BDF_132

Page 1

Ano 3 • Número 132

R$ 2,00 São Paulo • De 8 a 14 de setembro de 2005

As vítimas de Bush nos EUA O

mundo, atônito, assiste ao país mais rico do mundo sucumbir diante de uma catástrofe que poderia ter sido evitada. O furacão Katrina, que atingiu o sul dos Estados Unidos no final de agosto, deixa cerca de 12 mil mortos. A cidade mais atingida é Nova Orleans, na Louisiana, onde a maioria da população é negra e pobre. Como revela o documentarista Michael Moore, os ricos escaparam. São os preferidos da política de George W. Bush, que, enquanto a tragédia se espalhava por Nova Orleans, se reunia com empresários em San Diego, na Califórnia. A população estadunidense está indignada com a omissão do governo. A agência responsável para prevenir catástrofes como o Katrina foi sucateada por Bush. Suas verbas foram direcionadas para a luta contra o terrorismo. Política cujo fundamento e êxito são cada vez mais contestados nos Estados Unidos. Puxadas por Cindy Sheehan, mãe de um soldado morto no Iraque, país cuja ocupação Bush ordenou em 2003, aumentam as mobilizações contra a guerra. Págs. 2, 10, 11 e 14

Paul J. Richards/ AFP/ Folha Imagem

O furacão Katrina desnuda o império: enquanto os fundos públicos abastecem as corporações, padecem os pobres

Cruz Vermelha estadunidense presta socorro, em Louisiana, às vítimas do Katrina e do presidente George W. Bush, acusado de omissão e negligência

Serra quer privatizar hospitais “agilidade”, uma vez que os grupos privados não precisarão realizar licitações ou concursos para comprar materiais ou contratar funcionários. Outros tucanos, como os governadores Geraldo

Alckmin (São Paulo) e Aécio Neves (Minas Gerais), também têm projetos semelhantes. A proposta foi criticada por diversos setores da sociedade. Pág. 5 Secom/ Agência Câmara

O prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), quer transferir o controle dos hospitais municipais e dos postos de saúde para entidades privadas. O tucano argumenta que o sistema de saúde ganhará

Estudantes de escolas do Distrito Federal fazem manifestação pela ética na política em frente ao Congresso

Indígenas conquistam terras no MS

Pág.6

Trabalhadores gaúchos temem avanço da Nestlé Depois de causar danos ambientais em Minas Gerais, onde sofre processo por desmineralização e superexploração da água, a transnacional Nestlé chega ao Rio Grande do Sul. Pequenos produtores gaúchos denunciam a política hegemônica da empresa – que, estrategicamente, deve se instalar em uma área de fácil acesso à maior reserva de águas substerrâneas do mundo. Pág. 13

Manejo florestal traz autonomia a comunidades

Pág. 8

E mais: CONJUNTURA – Observatório da Conjuntura, promovido pelo Brasil de Fato, debateu a crise política do país. Pág. 4 DEBATE – Dom Pedro Casaldáliga reflete sobre “o Brasil que queremos” e alerta: há muito PT que não é corrupto, sobretudo nas bases. Pág. 14

Pág. 8 Maringoni

Vale do Rio Doce viola direitos humanos

Câmara pode cassar Jefferson no dia 14

Alfabetização quase não teve avanços

Os 513 deputados da Câmara vão decidir, dia 14, em votação secreta, se o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) deve ser cassado ou não. Os outros 17 acusados pelas CPIs dos Correios e do Mensalão ainda serão avaliados pelo Conselho de Ética para saber se terão o mesmo destino. Semana passada, denúncia sobre cobrança de proprina também atingiu Severino Cavalcanti. Pág. 3

O Brasil obteve uma tímida melhora nos índices de alfabetização nos últimos quatro anos, conforme constatou o 5º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf), pesquisa coordenada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa. Segundo o estudo, somente 26% dos brasileiros têm plena capacidade de leitura, enquanto 63% não completaram oito anos de estudos. Pág. 4

Empresários rurais querem rolar a dívida

Entidades contra a extradição de colombiano

O pagamento das dívidas do setor rural vem sendo adiado desde 1995. Tramitam na Câmara dos Deputados dois projetos que adiam mais uma vez as prestações das dívidas por até 25 anos. Pelos dados da Comissão de Agricultura da Câmara, a dívida total estaria em quase R$ 37 bilhões, dos quais mais de R$ 12 bilhões vencidos e não pagos pelos produtores – a maioria de grande porte. Pág. 7

Detido desde 24 de agosto na Polícia Federal, o porta-voz das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Olivério Medina, é mais uma vítima da perseguição política dos Estados Unidos. O pedido de prisão foi feito pelo presidente colombiano Álvaro Uribe, fiel colaborador de Bush. Organizações sociais pedem que o governo brasileiro não autorize a extradição de Medina. Pág. 9

Festival de cinema vai à escola Alunos da rede pública estadual paulista tiveram uma oportunidade rara, de 26 de agosto a 2 de setembro, período do 16º Festival Internacional de Curtas-Metragens, em São Paulo. Sessões do Festival foram promovidas em escolas da periferia, com entrada franca, para a emoção dos estudantes e das comunidades, beneficiados por uma verdadeira ação de inclusão cultural. Pág. 16


2

De 8 a 14 de setembro de 2005

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

CARTAS AOS LEITORES

Ajude a manter o Brasil de Fato Caros amigos e amigas Durante todo o ano de 2002, intelectuais, artistas, jornalistas e representantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral. Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de sete mil militantes sociais, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta. Nos últimos dois anos e meio, o jornal sobreviveu graças a uma grande disposição de transpor os obstáculos que qualquer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos

resistindo! Mas, neste momento, estamos precisando de apoio extra para driblar as dificuldades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos custos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribuição de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e de esquerda. Mesmo elogiado por todos, tanto por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assinaturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal. Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, conquiste mais uma assinatura com um (a) amigo (a). Se você é vinculado (a) a algum sindicato ou movimento, coloque nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas. Contamos com seu apoio. Conselho Editorial do Brasil de Fato

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

NOSSA OPINIÃO

O império está nu

A

opinião pública internacional e os cidadãos brasileiros conscientes devem ter ficado horrorizados com as cenas trágicas que assistimos nessa semana, sobre os efeitos perversos do furacão Katrina que arrasou e inundou a bela Nova Orleans. Certamente não cabe aqui fazermos teses sobre como a natureza do nosso planeta tem reagido à permanente agressão que sofre de todos os tipos – poluição atmosférica, destruição das florestas, assoreamento dos rios e lagos, enfim todas as conseqüências da destruição praticada pela ganância. Nem cabe, tampouco, ficar comparando os estragos que os fenômenos da natureza têm feito em outros países e compará-los aos Estados Unidos. Mas o que todos devemos refletir, e denunciar, é a forma covarde, antiética, classista e xenófoba como o governo dos Estados Unidos tratou a população de Nova Orleans, o que revela o seu verdadeiro caráter nazista. Estávamos acostumados a assistir a essas demonstrações do governo Bush contra as populações do Oriente Médio e dos países periféricos, onde as tropas estadunidenses ou suas transnacionais atuam. Mas, agora, o império capitalista se abate sobre sua própria população. Isso nos ajuda a compreender que o imperialismo é, acima de tudo, uma lógica do capital, e não de um país e,

muito menos, de um povo. E como esse império capitalista age sempre, e apenas na defesa dos interesses do capital. Jamais em prol dos interesses da humanidade ou de proteger vidas humanas. Os jornais estão cheios de denúncias, fatos e fotos. Denunciase que as autoridades fecharam as comportas que protegiam os bairros burgueses e jogaram toda água sobre os bairros pobres, onde habitam negros. Denuncia-se que deve haver 12 mil mortos, quase todos nos bairros pobres e negros. Denuncia-se que havia helicópteros para levar os brancos e ricos, enquanto os negros, aos milhares, esperavam no ginásio e nas estradas por ônibus que nunca chegaram. Denuncia-se a forma como inúmeros jornais estadunidenses repetiam as mentiras. Quando um negro pegava alimentos no supermercado, era tratado como assaltante. Quando, na mesma cena, apareciam brancos, eram tratados como desalojados em desespero, carregando os seus pertences! O mundo, estarrecido, tenta ajudar os nossos irmãos pobres e negros que vivem nos Estados Unidos. Dezenas de países e governos oferecem ajuda, dando uma lição de humanismo ao governo Bush: o mais rico, desumano e racista do planeta. Cuba oferece médicos,

FALA ZÉ

certamente muitos negros, que não existem nos Estados Unidos. A Venezuela oferece gasolina. Até a longínqua Tailândia oferece remédios, arroz, carinho! Aqui no Brasil, as mesmas manifestações estúpidas do capital também foram vistas, quando alguns telejornais comentaram, exultantes que, com a tragédia de nossos irmãos do Mississippi, os preços da soja, do algodão e da madeira dos capitalistas brasileiros subiriam, aumentando os seus lucros! Assim são os capitalistas em todo mundo. Só pensam em lucro, em acumular, em bens materiais. Em contraposição, os nossos ideais humanistas e socialistas estão plasmados no pensamento de Che Guevara, estampado num painel em frente à Universidad de La Habana: “ Uma só vida humana vale mais do que a soma de todos os bens materiais”. Oxalá, Michael Moore o coloque em frente à Casa Branca. Que a tragédia de Nova Orleans, esse belo território habitado por extrabalhadores escravos que nos brindaram com as melodias do blues, do jazz, sirva de exemplo conscientizador de mentes e corações de todo mundo, para denunciarmos a perversidade do imperialismo, e alimentarmos cada vez mais os valores da solidariedade, da justiça social e do internacionalismo. OHI

CRÔNICA

Era uma vez um rei bom e barbudo... Marcelo Barros Em meio ao mar de corrupção e para evitar o naufrágio da esperança dos que contavam com mudanças estruturais que o governo Lula prometia, muita gente se pergunta se a crise é apenas desta administração ou revela uma falha estrutural do próprio sistema. Quem prefere a segunda opção não desculpa os que traíram a nossa confiança, mas compreende que a própria base do Estado deve ser refundada. É importante denunciar os desvios de conduta, assim como os sinais de corrupção e desonestidade de políticos. Entretanto, entre esses comportamentos antiéticos, é preciso diagnosticar aqueles que representam sintomas de uma enfermidade mais profunda do próprio sistema. Em cada país, o governo simboliza as expectativas de justiça e prosperidade que todos os cidadãos depositam, como se a paz e a liberdade do povo dependessem do presidente da República. De fato, todos, de direita ou de esquerda, lutam para conquistar o poder estatal. O problema é que, ao subir a rampa ou sentar no trono, quase todos os presidentes, sejam desta ou daquela linha política, se sentem levados a esquecer o que antes disseram ou fizeram. Preocupam-se em garantir “governabilidade” e, como, para isso, dependem do

legislativo, tomam como prioridade ou meta conquistar uma base de deputados e senadores no Congresso para aprovar os projetos de interesse do governo. De fato, no modelo de sociedade em que vivemos, a soberania do Estado é muito relativa. O poder real está nas mãos dos conglomerados econômicos. Se um presidente da República fizer qualquer ação que vá contra os interesses das empresas transnacionais, provocará uma fuga de capital e terá como resultado uma crise econômica que porá em risco o próprio andamento do Estado. Nenhum governante de juízo fará isso. Para manter a tal governabilidade, mesmo presidentes comprometidos com a justiça se acham obrigados a servir à concentração de renda e ao capitalismo. Em todo o Brasil, fala-se da necessária reforma política para aperfeiçoar o sistema eleitoral e garantir uma representatividade mais justa de todos os Estados que compõem a Federação. Entretanto, se não dermos passos concretos que garantam a participação direta dos organismos da sociedade civil nas decisões dos poderes do Estado, nenhuma reforma política alcançará o seu objetivo mais profundo. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outros organismos da sociedade civil insistem que se aprovem medidas que obriguem o governo a consultar sistematicamente toda a população brasileira, através de plebiscitos e referendos, toda vez que o assunto em pauta for do interesse vital de todo o povo. Cresce no mundo inteiro o número das pessoas que apostam em mudanças estruturais. Os movimentos altermundialistas contam com uma parte da humanidade, cada dia, mais numerosa, mas sem poder de decisão. No passado, todas as conquistas da humanidade, das quais, hoje nos beneficiamos, foram ganhas por pessoas que começaram perdendo. Lutaram e perderam muitas vezes, mas um dia, ganharam. Não há por que desanimar. Compete a esta geração iniciar um movimento que, até aqui, ninguém fez em toda a história: unir mais profundamente Estado e sociedade civil. Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Ed. CEBI-Rede da Paz, 2005. Correio eletrônico: mosteirodegoias@cultura.com.br

Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:brasil-al@brasildefato.com.br•BA:brasil-ba@brasildefato.com.br•CE: brasil-ce@brasildefato.com.br•DF:brasil-df@brasildefato.com.br•ES:brasil-es@brasildefato.com.br•GO:brasil-go@brasildefato.com.br•MA:brasil-ma@brasildefato.com.br•MG:brasil-mg@brasildefato.com.br•MS:brasil-ms@brasildefato.com.br•MT:brasilmt@brasildefato.com.br•PA:brasil-pa@brasildefato.com.br•PB:brasil-pb@brasildefato.com.br•PE:brasil-pe@brasildefato.com.br•PI:brasil-pi@brasildefato.com.br•PR:brasil-pr@brasildefato.com.br•RJ:brasil-rj@brasildefato.com.br•RN:brasil-rn@brasildefat o.com.br•RO:brasil-ro@brasildefato.com.br•RS:brasil-rs@brasildefato.com.br•SC:brasil-sc@brasildefato.com.br•SE:brasil-se@brasildefato.com.br•SP:brasil-sp@brasildefato.com.br


3

De 8 a 14 de setembro de 2005

NACIONAL CRISE POLÍTICA

O período de cassações está aberto Deputados decidem, no dia 14, se Roberto Jefferson (PTB-RJ) perde o mandato ou não; outros 17 estão na mira Marcelo Netto Rodrigues da Redação

N

o parecer unânime dos 32 deputados federais que compõem a CPI dos Correios, e dos 36 que integram a CPI do Mensalão, 18 dos seus colegas de trabalho deveriam ser cassados por estarem diretamente ligados às acusações de corrupção que desencadearam a crise, que já se estende a três meses. Seriam eles sete deputados do PT, quatro do PP, três do PL, um do PTB, um do PMDB e um do PFL – um número ainda pífio confrontado com os “300 picaretas com anel de doutor”, que ainda estão no Congresso e, pior, entre os acusadores, mesmo depois de 12 anos de Lula ter cunhado a expressão. Seriam, porque o processo de cassação, julgado individualmente, ainda depende, na melhor das hipóteses, da apreciação de outros 15 deputados que compõem o Conselho de Ética da Câmara (veja nomes no quadro), para, só então, ser aprovado por maioria simples, em votação secreta no Plenário – 257 votos se a sessão estiver cheia. Na melhor das hipóteses, porque, apesar do relatório favorável à punição, no dia 13, a mesa diretora da Câmara – composta por sete deputados incluindo o seu presidente Severino Cavalcanti – pode bloquear, no Conselho de Ética, a abertura do processo de cassação de alguns, ou até mesmo de todos os 18 deputados.

REPRESENTAÇÃO Manobra que, caso aconteça, promete ser abortada no próprio dia 13 pelo PPS, PV e PDT que deverão apresentar, enquanto partidos, uma representação contra os 18 parlamentares para que os processos sejam automaticamente abertos no Conselho de Ética à revelia do posicionamento

da mesa diretora da Câmara, como prevê a Constituição. Entre eles, Roberto Jefferson (PTB-RJ) é o único que já tem data marcada para saber se será cassado ou não, em virtude de um processo paralelo no Conselho de Ética da Câmara que já se encontra em fase final. Além dele, mais três entre os 18 acusados pelos relatórios das CPIs também sofrem processo de cassação no Conselho de Ética. O pedido de casssação contra Jefferson, aprovado por 14 a zero no Conselho (que não contou com o voto do seu presidente, o deputado Ricardo Izar - PTB-SP – único do mesmo partido de Jefferson), agora só depende de votação secreta no Plenário, prevista para o dia 14. O deputado federal Chico Alencar (PT-RJ), um dos 15 integrantes do Conselho de Ética da Câmara, acha que a unanimidade dentro do Conselho em torno da cassação de Jefferson não deve acontecer com os outros nomes. “Foi a primeira e última vez”, disse. “Cada caso deve ser examinado com seu conjunto de provas, indícios, argumentos de defesa. Não dá para generalizar”, completou, deixando implícito que não acredita que a totalidade dos 18 deputados venham a ser cassados.

“A tradição diz que não (neste caso) porque foram 14 votos a zero de deputados de todos os partidos que têm as maiores bancadas da Câmara. Então, a tendência é que

isso se repita no Plenário, não com unanimidade, mas com uma margem razoável”. Sobre José Dirceu, Alencar acredita que “vai ser uma bela dis-

puta, mas pode ser que a maioria do Conselho – já que Dirceu polarizou com Jefferson – entenda que não dá para indicar a cassação de um sem indicar a cassação do outro”.

Os 18 deputados que deveriam ser cassados segundo relatório preliminar conjunto das CPI`s dos Correios e do Mensalão*. Para que isto aconteça se faz necessário um parecer que obtenha a maioria entre os 15 deputados do Conselho de Ética da Câmara**. ROMEU QUEIROZ – PTB-MG

ROBERTO JEFFERSON – PTB-RJ

ROBERTO BRANT – PFL-MG

SANDRO MABEL – PL-GO

WANDERVAL SANTOS – PL-SP

JOSÉ BORBA – PMDB-PR

PEDRO HENRY – PP-MT

VADÃO GOMES – PP-SP

CARLOS RODRIGUES – PL-RJ

JOSÉ MENTOR – PT-SP

JOSIAS GOMES – PT-BA

PAULO ROCHA – PT-PA

PROF. LUIZINHO – PT-SP

JOSÉ JANENE – PP-PR

PEDRO CORRÊA – PP-PE

JOÃO MAGNO – PT-MG

JOSÉ DIRCEU – PT-SP

JOÃO PAULO CUNHA – PT-SP

DISPUTA E como fica a situação dos sete deputados do PT? “Não é pelo fato de eles serem do PT que eu uniformizo os seus procedimentos. O fato de serem indicados pela unanimidade das duas CPIs já os coloca numa situação bem difícil”, disse Alencar. Perguntado, ainda, se a cassação de Roberto Jefferson corre o risco de sofrer algum revés na votação secreta da Câmara, Alencar respondeu que este será o primeiro teste para ver “se este instituto absurdo do voto secreto” pode provocar surpresas.

Severino, a bola da vez Dafne Melo da Redação As denúncias de corrupção agora chegam a Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente da Câmara de Deputados. Eleito pela oposição (PFL e PSDB) em fevereiro – numa das primeiras grandes derrotas do governo do PT – o político pernambucano foi acusado pela revista Veja de receber propina do empresário Sebastião Buani, para prorrogar até 2005 a concessão de seu restaurante, localizado no Congresso. Para o deputado federal Adão Pretto (PT-RS), todas as denúncias de corrupção devem ser investigadas e, se confirmadas, “cabeças vão ter que rolar”. Entretanto, o parlamentar pondera que, tirar Severino da presidência antes do tempo (seu mandato iria até o final de 2006), seria de grande interesse da oposição. “Severino não tem firmeza ideológica, querem alguém mais orgânico nesta posição”, afirma o parlamentar. “Não há pauta da Veja que não faça parte de uma posição política e ideológica”, afirma Venício Lima, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília (UnB). Ele avalia que, neste caso, “a revista adotou a linha da oposição que ainda busca o impeachment do presidente Lula”. Lima relembra que esta foi a estratégia da revista desde o início. “A Veja entrou numa escalada de cobertura da crise que conduzia ao impeachment, guardando, inclusive, paralelos com a cobertura que apoiou a saída de Collor,” analisa.

ARTICULAÇÕES O presidente da Câmara é quem substitui o presidente da República na ausência de seu vice. Nas mãos

dele, está o poder de determinar a pauta da Câmara, bem como controlar todas as votações da Casa. Para alguns deputados, como Fernando Gabeira (PV-RJ), Cavalcanti não é o nome ideal para coordenar a situação no atual momento, não só pelas denúncias que recaíram sobre ele, mas por ter defendido, além da inexistência do “mensalão”, uma punição branda aos 18 deputados envolvidos no escândalo de corrupção (veja matéria acima). Ao todo, cinco partidos, PSDB, PFL, PV, PPS e PDT estariam articulando um pedido para cassar o mandato de Cavalcanti. Em nota divulgada dia 6, a executiva do PSDB reafirmou essa postura, declarando a intenção de fazer o pedido.

