina para prefeita, em 1988, e na secretaria de comunicação da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1994. Em 2004, encabeçou a campanha contra o envio de tropas brasileiras ao Haiti, levando ao governo uma petição com 15 mil assinaturas. questão, um problema decorrente da política levada pelo governo, apoiada pela direção. Muita gente que hoje aparece como crítico disputou pessoalmente, inclusive, a última eleição municipal com coligação com o PL. E o que é o PL? Se metade do que a mulher do Valdemar da Costa Neto (presidente do PL) disse for próximo da verdade, você tem uma visão do que é esse partido. O que nós estamos fazendo, aliados a esse partido? Aliado preferencial, não é dos que chegaram depois da eleição não. Tem o José Alencar de vice. Então nós estamos pagando um preço por isso. Dizemos com tranqüilidade, não que eu esteja feliz, mas digo com tranqüilidade que não tenho nenhuma autocrítica a fazer. Não vou pedir desculpas a ninguém porque não tenho nenhuma desculpa a pedir. Nenhum candidato da nossa corrente participou ou se beneficiou de caixa dois ou de esquema paralelo. Agora estamos muito à vontade para apoiar todas as medidas mais duras contra os principais responsáveis por essa situação, mas não para criar um bode expiatório. Nós queremos fora os corruptos do PT e principalmente de suas políticas. Senão vamos trocar seis por meia dúzia. BF – O senhor acha que as elites estão satisfeitas com o governo Lula? Sokol – Se não estivessem, já o teriam derrubado há tempo... Há interesses contraditórios, diferenciação de setores. Mas, na América Latina, nós conhecemos a voz do dono. A voz do dono é a do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, John Snow, que esteve no Brasil dias atrás e se reuniu com o presidente. Ele disse que a política do governo é espetacular porque o governo está fazendo a coisa certa. Até se declarou fã do ministro Palocci (da Fazenda). A partir daí, PSDB, PFL foram se alinhando e terminaram dizendo que não cogitavam o impeachment. Por enquanto. Mas o principal interesse das elites é destruir o PT como parte do processo de destruição das organizações populares. Não vai parar no PT, vai para a CUT, para a UNE, para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). E o governo Lula elas deixam aí, pendurado como um cadáver. Na próxima eleição, troca-se.


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NACIONAL ELEIÇÕES NO PT

Unidade para superar a crise U

m dos erros da atual gestão do PT foi se confundir com o governo, avalia a candidata à presidência do PT, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). “Nós abrimos mão de construirmos uma reflexão com a sociedade, capaz de fazer o governo avançar mais do que poderia. A ausência de autonomia por parte do partido também comprometeu o governo ao longo do último período”, afirma a militante petista, integrante da corrente Movimento PT. Apesar do desgaste da crise, Maria do Rosário lembra que o PT é importante para o povo brasileira e defende que é necessário somar forças nesse momento. “Precisamos de firmeza e de inteligência política, e de unidade na reconstrução do PT para superarmos essa crise, que é o que nós devemos ao povo brasileiro”, diz. Brasil de Fato – O governo Lula já ultrapassou 2 anos e meio de mandato. Qual a sua avalição? Maria do Rosário – Bem, há uma diferença muito grande entre o Brasil que gostaríamos de ter construído ao longo desses dois anos e meio e aquilo que conseguimos fazer. Mas valorizamos as conquistas deste período. Isso é importante e temos que continuar lutando por mudanças que possam ampliar as características de superação das injustiças sociais que caracterizam o Brasil pelo governo Lula. Para isso, o PT é essencial; o partido deve afirmar o seu programa e levar essas propostas ao governo de acordo com o seu projeto. Penso que a referência para o próximo período deve ser a Carta ao Povo Brasileiro que o movimento social levou ao presidente Lula recentemente. É uma referência de programa que deve ser observado pelo nosso governo. Portanto, para sairmos dessa crise, ao contrário de cedermos às pressões dos setores que buscam uma ortodoxia ainda maior, é importante ouvirmos mais a sociedade e estabelecermos uma transição que atenda os interesses dessa sociedade. BF – Quais são as conquistas importantes no governo? Maria do Rosário – Vou citar alguns exemplos. Desde o tema da geração de empregos, no qual superamos a marca de 3 milhões de empregos. É importante que o país tenha conseguido estabelecer uma agenda internacional de respeito, há uma nova relação com a América Latina, África, revertendo as relações comerciais do período do Fernando Henrique Cardoso concentradas sobremaneria nos Estados Unidos. Outra conquista é ter barrado a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Considero entre os avanços importantes, elementos inclusivos da população, por exemplo, na área educacional, políticas públicas eficazes e recuperar o próprio papel do Estado. Não é por acaso que tivemos uma diminuição muito grande dos setores terceirizados e o incremento de concursos públicos no último período. BF – A senhora citou a Carta ao Povo Brasileiro. Uma das principais reivindicações desse documento é a imediata mudança na política econômica. Concorda? Maria do Rosário – Considero que a política econômica não é uma religião e que os pressupostos da política coordenada pelo ministro Antônio Palocci (Fazenda) não possam ser vistos como dogmas inquestionáveis. Nós podemos apoiar o governo Lula, devemos apoiar o governo Lula e, ao

Divulgação

Nilton Viana da Redação

Marcello Casal Jr/ABR

Maria do Rosário, candidata do Movimento PT, defende acúmulo de forças para reconstruir o partido

Quem é

Funcionários públicos fazem manifestação de apoio ao presidente Lula na Granja do Torto, em Brasília

mesmo tempo, buscar mudanças na política de juros, no superavit primário. Eu avalio que aos olhos de uma parcela considerável da população, a dívida social ficou à margem do foco principal do governo no último período ficou diminuida frente a gestão macroeconômica. Parece-me que não é contraditório apoiarmos o governo e apoiarmos mudanças na política econômica, porque a superação nesta crise atual está em conseguirmos avançar em uma transição para o próximo período, no qual o presidente Lula e nosso governo estabeleçam compromissos ainda mais firmes com esses movimentos que dão sustentação real ao governo na base da sociedade.

