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Ano 3 • Número 133

R$ 2,00 São Paulo • De 15 a 21 de setembro de 2005

Mais importações, menos empregos Paulo Liebert/AE

Proposta do ministro Antônio Palocci abre mercado brasileiro ainda mais do que fez Collor e agrada países ricos

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o próximo dia 19, a equipe econômica comandada por Antônio Palocci pode desferir novo golpe de morte na indústria brasileira, penalizando o pouco que sobrou depois das políticas de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. É o que acontecerá se for aprovada proposta do Ministério da Fazenda de reduzir drasticamente os impostos de importação sobre produtos industriais, como querem os países ricos, cujos governos, diversamente do brasileiro, são protecionistas na defesa de

suas empresas e dos empregos que geram, e liberais quando se trata de abrir terceiros mercados para seus produtos. Para Palocci, a proposta de baixar impostos será melhor para a indústria local e poderá obter benefícios nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na verdade, o governo brasileiro está disposto a trocar componentes eletrônicos, fármacos e farmaquímicos – todos bens de altíssimo valor agregado, por toneladas de produtos primários. Pág. 7

Mensalão FHC é maior do que esquema de Lula

Relatório mantém Reforma política exclusão de rádio deveria ampliar comunitária controle social

TV digital pode adotar sistema internacional

EUA voltam a insistir com a Alca

Memorial para civis mortos em guerra do Iraque

Os Estados Unidos querem incluir na Declaração da Cúpula das Américas – encontro marcado para novembro na Argentina – a defesa da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A iniciativa gerou polêmica durante uma reunião preparatória. No dia 9, milhares de pessoas protestaram em Buenos Aires contra a possível presença de George W. Bush na Argentina, durante a Cúpula. Pág. 9

A organização Iraq Body Count mantém, na internet, uma lista detalhada das vítimas da ocupação do Iraque: pelo menos 30 mil inocentes morreram, na maioria, vítimas de soldados dos EUA. Em entrevista ao Brasil de Fato, o fundador da organização, John Sloboda, diz que o objetivo é lembrar que os mortos são pessoas, o que a grande mídia se esforça em ocultar. Pág. 11

Especialistas afirmam que a criação de canais de controle social sobre a ação do Estado é essencial para o Brasil passar a ter justiça social. Apesar disso, propostas como o orçamento participativo ou a ampliação e o fortalecimento dos conselhos sociais não estão sendo discutidas no projeto de reforma política em tramitação no Congresso. Pág. 4

Eleito presidente da Câmara pela oposição para fazer frente ao presidente Lula e ao seu partido, Severino Cavalcanti (PP-PE) agora depende fundamentalmente dos dois para não ser cassado. Aproveitando a desculpa do “mensalinho”, PSDB, PFL, PPS, PV e PDT querem tirá-lo do cargo após perceberem que, durante a crise, Severino mudou de lado. Pág. 3

MOBILIZAÇÃO – Para líderes de movimentos sociais ouvidos pelo Brasil de Fato, o momento atual deve servir para fomentar uma maior mobilização do povo. Pág. 6

Pág. 8

Liberação de transgênicos, opção política

DEBATE – Em livro de ensaios, o sociólogo Immanuel Wallerstein argumenta que os EUA vivem um processo de decadência econômica, social, política, cultural e geopolítica. Pág. 14

Pág. 13

Hotel Ruanda relata massacre e heroísmo Pág. 16

Severino não interessa mais à oposição

E mais:

Anderson Barbosa

Aprovadas as sugestões do Grupo de Trabalho Interministerial criado pelo governo, as rádios comunitárias continuarão fora da faixa do dial, principal reivindicação dos movimentos ligados à democratização do acesso à comunicação. Obtido com exclusividade pelo Brasil de Fato, o texto tem avanços tímidos em relação à atual legislação. Pág. 8

privatizações. A operação produziu uma fantástica transferência de renda aos grandes grupos econômicos e viabilizou apoio na compra de votos para a reeleição de FHC. A maracutaia permitiu ao capital que comprou as estatais ficar livre de pagar impostos. Págs. 2 e 5

Marcio Baraldi

Política neoliberal – Movimentos e organizações sociais protestam contra a globalização durante a Conferência LatinoAmericana contra a Fome na Cidade da Guatemala, na República da Guatemala

Perto dos desvios de recursos proporcionados por mecanismos criados no governo Fernando Henrique, o chamado mensalão do governo Lula não passa de mensalinho. Segundo a Secretaria da Receita Federal, houve desvio de bilhões de reais, via sonegação de impostos, para viabilizar as

Catadores cooperados criticam política do prefeito de São Paulo, José Serra, de promover a entrada de empreiteiras no setor


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De 15 a 21 de setembro de 2005

NACIONAL CRISE POLÍTICA

Oposição reage à traição de Severino Marcelo Netto Rodrigues da Redação

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everino Cavalcanti (PP-PE) não serve mais aos partidos que o colocaram na presidência da Câmara dos Deputados (PSDB, PFL, PPS, PV, PDT). Agora, os mesmos deputados que aplaudiram sua vitória, teatralmente, em fevereiro, pedem a sua cassação como se estivessem escandalizados com as denúncias do chamado “mensalinho” – como se isto fosse a razão de sua revolta. Mas os fatos levam a crer que, na real, esses partidos querem aproveitar a oportunidade para descartar Severino enquanto é tempo por estar sendo “cooptado” por Lula e pelo PT gradualmente no decorrer da crise. De fato, a desilusão da oposição e de 20 parlamentares do Bloco de Esquerda do PT na Câmara – que mesmo não tendo efeito legal, redigiram uma nota de adesão à representação apresentada pela oposição ao Conselho de Ética pedindo a cassação de Severino – tem sentido: o PT hoje é o principal aliado do presidente da Câmara para evitar que seja cassado –, já que o partido se negou a assinar a representação junto com a oposição.

Wilson Dias/ABR

Eleito para desgastar Lula, presidente da Câmara aposta agora no surpreendente apoio do PT para não ser cassado

Parlamentares da oposição decidem entrar com representação contra o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti

que o Severino é uma pessoa que tem hábitos políticos e práticas incompatíveis com a presidência da Câmara e votaram nele da mesma forma”, disse Valente. Segundo o parlamentar, o bloco esquerda está sendo coerente em apoiar a representação, pois “não elegemos Severino Cavalcanti”.

DESCULPAS Mesmo endossando a iniciativa da oposição, batendo de frente com a posição oficial do partido, o deputado federal Ivan Valente (PT-SP), integrante do Bloco de Esquerda, acha que os partidos que puseram Severino no cargo ainda devem desculpas à sociedade brasileira. “A oposição tem de fazer uma autocrítica pública. Eles sabiam que Severino representaria o que há de mais atrasado: o fisiologismo e o clientelismo. A atitude deles é hipócrita, pois participaram ativamente deste processo, comemorando às claras a derrota do governo, numa atitude irresponsável e rigorosamente contrária à instituição. Sabiam

COOPTAÇÃO A metamorfose de Severino, que passou de adversário a aliado tático de Lula durante a crise, é visível na opinião do professor de Ciência Política da FGV-SP e da PUC-SP, Francisco Fonseca. “Antes da crise, Severino vinha cumprindo bem o papel de desgastar o governo Lula. Com um discurso de autonomia em relação ao Executivo, ajudou a derrotar medidas provisórias, mas

depois, quando Lula de maneira muito hábil aceitou a sua indicação pessoal, Márcio Fortes, para assumir o Ministério das Cidades, ele começou a deixar de ser conveniente para a oposição”. Lembrando que a candidatura de Severino foi organizada por FHC, Fonseca analisa que “de certa forma, à época de sua eleição, Severino estava no meio de três forças: a do baixo clero (de onde ele pertence), a do governo Lula (de quem ele era aliado) e a da oposição (responsável pela sua eleição)”. Apesar de usar métodos questionáveis para manter aliados, o que mais teria desagradado a oposição, sob o ponto de vista político, segundo Fonseca, seria “a habilidade política de Lula, na medida em que trouxe para o seu governo integrantes

do PMDB, indicados pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, como indicados pelo PP, do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, conseguindo assim uma tremenda blindagem política”.

IMPEACHMENT Perguntado sobre uma possível intenção da oposição em querer assumir a presidência da Câmara para dar prosseguimento a processos de impeachment contra Lula, que, no momento, estão sendo arquivados por Severino, Fonseca mostrou-se descrente. “O fato de o governo Lula e do PT já estarem com as vísceras expostas de maneira como nunca se fez na história brasileira por si só já seria suficiente para a abertura do processo caso houvesse clima para tanto”.

Mesmo assim, a hipótese não deve ser descartada. Qualquer cidadão pode pedir o impeachment de um presidente da República por crime de responsabilidade, de acordo com a Constituição (com base no artigo 14 da Lei 1079, de 1950). Contra Lula já foram quatro. Todos arquivados por Severino. O procedimento é possível porque, ao receber a denúncia, o presidente da Câmara pode decidir sozinho pelo seu arquivamento, sem ter que submetê-la a ninguém, caso a considere inconsistente . Contra FHC (1994-2002), foram apresentados 22 pedidos de destituição, todos também arquivados pela Câmara. O único pedido até agora aceito foi aquele que gerou a renúncia do presidente Fernando Collor de Mello em 1992.

CAMPINAS

Cristina Alvares Beskow de Campinas (SP) Cerca de 600 pessoas participaram, dia 9, de um ato em solidariedade à vereadora Marcela Moreira (PT), no Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas. Em função do apoio de Marcela ao Movimento Passe Livre (MPL), cuja principal reivindicação é a gratuidade no transporte para a juventude, o vereador Jorge Schneider (sem partido, da base de apoio ao prefeito) entrou com um processo de investigação contra a vereadora – que pode culminar na cassação de seu mandato. O ato em solidariedade à vereadora contou com a presença de dezenas de parlamentares, representantes de vários partidos de esquerda, entidades, movimentos populares e moradores. Algumas rádios comunitárias da cidade entraram em rede para transmitir o ato ao vivo. “Todos estamos dispostos a defender até as últimas conseqüências o seu mandato, Marcela, e cerrar as fileiras contigo e com o movimento contra os desmandos de certos políticos e da elite dessa cidade”, enfatizou o vereador Raul Marcelo (PT), de Sorocaba. O vereador Schneider informa que existem dois processos em andamento contra Marcela, ambos relacionados às manifestações do Movimento Passe Livre. Um deles é datado de março, por uma possível falta de disciplina, em que os assessores da vereadora teriam pego garrafas de água da Câmara

João Zinclar

Ato defende mandato de vereadora A proposta do passe livre

Vereadora Marcela Dias Moreira recebe apoio em ato contra ofensiva da direita

para dar aos manifestantes; o outro se refere a um depoimento que a vereadora concedeu à Rádio Bandeirantes e se baseia em suspeita de quebra de decoro parlamentar – por declaração da vereadora à rádio de que os empresários de transporte influenciam as decisões do prefeito.

PASSAGEM MAIS CARA De acordo com a vereadora, todo mandato parlamentar tem imunidade para fazer esse tipo de crítica, de teor político. “O governo não pode querer censurar o povo organizado e as vozes de oposição”, diz. O depoimento de Marcela é fundamentado em fato concreto, já que, apesar de o prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT) ter afirmado, ainda quando candidato, que não iria permitir que os empresários aumentassem o preço

da passagem em 2005, no segundo mês de seu governo a passagem de ônibus subiu para R$ 2 – uma das mais caras do país. Na opinião de Marina Leonardi, professora presente ao ato, “o que estão fazendo contra Marcela é um patrulhamento ideológico porque ela não se acomodou aos esquemas lá de cima”. A vereadora avalia: “Os setores conservadores da cidade querem impor a sua ditadura para defender lucros e privilégios. Por isso caracterizam como baderneiros os movimentos populares que clamam por mudanças, escondendo a verdadeira razão de o povo indignado estar indo para as ruas”. Marcela enfatiza que outros representantes políticos estão sofrendo perseguições similares, como o vereador de Limeira, Ronei Costa Martins (PT), que, após denunciar a retirada não documentada de ali-

O transporte é o segundo maior gasto das famílias brasileiras. O direito do jovem à cultura e à educação muitas vezes não se concretiza por causa do alto preço da passagem, principalmente porque a criança e o jovem geralmente não têm renda própria. Segundo a vereadora Marcela Moreira, autora do Projeto de Lei 165/05, que propõe o passe livre no transporte coletivo municipal para os estudantes, o passe livre beneficiaria não só a juventude, mas toda a família trabalhadora, uma vez que um dinheiro a menos pago para os empresários no bilhete da passagem seria um dinheiro a mais na renda das famílias carentes. “Desse ponto de vista, o passe livre seria uma forma de distribuição de renda”, diz Marcela. Grandes cidades do Brasil, como Rio de Janeiro e Campo Grande, já contam com o passe livre para a juventude. Atualmente, seis empresas de ônibus controlam o transporte coletivo de Campinas. O sistema de transporte do município responde por várias denúncias de irregularidades, como publicidade e comercialização ilegal por parte dos empresários de ônibus, exploração e extorsão aos trabalhadores do transporte, manipulação das planilhas de custo e sonegação de impostos. Apesar de todos esses problemas, o prefeito Hélio de Oliveira Santos aprovou a concessão do sistema de transporte por 15 anos às empresas, com possibilidades de perdão da dívida e com a prefeitura assumindo os financiamentos em estrutura para as empresas. O Movimento Passe Livre (MPL) acusa a grande mídia da cidade de se aliar ao prefeito e aos empresários para tentar indispor o movimento junto à população. Conforme manifesto distribuído pelo MPL, além do passe livre, a luta é também por uma “auditoria pública nas contas do transporte, redução imediata do preço da passagem e municipalização do transporte público, para que este atenda a sua função social e não os interesses dos empresários do setor”. (CAB)

mentos destinados à merenda municipal, passou a sofrer um processo de cassação cujo relatório será votado ainda este mês. A acusação se baseia no argumento de que o vereador teria “invadido” a repartição pública para tirar satisfações

com o responsável pela merenda. Embora pressionada pelas manifestações populares de apoio a Ronei Martins, a base de vereadores do prefeito Sílvio Felix da Silva (PDT) é maioria na Câmara e terá o poder de decisão.


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Espelho Faturamento alto O jornal Meio & Mensagem divulgou estudo que mostra o aumento do faturamento da mídia em 2005 em todos os setores: TV por assinatura, 30,06%; revistas, 20,69%; TV aberta, 19,63%; internet, 15,42%; jornais, 13,27%; rádio, 10,68%. Mesmo assim, os empresários do setor vivem pedindo recursos ao BNDES e relutam em reajustar os salários dos trabalhadores. Pura ganância. Lobby impresso O presidente Lula recebeu, na semana passada, 16 integrantes da Associação Nacional de Jornais, entre eles os donos dos principais veículos impressos. É claro que, nesse momento em que a imprensa empresarial bate pesado no governo e no PT, a fragilidade oficial pode representar novas concessões aos poderosos tubarões da mídia. Os assuntos tratados foram mantidos na discrição. Apoio efetivo A deputada timorense Josefa Alvarez, da Frentlin, em entrevista à TV Senado, disse não entender por que o Brasil, que fala português como no Timor Leste, participa tão timidamente do esforço educacional para a reconstrução daquela ex-colônia portuguesa, enquanto Cuba, que nem português fala, ofereceu bolsas de estudos para 300 jovens timorenses que estão na ilha estudando medicina, agronomia e veterinária. Furacão neoliberal O furacão Katrina evidenciou não apenas as fragilidades das políticas públicas nos Estados Unidos, mas, entre outras coisas, que a mídia privada, em momentos de tragédia, não tem o menor compromisso social e não cumpre o papel de mobilizar a sociedade para ações de solidariedade. O máximo que a TV de Louisiana conseguiu fazer foi repetir um apelo para a população pobre e negra de Nova Orleans: “Fujam!”. Furacão solidário Vários jornais e revistas registraram, nas últimas semanas, a diferença de enfrentamento do furacão Katrina, nos Estados Unidos, e de outro furacão que destruiu 20 mil residências em Cuba, anos atrás, mas sem causar mortes e situações dramáticas de desespero. No furacão cubano, governo, partido, sindicato, exército, organizações sociais e a mídia trabalharam juntos para deslocar, em menos de 24 horas, mais de 1,5 milhão de pessoas. Sem incidentes. Pequenos ditadores Descontente com a Rádio Comunitária Nova FM, de Goiana, na zona da mata de Pernambuco, o prefeito do município, Roberto Gadelha, determinou ao coordenador da rádio o encerramento do programa Comunidade em Movimento, de Jader Som, porque abre espaço para a população falar dos problemas da cidade. Como sempre, o pequeno ditador quer acabar com as críticas através da intimidação e da censura. Crime ecológico A jornalista Juliana Arini foi demitida de jornal diário de Cuiabá, no Mato Grosso, por ter escrito uma reportagem denunciando o projeto de construção de uma usina hidrelétrica – da Eletronorte com a Odebrecht e o governo do Estado – no complexo das cachoeiras de Dardanelos, no município de Aripuanã, numa área de proteção ambiental e de ecoturismo. A “operação abafa” está impedindo que o assunto seja tratado pela mídia do Estado. Atentado paulista Na madrugada de 8 de setembro, quatro pessoas incendiaram a sede do jornal Diário de Marília, no interior de São Paulo. Até o fechamento desta coluna, dia 13, a polícia não havia informado sobre a motivação e a autoria do crime. De qualquer forma, a onda de ameaças à liberdade de imprensa tem aumentado em todo o Brasil – o que mostra, inclusive, que o coronelismo continua forte e atuante.

Democracia só com controle social Especialistas querem conselhos com mais poder e maior atuação em áreas como a economia Luís Brasilino da Redação

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Relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU) apontou, dia 8, a sociedade brasileira como a oitava mais desigual do mundo: os 10% mais ricos detêm 46,9% da renda, enquanto os 10% mais pobres possuem 0,7%. Com isso, o país que, segundo o Banco Mundial, é a 14ª maior economia do mundo possui mais de 50 milhões de pessoas (mais de um terço) vivendo abaixo da linha de pobreza. Mas apesar de a população pobre ser imensa maioria, os representantes das oligarquias controlam o Congresso Nacional. Esse quadro é sintomático de como o eleitor brasileiro é mal representado. “É impossível supor que a elite vá constituir um Estado com instituições transparentes e defender o interesse público”, opina Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Por isso, uma reforma política de fato deveria incorporar mecanismos para melhorar os canais de representação da população nos centros de decisão. No entanto, não por acaso, nada disso está sendo considerado no debate sobre o tema no Congresso. Para Iara, uma democracia representativa e participativa é o único modelo que demonstra capacidade de mudar a centralidade do poder e de redefinir políticas públicas que, de fato, sejam de interesse público, garantindo um controle sobre o uso da riqueza produzida socialmente.