IMPEACHMENT Pretto avalia que a saída de Cavalcanti, agora, seria, obviamente, favorável à oposição. Com seu afastamento, assumiria, até a convocação das eleições, o primeiro vicepresidente da Câmara, José Tomás Nonô, do PFL de Alagoas. Além disso, Pretto acredita que, na atual conjuntura, seria certa a eleição de um nome mais forte da oposição. Tanto para Venício Lima quanto para Adão Pretto, a saída de Severino seria o ideal para PSDB, PFL e companhia, em caso de impeachment do presidente Lula. Isso só não ocorreu ainda por causa de algumas questões, “entre elas, o fato de que não interessa a ninguém ter Severino na Presidência da República”, analisa Pretto. Em caso de impedimento do mandato do presidente da República por financiamento indevido de campanha, seu vice, José Alencar (PL-MG) também seria impedido, porque, da mesma forma, foi beneficiado por caixa dois. Dessa forma, assumiria o presidente da Câmara.

*Valdemar Costa Neto (PL-SP), que renunciou o mandato antes da abertura do processo de cassação, e o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que também recebeu dinheiro de caixa dois de Marcos Valério, para a sua campanha em 1998, não apareceram na lista **O Conselho de Ética é composto pelos seguintes deputados: Ricardo Izar (PTB-SP), Chico Alencar (PT-RJ), Orlando Fantazini (PT-SP), Angela Guadagnin (PT-SP), Ann Pontes (PMDB-PA), Josias Quintal (PMDB-RJ), Nelson Trad (PMDB-MS), Benedito de Lira (PP-AL), Edmar Moreira (PL-MG), Gustavo Fruet (PSDB-PR), Carlos Sampaio (PSDBSP), Jairo Carneiro (PFL-BA), Robson Tuma (PFL-SP), Ciro Nogueira (PP-PI) e Júlio Delgado (PSB-MG)


4

De 8 a 14 de setembro de 2005

Espelho Imagem pública Pesquisa do Ibope publicada na revista Carta Capital indica que, no momento, o povo brasileiro confia nos médicos (81%), Igreja Católica (71%), Forças Armadas (69%), jornais (63%), engenheiros (61%); e não confia nos políticos (90,2%), partidos políticos (88,2%), Câmara dos Deputados (81,4%), Senado Federal (76,4%) e polícia (61,4%). Não precisa explicação. Registro histórico A última edição da revista Princípios, do PCdoB, considera grave a atual crise política, reconhece que a situação se agravou com a confissão de ilícitos praticados pela direção do PT, que a oposição conservadora está na ofensiva e que o enfrentamento depende de mobilização popular e do “resgate da plataforma de mudanças com a qual o presidente foi eleito”. Lula já disse que não muda a política econômica. Alternativa petista Em sua última edição, a revista Teoria e Debate, do PT, apresenta vários artigos e entrevistas sob a manchete “O PT tem saída?”. No editorial, Ricardo Azevedo diz que o PT tem três caminhos: um é o da refundação, reconstrução e repactuação; outro é o do desaparecimento na história da esquerda; e o terceiro é “o de sua sobrevivência vegetativa como um desses partidos quaisquer que existem no país”. O que vai acontecer? Posição oficial Na última edição da revista Fórum, simpática ao PT, o atual candidato a presidente pela corrente Campo Majoritário, Ricardo Berzoini, afirma que “a saída para o PT e para o país é investigar com tranqüilidade e responsabilidade quem errou; a CPI terá todo espaço e apoio do partido para ir até o fim e punir quem organizou esse mecanismo”. Mobilização popular De acordo com o jornal Cantareira, que tem tiragem de 10 mil exemplares e circula na periferia de São Paulo, vinculado a setores da igreja progressista e simpatizante do PT, “apesar das traições e decepções, as bandeiras do PT devem ser sustentadas e defendidas, pois não são bandeiras do PT, mas da sociedade”. O jornal convoca a população para “construirmos um outro Brasil possível”. Movimento social A direção nacional do MST, no editorial do jornal Sem Terra, diz o seguinte: “Além de lutar contra a política neoliberal, nossos esforços devem buscar unidade das forças de esquerda ao redor de um projeto político de desenvolvimento para o país. O elo deve ser a conquista da soberania e da justiça social, criando mecanismos institucionais que garantam o controle popular sobre o poder do Estado”. Fora todos Segundo o Boletim Nacional do PSTU, edição de setembro, “não se pode ter esperanças na refundação do PT ou nas eleições internas deste partido. Isto é tão falso quanto a nova direção petista, que foi financiada por Marcos Valério e também está comprometida com as reformas neoliberais. Não existe possibilidade de reformar o PT”. Crime inconfessável A rádio CBN, vinculada à Rede Globo, na última semana, entrevistou vários deputados incluídos na lista de cassação por falta de decoro parlamentar, já que seus nomes apareceram no “caixa dois” do PT e na relação de saques das empresas do publicitário Marcos Valério. Todos negaram a existência do “mensalão” e de qualquer justificativa para a perda do mandato. Apenas, ingenuamente, receberam recursos ilícitos para suas campanhas eleitorais. Coisa que todo mundo sabe que existe, como diria o presidente da República. Inversão da pauta A imprensa empresarial está tão interessada em bater no PT e no governo Lula, que ampliou bastante o espaço de cobertura do Grito dos Excluídos: nos anos anteriores, o máximo que fez foi um registro de algumas manifestações. Este ano, noticiou na véspera e fez chamadas pelo rádio sobre as manifestações em várias capitais no dia 7 de setembro. Finalmente, a oligarquia se dobrou aos excluídos?

Pouca coisa mudou em quatro anos Pesquisa mostra que maior avanço foi entre populações com baixa capacidade de leitura Igor Ojeda da Redação

O

s índices de alfabetização no Brasil pouco mudaram desde 2001. De acordo com o 5º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf), pesquisa coordenada pelo Instituto Paulo Montenegro, do Ibope, e pela organização não-governamental (ONG) Ação Educativa, houve avanços pouco significativos nesses quatro anos, e mesmo assim apenas entre a população que apresenta níveis baixos de capacidade de leitura. A pesquisa, feita pelo Ibope, estava prevista para ser lançada dia 8, Dia Internacional da Alfabetização, durante o 1º Lema (Leitura, Escrita e Matemática para Alfabetização), dias 7 e 9 – encontro de instituições que atuam no combate ao analfabetismo funcional. Realizado entre os dias 30 de junho e 10 de julho com 2002 pessoas entre 15 e 64 anos, o estudo contém um teste com tarefas de leitura e escrita e um questionário. “A avaliação que se faz dos resultados é uma melhoria muito pequena e frustrante dos níveis de alfabetização, se for levado em conta o aumento recente da escolarização”, lamenta Vera Masagão Ribeiro, da Ação Educativa. “Ainda temos um déficit educacional muito grande. 63% não têm oito anos completos de escolaridade. Mesmo quem tem, apresenta deficiências”, completa. De acordo com os números da pesquisa, apenas 26% dos brasileiros se encaixam no nível pleno de alfabetização. Ou seja, conseguem ler textos longos, comparar textos, identificar fontes, localizar e relacionar mais de uma informação, como descreve o estudo. O Inaf classifica a população brasileira em outros três níveis: analfabeto, alfabetizado rudimentar (aquele que consegue ler títulos ou frases, localizando uma informação bem explícita) e alfabetizado básico (consegue ler texto curto, localizan-

Tuca Vieira/ Folha Imagem

da Redação

ALFABETIZAÇÃO

Pesquisa revela que 63% dos brasileiros não têm oito anos completos de escolaridade

do uma informação explícita ou que exija uma pequena inferência). Segundo o estudo, os analfabetos representam 7% do total; os alfabetizados rudimentares, 30%; e os alfabetizados básicos, 38%. Os dados mostram ainda que a tímida melhora nos índices de alfabetização de 2001 para cá se deu nos níveis mais baixos: caiu 2% o número de analfabetos e 1% dos alfabetizados rudimentares. Grosso modo, houve uma migração para a faixa de alfabetizados em nível básico, que subiu 4% nestes quatro anos. Enquanto isso, o índice de alfabetizado nível pleno se manteve estável nos 26%.

ENSINO PIOROU De acordo com Vera, é possível que essa leve melhora se deva aos programas do governo federal: “É importante ter o domínio básico da leitura, pois a pessoa tem condições de ler textos curtos, mas não é o suficiente. Ainda falta muito”. Para ela, o fato de o aumento do número de crianças e adolescentes

na escola nos últimos anos não ter tido efeitos significativos nos índices de alfabetização mostra que a qualidade do ensino não só não melhorou, como piorou. Dados do estudo comprovam a análise. Embora de 2001 a 2005 tenha havido um crescimento de 10% do número de jovens entre 15 e 24 anos que concluíram pelo menos a 8ª série do ensino básico (de 57% para 67%), o percentual destes que atingiram os níveis de alfabetização básico e pleno manteve-se estável, em 38%. Além disso, de acordo com o Inaf, quando se observa a média de acertos nos testes aplicados nesses quatro anos, percebe-se que houve melhora apenas entre as pessoas com menos de três anos de estudo. Entre os que têm mais de quatro anos, esse índice piorou. A pesquisa levantou ainda as características da população em cada um dos quatro níveis. Para Vera, o perfil dos analfabetos “é o retrato da exclusão social”. Segundo o Inaf, 81% deles pertencem às classes D e

E, 66% se declaram negros, 41% não estão ocupados e, entre os ocupados, 41% trabalham na agricultura. Além disso, 64% são homens, 77% têm mais de 35 anos e 82% completaram no máximo três anos de estudo. Apesar desses dados, outra conclusão a que chegou o estudo é que sexo, idade, raça, classe social ou região de moradia não determinam o desempenho obtido nos testes – que dependem, sim, da escolaridade dos entrevistados. Obviamente, a exclusão social sofrida por negros, pobre e habitantes das regiões menos favorecidas, por exemplo, significa menor grau de instrução desses segmentos. Para Vera, além da maior ação do poder público na melhoria da qualidade de ensino, a sociedade civil deve também fazer sua parte para alterar esse quadro nada animador: “Deveria-se pensar numa ação integral. Ações nas escolas, na alfabetização de adultos, promover a alfabetização nos locais de trabalho, nas empresas. Focalizar nos espaços não escolares, na educação não formal”.

OBSERVATÓRIO DA CONJUNTURA

No momento atual não cabe desânimo Luís Brasilino da Redação Os escândalos envolvendo alguns dos principais dirigentes do maior partido de esquerda da história do Brasil, o PT, e a crise política decorrente, despertam nos setores comprometidos com as causas populares e progressistas a premência de analisar o momento e apontar para a sociedade caminhos de curto, médio e longo prazo. Com esse objetivo, o Coletivo Observatório da Conjuntura, promovido pelo Brasil de Fato, formado por estudantes da PUC-SP, promoveu, dia 1º, um debate com as presenças de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e Ricardo Gebrim, da Consulta Popular. “Foi muito importante. Primeiro, pela iniciativa de se ter um observatório da conjuntura. Segundo, porque penso que o quadro atual coloca para a esquerda responsabilidades políticas e teóricas de tática e estratégia, do ponto de vista da articulação de uma frente única contra a ofensiva do capital”, avalia Maria Beatriz Costa Abramides, professora da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Ela foi uma das 100 pessoas que foram até o Tucarena, na PUC-SP, prestigiar o evento. Luli Tampieri, no 1º ano de serviço social, diz que valeu a pena ter ido. “Achei fantástico! Quero participar de mais eventos assim. Gostei dos dois debatedores, principalmente

Robson Oliveira

da mídia

NACIONAL

Movimentos sociais se sentem traídos pelo modelo petista de governar

da forma clara como eles transmitiram as informações”, define Luli. Stedile fez uma retrospectiva histórica. Ele lembrou que o ex-presidente Getúlio Vargas deu início, nos anos 1930, a um processo de industrialização dependente do país, que gerou um certo desenvolvimento econômico, mas sem distribuição de renda. Em 1980, esse modelo entrou em crise e a população identificou o regime como culpado dando início ao processo de redemocratização. Foi um momento de ascensão do movimento de massas. Os oprimidos estavam na ofensiva, porém a derrota de Lula nas eleições presidenciais de 1989 levou à unificação

da burguesia em torno do programa neoliberal. Já as classes populares entraram em descenso, que persiste até hoje. “Nesse período, a economia brasileira foi entregue a gigantescas indústrias, bancos e corporações que acumularam grandes riquezas. Na outra ponta, todos os índices sociais pioraram. Passados 15 anos, a população se deu conta de que o neoliberalismo não serve”, constatou Stedile. Isso ficou claro com a vitória do PT nas eleições presidenciais de 2002. Mas quem ganhou não foi a esquerda. Graças ao publicitário Duda Mendonça e ao dinheiro disponível para a campanha, os eleito-

res sentiram-se seguros para votar contra o modelo vigente. O advogado Ricardo Gebrim, por seu lado, destacou a importância do Observatório da Conjuntura no momento atual. “Talvez o único consenso que temos é que vivemos uma crise”, ilustrou. Segundo o dirigente da Consulta, a esquerda brasileira, até hoje, nunca tinha sido abalada na sua integridade. O momento atual, porém, marca o final de um ciclo da esquerda que, como todos os outros, é caracterizado por uma forma de ver o mundo, uma tática e uma forma de se organizar. O ciclo que se encerra teve no PT seu maior símbolo, e a eleição de Lula para presidente era o principal objetivo. “O impacto que a esquerda sente agora é de esgotamento de uma tática, não do Lula ou do PT”, acentuou Gebrim. Para o advogado, as forças de esquerda devem ter como prioridade a definição, ou invenção, de uma nova tática. “É um momento muito rico e animador”, classifica. Ele prevê que, depois de Lula, provavelmente o país terá um novo governo de direita, com duas características principais: será uma administração institucionalmente enfraquecida, pois a crise atual deve terminar em pizza; e, ao dar continuidade ao projeto neoliberal, a gestão vai sangrar ainda mais as condições de vida do brasileiro. “A questão é se vamos poder estar junto do povo nesse momento, ou não. Por isso, não podemos cair na jogada da grande imprensa e nos dividirmos”, alertou Ricardo Gebrim.


5

De 8 a 14 de setembro de 2005

NACIONAL AGENDA TUCANA

Serra começa a privatizar hospitais “S

ou um soldado do Sistema Único de Saúde (SUS), e há muitos anos luto pela universalização, mas com esse projeto o prefeito ameaça rasgar a Constituição e acabar com o sistema de saúde para todos”. O depoimento contundente de Naelson Guimarães, cidadão de 84 anos, é um exemplo da oposição que o prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), terá de enfrentar para aprovar sua mais nova proposta para a saúde municipal. O motivo da revolta de Guimarães é o Projeto de Lei 318/05, enviado pelo tucano à Câmara de Vereadores em regime de urgência, que autoriza a Prefeitura a repassar o controle dos hospitais municipais e dos postos de saúde para entidades privadas. Mesmo sem ter sido amplamente divulgada ou debatida, a polêmica proposta de Serra está recebendo críticas de diversos setores da sociedade. Profissionais de saúde, usuários do SUS, parte dos vereadores, o Ministério Público (MP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) que tiveram acesso ao projeto já se manifestaram contrários à idéia. A exemplo do que outros governantes tucanos estão fazendo, Serra argumenta que o sistema de saúde não possui “agilidade”. Propõe, como solução, esse projeto pelo qual a entidade responsável pelo gerenciamento do hospital poderá fazer compras ou contratações sem realizar licitações ou concursos públicos. Para viabilizar isso, a Prefeitura assinaria um contrato de gestão (um convênio) com os administradores privados que passariam, então, a receber a verba do SUS. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o de Minas Gerais, Aécio Neves, usaram essa mesma fórmula para transferir a

MOBILIZAÇÃO

Marcha se junta ao Grito e pede terras da Redação Depois de dez dias, 20 municípios percorridos e 200 quilômetros caminhados, a Marcha da Via Campesina no Estado da Paraíba chegou a João Pessoa no dia 6 para se juntar à manifestação do Grito dos Excluídos. Cerca de 200 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra, do Movimento dos Atingidos por Barragens e do Movimento dos Pequenos Agricultores saíram de Campina Grande no dia 27 de agosto e, ao longo do percurso, se somaram a outros 500 camponeses. Das 8h às 10h do dia 6, os 700 manifestantes bloquearam as entradas de João Pessoa para reivindicar uma audiência com o governador do Estado, Cássio Cunha Lima (PSDB). O pedido só foi atendido após os camponeses ameaçarem manter o acampamento durante todo o dia. Na pauta, a imediata desapropriação de terras para o reassentamento das 900 famílias que ficaram desabrigadas pela construção da barragem de Acauã. Destas, 700 famílias ainda não receberam nenhum tipo de indenização. Os camponeses também cobram do governador o pedido de desapropriação de áreas de interesse público e o fim da compra de terras por meio do Banco da Terra. “Esse é um dos governos do Estado que mais se utiliza do Banco da Terra, temos que acabar com isso”, afirma Dilei Schiochet, da coordenação estadual do MST.

Diversos setores criticam proposta do prefeito Serra de repassar o controle dos hospitais municipais e dos postos de saúde para entidades privadas

gestão de hospitais estaduais para associações privadas. Na avaliação de procuradores do MP, essa “solução” tucana nada mais é do que uma forma de burlar os procedimentos obrigatórios legais que regulam o uso do dinheiro público. “Serra está optando por uma iniciativa semelhante à do governo Alckmin, carregada de problemas, denúncias de superfaturamento, falta de controle nos gastos e alto volume de endividamento”, afirma José Erivalver Guimarães de Oliveira, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp). O profissional de saúde denuncia que o projeto prevê a transferência de elevadas somas para a iniciativa privada sem controle do TCU. “Só do Programa de Saúde da Família (PSF), o governo federal repassa cerca de R$ 300 milhões anuais para a Prefeitura de

São Paulo, um orçamento maior do que o de muitas prefeituras do interior do Brasil”, afirma o médico. O Simesp está exigindo do prefeito a retirada do projeto de lei. Mas antes mesmo do posicionamento da Câmara Municipal, Serra está colocando em prática sua idéia. No início do ano, a Prefeitura de São Paulo entregou uma unidade de emergência no Jardim Ângela a uma entidade privada, o Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim (Cejam). Detalhe: o secretário municipal da Educação, José Aristodemo Pinotti, foi vice-presidente da organização. No dia 1º de setembro, o projeto foi submetido à primeira audiência pública na Câmara Municipal. A população que compareceu ao encontro, no entanto, ficou sem interlocutor da parte do Executivo. A Prefeitura não enviou qualquer fun-

cionário para debater a proposta. Coube ao procurador do município, Guilherme Bueno de Camargo, responder às críticas. “Os hospitais estão de portas fechadas, não há médicos e o povo está morrendo. Não podemos aceitar mais esse golpe”, avaliou Francisca Ivaneide de Carvalho, da União Movimento Popular da Saúde.

ESTELIONATO Na audiência, os vereadores da bancada do PT acusaram o prefeito de patrocinar a volta do Plano de Atendimento à Saúde (PAS) ao município de São Paulo. É uma referência ao mal-sucedido programa do ex-prefeito Paulo Maluf, que deixou como saldo o fracasso na assistência à população e acusações de desvios de recursos públicos da ordem de R$ 2 bilhões. “Essa lei é um verdadeiro cheque

Mais repressão contra os sem-teto Maíra Kubík Mano de São Paulo (SP) A violenta ação da Polícia Militar no despejo de 79 famílias em agosto pode se repetir novamente no Centro da cidade de São Paulo. Outra ocupação da mesma região corre o risco de sofrer uma reintegração de posse. Organizadas pelo Movimento dos Sem-Teto do Centro de São Paulo (MSTC), as famílias ocuparam o prédio em 2003. O imóvel estava abandonado há quase 20 anos e o proprietário deve R$ 5 milhões em impostos – valor superior ao valor estimado da área. As 468 famílias sem-teto aguardam com apreensão a ação policial. “Durante o final de semana ficamos mais tranqüilos. Não é permito fazer a reintegração aos sábados e domingos porque é necessária a presença de um oficial de Justiça”, afirmou Nara Novaes, do MSTC. A reintegração pode ocorrer a qualquer momento e até o dia 6 não havia sido realizada. O movimento organizou atos e manifestações no Fórum João Mendes em tentativas frustradas de marcar reuniões com a Secretaria Municipal de Habitação e o Ministério das Cidades. Na semana passada, o Conselho Tutelar entrou com pedido para a anulação temporária do despejo, alegando que existem 335 crianças e adolescentes que irão para a rua e devem ter o ano letivo prejudicado. Ainda não foram atendidos. “Nós não fomos chamados no Batalhão da Tropa de Choque nem notificados da data da reintegração pela Justiça, que são os procedimentos mais comuns. Como o despejo da Rua Plinio Ramos (em

Fábio Mallart

Gisele Silva e Jorge Pereira Filho da Redação

Fernando Donasci/Folha Imagem

Trabalhadores e usuários do SUS pretendem barrar projeto do prefeito paulista que beneficia a iniciativa privada

Truculência da polícia tucana virou rotina nas reintegrações de posse

agosto) foi muito violento e teve grande repercussão, achamos que a surpresa é uma estratégia da polícia para o movimento não ter tempo de organizar uma resistência pacífica”, avaliou Nara.