Uma parcela da direção do PT foi cooptada por estes esquemas tradicionais da política. Nós não tínhamos o direito de nos misturar com estas situações BF – Nesse cenário, como define qual deve ser o papel dos movimentos sociais? Maria do Rosário – Eu considero que os movimentos sociais atuam com uma maturidade muito grande. Eles apontam as limitações do governo, mas sabem que uma derrota do presidente Lula e do PT podem significar um retrocesso e que as forças que foram derrotadas democraticamente no último período encontrem fôlego para retomar o seu projeto privatizante do Estado brasileiro e distancie ainda mais o Estado do atendimento das necessidades da população. A formulação de uma carta ao povo brasileiro é, em verdade, um contraponto àquela que foi apresentada na época da campanha eleitoral pelo presidente Lula; é uma estratégia bastante importante e, quando o movimento social se dispõe a ir para as ruas em defesa desse governo, denunciando a estratégia da direita, este movimento acumula para tensionar mudanças importantes no governo para o próximo período. BF – Como avalia a grave crise que envolve hoje os principais dirigentes do PT? Maria do Rosário – A minha avaliação é que uma parcela da direção do PT foi cooptada por estes esquemas tradicionais da política, esquemas que não foram inventados por eles, mas que nós não tínhamos o direito de nos misturar com estas situações. A crise que nós vivemos é a mais forte a atingir os setores populares e de esquerda

no nosso país ao longo de muitos anos, mas nós precisamos acreditar e recuperar o PT porque esse resgate poderá construir uma perspectiva real de vitória para os setores populares, de superação dessa crise e de vitórias para os setores populares. Sem o PT, dificilmente esse governo poderá assumir um carácter ainda mais conseqüente no atendimento das reivindicações dos movimentos sociais e da sociedade em geral. Portanto, qualquer estratégia que seja de rompimento com o PT não contribui com o povo brasileiro, nesse momento. BF – A senhora também concorda que o PT errou ao se transformar em governo? Maria do Rosário – É lamentável que a direção do PT tenha abdicado do próprio programa do projeto partidário e da autonomia do partido na sua relação com o governo. Com essa postura, nós diminuimos inclusive a constribuição do partido ao governo. É claro que o partido deve fazer a sustentação ao governo. Mas a melhor sustentação ao governo é estabelecer uma mediação das posições possíveis ao governo com as posições reivindicadas pela sociedade. Ao diminuir o programa do partido ao que era possível o governo realizar em cada momento, nós abrimos mão de construirmos uma reflexão com a sociedade, capaz de fazer o governo avançar mais do que ele poderia. A ausência de autonomia por parte do partido também comprometeu o governo ao longo do último período. BF – Como candidata à presidência do PT, quais são as suas propostas concretas para mudar a situação do partido? Maria do Rosário – O PT é um partido com uma importância muito grande para o povo brasileiro. Ele conseguiu imprimir na vida política nacional valores e padrões tanto do ponto de vista ético quanto da organização política muito relevantes que não podem ser desvalorizados. Portanto, defender o PT é uma tarefa essencial da democracia brasileira. O nosso programa de atuação com a chapa Movimento PT propõe um partido de debate, um partido no qual a unidade é construída a partir do debate político franco, fraterno e firme. Um partido que recupere o debate político como parte da sua essência e da sua vivência política. Um partido no qual nós não precisamos apenas retomar e construir uma nova maioria, mas onde se construa e retome valores democráticos, valores da democracia partidária. Portanto, um partido com equilíbrio entre todas as forças políticas em que não exista um campo majoritário em caráter permanente, mas onde maioria e minoria sejam mediadas pela opinião política a cada momento.

E, onde todos, independentemente da posição que estejamos no resultado dessa eleição, tenhamos tarefas a desempenhar na direção do partido. BF – Como deve ser a atuação de quem ganhar a eleição no partido? Maria do Rosário – Quem ganhar essas eleições no PT deve chamar os demais a operar e a fazer um programa para o partido de revalorização de suas instâncias, de superação da lógica que substituiu a instância partidária pelas tendências. As tendências têm importante tarefa no PT como formuladoras da política, mas não devem substituir as instâncias partidárias, que são uma mesa onde todas as tendências, grupos de pessoas devem estar sentadas para construirem a unidade de atuação do PT e a formulação do seu projeto político.

É lamentável que a direção do PT tenha abdicado do próprio programa do projeto partidário e da autonomia do partido na sua relação com o governo BF – É possível resgatar a participação da militância? Maria do Rosário – Acho que podemos ter mudanças no estatuto do partido que resgatem o papel dos encontros partidários, um calendário de luta, as bandeiras histórias e, especialmente, o vínculo do PT com os movimentos sociais. O PT pode e deve ser um partido de governo e deve ser um partido vinculado aos movimentos populares. O PT parou de formar quadros, deixou de formar quadros na exata proporção em que nós nos afastamos dos movimentos sociais. Não é na institucionalidade ou nos governos que nós formamos quadros dirigentes para o Brasil. Os nossos quadros são formados no movimento popular, na luta sindical. Mas existem novas lutas que, no PT, devem ter valor idêntico, que é o tema de gênero, que trabalha a questão da igualdade e da diversidade, o tema da orientação sexual, da cultura, da organização da comunidade, trazendo valores históricos do povo negro, das comunidades indígenas, da luta ambiental, da sustentabilidade. São questões da nossa época e eu acredito realmente que são formadoras de uma nova cultura política no Brasil e que o PT deve estar atento. BF – Ainda sobre o governo. Quais são as medidas que o Lula