Antonio Cruz/ABr

da Redação

REFORMA POLÍTICA

Sessão no Congresso para instalação de uma CPMI para investigar as denúncias de corrupção nos Correios

tado. “Nas sociedades modernas, complexas, com grandes volumes populacionais, grande divisão social do trabalho e complexidade na organização social, não existe participação direta permanentemente”, alerta. O cientista político lembra o exemplo dos orçamentos participativos. “Quando se olha caso a caso, mesmo com todas as suas vantagens, o número de pessoas que participam é muito pequeno. O orçamento participativo não quebrou a estrutura segundo a qual as pessoas participam fundamentalmente por meio do voto. Não quebrou a idéia de que as pessoas não participam no dia-a-dia”, analisa.

RISCOS Para o cientista político José Álvaro Moisés, professor da Universidade de São Paulo (USP), não se pode perder de vista o risco de o aumento da participação por meio dos conselhos ser feito às custas dos partidos políticos e da representação no parlamento. “São mecanismos complementares e com funções diferentes”. Moisés afirma que, em uma democracia, a representação e, particularmente, o papel dos partidos políticos no parlamento não podem ser superados, pois são mecanismos de mediação entre a base da sociedade e o Es-

CONSELHOS Uma outra forma de controle social são os conselhos sociais (como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar - Consea), compostos por representantes da sociedade civil em articulação com integrantes de governos. Sua atuação pode se dar na esfera municipal, estadual e federal. Os mais comuns são os consultivos, que participam da formulação e execução ou apenas acompanham políticas públicas sem poder deliberativo.

Para Moisés, o papel dos conselhos é oferecer para os gestores públicos a visão e a perspectiva da sociedade. “Mas com funções diferentes. Uma coisa é ter, na esfera da saúde, um conselho tomando decisões de como utilizar os serviços e outra são conselhos que decidem qual será o orçamento do próprio setor”, avalia Moisés.

PRÁTICA Heleno Araújo Filho, secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), assinala também que os conselhos favorecem “o processo de acompanhamento e comprovação de atos de corrupção”. Segundo ele, a participação da entidade no Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) foi importante na identificação de vários desvios de recursos espalhados pelo Brasil. No entanto, o dirigente da CNTE entende que o funcionamento dos conselhos são dificultados por muitos prefeitos que não oferecem condições para as reuniões acontecerem periodicamente nem

embasam os representantes com as informações necessárias. Segundo Ana Claudia Salles Teixeira, da área de participação cidadã do Instituto Pólis, além do acesso às informações, o tempo disponível que os cidadãos comuns têm para participar dos conselhos dificulta a sua eficácia. Outro problema detectado por Ana Claudia é a falta de recursos para executar as políticas. “Faz-se um monte de planejamento, mas depois não há dinheiro para a execução”, protesta. Apesar das dificuldades, a pesquisadora do Instituto Pólis defende a criação de mais canais de controle social para aperfeiçoar a prática. Para ela, os conselhos deveriam ser fortalecidos com um caráter deliberativo. “Os espaços que conquistamos precisam ter poder, de fato, pois vários são atrelados a outras decisões do executivo. Além disso, olhando para a arquitetura da participação, vemos que estamos presentes nas políticas sociais – na saúde, na educação, na assistência, no meio ambiente –, mas não temos praticamente nenhum poder em decisões, por exemplo, de política econômica”, reivindica Ana Claudia.

A política entre o fisiologismo e o clientelismo Dentro da lógica da apropriação daquilo que é público pelo interesse privado, a história do Brasil está recheada de práticas fisiologistas e clientelistas. Essas condutas são instrumentos de dominação das elites e Fisiologismo possuem raízes – Ação de políticos profundas na que, em vez de busdesigualdade de car o bem comum, renda. Segundo usam o poder e recursos públicos Sérgio Miranda, em seu interesse deputado fepróprio. deral (PCdoBClientelismo – Prática de políticos MG), essas práque quando detêm ticas cresceram cargos públicos dismuito durante tribuem privilégios a sua base aliada, o mandato do como seus eleitores. ex-presidente Fernando Henrique Caroso (leia reportagem na página 5). “Com uma freqüência cada vez maior, o parlamentar passou a votar a favor de questões que são contrárias aos interesses dos seus eleitores. Para compensar esse voto, ele passou a receber, em contrapartida, obras para seus currais eleitorais”, relata Miranda. O deputado conta que, em uma conversa com um colega logo após o término da votação da reforma da Previdência, perguntou se ele não se preocupava com o fato de seu voto ter prejudicado muita gente e que isso poderia se refletir negativamente na sua votação na próxima campanha. “Ele disse que

Antonio Cruz/ABr

da mídia

NACIONAL

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti: mandato sob suspeita

não, que conseguiu uma ponte para a sua cidade e que isso é que seria comentado”, revela Miranda. Iara Bernardi, deputada federal (PT-SP), chama atenção para uma outra distorção: a confusão entre as atribuições do Executivo e do Legislativo causada pelo fisiologismo. “Vejo sempre uma preocupação muito grande dos governos em controlar o parlamento na base da troca de favores. Ou seja, aprova um projeto e ganha uma obra”, conta deputada. Para Iara, isso é ruim pois transforma a política, “que deveria ser debate e discussão”, em

toma-lá-dá-cá. Assim, a grandeza da política fica rebaixada, o que deseduca a população.

SOLUÇÕES Segundo Claudio Weber Abramo, diretor executivo da organização nãogovernamental Transparência Brasil, a origem do fisiologismo e do clientelismo pode ser detectada nas deficiências que existem no Brasil a respeito da representação política. “Os parlamentares brasileiros representam pouco o eleitorado e o clientelismo se alimenta disso”, declara.

Abramo destaca que uma das formas de se reduzir essas práticas é lançar luz sobre os processos decisórios. O número de nomeações que um funcionário do legislativo ou do executivo pode fazer deveria ser reduzido. O diretor da Transparência Brasil acredita que, nesse caso, o efeito seria imediato. Já Iara Bernardi defende o orçamento participativo como forma de coibir a troca de favores nas esferas de governo. “Nesse modelo, você traz as pessoas, a sociedade civil, para junto do parlamento. Cria-se mecanismos em que mais gente pode participar e discutir e, portanto, ter fiscalização e combater o fisiologismo”, raciocina. Para a deputada, assim a população é educada para entender o orçamento, os recursos públicos e as obras como um direito. Sérgio Miranda faz uma ressalva quanto à proposta de acabar com as emendas parlamentares individuais como meio de coibir o clientelismo e o fisiologismo. “É uma parte muito pequena do orçamento”, sustenta. O deputado cita o montante destinado ao pagamento de juros para justificar sua posição. Em 2003, o governo destinou R$ 65 bilhões do orçamento para esse tipo de gasto. Já em 2006, serão R$179 bilhões. “Aí é que está o problema do país, não nas pequenas emendas”, opina Miranda. (LB)


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NACIONAL CORRUPÇÃO

Supermensalão, mesmo, foi na era FHC César Fonseca de Brasília (DF)

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s aliados do governo Lula, ameaçados de cassação, estão excitados diante da denúncia feita pela Secretaria da Receita Federal, dia 6, publicada no jornal Valor Econômico, informando sobre o desvio de bilhões de reais por meio de sonegação de impostos para viabilizar o processo de privatização na era FHC. Proporcionalmente, trata-se de escândalo financeiro muito maior do que o desatado pelas denúncias do cassável deputado Roberto Jefferson, que, ao longo dos últimos três meses, causou a maior crise política da Nova República, responsável por jogar na lata de lixo da República a falsa experiência ética petista construída durante 25 anos de história. Perto do rombo financeiro proporcionado por meio de planejamento tributário – supermensalão – legalmente construído durante a era FHC, o mensalão da era Lula se transforma em mensalinho.

Arquivo Brasil de Fato

Maracutaias tributárias e evasão fiscal permearam as privatizações feitas no governo Fernando Henrique

A REELEIÇÃO

No festival de privatizações das estatais, governo FHC isentou empresários nacionais e internacionais de pagar impostos nos contratos de compra e venda

maioria no Congresso e pagamento de dívidas eleitorais, por meio do dinheiro do caixa dois, acumulado no processo eleitoral, o mensalão de FHC aos grandes empresários – mecanismo econômico diferente do mecanismo político imaginado pelos petistas sob suposta coordenação do ex-minisWilson Dias/ABR

A Receita Federal, agora, dando tratamento diferente ao assunto, considera que ocorreu uma fantástica transferência de renda aos grandes grupos econômicos, ao arrepio da lei, assunto que, nas próximas semanas, poderá ganhar ressonância no Congresso, como uma bóia de salvação para os desesperados aliados de Lula, que vêem seu futuro político mais negro do que as asas da graúna, relativamente às suas chances nas eleições do próximo ano. Enquanto o mensalão de Lula teria sido utilizado para garantir

Jorge Rachid desmascara sonegação de impostos com as privatizações

tro da Casa Civil, deputado José Dirceu (PT-SP) – representaria o cacife que ajudaria na compra de votos para garantir aprovação da emenda à reeleição, assegurando dois mandatos ao ex-presidente tucano. A maracutaia peessedebista permitiu que o capital (nacional e internacional) interessado em comprar empresas estatais, no processo de privatização desencadeado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1996, ficasse livre do pagamento de impostos nos contratos de compra e venda, descaracterizados como tal para permitir sonegação fiscal.

comprador injeta capital, adquirindo ações, para elevar o patrimônio negociado entre ambas as partes. Tal injeção de dinheiro do comprador na joint venture criada em associação com o vendedor, operação tecnicamente denominada equivalência patrimonial, gera ganho de capital que, pela legislação especialmente criada e ainda em vigor, fica isento do pagamento de Imposto de Renda (IR) e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Feito o negócio, que permite a isenção fiscal, as partes se separam: o vendedor fica com o caixa, e o comprador com os ativos da empresa.

ISENÇÕES

TESOURO PAGA

A coisa, conforme imaginou o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel que, agora, é desmascarado pelo seu substituto, Jorge Rachid, funciona assim: vendedor e comprador se associam para criar uma terceira empresa na qual o

A associação dura pouco. Pode ser um mês ou apenas um dia. Tem que ser o bastante apenas para gerar o lucro produzido pelo não-pagamento dos impostos, que entra na contabilidade do comprador como taxa de lucro líquida, enquanto

Calote no atacado Enquanto o chamado “valerioduto” (criado para transferir dinheiro de caixa dois, de diversas fontes, para a campanha de Lula) movimentou em torno de R$ 300 milhões, somente a transação comercial realizada, em 2002 e 2003, entre Klabin e Aracruz, na venda da Riocell por R$ 1,6 bilhão, resultou em sonegação fiscal de R$ 320 milhões. Em sua totalidade, o processo de privatização teria implicado em não-pagamento de impostos da ordem de R$ 10 bilhões, nos últimos sete anos, de acordo com fontes da Secretaria da Receita Federal (SRF). Por orientação do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a Receita passou a levantar os prejuízos que, por sua vez, poderão ser cobrados, retroativamente, se forem aprovadas as devidas providências legislativas, por recomendação do governo, como se articula no Palácio do Planalto, nesse momento. A formação de associações que se multiplicou, para que negociantes, compradores e vendedores, sob as bênçãos tucanas, merecessem perdão de dívidas tributárias de bilhões e bilhões de reais, fazendo das privatizações o melhor negócio do mundo, nos anos de 1990, criaram o que os técnicos da SRF passaram a denominar de “Operação Casa-Descasa”.

A lei determinou que o ágio (injeção de capital) pago nas aquisições pudesse ser deduzido do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. A vantagem fiscal criou, segundo advogados das grandes empresas, a contrapartida necessária para que os compradores passassem a aceitar o risco contido na privatização. Constituiu-se, na prática, negócio que representou, em muitos casos, pagamento de somente 20% do valor real das empresas negociadas, de modo que o risco implícito na compra desaparecia em forma de geração de lucro espontâneo, altamente compensatório. Depois da realização de inúmeras operações de compra e venda camufladas de associações-relâmpago de empresas vendedoras e compradores na forma de joint ventures, como alternativa de fugir do pagamento de imposto que se transforma em lucro líquido embolsado pelos compradores e vendedores em acertos mútuos, os técnicos da Receita resolveram abrir o jogo.

DENÚNCIAS Assim, vazaram informações escandalosas, como, por exemplo, a venda de parte do capital do grupo Pedro Muffato & Cia Ltda., rede de supermercados do Paraná, para

a multinacional portuguesa Sonae. Foi criada a Mulffatão Máster S/A, empresa com capital de R$ 5 mil e para a qual foram transferidos todos os ativos da Pedro Muffato & Cia Ltda., que passaram a totalizar R$ 5,7 milhões. De seu lado, a Sonae injetou no negócio, ou seja, na Mulffatão Máster S/A, R$ 36 milhões, dos quais R$ 898,2 mil a título de conta de capital, e o restante, R$ 35,8 milhões, se destinou à formação de reserva de capital. Concluído o negócio, ocorreu a cisão da joint venture, isto é, a Mulffatão deixou de existir. Restabeleceu-se a situação anterior: a Pedro Mulffato & Cia Ltda. se transforma em Comercial Atacadista PML Ltda., que embolsa os R$ 36 milhões pagos pela Sonae, enquanto esta adquire os ativos da ex-Pedro Mulffato & Cia Ltda, que se incorpora ao patrimônio da multinacional portuguesa. A associação empresarial temporária gerou ganhos de capital isentos de IR, o que se traduziu em prejuízos aos cofres públicos. O aspecto formal do negócio, em termos tributários, sobrepôsse à substância real do próprio negócio, para que houvesse a sonegação de impostos legalmente contabilizada. (CF)

o Tesouro Nacional leva o beiço. Esse prejuízo aos cofres públicos não existiria se o negócio entre vendedor e comprador fosse feito mediante simples contrato de compra e venda, o que, de fato ocorreu, como constata, agora, a Receita. Nesse caso, seria obrigatório, de acordo com a lei, o recolhimento de 34% de IR na fonte. Numa transação de, por exemplo, R$ 100 milhões, teriam que ser recolhidos R$ 34 milhões a título de IR. Esse montante deixa de entrar no Tesouro e se transforma em lucro para o comprador. Inicialmente, tal maracutaia, legalmente constituída e aprovada pela maioria tucana no Congresso, na era FHC, serviu ao processo de privatização. Posteriormente, todas as transações de compra e venda, ou de fusões de empresas, seja entre setor privado e estatal, seja entre as próprias empresas privadas, seguiram o mesmo receituário, como a arma tucana para desmontar a era Vargas.

Lessa sabia. Foi derrubado Quem primeiro alertou o presidente Lula sobre as maracutaias tucanas nas privatizações, e que acabaram se tornando parâmetros para as transações comerciais de vendas e fusões de empresas realizadas na década dos 90, foi o ex-presidente do BNDES, economista Carlos Lessa, ejetado do cargo pelos neoliberais que comandam a política econômica sob Palocci-FMI. Lessa sugeriu ao titular do Planalto o que a esquerda vem propondo em relação às dívidas interna e externa: uma ampla auditoria. Os beneficiados pelas privatizações e pelos vantajosos negócios que a elas se sucederam, reagiram violentamente até derrubar Lessa, sabedor das negociatas, porque a maioria delas foi financiada com dinheiro do BNDES. A linha nacionalista imprimida ao BNDES por Carlos Lessa, destaca uma fonte da Receita Federal, ameaçou expor todo o mecanismo de transmissão de vantagens financeiras mediante favorecimento fiscais urdidos pela própria Receita, sob o comando do ex-secretário Everardo Maciel. Lessa se transformaria, dessa forma, no perigo a ser removido, para evitar a emergência de fatos que poderiam pôr abaixo

toda a armação tucana no processo privatista.

DEFESA Agora, o PT, bombardeado pelo PSDB e PFL, que criaram as benesses que proporcionaram imensa transferência de renda aos grandes grupos econômicos, especialmente, aos bancos, que se transformaram nos principais sócios das empresas estatais, tenta reagir com atraso. Os bilhões de reais que favoreceram os grandes negócios falam por si. Se forem levados à CPI, ou se justificarem a formação de nova CPI para investigar as negociatas, o quadro político ficará ainda mais tenso. Os aliados governistas disporiam de argumentos para se defender. Os tucanos, para desarmar o que denominaram de era Vargas, para enxugar o Estado, em nome do combate às dívidas, teriam sido mais destrutivos do patrimônio público, em nome de suposta eficiência econômica. Essa, na verdade, se traduziu em aumento da vulnerabilidade financeira do Estado, que se expressa na taxa de juro elevada como argumento para convencer os credores a continuar financiando o governo superendividado. (CF)


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De 15 a 21 de setembro de 2005

NACIONAL CRISE NO GOVERNO

Mobilizar o povo é a melhor saída

Hamilton Octavio de Souza

Para movimentos sociais, é preciso aproveitar a chance de reascender a luta das massas

Imagem discutida Boa parte da imprensa empresarial caiu de pau em cima do repórter César Tralli, da TV Globo, que recebeu tratamento preferencial da Polícia Federal e gravou as cenas da prisão de Flávio Maluf, filho de Paulo Maluf, inclusive quando foi algemado. Embora essa relação mereça algum questionamento, o registro da imagem mostrou que a Polícia Federal deu tratamento altamente civilizado ao prisioneiro – muito melhor do que o tratamento dedicado aos cidadãos comuns. Ameaça orçamentária A Andifes, entidade representativa das universidades federais, teme que o Ministério da Educação corte verbas em 2006 e torne inviáveis os projetos de expansão dessas instituições. A experiência histórica é de que todos os discursos – de todos os governos federais – consideram a educação fundamental para o desenvolvimento do país, mas, na prática, os recursos estão sempre aquém das necessidades do setor. Discurso inválido No dia 7 de setembro, o presidente Lula incluiu – em seu discurso à Nação – a informação de que o Brasil está prestes a se tornar auto-suficiente em petróleo. Dois dias depois, a Petrobras determinou aumento geral nos preços dos combustíveis. A gasolina já está custando, em média, 10% a mais. Porque o preço do barril continua sendo cotado em dólar. Despojamento gaúcho Figura respeitada nos meios políticos, o senador Pedro Simon, do PMDB-RS, causou grande impacto em evento realizado na poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, quando se referiu à atual crise política e ao governo Lula lançando ao auditório a seguinte pergunta: “Como o presidente do Banco Central (Henrique Meirelles) não está na cadeia e o Banco Rural ainda está aberto?” Encruzilhada petista A escolha do novo presidente nacional do PT – juntamente com a nova composição dos diretórios nacional, estaduais e municipais – está mobilizando as atenções das esquerdas, dos movimentos sociais, da mídia e até mesmo dos setores conservadores da sociedade. Afinal, o destino do maior partido de massas da história do Brasil depende, em grande parte, desse resultado eleitoral. Ninguém arrisca qualquer previsão. Lição histórica A crise atual – que envolve o governo Lula, o PT e as esquerdas, o sistema representativo e a ausência de projeto para o país – está provocando entre os mais jovens não apenas grande aversão aos políticos, mas também a necessidade de atuação fora dos caminhos institucionais. Muita gente está chegando à mesma conclusão que a mudança precisa acontecer sem o controle da burguesia. Como será, não se sabe, mas a procura existe. Expectativa geral O Brasil vive um momento de Babel e de confusão generalizada nos valores e nas bandeiras de luta. O mais dramático, no entanto, parece ser a ausência de lideranças com discernimento e coragem para articular novos caminhos. Um deserto humano.