TUCANOS O movimento acredita que o prefeito José Serra (PSDB) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que se recusam a dialogar com os sem-teto, podem estar em frente ao prédio durante a reintegração, “provavelmente para, no dia seguinte, a grande imprensa noticiar que o ‘movimento tumultuou a ação’, como foi feito no episódio da outra desocupação”. Caso aconteça a reintegração, os sem-teto pretendem acampar na rua, como as 79 famílias do edifício da Plinio Ramos. Despejadas

em 16 de agosto, as famílias montaram um acampamento em frente ao prédio com cozinha, banheiro e televisão. “Estamos no meio da rua, enfrentando a chuva e sem nenhuma perspectiva”, afirmou Nelson da Cruz Souza, do Movimento de Moradia da Região do Centro (MMRC). Tanto o MMRC quanto o MSTC cobram respostas do poder público para a sua situação. “Pedimos alojamento, mas ainda não fomos atendidos. A Prefeitura e o governo do Estado ficam jogando a responsabilidade de um para o outro”, colocou Souza. Hoje, no Brasil, existem sete milhões de famílias sem-casa e mais de seis milhões morando em situações precárias. Por outro lado, há mais de cinco milhões de imóveis desativados e abandonados.

em branco. O governo quer privatizar serviços de saúde, restringir o espaço público e ampliar o privado”, avaliou o vereador Paulo Teixeira (PT). De seu lado, o vereador Antonio Donato (PT) levantou as dez propostas que Serra defendeu na campanha eleitoral. Segundo ele, o então candidato prometia melhorar o SUS, fornecer mais remédios, universalizar o atendimento, mas, em nenhum momento, falou em transferir hospitais para a iniciativa privada. “Isso é um estelionato eleitoral”, arrematou.

OUTRO BRASIL

Assembléia Popular fortalece unidade Dirceu Pelegrino Vieira de Chapecó (SC) “Da luta não fugimos, na luta continuaremos”. Essa foi a afirmação das 270 pessoas que participaram da Assembléia Estadual Popular, realizada dia 27de agosto em Curitibanos, no planalto serrano de Santa Catarina. Vindos das diversas regiões do Estado, militantes dos movimentos sociais do campo e da cidade, agentes das pastorais sociais, sindicalistas, estudantes, indígenas e movimento de mulheres se reuniram para debater o futuro do Brasil. As assembléias estão sendo estimuladas pela Campanha contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e pela rede Jubileu Sul Brasil. Os resultados dos encontros regionais de todo o Brasil serão levados em outubro, para Brasília, para a Assembléia Nacional Popular em Brasília. A necessidade de se construir um novo projeto para o país foi o tema que norteou os debates durante todo o dia em Chapecó. Os exemplos do Equador, da Bolívia e da Argentina foram lembrados como lições de que não adianta derrubar presidentes se não há um projeto de sociedade discutido e construído com o povo. Mais de mil pessoas participaram das assembléias regionais que ocorreram nos últimos dois meses. Temas como desemprego, violência, falta de política agrícola, reforma agrária, saúde e educação foram lembrados como os principais problemas enfrentados pelo povo brasileiro. Os participantes da assembléia tiraram como tarefas dos militantes e lutadores do povo: garantir a unidade dos que lutam; investir na formação de quadros, ouvir e organizar o povo para lutar por seus direitos e realizar lutas massivas e articuladas contra o pagamento da dívida externa, contra a Alca, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a política econômica.


6

De 8 a 14 de setembro de 2005

NACIONAL MARANHÃO

Empresa viola direitos humanos

Hamilton Octavio de Souza

Para instalar pólo siderúrgico, companhia desaloja comunidades e devasta ambiente

Mudança já Assinado por vários movimentos sociais e entidades populares ligadas à Igreja Católica, o documento do Grito dos Excluídos afirma: “As recentes denúncias de corrupção e a revelação dos métodos de fazer política dos partidos, que enganam o povo, desencadearam uma grave crise política. O povo não acredita mais na maioria dos políticos e estes não têm legitimidade para representá-lo. O povo brasileiro vive um misto de tristeza e decepção diante da situação de nosso país. A nação brasileira não pode continuar neste impasse. É preciso exigir mudanças profundas na economia e na política.” Última eleição A eleição direta para a presidência do PT, dia 18 de setembro, está sendo acompanhada com muita atenção pelas forças de esquerda, que avaliam dois cenários: um, as correntes petistas de esquerda vencem e tentam reconstruir o partido; outro, as correntes de esquerda perdem e o PT continua controlado pelo Campo Majoritário e pelo governo Lula. Neste caso, a expectativa é saber o que a esquerda petista vai fazer depois. Nova articulação O destino do PT interessa, certamente, a vários partidos de esquerda e centro-esquerda, pois começa a existir uma debandada petista para outras legendas. As mais cotadas são, para quem pretende disputar as próximas eleições, o PDT, PSB, PSTU e PSOL. Para quem está mais interessado na construção de um novo partido socialista que não repita os erros do PT, uma opção é o Movimento Consulta Popular. Defesa malufista Os fatos tornados públicos nos últimos meses foram tão chocantes para boa parte dos brasileiros, que, aparentemente, nada mais pode surpreender. Na última semana, por exemplo, os deputados federais Arlindo Chinaglia e Devanir Ribeiro (PT-SP), defenderam publicamente o malufista Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente da Câmara, também acusado de corrupção. Caixa blindada A força-tarefa constituída por procuradores da República e Polícia Federal tem negociado com doleiros presos e com doleiros que se tornaram colaboradores das investigações, a entrega de informações sobre os clientes que enviaram recursos financeiros para o exterior. Se não houver ordens superiores para “segurar” essas investigações, o Brasil poderá saber quais foram os empresários que mais sonegaram impostos nos últimos dez anos. Uma bomba atômica! Drama imperial O furacão Katrina revelou ao mundo as fragilidades e os porões dos EUA, a nação mais rica e poderosa do planeta. Meca dos migrantes, o país presidido por George W. Bush tem enorme pobreza enrustida, especialmente entre negros, e não tem o menor esquema de atendimento público de emergência. Pior: a ideologia dominante não sabe o que é solidariedade. Sem limite O presidente Lula continua elogiando a política econômica de Palocci-Meirelles-FMI, que possibilita aos bancos recordes de lucros, favorece a concentração da renda e da riqueza e remunera com juros altíssimos todos os tipos de especuladores. Assim mesmo, o capital quer ampliar a privatização (Correios, Banco do Brasil, Petrobras etc.) e a dependência externa de tecnologia (software, transgênicos etc.) e de consumo (inúmeros produtos poderiam ser produzidos no Brasil). O risco de um governo fraco é justamente entregar o que resta. Atenção redobrada A crise política e a desarticulação da sociedade abrem espaço para que muitas negociatas aconteçam nos bastidores, sem alarde e sem o conhecimento público. São nesses momentos de desorganização social que as elites e as forças mais retrógradas da sociedade costumam tirar proveito e obter vantagens. É preciso denunciar toda ação prejudicial ao povo e ao país.

Rogério Tomaz Jr. de Brasília (DF)

A

Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) está coordenando a instalação de um dos maiores pólos siderúrgicos do mundo na Ilha de São Luís (MA), que abriga quatro municípios e um milhão de habitantes. Dezenas de entidades da sociedade civil maranhense, juntamente com as comunidades ameaçadas de expulsão, estão se mobilizando, por meio do movimento “Reage São Luís”, para barrar o projeto. Entre 22 e 24 de agosto, três relatorias nacionais em Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais visitaram São Luís para analisar o caso – Alimentação Adequada/Água e Terra Rural; Moradia Adequada/Terra Urbana e Meio Ambiente. Foram apuradas inúmeras violações de direitos humanos, sobretudo das populações residentes na área requerida pela Vale. Um relatório com recomendações das três relatorias foi enviado aos poderes públicos estadual e municipal, principais responsáveis pela condução do processo e pela ocorrência das violações. “O primeiro direito violado é o direito à informação. A população não está sendo informada pelo poder público, como deveria, sobre os impactos de um projeto dessa natureza e dessa magnitude. A impressão que se tem é de que está havendo má-fé por parte dos governantes”, opina Flávio Valente, relator nacional para os direitos humanos a alimentação adequada, água e terra rural.

EXPULSÃO Quinze mil pessoas estão ameaçadas de expulsão de suas habitações. Algumas comunidades são centenárias e a maioria é autosuficiente em alimentação. Têm acesso à pesca de camarão e peixe, extraem caranguejo do mangue, dispõem de frutas em abundância, cultivam pequenas hortas e produzem farinha cujo excedente é trocado por outros gêneros que completam a dieta básica. A prefeitura anunciou que já dispõe de uma área para abrigar a comunidade Rio dos Cachorros, onde vivem cerca de 600 famílias. O terreno sugerido fica a 2 km do maior aterro sanitário de São Luís e não dá acesso ao mar. “Querem mandar a gente pro lixão, só se for

Rogério Tomaz Jr.

Fatos em foco

CVRD utiliza prática nazista: centenas de casas foram marcadas com números para identificar remoção das famílias

pra pescar urubu”, diz Lúcia Rodrigues, moradora da comunidade que não aceita ser expulsa de sua casa, onde mora há mais de trinta anos.

TÁTICA NAZISTA Mesmo sem ter qualquer projeto aprovado nas instâncias do poder público, a Vale contratou duas empresas para cadastrar as famílias para remoção. Centenas de casas tiveram a fachada marcada com números, o que lembra a tática nazista de identificar com a estrela de Davi os lares judeus. “Minha mãe, de 93 anos, adoeceu no dia em que vieram aqui fazer o cadastro. Até hoje está perturbada. Não acho certo que venham na sua casa, de repente, dizer que você vai ter que sair dela. Nasci e me criei aqui, minhas raízes e minha história estão aqui. Não queremos sair!”, declarou, chorando, Remédios, moradora da Vila Maranhão, aos relatores nacionais. Ela não permitiu que numerassem sua casa. As comunidades estão sendo coagidas por prepostos da empresa a não resistir ao projeto. Além disso, há uma grande infiltração de grupos que têm como único objetivo a especulação, tendo em vista as mirradas indenizações a serem pagas, que levam em conta apenas as benfeitorias construídas, já que

Haverá devastação e contaminação do ambiente Além do impacto direto do pólo siderúrgico sobre as comunidades, especialistas chamam a atenção para a devastação do meio ambiente e os enormes prejuízos que poderão ser causados à saúde da população. Na área desejada para receber o pólo existem aproximadamente 190 nascentes de rios e riachos. Tudo vai ser destruído porque é preciso nivelar o terreno, bastante irregular. A escassez de água e a contaminação dos lençóis freáticos são outras graves ameaças. Para se ter uma idéia do que isso significa, basta lembrar que a Usina Presidente Vargas da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, com capacidade para produzir cinco milhões de toneladas de aço por ano, utiliza 400 mil litros de água por segundo. Especialistas calculam que a água a ser utilizada no pólo em São Luís será equivalente ao consumo total da população da ilha, onde cerca 2/3 da população ainda sofrem com racionamento. A estimativa apresentada pela Vale em seu portal é que as duas

usinas em parceria com a coreana Posco e a chinesa Baosteel produzam 11,5 milhões de toneladas de aço por ano. Entidades da sociedade civil, porém, descobriram que a verdadeira expectativa é de que sejam três usinas ao todo (a européia Arcelor é a outra sócia), produzindo 22,5 milhões de toneladas por ano, em sua capacidade plena, dado também já divulgado pela prefeitura e pelo governo do Estado. Esse número representa 72% da produção de aço no Brasil em 2004. Vitória, capital do Espírito Santo, tem duas usinas que produzem metade disso, e apresenta incidência de câncer 25% maior do que a média nacional. “A alta ocorrência de benzenismo – contaminação do sangue pelo benzeno – é uma das conseqüências diretas de uma siderurgia, além de vários tipos de câncer e doenças respiratórias. Em 21 anos trabalhando em Cubatão, diagnostiquei mais de 2 mil casos de benzenismo”, conta Lia Giraldo, relatora para o direito humano ao meio ambiente. (RTJ)

ninguém tem título de propriedade na região.

FATO CONSUMADO Tanto a Vale quanto os portavozes da prefeitura e do governo do Estado, embora não reconheçam publicamente, trabalham na perspectiva de que a instalação da siderurgia na ilha já é certa. É a lógica do fato consumado. Agentes do próprio governo federal já incorporaram essa lógica. Pequenos produtores rurais da comunidade Taim, existente há mais de cem anos, tiveram negado o acesso aos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), sob a justificativa de que a comunidade será desalojada pelo megaprojeto. Tudo isso, nunca é demais lembrar, sem nenhum dispositivo formalmente aprovado pelos órgãos competentes. O secretário de Estado da Indústria, Comércio e Turismo, Ronaldo Braga, vai além e desqualifica os opositores ao pólo. “É no mínimo idiotice defender que essa área não seja utilizada como zona industrial”, declarou na audiência pública que teve a presença dos relatores nacionais, dia 24 de agosto. Foi o próprio secretário, porém, que revelou outro fator que justifica o interesse da Vale pela região:

“Essa é uma área de retroportos, o que é estratégico em qualquer lugar do mundo”. Retroportos são pequenos terminais situados junto a portos maiores, muito úteis à movimentação de carga e estratégicos do ponto de vista econômico. Deusdedith Evangelista, superintendente da mesma secretaria, vai além e defende com veemência o interesse financeiro das empresas: “Com o pólo, eles vão ter competitividade e vão ganhar muito com isso”. Pensamento semelhante tem o empresário Edinho Lobão, filho do senador Edison Lobão e concessionário da rede de TV SBT no Maranhão. “Não podemos perder um projeto de onze bilhões de dólares por causa de meia dúzia de casas de taipa”, declarou Edinho, que lidera um grupo de empresários que fazem lobby pelo projeto. Num prazo máximo de seis meses, as relatorias vão retornar a São Luís para verificar como se encontra o processo e o que foi feito a partir das recomendações. Não é descartada a denúncia formal às instâncias de direitos humanos internacionais, na Organização das Nações Unidas (ONU) e na Organização dos Estados Americanos (OEA). Caso isso ocorra, será a segunda denúncia internacional atingindo a Vale do Rio Doce em 2005.

SANTA CATARINA

Assentados terão esporte e lazer Dirceu Pelegrino Vieira de Chapecó (SC) Em torno de 500 famílias assentadas em oito municípios do Extremo Oeste de Santa Catarina serão beneficiadas com o projeto Esporte e Lazer em Assentamentos da Reforma Agrária, lançado dia 27 de agosto, no assentamento Conquista na Fronteira, em Dionísio Cerqueira. Um convênio entre o Ministério dos Esportes e Associação Estadual de Cooperação Agrícola prevê a formação de equipe de 57 monitores, dos próprios assentamentos, que vão capacitar as famílias assentadas e implementar o projeto. Haverá ainda recursos para compra de materiais e equipamentos esportivos. O prefeito de Anchieta, Antônio Mariane, disse que tudo que os trabalhadores conseguem é fruto de luta e organização, destacando a importância do trabalho na vida de cada um: “O trabalho não deve ter uma relação de exploração,

escravidão e opressão. O trabalho deve garantir o sustento e a sobrevivência de cada um e o resultado do trabalho deve ser partilhado com todos aqueles que o praticam”.

DIREITO SOCIAL Lucídio Ravanello, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lembrou que a reforma agrária é bem mais ampla do que a simples conquista da terra: “É um conjunto de políticas públicas como crédito, capacitação de agricultores, saneamento básico, habitação de qualidade, agroindústrias, saúde e educação”. Para Ravanello, “esse projeto contribuirá para a organização da juventude e será uma alternativa para que os jovens permaneçam nos assentamentos”. Representando o Ministério dos Esportes, o assessor da Secretaria Executiva do Ministério, Roberto Leão Júnior, afirmou: “O direito ao esporte está dentro do conceito amplo de cidadania. O esporte é um direito social”.


7

De 8 a 14 de setembro de 2005

NACIONAL CRÉDITO RURAL

Perdão favorece grandes devedores Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

DESEMPENHO DA AGRICULTURA

O

pagamento das dívidas do setor rural vem sofrendo constantes adiamentos desde 1995, quando se realizou a primeira grande renegociação, após a crise gerada pelo Plano Real, que escancarou o mercado a importações, inclusive de alimentos, no mesmo momento em que a agricultura era submetida a juros de mercado. Neste momento, tramitam na Câmara dos Deputados dois projetos que adiam mais uma vez as prestações daquelas dívidas por até 25 anos, favorecendo, em grande medida, os maiores devedores do crédito rural – o que inclui não apenas grandes produtores, mas também grupos econômicos que atuam no setor. Os números variam conforme a fonte consultada, mas, na contabilidade da Comissão de Agricultura da Câmara, a dívida total do setor estaria, hoje, em quase R$ 37 bilhões. Desse total, praticamente um terço, ou mais de R$ 12 bilhões, estariam vencidos e não foram pagos pelos produtores – a maioria de grande porte. De fato, daquele valor, a agricultura familiar responderia por menos de R$ 300 milhões, correspondendo a uma fatia de pouco mais de 2% dos atrasados, embora responda por mais de 7% do saldo de toda a dívida renegociada a partir de 1995.

Total de riquezas produzidas pela agricultura até a porteira Período

Variação (%)

1995

-0,62

1996

0,07

1997

-0,21

1998

5,25

1999

-5,14

2000

-7,13

2001

8,53

2002

17,93

2003

15,96

2004

-1,74

2005*

-6,39

Marcello Casal/ ABR

Mesmo após adiamentos sucessivos, ruralistas querem novo prazo para pagamento de dívidas acima de R$ 12 bilhões

(*) Previsão Fonte: Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

por tomador, representavam 5,4% do total de operações em atraso, relativas à renegociação acertada em 1995 (quando parte da dívida do setor rural foi transformada em títulos do Tesouro Nacional, que assumiu o risco da operação, livrando os bancos desse compromisso). O saldo devedor das operações acima daquele valor, no entanto, correspondia, até o ano passado, a 70% de tudo o que produtores deixaram de pagar desde aquele ano.

INADIMPLÊNCIA No caso dos grandes devedores, que tiveram seu débito reparcelado em 1998, com base nas regras do Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa), 48% dos contratos estavam inadimplentes (atrasados) até novembro do ano passado. Estavam em atraso no Banco do Brasil 694 operações com valor médio de mais de R$ 1 milhão, correspondendo a apenas 8% dos contratos e a 44% da dívida (pois R$ 4 bilhões deixaram de ser pagos). Em maio deste ano, somando aquelas duas renegociações (1995 e 1998), 52 mil produtores não conseguiram, ou decidiram, não pagar o que deviam ao crédito ru-

OS MAIORES Segundo nota técnica preparada pela assessoria da liderança do PT na Câmara dos Deputados, “um novo alongamento (dos prazos de vencimento daquelas dívidas), ou renegociação de forma generalizada, apenas irá privilegiar uma pequena categoria de tradicionais inadimplentes, que há mais de dez anos não honraram quaisquer das renegociações feitas”. Com base em informação da diretoria de agronegócios do Banco do Brasil, a nota acrescenta que os débitos vencidos e não pagos, de valor médio superior a R$ 200 mil

De acordo com as contas da Comissão de Agricultura da Câmara, a dívida total do setor agrário é de quase R$ 37 bilhões

ral, acumulando débitos de R$ 6,3 bilhões, de acordo com a liderança do PT. Perto de 76% daquela dívida estava nas mãos de 8.261 devedores, correspondendo a 16% do total de devedores.