Formada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria do Rosário nasceu em Veranópolis (RS) e tem 39 anos. Iniciou sua militância no movimento estudantil secundarista na década de 1980. Foi eleita vereadora de Porto Alegre, em 1992 e em 1996. Em 1998, foi eleita deputada estadual e, em 2002, deputada federal. Na Câmara dos Deputados coordena a Frente Parlamentar em Defesa da Criança e do Adolescente, é também coordenadora do Núcleo de Mulheres do PT e representante do Congresso Nacional na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. deve tomar de imediato para mudar completamente o perfil de sua gestão? Maria do Rosário – O governo deve se preparar e apresentar um orçamento para o próximo ano que responda às necessidades da população brasileira e amplie seu curso no atendimento às reivindicações do movimento popular e social. Preocupa-me que no orçamento do próximo ano já existam anúncios de corte de recursos nas áreas do desenvolvimento econômico e na área social. Essa é uma medida imediata. Acho que o PT deve se somar à sociedade brasileira para que a agenda de superação da crise não seja ocupada pela orientação ortodoxa da economia. Quem vai superar essa crise é o povo, unido ao seu governo. O PT deve abrir o debate sobre menos autonomia para o Banco Central (BC), porque tentam impôla embora o projeto da autonomia do BC mesmo não tenha sido votado. Hoje, temos uma política monetária quase que autônoma dos interesses do povo brasileiro e do nosso governo. E acho que a reforma política é essencial. BF – As elites querem derrubar o governo Lula ou estão satisfeitas com ele? Maria do Rosário – As elites não têm uma única estratégia para derrotar o povo brasileiro. Elas testam suas idéias, fazem pesquisas sobre isso. E quando vêem que o impeachment mais cheira golpe e que o povo não aceitaria, mudam rapidamente as suas estratégias e são capazes e com grande agilidade de retomar a perspectiva de fazer Lula sangrar, o PT se desgatar. O que nos indigna é que muitos companheiros do PT, da direção petista, tenham dado uma mãozinha para esses setores. Precisamos de firmeza e de inteligência política, e de unidade na reconstrução do PT para superarmos essa crise, que é o que nós devemos ao povo brasileiro. Eu acho que esse partido conseguiu conjugar socialismo e liberdade, socialismo e democracia. Portanto, ele merece todo o nosso esforço no seu resgate. E por isso, todos nós devemos saber que somos importantes para o PT, mas especialmente que o PT é mais importante para as nossas vidas e para o povo brasileiro.


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DEBATE ALEMANHA

Desafios da esquerda nas eleições Ana Saggioro Garcia xiste um interessante paralelo entre a Alemanha e o Brasil neste momento: ambos os países passam por uma crise política que, por motivos muito diferentes, podem dar um novo rumo às esquerdas, tanto a institucional/partidária quanto a social. Um governo que, a princípio, seria de centro-esquerda, foi eleito sob grande esperança de mudanças de rumo da política conservadora e por uma política social que apresentasse soluções para a grande massa de desempregados, que desenvolvesse e fomentasse políticas ecológicas (principalmente passando da produção de energia nuclear para fontes de energia sustentáveis), enfim, com partidos que estariam do lado da classe trabalhadora, com fortes laços no movimento sindical e provindos de importantes movimentos sociais, como o movimento ecologista. O Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Verde (Bündnis90/Die Grüne) assumiram o governo em 1998 após 16 anos de governo conservador-liberal liderado por Helmut Kohl. Já no início de seu primeiro mandato, este governo chamado de “vermelho-verde” dava significativos sinais de sua verdadeira face: a importante figura da esquerda do SPD, o “keynesiano” ministro da economia Oscar Lafontaine abandona seu cargo no governo e no partido por estar em desacordo com as políticas conduzidas por Schröder e seus compromissos com grandes empresários. Também neste primeiro mandato, a Alemanha põe, pela primeira vez após a Segunda Guerra Mundial, seus tentáculos militares para fora do país ao entrar por meio da Otan nas guerras de Kosovo e Afeganistão. Esta política militarista e alinhada aos EUA é feita precisamente sob o “comando central” de um partido nascido do movimento pacifista, ecológico e antimilitarista, o Partido Verde. Schröder se reelegeu opondose à invasão do Iraque. No mesmo mês em que as forças imperialistas atacavam aquele país, março de 2003, Schröder faz seu mais importante discurso no parlamento alemão, lançando seu principal programa, a chamada Agenda 2010. O que esta agenda representa é a consolidação do neoliberalismo a este país: o total desmantelamento dos direitos trabalhistas, dos direitos sociais, a institucionalização da pobreza (com a dissolução da ajuda social e ajuda ao desemprego em uma só remessa que tem um valor bem abaixo dos até agora proferidos), a consolidação legal da precarização do trabalho e da vida (com o fomento a miniempregos, empregos a 1 euro/hora e inclusive a obrigatoriedade de se aceitar qualquer tipo de emprego sob perigo de sanções e cortes da ajuda estatal). Com isto, importantes valores foram redefinidos: a população é chamada a mostrar mais “trabalho voluntário”, é exigido do indivíduo que assuma responsabilidade sobre sua própria condição social, e o conceito de justiça social é totalmente redefinido nos discursos políticos. Enfim, o existente Estado de Bem-Estar Social é apresentado como um “fardo” carregado por aqueles que “realmente trabalham” e o(a) desempregado(a) é exposto como “preguiçoso(a)”. Este pacote de “reformas” tem muitas medidas que não cabe serem detalhadas neste espaço. Importante é que elas foram introduzidas passo a passo, o que abafou a possibilidade de uma revolta e mobilização geral da população. Esta estratégia, no entanto,

Kipper

E

não funcionou por completo. Ao anunciar o conjunto de medidas relativas ao mercado de trabalho, seguro desemprego e seguro social (um subpacote chamado “Hartz”, denominado pelo nome do presidente da comissão que o elaborou, o diretor da Volkswagen Peter Hartz), talvez o governo “vermelho-verde” não contasse com a massa de desempregados e trabalhadores precarizados que ocuparam as ruas das principais cidades do leste da Alemanha durante o verão de 2004. Já anterior a estas demonstrações de massa, mas ganhando força através delas, deu-se um processo de dissidência e desfiliação dos partidos no governo, principalmente integrantes de setores de esquerda do SPD e sindicalistas filiados a este partido. Estes e alguns outros grupos formaram uma associação, que posteriormente adquiriu caráter partidário, denominada “Iniciativa Eleitoral Trabalho e Justiça Social” (WASG, sigla abreviada em alemão).