Igor Ojeda da Redação

É

fundamental que, para além do desânimo e da decepção, o momento pelo qual passa o país seja aproveitado para se estimular a organização popular. A avaliação predomina entre líderes de movimentos sociais ouvidos pelo Brasil de Fato. Tanto que, desde o início de setembro, e pelo menos nos próximos dois meses, estão em andamento estratégias de manifestações, ocupações e mobilizações em todo o país. Romário Rossetto, diretor do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), vê a conjuntura atual com otimismo. “Acreditamos que está começando a ocorrer um reascenso da luta de massas; só assim a situação vai mudar. Mas a virada não acontece por acaso. É preciso pôr fermento nessa massa, e os movimentos são esse fermento”, diz. O deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PTRS), assessor dos movimentos que compõem a Via Campesina Brasil, recorre a uma metáfora futebolística, segundo ele, “ao sabor do presidente”: “A bola do jogo popular, nos últimos anos, estava na meia-direita, com os partidos e a institucionalidade administrativa. Agora, a bola foi jogada para a ponta esquerda, para os movimentos sociais”. Movimentos que, para ele, devem dominar o jogo por meio da luta popular. De acordo com Gilberto Cervisnki, dirigente do Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB), a ofensiva atual da elite sobre os interesses dos trabalhadores se deve a um profundo descenso do movimento de massas nos últimos anos, agravado pela crença no poder do voto como principal maneira de se fazer as transformações necessárias. Em sua opinião, tal situação só será modificada com o esforço da militância da esquerda. “É preciso cair a ficha que não adianta ficar chorando. A militância não pode perder o rumo. Quem acredita em um projeto de transformação da sociedade precisa entender que agora, mais do que nunca, devemos juntar as forças

No Grito dos Excluídos em Aparecida do Norte (SP): reascenso do movimento de massa

e estimular todas as formas de luta para mudar a correlação de forças na sociedade”. Rossetto completa o raciocínio: “Mudando essa correlação, o presidente teria força para fazer as mudanças. Se houver pressão social, Lula ou qualquer outro governo pode ser forçado a realizar transformações sociais”.

GRITO DOS EXCLUÍDOS Tanto o diretor do MPA quanto Görgen avaliam que o 11º Grito dos Excluídos, realizado dia 7, já representou uma sinalização do reascenso da luta de massas. Com o lema “Brasil, em nossas mãos a mudança”, o ato reuniu em todo o país, segundo os organizadores, mais de 200 mil pessoas, que exigiram o fim da corrupção, democracia direta, ética na política e fim da exclusão social, principalmente por meio da alteração do modelo econômico. Em Aparecida do Norte (SP), onde aconteceu também a 18ª Romaria dos Trabalhadores, foi lançado o Manifesto do Grito dos Excluídos Continental, que trata da realidade da exclusão e do crescimento da resistência dos povos. O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro,

discorda da visão de reascenso. Em sua avaliação, neste momento, um reascenso da luta de massas é difícil de acontecer. “Não quero plantar ilusões. É um momento de dificuldades, de crise, de esfacelamento das esquerdas. Obviamente temos que tentar sempre, essa é a tarefa principal do movimento social. Na perspectiva, sou otimista”, diz. Para ele, a unidade da esquerda em torno de um projeto comum ainda levará um certo tempo para ser reconstituída. “Mas precisa ser construída e para isso precisamos ter paciência, tolerância e generosidade. E sempre com estímulo à luta social, às grandes mobilizações”. Para Cervisnki, do MAB, diante da crise de representatividade que ficou ainda mais evidente nos últimos meses, a mobilização popular é cada vez mais necessária: “Há um único caminho, o do povo na rua”. Görgen, da Via Campesina, concorda e defende ainda uma refoma política radical: “Não se pode reduzir este momento a uma crise moral. Ela é reflexo, além de uma crise social, de uma crise política muito profunda, pois o sistema representativo brasileiro está falido. Criou um fosso entre os representantes e os representados, o que significa uma

desmoralização do voto”. Tal desmoralização, segundo Cervinski, é uma boa oportunidade para demonstrar ao povo que o poder não está nas eleições. “O poder de fato está no povo consciente, organizado, mobilizado, que participa. Mas é preciso um esforço tremendo dos movimentos sociais nesse sentido”, diz. Para ele, o modo mais eficaz de mobilizar o povo é apontar um rumo a ser seguido: “Um dos desafios dos movimentos é construir um projeto para o país. Não é uma tarefa de um dia para o outro. Tem que ser um trabalho permanente”. Frei Sérgio Görgen defende que tal projeto deve ser usado como bandeira por todos os movimentos sociais que, “longe de abandonar suas pautas corporativas e interesses imediatos, não podem colocá-los como prioritários, e sim pensar no conjunto da nação e fazer esse debate com a sociedade e com a base social organizada”. Para Gilmar Mauro, do MST, o projeto em questão deve ser a construção do socialismo: “Para tal, é preciso explicar ao povo o que é a sociedade brasileira, como ela funciona e dizer qual o tipo de socialismo que queremos construir. Não estamos discutindo isso”.

DIREITOS HUMANOS

Serra ameaça trabalho de catadores em SP Tatiana Merlino da Redação Os catadores de material reciclável da cidade de São Paulo correm o risco de perder o único meio pelo qual conseguem sobreviver. Tudo começou quando o prefeito José Serra mandou avisar os catadores que trabalhavam no centro expandido de São Paulo que iria transferi-los para uma central de triagem na Vila Maria, na zona norte, até o final de setembro. De acordo com a proposta, a coleta de material reciclável passaria a ser feita por empreiteiras com a utilização de caminhões. O material seria levado para a Vila Maria onde 2,7 mil catadores fariam a separação do material. “Estão querendo acabar com a categoria”, afirma Eduardo Ferreira, presidente da Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (Coopamare). Ferreira lembra que o projeto da prefeitura inclui apenas uma pequena parcela dos catadores de São Paulo. São cerca de 5 mil trabalhadores só no centro expandido e cerca de 20 mil em toda a cidade. As organizações de catadores questionam a entrada das empreiteiras no setor, já que as empresas passariam a ser remuneradas por uma atividade de responsabilidade do poder público. “O investimento da prefeitura deveria ser feito nas cooperativas organizadas pelos catadores que incluem moradores de rua

Anderson Barbosa

Doutor corrupção Especializado em torrar o dinheiro público, seja para distribuir carros a jogadores de futebol e procurar petróleo no Pontal do Paranapanema, ou, ainda, para fazer caixa dois com milhões de dólares em paraísos fiscais, o empresário Paulo Maluf (PP-SP) tem contra si todas as provas possíveis admitidas na Justiça, desde depoimentos de testemunhas, extratos bancários, comprovantes das empreiteiras etc. Se não cumprir pena, a desmoralização é do país.

Douglas Mansur

Fatos em foco

Serra quer excluir catadores de políticas públicas da prefeitura de São Paulo

e limpam a cidade”, afirma Carlos Antonio dos Reis, do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável. Para ele, a prefeitura ignora como funcionam as cooperativas e excluem a categoria das políticas públicas da cidade. As entidades acreditam também que, se a coleta ficar sob responsabilidade das empreiteiras, os catadores ficarão sem material para trabalhar.

AUTORITARISMO A prefeitura já está colocando em prática essa medida e tenta expulsar cooperativas situadas em áreas da

prefeitura e debaixo de viadutos, como a Coopamare. Dia 8, a cooperativa recebeu uma intimação para que desocupasse a área em 24 horas, sem que nenhuma proposta de negociação fosse apresentada. Para Elisabeth Grimberg, coordenadora da Área de Meio Ambiente Urbano do Instituto Pólis e do Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo, há uma falta de percepção política e autoritarismo por parte da administração municipal. “Há uma dificuldade de compreensão do papel do catador. Como podem ir decretando que vão mudar o local de trabalho das pes-

soas sem consultá-las?”, questiona. De acordo com ela, a Coopamare, criada em 1989, tem uma “história construída com a comunidade local e se tornou uma referência na região”. São 80 catadores, entre cooperados e associados, e 120 catadores avulsos que passam por lá todos os dias. Outra ação que vem sendo aplicada pela prefeitura é o fechamento de depósitos irregulares onde catadores não organizados vendem o material que coletam. Segundo o presidente da Coopamare, Eduardo Ferreira, nesses locais os trabalhadores ganham, em geral, muito pouco porque a atividade não é regularizada. No entanto, Ferreira lembra que não adianta fechar os estabelecimentos sem oferecer algo em troca. Em meio a tantas dificuldades, os catadores conseguiram abrir um canal de diálogo com a prefeitura. Em reunião com Andrea Matarazzo, secretário municipal de Serviços e Obras da Subprefeitura da Sé, dia 6, foi criada uma comissão com representantes da categoria e da prefeitura. A comissão irá se reunir pela primeira vez dia 15 para discutir alternativas às propostas da prefeitura. “Vamos apresentar uma pauta que inclua o catador na coleta seletiva da cidade”, afirma Carlos Antonio dos Reis. Segundo ele, é positivo que uma porta de negociação tenha sido aberta, “mas a transferência para a Vila Maria ainda não foi descartada”.


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NACIONAL ABERTURA SEM LIMITES

Escancarar o mercado do Brasil. De novo Palocci imita Collor: quer reduzir drasticamente as tarifas de importação, seguindo desejo dos países ricos Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO

ABERTURA RADICAL Proposta da Fazenda para as alíquotas, em setores selecionados. Em %

A

abertura acelerada do mercado brasileiro a importações de todo o tipo, iniciada no governo Fernando Collor de Mello (1990-92) e consolidada por Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato (1995-98), impôs custos elevados ao Brasil e empurrou setores estratégicos para um claro retrocesso, avalia o economista Júlio César Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). “Houve a perda de elos importantes da cadeia produtiva na indústria, embora não tenha ocorrido uma desindustrialização geral”, afirma. Na sua visão, o país “perdeu o bonde” da eletrônica e microeletrônica, o que inclui a indústria que fornece componentes para aqueles setores, além de ter desperdiçado a chance de consolidar um parque importante nas áreas de fármacos (que produz os princípios básicos dos medicamentos), farmoquímica e indústria farmacêutica – em função do barateamento excessivo e deliberado das importações que, literalmente, inundaram o mercado brasileiro naquele período. A indústria eletrônica, acrescenta Gomes de Almeida, forneceu as bases para o crescimento acelerado de países como a Coréia do Sul, Malásia e, mais recentemente, Irlanda e China – refletindo experiências de êxito reconhecido, mas desprezadas pelos governos brasileiros.

Tarifa máxima

Tarifa efetivamente aplicada

Tarifa proposta pelo Ministério da Fazenda

Automóveis, tratores e autopeças

33,31

24,44

10,31

Roupas e acessórios

35,0

20,0

10,50

Algodão

35,0

16,30

10,50

Calçados

35,0

19,64

10,50

Brinquedos e jogos

35,0

20,0

10,50

Armas e munições

34,52

20,0

10,45

Guarda-chuvas, guarda-sóis e bengalas

35,0

19,25

10,50

Produtos químicos orgânicos

23,39

12,55

8,92

Produtos farmacêuticos

34,78

13,79

10,47

Aparelhos eletroeletrônicos (TVs e aparelhos de som)

32,65

16,18

10,14

Vidro

34,79

14,64

10,48

Pérolas, pedras preciosas e semipreciosas

35,0

15,24

10,50

Produtos de perfumaria

24,42

17,46

9,28

Instrumentos e aparelhos de ótica e médico-cirúrgicos

33,02

15,22

10,18

Ferro fundido, ferro e aço

35,0

12,77

10,50

Livros, jornais e outros produtos gráficos

35,0

16,0

10,50

Papel, cartão e pasta de celulose

33,74

13,66

10,17

Móveis, colchões, aparelhos de iluminação e mobiliário médico-cirúrgico

32,73

17,65

10,02

Setores

Fonte: Ministério da Fazenda, OMC, Mercosul, Folha de S.Paulo

ganhos de eficiência. Foi justo o contrário: o crescimento tem sido pífio, desde então e, diferentemente do apregoado, empresas de tecnologia fecharam as portas.

AMEAÇA Mas há setores dentro do governo, e fora dele, que ainda planejam radicalizar esse tipo de política. No próximo dia 19, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão que

reúne sete ministros de Estado para definir políticas para aquela área, decide se aprova ou não uma proposta de uma nova, e ainda mais radical, abertura do mercado brasileiro a produtos industriais estrangeiros. Elaborada pelo Ministério da Fazenda (Minifaz), aquela proposta sugere um corte de 35% para 10,5% na tarifa máxima consolidada apresentada pelo país na Organização Mundial do Comércio (OMC).

RADICALIZAÇÃO O mais grave, lembra o diretorexecutivo do Iedi, é que o país tinha uma indústria importante no setor de eletrônicos, que definhou diante da enxurrada de importações, e nunca mais se recuperou. “Foi um erro estratégico capital, que nos levou a um atraso injustificável”, aponta o economista. Para justificar a abertura escancarada do mercado interno, no entanto, seus defensores diziam (e dizem agora, novamente) que a medida estimularia a atração de investimentos estrangeiros em empreendimentos de tecnologia de ponta e incentivaria o crescimento da economia como um todo, diante de uma prometida redução de custos para a indústria e conseqüentes

SEIS ANOS DE ROMBOS Impacto da abertura nos anos 1990 sobre a balança comercial Em bilhões de dólares 59,7

60 50

55,8 55,1

53,0 48,0

40 30 31,4 21,0 20

20,7

20,6 15,2

FARRA Roupas e acessórios comprados lá fora estariam submetidos a uma tarifa de 10,50%, diante de 35% hoje. Idem para calçados, brinquedos, guarda-chuvas, jóias, pérolas e pedras preciosas (de 35% para 10,5%). Televisores e aparelhos de som importados deixariam de recolher 32,65% no desembarque para passar a pagar 10,14%. Pode-se prever, desde já, o retorno à “farra dos importados”, que levou a economia para o buraco, com crises recorrentes causadas pela falta de dólares para honrar

PROTEÇÃO Em todos os países, sobretudo os mais ricos, as empresas exportam excedentes de produção, produtos, bens, mercadorias que não foram absorvidos pelo mercado doméstico. Por isso mesmo, esses produtos podem ser vendidos no mercado externo a preços mais baixos do que aqueles cobrados internamente, sem o risco de perdas para as empresas (pois seus custos já foram mais do que compensados pelas vendas realizadas aos consumidores em seus respectivos países). Como a competição no mercado internacional é muito grande, com ofertas de descontos e prazos de pagamento a perder de vista, com juros muito mais baixos do que os cobrados no Brasil, por exemplo, todos os países – inclusive os ricos – adotam vários tipos de barreiras, além de impor tarifas sobre o valor dos bens importados. Fazem isso para proteger seus mercados da concorrência de indústrias e grupos econômicos mais fortes e preservar empregos (já que a importação mais barata tende a substituir a produção local, causando o fechamento de empresas e, portanto, desemprego).

10 10,8 -0,7

0 -10

Para quem tem memória curta...

-6,8

1990

1991

– Exportações

1992

1993

1994

– Importações

1995

1996

1997

1998

1999

2000

– Saldo (exportações menos importações)

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior (Secex)

Como os mais ricos protegem as empresas e o emprego Recentemente, como noticiado com destaque pela imprensa dita especializada, a China National Offshore Oil Company transnacional chinesa de petróleo e gás, foi obrigada a desistir da compra da estadunidense Unocal. Mesmo oferecendo quase 2 bilhões de dólares acima do que a concorrente Chevron (uma das gigantes do setor petrolífero, de capital também estadunidense) acabou pagando, a chinesa não levou. O motivo: pressões do Congresso e do governo dos EUA, que não queriam, em nome da “segurança nacional”, que os chineses controlassem as reservas da Unocal – que sequer participa do ranking dos 40 maiores grupos do setor. Obviamente, a indústria do petróleo é um setor estratégico, ainda mais em tempos de oferta curta e demanda em elevação, o que exige cautela redobrada dos governos. Entretanto, a proposta de abertura do mercado da Fazenda atinge setores igualmente sensíveis e estratégicos para a economia brasileira. É brutal a diferença entre o tratamento assegurado pelos gover-

Para alguns setores, os cortes propostos seriam ainda mais severos. No caso da indústria automobilística e fabricantes de autopeças, por exemplo, cujas importações estão sujeitas, hoje, a uma tarifa máxima de 33,31%, passariam a pagar apenas 10,31%. (Veja tabela)

compromissos externos. Mais do que isto, haveria um estrangulamento da capacidade acumulada pela indústria para produzir tecnologia e inovações, contrariando um dos pretextos apresentados pela equipe da Fazenda para justificar sua proposta. O Minifaz, em sua espantosa generosidade com os países mais desenvolvidos, sequer leva em consideração a possibilidade de exigir atitude igual dos governos ricos, com abertura de mercados para o Brasil, especialmente na área agrícola. No texto do documento encaminhado ao Ministério de Relações Exteriores, a Fazenda afirma que o Brasil, ao lado da Índia e Argentina, estão isolados nas negociações da OMC para liberalização do comércio mundial. Daí a necessidade de uma “política mais arrojada”.

nos ricos à sua indústria, e o que faz o governo brasileiro. O Relatório de Desenvolvimento Humano 2005, divulgado há pouco pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), ao tratar de questões relacionadas ao comércio mundial mostra que os países desenvolvidos somente passaram a abrir seus mercados – e ainda assim lenta e gradualmente, ao longo de décadas – depois de terem alcançado um nível de desenvolvimento que lhes assegurava autonomia e poder de decisão sobre seu futuro. “Isso foi verdade tanto para economias ricas, durante a fase de desenvolvimento industrial, como para experiências de integração bem-sucedidas no mundo em desenvolvimento: China, Índia, Coréia e Taiwan iniciaram uma redução progressiva de suas tarifas (de importação) depois que reformas permitiram a decolagem de sua economia”, aponta o relatório. A China e toda a primeira geração dos chamados tigres asiáticos (Coréia, Taiwan, Malásia, Cingapura), em estratégias que envolveram

a participação de seus governos na correção de “falhas do mercado”, prossegue o Pnud, “criaram incentivos para o desenvolvimento local de capacidade tecnológica por meio de restrições a importações, encorajando a ‘engenharia reversa’ de tecnologias importadas e regulação de investimentos estrangeiros”. Os chineses exigiram que investidores estrangeiros nos setores automotivo e eletrônico transferissem novas tecnologias a empresas locais, além de determinar o treinamento e capacitação de trabalhadores domésticos e o uso de produtos locais no processo de produção, descreve o mesmo relatório. Para participar de concorrências públicas, fabricantes de software têm que não só transferir tecnologia de ponta para a China, como investir uma proporção mínima de suas receitas no país. Detalhe final: países como o México, que escancarou seu mercado aos EUA, e o Brasil, que optou pela abertura incondicional, registram redução “negligenciável dos níveis de pobreza e elevados níveis de desigualdade”. (LVF)