PROJETOS Os dados disponíveis reforçam a crítica endereçada ao setor rural, mostrando que uma minoria poderá ser beneficiada pela proposta de renegociação geral das dívidas – beneficiando mesmo produtores que não foram atingidos pela seca, ou tiveram dificuldades para vender suas safras e teimam em não pagar o que devem. O projeto de lei do líder dos ruralistas, deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO), aprovado em 24 de agosto pela Comissão de Agricultura da Câmara, autoriza nova rolagem (ou seja, adia mais uma vez o vencimento da dívida) para dívidas de R$ 7 bilhões, referentes a 130 mil contratos, de um total estimado em R$ 24 bilhões. Se aprovada definitivamente, a proposta criará amplas vantagens para quem deixou de pagar o que devia, mesmo nas fases de altos preços e lucros generosos no campo.

DÍVIDAS EM ATRASO Produtores não pagam aos bancos nem ao governo, em R$ bilhões Origem

Dívida total (1)

Parcelas não pagas (2)

Percentual dos atrasados (2/1)

Médios produtores

13,13

6,04

46%

Grandes produtores

12,42

1,46

11,8%

Fundos constitucionais*

6,90

2,70

39,1%

Agricultura familiar

2,65

0,30

11,3%

Produtores de café

1,00

1,00

100%

Produtores de cacau

0,30

0,30

100%

Prodecer**

0,45

0,45

100%

36,85

12,25

Total

33,2%

(*) Fundos criados pela Constituição para financiar investimentos nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste e, assim, redistribuir riquezas e descentralizar o crescimento econômico (**) Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, implantado em parceria com o governo japonês em áreas de Goiás, Minas Gerais e Tocantins Fonte: Valor Econômico/Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados

Um segundo projeto, também em tramitação na Câmara, prevê a renegociação de débitos acumulados pelos produtores nordestinos entre 27 de dezembro de 1989 e 31 de dezembro de 2000, num total também de R$ 7 bilhões. Neste caso, a dívida seria prorrogada por 25 anos, incluindo

quatro anos de carência (quando não seria exigido o pagamento de prestações), com juros de 5% ao ano. O projeto foi aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) no dia 1º deste mês e seguiu para apreciação da Comissão de Constituição e Justiça, também na Câmara.

O setor ganhou muito e tem como pagar a conta o projeto de Caiado, sugerem que a situação real pode não ser bem essa. Entre 1995 e 2000, resultado direto da crise instaurada no setor rural no lançamento do Plano Real, o total de riquezas produzidas pela agricultura acumulou perdas de quase 11%, conforme dados brutos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Os ganhos obtidos entre 2001 e 2003 mais do que compensaram aquelas perdas, crescendo mais de 48%, no acumulado daqueles três anos. Em 2004, o Produto Interno Bruto (PIB) da agricultura, que reflete a geração de riquezas no setor, recuou cerca de 2 %, prevendo-se nova queda, ao redor de 6%, para este ano. No balanço final desses 11 anos, encerrados em 2005, as riquezas produzidas pelos agricultores tenderão a acumular um avanço de 24%.

A questão, que os ruralistas preferem deixar fora do debate, é o que foi feito dos ganhos realizados entre 2001 e 2003, quando os mercados e o clima foram extremamente generosos com a agricultura. Em muitos casos, produtores consumiram parte daquele lucro na compra de terras, camionetes, mansões pelo interior do país. Uma outra parte foi direcionada para investimentos em máquinas (tratores e colheitadeiras), construção de armazéns e compra de insumos (fertilizantes, adubos, sementes, agrotóxicos etc.).

SEM RESERVAS Com exceções, o setor, além de se recusar a acertar as dívidas que venceram desde então, não fez reservas, não se programou para enfrentar dificuldades futuras (que

Marcello Casal/ ABR

A proposta do deputado Ronaldo Caiado encontra-se sob análise da Comissão de Finanças e Tributação desde 30 de agosto, e dá-se como certa sua aprovação, embora tenha a oposição do Ministério da Fazenda e de sua equipe econômica. Diante da seca na Região Sul, que causou quebra de safra e prejuízos reais ao setor, e de condições de mercado menos favoráveis, desde o início das negociações entre governo e a bancada ruralista no Congresso, tinha-se como justificável a renegociação de empréstimos rurais caso a caso, de forma a evitar injustiças. Mais claramente, esse procedimento poderia impedir que caloteiros contumazes, que jamais honraram empréstimos rurais, continuassem a ser favorecidos indefinidamente. Um perdão amplo e geral para todos os devedores, sem quaisquer restrições, como sugere Caiado, corre sérios riscos de amplificar as distorções no campo, gerando mais concentração da renda, com transferência de ganhos indevidos a megaprodutores e grandes grupos agroindustriais. Tudo financiado com recursos do Tesouro Nacional, vale dizer, do contribuinte em geral.

HOUVE GANHOS O deputado alega que o setor rural não teria como suportar o peso representado pelo pagamento das dívidas vencidas no passado e a vencer neste ano, por isso, diz, a necessidade de um adiamento amplo, geral e irrestrito. Os números gerais, assim como

Ruralistas pressionam o governo Lula com “tratoraço” em Brasília (DF)

acontecem ciclicamente na agricultura). O perdão indiscriminado de dívidas, neste momento, com nova renegociação geral de débitos e empréstimos atrasados, portanto, não se justifica. Isso não significa

que não existam problemas – e a renegociação caso a caso surge como a medida mais racional para enfrentá-los, assegurando cobertura para os produtores em dificuldades reais. (LVF)

O projeto do líder dos ruralistas O Projeto de Lei 5.507/2005, do deputado Ronaldo Caiado, autoriza o governo a renegociar (adiar o pagamento) as dívidas de produtores e cooperativas rurais, seja quais forem as fontes de financiamento. Isso inclui desde os débitos relativos a contratos de financiamento de custeio do plantio da safra 2004/2005 até os valores devidos aos fundos constitucionais regionais, que cobram taxas de juros reduzidas, entre outras. Naqueles dois casos, os impostos e contribuições pagos pelo contribuinte são a fonte principal de recursos aos produtores e grupos econômicos que atuam no setor. No caso das dívidas de custeio e investimento contratadas no ano passado e com vencimento em 2005, propõe-se um prazo de 15 anos para pagamento, com início em 2006 e final em 2020, a uma taxa de 8,75% ao ano. A diferença em relação aos juros de mercado, como acontece com o crédito rural tradicional, será coberta pelo Tesouro. Grandes produtores, que renegociaram seus débitos em 1998, poderão adiar o pagamento das parcelas já vencidas e a vencer em

2005 até 2026 (21 anos), com juros de 3% ao ano. Mas há um outro detalhe, que embute novos privilégios. O acerto original, estabelecido em 1998, previa bônus (descontos sobre as prestações da dívida) para os produtores que cumprissem os prazos de pagamento. Esses descontos serão mantidos, segundo o projeto, bastando que aqueles agricultores, agora, paguem o que devem em dia, desconsiderando-se os atrasos do passado. No caso da renegociação ocorrida em 1995, as prestações em atraso desde então poderão ser pagas a partir de 31 de outubro de 2006, com prazo final em 31 de outubro de 2025 (20 anos, portanto). Mantém-se, também neste caso, o esquema de descontos que favorecerá os grandes devedores. O projeto ainda autoriza os produtores a substituírem garantias (imóveis ou a própria produção) apresentadas aos bancos para assegurar o pagamento das dívidas e permite que aqueles produtores que não conseguiram entrar na ciranda de renegociações, aberta em 1995, possam agora renegociar o que devem, em condições favorecidas. (LVF)


8

De 8 a 14 de setembro de 2005

NACIONAL FLORESTAS

Comunidades farão manejo em escala Famílias ganham autonomia com venda de madeira caída, produção de couro ecológico e de óleos essenciais

A

Floresta Nacional Tapajós, em Santarém, no Pará, será a primeira Flona do país (existem outras 68) onde as populações residentes farão o manejo madeireiro em grande escala. Isso ocorrerá por meio do Projeto Ambé, apoiado pelo ProManejo/Ibama. “O manejo acontecerá em uma área não-populacional de até 200 mil hectares – a área total da Flona é de 551.498 mil hectares. As associações e cooperativas locais executarão a atividade em caráter piloto – na Flona existem quatro associações intercomunitárias, nove associações comunitárias e uma cooperativa. “O dinheiro da venda da madeira irá para elas e para os fundos gerais que elas mesmas criaram”, explicou Viviane Gonçalves, coordenadora das ações do ProManejo na Flona Tapajós. O ProManejo é um subprograma do Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG7), criado a partir da Eco-92 e mantido com verba da cooperação internacional, majoritariamente alemã, sob coordenação geral do Ministério do Meio Ambiente. As ações do ProManejo na Flona Tapajós foram oficialmente iniciadas em 1999 e hoje envolvem 400 das 1.100 famílias residentes na unidade de conservação. “O que nós temos desenvolvido são iniciativas de manejo madeireiro e não-madeireiro em pequena escala. O objetivo é melhorar a

Pronaf Florestal fracassa na Amazônia No Plano Safra 2004/2005, apenas 51 dos 1.348 contratos do Pronaf Florestal foram firmados na Amazônia – todos em Roraima. Dos R$ 6,4 milhões aplicados nessa linha de crédito criada para financiar a recuperação de áreas degradadas, o plantio de espécies florestais e o manejo florestal sustentável, só R$ 204 mil estão sendo usados na Floresta Amazônica. Os dados consideram os contratos celebrados até junho deste ano, e o Plano Safra se estendeu até julho. No Plano Safra anterior, que distribui R$ 2,86 milhões em créditos do Pronaf Florestal – e ele passou a estar disponível para todo o país –, nenhum contrato foi firmado na Região Norte. “No Plano Safra 2002/2003, quando surgiu o Pronaf Florestal, ele só podia ser usado para o bioma Mata Atlântica”, explicou João Marcelo Intini, técnico da equipe de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). “Há diversos fatores que ajudam a explicar o fracasso do Pronaf Florestal na Região Norte. Um deles é que praticamente não houve demanda, talvez por falta de divulgação e de assistência técnica para as populações locais”, afirmou Intini. Outro ponto levantado por ele foi o fato de que só este ano o Banco da Amazônia (Basa) concluiu a construção de um sistema operacional informatizado para operar o Pronaf Florestal: “O Banco da Brasil, o outro operador da linha, não tem a mesma capilaridade do Basa na região.” Os empréstimos do Pronaf Florestal têm limite máximo de R$ 4 mil, para agricultores do grupo C (com renda familiar anual entre R$ 2 mil e R$ 14 mil), ou de R$ 6 mil, para famílias do grupo D (com renda entre R$ 14 mil e R$ 40 mil por ano). Eles devem ser pagos em até 12 anos, com prazo de carência de oito anos e juros de 3% ao ano. (TB)

espírito, à época, era o de retirar os moradores de lá”, contou Viviane.

Fotos: Viviane Gonçalves

Thaís Brianezi de Manaus (AM)

COURO ECOLÓGICO

Projeto de manejo beneficia hoje 400 das 1.100 famílias da Floresta Nacional Tapajós

qualidade de vida dos moradores e também gerar referências para outras Flonas da Amazônia”, explicou Viviane.

PRODUTOS Entre estas atividades, está a produção de óleos essenciais (de copaíba e andiroba), vendidos para a indústria de cosméticos do Rio de Janeiro; produtos feitos

com o chamado couro ecológico, (produzido a partir da seringa), vendidos para o mercado nacional e para turistas locais; e a confecção de móveis rústicos, a partir de madeiras caídas, comercializados principalmente na Região Sudeste. O projeto de financiamento dessas três atividades termina no ano que vem, mas acredita-se que elas já conquistaram sua autonomia.

De julho de 1999 a julho de 2004, a madeireira Treviso venceu o processo de licitação para retirar madeira de uma área de 3.222 hectares, dentro da Flona Tapajós. “As populações locais ficaram reativas porque só a empresa foi beneficiada. O próprio processo de criação da Flona, em 1974, durante o governo Médici, gerou essa relação conflituosa com o Estado. O

Arimar Rodrigues, de 33 anos, nasceu e se criou na Flona Tapajós e trabalhou durante um ano na Treviso. “Foi depois que voltei de Santarém, onde passei dez anos, servi o Exército, estudei, casei. Voltei para cá porque fiquei desempregado e fui lidar com o roçado de milho e mandioca. Quando não tinha caça e pesca, a gente passava fome”, lembrou. Ainda assim, ele pediu demissão da madeireira. “Era um trabalho honesto, dentro da lei, mas eu me sentia ferido de ver a madeira caindo, algo que a gente preservou tanto. Quem se criou na floresta tem amor a ela. Agora, com os moradores fazendo o manejo, a coisa será diferente.” Atualmente, Rodrigues é coordenador da Associação Intercomunitária dos Minis e Pequenos Produtores Rurais do Médio Rio Tapajós (Asmiprut) e da Cooperativa Flona Tapajós Verde. Foi ele quem criou o projeto de couro ecológico, no qual hoje trabalham 18 famílias, com renda mensal que varia entre R$ 100 e R$ 500 (de acordo com o que cada uma produzir). “No mês passado a gente recebeu a visita de representantes do banco alemão e eles perguntaram o que a gente precisava, caso o projeto fosse renovado. Eu agradeci muito toda a ajuda que já nos deram, mas expliquei que nosso pensamento é o de caminhar sozinhos. E sugeri a eles que apoiassem outras iniciativas porque a floresta toda está cheia de comunidades com boas idéias, precisando de incentivo”, justificou. (Agência Brasil, www.radiobras.com.br)

Bolsas de couro ecológico e móveis rústicos são produzidos nas Oficinas Caboclas do Tapajós e vendidos para o mercado nacional e para turistas locais

POVOS INDÍGENAS

Vitória em Yvy Katu: despejo foi suspenso Priscila Carvalho de Brasília (DF) Os indígenas Guarani-Nhandeva – que viveram mais de um ano e meio sob ameaça de despejo de suas terras retomadas no Estado do Mato Grosso do Sul – finalmente conseguiram que a reintegração de posse solicitada pelos fazendeiros invasores de seu território fosse suspensa. Pela decisão do desembargador relator do Tribunal Regional Federal da 3ª região, em São Paulo, André Nabarrete, os Guarani podem ficar na terra até que haja uma decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a validade da portaria do Ministério da Justiça que reconhece a terra como indígena e a delimita. A validade da portaria é questionada pelos fazendeiros. Yvy Katu foi identificada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) com 9.454 hectares. No entanto, antes das retomadas, mais de 3.800 Guarani-Nhandeva viviam confinados em 1.648 hectares, no pedaço da terra que foi demarcado em 1928 pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

A situação de confinamento dos Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul é mais um dos escândalos com os quais o Brasil convive. De tempos em tempos, os grupos indígenas se organizam, reagem e retomam terras. Os fazendeiros reclamam, contratam seguranças para expulsar os índios das terras, entram com processos de despejo na Justiça.

VIOLÊNCIA Desde o dia 29 de agosto, a história se repete: agora o cenário é o município de Douradina, perto de Dourados, segunda maior cidade do Mato Grosso do Sul. Há décadas, mais de 700 pessoas do povo Guarani-Kaiowá vivem em um espaço de menos de 500 hectares. Agora, o grupo retomou seu território, chamado Panambi. Na semana passada, os fazendeiros da região contrataram seguranças que retiraram os indígenas de parte da área retomada. Para pressionar, fecharam estradas e usaram a mídia regional. Os indígenas foram expulsos de parte da retomada, mas resistem em outras duas fazendas, com cerca de 300 hectares. O cacique

Faride, liderança da retomada, que fala um português misturado com Guarani, descreve a investida: “Os fazendeiros macetou panela, fogão, botijão. Jogaram por cima do barraco”. Conta também que as bicicletas amassadas ficaram de prova da violência dos “seguranças”. Um acordo entre fazendeiros e indígenas intermediado pelo Ministério Público Federal em Dourados (MPF) tenta garantir que os índios se mantenham em sua terra até que quatro de suas reivindicações sejam atendidas. Três delas são ligadas à escola indígena. De acordo com o MPF, a prefeitura de Douradina já se comprometeu com o acordo. Falta agora o compromisso da Funai.

GRUPO TÉCNICO Os indígenas reivindicam o início do processo de identificação da terra, pela criação de um Grupo Técnico (GT) que fará o estudo antropológico sobre a ocupação tradicional do área. A criação desse GT é uma reivindicação antiga e a Funai, apesar de ter criado expectativas, nunca deu início ao processo. “Dia 16 de junho a Funai ia

mandar GT, mas não mandou. Passou para o dia 22 de junho, depois para 14 de agosto e não mandou”, conta Faride. A terra Panambizinho foi reconhecida pelo Serviço de Proteção ao Índio em 1942, com 2037 hectares. De acordo com o antropólogo do MPF Marcos Homero Lima, uma demarcação teria sido feita na década de 1970, mas os marcos físicos da terra podem ter sido tirados pelos colonos, porque não há resquícios deles. Na década de 1990, havia pelo menos 36 famílias em parte da terra, além de fazendeiros maiores. Essas pessoas foram instaladas ali ainda nos anos 1970, pela Colônia Agrícola Nacional de Dourados, dentro da política de “marcha para o Oeste” promovida pelo governo de Getúlio Vargas, que buscava novas terras para produzir alimentos e matérias-primas para a industrialização do país, a preços baixos, segundo conta o professor Antônio Brand, especialista na história dos Guarani no Mato Grosso do Sul. De acordo com os índios, seu território tradicional tem entre 8 e 9 mil hectares.


Ano 3 • número 132 • De 8 a 14 de setembro de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO AMÉRICA LATINA

Uma prisão ao gosto imperialista France Presse

Organizações pedem ao governo Lula que defenda soberania e não extradite porta-voz das Farcs, preso no Brasil Tatiana Merlino da Redação

A

prisão do porta-voz da Comissão Internacional das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o expadre Francisco Antonio Cadenas Collazzos – conhecido no Brasil como Olivério Medina –, foi condenada por organizações sociais, que pedem ao governo brasileiro que não autorize sua extradição. Medina foi detido no dia 24 de agosto por ordem de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e desde então está preso na superintendência da Polícia Federal (PF) em São Paulo. A detenção foi feita por meio de uma operação conjunta da Polícia Federal e da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) no Brasil, atendendo à solicitação do governo colombiano de Álvaro Uribe para fins de extradição. O expadre é acusado de “homicídio com fins terroristas”. A detenção de Medina responde também aos planos do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que com apoio de Uribe desenvolve na Colômbia o “Plano Patriota”, iniciativa militar para reprimir os guerrilheiros das Farcs.

Paramilitares entregam as armas em jogo de cena montado pelo presidente colombiano Álvaro Uribe, que pediu a prisão do porta-voz das Farcs no Brasil

Benário Prestes, entregue ao regime nazista de Adolf Hitler. Antônio Carlos Viana, do Centro de Estudos Latino-Americanos (Cela), assinala que o pedido do presidente colombiano foi feito sem autorização judicial, baseado no Decreto 180 de 1988, elaborado sob estado de sítio na Colômbia. “Esse processo é absurdo. Não tem mandado judicial e a acusação é infundada”, diz Viana. Consta do processo que o ex-padre teria comandado um ataque a um quartel, em 1991, onde teriam morrido dois militares.