Esta política militarista e alinhada aos EUA é feita precisamente sob o “comando central” de um partido nascido do movimento pacifista, ecológico e antimilitarista, o Partido V A WASG é composta principalmente por sindicalistas (especialmente do Verdi, sindicato unificado do setor de serviços) e dissidentes do SPD, mas também por integrantes de movimentos sociais, alguns integrantes de redes contra a globalização (como o attac) e inclusive alguns grupos trotskistas. Ou seja, uma grande mistura que se uniu em oposição às medidas da Agenda 2010, especialmente o “Hartz IV”. Enquanto que no leste da Alemanha o PDS – Partido do Socialismo Democrático, derivado do antigo Partido Unificado da exAlemanha socialista – ainda é a mais votada força de esquerda, o WASG vem conseguindo, mesmo que ainda de forma debilitada, chamar a atenção de parte da população na Alemanha Ocidental que costumava votar nos partidos do governo.

Em maio deste ano, ao perder as eleições no Estado de NordreinWestfallen e, com isso, a maioria da segunda Câmara Legislativa (Bundesrat), Schröder viu-se obrigado a pedir a antecipação das eleições parlamentares em um ano, para obter novamente legitimidade para seguir governando. É provável que ele tenha contado com o despreparo de seus adversários, tanto de direita quanto de esquerda, já que a oposição conservadora ainda adiava a decisão sobre quem seria candidato, e a esquerda se encontrava desunida e incapaz de mobilizar as massas e canalizar suas reivindicações de forma efetiva. PDS E WASG

O tiro de Schröder saiu de certa forma pela culatra. Não só a oposição conservadora lançou rapidamente a candidatura de Angela Merkel (presidente da CDU, uma mulher da Alemanha Oriental que tem grandes chances de ganhar), como as duas forças institucionais de esquerda, o PDS e a nova alternativa eleitoral WASG, se viram obrigadas a adiar discussões e debates internos (que seriam realizados com muita ardência ao longo do próximo ano) e dar um passo ousado, fazendo uma aliança de esquerda com uma única lista eleitoral. Este passo não é fácil. Primeiro alguns impedimentos legais: o WASG não é partido e os dois juntos não poderiam formar um novo partido de esquerda às pressas em poucos meses, tendo o PDS assim que abrir sua lista para os integrantes do WASG se candidatarem. E muitos impedimentos políticos. Há uma grande oposição do WASG ao PDS na capital federal Berlim, onde ele está governando em aliança com o SPD e implementando medidas neoliberais de cortes (há inclusive divergências dentro do próprio PDS em relação a este governo). O PDS é um partido de programática socialista, a grande maioria de seus integrantes tem acima de 50 anos e vem da antiga Alemanha Oriental. Sua socialização provém, portanto, de um sistema que, apesar de todos os defeitos conhecidos, era anticapitalista. Já a maioria dos integrantes do WASG tem ideais social-democratas, de preservação dos direitos trabalhistas e sociais num sistema de bem-estar social dentro do capitalismo. E por fim, o muro de Berlim ainda ronda muitas mentes: há um

preconceito de ambos os lados, separando ainda a Alemanha em dois. Para dissidentes do SPD e dos sindicatos era impensável uma filiação ao PDS. Este partido não tem praticamente nenhuma representação no lado ocidental da Alemanha, ele não faz parte da cultura política desta geração de pessoas. A grande maioria dos cidadãos e cidadãs de esquerda dos antigos Estados federais alemães ainda liga o PDS ao regime autoritário da ex-RDA (República Democrática Alemã, parte ocupada pelo Exército vermelho após a Segunda Guerra), e o concebe como sucessor do antigo Partido Comunista Unificado, o SED. Já do lado do PDS, existe a sensação de “pertença” e “reconhecimento do outro” no lado oriental que não é achada no lado ocidental. O impacto dos problemas sociais e de desemprego é bem maior, e muitos não querem se juntar ao “reformismo” sindical e socialdemocrata. São preconceitos que demonstram um grande desconhecimento de um e de outro, que provém de passados e socializações separadas, assim como da condução de vidas paralelas que muito pouco se cruzaram.