Entre 1989, último ano do governo José Sarney, e 1997, já no de Fernando Henrique Cardoso, a abertura do mercado brasileiro resultou em um salto de 226% nas importações, para 60 bilhões de dólares. No mesmo período, as exportações avançaram 54% Resultado: um buraco recorde na balança comercial, com as importações superando as exportações em 7 bilhões de dólares em 1997. Entre 1995 e 2000, o rombo chegou a 24 bilhões de dólares. O país ficou sem dólares para pagar seus compromissos externos, o governo arrochou toda a economia, via aumento de juros e corte de gastos públicos, criando desemprego em larga escala. (LVF)

Indústria de máquinas, sob ameaça de extinção “Estão condenando a indústria nacional à extinção”, disse, em entrevista à imprensa, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), Newton de Melo, criticando a proposta do Ministério da Fazenda. O setor de bens de capital, que fabrica máquinas e equipamentos para outras indústrias (ou seja, que produz tecnologia, embutida em novas máquinas e equipamentos industriais), será um dos mais atingidos. A tarifa média sobre importações naquele setor seria cortada pela metade, de 14% para 7%, o que representaria escancarar o mercado para produtos importados, especialmente da China. Na prática, segundo Melo, a indústria de base já sofre concorrência das importações, em função de mecanismos desenvolvidos pelo governo, ao longo dos últimos anos, para facilitar a importação de máquinas

(o que gera tecnologia e empregos nos países que as produzem). Um desses mecanismos permite que empresas comprem máquinas e equipamentos em outros países, desde que não existam similares nacionais – quer dizer, a importação está autorizada desde que não se encontre, no Brasil, qualquer indústria que fabrique a mesma máquina. Assim, é de supor que quem quer autorização para importar pesquise o mercado local, em busca de um similar nacional. Certo? Errado. Basta que uma associação de classe do setor industrial ateste que a máquina não é produzida aqui para obter referendo do governo, com tarifas sete vezes mais baixas (2% frente aos 14% normalmente exigidos). Até aqui, já são 1.722 tipos de máquinas e equipamentos que podem ser importados em condições favorecidas. (LVF)


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De 15 a 21 de setembro de 2005

NACIONAL RÁDIOS COMUNITÁRIAS

Relatório traz avanços tímidos S

e forem colocadas em prática propostas que já estão no papel, muda a situação das rádios comunitárias no Brasil. Desde o dia 10 de agosto já está nas mãos do ministro das Comunicações, Hélio Costa, e da ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, o relatório final do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) criado pelo governo para avaliar a situação das rádios comunitárias e propor mudanças para a política do setor. As conclusões do relatório – ao qual o Brasil de Fato teve acesso com exclusividade – não contemplam tudo o que os movimentos sociais ligados ao setor desejavam, mas haverá avanços em alguns pontos (veja quadro abaixo) O GTI, já desconstituído, era formado pelos ministérios das Comunicações (na coordenação), da Justiça, da Educação e da Cultura; Casa Civil, Secretaria de Comunicação do governo, Secretaria Geral da Presidência e Assessoria Especial da Presidência da República. As diversas entidades representativas do m ovimento em defesa das rádios comunitárias foram chamadas a opinar e podem acompanhar uma parte das discussões. Estranhamente, também participaram e acompanharam de perto o processo entidades que representam o latifúndio da comunicação e, por natureza, são contra a democratização dos meios de comunicação – caso da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e da Associação Brasileira de Radiodifusão, Tecnologia e telecomunicações (Abratel). A presença dessas entidades é um sinal da fragilidade do governo diante da grande mídia. Outro sinal é a presença de Hélio Costa, radical defensor dos interesses da radiodifusão comercial, no Ministério das Comunicações. Ele já declarou que não gostou do relatório, em especial no que se refere à abertura de publicidade para as rádios comunitárias. A apresentação do relatório deve (ou deveria) ser feita pelo presiden-

Relatório do grupo interministerial mantém decisão política que garante o espaço de radiodifusão FM somente para as emissoras comerciais e religiosas

te da República, Luiz Inácio Lula da Silva, num ato no Palácio do Planalto. Mas Lula tem um abacaxi nas mãos: embora o ministro das Comunicações já tenha se manifestado contra o relatório, os movimentos das rádios e TVs comunitárias aprovam parte do texto. Os movimentos têm esperança de que Lula, que propôs a criação do GTI, consiga enfrentar e vencer a resistência política do ministro. Representantes dos movimentos sabem que se esse relatório, com todas as suas muitas limitações, não for aprovado e implementado, nenhuma mudança ocorrerá a longo prazo. E para o governo Lula, que se tornou na história o mais cruel na repressão às rádios comunitárias, e o que menos deu concessões (só uma em dois anos e meio), é a última chance de mostrar de que lado está. Recuar significaria apoiar o que existe de mais reacionário na mídia, os interesses dos latifundiários da comunicação.

Os prós e os contras da proposta Entre os problemas que vão permanecer, mesmo com as recomendações do relatório, o mais evidente e grotesco é a exclusão do dial: o documento mantém a discriminação estabelecida pelo governo anterior, sugerindo que todas as rádios comunitárias sejam instaladas na faixa de 87,5 a 87,9 MHz, sabendo que o dial começa em 88 Mhz e vai até 108 Mhz. A Anatel, principal defensora dessa proposta, alega motivos técnicos, mas é uma decisão política que garante o espaço de radiodifusão FM somente para as emissoras comerciais e religiosas. Essa proposta se relaciona com uma estranha omissão do relatório: não se toca na questão do rádio digital. Com a nova tecnologia, deve ser multiplicado, no mínimo, por dez, o número de canais de rádio. E as emissoras comerciais estão pleiteando manter a mesma distribuição do espaço. Assim, o latifúndio permanece intocável. Ainda seguindo a linha da exclusão, o relatório, baseado em estudo feito pela Anatel e pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), propõe quatro potências para as rádios comunitárias: 5, 10, 15 ou 25 watts, para o centros urbanos; e 1000 watts (1 Kw) para o meio rural. Em tese há uma conquista porque, antes, eram 25 watts para todo Brasil, e agora existe a possibilidade de 1 Kw para o meio ru-

ral. Mas houve também retrocesso porque, nos centros urbanos, onde é bem maior a quantidade de emissoras, rádios que operavam com 25 watts teriam que operar com 5 watts ou 15 watts. Em resumo, será permitida a instalação de mais emissoras na cidade, mas todas confinadas ao máximo de três canais, fora do dial, e de alcance restrito. O relatório do GTI também apresenta um anteprojeto de lei que tem como principais avanços permissão para publicidade, formação de redes, alcance definido em função da comunidade atendida; acesso às comunidades indígenas; garantia de proteção do Estado contra interferências de outros serviços. A criação um fundo para as rádios e TVs comunitárias é apenas sugerida, mas não incluída na lei. O projeto de anistia beneficia quase 10 mil pessoas processadas por operar emissoras sem autorização do governo. Mas mantém a punição de cadeia para quem cometer esse “crime”, de acordo com decreto-lei estabelecido na ditadura militar. Também preserva o artigo 183 da Lei Geral de Telecomunicações, que estabelece punição similares. Isto é, apesar do GTI ter chegado à conclusão de que há conflitos no judiciário sobre que norma aplicar (Lei 9.612/98, Lei 4.117/62 ou Lei 9.472/97), e “até mesmo se a conduta constitui crime”, ele opta pela continuidade da repressão. (DL)

TELEVISÃO DIGITAL

Projeto nacional ainda é incerto Bel Mercês da Redação O futuro do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) é incerto. O projeto, coordenado pelo Ministério das Comunicações (Minicom), está sendo desenvolvido em um consórcio do governo com 82 universidades e centros de pesquisas do país, desde novembro de 2003. Apesar de terem sido liberados, dia 8, R$ 12 milhões do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) para pesquisa, não há garantia da implementação de um sistema brasileiro de tecnologia digital. As pesquisas do SBTVD se encerram em fevereiro de 2006, quando um relatório será entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Então será escolhido o sistema digital do país. O SBTVD é apenas uma das alternativas, concorrendo com os outros três sistemas já existentes: o estadunidense (ASTC), o europeu (DVB) e o japonês (ISDB) (veja o quadro abaixo). Hélio Costa, assim que assumiu o Ministério das Comunicações, posicionou-se contra um sistema brasileiro. Para o professor da Universidade de Brasília, Murilo Ramos, ao se deparar com um processo de mais de um ano de desenvolvimento do SBTVD, Costa teve de moderar seu discurso. “Ele é pela interrupção do processo. Mas uma interrupção abrupta é impossível”, diz. Ramos acredita que o ministro está, aos poucos, boicotando a TV Digital brasileira: “Ele vai comendo pelas beiradas”. Quais interesses estariam, então, representados na figura de Hélio Costa? “Ele representa o setor empresarial da radiodifusão”, rebate o professor. Uma das últimas declarações do ministro à imprensa con-

Valter Campanato/ABR

Dioclécio Luz de Brasília (DF)

Arquivo Brasil de Fato

Texto que será entregue ao presidente da República mantém exclusão das rádios comunitárias da faixa do dial

Hélio Costa, das Comunicações, é contra um sistema brasileiro para a TV digital

firma: “Se elas (as emissoras) não quiserem, não haverá TV Digital”. O setor de radiodifusão, apesar de divergir em relação a qual padrão adotar, já manifestou, a princípio, seu desinteresse em investir em uma alternativa nacional.

DÚVIDAS Ricardo Benetton, diretor do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD, fundação que coordena as pesquisas), explica que mesmo sem a garantia de implementação do SBTVD as ações têm se mostrado positivas. “Já não tenho tanta certeza em relação à unanimidade em adotar um dos sistemas internacionais. Ao longo do processo percebeu-se que mesmo quem não tinha segurança com o sistema brasileiro começou a levantar dúvidas”, alega. Na opinião de Benetton, os estudos e pesquisas estão “desmistificando essas realidades absolutas”. Ele não nega a possibilidade de que, quando o projeto for apresentado, escolha-se uma alternativa internacional: “Não temos o controle sobre isso, sobre a pressão política do outro lado, mas vamos ofertar

Sistema brasileiro ou internacional? Os três sistemas internacionais ficam entre propostas de alta definição de imagem (o que delimitaria o número de canais para programação) e uma definição mais baixa (o que garantiria a ampliação e democratização do escopo eletromagnético, espaço por onde se estendem os canais). Segundo decreto presidencial de 2003, que cria o projeto de pesquisa do

Sistema Brasileiro de TV Digital, um modelo alternativo deve promover inclusão social e democratização das comunicações, formar uma rede de educação baseada em televisão digital, fortalecer culturas locais e regionais, capacitar pequenas indústrias e produtoras de conteúdo nacionais, e estimular novos programas interativos e multimídia. (BM)

uma quantidade de informações capaz de blindar esse tipo de coisa”.

OUTRO LADO O outro lado mencionado por Benetton é exatamente aquele que Ramos denuncia em Costa: o alinhamento com o setor de radiodifusão. Para que as empresas não tivessem um peso político maior durante o processo de convergência tecnológica, foi criado um Conselho Consultivo, arena de debates e decisões do SBTVD. No entanto, ao contrário da sociedade civil organizada, os radiodifusores enviaram representantes técnicos a esse Conselho. Diante disso, Hélio Costa reuniu-se separadamente com os donos das emissoras, dia 1º, alegando que eles não tiveram outro espaço para manifestar seus interesses. O jornalista Gustavo Gindre, representante da Rede de Integração do Terceiro Setor (Rits), foi o primeiro a se manifestar contra o privilégio dos empresários. Em uma carta aberta dirigida a outros integrantes do Conselho, ele declarou que “tal reunião desqualifica o funcionamento do Conselho Consultivo e faz surgir um clima de desnecessária quebra de confiança (...) Reiteramos a necessidade de que o canal de relacionamento entre o Ministério das Comunicações com a sociedade civil, no âmbito do SBTVD, deva ser exclusivamente o Conselho Consultivo”. Além disso, Gindre denúncia a falta de recursos financeiros que garantiriam a participação de todos nas reuniões, e de uma estrutura logística para o trabalho dos conselheiros. “A alegada falta de recursos nos faz questionar sobre a real importância, para o governo, da existência de um conselho que reúna representantes da sociedade civil”, protesta.


Ano 3 • número 133 • De 15 a 21 de setembro de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO LIVRE-COMÉRCIO

Estados Unidos tentam reviver a Alca da Redação

CMI

Bush quer inserir defesa do tratado de livre-comércio na Declaração Final da Cúpula das Américas

A

pauta da 4ª Cúpula das Américas, que será realizada em novembro no balneário argentino de Mar Del Plata, continua indefinida. Entre os dias 8 e 10, representantes de 34 países do continente (com a notória exceção de Cuba) realizaram um dos últimos encontros preparatórios para o fórum hemisférico. A exemplo das reuniões anteriores, os diplomatas ficaram divididos entre as posições do Norte rico e do Sul subdesenvolvido. De um lado, os Estados Unidos enfatizaram o livre-comércio e defenderam a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Já os países latino-americanos, com destaque para a Argentina, criticaram as políticas aplicadas na região durante os anos 1990. Antes do encontro realizado em Buenos Aires, milhares de manifestantes marcharam pelas ruas do Centro da capital argentina para protestar contra a possível presença do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, no país durante a Cúpula. As organizações também criticaram a presença do embaixador estadunidense para a Organização dos Estados Americanos (OEA), John Maistó, destacado por Bush para a reunião. Agrupações humanitárias e políticas classificaram Maistó como um “embaixador especial” para a desestabilização de países, acusando-o de preparar a invasão dos Es-

Pelas ruas de Buenos Aires, argentinos protestam contra possível presença de Bush na Cúpula das Américas, em novembro

tados Unidos ao Panamá em 1989 e de estimular a criação de uma oposição golpista na Venezuela, sob tutela de Washington.

DIVERGÊNCIAS Na reunião, Argentina e Estados Unidos discordaram sobre aspectos chaves da Declaração Final

da Cúpula, como a relação entre crescimento econômico, emprego e desigualdade. Representando outros países da região, o vicechanceler argentino, Jorge Taiana, caracterizou de “lento e instável” o crescimento entre 1990 e 2003, o que gerou “mercados de trabalho frágeis e aumento da informali-

dade”, entre outros problemas na região. O argentino também citou fatores de um contexto internacional que dificulta a melhoria das condições de vida nos países mais pobres, como os condicionamentos externos, o peso da dívida externa e as medidas protecionistas dos países desenvolvidos.

IMPERIALISMO

Coube ao embaixador estadunidense responder ao argentino, afirmando que “a responsabilidade do crescimento de uma nação depende apenas do próprio país, que tem obrigação de se desenvolver e fazer crescer sua economia com políticas inteligentes e corretas”. Maistó também trouxe mais polêmica ao encontro ao dizer, em seu discurso, que Washington seguirá com sua defesa às políticas de livre-comércio e da criação da Alca na Cúpula das Américas. O embaixador estudunidense participou do encontro em Buenos Aires com o objetivo explícito de obter um acordo entre os países para incluir no texto da Declaração Final um enfoque positivo das políticas emanadas pelo receituário do Consenso de Washington – espécie de cartilha neoliberal criada por um grupo de economistas. “A cifra de 23 milhões de desempregados e 103 milhões de trabalhadores informais na América Latina é um desafio que só pode ser enfrentado se colocarmos a pessoa no centro, e não considerando o trabalho como uma mercadoria”, rebateu o Ministério de Relações Exteriores da Argentina, que contou com apoio da maioria dos países latino-americanos. Até o final do encontro, apenas a metade dos 34 capítulos da Declaração havia sido discutida. Os diplomatas voltarão a debater a questão no dia 3 de outubro, em Nova York, no último encontro antes da Cúpula. (Com agências internacionais).

COLÔMBIA

O arquiteto Oscar Niemeyer, o escritor Fernando Moraes, frei Betto e Leonardo Boff são algumas das vozes dos brasileiros que se somaram a um abaixo-assinado com mais de três mil nomes de intelectuais e personalidades exigindo dos Estados Unidos a libertação dos cinco cubanos presos no país. No dia 12, Antonio Guerrero, Ramón Labañino, René González, Fernando González e Gerardo Hernández completaram sete anos de cárcere. Os cubanos foram condenados em 2001 sob a acusação de espionagem pelo governo dos Estados Unidos. Mas, há cerca de um mês, um Tribunal de Atlanta anulou o julgamento dos cubanos por considerar que faltou transparência e imparcialidade. Mesmo assim, todos continuam presos em cárceres de segurança máxima. Depois disso, a campanha internacional de solidariedade aos cubanos ganhou ainda mais força. O governo de Fidel Castro argumenta que todos estavam infiltrados em grupos terroristas de Miami para descobrir atos violentos e salvar vidas cubanas e estadunidenses. Em uma ocasião, a partir de uma informação obtida pelos cubanos, Fidel teria solicitado – sem sucesso – ao escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez que pedisse ao então presidente estadunidense Bill Clinton colaboração para evitar um atentado terrorista em Cuba. Para o governo cubano, depois de a Justiça derrubar a condenação, a prisão dos cubanos se converteu em um seqüestro. Essa posição foi manifestada explicitamente pelo presidente do Parlamento da ilha caribenha, Ricardo Alarcón. “Uma pessoa privada de sua liberdade, de

da Redação Mais um sindicalista assassinado. Luciano Enrique Romero Molina, dirigente do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Indústria de Alimentos (Sinaltrainal), foi morto a facadas no dia 10. A entidade sindical informa que Molina foi despedido pela Cicolac Nestlé, no dia 22 de outubro de 2002, depois de uma paralisação que foi considerada ilegal pelo Ministério do Trabalho. O sindicalista havia sido visto pela última vez por um familiar às 21h do dia 10 em seu táxi – meio pelo qual obtinha subsistência. O corpo foi encontrado na manhã do dia seguinte, amarrado com sinais de tortura e com as marcas de 40 facadas. Molina tinha 47 anos de idade. Ele trabalhou durante 20 anos na empresa Cicolac Nestlé, em Valledupar, e deixa quatro filhos e uma esposa. “Nosso companheiro Luciano Molina tinha sido ameaçado de morte por defender os direitos dos

Ato em apoio aos cinco prisioneiros políticos cubanos

forma arbitrária e ilegalmente, é uma pessoa submetida a um seqüestro”, afirmou o cubano, lembrando que enquanto isso, terroristas confessos como o ex-agente da CIA Luis Posada Carriles recebem proteção do governo de George W. Bush.