SUBORDINAÇÃO Os críticos da operação da PF e do governo brasileiro apontam que, além de ilegal e ilegítima, a prisão do ex-padre em território brasileiro representa uma subordinação à política de perseguição dos militantes de esquerda colombianos promovida pelos EUA. “Esse é um problema de soberania e significa uma submissão aos interesses do governo estadunidense”, afirma Edson Albertão, vereador de Guarulhos (PT-SP), um dos responsáveis pela articulação de apoiadores ao portavoz colombiano. Para diversas entidades, a ameaça de extradição para a Colômbia representaria para a história do Brasil o equivalente à prisão e deportação da comunista alemã Olga

PRISÃO POLÍTICA “Essa é uma prisão política e a situação é muito grave”, avalia a deputada federal Maninha (PT-DF). A parlamentar acredita que “há um esquema muito bem montado na Colômbia”, já que Medina tem uma situação regular no Brasil, com endereço fixo, mulher e uma filha. O

ex-padre é casado com a brasileira Ângela Maria Slongo desde 1998 e vive em Medianeira, interior do Paraná (veja entrevista abaixo). Além disso, “ele nunca se envolveu em questões internas do governo brasileiro”, informa a deputada Maninha. Segundo ela, é preciso sensibilizar o STF para que a extradição não seja feita. A deputada disse que irá pessoalmente conversar com os ministros da Justiça e Relações Exteriores “para explicar quem é Medina”. Exatamente por ser considerada uma prisão política, o vereador Albertão lembra que para casos de “crimes políticos, a extradição não é permitida na Constituição brasileira”. Esse também é um dos argumentos dos inúmeros manifestos contra a extradição do colombiano, que alertam para o estado de beligerância existente no país. As cartas estão sendo enviadas ao Ministério da Justiça e ao STF. A assessoria do

Ministério da Justiça afirmou ainda não ter recebido o pedido de extradição da Colômbia nem as cartas dos apoiadores. Já a assessoria do STF afirmou não poder dar “por enquanto” declarações à imprensa. Entre os participantes do movimento de liberdade a Medina estão a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), os senadores Eduardo Suplicy (PT) e Heloísa Helena (PSOL), e os deputados Maninha e Ivan Valente (PT).

DEFENSOR DA PAZ O que também é muito importante ser esclarecido, acredita Antônio Viana, é mostrar para a sociedade quem é o militante colombiano. “Nos interessa mostrar o conteúdo pacifista do ex-padre, que vinha atuando para tentar construir um processo de paz na Colômbia”, afirma. Pedir a prisão de um homem como

Medina “é tentar fechar as portas para a possibilidade do processo de construção da paz na Colômbia”, finaliza. No Brasil desde 1997, Medina participou de diversas atividades pela promoção da paz, entre eles o 2º Encontro Internacional pela Paz na Colômbia, no México. O conflito armado na Colômbia dura mais de 40 anos e, do início da década de 60 até 1983, mais de 300 mil pessoas foram assassinadas. Mais de 3 mil pessoas da União Patriótica (braço político das Farcs foram mortas) – fato denunciado pelo documento Consultoria para os Derechos Humanos y el Daspaziamento com apoio da ONU, por meio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Também foram mortos 4 mil sindicalistas, sendo que 82 só em 2004, além de ativistas de direitos humanos, indígenas, jornalistas, estudantes e militantes políticos.

“O Brasil tem cedido às pressões”

Brasil de Fato – Como a senhora conheceu Olivério Medina? Ângela Maria Slongo – Numa manifestação em Brasília em maio de 1997. Namoramos por carta durante um ano. Ele já morava aqui há mais ou menos um ano e casamos em agosto de 1998. Antes, ele morava em Brasília e depois veio morar comigo em Medianeira, no Paraná. Como é relações públicas, ficava muito tempo visitando universidades, sindicatos e viajava bastante. Ficava uma semana aqui e um mês fora. Depois de dois anos, ele foi preso. Foi numa das vindas para casa, em 2000. A alegação era a situação irregular no país. Ficou 25 dias preso

das minhas melhores amigas e se envolve afetivamente com elas para saber da nossa vida. No tempo da primeira prisão foi mais acirrado. Hoje, o preconceito e a perseguição persistem, mas é mais sutil.

Divulgação

Ângela Maria Slongo é casada com o porta-voz das Farcs, Olivério Medina desde 1998. A pedagoga de 42 anos nasceu no Rio Grande do Sul, mas mora desde criança em Medianeira, no Paraná. Da união com o ex-padre, nasceu Ana, hoje com dois anos em 10 meses. Em entrevista ao Brasil de Fato, Ângela conta o preconceito que sofre por ser companheira de um representante das Farcs e acredita que a perseguição ao marido é resultado da pressão que o Brasil sofre dos Estados Unidos, que quer acabar com as organizações de esquerda na Colômbia. E questiona: “Onde está o direito de defesa de uma pessoa que faz parte de um grupo guerrilheiro?”

BF – A senhora tem medo? Ângela – Para mim, eles não podem fazer nada. Não sou militante, não escrevo artigos. É complicado porque não se pode confiar nos amigos e o círculo de amizades vai diminuindo. Se vou a algum lugar, a polícia me vigia, mesmo que de longe. Sou vigiada em tudo que faço. Agora mesmo, enquanto falamos, o telefone deve estar grampeado.

Oliverio Medina (ao microfone), mais uma vítima da perseguição política

em Foz do Iguaçu. Depois disso, ele foi morar em Brasília. BF – Depois do casamento, a senhora passou a se interessar mais pela luta das Farcs? Ângela – Sim, após o casamento eu passei a me interessar bem mais pela luta das Farcs, até para poder ajudar. Eu fui à Colômbia conhecê-los em 1999. Eles precisam ser reconhecidos internacionalmente como uma força beligerante, um poder dentro de um poder, para poderem negociar. E esse é o papel do Olivério aqui. Mas eu mantive meu tra-

balho como pedagoga, mesmo porque para militar com eles teria que passar por treinamento político e militar, e as condições não permitiram. BF – A senhora sofre com preconceito por ser casada com ele? Ângela – Sim, principalmente no local de trabalho. Ouço comentários assim: que não tenho moral para trabalhar como pedagoga porque apoio um narcotraficante. Também recebo cartas. Na escola onde trabalho, posso contar com cinco professores. A polícia se aproxima

BF – A senhora considera essa situação injusta? Ângela – O governo brasileiro é pressionado. Na verdade, a guerra na Colômbia tem ligação com império americano, que pressiona o Brasil. Se o Olivério for extraditado, vai ficar pouco tempo na Colômbia, porque vão mandá-lo para os EUA. São os Estados Unidos que fazem pressão, tudo isso por conta do trabalho que ele tem feito na defesa dos países da América do Sul. E o Brasil tem cedido, não só na questão do Olivério, mas em outras questões também. Há uma subordinação do governo brasileiro. BF – Como a senhora ficou sabendo da prisão do seu marido?

Ângela – Pela imprensa. Quando nos falamos ao telefone pela última vez, ele disse que não podia vir aqui. Disse assim: eu tenho que tomar todo cuidado porque me querem vivo ou morto. E faz mais ou menos dois meses que estão rondando a casa. BF – Em uma entrevista dada a uma agência de notícias colombiana o Olivério declarou que não pegava em armas. Isso é verdade? Ângela – Ele é contra a violência provocada pela fome, e contra a própria violência armada. Mas quando não te deixam escolhas... É bom voltar às origens das Farcs. Eles decidiram se organizar e resistir à violência oficial de forma armada e organizada. Mas meu marido nunca foi violento, sempre foi romântico. É nos momentos mais difíceis que ele demonstra mais amor e carinho. BF – Como a senhora vê a situação atual, da prisão? Ângela – Estou muito preocupada com uma possível extradição. Queria pedir que a extradição não fosse concedida diante das revelações e do trabalho que tem feito aqui, do estilo de vida que ele tem levado. O motivo da solicitação da extradição é infundado, a legalidade da prisão questionável. Onde está o direito de defesa de uma pessoa que faz parte de um grupo guerrilheiro? (TM)


10

De 8 a 14 de setembro de 2005

INTERNACIONAL TRAGÉDIA PARA OS POBRES

Estadunidenses, as vítimas do império “T

ire a bunda da cadeira e faça alguma coisa!” O grito de raiva de Ray Nagin, prefeito de Nova Orleans, em Louisiana, sul dos Estados Unidos, em entrevista ao canal CNN, no dia 4, tem alvo certo: o presidente George W. Bush. Uma semana antes, em decorrência do furacão Katrina, com ventos de 240 quilômetros por hora, o dique da cidade rompera e as águas do lago Pontchartrain invadiram 80% de Nova Orleans. Nas áreas não inundadas, saqueadores semeiam o terror: matam, estupram, roubam. A indignação de Nagin se soma à das vítimas do Katrina e da opinião pública estadunidense. Estima-se que 12 mil pessoas tenham morrido. Há milhões de refugiados. Centenas de milhares de casas foram destruídas nos Estados de Alabama, Louisiana e Mississippi, os mais atingidos. As equipes do socorro, enviadas por Bush, chegaram tarde – no dia 3 – e são insuficientes. No final de agosto, 25 mil pessoas, em sua maioria pobres, que não tinham como sair de Nova Orleans, foram alojadas no estádio Superdo-

me. Soldados, enviados por Bush, não conseguiram administrar o local. Faltaram água potável e comida. Sobraram cenas de violência. As vítimas do Katrina, em sua maioria, são negras e pobres. Em Nova Orleans, 67% dos 1,3 milhão de habitantes são negros, e 30% vivem abaixo do índice da pobreza. O número de vítimas deve aumentar, pois muitas pessoas se recusam a sair de suas casas e a inundação, que ainda deve durar meses, gera epidemias. “Faz anos que avaliações científicas alertavam para a vulnerabilidade de Nova Orleans, se obras críticas de reconstrução não fossem realizadas”, afirmou John Rennie, da revista Scientific American, em nota à imprensa. Em 2001, a Agência Federal de Administração de Emergência (Fema) havia previsto que, em caso de ventos violentos na cidade, o dique poderia rachar.

A política de Bush: recursos para a prevenção de emergências desviados para a “guerra contra o terror”

OMISSÃO

Agência haviam feito um pedido de 744 milhões de dólares para investir em obras de prevenção a inundações na Louisiana. Pressionados pelo governo, no início de 2005, reduziram o pedido para 62 milhões dólares, dos quais só receberam 15%. Em meados de agosto, a passagem do Katrina pelo sul dos Estados

Os avisos não foram levados em conta pelo governo estadunidense que, no lugar de reforçar a proteção de Nova Orleans, construída abaixo do nível do mar, usou os fundos do Fema para os da luta contra o terrorismo, considerada prioridade política de Bush. Em 2004, os diretores da

Fidel e Chávez prestam solidariedade Jorge Pereira Filho da Redação

nos Estados afetados pelo Katrina, como Louisiana, Mississippi e Alabama. Cuba possui um dos maiores índices de médicos por habitantes do mundo e tem larga experiência em assistência a povos de outros países. Segundo o governo, a ilha possui hoje 130 mil médicos, dos quais 25 mil prestam serviços em outras nações da América Latina, África e Ásia. O governo estadunidense, no entanto, nem considerou a proposta de Cuba. O país não foi listado entre os que ofereceram socorro depois do Katrina. Dois dias após ter feito oficialmente a oferta, Fidel comentou a falta de resposta. “Isso não nos deixa sem motivação. Pelo contrário, ficaremos satisfeitos se soubermos que nossa ajuda não foi aceita porque nenhum cidadão estadunidense morreu sem assistência médica, se essa foi a causa da ausência de nossos médicos”, declarou Castro. Uma ironia, pois cinco dias após o Katrina, a população de Nova Orleans ainda se encontrava completamente abandonada. Já sobre a ajuda da Venezuela, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, afirmou, dia 4, que “aceitaremos todas as ofertas de assistência estrangeira”. Momentos antes, porém, o presidente Bush não mostrava muita convicção com essa hipótese: “Valorizamos a ajuda, mas vamos sair sozinhos”. Apesar de oferecer apoio aos sobreviventes do Katrina, Chávez não poupou Bush. “Ele é o rei das férias”, criticou o presidente venezuelano, em seu programa dominical “Alô Presidente”, transmitido pelo rádio e pela TV para toda a população. Chávez lembrou que Bush foi omisso por não prever um plano de evacuação nas zonas afetadas pelo furacão.

Médicos cubanos se preparam para ação de solidariedade ao povo estadunidense

da em todos os veículos de comunicação, até mesmo os tradicionalmente alinhados com o Partido Republicano, que integra o presidente. É o caso do jornal The Washington Post e da CNN, que estampavam, em suas páginas na internet, no dia 6, “a culpa de Bush” e “o fracasso do presidente”.

Carta pública de Michael Moore para George W. Bush

France Presse

O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, está diante de uma situação incomum para quem está acostumado a exercer com soberba a liderança da maior potência capitalista do planeta. Em meio ao descalabro provocado pela omissão de seu governo em socorrer às vítimas do furacão Katrina, Bush se vê obrigado a aceitar a ajuda oferecida por dois países que colocou no “eixo do mal”: Cuba e Venezuela deram a sua solidariedade aos milhares de pobres deixados à míngua em Nova Orleans, e se prontificaram a enviar médicos, combustível e mesmo dinheiro para socorrê-los. Com a sua oferta, os governos cubano e venezuelano exercem, na prática, as propostas de integração que fazem a todos os latino-americanos na Aliança Bolivariana das Américas (Alba). Em contraposição à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), defendida por Bush, Chávez e Castro sugerem uma aliança continental baseada na complementaridade das nações. Assim, a Venezuela – o maior produtor de petróleo da América Latina – está oferecendo aos Estados Unidos o envio de um milhão de barris de gasolina como ajuda para amparar as vítimas. O presidente venezuelano também orientou a Citgo, braço da estatal petrolífera PDVSA, a empregar 5 milhões de dólares “no arrendamento de um hospital de campanha” e na compra de suprimentos para os desabrigados. Já Fidel Castro reuniu, em 48 horas, cerca de 1,5 mil jovens médicos para mandar para os Estados Unidos e socorrer os sobreviventes

Unidos foi anunciada. Durante dez dias, até o dia 28 de agosto, o governo não enviou ajuda especial para evacuar as cidades que seriam atingidas, principalmente Nova Orleans. Prefeitos e governadores haviam mandado pedidos de socorro. Não obtiveram respostas de Bush. A omissão do governo é critica-

“Prezado Sr. Bush: Você tem alguma idéia de onde estão todos os nossos helicópteros? É o quinto dia do furacão Katrina e milhares continuam ilhados em Nova Orleans à espera de resgate. Pra que lugar deste planeta você conseguiu extraviar todos os nossos helicópteros militares? Você precisa de ajuda para achá-los? Uma vez, perdi meu carro num estacionamento da Sears. Cara, foi um saco. Outra coisa. Você tem alguma idéia de onde estariam todos os nossos soldados da guarda nacional? Nós realmente poderíamos contar com a ajuda deles agora para fazer o tipo de coisa para a qual se alistaram, como ajudar em situações de catástrofes nacionais. Por que é que eles não estavam lá quando tudo começou? Na quinta passada, eu estava no sul da Flórida. Depois de alguns instantes, o olho do furacão Katrina passou sobre a minha cabeça. Só era um furacão de categoria 1, mas já estava bem feio. Onze pessoas morreram e até hoje havia casas sem energia elétrica. Naquela noite, o meteorologista disse que a tempestade estava a caminho de Nova Orleans. Isso foi na quinta-feira! Alguém te falou alguma coisa? Eu sei que você não queria interromper as suas férias e eu sei o quanto você não gosta de receber más notícias. Ainda mais porque você tinha que comparecer a eventos e havia mães de soldados mortos para ignorar. Você sem dúvida ensinou algo a elas! O que mais admiro no seu comportamento diante da situação é como, no dia após o furacão, em vez de voar para Louisiana, você voou para San Diego para se divertir com os seus amigos empresários. Não deixe que as pessoas te critiquem por isso – afinal, o furacão já tinha passado e que diabos você poderia fazer, colocar o seu dedo no dique? E não dê ouvidos nos próximos dias, àqueles que vão tornar público como você reduziu o orçamento do Batalhão de Engenharia do Exército de Nova Orleans neste verão pelo terceiro ano consecutivo. Simplesmente diga a eles que mesmo que você não tivesse cortado o dinheiro para consertar aqueles diques não haveria nenhum engenheiro do

France Presse

João Alexandre Peschanski da Redação

France Presse

Arrasadas pelo furacão Katrina, cidades no sul dos EUA estão em situação de emergência e desespero

Os responsáveis pela tragédia em Nova Orleans: Bush e sua equipe

Exército para fazer o serviço. Você tinha um trabalho de construção muito mais importante para eles – CONSTRUIR A DEMOCRACIA NO IRAQUE! No terceiro dia, quando você finalmente deixou a sua casa de campo, tenho que dizer que fiquei comovido por ter feito o seu piloto do Air Force One descer das nuvens enquanto voava sobre Nova Orleans para que você pudesse dar uma olhadinha na catástrofe. Epa, eu sei que você não poderia parar e pegar um alto-falante e ficar em pé sobre alguns destroços e agir como um comandante supremo. Você já esteve lá e já fez isso. Algumas pessoas tentarão usar essa tragédia como uma arma política contra você. Simplesmente faça com que o seu pessoal não responda a nada. Principalmente àqueles cientistas enfadonhos que avisaram que isso aconteceria porque a água no Golfo do México está ficando cada vez mais quente, tornando uma tempestade como essa inevitável. Ignore todas as suas historinhas de aquecimento global. Não há nada de diferente em um furacão que foi tão amplo que seria como ter um tornado F-4 que se estendesse de Nova York a Cleveland.

Sr. Bush, fique tranqüilo. Não é culpa sua o fato de 30% da população de Nova Orleans viver na pobreza ou de dezenas de milhares não terem transporte para sair da cidade. Cara, eles são negros! Quero dizer, não é como se isso tivesse acontecido com Kennebunkport. Você consegue imaginar deixar brancos nos telhados de suas casas por cinco dias? Não me faça rir! Raça não tem nada – NADA – a ver com isso! Continue firme e forte, Sr. Bush. Só tente encontrar alguns dos nossos helicópteros militares e mande-os pra lá. Finja que o povo de Nova Orleans e da Costa do Golfo está próximo de Tikrit. Michael Moore MMFlint@aol.com P.S. Aquela mãe irritante, Cindy Sheehan, não está mais no seu rancho. Ela e mais um monte de outros parentes de soldados que morreram na Guerra no Iraque estão agora atravessando o país, parando em várias cidades durante a viagem. Talvez você consiga encontrar com eles antes que eles cheguem a Washington D.C. no dia 21 de setembro”. Michael Moore é cineasta


11

De 8 a 14 de setembro de 2005

INTERNACIONAL TRAGÉDIA PARA OS POBRES

George Bush, o grande responsável O

público estadunidense é mal informado sobre os acontecimentos atuais, devido à pobre qualidade da educação e a uma mídia altamente concentrada, ligada a religiosos direitistas e a interesses neoliberais das corporações. Mas a dramática e desnecessária perda de vidas de toda uma cidade e região por causa de um furacão e de uma enchente, especialmente em Nova Orleans e Costa do Golfo, talvez finalmente mostre aos apoiadores do presidente George W. Bush a verdadeira face de sua administração. E aponte seu fracasso em alcançar suas metas, seja na “guerra ao terror”, seja no Iraque, seja no desastre doméstico, muitas vezes maior que a queda das torres gêmeas em 11 de setembro de 2001. Mesmo antes da passagem do furacão Katrina, o apoio a Bush nas pesquisas afundara para um nível baixo recorde de 36% de aprovação, índice ainda menor do que o apurado quando Richard Nixon foi forçado a renunciar à Presidência, durante o escândalo de Watergate. O “cérebro de Bush”, como seu conselheiro Karl Rove é conhecido, está sob investigação por traição, acusado de revelar a identidade de uma funcionária da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos, com o intuito de difamar seu marido. Ele havia levantado dúvidas sobre a declaração de Bush de que o Iraque estava procurando urânio no Níger, justificando a ocupação do país asiático. Este escândalo levou à prisão de Judith Miller, repórter de The New York Times e apologista da guerra do Iraque.

DESAPROVAÇÃO O que mais impactou a opinião pública foi o aumento da violência e perda de vidas – especialmente estadunidenses – no Iraque, a alta do preço da gasolina em todos os Estados Unidos e o crescente movimento de famílias de militares criticando o governo. Aumentaram as dúvidas sobre a legitimidade e eficácia dos esforços de guerra no Iraque. Todo o esforço vai terminar em uma guerra civil no Iraque? Quando as tropas estadunidenses voltam? As pessoas exigem respostas, mas só sairam da Casa Branca pronunciamentos lidos e irreais, dizendo que a guerra estava indo bem e a democracia iria em breve se tornar realidade naquele país.