O impacto dos problemas sociais e de desemprego é bem maior, e muitos não querem se juntar ao “reformismo” sindical e socialdemocrata A atual negociação entre PDS e WASG para uma aliança de esquerda nas eleições antecipadas para setembro deste ano tem sido conduzida pelas Executivas dos dois lados. Importantes figuras “midiáticas” como Gregor Gysi (PDS) e Oscar Lafontaine (recém filiado ao WASG) têm sido motores desta negociação que pode vir a ser uma “re-reunificação” alemã. As Executivas tentam convencer as bases de que é importante deixar os preconceitos e alcançar uma bancada parlamentar no próximo mandato que será, possivelmente, ainda mais neoliberal que o atual. É importante lembrar que, na Alemanha, é necessário ao menos 5% dos votos para formar uma bancada no parlamento. Neste momento, os dois grupos em separado não obteriam esta porcentagem do eleitorado. Juntos, no entanto, a última pesquisa lhes deu 11% das intenções de voto até agora. A saída encontrada no momento foi a que melhor se encaixava juridicamente: os integrantes do WASG irão se candidatar sob a lista eleitoral do PDS; este, por seu lado, conseguiu, extraordinariamente e com muito jogo de cintura de seus líderes, mudar de nome no âmbito federal: passou de PDS para “Esquerda Democrática – PDS” (nos Estados federais, os núcleos dos PDS poderão continuar usando somente a sigla do partido). Após as eleições, a intenção é dar início ao processo de formação de um novo partido de esquerda. E o que diz a população? Esta continua em sua maioria à parte destas articulações. O maior desafio desta aliança eleitoral, e de um futuro partido de esquerda, é a mobilização das massas, ou melhor, incluir o povo participando neste processo de construção das alternativas que são para ele, não para as elites. Com isso, deve-se propor uma “agenda social” baseada em um processo constante de participação democrática e popular, que corresponda às necessidades dos(as) desempregados(as)

e “precarizados(as)”. A formação desta nova força unificada da esquerda institucional tem como maior desafio sua interação com a esquerda social, ou seja, com os movimentos sociais de base, e com a população, rompendo assim a tradição alemã da “expertcracia”, a democracia conduzida por especialistas, técnicos e políticos profissionais de carreira. Para isso, é necessário primeiramente um processo interno de democratização, “horizontalização” e não-exclusão das bases.

O maior desafio desta aliança eleitoral, e de um futuro partido de esquerda, é a mobilização das massas A democracia representativa e a via parlamentar-institucional têm, cada vez mais, perdido credibilidade como instrumento de um processo transformador. Os movimentos sociais na Alemanha têm se mostrado céticos em relação ao acúmulo de forças concentrado na via eleitoral. Os sindicatos se encontram divididos: enquanto que o IG Metall e o Verdi estão cada vez mais envolvidos, inclusive encabeçando postos dentro do WASG, a central sindical DGB – tradicionalmente ligada à social-democracia – demonstra-se oficialmente cética com a formação de um novo partido de esquerda, e ainda acredita na luta por mudanças dentro do próprio SPD. Em um recente artigo no jornal alemão Frankfurter Rundschau (“Weniger wird mehr sein”, 13/ 07/2005), o professor Ulrich Brandt nos lembra pertinentemente do fundamental: alternativas reais não vão surgir somente por meio de um partido ou um programa que tirarão votos do SPD e dos Verdes; elas surgirão pela transformação da correlação de forças sociais, da orientação dominante, e de um projeto contra-hegemônico que vem se desenvolvendo aos poucos. Para ele, para que um novo partido de esquerda seja representativo, ele tem que “se retirar”, entendendo que uma relevante re-fundação da esquerda é um processo mais amplo que a fundação de um partido, e que muito já vem acontecendo em termos de reflexões teóricas, formação e articulação nas bases dos movimentos sociais.

A experiência peculiar do PT no Brasil serve de lição, uma lição que infelizmente deu errado Portanto, a esquerda institucional que pode vir a ser re-fundada com sucesso não substituirá o processo difícil e necessário de uma luta social que tem lugar nas massas, nas bases, que se desenvolve na luta cotidiana e prática. Elas devem, sim, se interagir. O novo partido de esquerda alemão deve ser um ator social ativo nestas lutas, sem instrumentalizálas e canalizá-las puramente para a via eleitoral. A experiência peculiar do PT no Brasil serve de lição, uma lição que infelizmente deu errado. Poderá a nova experiência da esquerda alemã apontar alternativas para a radical transformação da esquerda brasileira já em curso? Ana Saggioro Garcia é cientista política pela Universidade Livre de Berlim


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De 25 a 31 de agosto de 2005

agenda@brasildefato.com.br

AGENDA CEARÁ RIO DE JANEIRO 4ª SEMANA SOCIAL BRASILEIRA 25 a 27 A Semana reunirá representantes de cada diocese do Ceará, pastorais sociais, Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) e organismos da Igreja Católica, entidades da sociedade civil e de outras igrejas. O tema nacional do evento será “Mutirão por um Brasil que queremos” Local: Sesc Iparana, Caucaia Mais informações: (85) 3272-3100

DISTRITO FEDERAL 5ª CONFERÊNCIA DAS AMÉRICAS PARA O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 20 a 22 de setembro O evento tem entre seus promotores entidades como o Ministério do Meio Ambiente, o Pnuma, o British Council e o governo de Minas Gerais. Reunirá as principais lideranças nacionais e internacionais na área de ambiente e desenvolvimento sustentável. Durante o encontro, haverá também a entrega do Prêmio Verde das Américas 2005. As inscrições podem ser feitas na página de internet www.greenmeeting.org Local: SCS, Qd. 4, Bloco A, Ed. Anápolis 304, Brasília Mais informações: coord@greenmeeting.org MOSTRA – HENFIL DO BRASIL Até 25 de setembro Em seis blocos, a mostra traz um panorama da cultura brasileira por meio do perfil de cada um dos 27 personagens criados pelo cartunista entre as décadas de 1960 e 1970, e que até hoje continuam atuais. Com humor peculiar, Henfil mostrava as mazelas do Brasil. A partir de Fradinho, Zeferino, Graúna, Bode Orelana, Delegado Flores, Ubaldo e outros personagens, ele criticava a desigualdade social, a fome, a corrupção, a violência, o conservadorismo, o racismo, a ditadura e defendia, arduamente, o movimento “Diretas Já”. Local: Clubes Esportivos Sul, trecho 2, lote 22, Brasília Mais informações: (61) 310-7087