DISCRIMINAÇÃO “Se o governo dos EUA quer julgar outra vez aos cinco Heróis cubanos, que voltem a acusá-los, mas primeiro terão que libertálos”, diz o advogado Paul Mckenna, defensor de Gerardo, Os Estados Unidos, por sua vez, não consideram o pedido e seguem tomando medidas discriminatórias contra Cuba. Em setembro, Washington negou visto para que o representante do povo cubano entrasse nos EUA para participar de um encontro mundial de parlamentares na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. A medida gerou protesto formal do governo de Fidel Castro. Em uma carta endereçada ao secretário-geral da ONU, Ko-

ffi Annan, o embaixador cubano Orlando Requeijo Gual disse que “a missão permanente de Cuba na ONU deseja protestar veementemente contra a decisão arbitrária”. O diplomata lembra que os Estados Unidos negaram visto também a Alarcón na primeira Conferência Mundial de Presidentes de Parlamentos, realizada em Nova York em 2000. Também subscrevem o abaixo-assinado pedindo a “libertação imediata” dos cubanos os prêmios Nobel como o escritor português José Saramago, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, a guatemalteca Rigoberta Menchú, os sul-africanos Nadine Gordimer e Desmond Tutu. O abaixo-assinado diz que “nada justifica que permaneçam na prisão”. Também assinam o documento os uruguaios Mario Benedetti e Eduardo Galeano, a argentina Hebe de Bonafini, o estadunidense Noam Chomsky, o ator francês Gerard Depardieu, o cantor espanhol Manu Chao, entre outros. (Prensa Latina, www.prensa-latina.com)

trabalhadores e teve que sair de Valledupar em várias ocasiões para proteger sua vida”, informou o sindicato. Segundo a organização dos trabalhadores, Molina esteve na Espanha durante vários meses em um programa de proteção e solidariedade internacional. Recentemente, o ex-trabalhador da Nestlé integrava o Comitê de Direitos Humanos do Sinaltrainal e a Fundação Comitê de Solidariedade com os Presos Políticos, na qual desempenhava atividades de solidariedade e atenção humanitária. O sindicato repudiou o crime e afirmou que o homicídio se soma ao assassinato de outros dirigentes sindicais na Colômbia dentro da estratégia de Terrorismo de Estado e perseguição decretada pelas empresas para exterminar o movimento sindical. “Condenamos o governo de Álvaro Uribe e seus mentirosos diálogo de paz, pois enquanto dizem discutir a paz, o que se observa é o massacre da popolação desarmada”. (Adital, www.adital.org.br)

Eduardo Seidl

da Redação

Jesus Carlos/ Imagenlatina

Saramago, Esquivel e Boff Mais um sindicalista foi assassinado pedem libertação de cubanos

Bolívia – Mais de 2,5 mil pessoas participaram, entre os dias 9 e 11 de setembro, do 2° Encontro Social Alternativo. Na pauta da reunião, estiveram temas centrais da conjuntura política boliviana, como a Assembléia Constituinte, os hidrocarbonetos e as autonomias regionais. O primeiro encontro em outubro de 2003 surgiu como contrapartida à Cúpula Iberoamericana de Presidentes. A “Declaração de Camini” do encontro pode ser lida no site oficial www.esalternativo.org


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De 15 a 21 de setembro de 2005

INTERNACIONAL 11 DE SETEMBRO

“Não há plena democracia no Chile” da Redação

A

viúva do presidente Salvador Allende, Hortensia Bussi, afirmou no dia 11 de setembro que, 32 anos depois do sangrento golpe militar que derrubou seu marido, o povo chileno não vive uma democracia. A declaração foi dada durante a tradicional cerimônia religiosa celebrada no Palácio de La Moneda, onde Allende caiu resistindo em 11 de setembro de 1973. Neste dia, a sede do governo chileno, eleito pelo povo, foi atacada por integrantes das três Forças Armadas. Patrocinados diretamente pelos Estados Unidos e apoiados abertamente pela burguesia local, os militares bombardearam o Palácio para colocar fim ao sonho do povo chileno de construir o socialismo pela via eleitoral. O saldo desse ato terrorista gerenciado pelo presidente estadunidense, Richard Nixon, foi um dos mais cruéis da história. A ditadura de 17 anos que se seguiu ao golpe, sob o comando do general Augusto Pinochet, deixou como legado mais de 10 mil mortos e uma economia neoliberal que solapou os anseios universalizantes e igualitários do povo chileno que colocou Allende no poder. “No Chile, ainda não há a plena democracia como Allende queria”, afirmou Hortensia Bussi, aos 90 anos. A viúva do líder socialista disse também que o general Pinochet deveria estar no cárcere pelos milhares de crimes que cometeu e pelos milhões de dólares que roubou do povo.

DISSONÂNCIA A cerimônia contou também com a presença do presidente chileno, Ricardo Lagos, que assumiu, no entanto, uma postura dissonante da viúva de Allende. “É hora de superar as feridas que ainda dividem

Fotos: CMI

Viúva do presidente Allende, assassinado há 32 anos por militares, pede prisão do general Augusto Pinochet

“Viva o Chile! Viva o povo!” Trecho do discurso do presidente Salvador Allende quando o Palacio La Moneda era bombardeado pelos militares

Chilenos prestam homenagem a Salvador Allende e pedem a prisão de Pinochet pelas milhares de vítimas da ditadura militar

a sociedade chilena”, disse Lagos. O mandatário chegou ao Palácio de La Moneda para a celebração momentos depois que uma marcha de cerca de 4 mil pessoas percorreu o centro da capital Santiago. Promovida por organizações de esquerda e de direitos humanos, a manifestação saudou Allende e gritou palavras de ordem contra a impunidade: “Lagos, aprende, a dignidade de Allende”, “Lagos traidor”, “não à impunidade”, entre outros gritos. O presidente chileno enfrenta atualmente forte resistência da esquerda do país e de ativistas de direitos humanos depois que anunciou intenção de reduzir as penas dos envolvidos nas atrocidades cometidas pela ditadura militar. O mandatário se manifestou recentemente favo-

rável ao projeto de lei da extrema direita local que concede liberdade aos torturadores e assassinos da ditadura, após cumprirem 10 anos de prisão – independentemente do prazo fixado pela Justiça. A posição de Lagos azedou também a relação do governo com parte do Partido Socialista. No dia 9, estudantes da Universidade Arturo Prat fizeram um protesto para denunciar o projeto apoiado por Lagos. “Somos contra esse projeto que dá novos benefícios a quem matou centenas de chilenos”, explicou o líder estudantil Paulino Alvarez. A Assembléia Nacional de Direitos Humanos também se manifestou sobre o tema e disse que o projeto de indulto “pretende deixar na impunidade quem violou

os direitos humanos”. A proposta recebeu críticas ainda da candidata à sucessão de Ricardo Lagos na Presidência, Michelle Bachelet, pelo Partido Socialista, apoiada por uma coalização de centro-esquerda. Michelle Bachelet avaliou que “não é o momento político para discutir a concessão de benefícios para militares condenados por violações aos direitos humanos”. A extrema direita local também não deixou o 11 de setembro passar em branco. Alguns ex-generais aproveitaram a data para visitar Augusto Pinochet em sua residência. Antes do dia 11, duas sedes regionais do Partido Comunista chileno sofreram atentados, sendo que uma ficou destruída por um incêndio. (Com agências internacionais)

Seguramente, esta será a última oportunidade em que posso me dirigir a vocês. A força aérea bombardeou as antenas da Radio Magallanes. Minhas palavras não têm amargura, mas sim decepção. (...) Ante tais atos, só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar! Colocado em um momento histórico, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos não poderá ser morta definitivamente. (...) não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a constrói os povos. Seguramente a Radio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará a vocês. Não importa. A seguirão ouvindo. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos, minha lembrança será a de um homem digno que foi leal com a pátria. Trabalhadores de minha pátria, tenho fé no Chile e no seu destino. Outros homens superarão este momento cinza e amargo no qual a traição pretende se impor. Sigam vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passa o homem livre para construir uma sociedade melhor. Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! 11 de setembro de 1973 Salvador Allende

Tania Molina Ramírez, da Cidade do México (México) Bush nos disse que o mundo iria ser um lugar seguro. Neste 11 de setembro de 2005, o saldo é distinto: dezenas de milhares de mortos e feridos... e mais terrorismo. Aqui vai um necessário exercício de memória. Última vez que o território nacional estadunidense foi atacado militarmente antes do 11 de Setembro de 2001: 1812. [1] Número de países em que os EUA intervieram militarmente desde o fim da 2ª Guerra Mundial: pelo menos 42. [2] Mortos no ataque do 11 de Setembro de 2001: 2.749. [3] Percentagem de estadunidenses preocupados, em novembro de 2001, que eles ou seus familiares sofressem um ataque terrorista: 40%. [4] Mortos pela intervenção americana na Nicarágua nos anos 80: dezenas de milhares. [5] Cifra oficial dos mortos no Chile com o golpe de 11 de setembro de 1973: 3 mil. [6] Principal fornecedor de armas do mundo: EUA, que vendem 33,5% do total mundial. [7] Valor das vendas de armas pelos EUA em 2004: 12,4 bilhões de dólares. [7] Crianças iraquianas mortas devido às sanções econômicas dos EUA (12990-1998): 500 mil. [8]

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“ELE MENTIU PARA NÓS”

• “Senhor presidente [...], o senhor

se equivocou sobre as armas de extermínio em massa. Equivocou-se sobre a ligação entre o Iraque e a Al Qaeda. Mentiu para nós. E meu filho morreu por suas mentiras. [...] Amo o meu país, mas quantos entes queridos a mais terão de morrer nessa

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guerra sem sentido?” (Cindy Sheedan, mãe de um soldado morto no Iraque e principal figura da contestação da guerra atualmente). [9] As justificativas de George W. Bush para a Guerra do Iraque: a ligação com o 11 de Setembro (não conseguiu sustentar); a segurança dos EUA; a posse de armas de extermínio pelo Iraque (que não foram encontradas); e os soldados mortos: “Honraremos o sacrifício deles completando a sua missão”. Percentagem de estadunidenses que em março de 2003 acreditavam que Sadam Hussein estava vinculado ao 11 de Setembro: 45%. [10] Percentagem que hoje avalia que os EUA ficaram mais vulneráveis ao terrorismo: 57%. [11] Percentagem que aprovava a administração Bush em fins de setembro de 2001: 90%. [12] Percentagem que aprova a administração Bush hoje: 40%. [13] Manifestantes contra a guerra em 15 de fevereiro de 2003: 30 milhões em 600 cidades do planeta. [14] Estadunidenses que acreditam hoje que seu país deveria retirar suas tropas do Iraque: um terço. [11] Estadunidenses que apoiavam a guerra do Vietnã quando ela começou: dois terços. [15] Estadunidenses que não apoiavam a guerra do Vietnã alguns anos depois: dois terços. [15] Civis iraquianos mortos na Guerra do Iraque: entre 22.500 e 100.000 (estimativa). [16] Data em que Bush anunciou o “fim das operações de combate”: 1º de maio de 2003. Efetivos dos EUA hoje no Iraque: 138 mil homens. [17] Militares estadunidenses mortos no Afeganistão e no Iraque: mais de 2 mil. Percentagem de estadunidenses

France Presse

Quatro anos depois, os números e as mentiras •

Estadunidenses protestam contra George W. Bush, presidente-pinóquio

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disposta a estimular um filho a se alistar nas Forças Armadas em 2002: 42%. Em 2004: 35 %. [18] Custo da guerra contra o Iraque: 204,6 bilhões de dólares. [16] Custo estimado por cada família estadunidense: 1.938 dólares. [16] Aumento do número de pobres nos EUA de 2003 para 2004: 1,1 milhão. [19] Com 205 bilhões de dólares se poderia pagar: o esforço mundial para combater a pobreza durante sete anos; ou os programas de luta contra a Aids durante 17 anos. [16]

E O TERRORISMO... CRESCE

• O que ocorre com o recrutamento

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para a Al Qaeda: segundo o conhecido International Institute of Strategic Studies, “cresce aceleradamente”, graças à Guerra do Iraque. [20] Número de terroristas treinados pela Al Qaeda em 2004: 18 mil. [20] Organizações tidas como terroristas fora dos EUA em 2000: 43. [21] Em 2004: 80.[22] Mortos nos atentados de Madri (11/3/2004): 189. [23] Mortos nos atentados em Londres

(11/7/2005): 52. [24] Balas que o eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes recebeu na cabeça, quando a polícia de Londres pensou que ele era um terrorista: 7. [25] Crianças russas mortas na tomada de sua escola em Beslan por nacionalistas chechenos (setembro de 2004): 172. [26]

A VIDA NO RANCHO É BOA

• Número de dias de férias de George •

W. Bush em seu rancho: 339 (é o presidente com mais dias de férias na história estadunidense). [17] Média anual de dias de férias dos estadunidenses: 13 a 16.[17] (La Jornada, jornada.unam.mx)

GUANTÁNAMO

• Cifra

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de presos, sem acusação, muitos incomunicáveis e sem direito a um advogado, nas semanas posteriores ao 11 de Setembro: mais de 1,200.[27] Última vez que o Departamento de Justiça informou sobre o número de suspeitos de terrorismo detidos nos EUA: 3 anos e 9 meses.[27] Número atual de detidos na prisão

militar estadunidense de Guantánamo: cerca de 500.[28] Com acusação formal: 4.[27] Presos com base na Lei de Terrorismo britânica, desde 2001: 701. Sentenciados: 17. [10]

Fontes: 1. 9-11, Noam Chomsky, Seven Stories Press, 2001. (Sin olvidar que Pancho Villa atacó Columbus en 1916); 2. Masiosare, 30/09/ 01; 3. www.wikipedia.com; 4. USA Today/CNN/Gallup (2-4 de novembro, 2001); 5. “The new war on terror”, War is peace, Bertrand Russell Peace Foundation, 2001; Entrevista com Noam Chomsky Znet 01/05; 7. Congressional Research Service; 8. El álgebra de la justicia infinita, Arundhati Roy, Ed. Anagrama, 2002; 9. www.meetwithcindy.org; 10. Harper’s Index; 11. USA Today/ CNN/Gallup (5-7 de agosto, 2005); 12. Gallup, resultados publicados em 24/09/01; 13. Gallup (22-25 de agosto de 2005); 14. La Jornada, 16/02/03; 15. “Changing Minds, One at a Time”, The Progressive Magazine, 03/2005; 16. “Paying the price: the mounting costs of the Iraq war”, Institute for Policy Studies y Foreign Policy In Focus; 17. La Jornada, 25/08/05; 18. Pesquisa (11/ 2004) do Departamento de Defesa, em “Who’s next?”, The Nation, 12/ 09/05; 19. US Census Bureau; 20. Cálculo do International Institute of Strategic Studies, no estudo A failed “transition”: the mounting costs of the Iraq war, do Institute for Policy Studies e Foreign Policy In Focus; 21. Patterns of Global Terrorism 2000, Departamento de Estado; 22. Country reports on terrorism 2004, Departamento de Estado; 23. El País; 24. The Guardian; 25. The Guardian, 25/07/05; 26. news.bbc.co.uk; 27. Center for Constitutional Rights; 28. Human Rights Watch.


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De 15 a 21 de setembro de 2005

INTERNACIONAL IRAQUE

Contra a guerra, lembrar as vítimas João Alexandre Peschanski da Redação

• 15 civis iraquianos são assassina• • •

France Presse

A entidade Iraq Body Count faz levantamento de civis iraquianos mortos em virtude de ação militar estadunidense

Massacre de inocentes

dos em um carro, perto de Faluja, em 29 de agosto. 43 civis iraquianos são assassinados em um ponto de ônibus, em Bagdá, em 17 de agosto. 7 civis iraquianos são assassinados, após a explosão de uma bomba, em Bagdá, em 9 de maio de 2004. 201 civis iraquianos morrem, em um hospital em Basra, bombardeado por aviões estadunidenses, em 20 de março de 2003.

• Desde o início da ocupação, em 2003, entre 24,7 mil e 27,9 mil civis foram mortos no Iraque.

• Desse total, mulheres e crianças representam 20%.

• Um em cada dez iraquianos mortos tinha menos de 18 anos.

• Até março de 2005, Bagdá era

a cidade mais atingida: 11.264 mortos.

• Soldados estadunidenses causaram a morte de 37,3% das vítimas civis.

A

lista parece não acabar. São 47 páginas, e entre 24,7 mil e 27,9 mil inocentes mortos, desde o início dos ataques ordenados pelo governo dos Estados Unidos contra o Iraque, no início de 2003. A página na internet da entidade Iraq Body Count (do inglês, Contagem dos Mortos no Iraque) funciona como um memorial às vítimas, inocentes, da guerra, trazendo a data, o local e a hora das mortes. Todas as informações veiculadas são verificadas em pelo menos duas fontes, geralmente notas de agências de notícia, como a inglesa

• Grupos insurgentes iraquianos

causaram a morte de 9,5% das vítimas civis.

• Um terço das mortes civis ocorreu na fase da ocupação do Iraque (março a maio de 2003).

• Em novembro de 2004, soldados estadunidenses mataram 775 civis.

Desde a ocupação do Iraque no início de 2003, a guerra de Bush já provocou a morte de mais de 25 mil civis

BBC, e relatórios de organizações não-governamentais (ONGs). Não considera mortes de soldados da coalizão de exércitos que ocupa o Iraque, principalmente estadunidenses e ingleses, e de integrantes de grupos iraquianos que resistem à intervenção estrangeira.

Em janeiro de 2003, antes mesmo da ocupação do Iraque, iniciada em março, Sloboda decidiu montar o Iraq Body Count. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, por correio eletrônico, define sua motivação: “A perda de vidas inocentes é o preço mais alto que se paga em um conflito”. Indignado com a possibilidade de uma intervenção estadunidense no Iraque, encontrou tempo em sua agenda – ele é professor de Psicologia da Música na Universidade Keele, na Inglaterra – para protestar contra a guerra. Juntamente com Sloboda, participam da entidade, que não tem fins lucrativos, 20 pessoas da Inglaterra e Estados Unidos. O método de protesto da entidade é novo e fácil. Baseia-se em estudo do professor de Economia

PAIXÃO PELA PAZ

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“Os seres humanos estão condicionados a aceitar a guerra como algo inevitável, e também a morte em guerras como algo inevitável. É a história da civilização. Para os que não aceitam essa lógica, os que têm paixão pela paz, é preciso não perder o coração”. Com essas frases, John Sloboda justifica seu empenho em criar a entidade e apurar informações sobre cada uma das pessoas mortas na ocupação.

Marc Herold, da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, que, em 2002, idealizou projetos como o do Iraq Body Count.

• Mais da metade das mortes de civis (53%) foi causada por explosões, 64% das quais foram ataques aéreos.

• Pelo menos, 42,5 mil civis ficaram feridos em virtude de ações militares, após a invasão do Iraque.