INDIGNAÇÃO Durante todo o mês de agosto, a mãe de um militar, Cindy Sheehan, foi como a mensageira da dúvida e do escândalo moral para a nação. Ela chegou, em 6 de agosto, em Crawford, no Texas, perto do rancho de Bush, e exigiu falar com o presidente sobre as verdadeiras razões da morte do filho, Casey Sheehan, de 24 anos. Seu testemunho solitário cresceu para um movimento de famílias de militares indignadas e outros ativistas antiguerra e rapidamente entre mil e duas mil pessoas estavam reunidas com Cindy em Camp Casey. Andres Conteris, um morador de Washington e ativista antiguerra que uma vez fez uma greve de fome na Casa Branca para tirar o Exército estadunidense de Vieques, em Porto Rico, disse: “O testemunho de Cindy introduziu uma nova paixão no movimento antiguerra”. Por exemplo, em Louisville, Kentucky, uma cidade de um milhão de habitantes, localizada no meio-oeste dos Estados Unidos, vigílias antiguerra e atos continuaram

riam. No dia seguinte ao furacão, Bush foi jogar golfe. Demorou três dias para aparecer na TV, e cinco dias para finalmente visitar a região atingida. Quando chegou lá, declarou: “O governo federal é responsável pelo bom povo de Nova Orleans”. De fato, enquanto a guerra do Iraque esgotou os fundos do governo estadunidense, o próprio Bush cortou os recursos do Corpo de Engenheiros do Exército, limitando o seu trabalho de fortalecer as barreiras que protegiam Nova Orleans da água. Décadas de drenagem dos pântanos para o desenvolvimento da indústria e do agronegócio esgotaram a vegetação protetora que poderia ter impedido muito as ondas gigantes que vieram com o Katrina.

TRAGÉDIAS

Estadunidenses repudiam George W. Bush por se preocupar mais com petróleo do que com as vítimas do Katrina

e cresceram por causa de Cindy. Grupos pró-guerra, na defensiva, organizaram seu próprio contramovimento, chamado “Você não fala por mim, Cindy”.

ANTIGUERRA Um dos efeitos da mobilização antiguerra foi perturbar as férias de Bush com a enchente de cobertura da mídia do protesto de Cindy Sheehan em Crawford. Mas nada do que o presidente disse ou fez parece ter desviado a atenção da mensagem de Cindy, que foi a pergunta para qual ela queria uma resposta direta de Bush: por que seu filho teve que morrer? Bush viajou de Crawford para Idaho, onde pensava estar seguro, e descobriu, para sua surpresa, que milhares estavam esperando por ele para protestar contra a guerra. Enquanto isso, Cindy declarava à grande imprensa coisas como:

“Bush pôs nossos filhos em um país de outra pessoa, e Casey foi morto por insurgentes. Ele não foi assassinado por terroristas, e sim pela milícia xiita que o queria fora do país”. O fenômeno Cindy Sheehan estava ganhando força e quebrando o silêncio da mídia.

habilidade do governo em proteger o povo de calamidades naturais, como ocorreu em Nova Orleans. “Faluja inunda o Superdome”, eis como o comentarista Frank Rich entitulou a sua análise sobre a tragédia no jornal The New York Times.

MARCHA

RESPONSABILIDADE

Quando finalmente acabaram as férias de Bush, o movimento de Camp Casey se dividiu em caravanas de famílias de militares e ativistas percorrendo o país para disseminar sua mensagem e convocando todos a uma marcha antiguerra massiva, marcada para 24 de setembro, em Washington. Todas essas dúvidas sobre Bush têm sido reforçadas e expandidas pela resposta extremamente pobre do governo ao furacão Katrina, e pela evidência de que a guerra no Iraque enfraqueceu terrivelmente a

Enquanto milhares morriam na inundada Nova Orleans, abandonados à própria sorte pelas autoridades em um estado de desespero, extremo sofrimento e selvageria, pessoas leais a Bush como o secretário de Segurança Nacional, Michael Brown, chamava os esforços de socorro de “excelente trabalho”. O próprio presidente pareceu estar mais preocupado com a interrupção das atividades da indústria de petróleo do que com o resgate das milhares de pessoas que mor-

Enquanto policiais locais de Nova Orleans recebiam ordens de parar os resgates para lidar com os saqueadores, aqueles que esperavam ser socorridos simplesmente morreram ou se instalaram em campos de refugiados provisórios armados no estádio Superdome e no Centro de Convenções. Esses lugares se transformaram em buracos onde meninas eram estupradas, pessoas carregavam armas e cadáveres simplesmente eram arrastados para fora e deixados entre os destroços. Ficou claro que as guardas nacionais de Louisiana e do Mississippi não estavam preparadas para responder ao furacão; que a maioria daquelas tropas estava no Iraque, ou sendo preparadas para ir para lá; que a maior parte dos veículos anfíbios e de quaisquer outros tipos haviam sido embarcados para o Iraque e deixados lá. O número total de mortos e feridos pode não ser conhecido por semanas, e pode alcançar as dezenas de milhares. Um escritor da Tufts University, de Boston, Felipe FernándezArmesto, escreveu em um artigo intitulado “Apocalipse nos EUA” para o jornal britânico The Independent: “Agora o senhor Bush não pode ir contra Deus, ou travar uma guerra contra a natureza. Ele não pode bombardear o mar ou invadir o vento. Deus e a Natureza estão no mesmo lado, e eles não mais parecem ser parceiros de coalizão dos EUA”.

TRIBUNAL POPULAR

Governo dos Estados Unidos: culpado! João Alexandre Peschanski da Redação A guerra contra o Iraque, iniciada em 2003, é um genocídio. O presidente estadunidense, George W. Bush, deve ser julgado por crime de lesa-humanidade. As frases, bombásticas, são a sentença de um julgamento que ainda não aconteceu. Ou, pode-se dizer, acontece todos os dias. O julgamento dos brasileiros em relação ao governo dos Estados Unidos. No final de agosto, entidades e movimentos sociais brasileiros lançaram uma campanha pela condenação de Bush na Organização das Nações Unidas (ONU) pela agressão ao povo iraquiano. Integra a iniciativa a realização de um tribunal popular em São Paulo (SP), no início de dezembro. A audiência não tem efeitos penais práticos. Pesam o seu significado simbólico e político. “O tribunal não é neutro. Condena, de antemão, o império dos Estados Unidos. Bush é persona non grata no Brasil”, afirma José Reinaldo Carvalho, do Centro Brasileiro de

Arquivo Brasil de Fato

Stephen Bartlett, especial para o Brasil de Fato de Louisville, Illinois (EUA)

France Presse/ Folha Imagem

Com o furacão, o sangue derramado no Iraque se mistura aos mortos e à violência que tomou Nova Orleans

países, e os documentos devem ser entregues ao secretário-geral da ONU, Kofi Annan, em setembro. O abaixo-assinado, com um texto explicativo sobre as razões do protesto, pode ser encontrado na página na internet do Cebrapaz: www.cebrapaz.org.br

GENOCÍDIO

Vítimas da guerra patrocinada pelos EUA se recuperam em hospital de Bagdá

Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz). A entidade participa da campanha, assim como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE). Os objetivos, segundo Carvalho, são elevar o grau de consciência dos

brasileiros em relação às violências cometidas pelo governo estadunidense, e estimular protestos contra Bush, principalmente na vinda dele ao país, prevista para novembro. Além da proposta da audiência popular, a campanha lançou um abaixo-assinado exigindo a criação de um Tribunal Penal Internacional para julgar os crimes cometidos durante a guerra do Iraque. A iniciativa ocorre em dezenas de outros

Segundo Carvalho, o governo dos Estados Unidos iniciou a guerra contra o Iraque sem justificativa. “Bush mentiu, afirmando que Sadam Hussein possuía armas de destruição em massa. Inspeções da ONU, algumas anteriores aos ataques, já haviam provado que tal armamento não existia. Depois, as próprias autoridades da ocupação confirmaram”, diz o integrante do Cebrapaz. De acordo com ele, os ataques estadunidenses, como o cerco a Faluja, cidade iraquiana em que se concentraram forças de resistência à ocupação, caracterizam um genocídio. Bombardeios incessantes na região, em 2005, deixaram um saldo estimado de 150 mil iraquianos mortos.


12

De 8 a 14 de setembro de 2005

INTERNACIONAL QUÊNIA

Em debate, a nova Constituição U

m enfrentamento religioso é hoje o principal obstáculo para a aprovação da nova Constituição do Quênia. Muçulmanos e cristãos se envolveram em uma polêmica sobre alguns artigos do texto, que será submetido a consulta popular em novembro. Os muçulmanos querem que a nova Carta Magna dê maior influência à sharia ou lei islâmica que, entre outras coisas, Sharia – Conjunto de normas que ordena açoites abrangem todas como castigo as esferas da vida da comunidade para o consumuçulmana, desde mo de álcool, aspectos religiosos ou apedrejae políticos até atos corriqueiros, como mento em caso a alimentação. de adultério. Isto desagradou os cristãos, que representam 73% dos 30 milhões de quenianos. Vinte por cento seguem religiões tradicionais e o restante o Islã. Os líderes do movimento cristão A Igreja do Quênia, reunidos em Nairóbi dia 25 de agosto, anunciaram que exortarão suas respectivas congregações a votar pelo “não” ao novo texto constitucional. “O que dizemos é que os tribunais religiosos não devem ser avalizados pela Constituição”, afirmou David Githii, presidente da Igreja do Quênia, uma aliança de 40 grupos cristãos. O inciso três do artigo 179 da nova Constituição, que entrará em vigor em dezembro se aprovada nas urnas, permite a instalação de tribunais da sharia em comunidades locais. Mas ao mesmo tempo o inciso um do artigo 10 consagra a separação entre Estado e religião. “Temos estratégias para ir aos povoados e fazer com que as pessoas votem ‘não’. Temos muitos contatos nas aldeias e vamos trabalhar junto a grupos de base diariamente. Esta

que terminou suas deliberações no ano passado, decidiu não conceder aos tribunais islâmicos jurisdição nacional e permitir-lhes que operem nas comunidades apenas em assuntos como divórcios, heranças e casamentos. Mas os líderes cristãos são contrários a que o novo texto constitucional sequer mencione os tribunais da sharia.

SISTEMA DE GOVERNO

Nos últimos anos, conflito religioso entre cristãos e muçulmanos do Quênia resultou em incidentes, como incêndio a templos

campanha pelo ‘não’ vai continuar mesmo depois do referendo, até as próximas eleições gerais de 2007”, disse o bispo Margaret Wanjiru, da igreja carismática Ministérios Jesus Vive. “Nosso voto e o de nossas congregações continuará sendo ‘não’ enquanto não se mudar o artigo 179. Se o governo continuar inflexível, então será sua escolha. A bola está com ele”, acrescentou.

GUERRA RELIGIOSA A polêmica começou em 2003, quando na Assembléia Nacional Constituinte os muçulmanos exigiram que os tribunais islâmicos, que funcionaram em diferentes comunidades durante décadas, ganhassem jurisdição nacional e fossem reco-

MAURITÂNIA

O coronel Ely Ould Mohammed Vall, presidente da Junta Militar que em 3 de agosto tomou o poder na Mauritânia, anunciou dia 4 em um discurso à nação uma anistia geral para os condenados por crimes políticos. Entre as pessoas que serão beneficiadas pela medida estão os sentenciados neste ano por sua participação nas tentativas fracassadas de golpe de Estado de 2003 e 2004 contra o deposto presidente Maaouya Ould Taya, assim como as condenadas por pertencer a grupos radicais islâmicos. A Mauritânia, uma república islâmica, é um dos três países da Liga Árabe que têm laços diplomáticos com Israel. Nos anos 1990, o presidente Taya enfureceu muitos árabes no mundo ao deixar de apoiar o ex-presidente iraquiano Sadam Hussein, declarando apoio a Israel e aos EUA. Na prisão da capital mauritana, Nuakchott, cumprem sentença 38 pessoas acusadas de participar das tentativas golpistas precedentes contra Taya enquanto outras 20 se exilaram em diferentes países. O coronel Vall preside o Conselho Militar para a Justiça e a Democracia (CMJD) e a Junta Militar formada por 17 altoscomandantes militares que assumiu o poder após um golpe de Estado que derrubou o presidente Taya. Em seu primeiro discurso à nação, que foi transmitido por rádio e televisão, Vall disse que a anistia permitirá que os presos políticos “participem da obra de construção nacional com toda liberdade e plena

far Nimeri impôs a lei islâmica. No dia 9 de janeiro de 2005, as duas partes chegaram a um acordo de paz que pôs fim a este conflito, até então o mais longo do continente. A aplicação da sharia na Nigéria também provocou uma série de conflitos entre muçulmanos e cristãos. Quase a metade dos 36 Estados desse ocidental país africano, o mais populoso do continente, adotou a lei islâmica. No Quênia, o enfrentamento religioso resultou em vários incidentes nos últimos anos, como o incêndio de uma mesquita e de duas igrejas. Em 2000, um clérigo anglicano foi ferido em um ataque muçulmano. Diante do desacordo entre cristãos e muçulmanos, a Assembléia Nacional Constituinte,

LUTA CONTRA A AIDS

Líder da Junta Militar concede anistia geral da Redação

nhecidos como autoridades sobre assuntos comerciais, civis e penais. Os cristãos rejeitaram a proposta e alertaram que a inclusão desses tribunais na Constituição prepararia o caminho para a criação de um Estado islâmico e levaria o país a uma guerra religiosa, como ocorreu na Nigéria e no Sudão. Por sua vez, os muçulmanos advertiram que não aceitariam um texto que não desse aos tribunais da sharia maior jurisdição. No vizinho Sudão, a religião foi o motivo de um conflito desde 1955 entre Cartum, a capital, dominada pelos árabes, e os cristãos do sul. O último episódio desta guerra interna que matou mais de dois milhões de pessoas começou em 1983, quando o ex-presidente Gaa-

Dia 23 de agosto, representantes do governo se reuniram com líderes das igrejas cristãs para tentar convencê-los a votar a favor do texto, mas as conversações ficaram paralisadas devido à intransigência dos religiosos. “Se disserem ‘não’ à Constituição, as repercussões serão terríveis. O governo obviamente poderia perder o referendo”, disse o analista político Mutahi Nguyi, do instituto independente Series on Alternative Research in East África. Por sua vez, o governo do presidente Mwai Kibaki pôs em marcha uma campanha a favor do “sim”. Outro assunto de controvérsia ligado à nova Constituição é o sistema de governo. A polêmica também causou uma divisão dentro da governante Coalizão Nacional do Arco-Íris. Uma ala do Partido Democrático Liberal (LDP) apóia a idéia de que a presidência passe a ser um cargo não-executivo e que seja criado o posto de primeiroministro. Entretanto, o Partido da Aliança Nacional do Quênia, outro integrante da coalizão de governo, prefere manter o sistema presidencialista. A Comissão para a Revisão da Constituição do Quênia realizará uma campanha de informação pública sobre os alcances do referendo. Se este rascunho for rejeitado em novembro, o país continuará com a atual Constituição. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

quietude e unam seus esforços sobre o território nacional para permitir a nosso país construir um futuro de paz, progresso e prosperidade”. Um dos beneficiários da anistia será Mohammed Juna Ould Haidalla, que foi presidente da Mauritânia entre 1980 e 1984 e que em 2003 foi condenado a cinco anos de prisão e a privação de seus direitos civis e políticos por preparar um golpe de Estado contra Taya por ocasião das últimas eleições presidenciais, em novembro de 2003. Também se beneficiarão da anistia alguns condenados por pertencer às organizações islâmicas não autorizadas, embora cerca de quarenta não possam fazê-lo já que ainda não foram julgados. Entre os radicais islâmicos presos que ainda não foram julgados estão sete jovens supostamente relacionados ao Grupo Salafista para a Predicação e o Combate (GSPC) argelino. Pouco depois do anúncio da anistia geral, dezenas de pessoas se concentraram ante a prisão de Nuakchott para celebrar a medida. A Junta Militar assegurou que o período transitório aberto após a derrocada de Taya não se prolongará por mais de dois anos e que no prazo de 12 meses se organizará um plebiscito para adotar reformas constitucionais. Também se comprometeu a organizar antes de 24 meses eleições presidenciais e parlamentares “honestas e transparentes”, às quais não poderão concorrer os 17 integrantes da Junta Militar, o primeiro-ministro e os membros do governo. (Com agências internacionais)

EUA promovem campanha pela abstinência em Uganda da Redação A ênfase do governo dos Estados Unidos em programas de prevenção à Aids baseada unicamente na abstinência está prejudicando a batalha da África contra a pandemia, uma vez que minimiza o papel de prevenção dos preservativos. A crítica é do enviado especial da Organização das Nações Unidas à África para o HIV/Aids, Stephen Lewis. Em relatório divulgado dia 29 de agosto, após uma visita a alguns países africanos, Lewis disse que as ideologias cristãs fundamentalistas estão provocando conseqüências desastrosas ao programa anti-Aids dos EUA, o Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da Aids (Pepfar), como a falta de preservativos em Uganda. O governo Bush incentiva programas de prevenção que se baseiem na abstinência em vez do uso de preservativos, e elevou em mais de 100% o financiamento a esse tipo de campanha nos últimos cinco anos. Dentro do plano global do presidente George W. Bush para a Aids, o governo dedicou cerca de 8 milhões de dólares este ano para programas baseados na abstinência em Uganda, afirmam grupos de defesa dos direitos humanos. Ativistas ugandeses e estadunidenses afirmam que o país africano vem enfrentando uma grave falta de preservativos, e que os homens estão usando sacos de lixo para se proteger. “Não tenho a menor dúvida

Arquivo Brasil de Fato

Joyce Mulama de Nairóbi (Quênia)

Arquivo Brasil de Fato

Cristãos e muçulmanos divergem sobre um dos pontos mais polêmicos: a aplicação da lei islâmica

O presidente de Uganda, Yoweri Museveni, defende plano dos EUA contra a Aids

de que a crise dos preservativos em Uganda está sendo causada e exacerbada pelo Pepfar, e pelas políticas radicais da administração dos EUA, que está dando ênfase na abstinência”, disse Lewis. “A distorção do aparato de prevenção está resultando em graves prejuízos, e sem dúvida vai causar um número significativo de infecções que nunca deveriam ter acontecido.” Um representante do Ministério da Saúde de Uganda, Mike Mukula, negou as acusações. “Nossa proposta é manter a política baseada na abstinência, na fidelidade e no uso de preservativos, que já ajudou Uganda a reduzir as taxas de pre-

valência de Aids. As três estratégias sempre tiveram o mesmo peso.” Uganda já foi elogiada por reduzir as taxas de infecção por HIV de 30% no início dos anos 1990 para cerca de 6% atualmente, uma rara história de sucesso na batalha da África contra a doença. O presidente Yoweri Museveni irritou ativistas anti-Aids em julho de 2004 quando afirmou que a abstinência e a fidelidade devem vir antes do uso da camisinha. Segundo a organização internacional Human Rights Watch, a primeira-dama do país, Janet – tenaz defensora da abstinência –, e entidades próximas a ela receberam recursos dos EUA. (Com agências internacionais)


13

De 8 a 14 de setembro de 2005

NACIONAL AQÜÍFERO GUARANI

De olho na água, Nestlé avança no RS Daniel Cassol de Porto Alegre (RS)

O

s cerca de 50 prefeitos gaúchos que fizeram visitas ao presidente nacional da Nestlé, Ivan Zurita, aguardam com ansiedade o final do mês de outubro, quando a transnacional deve divulgar em qual município do Rio Grande do Sul vai instalar sua fábrica para produção de leite em pó. Enquanto governo e prefeituras comemoram os R$ 120 milhões que devem ser investidos e os 400 empregos que serão criados, o histórico da empresa e as suas atuais ambições preocupam os movimentos sociais. “Quando uma grande transnacional como a Nestlé se instala em uma região, aos poucos ela passa a ter hegemonia sobre aquele produto. Isso acontece no Brasil inteiro”, afirma Roberto Malvezzi, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Relatório da organização ActionAid mostra que, na década de 1990, a Nestlé e a Parmalat expulsaram mais de 50 mil produtores de leite da cadeia de fornecedores, após terem comprado um grande número de cooperativas de leite no Brasil. “Muitos produtores não conseguiram cumprir os novos e estritos padrões impostos por aquelas duas empresas. “Com freqüência, as empresas transnacionais estabelecem as regras do jogo comercial, decidindo quem vai ser incluído ou

Arquivo Brasil de Fato

Transnacional se instala em região de fácil acesso ao maior reservatório de águas subterrâneas do mundo

Tribunal popular vai julgar crimes da empresa

Histórico da Nestlé em considerar a água uma mercadoria não é uma boa notícia para o Aqüífero Guarani

excluído de suas cadeias de fornecimento”, diz o relatório.