MINAS GERAIS 4° FESTIVAL NACIONAL LIXO E CIDADANIA 5 a 11 de setembro Com o objetivo de discutir a realidade sócio-econômica-ambiental do Brasil, a programação do festival inclui lançamentos de livros, oficinas para crianças, exposições, feiras de produtos reciclados, desfile de moda com roupas feitas a partir de materiais reaproveitáveis e shows. Local: Galpão dos Catadores, R. Ituiutaba, 460, Prado, Belo Horizonte Mais informações: (31) 3295-6320, www.festivallixoecidadania.com.br

RIO DE JANEIRO SEMINÁRIO – SAÚDE REPRODUTIVA, ABORTO E DIREITOS HUMANOS 26, das 14h às 19h Promovido pela Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos (Advocaci), em parceria com a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro, o seminário integra uma iniciativa do Projeto Estratégias Jurídicas e Proteção dos Direitos Reprodutivos: o Aborto e os Direitos Humanos das Mulheres. Local: R. do Carmo, nº 7, 16º andar, Centro, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2507-6789 advocaci@advocaci.org.br 1º ENCONTRO VOZES POSITIVAS 31 Promovido pela Comunidade Internacional de Mulheres Vivendo com HIV/Aids, o objetivo do even-

2º SEMINÁRIO INTERNACIONAL – UM OUTRO OLHAR SOBRE A AMÉRICA LATINA 29 de agosto a 1º de setembro, 18h30 O tema do seminário, promovido pelo Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Escola de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, será “A universidade e a luta pela democracia”. Durante o evento haverá mesas-redondas sobre os seguintes temas: “A luta pela democracia na América Latina hoje”, “Alternativas para a democratização da universidade pública na América Latina”, “O papel social da universidade em plena era neoliberal”, “As políticas afirmativas e inclusivas: democratização do ensino superior ou exclusão institucionalizada?”. Durante o seminário também haverá minicursos e oficinas sobre os temas: “As lutas de resistência popular no Equador, Bolívia e região andina”, “Arte e sociedade na América Latina: “O muralismo mexicano e a plástica cubana pós-revolução”, “Conquistas e dilemas da revolução cubana na construção do socialismo”, “Avanços e desafios da Venezuela bolivariana”. Entre os expositores e debatedores estarão Miguel Urbano Rodrigues (jornalista, Portugal), Carlos Alvarado (dirigente do PCMLE, Equador), João Pedro Stedile (MST), Lená Medeiros de Menezes (UERJ), Aquiles Castro (Universidade de Santo Domingo, República Dominicana), Adelar Pizetta (MST), José Roberto Meyer Fernandes (UFRJ), Gilberto Maringoni (jornalista), Luiz Ricardo Leitão (escritor). Local: Uerj (Auditório 91), UFRJ (Salão Pedro Calmon), Unirio, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2587-7162

to é tratar de temas como discriminação e direitos humanos para formar uma rede de ajuda mútua entre as participantes. Local: Av. República do Chile, 230, 17º andar, Centro, Rio de Janeiro Mais informações: jucaraportugal @yahoo.com.br CURSO – O PODER AMERICANO De agosto a outubro Promovido pela Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) e pela Associação dos Mantenedores Beneficiários da Petros (Ambep) e coordenado pelo professor José Luís Fiori, o curso contará com dez aulas de 60 minutos, seguidos de 30 minutos para debates. Datas das aulas: 24/8, 30/8, 1º/9, 8//9,15/9, 22/9, 29/9, 6/10, 13/10 e 20/10 Local: sede da Ambep, R. Álvaro Alvin, 21, 6º andar, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2509-6165

SÃO PAULO DIA DO HAITI NA USP 25 Além da exposição fotográfica, a partir das 10h, haverá um ciclo de palestra, às 19h30, no auditório de História USP. Palestrantes: Oswaldo Coggiola – professor de História; Sandra Quintela – integrante da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade com o Povo Haitiano; José Arbex Jr. – jornalista; Fernando Gabeira – deputado federal; testemunhas da situação no Haiti; Roberto Cabrini – jornalista; Vidal Cavalcante – fotógrafo; José Maria Mayrink – jornalista; Tonico Ferreira – jornalista. Participação especial: atriz Beatriz Tragtenberg. Manifestação de artes plásticas em solidariedade com o Haiti: das 16h30 às 19h, no vão livre da História Vídeo; Documentário Outro Haiti é Pos-

sível: das 18h às 19h, no auditório de História; Música: 22h30, Grupo de Reggae Confrontation e Hip Hop Pânico Brutal, Lado Obscuro e Submundo Racional Local: Prédio de Geografia e História na USP, São Paulo DEBATE CONJUNTURA DA POLÍTICA NACIONAL 25, 19h Promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema), o evento terá entre os debatedores: Ricardo Gebrim, presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo; Altamiro Borges, jornalista e editor da Revista do Centro de Estudos Sindicais; vereador Francisco Fiori (PT); Jorge Luiz Martins, diretor da Executiva Nacional da CUT. Local: sede do Sintaema, Av. Tiradentes, 1323, São Paulo Mais informações: (11) 3289-8511 ATO NA AVENIDA PAULISTA 26, 11h Funcionários de repartições públicas e de setores privados, sindicalistas, trabalhadores semteto, sem-terra, desempregados, estudantes, representantes de movimentos de mulheres e negros, entre outras entidades, vão participar do ato, promovido pela CUT-SP e CUT Nacional, em parceria com a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), que representa 50 entidades sociais e populares de todo o país. Os trabalhadores vão protestar em defesa da mudança da política econômica, que tem travado o desenvolvimento econômico e a geração de empregos; de reformas política, agrária e urbana, e também focarão questões relacionados ao Estado de São Paulo, como o desmantelo dos serviços públicos no governo Geraldo Al-