ASPECTO HUMANO

Fonte: Dossiê de civis mortos 2003-2005 - Iraq Body Count

A idéia não é coletar e divulgar estatísticas em relação ao Iraque, mas trazer o aspecto humano de cada vítima. “Quanto mais a morte adquire um nome, uma idade, um rosto, mais ela se torna insuportável. A partir disso, a guerra é condenada”, explica Sloboda. Por dia, 150 mil pessoas, de todo o mundo, visitam a página na internet da entidade. Para o fundador do Iraq Body Count, entidades como essa devem ser multiplicadas. Sugere que, no Brasil, se faça o levantamento de vítimas de chacinas. Diz que não é necessário “muito dinheiro ou espe-

cialistas em matemática”. Bastam: 1) uma fonte regular de informações, confiável e verificável e 2) pessoas comprometidas com o projeto, dispostas a destinar horas por dia para sistematizar as informações coletadas. De acordo com Sloboda, o Iraq Body Count consegue driblar o boicote e os ataques da grande mídia, que considera propagandistas da guerra. “Muitos dos dados são tirados da própria mídia. Se esta questionar as informações, estará indo contra o que ela mesma veiculou”, diz.

METAS DO MILÊNIO

Thalif Deen de Nova York (EUA) A Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que, se nada for feito, dentro de vinte anos 1,8 bilhão de pessoas viverão em países ou regiões com escassez absoluta de água. A Cúpula do Milênio deveria analisar a possibilidade de estabelecer um tratado internacional que proteja o direito humano à água, disse Kathryn Mulvey, diretora-executiva da Corporate Accountability Internacional, organização não-governamental antes conhecida como Infact. “Que medida a cúpula pode tomar para garantir que dois terços da população mundial tenham suficiente acesso à água até 2015?”, perguntou, referindo-se à reunião de chefes de Estado e de governo que acontecerá entre os dias 14 e 16, na ONU, em Nova York. “É imperativo que nos unamos para proteger o direito humano à água e para resistir à mercantilização de um elemento essencial para a vida humana”, disse Kathryn. Desse ponto de vista, a água deveria estar disponível, mas cada vez mais é escassa porque grandes empresas convertem sua extração, processamento e distribuição em uma indústria de lucro, e assim o preço aumenta além do alcance dos que dela mais necessitam. A cúpula, da qual participarão mais de 170 líderes mundiais, revisará os avanços obtidos no cumprimento dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Tais metas foram aprovadas pela Assembléia Geral da ONU, em setembro de 2000, em uma instância semelhante à deste mês; e

também na presença de numerosos mandatários. Porém, especialistas alertam que, no ritmo atual, até 2015 não será cumprida a maioria dos objetivos, incluindo a redução pela metade da população pobre e faminta do mundo, a consagração da educação primária universal e a melhoria dos serviços de água potável e saneamento. “Em pouco mais de duas décadas, mais de dois terços da população mundial carecerão de acesso suficiente à água. Enquanto isso, o fornecimento de água se transforma em uma indústria de 400 bilhões de dólares e que está em crescimento”, afirmou Kathryn.

Agência Brasil

Quase dois bilhões sem água em 20 anos

INFLAÇÃO E CORRUPÇÃO Mas em lugar de aliviar os problemas de escassez, a indústria da água se caracteriza por inflacionar preços e outras práticas de corrupção corporativa que jogou cidades e países inteiros em crises, afirmou a ativista. Kathryn advertiu que a atual corrente de privatizações, a cargo de empresas com Suez, e a expansão do mercado de água engarrafada, nas mãos de corporações com a Coca-Cola, contribuem para agravar os problemas. Essas grandes companhias atuam amparadas por uma enorme influência política e financeira sobre governos e agências de regulamentação de todo o mundo, assegurou. “Para avançar rumo à meta de garantir o acesso da população à água, devemos expor primeiro as ações perigosas e irresponsáveis de empresas como Suez e Coca-Cola”, disse Kathryn. Roberto Lenton, presidente do Conselho de Colaboração para o Fornecimento de Água e Saneamen-

Pelo ritmo atual, Metas do Milênio não serão cumpridas até 2005

to (WSSCC), disse que o problema da privatização é multidimensional. “Mas não chega a ser um grande tema, e não é um fator significativo” em relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, acrescentou. Lenton considerou que o setor privado se envolve, na maioria dos

casos, em países de renda média, não nos mais pobres. “E se forem analisados os investimentos do setor privado em água e saneamento, se verá que caíram nos últimos anos por causa dos riscos”, disse Lenton. Em uma coluna publicada pelo jornal The New York Times,

Tom Standage, autor de A história do mundo em seus copos, afirmou que a maioria do público não vê diferença entre a água de torneira e a engarrafada. “Ainda assim, todos a compram, e em grandes quantidades”, ressaltou. Só este ano, os estadunidenses gastarão 9,8 bilhões de dólares em água engarrafada, segundo a Corporação de Marketing de Refrigerantes. “Centavo por centavo, custa mais do que a gasolina, mesmo com os preços atuais. Dependendo da marca de fábrica, a água engarrafada custa entre 250 e 100 mil vezes mais do que a de torneira”, afirmou Standage, que é editor da seção de tecnologia da revista britânica The Economist. O secretário-geral de Serviços Públicos Internacionais da França, Hans Engelberts, disse que quase todos os especialistas em matéria de água concordam que a experiência de privatização, que já tem 15 anos, não facilitou o consumo dos pobres. “Inclusive o Banco Mundial admite regularmente que suas políticas de privatização foram um fracasso”, acrescentou. E o problema não foi os sindicatos, os governos ocidentais, as organizações não-governamentais nem os ativistas que protestam. O problema está na tentativa de lucrar vendendo o serviço aos mais pobres. “Para dizer o óbvio, uma característica dos pobres é que não possuem dinheiro. As grandes companhias descobriram que são incapazes de extrair dinheiro suficiente, mesmo com empréstimos do Banco Mundial e de governos garantidores”, concluiu. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)


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De 15 a 21 de setembro de 2005

INTERNACIONAL COMÉRCIO

Brasil e Nigéria assinam acordos da Redação

C

inco acordos de cooperação e um tratado de assistência jurídica mútua em matéria penal foram firmados entre os governos do Brasil e da Nigéria durante a visita do presidente nigeriano Olusegun Obasanjo, entre os dias 6 e 9. Entre os principais acordos, o que prevê a retomada das linhas aéreas diretas entre os dois países; os de cooperação econômica, científica e técnica para implementação de projeto de produção e processamento agroindustrial de mandioca, frutas tropicais e hortaliças; e o que propõe a isenção de vistos para os portadores de passaportes diplomáticos, oficiais e de serviços. Além disso, representantes dos dois governos assinaram um tratado de assistência mútua em matéria judiciária, que inclui o combate a atividades criminais, como o tráfico internacional de entorpecentes e a lavagem de dinheiro. Em almoço oferecido ao presidente nigeriano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que os dois países trabalham juntos para consolidar uma nova ordem internacional, baseada em “ um multilateralismo revigorado, mais democrático e mais justo”. Lula voltou a defender uma reforma no sistema das Nações Unidas e a ampliação do Conselho de Segurança da ONU, como “oportunidade única para fazer ouvir a voz do mundo em desenvolvimento nas decisões mundiais”. E disse estar “confiante que as propostas defendidas pelo G-4 e pela União Africana darão impulso para uma ampliação do Conselho que atenda aos interesses dos países do Sul”. Durante o discurso, Lula informou que o Brasil acolhe com entusiasmo a idéia do presidente nigeriano, de realizar a 1ª Cúpula América do Sul-África. “Neste encontro vamos celebrar uma solidariedade fundamental que aproxima nossos continentes. Mostraremos que a união de forças é a melhor resposta para o desafio de uma globalização

Roosewelt Pinheiro/ABr

Governos dos dois países pretendem ampliar relações comerciais e cooperação na exploração do petróleo

NIGÉRIA

Lula e o presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, unem esforços para realizar a 1ª Cúpula América do Sul-África

desigual. Conte com o Brasil nessa empreitada”, afirmou. Ao concluir a visita ao Brasil, o presidente Obasanjo defendeu uma ampliação das relações econômicas com o Brasil. “Nossas relações econômicas devem se estender aos investimentos, à tecnologia e à cooperação específica”, disse durante encontro de empresários dos dois países, em um fórum realizado em São Paulo. Obasanjo veio acompanhado por uma comitiva formada por sete ministros, 47 empresários e vários congressistas.

INTERCÂMBIO Com os acordos comerciais firmados entre os dois países, o Brasil prevê um aumento de 500 milhões de dólares nas exportações para o país africano. Segundo o ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, as exportações serão em segmentos escolhidos pelo governo da Nigéria. “Nessas exportações estão incluídos aviões, ônibus, material de construção, produtos agrícolas, eta-

nol e frutas tropicais. Foram criados grupos de trabalho, com a participação de diversos setores do governo e em sessenta dias nós vamos apresentar as prioridades e os primeiros resultados”, explicou Furlan. Na avaliação do ministro, os dois países têm carência de capital para investimento produtivo e entre as possibilidades de trocas está o intercâmbio de conhecimento tecnológico. Ele lembrou que a utilização da capacidade industrial no Brasil chega a 80%, enquanto no país africano está abaixo de 50%. “Uma das razões é a baixa oferta de energia elétrica”, apontou, ao ressaltar a possibilidade de o Brasil repassar sua experiência na área ao parceiro comercial. No setor de petróleo, o acordo assinado entre Brasil e Nigéria vai permitir que os dois governos a partir de agora façam negócios diretamente. “Hoje os negócios são feitos por meio de intermediários. O Brasil compra petróleo e vende gasolina e etanol com intermediação. O combinado é que Petrobras e Nigerian National Petroleum Corporation (NNPC) farão negó-

ÁFRICA

cios diretamente, o que significa melhores condições para os dois lados”, relatou o ministro. A Nigéria, pais mais populoso da África, é hoje o quarto exportador mundial de gás liquefeito de petróleo (GLP) e tem a meta de liderar o mercado em três anos. Em outubro, o Brasil começa a exportar a primeira carga de álcool anidro para a Nigéria, dando inicio à primeira fase de um acordo fechado pela exportadora brasileira Coimex Trading e pela NNPC em 15 de agosto, que prevê a adição de 10% de álcool à gasolina no país. Segundo o diretor da área de Energia da Coimex Trading, Jorge Colnaghi, o projeto será realizado em duas fases concomitantes. A primeira prevê a exportação de 1,1 milhão de metros cúbicos por ano de álcool anidro, em cargas quinzenais. A segunda fase, que também tem início no próximo mês, prevê a criação de usinas e destilarias de álcool na Nigéria, a partir de tecnologia brasileira. Estimativas da empresa brasileira indicam que para abastecer sua frota, a Nigéria precisará de oito

Nome oficial: República Federativa da Nigéria Localização: África Ocidental Principais cidades: Abuja (capital) e Lagos (capital comercial) Línguas: haussa, ibo, ioruba, fulani, inglês, francês Divisão política: 36 Estados Regime político: República presidencialista População: 126 milhões (ONU, 2003) Moeda: naira Religiões: islâmica (50%), cristã (45,9%) e religiões locais

usinas de grande porte e de 300 mil hectares plantados de cana-de-açúcar. O consumo de gasolina no país é de 30 milhões de litros por dia e o álcool exportado pelo Brasil substituirá 10% deste volume. De acordo com o empresário, a exportação de álcool do Brasil para a Nigéria tem como objetivo sinalizar ao produtor local que haverá demanda para o álcool quando o produto passar a ser produzido localmente. Com a compra de álcool brasileiro, a Nigéria vai economizar 100 milhões de dólares ao ano. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em 2004 o Brasil exportou 505 milhões de dólares para a Nigéria e importou 3,49 bilhões de dólares (130% a mais que em 2003). Desse total, 97% foram em óleos brutos de petróleo. Neste ano, a previsão é que o déficit chegue a cerca de 4 bilhões de dólares. É o maior déficit comercial do Brasil com um único país.

EGITO

da Redação

A África ainda sofre com o peso das guerras que se espalharam pelo continente nos anos 1990 e que são um dos motivos pelos quais dos 32 países com menor desenvolvimento humano do mundo, 30 são africanos, segundo o Relatório 2005 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). “Os conflitos violentos são o caminho mais rápido para cair para os níveis inferiores do índice do desenvolvimento humano”, afirmou, dia 9, em Johanesburgo a coordenadora da ONU na África do Sul, Scholastica Sylvan Kimaryo. Ela destacou que “a relação entre a segurança e o desenvolvimento é amplamente reconhecida”. Na lista divulgada pelo Pnud, só Haiti e Iêmen não são africanos na lista de 32 países de baixo desenvolvimento humano. O país que ocupa o último lugar no ranking de desenvolvimento humano é o Níger, onde nas últimas semanas ocorreu uma crise de fome que atingiu 3,5 milhões de pessoas, um terço da população. A esperança de IDH – Mede o nível de desenvolvimento vida no Geríeis humano dos países, é de 41 anos, e utilizando como 61% dos habicritérios indicadores de educação (alfatantes do país betização e taxa de vivem com mematricula), longevinos de um dólar dade (esperança de vida ao nascer) e por dia. renda (Produto InterO ranking no Bruto per capita). não inclui Somália nem Libéria, pois a informação obtida é parcial, mas onde, de

Arquivo Brasil de Fato

Conflitos prejudicam desenvolvimento Mubarak ganha eleições com participação baixa da Redação

Níger ocupa o último lugar no ranking do desenvolvimento humano

acordo com outros indicadores, há dados que demonstram um baixo nível de desenvolvimento humano. “Dos 32 países que se situam na categoria de baixo desenvolvimento humano, 22 atravessaram um conflito a partir de 1990”, destacou a representante da ONU. De acordo com os dados divulgados por Claes Johansson, integrantes da equipe de estatísticas que elaborou o relatório anual do Pnud, o número de conflitos militares caiu na África desde 1990, mas estes deixaram mais mortos. “Os mortos não foram apenas vítimas das balas, mas do subdesenvolvimento e da falta de infra-estrutura, entre outras razões”, acrescentou. A África subsaariana, lembrou Scholastica Sylvan, é cenário de quatro de cada dez conflitos militares existentes atualmente no mundo. Para solucionar esta situação, segun-

do a funcionária da ONU, precisam ser reforçadas as operações de paz e a prevenção de conflitos, uma missão para a qual a União Africana deve ser ajudada por outros países da comunidade internacional. Segundo Scholastica Sylvan, a África precisa de recursos financeiros para sair do subdesenvolvimento, mas essa “não é uma condição suficiente para o progresso”, pois o dinheiro deve ser produtivo e reforçar a capacidade de um desenvolvimento sustentável. A África, segundo os dados da ONU, é a região do mundo onde é mais difícil o cumprimento das Metas de Desenvolvimento do Milênio adotadas há cinco anos pelo organismo. “Para cumprir as metas, o círculo vicioso de pobreza e os conflitos violentos têm que acabar”, acrescentou Scholastica Sylvan. (Com agências internacionais)

O presidente Hosni Mubarak, de 77 anos, ganhou as eleições presidenciais dia 7 no Egito com 88,5% dos votos, obtendo um novo mandato de seis anos. A participação nas eleições para a Presidência do país, de 23% do eleitorado, foi das mais baixas da história egípcia. Em 1999, último pleito para confirmar Mubarak no poder, a participação fora de 80%. O presidente da Comissão Eleitoral, Mamduh el-Marei, disse que Mubarak obteve pouco mais do que 6.300.000 votos. O segundo colocado foi o liberal Ayman Nour (540.400), e o terceiro, o líder do histórico partido al-Wafd, Numan Gumaa, com 200.800. Percentualmente, Mubarak obteve 88,5% dos votos; Nour, 7,3% e Gumaa, menos de 3%. Nenhum dos outros candidatos superou 1% dos votos.

IRREGULARIDADES O país tinha 31.826.000 de eleitores cadastrados, mas só foram registrados 7.305.036 votos válidos – ainda não foram divulgados números de votos nulos. A proporção é extremamente baixa, mas está de acordo com a participação prevista por vários observadores independentes. Os partidos de oposição e associações independentes denunciaram supostas irregularidades que favoreceriam Mubarak, mas a Comissão

Eleitoral rejeitou essas alegações. O candidato derrotado Nour disse que se nega a aceitar os resultados. “Para mim estas eleições foram manipuladas e são nulas, e os resultados anunciados são incorretos”, disse Nour. Mubarak governa o Egito desde 1981, quando foi assassinado o então presidente Anuar el-Sadat. Antes das eleições, Mubarak era submetido a plebiscitos populares, nos quais a presença de eleitores chegava a superar 90% dos inscritos.

BOICOTE Em fevereiro o presidente anunciou que o governo mudaria o plebiscito para uma eleição com vários candidatos à Presidência, surpreendendo os analistas. As condições nas quais a campanha ocorreu fizeram com que vários partidos de esquerda boicotassem as eleições. Só dois adversários de Mubarak nas urnas, Nour e Gumaa, têm alguma popularidade. A grande maioria dos egípcios entrevistada em pesquisas havia expressado a intenção de se abster. Mubarak deve prestar juramento para um novo mandato de seis anos nos próximos dias. Em dois meses serão realizadas eleições legislativas para renovar o Parlamento, no qual o Partido Nacional Democrático, do presidente, tem mais de 400 cadeiras de um total de 454. (Com agências internacionais)


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NACIONAL TRANSGÊNICOS

Decisão política libera plantio no RS Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS)

professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e presidente da Associação Brasileira de Agroecologia. Para ele, o governo sucumbiu ao conflito existente entre os agricultores que utilizam soja transgênica e têm a semente estocada em suas propriedades e as multinacionais, como a Monsanto, que querem vender espécies novas. O professor conta que muitos produtores guardaram soja transgênica da safra anterior e pressionaram o governo pela prorrogação. Com a liberação, eles poderão usar a semente sem pagar royalties para as multinacionais. “Isso mostra que a decisão do governo foi política, a favor do agronegócio, e não técnica. Se esses agricultores assumiram o risco de usar transgênico e de praticar uma agricultura dependente das multinacionais, eles têm que pagar pela escolha, ao invés de ficar se fazendo de coitadinhos”, desabafou. O argumento de que a decisão foi política ganha força junto aos agricultores familiares. Lecian Gilberto Conrad, coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), concorda com o fato de que os camponeses teriam uma dificuldade maior em conseguir semente para o plantio do grão no Estado. Mas questiona a liberação da não-certificação da soja transgênica: “O Paraná certamente tem muita semente convencional disponível. Se fosse do interesse do governo uma agricultura

O

plantio de soja transgênica de origem não-certificada na safra 2005/2006, autorizado pelo governo, dia 8, se restringe ao Estado do Rio Grande do Sul e vem ao encontro de reivindicações feitas por alguns agricultores gaúchos. Eles alegaram a falta de sementes registradas para o próximo plantio, devido à estiagem que atingiu o Estado no final de 2004 e início deste ano, quebrando mais da metade da safra do grão. A notícia de que o plantio das sementes não-certificadas seria prorrogado já havia sido adiantada no pronunciamento feito pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, dia 31 de agosto, durante a Exposição Internacional de Animais, Máquinas, Implementos e Produtos Agropecuários do Rio Grande do Sul (Expointer), realizada na região metropolitana de Porto Alegre. Ambientalistas e movimentos sociais alertam que a decisão governamental não foi movida somente por questões práticas, como foi dito no discurso oficial. “Não se trata mais de uma questão técnica ou ambiental. Com essa decisão, o governo está mostrando que não tem interesse no desenvolvimento sustentável e nem se preocupa em formular políticas nesse sentido”, afirmou Fábio Kessler Dal Soglio,

agroecológica, bastava buscar o grão do Estado, que é praticamente vizinho do Rio Grande do Sul”.