PROBLEMAS Experimentada, a direção da empresa já anunciou que pode adquirir até 3 milhões de litros de leite por dia e pagar até R$ 0,55 por litro, enquanto a média atual está em R$ 0,45 por litro. “Não existem problemas em nenhuma região onde compramos leite”,

A caminho da privatização Em março, a Assembléia Legislativa gaúcha manteve o veto do governador Germano Rigotto (PMDB) a um artigo do projeto das parcerias público-privadas (PPPs) que excluía a água dos serviços que podem ser fruto de parcerias, acompanhando o projeto de PPPs defendido pelo governo federal. “O fato de o governador ter vetado exatamente a restrição às possíveis parcerias entre empresas e governo na utilização das águas causa estranheza e inquietação”, alerta o professor João Hélio Pes, do Centro Universitário Franciscano e da Universidade da Região da Campanha. O veto do Executivo se baseava no argumento de que “somente o governador tem legitimidade para apresentar proposta que venha a conferir ações à Companhia Riograndence de Saneamento (Corsan), ou mesmo excluir atribuições da mesma”. “Tal argumentação é inconsistente e, inclusive, mal elaborada, pois, ao vetar emenda que visava proteger os denominados bens ambientais de uso comum do povo, abre caminhos para possíveis explorações econômicas das riquezas imensuráveis que estão no nosso subsolo, ou seja, as águas subterrâneas dos nossos aqüíferos”, avalia Pes. (DC)

afirmou, ainda, o presidente nacional da companhia, em entrevista no dia 23 de agosto. Não existem problemas para a Nestlé, foi o que provavelmente quis dizer o presidente. Porque os problemas para os pequenos produtores de leite são muitos. “Empresas como a Nestlé desmoronam o trabalho das cooperativas de produção familiar, que coletam o leite. Colocam equipamentos, financiam os animais e deixam o produtor amarrado durante muito tempo”, relata Adriano Peres, da coordenação estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) em Goiás. Desde junho deste ano, a Nestlé parou de comprar leite da Centro Leite, que reúne 14 cooperativas de produção, a maioria de pequenos produtores de Goiás. A Nestlé compra 350 mil dos 700 mil litros vendidos pela central diariamente. Os produtores que vendiam o leite a R$ 0,64 o litro no início do ano hoje não conseguem mais que R$ 0,46. Mas existe outro perigo com a chegada da Nestlé, além da quebradeira que ela costuma provocar nos pequenos produtores de leite. Os dois municípios mais cotados para receber a fábrica de leite em pó são Santa Rosa e Carazinho, que ficam nas regiões norte e noroeste do Estado, de fácil acesso ao

Aqüífero Guarani, maior manancial de água doce subterrânea do mundo, com Aqüífero Guarani – Maior reservatório dois terços de de águas subterrâsua área total neas do mundo, se no Brasil. “No estende por Argentina, Brasil, Paraguai mundo cone Uruguai. Tem temporâneo, a extensão total de água também aproximadamente é um negócio. 1,2 milhão de km², sendo 840 mil km² Uma das transno Brasil. As resernacionais que vas permanentes de fazem da água água são da ordem de 45 trilhões de uma mercadometros cúbicos. ria é a Nestlé. Quando ela chega ao Rio Grande do Sul, e ela está procurando o Aqüífero Guarani, evidentemente está com o mapa da mina na mão”, afirma Malvezzi. A Nestlé já tem, no Estado, uma fábrica de produção de ração animal, em Camaquã, próxima da Lagoa dos Patos.

MINAS GERAIS O integrante da CPT lembra o caso de São Lourenço (MG), onde a empresa conseguiu licença para explorar os lençóis subterrâneos de água mineral, passando a produzir a água mineral da marca Pure Life, desde 1999. A Nestlé sofre hoje um processo por causa da desmineralização e da superexploração da água, o que fere a legislação. Cássio Mendes, ex-vereador do PT no município e integrante do Mo-

Em outubro, a Nestlé vai sentar no banco dos réus por conta de crimes ambientais e violação de direitos humanos. O tribunal popular será realizado na Suíça. Dom Tomás Balduíno vai representar os movimentos sociais brasileiros no júri. Com os pés e as mãos no Brasil há mais de um século, a Nestlé conta com 26 fábricas em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Rio Grande do Sul. Segundo informações da página da empresa na internet, a Nestlé compra anualmente 1,5 bilhão de litros de leite no Brasil. Aquarel, Perrier, Petrópolis, São Lourenço e Pure Life são as marcas de água mineral produzidas pela multinacional. Em janeiro deste ano, foi escolhida como a transnacional mais irresponsável do planeta, de acordo com o Fórum Alternativo de Davos, na Suíça. Ficou na frente das empresas Dow Chemical, Shell, KPMG e Wal-Mart, todas consideradas as mais irresponsáveis do planeta nas questões sociais e ecológicas. A companhia foi eleita a “mais irresponsável” por seus conflitos trabalhistas na Colômbia e suas agressivas campanhas de marketing para promover substitutos do leite materno, que prejudicam a amamentação, especialmente em países em desenvolvimento, expondo milhões de bebês a riscos de um desmame precoce, com as conseqüências epidemiológicas, sociais e econômicas.

vimento Amigos do Circuito das Águas Mineiro, conta que a primeira ação da Nestlé foi subestimar a resistência dos movimentos sociais. Embora considere positivo o acordo feito entre a empresa e os movimentos sociais, mediado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (vinculado ao Ministério de Minas e Energia), afirma que a sociedade tem de estar atenta para impedir o que aconteceu no seu município.

ATINGIDOS POR BARRAGENS

Alexania Rossato de Brasília (DF) Capacitação para a Produção Pesqueira às Famílias do Movimento dos Atingidos por Barragens. Com esse projeto, fruto do convênio celebrado entre a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca do Governo Federal e a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens, populações atingidas por barragens de todo país poderão iniciar a produção pesqueira nas margens de lagos, rios e pequenos açudes. O projeto visa capacitar e instrumentalizar as famílias para que, em organizações locais, possam criar condições de trabalho, geração de renda e garantir sua soberania alimentar. O projeto baseia-se no Decreto nº 4.895, de 25 de novembro de 2003, que prevê a produção de peixes em tanques-rede. Essa tecnologia é relativamente recente no Brasil e consiste em tanques feitos de malha fixados dentro d’água, com aproximadamente quatro metros cúbicos, embora esse tamanho possa variar. Nesses tanques são colocados alevinos e o processo de cultivo, em boa parte, é controlado pelo produtor.

Alexania Rossato

Projeto resgata cultura da pesca em tanques-rede

Encontro nacional de atingidos por barragens discutiu dificuldades das comunidades em se adaptarem à produção pesqueira

Adriane Lobo, coordenadora do projeto, diz que as populações atingidas devem ser priorizadas na concessão de autorização de uso dessas áreas. “O projeto tem a intenção de

capacitá-las não só para a produção em si, mas também para o processo de requisição dessas áreas”, afirma. Em um encontro nacional, realizado em maio, em Luziânia

(GO), atingidos por 11 barragens acumularam conteúdos para a discussão em suas comunidades e debateram o cronograma do projeto. Foi elaborado um diagnóstico

sobre os principais aspectos das comunidades, bem como fatores que podem dificultar ou facilitar o processo produtivo. Do encontro nacional derivaram os encontros regionais para discutir os aspectos da produção pesqueira, seus entraves e as potencialidades para a produção intensiva de peixes em tanques-rede. Além da contratação de técnicos, outra ação está prevista no projeto: a compra de embarcações e equipamentos de medição de alguns aspectos ambientais, importantes para a produção. Com essas ferramentas será possível verificar a potencialidade de implantação de projetos de tanques-rede. Abel Francisco de Andrade, atingido pela barragem de Acauã, na Paraíba, diz que o projeto será fundamental para o povo que foi expulso: “Quando o lago encheu, todo mundo foi desalojado e perdeu o meio de produção que era a terra. Hoje o que nós temos de concreto é o lago cheio, por que não explorar isso? Esse projeto poderá alavancar a economia e diminuir o impacto que a barragem trouxe para todas as famílias”.


14

De 8 a 14 de setembro de 2005

DEBATE NOVA ORLEANS

A crise política e o meio ambiente Carlos Walter Porto-Gonçalves uas recentes catástrofes de grandes proporções abalaram o mundo: o tsunami que atingiu países da Ásia e da África, em dezembro de 2004, e o furacão Katrina, que atingiu o Golfo do México, em particular, os Estados do Mississippi e da Louisiana, sobretudo, a cidade de Nova Orleans. Aparentemente estamos diante de dois fenômenos distintos, muito embora não sejam igualmente imprevisíveis. Afinal, um abalo sísmico é um fenômeno que se dá no tempo do instante, cujos efeitos são ainda mais imprevisíveis, sobretudo quando seu epicentro ocorre no fundo do mar e em zona de contato de placas geológicas. Não desconsideremos, todavia, que o rápido processo de empobrecimento das zonas rurais e das montanhas com a conseqüente migração para o litoral, onde uma vigorosa indústria do turismo vinha se desenvolvendo nas ilhas paradisíacas do Pacífico e do Índico, fez com que um número muito maior de pessoas estivesse exposto à ação do tsunami. Por outro lado, há todo um sistema mundial de meteorologia e de monitoramento específico de furacões, tormentas e tempestades cuja trajetória é acompanhada, inclusive, pela mídia sendo, portanto, um fenômeno de mais fácil prevenção. A tragédia recente vivida pela população de Nova Orleans vem derrubar alguns mitos, como o da proposta saída dos escombros do tsunami para que se constituísse um sistema moderno de monitoramento de maremoto e terremoto para prevenir possíveis desastres, assim como a idéia de que os efeitos desses eventos sejam mais trágicos nos países do Terceiro Mundo. A recente tragédia do furacão Katrina nos ensina que, acima de tudo, estamos

D

diante de uma crise de outro tipo que remete aos próprios valores que vêm comandando nossas práticas, sobretudo nos últimos 30/40 anos, e que acreditaram ter chegado, nos anos 1990, à vitória final com a queda do muro de Berlim. Destaquemos, antes de tudo, que as cenas típicas de Terceiro Mundo se fizeram presentes ali onde menos se esperava, isto é, no país mais rico do mundo, onde suas instituições mostraramse completamente despreparadas para dar conta da tragédia e não por falta de um sistema técnico e científico e, sim, pelos valores e pelas políticas que ali vêm ganhando terreno. Mandar que as pessoas abandonassem a cidade com a aproximação de um furacão anunciado com o nível 5 é acreditar demais nos princípios liberais e da ação racional ignorando a realidade social de uma população, como a de Nova Orleans, em que 28% vivem

abaixo da linha da pobreza. Assim, uma parcela significativa da população não dispunha nem de dinheiro vivo, nem de automóveis particulares para se transportar. O mercado e sua ideologia liberal se mostra, mais uma vez, incapaz de ser previdente e de alocar os recursos com a eficiência que tanto apregoa.

O mercado e sua ideologia liberal se mostra, mais uma vez, incapaz de ser previdente e de alocar os recursos com a eficiência que tanto apregoa O contraste com a situação vivida na maior ilha do Caribe um ano antes, quando um fu-

racão com mesma intensidade varreu a região, e os comitês de cidadãos e o governo deslocaram nada menos nada mais que 1 milhão e trezentas mil pessoas, ou seja, cerca de 10% de toda a população da ilha, sem que uma só vida fosse perdida, torna-se vergonhoso para a nação mais rica materialmente do mundo, que não foi capaz de evacuar os 500 mil habitantes de Nova Orleans. E mesmo após a tragédia instalada, o governo estadunidense preferiu estimular a caridade da população a lançar mão de instituições públicas de defesa civil, dessas, como o Corpo de Bombeiros que, embora se mostrem improdutivas a maior parte do tempo, mostram, nessas horas, que nem tudo pode ser regido pela lógica da produtividade. É como se despedíssemos o músico do oboé de uma orquestra sinfônica pelo fato de ele intervir muito pouco. Acrescente-se, ainda, que a política de corte dos gastos públicos havia suprimido 71,2 milhões de dólares do Corpo de Engenheiros de Nova Orleans, uma redução de 44% no seu orçamento e, assim, tiveram que ser arquivados os planos de fortalecer os diques e melhorar o sistema de bombeamento e drenagem do delta do Mississippi. Consideremos que o Rio Mississippi transporta às suas planícies cerca de um bilhão de toneladas de sedimentos por ano, conformando extensos pântanos. Todavia, a indústria de construção civil e do turismo vem se expandindo sobre esses pântanos com o beneplácito das autoridades locais e, assim, todo o sistema de drenagem vem sendo alterado posto que os pântanos, tal como os manguezais, cumprem um papel fundamental de amortização de enchentes, como se uma esponja fora. Os alertas sobre a catástrofe socioambiental que se anunciava foram, simplesmente, ignorados em nome do desenvolvimento e

da acumulação de capital, sobretudo, na área do turismo. Essas políticas vêm sendo estimuladas por organismos internacionais como o FMI, a OMC e o Banco Mundial e, deste modo, vêm se tornando políticas de caráter planetário que, por sua vez, vêm causando impactos de grande envergadura que, todavia, têm sido vistos como se fossem somente locais. E aqui se mostra toda a limitação do slogan ambientalista do ‘agir localmente e pensar globalmente’, haja vista que são exatamente essas ações globais que vêm causando tantos impactos locais. Fenômenos como o tsunami e o furacão Katrina, com certeza, terão no futuro um impacto ainda maior com o descaso com o Protocolo de Kyoto e a continuidade do aquecimento global, a elevação do nível da água do mar, as mudanças climáticas globais, as secas e enchentes cada vez mais freqüentes, assim como os furacões, de um lado e, de outro, continuemos acreditando que a migração para as cidades é um fenômeno irreversível, apesar de a ONU nos informar que 53% da população mundial, em 2002, é rural, e que as políticas públicas possam ser substituídas pela caridade, pela ação voluntária ou pelas organizações não-governamentais, conforme impõem o receituário neoliberal e seus organismos internacionais e midiáticos. Carlos Walter PortoGonçalves, doutor em Geografia e professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, integra o Grupo Hegemonia e Emancipações de Clacso. É ex-presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000) e autor de diversos artigos e livros, publicados em revistas científicas nacionais e internacionais

PENSANDO O BRASIL

Dom Pedro Casaldáliga stá difícil pensar o Brasil. Os últimos acontecimentos, desmoralizando o Congresso Nacional, que deveria ser para o povo a grande referência da “ordem e o progresso”, e estraçalhando o Partido dos Trabalhadores (PT) – que parecia ser “a esperança vencendo o medo” –, tornam difícil pensar o Brasil. Que Brasil temos? Que Brasil queremos? Que Brasil podemos ter já? E que Brasil forjamos para um futuro próximo, um verdadeiro “Brasil de todos”? Os grandes meios de comunicação e os grandes do dinheiro se refocilam com essa situação do PT e também do Lula, que pelo PT chegou à Presidência. Esses grandes são hipócritas e cínicos. A corrupção vem de longe e antes era maior e era a corrupção deles. Só que não aparecia ou não era julgada. Também é necessário sublinhar, para que certos partidos não se considerem agora imaculados e salvadores, que ainda o PT continua a ser o maior partido do povo e para o povo, no Brasil, e que há muito PT, sobretudo nas bases, que não é corrupto. Certamente, o PT (e com ele o governo de Lula) tem que reconhecer suas culpas e aprender a lição. Certas alianças só levam a certas concessões e a certas claudicações. O fim justo não justifica os meios injustos. E o partido e o governo não são o fim. A reeleição não é o fim. Não se deve assegurar o po-

E

der para continuar no poder mas, em todo caso, para servir ao povo. Já sabemos, por longa experiência mundial, que o poder facilmente corrompe. Rubem Alves escreve muito sabiamente: “A política, como vocação, é a mais nobre das atividades do ser humano; como profissão, a mais vil”. O PT-cúpula tem que entender também que o Brasil-povo não precisava nem queria continuar sendo uma colônia do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou do Banco Mundial (BM), nem um escravo do sistema financeiro, nem uma marionete das elites privilegiadas. Para isso, bastava continuar com os partidos da direita e suas corrupções de sempre. O Brasil-povo necessitava e queria se libertar do sistema neoliberal, das multinacionais espoliadoras, das privatizações entreguistas, do arrocho salarial, da oligarquia sugadora, da política podre, enfim. O Brasil-povo necessitava partir para outra política. Para uma política popular e social, a cujo serviço estaria a política econômica. Já chega de ter que reconhecer que o Brasil está bem quando o povo está mal. A política não é para o governo e o governo não é para o capital; são, devem ser, para o povo, para a vida. Primeiro a mesa de família, depois a exportação. Primeiro as dívidas internas, essenciais; depois a dívida externa. E, no dia-a-dia, menos publicidade e mais reforma agrária e mais emprego e mais quilômetros de

Kipper

A esperança vencendo a decepção

estrada boa e mais Sistema Único de Saúde (SUS) eficaz em todos os cantos do país... Os sonhos do povo e as promessas da campanha foram traídos. A esperança estava vencendo o medo, quando a decepção caiu sobre o povo, mais uma vez, como uma fatalidade histórica. Será mesmo que este Brasil de todos os jeitinhos não tem jeito? Entidades políticas, sociais, sindicais, culturais, religiosas, a cidadania, a sociedade civil, vêm lançando manifestos e programas. “Ética na política. Pelo fim da impunidade, por justiça para

todos e todas”, é o manifesto de várias entidades ecumênicas, como a Cese, o Conic, a Clai. Mais de 50 movimentos sociais lançaram a “Carta ao Povo Brasileiro”, “contra a desestabilização política e a corrupção; por mudanças na política econômica, pela prioridade nos direitos sociais e por reformas políticas democráticas”. O deputado federal Ivan Valente (PT/SP) escreve oportunamente: “Podemos estar perdendo uma chance histórica de mudança... Se trata de saber se o projeto histórico que levou o Lula ao governo federal foi derrotado em quanto projeto

político, por não ter feito a mudança social a que se comprometeu”. E o sociólogo Emir Sader concretiza: “É preciso fazer um balanço autocrítico... Retomando os temas fundamentais da esquerda, começando pela ética na política e pela prioridade das políticas sociais, mas, também, por um modelo econômico centrado no mercado interno de consumo popular, pela reforma agrária, pela economia familiar camponesa, pela luta contra os transgênicos, pelos direitos dos povos indígenas, pela defesa da Amazônia, pelo orçamento participativo, por uma reforma política democrática e pluralista, pela integração latino-americana e do Sul do Mundo...”. Tudo isso? Pois sim, tudo isso, cada dia, vencendo o medo, vencendo a decepção, dando cada um de nós tudo de nossa parte e exigindo de quem pode e tem que dar, porque é autoridade, com responsabilidade maior. Além de vencer a decepção, temos que vencer também o servilismo, limpar a própria corrupção e quiçá reforçar nossa participação na política, que continua a ser “uma das maiores expressões do amor cristão”, apesar de tudo o que se passa no Congresso e aparece na televisão e brota no coração da gente. Dom Pedro Casaldáliga é bispo emérito de São Félix do Araguaia e fundador da Comissão Pastoral da Terra e do Conselho Indigenista Missionário


15

De 8 a 14 de setembro de 2005

agenda@brasildefato.com.br

AGENDA LITERATURA MARGINAL Cinco anos depois da primeira edição, a revista Literatura Marginal dá origem a um livro com textos de autores da periferia. Assim como a revista, que surgiu do encontro de Ferréz com a Caros Amigos, o livro faz ecoar a voz dos escritores que não têm acesso à mídia, às livrarias e às universidades. Publicado pela Editora Agir, tem 136 páginas e custa R$ 29,90. Mais informações: www.editoraagir.com.br O GOSTO DA GUERRA O livro aborda a experiência do jornalista José Hamilton Ribeiro durante a cobertura da guerra do Vietnã; o dia a dia da guerra, o drama do acidente em que perdeu uma perna e um relato sobre a sua volta ao país, 30 anos depois. A obra, publicada em 1969, estava esgotada há mais de 20 anos. Para esse volume, Ribeiro reviu o diário feito logo depois do acidente e acrescentou um capítulo sobre a sua volta ao Vietnã. Uma reflexão profunda sobre o papel do jornalismo, o volume integra a coleção Jornalismo de Guerra, da Editora Objetiva, tem 144 páginas e custa R$ 24,90. Mais informações: www.objetiva.com.br A DITADURA EM DEBATE: ESTADO E SOCIEDADE NOS ANOS DO AUTORITARISMO Editado pela Contraponto Editora, em parceria com o Laboratório de Pesquisas e Prática de Ensino (LPPE), do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o livro é organizado pelos professores Adriano Freixo e Oswaldo Munteal Filho. Textos de Adjovanes Thadeu Silva de Almeida, Álvaro de Oliveira Senra, Lincoln de Araújo Santos, Livingstone dos Santos Silva, Luiz Edmundo Tavares, Lyndon de Araújo Santos e Ricardo Antonio de Souza Mendes. Mais informações: www.contrapontoeditora.com.br A HISTÓRIA DO NEGRO EM PORTO ALEGRE A memória da etnia negra da cidade de Porto Alegre está registrada em fotografia. O livro Negro em Preto e Branco - História Fotográfica da População Negra de Porto Alegre apresenta a contribuição dos afro-descendentes na construção e no desenvolvimento da capital gaúcha, suas heranças sociais e culturais dentro da historiografia oficial. A publicação teve apoio do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural (Fumproarte). A fotógrafa Irene Santos e as jornalistas Vera Daisy Barcellos e Sílvia Abreu buscaram materiais em acervos públicos e particulares, cobrindo um período que vai de 1850, data dos primeiros registros fotográficos na cidade, até o final dos anos 1970. Editora Fumproarte. Preço: R$ 25