ckmin (PSDB). Local: vão livre do Masp, Av. Paulista, 1578, São Paulo MOSTRA SESC DE ARTES Até 28 A mostra tem como objetivo promover o diálogo entre as diversas culturas unidas ou influenciadas por países ligados ao mar mediterrâneo. Ao todo, são 163 grupos convidados (62 internacionais e 101 nacionais) de 18 países de três continentes (África, Ásia e Europa) que se apresentarão em diversas unidades do Sesc da capital e da Grande São Paulo. As atividades estão distribuídas nas áreas de música, dança, teatro, cinema, literatura, artes visuais, cultura digital, gastronomia, moda/comportamento. Haverá ainda o seminário internacional “Fronteiras do Mediter-

râneo: tecendo culturas, memórias e identidades”. Local: Sescs de São Paulo e da Grande São Paulo. Mais informações: www.sescsp.org.br 4º ENCONTRO DA MÍDIA LEGAL – POLÍTICAS DE INCLUSÃO 30 de agosto, 14, 22 e 27 de setembro, das 9h às 12h O encontro é fruto de uma parceria entre o Centro de Direitos Humanos, Escola de Gente, Grupo 25, Instituto Pro Bono e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. A capacitação, voltada a alunos de Jornalismo, Ciências Sociais e Direito da Universidade de São Paulo, é composta por palestras, debates e análises críticas da mídia sob a ótica do conceito de inclusão, defendido pela ONU. O principal objetivo do encontro é contribuir para a formação de uma geração de universitários, profissionais da mídia e formadores de opinião qualificada na abordagem do tema “inclusão, prioritariamente das pessoas com deficiência”. Local: Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicação e Artes da USP, Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, Cidade Universitária, São Paulo Mais informações: comunicacao@intervozes.org.br CONSULTA NACIONAL SOBRE VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 25 a 27 de setembro Promovida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a iniciativa faz parte do processo de construção de um estudo global, liderado pelas Nações Unidas, recomendado pelo Comitê dos Direitos da Criança ao secretário-geral da ONU, Kofi Annan. O estudo global reunirá informações de todo o mundo a partir de levantamentos nacionais e regionais. No Brasil, a Consulta terá como produto a Plataforma Brasileira de Enfrentamento da Violência contra Crianças, Adolescentes e Jovens Brasileiros – Metas e Ações. Local: Av. Auro Soares de Moura Andrade, 564, São Paulo Mais informações: www.consulta nacionalviolencia.com.br

Dia 31 – Brasília (DF) Protesto levará carrinhos de bebês e fraldas pintadas ao Congresso para exigir mudanças no Fundeb. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Fundação Abrinq, o Movimento Interfórum de Educação Infantil, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, junto com sindicatos, institutos empresariais, organizações, movimentos de mulheres e redes sociais vão exigir do Congresso Nacional mudanças à Proposta de Emenda Constitucional – PEC 415, que institui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A proposta apresentada pelo governo federal ao Congresso em junho tem várias e graves limitações à expansão e à melhoria da qualidade da Educação Básica no Brasil. Mais informações: (11) 3151-2333 (r 103, 133, 140 e 143), www.campanhaeducacao.org / campanha@aacoeducativa.org


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CULTURA

De 25 a 31 de agosto de 2005

MEMÓRIA NEGRA

Museu Afro-Brasil corre risco de fechar Bel Mercês da Redação

P

rojeto que começou a ser idealizado há três anos e ganhou vida no final de 2004, o Museu Afro-Brasil pode fechar as portas, com menos de dez meses de existência. Montado com o acervo particular do artista plástico baiano Emanoel Araújo, coletado ao longo de 40 anos, o museu reúne cerca de 3.200 obras dos séculos 18 e 19. Elaborado por um grupo multidisciplinar de artistas, historiadores e antropólogos, o Afro-Brasil é o maior acervo de obras de arte sobre a presença negra no Brasil, com referências de grandes movimentos artísticos das culturas africana, brasileira e suas influências européias. Inicialmente, foi feito um contrato de patrocínio com a estatal Petrobras, que expirou no dia 31 de julho. Os R$ 4,5 milhões investidos na fase de implementação garantiram o funcionamento do museu até agora.

Fotos: Divulgação

Em dois meses, terminam os recursos do patrocínio da Petrobras, que cobriu a fase de implementação

O museu, instalado no Parque Ibirapuera em São Paulo (SP), recebeu, em dez meses, cerca de 100 mil visitantes, na maioria estudantes de escolas públicas

de alguma proposta de lei na Câmara Municipal de São Paulo. Na verdade, esse recurso deveria ter sido enviado durante a elaboração do projeto, mas não houve tempo porque o mandato de Marta estava se encerrando. Em nota oficial, o atual secretário de Cultura da cidade, Carlos Augusto Calil, afirma que o museu foi criado contrariando o que determina a Constituição Federal, “sem que fossem garantidos à instituição recursos orçamentários ou quadro de funcionários, necessários à sua continuidade e estabilidade”. Ainda segundo Calil, existem algumas alternativas: “A primeira e mais imediata é a sua criação em nível municipal (...), destinandolhe dotação orçamentária e quadro de pessoal”. O Afro-Brasil ainda pode ser registrado em forma de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) ou de

À MERCÊ DA LEI O museu foi instalado, em junho de 2004, no galpão Manoel da Nóbrega, prédio que pertence ao complexo Niemeyer, do Parque Ibirapuera, na zona sul da cidade de São Paulo, após um acordo entre a prefeitura – à época, sob a gestão de Marta Suplicy (PT) – e o governo de São Paulo. O espaço, que pertence ao governo do Estado, foi trocado por terrenos da prefeitura. Segundo Luiz Paulo Lima, assessor de relações institucionais do AfroBrasil, “escolheram esse lugar por estar no coração da metrópole”. Para o museu não fechar as portas, é necessário o encaminhamento

uma fundação de direito privado. Essa última deve ser instituída a partir da vontade do seu curador, que é também proprietário da maior parte do acervo. Lima conta que, no último mês, o quadro de funcionários foi cortado de 49 para 20 pessoas e todos os salários foram reduzidos. Ele também diz que o saldo da verba da Petrobras pode garantir cerca de dois meses de trabalho e afirma existir uma sinalização da estatal para renovar o patrocínio por tempo indeterminado.