Agência Brasil

Para especialistas, falta de sementes de soja não justifica medida do governo, que atende ao agronegócio

CONTRABANDO Conrad ainda alerta para o perigo que a medida representa à agricultura familiar. Sem precisar descrever a origem da semente, especula-se que os agricultores que têm soja transgênica contrabandeada em estoque as utilizarão largamente no plantio do grão. O coordenador aponta a contaminação do grão convencional como um dos grandes problemas a ser enfrentados pelos camponeses. “Hoje temos uma dificuldade muito grande em separar a soja transgênica da convencional nos armazéns, dado o grande volume de transgênico produzido no Estado”, relata. “Esse é o momento dele repensar as políticas voltadas para os pequenos agricultores, tanto no crédito quanto na produção agrícola”, finalizou. Mesmo depois da legalização do plantio da soja transgênica no país, com a aprovação da Lei da Biossegurança, agricultores continuaram a importar ilegalmente a semente da Argentina. Acabar com o contrabando do grão foi um dos argumentos utilizados para pressionar o governo federal a autorizar o plantio do transgênico no país. Atualmente, no Rio Grande do Sul, mais de 80% da soja produzida é geneticamente modificada.

No Rio Grande do Sul, mais de 80% da soja produzida é geneticamente modificada

Mais empresas aderem aos alimentos livres de OGMs

SELEÇÃO DE FORNECEDOR No caso da Danone, a empresa realizava controle para evitar o uso de transgênicos em seus produtos lácteos, mas não tinha o mesmo padrão para sua linha de biscoitos. Com a venda da unidade de biscoitos, a empresa passou para a lista verde do Guia. O exemplo da Campestre é a prova de que o mercado de produtos sem transgênicos é cada vez maior. A empresa produz óleo de soja e substituiu o fornecedor com quem trabalhava há 20 anos por outro que faz o rastreamento de todo seu

O temporal que atingiu o Rio Grande do Sul no final de semana não prejudicou a mobilização dos camponeses para o 4º Encontro Estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), de 8 a 12. Cerca de 450 pessoas de todas as regiões do Estado compareceram às atividades realizadas na Linha Henrique D’Ávila, interior do município de Vera Cruz, a 160 quilômetros de Porto Alegre. A crise política do país, o modelo econômico baseado no agronegócio e a importância da organização camponesa para a transformação social foram os principais temas discutidos. “Não temos uma política diferenciada para o agricultor camponês”, afirmou Plínio Simas, um dos diretores regionais do MPA. Para ele, os principais problemas enfrentados pelo pequeno agricultor são a falta de uma política de crédito, a lentidão na reforma agrária e a pouca proteção para a produção familiar.

MODELO ECONÔMICO Simas diz que a crise do leite enfrentada pelos agricultores familiares gaúchos é um dos exemplos que mereceria intervenção do governo a favor do pequeno produtor. “O dólar baixo facilita a importação do leite e dificulta a exportação do produto brasileiro. Hoje, a produção familiar concorre com a de fora,” relata. Entre os diversos assuntos debatidos, o mais criticado foi o atual

Gigantes como a Cargill, Bunge e Vigor continuam na lista vermelha do Greenpeace

processo produtivo. “Nós nos comprometemos a não usar transgênicos pelos impactos que possam causar ao meio ambiente e às pessoas em longo prazo. Nos preocupamos com o futuro do planeta”, disse Maria Telio, diretora da empresa. Outra tendência mostrada pelo Guia do Consumidor é o cuidado das megarredes de supermercados em ter produtos de marca própria sem transgênicos. A mais recente empresa a aderir à lista verde foi a Wal-Mart, a quinta maior rede de supermercados do Brasil, de acordo com o ranking Maiores e Melhores da revista Exame. Os produtos de marca própria das redes Pão de Açúcar, Extra e Carrefour já estavam na lista verde. O Guia do Consumidor do Greenpeace é a melhor fonte de informação ao consumidor brasileiro

que não quer comprar alimentos que causem danos ao meio ambiente. A utilização de transgênicos na agricultura tem causado o aumento do uso de agrotóxicos. Além disso, a liberação desses organismos no meio ambiente também tem como conseqüência o aparecimento de ervas daninhas e pragas resistentes, a perda de biodiversidade e a contaminação genética. Na lista verde do Guia, além das novas adesões, encontram-se gigantes da indústria alimentícia como Nestlé, Parmalat, Unilever, Sadia e Perdigão, entre outras. Já outras gigantes como Bunge, Cargill e Vigor continuam na lista vermelha, pois não assumiram o compromisso de levar aos consumidores brasileiros alimentos livres de transgênicos. (Portal Greenpeace, www.greenpeace.org.br)

modelo econômico do país. “Chegamos ao ponto em que precisamos decidir que rumo tomar. Todos esses anos de existência do movimento foram de resistência. Agora, precisamos dar um passo à frente, para a transformação da sociedade”, salientou Lecian Gilberto Conrad, da direção estadual do MPA. Nesse sentido, a Via Camponesa vem construindo, desde 2003, o Plano Camponês. O documento, com cerca de 500 páginas, é uma proposta dos movimentos sociais para uma nova política econômica e social para o campo, que vai além da reivindicação de políticas públicas para o setor. “O simples fato de o agricultor comprar um adubo da Cargill reforça esse sistema que criticamos. Precisamos mostrar que existem alternativas”, argumenta Conrad. O plano aborda a agroecologia como modelo de produção autosustentável e aspectos culturais da vida camponesa. No encontro, também foi organizado um calendário de lutas para os próximos meses. Diversas mobilizações nacionais e regionais estão programadas para outubro e novembro, em parceria com a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). Entre as reivindicações dos pequenos agricultores estão a maior proteção à agricultura doméstica e a revisão dos índices de produção de terras, com o objetivo de acelerar a reforma agrária. (RC)

Julio Penz

Mesmo após a liberação da soja transgênica no país, com a aprovação da nova Lei de Biossegurança, em março, as empresas alimentícias presentes no Brasil estão eliminando os transgênicos de sua produção. A sexta edição do Guia do Consumidor do Greenpeace, lançada dia 8, traz quatro novas empresas que passaram para a lista verde: a Danone, fabricante de produtos lácteos, a rede estadunidense de supermercados Wal Mart e as fabricantes de óleo de soja Brejeiro e Campestre. “A cada nova edição do Guia, o número de empresas na lista verde cresce. Isso demonstra que a opinião dos consumidores brasileiros vem sendo cada vez mais respeitada pela indústria de alimentos. Das 53 empresas da primeira edição, 74% estavam na lista vermelha. Nesta última edição, que dá informações sobre 109 empresas, a porcentagem de empresas na lista vermelha caiu para 41%”, declarou Gabriela Vuolo, da campanha de engenharia genética do Greenpeace. O Guia do Consumidor dá informações sobre produtos que utilizam soja e milho, que hoje representam mais de 80% da área plantada com transgênicos no mundo. Publicado desde 2002, o Guia classifica as indústrias de alimentos na lista verde ou vermelha de acordo com o compromisso de cada uma delas com relação ao uso de transgênicos em sua produção.

Encontro discute alternativas para o campo

Agência Brasil

da Redação

PEQUENOS AGRICULTORES

Pequenos agricultores criticam a falta de uma política de créditos


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De 15 a 21 de setembro de 2005

DEBATE EUA

m seu mais recente livro de ensaios, A decadência do poder estadunidense, publicado no México por Ediciones Era, Immanuel Wallerstein sustenta que, apesar de sua indiscutível superioridade militar, há três décadas os Estados Unidos são uma potência hegemônica em um claro processo de decadência econômica, social, política, cultural e geopolítica. Veja trechos do livro, publicados pelo jornal mexicano La Jornada.

E

Immanuel Wallerstein

A águia se estatelou ao aterrissar

Immanuel Wallerstein Estados Unidos em decadência? Poucos, hoje, acreditariam nessa afirmação. Os únicos que de fato acreditam são os falcões estadunidenses, que vociferam em favor de medidas políticas que revertam o declive. Essa crença de que o final da hegemonia estadunidense já começou não provém da vulnerabilidade que ficou patente para todos, no 11 de setembro de 2001. De fato, os EUA se desvaneceram como potência global desde os anos 1970. Com o objetivo de entender por que a chamada Pax Americana está enfraquecendo, é preciso examinar a geopolítica do século 20, em particular durante as três últimas décadas. Esse exercício põe a descoberto uma conclusão simples: os fatores econômicos, políticos e militares que contribuíram para a hegemonia dos EUA são os mesmos fatores que hão de produzir inexoravelmente o subseqüente declínio estadunidense. O ascenso dos Estados Unidos à hegemonia global foi um longo processo que se iniciou como tal com a recessão mundial em 1873. Nessa época, Estados Unidos e Alemanha começaram a ter uma participação cada vez maior nos mercados globais, às custas sobretudo da recessão constante da economia britânica. Ambas as nações acabavam de adquirir uma base política estável: Estados Unidos ao findar, com sucesso, sua guerra civil; e Alemanha ao conseguir a unificação e derrotar a França na guerra franco-prussiana. De 1873 a 1914, Estados Unidos e Alemanha se converteram nos principais produtores em certos setores de ponta: o aço e mais à frente os automóveis, no caso dos EUA, e dos produtos químicos industriais, no caso da Alemanha. Os livros de história registram que a Primeira Guerra Mundial estourou em 1914 e acabou em 1918, e que a Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945. Sem dúvida, faz muito mais sentido considerar as duas como uma só e contínua “guerra de trinta anos” entre EUA e Alemanha, com suas tréguas e conflitos locais divididos ao meio. A disputa pela sucessão hegemônica deu um giro ideológico em 1933, quando os nazistas chegaram ao poder na Alemanha e começaram sua busca por transcender o sistema global em seu conjunto, não perseguindo a hegemonia dentro do sistema vigente, mas sob a forma de um império global. Recorde-se a consígnia nazista ein tausendjähriges Reich (um império de mil anos) De sua parte, os Estados Unidos assumiram o papel de advogado de um liberalismo centrista a nível mundial – lembremos das “quatro liberdades” do ex-presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt (liberdade de expressão, liberdade de culto, liberdade frente à carência e frente ao medo) e se meteu em uma aliança estratégica com a União Soviética, tornando possível a derrota da Alemanha e de seus aliados. CONSELHO DE SEGURANÇA

A Segunda Guerra Mundial promoveu uma destruição enorme da infra-estrutura e das po-

pulações da Eurásia, do Oceano Atlântico ao Pacífico, da qual quase nenhum país saiu ileso. A única grande potência industrial que emergiu intacta – e inclusive muito fortalecida, da perspectiva da economia – foram os Estados Unidos, que de imediato consolidaram sua posição. Mas o aspirante a hegemônico enfrentou alguns obstáculos políticos práticos. Durante a guerra, as forças dos aliados acordaram o estabelecimento da Organização das Nações Unidas (ONU), uma organização integrada basicamente pelos países que tinham estado na coalizão contra as forças do Eixo. O traço crítico da organização foi o Conselho de Segurança, a única estrutura que podia autorizar o emprego da força. A Ata da ONU outorgou o direito de veto sobre o Conselho de Segurança a cinco potências, incluindo os Estados Unidos e a União Soviética e isso, na prática, desarmou em grande medida o Conselho. Assim, não foi a fundação da ONU em 1945 o que determinou as limitações geopolíticas da segunda metade do século 20, mas a reunião de Yalta entre Roosevelt, o primeiro ministro da Grã-Bretanha, Winston Churchill e o dirigente soviético José Stalin, dois meses antes. Os acordos formais de Yalta foram menos relevantes que os acordos informais, os quais não se verbalizaram e só se tornam claros ao observarmos a conduta dos Estados Unidos e da União Soviética durante os anos seguintes. STATUS QUO

Ao terminar a guerra na Europa, em 8 de maio de 1945, as tropas soviéticas e as ocidentais – isto é, as estadunidenses, as britânicas e as francesas – se situaram em locais especiais: essencialmente, ao largo de uma linha norte-sul no centro da Europa, o Rio Elba, a histórica linha divisória da Alemanha. Salvo certos ajustes menores, ali ficaram. Yalta significou o acordo de ambas as partes de que ali podiam permanecer e que nenhuma das partes empregaria a força para tirar a outra. Esse arranjo tático incluía a Ásia, como mostrou a ocupação estadunidense do Japão e a divisão da Coréia. Portanto, em termos políticos Yalta foi um acordo sobre o status quo no qual a União Soviética controlava aproximadamente um terço do mundo e os Estados Unidos, o restante. Mesmo assim, Washington enfrentou desafios militares mais sérios. A União Soviética contava com as maiores forças de terra do mundo, tanto que o governo estadunidense se encontrava sob a pressão interna de reduzir seu Exército, para acabar com o re-

crutamento forçado. Aí os Estados Unidos decidiram afirmar seu poderio militar não por meio das forças de terra, mas pelo monopólio das armas nucleares, mais uma força aérea com capacidade de desenvolvê-las. Esse monopólio em breve desapareceu: em 1949 a União Soviética também já havia desenvolvido suas armas nucleares. Desde então, os EUA se viram obrigados a tratar de prevenir-se da aquisição de armas nucleares – e de armas químicas e bacteriológicas – por outras potências, esforço que, no século 21, não parece ter tido muito êxito. GUERRA FRIA

Até 1991, EUA e União Soviética coexistiram no “equilíbrio do terrorismo” da Guerra Fria. Apenas em três ocasiões puseram à prova verdadeiramente esse sta-

tus quo: o bloqueio de Berlim em 1948-1949, a guerra da Coréia, de 1950 a 1953, e a crise cubana dos mísseis em 1962. Em todos os casos, o resultado foi a restauração do status quo. Mais ainda, é preciso assinalar como cada vez que a União Soviética enfrentou uma crise política em seus regimes satélite – Alemanha Oriental em 1953, Hungria em 1956, Checoslováquia em 1968 e Polônia em 1981 – os Estados Unidos se envolveram em pouco mais que manobras de propaganda, permitindo à União Soviética manter seus caprichos. Essa passividade não se estendeu até a esfera da economia. Os Estados Unidos capitalizaram o contexto da Guerra Fria para lançar massivos esforços de reconstrução econômica, primeiro na Europa Ocidental e depois no Japão, assim como na Coréia do Sul e em Taiwan. A razão era óbvia: que sentido teria contar com uma superioridade produtiva se o resto do mundo era incapaz de reunir uma demanda efetiva? Mais ainda, a reconstrução econômica ajudou a criar obrigações clientelares da parte das nações que recebiam ajuda dos Estados Unidos; esta idéia de obrigação alentou a disposição para entrar em alianças militares e, o que é ainda mais relevante, em subordinação política. AUGE DO COMUNISMO

Finalmente, não se deve subestimar o componente ideológico e cultural da hegemonia estadunidense. O período imediatamente posterior a 1945 pode bem ser o ponto mais alto da popularidade ideológica comunista na história. Hoje esquecemos com facilidade a quantidade de votos que os partidos comunistas obtinham nas eleições livres realizadas em

países como Bélgica, França, Itália, Checoslováquia e Finlândia, para não mencionar o apoio reunido pelos partidos comunistas na Ásia – Vietnã, Índia e Japão – e por toda a América Latina. Sem contar áreas como China, Grécia e Irã, onde as eleições livres seguiram ausentes ou limitadas, mas onde os partidos comunistas foram muito difundidos. Em resposta, Estados Unidos apoiaram uma grande ofensiva ideológica anticomunista. Esta campanha parece em boa medida bem-sucedida: Washington desempenhou seu papel como dirigente do “mundo livre” com a mesma eficácia com que a União Soviética desempenhou sua posição de dirigente no campo “progressista” e “antiimperialista”. O êxito dos EUA como poder hegemônico na etapa pós-guerra criou as condições do descenso hegemônico da nação. Esse processo está contido em quatro símbolos: a guerra no Vietnã, as revoluções de 1968, a queda do muro de Berlim em 1989 e os ataques terroristas de setembro de 2001. Cada um desses símbolos foi se sobrepondo ao outro até culminar na situação em que os Estados Unidos se encontram hoje: uma superpotência solitária que carece de verdadeiro poder, um dirigente mundial ao qual ninguém segue nem respeita e uma nação perigosamente à deriva em meio a um caos global que não pode controlar. Immanuel Wallerstein é professor emérito de Sociologia da Universidade de Binghamton, diretor do Fernand Braudel Center for the Study of Economics, Historical Systems and Civilizations e presidente da International Sociological Association. É também autor de dezenas de livros

MORADIA

Direito de morar com dignidade Simão Pedro déficit habitacional no Estado de São Paulo gira em torno de 1.116.000 casas nas áreas urbanas (dados da Fundação João Pinheiro). O problema desponta mais dramaticamente na região metropolitana da capital, onde as ocupações não acontecem por acaso. Ao contrário, resultam de uma sucessão de equívocos, da ausência de políticas para o setor, do descaso, da falta de planejamento, de participação popular. A Grande São Paulo, segundo a Fundação João Pinheiro, abriga 73,5% de toda a demanda por habitação do Estado, mas de 1995 a 99 recebeu do governo do PSDB apenas 31% da produção de unidades. Recursos não faltam: entre 2000 e 2004, o Estado destinou à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) nada menos que R$ 2,9 bilhões para moradias populares. Nem assim a população mais carente foi atendida. O governo estadual privilegia as famílias com renda de três a seis salários-mínimos, embora grande parte da demanda venha da população que recebe até três mínimos. Segundo o Ministério das Cidades, 82% do déficit habitacional no país encontra-se entre as famílias que se situam justamente nessa faixa salarial. Desde 2003 o governo Lula vem direcionando os programas habitacionais e recursos federais para atender às demandas mais necessárias. Em conjunto com a antiga gestão da Prefeitura de São Paulo, mais de dez prédios no Centro da cidade foram desapropriados para fins de moradia popular. No entanto, com a dupla

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Serra e Alckmin o projeto vem sofrendo diversas derrotas. FALTAM CRITÉRIOS