INTERNET OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA POLICIAL Homenagem ao jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado pela ditadura militar em 19 de julho de 1971, foi criada uma página na internet que se propõe a ser um lugar de registro das violações dos direitos humanos cometidas por policiais e agentes do Estado contra a população pobre de São Paulo. O Observatório pretende se constituir como um espaço de memória dos anônimos torturados e mortos na tragédia social cotidiana e também estabelecer uma continuidade entre a luta pelo esclarecimento das torturas, mortes e desaparecimentos do período da ditadura militar. O endereço é www.ovp-sp.org

CEARÁ PALESTRA - DIGA SIM À VIDA: DESARME-SE 9, a partir das 19h30

Promovida pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos Raízes e Asas e a Igreja do Otávio Bonfim, a palestra sobre desarmamento será ministrada pelo médico e professor Antonio Mourão Cavalcante. O evento pretende discutir a importância do referendo do desarmamento, marcado para dia 23 de outubro. Local: Centro de Formação Santa Clara, ao lado da Igreja Nossa Senhora das Dores, Otávio Bonfim Mais informações: (85) 3214-0288

PARANÁ 6º SIMPÓSIO NACIONAL E CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS 24 a 28 de outubro Promovido pela Sociedade Brasileira de Recuperação de Áreas Degradadas (Sobrade), o evento visa um intercâmbio mais amplo de experiências, tecnologia, produtos e serviços para a tarefa de recuperar ambientes degradados. O tema central deste ano será “Fauna em foco”. Pretende-se analisar o papel da fauna nos processos de recuperação ambiental. Local: Av. Comendador Franco, 1341, Curitiba Mais informações: www.sobrade.com.br/simposio

PERNAMBUCO 1º CONGRESSO REGIONAL DE JUVENTUDE E TRABALHO 14 a 16 O congresso vai discutir a inserção do jovem no mundo do trabalho, além de incluir o tema na agenda de desenvolvimento regional. Haverá uma intensa programação cultural, além de painéis, oficinas e feira de projetos sociais, com estandes de organizações que desenvolvem atividades ligadas ao tema juventude e trabalho. Local: R. Barão de Souza Leão, 451, Recife Mais informações: (81) 3328-3020, www.aliancanordeste.com.br

RIO DE JANEIRO 1ª ARTE ADOIDADO 10, 15 h O Teatro do Oprimido convida para “Um encontro da loucura com várias linguagens artísticas”. O evento é fruto da necessidade de difusão das produções artísticas realizadas no universo da loucura para além dos espaços de tratamento. Esse será o primeiro de uma série. Mais uma atividade do Ponto de Cultura. Entrada Franca. Programação: Grupo Os Normais encena “Os Oprimidos”, do CAPS Arthur Bispo do Rosário; Grupo Loucademia da Arte encena “Doidos D +”, do NAPS Herbert de Souza; Grupo “Os Nômades” encena “Ponto Cego”, do Espaço Arthoud; Grupo Musical Cancioneiros do IPUB. Nos intervalos das peças serão recitadas poesias dos integrantes do Grupo “Pirei na Cenna”. Local: Casa do Teatro do Oprimido, Av. Mem de Sá, 31,Lapa, Rio de Janeiro Mais informações: CTO-Rio: (21) 2232-5826, 2215-0503,

secretaria@ctorio.org.br

RIO GRANDE DO SUL 4º ENCONTRO ESTADUAL DO MPA 8 a 12 Além da formação política e da análise da conjuntura brasileira, o encontro do Movimento dos Pequenos Agricultores tem objetivo de discutir o Plano Camponês, a organização do MPA-RS e as tarefas políticas do movimento, bem como escolher a nova direção e coordenação estadual. Local: Clube Cultural Esportivo Juventude, Linha Henrique D’ávila, Vera Cruz Mais informações: mpars@portoweb.com.br

SEMINÁRIO - TRABALHO INFANTIL, MITOS & VERDADES: A CULTURA, A LEI, O COMPROMISSO DA SOCIEDADE 21, das 8h30 às 17h Promovido pela Rede Marista de Solidariedade, com o apoio da Fundação de Assistência Social, o seminário vai reunir políticos, educadores sociais e especialistas para debater o tratamento dado à questão do trabalho infantil nas suas piores formas: trabalho informal urbano, exploração sexual comercial, agricultura familiar e trabalho doméstico. Serão apresentados resultados de ações desenvolvidas pelos órgãos governamentais e não-governamentais da cidade de Caxias do Sul. Local: Universidade de Caxias do Sul, auditório 408, bloco J, Caxias do Sul Mais informações: (51) 3314-0300, www.maristas.org.br,

SÃO PAULO 1º ENCONTRO LEITURA, ESCRITA E MATEMÁTICA PARA ALFABETIZAÇÃO (LEMA) 7a9 Promovido por Instituto Paulo Montenegro, Instituto Razão Social, Ação Educativa e Unesco, o encontro reunirá instituições educacionais, governamentais, empresariais e não-governamentais que têm tido sucesso no desenvolvimento e na aplicação de metodologias de ensino/ aprendizagem de leitura, escrita e cálculo. Os objetivos do evento são: reunir, sob a bandeira do combate ao analfabetismo funcional, instituições que estão dispersas pelo país; sistematizar o que hoje está fragmentado e propor, após esse encontro, a realização de ações conjuntas. Local: Al. Santos, 2101, São Paulo Mais informações: www.lema.org.br CURSO - DESCONSTRUINDO FUNDAMENTALISMOS, DISSEMINANDO BASES TEÓRICAS PARA SE VIVER EM LIBERDADE 20 de setembro a 22 de novembro Promovido pela organização nãogovernamental Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), o curso tem como objetivo expor o conhecimento relativo às teorias e práticas religiosas no campo dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Ministrado em dois módulos independentes: “O direito de decidir” e “A religião católica e as práticas das mulheres”, serão tratados temas como a sexualidade na igreja, homossexualidade, bioética, a inferiorização da mulher pelo cristianismo, Aids, violência sexual, aborto e maternidade. As aulas serão ministradas pela equipe permanente de CDD e por colaboradoras técnicas que trabalham na ONG. Local: R. Prof. Sebastião Soares de Faria, 57, 6º andar, São Paulo Mais informações: (11) 3541-3476

SÃO PAULO Arquivo Brasil de Fato

LIVROS

3ª SEMANA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS 12 a 14 Promovida pelo Centro Acadêmico Guimarães Rosa da Faculdade de Relações Internacionais da USP, a semana terá como tema “Economia Política Internacional”. Durante a atividade, haverá as palestras: “Economia Política Internacional e Teoria das Relações Internacionais”, com José Luiz Fiori (UFRJ); “A Globalização e a Macroeconomia do Dólar”, com Franklin Serrano (UFRJ) e Leda Paulani (USP); “O Poder Americano”, com Fiori e Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp); “A Resposta do Japão, Alemanha e China aos Desafios norte-americanos”, com Carlos Medeiros (UFRJ); “Periferia do Capitalismo: a Atualidade do Conceito de Subdesenvolvimento”, com Carlos Pinkusfeld (UFRJ) e Francisco de Oliveira (USP). Local: Faculdade de Economia e Administração, Av. Professor Luciano Gualberto, 908, Cidade Universitária, São Paulo Mais informações: www.caguima.hpg.ig.com.br

2º SEMINÁRIO MARGEM ESQUERDA 27 de setembro a 5 de outubro O tema do seminário, que vai acontecer em São Paulo, Campinas e Araraquara, será “As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen - A obra indisciplinada de Michael Löwy”. Em São Paulo haverá as seguintes palestras: “Marx e a Sociologia do Conhecimento”, com Leda Paulani, Maria Orlanda Pinassi e Carlos Nelson Coutinho; “Lukács, Marx e os intelectuais revolucionários”, com Wolfgang Leo Maar, Maria Elisa Cevasco, Isabel Loureiro e Ricardo Antunes; “Messianismo, romantismo e utopia”, com Marcelo Ridenti, Olgária Mattos, Jeanne-Marie Gagnebin, Jorge Grespan; “Teologia da Libertação”, com Flávio Aguiar, Alfredo Bosi e Zilda Iokoi; “Marxismo na América Latina”, com Maria Lígia Prado e Fernando Martinez Heredia (Cuba); “Trajetória de Michael Löwy”, com Emir Sader, Gabriel Cohn, Roberto Schwarz e Paul Singer, além de uma palestra de encerramento com Michael Löwy. Local: Auditório da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara, Auditório II do IFC da Unicamp e Anfiteatro de História da USP Mais informações: (11) 3875- 7285 EXPOSIÇÃO - ADVERSIDADES, INSPIRAÇÕES AMBULANTES Até 30 A mostra abriga obras desenvolvi-

das pelas crianças e adolescentes que freqüentam a organização nãogovernamental Casa do Zezinho. O trabalho faz as seguintes indagações “Quem Sou”, “Se eu Fosse” e “Quem Somos”. Local: Estação Júlio Prestes, São Paulo Mais informações: www.casadozezinho.org br TEATRO - BODAS DE SANGUE Até 9 de outubro O grupo Ventoforte, que várias vezes encenou trabalhos do dramaturgo Federico Garcia Lorca, renova sua história com um dos textos mais poéticos do século 20. Bodas de Sangue já recebeu dois troféus na 17ª edição do Prêmio Shell de Teatro São Paulo, nas categorias melhor cenário (Ilo Krugli) e música (Wanderley Martins, Caíque Botkay e João Poletto). Local: R. Brigadeiro Haroldo Veloso, 150, São Paulo Mais informações: (11) 3078-1072. TEATRO - A VIAGEM DE ALICE, DO CÉU AO APOCALIPSE Até 30 de outubro Espetáculo de Ricardo Monteiro com direção de Nelson Baskerville, a peça utiliza a linguagem e o imaginário da literatura de cordel para refletir sobre a perplexidade perante um mundo que, divinizando o consumo e a riqueza, termina por produzir uma grande miséria, material ou espiritual, que consome a todos. Local: Teatro Paulo Eiró, Av. Adolfo Pinheiro, 765, São Paulo Mais informações: (11) 5546-0449


16

CULTURA

De 8 a 14 de setembro de 2005

ACESSO À ARTE

Sessão de cinema dentro da escola A

nsiosos, os alunos e as alunas esperavam na fila em frente ao auditório da Escola Estadual Dom João Maria Ogno, na Vila Esperança, bairro da zona leste de São Paulo. Longe do burburinho das tradicionais salas de cinema da cidade, jovens da oitava série do ensino fundamental e dos três anos do ensino médio estariam, em poucos minutos, participando de uma sessão do 16º Festival Internacional de Curtas-Metragens, realizada dia 2, naquela escola da periferia. Outras escolas públicas da zona leste paulistana também participaram do Festival, que aconteceu de 26 de agosto a 3 de setembro, com um circuito de exibições que incluiu os bairros de Emerlino Matarazzo, Guaianazes, Itaim Paulista e São Miguel Paulista. A iniciativa de transpor os muros da cultura erudita para bairros mais afastados partiu da Ação Educativa, entidade da sociedade civil que promove o Projeto Cinema e Vídeo Brasileiro nas Escolas, levando mostras temáticas de filmes contemporâneos a escolas, com o propósito de estimular o debate entre professores, alunos e cineastas. Neste ano, uma parceria com a Associação Cultural Kinofórum, organizadora do Festival, rendeu bons frutos.

EMOÇÃO Quando cessou o barulho do recreio, a porta do auditório se abriu. Logo, em todas as cadeiras, olhos curiosos esperavam o projetor rodar. Antes disso, a diretora da escola, Florença Iumi Simões, deu boas-vindas aos organizadores e pediu atenção aos alunos. “É emocionante, para nós, que um evento tão distante de nosso dia-a-dia aconteça aqui. Nós ouvíamos falar do Festival e ficávamos imaginando como seria”, declarou. Cassios Nogueira, do Projeto Arrastão, entidade que produz vídeos com jovens de Taboão da Serra, município de São Paulo, falou sobre o curta Palavras e Músicas, selecionado para a mostra e exibido na sessão. Segundo ele, a ferramenta audiovisual é fundamental para o jovem se expressar. “Espero que vocês também utilizem essa ferramenta”, enfatizou. Ele levou os meninos e as meninas do Arrastão ao Museu da Imagem e do Som (MIS), sede do Festival, no primeiro dia em que seu vídeo foi exibido. “É um sentimento de reconhecimento da existência deles, um oportunidade dentro de um espaço democrático. Para qualquer educador, transpor os muros é combustível. Nós passamos por várias dificuldades e essas oportunidades são fundamentais”, observou.

FOCO Logo as luzes baixaram e a tela branca na parede ganhou as atenções. Na tela, alunos, alunas e pessoas da comunidade puderam assistir aos vídeos produzidos por jovens que participam de projetos de inclusão digital em diversas partes do Brasil. Atentos, cochichavam e gargalhavam com filmes como O dedo, feito por crianças de 7 a 12 anos do Programa Curumim do Sesc Carmo; ou Matita-Perera, realizado dentro do Projeto Revelando Brasis, programa do Ministério da Cultura (Minc) que promoveu acesso à produção audiovisual para comunidades de cidades com menos de 20 mil habitantes. Em Formosa Brasília Teimosa, adolescentes do bairro Brasíla Teimosa, na periferia de Recife, contaram para os da Vila Esperança, de São Paulo, um pouco de sua vida. A produção Curupira, com o personagem mitológico retratado por

Com mostras temáticas, Projeto Cinema e Vídeo Brasileiro nas Escolas estimula o debate entre professores, alunos e cineastas

animação gráfica, rendeu um clima de suspense.

e percebem que os curtas-metragens, e não somente os longas, podem trazer mensagens sobre seus cotidianos”. A escola realiza projetos de comunicação, como produção de fanzines e radiodifusão. Além disso, o cinema está sempre presente para contar histórias – como quando os alunos da oitava série do ensino fundamental fizeram uma mostra de vídeos sobre a cultura afrobrasileira. Para Regina, “educar não é apenas ficar sentado numa cadeira”.

É DIFERENTE Acabada a sessão, os sorrisos apareceram. Para Natália Caetano, de 16 anos, aluna da segunda série do ensino médio, o evento foi bem interessante: “Não é sempre que essas coisas acontecem aqui”. Seu namorado, Rodrigo Augusto, também de 16 anos e da mesma série, acha que “só assim para as pessoas terem algo a mais na escola, e não só a aula. É ótimo absorver tudo isso”. Eles concordam que assistir aos filmes deu vontade de ir ao cinema com freqüência. Rodrigo já participou de oficinas de radiodifusão e vídeo na escola e faz parte de um grupo de teatro. A professora de história e coordenadora do projeto de cinema e vídeo da EE Dom Mogno, Sílvia Regina Fracasso, considerou a inicitiva da Ação Educativa e da Kinofórum especial. Para ela, “os alunos gostam porque é diferente. Eles têm contato com o cinema

REALIDADES Alexandre Kishimoto, da Ação Educativa, que apresentou o programa de curtas aos estudantes, avalia que as sessões nas escolas beneficiaram “tanto a comunidade escolar, que engloba professores, funcionários e alunos, quanto os moradores no entorno das escolas”. Em uma carta redigida às escolas que participaram do evento, a diretora do Festival, Zita Carvalhosa, afirmou que “a programação

Natália e Rodrigo puderam assistir a vídeos produzidos por outros jovens

apresentada nas sessões aposta na possibilidade de utilizar o audiovisual como forma de aproximar as realidades”. Ela constatou que “observando a multiplicidade temática, e o surgimento de trabalhos bas-

tante inovadores do ponto de vista estético, podemos aferir que essa democratização do acesso às ferramentas de produção audiovisual oferece aos jovens uma interessante e viável alternativa de expressão”.

NOVOS ARTISTAS

Cinco anos de saraus em Brasília Leonor Costa de Brasília (DF) O movimento cultural Tribo das Artes, que promove saraus com poesia, música, teatro e dança todas as primeiras terças-feiras de cada mês, comemora cinco anos. Formada por artistas e militantes da área de cultura, a Tribo começou em Taguatinga, mas logo passou a agregar artistas de outras regiões, como Plano Piloto, Cruzeiro, Guará, Ceilândia, Sobradinho, São Sebastião e Samambaia. Nos 44 saraus realizados desde o primeiro encontro, no Botiquim Blues, a Tribo já reuniu dezenas de cantores, atores, escritores e cineastas. Entre os convidados das rodadas culturais, estiveram o cineasta Wladimir Carvalho e o procurador da República Luiz Francisco Souza, que em 2004 lançou, no sarau, seu livro Socialismo: uma utopia cristã. “Queremos reunir grupos que criem, discutam e estimulem o surgimento de outros criadores. Traduzir em arte nossa vontade de conquistar justiça social, nosso desejo de que todos tenham condições de expressar seus sentimentos de forma elaborada”, diz o “Manifesto Tribo das Artes”. “Não basta fazer arte, ela tem

Leonor Costa

Bel Mercês da Redação

Fotos: Maíra Soares

Festival Internacional de Curtas-Metragens estimula vida cultural na periferia de São Paulo

Tribo das Artes comemora cinco anos de saraus com poesia, música, teatro e dança

de incomodar”; “A essência da arte é a visão de mundo que expressa”; “Nosso papel é estudar e interpretar o homem para que ele se reconheça, se estranhe e se transforme”: esses são alguns dos lemas da Tribo, que criou também a revista Tribo das Artes, cujo objetivo é não só informar, mas “provocar e levar o leitor à reflexão”. Para garantir a independência do conteúdo da revista, a Tribo assegura a independência financeira da publicação, que é feita com recursos da bilheteria dos saraus, além de eventuais apoios financei-

ros de sindicatos. Com tiragem de 10 mil exemplares, a revista tem distribuição gratuita nos eventos da Tribo, nos pontos culturais do Distrito Federal e nos eventos nacionais em que o grupo participa. Dos encontros, reuniões e saraus da Tribo das Artes também saíram músicos, atores e poetas hoje conhecidos no cenário nacional. É o caso do grupo Casa de Farinha, surgido no segundo sarau. Hoje, “as quatro meninas”, como são carinhosamente chamadas, e os dois meninos que a elas se juntaram,

levam seu trabalho também para o exterior. Em junho, o grupo recebeu o Prêmio Tim de Música, na categoria de melhor grupo regional. Tradicional colaborador da Tribo, o grupo Mambembrincantes, que une teatro e música, já lançou o segundo CD. Outro colaborador de peso é grupo de teatro Celeiro das Antas, que esteve nos primeiros encontros de criação da Tribo, sob a liderança do ator e diretor de teatro José Regino. No 44º sarau, realizado dia 6, o público assistiu à apresentação de Seu Teodoro e o Boi, grupo de Sobradinho que incorpora de forma autêntica a manifestação cultural do Bumba Meu Boi do Maranhão. Miquéias Paz (ator), Beto Almeida (jornalista), Mamulengo Presepada (grupo de teatro), Omar Franco (artista plástico), Adeilton Lima (poeta), Nicolas Behr (poeta), Menezes y Moraes (poeta e jornalista), Ivaldo Cavalcanti (fotógrafo), Lilia Diniz (poetiza), Carlinhos Piauí (músico), Paulo Matricó (músico), Paraibola (grupo musical), Zelito Passos (músico), Paulo, Anderson e Vinícius (grupo de choro) e Batucada de Bamba (grupo de samba) foram alguns dos grupos e artistas que fizeram a programação nesses cincos anos de Tribo das Artes.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.