APAGANDO INCÊNDIOS No começo da gestão do prefeito José Serra, Emanoel Araújo chegou a assumir o cargo de secretário de Cultura. Pediu demissão em abril, após quatro meses. Em uma carta aberta à sociedade, alegou “ter sido internado sem nenhuma infra-estrutura numa secretaria desprovida de

recursos humanos, ‘apagando incêndios’ deixados pelo meu antecessor que eu, ingenuamente, desconhecia” (referia-se a Celso Frateschi). Na mesma carta, Araújo, demonstrando seu repúdio às políticas de incentivo ao que considera cultura burguesa, elitista, dirige-se diretamente a Serra: “Não toque com sua impropriedade no Museu Afro-Brasil porque este é uma conquista de anos, resultante da grande dívida que o Brasil tem para com os negros e afro- descendentes que o construíram. Saiba que estaremos dispostos a defendê-lo com a mesma energia com que edificamos nossa nação em cinco séculos”. Em dez meses, o Museu AfroBrasil recebeu cerca de 100 mil pessoas, na maioria estudantes de escolas públicas, mas também militantes e artistas. Hoje, existe um pico de circulação de 1200 pessoas nos finais de semana. Um curso sobre

História da África já foi ministrado para professores, em função da Lei 3693, que obriga a inserção da disciplina nos currículos escolares dos ensinos médio e fundamental. Além disso, inúmeros eventos, como lançamentos de livros, filmes, espetáculos de música e dança e atividades folclóricas acontecem com freqüência no espaço. O jazzista estadunidense Winton Marsalis, os rappers dos Racionais MC’s, o sambista Paulinho da Viola, todos já estiveram por lá. A percussão de Naná Vasconcelos já animou o público no museu, onde também foi lançado um samba-enredo da escola paulistana Nenê de Vila Matilde. O último evento promovido pelo Museu foi o Festival de Cinema Judaico. Segundo o assessor de relações institucionais, um evento sobre outra cultura é como “desmistificar sua própria causa e discutir o Brasil pela via da arte”.

TEATRO

Rafael Bavaresco de São Luis (MA) Padre Josimo Tavares, considerado um mártir por sua dedicação pela reforma agrária no Brasil, foi coordenador da diocese de Tocantinópolis (MA) e assassinado a mando de fazendeiros, em 1986. Passados quase vinte anos, sua luta, sua morte e as histórias que envolvem o poder econômico de coronéis em conflitos com trabalhadores do campo na região amazônica viraram tema da peça teatral Josimo das terras, das águas de lá... Uma produção do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (MA) em parceria com o Núcleo Otelo de Pesquisa e Produção Teatral, de Brasília. Com direção de Wellington Nascimento e texto de Lílian Diniz, a montagem coloca no palco estudantes, professores e donas de casa que se transformaram em atores, após participar de uma oficina teatral aberta à comunidade, no município de Açailândia, interior do Maranhão. A partir do momento que tomou conhecimento da história do padre Josimo, o ator e diretor Nascimento viu a possibilidade de transpor para o teatro não somente a vida desse lutador, mas a realidade de quem vive o dia-a-dia no interior do Norte do país, como as quebradeiras de coco babaçu, pescadores e pequenos agricultores: “O teatro não deve dar respostas, mas tentar oferecer subsídios para que o espectador possa refletir sobre os temas abordados e tirar suas próprias conclusões”.

PARTE DA HISÓRIA O diretor também afirma que “é necessária a utilização da arte como meio para uma transformação social. No caso desse espetáculo, a transformação começou pelos pró-

Fotos: Carmen Bascaran

A vida do campo acontece no palco

Professores, estudantes e donas de casa transformam-se em atores e encenam a vida do padre Josimo Tavares, na montagem dirigida por Wellington Nascimento

prios integrantes do grupo. Pessoas que tinham sua vidas voltadas para outras atividades, mas que, pela identificação com o tema, incluíram o teatro no seu cotidiano. “Os atores acreditam naquilo que estão fazendo – o que leva a platéia a acreditar também e a se envolver”, diz Nascimento. Ele conta que, em uma oficina realizada durante uma pesquisa de campo na região do Bico do Papagaio, os atores estavam em um lugar onde existia um criadouro de peixes. Então eles entraram na água e começaram a tirar a argila do leito. “Começamos a sentir a terra, a nos sujar de lama e nos relacionar com ela. Ali perto, havia uma casinha crivada de balas durante um conflito agrário. Nesse momento, percebi que aquelas pessoas estavam prontas e sabiam o que queriam com o teatro. Na verdade, já faziam parte da historia de Josimo, recorda o diretor.

O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (Prêmio Nacional de Direitos Humanos em 2004) atua desde 1996. Em seu Centro de Arte, desenvolve atividades de dança, teatro e capoeira com jovens da periferia da cidade. Para Nascimento, foi possível realizar o espetáculo graças à sensibilidade da coordenação do Centro. “Da idéia inicial, quando pensamos em realizar a oficina teatral, até agora, tivemos muitos avanços. Ganhamos o apoio do Ministério da Cultura, pela Lei de Incentivo a Cultura. Desde os atores até o pessoal técnico, todos são remunerados”. Também vai acompanhar a peça, em todas as cidades por onde o espetáculo vai passar, uma exposição de telas produzidas a partir de fotografias de trabalhadores escravos, dos artistas plásticos Milton Teixeira, Vera Leite e Weliton Dias.

Espetáculo busca envolver o público no drama da luta pela terra


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