No nosso Estado, além de não levar em consideração os mais carentes, a política do governo tucano consiste, grosso modo, em destinar terrenos para a construção de pequenos prédios em bairros da periferia. Eleger terrenos da periferia como o ideal para a habitação popular é não apenas teimosia – é de falta de critério técnico, é cegueira frente a uma realidade confirmada por números. No extremo leste da capital, a oferta de empregos é de oito para cem pessoas, segundo estudos que serviram de base para a elaboração do Plano Diretor. De acordo com os mesmos estudos, no Bom Retiro, na região central, a relação é de 300 empregos para cada 100 pessoas. Nos últimos 15 anos, o Centro perdeu 20 mil moradores. No entanto, o secretário Emanuel Fernandes, da Habitação, afirma que investir na região seria muito oneroso para o Estado. Seria conseqüência de uma suposta, de uma súbita supervalorização? Prevalecendo essa linha, os hospitais, as escolas com vagas disponíveis, a rede de transportes e de equipamentos culturais do Centro seriam aproveitados por uma nova onda meramente especulativa. Novamente uma elite seria beneficiada, e não a população que tem o sonho de morar perto do local de trabalho. Não fosse assim, o Edifício São Vito não teria 3.084 fiéis moradores nas suas precaríssimas instalações. Como proposta para atender a essa demanda urgente da socieda-

de, elaboramos, em conjunto com o deputado estadual Mário Reali, projeto de lei que prevê a criação do Conselho e do Fundo Estadual de Habitação, a exemplo do que já ocorreu no âmbito federal, com a sanção pelo presidente Lula, em junho, do Fundo Nacional e do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. Estamos propondo que o Estado crie uma Comissão Especial de Análise de Despejos para acompanhar os processos de desocupação de áreas sujeitas à reintegração de posse que se caracterizem como assentamentos rurais e urbanos. O objetivo é evitar conflitos de ordem policial e jurídica. Nesse sentido, qualquer parte interessada num processo poderá solicitar que cópias das ações de reintegração de posse sejam encaminhadas à Comissão, que terá papel de discutir alternativas para as áreas a serem desocupadas de forma a garantir os direitos de todos os envolvidos na ação. No caso de haver decisão de reintegração e requisição de força policial pelo Poder Judiciário, o Poder Executivo comunicará imediatamente, antes do efetivo cumprimento, o prefeito da cidade, a Câmara Municipal, o Conselho Municipal e o Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, o Conselho Tutelar e, quando houver, o de Idosos do município. O Executivo deverá informar ainda a data e hora da reintegração e identificar as unidades policiais que atuarão no auxílio da ação. Simão Pedro é deputado estadual pelo PT-SP


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De 15 a 21 de setembro de 2005

agenda@brasildefato.com.br

AGENDA LIVRO

na rua. Serão enfocados diversos aspectos como a rotina de vida, estratégias de sobrevivência, vida escolar, trabalho, lazer e brincadeira, amizades, saúde, expectativas futuras e moralidade. Local: R. Ramiro Barcelos, 2600, Porto Alegre Mais informações: www.ailha.com.br/ceprua

SÃO PAULO - SEGREGAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADES SOCIAIS A obra, organizada pelos pesquisadores Eduardo Marques e Haroldo Torres, é composta de 12 textos em que cientistas sociais, estatísticos, economistas e urbanistas discutem os problemas urbanos e estruturais da cidade com base nas transformações ocorridas nas últimas três décadas. Dividido em três partes, o livro avalia desde elementos conceituais de segregação e pobreza urbanas até políticas sociais vigentes. A primeira parte contextualiza a formação dos grupos sociais e seus padrões, a segunda analisa as favelas e as moradias metropolitanas, incluindo discussões sobre desemprego e escolaridade. A terceira traz uma reflexão sobre as possíveis soluções para essas questões e exemplos de políticas sociais e investimentos feitos no município de São Paulo de 1975 a 2000. Organização: Centro de Estudos da Metrópole (CEM), Editora Senac. O livro custa R$ 55 Mais informações: (11) 3323-1546

CEARÁ SEMANA DE ESTUDO BÍBILCO 20 a 25 Promovida pela Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, a semana terá como tema central “Jó, a vida que brota do sofrimento – uma nova experiência de Deus” e tem como objetivo colocar em prática o que foi vivenciado durante o Curso de Verão na Terra do Sol, realizado anualmente em Fortaleza. A Semana terá missas temáticas e as seguintes palestras: “Introdução do tema/porta de entrada: Jó, o povo sofredor”; “A miséria e o sofrimento não vêm de Deus” e “Teologia ou ideologia contra os excluídos?” Local: Av. A, 760, Nova Metrópole, Caucaia Mais informações: (85) 3213-3722 www.cursodeveraofortaleza.com.br

Divulgação

SÃO PAULO

SÃO PAULO

LANÇAMENTO DA AGENDA LATINO-AMERICANA MUNDIAL 2006 30, 19h Desde 1993 é lançada a edição brasileira da Agenda Latino-Americana, com uma cerimônia no Parlamento Latino-Americano. Em 2006, o tema da Agenda será “Para outra humanidade, outra informação”, a partir do qual será tratada a questão das estratégias de comunicação como resistência contra o império. Participarão do lançamento o bispo dom Tomás Balduíno, a professora Maria Aparecida Aquino, o escritor Ferréz, o cartunista Carlos Latuff, uma representante da Marcha Mundial de Mulheres, entre outros. A agenda consiste em um livro que traz, para cada dia, as datas importantes das lutas dos povos do continente latino-americano, os nomes de seus mártires e textos de jornalistas, pesquisadores e religiosos sobre assuntos atuais. A publicação também contém importantes fontes de informações em todo o mundo. Local: Sede do Parlamento Latino-Americano, Av. Auro Soares de Moura Andrade, 564, São Paulo Mais informações: (11) 3824-6325

Formação Política, promovido pela Arquidiocese de Pouso Alegre e pelo Centro de Assessoria Sapucaí. Será ministrado pelo jornalista e professor da Pontifícia Universidade de Campinas, Carlos Gilberto Roldão. Local: Pça. Alcides Mosconi, Pouso Alegre Mais informações: (35) 3421-1248

diálogo entre diferentes realizadores e suas cinematografias. A Mostra apresenta as mais recentes produções de filmes e vídeos documentários de caráter etnográfico, incluindo produções clássicas e recentes. Durante o festival realiza-se também o Fórum de Cinema e Antropologia, um conjunto de atividades voltadas para o debate e a reflexão de temas dos dois campos. Vinculada a eventos que focalizam o filme etnográfico ao redor do mundo, a Mostra mantém contato com diretores de filmes, curadores de festivais e pesquisadores da área de antropologia visual. Local: Museu de Folclore Edison Carneiro, Museu da República,

RIO DE JANEIRO 10ª MOSTRA INTERNACIONAL DO FILME ETNOGRÁFICO Até 22 Exibição de documentários de caráter etnográfico, nacionais e internacionais, possibilitando um

Arte Sesc Flamengo e Memorial Getúlio Vargas Mais informações: info@mostraet nografica.com.br.

DEBATE - EDUCAÇÃO NA MÍDIA BRASILEIRA 21, a partir das 13h30 O Observatório da Educação, programa da ONG Ação Educativa, organiza a mesa de diálogo sobre a educação na mídia brasileira. O debate marca o lançamento da rede “Ação na mídia: comunicadores pela educação”. Local: R. General Jardim, 660, São Paulo Mais informações: (11) 3151-2333 (ramal 143), michelle@acaoeduca tiva.org ESPETÁCULO TEATRAL - PROMETEU Até 27 de novembro A peça, de autoria do poeta trágico grego Ésquilo e montada pela Cia Antropofágica, discute o mito de Prometeu, que foi contado por diversos autores desde a Antiguidade. A peça propõe, pelo estudo nº 1.1, a reflexão sobre a punição, seja ela de homens ou deuses, na expressão simbólica do mito. Local: Teatro Martins Pena, Lgo. do Rosário, 20, São Paulo Mais informações: (11) 293-6630

RIO GRANDE DO SUL CURSO - CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RUA Até dia 24 Promovido pelo Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua, o curso pretende discutir aspectos do desenvolvimento de crianças e adolescentes em situação de rua, priorizando perspectivas de intervenção direcionadas a essa população, tanto no contexto institucional como

VIGÍLIA NO TEATRO OFICINA Enquanto o Teatro Oficina Uzyna Uzona abre a temporada de Outono no Volksbühne am RosaLuxemburg-Platz Linienstrasse, na Alemanha, o espaço cultural do teatro, em São Paulo, continua em atividade, recebendo várias companhias da cidade. Confira a programação em: www2.uol.com.br/teatroficina/ Local: R. Jaceguai, 520, São Paulo Mais informações: (11) 3106-2818

DISTRITO FEDERAL

MATO GROSSO 4º ENCONTRO DE EDUCADORES AMBIENTAIS DE MATO GROSSO E 1º FÓRUM DO PROGRAMA DE FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO PANTANAL 10 a 12 de novembro Promovido pela Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental (Remtea), o objetivo dos eventos é aliar as políticas internacionais e nacionais às regionais, contribuindo para a formação política de quem atua na educação ambiental. Local: Centro Cultural da Universidade Federal de Mato Grosso, Av. Fernando Corrêa, s/nº, Cuiabá Mais informações: www.ufmt.br/ remtea

MINAS GERAIS DEBATE - OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E A POLÍTICA 17, das 9h às 17h O evento faz parte do curso de

RESENHA

Um presidente com estilo de matador Beth Caló de São Paulo (SP)

Divulgação

2º FESTIVAL INTERNACIONAL DE FILMES SOBRE DEFICIÊNCIA Até 18 Os objetivos do Festival, realizado sob o tema “Assim Vivemos”, são encorajar novas formas de compreender as deficiências e apresentar exemplos de superação de dificuldades e de inserção social. Durante o evento, haverá quatro debates e um ciclo de discussões que vai abordar temas como tecnologias da acessibilidade, comunicação e superação, sexualidade e formas de inclusão. Local: Centro Cultural Banco do Brasil, setor de Clubes Esportivo Sul, trecho 2, lote 22, Brasília Mais informações: (61) 3310-7087 www.assimvivemos.com.br/ cidades

A

inda há o que falar sobre a tragédia do 11 de setembro de 2001, no World Trade Center? A resposta é “sim”. Hoje, enquanto corpos emergem nas ruas de Nova Orleans, explicitando a administração criminosa de George W. Bush, novos documentos e pesquisas sobre o drama vivido em Nova York vêm à tona e revelam a incompetência e cumplicidade do presidente dos Estados Unidos na morte de milhares de pessoas, há 4 anos, na chamada Big Apple. O livro 11 de setembro de 2001, de José Carlos Sebe, Companhia Editora Nacional (88 páginas, R$ 16), por exemplo, relata fatos e versões sobre o drama nas Torres Gêmeas, incluindo as análises de Michel Chossudovsky (ensaísta e professor de Economia em Ottawa, Canadá), que não acredita na participação de Osama bin Laden no atentado, ou as convicções de Lyndon LaRouche, também economista e escritor, que enfatiza a hipótese de que há uma rede internacional interessada em promover espetáculos de alcance mundial, capazes de justificar guerras e ataques a países importantes na produção de petróleo. Ambos fazem parte de uma extensa lista de críticos estadunidenses que alertam: uma operação tão complexa como a derrubada das duas torres e o ataque ao Pentágono não seria viável sem a anuência, colaboração ou cumplicidade dos órgãos governantes. Este livro faz parte de uma coleção coordenada por professores e acadêmicos da Universidade de São

Novos livros sobre o 11 de Setembro revelam a cumplicidade do governo Bush na tragédia do World Trade Center

Paulo (USP), ligados ao Laboratório de Estudos Sobre a Intolerância (LEI) e ao Museu da Intolerância. Outros títulos já lançados: 6 de Agosto de 1945, de Fernanda Torres Magalhães; 25 de outubro de 1917, de Oswaldo Coggiola e Arlene Clemesha; 25 de Abril de 1974, de

Lincoln Secco; e 7 de Setembro de 1822, de Cecília Helena de Salles Oliveira. Todos escritos numa linguagem acessível e enxuta. Ainda sobre o 11 de setembro, vale conferir 102 Minutos, de Jim Dwyer e Kevin Flynn, jornalistas do The New York Times, lançado

recentemente pela Editora Jorge Zahar (332 páginas, R$ 34,50). E para quem gosta de misturar ficção com realidade, a sugestão é Windows on the World, sobre o mesmo assunto, do francês Frédéric Beigbeder, lançado pela Editora Record (352 páginas, R$ 39,90).


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CULTURA

De 15 a 21 de setembro de 2005

CINEMA

Em meio ao massacre, um herói João Alexandre Peschanski da Redação

não percebe que um massacre está para acontecer. Sua esposa (Sophie Okonedo), tútsi, implora para que eles, e seus filhos, fujam do país. Não convence Rusesabagina, que não perde a calma, apesar de evidências claras da intensificação da violência, como o surgimento de milícias urbanas. Em Ruanda, mostra o filme, tudo se baseia em dinheiro e o gerente pensa que, com suas poupanças e contatos com políticos ruandeses e representantes da ONU poderá garantir a segurança de sua família. Evita envolver-se com política. Porém, quando a violência se alastra, toda a vizinhança vem refugiar-se em sua casa. Ele é o único hútu em quem confiam. A partir daí, Rusesabagina usa seu dinheiro e influência para impedir o massacre de dezenas de pessoas. Refugia-as no hotel. Aos poucos, este se torna um santuário para tútsis, que chegam, às centenas. Na rádio, comandada pelos genocidas, o locutor tenta mobilizar as milícias para atacar o hotel. Segundo o diretor de Hotel Ruanda, em entrevista veiculada pelo portal Vermelho, o trabalho heróico de Rusesabagina deve ser continuado. Dois milhões de ruandeses, principalmente tútsis, estão em campos de refugiados, de acordo com informações de entidades de direitos humanos. Na página oficial do filme na internet – www.hotelrwanda.com –, há um botão para fazer doações para uma campanha de ajuda a refugiados.

“A

s milícias do governo querem nos matar”. A mensagem, desesperada, foi recebida por diversos jornais e políticos em todo o mundo, em 1994. Provinha de um grupo de refugiados em um hotel em Kigali, capital do Ruanda, país da região central da África. Tentavam escapar das milícias que controlavam o país, e massacraram 800 mil pessoas. Durante anos, o genocídio ruandês não passou, para muitas pessoas, de uma lembrança. O filme Hotel Ruanda, dirigido pelo irlandês Terry George, relata a construção do genocídio, baseando-se em fatos reais. O primeiro ingrediente é o legado colonial. Os belgas dominaram Ruanda até 1962. Para manter o controle do país, criaram uma etnia de apoiadores do próprio território – os tútsis – que faziam valer a dominação dos europeus sobre a maioria da população, à qual foi dado o nome de hutu. O conflito entre os dois grupos, criados artificialmente pelos belgas, remonta desde o período colonial. O segundo ingrediente é, apesar da iminência do genocídio, a omissão dos países estrangeiros em conter a matança. A frase do representante da Organização das Nações Unidas (ONU), papel de Nick Nolte no filme, retrata a situação: “Nenhum país rico vai mandar soldados para ajudar negros”. No Ruanda, segundo dados oficiais, 97,5% da população tem a cor de pele negra. Diante do massacre, surge o terceiro ingrediente: o heroísmo. Do gerente de hotel Paul Rusesabagina, representado por Don Cheadle. Quando milícias hútus começam a assassinar sua vizinhança, majoritariamente tútsi, não titubeia: tenta salvar todas as vidas que pode.

Fotos: Divulgação

Filme relata a coragem do gerente de hotel, em Kigali, capital ruandesa, que enfrenta genocidas para salvar refugiados

NARRATIVA DE UM GENOCÍDIO A narrativa do filme se inicia antes do genocídio. Há muita tensão em Kigali, mas Rusesabagina, gerente do Hotel Mille Collines, estabelecimento cinco estrelas,

Hotel Ruanda, do diretor irlandês Terry George, relata a construção do genocídio no país africano, baseando-se em fatos reais

ARTES PLÁSTICAS

da Redação A partir de relatos de torturas sofridas por presos políticos durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-1984), artistas plásticos latino-americanos produziram os quadros que compõem a exposição Sala Escura da Tortura, em cartaz desde o dia 14 no Museu do Ceará. A exposição ocupa uma sala de 28 metros quadrados formada por sete quadros de dois metros de altura. Em cada um deles sobressaem do fundo negro figuras humanas em tamanho natural, coloridas em cinza e branco. As figuras retratam torturas sofridas por frei Tito de Alencar e por outros presos políticos da ditadura. Os quadros foram produzidos no início da década de 1970, na França, onde frei Tito estava exilado. Os relatos foram dramatizados por artistas locais, fotografados por Julio Le Parc e, posteriormente, essas fotos serviram de inspiração para a produção das obras. Além do argentino Le Parc, também assinam os quadros o também argentino Alexandre Marco, o brasileiro Gontran Guanaes Netto e o uruguaio Gamarra. Todos também estavam exilados na França em virtude dos governos ditatoriais de seus respectivos países. A exposição, apresentada pela primeira vez em Paris, em 1973, já passou, entre outros países, por Alemanha, Itália, Suíça. Em 2003,

Fotos: Instituto Frei Tito de Alencar

As salas escuras da tortura no Brasil

Mostra de artistas plásticos latino-americanos retratam torturas sofridas por frei Tito de Alencar e outros presos políticos da ditadura militar no Brasil

foi trazida ao Brasil para o 3º Fórum Social Mundial, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul.

QUEM FOI FREI TITO Frei Tito de Alencar morreu em 1974, na capital francesa, onde estava exilado. Militante estudantil, opositor da ditadura militar, foi preso por mais de uma vez e submetido à tortura. Se estivesse vivo, teria completado 60 anos em 14 de

setembro. Dirigente da Juventude Estudantil Católica em 1963, em outubro de 1968 foi preso por estar participando de um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna. No início de 1970, frei Tito foi torturado nos porões da Operação Bandeirantes. Na prisão, escreveu sobre a sua tortura e o documento correu pelo mundo, transformandose em símbolo de luta pelos direitos

humanos. Em 1971 foi deportado para o Chile e, sob a ameaça de novamente ser preso, fugiu para a Itália. Em Roma, não encontrou apoio da Igreja Católica, por ser considerado um “frade terrorista”. De Roma foi para Paris, onde encontrou o tão esperado refúgio, recebendo apoio dos dominicanos. Traumatizado pela tortura que sofreu, frei Tito submeteu-se a um tratamento psiquiátrico. No dia 10

de agosto de 1974, um morador dos arredores de Lyon encontrou o corpo de frei Tito, suspenso por uma corda. A causa da morte – suspeita de suicídio – tornou-se um enigma. Em março de 1983, o corpo de frei Tito chegou ao Brasil. (Com Adital,www.adital.org.br ) Museu do Ceará (Musce) R. São Paulo, 51, Centro, Ceará Tel. (85) 3101-2611


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